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O documento discute o acordo de não persecução penal introduzido pela Lei Anticrime de 2019, que exige uma confissão do investigado. O artigo analisa os aspectos positivos e negativos dessa exigência, especialmente suas possíveis repercussões no processo penal e em outras esferas jurídicas. Além disso, examina as consequências da confissão conforme inserida no Código de Processo Penal brasileiro.

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O documento discute o acordo de não persecução penal introduzido pela Lei Anticrime de 2019, que exige uma confissão do investigado. O artigo analisa os aspectos positivos e negativos dessa exigência, especialmente suas possíveis repercussões no processo penal e em outras esferas jurídicas. Além disso, examina as consequências da confissão conforme inserida no Código de Processo Penal brasileiro.

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Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP.

Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 1. Janeiro a Abril de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 86-114
www.redp.uerj.br

A NECESSIDADE DE CONFISSÃO COMO REQUISITO PARA O ACORDO DE


NÃO PERSECUÇÃO PENAL E AS REPERCUSSÕES PRODUZIDAS NO
PROCESSO PENAL E NAS DEMAIS ESFERAS DO DIREITO1

THE NEED FOR CONFESSION AS A REQUIREMENT FOR THE CRIMINAL


NON-PERSECUTION AGREEMENT AND THE REPERCUSSIONS PRODUCED IN
THE CRIMINAL PROCESS AND THE OTHER BALLS OF LAW

Beatriz Daguer
Mestranda em Direito Penal na Universidade Estadual do Rio
de Janeiro. Especialista em Direito Penal e Processo Penal
Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná,
Campus Londrina. Advogada Criminalista. Londrina/PR. E-
mail: beatrizdaguer.adv@gmail.com

Rafael Junior Soares


Doutorando em Direito na Pontifícia Universidade Católica
do Paraná, Campus Londrina. Mestre em Direito Penal pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.
Professor de Direito Penal da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, Campus Londrina. Advogado
Criminalista. Londrina/PR. E-mail:
rafael@advocaciabittar.adv.br

Talita Cristina Fidelis Pereira Biagi


Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo.
Professora de Direito Penal e Processo Penal da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná, Campus Londrina.
Advogada Criminalista. Londrina/PR. E-mail:
talita@fpereira.com.br

1
Artigo recebido em 15/03/2021 e aprovado em 14/07/2021.

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Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 86-114
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RESUMO: O presente ensaio tem por escopo discutir as modificações legislativas trazidas
pela Lei nº 13.964/2019, em especial o acordo de não persecução penal, o qual figura como
ampliador da justiça negocial no Brasil, tendo como um dos seus requisitos a necessidade
de confissão formal e circunstanciada para concessão do benefício pelo Estado. Assim, o
investigado que aceitar o acordo deve elaborar termo de confissão incluindo todas as
circunstâncias em que ocorreu o suposto ato ilícito. No entanto, algumas questões devem
ser examinadas de forma mais cuidadosa, em especial a exigência de confissão e os
possíveis reflexos ocasionados no próprio processo penal e também nas demais esferas
jurídicas. Deste modo, valendo-se de metodologia hipotético-dedutiva e de ampla revisão
bibliográfica, bem como analisando possíveis situações legais e suas repercussões, buscar-
se-á demonstrar os aspectos positivos e negativos desta modalidade. Além disso, serão
examinadas as prováveis consequências advindas da confissão nos termos em que foi
inserida no diploma processual penal brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Acordo de não persecução penal; Confissão; Direito processual


penal; Lei anticrime; Justiça negocial.

ABSTRACT: The purpose of this essay is to discuss the legislative changes brought by
law 13.964/2019, in particular the non-criminal prosecution agreement, which appears as
an extension of bargained justice in Brazil, having as one of its requirements the need for
formal and detailed for the granting of the benefit by the State. Thus, the person
investigated who accepts the agreement must prepare a term of confession including all the
circumstances in which the alleged illegal act occurred. However, some issues must be
examined more carefully, in particular the requirement for confession and the possible
consequences caused in the criminal process itself and also in other legal spheres. Thus,
using a hypothetical-deductive methodology and extensive bibliographic review, as well as
analyzing possible legal situations and their repercussions, we will seek to demonstrate the
positive and negative aspects of this modality. In addition, the probable consequences of
the confession will be examined under the terms in which it was inserted in the Brazilian
criminal procedural law.

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Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 86-114
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KEYWORDS: Non-criminal prosecution agreement; Confession; Criminal procedural


law; Anti-crime law; Bargained justice.

1. INTRODUÇÃO

A novel modificação legislativa penal e processual penal advinda da intitulada “Lei


Anticrime” buscou aperfeiçoar o sistema de justiça criminal brasileiro, contando com
alterações significativas no âmbito da justiça negocial brasileira, objeto de longas
discussões sobre sua inclusão no contexto jurídico nacional.
Dentre as transformações trazidas, tem-se a implementação do acordo de não
persecução penal, no art. 28-A, do Código de Processo Penal, em que o objetivo principal é
permitir ao investigado ou ao acusado2 a aceitação de condições legalmente previstas e
oferecidas pelo Ministério Público, para o fim de não ser processado e eventualmente
condenado pela prática do suposto delito. Com isso, aquele que negocia e aceita os termos
propostos pelo Parquet, tem por obrigação o cumprimento integral das condições para que
não se inaugure o processo penal, ocasionando, por consequência, a extinção de sua
punibilidade no tocante àquele fato.
Preliminarmente, é possível afirmar que o legislador constatou ser inviável a
eficiência da persecução penal nos termos em que era exercida anteriormente, passando a
flexibilizar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e estendendo as
possibilidades de execução do acordo com o órgão acusatório, ainda na fase de
investigação preliminar, devendo o investigado estar acompanhado de seu defensor, na
medida em que será homologado pelo juízo competente após o alinhamento dos termos.
Em que pese a intenção do legislador em simplificar a atuação do sistema judicial
em matéria processual penal, muitos aspectos problemáticos relativos à aplicação do
acordo de não persecução penal ainda estão em discussão pelos Tribunais superiores,
dentre elas, a utilização do termo de confissão – instrumento obrigatório na concretização

2
O acordo de não persecução penal consiste em instituto vinculado à fase de investigação preliminar. No
entanto, considerando o debate jurisprudencial acerca da possibilidade de sua aplicação na fase judicial, em
razão de se tratar de norma processual penal mista, o trabalho adotará a terminologia investigado e acusado,
pois os autores concordam com o uso retroativo do benefício processual.

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do acordo – para embasar ação de reparação de danos, eventual ação civil pública ou até
influir na própria esfera processual penal em caso do não cumprimento do acordo atrelado
à necessidade de prosseguimento da ação ou para justificar condenação da própria parte ou
de corréus.
Neste passo, verifica-se a existência de diversas possibilidades de utilização da
confissão formal e circunstanciada feita por um investigado e sua interferência em outros
processos, ponto que merece ser analisado a partir de perspectiva constitucional e
processual, bem como em atenção ao princípio da não autoincriminação, pautando-se em
direitos e garantias individuais e vislumbrando os principais aspectos e pontos
controvertidos desta problemática.
Assim, buscar-se-á verificar, por meio de metodologia hipotético-dedutiva, de que
forma a assunção de culpa prevista no caput do art. 28-A, do Código de Processo Penal,
pode repercutir nos demais setores do Direito, com a instauração de procedimentos
administrativos disciplinares, ação de reparação de danos, para condenar coautor ou
partícipe ou até mesmo embasar o prosseguimento de ação penal no caso de
descumprimento dos termos estabelecidos em momento pretérito.

2. Considerações preliminares sobre o instituto do acordo de não persecução penal

Inicialmente, os requisitos exigidos para o cabimento do acordo são cumulativos,


estando elencados no art. 28-A, do diploma processual penal brasileiro. Trata-se de mais
uma modalidade de instituto no processo penal pautado na negociação direta entre
acusação e defesa, assemelhando-se ao intitulado plea bargaining, o qual é oriundo do
sistema de justiça americano, mas com a distinção relativa à natureza dos efeitos e
consequências decorrentes da celebração do acordo e também em razão dos crimes que
alcançam3.
O plea bargaining é considerado mecanismo jurídico que confere ao “investigado a
faculdade de não exercer o seu direito constitucional ao contraditório e de ser submetido a
um julgamento precedido por um juiz natural e imparcial, desde que reconheça a autoria do

3
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal: o papel da confissão e a inexistência de plea
bargain. Disponível em: https://bit.ly/35FULNX. Acesso em: 04 set. 2020.

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fato investigado ainda na fase inquisitiva”4. Esse modelo de justiça exerce influência em
diversas jurisdições no mundo e inspira a criação de formas de plea bargaining distintas a
partir de cada modelo jurídico, subsistindo a consolidação de fenômenos comumente
chamados de “transplantes” e “importações”5, o que torna o exemplo estadunidense uma
fonte de inspiração e fomenta a denominada “americanização” do processo penal em
âmbito mundial6.
Deste modo, a expansão da justiça consensual no Brasil ocorre a partir da premissa
da intervenção mínima do sistema penal e com fundamento no princípio da oportunidade, o
qual possibilita ao Ministério Público deixar de promover a persecução penal pelo Estado
nos casos em que o investigado cumprir os requisitos legais, superando e relativizando,
assim, o modelo principiológico de obrigatoriedade da ação penal.
Aliás, tal tendência de ampliação negocial no espaço da justiça criminal é de ordem
mundial, de modo que a própria Corte Europeia de Direitos Humanos já se manifestou no
sentido de que acordos semelhantes não ofendem o contraditório e a ampla defesa7, como
se extrai do caso Natsvlishvili vs. Togonidze against Georgia, onde restou estabelecida a
consonância do plea bargain com a ordem constitucional, sem ferir direitos fundamentais.
Pertinente consignar que, muito embora possuam semelhanças em algumas
vertentes, em se tratando de um modelo negocial que visa solucionar conflitos, o acordo de
não persecução penal não pode ser confundido com a sistemática adotada pelo plea
bargaing norte-americano.
Isso porque, houve importação indevida de um sistema aparentemente incompatível
com o ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que nossa ordem constitucional
consagra o sistema acusatório e a maior parte da doutrina se manifesta no sentido de que o
plea bargaing é marcado pela inquisitorialidade, à vista do extremo uso do poder estatal
dado ao Ministério Público que passa a deter a prerrogativa de acusar e dar cabo às

4
MORAIS, Hermes Duarte. “Pacote Anticrime”: a nova configuração do acordo de não persecução penal. In:
Pacote Anticrime: comentários à lei n. 13.964/2019. Coord.: NETO, Alamiro Velludo Salvador; BRUNI,
Aline Thaís; AMARAL, Claudio do Prado; SAAD-DINIZ, Eduardo; MORAIS, Hermes Duarte. 1. ed., São
Paulo: Alamedina Brasil, 2020, p. 78-79.
5
VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. As tendências de expansão da justiça criminal negocial em âmbito
internacional: a barganha como instituto importado em convergências entre sistemas. Revista de Estudos
Criminais, Porto Alegre, v. 19, n. 76, p. 153-173, jan./mar. 2020, p. 155.
6
Idem.
7
EUROPEAN COURT OF HUMAN RIGHTS. Natsvlishvili and Togonidze against Georgia. Disponível
em: bit.ly/3Av9JEQ. Acesso em: 10 set. 2020.

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imputações penais, guiando-se, não raras vezes, pela busca da confissão do investigado,
ainda que isso gere constrangimento psicológico para confessar e evitar uma sanção mais
severa8.
A principal diferença entre o acordo de não persecução penal e o plea bargaining
norte-americano é que no primeiro busca-se evitar o processo penal sem coercitividade, na
medida em que o segundo ocorre no curso de um processo penal sob a ameaça de sanção
pelo Estado-juiz9.
Impõe-se ressaltar que o acordo não enseja modificação estrutural no processo
penal brasileiro, mas “apenas oferece uma oportunidade extrajudicial de consenso na
justiça criminal, que tem como consequência o arquivamento do procedimento
investigativo por ausência de interesse de agir”10. De qualquer forma, toda e qualquer
implementação pautada na expansão de espaços consensuais deve necessariamente
observar a dogmática processual penal, além dos contornos constitucionais.
Relevante trazer à baila que no ano de 2017 já havia sido introduzido o acordo de
não persecução penal, por meio do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que
editou a Resolução nº 181/201711 – posteriormente alterada para Resolução nº 183/201812
– e concedeu a possibilidade de celebração de acordo em seu art. 1813, estabelecendo
critérios próprios de elaboração, propositura e execução, os quais podiam ser aplicados de
forma discricionária pelos membros da instituição e em muitos pontos se assemelha ao que
se tem atualmente.

8
RIBEIRO, Sarah Gonçalves; GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. O caso das Bruxas de Salem e a
origem do plea bargaining norte-americano: contrapondo o entendimento dicotômico dos sistemas
processuais penais. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 835-872, mai.-
ago. 2020, p. 840.
9
SANTOS, Mauro Guilherme Messias dos. Acordo de não persecução penal: confusão com o plea
bargaining e críticas ao projeto anticrime. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 27,
n. 108, p. 235-254, out./dez. 2019, p. 238.
10
Ibidem, p. 250.
11
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução nº 181, de 7 de agosto de 2017.
Disponível em: https://bit.ly/3q8v9SY. Acesso em: 01 set. 2020.
12
CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução nº 183, de 24 de janeiro de 2018.
Disponível em: https://bit.ly/3tyRuLv. Acesso em: 01 set. 2020.
13
Art. 18. Nos delitos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, não sendo o caso de
arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal, desde que
este confesse formal e detalhadamente a prática do delito e indique eventuais provas de seu cometimento,
além de cumprir os seguintes requisitos, de forma cumulativa ou não: [...]

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Por óbvio, houve certa resistência na aplicabilidade do acordo administrativo


elaborado pelo CNMP14, o qual não se submeteu ao crivo do Poder Legislativo,
desrespeitando-se o processo de criação de lei federal em matéria de direito processual
penal, que é de competência privativa da União, consoante art. 22, inciso I, da Constituição
Federal de 1988.
Nesta medida, foram propostas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade no
Supremo Tribunal Federal, pela Ordem dos Advogados do Brasil (nº 5793) e pela
Associação de Magistrados Brasileiros (nº 5790), visando discutir a competência
legislativa dos dispositivos criados pelo Conselho e inviabilizar a realização do acordo
nestes termos.
Em que pesem os esforços empreendidos, com o advento da Lei nº 13.964/2019, o
acordo de não persecução penal foi incluído na legislação brasileira mediante a via
legislativa que é a sede adequada para tanto, ampliando-se, afinal, o espaço negocial pela
via do acordo entre Ministério Público e defesa, com a natural relativização do princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública.
Antes de tudo, sobre a imprescindibilidade de homologação judicial do acordo, é
necessário pontuar que, em tese, o acordo não será apreciado pelo juiz da instrução
processual, mas sim pelo juiz das garantias, de acordo com os arts. 3º-B e 3º-F, do Código
de Processo Penal, “o inquérito policial não mais acompanharia o processo-crime, de modo
que a confissão ficaria naturalmente excluída da fase de instrução, não se podendo utilizar
da declaração do acusado para proferimento de sentença (art. 3º-C, § 3º, CPP)”15.
Ocorre que houve a suspensão dos dispositivos relativos ao juiz das garantias pelo
Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade
6298/DF16, a qual declarou sua paralisação, até segunda ordem, permanecendo em vigência

14
A esse respeito, Vinicius Gomes de Vasconcellos defendeu que “somente uma alteração legislativa feita
pelo Congresso Nacional poderia introduzir instituto semelhante no processo penal brasileiro, regulando os
critérios para seu cabimento, ainda que, posteriormente, permita-se a especificação das hipóteses de não-
obrigatoriedade por normativas internas ao MP". VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Não-
obrigatoriedade e acordo penal na resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público. Boletim
IBCCRIM, São Paulo, v. 25, n. 299, p. 7-9, out. 2017, p. 8.
15
SOARES, Rafael Junior; BORRI, Luiz Antonio; BATTINI, Lucas Andrey. Breves considerações sobre o
acordo de não persecução penal. Revista do Instituto de Ciências Penais, vol. 5., p. 213-231, dez. - maio.
2020, p. 219.
16
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acompanhamento Processual. Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 6298. Disponível em: https://bit.ly/3aIAycU. Acesso em: 08 set. 2020.

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toda normativa relativa ao acordo de não persecução penal e excluindo o que se fixou nos
dispositivos supramencionados.
Logo, a utilização do acordo de não persecução penal está em vigência, sem os
preceitos estabelecidos pelo juiz das garantias, o qual possuiria a competência para
apreciar procedimentos tão somente na fase pré-processual, de sorte que está sendo
realizada por meio da lógica processual penal que sempre permeou a aplicação do direito e
aguarda ulterior decisão para se dirimir o debate sobre o juiz responsável.
Sobre a expansão da justiça consensual brasileira, destacam-se algumas leis
editadas nas últimas décadas, subsistindo a Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais),
que prevê a composição civil, a transação penal e a suspensão condicional do processo, a
Lei nº 12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa), que dispõe sobre a colaboração
premiada, considerada meio de obtenção de provas para apuração e enfrentamento às
organizações criminosas e crimes transnacionais, a Lei nº 12.846/2013 (Lei
Anticorrupção), que disciplina a possibilidade de formalização de acordos de leniência em
matéria anticorrupção e, por fim, a Lei nº 13.964/2019 (Lei Anticrime) que insere o acordo
de não persecução penal e estabelece o aprimoramento da colaboração premiada.
Diante disso, depreende-se que também houve um aumento exponencial na esfera
do processo civil, notadamente após a edição da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo
Civil), o qual pressupõe como princípio norteador a conciliação e os métodos alternativos
de resolução de conflitos. Assim, as Leis nº 13.129/2015 e 13.140/2015 tratam da
possibilidade de autocomposição e arbitragem no âmbito da Administração Pública,
observando os princípios norteadores do Código de Processo Civil.
Em uma análise inicial, constata-se que grande parcela dos crimes existentes no
ordenamento jurídico são passíveis da propositura do acordo de não persecução penal,
atingindo especialmente as infrações penais consideradas de média gravidade. Por seu
turno, o acordo de não persecução penal é inaplicável em sendo cabível a transação penal
de competência dos Juizados Especiais Criminais, ou no caso do investigado ser
reincidente ou houver elementos que indiquem conduta criminosa habitual, reiterada ou
profissional. Inaplicável, ainda, no caso de ter sido o agente beneficiado pelo referido
acordo, transação penal ou suspensão condicional do processo nos cinco anos anteriores ao

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cometimento da infração e, por fim, no âmbito da violência doméstica ou familiar, ou


praticados contra a mulher por razão de sua condição de gênero.
Imprescindível asseverar que o acordo deverá ser proposto tão somente quando não
for o caso de arquivamento da investigação preliminar:
[...] ou seja, se presente causa de exclusão do crime, isenção da pena ou
qualquer outra justificante não deveria ser proposto o acordo, mas sim
promovido o arquivamento da investigação (art. 28), pois o MP em que
pese ser parte e por isso parcial, tem sua atuação vinculada à lei e à
Constituição, na forma do art. 129, incisos I e II, da CF17.
Após sua formalização e cumpridas as condições estabelecidas, haverá a
consequente extinção da punibilidade do autor do fato, não gerando reincidência e nem
maus antecedentes, servindo o registro tão somente com a finalidade de impedir novo
acordo no prazo de cinco anos.
Ademais, fica a critério do Ministério Público aferir se a investigação é caso de
arquivamento ou celebração do acordo, inexistindo controle judicial neste ponto, o que
pode ser considerado questionável ao considerar o poder discricionário conferido ao órgão
acusador. De qualquer forma, entende-se que deve existir justa causa para a formulação da
peça acusatória como pressuposto para eventual propositura do acordo de não persecução
penal18.
Por se tratar de introdução recente do instituto no ordenamento jurídico pátrio,
muitas discussões foram identificadas quando da entrada da lei em vigor. Preliminarmente,
questão relevante a ser posta diz respeito à possibilidade ou não de propositura do acordo
de não persecução penal em ações penais em curso, ou seja, em que já houve o
oferecimento e recebimento de denúncia pelo juízo competente ou até naqueles processos
que estão em fase recursal, ao passo que serão analisados a seguir posicionamentos
distintos no tocante ao tema.

2.1. O acordo de não persecução penal e as ações penais em curso

17
MENDES, Tiago Bunning; LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lei Anticrime: a (re)forma penal e a
aproximação de um Sistema acusatório? Lei 13.964/2019, que modifica o CP, CPP, LEP e outras Leis
Penais Extravagantes. 1. ed. São Paulo: Tirant to Blanch, 2020, p. 60.
18
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal previsto no novo art. 28-A do Código de Processo
Penal, inserido pela Lei 13.964/2019. In: Lei anticrime: comentários à lei 13.964/2019. Org: SOUZA, Renee
do Ó. 1. ed., 1 reimp. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido: 2020, p. 121-136, p. 129.

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Com relação à realização do acordo em fase de inquérito policial, cumpridos os


requisitos legais, o Parquet deve justificar se eventualmente não houver a sua propositura,
no entanto, em fase judicial, ainda há questões pendentes a serem dirimidas pelo Poder
Judiciário, visto que até o momento inexiste uniformidade quanto ao tratamento do tema.
Em que pese ainda subsista tal discussão por parte dos aplicadores do direito,
entende-se ser plenamente possível o oferecimento de proposta nos processos em curso, na
medida em que se trata de norma mista e que retroage para beneficiar o réu19, nos termos
da previsão constitucional insculpida no art. 5º, inciso XL, sendo inequívoco que o
dispositivo possui caráter híbrido, isto é, de direito processual e material.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região já firmou posicionamento no sentido de
que a propositura do acordo deve abranger também os processos que foram iniciados antes
da vigência da Lei nº 13.964/2019, inclusive os que já tiveram a instrução encerrada ou que
se encontram em fase recursal20. A ordem é que os processos em recurso devem ser
suspensos e encaminhados ao primeiro grau para análise da possibilidade de concessão do
benefício legal21.
Em alguns casos, o Ministério Público tem proposto o acordo durante o processo
judicial sem requerimento prévio da defesa ou do magistrado, quando constatado de plano
o cumprimento dos requisitos legais exigidos. Assim, manifesta-se nos autos, mediante
simples petição e anexando a proposta oferecida, requerendo a anuência ou discordância
do acusado, não gerando maiores problemas neste aspecto.
Nessas situações, caso o acusado concorde com os termos ou apresente uma
contraproposta, basta que a acusação a admita, para então ser designada audiência pelo
juízo competente para avaliação dos critérios formais exigidos pela lei e consequente
homologação do termo.
Por outro lado, em se tratando da negativa do Ministério Público em oferecer o
acordo – mesmo com o cumprimento dos requisitos – o Superior Tribunal de Justiça teve a

19
Nesse sentido, Aury Lopes Junior entende que pode ser oferecido em qualquer fase do procedimento.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 17. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 224.
20
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. TRF4 profere primeiras decisões no âmbito da sua
jurisdição sobre a possibilidade de Acordo de Não Persecução Penal em ações criminais. Disponível em:
https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=15197. Acesso em: 04 set.
2020.
21
TRF-4 - COR: 50093126220204040000 5009312-62.2020.4.04.0000, Relator: João Pedro Gebran Neto,
Data de Julgamento: 13/05/2020, OITAVA TURMA)

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oportunidade de se debruçar sobre o tema em algumas ocasiões, persistindo


posicionamentos divergentes que devem ser apontados com a necessária precisão.
A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça consignou ser incompatível com o
propósito do instituto do acordo de não persecução penal quando já tiver havido
recebimento da denúncia e encerramento da prestação jurisdicional na instância
ordinária22. Até o presente momento, esta é a posição prevalecente naquela Corte.
Por sua vez, a Defensoria Pública de Minas Gerais posicionou-se no sentido de que
“o artigo 28-A do CPP é aplicável aos feitos em curso e em qualquer fase processual, visto
que se trata de norma que também possui caráter penal e consiste em direito subjetivo do
indivíduo”23.
O Ministério Público Federal editou orientação no mesmo sentido, aduzindo que:
“É cabível o oferecimento de acordo de não persecução penal no curso da ação penal, isto
é, antes do trânsito em julgado, desde que preenchidos os requisitos legais, devendo o
integrante do MPF oficiante assegurar seja oferecida ao acusado a oportunidade de
confessar formal e circunstancialmente a prática da infração penal, nos termos do artigo
28-A da Lei nº 13.964/19, quando se tratar de processos que estavam em curso quando da
introdução da Lei nº 13.964/2019, conforme precedentes. Alterado na 184ª Sessão Virtual
de Coordenação, de 9/6/2020"24.
À vista dos divergentes posicionamentos adotados pelos Tribunais, o Ministro
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, remeteu ao Plenário a questão atinente a
retroatividade do acordo de não persecução penal, determinando os principais pontos que
merecem ser definidos, quais sejam: a) se o acordo poderá ser oferecido em processos em
curso após o advento da lei, qual é a natureza da norma inserida no art. 28-A, do CPP e se
é possível sua aplicação em prol do imputado; b) se é potencialmente cabível o
oferecimento do acordo mesmo em casos onde não houve a confissão anterior25.

22
EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 1635787/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 13/08/2020.
23
REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Leia enunciados da Defensoria de Minas Gerais sobre lei
“anticrime”. Disponível em: https://bit.ly/3aOsx5V. Acesso em: 08 set. 2020.
24
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Enunciados da 2ª CCR. Disponível em: <https://bit.ly/3qfbVet>.
Acesso em: 09 set. 2020.
25
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Andamento processual. Habeas Corpus nº 185.913. Disponível em:
https://bit.ly/2LuTdA6. Acesso em: 28 out. 2020.

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Compreendemos que se forem cumpridas as exigências legais há o poder-dever do


Ministério Público em oferecer o acordo26, independentemente de se tratar da fase de
investigação preliminar ou judicial, sendo forçoso concluir que não remanescerem dúvidas
que a nova legislação deve retroagir em favor da parte acusada, até porque se trata de
poder-dever agir estatal e deve o réu ter a possibilidade de vislumbrar a extinção de sua
punibilidade com os termos previamente acordados entre as partes.
No tópico a seguir, far-se-á análise sobre as formas de confissão previstas na
legislação penal e processual penal, bem como os possíveis problemas advindos da
utilização da confissão em caso de descumprimento do acordo de não persecução penal,
tanto pelo Parquet, quanto pelo magistrado competente.

3. A NATUREZA JURÍDICA DA CONFISSÃO E SUAS CARACTERÍSTICAS NO


PROCESSO PENAL

Consoante apontado em momento pretérito, o caput do art. 28-A alude ser


necessária a produção de uma confissão formal e circunstanciada como critério para a
constituição e celebração do acordo de não persecução penal, o que pressupõe a obrigação
de exposição circunstanciada dos fatos ocorridos no ato da suposta infração penal.
Contudo, pouco se discutiu até o momento a respeito da natureza jurídica da
confissão classificada no dispositivo, uma vez que esta se difere daquela prevista no art.
65, inciso III, alínea d, do Código Penal, a qual prevê a atenuante de confissão espontânea
da autoria delitiva perante a autoridade competente, bem como daquela prevista nos arts.
197 a 200, do Código de Processo Penal, que possui natureza jurídica de meio de prova
para o Código de Processo Penal27.
Para tanto, necessário formular análise a respeito da diferença entre as referidas
modalidades, esmiuçando a sua real finalidade e objetivos. Conforme leciona Renato

26
Nos termos da orientação editada pelo próprio Ministério Público Federal, no Enunciado 98, da 2ª CCR:
“A proposta de acordo de não persecução penal representa um poder-dever do Ministério Público, com
exclusividade, desde que cumpridos os requisitos do artigo 28-A do CPP, cuja recusa deve ser fundamentada,
para propiciar o controle previsto no §14 do mesmo artigo”. JUSTIÇA FEDERAL. I Jornada de Direito e
Processo Penal. Disponível em: https://bit.ly/2YUBFk4. Acesso em: 25 ago. 2020.
27
Gustavo Badaró explica que o interrogatório é considerado meio de defesa, na qual o acusado exercerá sua
autodefesa, podendo, inclusive, permanecer em silêncio caso assim o deseje. Por outro lado, a confissão é
compreendida como o resultado do próprio interrogatório. Processo penal. 4 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016, p. 446-451.

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Marcão, em suma, a confissão é a admissão da própria responsabilidade28, de forma que no


processo penal significa admitir como verdadeiros os fatos imputados na denúncia ou
queixa-crime.
No âmbito do processo penal, para ter valor de prova, a confissão deve ser precisa e
verdadeira, bem como será aferida em consonância os elementos informativos do inquérito
policial, somada ao que fora apurado no curso da instrução processual, quando for o caso.
Assim, a confissão não possui valor absoluto e se traduz como “ato formal e processual,
praticado livremente pelo acusado”29, em sede judicial (art. 185, CPP) ou extrajudicial.
Neste caso, no tocante ao seu conteúdo, pode ser simples, quando é admitida de
forma trivial a imputação, sem justificação ou alegação que possa beneficiá-lo em
momento futuro, ou qualificada, quando o acusado confessa e alega fatos ou circunstâncias
excludentes da antijuridicidade ou determinantes de isenção de pena30, como, por exemplo,
aquele que comete um furto e alega estado de necessidade31.
A despeito da confissão sob a ótica processual penal, Juarez Tavares destaca que:
A confissão só vale se estiver de conformidade com as demais provas;
uma confissão isolada é inservível; uma confissão proferida fora dos
autos não é válida, a não ser que confirmada em juízo, em todos os seus
termos; a confissão não precisa ser espontânea, mas deve ser pronunciada
por decisão exclusiva do declarante. Uma confissão pronunciada no
cumprimento de prisão preventiva ou sob estado de coação ou mesmo de
promessa de liberdade ou outros benefícios é ilegítima e, portanto, não
pode ser considerada como meio de prova32.
Ainda, faz-se relevante mencionar que se houver confissão na fase do inquérito e
esta for retratada perante o juízo, total ou parcialmente, a atenuante não incidirá. Segundo
o magistério de Aury Lopes Jr., somente pode ser valorada a confissão feita em juízo33,
pois é esta que vale para fins de aferir sua veracidade.
Somado a isto, Guilherme de Souza Nucci defende que, em virtude de o inquérito
policial não contar com “as garantias constitucionais inerentes ao processo, especialmente

28
MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 565.
29
MARCÃO, Renato. Curso de Processo Penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 566.
30
Ibidem, p. 566
31
Destaque-se apenas que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a atenuante da confissão
espontânea deve ser reconhecida, ainda que tenha sido parcial ou qualificada, seja ela judicial ou
extrajudicial, mesmo que o réu venha a se retratar. O mais importante para fins de aplicação da circunstância
legal, é verificar se a manifestação foi utilizada para fundamentar a sentença condenatória. AgRg no AREsp
1754440/MT, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe
08/03/2021.
32
TAVAREZ, Juarez; CASARA, Rubens. Prova e verdade. 1. ed. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020, p. 27.
33
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 17. ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 500-501.

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o contraditório e a ampla defesa, é apenas um meio de prova indireto, isto é, um indício” 34.
Neste sentido, somente a confissão feita diante do magistrado, sob o crivo da ampla defesa,
é considerado meio de prova direto35.
Por sua vez, a confissão classificada como requisito para elaboração do acordo de
não persecução penal tem por escopo a obtenção de termo formal e circunstancial do
investigado, dois termos que podem gerar dubiedade de interpretação em virtude de seu
caráter vago e impreciso. Pode-se dizer que a referida providência tem viés unicamente
processual, “que busca assegurar que o acordo é celebrado com a pessoa cujas provas
colhidas na fase pré-processual indicam ter sido a autora da infração penal”36.
A depender da circunstância e da vontade do investigado, de todo modo, deverá
haver a formalização e a elaboração de confissão formal e circunstanciada, contendo todos
os elementos relevantes para apoiar eventual acusação. De qualquer forma, defende-se que
é necessária a formação, a partir de elementos informativos demonstrativos da autoria e
materialidade, da opinio delicti do órgão acusatório antes da propositura do acordo37.
Depreende-se que esta confissão prevista na novel legislação “antecipa a conclusão
acerca do mérito do processo sem a concessão de qualquer contraditório à parte acusada,
até porque não há a formulação formal de uma hipótese acusatória” 38, devendo ser
considerada meramente formal, o que será abordado na sequência.
De todo modo, o presente estudo busca esmiuçar a confissão prevista no art. 28-A,
do Código de Processo Penal, e analisar todas as suas particularidades. Nesse sentido, de
início, é plausível asseverar que a confissão exigida no acordo caracteriza-se como mero
requisito formal para se evitar a denúncia:
[...] e não um início de prova em desfavor do acordante a embasar uma
ação penal pública, configurando violação ao princípio geral do direito
venire contra factum proprium (vedação do comportamento

34
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
486.
35
Ibidem, p. 486.
36
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal: o papel da confissão e a inexistência de plea
bargain. Disponível em: https://bit.ly/35FULNX. Acesso em: 04 set. 2020.
37
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal: o papel da confissão e a inexistência de plea
bargain. Disponível em: https://bit.ly/35FULNX. Acesso em: 04 set. 2020.
38
CASTRO, Carolina Soares Castelliano Lucena de; NETTO, Fábio Prudente. Comentários sobre a
exigência da confissão no acordo de não persecução penal. Disponível em: https://bit.ly/3rAGRpG. Acesso
em: 06 ago. 2020.

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contraditório) qualquer uso inquisitorial ou acusatório de uma confissão


obtida para fins estritamente consensuais39.
Desta forma, de plano já se verificam controvérsias sobre a possibilidade ou não de
utilização do acordo de não persecução como instrumento para dar ênfase à propositura de
ação penal ou de ser usada para fundamentar ação civil ou administrativa, com o objetivo
de agravar a situação do investigado.
Como bem explicitado por Hermes Duarte Morais, a confissão circunstancial
“demanda o detalhamento dos fatos, e que as informações apresentadas sigam uma
coerência lógica com os demais elementos de prova colhidos no caderno investigativo e
deve ser integral a respeito dos fatos objeto da investigação”40. Assim, não basta que haja
confissão por parte do investigado, mas sim consonância de seus dizeres em harmonia com
os indícios angariados pela investigação.
Considerando que é imprescindível a confissão para fins do acordo, ainda não se
sabe se esta deverá ser qualificada ou parcial41. Isto é, quando o réu confessa parte dos
crimes que lhe são imputados ou quando admite sua conduta, mas apresenta causas de
exclusão do crime.
Assim, Tiago Bunning Mendes e Guilherme Brenner Lucchesi entendem pela
possibilidade de admissão em ambos os casos, ressaltando que o Superior Tribunal de
Justiça admite a aplicação da atenuante até mesmo nos casos em que subsiste confissão
parcial42. Considerando isso, deveria haver interpretação analógica em ajuste ao novo
instituto.
Neste aspecto, o primeiro questionamento relevante a ser feito concerne à
possibilidade ou não de utilização do termo de confissão, quando houver descumprimento
dos requisitos estipulados pelo Parquet para embasar a elaboração de denúncia ou

39
SANTOS, Mauro Guilherme Messias dos. Acordo de não persecução penal: confusão com o plea
bargaining e críticas ao projeto anticrime. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 27,
n. 108, p. 235-254, out./dez. 2019, p. 239.
40
MORAIS, Hermes Duarte. “Pacote Anticrime”: a nova configuração do acordo de não persecução penal.
In: Pacote Anticrime: comentários à lei n. 13.964/2019. Coord.: NETO, Alamiro Velludo Salvador; BRUNI,
Aline Thaís; AMARAL, Claudio do Prado; SAAD-DINIZ, Eduardo; MORAIS, Hermes Duarte. 1. ed., São
Paulo: Alamedina Brasil, 2020, p. 80.
41
MENDES, Tiago Bunning; LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lei Anticrime: a (re)forma penal e a
aproximação de um Sistema acusatório? Lei 13.964/2019, que modifica o CP, CPP, LEP e outras Leis
Penais Extravagantes. 1. ed. São Paulo: Tirant to Blanch, 2020, p. 59.
42
“[...] 5. Nos termos do entendimento consolidado na Súmula/STJ 545, a atenuante da confissão
espontâneadeve ser reconhecida, ainda que tenha sido parcial ou qualificada, quando a manifestação do réu
for utilizadapara fundamentar a sua condenação, o que se infere na hipótese dos autos.” (HC 362.375/RS,
Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016).

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prosseguimento de ação penal em curso, bem como justificar eventual condenação por
parte do magistrado.
Deste modo, questiona-se: a confissão formal e circunstanciada, que levou ao
conhecimento do Ministério Público a prática do ato ilícito com riqueza de detalhes, sem
devido processo legal (em caso de acordos firmados no inquérito policial), sem reserva de
jurisdição, sem contraditório e ampla defesa, pode ser utilizada como alicerce para a
atuação da acusação e condenação pelo juízo? A nosso ver, não.
Não obstante, há grande possibilidade de se ter a utilização da confissão para fins
de embasar a denúncia ou a condenação, em sendo o caso de descumprimento do acordo.
Relevante pesquisa realizada no estado de São Paulo revelou que em 35% dos casos de
concurso de pessoas, o conteúdo da confissão do corréu que celebrou o acordo de não
persecução penal foi considerado no mérito da prolação de sentença, ou seja, empregada
para condenar o coautor ou o partícipe43.
Neste contexto, há nítida confusão com instituto diverso, havendo uma “tentativa
ilegal de transposição de elementos da colaboração premiada cujos requisitos e
pressupostos seriam mais complexos, ao ANPP, que tem rito e características
simplificadas”44.
Aqui, compartilha-se o pensamento firmado no sentido de que o acordo de não
persecução penal é um negócio jurídico processual e personalíssimo, firmado entre o
indiciado ou acusado, devidamente assistido por seu defensor, e de outro lado, o Parquet,
inexistindo espaço para coautores ou partícipes, “de modo que, qualquer declaração nela
proferida, se utilizada em âmbito processual — quer em instrução, quer em fase de
sentença —, contra o outro corréu que não pôde pactuar o acordo violará diretamente o
contraditório e a ampla defesa”45.
Analisando decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no Inquérito
3.979/DF, sob relatoria do Ministro Teori Zavascki, restou consignado que terceiro não
pode ser prejudicado em caso de desconstituição de acordo de colaboração premiada, sem
contar o fato de que o conteúdo deste termo não pode ser elemento suficiente para embasar

43
NICOLAI, Thiago Diniz Barbosa; FERREIRA, Renata Rodrigues de Abreu. O valor das confissões no
acordo de não persecução penal. Disponível em: https://bit.ly/3aJalLf. Acesso em: 01 set. 2020.
44
NICOLAI, Thiago Diniz Barbosa; FERREIRA, Renata Rodrigues de Abreu. O valor das confissões no
acordo de não persecução penal. Disponível em: <https://bit.ly/3aJalLf>. Acesso em: 01 set. 2020.
45
Ibidem.

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condenação46. Ou seja, são necessários outros recursos e subsídios para alicerçar uma
sentença condenatória em face de outrem, não bastando a mera confissão.
Compreende-se que a confissão empreendida com o escopo de preenchimento dos
pressupostos de adequação ao acordo de não persecução penal não pode ser valorada
futuramente em desfavor do investigado em caso de recusa de homologação 47 ou quando
houver descumprimento das condições fixadas, fator que acarreta na imediata rescisão do
acordo (art. 28-A, § 10º).
Aliás, é possível afirmar que “o aproveitamento da confissão como material
probatório em desfavor do investigado violaria seu direito a não autoincriminação (art. 8,
2, “g”, da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos)”48, visto que na ordem
constitucional, não há obrigação de o réu produzir prova contra si mesmo, seja ela direta
ou indireta.
Considerando que o parágrafo décimo do art. 28-A prevê a rescisão imediata do
acordo após seu descumprimento, as consequências dele advindas já devem consideradas
suficientes, além do fato de que a não autoincriminação deve ser vedada e considerada para
fins de não ser utilizado como fundamento para prejudicar o indiciado ou réu.
Guilherme de Souza Nucci já se manifestou contrariamente à possibilidade de
rescisão do pacto e propositura de denúncia com base na confissão por parte do acusado,
pois sustenta que o acordo deveria “ser celebrado sem a necessidade de confissão plena e
detalhada”49, uma vez que fere o direito à imunidade contra a autoacusação.
A partir de uma análise sistemática do acordo de não persecução penal instituído no
diploma processual penal brasileiro, especialmente com base na estrutura do juiz de
garantias, infere-se que, de fato, “a confissão não pode ser utilizada em desfavor do
investigado, visto que, numa análise comparativa, aquele que confessasse o crime na
investigação e depois fosse processado não teria sua palavra usada contra si na etapa

46
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Acompanhamento processual. Inquérito 3979. Disponível em:
https://bit.ly/37ck7oj. Acesso em 08 set. 2020.
47
MENDES, Tiago Bunning; LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lei Anticrime: a (re)forma penal e a
aproximação de um Sistema acusatório? Lei 13.964/2019, que modifica o CP, CPP, LEP e outras Leis
Penais Extravagantes. 1. ed. São Paulo: Tirant to Blanch, 2020, p. 70.
48
MENDES, Tiago Bunning; LUCCHESI, Guilherme Brenner. Lei Anticrime: a (re)forma penal e a
aproximação de um Sistema acusatório? Lei 13.964/2019, que modifica o CP, CPP, LEP e outras Leis
Penais Extravagantes. 1. ed. São Paulo: Tirant to Blanch, 2020, p. 70.
49
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
222.

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judicial”50, eis que os elementos de informação da fase preliminar – dentre eles eventual
confissão - não mais farão parte do processo judicial, conforme prevê o art. 3º-C, § 3º, do
Código de Processo Penal.
Neste caso, seria necessário que o próprio investigado, querendo, confesse
novamente na fase judicial, perante o juízo competente, para que assim seja aplicada a
atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal. Isto é, em se tratando de
circunstâncias distintas – judicial e extrajudicial, ou para fins de formalização do acordo ou
atenuação da pena a ser imposta – há necessidade de valorar sua concepção a partir de
momentos diferentes e que possuem consequências diversas para o acusado.
Assim, quando houver confissão para fins de celebração do acordo de não
persecução penal, é plausível asseverar que esta terá um viés de proteção ao investigado,
uma vez que:
[...] busca assegurar unicamente uma depuração nos elementos de
convicção colhidos na fase inquisitiva, de modo a evitar a precoce
celebração de acordos desprovidos de provas que indicassem a
participação do confitente na infração penal, além de reforçar a confiança
de que será efetivamente cumprido51.
Neste mesmo sentido, se a confissão for feita no curso da ação penal, também não
pode ser utilizada para fins de justificar condenação, uma vez que há de se supor que
constem dos autos elementos suficientes de autoria e materialidade para tanto, na medida
em que, para se valer da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal,
seria necessário haver nova confissão, pois ambas possuem natureza distinta e devem ser
feitas em momento oportuno, valendo-se da finalidade para qual cada uma foi inserida na
ordem normativa.
Por sua vez, Mauro Guilherme Messias dos Santos defende que, notadamente em
sendo o caso de inquérito policial, “eventual confissão dos fatos pelo investigado não
representa assunção de culpa, como se a conduzir o acordante ao recebimento de uma pena

50
SOARES, Rafael Junior; BORRI, Luiz Antonio; BATTINI, Lucas Andrey. Breves considerações sobre o
acordo de não persecução penal. Revista do Instituto de Ciências Penais, vol. 5., p. 213-231, dez. - maio.
2020, p. 220.
51
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal: o papel da confissão e a inexistência de plea
bargain. Disponível em: https://bit.ly/35FULNX. Acesso em: 04 set. 2020.

103
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pelo juiz”52, fato este que deve ser considerado uma mera formalidade exigida pelo
legislador.
Em verdade, no caso de acordo de não persecução penal, a confissão é obtida
espontaneamente com a finalidade de arquivar o inquérito policial, não subsistindo
pertinência a violação desta finalidade para subsidiar a propositura de ação penal ou
fundamentar sentença condenatória.
Entende-se, portanto, ser a confissão um mero instrumento de adesão do acordo de
não persecução penal, sendo inviável e inexequível a sua transposição para outras esferas
do Direito ou até para embasar a propositura de nova ação penal ou julgamento de corréus
no processo penal.
Aspecto relevante destacado por Guilherme de Souza Nucci diz respeito à
necessidade de que o Parquet aponte quais são os eventuais bens e direitos a serem
perdidos pelo indiciado, antes mesmo de estabelecer qualquer confissão expressa e por
escrito. Com isso, "não compensando ao agente, é melhor não confessar (o que para nós é
facultativo) e não realizar o acordo de não persecução penal”53, ou seja, após tomar
conhecimento de todos os ônus e bônus advindos da formalização do acordo, deve o
investigado e seu defensor sopesarem a viabilidade de sua concretização.
De qualquer modo, compreende-se que a confissão obtida para celebração do
acordo de não persecução penal “não enseja assunção de culpa, e por isso não pode ensejar
julgamento antecipado do caso”54. Em verdade, o seu principal objetivo “é permitir um
confronto entre a versão contida nos autos e a prestada pelo investigado de modo a
verificar sua coerência lógica, compatibilidade e concordância com as demais provas
contidas no procedimento”55.
Dirimidas tais questões, ainda é necessário abordar os cenários em que o
investigado ou acusado confessa a prática de delito, mas não praticou o ilícito, na medida

52
SANTOS, Mauro Guilherme Messias dos. Acordo de não persecução penal: confusão com o plea
bargaining e críticas ao projeto anticrime. Revista Brasileira de Direito Processual, Belo Horizonte, ano 27,
n. 108, p. 235-254, out./dez. 2019, p. 238.
53
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.
222.
54
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal: o papel da confissão e a inexistência de plea
bargain. Disponível em: https://bit.ly/35FULNX. Acesso em: 04 set. 2020.
55
SOUZA, Renee do Ó. Acordo de não persecução penal previsto no novo art. 28-A do Código de Processo
Penal, inserido pela Lei 13.964/2019. In: Lei anticrime: comentários à lei 13.964/2019. Org: SOUZA, Renee
do Ó. 1. ed., 1 reimp. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido: 2020, p. 121-136, p. 129.

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Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP.
Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 1. Janeiro a Abril de 2022
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 86-114
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em que pretendeu não enfrentar o trâmite processual, ante a eventual demora do feito,
incerteza do julgamento, problemas familiares etc.
Sobre este ponto, pertinente indicar que, em 2016, a Universidade de Michigan, nos
Estados Unidos56, realizou pesquisa substancial sobre o número de casos de exoneração
referentes ao ano de 2015, onde houve o recorde de 149, em 29 estados. Destes, 58 réus
foram exonerados em casos de homicídio, 47 por posse de drogas. Destas, 27 exonerações
foram por condenações baseadas em falsas confissões e, mais de 80% dessas, diziam
respeito a casos de homicídio arguidos por menores de 18 anos, deficientes mentais ou
ambos.
Atestou-se ainda que 44% dos indivíduos que se declararam culpados ao realizar
alguma modalidade de acordo com o Estado para não ser processado, tiveram a
constatação de que eram inocentes dos delitos atribuídos pela acusação, sendo que, destes
casos, a maioria dizia respeito a crimes de drogas. O estudo ainda abordou oito
exonerações por delito de homicídio, os quais as condenações haviam sido baseadas em
confissões de culpa, verificando assim um número recorde.
Isso demonstra que, de fato, não são incomuns as situações em que o investigado
assume a prática de delito sem ser ele o autor do fato, tão somente para que não seja
processado e sofra com o estigma da persecução penal contra si, além do sofrimento em
virtude da insegurança jurídica oriunda do sistema de justiça criminal brasileiro.
Outro enfoque de suma relevância a ser ponderado diante da obrigatoriedade da
confissão, diz respeito à possibilidade de ameaça de prisão preventiva ao investigado ou
processado, uma vez que este instituto vem sendo utilizado de forma desmedida no Brasil,
muitas vezes escorado em fundamentos de redação genérica e indeterminada57.
Por isso, subsistindo a ameaça de prisão cautelar no curso da instrução processual,
parece muito mais racional dizer que haverá a declaração de culpa em detrimento do
investigado arriscar sua liberdade de locomoção e permanecer recluso por tempo
indeterminado.

56
UNIVERSIDAD DE MICHIGAN. The National Registry of Exonerations. Disponível em:
https://bit.ly/3q42HBl. Acesso em: 05 set. 2020.
57
RIBEIRO, Leo Maciel Junqueira. COSTA, Victor Cezar Rodrigues da Silva. Acordo de não persecução:
um caso de direito penal das consequências levado às últimas consequências. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. vol. 161/2019, p. 249-276, nov./2019, p. 255.

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Rio de Janeiro. Ano 16. Volume 23. Número 1. Janeiro a Abril de 2022
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A I Jornada de Direito e Processo Penal, realizada pela Justiça Federal, editou


enunciado nº 3, dispondo expressamente que “a inexistência de confissão do investigado
antes da formação da opinio delicti do Ministério Público não pode ser interpretada como
desinteresse em entabular eventual acordo de não persecução penal”58. Ou seja, incumbe
ao Parquet explicitar minuciosamente os termos de propositura do acordo, para que a parte
investigada ou acusada possa avaliar a exequibilidade de sua aceitação.
No entendimento de Thiago Diniz Barbosa Nicolai e Renata Rodrigues de Abreu
Ferreira, a confissão tratada no art. 28-A, do Código de Processo Penal, é nada mais que
“uma declaração de vontade de adesão ao acordo assumindo, genericamente, os fatos
narrados no inquérito ou na investigação privada como verídicos”59. Neste sentido, o
indiciado ou acusado confessaria de forma simplista e meramente formal para obtenção da
benesse concedida pelo Estado.
De todo modo, ainda que seja feito o acordo de não persecução penal no curso do
processo judicial, tal fato não descaracteriza sua natureza extrajudicial, porquanto a
tratativa se dá entre o acusado, seu defensor e o Ministério Público, sendo que o
magistrado fica responsável tão somente por fazer a avaliação formal dos termos legais
previstos no art. 28-A.
Por seu turno, esta confissão é retratável e, especialmente se for feita em sede de
inquérito, não é – e nem pode ser – capaz de embasar condenação, consoante instrui o art.
155, da mesma legislação, até porque, ao considerar que não há processo penal, não houve
produção de provas e é “impossível que se considere a confissão como suficiente para
motivar a aplicação de pena no âmbito de um acordo de não persecução penal,
especialmente aquele que é realizado no inquérito policial”60.
Para além das questões aqui abordadas, necessário pontuar que o acordo de não
persecução penal pode influir e intervir de modo negativo nas demais esferas do Direito, na
medida em que pode embasar a propositura de ação civil de reparação de danos ou até ação

58
JUSTIÇA FEDERAL. I Jornada de Direito e Processo Penal. Disponível em: https://bit.ly/2YUBFk4.
Acesso em: 25 ago. 2020.
59
NICOLAI, Thiago Diniz Barbosa; FERREIRA, Renata Rodrigues de Abreu. O valor das confissões no
acordo de não persecução penal. Disponível em: https://bit.ly/3aJalLf. Acesso em: 01 set. 2020.
60
RIBEIRO, Leo Maciel Junqueira. COSTA, Victor Cezar Rodrigues da Silva. Acordo de não persecução:
um caso de direito penal das consequências levado às últimas consequências. Revista Brasileira de Ciências
Criminais. vol. 161/2019, p. 249-276, nov./2019, p. 257.

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civil pública por ato de funcionário público, fator este que será explorado no capítulo a
seguir.

4. REPERCUSSÕES DA CONFISSÃO NAS DEMAIS ESFERAS JURÍDICAS

Uma das indagações mais pertinentes relativas ao acordo de não persecução penal
se refere à influência exercida nas demais esferas do Direito e o questionamento da
possibilidade ou não de utilização da confissão para fundamentar processos em outras
searas.
Com isso, devem ser ponderadas questões atinentes à confissão e seus limites
externos para se evitar o uso indevido das declarações autoincriminatórias da pessoa
investigada para fins outros que não seja a celebração do próprio acordo61, até porque em
se tratando de questão recente e com escassas discussões, impõe-se refletir e discutir tais
pontos, antecipando, assim, uma análise oportuna do que se pretende com a confissão
prevista no art. 28-A.
Conforme dito anteriormente, entende-se que a confissão que visa à celebração do
acordo de não persecução penal se difere daquela prevista no Código Penal e no Código de
Processo Penal, dizendo respeito a um requisito criado pelo legislador que não gera
assunção de culpa e não deve influenciar no fundamento de denúncia ou de decisão
condenatória posterior, seja para aquele que celebrou o acordo, seja para os corréus em
ação penal.
À vista disso, algumas considerações podem ser feitas a partir da análise do
dispositivo e de uma visão geral na perspectiva processual penal, supondo o seguinte: um
indivíduo está sendo investigado pela prática do delito de homicídio culposo na direção de
veículo automotor (previsto no art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro), cuja
pena é de detenção de dois a quatro anos, pela morte de um homem de 30 anos que dirigia
uma motocicleta e deixou um filho menor de idade que dele dependia. Sabe-se que o
investigado não observou as regras de trânsito e atuou sem o dolo em matar, estando
presentes todas as condições para o oferecimento do acordo de não persecução penal.

61
CASTRO, Carolina Soares Castelliano Lucena de; NETTO, Fábio Prudente. Comentários sobre a
exigência da confissão no acordo de não persecução penal. Disponível em: <https://bit.ly/3rAGRpG>.
Acesso em: 06 ago. 2020.

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Assim, o Ministério Público propõe o acordo, o indivíduo aceita e assina o termo de


confissão formal e circunstanciada. Questiona-se: pode a família do falecido utilizar o
termo de declaração do investigado para o fim de respaldar a propositura de ação de
reparação de danos contra si?
Mais além, pensando em um contexto que permeia a prática de crimes contra a
administração pública, seria possível a formalização do acordo e se valer da confissão para
estabelecer um conteúdo probatório que corrobore a propositura de ação civil pública pelo
Ministério Público e até mesmo a instauração de procedimento administrativo disciplinar
(PAD)?
Em simples análise, é possível dizer que se utilizada a confissão em um processo
distinto, o juiz que vier a analisar esta confissão tenderá a reforçar a ideia de que o acusado
é, de fato, culpado pela prática dos atos que lhe são imputados naquela respectiva ação. A
utilização da confissão de forma indiscriminada certamente obstará a possibilidade de
discussão do mérito de seus atos em outras esferas do Direito.
Inicialmente, a imposição da confissão figura como uma “marca de um Direito
autoritário que não se contenta apenas com a punição, mas também com a assunção
pública e expressa da culpa, ainda que não haja sequer formulação de hipótese acusatória a
ser confirmada ou rebatida”62. Defende-se que este ponto da legislação deveria ser
repensado, pois se apresenta de forma descontextualizada e inoportuna.
Tem-se, portanto, como inviável a utilização da confissão formal e circunstanciada
prevista no art. 28-A, para fins de lesar ou prejudicar aquele que opta pela celebração do
acordo. Neste sentido, autoincriminação vista como mero requisito formal atrelado à nova
sistemática de exclusão do caderno investigatório corrobora a impossibilidade de uso da
confissão, na medida em que “sua imprestabilidade se espraia para outras esferas do
Direito, vedando-se o emprego na caracterização de responsabilidade civil ou
administrativa”63.

62
CASTRO, Carolina Soares Castelliano Lucena de; NETTO, Fábio Prudente. Comentários sobre a
exigência da confissão no acordo de não persecução penal. Disponível em: <https://bit.ly/3rAGRpG>.
Acesso em: 06 ago. 2020.
63
SOARES, Rafael Junior; BORRI, Luiz Antonio; BATTINI, Lucas Andrey. Breves considerações
sobre o acordo de não persecução penal. Revista do Instituto de Ciências Penais, vol. 5., p. 213-231, dez. -
maio. 2020, p. 228-229.

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Isso porque, resta claro subsistir um cenário de aceitação do acordo para fins de não
ser julgado criminalmente por aquele fato, por conferir maior segurança jurídica ao
investigado ou acusado e assim descomplicar a resolução de um conflito numa lógica de
justiça negociada O que se pretende com o acordo de não persecução penal é abreviar a
persecução penal por meio do oferecimento de condições ao investigado, sem se adentrar
ao mérito da questão submetida ao Poder Judiciário. A observação é importante porque, ao
contrário da colaboração premiada considerada como meio de obtenção de prova, o acordo
de não persecução penal não possui objetivo probatório, razão pela qual se reforça a ideia
de impossibilidade de emprego para outras esferas.
Além disso, são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos
(art. 5º, inciso LVI, CF/88), devendo-se questionar a veracidade da confissão obtida na
esfera penal para transferir a discussão ao que cabe nas demais searas. Entende-se por
prova ilícita “o efeito da violação dos limites legais à obtenção da prova”64. Dentro de um
processo judicial, a funcionalidade do conceito de prova é sempre o direcionamento à
verdade, com respeito aos limites éticos, epistemológicos e legais65.
Em contrapartida aos argumentos processuais penais aqui invocados, faz-se
necessário formular análise a despeito da visão no âmbito do processo civil. Isso porque,
trata-se de ramo que possui suas particularidades, garantias e regimentos. Dispõe o art. 389
do Código de Processo Civil, “há confissão, judicial ou extrajudicial, quando a parte
admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário”.
O ponto acima é importante na medida em que o ANPP possui uma peculiaridade
que deve ser levada em consideração, eis que “a finalidade do acordo não é probatória, não
se busca a confissão do imputado, mas ela é um requisito ao consenso exatamente para
viabilizar o controle judicial sobre o mecanismo negocial”66. No mesmo caminho, denota-
se que o ANPP não se enquadra como verdadeiro “acordo de julgamento”67, isto é, aquele

64
TAVAREZ, Juarez; CASARA, Rubens. Prova e verdade. 1. ed. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020, p. 19.
65
TAVAREZ, Juarez; CASARA, Rubens. Prova e verdade. 1. ed. São Paulo: Tirant Lo Blanch, 2020, p. 19.
66
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de; REIS, Dimas Antônio Gonçalves Fagundes. Limites à utilização
da confissão do imputada realizada como requisito ao acordo de não persecução penal. In: Revista de Estudos
Criminais, ano XX, nº. 80, 2021, p. 273.
67
Marcondes Pereira de Oliveira defende que “em acordos penais suaves da espécie do tipo do ANPP, em
que ocorre a exclusão da ação penal, acarretando medidas extrapenais a serem cumpridas, portanto, um meio
caminho (diversion) a consensos do tipo “acordo de julgamento”, a necessidade de confissão se torna
questionável, de forma tal que a sua função está relacionada a outros elementos não processuais; portanto, a
forma “circunstancial” já é satisfatória”. OLIVEIRA, Marcondes Pereira de. Acordo de não persecução

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no qual há resolução do caso em si com a diminuição de pena, levando à conclusão de que


os fatos ocorreram da forma como admitida pelas partes e homologada pelo juízo Ademais,
é importante lembrar que a confissão operada na fase extrajudicial poderá ser objeto de
retratação no futuro – sem se mencionar que é insuficiente por si para para a condenação
(art. 197, CPP), em caso de eventual processo criminal, o que fará que o juiz examine o
material probatório de acordo com aquilo que foi produzido pelas partes.
O que deve prevalecer em relação ao acordo de não persecução penalé
justamente sua característica de instrumento processual penal, na qual há uma clara
afetação da presunção de inocência na perspectiva de tratamento, probatória e juízo para se
alcançar o ajuste entre as partes para homologação do acordo 68. Isso redunda na
impossibilidade de sua utilização em processos que tramitam em outras áreas do Direito,
sob pena de desvirtuamento da própria essência do instituto, que está inserido no âmbito da
justiça negocial. Assim, apesar do art. 389 do Código de Processo Civil, inexiste qualquer
afetação quanto à impossibilidade de uso da confissão aqui defendida, visto que o escopo
da autoincriminação não é probatório, mas, sim, como mera exigência para fins de
concretização do consenso, o que nada prejudica a busca pela verdade no
processo69.Considerando que a confissão prevista no acordo de não persecução penal não
gera assunção de responsabilidade penal ou nas demais esferas do Direito. O particular ou
o Ministério Público deve buscar outros elementos de prova capazes de alicerçar suas
alegações e eventualmente processar e sancionar o indivíduo. De outra forma, se mostra
desarrazoado e em desconformidade com a proibição da autoincriminação consagrada por
um Estado Democrático de Direito que se pauta na observância a princípios fundamentais.

penal: repressão/prevenção ao crime e confissão do investigado. Revista Brasileira de Ciências Criminais,


vol. 178/2021, p. 311-333, abr/2021.
68
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de; REIS, Dimas Antônio Gonçalves Fagundes. Limites à utilização
da confissão do imputada realizada como requisito ao acordo de não persecução penal. In: Revista de Estudos
Criminais, ano XX, nº. 80, 2021, p. 270.
69
Como ensinam Felipe da Costa De-Lorenzi e Guilherme Francisco Ceolin, “diferentemente do processo
civil, em que basta a confissão da parte contrária ou a ausência de controvérsia e em que são admitidas
presunções de culpa, no processo penal, a gravidade da intervenção resultante da sentença condenatória e a
vigência do princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII da CF (LGL\1988\3)) proíbem as presunções
de culpabilidade e exigem critérios rígidos para a fundamentação da decisão do julgador”. DE-LORENZI,
Felipe da Costa; CEOLIN, Guilherme Francisco. O processo penal busca a verdade, mas não a qualquer
custo: os novos caminhos para uma antiga controvérsia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol.
177/2021, p. 71-132, mar/2021.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todas as considerações que foram apresentadas, nota-se que o intitulado


acordo de não persecução penal possui problemas sistêmicos e de estrutura, no entanto,
pode se mostrar positivo em algumas circunstâncias específicas, cabendo sempre ao
investigado, acompanhado de seu defensor, sopesar a viabilidade de aceitação ou não do
benefício, nos limites de sua autonomia e liberdade individual.
Neste sentido, embora a implementação do acordo de não persecução penal tenha
sido alvo de duras críticas pertinentes e necessárias, é possível destacar aspectos positivos
dele derivados, como a redução de gastos públicos e a conferência de maior agilidade e
segurança jurídica ao investigado, o qual não mais terá que suportar o ônus decorrente da
demora do processo penal e da incerteza de sua condenação, sem contar do necessário
desafogamento do sistema de justiça criminal.
Como dito, é inequívoco que o acordo de não persecução penal, além de se tratar de
norma mais benéfica e que deve retroagir em prol do réu, é capaz de diminuir as
consequências do delito em muitas circunstâncias, notadamente por ser passível de
propositura em crimes de média gravidade.
A confissão visa representar tão somente uma condição para se evitar a denúncia ou
cessar o processo penal, sendo ela retratável e não produzindo efeitos acerca
responsabilidade do indivíduo. De todo modo, devem ser estabelecidos limites para a
confissão, com o intuito de se evitar o uso indevido dessa declaração como método o
investigado, especialmente em sendo o caso de descumprimento do acordo ou com o
objetivo de embasar processos em outras esferas jurídicas.
Portanto, a confissão formal e circunstanciada tem como objetivo assegurar os
requisitos mínimos para consecução do acordo de não persecução penal, não servindo
como assunção de responsabilidade penal ou nas demais esferas do Direito, pois sua
exigência é meramente processual para formalização do consenso, sem qualquer cunho
probatório, sob pena de ofensa à presunção de inocência.
Trata-se de postura que resguarda direitos fundamentais daquele que contribui com
o sistema de justiça criminal, na medida em que não será prejudicado pelas declarações
dadas ao Estado como exigência legal para recebimento do benefício recentemente

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introduzido. Entender de outra forma poderia representaria um desincentivo daquele que


ficaria ao alvedrio do Estado quanto à sua responsabilização nas mais variadas áreas do
Direito, o que se distancia da boa-fé existente nas relações processuais.

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