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1. A perícia criminal surgiu com o Estado moderno buscando a verdade sobre fatos delituosos de forma imparcial. 2. A criminalística foi desenvolvida no século XIX aplicando ciência à investigação criminal, com Hans Gross e Edmond Locard sendo figuras centrais. 3. O perito criminal usa conhecimento científico para reconstruir fatos passados e ajudar na resolução de casos criminais.

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Ricardo Almeida
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1. A perícia criminal surgiu com o Estado moderno buscando a verdade sobre fatos delituosos de forma imparcial. 2. A criminalística foi desenvolvida no século XIX aplicando ciência à investigação criminal, com Hans Gross e Edmond Locard sendo figuras centrais. 3. O perito criminal usa conhecimento científico para reconstruir fatos passados e ajudar na resolução de casos criminais.

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E-BOOK

DOCUMENTOSCOPIA FORENSE - TEORIA BÁSICA

PARTE I

2020

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Sobre o autor

Fábio Braga é perito criminal da PCDF desde 2002. É


formado em Física, Direito e Processamento de Dados.
Especialista em Ciências Penais. Mestre em Gestão. Atua e é
especialista nas áreas da perícia documental e em cenas de
crime. Foi chefe da Seção de Perícias Documentoscópicas e
da Seção de Crimes Contra a Pessoa do Instituto de
Criminalística da PCDF. É Diretor Presidente da Fundação
de Peritos em Criminalística Ilaraine Acácio Arce, entidade
voltada ao fomento de pesquisas científicas em ciências
forenses. Leciona na Escola Superior da Polícia Civil do DF
e em cursos de pós-graduação em ciências forenses.

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1. DOCUMENTOS, SOCIEDADE E TUTELA DO ESTADO

Historicamente, a atividade pericial se confunde com o nascimento do Inquérito Policial.


Entretanto, a peça denominada “inquérito” é relativamente nova na resolução de conflitos sociais.
Nesse sentido, Foucault (2005, p. 12) revela que:

[...] o que chamamos de inquérito - inquérito tal como é e como foi


praticado pelos filósofos de século XV ao século XVIII, e também por
cientistas, fossem eles geógrafos, botânicos, zoólogos, economistas - é
uma forma bem característica da verdade em nossas sociedades [...]. E foi
no meio da Idade Média que o inquérito apareceu como forma de pesquisa
da verdade no interior da ordem jurídica.

Configurações políticas, econômicas e sociais em dada época fizeram eclodir uma nova
forma de relação de verdade no mundo jurídico. Antes, tinha-se uma estrutura binária, onde litigavam
sobre um dado fato somente vítima e suposto autor, estando a verdade tangível em um plano inferior.
Desde o séc. XVIII, o litígio passa a ser revolvido por um poder exterior, que substitui a vítima no
contexto do conflito. A pretensa ofensa passa a ser contra o Estado, que além de lesado, é também o
ente a ser reparado. O inquérito, e paulatinamente a prova pericial, passa a ser fundamental nesse
novo jogo de busca da verdade.
A perícia criminal, ao longo desse processo, foi alçada a uma posição de destaque no jogo
processual penal. Dentre os diversos meios de prova contemporaneamente aceitos, a prova pericial
tem sido considerada essencial tanto para a elucidação de fatos, quanto para a promoção dos Direitos
Humanos.
A Criminalística é ciência sobre a qual se apóia a prova pericial. A partir de ramos mais
diversos do conhecimento científico - matemática, física, química, biologia, etc. -, atua no sentido de
reconstruir um fato do passado ou atestar um acontecimento do presente, mas sempre com uma
característica singular: o lastro da cientificidade. Desse modo, o Perito Criminal - profissional
responsável pela elaboração dessa prova - exerce o papel social de um cientista, aplicando seus
conhecimentos e métodos no sentido de prover o julgador com a verdade que melhor aproxima-se
dos fatos de interesse penal acontecidos.
A gênese da atividade forense, bem como o seu desenvolvimento, relaciona-se com a
nova configuração adotada pelo Estado moderno para solucionar conflitos sociais. Se antes os
conflitos, inclusive aqueles de cunho criminal, eram considerados elementos da esfera privada dos
cidadãos, esse novo rearranjo inseriu um terceiro elemento entre os litigantes: a estrutura burocrática
estatal.

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Os historiadores denominam essa fase de transformação como “racionalização”.
Racionalização pois os processos que permeavam as atividades humanas no meio social foram
burocratizados, para usar o tipo ideal descritivo de Max Weber. A especialidade das funções estatais
entra em voga e o Estado passa a avocar para si de forma monopolizada uma série de atividades que
até então encontravam-se difusas no meio social, entre elas o poder investigativo e o poder de dizer
o direito (poder de subsunção dos fatos sociais às normas abstratas concebidas).
Maliska, em análise da obra de Weber sobre o Estado Moderno, resume essa transmutação
da seguinte maneira (2006, p. 20-21):

Em outras palavras, o Estado define-se como a estrutura ou o agrupamento


político que reivindica, com êxito, o monopólio do constrangimento físico
legítimo. A esse caráter específico do Estado, acrescentam-se outros traços: de
um lado, comporta uma racionalização do Direito com as consequências que
são a especialização dos poderes legislativo e judiciário, bem como a
instituição de uma polícia encarregada de proteger a segurança dos indivíduos e
de assegurar a ordem pública; de outro lado, apoia-se em uma administração
racional baseada em regulamentos explícitos que lhe permitem intervir nos
domínios os mais diversos (...)

Mas essa nova configuração, explica Anitua (2008, p. 39), não poderia ter se desenvolvido
sem a intervenção e a apropriação de fatos sociais por especialistas e burocratas. As novas formas
jurídicas, econômicas, políticas e sociais somente foram alavancadas em função do surgimento desses
novos personagens e de suas novas funções.
No Direito, especificamente, a consequência direta dessa “racionalização” do poder de
punir foi a expropriação do conflito privado. O Estado Moderno avocou para si a solução do conflito.
Ao lado da vítima personificada, o ente estatal tornou-se a vítima abstrata da lesão sofrida, passando
a integrar um dos pólos da relação jurídica estabelecida. A reparação do dano causado, que antes era
direcionada para a vítima personificada, agora é um direito do Estado.
O Estado, portanto, como ente interessado, passa a ser o responsável por reconstruir a
verdade dos fatos delituosos, com o intuito de julgá-los e apená-los. Se antes provas sociais
(importância do indivíduo na sociedade), verbais, mágico-religiosas e até corporais (ordálios) eram
aceitas entre os litigantes, no século XIX ganha fôlego o inquérito como meio primordial de prova,
como forma investigativa de se atingir a “verdade” desses fatos.
Foucault (2005) explica que com o advento do inquérito (inquisitio) os outros sistemas
de provas foram abandonados. Esse novo modelo tem como características a centralização do poder
político e a utilização de uma metodologia (uma série de perguntas a serem respondidas) em busca
da verdade. O inquérito surge com o condão de reconstruir do passado para torná-lo presente nas
mãos do julgador.
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Esse rearranjo, segundo Foucault, condiciona o surgimento de novos saberes. O advento
dessa nova prática judiciária faz nascer um novo sujeito de conhecimento. As novas práticas sociais
que orbitam ao redor do inquérito engendram novos domínios de saber, fazendo aparecer objetos de
estudo, conceitos, técnicas, metodologias.
De fato, no século XIX, a partir desses novos problemas jurídicos, com a emersão de
novas práticas judiciárias, foram desenvolvidas novas áreas do conhecimento humano. É nesse
período, em meio ao cientificismo e positivismo dominantes, que ocorre a gênese de formas
específicas de conhecer o problema criminal. Entre a Sociologia, Psicologia e Criminologia, surge
uma nova forma de conhecer: a Criminalística.
O uso do conhecimento científico no auxílio da formação da prova é anterior ao século
XIX. O Código de Hamurabi (1800 A.C.) já preceituava que a suspeita não era suficiente na
imputação de um crime a uma pessoa. Eram necessárias provas nesse sentido, dentre elas o exame do
local do crime.
Entretanto, a sistematização da matéria, a sua organização, ocorre em meados do século
XIX. O nascimento da Criminalística é atribuído ao austríaco Hans Gross. Em 1893, Gross lança um
livro (Criminal Investigation) descrevendo a aplicação de disciplinas científicas - matemática, física,
geologia, química, biologia - no bojo da investigação criminal. Além disso, é atribuído a Gross a
fundação do primeiro Instituto de Criminalística, na Universidade de Graz da Áustria.
Gross, no capítulo dedicado à inserção do expert na investigação criminal, indica logo no
início a importância desse especialista e seus conhecimentos para a persecução penal (p.178):
“Experts are the most important auxiliaries of an investigating officer; in some way or other they
nearly always are the main factor in deciding a case (...)”.
Ao lado de Hans Gross, Edmond Locard ganhou um papel de protagonista na história do
desenvolvimento da Criminalística. Considerado o pai da Criminalística moderna, o cientista francês
enuncia, em 1920, o princípio basilar da Criminalística, que norteia até os dias de hoje a atividade
forense: o princípio da troca.
Nasce aqui a atividade forense. Criada para auxiliar a investigação criminal, a
Criminalística arvora-se do conhecimento científico das mais diversas áreas para alicerçar conclusões
relacionadas a um fato considerado delituoso. Seu papel primordial é recontar um fato do passado e
apontar o autor desse fato a partir da ciência. Inúmeros acontecimentos ocorreram ao longo desse
desenvolvimento, fortalecendo e sedimentando essa nova forma de conhecer o crime e prová-lo.
Dentre essas diversas novas áreas do saber, destaca-se a Documentoscopia.
O nascimento da Documentoscopia como ciência, além de ter alicerce em todo esse
arcabouço social, político e econômico, é precedido pelo desenvolvimento do documento na

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sociedade. O significado puramente etimológico da palavra - ensinar, informar - sintetiza de forma
cristalina o seu grau de importância ao longo da história humana.
De fato, o ser humano, enquanto ser pensante, produz conhecimento desde sua origem.
As manifestações do intelecto humano sempre abrangeram as mais variadas áreas. Entretanto, tais
manifestações, desde que não captadas por algum meio, perdem-se - ou perderam-se - no mesmo
instante da cessação do pensamento. A ideia basilar sobre documento recai sobre esse incômodo
cognitivo. Como perenizar tais manifestações, de forma que elas possam ser ensinadas, transmitidas
para outras gerações, perpetuadas para futuro aproveitamento? O texto de Sylvio do Amaral condensa
com maestria essa gênese (2000, p.4):

O documento surgiu na vida do homem como receptáculo do seu pensamento


e das suas manifestações de vontade, capazes de desvanecerem-se no mesmo
instante da formulação oral se não fossem retidos para a memória dos tempos
através da reprodução escrita. Quando homem sentiu a necessidade ou a
conveniência de cristalizar por meio de símbolos escritos uma prece religiosa,
uma fórmula meramente especulativa ou os primeiros rudimentos da sua
ciência incipiente, para impedir, assim, a dissipação da ideia a ser transmitida
aos semelhantes e às gerações futuras, - nesse momento nasceu o documento
de caráter científico, artístico ou religioso, como depósito de conhecimentos
humanos. Quando, pela primeira vez, um credor defrontou-se com a malícia
do mau devedor, capaz de negar a obrigação solenemente assumida mas não
testemunhada, ou de deturpar-lhe os termos para suavizar seus deveres,
brotou no espírito humano e ideia de reduzir a escrito as manifestações de
vontade, como modo adequado de obviar a tendência natural do homem de
locupletamento indevido - e aí apareceu o documento como meio de prova de
direitos e obrigações individuais.

Assim, em um primeiro momento, os documentos surgem no meio social com a função


precípua de transmitir e perpetuar manifestações do intelecto humano. As manifestações culturais, a
ciência, as artes e a religião foram, de certa forma, os primeiros destinatários da produção documental.
Não obstante, com o avançar da carruagem nas estradas da história, os documentos,
paulatinamente, passaram a ter um outro papel. Com a proliferação, e consequente complexidade, das
interações sociais, os documentos começaram a ser utilizados para regular as relações crescentes entre
os indivíduos e entre esses e o Estado nascente. A convivência social, aos poucos, entremeia-se e
regula-se a partir dessas manifestações escritas, condensadas em algum suporte, de modo a perenizar
e dar segurança aos direitos, deveres e obrigações tão comuns na sociedade complexa que aos poucos
se formava.
É justamente dessa parte que se ocupa o Direito. Com a crescente expansão e importância
dos documentos no meio social, surge a necessidade de um marco regulatório que proteja a
fidedignidade da manifestação de vontade. Diante da própria dinâmica social, faz-se necessário que
a credibilidade de um documento seja apriorística para se manter a fluidez das relações. É
inimaginável, por exemplo, no corpo social moderno, a cada momento em que se está diante de um
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documento perquirir-lhe a veracidade das informações ali presentes: contratos, cédulas, carteiras de
identidade, carteiras de trabalho, assinaturas devem ser encarados, em primeiro plano, como sendo
manifestações autênticas, de modo a permitir que as relações que deles decorram sejam
operacionalizadas.
Deve-se, portanto, em um primeiro momento, crer-se na veracidade do conteúdo de um
documento. Essa crença universal faz-se necessária para que a engrenagem das relações sociais
funcione de forma dinâmica. Nesses termos, no mundo do Direito, convencionou-se chamar de FÉ
PÚBLICA essa crença universal, e é sobre ela que recai toda a proteção jurídica construída
normativamente sobre os documentos.
Note-se que as Ciências Forenses - aqui insere-se a Documentoscopia- são um
instrumento do Direito moderno, apresentando-se como uma dimensão de assessoramento diante
dele. Como faces de um mesmo prisma, portanto, o entendimento do principal é primordial para a
compreensão do acessório.

2. O CONCEITO DE DOCUMENTO
O objeto de trabalho da Documentoscopia - área de interesse no escopo desse trabalho - é o
documento. Intuitivamente, o senso comum tem uma certa noção do que seja um documento e uma
série de exemplos podem ser listados de plano quando a questão é posta em discussão. Entretanto,
qual o conceito de documento? Existe um ou vários atributos que reúnam todos os exemplos em um
único enunciado?

O problema, que num primeiro momento apresenta-se de uma simplicidade inerente, é um


pouco mais complexo do que se imagina.

Entre os séculos XVIII e XIX, com o desenvolvimento do pensamento humano no momento


histórico conhecido como Renascimento, o mundo ocidental - sobretudo europeu — experimentou
um aumento considerável de registros nos campos artístico e, notadamente, científico. Na
efervescência do momento, o conhecimento humano passa a desenvolver-se em marcha crescente.
As publicações científicas e técnicas passam a ser produzidas em velocidade não antes conhecida, e
naturalmente surge uma preocupação: como gerenciar esse conhecimento, esses registros, no intuito
de os armazenar, preservar, representar, difundir, selecionar e reproduzir?

No início do século XX, uma nova área do conhecimento surge como resposta a essa
demanda. A documentação, cujos especialistas são denominados documentalistas, passa a ser a
ciência (ou ao menos o conjunto de técnicas) responsável por administrar as questões que envolvem
os documentos, desde o seu armazenamento até o seu oferecimento. No seu nascedouro, esse conjunto
de técnicas tem por escopo os registros impressos. Entretanto, com o seu desenvolvimento, passou-

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se a questionar esse domínio, que, na visão de muitos documentalistas, deveria ser ampliado, pois o
conceito de documento não se restringiria a somente essas espécies de registros.

Michael K. Buckland (1997, p. 805) expos a questão nos seguintes termos:

Documentation was a set of techniques developed to manage significant (or


potencially significant) documents, meaning, in pratice, printed texts. But
there was (and is) no theoretical reason why documentation should be limited
to texts, let alone printed texts. There are many other kinds of signifying
objects in addition to printed texts. And if documentation can deal with texts
that are not printed, could it not also deal with documents that are not texts at
all? How extensively could documentation be applied? Stated diferently, if
the term “document” were used in a specialized meaning as the technical term
to denote objects to which the techniques of documentation could be applied,
how far could the scope of documentation be extended. What could (or could
not) be a document? The question was, however, rarely formulated in these
terms.

Alguns documentalistas clássicos começaram a se debruçar sobre o problema da


conceituação do termo documento. Paul Otlet em seu Traité de documentation (1934) e Suzanne Briet
no seu manifesto publicado em 1951 - Qu’ est-ece que la documentation (o que é um documento) -
ensaiaram as primeiras respostas, ampliando as noções até então consideradas. Para Otlet, documento
seria qualquer registro gráfico ou escrito que represente uma ideia, ou até mesmo objetos, desde que
se pudesse retirar alguma informação deles a partir da observação. Briet, por sua vez, definiu
documento como sendo um signo físico ou simbólico, preservado ou registrado, que represente,
reconstrua ou demonstre um fenômeno físico ou conceitual.

Essa breve explanação histórica serve para demonstrar que a conceituação não é tarefa
simplória. Muitos documentalistas atuais argumentam que o conceito continua em aberto. Entretanto,
para o propósito da Documentoscopia, precisa-se de uma delineação.

Uma primeira aproximação encontra-se no Direito. Para o Direito Penal, por exemplo,
documento é a peça que possui os seguintes atributos:

a) apresenta-se na forma escrita sobre coisa móvel, não constituindo documento pinturas,
gravações etc.;

b) possui um autor determinado; escritas anônimas não configuram um documento;

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c) deve conter uma manifestação de vontade ou a exposição de um fato: a simples aposição
de uma assinatura em um papel em branco não é um documento, como também não o é escritos
sem sentido ou ininteligíveis;

d) deve ter relevância jurídica, ou seja, o escrito deve ter alguma consequência no campo
jurídico.

A definição jurídica de documento, entretanto, é muito restritiva para ser aplicada na


Documentoscopia. Uma carta suicida apócrifa não se encaixa em tal definição, mas mesmo assim é
tarefa do perito documentoscópico analisá-la para determinar-lhe a autoria. É necessário um conceito
um pouco mais amplo.

Na doutrina documentoscópica, diversos autores aventuraram-se na tarefa de conceituar o


que seja um documento.

Huber e Headrick (1999) explicaram que os documentos são o registro das ações passadas e
das intenções futuras; documento é o portador da mensagem da nossa civilização.

David Ellen (2005) definiu da seguinte forma:

“A definição conveniente de documento é algo que contém uma informação.


(…) documentos considerados nesse livro são aqueles que normalmente são
feitos em papel, mas também em outros suportes como quadros, paredes, e
até corpos podem portar mensagens (tradução nossa)”.

Kelly e Lindblom (2006) deram se seguinte contribuição:

(…) um documento é somente um pedaço de papel com um texto escrito a


mão ou impresso? Não, não é, pelo menos no que se refere à
Documentoscopia. Em conceito amplo, documento é qualquer material
que contém marcas, símbolos ou sinais que tenham algum significado ou
transmitam alguma mensagem. Grande parte dos documentos são
produzidos em papel, seja por meio eletrônico/mecânico, seja pela escrita
com canetas ou lápis, mas eles podem também ser produzidos por outros
instrumentos em uma variedade de superfícies.

Magdalena Ezcurra e Goyo Grávalos (2010) tangenciaram o problema.

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Desde a antiguidade o homem deseja deixar gravado para a posteridade todo
tipo de vivências, acontecimentos, pensamentos, conhecimentos,
sentimentos, invenções, arte, de alguma maneira tudo quanto afetava a sua
vida e o seu entorno. Para isso tem se valido de todos os modos de expressão
possíveis, e em particular os documentos escritos (tradução nossa).

Na doutrina brasileira, destacam-se as palavras de Del Picchia Filho et.al.:

Documento é a peça que registra uma ideia. Esse registro se faz habitualmente
através da escrita, podendo se apresentar sob a forma de marcas, imagens,
sinais ou outras convenções. Os suportes são os mais variados, sendo o papel
o mais comum. As escritas, no início, resultaram exclusivamente de gestos
humanos. Com o tempo, foram alcançadas por meios mecânicos.

A leitura combinada dessas definições imprime um norte no entendimento do que seja um


documento para a Documentoscopia. Não se trata de um conceito demasiado amplo, como
propuseram os documentalistas, nem tampouco tão restrito, como traz a doutrina jurídica. Pode-se
definir o que seja um documento para o campo de atuação da Documentoscopia como toda
manifestação humana condensada em um suporte, excetuando-se, em regra, os meios eletrônicos, os
desenhos, as pinturas e as manifestações artísticas em geral.

3. A PROTEÇÃO DO DOCUMENTO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1. O conceito de prova no âmbito do Direito


O termo “prova” não é unívoco. Apesar de ser um termo basilar no Direito, sobretudo no
Direito Penal e Processual Penal, possui várias acepções que precisam ser desveladas para o alcance
de todo o seu conteúdo. Ada Pellegrini Grinover et al (2004, p. 141) ressalva sua importância nos
seguintes termos:

Toda pretensão prende-se a algum fato, ou fatos, em que se fundamenta. As


dúvidas sobre a veracidade das afirmações feitas pelas partes no processo
constituem as questões de fato que devem ser resolvidas pelo juiz, à vista da
prova de acontecimentos pretéritos relevantes. A prova constitui, assim, uma
primeira aproximação, o instrumento por meio do qual se forma a convicção
do juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência de certos fatos.

Em primeiro plano, pode-se conceituar prova sob o prisma do ato de provar. Nesse sentido,
trata-se do processo a partir do qual se verifica a procedência, a verdade ou a exatidão dos fatos que
se alegam. Dentro do processo, corresponde à fase probatória, onde as partes estão abertas para
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apresentarem os elementos que servirão para formar a convicção do magistrado. Refere-se ao
conjunto de atos processuais destinado à revelação de um ou mais acontecimentos no mundo dos
fatos.

A segunda acepção relaciona-se aos meios que podem ser utilizados para esse fim. Uma
série de instrumentos estão catalogados e disponíveis para que as partes, e em alguns casos, o próprio
juiz, possam demonstrar que dado fato ocorreu. A prova testemunhal e a prova pericial são exemplos
de instrumentos que podem ser usados no ordenamento brasileiro.

Por fim, tem-se como prova o resultado da ação de provar. Apresentados os meios de prova,
o juiz forma sua convicção. Diz-se, por exemplo, que está provado que o documento A é falso.

Difícil, portanto, é a tarefa de conceituar-se o termo. Por se tratar de um conceito equívoco,


não é possível abarcar em uma única definição o que seja prova, sob pena de deixar-se à margem
alguma de suas acepções. Não obstante, no presente contexto, a atenção recai sobre uma acepção
específica: prova como instrumento, como meio para atingir-se ou aproximar-se da verdade do mundo
dos fatos.

A prova pericial, dentre as acepções correntes, assume um caráter instrumental. É,


indubitavelmente, o meio de prova que melhor pode aproximar o julgador da realidade acontecida. O
seu lastro científico afasta de sua confecção juízos demasiados subjetivos, e configura-se em fonte
segura de saber ao investigador e ao julgador.

Quando o objeto do mundo real a ser analisado é um documento, a prova pericial torna-se
fundamental. É ela, nesse contexto, que irá fazer a perfeita aproximação entre o mundo dos fatos e o
mundo abstrato das normas penais (em Direito, essa aproximação é chamada de subsunção).

A Documentoscopia é o instrumento das Ciências Forenses que irá construir o elo entre tais
mundos. Não obstante, antes de entrar em seu domínio, é importante aventurar-se pelo mundo abstrato
das normas relacionadas aos documentos.

3.2. O bem jurídico tutelado

Na nossa sociedade, a proteção dos documentos foi erigida a um patamar especial.


Considerou-se tão importante o assunto que o resguardo se deu pelo campo mais agressivo do Direito,
o Direito Penal.

É no Código de Direito Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848 de 1940) que estão nas normas
abstratas - tipos penais - que tratam da proteção do documento. O Título X traz em seu bojo os Crimes
Contra a Fé Pública, e seus 5 (cinco) capítulos detalham as condutas que são reprovadas e gravemente
apenadas quando o assunto é documentos.

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Importante ressaltar que por trás de todo tipo penal há um objeto do mundo real que está
sendo protegido. Quando, por exemplo, o legislador diz no artigo 121 daquele diploma “Matar
alguém: Pena - Reclusão de 06 a 20 anos.”, ele explicita, de forma latente, que o objeto vida está
sendo protegido.

Seguindo esse raciocínio, qual seria, portanto, o objeto do mundo real que está sendo
protegido pelas normas penais relativas aos documentos?

Como explanado anteriormente na introdução, a tutela recai sobre o conteúdo do documento,


sobre a veracidade das informações que ele traz e, sobretudo, sobre a crença social apriorística nessa
veracidade que se faz necessária para manter a fluidez das dinâmicas sociais. O Direito Penal,
portanto, protege a Fé Pública sobre os documentos, e qualquer ação que atente contra essa fé tem
como contrapartida uma pena imposta pelo Estado.

Note-se que essa alteração da verdade deve ser substancial. Não se vislumbra ataque à fé
pública do documento quando ele sofre somente uma alteração em seu aspecto formal. Caso, a título
de exemplo, apresente-se uma Carteira Nacional de Habilitação - CNH - onde sua única mácula seja
a inexistência da película plástica que reveste os dados variáveis que ela contém, não há atentado à
veracidade do documento.

De mesma sorte, não se conjectura atentado à fé pública quando o documento é uma cópia
fidedigna do original. A verdade que o documento contém está preservada, de modo que o bem
jurídico que o Direito visa tutelar encontra-se preservado.

Antes de explorar-se os tipos penais, alguns conceitos basilares serão apresentados a seguir.
São conceitos que permeiam o mundo jurídico dos documentos, e que devem estar na mente do perito
documentoscópico.

4. A DOCUMENTOSCOPIA: ESCOPO, DIVISÃO E PRINCIPAIS EXAMES


A Documentoscopia é a área das Ciências Forenses que se ocupa dos documentos (nos
moldes da definição de documento aqui proposta). Qualquer questionamento, exame ou análise com
repercussão no mundo jurídico que recaia sobre um documento tem por destino essa área do
conhecimento.

Lamartine Bizarro Mendes (2010), autor clássico de uma obra brasileira sobre o assunto,
define a Documentoscopia como sendo a “(…) a parte da criminalística que estuda os documentos
para verificar se são autênticos e, em caso contrário, determinar sua autoria”. Insiste-se nesse trabalho
que a Documentoscopia não trata somente de autenticidades, falsidades ou autorias documentais. Há
um vasto campo por ela alcançado.

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Nesses termos, não há um domínio fechado de possibilidades. O certo é que, se o objeto a
ser estudado é um documento, a Documentoscopia é o laboratório a ser acionado.

De forma didática, divide-se a Documentoscopia em duas grandes áreas. A primeira,


denominada Grafoscopia, ocupa-se dos documentos manuscritos. A segunda, chamada por alguns
autores de Documentoscopia Stricto Sensu, é responsável pelos demais exames que podem ser feitos
em um documento e que não estão relacionados com o gesto gráfico, com a escrita em si.

A Grafoscopia tem por objeto a escrita. A escrita é um atributo aprendido pelo ser-humano,
não sendo inata. Trata-se de uma tarefa neuromuscular complexa, cujo resultado depende de uma
série de fatores, intrínsecos e extrínsecos ao escritor. A principal tarefa da Grafoscopia é a
determinação da origem da escrita, ou seja, determinar quem foi o responsável por aquele lançamento
gráfico. Assim, o seu escopo básico é determinar se uma escrita foi oriunda da pessoa de quem se
esperava aquele lançamento - uma assinatura em um cheque ou uma carta suicida, por exemplo - e,
caso negativo, apontar-lhe o autor. Chama-se o primeiro objetivo de exame de autenticidade; o
segundo é denominado exame de autoria. Essa separação tem consequências metodológicas
importantíssimas.

A Documentoscopia Stricto Sensu abraça as demais análises documentais à margem da


escrita. Grande parte dos exames documentoscópicos estão voltados para a determinação da
autenticidade ou inautenticidade dos documentos. Não obstante, outras análises fazem parte do seu
domínio, podendo-se destacar os seguintes:

a) exame de datação documental;

b) revelação de escritas latentes;

c) revelação de escritas obliteradas;

d) reconstrução de documentos mutilados;

e) identificação de instrumentos escritores;

f) identificação de impressões gráficas;

g) determinação das alterações documentais.

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