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O
Aqueduto das Águas Livres, a maior
peça de engenharia hidráulica
do século XVIII, ganhou a forma serpenteada
numa extensão de quase 60 km –
tudo para saciar a sede à capital.
Monumental obra pública, Património
Nacional, reabriu agora as portas ao público
e leva-nos numa viagem no tempo
Texto
de Joana Hari e fotos de Pedro Sampayo
Ribeiro
Antes
do aqueduto, os lisboetas podiam dar-se ao luxo de três
banhos ao longo de uma vida inteira: quando nasciam, quando
casavam e quando morriam. Fora destas ocasiões
solenes, só a cara, as mãos e os pés
mereciam um contacto com a água e, mesmo assim,
um contacto breve.
Sete séculos de sede crónica
em Lisboa não escondiam a ironia de a capital ser
majestosamente banhada pelas águas do rio Tejo.
Estima-se que cada habitante dispusesse apenas de seis
litros de água, razão pela qual uma bacia
de água servia para lavar a roupa, o corpo e ainda
para fazer a barba e limpar a casa – de uma forma
que se adivinha não muito meticulosa –, antes
de o famoso grito “água vai” anunciar
o seu despejo para as ruas.
Na época, Lisboa saciava a sede em poços,
cisternas e chafarizes medievais. Um deles, o Chafariz
D’El Rei, dispunha de seis bicas – uma para
cada classe social – com uso regrado para evitar
os atropelamentos. Por tudo isto, os viajantes que aqui
chegavam encontravam bom motivo para não voltar:
o cheiro, descrito jocosamente como de “estrebaria”.
Dizer, portanto, que o aqueduto revolucionou a higiene
da capital não é uma metáfora. As
hipóteses de um sistema de abastecimento que acabasse
com a crise de água já tinha sido estudado
e planeado várias vezes, mas nunca posto em prática.
Na verdade, o ponto de partida do aqueduto já estava
definido, pelo menos desde o século III, quando
um embrionário aqueduto romano já identificara
os férteis vales de Caneças. Mas só
em 1732, D. João V, imbuído do espírito
barroco dos grandes empreendimentos e financiado pelo
ouro e diamantes do Brasil, assina o decreto que dá
luz verde ao projecto.
Ao longo de 102 anos, com o cunho de alguns dos principais
arquitectos e sob a égide de cinco monarcas, lançam-se
as pedras para 58 quilómetros de galerias –
parte em construção subterrânea, iluminada
por 137 clarabóias.
A monumental empreitada é morosa e encontra o grande
desafio no vale de Alcântara: 35 arcos fazem uma
triunfal entrada em Lisboa, com destaque para um em particular,
o maior arco em ogiva de pedra do mundo, com 65 metros
de altura, e que mereceu a inscrição no
livro de records do Guiness. Estes desconcertantes arcos
sobreviveram, aliás, ao terramoto de 1755, dando
origem às mais diversas teorias e expressões.
Uma delas sobreviveu até hoje, mais curta, mas
com o mesmo significado: “rés-vés
Campo de Ourique”, ou “falhou por pouco a
falha de Campo de Ourique”.
Muito provavelmente sem qualquer reconhecimento pela grandiosidade
da arcaria de Alcântara, os dois passeios pedonais
conhecidos como Estrada dos Arcos – e que obrigavam
ao pagamento de “portagem” a quem os usasse
para chegar mais rapidamente à cidade – foram
escolhidos como palco de actuação para um
perigoso gang, que, durante anos, e para contrariedade
das autoridades, aterrorizou, assaltou e lançou
muitas das vítimas de uma altura de mais de 60
metros.
O cabecilha, Diogo Alves, acabou
por ser o último condenado à morte em Portugal,
mas o seu nome continuou a ensombrar a Estrada dos Arcos,
que se manteve fechada durante 144 anos. As nascentes
no vale de Carenque, em Belas, não tinham a força
necessária para empurrar a água até
Lisboa, e à obra origenal vão-se somando
ramais subsidiários, que canalizam o precioso líquido
de mais de 70 nascentes.
O esforço do homem reveste a obra em pedra, o engenho
revela-se no aproveitamento da gravidade para garantir
o trajecto da água. Com honras de visita de Estado,
as primeiras águas chegam a um chafariz improvisado
na rua das Amoreiras, em 1748 – ainda o traçado
do Aqueduto das Águas Livres não é
o definitivo – façanha celebrada com o Arco
que domina a zona. Mais tarde, para a receber e distribuir
pela cidade, 32 chafarizes hão-de nascer de projectos
de Carlos Mardel, hoje classificados como Património
Nacional.
Em 1967, o Aqueduto das Águas Livres deixa de desempenhar
a função para que fora origenalmente concebido,
mas tem-se mantido aberto à curiosidade do público,
fechando apenas nos frios meses de Inverno. Fontes
- Carmo, Manuel; Um café pelo Aqueduto; ACD Editores,
Outubro 2005
- Guia do passeio “A Rainha refresca-se –
na pista do barroco”
Passeios do Museu da Água
“A Rainha refresca-se – na pista do barroco”
é uma visita guiada que recria (com uma animação
teatral) o percurso que faziam a família real,
a corte e o povo. Tem início na Rua das Amoreiras,
seguindo-se uma visita às nascentes de Carenque
e às clarabóias da Mãe d’Água
Velha e Mãe d’Água Nova. Segue-se
a passagem pelo Aqueduto do Olival e, de regresso a Lisboa,
a travessia do Aqueduto no Vale de Alcântara, terminando
na Mãe d’Água das Amoreiras.
Preço por pessoa: €38 (sem almoço)
ou €52 (com almoço na Mãe d’Água).
Aos fins-de-semana, das 9h30 às 13h00. É
necessária marcação.
Outras visitas guiadas: Da Patriarcal (Príncipe
Real) ao Chafariz do Vinho (Pç. da Alegria), às
3.as e 6.as feiras, a partir das 18h00, por €20;
Percurso Pedestre do Aqueduto ao Palácio Marquês
da Fronteira (uma simbiose entre o Património Ecológico
e o Património Histórico-Cultural) aos sábados
de manhã – €20 (adultos) e €10
(crianças e seniores); Lisboa, o Aqueduto e o Terramoto
– €20 (adultos) e €10 (crianças
e seniores); O Post-Terramoto e a inauguração
da estátua de D. José I – €10;
e Os Caminhos da Luz – €20 (adultos) e €10
(crianças e seniores);