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Microscopia Óptica

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1

AULA
Microscopia óptica

Ao fim desta aula, você deverá ser capaz de:


objetivos

• Traçar um breve histórico da microscopia.


• Definir o que é um microscópio.
• Conceituar limite de resolução.
• Descrever os princípios de funcionamento de um microscópio
simples.
• Listar os principais tipos de microscópios ópticos e suas aplicações.
• Enumerar as principais etapas do preparo de amostras para
microscopia óptica.
Biologia Celular I | Microscopia óptica

INTRODUÇÃO O primeiro problema a enfrentar no estudo das células é o seu tamanho:


as células são pequenas demais para serem observadas a olho nu. Por esse
motivo, as primeiras células foram observadas e descritas apenas no século
XVII, quando foi inventado o microscópio óptico.
Você tem idéia de qual é o tamanho de uma célula? As maiores células (algumas
amebas de vida livre, células de algas filamentosas) medem cerca de 0,2mm;
mas, em média, uma célula é 10 ou 20 vezes menor do que isso.
Você sabe qual o tamanho dos menores objetos que podemos distinguir a olho nu
(sem ajuda de instrumentos especiais)? A resposta você vai encontrar mais adiante.
Podemos distinguir uma formiga de uma pulga, mas somos capazes de ver os
olhos desses insetos?

a b

Figura 1.1: (a) Insetos como o mosquito Aedes são visíveis a olho nu, mas para vermos
detalhes como o olho composto (b), necessitamos utilizar equipamentos especiais
(Fotos: Márcia Attias).

HISTÓRICO

No século XVII, foram construídos os primeiros microscópios. Com


um deles, Robert Hooke (veja o boxe explicativo) observou lâminas de
cortiça, chamando células aos pequenos espaços regulares da sua estrutura
(Figura 1.2). Mais tarde, tanto Hooke quanto outros pesquisadores da
época observaram que as células vivas não eram ocas como a cortiça, mas
o nome original permanece até hoje. Não seria injusto ou incorreto dizer
que o estudo da Biologia Celular começou nessa época.

8 CEDERJ
1 MÓDULO 1
AULA
Figura 1.2: (a) Microscópio seme-
lhante ao usado por Hooke.
As partes componentes são análo-
gas às dos microscópios usados
hoje em dia. (b) Reprodução de
um desenho feito por Hooke a
partir da observação de lâminas de
cortiça ao microscópio construído
por ele. Cada um dos espaços
foi por ele chamado de célula.
a b

Robert Hooke (1635-1703)

O inglês Robert Hooke foi, em pleno século XVII, o que hoje chamamos de “homem
dos sete instrumentos”, atuando com contribuições relevantes nos campos da
Física, Astronomia, Química, Biologia, Geologia, Arquitetura e Tecnologia Naval.
Foi colaborador de cientistas como Isaac Newton, seu grande rival da época, e
Robert Boyle, a quem auxiliou na determinação das leis dos gases. Correspondeu-
se com Antony van Leeuwenhoek confirmando suas observações ao microscópio.
Entre outras criações, inventou ou melhorou instrumentos como o barômetro
e o anemômetro e um mecanismo que tornou os relógios mais precisos.
A Lei de Hooke, equação que descreve a elasticidade, é empregada até hoje. Suas
contribuições nos campos da Biologia e Paleontologia não foram menos importantes.
A reputação de Hooke na história da Biologia se deve em grande parte a sua obra
Micrographia, publicada em 1665. Hooke desenvolveu o microscópio composto
e o sistema de iluminação mostrados na Figura 1.2.a, utilizando-o para descrever
detalhadamente uma grande variedade de organismos como insetos, esponjas, penas
e aquela que parece ser sua maior contribuição, finas lâminas de cortiça (Figura 1.2.b).
Em desenhos detalhados, Hooke descreveu a estrutura como pequenos poros, semelhantes a
favos de mel, dando-lhes o nome de células (= pequenas celas, alojamentos dos monges nos
conventos). Embora as estruturas observadas correspondessem apenas às paredes celulares
de células vegetais já mortas, o nome prevaleceu e dele derivaram os termos Citologia e,
mais modernamente, a Biologia Celular. Sua obra permanece até hoje, embora não exista
nenhum registro de sua própria aparência.

Outro pioneiro da Microscopia e da


Biologia Celular foi Antony van Leewenhoek,
holandês que construía seus próprios
microscópios (Figura 1.3) com apenas uma Amostra
Parafuso de
lente, mas com resolução suficiente para focalização

observar até mesmo protozoários e bactérias.

Lente
Figura 1.3: Um dos microscópios
montados por Leeuwenhoek.

CEDERJ 9
Biologia Celular I | Microscopia óptica

Antony van Leeuwenhoek (1632-1723)


Embora tenha feito descobertas fundamentais em Biologia, como as bactérias e os protozoários
(parasitas e de vida livre), Antony van Leeuwenhoek não era um cientista convencional para seu
tempo. Ser filho de comerciantes, sem fortuna, sem educação universitária e sem dominar outros
idiomas senão o holandês já seria o bastante para excluí-lo do ambiente acadêmico da época.
Ainda assim, com habilidade extraordinária para polir lentes, uma curiosidade infinda e uma mente
aberta e livre dos dogmas científicos de sua época (o século XVII), Leeuwenhoek foi o primeiro a
descrever as hemácias, os espermatozóides e muito mais. Acredita-se que, inspirado pelo livro de
Hooke, Micrographia, Leeuwenhoek começou a polir lentes e a fabricar seus microscópios, tendo
montado mais de 500 deles.
Seus microscópios (Figura 1.3), embora dotados de uma única lente, eram capazes de aumentar
até em 200 vezes os objetos. Por outro lado, a iluminação era deficiente e sua manipulação
bastante desconfortável para o observador. Em 1673, Leeuwenhoek começou a enviar cartas com
suas observações à recém-criada Royal Society of London. Em 1680 foi eleito Membro Titular da
mesma, juntando-se a Robert Hooke, Isaac Newton, Henry Boyle e outros cientistas de renome
marcantes até nossos dias.

PRINCÍPIOS DO FUNCIONAMENTO DE UM MICROSCÓPIO


ÓPTICO

Os microscópios ópticos atuais (Figura 1.4) guardam grande


semelhança com os primeiros modelos usados por Hooke (Figura 1.2.a).

Lente ocular
Foco macrométrico

Foco micrométrico
Figura 1.4: Principais compo-
nentes de um microscópio Objetiva
óptico simples. Platina
Lente condensadora
Fonte de iluminação

Em todos os microscópios ópticos, atuais e antigos, teremos uma


fonte de luz que é concentrada por um sistema de lentes condensadoras
sobre uma amostra montada sobre uma lâmina. O feixe luminoso atravessa
a amostra e é captado por uma lente objetiva que produz uma primeira
imagem ampliada do objeto, que será em seguida captada pela lente ocular
que projetará a imagem final na retina do observador (Figura 1.5).

10 CEDERJ
MÓDULO 1
1
AULA
Figura 1.5: Esquema da formação da imagem em um microscópio óptico simples.

QUANTO AUMENTA UM MICROSCÓPIO ÓPTICO?

O aumento final é o resultado da multiplicação do aumento dado


pela lente objetiva pelo aumento da lente ocular. Como existem várias
lentes objetivas num mesmo microscópio, uma grande variedade de
aumentos pode ser facilmente atingida, bastando girar o revólver. Assim,
se utilizamos uma objetiva de 20x e uma ocular de 10x, o aumento final
será de 200x (10x20=200). Hoje em dia não é mais necessário desenhar
as imagens observadas (como Hooke e seus contemporâneos faziam):
a imagem final pode ser capturada por uma câmara fotográfica, de vídeo
ou ainda por um sistema de computação. Uma ampliação suplementar
pode ser obtida ampliando uma fotografia da imagem observada.
Entretanto, de nada adiantaria ampliar a imagem além de determinado
ponto, pois nenhuma informação suplementar será obtida. Este é o
princípio do limite de resolução.

O LIMITE DE RESOLUÇÃO

Se dependêssemos apenas de nossos olhos, não conseguiríamos


enxergar nada que medisse menos de 0,2mm. Este é o limite de resolução
de nossos olhos (se enxergarmos muito bem, diga-se de passagem). Graças
aos microscópios ópticos, pudemos distinguir objetos que medem até
1 milésimo desse valor, isto é, o limite de resolução dos microscópios
ópticos é de 0,2µm. Naturalmente, isso depende da qualidade das lentes,
mas, principalmente, do comprimento de onda da luz utilizada. Para
saber como esse valor foi calculado, consulte o boxe a seguir.

CEDERJ 11
Biologia Celular I | Microscopia óptica

O limite de resolução
O ponto-chave da Microscopia, seja ela óptica ou eletrônica, é o limite de resolução de
um microscópio. Este conceito é bastante simples: trata-se da menor distância entre dois
pontos em que eles podem ser vistos como objetos distintos.

Complicado? Nem tanto, observe a seguir:


A B

Os objetos A e B estão a uma distância que nos permite separá-los como distintos, mas se
eles estiverem muito próximos, não podem ser nitidamente separados, ou seja, o poder de
resolução dos nossos olhos não é suficiente para determinar os limites de cada objeto.

A B
Esse conceito é universalmente expresso na seguinte fórmula: d = 0,61λ
α
em que:
d= limite de resolução.
λ = comprimento de onda da radiação utilizada; no caso do feixe luminoso do microscópio
óptico, 550nm.
α= n.sen θ, onde n é o índice de refração do meio (ar/água) e q é metade do ângulo
formado pelo cone de luz que entra na objetiva (Figura 1.6).

Lente objetiva

Cone de luz

Lâmina contendo a amostra

Figura 1.6

Feitas as contas, d= 0,2µm no microscópio óptico e, como você deve saber, 1µm = 10-6m.

12 CEDERJ
MÓDULO 1
Na próxima aula, você verá que esse limite foi novamente

1
As células e as

AULA
ultrapassado com a construção de microscópios eletrônicos, capazes estruturas que
as compõem são
de resolver (distinguir) objetos de até 0,2nm. Caso você não esteja muito pequenas
familiarizado com estas UNIDADES DE MEDIDA, consulte a Figura 1.7. para serem medidas
em centímetros ou
A Figura 1.7 é uma escala relativa das dimensões de células milímetros, como
os objetos do nosso
e estruturas subcelulares, assim como do alcance dos instrumentos cotidiano. Portanto,
(microscópios) utilizados na sua descrição e estudo. para elas usamos as
UNIDADES DE MEDIDA
dos micrômetros
(símbolo µm)
e nanômetros
(símbolo nm).
O micrômetro vale 1
milésimo do milímetro
e o nanômetro
vale 1 milésimo do
micrômetro.

1m= 103mm
ou 106mm
ou 109nm

Observação: 103 é a
maneira simplificada
com que os
Figura 1.7: Escala comparada do limite de resolução da microscopia óptica matemáticos escrevem
e da eletrônica e os objetos que cada uma pode discriminar. as potências de 10,
isto é, igual a 1.000;
da mesma forma 106 é
1.000.000, e assim
por diante.
Se você ainda não está convencido de que a resolução não depende
só das lentes, fique sabendo que Antony van Leeuwenhoek já observara
bactérias no século XVII, quando a tecnologia para construção de lentes
e microscópios era muito inferior à de nossos dias, mas as propriedades
físicas da propagação da luz eram as mesmas.
Caso você esteja considerando ampliar indefinidamente uma
imagem observada ao microscópio óptico até conseguir enxergar a
estrutura da membrana celular, por exemplo, podemos adiantar que
isso será tão eficaz quanto ampliar uma foto 3x4 para contar quantos
cílios há na pálpebra superior esquerda da pessoa.
Concluindo: aumento e resolução são coisas distintas, e o
aumento que não traz informações adicionais sobre a amostra
é chamado aumento vazio.
Por que será que isso acontece? Tudo é conseqüência da luz.

CEDERJ 13
Biologia Celular I | Microscopia óptica

Observe a Figura 1.8: a luz se propaga na forma de


ondas. Estas ondas colidem com as partículas que formam a
amostra, sofrendo interferências. Assim se origina a sensação
de contraste (claro/escuro). A onda, por sua vez, representa
a luz visível: apenas objetos até um determinado tamanho
são grandes o bastante para causar interferência no trajeto
do raio luminoso. Objetos menores passam despercebidos,

a e não causam alteração na propagação da onda.

Figura 1.8: O comprimento de onda da luz sofre interferência de


objetos de determinado tamanho (a), enquanto objetos menores
não desviam o trajeto da luz (b). Os do primeiro tipo são visíveis,
e os do segundo, não.
b

!
Dê uma paradinha!
Imagine-se andando de bicicleta numa ciclovia. Você segue em linha reta à velocidade da
luz. Você é um raio de luz! Pedrinhas, formigas e outros pequenos objetos não impedem
que você continue deslizando suavemente, sem interferências.
Já uma chapinha de refrigerante ou um pedregulho podem fazer sua bicicleta se desviar
do trajeto e, no caso de obstáculos maiores, podem impedir sua passagem. Assim se
comporta a luz ao atravessar as amostras observadas ao microscópio óptico. Agora,
chega de passear: de volta ao estudo!

OS DIFERENTES MICROSCÓPIOS ÓPTICOS

Além de pequenas, as células possuem outras características que


tornam difícil sua observação:
1. em geral, são transparentes;
2. são muito hidratadas e frágeis;
3. quando em órgãos ou tecidos, precisam ser cortadas em lâminas
finas que permitam a passagem do feixe luminoso.

Por conta disso, foram sendo desenvolvidas ao longo dos anos tanto
novas técnicas de preparo das amostras (vide boxe), que lhes conferissem
maior resistência e contraste, quanto novas tecnologias na construção de
microscópios que permitissem a observação de células vivas.

14 CEDERJ
MÓDULO 1
1
O preparo de amostras para o microscópio óptico de campo claro

AULA
Para que possam ser guardadas por muito tempo, as amostras de células e tecidos precisam em
geral de um tratamento químico que garanta sua preservação. Esse tratamento inclui várias
etapas.

1. Fixação: é o tratamento da amostra com substâncias químicas, como o formol, que preservam
sua forma original.

2. Desidratação: é a substituição da água presente dentro e fora das células por um solvente
orgânico, como o etanol ou metanol. Esse solvente tanto pode ser removido deixando a lâmina
secar quanto pode ser substituído por parafina ou outra resina que torne o tecido rígido,
permitindo que seja fatiado.

3. Microtomia: tecidos como fígado ou músculo são muito espessos e precisam ser cortados em
fatias mais finas, que permitam a passagem parcial da luz. Uma vez embebidos em parafina,
deixa-se solidificar, e o tecido pode ser cortado (fatiado).

4. Coloração: como a maioria das células e seus componentes não são naturalmente coloridos, uma
série de corantes foi testada e, devido a sua afinidade química por determinados componentes
celulares, são empregados, ajudando na identificação dos diferentes compartimentos celulares.
O azul de metileno é um desses corantes.

Mais detalhes sobre as técnicas de preparo de amostras para microscopia óptica, você terá em
outra disciplina.

OS DIFERENTES MICROSCÓPIOS ÓPTICOS

O resultado disso é que existe hoje uma grande família de microscópios


ópticos, cada um com suas vantagens e limitações sobre os demais. Dentre
os de uso mais corriqueiro, é essencial que você conheça:
1. Microscópio de campo claro ou microscópio simples:
é o microscópio “padrão” representado na Figura 1.9.a. Em
geral, requer que a amostra seja fixada e corada antes da
observação (Figura 1.9.b). Entretanto, desde que a iluminação
seja ajustada fechando-se um pouco mais a passagem de luz
pela condensadora, é possível observar células a fresco, isto é, b

sem coloração prévia (Figura 1.9.c).

Lente ocular

Foco macrométrico

Foco micrométrico

Objetiva c
Platina
Condensador
Fonte de iluminação Figura 1.9: Em (a), microscópio óptico de campo claro. Em (b),
hemócito (célula do sangue) de um molusco corado. Em (c), células
a que revestem a mucosa bucal observadas sem nenhum tipo de
corante. Que estruturas você reconhece? (Fotos b: Marco Antonio
V. Santos, c: Raul D. Machado).

CEDERJ 15
Biologia Celular I | Microscopia óptica

2. Microscópio de contraste de fase: dispensa o uso de corantes,


permitindo a observação de células vivas (Figura 1.10). Um sistema de filtros
(anéis de fase) interfere no trajeto da luz, criando um contorno claro/escuro
em torno das estruturas celulares. Esse contraste permite a observação de
células vivas, mas se elas estiverem muito aglomeradas, a imagem se torna
confusa, requerendo um sistema óptico mais elaborado.

a b

Figura 1.10: A luz, ao interagir com um sólido (= célula), tem sua trajetória atrasada, criando um contraste em
relação à luz que não encontrou nenhum obstáculo (a) (esquema à esquerda). Esse é o princípio do microscópio
de contraste de fase. À direita (b), você vê as mesmas células epiteliais (retiradas da mucosa bucal) já observadas
em campo claro tal como aparecem nesse microscópio. Há um halo em torno da célula e de algumas de suas
estruturas internas.

3. Microscópio de contraste interferencial: também utiliza filtros


para criar contraste a partir de diferenças no trajeto da luz. A imagem
final é mais agradável para o observador (Figura 1.11), mas o sistema é
menos comum, pois é mais caro que o contraste de fase. Também permite
observar células vivas. Quando essas células estão dispostas em camadas,
pode-se focalizar apenas um plano, obtendo-se assim cortes ópticos sem
que o tecido seja cortado.

Figura 1.11: As mesmas células epite-


liais, observadas na Figura anterior,
agora em contraste interferencial.
A imagem sombreada dá noção de
relevo das estruturas celulares (Foto:
Raul D. Machado).

16 CEDERJ
MÓDULO 1
4. Microscópio de fluorescência: utiliza uma fonte de luz ultravioleta

1
AULA
e requer o uso de corantes fluorescentes (você verá mais detalhes na Aula
6) que se ligam a componentes específicos das células. Esses corantes
são capazes de absorver luz de um determinado comprimento de onda
(ultravioleta, por exemplo) e emitir num outro, dentro do espectro visível
(Figura 1.12). Em algumas situações, as células podem ser observadas
vivas; em outras, não.
O mais comum é que um modelo possa ter seus jogos de lentes
e fontes de luz alternados (intercambiados) para que se possa observar
amostras pelos três métodos.
5. Microscópio confocal de varredura a laser: a conjugação da
ciência da computação aos microscópios de fluorescência trouxe uma
nova dimensão à microscopia óptica.
O microscópio confocal possui, além de uma fonte de luz visível,
uma fonte de luz ultravioleta e uma fonte de raio laser. O feixe de laser
incide sobre a amostra; um sistema de filtros e aberturas especiais captura
sucessivamente a fluorescência emitida de vários planos focais.
Este conjunto de imagens é capturado digitalmente, e imagens como
as da Figura 1.13.b em que você pode ver a distribuição de microtúbulos
em uma célula são geradas em programas específicos de computador.

a b

Figura 1.12: (a) Microscópio confocal de varredura a laser do Laboratório de Ultra-


estrutura Celular do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). (b) Distribuição de microtúbulos em uma célula de mamífero (Foto: Tecia
Ulisses de Carvalho).

CEDERJ 17
Biologia Celular I | Microscopia óptica

Alguns links interessantes – apesar de serem em inglês, vale a


pena visitar esses endereços na internet.

1- Dados biográficos de Leeuwenhoek


http://www.ucmp.berkeley.edu/history/leeuwenhoek.html

2- Dados biográficos de Robert Hooke


http://www.ucmp.berkeley.edu/history/hooke.html

3- Museu da Microscopia. Tutoriais sobre princípios de óptica. Galeria


de imagens, vídeos on line. Vale a visita
http://micro.magnet.fsu.edu/primer/museum/index.html

4- Página da Sociedade Americana de Biologia Celular que disponibiliza


muitos links, imagens e vídeos interessantes.
http://www.ascb.org/

5- Atlas de imagens de Microscopia (óptica e eletrônica), organizado


pelo departamento de Histologia da UERJ.
http://www2.uerj.br/~micron/

6- Maravilhosas imagens de fluorescência obtidas em microscópio de


fluorescência confocal.
http://www.molbio.princeton.edu/confocal/510image2/
Zeisslist2.html

7- Imagens de protistas em Microscopia óptica de contraste interferencial


e de fase. Links para imagens desses mesmos organismos em microscopia
eletrônica, mostrando como vários métodos de observação devem ser
conjugados na análise de um organismo.
http://megasun.bch.umontreal.ca/protists/gallery.html -

8- Página da Nikkon, com tutoriais onde se pode manusear virtualmente


vários tipos de microscópio óptico.
http://www.microscopyu.com/tutorials/
Faça sua própria busca na internet a partir de palavras-chave como:
• Microscopia
• Microscope
• Fluorescência
• Fluorescence
• Células
Se quiser, faça outras buscas, com palavras que você escolher.

18 CEDERJ
MÓDULO 1
1
RESUMO

AULA
Os microscópios ópticos começaram a ser construídos no século XVII, e com
eles foram observadas e batizadas as primeiras células. O aperfeiçoamento na
construção de lentes, filtros e sistemas de iluminação deu origem a uma grande
variedade de microscópios ópticos. Além dos de campo claro, que requerem que
o material seja corado, existem microscópios de contraste de fase e de contraste
interferencial, onde as células podem ser observadas vivas e sem coloração
especial. Os microscópios de fluorescência permitem ver estruturas normalmente
muito finas para serem observadas com os comprimentos de onda da luz visível.
O microscópio confocal a laser inaugurou uma nova era na microscopia óptica,
mas a observação da maior parte das estruturas que compõem a célula só é
possível com um instrumento de maior poder de resolução: o microscópio
eletrônico, tema da próxima aula.

EXERCÍCIOS

1. Com base no que foi estudado, calcule o aumento final de um microscópio


óptico que utilize as seguintes combinações de lentes oculares e objetivas:

Ocular Objetiva Aumento final


5x 40x
10x 20x
20x 10x
10x 100x

2. Por que as células receberam esse nome?

3. Compare o microscópio de Hooke (Figura 1.2) com o modelo atual (Figura 1.4),
identificando as partes análogas.

4. Qual a importância de cada um dos componentes listados a seguir para


observação ao microscópio óptico?

• fonte de luz;
• lente condensadora;
• espessura da amostra;
• contraste da amostra.

CEDERJ 19
Biologia Celular I | Microscopia óptica

5. Em que tipo(s) de sistema óptico podemos observar células vivas e sem a adição
de corantes?

6. O que você entende por microscopia de fluorescência?

7. O que é limite de resolução? Qual o limite de resolução do microscópio óptico?

8. Uma hemácia mede 8mm(oito milímetros ). Quando observada sob um aumento


total de 1000 vezes, quanto medirá?

9. Por que, em geral, o núcleo é a única estrutura claramente visível dentro de


uma célula observada ao microscópio óptico?

10. Converta para as unidades correspondentes:

5µm =………...nm

0,5mm= …….. µm

100µm = ……..nm

1000µm= …….mm

60nm=……..….µm

11. Uma célula foi fotografada com 2000x de aumento no microscópio óptico. Uma
estrutura que tenha na realidade 2µm aparecerá com que comprimento na foto?

12. Procure determinar em que tipo de microscópio óptico foram obtidas as imagens
que estão na última página deste livro. Se conseguir identificar as amostras, melhor
ainda; caso contrário, consulte o gabarito desta aula no final do livro.

20 CEDERJ
2
AULA
Princípios de funcionamento
dos microscópios eletrônicos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


objetivos

• Situar a microscopia eletrônica como instrumento básico


no estudo da célula.
• Situar a microscopia eletrônica num contexto histórico.
• Reconhecer os componentes básicos do funcionamento
de um microscópio eletrônico.
• Discriminar os diferentes tipos de microscópios eletrônicos
de transmissão e de varredura.
• Correlacionar os equipamentos usados e as informações
contidas nas imagens.
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

INTRODUÇÃO Os microscópios eletrônicos são instrumentos fundamentais no estudo da célula.


Foram desenvolvidos na primeira metade do século XX, sendo contemporâneos
da televisão e dos aparelhos de raios-X.

HISTÓRICO
O século XX conheceu uma verdadeira "febre" a partir da
descoberta dos elétrons, feita por Thompson, em 1897. Tanto os cálculos
feitos pelos físicos teóricos, quanto os experimentos feitos nos "tubos de
raios catódicos" vieram a provar a natureza ondulatória dos elétrons.
Esses pioneiros provavelmente não faziam a menor idéia aonde aquelas
observações iriam levar, mas o estudo do comportamento ondulatório dos
elétrons resultou tanto na invenção dos aparelhos de televisão quanto na

ERNST RUSKA de um dos instrumentos fundamentais no estudo da Biologia Celular: o


(1906-1988) microscópio eletrônico. No ano de 1926, Bush provou que era possível
Físico alemão nascido
focalizar um feixe de elétrons utilizando uma lente eletromagnética
em Heidelberg, um
dos ganhadores do circular, estabelecendo assim os fundamentos da óptica eletrônica. Com
Prêmio Nobel de
Física (1986) por seu base nesses princípios, foi iniciada em 1931 a construção do primeiro
trabalho fundamental
em óptica eletrônica
microscópio eletrônico por um grupo liderado por Ruska. Pelo enorme
e por projetar o avanço que a microscopia eletrônica trouxe para as ciências, Ruska
primeiro microscópio
eletrônico. recebeu o Prêmio Nobel na década de 80. Em 1939, a Siemens já construía
Pesquisador da
Siemens-Reiniger- o primeiro modelo comercial de microscópio eletrônico.
werke AG (1937- Quando falamos em microscópio eletrônico, na verdade estamos
1955), diretor do
Fritz-Haber-Institut nos referindo a uma família de instrumentos que utiliza um feixe de
der Max-Planck-
Gesellschaft, elétrons para produzir uma imagem ampliada de um objeto. Essa família
Berlim (1955-1972) é composta por dois tipos de micróscopios: os microscópios eletrônicos
e professor na
Universidade Técnica de transmissão e os microscópios eletrônicos de varredura. Os primeiros
de Berlim.
se baseiam na capacidade do feixe de elétrons de atravessar a amostra,
enquanto nos segundos o feixe de elétrons percorre a superfície da amostra
gerando um sinal que será visualizado num monitor (Figura 2.1).

monitor
feixe de elétrons

espécime

tela de observação sinal emitido do espécime


gerando imagem
espécime
(1) (2)
Figura 2.1: Princípios de funcionamento do microscópio eletrônico de transmissão e do microscópio eletrônico
de varredura. No microscópio eletrônico de transmissão (1) o feixe de eletróns atravessa as áreas da amostra onde
átomos mais leves estão presentes. No microscópio eletrônico de varredura (2) a interação dos elétrons com a superfície
da amostra gera sinais que formam uma imagem num monitor de TV.

22 CEDERJ
MÓDULO 1
Três séculos de microscopia óptica serviram para acelerar os
progressos na interpretação das imagens da microscopia eletrônica. Ao

2
!
microscópio óptico não é difícil determinar o formato geral da célula e a

AULA
Resposta:
localização do núcleo, mas não é muito fácil identificar estruturas dentro Porque são pequenas,
transparentes, de
da célula. Por quê? Veja a resposta ao lado.
forma e tamanho
Mesmo assim, grande parte das estruturas intracelulares, as organelas, variável

já havia sido descrita ao microscópio óptico. Naturalmente, as funções e


a estrutura detalhada dessas organelas só foram esclarecidas mais tarde.
O grande salto conferido à Biologia Celular depois da invenção desse instrumento
reside no grande poder de resolução que suas imagens possuem.

d= 0,61λ
α

onde, d = limite de resolução


λ = comprimento de onda da radiação, no caso
de elétrons, 0,37Å
α = abertura da objetiva em radianos (0,5o= 0,01rad)
assim,
d = 2,2 Å no microscópio eletrônico e
Å = angstron. Sabe quantos angstrons há em 1 m? 1m = 1010 Å

Isto é, não é apenas uma questão de aumentar mais as células e sim


de permitir que sejam observadas estruturas menores dentro delas.

O microscópio eletrônico de transmissão


O microscópio eletrônico de transmissão é idêntico ao
microscópio óptico na montagem de seus itens básicos (Figura 2.2),
apenas é maior e invertido.
filamento aquecido
(fonte de elétrons)
fonte de luz

lente condensadora
Figura 2.2: C o m p a r a ç ã o e n t r e
o m i c r o s c ó p i o óptico (1) e o espécime
microscópio eltrônico de transmissão
(2) mostrando a posição relativa e a
equivalência de seus componentes. lente objetiva

lente lente
ocular projetora

imagem observada imagem em tela


diretamente fluorescente
CEDERJ 23
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

O que os diferencia fundamentalmente é:


1– a fonte: luz visível no microscópio óptico e feixe de elétrons
no microscópio eletrônico de transmissão;
2– o vácuo na coluna do microscópio eletrônico de transmissão;
3– as lentes: de vidro no microscópio óptico e eletromagnetos no
microscópio eletrônico de transmissão;
4– a espessura da amostra: da ordem de micrômetros (µm) no
microscópio óptico e de nanômetros (nm) no microscópio eletrônico.

O feixe de elétrons é gerado por um filamento de tungstênio que


é aquecido; podemos comparar ao que observamos numa lâmpada em
que o filamento aquecido emite o feixe luminoso (e elétrons também).
O vácuo, que também existe dentro do bulbo da lâmpada, é
necessário não apenas para impedir a combustão do filamento na
presença de oxigênio como também para impedir a colisão do feixe de
elétrons com moléculas do ar. Por outro lado, esse é um dos fatores que
impossibilita a observação de células vivas no microscópio eletrônico
de transmissão.
As lentes magnéticas desviam e orientam o feixe de elétrons
da mesma forma que as lentes de vidro desviam e orientam o
feixe de luz; lembre-se de que elétrons são uma radiação de carga
negativa, sendo portanto atraídos por cargas opostas e repelidos
por cargas semelhantes.
Já a amostra precisa ser cortada em fatias muito finas para ser
atravessada pelos elétrons. Mesmo a lâmina de vidro mais fina barraria
o feixe de elétrons. Por esse motivo são usadas telas de cobre para servir
de suporte para os cortes ultrafinos (o processamento e o preparo das
amostras para observação serão descritos mais adiante).
A seguir você vê uma foto de um microscópio de transmissão;
note como ele é bem maior que os microscópios ópticos, a começar
pela coluna por onde passa o feixe de elétrons e onde estão distribuídas
as lentes magnéticas (Figura 2.3).

24 CEDERJ
MÓDULO 1
filamento

2
AULA
posição das
lentes magnéticas

local onde é
colocada a
amostra

Lupa
para observação
da imagem na tela
fluorescente

Figura 2.3: Microscópio eletrônico Zeiss 900 instalado no Instituto de


Biofísica da UFRJ.

COMO SE FORMA A IMAGEM NUM MICROSCÓPIO


ELETRÔNICO DE TRANSMISSÃO?

Ao interagir com a amostra, os elétrons do feixe podem (Figura 2.4):


1– passar entre os átomos sem colidir com eles;
2– ser barrados por um átomo desviando-se num grande ângulo
(desvio elástico);
3– ser levemente desviados de sua rota por um átomo (desvio
inelástico);

Figura 2.4: Possíveis desvios na trajetória de um elétron ao interagir com um átomo.

CEDERJ 25
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

Destas três possibilidades de interação resultará a imagem no


microscópio eletrônico de transmissão: os elétrons barrados ou desviados
(2) serão excluídos da imagem final, resultando em pontos escuros,
enquanto os elétrons que atravessarem a amostra (1 e 3) irão colidir
com uma tela fluorescente, dando origem a pontos claros (Figura 2.5).

espécime

elétrons barrados

abertura da objetiva

elétrons transmitidos

tela
fluorescente

Figura 2.5: Formação da imagem no microscópio eletrônico de transmissão.

PREPARO DE AMOSTRAS PARA OBSERVAÇÃO AO


MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE TRANSMISSÃO

O ambiente no interior da coluna do microscópio eletrônico –


vácuo, feixe de elétrons – não é nem um pouco favorável à preservação
da estrutura celular. Além disso, a composição química das células,
basicamente átomos leves como C, H, O e N, também não é propícia
à formação de imagens no MET. Por esses motivos, assim como o
microscópio foi-se aperfeiçoando desde sua invenção, paralelamente
toda uma metodologia de preparação de amostras para observação ao
microscópio eletrônico de transmissão foi sendo desenvolvida.

26 CEDERJ
MÓDULO 1
No início era assim:

2
A micrografia ao lado foi obtida em 1945 com microscópio

AULA
de transmissão utilizando espécime biológico (um fibroblasto de
embrião de pinto). Repare que é uma célula inteira e que a imagem
lembra muito o que observamos em microscopia óptica.

Cortesia de www.rockfeller.edu/rucal/journey/journey.html

O uso de substâncias para preservar as estruturas


celulares, chamadas fixadores, tornou o microscópio muito
mais útil. Veja na figura ao lado a imagem de uma célula vegetal
fixada com uma solução de KMnO4. O citoplasma aparece
“vazio”, mas muitas estruturas já são reconhecíveis. Veja no
final da aula, se você identificou corretamente as organelas.

Keith Porter e Raul D. Machado

O uso mais recente do


glutaraldeído, do OsO4 e de
soluções tampão, que mantêm o
pH e a osmolaridade adequadas
à boa preservação celular,
resulta em imagens como esta,
Ledbetter e K. Porter

em que a estrutura da celula


pode ser observada em toda a
sua complexidade.

CEDERJ 27
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

As etapas desse processo estão esquematizadas na Figura 2.6 e


são as seguintes:

1– Fixação: Em geral é feita mergulhando as células ou tecidos em soluções


que estabilizam as membranas e os constituintes celulares na forma o mais
próxima possível da in vivo. Os mais utilizados são o formaldeído (sim, o
formol, também utilizado na preservação de cadáveres) e o glutaraldeído,
superior ao formol e por isso mais utilizado do que este. Essas substâncias,
chamadas fixadores, são empregadas diluídas em tampões, que ajudam
a manter o pH e a osmolaridade da solução fixadora o mais próximas
possível das condições vitais. Dessa maneira evita-se a deformação ou o
rompimento das estruturas celulares.

2– Pós-fixação e contrastação: Como os seres vivos são compostos


basicamente por átomos leves que desviam pouco ou nada a passagem
do feixe de elétrons, são utilizadas soluções de sais de metais pesados
(Fe, Os, Ur, Pb), que, além de melhorarem a preservação das células,
aumentam o contraste das amostras quando observadas ao microscópio
eletrônico de transmissão. Esses sais se impregnam seletivamente nas
membranas (caso do ósmio e do chumbo), no DNA (caso do urânio)
ou em outros componentes celulares, facilitando a visualização dessas
estruturas. O tetróxido de ósmio (OsO4) impregna-se nas membranas
funcionando como um fixador e conferindo simultâneamente maior
contraste às mesmas. Por ser utilizado depois do glutaraldeído, é um
pós-fixador. Já os sais de chumbo e urânio geralmente são utilizados na
última etapa de preparação da amostra, logo antes da observação ao
microscópio eletrônico.

3– Desidratação, inclusão e microtomia: A fixação confere preservação às


células; entretanto, o fato de serem em geral muito espessas e hidratadas
para que o feixe de elétrons possa atravessá-las também é um obstáculo
a ser superado. Para isso as amostras têm toda sua água substituída,
inicialmente por um solvente orgânico como álcool etílico ou acetona, e
em seguida por uma resina que, inicialmente, é líquida, mas nas condições
adequadas (em geral ao ser aquecida) endurece, permitindo que as amostras
sejam cortadas em fatias finas o suficiente para que os elétrons possam
passar nas áreas em que não se impregnaram os metais pesados.

28 CEDERJ
MÓDULO 1
2
AULA
planta animal

fragmento
de amostra

lavagem lavagem lavagem

1ª fixação: pós-fixação: 25% 50% 75% 95% 100% 25% 50% 75% 95% 100%
glutaraldeído OsO4 desidratação: resina
acetona

centrifugação

células isoladas,
bactérias, etc.

polimerização ultramicrotomia
inclusão (a 60°C a resina endurece) (O tecido é cortado
em fatias ultrafinas)

As seções ultrafinas contrastação


são coletadas da superfície Antes de ser levada ao microscópio
da água com telas de cobre. eletrônico a amostra, já sobre a grade,
é passada por soluções de acetato de uranila
e citrato de chumbo, que aumentam
o contraste das células.

Figura 2.6: Preparo de amostra para microscópio eletrônico de transmissão.

CEDERJ 29
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

As imagens das amostras observadas ao microscópio eletrônico


de transmissão podem ser fotografadas ou gravadas digitalmente para
registro e estudo posterior (Figura 2.7).
Uma idéia mais clara sobre a preparação de amostra para microscopia
eletrônica você terá consultado a plataforma Cederj.

Figura 2.7: Corte ultrafino de um hemócito de


caramujo como o visto na Figura 1.8D. Ao mi-
croscópio eletrônico de transmissão podemos
observar que o núcleo não é compacto e que di-
versas organelas estão dispersas no citoplasma.
(Foto Marco Antonio Vasconcelos Santos)

! A microscopia eletrônica de transmissão permite a observação


Dê uma paradinha! do interior da célula e de suas estruturas e organelas. Infelizmente,
Elétrons, fótons, fixadores
e microtomia... quanta
como a observação é em geral feita em fatias muito finas das células,
novidade, não? Neste temos sempre imagens bidimensionais de objetos que, na realidade, são
ponto sugerimos que você
interrompa a leitura e tridimensionais. Essa dificuldade foi, ao menos parcialmente contornada
reveja os muitos conceitos
aqui apresentados, antes pela microscopia eletrônica de varredura, onde a resolução de detalhes da
de iniciar a leitura do
texto sobre microscopia
célula se combina à observação da sua estrutura tridimensional.
eletrônica de varredura.
Questões de auto-
avaliação sobre este tema O MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE VARREDURA
você encontrará junto
com as de microscopia
eletrônica de varredura. No início deste texto você pôde observar um esquema muito
No pólo você encontrará
material em vídeo sobre simplificado, comparando as imagens obtidas num microscópio
o assunto.
de transmissão com o de varredura (Figura 2.1). A Figura 2.8
compara os componentes do microscópio eletrônico de varredura
com o de transmissão. No microscópio de varredura (Figura 2.8)
um filamento de tungstênio aquecido gera um feixe de elétrons,
que também incide sobre a amostra, mas ao invés de atravessá-
la varre a superfície ponto a ponto; porém, nesse caso, ao invés
de atravessá-la, interage com a amostra, extraindo da superfície
desta outros elétrons (chamados elétrons secundários) que geram
um sinal luminoso que é convertido numa imagem (Figura 2.9).

30 CEDERJ
MÓDULO 1
Como acabamos de comentar, o feixe de elétrons passeia sobre a
amostra, como o feixe de laser sobre o CD que você ouve. Assim

2
como de cada ponto do CD é extraído um sinal sonoro diferente (a

AULA
música!), cada ponto da amostra interage de modo diferente com
o feixe de elétrons e dessas diferenças são gerados pontos mais ou
menos brilhantes que formarão a imagem. Essa imagem é observada
num monitor de TV e pode ser registrada em fotografia ou num
computador. Veja também um modelo de microscópio eletrônico de
varredura na Figura 2.10.

Figura 2.8: Filamento aquecido (fonte de elétrons) do MET, apontar a lente objetiva do MEV.
foto: Márcia Attias

a b

Figura 2.9: Imagens de microscopia de varredura: A: Células na fase final da divisão. B: Detalhe da
região anterior do inseto Oncopeltus fasciatus. A sensação de profundidade e relevo são as
principais características dessa modalidade de microscopia eletrônica.

CEDERJ 31
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

foto: Márcia Attias

Figura 2.10: Foto de mi-


croscópio eletrônico de
varredura Jeol 5310 em
operação no Instituto de
Biofísica da UFRJ.

PREPARO DA AMOSTRA PARA MICROSCOPIA DE VARREDURA

Como, em geral, o objetivo do pesquisador ao utilizar o


microscópio eletrônico de varredura é obter informações sobre a forma
externa das amostras (sejam elas células, folhas, insetos, dentes, pêlos
etc.), estas não são cortadas em fatias. O processamento para observação
no microscópio eletrônico de varredura envolve, após o tratamento com
soluções fixadoras, a secagem do material (para remover toda a água, já
que esse microscópio também opera sob vácuo) e seu revestimento com
ouro ou outro elemento condutor, para geração do sinal (Figura 2.11).
Para maiores detalhes, consulte a plataforma Cederj.

32 CEDERJ
MÓDULO 1
2
AULA
4

Figura 2.11: Esquema das principais etapas do processamento de amostras


para microscopia eletrônica de varredura.

CEDERJ 33
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

Outras imagens obtidas com o microscópio de varredura podem


ser observadas nos seguintes endereços da Internet:
http://www.ou.edu/research/eletctron/www-vl/-_links para muitas
coleções de imagens, tanto de microscopia óptica quanto eletrônica.
http://www.uq.edu.au/nanoworld/images_1.html
http://www.prbc.hawaii.edu/nanoworld/~kunkel
http://www2.uerj.br/~micron/- laboratório de microscopia e
processamento de imagens
http://www2.uerj.br/~micron/
Você também pode localizar outros endereços interessantes nos
sites de busca como o:
www.google.com
www.yahoo.com
Compartilhe os resultados de sua busca com seu tutor e com os
colegas do pólo.

OUTROS MICROSCÓPIOS ELETRÔNICOS

Como comentamos no início da aula, os


microscópios eletrônicos formam uma verdadeira
família. De acordo com os acessórios de que são
dotados ou ainda conforme as amostras sejam
preparadas, diferentes tipos de imagem e de
informação são obtidos.

O MICROSCÓPIO ELETRÔNICO DE ALTA


VOLTAGEM

Enquanto no microscópio eletrônico de


transmissão convencional o feixe de elétrons é
acelerado de 50 a 80 KV, permitindo a observação
de amostras até 100-150 nm de espessura, no
microscópio eletrônico de transmissão de alta
voltagem a aceleração do feixe é de até 1.000
KV. Isso permite a observação de amostras bem
mais espessas (até 2 µm!). A maioria das células é
mais espessa do que isso (5-20 µm), mas mesmo
Figura 2.12: Microscópio eletrônico de alta voltagem (1.000 KV) assim aspectos importantes das células foram
instalado na Universidade do Colorado em Boulder. (Imagem
retirada do site http://bio3d.colordo.edu/m.html). observados nesse microscópio eletrônico de
transmissão (Figura 2.12)
34 CEDERJ
MÓDULO 1
MICROANÁLISE

2
De acordo com a natureza dos átomos presentes na amostra, a

AULA
colisão com os elétrons do feixe gera raios-X e outras radiações que
podem ser captadas por detectores especiais, dando informações sobre
a composição química da amostra. Esses detectores são acessórios que
podem ser adaptados ao microscópio eletrônico de transmissão ou ao
microscópio eletrônico de varredura.

VARREDURA DE ALTA RESOLUÇÃO

Nesse microscópio (Figura 2.13) o feixe emitido é muito fino,


varrendo áreas muito menores da amostra. Assim, detalhes que passam
despercebidos na varredura convencional podem ser resolvidos. Organelas
e filamentos do citoesqueleto (Figura 2.14), que normalmente não são
visíveis ao microscópio eletrônico de varredura, podem ser vistas aqui.

Figura 2.13: Microscópio de


varredura de alta resolução Jeol.
Foto: Celso Sant´Anna

Figura 2.14: Os microtúbulos que formam o


citoesqueleto desse protozoário (Herpetomonas
megaseliae) não seriam visíveis no microscópio
de varredura convencional.

CEDERJ 35
Biologia Celular I | Princípios de funcionamento dos microscópios eletrônicos

VARREDURA DE PRESSÃO VARIÁVEL (AMBIENTAL)

Nesse modelo de microscópio eletrônico de varredura, a pressão


na coluna é variável, sendo possível observar amostra frescas, isto é, sem
nenhum tratamento químico e sem o processo de secagem. Potencialmente,
podem ser observadas amostras vivas nesse microscópio, mas o poder de
resolução é ainda bastante limitado.

RESUMO

O poder de resolução da microscopia eletrônica é muito maior do que os dos


microscópios ópticos porque o comprimento de onda dos elétrons é muito
menor do que o da luz visível. Os princípios da microscopia eletrônica foram
estabelecidos por Ruska no início do século XX. Os microscópios eletrônicos
podem ser divididos em de transmissão e de varredura. Nos primeiros, as imagens
são de cortes ultrafinos ou mostram a região interna da célula com a estrutura
de membrana, as organelas, como mitocôndrias e retículo endoplasmático etc.
No microscópio de varredura a imagem é formada quando o feixe percorre a
superfície da amostra, arrancando de sua superfície elétrons que irão formar
uma imagem da superfície externa que estiver sendo "varrida".

Links de interesse:

http://www.mos.org/sln/SEM/works/slideshow/semmov.html
- animação sobre o funcionamento do MEV.
http://www.denniskunkel.com/ - imagens de microscopia óptica
e eletrônica artificialmente coloridas. Muito bonito!
http://www.molbio.princeton.edu/confocal/510image2/
Zeisslist2.html - Maravilhosas imagens de fluorescência obtidas em
microscópio de fluorescência confocal.
http://mgasun.bch.umontreal.ca/protists/gallery.html - imagens de
protistas em microscopia óptica de contraste interferencial e de fase. Links
para imagens desses mesmos organismos em microscopia eletrônica,
mostrando como vários métodos de observação deve ser conjugados na
análise de um organismo.
http://www.msa.microscopy.com/ProjectMicro/Books4.html
- coleção de CD-roms selecionados com comentários.

36 CEDERJ
MÓDULO 1
EXERCÍCIOS

2
AULA
1. Defina, em suas próprias palavras, o que é o poder de resolução.

2. Se uma determinada estrutura mede 100nm de diâmetro, quanto medirá se


observada ao microscópio eletrônico com 10.000X de aumento?

3. Se a área de observação na tela do microscópio eletrônico mede 9x9 cm e uma


célula mede cerca de 30 µm de diâmetro, qual o maior aumento com o qual
poderemos observar toda sua circunferência?

4. Faça uma tabela comparando o poder de resolução, a natureza das lentes


e o tipo de emissão do filamento do microscópio eletrônico de transmissão
em relação ao microscópio óptico.

5. A formação da imagem no microscópio de transmissão se dá sobre uma tela


fluorescente. Nos pontos em que os elétrons foram barrados pelos átomos da
amostra, a imagem é ____________________, enquanto os elétrons não barrados
incidem sobre a tela e fornecem _______________. Átomos de elementos mais leves
tendem a ________________ mais elétrons e elementos mais pesados tendem a
____________________mais elétrons.

6. Por que é necessário que a coluna dos microscópicos eletrônicos permaneça


sob vácuo?

7. As células são hidratadas e, mesmo sendo formadas por elementos leves


(C, H, N, O), são muito espessas para permitir a passagem de um feixe de elétrons.
Quais os principais processos a que precisam ser submetidas antes da observação
ao microscópio de transmissão?

8. No microscópio eletrônico de varredura as imagens são _______________.


O feixe de elétrons _______________ a superfície da amostra gerando um sinal
para um monitor de TV.

9. São bons exemplos de estrutura mais bem visualizadas no microscópio de


transmissão: ______________________________________________________________
___________________________________________________________________________

10. São bons exemplos de estrutura mais bem visualizadas no microscópio de


varredura:__________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

CEDERJ 37
Biologia Celular I- Aula 3

Moléculas Fundamentais
Objetivos: ao final desta aula você deverá saber
 Quais os elementos químicos fundamentais dos seres vivos
 Quais as características fundamentais da molécula de água
 O que significa hidrofílico e hidrofóbico
 Quais os grandes grupos de moléculas orgânicas
 Quais as principais funções de cada um desses grupos
o Açucares, lipídeos, proteínas e ácidos nucleicos

1
Tina e Mauro “filosofavam” sobre a vida e anotei o seguinte diálogo:

De que somos De células!


feitos?

E as células? Do Ah! As células


que são feitas? possuem uma
membrana,
núcleo...

NÃOOO! Não é
isso que estou
perguntando!

Se somos formados por Xi! Boa pergunta!


ÁTOMOS, o que nos
diferencia das pedras, dos
oceanos, da lava dos
vulcões, da atmosfera?

Pois é, gente. Estamos estudando BIOLOGIA, mais especificamente, BIOLOGIA CELULAR. Mais
adiante você vai estudar BIOQUÍMICA, mas até lá, vamos adiantando algumas informações que
vão ajudar você a entender “como as coisas funcionam”. Melhor dizendo, “como as células
funcionam”.

2
3
Bem, você certamente já viu a tabela abaixo. É a tabela periódica dos elementos, onde estão
relacionados todos os elementos químicos conhecidos. A maioria ocorre na natureza, mas
alguns foram sintetizados em laboratório (o que não vem ao caso, no momento).

Tina quer saber o que há de diferente entre os seres vivos e a matéria inorgânica. Afinal, ela já
sabe que na terra primitiva não havia seres vivos e que eles se formaram a partir da
combinação de átomos de elementos químicos que também são encontrados na atmosfera,
nas rochas e, principalmente na água. Tina e Mauro ficaram muito impressionados em saber
que 70% da nossa massa corporal é água.

Os elementos químicos encontrados em maior quantidade no seres vivos são quatro, na


seguinte ordem:

Hidrogênio, Carbono, Oxigênio e Nitrogênio

Em menor quantidade, mas de fundamental importância são o Cálcio, o Magnésio, o Potássio,


o Fósforo (não o palito!), Alumínio, Silício e outros.

Já os elementos químicos que existem em maior quantidade na crosta terrestre são o Oxigênio
e o Silício.

O que tem de tão especial entre estes quatro elementos que resulta nessa coisa sensacional
que são as células? As propriedades desses átomos nos seres vivos são sempre as mesmas, nas
células e nos compostos minerais. Eles podem se associar, formando moléculas. Como? Veja
na figura a seguir:

4
A B

Dois átomos podem fazer dois tipos de ligação química: em A eles compartilham elétrons,
formando uma ligação covalente. Em B, um átomo, mais eletronegativo, atrai para si o elétron
de outro átomo, que fica por isso carregado positivamente. O átomo que recebe o elétron fica
negativo, mantendo o doador positivo próximo. Tanto o átomo que doa quanto o que recebe o
elétron ficam ionizados, e
estabelecem entre
si uma ligação iônica.
Ligação covalente, ligação iônica...
Afinal, estamos estudando
biologia ou química?

Não fique preocupado, você conhece muito bem as substâncias que fazem essas ligações.

O oxigênio (O2) que respiramos, o gás carbônico (CO2) que expiramos e a água (H2O) são
moléculas onde encontramos ligações do tipo covalente. Já o sódio e o cloro no cloreto de
sódio (NaCl), estão ligados por ligações iônicas.

OK, vamos então ver as maravilhas que esses quatro elementos tão simples são capazes de

fazer

Primeira maravilha: a água!

A vida surgiu nos oceanos e todas as formas de vida, de alguma forma, precisam manter a
água dentro e fora de suas células. Você já deve ter ouvido que “a água é o solvente
universal”. Isso significa que, entre outras coisas, quase TODAS as reações que ocorrem numa
célula, ocorrem em meio aquoso. A água dissolve substâncias como o sal (NaCl) e o açúcar,

5
mas não se mistura com óleos. O que esta molécula tem mais de interessante? Observe a
figura a seguir:

A ligação entre o oxigênio e os hidrogênios é do tipo covalente,


aquela em que os dois átomos compartilham um par de elétrons.
Só que o oxigênio é mais eletronegativo que o hidrogênio e os
elétrons compartilhados ficam mais próximos do primeiro. Por
causa disso o lado da molécula onde está o oxigênio é mais
negativo e, consequentemente, o outro lado, onde estão os
hidrogênios, é mais positivo. O resultado disso é que, embora a
molécula de água seja neutra, ela é uma molécula polar, com um
pólo positivo e um negativo.

Tá, e daí?

Daí que as moléculas de água se atraem mutuamente,


como mostrado aqui. O oxigênio “atrai” o hidrogênio da
molécula vizinha. Isso mesmo, como um imã!

E também são “atraídas” por íons

Quando substâncias como o cloreto de sódio


são dissolvidas em água. As moléculas de
água são atraídas pela carga dos íons,
formando camadas de solvatação, como você
pode ver aqui à esquerda. Isso acaba
aumentando o raio molecular dos íons.

6
É, Tina, assim como o
Mas Mauro, sal e CO2, mas já vamos
água são falar das moléculas
substâncias BIOLÓGICAS,
inorgânicas, não
são?

As células são 70% água, mas os outros 30% são formados pelos seguintes grupos de
substâncias:

Tá parecendo
fórmula de
suplemento
alimentar...

Justo! É disso que nosso corpo precisa para


formar moléculas mais complexas, para
produzir energia, fazer reações químicas,
enfim, para viver!

AÇÚCARES

“Açúcar é mais energia”. Talvez você já tenha ouvido esta frase. Com certeza você já ouviu
falar em glicose e sacarose. A sacarose é o açúcar que usamos no dia a dia. A sacarose é
formada por duas moléculas de glicose. Repare no esquema a seguir: para formar uma
molécula de sacarose é produzida uma molécula de água e para que a sacarose seja separada
em duas moléculas de glicose uma molécula de água é consumida. Por isso mesmo esta é uma
reação de hidrólise (hidro= água e lise=quebra). Interessante, não?

7
A glicose pode formar moléculas maiores, com MUITOS carbonos e uma delas é usada na
fabricação de papel, a celulose. A celulose não é um alimento, é um açúcar com função
estrutural, encontrado na
parece celular dos vegetais.

8
Então os açúcares podem funcionar como alimentos para as células ou como estrutura. Só
isso?

NÃO! A glicose possui 6 carbonos em sua molécula, mas existem açúcares com 3 carbonos, 4
carbonos, 5 carbonos.

Os açúcares de 5 carbonos mais importantes são a RIBOSE e a DESOXIRRIBOSE. Sabe por que?
Porque eles entram na composição da molécula dos ÁCIDOS NUCLEICOS. Sim, o DNA e o RNA,
que carregam e transmitem as informações genéticas de cada ser vivo.

A ribose ainda entra em outras duas moléculas muito importantes, que você até deve
conhecer, pelo menos de nome: a adenosina trifosfato, ou ATP e a adenosina monofosfato ou
AMP.

O ATP é a principal fonte de energia utilizada nas reações químicas da célula e o AMP (AMP
cíclico) é muito importante na transmissão de mensagens dentro da célula. Vamos falar muito
dessas moléculas durante a disciplina.

LIPÍDEOS, GORDURAS E ÁCIDOS GRAXOS

Não é bem assim, Tina.


Leio o tempo todo As membranas
nas revistas que celulares são formadas
precisamos evitar as por LIPÍDEOS e sem
gorduras! eles nosso organismo
não produziria
hormônios.

As membranas de todas as células são formadas por moléculas lipídicas. Os lipídeos são uma
classe de moléculas que inclui os óleos e as gorduras. Como você já deve saber “água e óleo

9
não se misturam” e por isso mesmo as membranas estabelecem um limite ideal entre o
interior aquoso das células e o meio externo, igualmente aquoso.

Os lipídeos que formam as membranas biológicas são principalmente do tipo fosfolipídeo. Os


fosfolipídeos são formados por 3 outros tipos moleculares: o glicerol, os ácidos graxos e o
fosfato. Veja abaixo como são essas moléculas e como elas se associam para formar o
fosfolipídeo.

O glicerol é um tipo de álcool, com 3 hidroxilas.

Os ácidos graxos são longas cadeias de carbono


hidrogenado, terminadas por uma carboxila. Cada
fosfolipídeo, tem duas
cadeias de ácidos graxos.

O fosfato é um íon inorgânico, PO4.

Como essas moléculas se combinam no


fosfolipídeo? Assim, veja:

A parte não colorida da molécula de


fosfolipídeo é variável. Por isso mesmo
existem muitos tipos de fosfolipídeos,
com diferentes radicais ligados ao fosfato
e com cadeias de ácidos graxos de
diferentes comprimentos, entre outras
variáveis.

Entretanto, a característica mais


importante dos fosfolipídeos para a
formação das membranas é que eles são
anfipáticos. Isso mesmo an-fi-pá-ti-cos.

Esta palavra significa que eles possuem


duas (anfi) naturezas: as cadeias de
ácidos graxos são hidrofóbicas (=
possuem pavor de água) e a porção
formada pelo glicerol, o fosfato e o
radical variável, são hidrofílicas (= amigas

10
da água). Assim, por esta dupla natureza, quando em contato com a água os fosfolipídeos,
espontaneamente formam bicamadas e estas se fecham, formando os lipossomas (vamos
voltar a isso na aula sobre estrutura da membrana).

As moléculas de fosfolipídeos se arranjam em uma bicamada. Assim, apenas as porções


hidrofílicas da molécula ficam em contato com a água, tanto pelo lado de dentro, quanto pelo
lado de fora da célula.

Além dos fosfolipídeos, os esteróis- que incluem o colesterol- também são uma classe de
lipídeos de grande importância: além de também se inserirem nas membranas, são
precursores de hormônios, os hormônios esteróides.

As tão temidas “gordurinhas” também são lipídeos que são armazenados como reserva
energética. Essas gorduras são excelentes fontes de energia, mas os carboidratos (açúcares)
são utilizados preferencialmente pelo organismo. É por isso que quando precisamos perder
peso, diminuímos o consumo de açúcares (e de gorduras).

AMINOÁCIDOS E PROTEÍNAS

Os aminoácidos são pequenas moléculas onde um dos


carbonos está sempre ligado a um radical amina e um
radical carboxila. Eles são as subunidades formadoras
das proteínas. Por que as proteínas são tão
importantes?

Bem, as enzimas que digerem o que comemos são


proteínas, assim como as unhas e cabelos. O sangue é
rico numa proteína, a albumina; nossos músculos
precisam de proteínas para se contrair e todos os
processos de comunicação entre as células dependem de
proteínas.

Quando dois aminoácidos se ligam, forma-se entre eles uma ligação peptídica, mostrada no
esquema a seguir:

11
• Ligação peptídica

• Aminoácido

As proteínas são formadas por centenas de aminoácidos. Os aminoácidos são como as letras
do alfabeto: com um número finito deles, podem ser compostas infinitas proteínas.

O que determina que proteínas uma célula pode sintetizar, é o seu código genético, que é
formado pelo quarto tipo de moléculas: os
nucleotídeos.

NUCLEOTÍDEOS E ÁCIDOS NUCLEICOS


Os nucleotídeos são formados pela combinação de
um açúcar de 5 carbonos (em azul), com uma
molécula nitrogenada (em verde) e um fosfato
(amarelo). Existem dois tipos de ácidos nucleicos, o
DNA e o RNA. Repare as letras G, A, T e C ao lado dos
nucleotídeos representados ao lado, elas significam:
Guanina, Adenina, Timina e Citosina, os nucleotídeos
do DNA, ácido desoxirribonucleico. Esses
nucleotídeos também “funcionam” como um
alfabeto, servindo de molde para a síntese do ácido
ribonucleico, o RNA, que por sua vez será o molde
para a síntese de proteínas.

Além deste, os nucleotídeos possuem um outro papel


de igual importância: o ATP, adenina trifosfato e o
GTP, guanina trifosfato, são moléculas que
armazenam energia que é utilizada nas várias
atividades celulares.

Como se não bastasse, o AMP, adenina monofosfato,


é uma molécula sinalizadora, que dispara várias das

12
atividades celulares que mencionamos acima.

Nossa! Começo a entender!

Sim, vamos estudar Biologia Celular: como as células são, o que elas fazem, como isso
acontece. Vocês vão ver que vai ser muito legal!

13
4
AULA
Cultura de células
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Conhecer os fundamentos do cultivo de células:
– Dados históricos;
– Os objetivos do cultivo de células;
– Princípios técnicos;
– Linhagens celulares;
– Principais aplicações e perspectivas:
– Produção de heterocárions
– Emprego em pesquisa e diagnóstico
– Células-tronco
Biologia Celular I | Cultura de células

INTRODUÇÃO No início do século XX, alguns pesquisadores desejavam estudar a diferenciação


de células nervosas. Para tanto, removeram algumas células de espinha dorsal de
uma cobaia e as colocaram numa câmara de vidro, úmida e mantida a 37 graus
com plasma sangüíneo. De tempos em tempos, essa câmara era observada ao
microscópio. Nessas condições as células não apenas sobreviveram como se
diferenciaram, assumindo o aspecto estrelado dos neurônios. Esse foi o início
da técnica de cultura de células.

O QUE É CULTIVAR CÉLULAS?

Cultivar células, em princípio, consiste em manter vivas células


retiradas de um organismo. Geralmente isso é feito em tubos de ensaio,
garrafas ou placas de Petri (Figura 4.1). Hoje em dia esses recipientes
também podem ser feitos de plástico transparente mas, originalmente,
eram sempre de vidro. Daí a expressão in vitro, que significa um
experimento ou observação feita em células crescidas fora de um
organismo. Por outro lado, observações ou experimentos que são
conduzidos em animais são ditos in vivo.

Figura 4.1: Algun s t i p o s c e l u l a r e s s ó p o d e m s e r m a n t i d o s e m a n i m a i s


hospedeiros (a). Outras vezes as células são aspiradas do organismo doador e
passam a se multiplicar em placas de Petri, garrafas ou tubos (b).

Como se faz uma cultura?

As culturas podem ser preparadas diretamente de tecidos retirados


de um animal. Nesse caso, são chamadas de culturas primárias. Grupos de
células que são retirados das culturas primárias e continuam a crescer in
vitro, dão origem a culturas secundárias (Figura 4.2). Esse processo pode
ser repetido várias vezes, mantendo as células por semanas ou meses.
48 CEDERJ
MÓDULO 1
Figura 4.2: Células extraídas de
um organismo e colocada em
cultivo formam a cultura primária.

4
Se algumas células dessa cultura

AULA
primária forem transferidas
para novo meio de cultura e nele
crescerem, constituirão culturas
secundárias que poderão tornar-se
"imortais".

Do que precisa uma célula em cultura?

Para que uma célula sobreviva in vitro devem ser garantidas


condições de temperatura e umidade semelhantes às do organismo onde ela
se originou. Além disso, o ambiente precisa ser mantido livre de bactérias,
fungos e outros microorganismos que podem contaminar a cultura de
células. As células também precisam nutrir-se; portanto, o meio de cultura
deve conter todos os nutrientes necessários para o metabolismo de cada tipo
Células em cultura requerem
celular em cultivo. As células em cultura também produzem excreções que cuidados com alimentação,
temperatura e limpeza com-
modificam a acidez do meio e podem intoxicar e matar as células em cultivo. paráveis aos de um bebê.
Tais substâncias precisam ser removidas, seja pela substituição periódica do
meio de cultura, seja pela transferência de grupos de células para placas ou
garrafas com meio novo.

O que é o meio de cultura? Cá entre nós...


Que bela sopa é esse tal
O meio de cultura é uma mistura de moléculas necessárias à meio de cultura, não?

nutrição da célula. Originalmente era utilizado o soro de animais como


cavalo ou boi. Também foi muito empregado o extrato de embriões
de galinha. Atualmente existem muitas fórmulas quimicamente
definidas, em que se pode avaliar o efeito da omissão ou adição
de determinado componente sobre o comportamento das
células. Além de aminoácidos, açúcares, vitaminas e sais
minerais, geralmente entram na composição dos meios
de cultura proteínas do soro, antibióticos e fungicidas,
estes dois últimos para diminuir o risco de contaminação.
O meio de cultura deve ter osmolaridade e pH adequados
para o tipo celular em estudo.

CEDERJ 49
Biologia Celular I | Cultura de células

! POR QUANTO TEMPO UMA CULTURA PODE SER MANTIDA?


Se você não lembra o que
é osmolaridade ou pH, Num organismo, cada tipo celular é programado para um
consulte o material da
determinado número de divisões e tempo de vida. Por exemplo, as células
disciplina Bioquímica I.
de nossa pele estão constantemente se renovando, graças a divisões das
células das camadas mais profundas. Essas culturas mantêm in vitro as
mesmas características dos tecidos de onde se originaram. Assim, os
fibroblastos (Figura 4.3), células do tecido conjuntivo, secretam colágeno;
células cardíacas retiradas de embriões se contraem, como no músculo
cardíaco e as células epiteliais retiradas das camadas de crescimento da
pele aderem entre si e formam uma camada sobre a placa de cultivo. Poder
contar com uma população celular homogênea é uma grande vantagem
para testar os efeitos de diferentes condições experimentais sobre células,
pois estas preservam as características biológicas dos tecidos que lhes
deram origem. Um grande entrave é a limitação do número de subculturas
secundárias. Felizmente, tal limitação pode ser amenizada pelo uso de
linhagens celulares estabelecidas.

Figura 4.3: Aspecto em microscopia eletrônica de varredura de uma cultura de células


epiteliais em cultivo sobre uma lamínula de vidro. Note que algumas células ainda
estão arredondadas e outras espalhadas sobre a superfície, fazendo contatos entre si.
Pequenas microvilosidades emergem da superfície das células.

O QUE SÃO LINHAGENS CELULARES ESTABELECIDAS?

Eventualmente, alguns tipos celulares sofrem modificação genética


que torna ilimitada sua capacidade de proliferação. Ao contrário das células
cancerosas, que também se multiplicam indefinidamente, essas linhagens
celulares conservam várias das características das células que lhes deram
origem, como a capacidade de adesão, no caso de células epiteliais.

50 CEDERJ
MÓDULO 1
Além das linhagens naturalmente transformadas, a transformação
pode ser induzida por métodos químicos ou infecções virais. Algumas

4
linhagens transformadas, se reintroduzidas em animais, podem induzir

AULA
tumores, assim como algumas linhagens estabelecidas tiveram origem
em tumores malignos.
As linhagens celulares tornaram possível obter uma grande
quantidade de células homogêneas para experimentos. Também podem
ser armazenadas por longos períodos em baixa temperatura, em nitrogênio
líquido, sendo descongeladas e recolocadas em cultivo quando necessário.
Existem verdadeiros “bancos” de células em diversos laboratórios.
A seguir, algumas das linhagens celulares mais usadas.

Linhagem Origem

MDCK (Madin-Darbin canine kidney) Epitélio de rim de


cachorro

PtK1 Epitélio de rato canguru

HeLa Epitélio humano

3T3 Fibroblasto de camundongo

CHO (chinese hamster ovary) Ovário de hamster

UMA LINHAGEM É UM CLONE?

Não. Uma linhagem é formada a partir de um


grupo de células extraídas de um organismo. Estas,
embora sejam muito semelhantes, não são idênticas.
Porém, uma cultura derivada da multiplicação de
uma única célula é um clone (Figura 4.4). Vários
clones podem ser obtidos de linhagens celulares já
estabelecidas. Um exemplo são as células CHO a
partir das quais foram originados vários clones com
características específicas.

Figura 4.4: Numa cultura de células podem conviver


diversas variantes de um mesmo tipo celular (células B1,
B2 e B3). Se for produzida uma cultura exclusivamente
a partir das células B2, esta será um clone de B2 e
produzirá as proteínas específicas de B2, como os
componentes da superfície esquematizados.

CEDERJ 51
Biologia Celular I | Cultura de células

AS CARACTERÍSTICAS DE DUAS CÉLULAS PODEM SER


COMBINADAS?

Sim. A fusão entre duas células de origens diferentes pode ser


(hibridoma vem do induzida, levando à união em uma única célula onde o núcleo contém
radical hibrid, que
quer dizer mistura, o DNA das duas células (Figura 4.5). As células resultantes dessa fusão
e a terminação oma,
que designa tumores contém dois núcleos e são chamadas heterocárions (hetero = diferente,
em geral.) karyon = núcleo). Quando acontece dos dois núcleos se fundirem num só,
dizemos que formou-se um hibridoma (Figura 4.5). Um tipo de hibridoma
muito interessante é o que reúne o poder de rápida multiplicação de uma
célula cancerosa à capacidade de secretar anticorpos dos linfócitos B.
As células que reúnem essas duas características em geral são selecionadas
e clonadas para produção de anticorpos em grandes quantidades. Para
que produzir anticorpos em laboratório? Isso é o assunto da Aula 6.

Suspensão de dois tipos


celulares em presença de Fusão de células e formação
um agente de fusão de heterocárions em cultivo

Três clones de células


híbridas. Cada um retém
O meio só permite a proliferação algumas características
dos heterocárions, que serão das células originais
então clonados

Fibroblasto Tumor de Heterocárion Célula híbrida (hibridoma)


humano camundongo

Figura 4.5: Etapas da produção de um heterocárion.

!
O que são linfócitos B?
São um tipo de glóbulo branco do sangue que
produz e secreta anticorpos que aderem aos
organismos invasores (bactérias, vírus etc.) .
Qualquer molécula ou organismo estranho é
denominado antígeno. Veja o esquema ao lado.

52 CEDERJ
MÓDULO 1
O QUE SÃO CÉLULAS-TRONCO?

4
Por definição, célula-tronco é uma célula capaz de se multiplicar

AULA
e se diferenciar em qualquer tipo celular. Por isso mesmo é chamada
pluripotente. Ao se dividir, uma célula pluripotente pode dar origem a
duas células iguais a ela ou, então, a uma célula ainda pluripotente e a
outra mais diferenciada, que é chamada multipotente, pois pode dividir-
se e diferenciar-se em vários tipos celulares dentro de uma categoria.
O que induz ou não essa diferenciação é a própria programação genética
da célula, além de fatores químicos presentes no meio extracelular.
Já é sabido que todas as células sangüíneas se diferenciam a partir de
um único tipo celular primordial (Figura 4.6).
Empregando as técnicas de cultura de células, os pesquisadores
estão procurando obter células-tronco e induzir in vitro sua diferenciação.
O domínio dessa tecnologia pode representar a cura para diversos tipos
de leucemia, pois as células que se tornam cancerosas são de um tipo
mais diferenciado. Além disso, será possível a fabricação de sangue a
partir de células-tronco do próprio paciente para utilização em cirurgias,
sem a necessidade de doadores.
Em projetos ainda mais ambiciosos, existe a perspectiva de
regenerar órgãos inteiros, como o fígado e o coração, que poderiam ser
utilizados em implantes, e até mesmo a possibilidade de recompor nervos
lesados e recuperar pessoas paraplégicas ou tetraplégicas. Como podemos
notar, embora as pesquisas ainda estejam começando, as possibilidades
são imensas.

!
A cultura de células já está entre nós.
Ao contrário do que você possa pensar, a cultura de células já faz parte do
nosso dia-a-dia. Quer ver?
1- Os chamados bebês de proveta resultam da fecundação in vitro de um
óvulo por um espermatozóide. Essa célula-ovo é mantida em condições
controladas de cultivo durante as primeiras divisões, quando então é
implantada no útero materno para prosseguir seu desenvolvimento.
2- No tratamento de queimados têm sido utilizados fibroblastos que, em
meio de cultura definido, são estimulados a se multiplicar e diferenciar-se
em células epiteliais. Essa pele artificial é usada em implantes na superfície
destruída pela queimadura.

CEDERJ 53
Biologia Celular I | Cultura de células

Figura 4.6: De um único tipo celular, pluripotente,


têm origem todas as células sanguíneas. As células
multipotentes que migram para a medula óssea dão
origem à linhagem mielóide que inclui os glóbulos
vermelhos, plaquetas e vários tipos de leucócitos.
As células multipotentes que migram para os órgãos
linfáticos dão origem aos linfócitos, leucócitos
responsáveis pela fabricação de anticorpos.

RESUMO

Células retiradas de organismos, em geral embriões ou recém-nascidos,


podem ser cultivadas em frascos ou placas de vidro ou plástico. Essas
células precisam ser mantidas em meio que contenha nutrientes e fatores
de crescimento, além de temperatura, pH e osmolaridade adequados.
Embora a maioria das células só possa ser mantida por um número
de gerações limitado, existem linhagens de células transformadas que
podem ser multiplicadas indefinidamente. Clones de uma única célula
com características específicas podem ser produzidos a partir de uma
cultura, assim como dois tipos celulares podem ter suas características
combinadas num heterocárion, ou hibridoma. O cultivo de células-
tronco, células pluripotentes que dão origem a todos os tipos celulares
durante o desenvolvimento do embrião, são uma esperança da Ciência na
regeneração de órgãos e cura de vários tipos de leucemia.

54 CEDERJ
MÓDULO 1
EXERCÍCIOS

4
AULA
1. Quais os requisitos básicos para manutenção de células em cultura?

2. O que você entende por células in vitro? E in vivo?

3. O que é uma cultura primária?

4. Diferencie uma célula transformada de uma célula cancerosa.

5. O que é um hibridoma?

6. Da fusão de uma célula tumoral com uma célula secretora foram obtidos
heterocárions com as seguintes características:

a. Células com baixa capacidade de divisão, mas alta atividade secretora

b. Células com alta capacidade de divisão e baixa atividade secretora

c. Células com alta capacidade de divisão e alta atividade secretora

d. Células com baixa capacidade de divisão e baixa atividade secretora

Qual desses heterocárions será mais interessante? Justifique sua resposta.

7. O que são células-tronco?

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

Nas aulas seguintes, vamos estudar como o cultivo de células fornece


matéria-prima para as técnicas de fracionamento celular e a importância na
localização e identificação de componentes celulares ao microscópio óptico
e eletrônico.

CEDERJ 55
5
AULA
Métodos bioquímicos
para o estudo da célula
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Entender como se obtêm preparações de organelas isoladas,
que assim podem ser estudadas fora do contexto celular.
• Entender os princípios, e assim os resultados obtidos por
metodologias cromatográficas e eletroforéticas.
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

I) FRACIONAMENTO CELULAR

HISTÓRICO
Nas primeiras décadas do século XX, já havia muita informação
sobre as reações químicas ligadas ao metabolismo celular. Nessa época
também os primeiros microscópios ópticos já tinham sido criados,
levando ao conhecimento de que uma célula não parecia ter só um núcleo
em seu interior, mas também outros componentes menores, cujo tamanho
estava quase fora da capacidade de observação daqueles microscópios.
A questão era como correlacionar esses conhecimentos anteriormente
acumulados usando diferentes abordagens.
Um bioquímico não era capaz de responder em que local da
célula se passava determinada reação enzimática que ele conseguia
medir no espectrofotômetro. Algumas vezes, era mesmo necessário
romper as células da preparação, fazendo um extrato para que certas
reações pudessem ocorrer in vitro e serem medidas. Isso mostrava que as
enzimas que se queriam medir nesse ensaio estavam confinadas em algum
compartimento intracelular, a que os reagentes adicionados externamente
não tinham acesso.
De modo recíproco, um morfologista não era capaz de responder
que etapas do metabolismo celular ocorriam nas várias partes da célula
que ele podia ver, especialmente ao se aproximar a metade do século, em
que os microscópios eletrônicos começavam a ser usados para observar
material biológico.
Nessa época, dois grupos trabalhavam intensamente para conhecer
melhor o conteúdo das células: o do Dr. Keith Porter, no Instituto
Rockefeller, em Nova York, Estados Unidos, e o grupo da Universidade
de Louvain, Bélgica, formado por Albert Claude, George Hogeboom e,
pouco depois, Christian De Duve.
O grupo do Dr. Porter estava criando, com sucesso, métodos
adequados ao preparo de material biológico para observação de
amostras biológicas ao microscópio eletrônico, métodos que, aliás, são
usados até hoje (veja Aula 2). A nova metodologia mostrou, no interior
de células eucarióticas, muitos compartimentos internos envolvidos por
membrana, muitos grânulos e muitos filamentos. O grupo da Bélgica
estava, desde meados da década de 30, realizando experimentos em que
células de fígado de rato eram rompidas e seu conteúdo assim liberado
era separado por centrifugação em várias frações, ditas subcelulares.

58 CEDERJ
MÓDULO 1
Depois de separada, cada fração era observada ao microscópio óptico
e ensaiada em várias características bioquímicas. Assim, em 1940, o

5
grupo belga publicou um trabalho muito importante em que descrevia

AULA
os primeiros resultados de fracionamento celular: as células do fígado
de rato rompidas podiam ser divididas em quatro frações. A fração
mais densa continha os núcleos; a próxima, em ordem decrescente de
densidade, era formada por grandes grânulos e consumia oxigênio
produzindo CO2; a seguinte era formada por pequenos grânulos e
hidrolisava proteínas em pH ácido; a menos densa continha proteínas
solúveis, sendo provavelmente o citoplasma.
Como correlacionar as frações descritas por Claude e colaboradores
com as observações de Porter ao microscópio eletrônico? A saída foi a
colaboração direta entre os dois grupos, dando um novo impulso ao
conhecimento do conteúdo celular e levando à descrição de várias organelas.
É importante destacar que o avanço espetacular da Biologia Celular nesse
período não foi só resultado do esforço de médicos, biólogos, químicos
e físicos. Houve importante colaboração de engenheiros e técnicos que
trabalhavam nas oficinas das universidades e dos institutos de pesquisa. A
ultracentrífuga e o ultramicrótomo, por exemplo, foram criados nas oficinas
do Instituto Rockefeller nesse período.

Preparando a amostra

Para obter preparações de organelas isoladas e purificadas é


preciso evidentemente romper as células. No entanto, se nossa amostra
é formada por células de diferentes tipos, devemos pensar que depois de
rompermos as células não temos mais condições de identificar de que tipo
celular veio uma mitocôndria, por exemplo. Por isso, antes de começar
a pensar em como romper as células, temos de pensar em como tornar
a amostra uma preparação homogênea, ou seja, formada por apenas
um tipo celular. Essa tarefa vai ser diferente para cada tipo de material.
Vamos considerar alguns exemplos:
Exemplo 1 – Amostra de exsudato peritonial. Para obter
amostras de células do sistema imune que residem aderidas na parede
interna do peritônio, injetamos pequena quantidade de líquido nessa
cavidade de um animal anestesiado (geralmente um camundongo) e
massageamos levemente para que as células se soltem da parede. Em
seguida, retiramos o líquido que vem com uma mistura de células. É
esse líquido que chamamos de exsudato ou lavado peritoneal. A mistura

CEDERJ 59
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

é formada principalmente por macrófagos e várias classes de linfócito.


Eventualmente, dependendo das condições fisiológicas do animal,
também pode haver número significativo de neutrófilos. Para várias linhas
de pesquisa na área de Parasitologia, é necessário estudar a interação
de patógenos com macrófagos, já que estas células são as primeiras a
interagir com agentes invasores de nosso organismo.
Para separar os macrófagos das outras células dessa preparação e
fazer uma cultura primária (veja aula de Cultura de Células), podemos
explorar uma atividade biológica natural, a adesão a substratos. Todas
as células retiradas no exsudato aderem a substratos, mas fazem isso
em velocidades diferentes. Os macrófagos aderem a substratos como
vidro ou plástico em cerca de 15 minutos, se estiverem em meio de
cultura e a 37oC, enquanto os linfócitos levam mais de meia hora nas
mesmas condições. Assim, podemos obter uma preparação homogênea
de macrófagos usando a sua atividade biológica natural. Mas, na maioria
das vezes, isso não é possível. Veja os próximos exemplos.
Exemplo 2 – Separação de células do sangue. As hemácias e os
leucócitos circulantes (linfócitos, neutrófilos, monócitos, eosinófilos,
basófilos etc.) podem ser separados uns dos outros e do plasma por
diferença de densidade. Se deixarmos um tubo com sangue heparinizado
em repouso sobre a bancada, depois de algum tempo haverá separação
de seus elementos, que se depositarão no fundo do tubo. A deposição
dos elementos do sangue nessas condições será muito lenta.

!
Atenção! Não confunda com o processo de coagulação! Faz parte do plasma
sangüíneo uma série de proteínas da coagulação: quando retiramos sangue
de um vaso, ou lesamos um vaso, forma-se uma rede protéica cujo principal
componente é a fibrina, que retém todas as células e deixa escapar o líquido. A
rede protéica contendo as células é chamada de coágulo e o líquido é chamado
de soro. Assim, a diferença entre plasma e soro é que o primeiro ainda contém
as proteínas da coagulação e o segundo não. Esse processo é fisiológico e pode
ser inibido in vitro por algumas substâncias como heparina e citrato de sódio,
entre outras. Quando retiramos sangue para exame, por exemplo, o processo
de coagulação é inibido para que, além do plasma, as células também possam
ser examinadas.

60 CEDERJ
MÓDULO 1
Se o tubo com sangue heparinizado for centrifugado, essa deposição
ocorrerá em poucos minutos, colocando as hemácias no fundo porque são

5
mais densas; sobre elas se forma uma fina camada esbranquiçada (buffy coat)

AULA
que contém os leucócitos e, no sobrenadante, o plasma sem células.
Que fique clara então a definição dos termos: precipitado é o
material que se depositou no fundo no tubo que foi centrifugado e
sobrenadante é o material que não se depositou. Na linguagem de
laboratório, nós nos referimos ao precipitado de uma centrifugação pelo
nome em inglês, pellet, talvez para não confundir com o precipitado
resultante de uma reação química. Esse método é bom para separar
as hemácias das outras células do sangue, porque a densidade dela é
muito diferente. Mas como fazer para separar células de densidade
muito próxima?
Exemplo 3 – Nos últimos anos, tem sido necessário separar as
diferentes classes de linfócito para realizar estudos de interação com o
vírus HIV ou mesmo procedimentos clínicos em que apenas a classe de
linfócito que o vírus infecta é tratada e depois devolvida à circulação
sangüínea do paciente.
Apesar de exercerem funções bastante diversas na defesa de um
organismo (você vai aprender mais adiante no curso), as diferenças entre
as classes de linfócitos que nos permitem separá-los são principalmente
moléculas de sua membrana plasmática expostas ao meio extracelular.
Quando essas moléculas foram descritas e foram produzidos anticorpos
contra elas, uma importante ferramenta ficou disponível. Assim, podemos
incubar a mistura de linfócitos com anticorpos que só reconhecem uma
das classes. Se esses anticorpos estiverem conjugados com fluorocromos,
podemos separar os linfócitos em um aparelho que reconheça moléculas
fluorescentes. Veja na Figura 5.1 um esquema deste aparelho, o citômetro
de fluxo, ou FACS (fluorescence activated cell sorter).
Colocamos a mistura de linfócitos que já foram incubados com
anticorpos fluorescentes numa entrada do aparelho que parece um funil.
A ponta do funil é muito fina e está submetida a uma vibração que faz
com que pinguem gotículas regulares e de tamanho tão pequeno que
só comportam uma célula (ou nenhuma). As gotículas passam em fila
indiana entre um laser (que vai excitar o fluorocromo) e um detector
(que vai ler se aquela gota tem célula, de que volume, se ela é fluorescente
ou não, e qual a intensidade da fluorescência). Associado ao detector há
um sistema que coloca carga negativa nas gotas que contêm uma célula

CEDERJ 61
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

fluorescente (colocando íons no líquido da gota, não nas células) e positiva


nas que contêm células não fluorescentes. As gotas que contêm mais de
uma ou nenhuma célula não recebem carga. Todas as gotas passarão
por um campo elétrico que desviará as
gotas positivas para um recipiente e as
negativas para outro, separando assim
os linfócitos marcados em um recipiente
e as outras células em outro recipiente.
Os citômetros de fluxo eram aparelhos
raros (e caros!) no início da década de 90,
mas hoje já são encontrados em vários
institutos de pesquisa, nos grandes
hospitais e em alguns laboratórios de
análises clínicas.
Exemplo 4 – E se nós quiséssemos
trabalhar com um órgão como o fígado?
Para conseguir uma preparação homo-
gênea de hepatócitos, por exemplo, seria
necessário primeiro soltar as células que
estão unidas entre si e à matriz extracelular
(você vai saber detalhes desse assunto
em Biologia Celular II). A união das
Figura 5.1: Citômetro de fluxo (FACS).
células com a matriz e com outras células
pode ser de vários tipos, mas tem duas
características em comum: são ligações protéicas, estabilizadas por cálcio.
Se quisermos soltá-las, então vamos retirar o cálcio, usando quelantes
(substâncias que ligam íons metálicos, tornando-os indisponíveis para
outras ligações) como EDTA ou EGTA, e quebrar as ligações protéicas,
usando enzimas proteolíticas, como a tripsina. Esses tratamentos devem
ser controlados para não romper as próprias células. Depois de soltas,
as células podem ser separadas por diferença de densidade, usando
centrifugação.
Assim, de alguma das maneiras acima, conseguimos uma
preparação homogênea, o que nos permite começar o fracionamento
celular propriamente dito, rompendo as células.

62 CEDERJ
MÓDULO 1
Rompimento celular

5
No fracionamento celular, o que se deseja fazer é romper a

AULA
membrana plasmática sem romper as membranas das organelas. É difícil
conseguir isso, e para cada tipo celular existem métodos de rompimento
mais adequados que outros. Além disso, as células de uma preparação
não se rompem todas simultaneamente; o processo é progressivo e
precisa ser acompanhado ao microscópio óptico. Dentre os métodos
mais usados estão:
a) choque osmótico: as células são colocadas em meio hiposmótico,
aumentando de volume até arrebentar. É o método de escolha para
romper hemácias, por exemplo. Em outras células, temos de nos
preocupar em restaurar a osmolaridade ideal rapidamente para
que as membranas das organelas não se rompam também.
b) choque térmico: as células devem ser congeladas e descongeladas
rapidamente, alternando-se, por exemplo, imersão em nitrogênio
líquido (-196oC) e banho de 37oC.
c) maceração: pode ser realizada com homogeneizadores parecidos
com um liquidificador, ou de modo mais delicado com homoge-
neizadores de vidro, que se parecem com um copo onde um êmbolo
entra justo, forçando as células a sofrer o atrito entre os vidros.
Seguindo o mesmo princípio, alguns pesquisadores usam pequenas
pérolas de vidro misturadas à preparação. Agitando a preparação,
as pérolas se chocam, rompendo as células.
d) sonicação: todas as estruturas, biológicas ou não, possuem uma
freqüência de ressonância característica. Uma vibração nessa
freqüência que tenha grande intensidade pode romper a estrutura.
É a mesma história da ponte que vibra com a marcha dos soldados
ou do estádio lotado que vibra com os gritos e pulos da torcida.
Teoricamente, é possível usar ultra-som com uma freqüência de
vibração e intensidade adequadas para romper apenas a membrana
plasmática e deixar as estruturas intracelulares intactas. Na prática
porém, os sonicadores (aparelhos que emitem ultra-som) não têm
um controle de intensidade, freqüência e amplitude tão bom que
permita esse ajuste. Mesmo assim, a sonicação é um dos melhores
métodos para o rompimento de células.

CEDERJ 63
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

e) tratamento com detergente não iônico: como as moléculas de


detergente não iônico são anfipáticas, elas conseguem substituir
as moléculas de fosfolipídio na membrana plasmática, causando
o rompimento. Os detergentes são usados em concentração
muito baixa e por pouco tempo.
Depois do rompimento, os fragmentos de membrana logo se
resselam para esconder da água a porção hidrofóbica da bicamada
lipídica, formando pequenas vesículas. Os fragmentos de membrana
podem resselar mantendo para fora o folheto da membrana que estava
voltado para o meio extracelular, formando vesículas do lado direito (inside-
in), ou do lado do avesso (inside-out) quando o folheto que era virado para
o citoplasma fica voltado para fora na vesícula resselada (Figura 5.2).

vesículas inside-in

vesículas inside-out
Figura 5.2: Esquema da produção de vesículas de membrana.

Com o rompimento adequado, conseguimos obter um


homogeneizado total, isto é, uma preparação em que a maioria das
células está rompida, as organelas estão íntegras mas espalhadas
na preparação, e o conteúdo solúvel do citoplasma está misturado
com o líquido onde as células foram rompidas.

Centrifugação diferencial

A maneira de separar o conteúdo celular em várias frações é


explorar as diferenças de densidade (relação massa/volume) entre os
componentes celulares, usando uma ultracentrífuga.
Centrifugando o homogeneizado a baixa velocidade (cerca de
1.000g, 10 min), conseguiremos colocar no pellet os componentes mais
densos da mistura, que são as células não rompidas e os núcleos. Se
vertermos o sobrenadante em um novo tubo de centrífuga, podemos
centrifugá-lo a uma velocidade maior (cerca de 10.000g, 10 min) e assim
colocar no pellet mitocôndrias, peroxissomos, lisossomos (e cloroplastos,
se estivermos trabalhando com vegetais). Se mais uma vez passarmos
o sobrenadante para um novo tubo e centrifugarmos em velocidade

64 CEDERJ
MÓDULO 1
ainda maior (cerca de 20.000g, 30 min), poderemos “peletar” a chamada
fração microssomal, formada por vesículas de origem variada, como a

5
membrana plasmática, o retículo endoplasmático, o complexo de Golgi e

AULA
os endossomos. Desta vez, o sobrenadante contém ribossomos, partículas
virais (se houver), e macromoléculas, como DNA e grandes complexos
enzimáticos. Esses componentes também são centrifugáveis, mas para “peletá-
los” são necessárias altíssimas velocidades (200.000g) por muitas horas.
O sobrenadante final, ou fração sobrenadante, é uma solução verdadeira,
que contém os componentes solúveis do citoplasma (Figura 5.3).

!
Uma centrífuga é um aparelho em que um motor faz um eixo girar em grande velocidade (como numa máquina de
furar). Essa velocidade é medida em rpm (rotações por minuto). Ao eixo que gira se adapta uma peça, o rotor, onde
colocaremos tubos com o material a ser centrifugado. Durante a centrifugação, forma-se um campo gravitacional
cuja intensidade (medida em gravidades - g) é proporcional à velocidade da centrifugação. Assim, a força centrífuga
empurra o material para o fundo do tubo numa velocidade que depende da centrifugação, da densidade do
material e do meio em que ele se encontra.
Veja se você entendeu: a medida rpm se refere
à velocidade com que o rotor gira. A medida g
se refere à intensidade do campo gravitacional Material em
Câmara blindada Sedimentação
formado durante a centrifugação.
Dentre os diferentes componentes de uma
amostra submetidos às mesmas condições
de centrifugação, os mais densos vão para o
fundo primeiro, os de densidade intermediária
depois, e por fim os de menor densidade.
Claro que a própria densidade do líquido em
que os componentes celulares estão suspensos
também influencia. As primeiras centrífugas
tinham eixo horizontal e foi um grande
avanço quando foram construídas centrífugas
cujo eixo girava na vertical.
As mais simples são ditas centrífugas clínicas, por
serem muito usadas em laboratórios de análises
clínicas (existe uma no laboratório de aulas
práticas no pólo; observe-a melhor) para separar
os componentes do sangue (veja exemplo 2,
anteriormente). Essas centrífugas atingem
velocidades de até 3.000 rpm. No entanto,
para separar componentes de densidade
menor, como organelas, é necessário um campo
gravitacional mais intenso, que só é conseguido Vácuo
em centrifugações de velocidade muito maior.
Isso só foi possível quando se construíram as Refrigeração
primeiras ultracentrífugas, na década de 30.
Nesses equipamentos, o rotor gira numa câmara
blindada, refrigerada e sem ar (no vácuo),
diminuindo assim as forças de atrito.

CEDERJ 65
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

Figura 5.3: Esquema de uma


centrifugação diferencial.

Você já deve ter notado que apenas com a centrifugação diferencial


não podemos obter organelas totalmente isoladas das demais. Isso acontece
porque a diferença de densidade entre lisossomos e peroxissomos, por
exemplo, não é muito grande. Além disso, nem todas as organelas do
mesmo tipo têm exatamente a mesma densidade, há pequenas variações.
Para resolver isso, podemos recorrer a um tipo de centrifugação em que,
além de variar a velocidade e o tempo de centrifugação, podemos variar
também a densidade do meio em que as organelas são centrifugadas. Depois
de fazer centrifugação diferencial, retomamos o pellet e o colocamos sobre
um gradiente de densidade previamente montado num tubo de centrífuga
(Figura 5.4). Para montar esse gradiente, usamos soluções concentradas
de densidade conhecida, como sacarose para separar organelas, cloreto de
césio para separar DNA e outros meios especiais que variam de densidade
sem exercer efeito osmótico.

Figura 5.4

66 CEDERJ
MÓDULO 1
Neste tipo de centrifugação, o material que está a caminho do
fundo do tubo encontra densidades cada vez maiores do líquido, tendo

5
cada vez mais dificuldade de prosseguir. Quando um componente da

AULA
mistura de organelas encontrar uma região do gradiente que tenha
densidade igual à sua, entrará em equilíbrio, formando uma “banda”.
Essa banda poderá ser recolhida cuidadosamente com uma pipeta ou
uma seringa e, assim, finalmente, temos uma organela purificada.
O sucesso de um protocolo de fracionamento celular pode ser
avaliado de duas maneiras:
a) por microscopia eletrônica, processando cada etapa e
observando no microscópio que componentes da célula estão presentes
naquela fração e se esses componentes estão bem conservados ou se o
fracionamento os danificou;
b) pela dosagem de enzimas marcadoras em todas as frações;
para uma enzima ser considerada marcadora de uma organela, é preciso
que ela esteja presente apenas nessa organela e em nenhum outro lugar
da célula e que seja encontrada nessa organela em todos os tipos
celulares. Essas enzimas foram estabelecidas nos primeiros trabalhos
de fracionamento celular e depois confirmadas por citoquímica (veja
na próxima aula).
A partir de frações subcelulares contendo organelas purificadas, ou
até mesmo de células inteiras, podemos purificar as macromoléculas que
desejamos estudar. Existem várias metodologias, cada uma mais apropriada
para proteínas ou lipídeos ou ácidos nucléicos ou açúcares. Para exemplificar,
vamos ver a seguir os princípios das metodologias bioquímicas mais usadas
em Biologia Celular: cromatografias e eletroforese.

CEDERJ 67
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

II) CROMATOGRAFIA

a) Cromatografia de partição

A cromatografia de partição é adequada para separação de moléculas


pequenas, como lipídeos e aminoácidos. Pode ser feita em papel ou numa fina
camada de material inerte, como celulose ou sílica, aplicada sobre uma superfície
de vidro. Nesses suportes é possível conseguir particionar a amostra entre duas
fases líquidas, uma móvel e outra estacionária. Veja como funciona: colocamos
um papel ligeiramente umedecido em água num recipiente, em contato com
um solvente orgânico (veja a Figura 5.5); o solvente subirá pelo papel por
capilaridade, enquanto a água continuará imóvel.
Quando o solvente chegar perto da borda superior do papel,
retiramos do recipiente, deixamos o papel secar e borrifamos com corante
adequado para o que desejamos: para fosfolipídeos ou para aminoácidos,
por exemplo. Logo veremos que os componentes da amostra foram
separados. Essa separação ocorreu porque cada componente da amostra
tem afinidade diferente, pelo solvente ou pela água. Assim, quem tiver
mais afinidade com o solvente vai se deslocar mais e quem tiver mais
afinidade pela água, que está imobilizada no papel, vai se deslocar mais
devagar ou mesmo ficar parado. Dizemos que os componentes da amostra
particionaram entre a á agua e o solvente.

papel direção do
solvente

componentes
aplicação da
separados
amostra

Figura 5.5: Cromatografia de partição.

!
Você pode fazer essa cromatografia em casa: use um pedaço de papel daqueles de coar café
e pingue tinta de caneta-tinteiro azul ou preta perto de uma das bordas do papel. Mergulhe
essa borda em um pouco de acetona e veja que, à medida que a acetona sobe pelo papel,
ela arrasta os componentes da tinta, uns mais e outros menos, separando uma mancha
vermelha, uma amarela e outra esverdeada.

68 CEDERJ
MÓDULO 1
b) Cromatografias em coluna

5
Nestes tipos de cromatografia, usamos uma coluna de vidro (ou

AULA
plástico, ou metal) que foi preenchida com uma resina que exercerá
um efeito de separação na amostra que a percorrer. Veja na Figura
5.6 como funciona.

Figura 5.6: Cromatografia em coluna.

A amostra é aplicada sobre a resina, que já foi previamente


preparada na solução-tampão adequada. Em seguida, esse mesmo
tampão é adicionado continuamente sobre a resina, e recolhido na saída
da coluna, obrigando a amostra a percorrer a resina e sofrer seus efeitos
de separação. Esse processo (chamado eluição) pode levar de minutos,
se a coluna for pequena, a dias, se a coluna for grande. Atualmente,
mesmo as maiores colunas podem ser eluídas em minutos graças a uma
tecnologia de eluição sob alta pressão, a que se deu o nome de HPLC
(high performance liquid chromatography).
Os efeitos de separação numa cromatografia dependem da
natureza da resina e podem ser de três tipos:
• filtração em gel: a resina é formada por esferas muito pequenas,
perfuradas por poros de tamanho definido (Figura 5.7). Conforme o
líquido vai escoando, os componentes maiores da amostra, de diâmetro
maior que a abertura dos poros da resina, passam direto e saem logo
da coluna, enquanto os menores caem nos canais da resina e demoram
a sair. Assim, obtém-se uma separação por tamanho, muito usada para
separar proteínas de diferentes pesos moleculares.

CEDERJ 69
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

direção de eluição

Figura 5.7 Resina de


filtragem em gel.
esfera de
resina

componentes menor da
amostra
componentes maior da
amostra

• troca iônica: as amostras percorrem uma resina formada por


microesferas sem poros, mas que têm carga em sua superfície (Figura 5.8),
prendendo os componentes da amostra que têm carga contrária. Se forem
justamente esses os componentes desejados, é possível desligá-los da
resina com variações de pH ou de força iônica da resina.
direção de eluição

Figura 5.8: Resina de


troca iônica. resina carregada
positivamente

componentes negativos
da amostra ficam presos

componentes positivos
da amostra passam direto

• afinidade: a resina está revestida com um ligante específico para o


componente da amostra que se deseja separar: um anticorpo (veja próxima
aula), por exemplo (Figura 5.9). O mesmo recurso de variação de pH ou
força iônica é usado para soltar a molécula da coluna.

Figura 5.9: Cromatografia direção de eluição


de afinidade.

resina acoplada
ao anticorpo

o componente reconhecido pelo


anticorpo fica preso

o componente não reconhecido


pelo anticorpo passa direto
70 CEDERJ anticorpo fica preso
MÓDULO 1
Se você achou a cromatografia de afinidade mais eficiente que a de
filtração em gel ou a de troca iônica, acertou. Mas para que ela funcione

5
bem é preciso que haja um ligante específico para acoplar à resina e

AULA
que a amostra não esteja muito sobrecarregada de contaminantes. Por
isso, geralmente usam-se as outras duas cromatografias para dar uma
“limpada” na amostra e só então se usa a cromatografia de afinidade
para purificar a proteína que queremos.

III) ELETROFORESE

A técnica bioquímica mais usada em Biologia Celular é certamente


a eletroforese. Ela se baseia no estudo do comportamento de uma molécula
num campo elétrico. As macromoléculas são geralmente carregadas (reveja,
em Bioquímica I): os ácidos nucléicos são negativos e as proteínas podem
ser negativas ou positivas, dependendo do pH em que se encontram. Por
isso, quando colocados num campo elétrico, os ácidos nucléicos sempre vão
para o pólo positivo e as proteínas, para o positivo ou negativo, dependendo
do pH. Mas a eletroforese não é feita com as moléculas soltas no líquido
(apesar de ter sido inventada assim, há muitos anos). Usamos um suporte
sólido, que geralmente é um gel poroso.
Para ácidos nucléicos, que são muito grandes, usamos amido (isso
mesmo, um mingau!) ou agarose (parece uma gelatina), que formam géis
de poro grande; e para proteínas, que não são tão grandes, usamos um gel
próprio para eletroforese, a poliacrilamida. Todos esses materiais permitem
que, ao prepará-los, possamos escolher o tamanho do poro do gel por onde
passarão as moléculas, a caminho do pólo que tem carga oposta à sua.
A carga dos ácidos nucléicos é proporcional ao seu tamanho; quanto
maior a molécula, mais negativa. Já as proteínas não, existem proteínas
grandes e muito carregadas, grandes e pouco carregadas, pequenas e muito
carregadas e pequenas e pouco carregadas, dificultando bastante a análise
do resultado. Além disso, como percorrem os poros de um gel, a forma da
molécula vai fazer diferença: uma proteína em forma de bastão vai passar
pelos poros com mais dificuldade se estiver de lado. Por isso, as proteínas
são desnaturadas antes de serem aplicadas ao gel (Figura 5.11). Assim, as
diferenças de forma não influenciam mais a corrida eletroforética, apenas
a carga e o tamanho da molécula contam.

CEDERJ 71
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

Figura 5.10: Cuba de


eletroforese vertical.

!
Reveja, em Bioquímica I:
uma proteína des-
Para desnaturar uma proteína, podemos fervê-la e, além disso, são naturada é aquela que
usados dois reagentes: a) o dodecil sulfato de sódio (SDS), um detergente perdeu suas estruturas
terciária e secundária,
iônico que, além de desnaturar, adiciona cargas negativas às ligações ficando só com a primária,
ou seja, os aminoácidos
peptídicas, tornando a carga da proteína sempre negativa e proporcional ligados covalentemente
ao seu tamanho (claro, porque quanto maior a proteína, mais ligações e enovelados ao acaso, o
que faz com que todas as
peptídicas ela tem!); b) o 2-mercaptoetanol, poderoso agente redutor que proteínas desnaturadas
sejam aproximadamente
adiciona hidrogênios às pontes dissulfeto, desfazendo-as (Figura 5.11). globulares.

proteínas com duas A S S B C proteínas com uma


subunidades (A e B) unidas subunidade
por pontes dissulfeto

SH
SH

C
A B

ELETROFORESE

B
sentido da corrida
C

cada banda corresponde


a uma cadeia protéica
A
Figura 5.11: Preparação das
proteínas para ele-troforese.

72 CEDERJ
MÓDULO 1
A eletroforese em condições desnaturantes e redutoras (conhecida
pela sigla SDS-PAGE, de sodium dodecyl sulfate polyacrylamide gel

5
electrophoresis) é, portanto, uma técnica que separa proteínas de acordo

AULA
com seu tamanho, ou massa molecular. Depois que a corrida eletroforética
terminou, o gel é descolado dos vidros da cuba e corado com o corante
desejado. O mais comum, o azul de Comassie, só cora proteínas. Uma
das aplicações de SDS-PAGE pode ser procurar quantas proteínas fazem
parte de uma amostra. Veja na Figura 5.12 a foto de um gel em que
foram aplicadas como amostras as etapas de purificação de uma proteína.
Da esquerda para a direita, a amostra está cada vez mais purificada.
Às vezes necessitamos testar se uma proteína que foi 1 2 3 4 5
molecular
separada num gel é reconhecida por um anticorpo específico,
weight
seja produzido no laboratório ou mesmo presente no soro de 100,000
paciente (veja na próxima aula). Nesse caso, é preciso retirar as
proteínas do gel, já que o anticorpo não desnaturado (para poder
funcionar não podemos desnaturá-lo!) é uma molécula grande
demais para entrar no gel. Ao mesmo tempo, não queremos 40,000
misturar de novo as proteínas. A técnica de eletrotransferência
(ou Western blot.) veio resolver esse problema. Depois de
correr o gel como descrito anteriormente, colocamos o gel
em contato com um papel especial, a nitrocelulose, que tem
a capacidade de ligar proteínas (chamamos de membrana,
mas é um papel), e fazemos passar a corrente elétrica desta
vez no sentido perpendicular ao gel (veja na Figura 5.13).
As proteínas vão sair do gel ainda do jeito que estavam separadas 15,000

e grudar na nitrocelulose, ficando expostas para


qualquer ensaio. Figura 5.12: Gel de SDS-PAGE
do acompanhamento de purifi-
cação de uma proteína. A mesma
quantidade de proteína total foi
aplicada em todas as amostras.

sentido da corrente
elétrica

nitrocelulose nitrocelulose
gel gel
Figura 5.13: Eletrotransferência.

CEDERJ 73
Biologia Celular I | Métodos bioquímicos para o estudo da célula

Também os ácidos nucléicos separados por eletroforese têm de


ser transferidos para um papel de nitrocelulose se for preciso testar, por
exemplo, se um fragmento de RNA (chamado sonda) é complementar
a algum fragmento de DNA presente no gel. Você vai saber mais sobre
isso em outras matérias do curso.
Outras metodologias de Bioquímica vêm sendo cada vez mais
usadas em Biologia Celular para que se possa conhecer a composição
de um determinada organela, por exemplo. Se for necessário para o seu
entendimento, essas técnicas mais sofisticadas (e menos usadas também)
serão explicadas quando oportuno.

QUESTIONÁRIO

1. Por que é preciso uma preparação homogênea para começar um


fracionamento celular?

2. Quais são os métodos mais usados para romper células?

3. Como se separam organelas de um homogeneizado?

4. O que é centrifugação em gradiente de densidade?

5. Qual o princípio de separação da cromatografia de partição?

6. Qual o princípio de separação da cromatografia de filtração em gel?

7. Qual o princípio de separação da cromatografia de troca iônica?

8. Qual o princípio de separação da cromatografia de afinidade?

9. Quais as aplicações da técnica de eletroforese?

10. Quais as aplicações da técnica de eletrotransferência ou Western blot.?

74 CEDERJ
6
a u l a
O uso de anticorpos na pesquisa

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


OBJETIVOS
• Saber o que é um anticorpo.
• Purificação e identificação de proteínas.
• Conhecer os principais métodos que utilizam anticorpos:
Em microscopia óptica (fluorescência);
Em microscopia eletrônica.

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Biologia Celular I | O uso de anticorpos na pesquisa

INTRODUÇÃO Apesar de muito pequenas, daí dependerem de microscópios para serem


vistas, as células são muito complexas. Entre açúcares, lipídeos, enzimas
e proteínas em geral, um enorme número de moléculas teve e ainda tem
de ser identificado em termos estruturais e funcionais. Por isso mesmo a
Bioquímica é uma ferramenta tão importante no estudo das células que
acabou por tornar-se uma vertente específica das Ciências Biológicas.
Você já foi apresentado aos métodos bioquímicos de estudo da célula na disciplina
de Bioquímica. Além disso, a Aula 5 trata especificamente de alguns métodos
rotineiramente empregados em Biologia Celular. Associar a identificação de
moléculas específicas à sua localização celular sempre foi uma meta perseguida
pelos pesquisadores. Dessa busca tiveram origem os métodos histoquímicos e
citoquímicos usados, respectivamente, para identificar determinados grupos de
substâncias em tecidos e células.
Os métodos citoquímicos procuram identificar determinada classe de substâncias
no compartimento celular onde estão presentes. Assim, existem métodos
específicos para localização de carboidratos, lipídeos e diversas enzimas.
As enzimas características de um determinado compartimento são
usadas para identificá-lo. Por exemplo, a fosfatase ácida é a enzima
característica dos lisossomas, e sua presença permite distinguir essa
organela de outros tipos de vesículas citoplasmáticas. Na tabela
a seguir, estão relacionadas algumas estruturas celulares e suas
enzimas características.

76 CEDERJ

Aula_06.indd 76 17/6/2004, 11:53:12


MÓDULO 1
6
AULA
Estrutura Enzima característica

Complexo de Golgi Nucleosídeo difosfatase

Complexo de Golgi Tiamino-pirofosfatase

Lisossoma, retículo endoplasmático Fosfatase ácida

Membrana plasmática Fosfatase alcalina

Membrana plasmática 5’nucleotidase

Mitocôndria Citocromo oxidase

Peroxissomos Peroxidase

Peroxissomos Catalase

Retículo endoplasmático Glicose-6-fosfatase

Como você pode notar, algumas enzimas estão presentes em


mais de um compartimento, como a fosfatase ácida, enquanto algumas
organelas possuem mais de uma enzima marcadora para sua localização.
A quantidade de enzima e sua susceptibilidade ao processamento em
laboratório tornam difícil a aplicação de alguns métodos citoquímicos em
várias situações. Essas dificuldades foram em grande parte contornadas
com o desenvolvimento de métodos que utilizam anticorpos para a
marcação de moléculas e estruturas celulares.

O QUE SÃO ANTICORPOS

Anticorpos, também chamados imunoglobulinas, são uma classe


de proteínas produzida pelo sistema imune em resposta à presença de
uma molécula estranha ao organismo. As moléculas capazes de estimular
a produção de anticorpos são chamadas antígenos. A Figura 6.1 resume
a estrutura de uma imunoglobulina.

CEDERJ 77

Aula_06.indd 77 17/6/2004, 11:53:13


Biologia Celular I | O uso de anticorpos na pesquisa

Sistema imune
Todos os animais, mesmo os mais simples, possuem
células especializadas na defesa do organismo contra vírus,
bactérias ou mesmo moléculas estranhas. No caso dos
mamíferos o sistema imune é constituído pelos chamados
glóbulos brancos que, na verdade, incluem vários tipos
celulares. Destes, os linfócitos B são responsáveis pela
produção de anticorpos. Os linfócitos podem ser do tipo anticorpos
T ou do tipo B, de acordo com sua origem. Os do tipo T secretados
passam pelo timo, uma glândula localizada sobre o osso esterno.
Nas aves os linfócitos B se originam da bursa de Fabricius, daí
seu nome. Nos mamíferos, eles se formam e amadurecem na
medula óssea. Os linfócitos B sintetizam anticorpos que tanto
são expostos em sua superfície, quanto secretados para o meio
anticorpos expostos
extracelular (no caso, o sangue). Os anticorpos utilizados como na superfície
marcadores celulares são provenientes de linfócitos B.

braço

cauda
5nm

Figura 6.1: Anticorpos são proteínas em forma de “Y”. Os “braços” do Y ligam-se a


moléculas consideradas estranhas ao organismo. A “cauda” do Y será reconhecida
por uma célula encarregada de destruir o organismo ou molécula invasora.

78 CEDERJ

Aula_06.indd 78 17/6/2004, 11:53:13


MÓDULO 1
6
AULA
POR QUE PRODUZIR ANTICORPOS EM CULTURAS DE
CÉLULAS?

Os anticorpos se ligam fortemente às moléculas contra as quais foram


produzidos, inativando-as ou marcando-as para destruição (Figura 6.2).

fago ocitose

fagocitose

Figura 6.2: Uma bactéria com vários anticorpos aderidos à sua superfície
é reconhecida e ingerida (fagocitada), sendo assim destruída.

ANTICORPOS COMO INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Quando uma molécula estranha, como uma proteína vinda de


outra espécie, é injetada em um animal, os linfócitos B deste produzirão ANTÍGENO
grande quantidade de anticorpos capazes de se ligar (= reconhecer) a essa É qualquer molécula
estranha, contra a
molécula estranha (Figura 6.3). O soro do animal inoculado, agora rico qual o organismo
de um indivíduo
nesses anticorpos, pode ser usado para detectar essa molécula estranha
passa a produzir
em outras células ou animais em que ela esse ja presente. Isto é, os anticorpos.

anticorpos podem ser usados para identificar a presença da molécula


em outras células. Embora a Figura 6.3 represente um camundongo,
ratos, coelhos, cabras e cavalos também são muito utilizados na produção
de anticorpos. Naturalmente, quanto maior o animal, maior o volume de
soro imune que pode ser obtido do mesmo.

Figura 6.3: Anticorpos podem ser produzidos


em laboratório injetando-se determinados
antígeno sem um animal. Os linfócitos B
reconhecerão e passarão a secretar grande
quantidade de anticorpos contra esses
antígenos. Aspirando o sangue do animal,
o soro estará enriquecido em anticorpos
contra esse antígeno.

CEDERJ 79

Aula_06.indd 79 17/6/2004, 11:53:17


Biologia Celular I | O uso de anticorpos na pesquisa

Nesse ponto, surgem duas questões:


1. Na extração do soro, muitas vezes o animal é sacrificado e,
naqueles que sobrevivem, a concentração daquele anticorpo diminui
bastante depois de algum tempo; por tanto, por maior que seja a
quantidade de soro imune obtida contra uma molécula de interesse, o
que fazer quando ele acaba?
2. Um antígeno, ainda que seja uma molécula e não uma bactéria
ou vírus inteiro, será reconhecido por vários linfócitos B. A partir daí,
todos esses linfócitos vão começar a se dividir e secretar anticorpos
capazes de reconhecer aquele antígeno. Como cada um desses linfócitos
estimulados a se dividir está gerando um clone (veja aula de cultura de
células), os anticorpos produzidos por esse animal são chamados de
policlonais (Figura 6.4)

Figura 6.4: Diversas regiões de


B1 B2 B
B3 uma molécula (a) são reconhecidas
como antígenos por diferentes
linfócitos (b). O soro imune é
chamado policlonal por ser uma
a mistura de anticorpos gerados
por diversos clones de linfócitos,
capazes de se ligar a diferentes
b
porções do antígeno (c).
c

OS ANTICORPOS MONOCLONAIS

A produção contínua de anticorpos de um único tipo e com


especificidade para uma determinada região da molécula é possível a
partir do cultivo de hibridomas, culturas celulares resultantes da fusão de
dois tipos celulares distintos que conjugam, características interessantes
das duas linhagens originais (veja Aula 4). Como esses anticorpos são
originados de um clone celular, são chamados monoclonais. Além da
especificidade, outra vantagem dos anticorpos monoclonais é que, como
provêm de linhagens celulares que podem ser mantidas permanentemente
em cultivo, sua produção é mantida por tempo indeterminado. Como
desvantagem, há o fato de que nem todos os hibridomas secretam
anticorpos interessantes e a seleção das linhagens úteis é bastante
trabalhosa (Figura 6.5). Também pode acontecer de um hibridoma se
perder por problemas durante o cultivo, como contaminação ou falha
humana. As principais etapas do processo de produção de anticorpos
monoclonais estão esquematizadas na Figura 6.5.

80 CEDERJ

Aula_06.indd 80 17/6/2004, 11:53:25


MÓDULO 1
Camundongo inoculado com Linhagem tumoral

6
antígeno X de linfócitos B

AULA
Célula s
Linfócitos plicam
que produzem
anti-X (vivem po mente

mação de heterocárions
e hibridomas

Secreção de anti-X
Meio

s células do poço onde anti-X está


do secretado são separadas e apenas
s clones secretores são mantidos.
Teste d

Clone
font

Figura 6.5: A produção de anticorpos monoclonais depende de hibridomas que


conjuguem a capacidade de multiplicação infinda de células tumorais à secreção
de anticorpos específicos.

ONDE E COMO SÃO USADOS OS


ANTICORPOS PRODUZIDOS EM LABORATÓRIO

Os anticorpos tornaram-se ferramentas indispensáveis no dia-a-


dia da Biologia Celular. Localizar moléculas e determinar sua função
celular tornou-se muito mais rápido e preciso com o uso de anticorpos.
Os anticorpos são utilizados para mostrar a distribuição de moléculas
dentro e fora da célula. Em outras palavras: são utilizados como
marcadores moleculares.
Quando as moléculas às quais se ligam se encontram na superfície
da célula, os anticorpos em geral provocam a aglutinação entre as mesmas
(Figura 6.6
6). Quanto mais moléculas daquele tipo existirem na superfície,
menor será a concentração do anticorpo necessária para que as células se
aglutinem.

Figura 6.6: Células em suspensão aglutinam-se em


presença de anticorpos que reconhecem moléculas
em sua superfície, pois cada “braço”do anticorpo
pode ligar-se a uma célula, estabelecendo
ligações cruzadas. Esta é uma das maneiras que o
organismo tem de imobilizar e destruir bactérias
invasoras.

CEDERJ 81

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Biologia Celular I | O uso de anticorpos na pesquisa

A utilização de anticorpos pré-fabricados não chega a ser uma


novidade. Todos sabemos que em caso de mordida de cobra é utilizado o
soro antiofídico, assim como o soro antitetânico é aplicado para reverter,
ainda no início, um quadro de tétano. Esses soross são produzidos pela
contínua injeção de toxinas ofídicas e tetânicas, respectivamente, em
animais, geralmente cavalos. Periodicamente esses animais são sangrados
e o soro rico em anticorpos, purificado. Dessa forma, numa situação em
que o sistema imune do indivíduo não teria tempo de desenvolver uma
resposta que neutralizasse essas toxinas, ele recebe uma dose concentrada
de anticorpos pré-produzidos.

A LIGAÇÃO ANTÍGENO-ANTICORPO
PODE SER VISUALIZADA?

As propriedades de ligação específicas entre anticorpos e


moléculas têm sido aproveitadas em várias metodologias de estudo da
célula. Quando acoplados a uma molécula capaz de emitir cor, a presença
dos anticorpos ligados a antígenos pode ser observada (Figura 6.7).
Anticorpos conjugados a moléculas fluorescentes podem ser utilizados
para observação de vários componentes celulares ao microscópio óptico
de fluorescência ou, na sua versão mais sofisticada, ao microscópio
confocal a laserr (Figura 6.8), ambos citados na Aula 1. Esses mesmos
anticorpos podem ser conjugados a partículas eletrondensas como a
proteína ferritina ou ouro coloidal (Figura 6.9). Nesse caso, a visualização
pode ser feita no microscópio eletrônico de transmissão.

Figura 6.7: Anticorpos marcados com


Foto: Técia V. de Carvalho

moléculas que emitam cor permitem


ver em que regiões da célula existem os
antígenos por eles reconhecidos.

Figura 6.8: Esta célula foi incubada na


presença de um anticorpo fluorescente
contra tubulina, mostrando feixes de
microtúbulos que se irradiam a partir do
centro celular.

Figura 6.9: Essa célula foi tratada com


anticorpo conjugado a partículas de ouro
coloidal, que aparecem como bolinhas
negras.

82 CEDERJ

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MÓDULO 1
6
MARCADORES FLUORESCENTES

AULA
Também chamados fluorocromos, são corantes específicos para
microscopia de fluorescência, pois têm a capacidade de absorver um
comprimento de onda da luz e emitir em outro, mais longo. Se for utilizado
um filtro que permita a passagem apenas do comprimento de onda
emitido, esse será visto brilhando contra um fundo escuro, permitindo
que quantidades muito pequenas dessas moléculas sejam detectadas.
Na microscopia de fluorescência, esse princípio é utilizado para detectar
componentes celulares específicos, como proteínas ou açúcares. Nesses
casos, os marcadores fluorescentes são acoplados a moléculas que se
ligam de modo específico aos componentes celulares, como anticorpos
ou lectinas. Os marcadores mais utilizados são a rodamina, que emite
em vermelho, e a fluoresceína, que emite em verde (Figura 6.10).

fluor

Figura 6.10: A fluoresceína (verde) e a rodamina (vermelha) podem ser conjugadas


a anticorpos ou outras moléculas e funcionar como marcadores moleculares.

QUE OUTRAS TÉCNICAS UTILIZAM ANTICORPOS?

Além de serem associados às microscopias óptica e eletrônica, os


anticorpos também são marcadores indispensáveis para aplicação em
métodos bioquímicos, como os descritos na Aula 5. É possível associar
anticorpos às partículas de resina de uma coluna de cromatografia.
A técnica recebeu o nome de cromatografia de afinidade.
Os anticorpos também podem ser utilizados para purificar uma
determinada molécula, como no método de imunoprecipitação, que é
muito parecido com a cromatografia de afinidade, só que, ao invés de montar
uma coluna, os anticorpos acoplados à resina são misturados com a amostra.
A molécula que se deseja purificar pode ser, por exemplo, uma proteína do
soro. Depois de algum tempo de incubação, a mistura é centrifugada em
velocidade baixa, sufuciente apenas para colocar no pellett a resina acoplada
com anticorpo que “pescou” a proteína do soro, separando-a das outras.

CEDERJ 83

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Biologia Celular I | O uso de anticorpos na pesquisa

Num método chamado Western blot, proteínas separadas por


eletroforese podem ser transferidas para um papel de nitrocelulose
(eletrotransferência, veja aula anterior) e a presença de uma determinada
proteína é revelada pela ligação de anticorpos conjugados a uma enzima
que depois será revelada por incubação com seu substrato, formando um
produto corado onde está a banda protéica específica que se desejava
detectar (Figura 6.11).

Incubação Incubação
com anticorpos com substrato
acoplados a da enzima
enzimas
Nitrocelulose Produto de
com as proteínas reação colorido
separadas

Figura 6.11: Western blot.

Hoje em dia, a técnica de Western blottingg é bastante usada


não só em pesquisa científica mas também em análises clínicas. Seria
muito difícil marcar os anticorpos presentes no soro de cada paciente
com uma enzima ou mesmo com um fluorocromo; por isso usamos
anticorpos secundários, que reconhecem outros anticorpos, estes
ditos primários. Podemos injetar imunoglobulinas humanas, por
exemplo, numa cabra, e ela reconhecerá essas imunoglobulinas como
estranhas, isto é, como antígenos. Produzirá então anticorpos contra
imunoglobulinas humanas, que reconhecerão as imunoglobulinas
de qualquer pessoa. Esses anticorpos que a cabra fez, os anticorpos
secundários, serão depois acoplados a fluorocromos, ou a enzimas, ou a
ouro coloidal, e usados como ferramentas para reconhecer onde estão
os anticorpos primários, que por sua vez ligarão onde estiverem os
antígenos que eles reconhecem especificamente.
É fácil saber se uma pessoa teve contato com algum agente
causador de doença incubando uma nitrocelulose contendo as proteínas
do provável parasito, separadas por eletroforese, com o soro da pessoa.
Se houver anticorpos no soro, eles se ligarão às bandas do parasito. Em
seguida, incubamos a nitrocelulose com anticorpos secundários acoplados
à enzima e revelamos em que banda ela se ligou usando seu substrato.

84 CEDERJ

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MÓDULO 1
6
Assim é feita obrigatoriamente a segunda testagem para HIV, o vírus

AULA
que causa AIDS. A primeira testagem (chamada ELISA, de enzyme linked
y é feita com extratos do vírus não separados
immunoadsorbent assay)
por eletroforese; todas as proteínas juntas são incubadas com o soro do
paciente e depois com anticorpos secundários acoplados à enzima. A
resposta do ELISA é sim ou não, isto é, tem ou não tem anticorpos. Os
pacientes com resposta positiva serão chamados a fornecer outra amostra
de sangue para confirmar o teste. Nesse segundo teste, usa-se o Western
blot, para saber quais são as proteínas do vírus reconhecidas pelo soro
do paciente. Assim é possível identificar qual variante do vírus infectou
aquela pessoa, dado importante para encaminhar o tratamento daquele
paciente e também para estudos epidemiológicos.

NEM SÓ ANTICORPOS
SÃO USADOS COMO MARCADORES CELULARES

Além dos anticorpos, outras moléculas podem ser utilizadas


como marcadores celulares, seja em experimentos de aglutinação,
seja complexadas a fluorocromos e partículas de ouro coloidal. Nas
próximas aulas, algumas vezes faremos referência a lectinas, proteínas
e glicoproteínas isoladas de plantas e animais que se ligam a seqüências
específicas de açúcares presentes na superfície das células. As lectinas,
na grande maioria das vezes, são responsáveis pela toxicidade de uma
determinada planta ou animal para outras espécies. Por se ligarem a
componentes da superfície celular, podem inibir processos de adesão e
reconhecimento entre a célula e o meio ambiente. A tabela a seguir lista
algumas espécies animais e vegetais de onde já foram isoladas lectinas.

Espécie Nome vulgar

Canavalia ensiformis Feijão-cavalo

Triticum vulgaris Trigo

Helix pomatia Caracol

Limulus polyphemus Límulo ou caranguejo-ferradura

Arachis hypogaea Amendoim

Ricinus comunis Mamona

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Biologia Celular I | O uso de anticorpos na pesquisa

O Límulo, ou caranguejo ferradura, é um artrópode que já


foi classificado entre os crustáceos, depois entre os aracnídeos
e hoje constitui a classe merostomata. Atualmente existem
apenas quatro espécies desse animal, nenhuma na América do
Sul. Os esquemas a seguir representam o límulo em vista dorsal
e ventral.

Figura 6.12: Esquema de um caranguejo-ferradura retirado


do site http://www.horseshoecrab.org.

86 CEDERJ

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MÓDULO 1
6
AULA
RESUMO

Anticorpos são proteínas secretadas pelos linfócitos em resposta a uma molécula


ou um organismo estranho.
Um organismo produz vários anticorpos diferentes, capazes de reconhecer
diferentes porções de uma mesma molécula estranha. O soro contendo essa
mistura de anticorpos é chamado policlonal.
Quando se produz um clone a partir da fusão de um linfócito e de uma célula
tumoral, essa linhagem pode ser mantida indefinidamente em cultura e secretará
anticorpos monoclonais.
Os anticorpos servem para identificar a presença de moléculas na superfície de
células por provocarem aglutinação quando presentes.
Os anticorpos também podem ser associados a moléculas visíveis ao microscópio
óptico de fluorescência (fluorocromos) ou a partículas de ouro coloidal, permitindo
localizar moléculas específicas em microscopia eletrônica.
Os anticorpos também podem ser utilizados para reter moléculas numa coluna de
cromatografia e permitir sua purificação e para demonstrar a presença de uma
proteína entre as bandas de um gel.
As lectinas são proteínas extraídas de plantas e animais que se ligam de forma
específica a determinadas seqüências de açúcares presentes na superfície celular,
permitindo sua identificação.

EXERCÍCIOS

1. O que são anticorpos?


2. Por que os anticorpos podem causar aglutinação de células?
3. Defina:
anticorpos policlonais
anticorpo monoclonal
soro imune
hibridoma
4. A que tipo de molécula os anticorpos são associados para observação em:
Microscopia óptica
Microscopia eletrônica
5. O que são lectinas?

CEDERJ 87

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7
AULA
Estrutura da membrana
plasmática
objetivos

Ao final desta aula, o aluno deverá ser capaz de:


• entender por que a membrana é uma bicamada lipídica;
• enumerar os tipos de lipídios que compõem a bicamada;
• entender o que é a assimetria da bicamada;
• exemplificar as consequências da assimetria na fisiologia celular;
• conceituar o que é a fluidez da bicamada e os fatores que a influen-
ciam;
• conceituar domínios lipídicos.
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

INTRODUÇÃO Coloque-se no lugar dos pesquisadores que, através da microscopia óptica,


descreveram uma enorme variedade de tipos celulares e elaboraram a teoria
celular. Que estruturas ou características você acha que eles descreveram como
comuns a todos os tipos celulares?
É claro que você sabe: a membrana, o núcleo, a mitocôndria, o citoplasma...
Você sabe que para quase todas as estruturas celulares existem exceções.
Assim, as hemácias não possuem núcleo, as amebas não possuem mitocôndrias,
nenhuma célula animal possui cloroplastos etc. Nem por isso deixam de ser
células. Porém, todos os tipos celulares possuem um limite, ou seja, é possível
definir um espaço intracelular (dentro da célula) e um espaço extracelular (fora
da célula) (Figura 7.1).

Meio Meio
Limite intracelular extracelular

Figura 7.1: A membrana estabelece um limite entre o meio intrac-


elular e o meio extracelular.

Nessa linha de raciocínio, podemos concluir que, se as células são


as unidades formadoras dos seres vivos, é lógico supormos que essas
unidades possuem um limite.
Nessa altura, você já deve ter concluído que esse limite é a
membrana celular ou membrana plasmática ou plasmalema, tema
desta aula.

Dê uma paradinha

Responda a este questionário de pré-avaliação de seus


conhecimentos anteriores sobre membrana. Vale a pena
respondê-lo antes de continuar. Veja o gabarito no final
desta aula.

1. A membrana celular é uma estrutura que limita as células


e _____________________________________________.

2. A composição química da membrana é de ___________


____________, _________________ e __________________ .

88 CEDERJ
MÓDULO 1
7
3. Os lipídeos são principalmente do tipo _______________

AULA
e se organizam na membrana formando uma ___________
_____________________.
4. Os lipídeos da membrana se caracterizam por possuir uma
extremidade da molécula __________ e a outra _________.
Moléculas com essa natureza são chamadas _____________
_____________________.

5. Na bicamada lipídica, essas moléculas se organizam


com as cabeças hidrofílicas para ______________ e a região
hidrofóbica para ______________________ .

6. Enquanto isso, as proteínas se inserem mais ou menos


profundamente __________________, e os carboidratos
(açúcares)_______________________________ .

Estamos certos de que o conceito de membrana, sua


!
estrutura e composição química são seus velhos conhecidos,
Nos cadernos didáticos de Bioquímica I estão
não apenas pelo conteúdo de Biologia Celular apresentado minuciosamente descritos os conceitos aqui
rapidamente revistos e os experimentos que
no Ensino Médio como também pela Bioquímica, que você levaram a eles. Vale a pena dar uma conferida
antes de prosseguir no texto.
já cursou. O que acabamos de revisar são os rudimentos do
modelo estrutural da membrana plasmática, proposto em
1972 pelos pesquisadores americanos Singer e Nicolson.
Esse modelo é conhecido como modelo do mosaico fluido (Figura 7.2),
e resultou de anos de pesquisas em que foram utilizados vários métodos
de estudos físicos, químicos e biológicos.

Meio extracelular
Fernanda de Abreu / CEDERJ

Meio intracelular

Figura 7.2: De acordo com o modelo do mosaico fluido da membrana, as diferentes


proteínas se inserem entre os lipídeos da bicamada.

CEDERJ 89
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Resumindo:
1. Todos os seres vivos são célu-

Foto: Márcia Attias e Marco Antônio


las ou conjuntos de células.
2. Todas as células são limitadas
por uma membrana que define e separa o

Vasconcelos Santos
meio intracelular do meio extracelular, a
membrana celular. Delimite na Figura 7.3
o meio intracelular e o meio extracelular.
Figura 7.3: Hemócito de molusco.

BÁSICO
Todas as células são limitadas por uma membrana que define
e separa o meio intracelular do extracelular. Dentro da célula, outros
compartimentos também são definidos por membranas. Um exemplo
disso é o núcleo, onde fica confinado o material genético. Outros exem-
plos que nos são familiares são as membranas que limitam o retículo
endoplasmático e as mitocôndrias (Figura 7.4).

Figura 7.4: As membranas celulares delimitam os


contornos mais externos da célula, assim como
compartimentos internos: o núcleo, o retículo
endoplasmático e mesmo subcompartimentos,
como nas mitocôndrias, onde duas membranas
delimitam dois compartimentos.

Dados históricos

A estrutura e a composição química das membranas celulares


começaram a ser esclarecidas no século XIX.
O primeiro a propor uma natureza lipídica para as membranas
celulares foi Overton, ao observar que as células podiam inchar ou murchar,
de acordo com a composição do meio em que se encontravam.
Mais adiante, em 1917, Langmuir demonstrou que não apenas as
membranas eram formadas por lipídeos como estes eram de natureza anfipática,
isto é, uma região da molécula era hidrofílica e a outra era hidrofóbica.

90 CEDERJ
MÓDULO 1
Como explicar a organização desses lipídeos numa membrana em

7
que tanto o meio interno quanto o externo são hidrofílicos? A resposta foi

AULA
dada em 1925 por Gorder e Grendel, estudando as membranas extraídas de
hemácias (os glóbulos vermelhos do sangue). Eles concluíram que os lipídeos
se organizam na membrana como uma camada dupla (bicamada).
Chamamos de folheto cada uma das camadas da bicamada lipídi-
ca. Assim, a membrana plasmática tem um folheto externo, voltado para
o meio extracelular, e um folheto interno, voltado para o citoplasma.
A Figura 7.5 representa uma bicamada de moléculas anfipáticas.

Fernanda de Abreu / CEDERJ


Figura 7.5: Bicamada lipídica.
As cabeças polares (hidrofílicas)
ficam em contato com o meio Bicamada lipídica
aquoso, enquanto as caudas
apolares (hidrofóbicas) se voltam
para o interior da bicamada.

Na década de 1930, R. Chambers, comparando medidas de ten-


são superficial de bicapas lipídicas artificiais e de membranas naturais,
concluiu que as membranas biológicas não eram compostas apenas por
lipídeos. Foi a primeira indicação da presença das proteínas na compo-
sição da membrana.
Os lipídeos são os componentes universais das membranas bioló-
gicas; entretanto, as atividades específicas de cada tipo celular dependem
principalmente das proteínas. Além dessas duas classes de moléculas, os
glicídios associados às proteínas ou aos lipídeos também fazem parte da
composição das membranas biológicas.

Os lipídeos da membrana

Os lipídeos correspondem a cerca de 50% da massa na


maioria das membranas, sendo os outros 50% referentes prin-
Foto cedida pela Dra. Ana Maria B. Martinez

cipalmente a proteínas. Essa proporção é variável, havendo


membranas praticamente desprovidas de proteínas, como é o
caso da bainha de mielina, que envolve os neurônios. Portanto,
os lipídeos formam a base das membranas celulares, sendo
também responsáveis por suas características fundamentais
de fluidez e permeabilidade. As membranas celulares são
formadas por três tipos principais de lipídeos:
• fosfolipídeos;
• esteróis;
• glicolipídeos.

CEDERJ 91
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Todos são do tipo anfipático ou anfifílico (do grego amphy = dois;


philos = amigo), isto é, uma parte de sua molécula é hidrofílica ou polar,
e a outra extremidade é hidrofóbica ou apolar (Figura 7.6).

Cabeça polar Cabeça polar

Anéis
esteroides
rígidos

Cabeça apolar Cabeça


apolar

a b

Figura 7.6: Representação esquemática de um fosfolipídeo (a) e do colesterol (b),


dois tipos de lipídeo que compõem as membranas biológicas. As cabeças hidrofí-
licas estão assinaladas em cinza mais claro e as caudas hidrofóbicas em tons mais
escuros. O esquema não está em escala, o colesterol é uma molécula muito menor
que o fosfolipídeo.

Em meio aquoso, os lipídeos anfipáticos podem formar micelas, em


que as cabeças polares ficam voltadas para o exterior e as caudas apolares
para o interior, ou então formam bicamadas, em que as cabeças polares ficam
em contato com o meio aquoso e as caudas apolares se voltam para o interior
(Figura 7.7). Essas bicamadas tendem a selar-se em vesículas de 0,25 a 1,0mm
de diâmetro, chamadas lipossomas.

Figura 7.7: Os lipídeos anfipáticos


Fernanda de Abreu / CEDERJ

podem se organizar em pequenas


micelas (a) ou em lipossomas (b).
Os segundos são maiores e fazem
contato com a água tanto pelo lado
interno quanto pelo externo.

a Micela b Lipossoma

92 CEDERJ
MÓDULO 1
Dessa maneira, os grupos apolares das extremidades também não

7
AULA
ficam em contato com a água. Guardadas as devidas proporções, as
micelas são semelhantes a bolhas de sabão, só que enquanto as bolhas
de sabão ficam em contato com o ar (tanto por dentro quanto por fora),
as micelas ficam em meio aquoso, além de serem muitíssimo menores.

Os fosfolipídeos

Os fosfolipídeos são formados por um grupo hidrofílico, composto


por um esqueleto de glicerol com um radical fosfatado e uma cauda
hidrofóbica, composta por duas cadeias de ácidos graxos de comprimento
variável (14 a 24 carbonos). Uma dessas cadeias geralmente é saturada,
isto é, não há duplas ligações entre os átomos de carbono, e a outra pode
ser saturada ou insaturada (Figura 7.8).

Figura 7.8: Os fosfolipídeos são formados por uma cabeça polar onde a um esqueleto
de glicerol ligam-se um fosfato e um radical orgânico. A cauda apolar é formada
por duas cadeias longas de ácidos graxos. Uma dessas pode ser insaturada.

Os fosfolipídeos podem variar quanto ao radical fosfatado da


molécula (Figura 7.9), quanto ao comprimento das cadeias de ácidos
graxos e quanto ao grau de insaturação dessas cadeias. Em geral, uma das
cadeias de ácido graxo dos fosfolipídeos é saturada, e a outra não é.

CEDERJ 93
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Os fosfolipídeos

Quatro tipos de fosfolipídeos predominam nas membranas


celulares dos mamíferos: fosfatidilcolina, fosfatidilserina, esfingomielina
e fosfatidiletanolamina.
Sobre as particularidades de cada um, podemos dizer:
• Apenas a fosfatidilserina é carregada negativamente em pH
fisiológico.
• O fosfatidilinositol é um lipídeo minoritário, mas é o único que
serve de âncora a proteínas, num arranjo descrito mais recentemente e
de grande importância em vários processos celulares (veja aula de pro-
teínas de membrana).
• Os fosfolipídeos não se distribuem simetricamente nas duas meta-
des da membrana. Em eritrócitos humanos, por exemplo, a fosfatidilcolina
e a esfingomielina se distribuem apenas na camada voltada para o meio
externo, enquanto a fosfatidilserina e a fosfatidiletanolamina se localizam
apenas na camada interna. Isso causa diferença de cargas entre a face
interna e a face externa da membrana. Essa distribuição diferenciada dos
fosfolipídeos é uma das causas da assimetria da membrana (Figura 7.10),
uma característica que discutiremos mais adiante.

Figura 7.9: Principais tipos de fosfolipídeos encontrados nas membranas biológicas.

94 CEDERJ
MÓDULO 1
Meio extracelular

7
AULA
Fernanda de Abreu / cedrj
Figura 7.10: Assimetria dos fosfolipídeos da
membrana. Os fosfolipídeos voltados para
o meio extracelular não são idênticos aos
voltados para o citoplasma.

Citoplasma

A fluidez da bicamada lipÍdica

Nas membranas naturais, os lipídeos podem se mover livremente


no plano lateral da membrana (translocação), assim como rodar em
torno de seu próprio eixo (rotação) (Figura 7.11). Essa propriedade é a
essência da fluidez da membrana. Esses movimentos ocorrem o tempo
todo e com uma rapidez incrível! Além disso, as cadeias carbônicas dos
ácidos graxos também podem flexionar-se.
Difusão lateral (translocação)

Figura 7.11: Os lipídios da membrana rea-


lizam movimentos de translocação e de rota- Flip-flop
ção constantemente. O flip-flop, entretanto,
só ocorre em situações específicas.
Rotação

Por outro lado, é muito raro que um lipídeo mude de plano na


bicamada, movimento denominado flip-flop. O flip-flop é comum no
retículo liso e requer enzimas específicas e gasto de energia (você vai ver
mais sobre isso na aula de retículo endoplasmático).
Cada fosfolipídeo passa do estado líquido (fluido) para o estado
cristalizado (gel) a uma determinada temperatura, a chamada fase de
transição, que já foi determinada experimentalmente em membranas
artificiais compostas por apenas um tipo de fosfolipídeo.

Num cristal, as moléculas se dispõem de forma


periódica e repetitiva, estabelecendo um padrão
que pode ser cúbico, hexagonal etc.

CEDERJ 95
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Como as membranas naturais são formadas de vários


fosfolipídeos diferentes misturados, elas não se cristalizam,
mesmo quando em temperaturas próximas da fase de transição de
alguns deles. Essa mistura é essencial, principalmente para células
diretamente expostas a ambientes de temperatura muito variável.
A fluidez dos lipídeos da membrana varia com o comprimento
e com o número de duplas ligações da cadeia de ácidos graxos.
a
A forma da cadeia insaturada implica um aumento da distância
mínima entre esse fosfolipídeo e os que o rodeiam. Portanto, quanto
Fernanda de Abreu / CEDERJ

maior a quantidade de fosfolipídeos com cadeias insaturadas, maior


será a fluidez da membrana (Figura 7.12). Entretanto, quanto mais
longas as cadeias carbônicas, menos fluida é a membrana, porque
b duas cadeias longas colocadas lado a lado interagem mais, limitando
a liberdade de movimento de cada uma.
Figura 7.12: (a) Cadeias insaturadas,
membranas mais fluida; (b) cadeias Organismos simples, como bactérias e leveduras, são capazes
saturadas, membrana menos fluida.
de modular a síntese de fosfolipídeos com mais duplas ligações
quando a temperatura cai. Assim, a fluidez de sua membrana é
mantida relativamente inalterada.

Esteróis

O colesterol é o esterol mais importante nas membranas


biológicas. Na maioria das membranas dos eucariontes, há prati-
camente uma molécula de colesterol para cada molécula de fosfo-
lipídeo. As moléculas de colesterol são pequenas, e sua estrutura,
contendo anéis, é bastante rígida (Figura 7.13).

b c
a

Figura 7.13: A estrutura do colesterol, com anéis aromáticos, torna a molécula bastante rígida: (a) fórmula plana;
(b) fórmula esquemática, apontando em cinza médio a parte hidrofílica da molécula, em cinza-claro os anéis
carbônicos e em preto a cauda de hidrocarbonetos; (c) fórmula tridimensional onde o oxigênio da hidroxila
aparece em cinza, os carbonos em preto e os hidrogênios em branco.

96 CEDERJ
MÓDULO 1
Elas se dispõem por entre as moléculas dos fosfolipídeos, conferindo

7
AULA
maior rigidez à membrana e aumentando sua resistência à deformação.
Assim, quanto mais ricas em colesterol, menos fluidas são as membranas,
porque os anéis aromáticos do colesterol atrapalham o movimento das cau-
das dos fosfolipídeos, que são muito flexíveis. Se, por um lado, isso soa como
uma desvantagem, por outro, a presença de colesterol entre as moléculas de
fosfolipídeos dificulta sua cristalização em baixas temperaturas. Para haver a
formação de um cristal, é preciso que os fosfolipídeos se aproximem muito,
o que é dificultado pelo colesterol (Figura 7.14).

Figura 7.14: A molécula de colesterol, pequena e pouco flexível, se


insere entre os fosfolipídeos, maiores e mais maleáveis. A “cabeça”
polar do colesterol é muito pequena, apenas uma hidroxila, mas é ela
que determina o posicionamento do colesterol na bicamada.

Isso representa uma grande proteção para organismos


sujeitos a grandes variações de temperatura. Alguns micro-
organismos também variam a composição lipídica de suas
membranas de acordo com a temperatura do ambiente.
Além do colesterol, as membranas de fungos, plantas
e alguns protozoários podem conter outros esteróis, como
o ergosterol.

Os glicolipídeos

Os glicolipídeos, como o próprio nome


indica, resultam da associação (por meio de
uma molécula de glicerol) entre um glicídio, que
compõe a porção hidrofílica da molécula, e duas
cadeias de ácidos graxos (Figura 7.15).
Cauda de ácido graxo
Cauda de ácido graxo

Figura 7.15: Nos glicolipídeos, a porção hidrofílica da


molécula é formada por uma (a) ou mais (b) molécu-
las de açúcares, incluindo muitas vezes o ácido siálico
(NANA), que confere carga negativa à molécula.
a b

CEDERJ 97
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Há glicolipídeos apenas no lado da membrana voltado para o


meio extracelular. Esses lipídeos apresentam uma forte tendência a se
associar, em parte devido a pontes de hidrogênio que se formam entre
as moléculas de açúcares, mas também graças às forças de van der
Waals entre as cadeias carbônicas de suas longas caudas lipídicas. Por
essas características – localização e tendência à agregação, esses lipídeos
aumentam ainda mais a assimetria entre os dois folhetos da bicamada.
Os glicolipídeos mais complexos são os gangliosídeos (Figura
7.15.b), que, por possuírem resíduos de ácido siálico, são negativamente
carregados. Os gangliosídeos são especialmente abundantes na membrana
plasmática das células nervosas, mas também estão presentes em outros
tipos celulares.
Uma célula que exponha muitos glicolipídeos na superfície de
sua membrana ficará mais protegida do ataque de ácidos ou enzimas
que possam atingir sua superfície. Isto é especialmente importante em
compartimentos como o lisossoma (Aula 20), cujas membranas não
podem ser destruídas pelas enzimas ali contidas. Em contrapartida, a
grande diversidade de combinações possíveis para os açúcares expostos
é fundamental em processos de reconhecimento entre células.
A bactéria causadora do cólera reconhece e só penetra em células
que exponham um determinado tipo de glicolipídeo em sua superfície.
Sua entrada em células do epitélio intestinal desencadeia uma reação que
leva a célula a perder grande quantidade de sódio e água, resultando na
diarreia característica da doença.

Domínios lipídicos

Que em vários tipos celulares cada região da membrana poderia ter


composição, forma e função diferentes, já era sabido há muito tempo. Esse é,
em essência, o conceito de domínio de membrana, uma região da membrana
diferente das demais, com características próprias. Por exemplo, por que
a região apical das células do epitélio intestinal possui microvilosidades
e a superfície basal e lateral destas células é lisa (Figura 7.4)? Por que os
neurônios recebem estímulos pela região do corpo celular e os transmitem
apenas na extremidade do axônio?
Inicialmente, verificou-se que cada domínio poderia conter pro-
teínas de membrana diferentes, mas não se sabia o que mantinha essas
proteínas restritas a essas regiões. A resposta foi obtida há alguns anos,

98 CEDERJ
MÓDULO 1
quando foi descoberto que algumas regiões da bicamada lipídica têm

7
AULA
fluidez menor que o resto da bicamada que as cerca. Esta menor fluidez
é resultante da aglomeração de fosfolipídeos de cadeias longas – espe-
cialmente esfingomielina e colesterol nessas regiões. As caudas de ácidos
graxos desses lipídeos se emaranham, formando assim um conjunto que
não se mistura com o resto e se move em conjunto, como se fosse uma
jangada flutuando no mar. Nessa comparação, a jangada seria o conjunto
de lipídeos de menor fluidez (ou seja, com menor liberdade de se mistu-
rar aos outros), e o mar em volta seria todo o resto da membrana. Por
esta razão, as plataformas lipídicas foram denominadas lipid rafts, pois
raft, em inglês significa jangada, em português. O maior comprimento
das cadeias de ácidos graxos desses lipídeos aumenta a espessura da
bicamada nessas regiões, formando verdadeiras plataformas lipídicas
(Figura 7.16), denominação que adotaremos neste texto.

Glicolipídeo
Colesterol
Glicoproteína
Figura 7.16: As plataformas lipídicas
são regiões da membrana onde se con-
centram lipídeos de cadeias longas,
especialmente do tipo esfingolipídeos
e colesterol. Consequentemente,
a bicamada nessas regiões é mais
espessa, menos fluida, e só proteínas
com determinada extensão podem
se inserir ali.

Plataforma lipídica

Sabemos hoje que as plataformas lipídicas ocorrem em praticamente


todos os tipos celulares, mantendo próximos elementos da membrana,
como proteínas, por exemplo, que participam de um mesmo conjunto
de reações (veja a Aula 13) ou função. Como a espessura da bicamada
nas plataformas é maior, apenas alguns tipos de proteínas conseguem se
encaixar nessas regiões. Sabe-se também que, ao contrário do que se acre-
ditava inicialmente, essas plataformas lipídicas não ficam necessariamente
navegando à deriva pela membrana. A superfície apical das células do
epitélio intestinal, por exemplo, é basicamente uma região de plataformas
lipídicas. Um outro tipo de plataforma lipídica, que não se desloca e forma
uma pequena invaginação permanente na membrana plasmática, recebeu
o nome de cavéola (Figura 7.17). Nas cavéolas concentram-se receptores
de um tipo pouco comum, os ancorados (veja na Aula 8).

CEDERJ 99
Biologia Celular I | Estrutura da membrana plasmática

Tornaremos a falar dos domínios de membrana, incluindo a


participação das proteínas, nas aulas seguintes.

Figura 7.17: As setas apontam as

Foto: Márcia Attias


cavéolas na membrana de uma
célula de tiroide humana.

Conclusão: A importância da assimetria da bica-


mada lipídica
Embora a bicamada lipídica seja representada em muitos esque-
mas didáticos de maneira simétrica e uniforme (com os dois folhetos
idênticos), você viu, nesta aula, que seus componentes podem constituir
domínios de membrana. Além disso, os dois folhetos são bastante distin-
tos, a começar pela presença de glicolipídeos (e também glicoproteínas)
apenas no folheto voltado para o meio extracitoplasmático, enquanto a
fosfatidilserina, um fosfolipídeo negativamente carregado, insere-se ape-
nas no folheto voltado para o meio intracelular. E o que acontece quando
esta disposição é perturbada? No caso da fosfatidilserina, observa-se que
em células que possuem um tempo de vida limitado, como é o caso das
hemácias e dos leucócitos, o aparecimento desse fosfolipídeo no folheto
externo da membrana sinaliza que a célula está morrendo e é um dos
fatores pelos quais elas são reconhecidas pelos fagócitos responsáveis por
removê-las. Esse processo de morte celular programada, ou apoptose,
será estudado na disciplina Biologia Celular II.

Resumo

• A estrutura das membranas é constituída por lipídeos das classes dos


fosfolipídeos, glicolipídeos e esteróis.
• Os lipídeos que formam a membrana são anfipáticos. Distribuem-se em
bicamada, com a parte hidrofílica de sua molécula voltada para o meio
aquoso, extracelular ou citoplasmático, e a parte hidrofóbica voltada para o
interior da membrana.
• Cada camada da bicamada é chamada de folheto.
• As membranas são assimétricas porque os fosfolipídeos que compõem os
seus folhetos são diferentes.

100 CEDERJ
MÓDULO 1
7
• As membranas são fluidas porque os lipídeos que as compõem movem-se o

AULA
tempo todo, fazendo flexão das cadeias de ácidos graxos, rotação, translocação
e, raramente, flip-flop.
• Existem regiões menos fluidas na bicamada lipídica, as plataformas lipídicas,
ricas em ácidos graxos de cadeia longa e colesterol.
• Regiões diferenciadas em termos de composição lipídica, função e fluidez das
membranas constituem domínios de membrana.

Exercícios

1. Descreva de modo sucinto o modelo do mosaico fluido da membrana.

2. Defina e diferencie meio intracelular e meio extracelular.

3. O que você entende por compartimento celular?

4. Como se organizam os lipídeos nas membranas?

5. O que você entende por fluidez dos lipídeos da membrana?

6. Que tipos de movimento realizam os lipídeos na membrana?

7. O que é flip-flop? Quando ocorre?

8. Como atuam os seguintes fatores sobre a fluidez da membrana:

a) comprimento das cadeias de ácidos graxos dos fosfolipídeos?

b) duplas ligações nas cadeias de ácidos graxos dos fosfolipídeos?

9. Por que o colesterol diminui a fluidez da membrana?

10. Descreva a assimetria da bicamada lipídica.

11. Como podem os lipídeos formar domínios na membrana?

12. O que são as plataformas lipídicas?

CEDERJ 101
3

5
a u l a
Criofratura

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


OBJETIVOS
• Conhecer os princípios da criofratura.
• Entender as informações contidas numa réplica
de criofratura.
• Correlacionar a criofatura à construção do modelo
do mosaico fluido de membrana.

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Biologia Celular I | Criofratura

INTRODUÇÃO Uma das limitações do microscópio eletrônico de transmissão sempre foi o


fato de que as imagens observadas eram cortes ultrafinos das amostras, isto é,
imagens bidimensionais de estruturas (células) tridimensionais (Figura 3.1).
Isto pôde ser contornado com a observação de cortes seriados, uma técnica
bastante trabalhosa (Figura 3.2), e também com a microscopia de varredura.
Entretanto, a resolução do microscópio eletrônico de varredura é menor que a
do microscópio de transmissão, não permitindo a visualização de vários detalhes,
principalmente do interior da célula (vide Aula 2) .

plano de corte
perfil bidimensional,
membrana de aspecto trilaminar

Figura 3.1: No microscópio de transmissão o corte ultrafino de uma célula resulta numa imagem
bidimensional onde se vê o contorno (perfil) trilaminar da membrana plasmática e as organelas internas
(não representadas).

planos de corte

O “empilhamento" de vários
perfis bidimensionais em série
permite reconstruir o aspecto
tridimensional da estrutura.

Figura 3.2: Cortes em série de uma estrutura podem dar uma noção de sua forma
tridimensional.

Em cortes ultrafinos, a membrana plasmática aparece sempre como


uma estrutura trilaminar, com uma faixa clara limitada por duas linhas mais
escuras. O aspecto trilaminar da membrana plasmática é chamado unidade
de membrana.

Esse aspecto dificulta a determinação da real estrutura da membrana,


levando a conclusões erradas acerca da distribuição de proteínas e lipídeos
(vide boxe), porém o desenvolvimento da técnica da criofratura abriu um
novo horizonte de informações sobre as membranas celulares.

40 CEDERJ

Aula_03.indd 40 17/6/2004, 11:36:53


MÓDULO 1
Há muito tempo já era sabido que a membrana plasmática

3
era composta principalmente de proteínas e lipídeos; entretanto, a

AULA
observação da estrutura trilaminar da membrana em cortes ultrafinos
levou à conclusão errada de que a estrutura da membrana seria um
"sanduíche" de proteínas recheado por uma bicamada lipídica.
Uma membrana com essa organização seria não apenas
muito rígida, dificultando os movimentos celulares, como seria
quase impossível que substâncias passassem através dela: aquelas
hidrofílicas ficariam impedidas de passar pela bicamada lipídica, assim
como seria impossível que as substâncias hidrofóbicas atravessassem a
cobertura de proteínas (veja o esquema na Figura 3.3).

Lipídeos e outras
substâncias hidrofóbicas
não cruzariam a “couraça”
Proteínas e outras moléculas de proteínas da membrana.
hidrofílicas não atravessariam
o “miolo” lipídico da membrana.

proteína

proteína
lipídeo

Figura 3.3: O "modelo do sanduíche" da membrana era rígido e não explicava os movimentos
celulares e o transporte através da membrana, embora correspondesse à imagem de microscopia
eletrônica de transmissão de cortes ultrafinos.

Fundamentos da técnica

A técnica da criofratura começou a ser desenvolvida na década de 60


e a idéia inicial foi reduzir ao máximo os artefatos decorrentes da fixação
química por aldeídos. O objetivo era parar instantaneamente a atividade
celular, provocando a fixação das células sem que nenhum processo de
decomposição celular tivesse tempo de acontecer.
O procedimento básico para criofratura consiste em 4 etapas :
a. congelamento das células em nitrogênio líquido;
b. fratura das células;
c, d. evaporação da superfície fraturada com carbono e platina
formando um "molde" da superfície fraturada (chamado réplica);
e, f. digestão dos restos celulares, de modo que apenas a réplica
metálica é observada ao microscópio eletrônico de transmissão.

CEDERJ 41

Aula_03.indd 41 17/6/2004, 11:37:00


Biologia Celular I | Criofratura

Figura 3.4: Principais etapas na produção de uma réplica.

CONGELAMENTO
Algumas adaptações tiveram de ser feitas para que os cristais de
gelo que se formavam no processo de congelamento não perfurassem
as células, lesando-as gravemente e impedindo a observação de sua
organização. Assim, antes de congelar as amostras, elas são brevemente
fixadas em aldeídos e infiltradas com glicerol, uma substância que
dificulta a formação de cristais de gelo (Figura 3.5). Um outro fator
que impede a formação de cristais é fazer um congelamento ultra-
rápido, o que requer equipamentos ainda mais sofisticados.

Figura 3.5: Para criofratura, as células são inicialmente fixadas com aldeídos, a seguir infiltradas com glicerol, que
impedirá a formação de cristais de gelo quando congeladas.

42 CEDERJ

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MÓDULO 1
FRATURA

3
Depois de congeladas, as amostras são colocadas numa câmara

AULA
a vácuo e aí fraturadas, também a baixa temperatura. Para observar a
superfície exposta após a fratura, não seria possível retirar a amostra do
aparelho, pois à temperatura ambiente ela simplesmente derreteria.
Por esse motivo, é necessário fazer um molde que reproduza a
superfície fraturada com todos os detalhes.

Figura 3.6: O material congelado é fraturado, expondo o interior celular.

REPLICAÇÃO

Ainda sob vácuo e baixa temperatura, a superfície exposta é


recoberta com uma fina camada de platina. Lembre que o carbono é
um átomo leve, pouco eficiente para barrar os elétrons do microscópio
eletrônico. A platina é evaporada em ângulo lateral, assim não se deposita
em toda a superfície da amostra. Lembre também que a platina é um
metal pesado, barrando os elétrons
que colidirem com seus átomos.
Imediatamente após, é feito um
sombreamento com carbono, que
forma a base da réplica.
Essa réplica de carbono e
platina é que será observada ao
microscópio eletrônico. Para que
a réplica não sofra interferência de
restos celulares da amostra inicial,
ela é limpa com a ajuda de ácido e
bases fortes.

Figura 3.7: A platina evaporada em


ângulo se deposita apenas em algumas
partes da superfície fraturada. O
carbono forma um filme contínuo sobre
a superfície fraturada.

CEDERJ 43

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Biologia Celular I | Criofratura

INTERPRETAÇÃO DAS RÉPLICAS

O aspecto de algumas réplicas era muito diferente das imagens


dos cortes ultrafinos. Embora algumas estruturas fossem identificadas
(Figura 3.8), muitas vezes observava-se apenas grandes áreas que
pareciam corresponder à superfície celular (Figura 3.9). Nessas
superfícies de membrana havia sempre um grande número de
partículas distribuídas: as partículas intramembranosas (Figura 3.9).

Foto: Raul D. Machado

Figura 3.8: Quando a célula é fraturada em seu plano médio é possível reconhecer o
núcleo pelo seu envoltório duplo e complexos de poro. Vacúolos e organelas
intracelulares são de identificação mais difícil.

Figura 3.9: Quando a fratura expõe a superfície da célula, observamos várias


partículas intramembranosas, setas que correspondem às proteínas da membrana.

Em 1966 foi possível demonstrar que a fratura ocorre


preferencialmente no plano médio da membrana, isto é, separando as
duas camadas de fosfolipídeos que a formam (Figura 3.10 ), e que as
partículas inseridas nas membranas correspondiam a proteínas delas.
Essa foi uma das evidências mais importantes para a sustentação do
modelo do mosaico fluido, proposto por Singer e Nicolson em 1972.

44 CEDERJ

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MÓDULO 1
3
AULA
Figura 3.10: O plano de fratura preferencial divide os folhetos da bicamada lipídica. Podem ser observados
o folheto voltado para o citoplasma (face P) ou o lado voltado para o meio extracelular (face E) da membrana.

(A) (B) (C) (D1) (D2)

Figura 3.11: Esquema de uma hemácia (A) sendo fraturada (B) e (C) e expondo, ora a face E da membrana,
voltada para o exterior (D1), ou a face P, voltada para o citoplasma (D2).

CONCLUSÃO

A criofratura continua sendo uma técnica importante no estudo das células, entretanto,
muitas variações foram introduzidas, permitindo a obser vação não apenas do "miolo" da
membrana, mas também das faces voltadas para o citoplasma, para o meio extracelular e
também de estruturas citoplamáticas, como os microtúbulos.

CEDERJ 45

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Biologia Celular I | Criofratura

RESUMO

A técnica de criofratura consiste em fraturar células ou tecidos depois de congelados.


A fratura tem grande probabilidade de ocorrer entre as duas camadas de fosfoli-
pídeos que formam as membranas, expondo uma matriz homogênea (os lipídeos)
com partículas de diversos tamanhos nela inseridas. Essas partículas "intramembranosas"
correspondem a proteínas que atravessam a bicamada lipídica. Para que a face
fraturada possa ser observada é feita uma réplica em carbono e platina da mesma.
Finalmente, os restos da amostra são separados da réplica que é colocada sobre uma
grade e levada ao microscópio eletrônico de transmissão.
O plano de fratura ocorre preferencialmente entre os dois folhetos de bicamada lipídica,
expondo o plano hidrofóbico do lado voltado para o citoplasma (face P) ou do lado
voltado para o meio extracelular (face E).

EXERCÍCIOS

1. Liste as etapas do procedimento para criofratura, explicando os objetivos de cada uma.


2. Qual a parte da membrana que é exposta na fratura?
3. A que correspondem as partículas intramembranosas observadas nas réplicas?
4. Qual a contribuição da criofratura na elaboração do modelo do mosaico fluido?

46 CEDERJ

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8
AULA
Proteínas de membrana

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


objetivos

• Reconhecer as diferentes proteínas e carboidratos de


membrana de acordo com:
– sua função (transporte, reconhecimento e adesão etc.);
– sua inserção na bicamada lipídica (unipasso, multipasso,
ancorada, periférica etc.);
– sua organização em domínios de membrana.

Pré-requisitos
Aulas de 11 a 16 de Proteínas (Bioquímica I).
Biologia Celular I | Proteínas de membrana

INTRODUÇÃO A estrutura básica de todas as membranas biológicas é formada por uma bicapa
lipídica; entretanto, são as proteínas que conferem individualidade e especificidade
às membranas celulares.
As funções desempenhadas por cada membrana (transporte, reconhecimento, adesão,
veja Figura 8.1) dependem primariamente de suas proteínas constituintes.
As proteínas correspondem, em média, a cerca de 50% da massa de uma membrana,
podendo chegar a 75%, no caso da membrana mitocondrial interna.
A técnica da criofratura (veja Aula 3) permitiu, pela primeira vez, observar que as
proteínas de membrana se distribuem na bicamada lipídica ora atravessando-a de um
lado ao outro, ora inserindo-se apenas no folheto externo ou interno da bicapa.
Assim, na descrição clássica do modelo do mosaico fluido, as proteínas da membrana
são classificadas em dois grupos: transmembrana, quando atravessam a matriz
lipídica; periféricas, quando se encontram associadas a outras proteínas integrais
ou lipídeos da membrana.

a
c

Figura 8.1: Principais funções das proteínas de membrana.


A – transporte; B – adesão; C – reconhecimento.

MODOS DE INSERÇÃO DE UMA


PROTEÍNA NA MEMBRANA

Decorridos quase 30 anos da proposição do


modelo do mosaico fluido das membranas, sabe-se
hoje que uma proteína pode inserir-se na bicapa
a b lipídica de várias formas:
1. As proteínas transmembrana atravessam
Figura 8.2: As proteínas esquematizadas em A e
B atravessam a bicamada lipídica. Em A, a cadeia a bicapa lipídica de um lado a outro, expondo parte
polipeptídica passa apenas uma vez através
da bicamada, enquanto B atravessa 3 vezes a
de si de cada lado da membrana (Figura 8.2).
bicamada.

104 CEDERJ
MÓDULO 2
8
Algumas proteínas atravessam apenas uma vez a bicamada e são !

AULA
A proteína que
chamadas unipasso (Figura 8.2A), enquanto as que passam muitas vezes
transporta glicose
pela bicamada são chamadas multipasso (Figura 8.2B). Muitas vezes, as para dentro das
células é do tipo
proteínas multipasso criam em seu interior um ambiente hidrofílico que multipasso, assim
como a bomba de
pode atuar como um “poro” transmembrana. sódio/potássio.
2. Há proteínas que se associam à membrana de modo indireto,
ou seja, formam ligações não covalentes com proteínas transmembrana
(Figura 8.3). Estas correspondem às proteínas periféricas inicialmente
descritas no modelo do mosaico fluido.

Meio
Extracelular

Figura 8.3: As proteínas periféricas


Bicamada
ligam-se a proteínas inseridas na lipídica
bicamada, seja pelo lado intracelular
(a) ou pelo lado extracelular (b).
b

Meio
Intracelular

3. Outras proteínas de membrana se prendem à bicamada apenas


por uma ligação covalente a um dos lipídeos da membrana. Estas são
chamadas de proteínas ancoradas (Figura 8.4 A e B).

Figura 8.4: As “âncoras” que prendem


as proteínas pelo lado citoplasmático
(b) são diferentes daquelas do lado
extracelular (a).

CEDERJ 105
Biologia Celular I | Proteínas de membrana

!
As âncoras de membrana podem ser de vários tipos, específicos para o lado
citoplasmático ou para o lado extracelular da membrana. Proteínas ligadas
covalentemente a lipídeos podem ser encontradas no folheto citoplasmático.
Proteínas ancoradas via glicosil-fosfatidil-inositol (GPI), só existem na face
da membrana voltada para o meio extracelular. A proteína ancorada por
GPI se prende sempre ao fosfolipídeo fosfatidilinositol, tendo como ponte
entre a proteína e o fosfolipídeo uma seqüência de açúcares, que é sempre
a mesma, uma etanolamina. É interessante como uma mesma estrutura está
presente na ligação de proteínas tão diferentes à membrana.

As proteínas podem ser separadas dos folhetos lipídicos da


membrana por meios mais ou menos drásticos, de acordo com seu
modo de inserção nesta. As proteínas do tipo 1 (transmembrana) podem
ser isoladas da membrana com o uso de detergentes que solubilizam a
bicamada lipídica (Figura 8.5).

Figura 8.5: As proteínas que atravessam


integral-mente a bicamada lipídica
podem ser isoladas pelo tratamento
com detergentes que se ligam aos
lipídeos, separando-os das proteínas.

Já as proteínas do tipo 2 se soltam facilmente. Tratamentos brandos,


como o uso de soluções que alteram o pH e/ou a força iônica são suficientes
para romper as forças que as mantêm presas à membrana (Figura 8.6).

106 CEDERJ
MÓDULO 2
8
AULA
Figura 8.6: Proteínas que se ligam por carga a outros componentes da membrana
podem se soltar da mesma, se a força iônica da solução onde se encontram for
drasticamente alterada.

Finalmente, as do tipo 3 só podem ser removidas pelo uso de


enzimas específicas da família das fosfolipases, que “cortam” as âncoras,
deixando as proteínas livres.
Assim, as proteínas também podem ser classificadas pela
dificuldade de sua extração da membrana plasmática. As do tipo 1,
transmembrana, e as do tipo 3, ancoradas, são consideradas proteínas
integrais da membrana plasmática, enquanto as do tipo 2, fáceis de
extrair, são consideradas periféricas.

!
Protozoários parasitas como o Trypanosoma brucei (agente
da doença do sono) e o Plasmodium (causador da malária)
periodicamente secretam a enzima fosfolipase-c específica
para fosfatidil inositol. Dessa forma, todas as proteínas ancoradas
por GPI na superfície deles são rapidamente eliminadas e
os protozoários se tornam “invisíveis” para os anticorpos já
produzidos pelo hospedeiro.

CEDERJ 107
Biologia Celular I | Proteínas de membrana

COMO AS PROTEÍNAS ATRAVESSAM


A BICAMADA LIPÍDICA?

As porções de uma proteína de membrana que se voltam para o


citoplasma ou para o meio extracelular são naturalmente hidrofílicas.
Entretanto, o segmento da cadeia polipeptídica que atravessa a bicamada
lipídica precisa passar por um ambiente hidrofóbico que, a princípio, seria
“hostil”. Esse segmento é composto principalmente por aminoácidos cujas
cadeias laterais são hidrofóbicas, podendo, portanto, ficar voltadas para
as moléculas apolares ( = hidrofóbicas) adjacentes. Em contrapartida, os
laços peptídicos da cadeia são normalmente hidrofílicos, ficando voltados
para o centro, onde formam pontes de hidrogênio uns com os outros. Isso
leva a cadeia polipeptídica a enrolar-se em torno de um eixo imaginário,
formando uma alfa-hélice (Figura 8.7).

Figura 8.7: Duas maneiras de representar a alfa-hélice do segmento


transmembrana das proteínas.

O que são as proteínas unipasso?

Se você estiver se perguntando que tipos de proteína têm essa


configuração, a resposta é: principalmente proteínas que atuam como
receptores. (Por quê? Veja aula de receptores.) Já as proteínas multipasso
criam um microambiente hidrofílico na membrana através da qual
podem passar ( = ser transportadas) moléculas específicas (veja as aulas
de Transporte, 9 a 12).

108 CEDERJ
MÓDULO 2
8
NEM TODAS AS PROTEÍNAS ATRAVESSAM A BICAMADA

AULA
FORMANDO UMA HÉLICE

Mais raramente, as cadeias polipeptídicas não se enrolam em


alfa-hélice, mas adquirem uma conformação em fita beta-pregueada,
curvando-se em idas e vindas através da bicamada e originando uma
estrutura em canal relativamente rígida chamada beta-barril. As porinas
são proteínas que possuem essa conformação e são encontradas na
membrana externa das mitocôndrias e de algumas bactérias, sendo
responsáveis pela passagem de pequenas moléculas nutrientes e íons
(Figura 8.8). Além de serem relativamente pouco seletivos, esses poros
são muito menos versáteis do que as composições possíveis com as
proteínas em alfa-hélice.

Figura 8.8: (a) conformação em beta-barril. As cadeias de aminoácidos formam fitas


relativamente rígidas; (b) porinas, formando canais na membrana de bactérias.

AS PROTEÍNAS SE ASSOCIAM EM COMPLEXOS PROTÉICOS

Além de criarem um ambiente hidrofílico através das proteínas a

multipasso, muitas proteínas ainda formam complexos na membrana.


Algumas vezes, todas as proteínas componentes do complexo são iguais
(Figura 8.9A). Outros complexos são formados por proteínas diferentes
b
(Figura 8.9B). Esses complexos protéicos também formam uma área
hidrofílica pela qual podem passar moléculas como íons ou açúcares,
que normalmente são barrados pela bicamada lipídica.

Figura 8.9: (a) Proteínas se associam formando um complexo em que todas as


subunidades são iguais. (b) O receptor de acetilcolina é um complexo protéico em
que as subunidades não são iguais.

CEDERJ 109
Biologia Celular I | Proteínas de membrana

AS PROTEÍNAS TAMBÉM SE MOVEM

Assim como os lipídeos, as proteínas de membrana também são


capazes de girar em torno de seu próprio eixo (rotação) e de deslocar-se
no plano da membrana (difusão lateral). O flip-flop de proteínas não
ocorre nunca. A comprovação dos movimentos laterais foi obtida em
1970 por Frye e Edidin em experimentos com heterocárions (uma célula
híbrida com dois núcleos diferentes). Eles fabricaram anticorpos que
reconheciam as proteínas da superfície de células de camundongo e
marcaram esses anticorpos com fluorocromo verde. Também fabricaram
anticorpos que só reconheciam as proteínas da superfície de células
humanas e os marcaram com fluorocromo vermelho. Depois fizeram
um experimento em que fundiam uma célula de camundongo com uma
célula humana. Isso não acontece espontaneamente e é difícil conseguir.
Hoje já se conhecem substâncias que induzem a fusão de células diferentes
e isso é usado na produção de anticorpos monoclonais (veja Aula 4). No
tempo de Frye e Edidin, só se podia fazer
fusão entre células diferentes com a ajuda
de vírus, e foi o que eles fizeram, obtendo
um heterocárion. Depois incubaram o
heterocárion com os anticorpos, a baixa
temperatura, e olharam no microscópio
de fluorescência. Ele tinha metade da
membrana fluorescendo em verde e metade
em vermelho, correspondendo às proteínas
de membrana que vieram das células de
camundongo e humana, respectivamente.
Resolveram colocar o heterocárion já
marcado com os anticorpos na temperatura
fisiológica por alguns minutos e olharam
de novo: as fluorescências tinham se
misturado completamente, não sendo mais
possível distinguir verde e vermelho.
Assim, ficou demonstrado que as
proteínas podem se mover no plano da
membrana plasmática e que a membrana
Figura 8.10: Esquema do experimento que comprovou
a fluidez da membrana.
é fluida (Figura 8.10).

110 CEDERJ
MÓDULO 2
8
MECANISMOS DE RESTRIÇÃO À MOBILIDADE DAS

AULA
PROTEÍNAS: BARREIRAS E DOMÍNIOS

Tem sido observado que muitas proteínas não se difundem


livremente no plano da membrana. A membrana plasmática se divide em
várias áreas, chamadas domínios, entre as quais podem existir barreiras.
Essa restrição é interessante por vários motivos: algumas células, como
as do epitélio intestinal, possuem, na superfície voltada para a luz do
órgão, proteínas que garantem a absorção dos nutrientes num só sentido;
outras, como os espermatozóides, possuem proteínas específicas na região
da cabeça (que fará contato com o óvulo) que não estão presentes na
cauda e vice-versa. Os mecanismos básicos que restringem a mobilidade
das proteínas no plano da membrana são:
1. Formação de complexos: várias proteínas se associam formando
complexos. Esses complexos protéicos só podem se deslocar como um todo.
Alguns complexos são formados por diferentes proteínas, enquanto outros
resultam do agrupamento de proteínas semelhantes (Figura 8.11A).
2. Associação ao citoesqueleto ou à matriz extracelular: algumas
proteínas têm sua mobilidade lateral limitada por estarem associadas a
macromoléculas do meio extra ou intracelular como elementos da matriz
extracelular e do citoesqueleto, respectivamente (Figura 8.11B,C).
3. Ligação entre proteínas: as proteínas de duas células adjacentes
podem ligar-se, limitando assim a mobilidade de ambas. A adesão entre
células ou entre uma célula e o substrato, por exemplo, é formada pela
união dos complexos protéicos das duas células vizinhas ou de uma célula
e uma molécula do meio extracelular (veja aula de Junções Celulares)
(Figura 8.11D).
(A) (A) (C) (C)

(A) (A)b (B)


(C) (B) (C) (D) (D)
a c d

Figura 8.11: Mecanismos de restrição à mobilidade lateral das proteínas de membrana:


(a) formação de agregados,
(b) associação a elementos do meio extracelular,
(c) associação a elementos do citoesqueleto e
(B)
(d) formação de complexos (B) entre(D)
de interação (D) células.
as proteínas de duas

CEDERJ 111
Biologia Celular I | Proteínas de membrana

FORMAÇÃO DE BARREIRAS

Alguns domínios são conseqüência da existência de barreiras.


As barreiras são formadas por arranjos de proteínas que impedem a
livre difusão de outras proteínas ou lipídeos entre elas. As proteínas se
difundem livremente dentro de um determinado domínio; entretanto,
não passam aos domínios vizinhos por não serem capazes de cruzar as
barreiras. As junções entre células que formam epitélios (Figura 8.12)
constituem barreiras. As proteínas existentes no corpo celular do
espermatozóide também não são encontradas no flagelo deste pela
existência de uma barreira que restringe sua mobilidade e divide esses
dois domínios (Figura 8.13).

Proteína A

Figura 8.12: Em células epiteliais, as junções ocludentes (tight junctions)


formam barreiras transmembrana que limitam o movimento da proteína A,
que fica restrita ao domínio apical, e da proteína B, que fica restrita ao
domínio basolateral.

Figura 8.13: A membrana do


Domínios da cabeça
espermatozóide possui três
domínios: dois na cabeça e
um na cauda.

112 CEDERJ
MÓDULO 2
8
OS CARBOIDRATOS DE MEMBRANA

AULA
Correspondem aos açúcares. Grande parte dos lipídeos e das
proteínas de membrana voltados para o meio extracelular apresenta-se
ligado a carboidratos, formando glicoproteínas ou glicolipídeos. Há ainda
um terceiro tipo de carboidratos: são as proteoglicanas, que geralmente
são encontradas na matriz extracelular (serão abordadas em maior detalhe
em Biologia Celular 2), mas algumas se inserem na bicamada lipídica por
parte de sua porção protéica ou por meio de uma âncora do tipo GPI.
O conjunto de carboidratos da membrana forma o chamado
glicocálix ou cell-coat. Quanto mais carboidratos contiver uma
membrana, mais espesso será o glicocálix (Figura 8.14).
Além de estarem sempre ligados a uma proteína ou a um lipídio
na membrana plasmática, os açúcares estão sempre voltados para o meio
extracelular (Figura 8.15).

Figura 8.14: Fotomicrografia


da periferia de uma célula cujo
glicocálix foi evidenciado por
uma técnica específica.

DE: ALBERTS, Bruce et al. Molecular Biology of the Cell. 4.ed. Nova York: Garland Science Publishing, 2002.

Figura 8.15: Esquema dos compone-


ntes do glicocálix e sua relação com a
bicamada lipídica.

CEDERJ 113
Biologia Celular I | Proteínas de membrana

Isso é uma conseqüência do seu processo de síntese no retículo


endoplasmático e no complexo de Golgi (veja aulas correspondentes).
As enzimas que acrescentam os açúcares a uma proteína ou a um lipídio
durante sua síntese se localizam no interior dessas organelas e vão anexando
os carboidratos a proteínas ou lipídios que estão inseridos no folheto da
membrana voltado para o lúmen, evidentemente. Ao chegar à superfície,
esse folheto estará voltado para o meio extracelular (Figura 8.16).

Membrana do retículo

Citossol

Membrana plasmática

Figura 8.16: Correspondência espacial entre o meio extracelular


e o interior (lúmen) das organelas.

QUAL A FUNÇÃO DOS AÇÚCARES NA MEMBRANA?

Na superfície celular, os açúcares exercem muitas funções, dentre


as quais podemos destacar a de proteger a bicamada lipídica, conferir
carga negativa à superfície celular como um todo e atuar em processos
de reconhecimento e adesão celular, o que você vai conhecer com mais
detalhes em outras aulas.
Além disso, os espaços entre as células são freqüentemente
preenchidos por açúcares de tipos especiais como, por exemplo, a
celulose, que forma a parede celular dos vegetais. A celulose, como você
provavelmente sabe, é formada pela polimerização de moléculas de glicose.
O tecido conjuntivo e a cartilagem também possuem grandes quantidades
de carboidratos, as proteoglicanas. As proteoglicanas são moléculas muito
longas e ramificadas que atuam como verdadeiras “esponjas”, ajudando
na retenção de água por esses tecidos.

114 CEDERJ
MÓDULO 2
8
AULA
Proteoglicanas diferem de glicoproteínas em algumas características: as glicoproteínas têm
uma cadeia ramificada de monossacarídeos diferentes ligados a uma proteína. Já as proteoglicanas
têm longas cadeias lineares de dissacarídeos repetidos ligados a uma proteína. A relação em massa
entre a cadeia de açúcares e a cadeia protéica também é diferente: enquanto na glicoproteína
a parte protéica é muito maior, na proteoglicana, a parte glicídica predomina.

Proteoglicana

RESUMO

• As membranas celulares formam barreiras que confinam moléculas e atividades


específicas a esses compartimentos.
• As funções de uma membrana dependem principalmente das proteínas que a compõem.
• Nas membranas podem estar presentes proteínas cuja função seja de
reconhecimento, transporte, adesão, enzimas etc.
• As proteínas transmembrana atravessam toda a extensão da bicamada lipídica,
geralmente como uma ou mais alfa-hélices ou como uma fita beta-pregueada
em forma de barril.
• Outras proteínas não atravessam a bicamada, mas formam ligações covalentes
com lipídeos da membrana. Outras ainda formam ligações fracas (não covalentes)
com outras proteínas da membrana.
• A maior parte das proteínas e alguns dos lipídeos voltados para o lado externo
da membrana apresentam cadeias de açúcar ligadas. Esses açúcares ajudam a
proteger e a lubrificar a superfície da célula e estão relacionados a processos de
reconhecimento célula-célula.
• Embora muitas proteínas possam difundir-se livremente no plano da mesma,
as células têm meios de confinar certas proteínas a determinados domínios da
membrana, imobilizando-as através de ligações a macromoléculas localizadas
dentro ou fora da célula.

CEDERJ 115
Biologia Celular I | Proteínas de membrana

EXERCÍCIOS

1. Por que a criofratura foi fundamental para se saber como as proteínas se inserem
na bicamada lipídica.

2. Defina os seguintes conceitos:

• proteína transmembrana

• proteína periférica

• proteína ancorada

• α-hélice proteica e fita β-pregueada

• proteína unipasso

• proteína multipasso

• porinas

• complexo proteico

3. Quais os tipos de movimento que as proteínas podem fazer na membrana?

4. O que é um heterocárion?

5. O que são domínios de membrana?

6. O que são barreiras de membrana?

7. Como os açúcares se ligam às membranas?

8. O que é glicocálix?

9. Diferencie glicoproteínas de proteoglicanas.

10. Por que todos os carboidratos de membrana se localizam na face extracelular


da mesma?

116 CEDERJ
9
AULA
Permeabilidade da membrana

Ao final desta aula, você deverá reconhecer:


objetivos

• A importância do transporte através das membranas.


• A permeabilidade de uma bicamada lipídica.
• Osmose.

Pré-requisito
Estrutura de proteínas (Bioquímica I)
Biologia Celular I | Permeabilidade da membrana

INTRODUÇÃO Sabemos que a membrana plasmática funciona como uma barreira,


separando o ambiente intracelular do meio externo. Entretanto, as
células interagem durante toda sua vida com o meio externo, seja na
absorção do oxigênio de que necessitam para a respiração celular e
conseqüente liberação do gás carbônico, seja na obtenção de íons e
moléculas maiores, como a glicose e outros açúcares.
Estamos acostumados a nos referir à membrana como dotada de
permeabilidade seletiva, mas o que será isso? Será que cada célula
é capaz de “escolher” as moléculas que passam pela membrana?
Bom, você já deve ter percebido que a passagem de moléculas através
da membrana obedece a certos critérios. Esses critérios são universais e
independem do tipo de célula ou da atividade que ela esteja exercendo,
estando vinculados à natureza lipídica da membrana.

Recordando:
As membranas celulares são compostas por uma bicamada
de lipídeos, onde estão inseridas proteínas. Enquanto
as proteínas variam muito de acordo com as atividades
específicas dos diferentes tipos celulares, os lipídeos são,
além de majoritários, praticamente os mesmos nas
membranas plasmáticas das diferentes células. Os lipídeos
podem ser definidos como moléculas hidrofóbicas não
carregadas, embora os fosfolipídeos e mesmo o colesterol
nas membranas possuam uma extremidade hidrofílica em
suas moléculas.

!
Se o texto acima lhe parece confuso, volte à Aula 7.

118 CEDERJ
MÓDULO 2
9
A PERMEABILIDADE SELETIVA DA MEMBRANA

AULA
PLASMÁTICA

A chave para compreendermos


a natureza da permeabilidade seletiva
das membranas está justamente na
natureza da bicamada lipídica.
A “seleção” das moléculas que Molécula A Molécula B
(atravessa (não atravessa
Célula a bicamada
a bicamada
atravessam a bicamada é feita em lipídica) lipídica)
função de seu tamanho, polaridade
e carga (Figura 9.1).
Tamanho: quanto menor a molécula, mais facilmente ela
atravessará a bicamada lipídica.
Polaridade: como a natureza da bicamada lipídica é apolar, as
moléculas apolares têm muito mais facilidade para atravessar a bicamada
do que moléculas polares.
Carga: moléculas dotadas de carga, como os íons, embora
geralmente pequenas, não atravessam a bicamada lipídica.
Esses três fatores atuam em conjunto, de modo que as moléculas
que passam através da bicamada lipídica com mais facilidade são aquelas
bem pequenas, apolares e sem carga. Os melhores exemplos de moléculas
desse tipo são o CO2 e o O2. Entretanto, vários solventes orgânicos, como
o metanol, também se enquadram nessa categoria e são extremamente
prejudiciais às células.

Figura 9.1: Esquema da permeabili-


dade da bicamada lipídica frente
a diferentes moléculas.

Bicamada lipídica sintética

A uréia, o glicerol e a água são moléculas polares, mas ainda


pequenas e sem carga, e também atravessam a bicamada lipídica.
Já a glicose e a sacarose, embora sem carga, são polares e grandes
demais para passar pela bicamada lipídica.
CEDERJ 119
Biologia Celular I | Permeabilidade da membrana

Por último, os íons, como o Na+, K+ e Cl-, embora sejam moléculas


muito pequenas, são hidrofílicos, “prendendo” em volta de si uma grande
quantidade de moléculas de água (a chamada camada de solvatação),
o que aumenta muito o seu tamanho e os torna incompatíveis com a
natureza da bicamada lipídica.

Dê uma paradinha. Vá até a cozinha, prepare uma limonada, pegue umas batatinhas fritas
e, na volta, reveja estes conceitos de Bioquímica I:
• Molécula polar X molécula apolar
• Molécula hidrofílica X molécula hidrofóbica
• Íon
• Camada de solvatação
– ”Ah, não tem nada a ver!”
– “Como não? Já imaginou tomar limonada se o açúcar não dissolver na água? E a batata?
Fica horrível, encharcada de óleo de fritura!
Repare que esses conceitos fazem parte do nosso dia-a-dia.”

A concentração é o quarto fator que influencia a passagem de uma


molécula através da membrana. Assim, as moléculas de oxigênio atravessarão
a membrana para o meio intracelular apenas enquanto a concentração de
oxigênio no meio intracelular for menor que no meio extracelular. Isso
explica por que as plantas, que produzem oxigênio dentro de suas células,
liberam-no para a atmosfera, enquanto as células animais, que consomem
oxigênio, o absorvem do meio (Figura 9.2). Todo o processo ocorre sem que
a célula gaste energia (ATP). No box você observa como se dá a troca desses
gases entre os alvéolos pulmonares e as hemácias.

Hemácia nos capilares do pulmão:


a concentração de CO2 dentro
da célula é maior que no alvéolo,
portanto o CO2 SAI.
Já a concentração do O2 no meio externo
é maior que dentro da hemácia,
portanto ele ENTRA.

Capilar

Figura 9.2: A troca de gases entre os seres vivos e o meio ambiente é feita sempre
por difusão simples, obedecendo à diferença de concentração. Como a planta
está produzindo O2, ele é lançado ao meio ambiente. Já o animal consome
continuamente O2 e expira CO2, que é lançado ao meio ambiente e absorvido pela
planta, em cujas células a concentração é mais baixa.

120 CEDERJ
MÓDULO 2
9
Vimos, assim, que a permeabilidade seletiva da bicamada lipídica

AULA
nada tem a ver com a “utilidade” das moléculas para a célula, dependendo
apenas das características físico-químicas das mesmas.

DIFUSÃO SIMPLES

É o processo que acabamos de descrever: a passagem de substâncias


através da bicamada lipídica é chamada difusão simples. Observe o
esquema no boxe para entender melhor como funciona.
No caso de a molécula transportada ser a água, recebe o nome
de osmose.

OSMOSE

Na osmose, a água, que é o solvente universal tanto do meio


intracelular quanto do meio extracelular, se comporta como soluto.
A osmose pode ser observada em dois experimentos muito simples, que
você pode executar no pólo.

Experimento 1:
Material:
Luvas de látex descartáveis

Hemácias (sangue de camundongo ou outra cobaia)

Soro fisiológico

Sal de cozinha (NaCl)

Tubo de ensaio

Pipetas e bulbos

Lâminas e lamínulas

Microscópio óptico

Procedimento:
1. Sempre usando as luvas, recolha uma amostra (1 ml) do
sangue do animal num tubo contendo soro fisiológico (1 ml). Este
será o tubo 1. Misture, colha com a pipeta uma gota da mistura,
monte entre lâmina e lamínula e observe ao microscópio óptico. Qual
o formato das hemácias?

CEDERJ 121
Biologia Celular I | Permeabilidade da membrana

2. Retire 1 ml do conteúdo do tubo 1 e misture num outro


tubo contendo apenas água destilada. Esse será o tubo 2. Misture
e colha uma gota com a pipeta. Monte entre lâmina e lamínula e
observe ao microscópio óptico. Qual o formato das hemácias?
3. Retire 1 ml do conteúdo do tubo 1 e misture num outro
tubo (tubo 3) contendo 1 ml de soro fisiológico ao qual se adicionou
uma pitada de sal de cozinha. Misture e colha uma gota com a
pipeta. Monte entre lâmina e lamínula e observe ao microscópio
óptico. Qual o formato das hemácias?

Discussão dos resultados:

A solução do tubo 1 é chamada isotônica em relação ao citoplasma


das hemácias. A concentração de NaCl é igual à existente no citoplasma
das hemácias. Por isso, seu volume não sofreu alteração (Figura 9.3 B).
A do tubo 2 é hipotônica em relação ao citoplasma das hemácias.
A concentração de NaCl é menor que no citoplasma. Nessa situação a
água atravessou a membrana plasmática (Figura 9.3C) e as membranas
terminaram por se romper (Figura 9.3D).
No tubo 3, a solução é hipertônica em relação ao citoplasma das
hemácias. A concentração de NaCl é muito alta, as hemácias perderam
água e por isso murcharam (Figura 9.3A).
Nas três situações, o que atravessou a membrana das hemácias
não foram os íons Na+ e Cl-, já que a bicamada lipídica é impermeável
a eles. A água, que apesar de ser uma molécula polar não possui carga
e é bem pequena, atravessa a bicamada, sempre no sentido em que a
“concentração” da água estiver menor, isto é, para o compartimento
onde o NaCl estiver mais concentrado.

122 CEDERJ
MÓDULO 2
9
AULA
a b c d
Figura 9.3: Variações na forma e no volume de células submetidas a soluções de diferentes tonicidades.

EXPERIMENTO 2:
Material:
Uma cebola sem casca
Água destilada
Açúcar (sacarose)
Tubo de ensaio
Pipetas e bulbos
Lâminas e lamínulas
Microscópio óptico
Procedimento:
1. Puxe cuidadosamente uma película da superfície da
cebola. Estenda essa película sobre uma gota d’água colocada numa
lâmina e monte com uma lamínula. Observe e descreva o formato
das células ao microscópio.
2. Puxe uma outra película semelhante à primeira mas
monte sobre uma gota de uma solução saturada de açúcar em
água. Observe ao microscópio e descreva as alterações.

CEDERJ 123
Biologia Celular I | Permeabilidade da membrana

Discussão dos resultados:

Embora não tenham carga, as moléculas de açúcar (sacarose) são


muito grandes para atravessar a bicamada lipídica. Assim, para que a
concentração de sacarose dentro e fora da célula fique igual, a célula perde
água e sua membrana se descola da parede celular, murchando, embora
a parede não altere sua forma. A osmose é o mecanismo primordial pelo
qual as plantas absorvem do ambiente a água de que necessitam.

parede
celular

núcleo

membrana
plasmática

hipertônico isotônico hipotônico

Figura 9.4: Variações na forma de uma célula vegetal submetida a soluções de


diferentes tonicidades. Repare que a parede celular impede mudanças drásticas na
forma e no tamanho das células.

BÁSICO

A DIFUSÃO SIMPLES NÃO ATENDE


A TODAS AS NECESSIDADES DA CÉLULA

Embora todo o O2 e CO2 utilizados e produzidos por uma célula


passem através da membrana por difusão simples, esse não é, nem poderia
ser, o único processo de troca de substâncias entre a célula e o meio
extracelular. Não é possível imaginar que alterações da concentração
externa de íons levem as células a absorver água até romper ou, ao
contrário, provoquem seu murchamento. Também a produção de ATP
é dependente da absorção de moléculas como a glicose, incapaz de
atravessar a bicamada lipídica.
Qual será, então, o mecanismo que atende às diferentes necessidades
das diferentes células? É o que veremos na aula seguinte. Ao final da Aula
12, você encontrará o resumo e os exercícios referentes a esta aula.

124 CEDERJ
10
AULA
As proteínas transportadoras

Ao final desta aula, você deverá compreender o que são:


objetivos

• Proteínas transportadoras: carreadores e canais.


• Aquaporinas.
Biologia Celular | As proteínas transportadoras

PROTEÍNAS TRANSPORTADORAS

Dentre as proteínas presentes na membrana celular de todas


as células, destacam-se aquelas cuja principal função é permitir a
passagem das moléculas que não são capazes de atravessar a bicamada
lipídica. Todas as proteínas transportadoras possuem as seguintes
características:
1. Atravessam a bicamada lipídica de um lado ao outro, isto é,
são proteínas transmembrana.
2. São do tipo multipasso, isto é, sua seqüência de aminoácidos
atravessa muitas vezes a bicamada. Muitas proteínas transportadoras
são, na verdade, complexos de duas ou mais proteínas que terminam
por formar uma região hidrofílica na membrana, permitindo assim a
passagem de moléculas hidrofílicas.

Dê uma paradinha:
Se você acha que proteína multipasso é isso,
dê uma espreguiçada, endireite as costas
e volte à aula de proteínas de membrana (número 8)
para refrescar sua memória.

Proteína multipasso é aquela cuja cadeia polipeptídica atravessa


muitas vezes a bicamada lipídica.
3. São específicas para um tipo de molécula, isto é, um transportador
de glicose não transportará frutose, assim como a proteína que permite a
passagem de Na+ não pode ser usada para transportar K+ ou outro cátion.

B
A COMO ATUA UMA PROTEÍNA TRANSPORTADORA

As proteínas transportadoras se dividem em duas


grandes categorias, de acordo com seu modo de atuação:
carreadoras e canais.
As carreadoras (também chamadas carregadoras)
se ligam à molécula a ser transportada em um dos lados
da membrana e a liberam do outro lado (Figura 10. 1).

Figura 10.1: Princípio do funcionamento de um


carreador por mudança de conformação

126 CEDERJ
MÓDULO 2
10
Podem ser comparadas às enzimas, pois, como elas, ligam-se a um soluto

AULA
específico e sofrem alterações na sua forma até liberar esse soluto do outro
lado da membrana e reiniciar o processo com uma nova molécula; porém,
diferentemente das enzimas, não alteram o soluto que é transportado
por elas. Outro ponto importante é que cada unidade de uma proteína
carreadora transporta poucas moléculas do soluto por vez. Um bom
exemplo de carreador é a proteína que continuamente transporta a
glicose do sangue para dentro das células. Nos momentos em que um
determinado tipo celular necessita de maior aporte de glicose, isso é
feito aumentando o número de transportadores na membrana
das células, pois a velocidade com que um
carreador é capaz de atuar não se modifica.
Situações de esforço muscular, como uma
corrida, levam a esse tipo de situação;
entretanto, o tecido mais vulnerável
à falta de glicose é o nervoso.

As proteínas carreadoras podem


ser constituídas por complexos de
duas ou mais subunidades, como
dois carregadores que trabalham em
conjunto para transportar o móvel.

Já as proteínas do tipo canal atuam como comportas: ao se


abrirem, formam um poro ou canal pelo qual passa rapidamente um
enorme número de moléculas (Figura 10.2). Como a imensa maioria
dos canais transporta apenas íons, são também chamados canais iônicos.
É importante ressaltar que cada tipo de canal iônico é altamente
específico para um dado íon, o que os diferencia de um simples
poro aquoso.

Figura 10.2: Esquema de uma proteína do tipo canal no estado aberto.

CEDERJ 127
Biologia Celular | As proteínas transportadoras

Podemos fazer um paralelo entre o funcionamento de uma proteína carreadora e uma


proteína canal, comparando-as ao procedimento de descarga de um caminhão de areia:
se a areia vier em sacos, será necessário que os operários descarreguem saco por saco.
Se o caminhão for do tipo basculante e a areia não estiver ensacada, basta levantar a
caçamba e toda a areia será despejada de uma só vez. A primeira situação corresponde
ao transporte via carreadores − poucas unidades por vez num ritmo constante, enquanto
houver moléculas para serem transportadas. O caminhão basculante funciona como uma
proteína canal, abre-se por um pequeno intervalo de tempo e uma grande quantidade
de pequenas moléculas (os íons podem ser comparados aos grãos de areia) passa em
pouco tempo.

AS AQUAPORINAS

A passagem de água através da membrana das hemácias é muito


rápida (podendo mesmo levar ao seu rompimento), enquanto outros tipos
celulares, como os ovócitos de peixes e anfíbios, permanecem na água dos
rios e lagos sem absorver ou perder quantidades significativas de água.
A constatação e a pesquisa em torno desses fatos levou à descoberta de
um novo tipo de proteína transportadora: as aquaporinas.
Naturalmente, as proteínas dessa família estão ausentes da
membrana dos ovócitos desses animais, para evitar que eles arrebentem
quando lançados em água doce ou desidratem quando os ovos são postos
em água salgada.
As aquaporinas formam uma família de proteínas de membrana
específicas para a passagem de moléculas de água e já foram identificadas
na membrana de muitos tipos celulares, além das hemácias. Na membrana
dos túbulos coletores dos glomérulos renais (Figura 10.3), por exemplo,
ajudam a captar a maior parte da água perdida durante o processo de
filtragem do sangue, o que diminui o volume final de urina produzido.
Ao contrário dos canais iônicos, as aquaporinas permanecem abertas
o tempo todo, permitindo a passagem da água do meio mais diluído
(geralmente o extracelular) para o mais concentrado (o citoplasma).

128 CEDERJ
MÓDULO 2
10
O controle de sua atividade é feito de outra forma: quando a célula recebe

AULA
determinado tipo de estímulo (geralmente por parte de um hormônio),
moléculas de aquaporina que estavam armazenadas dentro da célula
são direcionadas a se inserir na membrana, acelerando a passagem de
água através dela.

Figura 10.3: No processo de filtração


do sangue, grande quantidade de
água é absorvida pelos túbulos renais,
ajudando a diluir as toxinas. Parte
dessa água é recuperada, voltando
para o sangue, através de aquaporinas
presentes na membrana do túbulo
distal. Com isso, o volume de urina
produzido diminui.

Túbulo renal Sangue

!
Ciência é vida!
Os portadores do diabetes do tipo 2 produzem grande quantidade de
urina, sempre muito diluída. Nesses indivíduos, a reabsorção de água
nos túbulos renais é deficiente justamente pela falta de aquaporinas
na sua membrana. Diversas outras doenças também estão associadas
ao mau funcionamento dessas proteínas.

!
Tudo é relativo Talvez você esteja se perguntando: serão as
aquaporinas carreadores ou canais? Pense no assunto; voltaremos
a ele na seção de exercícios.

Na próxima aula, vamos colocar as proteínas transportadoras para


funcionar. Você verá que, em sua aparente complexidade, os processos
de transporte obedecem a um número pequeno de regras, capazes de se
adequar a todas as situações da vida celular.

Na Aula 12 você encontra o resumo sobre transporte


através de membranas.

CEDERJ 129
11

5
a u l a
Transporte passivo

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de compreender o


OBJETIVOS significado e o funcionamento dos mecanismos de:
• Transporte passivo através de canais iônicos.
• Transporte passivo através de carreadores.

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Biologia Celular I | Transporte passivo

OS CANAIS IÔNICOS E O TRANSPORTE PASSIVO


Ao contrário dos carreadores, cuja atividade de transporte é
relativamente lenta e constante, os canais iônicos permanecem em geral
abertos apenas por algumas frações de segundo (lembre do exemplo
do caminhão basculante da aula anterior). Durante esse período, uma
verdadeira enxurrada de íons passa através deles, sempre a favor do
gradiente eletroquímico e de concentração. Isso quer dizer que os íons se
movem através dos canais iônicos sempre saindo do compartimento onde
sua concentração esteja maior para o compartimento onde ela seja menor.
Uma vez aberto o canal, não há dispêndio de energia para que os íons
passem. Por isso mesmo, esse tipo de transporte é chamado de passivo.
Se nesse ponto você lembrou que na difusão simples também
não há gasto de energia, você está absolutamente certo: a difusão
simples também é considerada um tipo de transporte passivo, embora
não haja proteínas envolvidas neste caso.

!
Assim como nos canais iônicos, as
pessoas espremidas numa saleta
também tendem a se espalhar,
quando uma porta para um
compartimento mais espaçoso
é aberto.

130 CEDERJ

Aula_11.indd 130 17/6/2004, 12:07:53


11 MÓDULO 2
O QUE LEVA UM CANAL IÔNICO A ABRIR-SE?

Cada canal iônico responde (= se abre) a um tipo de estímulo

AULA
(Figuras 11.1, 11.2 e 11.3). Esse estímulo pode ser um ligante,
uma sensibilidade do canal a alterações de voltagem ou a um estímulo
mecânico.
Nos canais ativados por ligante, uma molécula se liga ao canal
e induz uma mudança no formato da molécula que abre a comporta
(Figura 11.1A e 11.1B). Um bom exemplo de ligante é a adrenalina
(vide box). Quando ficamos nervosos ou com medo, essa substância é
liberada na corrente sangüínea e, ao encontrar canais iônicos que são
ativados por ela na superfície de vários tipos de célula, dispara processos
químicos que resultam na aceleração dos batimentos cardíacos, no
suor frio e outros sintomas relacionados a essas situações. Repare no
esquema: há canais que são abertos por ligantes extracelulares (como a
adrenalina) e outros por ligantes produzidos na própria célula, ou seja,
são abertos por dentro (Figura 11.1B).

MEIO EXTRACELU

MEIO INTRACELU

Figura 11.1: Para alguns


canais, o ligante que o
abre é uma substância que
vem de fora da célula (A).
Em outros casos, o canal é
aberto por uma substância
presente no interior da
própria célula (B).

!
Ter um ataque de nervos no trânsito
abre vários canais iônicos dependentes
de adrenalina.

CEDERJ 131

Aula_11.indd 131 17/6/2004, 12:08:00


Biologia Celular I | Transporte passivo

Uma alteração no potencial elétrico da


membrana leva à abertura dos canais ativados
por voltagem (Figura 11.2). Estes existem em
grande número nas células musculares (vide
boxe), e é por conta disso que a musculatura
se contrai quando levamos um choque.

Figura 11.2: A inversão na distribuição de


cargas entre os dois lados interno e externo da
membrana provoca a abertura dos canais ativados
por voltagem.

!
A atividade muscular depende
tanto de canais que se abrem por
ligante como de canais ativados
por voltagem.

!
Já na atividade cerebral
participam muitos canais
dependentes de voltagem.

132 CEDERJ

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11 MÓDULO 2
Algumas plantas insetívoras possuem pêlos que, ao serem
pressionados por uma presa em potencial, disparam a abertura de canais

AULA
iônicos sensíveis a estímulos mecânicos, levando a folha a fechar-se,
aprisionando o inseto ((Figura 11.3).

Figura 11.3: Algumas plantas, como a Dionaea,


possuem canais iônicos sensíveis a estímulos
mecânicos que, quando abertos, causam o
fechamento das folhas.

Você já deve ter notado que grande parte dos exemplos que temos
utilizado nesta aula se refere aos tecidos chamados excitáveis, isto é, músculos
e nervos. Os tipos celulares desses tecidos necessitam responder rapidamente
a estímulos. Isso é conseguido quando, em reposta a um estímulo, abrem-se
canais e por eles passam grandes quantidades de íons em pequeno intervalo
de tempo.
No estado de repouso, a membrana dessas células se encontra polarizada.
Isto é, há um acúmulo de cátions (especialmente Na+ e K+) no meio extracelular.
Em conseqüência, o meio intracelular é negativo em relação ao extracelular.
Essa diferença de cargas (chamada potencial de membrana) é mantida pelo
transporte ativo desses cátions, a ser estudado na Aula 12.

Meio extracelular++++++++++++++ Meio extracelular++++----++++++

Meio intracelular---------------------- Meio intracelular------++++---------


Membrana em repouso Membrana despolarizada

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Biologia Celular I | Transporte passivo

O QUE LEVA UM CANAL IÔNICO A SE FECHAR?

Em condições normais, os canais iônicos permanecem abertos por


intervalos de tempo da ordem de milissegundos (milésimos de segundo).
No caso dos canais ativados por ligantes, essa ligação rapidamente se
desfaz, e o canal passa a um estado inativo chamado período refratário,
durante o qual ele não se abrirá, mesmo na presença do estímulo específico.
Esse período refratário é observado em todos os canais iônicos, mesmo
nos ativados por voltagem (Figura 11.4).

inativo aberto

Figura11.4: Os canais iônicos permanecem fechados no estado de repouso. Uma vez


abertos, rapidamente passam para um estado inativo, ou refratário. Nesse estágio, mesmo
que sejam estimulados, não se abrirão.

A propagação de um estímulo pela abertura de sucessivos canais


iônicos através da membrana das células nervosas é muito rápida e
eficiente (Figura 11.5). A existência do período refratário impede
que o estímulo "volte", reativando antes do tempo, e sem necessidade,
trechos da membrana já percorridos.

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11 MÓDULO 2
Figura11.5: A propagação
de um estímulo nervoso
percorre a membrana
do neurônio (A). As

AULA
figuras B e C mostram
o percuso do estímulo
ao longo de um trecho
da membrana, onde se
abrem sucessivamente
canais iônicos ativados
por voltagem (B). Os
canais abertos criam
uma área de inversão
da voltagem que induz
à abertura dos canais
vizinhos. Enquanto os
canais recém-ativados
se encontram no estado
inativo (área sombreada),
impedindo que o estímulo
dê "marcha à ré", os
canais à frente abrem-se,
permitindo a propagação
do estímulo no sentido
correto.

O TRANSPORTE PASSIVO NÃO OCORRE SÓ NOS CANAIS IÔNICOS


Duas condições definem o transporte passivo:
1. Sempre ocorre a favor do gradiente (do lado onde o soluto está
mais concentrado para o lado onde está menos concentrado).
2. Não há dispêndio de energia.
Embora todos os canais iônicos façam transporte passivo, é
importantíssimo considerar que várias proteínas carreadorass também
transportam seus solutos a favor do gradiente de concentração e sem gasto
energético, isto é, fazem transporte passivo ((Figura 11.6
6). O transportador
de glicose da maioria das células é um carreador do tipo passivo.

Figura 11.6: O transporte


passivo ocorre tanto
através de carreadores
como de canais. O essencial
é que não há gasto de
energia e o caminho é
sempre no sentido de
igualar a concentração da
molécula nos dois lados da
membrana.

CEDERJ 135

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Biologia Celular I | Transporte passivo

A glicose é o principal combustível utilizado pelas células para produção


de energia (A). Além de sua quebra constante no meio intracelular criar um
gradiente de concentração em que sua absorção pela célula é favorecida,
a célula também é capaz de transformar a glicose que não será utilizada
imediatamente em glicogênio (no caso de células animais) ou amido (nas
células vegetais) . Essas estratégias favorecem a formação de um gradiente de
entrada de glicose nas células. Se não houver glicose disponível para entrar na
célula, os estoques formados anteriormente, serão disponibilizados (B).

CONCLUSÃO

Podemos comparar o transporte passivo a um caminhão sendo


esvaziado. No caso dos canais iônicos, seria um caminhão basculante,
que descarrega toda a areia de uma vez. Já no caso dos carreadores,
os trabalhadores precisam descarregar saco por saco. O que há de
comum nos dois processos é que ele é feito do compartimento onde
há areia (o caminhão), para onde há menos (fora do caminhão). Já
para encher o caminhão, a história será outra...

Pense só quantos "problemas" da célula já resolvemos até agora:


o transporte de gases (CO 2 e O 2), a aquisição de nutrientes como
a glicose, a propagação de estímulo ner voso por canais iônicos...
Pois é, mas isso não resolve tudo, veremos na próxima aula situa-
ções que o transporte passivo por si só não pode solucionar.

Na Aula 12 você encontra o resumo sobre transporte


através de membranas.

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12

5
a u l a
Transporte ativo

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de saber o


OBJETIVOS significado de:
• Transporte ativo;
• Bomba de sódio/potássio;
• Uniporte, simporte e antiporte;
• Proteínas de multirresistência a drogas.

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Biologia Celular I | Transporte ativo

TRANSPORTE ATIVO. PARA QUÊ?

Numa célula que, ao longo de um determinado período, realize


apenas transporte passivo, a distribuição de íons dos meios intracelular
e extracelular tenderá a ser idêntica (Figura 12.1). Como a tonicidade
do meio intracelular resulta da concentração de íons, proteínas solúveis
e açúcares do citosol, essa célula tenderá a tornar-se hipertônica em
relação ao meio externo, acarretando a absorção de água por osmose e
um aumento de seu volume que poderá levar ao rompimento.
Além disso, com o equilíbrio entre os meios intra e extracelular,
o transporte iônico simplesmente não ocorrerá. Como devolver ao
compartimento de origem os íons que passaram pelos canais iônicos? A
resposta funcional a esse dilema é o transporte ativo.

Figura 12.1: Se apenas os


canais iônicos promovessem
o transporte de íons, em
pouco tempo haveria uma
distribuição uniforme de
cargas dentro e fora da
célula e a diferença de
cargas entre o lado interno
e o externo da membrana
celular seria zero.

!
A harmonia do desequilíbrio:
Assim como uma bicicleta só se mantém equilibrada nas duas rodas se estiver
em movimento, a vida celular também requer atividade constante. Por
exemplo, no caso dos neurônios, o que indica se seu estado é de repouso ou
atividade é a diferença de cargas nos lados interno e externo na membrana
celular. Quando a célula está em repouso, o exterior é positivo em relação ao
meio interno. Em atividade, essa polaridade se inverte momentaneamente e o
interior se torna positivo. Essa mudança de carga se faz pela passagem de íons
(principalmente Na+ e K+). Se a distribuição de íons fosse igual nos dois lados
da membrana, a célula “não saberia” em que estado se encontra.

Tal como um ciclista que precisa manter constantemente o equilíbrio


pedalando, a célula está constantemente alterando a composição iônica dos
meios intra e extracelular, mantendo-se num equilíbrio dinâmico.

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12 MÓDULO 2
O QUE É TRANSPORTE ATIVO

O transporte ativo (Figura 12.2) contrapõe-se ao passivo em

AULA
seus dois postulados básicos:
1. dá-se sempre contra o gradiente de concentração do soluto que
está sendo transportado;
2. requer gasto energético (ATP) por parte da célula.

Figura 12.2: No transporte ativo, a substância é trans-


portada por um carreador contra o seu gradiente
eletroquímico, ou seja, do compartimento onde está
em menor concentração para onde já existe em maior
quantidade.

A esses postulados acrescenta-se mais uma norma: apenas


proteínas do tipo carreador são capazes de realizar transporte ativo.
Este mantém um desequilíbrio dinâmico entre os meios
intracelular e extracelular, especialmente com relação aos íons.
Enquanto a abertura dos canais iônicos tende a uniformizar a
distribuição intra e extracelular de ânions e cátions, além de aumentar
a tonicidade do ambiente intracelular, a expulsão seletiva de íons por
transporte ativo traz duas conseqüências:
1. equilíbrio da tonicidade do meio intracelular, impedindo a
absorção excessiva de água por osmose (controle do volume
Figura 12.3: Devido à presença
de íons, proteínas, açúcares e celular) (Figura 12.3);
outras moléculas em solução
no citoplasma, além do espaço
Água Vacúolo
ocupado pelas organelas, sua Parede celular contrátil Núcleo ÍONS
concentração é sempre maior
que a do meio extracelular.
Por isso mesmo, há uma
natural tendência de que as
células absorvam água por
osmose. A absorção excessiva
de água é evitada por vários
mecanismos: (A) a presença de
uma parede celular semi-rígida Vacúolo
nos vegetais, (B) vacúolos
contráteis em protozoários e (A) CÉLULA VEGETAL (B) PROTOZOÁRIO (C) CÉLULA ANIMAL
(C) a expulsão ativa de íons nas
células eucariontes em geral.

CEDERJ 139

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Biologia Celular I | Transporte ativo

2. estabelecimento de uma distribuição diferenciada de íons


(gradiente) entre os meios intra e extracelular.
Numa célula típica em repouso, a quantidade de Na+ intracelular
é 10 a 30 vezes menor do que no meio extracelular, enquanto a
quantidade de K+ é cerca de 30 vezes maior no meio intracelular que
no meio extracelular. Considerando, além desses cátions majoritários,
outros íons como Cl-, Mg++, Ca++ e PO4--,o ambiente intracelular é
negativo em relação ao meio extracelular (Figura 12.4).

Figura 12.4: Numa membrana em repouso,


há mais cátions no lado extracelular que no
citoplasma. Portanto, o meio externo é positivo
em relação ao meio interno.

Devido a essa distribuição diferenciada de cargas, dizemos


que a membrana plasmática é polarizada. Dizemos que a membrana
está em repouso enquanto for mantida essa polaridade (positiva fora,
negativa dentro) (Figura 12.5A).
A Quando os canais forem abertos e o
citoplasma for invadido por íons, estará ocorrendo uma despolarização
da membrana (Figura 12.5B). A despolarização sinaliza uma alteração
no estado funcional da célula. Por exemplo, se for uma célula muscular,
a conseqüência dessa mudança de sinal será a contração muscular. No
caso de uma glândula, pode ser esse o sinal para a secreção de um
hormônio, e assim por diante.

Meio extracelular Meio intracelular


Figura 12.5: (A) A diferença na distribuição
A de íons entre os lados intra extracelular da
membrana cria um potencial de membrana
onde o interior é negativo em relação ao
exterior.
(B) Quando se abrem os canais iônicos, os
íons movem-se a favor de seu gradiente
eletroquímico, invertendo a distribuição
de cargas entre os dois lados da membrana.
B

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12 MÓDULO 2
Quando um determinado estímulo leva à abertura de canais
iônicos para Na+ e K+, a rápida entrada no citoplasma de uma grande

AULA
quantidade de íons Na+ e a evasão de uma quantidade também
considerável de íons K+ para fora da célula provocam a despolarização.
Como no balanço final a entrada de cátions é maior que a saída, o meio
interno se torna positivo em relação ao meio externo.
Até este ponto, descrevemos eventos que dependem apenas da
abertura de canais, isto é, transporte passivo. O papel do transporte ativo
será fazer com que a célula retorne ao estado de repouso, ou seja, refazer
a distribuição dos íons de modo que o meio intracelular seja negativo
em relação ao meio extracelular, mesmo que isso signifique deslocar
íons do compartimento onde eles estão em menor concentração para
outro onde sua concentração seja maior. A repolarização (retorno ao
estado polarizado) da membrana é feita por um sistema de transporte
ativo chamado de bomba de sódio/potássio.

Dê uma paradinha:
O transporte ativo, energeticamente falando, é sempre
feito ladeira acima. Isto é, enquanto para descarregar um
caminhão de areia basta erguer a caçamba e despejar o
conteúdo, para enchê-lo serão necessários vários operários
com pás.

Outra boa comparação seria um escorregador: descer


por ele não requer nenhum esforço; já a subida...

CEDERJ 141

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Biologia Celular I | Transporte ativo

A BOMBA DE SÓDIO/POTÁSSIO
A bomba de Naa+/K
K+ é um dos sistemas de transporte ativo mais
estudados e mais bem conhecidos. A Figura 12.6
6 resume suas principais
características funcionais.

Meio Intracelular

Figura12.6: A bomba de Na+/K


K+ é um complexo protéico formado por duas
subunidades. Na maior delas estão o sítio catalítico (intracelular)
onde ocorre a hidrólise do ATP e os locais por onde passam os
íons Na+ (para o meio externo) e K+ (para o meio intracelular).
Para cada 3Na+ que saem, entram 2K+ e uma molécula de ATP é
hidrolisada a ADP e Pi.

A energia de cada molécula de ATP que é hidrolisada a ADP e


Pi (fosfato inorgânico) é utilizada para bombear três íons Na+ para fora
da célula e dois íons K+ para dentro. Acredita-se que o processo envolva
inicialmente a ligação do Na+ pelo lado interno da subunidade do
complexo protéico, seguida da hidrólise do ATP. A energia resultante
provoca uma mudança na forma dessa subunidade que resulta: (a)
na liberação do Na+ no lado externo da membrana, (b) na ligação
do K+ também pelo lado extracelular. A ligação do K+ à subunidade
leva à liberação do Pi. Sem o Pi, a subunidade novamente muda de
conformação, levando à liberação do K+ no citoplasma e ao reinício do
processo. A Figura 12.7 ilustra as principais etapas desse ciclo.

142 CEDERJ

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12 MÓDULO 2
AULA
Figura12.7: O funcionamento da bomba de sódio/potássio decorre de mudanças na forma do complexo
protéico que a constitui. (1) Inicialmente se ligam 3 íons Na+ pelo lado citoplasmático da membrana
(apenas um está representado). (2) Nesse ponto, ocorre a hidrólise do ATP em ADP e Pi de alta energia.
(3) Essa energia será utilizada em nova mudança de forma da molécula e conseqüente expulsão
do Na+ . (4) A seguir, ligam-se pelo lado externo dois íon K+ (apenas um está representado). Essa (5) nova
ligação induz a liberação do Pi, cuja energia já foi gasta, e nova mudança de conformação da
molécula para o estado inicial, quando poderá se ligar a novos íons Na+ e reiniciar o ciclo.

Repare que cada etapa leva a uma mudança conformacional da


proteína transportadora que dispara a etapa seguinte. Se o ciclo for
interrompido em algum ponto, todo o mecanismo de bombeamento
ficará bloqueado. É o que acontece com a ouabaína, uma droga extraída
de uma planta africana. Seu efeito tóxico consiste justamente em ligar-
se ao local normalmente ocupado pelo K+ na molécula. Sob seu efeito,
a bomba de Na+/K
K+ é paralisada.

As sinistras proteínas MDR

Certos transportadores ativos são especializados em expulsar ativamente


substâncias tóxicas para as células. Essas proteínas continuam presentes
em células que se tornam cancerosas. Após algum tempo, as células
malignas aprendem a reconhecer e expulsar os remédios que são usados
na quimioterapia, fazendo com que o tratamento não funcione, mesmo
se a dosagem das drogas for aumentada. Essas proteínas são chamadas de
proteínas de multirresistência a drogas, ou MDR (do nome em inglês). Esse
tipo de transporte ativo (gasta ATP!) também se desenvolve em parasitas
como o Plasmódio, causador da malária, que já possui várias cepas
resistentes aos remédios utilizados no tratamento da doença.

CEDERJ 143

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Biologia Celular I | Transporte ativo

UNIPORTE, SIMPORTE, ANTIPORTE

A bomba de Naa+/K
K+ é uma proteína carreadora através da qual
passam, em sentidos opostos, dois íons diferentes (o sódio e o potássio).
Já o transportador de glicose, também uma proteína carreadora,
transporta apenas um tipo molecular. Essas características levaram ao
agrupamento das proteínas carreadoras em três grupos: as que fazem
uniporte, as que fazem simporte e as do grupo antiporte ((Figura 12.8).
As proteínas uniporte transportam apenas um tipo de molécula.
É o caso do transportador de glicose presente na membrana da maioria
das células.
Na superfície voltada para a luz, as células do epitélio intestinal possuem
uma proteína transportadora de glicose que carreia simultaneamente íons
sódio. Chama-se a isso simporte ou co-transporte. Veja no boxe da página
145 as vantagens desse tipo de transporte para a célula. Já na bomba de Naa+/
K+ também ocorre a passagem de duas moléculas distintas, mas em sentidos
opostos. A isso chamamos antiporte.

Figura12.8: Alguns carreadores levam apenas um tipo de molécula (uniporte); outros


realizam o transporte de duas espécies moleculares diferentes, que pode ser no mesmo sentido
(simporte) ou em opostos (antiporte).

DIFUSÃO FACILITADA OU TRANSPORTE ATIVO SECUNDÁRIO

O alimento que ingerimos é absorvido pelas células que


revestem o intestino delgado – o epitélio intestinal (Figura 12.9).
Durante a digestão, essas células devem absorver grandes quantidades
de glicose da luz intestinal e distribuí-la pelo resto do organismo. Essa
absorção é feita por um mecanismo de simporte entre sódio e glicose.

144 CEDERJ

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12 MÓDULO 2
Esse tipo de transporte existe apenas na superfície apical das células e força
que a glicose seja sempre transportada da luz para o citoplasma, pois devido

AULA
à ação da bomba de Naa+/K
K+ o gradiente de concentração do sódio é sempre
muito maior no meio externo, favorecendo sua entrada na célula juntamente
com a glicose. Esse tipo de transporte é chamado de difusão facilitada ou
transporte ativo secundário, pois embora não dependa diretamente de ATP
e obedeça ao gradiente de concentração do Naa+, depende do funcionamento
da bomba de Naa+/K
K+, um transportador ativo. Esse mecanismo impede que
as células intestinais percam glicose em direção à luz intestinal nos períodos
de jejum. Essa situação já foi comentada quando estudamos os domínios de
membrana (Aula 8). A célula do epitélio intestinal possui então dois domínios:
o apical, onde existem as microvilosidades e o co-transportador de sódio e
glicose e o domínio basolateral, onde o transportador de glicose é do tipo
uniporte.

Figura12.9: A existência de dois transportadores diferentes para a glicose no


epitélio intestinal tanto impede a concentração excessiva de glicose nessas
células durante a fase de absorção da luz intestinal quanto a perda de glicose
para a luz intestinal nos períodos de jejum. Nessa fase, a célula estará recebendo
glicose pelos transportadores uniporte do domínio basolateral. Assim,
a concentração citoplasmática de glicose nessas células será sempre superior
à do meio extracelular, como indica o sombreado da seta à direita.

CEDERJ 145

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Biologia Celular I | Transporte ativo

TRANSPORTE INTRACELULAR E TRANSPORTE TRANSCELULAR

A maior parte da glicose (e de todos os nutrientes) que as células


do epitélio intestinal absorvem apenas atravessa essas células a caminho
da circulação. Esse fenômeno é chamado de transporte transcelular.
Além desse, temos o transporte intracelular, quando moléculas são
levadas de um compartimento celular para outro (do núcleo para o
citosol, por exemplo) e o transporte celularr propriamente dito, em
que as moléculas são transportadas para dentro ou para fora das células
através da bicamada ou das proteínas de membrana.

!
A receita de soro caseiro
(1 colher de chá de sal e 1
colher de sopa de açúcar em
1 litro de água), utilizada para
reidratação oral de pessoas
com diarréia, se baseia no
simporte de Na+ e glicose
que ocorre no intestino. A
absorção do Na+ (do cloreto de
sódio) e da glicose derivada do
açúcar aumenta a tonicidade
do citoplasma das células
intestinais, fazendo com que
a água seja absorvida por
osmose.

OUTROS TIPOS DE TRANSPORTE ATIVO

Embora o sistema da bomba de Na+/K


K+ seja o mais conhecido e
mais bem estudado, muitos outros sistemas de transporte ativo mantêm
o saudável desequilíbrio entre os diferentes compartimentos intra
e extracelulares.
1. Nas membranas do retículo endoplasmático liso, um transportador
ativo de Caa++ bombeia esse cátion do citoplasma para o interior do retículo.
O Caa++ dispara vários eventos celulares, como por exemplo a contração
muscular. Para que o músculo volte ao estado de relaxamento, é necessário
que todo o Caa++ seja recolhido novamente ao retículo, caso contrário o
músculo permanecerá contraído, fenômeno conhecido por tetania.
2. Em vários microorganismos e bactérias existe uma bomba
de prótons, as H+ ATPases, ou próton-ATPases. Elas funcionam como
a bomba de Na+/K
K+, expulsando íons H+ (prótons) às custas de ATP.

146 CEDERJ

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12 MÓDULO 2
Em compensação, quando os H+ acumulados em um dos lados da
membrana retornam, passando por uma proteína específica, ocorre a

AULA
síntese de ATP para a bactéria.
3. As proteínas de multirresistência a drogas, já comentadas
anteriormente, fazem parte de uma grande família de transportadores
ativos, as proteínas ABC (de ATP
A Binding Cassete, uma sequência
de aminoácidos presente nas proteínas dessa família que se ligam ao
ATP, necessário para que o transporte através delas seja realizado).
As proteínas dessa família atuam tanto no transporte de íons como de
pequenas moléculas, participando de processos de detoxificação por
várias drogas de natureza lipídica.
A importância dos transportadores ABC pode ser bem avaliada no
caso da fibrose cística, uma anomalia genética relativamente comum. Nos

portadores dessa doença o gene que codifica um transportador de Cll é
defeituoso, ou inexistente, acarretando profundos desbalanceamentos no
equilíbrio hídrico e eletrolítico do indivíduo. Esses sintomas se manifestam
como alta concentração de sal no suor, alta viscosidade do muco que
reveste as vias respiratórias, ocasionando obstrução delas, e muitos outros
que diminuem a qualidade e a expectativa de vida dos afetados.

OUTROS TIPOS DE ANTIPORTE

Nem todo antiporte é feito com gasto de energia. A manutenção


do pH ótimo nos diversos compartimentos celulares depende de
alguns mecanismos de antiporte que funcionam a favor do gradiente de
concentração. Muitas células possuem em sua membrana plasmática uma
proteína antiporte que regula o pH citoplasmático da seguinte forma: o pH
citoplasmático deve permanecer em torno de 7,0; assim, se o aumento da
concentração de H+ levar à queda do pH, este será trocado por Naa+, sempre
muito abundante no meio extracelular por conta da bomba de Naa+/K
K+.
Um sistema antiporte também aumenta a eficiência do transporte
do CO2 retirado das células pelas hemácias. Ao difundir-se para dentro
das hemácias, o CO2 é convertido em HCO3-- (íon bicarbonato). Nessa

forma ele é mais solúvel no sangue que o CO2 e é trocado por Cl pelo
antitransportador aniônico presente na membrana das hemácias,
chamado de banda 3. Assim, uma quantidade muito maior de CO2
pode ser transportada livre no sangue (na forma de bicarbonato) e não
apenas no interior das hemácias (Figura 12.10).

CEDERJ 147

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Biologia Celular I | Transporte ativo

Figura 12.10: O CO2 produ-


zido pelos tecidos passa
por difusão simples para o
interior das hemácias (A).
Na hemácia (B) o CO2 se
transforma em HCO3- (íon
bicarbonato) e é trocado
por CL- através da proteína
antiporte banda 3.

A B

RESUMO

• A bicamada lipídica das membranas celulares é altamente impermeável à maioria das


moléculas hidrossolúveis e a todos os íons. A transferência de nutrientes, metabólitos
e íons através da membrana plasmática e membranas intracelulares é feita através de
proteínas transportadoras.
• As membranas celulares contêm várias proteínas transportadoras, cada uma das quais é
responsável pela transferência de um soluto específico através da membrana. Existem
duas classes de proteínas transportadoras: carreadoras e canais.
• O gradiente eletroquímico representa a força direcional de um íon resultante de seu
gradiente de concentração e do campo elétrico.
• No transporte passivo, um soluto não carregado move-se a favor do gradiente
de concentração, do lado em que está mais concentrado para o lado em que
está menos concentrado, enquanto um soluto carregado move-se a favor de seu
gradiente eletroquímico.
• No transporte ativo, um soluto não carregado move-se contra o gradiente de concentração; um
soluto carregado move-se contra o gradiente eletroquímico; esse processo requer energia.
• As proteínas carreadoras ligam-se a solutos específicos (íons inorgânicos, pequenas
moléculas orgânicas ou ambos), fazendo com que atravessem a membrana através de
mudanças em sua conformação que expõem o sítio de ligação do soluto a um lado da
membrana e a seguir ao outro.
• As proteínas carreadoras podem agir como bombas para transportar o soluto “ladeira
acima”, contra o gradiente eletroquímico, utilizando energia derivada da hidrólise de ATP,
pelo fluxo de íons como Na+ e H+, ou pela luz.
• A bomba de Na+/K
K+ da membrana de células animais é uma ATPase que transporta
ativamente Na+ para fora da célula e K+ para dentro, mantendo um gradiente de Na+
através da membrana que é utilizado para promover o transporte de outras moléculas e
para transmitir sinais elétricos.

148 CEDERJ

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12 MÓDULO 2
• As proteínas do tipo canal formam poros aquosos através da bicamada lipídica, por onde os
solutos podem se difundir. Enquanto o transporte pelas proteínas carreadoras pode ser

AULA
ativo ou passivo, o transporte através dos canais é sempre passivo.
• A maior parte das proteínas do tipo canal é de canais iônicos seletivos que permitem
a passagem de íons inorgânicos específicos de acordo com seu tamanho e carga. O
transporte através desses canais é pelo menos 1.000 vezes mais veloz que o transporte
através de qualquer carreador conhecido.
• A maior parte dos canais iônicos só se abre sob determinados estímulos, como a alteração
do potencial de membrana (ativados por voltagem) ou a ligação de uma molécula
específica (ativados por ligante).

EXERCÍCIOS

1. Marque certo ou errado e justifique:


a) A membrana plasmática é impermeável a moléculas carregadas. ( )
b) Proteínas canal ligam-se aos solutos que vão transportar. ( )
c) Apenas o transporte passivo é capaz de manter o equilíbrio celular. ( )
d) O transporte através de carreadores é mais rápido que através de canais ( )
e) Simporte e antiporte são a mesma coisa. ( )

2. Comente a frase a seguir: “Podemos comparar o transporte através de um canal ao de um


carreador a encher uma garrafa com grãos de feijão usando um funil ou uma colher.”

3. Por que alguns autores chamam o simporte de Na+ e glicose através da membrana de
“transporte ativo secundário” se não há consumo de ATP no processo?

4. O que são aquaporinas? Qual sua importância nos dutos coletores das células renais?

5. Releia o texto. Enumere os tipos de transportadores de Na+ citados e o sentido de


sua atividade.

6. Comente a frase: “Dizer que a membrana é dotada de permeabilidade seletiva é dizer que
através dela só passam as moléculas de que a célula necessita.”

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Receptores de membrana

13
AULA
e princípios de
sinalização celular I
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de :


• Entender como e por que as células se comunicam.
• Reconhecer os principais tipos de sinalização entre células.
• Conceituar ligante e receptor.
• Entender como moléculas hidrofóbicas atuam na
sinalização.
• Entender como moléculas que não atravessam
a membrana podem transmitir informação para o
ambiente intracelular.
Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular I

INTRODUÇÃO Em organismos multicelulares, é essencial que as células se comuniquem,


possibilitando ações coordenadas. Essa comunicação se dá através de moléculas
que uma determinada célula produz e coloca no meio extracelular para serem
então percebidas pelas outras células.
Se compararmos a comunicação entre células com a comunicação
entre as pessoas, o assunto fica mais claro: a forma mais fácil de duas pessoas
se comunicarem é pela linguagem verbal. Alguém diz uma frase que contém
certa informação. Para que outra pessoa receba essa informação corretamente,
é preciso primeiro que essa pessoa possa ouvir. Depois é preciso que ela entenda
o idioma usado pela pessoa que disse a frase, só a partir daí o sentido da frase
passa a valer.
Entre células, “dizer uma frase” não significa emitir um som, mas
liberar no meio extracelular uma ou mais moléculas. Para que a informação
seja transmitida, é preciso que as outras células possam “ouvir”, ou seja,
é preciso que as outras células tenham receptores capazes de perceber a
presença daquela molécula no meio extracelular. Além disso, é necessário
que as células que apresentam os receptores tenham condições de
decodificar a informação recebida, ou seja, “entendam o idioma”. Vamos
chamar a célula que lançou a molécula de célula sinalizadora, a molécula
que leva a informação de ligante e a célula que percebeu a presença do
ligante no meio de célula-alvo (Figura 13.1).
Nem sempre o ligante é lançado no meio, ele pode permanecer
exposto na membrana da célula sinalizadora, que precisa estar próxima o
suficiente da célula-alvo para que haja contato com o receptor (Figura 13.1).
Um sinal pode, portanto, alcançar apenas células vizinhas, se ele permanece
ligado à membrana da célula sinalizadora. Mas se ele for secretado (isto
é, lançado no meio extracelular), poderá se difundir e alcançar células
próximas ou mesmo outras muito distantes, se ele for transportado pela
corrente sanguínea.

Figura 13.1: A célula sinalizadora


e a célula-alvo podem, ou não,
entrar em contato.

8 CEDERJ
13 MÓDULO 3
Tipos de sinalização

De acordo com a meia vida (veja o boxe) da molécula sinalizadora e de quais células

AULA
possuem receptores para aquele sinal, podemos classificar os tipos de sinalização como:
a) Parácrina – a molécula sinalizadora tem vida curta e os receptores estão nas células
próximas (Figura 13.2.a). Nesse caso, a molécula sinalizadora é chamada de mediador local.
b) Autócrina – a molécula sinalizadora tem vida curta e o receptor está na própria célula que
emitiu o sinal. Para você entender melhor, compare a sinalização autócrina com algumas coisas
que nós fazemos, como colocar um bilhete para nós mesmos a fim de não esquecer de fazer alguma
coisa, ou anotar um compromisso na agenda, ou colocar o despertador para tocar na hora que queremos
acordar. Todos esses exemplos são sinais que colocamos e nós próprios percebemos; somos, assim,
tanto emissores como alvos dos mesmos sinais, que são, portanto, autócrinos (Figura 13.2.b).
c) Dependente de contato – a molécula sinalizadora não é secretada, ficando exposta na
superfície da célula sinalizadora, e a célula-alvo precisa fazer contato para que o receptor possa se
ligar (Figura 13.1).
d) Endócrina – a molécula sinalizadora tem vida longa, é lançada na corrente sanguínea
e vai atingir células-alvo em locais distantes. Nesse caso, a molécula sinalizadora é chamada de
hormônio (Figura 13.2.d).
e) Neuronal é um caso
especial de sinalização entre células
que poderia ser classificado como
parácrino ou endócrino. Nessa
situação, a molécula sinalizadora,
chamada neurotransmissor, viaja
grandes distâncias, mas não no
sangue ou no meio extracelular
e sim dentro de prolongamentos
celulares dos neurônios, os
axônios, indo atingir a célula-
alvo longe do corpo celular do
neurônio que emitiu o sinal,
mas próximo do axônio onde
a molécula sinalizadora foi
secretada (Figura 13.2.c).

Figura 13.2: Tipos de sinalização entre


células: parácrina (a), autócrina (b),
neuronal (c) e endócrina (d).

CEDERJ 9
Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular I

A meia-vida de uma substância é o tempo que leva para que uma


determinada quantidade dela perca metade de sua atividade. Esta medida
da atividade é muito utilizada para compostos radioativos, mas também se
aplica a hormônios, drogas e outras moléculas com atividade em sistemas
bioquímicos. Algumas substâncias sinalizadoras, como o neurotransmissor
acetilcolina, se degradam alguns milissegundos após serem secretadas. Já
alguns hormônios permanecem ativos na circulação por várias semanas,
antes de serem degradados.

Um sinal pode gerar muitas respostas diferentes

Quando a molécula sinalizadora é secretada no meio extracelular,


ela entrará em contato com várias células, mas apenas um pequeno
número restrito delas responderá ao sinal, porque apenas algumas
expressam o receptor capaz de reconhecer a molécula sinalizadora
(Figura 13.3.a).
a

Várias células sinalizadoras

ue
ng
Sa
Figura 13.3: (a) Na corrente sanguínea circulam
muitos hormônios, secretados por diferentes
células, que atingirão várias células, mas só
Hormônios Várias células-alvo algumas expõem o receptor adequado. (b) Do
Várias células sinalizadoras mesmo modo, um neurônio possui diferentes
b prolongamentos para alcançar as células que
possuem os receptores capazes de reconhecer
o neurotransmissor.

Várias células-alvo

Um exemplo disso é novamente o neurotransmissor acetilcolina,


que serve de sinalizador para células-alvo diversas, que reagem de modo
diferente ao mesmo sinal: uma célula muscular esquelética vai se contrair
quando seu receptor de acetilcolina reconhecer esse neurotransmissor no
meio; já no músculo cardíaco, a freqüência de contração da célula muscular
cardíaca até diminui na presença dessa molécula. Se a acetilcolina atingir
uma célula da glândula salivar, que expressa o mesmo receptor da célula
cardíaca, vai provocar uma resposta diferente: a secreção de saliva
(Figura 13.4). Os receptores que essas células apresentam em sua superfície
são diferentes, apesar de reconhecerem a mesma molécula sinalizadora.

10 CEDERJ
13 MÓDULO 3
Célula muscular esquelética
Figura 13.4: Diferentes
células podem responder
de modo diferente à
mesma molécula sinali-

AULA
zadora, por apresentarem

Acetilcolina
diferentes receptores,
como as células muscula-
Contração
res esquelética e cardíaca,
ou mesmo apresentando
receptores iguais, como as
células cardíaca e secretória.

Célula muscular cardíaca

Diminuição
de freqüência
Célula que não se comunica
se “trumbica”
Célula secretória

Cada célula recebe ao mes-


mo tempo vários sinais trazidos por
diferentes moléculas sinalizadoras e
Secreção
ela os reconhece porque possui em
sua superfície muitos receptores di-
ferentes. Uma importante mudança
de comportamento dessa célula
pode depender da interação de vários sinais (Figura 13.5). Veja nessa figura
que, se não recebesse nenhum sinal, essa célula morreria. Só para sobre-
viver ela precisa receber várias informações do meio externo, como por
exemplo: sobre a disponibilidade de nutrientes, sobre o número total de
células do órgão de que ela faz parte etc. Para se dividir, além dos sinais
de sobrevivência, também são necessários sinais de proliferação. Para
que ela se diferencie em célula especializada, é preciso que os sinais de
proliferação não estejam presentes (ou que a célula não os reconheça mais
porque deixou de expor os receptores para eles) ao mesmo tempo em
que sinais de diferenciação apareçam. Alguns desses sinais são moléculas
conhecidas, outros ainda não. Assim, quando células são mantidas in
vitro, acrescentamos soro ao meio de cultura. O soro contém os sinais
de proliferação conhecidos e também os que ainda não conhecemos.
O recente uso terapêutico de células-tronco (veja a Aula 4, de Cultura
de células) é conseqüência natural desses conceitos e da melhoria das técnicas
de obtenção de células-tronco dos tecidos de adulto (você vai saber mais
numa aula específica sobre células-tronco em Biologia Celular II).

CEDERJ 11
Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular I

Morte celular

Figura 13.5: Diferentes sinais recebidos por


C uma célula-alvo podem modular seu
B comportamento. A célula que não
recebe nenhum sinal acaba morrendo.
A simples manutenção da vida celular já
depende de várias informações sinalizadas
A Sobrevivência pelas moléculas A, B e C. Comportamentos
mais complexos, como a proliferação e a
diferenciação, requerem sinalizadores
específicos, representados por D, E, F e G.
D
C
E

B
Proliferação
A

F
C G

B
Diferenciação
A

Tipos de receptores

Qual o tipo de receptor mais adequado para receber um determinado sinal? Isso depende
de que tipo de molécula esse sinal for (Figura 13.6):
a) se a molécula sinalizadora for pequena e/ou hidrofóbica o suficiente para atravessar a
membrana, o receptor deve ser intracelular;
b) se a molécula sinalizadora não puder atravessar a membrana, o receptor terá de estar
obrigatoriamente na membrana plasmática, exposto na superfície celular.
Essas características de afinidade, isto é, permeabilidade entre as moléculas sinalizadoras e as
membranas celulares, mais especificamente a bicamada lipídica, já foram abordadas na Aula 8.

Figura 13.6: Os receptores para moléculas hidrofílicas ficam voltados para o meio extracelular (a) enquanto os
receptores para sinalizadores pequenos e hidrofóbicos são intracelulares (b).

12 CEDERJ
13 MÓDULO 3
Sinalização por ligantes hidrofóbicos

O exemplo mais notável desse tipo de sinalização é o do óxido

AULA
nítrico (NO). Essa pequena molécula age sobre as células musculares
lisas que envolvem os vasos sanguíneos, provocando vasodilatação local.
Promovendo o relaxamento dessas células musculares, o NO faz com
que o vaso aumente de calibre, deixando o sangue fluir mais facilmente.
O NO é produzido nas células endoteliais que revestem os vasos, isto
é, bem perto das células sobre as quais ele age. Quando um impulso
nervoso chega a essas células, elas ativam uma enzima, a óxido nítrico
sintase (NOS), que produz NO a partir do aminoácido arginina. O NO
é um gás e, assim como o O2 e o CO2, ele atravessa as membranas por
difusão simples (a Aula 8), saindo da célula na qual foi produzido e se
espalhando rapidamente pelas células vizinhas. Nas células musculares
lisas, o NO ativa outras enzimas, o que leva à vasodilatação. O NO é um
mediador local, fazendo sinalização parácrina.

VIAGRA É NO. VOCÊ SABIA?


Muitas células nervosas também usam o óxido nítrico como mediador local.
No pênis, por exemplo, a liberação de NO pela inervação autônoma local age
sobre a musculatura lisa, ativando enzimas cujos produtos dilatam os vasos que
se enchem de sangue, causando a ereção.
A sinalização mediada por óxido nítrico dura pouco porque o NO é rapidamente
degradado e vira nitrito. O produto das enzimas que ele ativa também dura
pouco porque também é degradado rápido. O mecanismo de ação de alguns
medicamentos, como o Viagra, é impedir a degradação do produto das enzimas
ativadas por NO, fazendo, assim, a vasodilatação durar mais tempo.

O que chamamos de hormônios não passam de sinalizadores

Como vimos, o NO age sobre uma enzima que já está pronta na


célula, precisando apenas ser ativada. Nem sempre é assim com outras
moléculas sinalizadoras. O NO difunde-se rápido porque é gasoso, mas
tem vida curta. Outras moléculas sinalizadoras hidrofóbicas também
são capazes de atravessar membranas e têm vida muito mais longa
(são moléculas muito mais estáveis). Elas são produzidas e secretadas
por células glandulares, viajando grandes distâncias pela corrente
sanguínea até achar células-alvo. Essas moléculas sinalizadoras são
chamadas hormônios. Como são hidrofóbicas, têm problemas para
viajar pela corrente sanguínea e o meio extracelular, que são aquosos.

CEDERJ 13
Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular I

Por isso, precisam associar-se a moléculas hidrofílicas que tenham um sítio capaz de acomodá-la.
Essa molécula hidrofílica, que chamamos carreadora (Figura 13.6.b), freqüentemente é a albumina
do soro. Ao chegar bem perto da membrana de uma célula, a molécula sinalizadora (ligante) se
solta da carreadora e se difunde pela bicamada lipídica, entrando na célula. O receptor para este
ligante deve estar no citoplasma e, com a chegada deste, fica ativo, desempenhando suas funções.
É muito freqüente, porém, que o receptor seja um fator de transcrição, isto é, uma molécula
que, com a chegada do ligante, forma um complexo que entra no núcleo e vai ativar a transcrição
de um gen (Figura 13.7).

Figura 13.7: O cortisol, produzido


pelas glândulas supra-renais, é um
sinalizador hidrofóbico que forma
um complexo receptor ligante,
entrando no núcleo, onde vai ativar a
transcrição de um gen.

Claro que essa resposta demora muito mais para aparecer do que aquela que depende
apenas da ativação de uma molécula que já estava pronta. Mas também permanece mais tempo,
já que o gen ativado produzirá uma proteína que não será degradada de imediato. Alguns
dos hormônios mais conhecidos agem assim, como por exemplo os hormônios esteróides
(testosterona, estrogênio, cortisol e outros) e os tireoidianos.

Sinalização por ligantes hidrofílicos

Mas e se o ligante não consegue atravessar a membrana? O que você faria para passar
uma informação para alguém que está num lugar onde você não pode entrar? Não vale
telefonar! Acho que o jeito seria mandar um recado por alguém que estivesse na porta (ou na
janela!). E recomendar muita atenção para que o recado chegue direitinho.
Quando a molécula sinalizadora é hidrofílica e/ou grande, não podendo, portanto, atravessar a
bicamada lipídica, o receptor vai ter de funcionar como um verdadeiro garoto de recados, mas sem sair

14 CEDERJ
13 MÓDULO 3
da membrana onde tem de estar obrigatoriamente exposto (Figura 13.6.a).
Quando o receptor recebe a molécula sinalizadora, ele invariavelmente muda

AULA
de conformação. A mudança conformacional passa a informação adiante
porque muda o comportamento do receptor. Vamos ver quais são as principais
classes de receptores para ligantes hidrofílicos e o que acontece depois da
chegada do ligante a cada um deles, passando a informação adiante.
Existem três tipos de receptor de sinalização na membrana
plasmática: a) os receptores do tipo canal; b) os associados à proteína
G e c) os receptores enzimáticos. Em comum eles possuem o fato de
serem proteínas transmembrana e de não entrarem na célula (a não
ser que devam ser degradados), o que os diferencia dos receptores de
endocitose (você vai conhecê-los na Aula 19), que entram na célula
junto com o ligante. Vamos ver as características básicas de cada um.
a) Receptores do tipo canal
Esses você já conhece das Aulas 10 e 11, de transporte. São os
canais controlados por ligante. Esses receptores podem ser os canais
eles próprios ou estar associados a um canal iônico, de modo que a
mudança conformacional induzida pelo ligante ativa o canal associado,
que se abre (Figura 13.8). Um bom exemplo é o receptor de acetilcolina
em células musculares esqueléticas.

Figura 13.8: Os canais iônicos


ativados por ligante possuem
sítios receptores para o ligante
que mudam sua conformação,
abrindo o canal iônico.

b) Receptores ligados à proteína G


São proteínas transmembrana multipasso (lembra? da aula 10!)
que atravessam a membrana sete vezes e cuja mudança conformacional
ao receberem o ligante os faz ativar uma segunda proteína, que também
muda de conformação, passando o sinal adiante. Esses receptores são
bastante variados, mas a segunda proteína que é ativada não varia muito.
Ela é chamada proteína G porque pertence a uma família de proteínas
que ligam GTP, ficando ativadas, e depois hidrolisam o GTP a GDP + Pi,
voltando ao estado inativo (Figura 13.9). As proteínas G funcionam como
interruptores: com GTP estão “ligadas” e com GDP estão “desligadas”.

CEDERJ 15
Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular I

Tamanho é documento?

Existem proteínas G de vários tamanhos,


podendo ter apenas uma cadeia protéica
(monoméricas, como as da superfamília Ras
que você vai conhecer na próxima aula),
duas (heterodiméricas, como a tubulina que
forma os microtúbulos, Aula 23) ou três
(heterotriméricas, que você verá na aula
seguinte a essa, funcionando em sinalização
celular). Das três subunidades da proteína G,
a α é a que liga e hidrolisa GTP, enquanto a
dupla βγ é responsável pelo ancoramento ao
folheto citoplasmático da membrana.
As proteínas G, ao serem ativadas, podem
funcionar ativando outras proteínas, quando
Figura 13.9: Quando chega um sinal, a proteína G solta
o GDP que estava ligado a ela. Um GTP, abundante no são chamadas proteínas G estimulatórias
citoplasma das células, logo o substitui, ativando a
proteína G, que passa o sinal adiante. Logo após, a (Gs), ou inibilas, sendo chamadas proteínas G
proteína G hidrolisa o GTP e libera o Pi, voltando ao
estado de repouso. inibitórias (Gi).

Proteína G estimulatória: o efeito


dominó (ou cascata) de sinalização
Receptor Enzima
Proteína inativa
Um receptor que recebeu o ligante ativa
G
a proteína G, que vai por sua vez ativar uma
terceira proteína, geralmente uma enzima
Ligante
(Figura 13.10).

Figura 13.10: Sinalização por receptor associado à


proteína G. A enzima pode ser a adenilciclase ou
a fosfolipase C.

Enzima
ativa

16 CEDERJ
13 MÓDULO 3
As enzimas ativadas por proteína G devem funcionar de modo a
passar o sinal adiante. As enzimas que fazem isso são principalmente

AULA
a adenilciclase e a fosfolipase C. Elas têm em comum, além de serem
ativadas por proteína G, claro, o fato de sua ação enzimática gerar
produtos pequenos e de curta duração, os mensageiros secundários. Vamos
estudar uma de cada vez na aula seguinte.

RESUMO

• Receptores para ligantes hidrofóbicos ou muito pequenos estão no citoplasma


ou no núcleo.

• Ligantes que entram na célula podem ter vida muito curta e provocar
respostas rápidas, como o óxido nítrico, ou ter vida longa e provocar resposta
lenta e duradoura, como os hormônios esteróides.

• Receptores de ligantes hidrofílicos estão na membrana plasmática. Ligantes


hidrofílicos não entram na célula, mas passam a informação para o ambiente
intracelular.

• Receptores de ligantes hidrofílicos podem ser de três tipos: canal, associados


à proteína G ou enzimáticos.

• Receptores mudam de conformação com a chegada do ligante.

EXERCÍCIOS
1. Conceitue:

a. Receptor:

b. Ligante:

c. Molécula sinalizadora:

d. Célula-alvo:

2. Compare e diferencie sinalização parácrina de sinalização autócrina.

3. Compare e diferencie sinalização endócrina de sinalização neuronal.

CEDERJ 17
Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular I

4. Avalie se as frases abaixo estão certas ou erradas:

• Uma molécula sinalizadora pode ser reconhecida por vários tipos celulares
diferentes. ( )

• Um tipo celular possui vários receptores de um mesmo tipo. ( )

• Um tipo celular possui receptores de tipos diferentes. ( )

• Uma mesma molécula sinalizadora tem efeitos diferentes em diferentes tipos


celulares. ( )

5. Que características deve ter um sinalizador que é reconhecido por um receptor


intracelular?

6. Por que os efeitos da administração de um hormônio esteróide podem demorar


muito para aparecer?

7. De que maneiras pode atuar um ligante hidrofílico?

8. Dê um exemplo de ligante e receptor do tipo canal, especificando em que


células estão presentes.

9. O que são proteínas G?

10. O que você entende por proteína G inibitória? E proteína G estimulatória?

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14
a u l a
Receptores de membrana e
princípios de sinalização celular II

OBJETIVOS Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Entender os mecanismos de geração de mensageiros
secundários.
• Entender a dinâmica de uma cascata de sinalização.
• Entender as principais vias de sinalização
por receptores enzimáticos.
• Associar fenômenos como a resposta inflamatória
e o câncer a fenômenos de sinalização.

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Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular II

INTRODUÇÃO Na aula anterior, vimos que a comunicação entre as células se baseia


no reconhecimento de uma molécula sinalizadora (também chamada ligante)
por uma proteína receptora. Vimos também que um sinalizador que seja
uma molécula pequena e hidrofóbica pode atravessar a bicamada lipídica
e ser reconhecido no citoplasma, ou mesmo chegar ao núcleo da célula. Já
os ligantes hidrofílicos são reconhecidos por proteínas expostas na superfície
da célula-alvo, desencadeando uma cascata de sinalização no citossol.
Das três vias de sinalização desencadeadas por ligantes hidrofílicos, já
foram estudadas na Aula 13 os canais ativados por ligantes e os princípios
de sinalização via proteína G. O que estudaremos a partir de agora são os
eventos que a proteína G dispara no meio intracelular. A seguir, abordaremos
o funcionamento das vias enzimáticas de sinalização de receptores.

Adenilciclase

Volte à Figura 13.10. Note que as proteínas ali esquematizadas


parecem estar brincando de telefone sem fio, aquela brincadeira em
que o primeiro da fila diz uma frase para o segundo, que repete para
o terceiro e assim por diante até o último da fila repetir a frase inicial.
Na brincadeira, o engraçado é a distorção da mensagem inicial; já na
vida celular, a mensagem deve ser encaminhada sem erros para que
o resultado final seja o esperado. A adenilciclase, uma vez ativada
por proteína G, hidrolisa ATP de um modo especial, retirando dois
fosfatos de uma vez só (Figura 14.1). O que sobra, o AMP (adenosina
monofosfato), torna-se uma molécula cíclica, sendo chamado AMP
cíclico (AMPc).

Figura 14.1: A proteína G ativa a adenilciclase, levando-a


a formar AMPc a partir de ATP.

20 CEDERJ

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14 MÓDULO 3
O AMPc, como todo mensageiro secundário, normalmente está presente em concentrações
muito baixas no citoplasma das células. Assim, quando uma mensagem chega e é reconhecida

AULA
por um receptor que ativa proteína G, que por sua vez ativa adenilciclase, que produz AMPc,
a elevação súbita da concentração desse mensageiro é prontamente percebida pela célula. Muitas
enzimas citoplasmáticas são ativadas por AMPc e reagem a esse pico de concentração. Para esse
mecanismo funcionar bem, é preciso que a concentração de AMPc baixe tão rápido quanto
subiu, assim, a célula poderá perceber o próximo sinal. A enzima responsável por isso é a AMPc-
fosfodiesterase, que faz com que a molécula fique linear (passando a se chamar AMP-5´monofosfato),
perdendo a função. Mas ela não vira lixo, não! Pode mais tarde receber outros fosfatos, voltando
a ser o precioso ATP.

E o AMPc? Faz o quê?

O AMPc dispara uma enorme diversidade de eventos, ativando enzimas, abrindo canais
iônicos etc. com muitas conseqüências em termos da atividade celular. Uma das enzimas mais
importantes ativadas por AMPc é a proteína quinase A (PKA). Uma proteína quinase é uma
enzima que fosforila outras proteínas. A proteína quinase A ganhou esse nome por causa de seu
modo de ativação, o A é de AMPc.

Dê uma paradinha!
Esse negócio está ficando confuso, não? Tudo aconteceu por causa de um ligante que nem mesmo
entrou na célula! Vamos resumir a seqüência de eventos para que fique mais claro:

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Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular II

E que diferença faz uma proteína ser fosforilada?

Muita! Proteínas que podem ser fosforiladas alternam entre


um estado ativado e outro inativo, um deles com fosfato e outro sem.
É o mesmo mecanismo liga/desliga da proteína G em relação ao GTP,
lembra (Figura 13.9)? Essa mudança de estado das proteínas é que vai
mudar finalmente o comportamento da célula, em resposta àquela
mensagem que ela recebeu do ligante lá na membrana. A PKA também
pode entrar no núcleo e ativar genes que passarão a ser transcritos,
o que também vai mudar o comportamento celular, só que mais
lentamente, já que depende de mudanças de expressão gênica.
A seqüência de eventos entre o receptor e a mudança de compor-
tamento da célula é chamada cascata de sinalização (Figura 14.2).

Figura 14.2: Cascata de eventos entre


o reconhecimento pelo receptor de
superfície e a resposta final.

Bonita e cheirosa? Depende da proteína G.


Uma das funções mais interessantes do AMPc é servir de mensageiro em neurônios olfativos. Esses
neurônios possuem centenas de receptores acoplados à proteína G (cada neurônio tem receptores para
apenas um tipo de odor). Quando as moléculas odoríficas se ligam aos receptores, eles ativam uma
proteína G especial, que ativa adenilciclase, que produz AMPc (até aqui, tudo igual). Esse mensageiro
abre canais de sódio especiais desses neurônios, despolarizando-os e levando o impulso nervoso adiante
até que o “cheiro” atinja o cérebro.
Os impulsos nervosos do sistema visual também são gerados por fotorreceptores acoplados à proteína
G em neurônios especiais da retina, mas ao invés de ativar adenilciclase ela interfere com a atividade de
guanilil ciclase (que forma GMP cíclico, GMPc) e a fosfodiesterase correspondente. Os bastões, neurônios
responsáveis pela visão na penumbra, têm canais de sódio ligados à GMPc permanentemente abertos
no escuro. Quando os fotorreceptores (que têm o nome especial de rodopsina) recebem um fóton,
a proteína G acoplada ativa a GMPc fosfodiesterase, que lineariza o GMPc, soltando-o dos canais de sódio,
que se fecham. Com isso, o neurônio hiperpolariza, transmitindo o impulso. Quantos GMPcs será que sua
retina produziu enquanto você lia isto aqui?

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14 MÓDULO 3
Fosfolipase C, outra enzima ativada por proteína G

Outra enzima freqüentemente ativada por proteína G é a fosfolipase C. Como seu nome

AULA
está dizendo, essa enzima hidrolisa um fosfolipídio. Uma fosfolipase é classificada como A, C ou
D de acordo com o local onde ela corta o fosfolipídio. A fosfolipase C corta entre o fosfato e o
glicerol (para lembrar a estrutura do fosfolipídio, veja a Aula 7). Não é qualquer fosfolipídio que pode
ser clivado pela fosfolipase C. O alvo da fosfolipase C ativada por proteína G é um fosfolipídio
da face interna da membrana plasmática, o fosfatidilinositol 4,5 bifosfato, mais conhecido pela
sigla PIP2. A clivagem gera duas moléculas: 1) o diacilglicerol, também conhecido como DAG,
um glicerol com duas caudas de ácido graxo, que permanece na membrana; e 2) o inositol
trifosfato (IP3), que é liberado para o citoplasma (Figura 14.3).

Figura 14.3: Modo de ação


da fosfolipase C ativada por
proteína G.

DAG e IP3, separados, mas trabalhando em conjunto

As duas moléculas produzidas, DAG e IP3, terão funções diferentes em locais diferentes.
O DAG permanece na bicamada interna da membrana plasmática, onde se movimenta com
grande velocidade e vai recrutar do citoplasma uma proteína quinase ainda no estado inativo.
Ela só será ativada por cálcio depois de recrutada, por isso se chama proteína quinase C (PKC).
E de onde vem o cálcio que vai ativá-la? Isso é função da outra molécula produzida pela fosfolipase,
o IP3. Ele difunde rápido pelo citoplasma e vai encontrar seu receptor na membrana do retículo
endoplasmático. Esse receptor é do tipo canal, e quando o IP3 se liga ele abre um canal que deixa
vazar cálcio para o citoplasma, ativando a PKC e várias outras proteínas (Figura 14.3).
Nesse tipo de cascata de sinalização, o cálcio é o mensageiro secundário e pode afetar
diretamente componentes do citoesqueleto, como os microtúbulos, disparar mecanismos de
secreção ou prosseguir a cascata, ativando diretamente enzimas como proteína quinase C, que
vai fosforilar outras proteínas passando o sinal adiante.

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Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular II

Favoreça-me com sua ausência!


Todo mensageiro secundário que se preza normalmente está presente em
baixíssimas concentrações no citoplasma. Quando ocorre uma sinalização,
a súbita elevação de concentração (um pico de concentração) é prontamente
percebida e provoca modificações no comportamento celular.

O cálcio pode ser apenas um intermediário na cascata

Nem sempre o efeito do cálcio é direto, ele também modifica o


comportamento de várias outras proteínas depois de se complexar com
proteínas ligadoras de cálcio. A mais importante delas é a calmodulina:
uma vez ligada ao cálcio, ela modifica o comportamento de muitas
enzimas, inclusive quinases.
Como todo mensageiro de verdade, a concentração do cálcio tem
de baixar rápido para que a célula esteja pronta a perceber o próximo
sinal. Você sabe como o íon cálcio é rapidamente expulso do citossol?
É um verdadeiro "salve-se quem puder" com várias vias de escape
distribuídas na célula. Veja na Figura 14.4 como o cálcio tanto pode
ser expulso para fora da célula como pode ficar escondido no retículo
endoplasmático e na mitocôndria ou mesmo desaparecer ao associar-se
a uma proteína citosólica.

Figura 14.4: A concentração intracelular de cálcio é mantida baixa por vários


mecanismos, como trocadores iônicos e ATPases cálcio dependentes presentes
na membrana plasmática (MP) e na membrana do retículo endoplasmático, ou
também por transporte ativo da membrana mitocondrial interna ou proteínas que
se ligam ao cálcio no citossol.

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14 MÓDULO 3
A concentração de cálcio é de cerca de 10-7M no citoplasma e
da ordem de 10-3M no meio extracelular. Uma diferença de 10.000

AULA
vezes! Para manter essa diferença, vários mecanismos funcionam
permanentemente. Na membrana plasmática, há uma proteína
trocadora de cálcio por sódio que usa a energia do gradiente de sódio
gerado pela bomba de sódio e potássio para, sem gasto suplementar
de energia, botar cálcio para fora. Além dela, há uma outra bomba de
cálcio na membrana plasmática que hidrolisa ATP para obter a energia
necessária (aí sim, transporte ativo) e proteínas ligadoras de cálcio no
citoplasma que tornam o íon indisponível para outras reações.
Quando ocorre um pico de cálcio proveniente de sinalização,
a concentração normal aumenta 100 vezes, chegando a 10-5M. Nessa
situação, além das bombas na membrana plasmática, entra em
funcionamento a bomba de cálcio do retículo endoplasmático, que
recolhe de volta o cálcio liberado, mas se surgir algum problema,
como uma lesão na membrana plasmática (que logo será selada), e
a concentração subir mais, chegando a 10-3M, a mitocôndria passa a
bombear cálcio para dentro usando a energia do gradiente de prótons,
deixando temporariamente de produzir ATP. Isso é um mecanismo de
emergência, que raramente ocorre.

Mitocôndrias e cálcio, uma relação questionada


Durante muito tempo se pensou que as mitocôndrias eram as principais (senão as únicas) responsáveis
pela manutenção da baixa concentração citoplasmática de cálcio, já que essas organelas deixavam
até de fazer ATP para seqüestrar cálcio. Essa idéia estava baseada em experimentos em que
mitocôndrias isoladas eram colocadas em soluções com concentração fisiológica de cálcio, ou seja, os
mesmos níveis do plasma sanguíneo, 5x10-3M. Como resultado, as mitocôndrias bombeavam cálcio
para dentro, formando precipitados de fosfato de cálcio. O detalhe é que essa situação experimental
está muito longe da fisiológica. O que podemos concluir desse exemplo é que a biologia da célula
está muito longe de ter todos os seus mistérios solucionados, o que é mais um estímulo para seu
estudo: há sempre novidades surgindo nesta área!

Resumimos na Figura 14.5 as duas principais vias de sinalização


ativadas por proteína G: a da adenilciclase e a da fosfolipase C. Repare
que, apesar dos nomes diferentes, há muita analogia entre os dois
processos.

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Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular II

Figura 14.5: Uma vez acoplados ao


ligante, receptores ativam diferentes
proteínas G, que ativam adenilciclase,
que gera AMPc, ou fosfolipase C que
gera IP3 e libera cálcio do retículo
endoplasmático.

Proteínas-alvo

Receptores enzimáticos

Um receptor desse tipo passa a informação recebida por meio de


atividade enzimática, e para fazê-lo tem de ter dois domínios especiais:
o que reconhece o ligante, exposto na superfície da célula, e o sítio
catalítico, voltado para o citoplasma (Figura 14.6). Quando o ligante é
reconhecido pela parte exposta do receptor, a mudança conformacional
resultante torna ativo o sítio catalítico intracelular. É como o ferro de
passar: liga em cima e esquenta embaixo...

Figura 14.6: Esquema de operação de um receptor enzimático.

Tirosinas quinase, receptores enzimáticos da maior importância

O principal tipo de receptor enzimático são os receptores tirosina


quinase. Estes são enzimas que fosforilam (adicionam um radical fosfato)
ao aminoácido tirosina em cadeias laterais de proteínas. Curiosamente,
seu primeiro substrato é uma molécula igual a ela: os receptores
tirosina quinase formam dímeros em que uma molécula fosforila a

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14 MÓDULO 3
outra, reciprocamente (Figura 14.7). Depois que um receptor fosforila o
outro, várias proteínas são recrutadas do citoplasma pelas fosfotirosinas dos

AULA
receptores. Esse fenômeno dura apenas alguns segundos, já que a fosforilação
pelas tirosina quinases é logo revertida por proteínas tirosina fosfatases.
As proteínas recrutadas passam a estar ativas e vão, assim, passar o sinal adiante.

Figura 14.7: Funcionamento dos receptores tirosina quinase.

Um exemplo de sinalização por tirosina quinase: a proteína Ras

Algumas das proteínas recrutadas pelas tirosinas fosforiladas não


têm atividade enzimática, são apenas adaptadoras que vão permitir o
encaixe com outras proteínas. A mais importante dessas proteínas é a
Ras, uma proteína associada ao folheto interno da membrana capaz de
hidrolisar uma molécula de GTP a GDP (Figura 14.8). Quando certos
receptores tirosina quinase são fosforilados, eles recrutam proteínas
adaptadoras e uma ativadora de Ras, que vai fazer com que ela libere o
GDP, que logo será substituído por um GTP. A Ras-GTP fica ativa e vai
propagar um sinal em cascata que terminará por promover, na maioria
das vezes, a proliferação ou a diferenciação celular.
Os receptores que ativam essa via são os receptores de fatores
de crescimento, como o EGF (fator de crescimento epidérmico),
NGF (fator de crescimento neuronal), o PDGF (fator de crescimento
derivado de plaquetas), o VEGF (fator de crescimento vascular, que
estimula a angiogênese).

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Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular II

Figura 14.8: Ativação


de Ras por receptores
tirosina quinase.

Entretanto, a Ras não permanece muito tempo no estado ativo. Logo


ela hidrolisa o GTP, voltando ao seu estado ligado a GDP, que é inativo.

Ras defeituosa? Desastre à vista

Justamente por induzir mudanças celulares tão importantes, quando


as vias de sinalização mediadas por Ras têm defeitos, as conseqüências são
muito graves. Se esses defeitos impedirem a atividade GTPásica, a Ras
permanecerá no estado ativado, fazendo com que as células portadoras da
molécula defeituosa não parem de proliferar, o que pode gerar um câncer.
De fato, cerca de 30% dos tumores possuem células com Ras defeituosa.
Defeitos em outros componentes dessa cascata de sinalização também
levam à tumorização.

A fosforilação de outros aminoácidos também é sinalizadora

Além dos receptores com atividade tirosina quinase, há os que


têm atividade de fosforilação dos aminoácidos serina ou treonina
(receptores serina/treonina quinases). A ativação desses receptores leva
à ativação de proteínas reguladoras de expressão gênica.
Em algumas vias importantes, os mecanismos de fosforilação
em tirosina estão fortemente associados aos de fosforilação em serina/
treonina, que são mais duradouros. Assim, receptores de fatores de
crescimento com atividade tirosina quinase ativam serina/treonina
quinases citoplasmáticas, que formam uma cascata de sinalização com
vários passos até chegar ao núcleo e modificar a expressão gênica.

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14 MÓDULO 3
A reação a uma infecção por vírus é disparada por tirosina quinases
Existem, porém, mecanismos mediados por receptores enzimáticos que modificam a expressão
gênica mais rapidamente. Um dos mais notáveis é o mecanismo disparado por γ-interferon (citocina

AULA
secretada por glóbulos brancos em resposta à infecção viral, principalmente). O γ-interferon
produzido por células infectadas é reconhecido por receptores de γ-interferon que ativam uma via
de tirosina quinases citoplasmáticas chamadas Janus quinases (Jaks), em referência ao deus romano
de duas faces. As Jaks fosforilam uma série de proteínas reguladoras de expressão gênica (as STATS),
que rapidamente entram no núcleo e ativam a transcrição de vários gens que codificam proteínas
que aumentam a resistência à infecção viral. Além do α-interferon, também os receptores para γ-
interferon (que ativa macrófagos), eritropoeitina (que estimula a produção de hemácias), prolactina
(que estimula a produção de leite) e hormônio do crescimento usam a via de Jaks e STATS.

Receptores enzimáticos na resposta inflamatória: a poderosa NF-κB


Fatores que induzem inflamação em resposta a infecções ou lesões também usam receptores enzimáticos.
O fator de necrose tumoral (TNF-α) produzido por macrófagos é reconhecido por receptores em muitas
células e ativa uma proteína citoplasmática, a NF-κB, que se desloca para o núcleo e “liga” mais de 60 gens
que participam da resposta inflamatória.

Amplificação de sinais

Pensando bem, qual é a vantagem de existirem cascatas de sinalização intracelular? Elas


parecem tão complicadas, com tantos componentes, tantas passagens de informação, que devem
ser altamente suscetíveis a erro! Mas se esse mecanismo se manteve evolutivamente conservado,
estando presente tanto
em leveduras como no
homem, deve haver
uma grande vantagem!
Examinando todo
o processo, sem dúvida
alguma essa vantagem é
a enorme amplificação do
sinal inicial, como pode-
mos ver na Figura 14.9.

Figura 14.9: Amplificação


de sinais nas cascatas de
sinalização.

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Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular II

Integração de sinais

Como você já deve ter imaginado, freqüentemente as cascatas de sinalização iniciadas por
diferentes receptores se cruzam na célula, isto é, têm componentes em comum. Dois exemplos
bem simples estão esquematizados na Figura 14.10. É preciso que estejam presentes os dois
ligantes, A e B, reconhecidos por seus respectivos receptores, para que a sinalização possa
prosseguir numa via comum.

Figura 14.10: Alguns processos


dependem da ativação inicial
de duas cascatas de sinalização
que convergem para um mesmo
processo.

Figura 14.11: O mecanismo da propagação


de sinais por receptores de superfície pode
ser resumido nesse esquema: a partir do
reconhecimento entre um receptor e um
ligante, uma cascata de eventos se propaga
e se amplifica.

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14 MÓDULO 3
RESUMO

AULA
• A ativação da proteína G ativa por sua vez adenilciclase ou fosfolipase C.

• Ambas geram mensageiros secundários: AMPc, no caso da adenilciclase, e


IP3, que libera estoques intracelulares de cálcio, no caso da fosfolipase C.

• Ambos, cálcio e AMPc, são mensageiros secundários ou mediadores


intracelulares.

• Mensageiros secundários ou mediadores intracelulares são sempre moléculas


muito pequenas e presentes normalmente em baixíssima concentração, sendo
degradados ou recolhidos imediatamente após o pico de sinalização.

• Receptores enzimáticos têm o sítio de reconhecimento voltado para o meio


extracelular e o sítio catalítico voltado para o citoplasma. Na sua maioria são
tirosina quinases que se fosforilam reciprocamente e depois atraem muitas
outras proteínas que passam a informação adiante.

• Depois de receber o ligante, receptores disparam uma cascata de sinalização


celular que amplifica o sinal e acaba por modificar o comportamento celular
(Figura 14.11).

EXERCÍCIOS

1. Onde estão os receptores de ligantes pequenos e/ou hidrofóbicos?

2. E os de ligantes hidrofílicos?

3. Quais os tipos de receptores de superfície?

4. Cite exemplos de cada um desses receptores.

5. O que é uma proteína quinase?

6. Como age a adenilciclase? E a fosfolipase C?

7. O que são mensageiros secundários?

8. Como é regulada a concentração citoplasmática de cálcio?

9. O que é uma cascata de sinalização?

10. Qual a vantagem da sinalização em cascata?

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Biologia Celular I | Receptores de membrana e princípios de sinalização celular II

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15
a u l a
Introdução às organelas
celulares

OBJETIVOS Ao final desta aula, você deverá ser capaz de :


• Comparar a organização celular de procariontes
e eucariontes.
• Enumerar os compartimentos e organelas da célula
eucarionte, associando-os às suas funções.
• Estabelecer as principais vias de comunicação entre
os compartimentos celulares.

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Biologia Celular I | Introdução às organelas celulares

INTRODUÇÃO Você está iniciando uma nova unidade na disciplina Biologia Celular.
Até agora, vimos os principais métodos que permitiram o descobrimento
e o estudo das células e a estrutura e principais funções desempenhadas
pelas membranas celulares. A partir de agora, vamos tratar dos principais
compartimentos delimitados por algumas membranas celulares e as
funções desempenhadas por eles.

O que é um compartimento celular?


Chamamos compartimentos os espaços delimitados por membranas onde
ocorrem funções celulares dependentes de proteínas específicas que para lá
são endereçadas.
Uma organela é um compartimento?
Sim, as organelas são envolvidas por membranas e nelas ocorrem processos
celulares específicos; isso as qualifica como um compartimento.

Tamanho e complexidade celular

Das primeiras formas de vida até os seres que hoje habitam nosso
planeta, muito tempo se passou e muita coisa mudou. As condições
climáticas e atmosféricas da Terra primitiva foram essenciais para que
as primeiras formas de vida surgissem. Essas, acreditamos, seriam seres
muito simples cujas principais características seriam o fato de serem
limitados por uma membrana e conterem material genético (DNA)
capaz de se autoduplicar, perpetuando as características daquele
organismo por mais uma geração. Erros nesse processo de duplicação
resultaram em mutações que respondem pela enorme diversidade de
formas vivas que habitam nosso planeta. O detalhamento do processo
de duplicação do DNA, e das falhas que podem ocorrer no mesmo,
serão estudadas com maiores detalhes nas disciplinas de Genética e
Evolução, embora alguns aspectos já tenham sido comentados em
“Grandes Temas”.
Chamamos procariontes (pro = antes, karyon = núcleo) às formas
de vida mais simples que conhecemos. São seres cujo tamanho varia entre
1 e 2 micrômetros e cujo DNA não se encontra num compartimento à
parte, o envoltório nuclear, encontrado apenas nos eucariontes (eu = bem).
As células eucariontes são também muito maiores do que as procariontes,
medem em geral entre 10 e 50 micrômetros.

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15 MÓDULO 3
Os procariontes continuam a existir; são, portanto, um sucesso evolutivo inegável.
São procariontes as bactérias e os micoplasmas. Os últimos são seres ainda mais simples que as

AULA
bactérias e, em geral, parasitam outras células. As bactérias estão presentes em praticamente todos
os pontos do planeta e em todos os níveis da cadeia alimentar. Existem bactérias fotossintetizantes e
fixadoras de nitrogênio (produtores primários), outras são parasitas, simbiontes ou decompositoras
(último nível da cadeia alimentar).
Vimos que todas as células, inclusive as bactérias, são limitadas por uma bicamada
lipídica na qual se inserem proteínas, a membrana plasmática. Cabe à membrana plasmática
definir os meios intra e extracelular e permitir a troca de informações e moléculas entre eles.
No caso das bactérias (e também dos fungos e dos vegetais), além da membrana plasmática
existe uma estrutura mais externa, a parede celular. Esta é formada por moléculas de natureza
glicídica e, entre outras funções, sustenta e define a forma que essas células terão (Figura 15.1).

Figura 15.1: Variedade de formas e tamanhos relativos de vários procariontes.

Com sua forma e tamanho tão simplificados, a reprodução das bactérias é extremamente
rápida. Em poucas horas, uma colônia bacteriana é capaz de recobrir a superfície de uma placa
de agar nutritivo (ou algum alimento que você tenha deixado fora da geladeira). Outra vantagem
do modelo procarionte é que, com dimensões tão diminutas, todos os pontos da célula estão
sempre próximos entre si, com fácil acesso ao material genético (DNA) e à superfície; assim, o
metabolismo e o equilíbrio celular são facilmente mantidos.
Em relação a essas qualidades todas, podem surgir as perguntas: com todas essas vantagens,
por que a Terra não é toda dominada apenas por bactérias? Por que surgiram e foram tão
bem-sucedidos evolutivamente os seres eucariontes unicelulares e, mais adiante, os pluricelulares?

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Biologia Celular I | Introdução às organelas celulares

Comparada à área de superfície dos procariontes, a das células eucariontes pode ser mais
de 30 vezes maior (Figura 15.2). Se compararmos o volume, essa diferença pode ser até 10.000
vezes maior! Entretanto, enquanto a vida de um procarionte praticamente se resume em crescer
e multiplicar-se, o aumento de tamanho permitiu a incorporação de uma série de funções aos
seres eucariontes.

Figura 15.2: Tamanho de uma bactéria em relação a uma célula eucarionte.

Relacionadas a essas funções estavam proteínas associadas à membrana. Se todas as


membranas e proteínas a elas associadas estivessem na membrana plasmática das nossas células,
elas precisariam ter uma superfície ainda maior (veja o boxe).

Organizar uma célula é como arrumar uma mala ou dobrar um pára-quedas: se as peças estiverem
bem dobradas, vai caber muito mais coisas na sua mala. Quanto ao pára-quedas, ele pode ser comparado
a uma célula em que todas as membranas foram unificadas numa só superfície. Enquanto estiver dobrado,
será fácil transportá-lo; depois de aberto, aquela enorme superfície de tecido será bem difícil de levar.

As figuras A e B ocupam o mesmo volume, mas a B possui uma área de membrana bem
maior. Se fosse esticada ocuparia o volume da figura C.

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15 MÓDULO 3
O que fazer com tanta membrana? No caso do pára-quedas, é claro que o mais prático
é dobrá-lo e tê-lo acomodado numa bolsa ou mochila própria. Na evolução celular deu-se o

AULA
mesmo. A solução foi a internalização da maior parte das membranas celulares, dando origem às
organelas e aos compartimentos celulares. A membrana plasmática corresponde a apenas uma
pequena fração (2 a 5%) do total de membranas de uma célula. Somente ficaram na membrana
plasmática aquelas proteínas necessárias às funções de transporte, comunicação e adesão.
A maior parte das membranas celulares (cerca de 50%) pertence ao retículo endoplasmático.
Também existem evidências de que, no decorrer do processo evolutivo, algumas das bactérias
ingeridas, em vez de serem digeridas, estabeleceram uma relação simbiótica com a célula
predadora (Figura 15.3). Acredita-se que as mitocôndrias e os cloroplastos resultam de uma
relação dessa natureza.

Figura 15.3: Duas formas possíveis de origem de compartimentos e organelas celulares.

Organização geral das células eucariontes

Em todas as células, podem ser definidos dois compartimentos: o meio intracelular e o meio
extracelular. Na Figura 15.4, esses dois compartimentos estão representados em cores diferentes.
Talvez seja uma surpresa para você verificar que os espaços internos do retículo endoplasmático,
do complexo de Golgi e das vesículas que a célula secreta ou ingere são correspondentes ao meio
extracelular. O meio intracelular se restringe àquilo que chamamos de citossol.

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Biologia Celular I | Introdução às organelas celulares

Figura 15.4: Esquema de uma célula onde estão coloridos em branco o meio extracelular e em cinza o meio
intracelular.

Diferentes compartimentos, diferentes funções

Numa célula eucarionte moderna, as funções de síntese, captura de alimento, digestão,


produção de energia e outras se distribuem por diferentes compartimentos, aos quais chamamos
organelas celulares. Os principais compartimentos intracelulares de uma célula eucarionte são:
• núcleo;
• citossol;
• retículo endoplasmático (com as regiões lisa e rugosa);
• complexo de Golgi;
• mitocôndrias;
• plastídeos (cloroplastos);
• lisossomas;
• endossomas;
• peroxissomas.
Essas organelas estão apontadas na célula animal representada na Figura 15.5. Naturalmente,
os plastídeos não estão representados, uma vez que são exclusivos das células vegetais.

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15 MÓDULO 3
AULA
Figura 15.5: As células do epitélio intestinal possuem todas as organelas típicas de uma célula eucarionte.

Os diversos compartimentos celulares estão sempre enviando e recebendo informações


uns para os outros. Essas informações são passadas por moléculas que tanto podem ser solúveis
quanto inseridas em membranas. Essas moléculas são transferidas entre compartimentos por
três mecanismos básicos:
1. Transporte através de comportas.
2. Transporte transmembrana.
3. Transporte vesicular.
Em seguida, faremos uma breve abordagem das principais características dos compartimentos
celulares e sua interação com os demais.

O núcleo
É o compartimento que contém o genoma e o principal local de síntese de ácidos nucléicos
(DNA e RNA). O envoltório nuclear é duplo e a comunicação entre o núcleo e o citoplasma
é feita através de complexos do poro, complexos protéicos que funcionam como comportas,
regulando a passagem de moléculas para dentro e para fora do núcleo. As proteínas atravessam
o complexo de poro já na sua forma enovelada. Isso quer dizer que a passagem pelo complexo
de poro não depende apenas do tamanho da molécula, mas da existência de mecanismos de
reconhecimento que funcionam como um passaporte para a entrada no núcleo. Esse é um
transporte do tipo 1, através de comportas.

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Biologia Celular I | Introdução às organelas celulares

Figura 15.6: O envoltório nuclear é formado


por duas membranas que são trespassadas por
complexos de poro que atuam como comportas,
selecionando o que entra ou sai do núcleo.

O citoplasma
O citoplasma é o maior compartimento celular. Corresponde a uma parte líquida, o
citossol, e às organelas que nele se distribuem. No citossol, ocorrem tanto a síntese quanto
a degradação de proteínas. A síntese de proteínas, você já sabe, ocorre nos ribossomas. Já a
degradação ocorre nos proteassomas, os quais estudaremos nas próximas aulas. Muitas reações
metabólicas (como a glicólise) também ocorrem nesse compartimento.

O retículo endoplasmático
Quase a metade do total de membranas de uma célula pertence ao retículo endoplasmático.
O retículo forma uma rede contínua de membranas. Na superfície da membrana do retículo
voltada para o citoplasma, aderem-se os ribossomos que participam da síntese de proteínas. Essas
proteínas podem ser secretadas pelas células ou destinar-se às diversas organelas, e tanto podem ser
solúveis quanto inseridas em membranas. Além das proteínas, também os lipídeos são sintetizados
no retículo. As regiões do retículo nas quais ocorre a síntese de lipídeos são chamadas de retículo
liso. As regiões onde os ribossomos podem se ancorar formam o retículo rugoso.
A proteína em formação passa para o interior do retículo endoplasmático por meio de
proteínas translocadoras, características do transporte através de membrana. Esse processo
também será detalhado nas aulas seguintes.

O complexo de Golgi
A maioria das proteínas precisa passar do retículo para o complexo de Golgi, onde será
finalizada. Essa passagem é feita por vesículas que brotam das cisternas do retículo e se fundem
ao complexo de Golgi. No complexo de Golgi, resíduos de açúcar são incorporados às cadeias
protéicas, dando à proteína uma identidade que equivale a um endereço. Do Golgi, as proteínas
partem em vesículas que se fundem à membrana das organelas às quais se destinam. Este é o tipo
de transporte que chamamos vesicular.
O endereço de uma proteína é, na verdade, uma determinada seqüência de aminoácidos
chamada seqüência sinal. As proteínas características de cada membrana ou compartimento
celular possuem seqüências sinal específicas que garantem o correto direcionamento das
inúmeras proteínas sintetizadas pela célula.

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15 MÓDULO 3
Na Figura 15.7, estão
representadas as principais vias

AULA
de transporte entre os diversos
compartimentos celulares. Nela,
você pode observar que várias
organelas (núcleo, mitocôndrias,
peroxissomas, plastos) recebem
proteínas sintetizadas no citossol,
isto é, proteínas que são sinte-
tizadas em ribossomos livres no Vesículas de
secreção
citoplasma e que são transferidas
diretamente para a organela,
sem passar por processos de
modificação ou endereçamento
no interior do retículo ou das
cisternas do complexo de Golgi.

Figura 15.7: Mapa ilustrativo das vias de comunicação entre


os compartimentos celulares.

RESUMO

• A maior parte das membranas de uma célula eucarionte se encontra


internalizada, formando compartimentos.

• O núcleo, o retículo endoplasmático, o complexo de Golgi, os endossomas


e vesículas de secreção, além de lisossomas, mitocôndrias, peroxissomas e
os plastídeos das células vegetais contêm, cada um, proteínas específicas,
relacionadas às suas funções.

• Os diferentes compartimentos se comunicam, trocando moléculas e informações.


As vias de comunicação de três tipos:

1- através de comportas, como os complexos de poro do núcleo;

2- através de proteínas transportadoras, como as existentes na membrana do


retículo endoplasmático e das mitocôndrias;

3- através de vesículas que brotam de um compartimento e se fundem a outro,


o que ocorre entre as cisternas do retículo e do complexo de Golgi e a super-
fície celular.

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Biologia Celular I | Introdução às organelas celulares

• Todas as proteínas começam a ser sintetizadas nos ribossomos livres


do citossol.
De acordo com a seqüência sinal de aminoácidos de cada uma, o ribossomo
vai aderir, ou não, à membrana do retículo endoplasmático.
A partir da próxima aula, esses processos serão abordados com maiores
detalhes.

EXERCÍCIOS
1. Quais os dois métodos pelos quais acredita-se que tenham se formado as organelas
celulares?

2. Quais são os compartimentos de uma célula eucarionte?

3. A figura abaixo representa as dimensões lineares de uma bactéria. A partir dela


calcule a área e o volume da mesma.

4. Agora considere uma célula de dimensões lineares dez vezes maior (15, 20
e 10 µm) e repita os cálculos. Qual a relação entre a área e o volume das duas
células?

5. Considerando que a célula da questão 3 é uma bactéria e a da questão 4 um


eucarionte, como o impacto desse aumento de volume pode ser minimizado?

6. Como entram no núcleo as moléculas que para lá se destinam?

7. Como é feito o transporte de proteínas sintetizadas no citoplasma e destinadas


a organelas como mitocôndrias ou cloroplastos?

8. Como é feito o transporte de proteínas do retículo endoplasmático para o


complexo de Golgi e daí para a superfície celular?

9. Existe diferença entre ribossomas aderidos ao retículo e livres no citoplasma?

10. O que você entende por seqüência sinal?

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16
AULA
Retículo endoplasmático

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


objetivos

• Conhecer a morfologia do retículo endoplasmático,


em seus domínios liso e rugoso.
• Entender as funções do retículo endoplasmático,
correlacionando-as com os diferentes domínios.
• Entender o mecanismo da síntese de proteínas
solúveis para secreção e proteínas transmembrana.
• Entender o mecanismo de biogênese da bicamada
lipídica que constitui as membranas celulares.

Pré-requisitos
Bioquímica I: conceito de aminoácido,
peptídeo, proteína.
Biologia Celular I: estrutura de
membrana, transporte ativo.
Biologia Celular I | Retículo endoplasmático

INTRODUÇÃO Na aula anterior, vimos que aproximadamente metade do total de


membranas totais de uma célula pertence ao retículo endoplasmático.
O retículo forma uma rede contínua de membranas que ocupa boa parte
do citoplasma na maioria das células. Se um corante fluorescente, que
não atravessa as membranas (portanto não “vaza”), for injetado com
uma agulha bem fina no lúmen do retículo, vai se espalhar por todo
o espaço do lúmen, já que este é contínuo. Na Figura 16.1 estão as
fotos dessa experiência, e aí a gente passa a achar que o retículo merece
mesmo esse nome!

Figura 16.1: Uma célula de mamífero cujo retículo endoplasmático teve seu lúmen
totalmente preenchido por um corante fluorescente. Na foto da direita, uma região
da periferia da célula é mostrada em maior ampliação.
Foto: Hugh Pelham

A função mais conhecida do retículo é a síntese de proteínas de


membrana e proteínas para secreção; entretanto, esta não é sua única
função importante: a bicamada lipídica que constitui as membranas
celulares também é montada por ele. Nas regiões do retículo que estão
realizando síntese protéica (veja o boxe), ribossomos aderem à superfície
voltada para o citossol. Esta região é chamada de retículo rugoso (Figura
16.3). Já a biogênese (montagem a partir de moléculas precursoras) de
membranas ocorre em regiões desprovidas de ribossomos; esta região do
retículo é chamada de retículo liso. Além dessas funções, o retículo também
desempenha outras muito importantes, como o controle da homeostase de
cálcio (você viu na Aula 14) e alguns processos de detoxificação.

44 CEDERJ
16 MÓDULO 3
O retículo e sua saúde
Na membrana do retículo endoplasmático liso de algumas células existem enzimas capazes de catalisar
importantes processos de detoxificação. Elas modificam toxinas lipossolúveis, que podem, portanto,

AULA
atravessar membranas, tornando-as solúveis em meio aquoso. Elas podem ser então excretadas pelas
células e depois filtradas no rim. As enzimas mais importantes que fazem esse trabalho são as da família
do citocromo P450.

Apenas recordando
Sabemos que todas as proteínas celulares são sintetizadas a partir de informações contidas no DNA. Para
cada proteína é produzido, a partir do DNA, um filamento de RNA-mensageiro (RNAm), que é lido pelos
ribossomos (Figura 16.2). Os ribossomos também são formados por RNA, mas do tipo ribossomal (RNAr).
Conforme a fita de RNAm passa pelo ribossomo, aminoácidos trazidos por RNAt, ou transportador, são
acoplados uns aos outros, formando a cadeia peptídica. A figura a seguir esquematiza as etapas do que é
conhecido como “Dogma central da biologia molecular”.

Figura 16.2: A informação contida no DNA é transmitida ao RNA na transcrição, que por sua vez serve de
molde para a síntese de proteínas na tradução.

Morfologia e distribuição do retículo endoplasmático

As membranas do retículo formam um labirinto de túbulos e cisternas que se distribui por


todo o citoplasma (Figura16.3). A membrana externa do envoltório nuclear também é parte do
retículo, como você estudará em Biologia Celular II.
O retículo é muito dinâmico e suas membranas estão constantemente se reorganizando.
A rede de microtúbulos do citoesqueleto (você verá na Aula 23) contribui para o espalhamento
e sustentação dessas membranas.

CEDERJ 45
Biologia Celular I | Retículo endoplasmático

Figura16.3: As membranas do domínio rugoso do


retículo endoplasmático (A) possuem ribossomos
aderidos ao seu lado voltado para o citoplasma.
Já no domínio liso do retículo (B), as membranas
são desprovidas de ribossomos. Os dois domínios
formam um único compartimento (C) com áreas
lisas e rugosas, de acordo com a atividade de
síntese da célula.
Fotos: (A) Lelio Orei, (B) Daniel Friend

Todas as proteínas são sintetizadas no retículo?

Aprendemos, e aceitamos sem maiores questionamentos, que as proteínas que permane-


cerão solúveis no citossol e as que serão direcionadas para organelas como núcleo, mitocôndrias
ou cloroplastos são sintetizadas em ribossomos livres, enquanto as proteínas da membrana
plasmática, do próprio retículo e do complexo de Golgi, além daquelas que serão secretadas pela
célula ou estocadas em compartimentos como os lisossomos, são sintetizadas em ribossomos
aderidos ao retículo, formando o retículo rugoso. Cabe, então, perguntar: Serão os ribossomos
aderidos ao retículo diferentes daqueles livres no citossol? Não! Todos os ribossomos de uma
célula são idênticos e formados, como você sabe, por duas subunidades que se unem em torno
do filamento de RNAm (Figura 16.4).

46 CEDERJ
16 MÓDULO 3
AULA
Figura 16.4: Os aminoácidos que compõem as proteínas são adicionados de acordo com a “leitura” (tradução)
que os ribossomos fazem ao longo de uma fita de RNA mensageiro. A uma mesma fita podem associar-se
muitos ribossomos (polirribossomo ou polissomo) que vão produzindo várias cópias da mesma proteína.
Ao final da “leitura”, as subunidades ribossomais se separam e se incorporam ao conjunto de subunidades
ribossomais livres no citossol.

Quando a síntese de uma proteína que precisa passar pelo retículo se inicia, os primeiros
aminoácidos expostos fora do ribossomo constituem uma seqüência sinal. Essa seqüência então
se liga a uma partícula reconhecedora do sinal ou SRP (do inglês Signal Recognition Particle). A
membrana do retículo, por sua vez, possui um receptor para o conjunto seqüência de sinal (SRP)
(Figura 16.5). A membrana do retículo possui também um receptor que forma uma âncora para
adesão do ribossomo. A SRP interrompe a síntese das proteínas endereçadas ao retículo até
que o ribossomo esteja acoplado à sua membrana. A partir do acoplamento, a cadeia protéica
continuará sendo sintetizada para dentro do lúmen do retículo.
Como você sabe, uma cadeia protéica, mesmo ainda não enovelada, não pode atravessar
diretamente uma bicamada lipídica. Quando o ribossomo vai se acoplar ao retículo, forma-se um
canal hidrofílico transmembrana por onde a proteína nascente vai passar. Esse canal é formado por
proteínas transmembrana que se agrupam apenas quando o ribossomo vai se acoplar. Esse canal
hidrofílico recebe o nome de translocon. O ribossomo se ajusta no translocon, de modo que nada
mais atravesse o canal além da cadeia protéica e nada vaze do lúmen do retículo para o citossol.
O ribossomo permanecerá aderido até terminar de sintetizar a seqüência primária de aminoácidos
da proteína. No final da síntese, a seqüência sinal é cortada por uma enzima específica. Concluindo,
o que define se um ribossomo ficará livre ou aderido ao retículo é o tipo de proteína (com ou sem
seqüência de sinal) que ele estiver sintetizando naquele momento.

CEDERJ 47
Biologia Celular I | Retículo endoplasmático

Figura 16.5: Quando uma proteína endereçada ao retículo começa a ser sintetizada, ela expõe uma seqüência
sinal que será reconhecida pela SRP. A SRP interrompe a síntese da proteína até ligar-se a uma proteína
receptora na membrana do retículo. Assim, o ribossomo pode ligar-se ao complexo de translocação, por onde
a cadeia polipeptídica penetrará. Ao fim da síntese da cadeia protéica, as duas subunidades do ribossomo se
soltam da membrana do retículo e se separam, voltando ao estoque citoplasmático de ribossomos.

48 CEDERJ
16 MÓDULO 3
Que tipos de proteína são sintetizadas no retículo?

São sintetizadas no retículo proteínas transmembrana, isto é, aquelas que ficam inseridas

AULA
na membrana plasmática, na membrana do complexo de Golgi, de organelas como os lisossomos
ou do próprio retículo. Proteínas que ficarão solúveis em compartimentos, como as enzimas
lisossomais, e proteínas que serão secretadas, como hormônios ou enzimas digestivas também
são sintetizadas em ribossomos aderidos ao retículo endoplasmático.

Como uma proteína que está sendo sintetizada chega à luz do retículo?

Uma das principais características da seqüência sinal é ser rica em aminoácidos hidrofó-
bicos, assim como a região da SRP à qual ela se liga. Uma vez que o ribossomo esteja aderido
à membrana do retículo (através do receptor para SRP), a cadeia polipeptídica em formação se
alinha ao translocon (Figura 16.6). Assim, conforme a proteína vai crescendo, vai penetrando
diretamente na luz do retículo. A seqüência sinal hidrofóbica, já livre da ligação à SRP, mantém
a cadeia protéica ancorada à parte interna do translocon. Terminada a síntese da proteína, a
seqüência sinal é cortada enzimaticamente e a proteína fica livre no lúmen do retículo, a partir
de onde terá início um processo de acabamento e endereçamento ao seu destino final.

Figura 16.6: Mecanismo de translocação de uma proteína para o lúmen do retículo endoplasmático.
Para que o esquema fique mais claro, os ribossomos e o RNAm foram omitidos, mas eles estão lá!

CEDERJ 49
Biologia Celular I | Retículo endoplasmático

Problemas e soluções:
Como obrigar a cadeia polipeptídica a passar pelo complexo translocador?
A ligação da SRP à seqüência sinal de transferência leva o ribossomo a se ancorar
na membrana, apontando a cadeia polipeptídica na direção do poro do complexo
translocador. Certamente, isso ajuda a direcionar a cadeia para dentro do retículo, mas
o que obriga a cadeia nascente a passar pelo translocon é o seu próprio crescimento: à
medida que o peptídio vai sendo sintetizado junto ao ribossomo, a outra extremidade vai
sendo translocada pelo poro.

Como as proteínas transmembrana atravessam a bicamada


lipídica?

As proteínas que atravessam a bicamada lipídica possuem


seqüências ricas em aminoácidos hidrofóbicos no meio da cadeia primária
de aminoácidos. Assim, além da seqüência sinal inicial, que prende a
proteína nascente ao translocon, uma segunda seqüência hidrofóbica
impedirá que a cadeia penetre integralmente através do poro aquoso,
fazendo com que uma parte da proteína se projete para o citossol (Figura
16.7). Da mesma forma que no caso anterior, a seqüência sinal inicial é
clivada enzimaticamente ao fim do processo. É interessante notar que a
seqüência sinal inicial atua como um marco que sinaliza a transferência
da cadeia protéica nascente para o lúmen do retículo, enquanto a segunda
seqüência hidrofóbica atua como um sinal de parada dessa transferência.
O complexo translocador, por sua vez, abre-se, permitindo que essas
seqüências hidrofóbicas de início e interrupção da transferência fiquem
em contato com a bicamada lipídica. Assim se insere na membrana uma
proteína unipasso (Figura 16.7).

Figura 16.7: As proteínas transmembrana unipasso possuem, além da seqüência sinal,


um segmento da cadeia rico em aminoácidos hidrofóbicos que ficará em contato
com a bicapa lipídica. O restante da cadeia primária de aminoácidos ficará exposto
do lado da membrana voltado para o citossol. Ao final da síntese, a seqüência sinal
é clivada por uma enzima.

50 CEDERJ
16 MÓDULO 3
E as proteínas multipasso?

Entendido o processo de inserção de uma proteína unipasso, fica

AULA
fácil imaginar como uma cadeia peptídica pode atravessar muitas vezes
a bicamada lipídica, como fazem as proteínas multipasso (veja na Aula 8).
Essas possuem seqüências de início e interrupção da transferência que se
alternam ao longo da cadeia em crescimento (Figura 16.8).

Figura 16.8: As proteínas multipasso alteram seqüência de início (start) e interrupção (stop) da transferência
que resultam em muitas passagens pela membrana.

Detalhe importante:
Os processos de síntese e inserção de proteínas no retículo descritos até agora
resultam em inserção da proteína pela extremidade NH2 (amino), ficando
a terminação COOH (carboxila) sempre voltada para o citossol. Não fique
pensando que todas as proteínas são assim. Muitas têm a extremidade COOH
voltada para o exterior e outras possuem as duas extremidades da cadeia
voltadas para o mesmo lado da membrana. Isso acontece quando a seqüência
de transferência está inserida no meio da cadeia peptídica, deixando de fora
do retículo justo a extremidade NH2. A posição em que as seqüências de início
e interrupção da transferência ocupam na cadeia em formação fará toda a
diferença (Figura16.9).

Figura 16.9: Formação de uma proteína duplo passo. Repare que, neste exemplo, a seqüência de iniciação (sinal
inicial) não está na ponta da proteína, fazendo com que as duas extremidades da cadeia (amino e carboxila)
fiquem voltadas para o mesmo lado da membrana, no caso, o citossol. O sinal de interromper a transferência é
a segunda seqüência de ancoragem à membrana.
CEDERJ 51
Biologia Celular I | Retículo endoplasmático

Terminada a síntese da cadeia polipeptídica primária, a proteína


ainda não pode ser considerada pronta. As seqüências sinal, por exemplo,
são clivadas e eliminadas da proteína final. Esse processo de finalização
da proteína envolve várias proteínas auxiliares, responsáveis pelo correto
dobramento da cadeia, a adição de açúcares e outros processos que serão
detalhados na próxima aula.

O retículo liso e a biogênese da bicamada lipídica

Embora na maioria das células a superfície do retículo esteja quase


todo o tempo associada a ribossomos, sendo, portanto, chamada de
retículo rugoso, todos os lipídeos de todas as membranas celulares são
associados no retículo endoplasmático liso (Figura 16.3 B, C).

Os termos liso e rugoso se referem a estados funcionais transitó-


rios das membranas do retículo. O compartimento delimitado por essas
membranas é único. Assim, podemos dizer que um retículo não é rugoso,
ele está rugoso (a mesma coisa se aplica ao estado liso).

Figura 16.10: A fosfatidilcolina é formada por um conjunto de reações que reúne


a colina, o glicerol fosfato e dois ácidos graxos numa única molécula.

52 CEDERJ
16 MÓDULO 3
Todas as enzimas responsáveis por catalisar a síntese de
fosfolipídeos se localizam na membrana do retículo do lado voltado

AULA
para o citossol, onde estão as moléculas precursoras colina, glicerol
fosfato e ácidos graxos (Figura 16.10). Com isso, todos os lipídeos
sintetizados serão inicialmente adicionados ao lado da bicamada
voltados para o citossol. Se lembrarmos que uma membrana é uma
bicamada lipídica em que as quantidades de lipídeo em cada camada
é equivalente, assim como as áreas ocupadas por eles, no retículo liso
deveria haver um desequilíbrio entre as duas camadas (Figura 16.11).

Figura 16.11: Desequilíbrio de área hipotética das camadas do retículo endoplas-


mático liso quando da montagem da membrana (se você já leu O Pequeno
Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry, certamente lembrou da cobra que engoliu o
elefante...).

Esse desequilíbrio de área que teoricamente deveria existir nunca


foi realmente observado. Assim, acredita-se que ele é muito rápido, sendo
imediatamente corrigido por uma enzima chamada scramblase (veja o
boxe), capaz de flipar um fosfolipídeo, translocando-o para a face da
membrana voltada para a luz do retículo (Figura 16.12).
O fosfolipídeo sintetizado em maior quantidade é a fosfatidilcolina
(Figura 16.10). Essa é produzida pela adição de colina a duas cadeias de
ácido graxo e uma molécula de glicerol fosfato.

Humor e ciência
Quem acha que os cientistas são pessoas sisudas, que encaram a ciência
como coisa muito séria, com a qual não se brinca, está muito enganado. Um
exemplo de como se pode fazer ciência séria sem perder o senso de humor
é a enzima scramblase. Ao ser batizada, seus descobridores compararam sua
atividade à do cozinheiro que vira um ovo na chapa para que frite dos dois
lados. São o que chamamos de ovos mexidos, para os pesquisadores de língua
inglesa: scrambled eggs.

CEDERJ 53
Biologia Celular I | Retículo endoplasmático

Figura 16.12: Novos lipídeos são adicionados sempre


do lado da membrana do retículo voltado para o
citossol. Com isso, só esse folheto tenderia a crescer.
A distribuição de lipídeos entre os dois folhetos é
equilibrada pela enzima scramblase, que os distribui
pelos dois folhetos da bicamada lipídica.

Outros lipídeos, como a fosfatidiletanolamina, a fosfatidilserina e o fosfatidilinositol, são


sintetizados e acrescentados à membrana dessa mesma forma.
A ação da scramblase tende a equilibrar o número de moléculas em cada folheto da
bicamada e a homogeneizar os dois lados da bicamada, flipando os diversos tipos de fosfolipídeos
aleatoriamente. Entretanto, conforme comentamos na Aula 7, a bicamada lipídica da membrana
plasmática é assimétrica, isto é, alguns tipos de lipídeos só são encontrados na face voltada para o
citossol, enquanto outros só existem no folheto voltado para o meio extracelular (Figura 16.13).

Figura 16.13: Assimetria da bicamada lipídica: a fosfatidilserina (negativa) só existe no lado voltado para o
citossol, e os glicolipídeos (hexágonos), só no lado externo.

54 CEDERJ
16 MÓDULO 3
Essa assimetria resulta de uma outra classe de enzimas, as flipases. As flipases atuam na
membrana plasmática e, seletivamente, viram fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina do folheto

AULA
externo para o folheto voltado para o citossol. Enquanto as flipases gastam energia para realizar
a transferência de fosfolipídeos entre os folhetos da bicamada, as scramblases se valem da própria
energia da síntese.
A incorporação de colesterol à membrana também ocorre no retículo liso. A maioria do
colesterol vem pronto na dieta e só precisa ser disponibilizado (aguarde a Aula 20). Ele é sintetizado
em apenas algumas células animais, principalmente hepatócitos. Apenas uma pequena parte é
inserida na membrana do retículo liso. A maior parte é secretada em associação com moléculas
hidrofílicas, servindo de precursor para vários outros esteróis. Nessas células, o domínio liso do
retículo é muito mais abundante.
O retículo também é responsável pela síntese de outros lipídeos. Entre os mais importantes
temos as ceramidas, que são depois enviadas para o complexo de Golgi (próxima aula), onde
servem de precursoras de glicoesfingolipídeos e a esfingomielina.
A membrana plasmática, a dos lisossomos, do complexo de Golgi, dos endossomas e a
própria membrana do retículo são todas sintetizadas por ele. Além disso, mitocôndrias
e peroxissomos também dependem de lipídeos que são inicialmente sintetizados no retículo e
transferidos por proteínas transportadoras específicas para as membranas dessas organelas (Figura
16.14). A partir dessa incorporação essas organelas crescem, podendo depois se dividir.

Figura 16.14: Mecanismo


de importação de fosfoli-
pídeos para a membrana
mitocondrial.

Como o material sintetizado sai do retículo endoplasmático?

As novas proteínas, solúveis no lúmen do retículo ou as transmembrana, inseridas na


membrana do retículo, saem dessa organela em vesículas. Essas vesículas não partem de qualquer
lugar do retículo. Parece haver uma região de saída, os elementos transicionais, uma área do retículo
onde se misturam os domínios liso e rugoso, capaz de fazer brotamento de vesículas, que se dirigem
então ao complexo de Golgi e daí para outros compartimentos. Nós vamos junto com elas!

CEDERJ 55
Biologia Celular I | Retículo endoplasmático

RESUMO

• O retículo endoplasmático é uma rede contínua de membranas, ocupando


a maior parte do citoplasma, e tem domínios liso e rugoso.

• Dentre as mais importantes funções do retículo endoplasmático estão a


síntese de proteínas de membrana e para secreção, no domínio rugoso; a
biogênese da membrana, no domínio liso, e a manutenção da homeostase
de cálcio.

• Os ribossomos que fazem a síntese de proteínas no citoplasma e os que


fazem a síntese associados ao retículo são os mesmos, o que muda são as
características da cadeia protéica que está sendo sintetizada.

• Os primeiros aminoácidos da cadeia peptídica das proteínas que devem


ser sintetizadas para dentro do retículo formam uma seqüência sinal que é
reconhecida por um receptor citoplasmático (SRP) que dirige o ribossomo
para o retículo.

• No final da síntese, a seqüência sinal é cortada da cadeia protéica, que fica


solta no lúmen do retículo.

• Proteínas transmembrana, além da seqüência de sinal que as dirige ao


retículo, têm uma seqüência hidrofóbica de ancoragem que as prende à
bicamada lipídica.

• As membranas plasmática e dos compartimentos que se comunicam,


como retículo, complexo de Golgi, endossomos e lisossomos, são montadas
no retículo endoplasmático liso. Nesse processo, a membrana preexistente
aumenta de extensão porque a elas são acrescentados novos fosfolipídeos,
sintetizados a partir de precur-sores citoplasmáticos.

• Como os novos fosfolipídeos são todos acrescentados ao lado citosólico da


membrana do retículo liso, metade dos fosfolipídeos é translocada para o
outro lado por scramblases.

• Já na membrana plasmática, enzimas mais específicas, as flipases, translocam


seletivamente fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina para o folheto
citosólico.

• Os fosfolipídeos das membranas de mitocôndrias e peroxissomos são


transportados um a um, a partir do retículo liso para a organela a que se
destinam.

56 CEDERJ
16 MÓDULO 3
EXERCÍCIOS

1. Quais as funções do retículo endoplasmático?

AULA
2. Por que dizemos que o retículo não é rugoso e, sim, que está rugoso?

3. Qual a diferença entre ribossomos aderidos ao retículo e livres no citoplasma?

4. Como a seqüência de endereçamento é reconhecida?

5. Se os ribossomos aderem ao lado citoplasmático da membrana do retículo como


a proteína vai separar dele?

6. Como as proteínas transmembrana atravessam a bicamada lipídica?

7. Qual o destino da seqüência sinal que direciona a proteína para o retículo?

8. Como se formam as proteínas multipasso?

9. Como são sintetizadas as bicamadas lipídicas?

10. Como é feita a importação de lipídeos para a membrana mitocondrial?

CEDERJ 57
17
a u l a
Complexo de Golgi

OBJETIVOS Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Identificar os principais aspectos morfológicos
do complexo de Golgi.
• Listar as funções do complexo de Golgi.
• Diferenciar os processos de glicosilação do tipo N
e do tipo O.
• Explicar como o processo de glicosilação é ordenado
através das diferentes lamelas do Golgi.

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

INTRODUÇÃO Na última aula, vimos como uma membrana nova é produzida no


retículo endoplasmático, pela montagem da bicamada lipídica no domínio
liso e inserção de proteínas no domínio rugoso, novas membranas são
produzidas no retículo endoplasmático. No retículo também são sintetizadas
proteínas solúveis destinadas ao meio extracelular. Mas, além de lipídeos e
proteínas, uma membrana também possui açúcares ligados a proteínas ou
lipídeos. Onde são acrescentados esses componentes? O que faz com que na
membrana plasmática eles estejam voltados apenas para o meio extracelular?
Como as novas membranas saem do retículo endoplasmático?
Começando a responder tantas perguntas: no fim da última aula,
vimos que o material que sai do retículo, proteínas solúveis ou transmembrana
e a própria membrana, é transportado por vesículas e túbulos que brotam
da região do retículo conhecida como elementos transicionais. Tais vesículas
e túbulos se dirigem ao complexo de Golgi sem, no entanto, formar com ele
uma conexão permanente.

Um pouco de História
O complexo de Golgi foi descrito pela primeira vez por Camillo Golgi em 1898, graças
a um novo tipo de coloração histológica para neurônios usando metais pesados que ele
havia criado. No trabalho original, o complexo de Golgi está esquematizado como uma
rede dentro de um terminal nervoso. Camillo Golgi e Ramón-Cajal, dois neuroanatomistas,
ganharam o prêmio Nobel em 1906 pela criação desse método de coloração, conhecido como
método de Cajal, que permitiu mostrar que o sistema nervoso central é formado por células
individualizadas e não por uma rede contínua. A própria existência do complexo de Golgi
foi considerada duvidosa até 1954, quando sua organização foi descrita por microscopia
eletrônica. Alguns detalhes desta organização são desconhecidos até hoje.

Camillo Golgi, (à esquerda), Ramón-Cajal (no centro) e um dos esquemas originais do “aparato reticolare”
observado por Golgi (à direita).

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17 MÓDULO 3
Organização morfológica

Assim como o retículo endoplasmático, geralmente existe apenas um complexo de Golgi

AULA
por célula. Diferente do retículo endoplasmático, com sua rede contínua de túbulos, o complexo
de Golgi é formado por lamelas (ou cisternas) que não são contínuas (Figura 17.1). No conjunto,
elas se arranjam como uma pilha de pratos ou, comparação ainda melhor, como vários pães árabes
empilhados. Olhando mais atentamente, há perfurações nas lamelas, como se os pães tivessem
buracos não alinhados. De cada lado da pilha há uma rede de túbulos. Todas essas informações
decorrem da observação em microscopia eletrônica de transmissão de muitos cortes da organela
e reconstrução tridimensional a partir desses cortes (relembre a Figura 3.2).

Figura 17.1: Esquema da organização tridimensional do complexo de Golgi.

As vesículas que trazem material do retículo se incorporam à primeira rede de túbulos


do Golgi e daí atingem a primeira lamela. O complexo de Golgi é muito polarizado, isto é, tem
uma face diferente da outra. As vesículas que vêm do retículo sempre se incorporam ao Golgi
pelo mesmo lado. Esse lado de “entrada” do Golgi, que recebe material do retículo, é chamado
lado (ou face) Cis, enquanto a outra extremidade, mais distante do retículo, o lado de “saída”
do Golgi, é o lado (ou face) Trans. O número de lamelas entre uma extremidade e outra varia de
célula para célula, mas obedece a uma configuração mínima formada por:
– rede cis do Golgi, ou CGN,
– lamela cis,
– lamela medial,
– lamela trans e
– rede trans do Golgi, ou TGN.
Olhando fotos (Figura 17.2) e desenhos (Figura 17.1) do complexo de Golgi, a gente fica
intrigado imaginando como aquelas lamelas permanecem tão arrumadinhas! Ainda não há res-
posta bastante convincente para essa pergunta, mas os pesquisadores apostam na existência de
proteínas que formem pontes entre as lamelas, mantendo-as próximas umas das outras.

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

(B)

(A)
Figura 17.2: Micrografias de complexo de Golgi em uma célula animal (A) e na Euglena
(B). As lamelas estão empilhadas e podemos ver a rede de túbulos cis e trans.
Fotos: Márcia Attias

Além disso, o complexo de Golgi não fica em qualquer lugar


do citoplasma, mas sempre na região central da célula, próximo ao
envoltório nuclear (Figura 17.3). O que será que o “prende” lá? A
resposta tem a ver com o citoesqueleto. Essa curiosidade você vai ter de
segurar até a Aula 23!

Figura 17.3: Foto de mi-


croscopia óptica mostrando um
fibroblasto em contraste de fase
e o complexo de Golgi marcado
por um anticorpo que reconhece
uma proteína residente do Golgi.
N, núcleo.
Foto: John Henley e Mark McNiven

As lamelas do Golgi estão organizadas, mas certamente não por


razões estéticas! Depois de conhecer um pouco sobre as funções dessa
organela, você vai perceber que se não fosse tão ordenada ela não ia
funcionar direito.

Funções

O complexo de Golgi tem três funções principais:


a) realizar a glicosilação, isto é, adicionar açúcares a proteínas
e lipídeos que foram sintetizados no retículo endoplasmático, assim
modificando-os;

62 CEDERJ

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17 MÓDULO 3
b) adicionar grupamentos sulfato a proteínas, participando da
síntese de proteoglicanas;

AULA
c) distribuir as macromoléculas provenientes do retículo endo-
plasmático e que percorreram o complexo de Golgi entre três possíveis
destinos:
1. a membrana plasmática, onde tais moléculas se
incorporarão ou serão secretadas;
2. vesículas de secreção que se acumulam no citoplasma
esperando um sinal para exocitarem seu conteúdo;
3. lisossomos, onde formarão a própria membrana da
organela ou terão papel na digestão intracelular.
Você vai saber mais sobre a função de distribuição de macro-
moléculas nas Aulas 20 e 21, ainda neste módulo. Nesta aula vamos
nos deter mais na função de adição de açúcares.

Glicosilação

Chamamos de glicosilação ao processo de acrescentar monômeros


de açúcar a proteínas e lipídeos, formando glicoproteínas e glicolipídeos,
apesar de os monômeros adicionados não serem apenas glicoses.

Muito cuidado também quando for falar ou escrever glicoSILAção, porque é


fácil confundir com glicoLISAção, uma maneira rara de denominar a glicólise,
que é a via metabólica citoplasmática de produção de ATP a partir de glicose.

O objetivo desta disciplina não é ensinar bioquímica de açúcares;


assim, vamos nos deter apenas no processo de glicosilação de proteínas,
que permite demonstrar como a organização do complexo de Golgi é
importante para o funcionamento da organela e da célula.
Existem dois tipos de glicosilação de proteínas, o tipo N e o tipo O.
Dentre os dois tipos, vamos conhecer melhor a glicosilação do tipo N.
Veja na Tabela 17.1 o quadro comparativo das principais semelhanças
e diferenças entre os dois tipos.

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

Tabela 17.1: Tipos de Glicosilação de proteínas.

Tipo de glicosilação N O

Local de início Retículo endoplasmático Complexo de Golgi


(co-traducional)* (pós-traducional)**

Local de finalização TGN TGN

Aminoácido a que é adi- Asparagina Serina ou treonina


cionado o primeiro açúcar (no nitrogênio, daí o nome) (no oxigênio, daí o nome)

Último açúcar da cadeia Ácido siálico Ácido siálico

* Os açúcares são adicionados enquanto a cadeia de aminoácidos que forma a proteína ainda está
sendo montada.
** Os açúcares são adicionados à cadeia de aminoácidos já completamente montada.

Por que adicionar açúcares a proteínas?

Como você pode ver na Tabela 17.1, os açúcares começam a ser


adicionados à cadeia protéica quando ela ainda está sendo sintetizada,
o que, sem dúvida, interfere muito na conformação final da proteína.
Uma cadeia de açúcares é bastante mais polar e mais rígida que uma
cadeia de aminoácidos. Depois de receber uma cadeia de açúcares, a
asparagina jamais ficará voltada para dentro da cadeia na conformação
final. Assim, a adição de uma cadeia de açúcar, mesmo pequena, obriga
a proteína a assumir determinada conformação. Além disso, uma gli-
coproteína, seja do tipo N ou do tipo O, estará mais protegida da ação
de proteases do que uma proteína não glicosilada, por uma questão de
acesso das enzimas proteolíticas à cadeia protéica. Muitas das proteínas
que ficam expostas na superfície da célula são glicosiladas, o que protege
a membrana plasmática como um todo.
É interessante comparar a montagem de uma cadeia de açúcares com
a montagem de uma cadeia de proteína ou mesmo com cadeias de DNA
e RNA. Todas são polímeros montados a partir de monômeros e quase
todos, menos os açúcares, seguem um mecanismo de cópia quando são
montados. Na replicação, a cadeia nova de DNA é sintetizada seguindo a
complementaridade de bases nitrogenadas A-T e C-G em relação à cadeia
preexistente; na transcrição, o mesmo pareamento, A-U e C-G, faz do RNA
cópia fiel do segmento de DNA; na tradução, é a vez de o RNA servir de
“receita” para a síntese da cadeia protéica (veja o boxe).

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17 MÓDULO 3
AULA
Figura 17.4: O DNA serve de molde para sua própria duplicação, assim como para a síntese do RNA.
Este RNA, por sua vez, servirá de molde para a adição ordenada de aminoácidos numa cadeia protéica.
Você já viu esse esquema na Aula 16.

Como você notou, então, os processos de síntese das macromoléculas mais importantes seguem
um “molde”, com o objetivo de conservar a informação, diminuindo ao máximo a ocorrência de erros.
Já na glicosilação, em que uma cadeia ramificada de pelo menos 14 açúcares (que costumamos chamar
de árvore de açúcar, por causa das ramificações) é montada, não existem moldes a seguir! Será que não
é tão importante evitar a ocorrência de erros? Se considerarmos que a porção glicídica de glicoproteínas
e glicolipídeos serve de receptor específico a muitos ligantes importantes, atua na adesão das células e
no reconhecimento celular, certamente temos de admitir que é importante que essas árvores de açúcar
estejam montadas sem erros.

Glicosilação do tipo N

Qual será o mecanismo que garante que a árvore glicídica seja corretamente montada? Para
começar, se a cada vez que uma asparagina aparecer na cadeia protéica nascente no lúmen do
retículo endoplasmático, os 14 açúcares fossem acrescentados um de cada vez, seria uma correria
de enzimas! Daí para a ocorrência de erro é um pulo! O que ocorre é que a árvore é pré-montada
e fica pendurada, como em um cabide, num fosfolipídeo da membrana do retículo, esperando
a asparagina aparecer (Figura 17.5). A pré-montagem da árvore no retículo endoplasmático
funciona como uma linha de montagem de fábrica: a enzima que acrescenta o primeiro açúcar
reconhece o fosfolipídeo, a que coloca o segundo açúcar reconhece o fosfolipídeo mais o primeiro
açúcar, a enzima que coloca o terceiro só reconhece como substrato o conjunto fosfolipídeo mais
o primeiro e o segundo açúcares e assim por diante. Dizendo de uma maneira mais elegante, o
mecanismo de copiar um molde usado na replicação, na transcrição e na tradução, nesse caso,
é substituído pelo mecanismo da glicosilação, em que cada enzima só reconhece como substrato
o produto da enzima anterior.

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

Figura 17.5: Pré-montagem da árvore de açúcares no retículo endoplasmático.


Observe que os açúcares são adicionados, passo a passo, a um fosfolipídeo. Os dois
primeiros são N-acetilglucosamina, depois são colocadas 5 manoses, uma de cada
vez. Em seguida, já voltada para o lúmen do retículo (ninguém sabe como é que
vira tudo isso, passando pela bicamada lipídica!), a árvore recebe mais 4 manoses e
3 glicoses, sempre uma por vez.

Quando aparece uma asparagina na cadeia protéica nascente, a


árvore inteirinha é transferida para a proteína em apenas uma reação
enzimática (Figura 17.6). Como você aprendeu em Bioquímica I, Asn é
a sigla da asparagina.

Figura 17.6: Transferência


da árvore glicídica para
a asparagina (Asn) numa
cadeia protéica nascente.
O ribossomo e o RNAm
foram omitidos.

Atenção para um detalhe: nós ainda não saímos do retículo


endoplasmático! Claro que para isso é preciso que a proteína seja
terminada e corretamente enovelada. Nesta altura, ela talvez já tenha
várias árvores glicídicas adicionadas a asparaginas expostas. Se estiver
tudo correto com as cadeias protéica e glicídica, aí sim, a proteína poderá
passar ao complexo de Golgi.

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17 MÓDULO 3
O processamento da glicoproteína continua no Golgi

Imediatamente antes de sair do retículo, a árvore de açúcares, que

AULA
deu tanto trabalho para fazer, vai ser podada! Para que a proteína saia do
complexo de Golgi, as três glicoses terminais serão sucessivamente cortadas
por enzimas, e além delas uma das manoses também será retirada. Veja na
Figura 17.7 o que acontece com a árvore glicídica. Parece um absurdo?
Durante anos muitos pesquisadores acharam que isso era mesmo um passo
bioquímico inútil, mas outros pesquisadores (movidos pela idéia de que se a
seleção natural manteve esse mecanismo por milhões de anos, em todos os
eucariotos, desde fungos até mamíferos, é porque deve haver uma vantagem
importante) resolveram procurar essa razão. E não é que acharam há pouco
tempo? Tem a ver com o controle de qualidade da síntese da proteína e da
própria montagem da árvore de açúcares.

Figura 17.7: Depois que a árvore de açúcares


previamente montada já foi transferida para
a proteína, mas antes de sair do retículo
endoplasmático, a glicose da ponta é cortada
por uma enzima, as duas glicoses restantes
são retiradas por outra enzima e ainda uma
manose é cortada por uma terceira enzima
independente, mas que só age depois das
outras duas. Nesse processo de “poda” da
árvore também vale o mecanismo de cada
enzima reconhecer como substrato o produto
da enzima anterior. Repare ainda que a
cadeia protéica não foi desenhada, sendo
visível apenas o aminoácido asparagina ao
qual o açúcar está ligado.

Para passar ao complexo de Golgi, as glicoproteínas (e todas as


moléculas que sejam transportadas entre retículo e Golgi) são colocadas
em vesículas que brotam da região dos elementos de transição do retículo
e seguirão em direção à rede cis do Golgi.

A quem pertencem as vesículas?


As vesículas que brotam do retículo em direção ao Golgi ficam muito próximas, entremeadas mesmo, das
vesículas e túbulos que compõem a própria rede cis. É difícil, portanto, apenas pelo aspecto e localização na
célula, dizer se cada uma delas pertence ao retículo endoplasmático ou ao Golgi. Para definir isso, é preciso
buscar marcadores moleculares, isto é, a presença de moléculas típicas de cada organela. No atual estágio
do conhecimento de Biologia Celular, em que tantas moléculas de cada compartimento são conhecidas,
até isso ficou difícil. Assim, a maioria dos pesquisadores aceita que as vesículas e túbulos entre retículo
endoplasmático e Golgi formam um compartimento especial de direcionamento de moléculas recém-
sintetizadas ou recicladas que merece o nome de Endoplasmic Reticulum Golgi Intermediate Compartment,
resumido na sigla ERGIC. Outra denominação cada vez mais usada é Vesicular Tubular Cluster ou VTC,
já que essas vesículas e túbulos ficam muito próximos uns dos outros, lembrando um grande agregado
vesicular. O importante é saber que esse compartimento está direcionando ao Golgi material que vem do
retículo. Seja qual for o nome que vai “pegar”, você já ouviu falar nele um dia.

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

Açúcares: uns são cortados, outros adicionados

Chegando à rede cis do Golgi, a glicoproteína já tem pronta a


cadeia protéica, claro, mas a porção glicídica ainda está em construção.
Essa construção ocorre em várias etapas e é, como você poderá notar,
bastante complexa. Não esperamos que você decore a seqüência de
eventos de glicosilação, mas que tenha aqui uma fonte de consulta para
aprofundar seus conhecimentos. Nessa altura, o açúcar final da árvore
glicídica do tipo N é manose, como está na Figura 17.7. Antes de continuar
acrescentando açúcares, as enzimas da rede cis e da lamela cis ainda retirarão
mais manoses (Figura 17.8).

Figura 17.8: Na região cis do


Golgi, manoses são retiradas,
deixando a árvore glicídica
com apenas 7 açúcares.

A glicoproteína sairá, assim, da lamela cis e, contida numa


vesícula, será levada à lamela medial. Lá, vai encontrar enzimas que
farão um balanço entre colocar e retirar açúcares, de modo que a cadeia
ainda não vai crescer, mas vai ficar diferente (Figura 17.9). Isso feito,
a glicoproteína sairá da lamela medial, mais uma vez a bordo de uma
vesícula, e chegará à lamela trans.

Figura 17.9: Retirada de manoses e adição de novas N-actilglucosaminas que ocorrem


nas glicoproteínas ao passarem pela lamela medial do complexo de Golgi.

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17 MÓDULO 3
Na lamela trans, mais açúcares serão acrescentados, e aí a árvore glicídica vai finalmente
crescer de novo. Além de outra N-acetilglucosamina, serão adicionadas galactoses. A glicoproteína

AULA
continuará percorrendo a lamela trans e atingirá a rede trans, onde o último açúcar da árvore
será adicionado: o ácido siálico (ou ácido N-acetil-neuramínico, conhecido pela sigla do inglês
NANA). O ácido siálico tem enorme importância porque, além de ser um monômero polar, como
os outros açúcares, ele tem carga negativa. Assim, ao terminar em ácido siálico, uma glicoprote-
ína passa a ser uma molécula negativa em pH fisiológico, independente da sua porção protéica.
Na Figura 17.10, temos um panorama passo a passo da glicosilação do tipo N.

Figura 17.10: Funcionamento geral da glicosilação do tipo de N. Depois de a árvore pré-montada ser transferida
para o aminoácido asparagina, ainda no retículo, três açúcares são cortados (passo 1). Já no complexo de
Golgi, na rede cis e lamela cis, mais açúcares são retirados (passo 2). Na lamela medial, mais cortes e o primeiro
acréscimo (passos 3 e 4). Pouco antes de sair do Golgi, são adicionados o penúltimo (lamela trans) e depois o
último (na rede trans) açúcares (passo 5).

Ao chegar à membrana plasmática, os ácidos siálicos ligados a proteínas e também a lipídeos


contribuirão muito para a carga negativa que uma célula apresenta ao ambiente.
Agora que você já sabe como é a porção glicídica de uma glicoproteína, é importante
reforçar alguns pontos:
• A árvore glicídica que acabamos de ver não mostra todos os açúcares de uma glicoproteína.
Até porque, se fosse assim, você chegaria à conclusão (incorreta) de que todas as glicoproteínas têm
a porção glicídica igual. Ainda comparando com uma árvore, a cadeia de açúcares cuja montagem
acompanhamos, você conheceu a formação do ramo principal, ou tronco. Cada glicoproteína do
tipo N tem esse ramo principal e muitos ramos laterais, em que outros açúcares são adicionados
ao ramo principal. Nesses “galhos”, os açúcares podem ser iguais aos do ramo principal ou não,
havendo glicoproteínas com monômeros como fucose, rafinose ou outros nos ramos laterais.
Assim resulta numa grande diversidade de árvores.
• Apesar das variações nos ramos laterais, no ramo principal, os dois últimos açúcares são
sempre os mesmos: galactose e ácido siálico. Isso é muito importante porque alguns mecanismos
da fisiologia celular estão baseados nesse arranjo.

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

Exemplos da importância de os últimos açúcares serem sempre os mesmos


Exemplo 1
As hemácias, ou glóbulos vermelhos, circulam pelo sangue por cerca de 120 dias, sendo depois destruídas
por macrófagos do baço. Como o organismo sabe a idade de uma hemácia? Quando uma hemácia fica
velha, perde o açúcar terminal de suas glicoproteínas, o ácido siálico, passando a expor galactose. Ao
passar pelo baço, será reconhecida pelos receptores de galactose dos macrófagos que lá residem. Assim,
ela será fagocitada e destruída.
Exemplo 2
Alguns parasitos como, por exemplo, o Plasmodium falciparum, causador da malária, podem controlar
a expressão da enzima que corta o ácido siálico, a sialidase. Quando o sistema imune reconhece o
Plasmodium, uma das primeiras coisas que ele faz é secretar sialidase, que corta seus próprios ácidos
siálicos, expondo galactose, modificando, assim, a topologia das glicoproteínas de superfície e
confundindo o sistema imune do hospedeiro. Essa estratégia é eficiente por um tempo limitado, mas dá
tempo para que esse bandido unicelular ative outros recursos de evasão.
Exemplo 3
O Trypanossoma cruzi, causador da doença de Chagas, não tem no Golgi a enzima que adiciona ácido
siálico. Em compensação, o parasito expõe na sua superfície uma outra enzima capaz de reconhecer os
açúcares terminais galactose e ácido siálico das glicoproteínas do hospedeiro. Essa enzima, então, retira
o ácido siálico das moléculas do hospedeiro e o coloca nas próprias glicoproteínas de superfície, que
terminam em galactose. Por isso, ela recebe o nome de transialidase, já que retira e transfere o ácido
siálico. O parasito, assim, fica todo “disfarçado” com os ácidos siálicos do hospedeiro. Não é esperto?
Conclusão: nos três exemplos fica evidente que uma célula é vista por outra, principalmente pelos
açúcares que expõe na superfície.

• Nem todas as glicoproteínas do tipo N têm a árvore glicídica


completa. Por razões inerentes à própria proteína, algumas delas terminam
em manose, tendo para sempre a configuração de entrada no complexo
de Golgi chamada high manose. Para diferenciar, as glicoproteínas que
têm a árvore toda são chamadas “complexas” (muito adequadamente,
você não acha?).
• A estrutura básica da árvore glicídica de glicoproteínas formadas
pelo outro tipo de glicosilação (o tipo O, em que os açúcares começam a
ser adicionados quando a proteína já está no Golgi) é um pouco diferente,
mas os açúcares terminais, galactose e ácido siálico, são os mesmos.

As proteoglicanas
Além de sintetizar glicoproteínas, o complexo de Golgi também é o local de formação das proteoglicanas.
Essas moléculas também têm uma porção protéica e uma porção glicídica, mas a proporção entre as duas é
diferente: elas têm muito mais açúcar do que proteína (veja Aula 7). Uma de suas características marcantes
é que, diferente das glicoproteínas, a porção glicídica das proteoglicanas não lembra uma árvore
ramificada. Dímeros de açúcar se repetem, formando moléculas muito longas. Muitas proteoglicanas
são sulfatadas, e a adição dos grupamentos sulfato também é feita por enzimas do complexo de Golgi.
As proteoglicanas são encontradas na superfície das células, onde protegem bastante a membrana
plasmática e a matriz extracelular, onde formam grandes polímeros que sustentam e conectam as células,
como você vai ver em Biologia Celular II.

Figura 17.11:
Conformação básica de
uma proteoglicana.

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17 MÓDULO 3
Como se descobriu que a glicosilação funciona assim?

Não foi nada fácil! Depois de saber quais enzimas eram responsáveis por cada etapa

AULA
em experimentos de Bioquímica, experimentos de fracionamento celular mostraram que tais
enzimas não eram citossólicas, estando confinadas em algum compartimento. O refinamento
desses experimentos mostrou que as primeiras enzimas estavam no retículo e as últimas no
complexo de Golgi, porque iam parar nas mesmas frações que enzimas marcadoras dessas
organelas já conhecidas. Depois, adaptando os ensaios bioquímicos de cada uma destas enzimas
para microscopia eletrônica (formando um produto eletrodenso e não colorido, como no
espectrofotômetro usado em Bioquímica), foi possível demonstrar que as enzimas estavam dentro
de diferentes lamelas do complexo de Golgi (Figura 17.12).

Figura 17.12: Na micrografia A, o complexo de Golgi não está submetido a nenhum tratamento especial.
Na micrografia B, foi feita impregnação com metal pesado (a coloração de Golgi e Cajal), no caso, o ósmio, que
se acumula preferencialmente na rede e lamela cis. Nas micrografias C e D, ensaios de citoquímica mostraram o
produto final de enzimas de glicosilação na lamela trans (C) e na rede trans (D). Fotos de Daniel Friend.

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

CONCLUSÃO

Como chamamos a atenção no começo desta aula, o mecanismo


de síntese de polímeros de açúcar difere do mecanismo de montagem de
outros polímeros porque não usa o sistema de cópia. No entanto, a chance
de haver erro na montagem é minimizada por outro mecanismo, o da
linha de montagem, em que cada enzima usa como substrato o produto
da enzima anterior. Ao deixar o retículo endoplasmático e chegar ao
complexo de Golgi, além da linha de montagem, a chance de haver erro
é ainda mais diminuída pelo fato de as diferentes enzimas que montam
a árvore glicídica estarem em diferentes lamelas do Golgi, que não se
comunicam entre si. Assim, ao final de cada etapa, a glicoproteína em
construção muda de compartimento. É fácil perceber que se as lamelas do
Golgi fossem embaralhadas, ou se as vesículas que transportam o material
de lamela em lamela se perdessem e fundissem com a lamela errada,
a glicoproteína simplesmente não ficaria pronta. É muito importante,
portanto, que a organização do complexo de Golgi seja mantida.
O único período em que o complexo de Golgi não está organizado como
lamelas empilhadas é o da divisão celular. Mas, logo após a citocinese,
a organela se reorganiza e volta a funcionar perfeitamente, produzindo
glicoproteínas em perfeito estado.
Explicar por que as vesículas transportadoras não se fundem com
o compartimento errado é um pouco mais difícil, mas na Aula 21 vamos
examinar essa questão com cuidado.
Depois de prontas, as moléculas que percorrem o complexo de
Golgi serão distribuídas para seu destino final. Essa distribuição ocorre
na rede trans e pode ter a ajuda de receptores ou de outros recursos que
também serão vistos na Aula 21. As funções do complexo de Golgi estão
resumidas na Figura 17.13.

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Figura 17.13: Esquema geral do funcionamento do complexo de Golgi.
17 MÓDULO 3
AULA

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Biologia Celular I | Complexo de Golgi

RESUMO

• O complexo de Golgi é uma organela localizada nas proximidades do envoltório


nuclear e formada por um sistema de cisternas ordenadas em pilha.

• Proteínas sintetizadas no retículo endoplasmático são transportadas em


vesículas para o complexo de Golgi. Essas vesículas se fundem às cisternas da
face cis do Golgi.

• No complexo de Golgi, as proteínas vindas do retículo são modificadas


(glicosiladas ou sulfatadas) e despachadas para a membrana plasmática,
lisossomas ou vesículas de secreção.

• As proteínas são transportadas de uma cisterna do Golgi para outra cisterna


adjacente sempre através de vesículas que brotam em uma cisterna e se fundem
à seguinte.

• Em cada cisterna do complexo de Golgi, as proteínas são modificadas


pela adição ou supressão de moléculas de açúcar da sua cadeia primária de
aminoácidos. Esse processo se chama glicosilação.

• A glicosilação pode ser de dois tipos: N e O.

• A glicosilação do tipo N tem início ainda no retículo endoplasmático e os


açúcares se ligam ao aminoácido asparagina na cadeia polipeptídica.

• A glicosilação do tipo O tem início no Golgi e os açúcares se ligam a um


aminoácido serina ou treonina.

• Cada cisterna do Golgi tem um conjunto diferente de enzimas que participam


da glicosilação.

As cadeias de açúcar das glicoproteínas ficam sempre expostas para o meio


extracelular e são as principais moléculas no reconhecimento entre células.

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17 MÓDULO 3
EXERCÍCIOS
1. Como o complexo de Golgi pode ser localizado em microscopia óptica? E em

AULA
microscopia eletrônica?

2. O que se entende por face cis e trans do complexo de Golgi?

3. Por que as lamelas do complexo de Golgi precisam ser “arrumadinhas”?

4. Liste as principais funções do complexo de Golgi, explicando sucintamente o


que são.

5. Diferencie a glicosilação do tipo N da do tipo O.

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18
AULA
Controle de qualidade da
síntese protéica

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


objetivos

• Conhecer os mecanismos pós-traducionais


de controle de qualidade da síntese de proteínas.
• Entender o funcionamento das chaperonas.
• Conhecer o sistema citoplasmático de degradação
de proteínas: proteassomas.
Biologia Celular I | Controle de qualidade da síntese protéica

INTRODUÇÃO Ao longo da evolução, as células incorporaram mecanismos bastante


eficientes para evitar que erros na transmissão da informação genética se
propaguem na replicação, na transcrição e na tradução. Ainda assim, com
todo esse cuidado de assegurar que a seqüência de aminoácidos esteja
correta, ainda é possível que uma proteína não consiga desempenhar suas
funções por erro no enovelamento. Na verdade, uma quantidade significativa
de proteínas precisa de ajuda para atingir a configuração terciária correta.
Essa ajuda é fornecida por uma família de proteínas que, além de auxiliar o
enovelamento protéico, encaminha a proteína à destruição, caso não seja
possível atingir a configuração correta.
Essas proteínas são chamadas de chaperonas (chaperons são aqueles
meninos que ajudavam os nobres renascentistas a vestir as roupas
complicadíssimas e colocar as perucas enormes) e constituem uma família
de muitas proteínas diferentes com função semelhante: elas usam energia
da hidrólise de ATP para desenovelar proteínas, possibilitando novo
enovelamento, dessa vez na forma correta ou no lugar correto. Vamos ver
a seguir alguns exemplos desse mecanismo.

Proteínas auxiliares: as chaperonas

As proteínas auxiliares foram descobertas em experimentos em que


células eram submetidas a altas temperaturas, cerca de 42oC para células
que vivem a 37oC, na presença de um aminoácido marcado radioativamente
(metionina-35S) e depois tinham o perfil de proteínas analisado por
eletroforese e auto-radiografia (veja boxe). Em temperaturas mais altas,
a quantidade total de proteínas sintetizada era maior do que na temperatura
normal, no mesmo período, o que já era esperado. Mas a surpresa é que
havia um grupo de proteínas que antes nem era perceptível, mas depois
do choque térmico aparecia em quantidade maior. Essas proteínas foram
identificadas, analisadas e tiveram sua função determinada. Eram proteínas
que hidrolisavam ATP e estavam sempre associadas a outras proteínas,
algumas também recém-sintetizadas, ajudando no enovelamento delas.
Elas ficaram conhecidas como proteínas de choque térmico ou hsp (do
inglês heat shock proteins). Depois de conhecer sua função, ficou fácil
compreender porque aumentavam tanto de quantidade no choque térmico:
se mais proteínas estavam sendo sintetizadas e mais depressa, é provável
que precisassem de mais ajuda.

78 CEDERJ
18 MÓDULO 3
Auto-radiografia é uma técnica em que se separam proteínas por eletroforese e depois, para distinguir
quais das proteínas estão marcadas radioativamente, coloca-se o gel em contato com um filme de raios X. Só as

AULA
proteínas marcadas impressionam o filme. O caso citado no texto é chamado incorporação metabólica:
fornecemos para a célula um precursor radioativo da molécula que queremos detectar. Se queremos
detectar proteínas sintetizadas num dado período, fornecemos um aminoácido marcado, como a
metionina, que tem o átomo de enxofre radioativo (35S).

Depois que a família de proteínas hsp foi caracterizada, muitos de


seus componentes foram identificados com base na presença de seqüências
peptídicas conservadas. Assim, foram encontradas proteínas de choque
térmico no citossol, nas mitocôndrias, no retículo endoplasmático.
Comparando as diferentes proteínas de choque térmico, ou chaperonas,
elas puderam ser classificadas em dois grupos: o das hsp60 e o das hsp70,
com modos de ação ligeiramente diferentes.

hsp70 ajuda no enovelamento das proteínas

As hsp70 (Figura 18.1) são proteínas menores, que se ligam em


seqüências hidrofóbicas expostas e mantêm a cadeia peptídica desenovelada
até que ela possa assumir a conformação tridimensional correta.
Essa chaperona tem duas tarefas importantes: ajudar o enovela-
mento e impedir que várias proteínas malformadas, com seqüências
hidrofóbicas expostas, formem agregados, que além de inúteis podem
ser muito nocivos (veja boxe no final da aula). Ela ajuda proteínas
que estejam sendo sintetizadas em ribossomos livres no citoplasma ou
proteínas que foram transferidas através do translocon (mencionado
na Aula 16) para o retículo endoplasmático. Nesse caso, entra em ação
outro conjunto de chaperonas do grupo hsp70, que mora dentro do
retículo; a mais conhecida delas é a BIP, que é considerada marcadora
do retículo endoplasmático.

Figura 18.1: O modo de ação da chaperona hsp70: ela impede que a cadeia protéica
enovele erradamente.

CEDERJ 79
Biologia Celular I | Controle de qualidade da síntese protéica

Nem sempre esse tipo de chaperona age em cadeias protéicas que


estão sendo sintetizadas. Um bom exemplo é a transferência de proteínas
que são feitas no citossol, lá ficam prontas, mas devem funcionar na
mitocôndria. Para entrar na mitocôndria, ela precisa ser desenovelada,
transportada e depois reenovelada dentro da mitocôndria. Certamente,
as chaperonas ajudam a direcionar a cadeia para dentro da mitocôndria,
o que equivale a tentar guardar um novelo de lã dentro de um armário
fechado, passando-o pelo buraco da fechadura: quanto mais longa a
proteína, mais complicado fica passar toda a sua extensão para dentro.
O que poderia facilitar esta tarefa seria se anõezinhos puxassem o fio pelo
lado de dentro (Figura 18.2). Quem executa a tarefa de tais anõezinhos
são chaperonas que residem na mitocôndria. Você vai saber mais sobre
esse transporte na aula de mitocôndria.

Figura 18.2: Como passar um novelo pelo buraco da fechadura?

As hsp60 e o controle de qualidade

As chaperonas do grupo hsp60 agem sempre sobre uma proteína


já pronta que tenha um erro na configuração terciária. O erro aparece
sempre como uma seqüência de aminoácidos hidrofóbicos que ficam
expostos e são reconhecidos pelas chaperonas (aliás, todas as chaperonas
reconhecem e se ligam a seqüências hidrofóbicas de aminoácidos). Uma
vez detectado o erro, as hsp60 se ligam à proteína, aprisionando-a dentro
de uma reentrância da própria chaperona, formando um ambiente
separado do citossol, propício para que a energia do ATP, que a chaperona
hidrolisou, consiga modificar o enovelamento da proteína. As chaperonas
do grupo das hsp60 parecem um barrilzinho (Figura 18.3).

80 CEDERJ
18 MÓDULO 3
AULA
Figura 18.3: Modo de ação das chaperonas do grupo das hsp60.

Proteassomas: trituradores de proteínas

E se as chaperonas não conseguirem consertar as proteínas mal


enoveladas? Na verdade, elas tentam várias vezes, mas, ainda assim,
nem sempre conseguem. Se não for possível consertar a proteína, as
chaperonas encaminham essa proteína para degradação. Se você acha
que a degradação de proteínas dentro de uma célula só pode ocorrer
dentro dos lisossomos, saiba que durante muitos anos essa era a idéia
em vigor. Depois, através de experimentos de fracionamento celular e,
mais tarde, de Biologia Molecular, descobriu-se que existem enzimas
que degradam proteínas (enzimas proteolíticas) no citossol também.
Eram enzimas que funcionavam muito bem em pH 7,0. A descoberta
surpreendeu muito, já que se achava que as enzimas proteolíticas não
saíam degradando tudo porque estavam presas aos lisossomos. Mas o
fato é que elas não saem degradando tudo! Como explicar? A resposta
veio do fato de as enzimas proteolíticas citossólicas não estarem dispersas,
e sim arranjadas em conjuntos enzimáticos chamados proteassomas.
Esse arranjo de enzimas parece um pequeno triturador de papel, ou um
apontador de lápis automático, que tem as lâminas voltadas para dentro
(Figura 18.4).

Para você ter uma idéia do tamanho, um proteassoma é pouco menor que um ribossomo; seu tamanho
também é medido em “s” (svedbergs, unidade de sedimentação: expressa a velocidade com que uma
macromolécula vai para o pellet em uma ultracentrifugação em condições padronizadas). As subunidades
do ribossomo têm 40s a menor e 60s a maior, enquanto a porção mediana do proteassoma, que contém as
enzimas, mede 26s, e as porções de reconhecimento, 19s cada uma.

CEDERJ 81
Biologia Celular I | Controle de qualidade da síntese protéica

Figura 18.4: Proteassomas vistos por contrastação negativa no microscópio eletrônico (A). Em B, a imagem de um proteassoma
trabalhada em computador, mostrando que cada proteassoma possui uma região mediana, que é o sítio de degradação
onde estão as proteases com o sítio ativo voltado para dentro e, em cada extremidade, um sítio de reconhecimento. Em C,
um desenho esquemático de um proteassoma onde se vê o seu interior.
Fonte: Molecular Biology of the Cell, 3-ª ed.

Assim, o proteassoma só vai digerir as proteínas que entrarem


nele, chegando ao alcance do sítio ativo das enzimas. E uma proteína
não entra no proteassoma por acaso. Ela precisa ser reconhecida nas
bordas do proteassoma. O que será que o proteassoma reconhece?
Talvez, de novo, as seqüências hidrofóbicas expostas em proteínas
mal enoveladas. No entanto, descobriu-se que os proteassomas também
degradam proteínas em perfeito estado, se elas estiverem sobrando na
célula. Proteínas em excesso devem mesmo ser degradadas, para que seu
armazenamento não “ocupe espaço” e os aminoácidos resultantes da
degradação sejam reaproveitados. O sistema de degradação citossólica
em proteassomas está acoplado a um sistema de marcação de quem
deve ser degradado. É como se a proteína que vai ser destruída recebesse
uma etiqueta que pudesse ser lida pelo proteassoma, que, mediante a
identificação, vai puxá-la para dentro. Essa “etiqueta” é uma pequena
proteína que recebeu o nome de ubiquitina (veja o boxe). Proteínas
destinadas à degradação recebem várias ubiquitinas. O sítio de
reconhecimento do proteassoma tem receptores para ubiquitina.

Ubiquitina, a proteína que está em toda parte


Ao identificar uma nova proteína, os cientistas procuram batizá-la com um nome
que evidencie uma característica marcante, facilitando o seu reconhecimento.
Assim, a ubiquitina recebeu este nome por ser uma proteína ubíqua (onipresente),
isto é, ser encontrada em todas as células; afinal, qual é a célula que não precisa
estar constantemente controlando a qualidade das proteínas que produz?

82 CEDERJ
18 MÓDULO 3
Controle de qualidade no retículo endoplasmático

Agora você já conhece vários novos personagens celulares e, assim,

AULA
podemos responder a uma pergunta que ficou em suspenso na Aula 17:
por que as glicoproteínas do tipo N têm as glicoses da ponta da árvore
de açúcares cortadas antes de sair do retículo endoplasmático? Como
já adiantamos na aula passada, esse corte funciona como um sinal de
que a glicoproteína está corretamente sintetizada e enovelada, podendo
prosseguir para o complexo de Golgi. Mas e se ela não estiver perfeita?
As glicoses não são cortadas e ela não sai. O que acontece com ela? Essa
glicoproteína vai ser reconhecida por chaperonas do retículo que vão
hidrolisar ATP para conseguir energia e tentar consertá-la. As chaperonas
mais conhecidas que fazem esse trabalho são a calnexina e a calreticulina.
Essas chaperonas são também lectinas, já que reconhecem um açúcar
específico: uma glicose na ponta de uma árvore N-ligada (Figura 18.5).

Figura 18.5: Uma glicoproteína


com apenas uma glicose no fim
da cadeia é reconhecida pela
chaperona calnexina, que ajuda
no correto enovelamento. Se
a glicose for cortada antes de
a proteína ficar correta, outra
enzima recoloca apenas uma
glicose para que a proteína
volte a ser reconhecida pela
chaperona, até consertar!

Quando a árvore de açúcares é transferida para a proteína, ela


tem três glicoses terminais. Duas delas são retiradas e a terceira só será
cortada se tanto a porção glicídica quanto a protéica estiverem perfeitas.
Caso contrário, calnexina e/ou calreticulina se ligam à proteína e tentam
consertá-la. Enquanto não conseguirem, não soltam. Se a última glicose
for retirada e a proteína ainda não estiver enovelada corretamente, uma
enzima recoloca apenas uma glicose, para que as chaperonas voltem a
reconhecê-la e consertá-la (Figura 18.5).
Você deve ter percebido que as chaperonas são mesmo insistentes
e tentam muito consertar uma glicoproteína antes de desistir.

CEDERJ 83
Biologia Celular I | Controle de qualidade da síntese protéica

Isso, às vezes, não é possível. Quando isso acontece, as próprias chaperonas


se encarregam de encaminhar a proteína para degradação. Em primeiro
lugar, essa proteína não vai para o Golgi, porque a chaperona não solta. A
chaperona é uma proteína residente do retículo endoplasmático. Isso quer
dizer que ela tem uma seqüência de aminoácidos característica de retículo
endoplasmático, como uma seqüência de sinal que funciona para retenção
no retículo. Se uma proteína residente do retículo escapar, por engano, para o
complexo de Golgi, ao chegar lá na rede cis será reconhecida por um receptor
para a seqüência típica de retículo e colocada numa vesícula que retornará
ao retículo endoplasmático. Quando isso acontece com uma chaperona que
estava ligada numa proteína tentando consertá-la, a proteína voltará para o
retículo junto com a chaperona, impedindo que ela atinja outras regiões da
célula ou do meio extracelular, onde poderia causar grandes prejuízos.
No retículo endoplasmático, as proteínas que não têm mais jeito se-
rão mandadas para a degradação no citoplasma e, para chegar lá, precisam
atravessar a membrana do retículo! Essa proteína já fez isso antes, quando
estava sendo sintetizada e saindo do ribossomo, ainda não enovelada.
Agora, para passar de volta para o citoplasma, ela também precisa estar
desenovelada, e providenciar o desenovelamento é função da chaperona.
Para voltar para o citoplasma, a proteína será transportada através do
translocon, só que agora na contramão (alguns pesquisadores chamam de
retrotranslocon). Para abrir o translocon, e evitar que moléculas indevidas
entrem ou saiam, existem proteínas auxiliares que ainda não foram iden-
tificadas. Uma vez no citoplasma, essas proteínas terão a porção glicídica
cortada de uma só vez por uma enzima (glicanase), serão ubiquitinadas,
reconhecidas e degradadas por um proteassoma (Figura 18.6).

Figura 18.6: Transporte de uma


glicoproteína malformada no
retículo para o citoplasma,
onde será degradada em
proteassomas.

84 CEDERJ
18 MÓDULO 3
Proteassomas e chaperonas mantêm a célula com todas
as proteínas em ordem

AULA
Além da vantagem óbvia de evitar o acúmulo de proteínas malfor-
madas e, portanto, inúteis, a importância do trabalho das chaperonas e dos
proteassomas fica mais evidente quando examinamos as conseqüências
do acúmulo de proteínas malformadas.
É comum que proteínas malformadas tenham seqüências hidrofó-
bicas indevidamente expostas. Esta exposição leva a uma tendência de
agregação. Os agregados protéicos só se formam se o sistema de degra-
dação não funcionar, mas, uma vez iniciada a agregação, a atividade das
proteases fica difícil porque as proteases não têm acesso às proteínas e
eles (os agregados) também não entram nos proteassomas. Um agregado
protéico que cresça muito pode levar a célula à morte, ou, se a célula
conseguir expeli-lo, causar enorme prejuízo ao tecido, acumulando-se no
meio extracelular. Um tipo particular de agregado protéico é formado
quando regiões β-pregueadas anormalmente expostas em várias proteínas
provocam o empilhamento dessas proteínas, formando o que se chama
placa β−amilóide (Figura 18.7). As placas β-amilóides são marcantes
em algumas doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer e a
doença de Huntington, embora não se possa atribuir a essas placas a causa
das doenças.

Figura 18.7: Uma proteína globular (A), quando mal enovelada, pode assumir uma
conformação planar (B) que expõe folhas β-pregueadas. Muitas proteínas com essa
configuração formam um agregado conhecido como β-amilóide (C), altamente
resistente a proteases e muito prejudicial aos tecidos.

CEDERJ 85
Biologia Celular I | Controle de qualidade da síntese protéica

Agregados de proteínas mal enoveladas também estão presentes na doença humana de Creutzfeld-Jacob
e na encefalopatia espongiforme bovina, conhecidas como “mal da vaca louca”. Nesse caso, a presença da
proteína mal enovelada pode induzir a modificação da proteína correta, que está presente na superfície
de células nervosas de indivíduos normais, e cuja função ainda não é conhecida (Figura 18.8). A proteína
defeituosa é resistente à degradação por proteases e pode ser adquirida quando um indívíduo ingere o
tecido que contém a proteína defeituosa de outro indivíduo, mesmo de outra espécie. Assim, a proteína
defeituosa foi considerada “infecciosa”, já que sozinha era capaz de transmitir uma doença, e ficou
conhecida como prion (encurtamento de “protein only”).

Figura 18.8: Se uma proteína normal (A) se associar a uma proteína igual a ela, mas mal enovelada (B), será
formado um heterodímero (C). A proteína defeituosa vai induzir a modificação da proteína normal, formando
um homodímero (D). Quando novas proteínas normais forem produzidas (E) elas se associarão às defeituosas,
formando um agregado (F), que crescerá à medida que novas proteínas se associarem.

RESUMO

Tanto as proteínas sintetizadas no citoplasma quanto no retículo estão sujeitas a


ter defeitos em sua conformação. Os mecanismos de detecção e reparo desses defeitos
estão esquematizados a seguir. As proteínas cujos defeitos não podem ser reparados
são marcadas e encaminhadas para destruição nos proteassomas.
1) Proteína em processo de síntese no citoplasma

Proteína correta Proteína defeituosa

Chaperonas (tipo hsp 70) + ATP

Proteína correta Proteína defeituosa


Chaperonas (tipo hsp 60) + ATP

Proteína correta Proteína defeituosa

Ubiquitinas

Proteassomas

86 CEDERJ
18 MÓDULO 3
2) Glicoproteína em processo de síntese no retículo endoplasmático

AULA
Proteína correta Proteína defeituosa
Chaperonas (tipo hsp 70) + ATP

Proteína correta Proteína defeituosa

Glicosilação Glicosilação Glicosilação


-3 glicoses -2 glicoses
Chaperona (tipo calnexina)
Complexo de Golgi

Proteína defeituosa Proteína correta

+1 glicose
Chaperona (tipo calnexina)

Proteína defeituosa Proteína correta

Retrotranslocon Complexo de Golgi

Citoplasma

Glicosidase
Ubiquitinas

Proteassomas

EXERCÍCIOS

1. Que tipo de erro pode ocorrer durante a síntese de uma proteína?

2. O que são chaperonas? Por que também são chamadas proteínas de choque
térmico?

3. Diferencie as chaperonas hsp70 das hsp60.

4. O que são proteassomas?

5. Como são encaminhadas para destruição nos proteassomas as proteínas


malformadas?

6. O que são placas β–amilóides?

CEDERJ 87
19
AULA
Endocitose
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Saber por que as células endocitam.
• Conceituar e diferenciar:
• endocitose de fase fluida e endocitose mediada
por receptor;
• fagocitose imunológica e não-imunológica.
Biologia Celular I | Endocitose

INTRODUÇÃO Você sabe como as células se alimentam? Elas captam nutrientes no


meio externo. Numa cultura de células (Aula 4), o meio é a fonte de nutrientes.
In vivo, os nutrientes são obtidos do meio extracelular.
Como será que as células fazem isso?
Já vimos que moléculas pequenas e hidrofóbicas passam por difusão
simples pela bicamada lipídica (Figura 19.1.a). Moléculas hidrofílicas
relativamente pequenas e simples, como: íons e monossacarídeos, passam
pela membrana através de proteínas transportadoras específicas como canais
ou carreadores (Figura 19.1.b), chegando ao citoplasma (veja a aula de
Transporte).

Figura 19.1: (a) Uma molécula pequena e hidrofóbica pode


simplesmente atravessar a bicamada lipídica; (b) já moléculas
hidrofílicas, mesmo pequenas, só atravessam através de pro-
teínas transportadoras específicas; (c) moléculas maiores, como
proteínas, são muito grandes para passar através de proteínas
ou da bicamada lipídica.

90 CEDERJ
19 MÓDULO 3
E se o nutriente for uma partícula ou molécula grande, como uma prote-
ína, por exemplo? As moléculas grandes não conseguem atravessar a bicamada

AULA
lipídica da membrana plasmática (Figura 19.1.c). Também não existem transpor-
tadores para moléculas muito grandes ou bactérias. Para conseguir captá-las, a
célula faz uma invaginação, ou fossa, na sua membrana, e termina por englobar
a partícula numa vesícula (Figura 19.2).

Figura 19.2: Para englobar uma


partícula grande, como uma bactéria,
a membrana se deforma, criando
uma depressão que se aprofunda e
se fecha, formando uma vesícula.

Essa invaginação vai se aprofundando até que sua abertura para o


meio externo se fecha, formando o que chamamos vesícula; essa estrutura
vai conter líquido extracelular e as moléculas dispersas nele (Figura 19.2).
Captar meio extracelular e seus solutos é o princípio básico da endocitose
(endo = dentro, cytos = célula), assunto desta aula.

CEDERJ 91
Biologia Celular I | Endocitose

Para onde vai a vesícula e seu conteúdo?

Da mesma forma que nosso alimento passa por um processo de


digestão antes de ser absorvido pelo organismo, também os nutrientes
que são internalizados nessa vesícula não vão diretamente para o
citossol. A vesícula que o contém vai se encarregar de entregá-lo para
outros compartimentos intracelulares. Na Aula 15, definimos o que são
compartimentos intracelulares e você deve lembrar que, assim como a
vesícula que se formou em torno da partícula, eles também são limitados
por uma membrana que os separa do citoplasma. A transferência do
material contido na vesícula para um compartimento intracelular depende
da fusão entre as membranas desses dois compartimentos (Figura 19.3).
Para que isso aconteça, é preciso que os compartimentos se aproximem
muito, a ponto de toda a água ser excluída da região de contato entre suas
membranas, permitindo que elas se fundam (lembre que as membranas
são essencialmente bicamadas lipídicas).

Figura 19.3: A vesícula que se forma na membrana


plasmática funde-se mais adiante com a membrana de
um compartimento intracelular, liberando a partícula
internalizada nesse novo espaço. Para se fundir, as
membranas desses dois compartimentos se aproximam
tanto que nenhuma molécula de água citoplasmática
fica entre elas.

Nesses compartimentos, os nutrientes serão processados. Esse


processamento equivale à digestão, resultando em moléculas menores e
mais simples, que serão transportadas para o citossol e até mesmo para
outras organelas.

92 CEDERJ
19 MÓDULO 3
Por que endocitar?

As células endocitam principalmente para captar moléculas grandes,

AULA
que não podem ser internalizadas por proteínas transportadoras. Algumas
células são capazes de endocitar partículas bastante grandes, inclusive
outras células, como uma bactéria, por exemplo (Figura 19.4).

Figura 19.4: As células endocitam


tanto partículas relativamente
grandes, como bactérias (a),
quanto macromoléculas, como
uma proteína globular (b).

A endocitose pode ser visualizada?

A internalização de uma bactéria por um macrófago pode ser


observada ao microscópio óptico (Figura 19.4.a). Já a endocitose de
macromoléculas só é observável ao microscópio eletrônico (Figura 19.4.b).
A entrada de moléculas muito pequenas (Figura 19.1), como um íon, não
pode ser observada por microscopia, só por métodos indiretos.
Quando uma célula endocita algo grande, como uma bactéria,
ao invés de invaginar sua membrana plasmática, ela emite projeções em
direção à bactéria que acabarão por englobá-la (Figura 19.5).

Figura 19.5: A endocitose de uma bactéria resulta da emissão de prolongamentos


da membrana plasmática que a “abraçam” e terminam por se fechar em torno
dela, englobando-a.

CEDERJ 93
Biologia Celular I | Endocitose

Essas projeções são chamadas pseudópodos, e voltaremos a falar


delas nas aulas sobre citoesqueleto (22 a 25). Quando os pseudópodos já
envolveram a bactéria, formam um compartimento fechado contendo, além
dela, um pouco do líquido extracelular. Por ser maior do que uma vesícula
endocítica, chamamos esse compartimento de vacúolo (Figura 19.5).

Tamanho é documento (pelo menos para endocitose!)

Podemos classificar os mecanismos de endocitose em função do


tamanho do material endocitado. A endocitose de líquido extracelular
e seus solutos é chamada de pinocitose (o radical pinos significa beber),
ou de endocitose de fase fluida. A vesícula formada geralmente é menor
que 150 nm e é chamada vesícula endocítica.
Quando a célula endocita materiais maiores, ao invés de invaginar,
a membrana emite pseudópodos; ela está fazendo fagocitose (o radical
fagos significa comer). O vacúolo formado tem tamanho maior e é
chamado vacúolo fagocítico ou fagossomo.

Endocitar nem sempre é comer


Muitas vezes, uma célula fagocita outra com objetivo de defesa, e não de nutrição. É o que acon-
tece com as células de defesa do sistema imune, principalmente macrófagos e neutrófilos (são tipos
de leucócitos ou glóbulos brancos). São células que têm a função de fagocitar agentes invasores
do organismo, identificar suas particularidades e repassar essas informações às outras células do
sistema imune (você vai saber como elas fazem isso em Biologia Celular II). Como macrófagos e
neutrófilos fazem isso com muita freqüência e eficiência, são chamados fagócitos profissionais.
Alguns protozoários, como as amebas, também fagocitam com muita eficiência e são consideradas
fagócitos profissionais. Exercendo essa atividade de defender o organismo, macrófagos e neutró-
filos fagocitam parasitos (bactérias, protozoários etc.). Nesse caso, o vacúolo formado é chamado
de vacúolo parasitóforo.
Cultura de células na qual se observa um vacúolo
parasitóforo (seta) contando vários parasitas da
espécie Toxoplasma gondii (t). N- núcleo da célula,
m- mitocôndrias.
Foto: Márcia Attias

94 CEDERJ
19 MÓDULO 3
Tamanho não é tudo: endocitose específica e não específica

Se uma molécula estiver dispersa no fluido extracelular em quantidades

AULA
muito pequenas, a célula pode lidar com ela de duas formas:
a) endocitar junto com o líquido, de maneira não específica, de modo
que as quantidades captadas serão muito pequenas, quase desprezíveis;
b) endocitar de modo específico, isto é, antes de endocitar,
concentrar e separar das demais as moléculas de interesse. As células
fazem isso expondo para o meio extracelular receptores que reconhecem
e ligam as moléculas que a célula precisa endocitar.
a) É o mesmo princípio de reconhecimento entre receptor e ligante
que estudamos na Aula 13.
Temos assim dois tipos de endocitose: do tipo (a), chamada
endocitose de fase fluida que é inespecífica; e a do tipo (b), que é específica
e foi denominada endocitose mediada por receptor.

Receptores de endocitose e de sinalização: semelhanças e diferenças

Os receptores de superfície para endocitose e sinalização compartilham


muitas características: ao se conectarem a seus ligantes, ambos mudam
de conformação, mas as conseqüências disso são muito diferentes em
cada caso. Enquanto os receptores para sinalização permanecem na
membrana plasmática e desencadeiam uma cascata de reações no
ambiente citoplasmático, os receptores de endocitose vão ser inter-
nalizados junto com seu ligante na vesícula endocítica.

CEDERJ 95
Biologia Celular I | Endocitose

O mesmo conceito se aplica à fagocitose. Os fagócitos profissionais


(veja o texto "Endocitar nem sempre é comer") têm capacidade de
reconhecer e fagocitar com eficiência muitos invasores do organismo
sem terem tido contato anterior com eles. Por exemplo, macrófagos e
neutrófilos têm receptores que se ligam à manose e à galactose, açúcares
presentes na parede da maioria das bactérias (Figura 19.6.a). Quando o
organismo já teve contato com o agente invasor (porque não é o primeiro
evento, ou porque houve uma vacinação prévia), e já fez anticorpos
contra ele, os próprios anticorpos que se ligam na superfície da bactéria
ou do protozoário invasor servirão como ligantes para receptores na
superfície dos fagócitos (Figura 19.6.b). Depois que os anticorpos se
ligam nos antígenos do invasor, as porções Fc dos anticorpos (veja o
box a seguir sobre os anticorpos) ficam expostas e são reconhecidas por
um receptor para Fc que macrófagos e neutrófilos têm, o que faz com
que eles fagocitem o invasor com mais eficiência. A fagocitose específica
mediada por anticorpos é chamada fagocitose imunológica.

Anticorpos são proteínas em forma


de “Y”. Os “braços”correspondem
à porção Fab e se ligam ao antígeno,
enquanto a “cauda”, ou porção Fc ,
fica exposta, sendo reconhecida
pelo receptor do fagócito.

96 CEDERJ
19 MÓDULO 3
AULA
Figura 19.6: Um fagócito profissional pode reconhecer e fagocitar uma bactéria tanto
ligando-se a açúcares específicos da parece celular (a) quanto ligando-se a anticorpos
secretados que se ligaram à superfície bacteriana (b).

Fagocitose específica

O fagossomo assim formado é bastante justo ao redor da bactéria


ou protozoário que está sendo fagocitado, porque à medida que os com-
plexos receptores (no fagócito) e seus ligantes (na bactéria ou protozoário)
vão se formando, os pseudópodos vão progredindo ao redor do invasor
(Figura 19.7), lembrando o fechamento de um zíper. Por isso, a fagocitose
específica também é dita fagocitose do tipo zíper.

Macropinocitose
Bactéria

Pseudópodo
Figura 19.7: Micrografia
eletrônica mostrando uma
bactéria sendo fagoci-
tada por um neutrófilo. Membrana
A membrana do fagócito plasmática
se ajusta em torno da bac-
téria à medida que ela é
internalizada, lembrando
o fechamento de um zíper.
Foto: Dorothy Bainton.

Célula fagocítica
1µm

CEDERJ 97
Biologia Celular I | Endocitose

Como escapar de uma fagocitose

Depois que uma célula é reconhecida pelo fagócito e começam a se formar os


complexos receptor-ligante (o zíper começa a se fechar), ela ainda pode escapar se
conseguir concentrar seus ligantes numa só região da sua membrana (fenômeno
chamado capping – veja aula de Membrana); a formação dos complexos receptor-
ligante não prossegue e os pseudópodos não conseguem envolver a “vítima” com
eficácia, dando oportunidade para ela escapar (Figura 19.8). Muitas vezes, antes de
escapar, a célula que ia ser fagocitada solta a pequena porção de sua membrana
que contém os complexos ligante-receptor (fenômeno chamado shedding). Esse
pedacinho de membrana é internalizado pelo fagócito e a célula escapa. Numa
comparação simples, é como se um tubarão agarrasse você pela roupa e você fugisse,
nu, mas ileso. Afinal, roupa, sempre se pode comprar outra...

Figura 19.8: Na fagocitose do


tipo zíper, se a célula-alvo (a que
está sendo fagocitada) conseguir
concentrar todos os ligantes de
superfície numa área restrita, a
célula fagocítica não será capaz
de formar o vacúolo endocítico em
torno dela.

98 CEDERJ
19 MÓDULO 3
Existe um outro tipo de fagocitose, de descoberta mais recente,
que é bastante característico dos fagócitos profissionais. Essas células se

AULA
deslocam sempre aderidas ao substrato (a matriz extracelular, in vivo, e
vidro ou plástico, in vitro). Para fazer isso, emitem grandes projeções de
membrana plasmática, que vão estabelecendo conexões com o substrato
(esse assunto será tratado também na aula de Junções, em Biologia
Celular II) e depois puxam o resto da célula, como faz um alpinista.
Quando a célula, por alguma razão (o ambiente não está favorável, ou
há alguma atração em outro lugar), decide não seguir naquela direção,
as projeções já emitidas são lançadas para o dorso da célula, dando um
aspecto ondulado (ruffles). Eventualmente, as pontas dessas projeções
podem se fundir com a membrana dorsal da célula, formando assim
um vacúolo de dimensões e características semelhantes a um vacúolo
fagocítico (Figura 19.9).

Figura 19.9: Células que se deslocam num


substrato (1, 2) podem emitir projeções de
membrana para o dorso da célula (3, 4),
vindo a englobar grande quantidade de
fluido extracelular (5).

No entanto, esse vacúolo não contém material sólido. Assim, nesse


processo, a célula só está captando o líquido extracelular e seus solutos,
como numa pinocitose. Como as dimensões do vacúolo são muito
maiores que as de uma vesícula endocítica e, além disso, ele é formado
por projeções de membrana e não por invaginações, esse mecanismo
recebeu o nome de macropinocitose. Acredita-se que ela torne mais eficaz
o trabalho de vigilância imunológica, já que os fagócitos podem captar e
testar porções do líquido extracelular internalizando menos membrana
do que se o mesmo volume fosse captado em pequenas vesículas.

CEDERJ 99
Biologia Celular I | Endocitose

RESUMO

Moléculas ou partículas muito grandes para atravessar a membrana plasmática


podem ser internalizadas em vesículas limitadas por membrana. Este processo se
chama endocitose.

A endocitose é uma forma de obtenção de alimento para células em geral, inclusive


seres unicelulares.
Resumo
A endocitose também tem por objetivo capturar e destruir organismos invasores,
Moléculas
como ou partículas
bactérias. muito
Nesste caso, ela égrandes
feita porpara
célulasatravessar
do sistemaaimune
membrana
chamadas
genericamente de fagócitos profissionais.
plasmática podem ser internalizadas em vesículas limitadas por membrana. Esste
Os fagócitos profissionais reconhecem tanto moléculas estranhas, como açúcares
processo se chama endocitose.
da parede bacteriana, como anticorpos que tenham se ligado à superfície do
organismo invasor.
A endocitose é uma forma de obtenção de alimento para células em geral,
A seguir a classificação dos tipos de endocitose e suas características básicas:
inclusive seres unicelulares.

A endocitose também tem por objetivo capturar e destruir organismos


Específica (mediada por receptor)
invasores, como bactérias. Nesste caso, ela é feita por células do sistema imune
Endocitose
(Pinocitose)
Não-específica (de fase fluida)
chamadas genericamente de fagócitos profissionais.

Os fagócitos profissionais reconhecem tanto moléculas estranhas, como

açúcares da parede bacteriana, como anticorpos que tenham se ligado à superfície


Imunológica

do organismo invasor. (mediada por anticorpos)


Específica
(macropinocitose) (tipo zíper) Não-imunológica
(mediada por outros receptores)
Fagocitose

Não-específica (macropinocitose)

100 CEDERJ
19 MÓDULO 3
EXERCÍCIOS

AULA
1. Que tipos de partícula:

a. Atravessam a bicamada lipídica?

b. Passam por complexos protéicos na membrana?

c. São englobados por endocitose?

2. Quais os objetivos da endocitose?

3. Que tipos de célula endocitam?

4. Como podemos distinguir pinocitose de fagocitose?

5. Na endocitose mediada por receptor, que tipos de molécula atuam como ligante
na célula-alvo?

6. O que é macropinocitose? Qual sua utilidade para a célula?

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20
a u l a
Compartimentos endocíticos

OBJETIVOS Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Enumerar os diferentes compartimentos endossomais
e suas principais características.
• Explicar o mecanismo de acidificação
dos endossomas e sua relevância.
• Explicar a origem e principais características funcio-
nais dos lisossomas.
• Associar a digestão lisossomal à nutrição, defesa
e adaptação celular a diferentes condições.
• Citar exemplos das conseqüências do mau funciona-
mento do sistema endocítico.

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

INTRODUÇÃO Na última aula você aprendeu que a célula usa a endocitose para captar do meio
extracelular moléculas que não atravessam a membrana. A atividade endocítica
sempre envolve a formação de uma vesícula que contém o fluido extracelular
e as moléculas nele dispersas. Se a endocitose for específica, isto é, mediada
por um receptor, o ligante será endocitado com muito mais eficiência. É bom
relembrar que aqui os termos ligante e receptor têm o mesmo significado que
na Aula 13, com a diferença de que a associação dos dois provoca a endocitose
de ambos e não uma cascata de sinalização.

O que significa endocitar com mais eficiência?

Uma endocitose será mais eficiente quando o ligante estiver em


concentração muito maior dentro da vesícula endocítica do que no
meio extracelular.
Como uma grande quantidade de complexos receptor-ligante
pode entrar de uma vez se as vesículas têm sempre o mesmo tamanho?
Isso é resultado do melhor aproveitamento da área de membrana
endocitada. Se todos os receptores se aproximarem, ficando bem
pertinho, vai caber um monte de receptores numa pequena área de
membrana e, se os receptores trouxerem com eles os ligantes, também
vão caber muito mais ligantes na vesícula.
Como os receptores fazem para se aproximar tanto? Isso é o
resultado do trabalho de um conjunto de moléculas que se prendem
ao domínio citoplasmático dos receptores, agrupando-os e formando
um revestimento protéico sob a região da membrana que vai formar a
vesícula. O revestimento é constituído principalmente por moléculas de
uma proteína, a clatrina, dispersas no citoplasma, pois são atraídas pela
formação do complexo receptor-ligante. Na verdade, além da clatrina,
são atraídas várias outras moléculas que formam uma ponte entre ela
e o receptor, de modo que eles não se ligam diretamente. As principais
moléculas que formam a ponte são, muito apropriadamente, chamadas
adaptinas (Figura 20.1).

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20 MÓDULO 3
Figura 20.1: A formação

AULA
dos complexos receptor-
ligante atrai proteínas do
citoplasma, que, em con-
seqüência, polimerizam.

Clatrina e a formação da vesícula endocítica

Cada molécula de clatrina é formada por três pernas (cada


uma formada por duas subunidades) arranjadas de tal maneira que,
ao se aproximarem, se associam formando um polímero peculiar por
ser tridimensional, sempre do mesmo tamanho e lembrando uma casa
de abelhas (Figura 20.2). Pelo seu aspecto de estrela de três pontas, a
molécula de clatrina é muitas vezes chamada de triskelion.
O polímero de clatrina não é plano; à medida que novas
moléculas vão se incorporando, o conjunto vai adquirindo curvatura
até formar uma esfera que contém a porção da membrana que está
formando uma vesícula (Figura 20.2.B).

Figura 20.2: Moléculas de clatrina isoladas (vistas por microscopia eletrônica: em


(A) têm três “pernas” arranjadas num ângulo tal que, ao se associarem, formam
um polímero globular; no esquema B, há duas moléculas de clatrina e o tracejado
marca a posição que as próximas moléculas vão ocupar no polímero. Em (C), foto
de uma réplica da face citoplasmática da membrana de uma célula que estava
endocitando. As vesículas que vão brotar revestidas por clatrina lembram muito
casas de abelha! (Micrografias: Molecular Biology of the Cell 3a ed)

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

Endocitose e futebol possuem mais semelhanças do que você imaginava...

Observe na Figura 20.3.A um modelo tridimensional do revestimento de clatrina. A trama formada


pelas moléculas de clatrina em torno da vesícula endocítica não lembra uma bola de futebol daquelas
oficiais (Figura 20.3.B)? É porque, assim como as bolas de futebol, o polímero é formado por pentágonos
e hexágonos alternados, o que matematicamente garante que o polímero seja esférico. Esses modelos
matemáticos não são raros na natureza.

(A) Vesícula revestida (B) Bola de futebol


por clatrina

Figura 20.3

O mais importante com relação ao revestimento de clatrina é que


ele aumenta a eficiência da endocitose mediada por receptor porque:
• agrupa o maior número possível de complexos receptor-ligante
na pequena região da membrana que vai formar a vesícula;
• exclui dessa região moléculas que não devem ser endocitadas,
como por exemplo as que devem permanecer na membrana plasmática
sempre (você conhece várias: canais iônicos, bomba de sódio e potássio
etc.) ou receptores que ainda não receberam o ligante e, portanto,
perderiam a função se fossem endocitados.

Qual o papel da clatrina na formação da vesícula endocítica?

Até hoje permanece a dúvida se a formação da rede de clatrina é que “puxa” a membrana,
provocando a invaginação que se aprofunda e forma a vesícula. Há argumentos a favor e contra
essa idéia. A favor poderíamos dizer que, de fato, o polímero se forma espontaneamente se as
subunidades de clatrina se aproximarem o suficiente, e o polímero formado vai assumindo uma
forma de esfera. O argumento contra é que na endocitose de fase fluida, portanto não mediada,
não há nem a participação de receptor nem a formação do revestimento de clatrina; no entanto,
a membrana forma uma invaginação que se aprofunda até se destacar numa vesícula. Nesse caso,
o que provocaria a deformação da membrana?

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20 MÓDULO 3
A vesícula endocítica se solta da membrana

Quando o polímero de clatrina está completo e a área de

AULA
membrana que ele contém já formou uma invaginação profunda, o
estrangulamento da invaginação formará uma vesícula revestida por
clatrina. Já se conhece o mecanismo molecular responsável por esse
estrangulamento: uma proteína chamada dinamina, que é um tipo de
proteína G porque liga GTP, forma um colarinho ao redor do pescoço
da invaginação. Quando o revestimento de clatrina está completo,
a dinamina hidrolisa o GTP, o que diminui o tamanho do filamento e
provoca o estrangulamento (Figura 20.4).
A maior importância do revestimento de clatrina é a formação da
vesícula com altas concentrações de complexos receptor-ligante. Assim
que a vesícula revestida se destaca, por ação da dinamina, o revestimento
de clatrina se desfaz. O resultado é uma vesícula não revestida, cheia
de complexos receptor-ligante. A única diferença entre essa vesícula e
uma outra resultante de endocitose de fase fluida é a concentração do
conteúdo, que na vesícula formada por fase fluida é igual àquela em que
as moléculas se encontram no meio extracelular.

Figura 20.4: Depois que a invaginação revestida por clatrina se aprofunda, a dinamina
estrangula o seu “pescoço”, destacando-a da membrana. Por ação de enzimas, assim que
a vesícula se destaca o revestimento é desmanchado, e seus componentes ficam dispersos
no citossol.

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

Um pouco de história

O mecanismo de endocitose mediada por receptor com participação do


revestimento de clatrina foi descoberto e estudado ainda na década de
1970 por dois médicos, Michael S.Brown e Joseph L. Goldstein, que por isso
ganharam o Nobel de Medicina em 1985. Eles estudavam uma doença heredi-
tária, a hipercolesterolemia familiar aguda. As pessoas afetadas pela doença
tinham grande acúmulo de colesterol nos vasos sanguíneos, formando placas
de ateroma que obstruem os vasos, causando enfartos e isquemias muito
precoces, antes dos dois anos de idade. Outros pacientes pareciam ter uma
forma mais branda da doença, já que viviam até a idade adulta, mas ainda
assim morriam jovens. Os pesquisadores descobriram que os doentes mais
graves não conseguiam retirar o colesterol do sangue porque não possuíam
o receptor para o transportador sanguíneo de colesterol, a lipoproteína de
baixa densidade ou LDL (Figura 20.5).

Figura 20.5: Uma partícula de LDL é


formada por uma cadeia protéica,
moléculas anfipáticas, como colesterol e
fosfolipídios, na superfície, e moléculas
totalmente hidrofóbicas, como colesterol
esterificado e triglicerídeos, no centro da
partícula. Com esse arranjo, as moléculas
hidrofóbicas podem ser transportadas
pela corrente sanguínea.

Figura 20.6: O receptor de LDL


defeituoso (B) não consegue
se associar ao revestimento de
clatrina da mesma maneira que
o receptor normal (A).

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20 MÓDULO 3
Os pacientes menos graves possuíam um receptor defeituoso, que ligava LDL em

AULA
sua porção extracelular, mas não conseguia interagir com o revestimento de cla-
trina porque não tinha a porção citoplasmática (Figura 20.6). Assim, a eficiência
da endocitose era muito menor do que com receptores normais (Figura 20.7).

Figura 20.7: Micrografia eletrônica da formação de uma vesícula revestida por


clatrina contendo complexos de LDL e seu receptor.

As vesículas endocíticas se fundem

Uma vez desfeito o revestimento de clatrina, ou mesmo se a


vesícula nunca teve revestimento porque resultou de endocitose não
mediada, o próximo passo é a fusão da vesícula com um compartimento
que, por ser o primeiro compartimento que recebe as macromoléculas
endocitadas, é chamado endossoma inicial (Figura 20.8). O endossoma
inicial é um compartimento bastante ramificado e as vesículas endocíticas
descarregam nele seu conteúdo pouco tempo depois (cerca de 5 a 10 min
a 37oC) de tê-lo adquirido do meio extracelular.

Entrando e saindo sem ser incomodado


Em células polarizadas existe um mecanismo de transporte de macromoléculas que mistura endocitose
com secreção (exocitose). Um dos mais conhecidos exemplos deste mecanismo é a aquisição de anticor-
pos por camundongos recém-nascidos a partir do leite da mãe. A luz do intestino, onde o leite está,
tem pH ácido. Neste pH, um receptor da superfície apical das células epiteliais do intestino reconhece
as moléculas de imunoglobulina e as endocita em vesículas revestidas por clatrina. Depois de desfazer o
revestimento de clatrina, as vesículas vão se fundir com o domínio basolateral da membrana da célula,
expondo os complexos receptor-imunoglobulina ao meio extracelular que banha o domínio basolateral,
que tem pH 7,0. No pH neutro, o receptor não tem mais afinidade pela imunoglobulina, soltando-a.
Assim, as moléculas de anticorpo, que vieram no leite materno, atravessam as células que revestem o
intestino do filhote sem sofrerem qualquer modificação e chegam à sua corrente sanguínea, de onde
são distribuídas por todo o organismo. Esse mecanismo recebe o nome de transcitose.

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

A principal característica do endossoma inicial é o seu pH,


ligeiramente acidificado como resultado da atividade de uma bomba
de prótons característica da via endocítica. Essa bomba de prótons
hidrolisa ATP para transportar prótons do citoplasma para dentro dos
compartimentos endocíticos. Ela é conhecida como ATPase vacuolar ou
V-H+-ATPase. Assim, o pH do endossoma inicial é de cerca de 6,5.

Figura 20.8: Desenho esquemático da via endocítica mediada por receptor. Os complexos receptor-ligante se
agrupam e, com auxílio do revestimento de clatrina, são endocitados com grande eficiência, passando aos com-
partimentos que formam a via endocítica. O núcleo (N), o retículo endoplasmático (RE) e o complexo de Golgi
também estão representados, apesar de não fazerem parte da via. (Desenho original de Isabel Porto Carreiro.)

Ligantes e receptores se separam

Quando chegam ao endossoma inicial e encontram o pH ligeiramente


ácido, tanto o receptor quanto o ligante mudam de conformação, causando
o desacoplamento dos complexos. A partir daí, ligante e receptor seguirão
caminhos diferentes: enquanto o ligante prosseguirá na via endocítica, a
maioria dos receptores passará a outro compartimento, as vesículas de
reciclagem (ou endossoma de reciclagem), que retornam à membrana
plasmática, tornando a expor os receptores na superfície, onde poderão
participar de novo evento endocítico (Figura 20.8).

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20 MÓDULO 3
Ligantes e receptores nem sempre se separam!

AULA
Além do colesterol associado a seu transportador, o LDL, outras moléculas essenciais para as
células também são captadas por endocitose mediada por receptor. Uma das mais estudadas
é a endocitose da molécula que transporta ferro na corrente sanguínea, a transferrina.
A transferrina ligada a ferro é chamada holotransferrina e é reconhecida por um receptor
presente na maioria das células eucarióticas. A endocitose se dá pelo mecanismo, que você já
conhece, de formação de vesículas revestidas por clatrina. Depois do revestimento desfeito,
as vesículas se fundem com o endossoma inicial e, no pH 6,5 desse compartimento, a holo-
transferrina libera os átomos de ferro, que são ativamente bombeados para o citoplasma,
tornando-se apotransferrina (transferrina sem ferro). Diferentemente do que ocorre com o
LDL, o receptor tem afinidade por apotransferrina (não por holotransferrina!) em pH ácido.
Ainda acoplados, receptor e apotransferrina seguem de volta para a membrana plasmática.
Ao atingirem a superfície celular, reencontram o pH do meio extracelular, de 7,2-7,4. Nesse
pH, o receptor não tem afinidade por apotransferrina e o complexo se desfaz. A apotransfer-
rina vai ligar outros átomos de ferro e o receptor livre vai poder ligar holotransferrina, com
quem tem grande afinidade no pH do meio extracelular. Sem dúvida nenhuma, é bastante
econômico devolver a transferrina ao meio extracelular para que a mesma molécula possa
transportar muitos átomos de ferro, entrando e saindo da célula várias vezes. Por causa
desse trânsito intracelular peculiar, o complexo receptor-transferrina tem sido considerado
marcador de endossoma inicial em células de mamífero (Figura 20.9).

Figura 20.9: Os receptores ligam holotransferrina na superfície da célula (1) e são agrupados (2)
em vesículas revestidas por clatrina (2-4). Depois que a vesícula se destaca (5), o revestimento
despolimeriza (6) e a vesícula se funde com o endossoma inicial (Ei). Por causa do pH 6,5 desse
compartimento, o ferro se solta da transferrina (7) e é bombeado para o citoplasma. A apotrans-
ferrina e o receptor voltam para a superfície (8-9), onde se soltam. Note que, nesse mecanismo de
captação de ferro em células de mamífero, nem a transferrina, nem o ferro atingem o endossoma
tardio (Et) e muito menos o lisossoma (L). (Desenho original de Flavia Moreira Leite.)

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

O endossoma tardio

Os ligantes, agora já desligados dos receptores, sairão do endossoma


inicial em vesículas carreadoras pequenas e ácidas, que só se fundem
com o próximo compartimento da via endocítica, o endossoma tardio
(Figura 20.8). A bomba de prótons também está presente na membrana
desse compartimento e faz com que o pH interno do endossoma tardio
seja ainda mais baixo que o do endossoma inicial, cerca de 6,0. Além
de receber as vesículas do endossoma inicial que trazem o material
endocitado, o endossoma tardio também recebe as enzimas lisossomais
que chegam do complexo de Golgi em vesículas transportadoras.
Você deve lembrar que as enzimas lisossomais são sintetizadas
no retículo endoplasmático e são glicosiladas ao passar pelo Golgi,
possuindo a árvore glicídica completa até ácido siálico, não? Lembra
também que a maioria das glicoproteínas produzidas ao longo da via
secretória (retículo endoplasmático – complexo de Golgi) segue em
vesículas para a membrana plasmática e o meio extracelular. Como será
que as enzimas lisossomais são desviadas desse caminho? A resposta está
numa pequena diferença entre a árvore glicídica dessas enzimas e a das
outras glicoproteínas: pelo menos algumas das manoses acrescentadas
às enzimas lisossomais são fosfatadas, isto é, ficam diferentes das
manoses comuns porque recebem um grupamento fosfato ligado ao
carbono 6, sendo por isso chamadas manoses-6P (lê-se manose seis
fosfato). Enquanto percorrem o complexo de Golgi, são reconhecidas
por um receptor voltado para o lúmen que reconhece especificamente
as glicoproteínas que têm manose-6P. A partir desse reconhecimento,
a enzima lisossomal vai continuar a ser glicosilada normalmente, mas
sempre ligada ao receptor. Chegando à rede trans do Golgi, os complexos
receptor-manose-6P são reunidos em uma pequena região (com ajuda
de clatrina!), de onde brotará uma vesícula que levará as enzimas ao
endossoma tardio (Figura 20.10).
No endossoma tardio, o pH é 6,0, ácido o suficiente para que
os complexos receptor-enzima se desacoplem. Assim, a enzima vai ter o
fosfato retirado da manose, enquanto os receptores, agora desocupados,
vão voltar ao complexo de Golgi em uma vesícula. Chegando ao complexo
de Golgi, esses receptores pescarão outras enzimas lisossomais para levar
ao endossoma tardio.

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20 MÓDULO 3
AULA
Figura 20.10: As enzimas lisossomais marcadas por manose-6P são reconhecidas
por receptores de manose-6P e levadas ao endossoma tardio acopladas a eles. Lá
chegando, encontram o pH ácido, o que provoca o desacoplamento. O receptor
desocupado retorna ao Golgi, enquanto a enzima tem o fosfato retirado.

Você pode perceber que o material endocitado e as enzimas


lisossomais se encontraram no endossoma tardio e que, portanto,
a digestão enzimática pode começar aí. De fato começa, mas muito
devagar, por duas razões: a primeira é que o pH 6,0 não é o pH ótimo
dessas enzimas, assim, elas funcionam com menor velocidade; a segunda
razão é que muitas enzimas lisossomais são sintetizadas na forma de uma
proenzima, que tem alguns aminoácidos a mais. A região pro da enzima
é como uma trava que não deixa a enzima funcionar, dessa forma, ela
não sairá digerindo tudo pelo caminho. Essa trava precisa ser cortada
para que a enzima funcione. O corte é feito por proteases lisossomais
que já estão ativas, ou seja, já tiveram a porção pro cortada.
O endossoma tardio de células de mamífero é caracterizado
pelo pH 6,0, pela presença de material endocitado junto com enzimas
lisossomais, a maioria ainda inativa, e pela presença do receptor para
manose-6P. Dentro do endossoma tardio, freqüentemente, são vistas
membranas formando reentrâncias e vesículas internas. Nas células
em que isso ocorre, o endossoma tardio também é chamado corpo
multivesicular. O significado dessa morfologia peculiar ainda é discutido,
mas especula-se que facilite a digestão de membranas provenientes de
outros compartimentos.

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

O lisossoma

Tanto as enzimas como as moléculas endocitadas serão finalmente


levadas por vesículas ao último compartimento da via endocítica, o
lisossoma. Os lisossomos são compartimentos de pequeno volume e
numerosos, sendo mais freqüentemente encontrados na região perinuclear.
São bastante ácidos, também por ação da ATPase vacuolar, apresentando
pH interno entre 4,5 e 5,0. Nesse pH, as enzimas lisossomais tornam-se
ativadas, porque suas porções pro foram retiradas, e passam a funcionar
a pleno vapor.
Que enzimas existem no lisossoma? Confira na Figura 20.11.

Figura 20.11: Os lisossomas têm enzi-


mas capazes de hidrolisar praticamente
todos os tipos de macromolécula e essas
enzimas têm funcionamento ótimo em
pH ácido.

Como você pode verificar, as enzimas lisossomais podem hidrolisar


ácidos nucléicos, proteínas, açúcares, lipídios, fosfolipídios, proteoglicanas
etc. Será que eles precisam mesmo de tudo isso? Se pensarmos apenas
na endocitose de moléculas (pinocitose), algumas dessas enzimas
seriam usadas muito raramente, mas os lisossomas também digerem
freqüentemente partículas maiores capturadas por fagocitose. Não se
pode esquecer dos fagócitos profissionais, responsáveis pela remoção de
células velhas, defeituosas ou estranhas ao organismo, como bactérias.
Essas células não fagocitam apenas para obter nutrientes (mas é claro
que elas usam as moléculas resultantes da digestão de suas presas).

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20 MÓDULO 3
Nesse caso, a bomba de prótons vai ser inserida na membrana do
vacúolo fagocítico e logo começará a acidificar o lúmen do fagossoma. Em

AULA
poucos minutos, lisossomas já formados, ou vesículas transportadoras
de enzimas lisossomais provenientes do Golgi, se fundirão ao vacúolo,
descarregando seu conteúdo. A partir daí, o vacúolo fagocítico passa
a ser denominado fagolisossoma e terá condições de digerir todos os
componentes da célula que tenha sido fagocitada.

Afinal, os nutrientes chegam ao citoplasma

A ação das enzimas lisossomais reduz as macromoléculas a seus


componentes mais simples, ou seja, reduz proteínas a aminoácidos,
nucleotídeos a bases nitrogenadas e açúcares etc. Os produtos da digestão
lisossomal são transportados para o citoplasma por translocadores
específicos e então aproveitados pelas células. Uma partícula de LDL,
por exemplo, terá os ácidos graxos dos triglicerídios usados como
combustível mitocondrial na produção de ATP, ou usados no retículo
endoplasmático liso, assim como o colesterol, para produzir membrana
nova ou como precursor de outras moléculas.
Mas existem moléculas que os lisossomas não conseguem
digerir. Essas moléculas podem ter dois destinos: a) serem excretadas;
para isso, o lisossoma faz exocitose descarregando o conteúdo no meio
extracelular e incorporando sua membrana à membrana plasmática; b)
ficarem acumuladas dentro do lisossoma, o que diminui sua capacidade
funcional, podendo até mesmo deixar de funcionar de tão entupido; um
lisossoma carregado de material não-digerível é chamado corpo residual.
Nos dois casos isso pode acarretar sérios problemas de saúde, resultando
em doenças de armazenamento. Você encontra vários desses problemas
e situações detalhados nos boxes adiante.

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

Doenças lisossomais
Quando alguma enzima lisossomal não funciona, seu substrato não digerido se acu-
mula. Isso acontece em muitas doenças. Entre as mais conhecidas estão a doença de
Hurler, cujos portadores não digerem glicosaminoglicanas. Os portadores da doença
de Tay-Sachs acumulam um tipo de glicolipídio, os gangliosídeos, enquanto os porta-
dores da doença de Gaucher acumulam outro tipo, os cerebrosídeos. A Síndrome de
Niemann-Pick engloba várias lipidoses e seus portadores não digerem colesterol ou
esfingomielina. A forma mais grave de doença lisossomal é a doença da célula I (o I
se deve ao acúmulo de corpos de inclusão). Os portadores dessa doença têm apenas
um gene defeituoso (felizmente recessivo!), acarretando a ausência da enzima que
fosforila a manose no carbono 6. Assim, as enzimas lisossomais não são reconheci-
das pelo receptor de manose-6P no Golgi e não são dirigidas à via endocítica, e sim
secretadas. Por isso, os portadores da doença da célula I são diagnosticados pela
presença de várias enzimas lisossomais na corrente sanguínea.

Importância dos lisossomas em macrófagos


Os macrófagos, por serem fagócitos muito ativos, freqüentemente fagocitam mate-
riais que não podem digerir. Os macrófagos pulmonares são vítimas da fagocitose,
voluntária ou involuntária, de partículas em suspensão no ar, provenientes do fumo
ou da poluição do ar. Os lisossomas de macrófagos pulmonares de fumantes podem
chegar a ter tantos corpos residuais que acabam morrendo e provocando grandes
reações inflamatórias no tecido pulmonar, formando áreas necrosadas. Algumas
doenças “profissionais” também possuem o mesmo mecanismo, como a silicose, que
atinge trabalhadores de indústrias de vidro, amianto ou que utilizam jateamento
de areia. Esses profissionais inalam partículas de sílica, que são fagocitadas por
macrófagos pulmonares e não são digeridas. Com o tempo, o acúmulo de partícu-
las no pulmão causa uma grande reação inflamatória, reduzindo drasticamente a
capacidade pulmonar dessas pessoas, causando sua morte.

Tatuagens: menos inofensivas do que parecem


Um outro exemplo, menos dramático, de substância que os lisossomas não
conseguem digerir é a tinta usada nas tatuagens. É por isso que os desenhos
se tornam permanentes, os pigmentos ficam sendo repetidamente fagocitados
por gerações e gerações de macrófagos e outras células do sistema imune, que
não conseguem digeri-los. Isso acaba gerando duas conseqüências: os indivíduos
tatuados acabam desenvolvendo anticorpos específicos e, ao longo dos anos,
as tatuagens acabam ficando um tanto borradas, pela migração de macrófagos
para regiões periféricas ao desenho inicial.

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20 MÓDULO 3
Por que os lisossomos não se autodigerem?

Se os lisossomas possuem enzimas capazes de digerir fosfolipídios,

AULA
por que não digerem sua própria membrana? A resposta está nas
glicoproteínas dessa membrana. As proteínas da membrana lisossomal
voltadas para o lúmen são fortemente glicosiladas e suas árvores glicídicas
terminam em ácido siálico. A enzima capaz de retirar o ácido siálico, a
sialidase (ou neuraminidase) é a única glicosidase que não está presente
no lisossoma. Assim, as outras enzimas, capazes de danificar a membrana
lisossomal, simplesmente não têm acesso a ela (Figura 20.12).

Proteína

Enzimas

Glicídio

Membrana

Figura 20.12: A árvore glicídica das glicoproteínas da mem-


brana lisossomal impedem que as enzimas lisossomais ataquem
a membrana da própria organela.

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

Os lisossomas e o estado funcional de uma célula

Os lisossomas também servem para degradar organelas inteiras


que tenham envelhecido ou estejam sobrando. O exemplo mais conhecido
é o do aumento do número de mitocôndrias decorrente de uma grande
demanda de ATP por tempo prolongado. Se a necessidade de ATP
diminuir, a diminuição do número de mitocôndrias é feita por autofagia,
fenômeno em que as organelas a serem destruídas são envolvidas por
perfis de membrana do retículo, que criam um ambiente protegido onde
os lisossomas podem fundir, descarregando as enzimas lisossomais.
Na Figura 20.13, foram resumidas as principais vias endocíticas que
envolvem a participação de lisossomas.

Figura 20.13: Os lisossomas são o último compartimento da via endocítica. Para eles,
convergem e se fundem os fagossomas, os endossomas contendo moléculas endocitadas
via receptor ou por fase fluida e vacúolos autofágicos contendo organelas que estejam
velhas ou sobrando.

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20 MÓDULO 3
RESUMO

AULA
• A endocitose mediada por receptor é mais eficiente porque os complexos
receptor-ligante ficam concentrados em pequenas vesículas.

• A concentração dos complexos receptor-ligante é resultante da formação do


revestimento de clatrina, cuja função é reunir numa pequena área de membrana
as moléculas que devem ser endocitadas, excluindo as que não devem.

• O revestimento de clatrina é desfeito assim que a vesícula se destaca da


membrana.

• A vesícula endocítica se funde com o endossoma inicial, descarregando nele


seu conteúdo.

• Como o pH do endossoma é mais baixo (6,5), os complexos receptor-ligante se


desassociam.

• Enquanto os receptores retornam à membrana em vesículas de reciclagem, os


ligantes seguem para o endossoma tardio.

• Além dos ligantes, o endossoma tardio recebe as enzimas lisossomais que vieram
do Golgi acopladas ao receptor de manose-6P.

• O pH do endossoma tardio é mais baixo ainda (6,0), fazendo com que as enzimas
lisossomais e os receptores de manose-6P se soltem. Os receptores voltam para
o Golgi.

• Apesar do baixo pH no endossoma tardio, a maioria das enzimas lisossomais


ainda não funciona, porque ainda estão travadas pela região pro.

• Tanto enzimas como ligantes seguirão para os lisossomas, onde o pH é o mais


baixo da via endocítica, estando entre 5,0 e 4,5. Nos lisossomas, as enzimas são
destravadas e funcionam plenamente.

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Biologia Celular I | Compartimentos endocíticos

EXERCÍCIOS

1. Qual a principal vantagem da endocitose mediada por receptor em relação à


endocitose de fase fluida?

2. Como os complexos receptor-ligantes são reunidos em uma área da membrana?

3. Como é a molécula de clatrina? Como é o polímero formado por ela?

4. Como a vesícula revestida por clatrina se solta da membrana plasmática?

5. O que é um endossoma inicial?

6. O que acontece nesse compartimento?

7. O que torna o endossoma ácido?

8. O que é o endossoma tardio?

9. De onde vêm as enzimas lisossomais? Como são endereçadas aos compartimentos


endocíticos?

10. Por que as enzimas lisossomais não digerem as proteínas do próprio lisossoma?

11. O que são doenças de armazenamento?

12. O que é autofagia? Como se forma o vacúolo autofágico?

120 CEDERJ

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21
10
AULA
Organização Geral do
Citoesqueleto
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Reconhecer a existência de um sistema de suporte e
motilidade para as células;
• Listar e definir os principais tipos de movimentos
celulares;
• Caracterizar os tipos de filamento que compõem o
citoesqueleto.
Biologia Celular I | Organização Geral do Citoesqueleto

INTRODUÇÃO Já conhecemos vários dos aspectos gerais da organização e do funcionamento


das células. Nas aulas anteriores também usamos diversos tipos celulares para
exemplificar os fenômenos que estavam sendo estudados. Assim, acreditamos
que você seja capaz de identificar os tipos celulares reproduzidos a seguir (Figuras
21.1 a 21.3) e fazer algum comentário sobre as funções deles. Vamos lá!

Oba, vídeo!
O pólo dispõe de um ótimo material em vídeo sobre o citoesqueleto. Você
pode utilizá-lo tanto durante quanto após a leitura do material impresso. O
vídeo Cellebration ilustra vários tipos de movimentos celulares. No CD-ROM do
Molecular Cell Biology e do Molecular Biology of the Cell há animações e vídeos
sobre a dinâmica de formação de microfilamentos e microtúbulos e movimentos
celulares. Dúvidas? Consulte o seu tutor.

Figura 21.1

Figura 21.2 Figura 21.3

Acreditamos que não houve qualquer dificuldade em identificar


corretamente as células. Também podemos apostar que o critério usado
na identificação foi a forma dessas células. A propósito, as células são:
21.1, 21.2, 21.3.
O que será que mantém a forma desses tipos celulares? Se você
respondeu “a membrana”, pare um pouquinho e pense: será que uma
bicamada lipídica fluida seria capaz de sustentar a forma de uma célula?
E as organelas internas, não tenderiam a se depositar no “fundo” da
célula? Observe a Figura 21.4.

8 CEDERJ
21 MÓDULO 4
Figura 21.4: Uma célula pequena e com uma parede
semi-rígida (a) sustenta-se sem alterar substancial-
mente sua forma. Esse é o modelo de sustentação de
bactérias e outros procariotos. A célula em (b) tende

AULA
a se acomodar ao substrato e tomar a forma de (c).
Porém, se houver um sistema interno de sustentação,
b a forma é mantida, mesmo com um tamanho relati-
vamente grande (d).

a c d

Tamanho é documento?
Se pensarmos em termos evolutivos, forma e tamanho só passaram a
constituir “problemas” para os eucariontes. Os procariontes, isto é, as
bactérias, são células pequenas e não compartimentalizadas. A forma da
célula é mantida pela parede celular bacteriana (Figura 21.4a). Também
devido a seu tamanho, a distância entre dois pontos da célula procarionte
nunca é muito grande, de modo que as moléculas requeridas para uma
determinada função sempre estarão acessíveis.

Bem, podemos então concluir que o modelo de célula eucarionte


atual requer um sistema que confira sustentação e forma. Esse sistema é
formado por filamentos protéicos e se chama citoesqueleto.
O citoesqueleto não apenas confere a forma característica às células, mas
também é responsável por todos os seus movimentos. Veja a seguir.
PARADINHA ESPERTA

Do que você pode se lembrar quando falamos de movimentos celulares? Execute


alguns movimentos (espreguice-se, bata palmas, vá tomar um copo d’água, dê
uma piscada, etc.), e procure fazer uma lista com movimentos que as células
executam. Só vá ao final da aula para ver o resultado depois de tentar.

Forma, sustentação, movimento

Além de manter a forma das células, o citoesqueleto é responsável


pela capacidade das células se deslocarem no meio em que vivem, seja
através da emissão de projeções, como as amebas e as células do tecido
conjuntivo, seja por cílios e flagelos, como vários protozoários ou os
espermatozóides. Mesmo as células que permanecem fixas, como os
neurônios, estão constantemente emitindo finas projeções de membrana
em sua superfície para fazer ou desfazer contatos com as células vizinhas.
O citoesqueleto determina a distribuição das estruturas intracelulares e
impede que as células desabem sob seu próprio peso (Figura 21.4c). As
células musculares são especializadas em contrair-se num determinado
sentido e mesmo nas células que nos parecem “imóveis” há um intenso
tráfego citoplasmático de organelas e vesículas.

CEDERJ 9
Biologia Celular I | Organização Geral do Citoesqueleto

Os componentes do citoesqueleto

Três tipos de filamento compõem o citoesqueleto das células


eucariontes:
• microfilamentos;
• microtúbulos;
• filamentos intermediários.

A Figura 21.5 resume as principais características de cada um


deles.
Os microfilamentos são formados pela proteína actina, e os
microtúbulos, pela proteína tubulina. Ambas se mantiveram bastante
conservadas ao longo da evolução dos eucariontes. Já os filamentos
intermediários são proteínas fibrosas de natureza diversa, de acordo
com o tipo celular.

Microfilamentos são os mais finos (5-9nm


de diâmetro). São flexíveis e formam feixes
paralelos ou redes na parte mais periférica
da célula, embora se distribuam por todo o
citoplasma.

25nm 25µm

Microtúbulos são muito mais rígidos que


os microfilamentos. Partem sempre de
uma região definida do citoplasma: o
centrossomo ou centro organizador de
microtúbulos (COMt). As subunidades de
tubulina formam cilindros ocos de 25nm de
diâmetro externo.

25nm 25µm

Filamentos intermediários são formados


por proteínas fibrosas e medem cerca de
10nm de espessura. São os mais estáveis e
conferem à célula resistência mecânica. São
formados por várias proteínas diferentes,
de acordo com o tipo celular.

25nm 25µm

Figura 21.5: Cada tipo de filamento é mostrado tal como é visto por contrastação negativa ao microscópio
eletrônico de transmissão, num esquema que mostra a disposição das proteínas que os formam e sua
distribuição em uma célula epitelial do intestino.

10 CEDERJ
21 MÓDULO 4
Por que três tipos de filamento?

Microfilamentos, microtúbulos e filamentos intermediários possuem

AULA
cada um características próprias de resistência a tensões, flexibilidade e
estabilidade. Todos os filamentos do citoesqueleto são formados através da
polimerização (vide glossário) de proteínas. Todos podem polimerizar-se
e despolimerizar-se rapidamente; entretanto, os filamentos intermediários
podem suportar níveis de tensão e deformação que causariam a ruptura
de microfilamentos e microtúbulos (Figura 21.6).
deformação

Figura 21.6: O gráfico analisa a capacidade de


suportar deformação dos filamentos do citoesqueleto
filamentos em função de uma força aplicada ao filamento. Os
intermediários filamentos que melhor combinam força e flexibilidade
microtúbulos são os filamentos intermediários. Os microtúbulos se
deformam sob pequenas forças, mas logo se partem
e os microfilamentos suportam melhor a força sobre
eles, mas pouco se deformam.

microfilamentos

força de deformação

Os microtúbulos determinam a forma geral da célula e a disposição


de suas organelas. A posição relativa do núcleo, do complexo de Golgi,
das mitocôndrias e ainda outras estruturas citoplasmáticas depende
da disposição dos microtúbulos (Figura 21.7). Todos os microtúbulos
partem de uma região definida, o centro organizador de microtúbulos
(COMt), ou centrossomo.

Figura 21.7: O formato geral da célula resulta da


c distribuição dos microtúbulos (linhas pontilhadas).
Estes partem de uma região específica junto ao
núcleo (N), o centrossomo (c). Sua disposição
determina a posição do complexo de Golgi (G) e do
retículo endoplasmático (linhas espessas).

CEDERJ 11
Biologia Celular I | Organização Geral do Citoesqueleto

A disposição dos filamentos intermediários também acompanha


a dos microtúbulos. Os microfilamentos se distribuem por todo o
citoplasma, mas principalmente nas regiões periféricas, o chamado córtex
celular. Projeções finas da membrana, estáveis como as microvilosidades
das células do epitélio intestinal (Figura 21.5) ou dinâmicas como os
filopódios de uma ameba (Figura 21.8), dependem da formação de feixes
de actina no seu interior.
Foto: Evander Batista

Figura 21.8: O parasita


intestinal Entamoeba
h i s t o l y t i c a adere às
superfícies e se desloca
emitindo filopódios que
são p r e e n c h i d o s por
filamentos de actina.

A combinação destes três tipos de filamento confere a cada tipo


de célula o balanço entre estabilidade e dinâmica, além de resistência
mecânica, todos fatores necessários à sua sobrevivência e atividade.

RESUMO

O citoesqueleto é um sistema de filamentos responsável pela sustentação


da célula, conferindo-lhe a forma e determinando a disposição interna das
organelas. Os movimentos celulares são feitos através da reorganização dos
filamentos do citoesqueleto. Microfilamentos, microtúbulos e filamentos
intermediários são os três tipos de filamento que compõem o citoesqueleto.
Todos são polímeros de proteínas. Enquanto microtúbulos e microfilamentos
são constituídos, respectivamente, pelas proteínas tubulina e actina, várias
proteínas diferentes podem constituir os filamentos intermediários. Enquanto
microtúbulos e microfilamentos estão mais associados a movimentos celulares, os
filamentos intermediários conferem maior resistência e sustentação às células.

12 CEDERJ
21 MÓDULO 4
EXERCÍCIOS DE AUTO-AVALIAÇÃO

AULA
1. Por que as células eucariontes não podem prescindir de um citoesqueleto?

2. Por que os procariontes não precisam de um citoesqueleto? Que estrutura é


responsável pela manutenção da forma das bactérias?

3. Quais as funções do citoesqueleto?

4. Quais os componentes do citoesqueleto?

5. Caracterize cada um dos tipos de filamento do citoesqueleto quanto a:

a. Diâmetro

b. Proteína característica

c. Estabilidade

d. Resistência

e. Localização na célula

CEDERJ 13
10
22
AULA
Os Filamentos Intermediários
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Compreender a organização estrutural dos filamentos
intermediários;
• Compreender a diversidade e as funções das
proteínas que formam os filamentos intermediários.
Biologia Celular I | Os Filamentos Intermediários

INTRODUÇÃO Como já vimos na aula 21, o sucesso do modelo eucarionte de célula se deve,
em grande parte, à existência do citoesqueleto, sistema dinâmico de filamentos
protéicos que confere às células forma, motilidade, resistência e suporte das
estruturas intracelulares. Três classes de filamentos formam o citoesqueleto:
os microfilamentos, os microtúbulos e os filamentos intermediários, assunto
desta aula.
Os filamentos intermediários conferem às células resistência mecânica ao
esticamento. Essa propriedade é importante para os tecidos de modo geral
e particularmente para aqueles que normalmente são submetidos a tensão e
compressão, como as células musculares, cardíacas e a pele (Figura 22.1).

Figura 22.1: A força


e a resistência de um
organismo complexo
dependem da força e
resistência das células
que o compõem.

Dados históricos

Estes filamentos foram denominados “intermediários” por have-


rem sido descritos pela primeira vez em células musculares lisas, onde
seu diâmetro (~10nm) se situava entre o dos microfilamentos de actina
e o dos feixes espessos de miosina. Se, por um lado, a denominação foi
incorreta, na medida em que os feixes de miosina não são filamentos,
por uma feliz coincidência, quando comparados com os microfilamentos
e os microtúbulos (os dois outros tipos de filamento do citoesqueleto),
eles também apresentam uma espessura intermediária, o que torna a
designação correta.

16 CEDERJ
22 MÓDULO 4
Caracterização

Quando comparados aos demais elementos do citoesqueleto

AULA
(microtúbulos e microfilamentos), são os mais resistentes e duráveis: em
células submetidas a tratamento com detergentes não iônicos e soluções
concentradas de sais, o citoesqueleto é praticamente todo destruído,
com exceção dos filamentos intermediários. Nas células de nossa pele,
que naturalmente se descamam, também só existem praticamente os
filamentos intermediários.
Os filamentos intermediários são encontrados no citoplasma
de quase todas as células eucariontes, embora haja exceções, como as
hemácias. Tipicamente formam uma rede no citoplasma, envolvendo o
núcleo e se distribuindo para a periferia. Freqüentemente se ancoram à
membrana plasmática em áreas de junção célula-célula (desmossomas)
ou célula-lâmina basal (hemidesmossomas). Há também um tipo de
filamento intermediário que se distribui na face interna do envoltório
nuclear, formando a lâmina nuclear.

Estrutura

Já comentamos na aula 21 que, diferentemente dos microfilamentos


e microtúbulos, os filamentos intermediários são formados por proteínas
fibrilares. Estas formam dímeros em que as duas extremidades NH2 das
moléculas participantes se alinham na mesma direção. Esses dímeros dão
origem a tetrâmeros “ponta-cabeça”, isto é, as extremidades NH2 de um
dímero se alinham com as extremidades COOH do outro. Os tetrâmeros
assim formados se “encaixam” com outros tetrâmeros, formando longos
filamentos helicoidais que se justapõem e se retorcem, formando
cordões muito resistentes (Figura 22.2). Os filamentos assim formados,
ao contrário de microtúbulos e microfilamentos, não são polarizados,
isto é, suas extremidades são equivalentes. Essa organização torna os
filamentos intermediários comparáveis aos cordões dos sapatos: ao
mesmo tempo que podem ser dobrados ou enrolados com facilidade, são
muito resistentes e difíceis de arrebentar quando puxados. A espessura
de um filamento intermediário corresponde a oito tetrâmeros, isto é, 32
unidades da proteína inicial.

CEDERJ 17
Biologia Celular I | Os Filamentos Intermediários

NH2 COOH

a
região em α-hélice
NH2 COOH

b
dímero trançado
NH2 COOH

COOH NH2
NH2 COOH
0,5µm c
filamento intermediário
observado ao microscópio eletrônico COOH NH2
NH2 tetrâmero formado COOH
pela justaposição dos dímetos

d dois tetrâmeros interligados

e
resultado da adição tetrâmeros
para formação do filamento
10nm

Figura 22.2: Os filamentos intermediários são formados pela adição de tetrâmeros — grupos de 4 moléculas
fibrilares — que se organizam de modo que as extremidades do filamento são idênticas.

Dinâmica

Comparados a microtúbulos e microfilamentos, sabe-se relativa-


mente pouco sobre a dinâmica de polimerização/despolimerização desses
filamentos. Entretanto, embora eles sejam responsáveis pela estabilida-
de mecânica das células, são claramente estruturas dinâmicas, que se
reorganizam constantemente, aumentando ou diminuindo seu compri-
mento e mudando sua localização na célula. Acredita-se que a adição de
um grupo fosfato à extremidade amino (NH2) da proteína formadora de
um filamento promova a desassociação desta do filamento.

18 CEDERJ
22 MÓDULO 4
Diversidade

Diferentemente dos microtúbulos e dos microfilamentos, formados

AULA
pelas proteínas tubulina e actina respectivamente, cada tipo celular possui
filamentos intermediários específicos. Dentre os tipos de proteínas que
formam os filamentos intermediários, as queratinas formam o maior
grupo. Mais de 20 tipos de queratina já foram identificadas em células
epiteliais humanas e outros 10 tipos em cabelos e unhas. Cada tipo de
epitélio possui determinados tipos de queratina.

Filamentos intermediários são, praticamente, o que resta de nós após a morte

Além de dentes e ossos, as sepulturas antigas contêm, em geral, restos de


pele, cabelos e unhas dos falecidos. Nessas estruturas, a queratina é esta-
bilizada por pontes de dissulfeto entre os filamentos, o que confere uma
grande estabilidade a essa proteína.
O ditado “do pó vieste, ao pó retornarás” é bem mais do que filosofia.
Grande parte da poeira que se acumula nas nossas casas é formada por
células mortas que se descamam naturalmente de nossa pele. Dessas células
já mortas, resta apenas uma rede de queratina que serve de alimento para
ácaros microscópicos que coabitam conosco e são causadores de vários tipos
de alergia.

As queratinas são especialmente abundantes nas células epiteliais


de locais sujeitos a estresse mecânico (no focinho dos bovinos e suínos,
no nosso calcanhar etc.). Nos desmossomas e hemidesmossomas dos
epitélios, os filamentos intracelulares de ancoragem são de queratina,
ou seja, o “cabeamento” para a transdução da tensão aplicada ao teci-
do é feito por estes filamentos (desmossomas e hemidesmossomas são
estruturas que se formam entre duas células (os primeiros) ou entre uma
célula e o tecido conjuntivo (os segundos), para aumentar a adesão entre
elas. Você estudará mais sobre eles em Biologia Celular II).

Os filamentos intermediários podem ajudar no tratamento do câncer

A célula cancerosa perde muitas das características da célula normal da


qual se originou; entretanto, os filamentos intermediários característicos de
determinado tipo celular permanecem presentes mesmo quando este se torna
canceroso. Ao identificar os tipos de filamento intermediário das células de
um tumor, o médico pode saber em que tipo celular ele se originou e com isso
escolher o melhor tratamento, evitando usar drogas ou outras terapias que
não seriam eficazes para aquele tipo de câncer.

CEDERJ 19
Biologia Celular I | Os Filamentos Intermediários

Indivíduos que possuem um gene para queratina mutado produzem


filamentos incapazes de suportar as tensões que, ao se romperem, levam
à formação de bolhas. Essa anomalia, bastante grave, é conhecida como
epidermolisis bullosa (Figura 22.3).

pressão

lâmina
basal
queratina defeituosa

hemidesmossomas

Figura 22.3: Na anomalia genética conhecida como epidermolisis bullosa, os filamentos de


queratina são muito frágeis, rompendo-se. O acúmulo de fluido extracelular sob a pele forma
bolhas, já que a pressão exercida pelo fluido não é suportada pela adesão da pele ao tecido
subcutâneo.

Mutações em outros tipos de queratina podem provocar doenças


relacionadas ao epitélio da boca, do esôfago e da córnea, todas provo-
cando o aparecimento de bolhas.

20 CEDERJ
22 MÓDULO 4
Neurofilamentos

Enquanto os filamentos de queratina são característicos de células

AULA
epiteliais, os neurofilamentos são tipicamente encontrados nos neurônios
(Figura 22.4).
Figura 22.4: O axônio
é um prolongamento
do corpo celular do
neurônio através do
qual são transportadas
as vesículas contendo os
neurotransmissores.
Alguns podem chegar
a medir 1m ou mais,
dependendo do tamanho
do animal.

Os neurofilamentos se distribuem ao longo dos axônios,


contribuindo tanto para a sustentação destes quanto para o transporte
axonal. Alguns neurofilamentos atingem grande comprimento e sua
estrutura difere da de outros filamentos intermediários pela presença de
“espaçadores” que mantêm os neurofilamentos paralelamente dispostos
ao longo do axônio (Figura 22.5).

Figura 22.5: Os neuro-


filamentos (a) possuem
“pontes” que os mantêm
eqüidistantes ao longo de
sua extensão. Outros fila-
mentos interme-diários (b)
não possuem esses espaça-
dores. (c) Num corte trans-
versal de um axônio vê-se
um grande número de neu-
microtúbulos c rofilamentos regularmente
a b
espaçados e uns poucos
neurofilamentos microtúbulos dispersos.

Já foram identificadas três proteínas formadoras de neuro-


filamentos — uma de baixo peso molecular (NF-L), outra de peso
molecular médio (NF-M) e a terceira de alto peso molecular (NF-
H). Durante o crescimento da fibra nervosa, novas subunidades são
adicionadas a ambas as extremidades dos neurofilamentos já existentes,
CÉLULA EFETORA
aumentando seu comprimento. Quando o axônio termina seu crescimento
É aquela que
e se conecta a uma cÉLULA EFETORA, seu diâmetro ainda pode aumentar efetivamente responde a
um estímulo. No caso de
cerca de cinco vezes, aumentando a velocidade com que os estímulos
uma glândula, a resposta
elétricos serão transmitidos. Por outro lado, a proliferação excessiva de é a secreção de uma
substância; no caso do
neurofilamentos pode prejudicar o fluxo dos neurotransmissores, levando músculo, a contração.
a doenças neurológicas (veja Box).

CEDERJ 21
Biologia Celular I | Os Filamentos Intermediários

Em exagero, tudo faz mal

Na doença degenerativa conhecida como esclerose amiotrófica lateral ou


doença de Lou Gehrig (um esportista norte-americano vitimado por ela),
ocorre acúmulo de neurofilamentos no interior do axônio, o que dificulta e
termina por impedir o transporte de neurotransmissores para a extremidade
do axônio onde eles são utilizados.

Proteína acídica glial, periferina, vimentina e desmina

Em outras células do sistema nervoso que não os neurônios,


os filamentos intermediários são formados pela proteína acídica glial
(GFAP). Essas células, coletivamente chamadas glia, compreendem os
astrócitos, as células de Schwan e outros tipos celulares responsáveis pela
imunidade, nutrição e proteção mecânica dos neurônios.
Nos neurônios do sistema nervoso periférico, foi identificado mais
um tipo de filamento intermediário, formado pela proteína periferina,
sobre o qual pouco se sabe.
A proteína acídica glial e a periferina fazem parte de um grupo de
proteínas formadoras de filamentos intermediários que também inclui a
vimentina e a desmina. A vimentina é característica de CÉLULAS DE ORIGEM
Os tecidos que possuem MESENQUIMAL . Esse tipo de filamento intermediário é encontrado na maior
CÉLULAS DE ORIGEM
MESENQUIMAL são as diversidade de tipos celulares. Sua distribuição geralmente acompanha a
cartilagens, os tecidos
conjuntivo e ósseo, o dos microtúbulos. Já foi inclusive identificada uma proteína, a plectina,
sangue e o endotélio,
epitélio que reveste os que forma pontes entre os filamentos de vimentina e os microtúbulos.
vasos sanguíneos. Os filamentos de vimentina ajudam a sustentar a membrana plasmática e
a definir a posição do núcleo e outras organelas. Alguns tipos de epitélio
podem ter simultaneamente vimentina e queratina.
Já a desmina é encontrada em células musculares (esqueléticas,
lisas e cardíacas). No músculo esquelético seu papel é contribuir para
estabilizar as unidades contráteis, os sarcômeros.

Miócitos unidos jamais serão vencidos!

A importância dos filamentos intermediários para a integridade dos tecidos pode


ser bem compreendida se analisarmos a estrutura e o funcionamento do músculo
cardíaco. Formado por células uninucleadas que se contraem em seqüência, esse
tecido deve exercer uma pressão eficiente sobre o sangue nas câmaras cardíacas
para bombeá-lo. É natural portanto, que existam entre as células cardíacas muitas
junções formadas por filamentos de desmina (Figura 22.6).

22 CEDERJ
22 MÓDULO 4
Figura 22.6: Junções que
reforçam a adesão entre
as células musculares
cardíacas. Filamentos

AULA
intermediários formados
por desmina participam
dessas estruturas.

célula 1 célula 2
junções

As laminas nucleares

Não, não está faltando um acento circunflexo em lamina nuclear.


Diferentemente dos filamentos intermediários exemplificados até aqui,
todos localizados no citoplasma das células e formando arranjos
tridimensionais, as laminas nucleares (pronuncia-se lamína) formam
uma malha na superfície interna do envoltório nuclear — a lâmina
nuclear (Figura 22.7). Essa rede de filamentos intermediários reforça o
envoltório nuclear e se despolimeriza a cada divisão celular, refazendo-se
depois, assim como o próprio envoltório.

A organização e a desorganização da lâmina nuclear são contro-


ladas por proteínas quinases que fosforilam as laminas, enfraquecendo
as ligações entre elas e causando o colapso da lâmina nuclear. A posterior
defosforilação dessas proteínas — ao final da mitose — leva à recomposição
da lâmina. Coincidência ou não, nas células que sofrem mitose fechada
(sem o desaparecimento do envoltório nuclear), não foi identificada a
presença desses filamentos. Você vai saber mais sobre esse assunto em
Biologia Celular II.

Figura 22.7: Os filamentos for-


mados por laminas se dispõem
como uma rede entre a face
interna do envoltório nuclear e a
cromatina (a). Formam uma rede
bidimensional (b).

envoltório nuclear lâmina nuclear 1µm


a b

CEDERJ 23
Biologia Celular I | Os Filamentos Intermediários

Grupos e principais características dos filamentos intermediários.

Tabela 22.1
Tipo de filamento Proteínas componentes Localização celular

Queratina Queratinas tipo I (ácidas) Células epiteliais eeus


Queratinas tipo II (básicas) derivados (cabelos, unhas,
pêlos, cascos)

Neurofilamento NF-L (baixo peso molecular) neurônios


NF-M (médio peso molecular)
NF-H (alto peso molecular)

Vimentina Vimentina Tecido conjuntivo,


cartilaginoso,

células do sangue

Desmina Músculo
Proteína acídica glial (GFAP) Células da glia
(astrócitos, células de
Schwan, microglia)

Periferina Alguns neurônios


periféricos

Lamina Laminas A, B e C Revestimento interno


do envoltório nuclear
(lâmina)

RESUMO

Os filamentos intermediários são formados por proteínas fibrilares que se organizam


em tetrâmeros onde as duas extremidades são idênticas.

Os filamentos intermediários não são polarizados, isto é, suas duas extremidades


são idênticas. Novos tetrâmeros podem ser acrescentados ou subtraídos de ambas
as extremidades.

Embora se comportem dinamicamente, os filamentos intermediários são mais estáveis


que microfilamentos e microtúbulos.

Os filamentos intermediários são mais resistentes à deformação que microfilamentos


e microtúbulos.

24 CEDERJ
22 MÓDULO 4
As principais funções dos filamentos intermediários estão ligadas à sustentação da

AULA
membrana plasmática, do envoltório nuclear e ao posicionamento das organelas no
citoplasma.

Os filamentos intermediários conferem aos tecidos muscular e epitelial resistência às


tensões.

Os filamentos intermediários podem ser agrupados em “famílias” de acordo com a


tabela 22.1.

Os filamentos intermediários podem formar conexões com os microtúbulos,


acompanhando sua distribuição celular.

EXERCÍCIOS DE AUTO-AVALIAÇÃO

1. Diferencie uma proteína fibrilar de uma globular, fazendo um esquema da


cada tipo.

2. Que tipo de proteína forma os filamentos intermediários: fibrilar ou


globular?

3. O que é um tetrâmero? Por que os tetrâmeros que formam os filamentos


intermediários não são polarizados? Como as proteínas poderiam se organizar
para formar tetrâmeros polarizados?

4. Em que tipos celulares são encontrados filamentos de queratina? Que outras


estruturas são formadas por queratina?

5. Quais os tipos de filamentos intermediários encontrados nas células do sistema


nervoso (neurônios, células gliais e neurônios periféricos)?

6. Como os filamentos intermediários podem ser úteis no diagnóstico do


câncer?

7. De que tipos celulares são característicos os filamentos de vimentina e desmina,


respectivamente?

CEDERJ 25
8. Qual a doença associada ao aumento excessivo de neurofilamentos?

9. Por que as laminas nucleares devem se despolimerizar durante a divisão mitótica?


O que ocorre durante a divisão nas células que não possuem laminas?

10. Com os conhecimentos adquiridos nesta aula, comente a frase: “do pó vieste
e ao pó retornarás”.
23
AULA
Microtúbulos
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• A organização estrutural dos microtúbulos;
• As funções desempenhadas pelos microtúbulos
numa célula;
• O conceito de instabilidade dinâmica;
• O conceito de centro organizador de microtúbulos;
• A diversidade e as funções das principais drogas que
interagem com microtúbulos;
• A diversidade e as funções das proteínas que se
associam aos microtúbulos.
Biologia Celular I | Microtúbulos

INTRODUÇÃO Vimos na aula 22 que os microtúbulos são filamentos longos e ocos, responsáveis
pela formação de estruturas transitórias, como o fuso miótico, ou permanentes,
como os flagelos. A forma geral e a disposição do núcleo e das organelas
celulares também são determinadas pela distribuição desses filamentos.

ORGANIZAÇÃO GERAL DOS MICROTÚBULOS


HOMOPOLÍMERO
polímero em que todas Como os microfilamentos, os microtúbulos também se formam pela
as moléculas são iguais.
polimerização de uma proteína globular. Porém, enquanto os microfilamentos
são hOMOPOLÍMERO de actina, os microtúbulos são hETEROPOLÍMEROS de duas
HETEROPOLÍMERO formas da proteína tubulina, a α e a β-tubulinas (Figura 23.1).
polímero onde duas
(ou mais) moléculas
diferentes se alteram.

DÍMERO a b
duas moléculas que juntas
formam uma unidade
Figura 23.1: Esquema de um microtúbulo em corte transversal (a) e em vista la-
funcional; podem ser
teral (b). Cada esfera em A corresponde a uma molécula (dímero α−β) de tubulina.
iguais (homodímero) ou
Os protofilamentos são formados por cadeias lineares de tubulina.
diferentes (heterodímero).

Treze protofilamentos formam a circunferência dos microtúbulos.


Cada protofilamento, por sua vez, é formado por DÍMEROS de α e β-
tubulinas alternadamente dispostos (Figura 23.2). A molécula de
β-tubulina possui um sítio ao qual se liga uma molécula de GTP
(Figura 23.2). Os dímeros de α e as β-tubulinas formam protofilamentos
que fecham o tubo em grupos de 13.

dímero de tubulina
Protofilamento em formação
GTP

Figura 23.2: Os dímeros de tubulina se ligam sempre na mesma orientação: a


subunidade de um dímero se liga à subunidade do dímero seguinte. É essencial
que uma molécula de GTP se ligue à subunidade para que os dímeros se associem,
formando o protofilamento.

Esse tal de GTP

A sigla GTP corresponde a guanosina trifosfato, uma molécula que, assim como o
ATP (adenosina trifosfato), pode ser hidrolisada, gerando o guanosina difosfato,
ou GDP, e liberando energia para algumas atividades celulares, como a dinâmica
de polimerização dos microtúbulos. No entanto, a quantidade de energia liberada
é bem menor que a da hidrólise do ATP. Por isso a hidrólise de GTP é usada muito
mais freqüentemente como um sinal do que como fonte de energia. Geralmente,
a molécula associada a GTP está ativa e a associada a GDP está inativa (também
é assim com a proteína G, você lembra da aula 13?). Ah! Sim, ATP e GTP contêm
nucleosídeos que também estão presentes na estrutura do DNA e RNA.
28 CEDERJ
23 MÓDULO 4
Figura 23.3: Microscopia

AULA
eletrônica mostrando um
feixe de microtúbulos onde
está havendo crescimento
preferencial na extremidade
plus (Foto: Gary Borisi, fonte:
Molecular biology of the cell,
Alberts et al. 3rd ed. Garland
Publishing Co., 1994.)

1µm

Observe o protofilamento na Figura 23.3. Você reparou que uma


extremidade é diferente da outra? Numa delas, a α-tubulina fica exposta,
e na outra, é a β-tubulina. Graças à maneira de o protofilamento se
formar isso vai se manter até mesmo no microtúbulo. Assim, a disposição
dos dímeros de α e β-tubulinas confere aos microtúbulos polaridade,
isto é, as duas extremidades de um microtúbulo são diferentes. Uma
conseqüência disso é que a incorporação de novos dímeros de tubulina
ocorre preferencialmente em uma das extremidades do microtúbulo,
enquanto a outra extremidade tende a liberar dímeros de tubulina com
maior rapidez e facilidade (Figura 23.3).
Essas propriedades conferem aos microtúbulos um sentido
preferencial de crescimento e fazem deles estruturas muito dinâmicas,
capazes de crescer ou encolher rapidamente. A extremidade onde
preferencialmente incoporam-se novos dímeros é chamada positiva ou
plus, enquanto a extremidade oposta é negativa ou minus (Figura 23.3).

DINÂMICA DE POLIMERIZAÇÃO DOS MICROTÚBULOS

Na maioria das células, os microtúbulos são estruturas extrema-


mente lábeis e dinâmicas, desaparecendo e reorganizando-se rapidamen-
te. Essa atividade pode ser exemplificada pelo fuso mitótico, estrutura
formada por microtúbulos e presente apenas durante a divisão celular,
ao final da qual desaparece.
Novos microtúbulos podem se formar espontaneamente a 37ºC num
tubo de ensaio onde sejam adicionadas moléculas de α e β-tubulina acima de
certa concentração, íons Mg++ e GTP (assim foram feitos os microtúbuos
mostrados na Figura 23.3). Nessas condições, novos microtúbulos começam
a se formar após um intervalo no qual nada parece está acontecendo.
CEDERJ 29
Biologia Celular I | Microtúbulos

Essa fase corresponde ao período de nucleação, quando são formados


os primeiros protofilamentos. A partir da formação desses núcleos, o
alongamento dos novos microtúbulos passa a ser um processo rápido
(Figura 23.4).
Podemos então considerar condições de polimerização de micro-
túbulos: a presença da concentração mínima necessária de dímeros de
tubulina α-β (concentração crítica), a temperatura adequada (37ºC), a
presença de GTP e Mg++. Correspondentemente, existem condições de
despolimerização: a temperatura baixa (4ºC), a falta de GTP, a presença
de íons Ca++ (mais uma razão para a concentração citoplasmática de
cálcio se manter baixa!) e a concentração de tubulina não polimerizada
abaixo da crítica. Essas condições foram determinadas in vitro, mas
depois se comprovou que também controlam a dinâmica de polimeriza-
ção in vivo. Conhecer essas condições também ajuda a entender por que
não é fácil manter microtúbulos polimerizados depois de romper uma
célula, em experimentos de fracionamento celular. Poderíamos escrever
as condições de polimerização e despolimerização de microtúbulos como
uma equação química, que obedeça à Lei de Ação das Massas: nas con-
dições adequadas, a polimerização prossegue até que a concentração de
dímeros caia abaixo da crítica e aí a reação passa a tender para a esquerda,
isto é, para a despolimerização. O contrário também é verdade!

37ºC + GTP + Mg++


Dímeros de Microtúbulos
tubulina polimerizados
4ºC + GDP + Ca++

Figura 23.4: A partir


de uma concentração
mínima (concentração
crítica), as subunidades
de tubulina agregam-se
em protofilamentos e
logo em microtúbulos. A
partir daí, o crescimento
dos microtúbulos é bas-
tante rápido, até atingir
o ponto de equilíbrio
dinâmico entre a quan-
tidade de tubulina po-
limerizada e livre no
citoplasma.

30 CEDERJ
23 MÓDULO 4
In vivo, as células possuem um centro organizador de microtúbulos
ou centrossoma, de onde partem todos os seus microtúbulos. Em geral, os

AULA
microtúbulos se orientam com a extremidade minus voltada para o centro
organizador e a extremidade plus voltada para periferia celular (Figura 23.6).
O estudo dos processos de alongamento e encurtamento de micro-
túbulos é feito com a utilização de várias substâncias. Para saber um
pouco sobre elas, consulte o box.

Drogas, poderosas aliadas no estudo dos microtúbulos

Sabe-se há muitos anos que diversas substâncias são capazes de interferir


na formação do fuso mitótico (formado por microtúbulos), interrompendo
a mitose. Essas drogas vêm sendo utilizadas tanto no estudo da participação
dos microtúbulos nas atividades da células como no tratamento de algumas
doenças.
Uma dessas drogas é a colchicina, extraída de um tipo de açafrão, que já era
utilizada pelos egípicios no tratamento da gota.
A colchicina, assim como seus derivados sintéticos, se liga à tubulina livre do
citoplasma, impedindo que ela se agregue ao fuso mitótico, o que impede a
célula de se dividir e termina por acarretar sua morte. A vincristina e a vinblastina,
também obtidas a partir de uma planta (a Vinca, Figura 23.5), possuem efeito
semelhante. Todas essas substâncias são empregadas no tratamento do câncer,
visando a eliminar as células do tumor que se multiplicam numa velocidade muito
superior à das células normais.

Figura 23.5: Além de


servir para fabricar
medicamentos e de
dar uma força no es-
tudo dos microtúbu-
los, a Vinca dá uma
flor linda!

Outra substância empregada na quimioterapia do câncer é o taxol, extraída do


teixo (gênero Taxus), uma árvore americana. Diferente das substâncias já descritas,
o taxol age como um estabilizador dos microtúbulos, agregando a tubulina
citoplasmática em microtúbulos e impedindo que eles se despolimerizem. Essa
droga também termina por bloquear a divisão celular, ao impedir a dinâmica de
polimerização e despolimerização dos microtúbulos.

CEDERJ 31
Biologia Celular I | Microtúbulos

Figura 23.6: Em geral, os a b


microtúbulos orientam
suas extremidades minus
na direção do centro
organizador (setas) e as
extremidades plus para
a periferia celular. Con-
forme o tipo de célula
ou a fase do ciclo celular,
o centro organizador
recebe nomes como cen-
trossoma (a), em células
interfásicas, e corpúsculo
basal, nas células flagela-
das (b). Já as células em c d
divisão (c) possuem dois
centros organizadores (os
pólos do fuso mitótico),
de onde partirão os
microtúbulos do fuso.
Nas células nervosas
(d), os microtúbulos do
axônio também partem
do centro organizador.

O CENTRO ORGANIZADOR DOS MICROTÚBULOS

Todos sabemos que o fuso mitótico se organiza a partir dos


centríolos e que cílios e flagelos partem de um corpúsculo basal (Figura
23.6). Não por acaso essas estruturas são formadas por microtúbulos
(Figura 23.7). Entretanto, o que define o centro organizador de
microtúbulos não é a presença do centríolo, e sim uma forma específica
de tubulina, a γ-tubulina, que se distribui no material pericentriolar (em
torno dos centríolos). A γ-tubulina forma um complexo em anel de γ-
tubulina que se acredita ser o molde a partir do qual os protofilamentos
e a estrutura tubular são formados. Além de funcionarem como centro
de nucleação para os microtúbulos, os anéis de γ-tubulina formam uma
espécie de tampa, estabilizando a extremidade minus e impedindo a
perda de subunidades.

Figura 23.7: (a) Centríolos ortogonalmente dispostos,


conforme observados em microscopia eletrônica de
transmissão. (b) Interpretação esquemática da estrutura
do centríolo, composto por nove trios de microtúbulos
a interligados por pontes protéicas. [foto: McGill M. et al,
J. Ultrastruct. Res., 57:43-53 (1976)].

32 CEDERJ
23 MÓDULO 4
A POLIMERIZAÇÃO E A DESPOLIMERIZAÇÃO DE MICROTÚBULOS
SÃO CONTÍNUAS

AULA
A utilização da videomicroscopia para a observação de células
nas quais a tubulina foi marcada com moléculas fluorescentes (procu-
re material em vídeo ou Cd-Rom disponível no pólo ou na Internet)
mostrou claramente que os microtúbulos de uma célula típica estão
constantemente se alongando e encurtando, num processo conhecido
como instabilidade dinâmica. Já foi demonstrado que a vida média de
uma molécula de tubulina é de 20 horas, enquanto um microtúbulo se
mantém por cerca de dez minutos, em outras palavras, uma molécula
de tubulina "participa" da construção de vários microtúbulos durante
sua vida celular.
Essa instabilidade dinâmica resulta da hidrólise expontânea
da molécula de GTP ligada à subunidade β da tubulina em GDP.
Enquanto a associação ao GTP favorece a polimerização e mantém
o protofilamento esticado, o GDP diminui a ligação entre os dímeros
de tubulina, encurvando o filamento e favorecendo o desligamento do
dímero do protofilameto (Figura 23.8).
O crescimento de um microtúbulo é favorecido quando há um
acréscimo contínuo de subunidades ligadas a GTP. Naturalmente, para
que isso ocorra, é necessário que haja um estoque citoplasmático de
tubulinas ligadas a GTP, que continuamente substituirão as subunidades
ligadas à GDP que forem se soltando da extremidade plus. Essas tubulinas
ligadas à GTP formam um quepe de GTP na extremidade do filamento.
Se esse quepe de GTP se desfizer (pela hidrólise do GTP a GDP não
seguida de substituição por novas subunidades ligadas a GTP), ocorre
o rápido encolhimento do microtúbulo, um fenômeno descrito como
despolimerização catastrófica. Esse fenômeno pode ser comparado à
implosão de um prédio: quando os alicerces são dinamitados, toda a
estrutura colapsa (Figura 23.8). Já foram identificadas proteínas que
contribuem para essa rápida despolimerização. Muito adequadamente
essas proteínas foram denominadas catastrofinas.

CEDERJ 33
Biologia Celular I | Microtúbulos

Figura 23.8: (a) Há uma


dinâmica de incorpora-
ção de novos dímeros de
tubulina ligados a GTP em
substituição a dímeros
ligados a GDP que se
soltam do filamento com
facilidade.
(b) Microtúbulos com
a extremidade rica em
dímeros ligados a GTP
tendem a crescer, enquan-
to as extremidades que
expõem tubulina ligada
a GDP tendem a se soltar,
fazendo com que o
microtúbulo diminua de
tamanho.

34 CEDERJ
23 MÓDULO 4
OS MICROTÚBULOS ORGANIZAM A FORMA DA CÉLULA

Como você pode notar na Figura 23.6, a forma geral das células

AULA
depende da distribuição dos microtúbulos a partir do centrossomo,
que, por sua vez, está sempre próximo ao núcleo, exceto durante a
divisão celular.
Isso já nos dá uma"pista" sobre a importância do centro
organizador de microtúbulos. Numa célula como a representada na
Figura 23.6A, os microtúbulos partem do centrossomo, irradiando-se
em todas as direções, mas preferencialmente no sentido para o qual
essa célula parece está se deslocando. Já numa célula como o neurônio
representada na Figura 23.6D, muitos microtúbulos se orientam
paralelamente na direção do axônio, conferindo a forma básica
dessa célula. Além disso, conforme já comentado nas aulas 17 e 21,
o complexo de Golgi se posiciona sempre em torno do centrossoma
e as cisternas do retículo endoplasmático se distribuem com a mesma
orientação dos microtúbulos. Mais adiante, veremos também que
vesículas citoplasmáticas e organelas como as mitocôndrias utilizam
os microtúbulos como trilhos para se deslocar dentro da célula. Os
filamentos intermediários, outro tipo de filamento do citoesqueleto,
também se distribuem paralelamente aos microtúbulos.
Se, por um estímulo natural (ver box) ou por micromanipula-
ção, o centrossoma de uma célula for deslocado de sua posição, todas
as organelas celulares se reposicionarão em relação a ela, inclusive o
núcleo. Por essas evidências, considera-se que o centro organizador de
microtúbulos corresponde ao centro da célula.

As células T citotóxicas são um tipo de linfócito especializado em reconhecer e


destruir células invasoras do organismo ou células infectadas por vírus. Nesse
processo, a membrana da célula T faz contato com a membrana da invasora,
desencadeando uma reorganização do seu citoesqueleto. O centrossoma e os
microtúbulos da célula T se concentram na área de contato com a célula-alvo. O
núcleo e o complexo de Golgi da célula T também se reposicionam, fazendo com
que as proteínas que estão sendo produzidas para a distribuição da célula invasora
sejam direcionadas com maior eficiência para a área de contato. Acompanhe a
seqüência no esquema a seguir (Figura 23.9).

CEDERJ 35
Biologia Celular I | Microtúbulos

Figura 23.9: Em A, o a
esquema das modifica-
ções da distribuição dos
microtúbulos na célula
T citotóxica quando vai
“atacar”a célula-alvo.
Em B, imunofluorescên-
cia com anticorpos
antitubulina, mostrando
que o centrossoma da
célula T se desloca para
a região de contato com
a célula-alvo. Note que,
nesta última, a distri-
buição dos microtúbulos
é normal. Foto: Geiger,
B. et al., J. Cell Biol. 95:
137-143 (1982) Rockfeller
University press.

COMO OS MICROTÚBULOS SE ORIENTAM NA CÉLULA

O centrossomo corresponde ao centro da célula (você pensava que


Figura 23.10: A seqüência era o núcleo da célula, né?), mas como será que os microtúbulos crescem
esquematiza como uma
proteína da membrana na direção certa? O natural seria que os microtúbulos se irradiassem em
da célula pode “prote-
ger” os microtúbulos a todas as direções, o que resultaria numa célula esférica, o que não é o caso
ela associados, estimu-
lando e funcionando
para a maioria dos sistemas (ver box). A instabilidade dinâmica explica
como “polarizadora” de bem a ausência dos microtúbulos de uma região; em contrapartida, já
seu crescimento, determi-
nando assim o sentido em foram identificadas outras proteínas, especialmente associadas à face
que uma célula se defor-
mará. Na verdade, o pro- citoplasmática da membrana plasmática, capazes de "estimular" a
cesso é mais complexo do
que a representação. incorporação de novos dímeros de tubulina e, conseqüentemente, o
crescimento do microtúbulo (Figura 23.10).

a b c d

36 CEDERJ
23 MÓDULO 4
AS MAPS (PROTEÍNAS ASSOCIADAS AOS MICROTÚBULOS)

Além de proteínas que promovem o crescimento do filamento

AULA
a partir de sua extremidade, outras proteínas interagem lateralmente
com os microtúbuos, ajudando a manter a ligação entre os dímeros
de tubulina (Figura 23.11). Essas proteínas pertencem a um grupo
de proteínas cuja função é associar-se a microtúbulos com o objetivo
de manter sua estrutura: as proteínas associadas a microtúbulos ou,
simplesmente, MAPs.

Figura 23.11: Tipos de MAP que formam ligações ao longo dos


protofilamentos, ajudando a manter a estabilidade do microtúbulo.

MAPs são proteínas tão estreitamente associadas aos microtúbulos que fazem
parte do próprio polímero. Essa noção vem de experimentos de polimerização
de microtúbulos in vitro , a partir de um extrato citoplasmático em que, além dos
dímeros de tubulina, havia muitas outras proteínas solúveis. A polimerização foi
induzida, pelas condições adequadas e pelos microtúbulos produzidos separados
do resto do extrato e purificados. Depois, a despolimerização foi induzida
acrescentando-se cálcio e abaixando-se a temperatura; aí (surpresa!) descobriu-se,
fazendo eletroforese, que além de tubulina, os microtúbulos, ao despolimerizar,
liberava outras proteínas também: eram as MAPs. Duas das proteínas capazes de
estabilizar os microtúbulos são a MAP2 e a Tau. Caso você esteja se perguntando,
"mas por que duas proteínas para mesma coisa?", já lhe adiantamos a resposta:
a distância determinada entre dois microtúbulos pela MAP2 é bem maior que a
determinada pela Tau. Assim, os feixes de microtúbulos estabilizados pela Tau
são bem mais compactos do que os da MAP2.

PROTEÍNAS ASSOCIADAS À TUBULINA CITOPLASMÁTICA

Recentemente, foram identificadas mais duas proteínas im-


portantes no comportamento dinâmico dos microtúbulos: a statmina,
que liga dois dímeros citoplasmáticos de tubulina, ajudando a manter
um estoque de tubulina não polimerizada, e a katanina, que “picota”
microtúbulos já formados. A espada dos samurais se chama katan,
em japonês, daí o nome dessa proteína.

CEDERJ 37
Biologia Celular I | Microtúbulos

Antes que você pense que a katanina e a catastrofina atuam da mesma


forma, esclarecemos que enquanto a catastrofina atua na extremidade positiva
do microtúbulo, onde está o quepe de GTP, a katanina fragmenta o microtúbulo
em vários pontos.
Uma conclusão interessante é vermos como os microtúbulos, sem-
pre formados pelas mesmas proteínas (α e β-tubulinas) podem se tornar
mais estáveis ou mais dinâmicos conforme se associam a um grupo de
proteínas (MAPs e Tau) ou outro (catastrofina, katanina).
Mas mesmo antes de conhecer as proteínas que ajudam a estabili-
zar ou despolimerizar os microtúbulos, eles já eram classificados em dois
grandes grupos funcionais: a) os microtúbulos lábeis, que estão sob as
condições descritas anteriormente de instabilidade dinâmica; nesse grupo,
sem dúvida, o exemplo mais notável é o dos microtúbulos que formam
o fuso mitótico; b) os microtúbulos estáveis, que não despolimerizam,
mesmo estando em condições de despolimerização, como baixa tempe-
ratura e presença de cálcio; nesse grupo, o exemplo mais conhecido é o
dos microtúbulos que formam cílios e flagelos.

PROTEÍNAS MOTORAS

As proteínas motoras que se associam a microtúbulos pertencem a


duas famílias: as cinesinas (do grego kynetos, movimento) e as dineínas.
As cinesinas formam uma superfamília de proteínas motoras e
possuem vários pontos em comum com a miosina do tipo II, abordada na
aula sobre microfilamentos. A cinesina também é uma molécula formada
por duas cadeias pesadas e duas cadeias leves. Enquanto a região globular
da molécula possui as propriedades motoras, é pela região em α-hélice
da molécula que os dímeros são formados (Figura 23.12).

Figura 23.12: As proteínas


motoras se ligam por uma
extremidade ao microtúbulo
e pela outra a uma organela
ou vesícula que será trans-
portada, como sobre um
trilho. Note que cinesina e
dineína se movem em sen-
tidos opostos.

38 CEDERJ
23 MÓDULO 4
Existe uma enorme variedade de cinesinas. As primeiras foram observadas fazendo
o transporte de vesículas contendo neurotransmissores no axônio gigante de lula

AULA
(o axônio dessa espécie tem 1mm de espessura, o que é enorme se comparado a
outras células nervosas). Num organismo simples como a levedura Sacharomices
cerevisae (o fermento de pão), foram descritos 6 tipos de cinesinas; na espécie
humana, foram 40 (até o momento)!

As cinesinas se ligam aos microtúbulos pelo seu domínio motor.


A outra extremidade se liga à partícula que será transportada. Às custas
da hidrólise de ATP, as cabeças globulares da cinesina se ligam e se
desligam do microtúbulo, fazendo com que a carga associada à outra
extremidade seja transportada ao longo desse trilho. Quando ligada ao
ATP, a molécula de cinesina fica no seu estado de rigor, isto é, permanece
ligada ao microtúbulo. É a hidrólise de ATP que promove o desligamento
da cinesina e seu deslizamento sobre o microtúbulo (Figura 23.13). Se
pudéssemos ver uma molécula de cinesina, veríamos que as cabeças
globulares da molécula se parecem com pezinhos que efetivamente
se desligam alternadamente do filamento em vários ciclos. Assim, as
moléculas (e as cargas a elas associadas) caminham por uma grande
extensão e a uma velocidade razoável (0,2 a 2µm/seg). As cargas, como já
comentamos, são organelas limitadas por membrana como mitocôndrias
e elementos do complexo de Golgi, retículo ou outras. É claro que para
transportar uma mitocôndria são necessárias muitas cinesinas atuando
em conjunto. A mitocôndria ficaria com o aspecto de uma “centopéia
molecular”. As vesículas sinápticas (ver box) que são formadas no
corpo celular e transportadas para a extremidade do axônio onde
serão exocitadas também viajam ao longo dos microtúbulos, movidas
a cinesina. Não é à toa, portanto, que essas proteínas são chamadas de
motores moleculares.

a
Figura 23.13: A cinesina (a) e a miosina (b)
são proteínas capazes de hidrolisar ATP,
o que provoca mudanças em sua confor-
mação. A associação da cinesina a um
microtúbulo e da miosina a um microfila-
mento promove movimento do filamento
ou de alguma “carga” associada a essas
proteínas motoras. Note que a cinesina
ligada ao ATP se liga ao microtúbulo,
enquanto a miosina depende de ATP
justo para desligar-se do filamento.

CEDERJ 39
Biologia Celular I | Microtúbulos

Muito do que se sabe sobre o transporte intracelular de vesículas e organelas


foi observado em neurônios gigantes de lula. Essa célula mostrou ser um ótimo
modelo tanto pelo seu tamanho como pela sua forma e sua função. Apenas para
maior clareza, incluímos aqui um modelo de célula nervosa (Figura 23.14) para
que você não tenha dúvidas sobre estruturas como axônio e vesículas sinápticas,
referidas no texto.

Figura 23.14: Esquema


geral de um neurônio.

corpo celular
axônio
(pode chegar a 1m)
dendritos
extremidades sinápticas
(onde se localizam as
vesículas)

Uma característica importante das cinesinas é que elas caminham


ao longo do microtúbulo sempre no sentido plus, isto é, em direção à
periferia celular. O transporte centrípeto (devia ser celulípeto, para o
centro da célula!) é feito por proteínas motoras da família das dineínas,
que caminham ao longo do microtúbulo, sempre no sentido minus.
É através das dineínas que as cisternas do complexo de Golgi são
mantidas junto ao núcleo, próximo ao centro organizador de microtúbulos.
Enquanto miosinas e cinesinas guardam algumas similaridades, as
dineínas diferem de ambas em vários pontos:
⇒ as cabeças globulares das dineínas são muito maiores que as das
miosinas e cinesinas (Figura 23.15);
⇒ as dineínas trafegam no sentido minus do microtúbulo (Figura 23.12);
⇒ o transporte feito via dineínas é bem mais rápido (14µm/seg!)
que o das cinesinas (~2µm/seg);
⇒ além da dineína citoplasmática, há um grupo de dineínas ciliares
e flagelares que pode ter três domínios globulares, ao invés dos dois
normalmente encontrados (Figura 23.15).

Figura 23.15: Moléculas de


(a) cinesina e (b e c) dineína
observadas ao microscópio
eletrônico de transmissão.
Repare como os domínios
globulares (as cabeças) das
dineínas são bem maio-
res que os da cinesina. A
dineína flagelar (c) possui 3
domínios globulares. (Fotos:
John Heuser).

a b c
40 CEDERJ
23 MÓDULO 4
MOVIMENTO CILIAR E FLAGELAR

Cílios e flagelos são estruturas motoras encontradas em protozo-

AULA
ários (os ciliados e os flagelados) e também em células de organismos
pluricelulares, como os espermatozóides (flagelo) e o epitélio ciliado das
vias respiratórias (cílios).
A estrutura interna de cílios e flagelos é idêntica. Mesmo assim, eles
são prontamente diferenciados: os cílios costumam ser curtos e se dispor em
fileiras que executam um movimento ondulatório sincronizado semelhante
ao de um remo (Figura 23.16A e B). Os flagelos são bem mais longos e em
menor número (um no espermatozóide humano, oito na Giardia lamblia
etc.). O movimento dos flagelos é ondulatório (Figura 23.16C).
Figura 23.16: (a) O movi-
mento do cílio se dá em
duas etapas: uma puxada
rápida num sentido (1
e 2) que efetivamente
resulta em deslocamento
b e uma recuperação lenta
no outro sentido (3 a 5)
que prepara o cílio para
um novo batimento.
(b) Esquema de um
ciliado (Paramecium).
As fileiras de cílios se
movem sincronicamente.
( c ) O movimento flagelar
se dá como uma onda que
c se propaga.

A estrutura básica de cílios e flagelos é chamada axonema e está


representada na Figura 23.17. Ao redor de um par central de microtúbulos,
arranjam-se 9 duplas de microtúbulos. Cada dupla é formada pelos 13
protofilamentos do microtúbulo A e pelos 9 protofilamentos do B. A
cada microtúbulo A, ligam-se duas moléculas de dineína (os braços de
dineína). Além de pontes radiais que ligam os pares periféricos ao par
central, os pares periféricos se conectam por uma proteína que forma
pontes entre eles: a nexina. O movimento do cílio ou flagelo é produzido
pela inclinação do axonema.
Figura 23.17: À esquerda,
um axonema em corte
transversal conforme visto
ao mi-croscópio eletrônico
de transmissão. Note que
as subunidades de tubu-
lina podem ser contadas.
No esquema à direita, os
principais componentes
da estrutura do axonema
estão representados.
(Foto: Lewis Tilney).
a b

CEDERJ 41
Biologia Celular I | Microtúbulos

Essa inclinação é resultado da interação dos braços de dineína de


um microtúbulo A com o microtúbulo B do par seguinte (Figura 23.18).
Se as pontes de nexina e as pontes radiais forem desfeitas, o movimento
das dineínas fará com que dois pares de microtúbulos adjacentes deslizem
em sentidos opostos (Figura 23.18). Isso não acontece principalmente
devido às nexinas.

NOTA: Não confunda tubulina α e β com os microtúbulos A e B dos pares que


formam o axonema de cílios e flagelos.

A cada momento, pares diferentes do axonema estão interagindo


via dineína. Isso resulta em um movimento ondulatório para o flagelo.

Figura 23.18: A dineína faz com


que os microtúbulos de um par se
desloquem em relação a seu par
vizinho. Como ambos estão presos
por pontes de nexina, o resultado é
o encurvamento do cílio ou flagelo.
A propagação desta onda resulta no
movimento de chicote do cílio e de
ondulação do flagelo .

Pares de microtúbulos O deslizamento entre os


ligados por nexina pares leva ao encurvamento
do cílio ou flagelo

RESUMO

Os microtúbulos são túbulos ocos formados por dímeros da proteína tubulina


na sua forma α e β. São estruturas polarizadas, sendo a extremidade plus a
que cresce mais rapidamente e a minus a de crescimento mais lento.

Os microtúbulos são nucleados a partir de uma região específica da célula, o


centro organizador de microtúbulos. A proteína característica desse centro
organizador é a γ-tubulina. Todas as extremidades minus ficam voltadas para
o centro organizador e as extremidades plus para a periferia celular.

A incorporação de um dímero de tubulina a um microtúbulo em crescimento


leva à hidrólise de uma molécula de GTP ligada à subunidade b desse dímero.

A disponibilidade de dímeros ligados à GTP leva à formação de uma tampa de


GTP que protege e confere ao microtúbulo uma tendência a crescer.

Os microtúbulos são dotados de instabilidade dinâmica, crescendo e encolhendo a


todo momento, redirecionando, assim, a forma e o deslocamento da célula.

42 CEDERJ
23 MÓDULO 4
Os microtúbulos podem estar associados a proteínas acessórios que aumentam sua
estabilidade através da formação de pontes entre as subunidades de tubulina.

AULA
As cinesinas e dineínas são proteínas que se associam aos microtúbulos e são capazes de
promover o deslizamento entre eles ou o transporte de organela e vesículas através do
citoplasma, utilizando-os como trilhos.

Cílios e flagelos são estruturas motoras de protozoários e tipos celulares como


espermatozóides e epitélios ciliados que conjugam em sua estrutura microtúbulos e
proteínas acessórias estruturais e motoras.

Várias drogas interferem na dinâmica de polimerização e despolimerização dos microtúbulos


e muitas delas são usadas na pesquisa e no tratamento de doenças como câncer e a gota.

A seguir, listamos as principais características das proteínas e drogas que se ligam


a microtúbulos.

Droga Função Interação


Colchicina Se liga a dímeros de tubulina Impede a polimerização
Vinblastina Se liga a dímeros de tubulina Impede a polimerização
Vincristina Se liga a dímeros de tubulina Impede a polimerização
Se liga aos microtúbulos,
Taxol Impede a despolimerização
estabilizando-os
Proteína
Nucleação de novos Protege a extremidade minus,
γ-tubulina microtúbulos impedindo que perca dímeros
Forma pontes laterais entre
Tau Estabilizar o microtúbulo
microtúbulos, originando feixes
Forma pontes laterais entre
Map2 Estabilizar o microtúbulo
microtúbulos, originando feixes
Favorece a rápida despolime-
Catastrofina Desestabilizar
rização na extremidade plus
Mantém a estrutura de nove pares
Forma pontes entre os microtúbulos
Nexina periféricos no axonema de cílios e
do axonema
flagelos
Liga-se ao estoque citoplasmático
Statmina Liga-se a dímeros de tubulina impedindo que toda
ela se polimerize
Liga-se a vesículas e organelas,
transportando-as na direção do
Proteína motora na direção
Dineína centrossoma. Também promove
minus
a inclinação dos microtúbulos dos
axonemas
Liga-se a vesículas e organelas,
Cinesina Proteína motora na direção plus transportando-as na direção da
periferia da célula
CEDERJ 43
Biologia Celular I | Microtúbulos

EXERCÍCIOS DE AUTO-AVALIAÇÃO

1. O que é um protofilamento? Quantos protofilamentos formam um microtúbulos?

2. Qual a relação do GTP com o crescimento de um microtúbulo?

3. O que você entende por instabilidade dinâmica?

4. O que é o centro organizador de microtúbulos?

5. De que depende a nucleação de um novo microtúbulo?

6. Por que são úteis na quimioterapia do câncer tanto drogas que evitam a
polimerização de microtúbulo quanto aquelas que evitam sua despolimerização?

7. A que funções ou estruturas celulares estão relacionados os microtúbulos?

8. Como atuam as proteínas motoras cinesina e dineína?

9. Como se dá o movimento de cílios e flagelos?

44 CEDERJ
24
AULA
Microfilamentos

Ao final desta aula, você deverá se capaz de:


objetivos

• caracterizar os microfilamentos e sua proteína


formadora, a actina;
• descrever a dinâmica de polimerização dos
microfilamentos;
• listar e definir os principais tipos de movimentos
celulares;
• caracterizar as principais estruturas celulares
formadas por microfilamentos;
• relacionar as principais proteínas acessórias da actina
a suas funções específicas;
• relacionar as principais drogas que interagem com a
actina e seus efeitos.
Biologia Celular I | Microfilamentos

INTRODUÇÃO Como vimos na aula 21, todos os microfilamentos são formados pela proteína
actina. Os microfilamentos estão associados a vários fenômenos celulares. O
mais conhecido talvez seja a contração muscular, mas também dependem
destes filamentos a adesão das células à matriz extracelular ou a substratos,
a separação das células-filhas ao final da divisão celular, a preservação da
estrutura das microvilosidades intestinais, os movimentos amebóides e muitos
outros processos celulares (Figura 24.1).

microvilosidades
anel contrátil
c Figura 24.1: Filamentos
a de actina participam na
separação de (a) células em
divisão, (b) no preenchi-
mento de microvilosidades
fibras de intestinais e (c) na adesão
tensão de células.
b

LEVEDURA
CARACTERÍSTICAS DA ACTINA
Forma do ciclo
de vida de alguns A actina está presente em todas as células eucariontes, sendo
fungos. O fermento
de pão e a Candida uma proteína muito conservada, isto é, sua seqüência de aminoácidos
albicans, causadora
do “sapinho”, são é muito semelhante em organismos filogeneticamente bem distantes,
leveduras. como fungos e animais. De acordo com o tipo celular, a actina pode

ISOFORMA corresponder a até 20% do peso seco da célula, como é o caso das
Pequenas variações células musculares. Eucariontes mais simples, como as LEVEDURAS,
de uma molécula
que podem resultar possuem apenas um gene para actina. Já os mamíferos possuem
de modificações
sutis na cadeia
vários genes para actina e ainda produzem várias ISOFORMAS dessa
primária, como a molécula. Pelo menos seis formas de actina já foram descritas. As mais
substituição de um
aminoácido, ou o importantes são a actina α, presente em células musculares, e a actina
acréscimo de um
grupamento, como β, encontrada em células não musculares. Além dessas ainda existe a
um acetil ou um
metil. actina γ, também em células não musculares.

46 CEDERJ
24 MÓDULO 4
ESTRUTURA DOS MICROFILAMENTOS Figura 24.2: (a) Embora a
actina G seja uma proteína
globular, ela aprisiona a
Seguindo a “estratégia” fundamental molécula de ATP n uma

AULA
região específica. (b) Con-
para formação de filamentos, os microfilamentos forme os monômeros de
actina G se ligam, forma-
são formados pela ligação de várias moléculas se um filamento. Cada
monômero é adicion ado
de actina, formando longos filamentos de sempre na mesma posição,
8nm de espessura (Figura 24.2), ou seja os conferindo uma polaridade
específica ao filamen to.
microfilamentos também são polímeros. A A extremidade oposta à
molécula de ATP é a extremi-
actina no seu estado monomérico é chamada de dade positiva ou plus.
actina G (de globular) e, quando incorporada
ao microfilamento, de actina F (de filamentosa).
Dois monômeros de actina só se encaixam em
uma determinada posição. O resultado disso é
a b
que o filamento de actina se torna polarizado,
isto é, as extremidades são diferentes.

Filamento polarizado ⇒⇒⇒⇒⇒⇒⇒⇒⇒⇒


Filamento não polarizado ⇔⇔⇔⇔⇔⇔⇔⇔⇔⇔
Quando um filamento é polarizado, ele possui uma “direção”.

Novos monômeros podem ser


adicionados (ou removidos) de qualquer
uma das extremidades do filamento, desde
lado minus
que na posição correta, mas existe maior
probabilidade de incorporação de novos
monômeros a uma das extremidades,
que é chamada de positiva, ou plus. Esta
extremidade de crescimento está, em geral,
voltada para a membrana plasmática.
Como você também pode observar na
Figura 24.3, cada molécula de actina G possui
em seu interior uma molécula de ATP. Ela é
lado plus importante para a manutenção da estrutura da
Figura 24.3: Estrutura da molécula de actina molécula. Sem o ATP em seu interior, a actina
baseada em análise de difração por raios X
se desnatura (perde a forma característica da
(A). No centro da molécula (seta) está o sítio
de ligação do ATP. molécula) rapidamente. Quando a actina G
se incorpora ao filamento, hidrolisa o ATP,
formando ADP, que fica “aprisionado” no
filamento (Figura 24.2).

CEDERJ 47
Biologia Celular I | Microfilamentos

A POLIMERIZAÇÃO DINÂMICA

Comparada, em termos quantitativos, à maioria das proteínas


citoplasmáticas, a actina é uma das principais proteínas celulares. Parte
dessa actina se encontra na forma não polimerizada (actina G) e a outra
parte, na forma de microfilamentos (actina F).
É necessária uma concentração citoplasmática mínima de
moléculas de actina G, chamada concentração crítica, para que os
microfilamentos se formem. Um novo microfilamento tem início pela
formação de um núcleo. Para que esse núcleo se forme são necessárias
pelo menos duas outras proteínas relacionadas à actina, as ARPs (actin
related proteins) do tipo 2 e do tipo 3. Essas moléculas são relativamente
parecidas com a actina e se associam formando um complexo ARP 2-3
ao qual moléculas de actina G passam a se associar, formando um novo
filamento (Figura 24.4).

Complexo Arp 2 - 3

Monômeros incorporados
ao núcleo formado por
Arp2 e Arp3 Complexo
Arp 2-3
Figura 24.4: O microfilamento se forma a
partir do complexo formado pela Arp 2 e
pela Arp 3. O filamento cresce na direção
da extremidade plus, pela incorporação de
novos monômeros de actina.

PARADINHA ESPER TA
Nesta altura, você deve estar achando que microfilamentos e
microtúbulos compartilham muitas características. De fato, ambos
resultam da polimerização de proteínas e formam filamentos
polarizados e dinâmicos. Embora a estratégia de formação de
ambos seja semelhante, tubulina e actina são proteínas comple-
tamente distintas e os filamentos por elas formados possuem
características de flexibilidade e resistência muito diferentes.

48 CEDERJ
24 MÓDULO 4
Normalmente a concentração citoplas-
mática de actina G é muitas vezes superior

AULA
à concentração crítica (necessária para dar
início a um novo microfilamento). Isto, em
tese, poderia acarretar a total polimerização
da actina da célula. Entretanto, isto não ocorre, Sítio de ligação ao Timosina ligada ao
filamento de actina monômero de actina
poque a actina citoplasmática fica protegida
por uma pequena proteína, a timosina que se Figura 24.5: A timosina impede
mantém ligada aos monômeros, impedindo que o monômero a ela ligado se
incorpore a um microfilamento.
sua incorporação à extremidade positiva do
filamento (Figura 24.5).

Já a profilina é outra proteína que se liga ao monômero de actina,


competindo com a timosina, mas tem características diferentes dela: a
profilina se liga à região da molécula oposta ao ATP (Figura 24.6) e é
capaz de responder a estímulos de sinalização, como a picos de AMPc,
por exemplo. A actina ligada à profilina fica estimulada a se associar
à extremidade plus de um microfilamento. Assim, indiretamente, o
crescimento da extremidade plus (e, conseqüentemente, do filamento)
Figura 24.6: A profilina
liga-se à actina do lado é estimulado. Assim que o complexo actina-profilina se incorpora ao
oposto ao ATP.
filamento, a actina muda de conformação e libera a profilina.

Geralmente, a profilina se localiza junto à membrana plasmática


e, em resposta a estímulos do meio ambiente, promove o crescimento
de filamentos de actina em direção à membrana, empurrando-a. Note
que um monômero de actina ou se liga à timosina, ou à profilina, nunca
às duas moléculas ao mesmo tempo. O balanço entre as moléculas de
actina G ligadas a uma ou outra proteína resulta na instabilidade
dinâmica dos microfilamentos. Da mesma forma que os microtúbulos,
os microfilamentos estão constantemente se alongando e encolhendo.
Mais que isso, mesmo que o comprimento de um microfilamento pareça
inalterado, constantemente algumas subunidades de actina se soltam
na extremidade menos enquanto novas subunidades se incorporam à
extremidade positiva.

CEDERJ 49
Biologia Celular I | Microfilamentos

A dinâmica de polimerização dos microfilamentos pode ser comparada à fila que


enfrentamos para assistir a um bom filme ou partida de futebol: os primeiros a
chegar (núcleo) vão fazendo com que a fila cresça. Quando a bilheteria é aberta,
os primeiros começam a comprar e a sair da fila, mas essa permanecerá longa se
mais gente for chegando; entretanto, aqueles que estavam atrás cada vez mais
se aproximarão da bilheteria. Se todas as pessoas da fila conseguirem comprar
seu ingresso, após algum tempo a fila terminará. Acompanhe o raciocínio no
esquema abaixo.

Fim da fila primeiro da fila

Se a fila anda, mas continua entrando gente na mesma:

Todos chegarão a ser o primeiro da fila, mas ela ficará do mesmo tamanho.
Se a fila anda e pára de entrar gente :

Você também chega a ser o primeiro da fila, mas a fila acaba!

MUITOS MOVIMENTOS CELULARES DEPENDEM DE ACTINA

Vimos na aula sobre microtúbulos que algumas células se


deslocam pela ação de cílios e flagelos. Os microtúbulos também são
responsáveis por guiar os cromossomas para as células filhas durante a
divisão celular e pela distribuição de organelas celulares, como retículo,
complexo de Golgi e mitocôndrias. Por outro lado, a contração
muscular (que estudaremos em Biologia Celular II), o movimento
amebóide e o estrangulamento final que separa as duas células filhas
após a divisão, dependem da participação de microfilamentos.
Ao se deslocar numa determinada direção, as células
emitem prolongamentos de seu citoplasma que podem ser lobulares
(lobopódios), lamelares (lamelipódios) ou filamentosos (filopódios)
(Figura 24.7). Todos resultam da incorporação de novos monômeros
de actina na extremidade voltada para a membrana plasmática de
microfilamentos já existentes (Figura 24.8).

50 CEDERJ
24 MÓDULO 4
Estarão disponíveis, na plataforma ou no pólo,

AULA
vídeos mostrando a relação entre a incorporação de
monômeros de actina ao filamento e os movimentos
celulares; em caso de dúvida, consulte o tutor.

Figura 24.7: Lamelipódios (L) e filopódios (F) são forma-


dos sob a membrana plasmática pela polimerização de
filamentos de actina. Foto de Márcia Attias.

Figura 24.8: Novos monômeros de actina (pontilhado) se


incorporam à extremidade plus dos microfilamentos preexis-
tentes, empurrando a membrana plasmática e sustentando
o deslocamento da célula naquela direção (seta).

CEDERJ 51
Biologia Celular I | Microfilamentos

LOBOPÓDIOS, LAMELIPÓDIOS OU FILOPÓDIOS? AS


PROTEÍNAS ASSOCIADAS À ACTINA

Embora a morfologia de lamelipódios, fiopódios e lobopódios


seja bem distinta, todos são constituídos por microfilamentos. O que
faz com que um mesmo tipo de proteína possa formar estruturas tão

Figura 24.9: Os micro-


distintas, ainda que associadas a funções semelhantes? Assim, como
filamentos podem formar os microtúbulos, os microfilamentos se associam a proteínas que
arranjos em feixes paralelos
(a e b) ou em redes cruzadas lhes conferem diferentes propriedades. Estas proteínas permitem que
(c). Nos feixes os filamentos
podem ter todos a mesma os microfilamentos formem redes ou feixes paralelos (Figura 24.9),
orientação (a) ou não (b),
como indicam as cabeças capazes de suportar grandes tensões e de rapidamente se desmontarem,
de seta. dando origem a novos feixes, em outro ponto da célula.

a
A bB Cc

Cada um desses arranjos resulta da associação da actina com


diferentes proteínas, das quais as mais comuns são: α-actinina (Figura
24.9B), fimbrina (Figura 24.9A) e filamina (Figura 24.9C).
A α-actinina e a fimbrina formam pontes entre dois filamentos de
actina, dando origem a feixes paralelos (Figura 24.10). Essas proteínas
funcionam como espaçadores, mantendo eqüidistantes os filamentos do
feixe. Observando a Figura 24.10, vemos que a α-actinina mantém os
microfilamentos mais distanciados que a fimbrina.

Actina e α-actina Actina e fimbrina

Figura:24.10: A α-actinina d
mantém uma distância (D)
entre os microfilamentos
d
maior que a fimbrina(d).
Isso permite que outras
proteínas se insiram entre
os filamentos.

52 CEDERJ
24 MÓDULO 4
Não é difícil concluir que os feixes formados pela fimbrina são finos
e compactos, como os encontrados nas microvilosidades (Figura 24.11).

AULA
Figura: 24.11 as microvilosidades
(A) são sustentadas por um feixe
interno de microfilamentos asso-
ciados a fimbrina.

Fimbrina

proteínas que ligam membrana extremidade plus dos


os microfilamentos plasmática microfilamentos
à membrana

Já a α-actinina permite um espaçamento maior entre os


microfilamentos. Por isso mesmo, outras proteínas podem se inserir,
dando origem a outras estruturas. A α-actinina é encontrada em muitas
células, formando feixes capazes de suportar tensões, promovendo assim
a adesão dessas células ao substrato (Figura 24.12). Por isso mesmo
esses feixes são chamandos fibras de tensão ou stress fibers, no original
em inglês. Também é essa proteína que mantém o espaçamento regular
entre os filamentos de actina nas células musculares esqueléticas, sobre
as quais você saberá mais em Biologia Celular II. Na Figura 24.12, os
locais marcados na célula correspondem aos arranjos de filamentos
da Figura 24.9: os filopódios ao arranjo apertado da Figura 24.9B, o
córtex celular ao arranjo entrecruzado da Figura 24.9C e as fibras de
tensão ao arranjo paralelo da Figura 24.9A.

CEDERJ 53
Biologia Celular I | Microfilamentos

a
A

fibras de tensão
filopódio
córtex celular

B
b

CITOPLASMA

MATRIZ EXTRACELULAR

Cc

filamento de Figura 24.12: As fibras de tensão promovem a


CITOPLASMA

actina adesão das células a uma superfície (a). Em (b)


α-actinina vemos que elas são formadas por feixes de actina
associados a outras proteínas e espaçados por
α-actinina. Em (c), detalhamento de um dos fila-
mentos da fibra e as proteínas a ele associadas,
fazendo ligação com o meio extracelular.
vinculina
paxilina
talina
integrina
fibronectina
MATRIZ

50 nm

54 CEDERJ
24 MÓDULO 4
A filamina também é uma proteína que interliga filamentos de actina,
mas, ao invés de formar pontes entre filamentos dispostos em paralelo, os

AULA
filamentos ligados por essa proteína formam uma rede (Figura 24.13).

Dímero de filamina

Figura 24.13: A filamina forma dímeros


cuja distância entre as extremidades que
se ligam ao filamento de actina permite
a formação de redes de filamentos que
se entrecruzam.

Na verdade, o que determina se a ligação à actina de cada uma dessas


proteínas dará origem a feixes paralelos, redes ou mesmo se conectará
o microfilamento à membrana plasmática é conseqüência de sua forma
e tamanho (Figura 24.14).

fimbrina
α-actinina

filamina
50 nm

Figura 24.14: Enquanto a fimbrina possui apenas


um sítio de ligação para actina, a α-actinina, por
formar um dímero, pode ligar simultaneamente
dois filamentos, assim como a filamina, onde o
espaçamento e flexibilidade do dímero permitem
a ligação de filamentos entrecruzados.

CEDERJ 55
Biologia Celular I | Microfilamentos

Uma célula aderida precisa soltar do substrato para poder se


deslocar, mas se ela soltar todos os pontos de contato ao mesmo tempo
vai ficar boiando! Assim, ela precisa soltar apenas alguns contatos
com o substrato na região próxima à direção de migração. A célula
faz isso despolimerizando nesses locais filamentos de actina associados
à α-actinina (como os da Figura 24.12B) e polimerizando novos
microfilamentos mas agora associados à fimbrina para formar filopódios
que vão explorar o caminho. Caso a célula se decida a realmente ir
nessa direção, vai precisar estabelecer novos contatos com o substrato
e eles têm de ser sustentados por fibras de tensão para agüentar a tração
de puxar o resto da célula para a frente (Figura 24.15).

córtex filopódio substrato

actina nova polimerizando


para estender o filopódio

movimento de actina não polimerizada

novos contatos focais se


estabelecendo

Figura 24.15: Movimento de uma célula


aderida ao substrato.

56 CEDERJ
24 MÓDULO 4
AULA
Do caldeirão da bruxa

Algumas moléculas se ligam de forma específica à actina e impedem a dinâmica


normal de polimerização-despolimerização dos microfilamentos, sendo, portanto,
tóxicas para as células.
A faloidina é uma dessas substâncias. Extraída do cogumelo Amanita phaloides, a
faloidina forma ligações laterais com os filamentos de actina, estabilizando-os. Enve-
nenamentos com esse cogumelo (que pode ser confundido com espécies comestíveis)
são tratados dando-se carne crua ao paciente. A actina contida na carne se liga a esta
toxina e impede sua absorção. A faloidina é muito útil no estudo dos microfilamen-
tos em laboratório, tanto pelo seu poder de estabilizar os microfilamentos – e com
isso ser capaz de estabelecer se os mesmos participam de certos processos celulares
– quanto pela possibilidade de visualizar os microfilamentos, tornando-os fluorescen-
tes pela ligação à falacidina, um derivado fluorescente da faloidina.
A citocalasina também é uma toxina derivada de um fungo, capaz de ligar-se especifi-
camente à actina. Difere da faloidina por ligar-se especificamente aos monômeros da
actina, impedindo assim sua adição aos microfilamentos. Devido à dinâmica de poli-
merização-despolimerização, os microfilamentos acabam sendo todos despolimeriza-
dos, levando a célula a arredondar-se e desprender-se do substrato.
Embora atuem de maneiras diferentes, tanto a citocalasina quanto a faloidina impe-
dem a participação dos microfilamentos em fenômenos celulares como o movimento
amebóide e a fagocitose de partículas. Seriam os Amanitas os cogumelos venenosos
das bruxas más?

OUTRAS ESTRUTURAS LIGADAS À ACTINA

As hemácias humanas (Figura 24.16) são células que durante


o processo de diferenciação perdem o núcleo e todas as organelas e
membranas internas. Seu formato característico de disco bicôncavo
é dado pelo citoesqueleto associado à face interna de sua membrana
plasmática. Nessas células, os filamentos de actina são curtos e a
membrana se sustenta numa rede formada pela proteína espectrina
(Figura 24.16). Esta arquitetura permite a distribuição homogênea das
proteínas da membrana da hemácia e garante sua flexibilidade, fazendo
com que ela possa se deformar para atingir os capilares mais finos.

CEDERJ 57
Biologia Celular I | Microfilamentos

Figura 24.16: As hemácias (A) mantêm seu for-


mato bicôncavo graças a uma rede interna de
espectrina (B), que se liga a filamentos curtos
de actina. Estes filamentos, por sua vez, asso-
ciam-se a proteínas transmembrana da hemá-
cia, garantindo sua distribuição homogênea em
toda a membrana. O esquema B representa a
face citoplasmática da membrana da hemácia.

5µm

Espectrina
(dímero)

Actina (filamento
muito curto

Anquirina
Banda 3
Glicoforim Banda 4.1

50 nm

Curiosidade fantasmagórica

A hemácia foi o modelo de estudo da membrana plasmática que ajudou a produzir a


maioria dos conhecimentos básicos sobre essa estrutura. Geralmente, antes de iniciar
os experimentos, as hemácias eram delicadamente rompidas apenas para vazar o
conteúdo de hemoglobina que atrapalhava bastante as análises. Depois do esvazia-
mento, a membrana da hemácia tornava a fechar e a hemácia esvaziada passava a
ser chamada ghost (fantasma). Quando o citoesqueleto sob a membrana foi desco-
berto, suas proteínas foram analisadas por eletroforese e numeradas; algumas são
conhecidas pelo número até hoje, apesar de importantes, como a banda 3, principal
transportadora de cloreto, ou a banda 4.1, que ancora o citoesqueleto à membrana;
mas a mais abundante foi batizada de “a proteína do fantasma”: espectrina.

58 CEDERJ
24 MÓDULO 4
Traída pela própria actina: a estratégia da Listeria monocytogenes

AULA
A bactéria patogênica Listeria monocytogenes, responsável por um tipo grave de intoxi-
cação alimentar, desenvolveu uma estratégia particular para movimentar-se dentro
das células que invade. Inicialmente, a bactéria é englobada pela célula hospedeira
em um vacúolo, do qual rapidamente escapa para o citoplasma. Embora não possua
estruturas locomotoras, a bactéria é capaz de formar em uma de suas extremidades
uma cauda de filamentos de actina que, ao crescer, funciona como a cauda de um
foguete, empurrando-a pelo citoplasma. Eventualmente, a cauda de actina acaba
empurrando a Listeria na direção da membrana plasmática, levando-a a invadir as
células vizinhas, onde se multiplicará e repetirá a estratégia de escape. Acompanhe
as principais etapas desse processo na Figura 24.17. Um vídeo documentando este
curioso fenômeno também estará à sua disposição na plataforma.

bactéria
livre

fagocitose

a bactéria
escapa

formação da
cauda da actina

b
a bactéria
induz uma
projeção
Figura 24.17: Esquema (a) e fluorescência (b) de uma
célula parasitada pela bactéria Listeria monocitogenes.
(Foto: Tim Mitchinson e Julie Theriot)

Célula vizinha fagocita a


projeção contendo a bactéria

CEDERJ 59
Biologia Celular I | Microfilamentos

OS MICROFILAMENTOS PODEM SE FRAGMENTAR


RAPIDAMENTE

Assim como algumas substâncias são capazes de estimular o


rápido crescimento dos microfilamentos, determinadas circunstâncias
provocam sua súbita fragmentação. É o que acontece quando a
proteína citoplasmática gelsolina se liga a Ca++. Nessas condições
há uma imediata fragmentação dos microfilamentos, provocando o
desaparecimento de estruturas mantidas por eles. Em algumas células,
observa-se que, quando a maior parte da actina se encontra na forma
filamentosa, o citoplasma adquire uma consistência gelatinosa, sendo
esse estado chamado gel. Quando a actina se encontra fragmentada,
diz-se que o citoplasma está no estado sol. A constante transição
entre os estados sol e gel de certas regiões periféricas do citoplasma é
fundamental para o deslocamento da célula num substrato. Quando a
célula é tratada com citocalasina (vide box), o citossol tenderá a ficar
no estado sol. Já a faloidina levará ao estado gel.

OS MICROFILAMENTOS E OS MOVIMENTOS CELULARES:


PROTEÍNAS MOTORAS

A simples polimerização-despolimerização de microfilamentos


não é suficiente para justificar a participação dos mesmos em fenômenos
como a contração muscular ou o estrangulamento das células-filhas
após a mitose. Estes eventos requerem, além de proteínas estruturais
que mantenham as conexões entre microfilamentos e destes com a
membrana plasmática, as chamadas proteínas motoras. As proteínas
motoras associadas aos microfilamentos pertencem a uma mesma
família: as miosinas.
Todas as miosinas são capazes de hidrolisar ATP a ADP e
fosfato inorgânico (Pi) quando se associam a microfilamentos. Durante
o processo, a molécula de miosina promove o deslocamento do
microfilamento. Este movimento pode ser registrado quando se reveste
uma lâmina com moléculas de miosina e microfilamentos marcados com
uma substância fluorescente e ATP são adicionados. Ao microscópio de
fluorescência os microfilamentos se deslocam de um lado ao outro da
lâmina. Um clipe deste experimento se encontra disponível no pólo.

60 CEDERJ
24 MÓDULO 4
A superfamília das miosinas engloba várias subfamílias. Dessas,
as mais importantes são as miosinas I, II e V. Evolutivamente, a miosina

AULA
I é mais primitiva e acredita-se que tenha dado origem à miosina II e
todas as outras. A miosina I também é chamada miosina não muscular
e é o tipo mais abundante na maioria das células. Já a miosina II é
característica das células musculares. A miosina V foi descoberta mais
recentemente e é responsável pelo transporte de vesículas ao longo
de microfilamentos. Tanto a actina quanto a miosina foram primeiro
descritas em células musculares.
Todas as miosinas possuem uma região da molécula conservada,
é o chamado domínio motor. Trata-se de uma região globular onde a
hidrólise do ATP a ADP e Pi é catalisada. A hidrólise do ATP provoca
uma modificação na posição relativa entre a miosina e o microfilamento
que lhe esteja próximo que leva à liberação do Pi. Deste ponto em
diante, a ligação entre actina e miosina se fortalece, ao mesmo tempo
que uma região flexível logo abaixo da cabeça globular da miosina se
deforma, fazendo com que a miosina acabe por puxar o filamento de
actina ao qual inicialmente havia se ligado. A dinâmica do processo
está esquematizada na Figura 24.18.

CEDERJ 61
Biologia Celular I | Microfilamentos

Figura 24.18

Filamento de actina
minus

Uma molécula de ATP se liga ao


domínio globular da molécula de
Cabeça da miosina miosina.

A hidrólise do ATP produz ADP e Pi


e muda o ângulo entre a cabeça e a
cauda da miosina, fazendo com que o
domínio globular da miosina se aproxi-
me do filamento de actina.
Filamento espesso de
miosina II

A liberação do Pi favorece a ligação


entre actina e miosina.

A liberação do ADP provoca uma


flexão da molécula de miosina que
puxa o filamento de actina ligado a
ela.

A associação entre actina e miosina só


se desfará com a ligação a uma nova
molécula de ATP, permitindo o reinício
do ciclo.

62 CEDERJ
24 MÓDULO 4
Além do domínio motor, todas as miosinas possuem uma
cauda que pode manter a molécula ligada à membrana ou a outro

AULA
filamento (Figuras 24.19 e 24.20). No caso da miosina I, a cauda é
bastante curta; já a miosina II é um dímero em que as duas caudas se
entrelaçam de modo que os domínios globulares se posicionem em uma
das extremidades da molécula (Figura 24.19). Na miosina V, a porção
flexível da molécula é mais longa, permitindo que seu passo seja maior
do que o da miosina II.

Miosina I

Miosina II

Miosina V

(A)
a

(B)
b cauda cadeias
leves
Cabeças
2 nm globulares

150 nm

Figura 24.19 (a): Esquema comparativo das moléculas de miosina I, II e V. As setas apontam a região flexível da
molécula, que se dobra para produzir o deslocamento do filamento de actina. Na miosina V, a distância entre
as cabeças globulares é maior, permitindo um deslocamento maior que o da miosina II. (b) Detalhamento da
organização da molécula de miosina II. Na região globular da molécula, estão localizados tanto os sítios catalíticos
para a hidrólise do ATP quanto a região que se liga ao filamento de actina.

CEDERJ 63
Biologia Celular I | Microfilamentos

aa Miosina V

vesícula

b
Miosina II

cc
Miosina I

Membrana plasmática

Figura 24.20: A miosina pode provocar (a) movimento de uma vesícula por
sobre um filamento, (b) o deslizamento antiparalelo de dois filamentos
de actina, ou (c) prender-se à membrana e puxar um microfilamento. O
sinal de + indica a extremidade plus do filamento de actina.

Da interação actina-miosina dependem algumas atividades


essenciais do ciclo celular. Assim, o estrangulamento que separa as
células-filhas após uma divisão é resultante de um anel de contração
formado por feixes de actina que deslizam uns em relação aos outros
diminuindo o diâmetro do anel e trazendo consigo a membrana. Desse
processo participam, além da actina, miosina II e proteínas que ligam o
feixe de actina à membrana plasmática (Figura 24.21).

Figura 24.21: O estrangu-


anel contrátil lamento que resultará na
separação das células ao
final da divisão depende
de um anel contrátil de
actina e miosina. Foto de
Marcia Attias.

64 CEDERJ
24 MÓDULO 4
PERMANENTES OU TRANSITÓRIAS: AS ESTRUTURAS
FORMADAS POR MICROFILAMENTOS

AULA
Enquanto nas células musculares os microfilamentos e a miosina
a eles associada formam um arranjo estável, o anel de contração é uma
estrutura transitória, que se forma apenas ao final da divisão celular. Em
células que aderem ou se deslocam num substrato, feixes de filamentos
de actina estão sempre se formando e se associando a complexos de
adesão localizados na membrana plasmática. São os contatos focais
(Figura 24.22). Os contatos focais, por estarem associados às fibras de
tensão, conferem à célula uma resistência que a membrana plasmática
(composta essencialmente por uma bicapa fluida de lipídeos) por si só
não seria capaz de proporcionar. Estas regiões de adesão se reorganizam
de forma dinâmica, conforme mostrado na Figura 24.15, permitindo a
adesão, sem impedir o deslocamento da célula.

Figura 24.22: Iluminadas pelo sistema de


contraste de fase, é possível ver como
se distribuem as fibras de tensão numa
célula aderida a um substrato. As áreas
escuras correspondem aos contatos
focais, regiões onde os feixes de fibras
se ancoram.(foto: Grenham Ireland)

CONCLUSÕES

Os microfilamentos são certamente um dos mais versáteis


componentes celulares. De acordo com as proteínas a que se associem
podem formar estruturas completamente diferentes e desempenhar uma
enorme diversidade de funções. Esses componentes do citoesqueleto
estão presentes tanto nos eucariontes animais quanto em vegetais
e fungos. Processos fundamentais como a contração muscular, o
movimento e a adesão celular, o englobamento de partículas e a
separação de células ao fim da mitose são todos dependentes desses
filamentos. Igualmente notáveis são as miosinas, proteínas motoras
que interagem com a actina. A seguir, inserimos uma tabela onde as
principais características da actina e das proteínas a ela associadas
estão relacionadas.

CEDERJ 65
Biologia Celular I | Microfilamentos

Tabela 24.1
Forma, tamanho e Associação com a
Função da proteína Exemplo peso molecular actina

50 nm 370 x 43 kD/µm
Forma filamentos Actina

Fortalece o Tropomiosina
2 x 35 kD
filamento
14nm
Forma feixes a partir 68 kD
Fimbrina
dos filamentos
Forma feixes a partir 40nm
dos filamentos
α-actinina 2 x 100 kD

Forma ligações cruza- Filamina 2 x 270 kD


das entre filamentos
Ca2+
Fragmenta filamentos Gelsolina 90 kD

Desliza filamentos Miosina II 2 x 260 kD


ATP
Move filamentos ou ATP
Miosina I 150 kD
vesículas 2 x 265 kD plus 2 x 260 kD
β
Associa a ponta dos fila- Espectrina
α

mentos à membrana β α

Seqüestra monômeros Timosina


5 kD
de actina

66 CEDERJ
24 MÓDULO 4
RESUMO

AULA
Os microfilamentos são filamentos formados por monômeros da proteína
actina. São estruturas polarizadas, sendo a extremidade plus a que cresce
mais rapidamente e a minus a de crescimento mais lento.Os microfilamentos
são nucleados a partir de três monômeros de actina que se combinam a
outras proteínas relacionadas à actina. Geralmente, as extremidades plus
do filamento ficam voltadas para a periferia celular.

A incorporação de um monômero de actina a um microfilamento em


crescimento leva à hidrólise de uma molécula de ATP aprisionada no
monômero de actina.

Os microfilamentos são dotados de instabilidade dinâmica, crescendo


e encolhendo a todo momento, redirecionando, assim, a forma e o
deslocamento da célula.

Os microfilamentos podem estar associados a proteínas acessórias que


aumentam sua estabilidade através da formação de pontes entre as
subunidades de actina. A tropomiosina (veja tabela 24.1) é uma dessas
proteínas. A faloidina, embora seja uma toxina, também estabiliza os
microfilamentos.

As miosinas são proteínas que se associam aos microfilamentos e são capazes


de promover o deslizamento entre eles ou o transporte de organelas e
vesículas através do citoplasma, utilizando-os como trilhos.
Filopódios e lamelipódios são estruturas motoras de protozoários e tipos
celulares como fibroblastos, microfilamentos e proteínas acessórias estruturais
e motoras.

Várias drogas interferem com a dinâmica de polimerização e despolimerização


dos microfilamentos e muitas delas são usadas na pesquisa.

CEDERJ 67
Biologia Celular I | Microfilamentos

AVALIAÇÃO

1. O que é um microfilamento?

2. Qual a relação do ATP com o crescimento de um microfilamento?

3. O que você entende por instabilidade dinâmica? Como caminha uma molécula de
actina em um microfilamento?

4. Existe um centro organizador de microfilamentos?

5. De que depende a nucleação de um novo microfilamento?

6. Como atuam as drogas faloidina e citocalasina?

7. A que funções ou estruturas celulares estão relacionados os microfilamentos?

8. O que são fibras de tensão?

9. Como se organiza o anel de contração das células que se dividem?

10. Como atuam as miosinas?

68 CEDERJ
25
AULA
Tráfego Intracelular
de Vesículas
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Compreender o equilíbrio entre o compartimentos das
vias endocítica e secretória;.
• Conhecer os mecanismos de direcionamento de
vesículas.
• Enumerar os diferentes tipos de revestimento de
vesísculas e sua função.
• Correlacionar o mecanismo de fusão de membranas
com a sua especificidade.
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

INTRODUÇÃO Na aula 16, você aprendeu que as novas moléculas (proteínas, glicoproteínas,
lipídios) produzidas no retículo endoplasmático passam dessa organela para
o complexo de Golgi em vesículas. Depois, na aula 17, você aprendeu que
para percorrer o complexo de Golgi as moléculas precisam ser colocadas em
vesículas que brotam de cada lamela e se fundem com a lamela seguinte, já
que as lamelas do Golgi não são contínuas. A princípio, isso pode parecer
uma trabalheira absurda, mas como a cada lamela essas moléculas ganham
cadeias de açúcar que vão sendo modificadas, com certeza o processamento
dessas moléculas fica mais organizado. No final, já na rede trans do Golgi, as
moléculas seguirão para a membrana plasmática ou para os lisossomas, sempre
dentro de vesículas.
Repare bem, você não acha que, de tanto receber vesículas, a membrana
plasmática ficaria enorme? (daria para fazer babados, ou, no mínimo, umas
preguinhas...). Esse aumento da área da membrana plasmática seria muito
prejudicial para a célula, já que, por conter o citoplasma fluido, o aumento
de área seria acompanhado por um aumento de volume. Colocando um
pouquinho de matemática nesse raciocínio, você vai lembrar que: se a área
da membrana aumenta ao quadrado, o volume que ela delimita aumenta ao
cubo. Se o volume da célula aumentasse muito, certamente haveria entrada de
água (por osmose), o que diluiria o citoplasma, alterando o equilíbrio de todas
as reações que lá se desenrolam. Por isso, acréscimos de superfície precisam
estar bem controlados.
Em contrapartida, as células precisam se nutrir, inclusive de moléculas que não
atravessam a membrana, e para isso endocitam o fluido extracelular. A formação
de vesículas endocíticas reduz a área da membrana plasmática, contrapondo-se,
assim, ao processo secretório. Observando a Figura 25.1, podemos ter uma
idéia do trânsito de vesículas envolvidas nas duas principais vias da fisiologia
celular: a endocítica e a secretória.

70 CEDERJ
25 MÓDULO 4
lisossoma

endossoma MP
tardio

AULA
RE
endossoma
inicial

grânulo de
CGN Golgi TGN secreção

Complexo de Golgi

Figura 25.1: Tráfego de vesículas que transportam material do retículo endoplasmático


para o complexo de Golgi e daí para a membrana (via secretória) e de vesículas que
transportam material endocitado para os lisossomas (via endocítica). MP, membrana
plasmática; N, núcleo; RE, retículo endoplasmático; CGN, rede cis do Golgi; TGN, rede
trans do Golgi.

Concluímos, então, que a área da membrana plasmática e o


volume celular podem ser mantidos pelo equilíbrio entre a chegada
de vesículas da via secretória e o brotamento de vesículas endocíticas.
Mas será que o controle desse equilíbrio é simples? Considerando
apenas a via endocítica, lembremos que, na endocitose mediada por
receptor, vesículas são devolvidas à membrana quando os receptores
são reciclados.
Um experimento relativamente simples buscou testar esse equilíbrio
impedindo a formação de vesículas revestidas por clatrina. A idéia era
perturbar o equilíbrio de área da membrana através do bloqueio de um
dos tipos de endocitose. Isso foi feito eliminando o gene de uma das
adaptinas (recorde na Aula 20). O resultado esperado era o aumento de
área da membrana plasmática. Mas o resultado encontrado foi que, ainda
assim, a área da membrana se mantinha aproximadamente constante!
Isso aconteceu porque a taxa de endocitose de fase fluida aumentou. Esse
experimento sugeriu que o equilíbrio é dinâmico e não tão simples.
Um ponto intrigante é: como os compartimentos intracelulares
manteriam a composição de sua membrana e seu lúmen apesar de
trocarem vesículas entre si? Essa questão é particularmente importante
entre lamelas do Golgi. A única resposta possível parece ser que cada
compartimento tem de selecionar as moléculas que farão parte de uma
vesícula antes que ela se solte.

CEDERJ 71
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

Depois da vesícula formada, ela deve seguir pelo citoplasma


transportando sua CARGA para o destino certo. Será que seu
deslocamento pelo citoplasma é aleatório, ou seja, ela vai sendo levada
pelos movimentos dos outros componentes do citoplasma?
Aleatório ou não, uma vesícula certamente encontrará pelo seu
caminho citoplasmático muitas outras vesículas e compartimentos.
Por que ela não se funde com o compartimento errado, levando, por
CARGA DE UMA VESÍCULA exemplo, moléculas recém-sintetizadas do retículo para o lisossoma ao
O conjunto de
moléculas que ela
invés de para o Golgi?
transporta, o que inclui
não só o seu lúmen mas
Aliás, falando em fundir, como será que uma vesícula se funde
também as moléculas a outra?
que compõem a própria
membrana que a Como você pode ver, perguntas não faltam! Nos últimos anos,
delimita.
muitas delas começaram a ser respondidas. Vamos organizar o assunto
tratando dos seguintes pontos: direcionamento das vesículas, sua
composição incluindo a seleção da carga e por último fusão de vesículas
a compartimentos.

Daqui para a frente esta aula contém muitas informações incompletas,


como você poderá perceber, mas isso é devido à falta de informações
sobre certos processos celulares reconhecidamente importantes. Nossa
intenção é trazer as informações mais atuais. Muitas dessas informações
serão supérfluas para você hoje, mas decidimos escrevê-las porque, por
enquanto, não há outro texto em português que você possa usar como
fonte de consulta sobre esse assunto. Não se preocupe em guardar nomes
de moléculas, importante mesmo é perceber como funciona em geral o
tráfego intracelular de vesículas (até onde se sabe!).

DIRECIONAMENTO
Quando analisamos as direções seguidas pelas vesículas no
citoplasma de uma célula de mamífero (Figura 25.1), podemos perceber
que as vesículas da via secretória se deslocam da região próxima ao
núcleo, onde se encontram retículo endoplasmático e complexo de
Golgi, para a periferia da célula, até chegar à membrana plasmática.
Convencionou-se chamar essa direção de tráfego de anterógrada. Já
as vesículas endocíticas se deslocam passando pelos endossomas
inicial e tardio em direção aos lisossomas, que costumam estar
preferencialmente na região perinuclear; essa direção de tráfego
é dita retrógrada.
Com o que você aprendeu nas últimas aulas, já poderia apostar
que algum tipo de filamento do citoesqueleto estaria envolvido no

72 CEDERJ
25 MÓDULO 4
direcionamento das vesículas, já que as proteínas motoras podem
fazer com que vesículas ou mesmo organelas inteiras deslizem ao

AULA
longo de microtúbulos ou microfilamentos. Para testar essa hipótese,
um experimento simples seria usar drogas que despolimerizam esses
filamentos e observar se as vesículas continuam se deslocando.
Os resultados desses experimentos foram muito interessantes.
Ao despolimerizar microfilamentos usando citocalasina, as células não
conseguem mais fazer fagocitose, porque a emissão de pseudópodos
depende do remodelamento dos microfilamentos naquela região. Outra
alteração que chamou a atenção dos pesquisadores foi o “encolhimento”
do retículo endoplasmático: ao invés de se manter espalhado por uma
grande área do citoplasma ele se tornou menos ramificado. Entretanto,
os resultados mais marcantes foram obtidos com o uso do nocodazol,
uma droga que provoca a despolimerização dos microtúbulos. Nessa
situação, a via endocítica ficava bastante prejudicada, a maior parte
das vesículas formadas não conseguia passar o material endocitado
para os outros compartimentos, principalmente do endossoma inicial
em diante (Figura 25.2). Em muitas células, a despolimerização dos
microtúbulos causava a redistribuição dos lisossomos, que deixam de
ser encontrados principalmente na região perinuclear para se espalhar
na periferia da célula.
MP

endossoma inicial

microtúbulo Figura 25.2: O direcio-


namento das vesículas
transportadoras da via
endocítica depende dos
microtúbulos.

TGN
endossoma tardio

lisossoma

CEDERJ 73
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

Não era só na via endocítica que se notavam os efeitos da


despolimerização dos microtúbulos. A troca de vesículas entre retículo
endoplasmático e complexo de Golgi também se mostrava alterada.
Como já foi comentado antes (aula 17), a manutenção da identidade de
cada uma das lamelas do Golgi é essencial, já que cada lamela reúne
um conjunto de enzimas responsáveis por uma etapa da síntese de
glicoconjugados. Do mesmo modo, é muito importante que proteínas
mal formadas que tenham escapado para o Golgi voltem para o
retículo endoplasmático, de onde serão translocadas para o citoplasma
e destruídas pelo sistema ubiquitina-proteassomos (aula 18). Se os
microtúbulos forem despolimerizados, também essas etapas do tráfego
de vesículas deixam de acontecer (Figura 25.3).

Golgi
RE

Figura 25.3: O deslocamento


de vesículas do complexo
de Golgi para o retículo
endoplasmático depende de
microtúbulos.

microtúbulo

Analisando em conjunto os efeitos da despolimerização de


microtúbulos sobre o tráfego de vesículas, você vai notar que os trechos
afetados são aqueles em que as vesículas se deslocam da região periférica
para o centro da célula, portanto, na direção retrógrada. Já foi testado
experimentalmente, mas você até poderia advinhar: o tráfego retrógrado
usa proteínas motoras da família das dineínas para transportar vesículas ao
longo dos microtúbulos em direção à extremidade minus desses filamentos.
Quanto aos microfilamentos, alguns pesquisadores têm conseguido
registrar pequenos filamentos de actina, com o aspecto de cauda de cometa,
propelindo uma vesícula, assim como acontece com a bactéria Listeria
monocitogenes (veja box na aula 24). Entretanto, essa é uma idéia ainda não
muito generalizada, porque foi observada poucas vezes (Figura 25.4).

74 CEDERJ
25 MÓDULO 4
AULA
Figura 25.4: Esquema de propulsão de uma vesícula por uma cauda de filamentos
de actina. Micrografias de endossomas de ovócito de rã com a cauda de actina
formada. Fotos de Taunton et al. J. Cell Biol.148:519, 2000.

SELEÇÃO DA CARGA

Vimos na aula 20 que a grande eficiência da endocitose mediada


por receptor se deve à concentração do conteúdo das vesículas
revestidas por clatrina. O mecanismo de concentração é a reunião
de vários complexos receptor-ligante na pequena área de membrana
plasmática que vai formar a vesícula, graças à interação das caudas
citoplasmáticas dos receptores com adaptinas e clatrina (Figura 25.5).

receptor

adaptina

clatrina
Figura 25.5: Formação de
uma vesícula revestida
carga por clatrina.

Na saída da região trans do complexo de Golgi, ocorre a mesma


concentração de conteúdo, também com auxílio do revestimento de
clatrina, só que com outras adaptinas. As adaptinas são grupos de proteínas
que fazem pontes entre a cauda citoplasmática de receptores, na membrana
plasmática ou no Golgi, e a clatrina. São conhecidos há bastante tempo
dois complexos de adaptinas, o complexo AP1, que funciona no complexo
de Golgi, e o complexo AP2, que funciona na endocitose mediada por
receptor. Recentemente, mais dois complexos foram descobertos, o AP3,
envolvido na formação de lisossomas especiais, como os melanossomas, e
o complexo AP4, presente em neurônios.

CEDERJ 75
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

Assim, na saída do Golgi, formam-se vesículas transportadoras


que praticamente só contêm enzimas lisossomais e se dirigem ao
endossoma tardio e depois ao lisossoma. Nesse caso, o receptor que
interage com as adaptinas do complexo AP1 é o receptor de manose-6P
(aula 20). Você não acha adequado que as enzimas lisossomais sejam
transportadas em vesículas exclusivas? Com o conteúdo concentrado,
outras proteínas são excluídas da vesícula e não irão parar no lisossoma
por engano.
O mecanismo de concentração de carga também é muito adequado
à formação de grânulos de secreção. Esses grânulos são formados no TGN e
contêm grande quantidade de uma mesma carga. Podemos citar como exemplos
os grânulos dos mastócitos, que contêm histamina, as vesículas sinápticas, que
contêm acetilcolina, os grânulos de adrenalina etc. (Figura 25.6).

Figura 25.6: Um mastócito com o citoplasma carregado de grânulos de histamina,


antes (A) e depois (B) do estímulo para exocitose. Micrografias de Lawson et al., J.
Exp. Med. 142: 391, 1975.

Todos esses grânulos ficam estocados no citoplasma da célula


que os produziu até que um sinal vindo de fora seja transmitido ao
citoplasma (você estudou esses mecanismos nas aulas 13 e 14) e
provoque a exocitose de muitos grânulos de uma vez só, aumentando
a concentração do conteúdo do grânulo no meio extracelular ou até
na corrente sanguínea. A exocitose de grânulos desse tipo é chamada
secreção regulada, enquanto a exocitose de vesículas que não têm o
conteúdo concentrado, carregando novas moléculas para a própria
membrana, sem esperar ou depender de nenhum sinal, não passando
por nenhuma etapa de estocagem no citoplasma, chama-se secreção
constitutiva (Figura 25.7).

76 CEDERJ
25 MÓDULO 4
proteínas misturadas seleção PARA
LISOSSOMAS

SECREÇÂO CONSTITUTIVA

AULA
RE GOLGI

SECREÇÂO REGULADA

Figura 25.7: Distribuição de moléculas


na região trans do Golgi.

OUTROS REVESTIMENTOS

Seguindo a idéia de que o revestimento de clatrina não serve


apenas para concentrar a carga, mas também contribui para a formação
da própria vesícula, os pesquisadores procuraram revestimentos
citoplasmáticos em trechos do tráfego intracelular que não envolvem
concentração de conteúdo, apenas sua seleção.
A busca focalizou especialmente o tráfego de vesículas entre
o retículo endoplasmático e o complexo de Golgi. Nas vesículas que
brotam do retículo, foi encontrado o revestimento de COP II, e nas
vesículas que brotam da rede cis do Golgi, foi encontrado o revestimento
de COP I (Figura 25.8).

Figura 25.8: Micrografias


eletrônicas de vesículas
revestidas de clatrina
(A), COP I (B) e COP II (C).
As fotos estão na mesma
escala. A e B, de Orci et
al., Cell, 46:171, 1986; C,
foto de Barlowe e Orci.

Esses revestimentos têm muito em comum, apesar de as proteínas


que formam cada um deles serem diferentes. O revestimento de COP
I é formado por sete proteínas, e o de COP II por quatro. Ambos têm
em comum o mecanismo de associação com a membrana de onde a
vesícula vai brotar (compartimento doador): uma GTPase monomérica
serve como adaptadora do resto do revestimento.

CEDERJ 77
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

As GTPASE MONOMÉRICA que regulam o tráfego intracelular


têm uma outra característica em comum: são proteínas ligadas
covalentemente a uma cadeia de ácido graxo, o que lhes permite
inserir-se em membranas. A cadeia de ácido graxo fica exposta quando

GTPASE a proteína está ligada a GTP e se esconde quando a proteína está ligada
MONOMÉRICA a GDP. Por isso, o estado ligado a GTP é ativo e o ligado a GDP desliga
É uma proteína
a proteína da membrana, inativando sua função (Figura 25.9).
formada por uma
única cadeia que está
ligada a GTP e é capaz
de hidrolizá-lo. Assim
como as outras GTPases
que você conheceu na GDP GTP
aula de sinalização
celular (aula 13), essas a cadeia lipídica
b
proteínas estão ativas
quando ligadas a GTP e
ficam inativas depois de
hidrolizá-lo. Figura 25.9: Uma GTPase fica inativa quando está ligada a GDP e tem a cadeia
lipídica oculta em uma reentrância da molécula, estando solúvel no citoplasma da
célula. A mesma proteína ligada a GTP expõe a cadeia lipíca e vai funcionar inserida
em uma membrana.

PARADINHA ESPER TA

Atenção! Para que a GTPase ligada a GDP passe a estar ligada a GTP, é
preciso que o nucleotídeo inteiro seja retirado. Logo ele será substituído
por GTP, que é muito mais abundante no citoplasma que a forma GDP. A
conversão direta de GDP a GTP pelo acréscimo do terceiro fosfato demanda
energia e só acontece na mitocôndria, como vamos ver nas próximas aulas.

Para a formação de um revestimento do tipo COP, é preciso


que as adaptadoras desse revestimento, que são GTPases solúveis no
citoplasma, tenham o GDP substituído por GTP, para que exponham a
cadeia lipídica e possam inserir-se na membrana do compartimento de
onde a vesícula vai brotar (Figura 25.10).

GTPase solúvel no GDP GDP GTP


citoplasma Figura 25.10: Para que a
GTPase GTPase fique ativa, uma
inserida e ativa proteína da membrana
GTP
do compartimento doa-
dor rouba o GDP, que
membrana do logo é substituído por
compartimento de onde vai GTP, ativando a GTPase. A
brotar a vesícula proteína que rouba o GDP
é conhecida como GEF, de
GEF
GTP exchanging factor.

78 CEDERJ
25 MÓDULO 4
Depois de inserida na membrana, a GTPase vai servir de
adaptadora das outras proteínas do revestimento (Figura 25.11). As

AULA
adaptadoras foram identificadas em leveduras e são semelhantes, mas
não iguais, nas várias etapas do tráfego de vesículas. A adaptadora de
COP I se chama ARF e a de COP II se chama Sar 1.

proteínas do
revestimento

vesícula brotando

Sar 1 - GTP

subunidades
aA
de COP II
CITOPLASMA
carga transmembrana carga
transmembrana

carga solúvel

LÚMEN
DO RE

b
B
chaperonas ligadas a
proteínas malformadas

Figura 25.11: Em A, esquema representando apenas as proteínas do revestimento, inclusive


a adaptadora inserida na membrana do compartimento doador. Em B, um brotamento de
vesículas no retículo endoplasmático revestido por COP II e sua adaptadora Sar1, onde, além
das proteínas do revestimento, foram também representadas proteínas transmembrana
e proteínas solúveis do lúmen do compartimento doador que serão incluídas como carga
na vesícula em formação e outras proteínas, como chaperonas, por exemplo, que sendo
residentes no retículo não serão incluídas.

De novo as leveduras
Muitas etapas do tráfego intracelular de vesículas foram primeiro identificadas em
leveduras. A razão disso é que é muito mais fácil produzir nesses fungos mutantes
estáveis deficientes em alguma etapa do tráfego intracelular. Correlacionando o
fenótipo do mutante, ou seja, a etapa que ele não consegue fazer, com o gene
que foi deletado pode-se inferir qual o papel da proteína que está faltando. Os
mutantes de levedura deficientes na secreção celular foram classificados como
mutantes sec. A maioria das proteínas de mamífero que funcionam no tráfego de
vesículas tem uma proteína correspondente em leveduras classificada como sec.

CEDERJ 79
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

Ao contrário do revestimento de clatrina, que despolimeriza logo


que a vesícula se solta do compartimento doador, as COPs continuam
revestindo as vesículas até que elas atinjam seu destino. Por isso, quando
os revestimentos do tipo COP foram descobertos, tentou-se correlacionar
as etapas do tráfego em que cada um deles ocorria com a direção que a
vesícula iria seguir, anterógrada ou retrógrada. Depois, com tantas etapas
identificadas, essa idéia não ficou muito clara (Figura 25.12).

via endocítica
LEGENDA

clatrina

COP I

COP II

secreção constitutiva

MP

secreção regulada
RE GOLGI

Figura 25.12: As etapas do tráfego e os revestimentos que as regulam.

FUSÃO DE MEMBRANAS E A ESPECIFICIDADE DO TRÁFEGO


DE VESÍCULAS

Por que as vesículas só se fundem com o compartimento a que estão


destinadas? O que significa estarem destinadas? Cada vesícula tem em sua
membrana, voltado para o citoplasma, um conjunto de marcadores que será
reconhecido por marcadores complementares no compartimento-alvo (Figura
25.13). Assim, todas as vesículas se fundirão ao compartimento certo.
Os dois tipos mais importantes de marcadores de membrana das
vesículas e compartimentos celulares são as SNAREs e as Rabs.

Compartimento A

Compartimento
doador

Compartimento B

Figura 25.13: Duas vesículas que tiverem brotado do mesmo compartimento doador, mas carregando
marcadores diferentes, vão se fundir com compartimentos-alvo diferentes, onde cada uma encontrará
marcadores complementares.
80 CEDERJ
25 MÓDULO 4
SNARES

As SNAREs são proteínas de cadeia longa e superespiralada

AULA
responsáveis pelo reconhecimento entre vesículas e compartimentos e
também pela própria fusão entre suas membranas. Elas estão presentes
tanto na membrana da vesícula quanto na membrana do compartimento
receptor. A SNARE do compartimento doador, que vai ser incluída na
vesícula que está brotando, é dita v-SNARE (de vesicle SNARE) e a
SNARE complementar que está na membrana do compartimento-alvo é
a t-SNARE (de target SNARE) (Figura 25.14).

Figura 25.14: O reconhe- Compartimento A


cimento entre v-SNARE e t-SNARE
t-SNARE é o responsável
pela especificidade da carga A
fusão entre vesículas e
compartimentos.

Compartimento
v-SNARE
doador

carga B

t-SNARE Compartimento B

As SNAREs já tinham sido identificadas em leveduras (pelo


método da seleção de mutantes) e em neurônios de mamífero (veja o
box). Sua semelhança com proteínas virais que promovem fusão de
membrana fez com que durante alguns anos se acreditasse que tinham
apenas essa função. Lipossomas (vesículas compostas apenas por
bicamada lipídica, sem proteínas) a que se adicionaram apenas SNAREs
fundiram-se in vitro. Esses experimentos mostraram que apenas essas
proteínas já eram suficientes para conferir especificidade aos eventos
de fusão. Traduzindo: para que dois lipossomas se fundissem era
necessário que estivessem carregando SNAREs complementares.

CEDERJ 81
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

A liberação de neurotransmissores depende das SNAREs


O mecanismo de estocagem de vesículas sinápticas no terminal pré-sináptico e sua
exocitose regulada na membrana do neurônio tem sido objeto de intensos estudos
(você vai saber muito mais sobre o assunto em uma aula dedicada aos neurônios, em
Biologia Celular II). Associados aos estudos genéticos em levedura e aos experimentos
de fusão de vesículas in vitro, os resultados obtidos em neurônio formam todo o
conjunto de conhecimentos atuais sobre o assunto. A estrutura do complexo
SNARE formado antes da fusão de vesículas foi resolvido pelo seqüenciamento
das proteínas envolvidas e modelagem molecular de sua interação (Figura 25.15).

t-SNARE
(sinaptobrevina) CITOPLASMA
t-SNARE
(sanap-25)

membrana plasmática
do neurônio
t-SNARE
(sintaxina)

Figura 25.15: Quando uma vesícula sináptica vai ser exocitada, a sinaptobrevina (v-
SNARE) que está em sua membrana será reconhecida pela sintaxina e pela snap-25
(t-SNAREs) que estão na face citoplasmática da membrana do neurônio.

A fusão de membranas pode ser dividida em duas etapas:


1) ancoramento (docking): as SNAREs da vesícula e do compar-
Figura 25.16: Etapas da timento se reconhecem e a vesícula ali se ancora (Figura 25.16).
fusão entre duas vesículas,
que levam cargas dife-
rentes, a seus respectivos
compartimentos-alvo. Note
que depois da fusão pro-
priamente dita o complexo
v-SNARE e t-SNARE fica no
mesmo compartimento.

1 - RECONHECIMENTO 2 - FUSÃO
complexo v-t-SNARE complexo v-t-SNARE

82 CEDERJ
25 MÓDULO 4
2) fusão propriamente dita: as SNAREs mudam de conformação
puxando as membranas da vesícula e do compartimento uma de encontro à

AULA
outra, tornando-as tão próximas que a água que separa as duas bicamadas
é excluída, possibilitando a fusão. O próprio processo de fusão das duas
bicamadas passa por etapas, mas estas são tão rápidas que ainda não é possível
discriminar experimentalmente, sendo estudadas por hipóteses baseadas nas
propriedades fisico-químicas das bicamadas lipídicas (Figura 25.17).
Figura 25.17: As etapas
hipotéticas do processo
H 2O H2O de fusão de membra-
H2O nas. Em A, a vesícula
H2O H2O H2O H 2O
se aproximou do com-
H2O H2O H2O
partimento-alvo e os
H 2O H2O H 2O H2O
H2O complexos v-t SNARE se
H 2O reconheceram, levando a
c
uma mudança de confor-
mação que os aproxima
a
A (b), chegando a excluir
a água da área entre as
duas membranas. Com o
H2O
H2O H2O
contato estreito forçado
pelas SNAREs, forma-se
H2O dD um “ poro de fusão” (c),
H2O
que transforma as duas
bicamadas em uma só
(d), que termina por se
B
b romper (e).

eE
10nm

Volte à Figura 25.16 e repare que as duas SNAREs, a que veio com
a vesícula e a que estava no compartimento, passaram a estar na mesma
membrana, o que inviabiliza sua função. Para separá-las, é necessário ATP
e o trabalho de proteínas auxiliares. A mais conhecida é chamada NSF,
uma espécie de chaperona solúvel no citoplasma, que pode agir, com a
ajuda de proteínas adaptadoras, na separação de complexos v-t SNARE
de qualquer membrana (Figura 25.18). Depois de separar o complexo,
a SNARE que veio com a vesícula pode voltar ao seu compartimento de
origem, numa nova vesícula que vai brotar, fazendo o caminho de volta.
complexo
v-t SNARE
NSF

adaptadoras

RECONHECIMENTO FUSÃO SNARE


desacopladas
Figura 25.18: O mecanismo de separação das SNAREs.

CEDERJ 83
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

A ESPECIFICIDADE DOS PROCESSOS DE FUSÃO DE


VESÍCULAS TEM GARANTIAS: O PAPEL DAS RABS

As Rabs também são marcadores de vesículas, assim como as


SNAREs, e agem em conjunto com elas para garantir a especificidade
do processo de fusão, ou seja, para garantir que uma vesícula não
vá se fundir acidentalmente com o compartimento errado. Rabs são
GTPases monoméricas que têm uma cadeia lipídica exposta no estado
ativo – ligado a GTP – e escondida no estado inativo – ligado a GDP
– quando então a Rab fica solúvel no citoplasma, exatamente como na
Figura 25.9. Veja na Figura 25.19 como as Rabs agem em conjunto
com as SNAREs.

Figura 25.19: No com-


partimento doador, a
Rab será ativada por
uma GEF (como na Rab ativa
figura 25.10), que rouba
seu GDP e substitui 2
por GTP, causando a v-SNARE
exposição da cadeia
lipídica e a conseqüente Rab inativa
inserção na membrana
daquele compartimento 1
(é a membrana que
CITOPLASMA
está mais perto e a
cadeia lipídica preci-sa
se esconder da água
rápido!). No com-
partimento-alvo a Rab
será reconhecida por
uma molécula que vai
prendê-la, funcionando
como receptor, e depois
estimular sua atividade
GTPásica. Ao hidrolizar o
GTP, a Rab volta ao estado
solúvel no citoplasma.
FUSÃO
RECONHECIMENTO
COMPARTIMENTO ALVO

Nem todas as funções das Rabs são conhecidas. Enquanto uma


Rab está ativada e inserida em uma membrana, ela pode ativar outras
moléculas, que são ditas efetoras de Rab. Dentre os efetores de Rab,
supõe-se que estejam as moléculas que interagem com as proteínas
motoras e fazem as vesículas deslizarem ao longo de microtúbulos.

84 CEDERJ
25 MÓDULO 4
Sopa de letrinhas
Você achou complicados os nomes das moléculas nesse assunto de fusão de

AULA
membranas? Realmente fica mais fácil de entender esses nomes se a gente sabe
de onde eles saíram. Um dos primeiros resultados dos experimentos programados
para estudar os fatores que regulam a fusão entre os compartimentos celulares
foi usando uma droga que bloqueava completamente todos os processos
de fusão de membrana, a N-etilmaleimida. O próximo passo foi identificar a
molécula que era sensível a essa droga: era o NSF, fator sensível a N-etilmaleimida
(N-etilmaleimide sensitive factor). Mais alguns estudos e descobriram que
o NSF não agia sozinho, precisava de auxiliares, que foram coletivamente
chamadas SNAP (soluble NSF adaptor proteins, proteínas solúveis adaptadoras
de NSF). Pouco tempo depois, foram identificadas, sempre em leveduras ou
neurônios, as proteínas de membrana às quais o NSF e o SNAP se acoplavam:
finalmente eram descobertas as SNARE (SNAP receptors, receptores de SNAP).

Rabs, uma grande família


As Rabs e as adaptadoras de COP I e II (chamam-se ARF e Sar1, respectivamente)
são componentes da superfamília Ras das GTPases monoméricas, à qual tam-
bém pertencem outras moléculas que você já conhece, como a própria Ras
(aula 14), a dinamina (aula 20), a tubulina (aula 23), e outras que você ainda
vai conhecer em Biologia Celular II, como Rac e Rho (funcionam no controle
do ciclo celular) e Ran (funciona no transporte entre núcleo e citoplasma).
Elas têm em comum a característica de funcionarem como um interruptor
molecular, que liga quando associado a GTP e desliga quando associado a GDP.
Com quase 40 membros conhecidos, a subfamília das Rab é sem dúvi-
da a maior de todas. Cada compartimento celular tem pelo menos
uma Rab característica em sua membrana. Veja quadro 25.1 a seguir.

Proteína Organela
Rab 1 Retículo e Golgi
Rab 2 Rede cis do Golgi
Rab 3A Vesículas sinápticas, grânulos de secreção
Rab 4 Endossoma de reciclagem
Rab 5A Membrana plasmática, vesículas revestidas de clatrina
Rab 5C Endossoma inicial
Rab 6 Golgi medial e trans
Rab 7 Endossoma tardio
Rab 9 Endossoma tardio
Rab 11 Endossoma de reciclagem

CEDERJ 85
Biologia Celular I | Tráfego Intracelular de Vesículas

RESUMO

O tráfego intracelular de vesículas está organizado em duas direções:


TRÁFEGO RETRÓGRADO TRÁFEGO ANTERÓGRADO

(setas cheias) (setas pontilhadas)

Membrana plasmática retículo endoplasmático

endossoma inicial complexo de Golgi

endossoma tardio grânulos de secreção

lisossomas membrana plasmática

As setas maiores representam a direção majoritária e as menores representam


tráfego em menor escala, geralmente vias de reciclagem.

O tráfego retrógrado depende de microtúbulos.

A secreção de vesículas da rede trans do Golgi para a membrana plasmática pode ser:
• constitutiva, reciclando elementos da própria membrana;
• regulada, ficando estocada no citoplasma, aguardando um sinal para
exocitose.

Além da via endocítica, o revestimento de clatrina também funciona no complexo


de Golgi, concentrando o conteúdo de vesículas de secreção regulada ou que vão
para os lisossomas.

Os revestimentos de COP I e II funcionam selecionando a carga que será incluída


em vesículas que brotam do retículo e do complexo de Golgi, mas não concentram
o conteúdo.

As vesículas possuem marcadores moleculares em sua face citoplasmática.


Esses marcadores regulam a especificidade do tráfego e medeiam a fusão de
vesículas.

86 CEDERJ
25 MÓDULO 4
Os marcadores de vesículas do tipo SNARE promovem a fusão das membranas

AULA
aproximando as bicamadas até que se fundam.

Os marcadores Rab garantem a especificidade do tráfego e identificam os


compartimentos.

CEDERJ 87
Biologia Celular I

Gabarito
Módulo 1 - Aula 1

1. ocular objetiva aumento final

5x 40x 200X

10x 20x 200X

20x 10x 200X

10x 100x 1000X

2. As células recebem este nome porque o que Hooke descreveu foram as paredes
celulares remanescentes onde antes haviam estado células que morreram, deixando
lacunas semelhantes às celas dos monges.

3. Comparação do microscópio de Hooke (Figura 1.1) com o modelo atual (Figura 1.4),
identificando as partes análogas.

ocular

macrométrico

micrométrico

revólver

objetivas

amostra
platina

condensadora

fonte de luz

4. A importância de cada um dos componentes para observação ao microscópio


óptico: fonte de luz: atravessar a amostra, formando uma imagem na retina do
observador; lente condensadora: concentrar a luz, aumentando a intensidade do
feixe; espessura e contrasteda amostra: quanto mais espessa a amostra, maior o
contrastel, mas menor a visibilidade de detalhes.

5. Podemos observar células vivas e sem adição corantes tanto no contraste de


fase quanto no contraste interferencial.

154 CEDERJ
6. No microscópio de fluorescência a amostra é tratada com um corante fluorescente
e iluminada com uma fonte de luz ultravioleta, capaz de fazer com que apenas as
áreas onde o corante se fixou apareçam na imagem.

7. Limite de resolução é a menor distância em que dois pontos são distinguíveis


como individuais. O limite da resolução do microscópio óptico é de 0,2 µm.

8. Uma hemácia mede 8 µm. Quando observada sob o aumento total de 1.000
vezes, medirá 8.000 µm=8x103 µm = 8 mm = 0,8 cm

9. O núcleo é a única estrutura claramente visível dentro de uma célula observada


ao microscópio óptico devido a seu tamanho, localização e porque as outras
estruturas ou são muito pequenas ou aparecem apenas como túbulos ou vesículas
dentro da célula.

10. 5 µm = 5.000.nm

0,5 mm= 500 µm

100µm = 100.000 nm

1.000µm= 1 mm

60 nm= 0,06 µm

11. Uma célula foi fotografada com 2.000x de aumento no microscópio óptico.
Uma estrutura que tenha na realidade 2 µm aparecerá na foto com 4.000 µm =
4 mm = 0,4 cm.

12. A. Campo claro, amostra corada de esfregaço sanguíneo.

B. Cromossomos em microscopia de fluorescência.

C. Corte de pele, microscopia de campo claro.

D. Contraste interferencial de Nomarski, epitélio da mucosa bucal.

E. Fluorescência: núcleo em azul, citoesqueleto em verde.

F. Células do epitélio vaginal coradas pelo método de Papanicolau. Campo claro.

CEDERJ 155
Módulo 1 - Aula 2

1. É a menor distância em que dois pontos podem ser definidos como distintos.

2. 104 x 102 x 10–9 m= 104+2-9m= 10-3 m = 1 mm

10.000 = 104
104 x 102 x 10 –9 m= 104+2-9m= 10-3 m = 1 mm
100 nm = 102 x 10 m–9

Resposta: 1 milímetro

3- 30 µm = 30 x 10 –4 cm

9/30 x 10 –4= 3 x 103= 3.000

Resposta: 3000 vezes. Obs.: em geral esse é o aumento inicial para observação
ao microscópio de transmissão. Uma vez localizada a área de interesse usamos
aumentos bem maiores.

4.
Microscópio óptico Microscópio eletrônico

Poder de resolução 2 µm 2 nm

Lentes De vidro Eletromagnéticas

Luz visível Elétrons (radiação não-


Emissão do filamento
visível)

5. A formação da imagem no microscópio de transmissão se dá sobre uma tela


fluorescente. Nos pontos em que os elétrons foram barrados pelos átomos da
amostra a imagem é escura, enquanto os elétrons não barrados incidem sobre
a tela fornecem áreas claras. Átomos de elementos mais leves tendem a deixar
passar mais elétrons e elementos mais pesados tendem a barrar mais elétrons.

6. Para que os elétrons não sejam barrados ou desviados por moléculas de


ar (O2, CO2, H2 O vapor) na coluna. O oxigênio também causaria a combustão
do filamento.

7. Fixação: para estabilizar a forma e estrutura química

Desidratação: para remover a água e substituí-la por um solvente orgânico (acetona


ou etanol)

156 CEDERJ
Inclusão: substituição do solvente orgânico por resina

Ultramicrotomia: cortes ultrafinos na resina endurecida contendo fatias das


células.

Contrastação: impregnação com metais pesados (urânio, chumbo) para aumentar


o contraste das estruturas celulares, especialmente membranas.

8. No microscópio eletrônico de varredura as imagens são tridimensionais. O


feixe de elétrons varre a superfície da amostra gerando um sinal para um
monitor de TV.

9. Unidade de membrana, ribossomas, organelas em geral, cromatina,


estruturas intracelulares.

10. Superfície celular, pseudópodes, exoesqueleto de artrópodes, superfície de


folhas, dentes, conchas e outras estruturas mineralizadas.

Módulo 1 - Aula 3

1.

• Fixação: manter a estrutura geral da célula

• Infiltração com glicerol: o glicerol impede a formação de cristais de gelo durante


o congelamento. Os cristais perfurariam e destruiriam a célula

• Fratura: feita a baixa temperatura e sob vácuo, expõe as superfície das membranas
plasmática e das organelas intracelulares.

• Evaporação com platina: feita em ângulo de 45o visa criar áreas sombreadas
segundo o relevo das proteínas de membrana e estruturas celulares.

• Evaporação com carbono: feita homogeneamente por toda a réplica, cria uma
“base”, sendo o carbono transparente ao feixe de elétrons.

• Limpeza da réplica: feita com ácidos ou bases fortes. Remove restos celulares
que estejam grudados na réplica.

• Lavagem: feita com água. Depois dela a réplica é recolhida sobre uma grade e
levada ao microscópio eletrônico de transmissão.

CEDERJ 157
2. O plano médio, isto é, aquele para onde convergem as caudas hidrofóbicas
dos fosfolipídeos.

3. Às proteínas integrais da membrana.

4. Mostrou que as proteínas se inserem na bicamada lipídica, podendo ser de


diferentes tamanhos e estar distribuídas aleatoriamente (ao acaso) ou formando
arranjos como linhas paralelas, círculos, aglomerados, etc. Daí a comparação a
um mosaico.

Módulo 1 - Aula 4

1. As células, para serem mantidas em cultura, devem estar em ambiente estéril, a


temperatura, pressão e pH dentro de uma faixa que permita sua sobrevivência e
multiplicação. O meio de cultura deve conter ainda todos os nutrientes necessários
(proteínas, açúcares, lipídeos, sais minerais) e fatores de crescimento, como
vitaminas e hormônios.

2. Cultivar in vitro consiste em retirar células de um organismo e fazê-las sobreviver


em um recipiente como uma placa de Petri, tubo de ensaio ou outros. Algumas
células se multiplicam in vitro, outras apenas sobrevivem e se diferenciam,
geralmente aderindo às paredes do vidro ou plástico do recipiente. In vivo
consiste em manter células dentro de um organismo, que será seu hospedeiro.
Alguns protozoários parasitas, como o Toxoplasma gondii, são normalmente
mantidos em camundongos, já que morrem rapidamente se não penetrarem em
outras células. Alguns heterocárions formam tumores que secretam anticorpos
de interesse para os pesquisadores. Esses tumores também são mantidos por
passagem entre animais.

3. É uma cultura inicial, obtida a partir de células extraídas de um animal.

4. Tanto a célula tumoral quanto a transformada podem se multiplicar indefinidamente;


entretanto, a célula transformada guarda as características do tipo celular que lhe deu
origem (e.g., a cultura de células epiteliais transformadas forma uma camada com as
células unindo-se entre si, como num epitélio normal), enquanto a célula cancerosa
cresce desorganizadamente, formando grumos ou massas.

5. É uma célula formada pela fusão de dois tipos celulares diferentes. Seu
núcleo reúne o DNA das duas células originais e ela se comporta combinando
características das duas células originais.

158 CEDERJ
6. C, pois com a alta taxa de multiplicação será mais rápida a obtenção de grandes
quantidades da proteína secretada.

7. São células pluripotentes, que ao se multiplicar podem dar origem a todos os


tipos celulares que constituem um organismo.

Módulo 1 - Aula 5

1. Porque depois de rompidas as células é impossível saber de que tipo celular


vieram as organelas.

2. Choque osmótico, choque térmico, maceração, sonicação e tratamento com


detergente não iônico.

3. Por centrifugação diferencial, que consiste em centrifugar o homogeneizado


usando velocidades e tempos de centrifugação progressivamente maiores para
colocar no pellet organelas cada vez menos densas.

4. É a centrifugação de uma amostra sobre várias camadas de soluções de uma


substância inerte (geralmente sacarose) que tenham concentrações e, portanto,
densidades cada vez maiores. Assim a amostra que está sendo centrifugada vai
encontrar cada vez mais resistência até que a solução numa certa região do tubo
tem densidade igual à da amostra, que pára de migrar para o fundo, formando
uma banda que pode ser recolhida.

5. Na cromatografia de partição pequenas moléculas como fosfolipídeos, lipídeos


neutros ou aminoácidos livres são separados conforme seu grau de polaridade
ou apolaridade.

6. Na cromatografia de filtração em gel ou peneira molecular, proteínas e


glicoproteínas podem separadas conforme sua massa molecular.

7. Na cromatografia de troca iônica as moléculas são separadas conforme sua carga.

8. Na cromatografia de afinidade uma molécula pode ser separada de uma mistura


por sua ligação específica com outra molécula, geralmente um anticorpo, que foi
acoplado à resina.

CEDERJ 159
9. A eletroforese usa um campo elétrico para separar ácidos nucléicos ou proteínas,
que foram previamente desnaturadas e tratadas com SDS, conforme sua massa
molecular. A massa molecular de uma certa proteína da amostra pode ser feito por
comparação com padrões colocados na mesma corrida eletroforética. A eletroforese
serve também para acompanhar a purificação de uma proteína, porque permite
observar quantas proteínas diferentes estão presentes numa amostra.

10. Na técnica de Western blot proteínas já separadas por eletroforese podem ser
transferidas para uma membrana de nitrocelulose, ficando acessíveis à incubação
com anticorpos ou outros ligantes específicos. Assim, é possível mostrar que uma
certa proteína está presente numa amostra porque um anticorpo específico a
reconheceu. Ou mostrar que o soro de um paciente reconhece antígenos de um
parasito, portanto ele já teve contato com o parasito.

Módulo 1 - Aula 6

1. São proteínas sintetizadas pelos linfócitos B que se ligam a moléculas ou


organismos estranhos a um dado indivíduo.

2. Como cada molécula de anticorpo possui dois sítios de ligação para cada
antígeno, é possível a formação de ligações cruzadas, ou seja, um dos braços da
molécula de anticorpo se liga a um antígeno e o outro a outro antígeno (veja
esquema).

3. Defina:

Anticorpos policlonais – Reconhecem várias porções diferentes de um antígeno e


resultam da produção de várias linhagens de linfócitos B. Pode-se dizer que são
uma mistura de anticorpos diferentes que reconhecem moléculas de um mesmo
organismo. (veja Figura 6.4).

Anticorpo monoclonal- Reconhece uma determinada seqüência antigênica e deriva


de uma única linhagem clonal de um linfócito B.

Soro imune – é o soro extraído um animal previamente inoculado com determinados


antígenos, por exemplo, o soro antiofídico e o soro anti-rábico.

Hibridoma – é o resultado da fusão de uma célula tumoral (daí o sufixo oma) com
um linfócito B. O resultado é uma célula que se multiplica indefinidamente, como
a célula tumoral, e que secreta continuamente anticorpos, como o linfócito B.

160 CEDERJ
4. Associações de anticorpos e moléculas.

Microscopia óptica - fluorocromos (fluoresceína, rodamina) ou enzimas


(peroxidase, fosfatase alcalina).

Microscopia eletrônica – partículas de ouro coloidal.

5. São proteínas ou glicoproteínas derivadas de animais ou plantas que


reconhecem (se ligam) seqüências específicas de açúcares presentes na superfície
de células.

Módulo 2 - Aula 7

Exercício inicial

1. [as estruturas intracelulares como núcleo, mitocôndrias, retículo endoplasmático,


complexo de Golgi e vacúolos].

2. [proteínas] [lipídeos] e [carboidratos ou glicídeos].

3. [fosfolipídeo] [bicamada].

4. [hidrofílica] [hidrofóbica] [anfipáticas].

5. [fora] [dentro]. [entre as moléculas de lipídeos] [se ligam a proteínas ou lipídeos


da membrana apenas no lado extracelular dela]

Exercício final

1. A membrana é formada por uma bicamada lipídica onde se inserem mais ou


menos profundamente as proteínas. Os lipídeos da bicamada são anfipáticos e
as cabeças polares ficam voltadas para o exterior, enquanto as caudas apolares
ficam voltadas para o interior da bicamada.

2. Meio intracelular é tudo que fica da membrana plasmática para dentro da


célula. Meio extracelular é o que fica da membrana plasmática para fora. Os
compartimentos delimitados por retículo endoplasmático, complexo de Golgi e
o interior de organelas e

vacúolos também são considerados como meio extracelular, já que também ficam
separados do citoplasma por uma membrana.

CEDERJ 161
3. É qualquer espaço limitado por uma membrana contínua e separado do meio
externo ou do citosol. A mitocôndria, por exemplo, possui duas membranas e
dois compartimentos, o intermembranas e a matriz mitocondrial, separados pela
membrana mitocondrial interna.

4. Numa bicamada onde as cabeças polares ficam voltadas para o exterior,


enquanto as caudas apolares ficam voltadas para o interior da bicamada.

5. Eles podem se deslocar livremente no plano da membrana.

6. As caudas hidrofóbicas dos ácidos graxos podem oscilar, os fosfolipídeos podem


realizar movimentos de rotação em torno de seu próprio eixo e de translação no
plano do folheto em que estão inseridos.

7) É quando um fosfolipídeo muda de folheto na bicamada. Esse é um evento raro


que necessita de enzimas específicas, as flipases, para ocorrer.

8. a- Quanto mais curtas as cadeias de ácidos graxos, mais fluida a membrana.

b- Quanto mais fosfolipídeos com cadeias insaturadas, mais fluida a


membrana.

9. O colesterol é uma molécula pequena e muito rígida por conta dos anéis
aromáticos. Pelo seu tamanho, ela se insere entre as moléculas de fosfolipídeo,
diminuindo o espaço disponível para os movimentos deles.

10. A composição das membranas varia com relação à quantidade de cada


tipo de fosfolipídeo. Além disso, alguns fosfolipídeos nunca são flipados só
estando presentes em um dos folhetos da bicamada lipídica. Fosfatidilcolina e
a esfingomielina se distribuem apenas na camada voltada para o meio externo,
enquanto a fosfatidilserina e a fosfatidiletanolamina se localizam apenas na
camada interna.

11. Algumas regiões são compostas por lipídeos de menor fluidez que permanecem
agregados, formando domínios com funções específicas. Quando esses domínios
ocorrem em invaginações da membrana, são chamados cavéolas.

12. São regiões da membrana em que se acumulam ácidos graxos de cadeias


mais longas e colesterol, formando regiões menos fluidas, onde a espessura da
bicamada é maior e em que apenas proteínas com determinada expansão das
alfa hélices podem inserir-se.

162 CEDERJ
Módulo 2 - Aula 8

1. Porque a técnica separa os dois folhetos da bicamada lipídica, expondo


protuberâncias que correspondem às proteínas transmembrana.

2.

• proteína transmembrana: é aquela que atravessa a bicamada lipídica.

• proteína periférica: é aquela que se liga de modo não covalente a lipídeos ou


a proteínas transmembrana.

• proteína ancorada: é um tipo de proteína integral que se insere na bicamada


por uma porção lipídica à qual se liga por uma seqüência de açúcares.

• alfa-hélice protéica e fita beta-pregueada. Os aminoácidos da cadeia polipeptídica


podem atravessar a bicamada lipídica (hidrofóbica), enrolando-se numa hélice
onde os aminoácidos hidrofílicos fiquem voltados para o interior da hélice e os
hidrofóbicos para o exterior. Esse é o caso da alfa-hélice. Na fita beta-pregueada, os
aminoácidos formam arranjos mais lineares e rígidos, que atravessam a bicamada
lipídica, formando um “barril”.

• proteína unipasso: são aquelas cuja cadeia polipeptídica atravessa a bicamada


apenas uma vez.

• proteína multipasso: são aquelas cuja cadeia polipeptídica vai e vem através da
membrana várias vezes.

• Porinas - são proteínas do tipo “barril”, que formam poros aquosos em algumas
membranas, como a membrana externa das mitocôndrias.

• complexo protéico: é quando dois ou mais polipeptídeos de membrana, iguais


ou diferentes, se associam para constituir um complexo funcional.

3. Podem se deslocar lateralmente na bicamada lipídica e rodar em torno de seu eixo.

4. É uma célula formada pela fusão do citoplasma e dos núcleos de duas outras,
diferentes entre si.

5. São áreas da membrana onde se concentram proteínas e, conseqüentemente,


funções específicas.

CEDERJ 163
6. São mecanismos que impedem o livre fluxo de proteínas no plano da membrana.
Podem ser associações de proteínas em complexos de membrana ou associações
com elementos do citoesqueleto ou do meio extracelular ou mesmo regiões de
adesão entre duas células vizinhas que impedem a passagem de proteínas da face
apical da membrana para a superfície basolateral e vice-versa.

7. Sempre se ligam a proteínas ou lipídeos da membrana formando, respectivamente


glicoproteínas e glicolipídeos.

8. É a camada de resíduos de cadeias de açúcares que reveste as células.

9. As proteoglicanas são moléculas muito grandes nas quais um grande número


de cadeias de açúcar se liga a uma cadeia protéica. São características do meio
extracelular, especialmente no tecido conjuntivo. As glicoproteínas são proteínas
nas quais a parte protéica é a principal e possui acopladas a ela cadeias de
açúcares.

10. Por causa da sua via de biossíntese, no retículo endoplasmático e no complexo


de Golgi. Os açúcares são adicionados voltados para o interior dos elementos do
Golgi e, quando as vesículas que dali brotam se fundem à membrana, os açúcares
ficam voltados para fora.

Módulo 2 - Aula 12

1.

a) Correto, moléculas com carga (íons) formam em volta de si uma camada de


solvatação de moléculas de água incompatível com o caráter hidrofóbico da
bicamada lipídica da membrana.

b) Errado, apenas carreadores ligam-se temporariamente aos solutos que


transportam. Por isso mesmo, poucas moléculas são transportadas por vez.

c) Errado, a célula depende de uma instabilidade dinâmica que sinalize estados


de atividade e repouso.

d) Errado, os solutos passam em grande quantidade e velocidade através dos canais


numa velocidade 1.000 vezes superior ao transporte através de carreadores.

e) Errado, além de o antiporte ser uma troca de moléculas entre dois compartimentos,
o simporte é o transporte necessariamente conjunto de um íon e uma segunda
espécie molecular, por exemplo a glicose, sempre no mesmo sentido.

164 CEDERJ
2. A frase é uma boa analogia. Enquanto um enorme número de grãos passa
pelo funil em poucos segundos, levaríamos muito mais tempo para colocar igual
quantidade de grãos usando uma colher. Cada grão deve estar na colher, enquanto
nem todos os grãos entrarão em contato com as bordas do funil.

3. Porque, para que ele ocorra, é necessário que a bomba de Na+/K+ esteja mantendo
maior a concentração de sódio no meio extracelular. Do contrário, a célula poderia até
perder glicose para o meio externo.

4. Aquaporinas são proteínas transportadoras de água encontradas nas membranas


de várias células animais. Nos dutos das células coletoras essas proteínas aceleram a
reabsorção da água perdida durante a filtração do sangue, impedindo a excessiva
diluição da urina e a perda de água do organismo.

5. O sódio pode ser transportado a favor do gradiente de concentração (transporte


passivo) por canais iônicos e também no co-transporte de sódio e glicose. O
transporte ativo de sódio (contra o gradiente e com gasto de energia) é feito
pela bomba de sódio/potássio. No caso do sódio, a favor do gradiente quer dizer
para dentro da célula; e contra o gradiente, para fora da célula.

6. A frase está incorreta. A permeabilidade seletiva se refere aos diferentes


graus de afinidade que as moléculas que formam a bicamada lipídica possuem
pelas moléculas dos meios intra e extracelular. A bicamada é permeável a várias
substâncias tóxicas que sejam solúveis em lipídeos (metanol, benzeno), enquanto
substâncias “boas” como a glicose só passam através de proteínas específicas da
membrana, pois ela não é permeável a moléculas hidrofílicas como a glicose.

CEDERJ 165
Biologia Celular I

Gabarito
Aula 13

1.

a) Receptor: proteína presente na membrana ou no citoplasma de uma célula


que é capaz de reconhecer um ligante especificamente, disparando um evento
celular.

b) Ligante: molécula secretada ou exposta na membrana de uma célula, que é


reconhecida por um receptor, ligando-se a ele.

c) Molécula sinalizadora: corresponde ao ligante.

d) Célula-alvo: é a célula que possui o receptor para um determinado ligante.

2. Na parácrina, o sinalizador tem vida curta e se dissemina apenas entre as


células mais próximas. Já a sinalização autócrina é aquela em que a própria
célula que secreta o sinalizador é afetada por ele.

3. Na sinalização endócrina, a molécula sinalizadora “dura” bastante e atinge


células muito distantes do local onde é produzida. A sinalização neuronal é um tipo
de sinalização parácrina, mas como os neurônios possuem longos prolongamentos
– os axônios – a molécula sinalizadora pode atingir células muito distantes do
corpo celular onde ele é produzido.

4. Todas estão corretas.

5. Deve ser uma molécula pequena e hidrofóbica para que possa atravessar a
bicamada lipídica.

6. Porque, uma vez dentro da célula-alvo, os hormônios formam um complexo com


uma proteína citoplasmática e são transportados para o núcleo, onde terminam
por ativar um ou mais genes. Até que os efeitos da(s) proteína(s) codificada(s) por
aquele gene sejam aparentes, leva algum tempo.

7.

a) abrindo um canal iônico;

b) ligando-se a um receptor extracelular que ativa uma proteína G intracelular;

c) ligando-se a um receptor enzimático.

8. A acetilcolina, secretada por neurônios motores, e o receptor de acetilcolina,


presente nas membranas das células musculares esqueléticas.

122 CEDERJ
9. São proteínas que ligam GTP, hidrolisando-o a GDP e Pi. Esta alternância
entre ligação a GTP e GDP funciona como um sinal liga/desliga para a proteína,
disparando vários eventos.

10. GIs atuam inibindo a atividade de outras proteínas. GEs atuam estimulando a
atividade de outras proteínas.

Aula 14

1. Dentro da célula, isto é, no citossol.

2. Sempre na superfície da membrana voltada para o meio extracelular.

3. Canais ativados por ligante e os que estimulam a proteína G.

4. O receptor de acetilcolina é um canal ativado por ligante. A proteína G


pode ativar a adenilciclase hidrolisando ATP a AMPc, que ativa muitas enzimas
citoplasmáticas.

5. É uma proteína que fosforila (= adiciona um fosfato) a uma molécula.

6. A adenilciclase hidrolisa ATP a AMPc, que por sua vez ativa uma enzima como
a PKA, uma quinase que fosforila outras proteínas.

Ao ser ativada pela proteína G, a fosfolipase C cliva o PIP2 em IP3 e DAG. O IP3
libera cálcio armazenado no retículo endoplasmático. Já o DAG recruta o PKC no
citossol. O PKC se tornará ativo ao combinar-se com o cálcio liberado pela IP3.

7. São moléculas, como o cálcio, que disparam efeitos celulares. Embora eles
não sejam as moléculas sinalizadoras, sua presença é conseqüência da cascata
de reações disparada por estas. O cálcio, ou outro mensageiro secundário, tanto
pode ser a última molécula a sinalizar uma atividade celular, no citoesqueleto, por
exemplo, quanto ser um mero intermediário numa cascata que prossegue ainda
por vários degraus (moléculas).

8. É mantida baixa pelo bombeamento ativo para a luz do retículo endoplasmático


ou para o meio extracelular. Também pode ser trocado, sem gasto adicional de
energia, por sódio, num esquema de antiporte.

9. É uma seqüência em que a partir de um primeiro reconhecimento entre um ligante


e seu receptor, moléculas passam a ser ativadas em série, com um efeito dominó.

CEDERJ 123
A grande vantagem é a amplificação do sinal inicial, isto é, uma molécula ativa
duas, que ativarão quatro, e assim por diante, resultando na ativação final de
muitas moléculas a partir de umas poucas inicialmente utilizadas.

Aula 15

1. Pela invaginação de membranas a partir da superfície e pelo englobamento


(endocitose) de outros organismos primitivos.

2. Meio intracelular, ou citossol, espaço intranuclear e os compartimentos internos


limitados pelas membranas do retículo endoplasmático, complexo de Golgi,
mitocôndrias, plastídeos, peroxissomos, lisossomas e vesículas de endocitose e
de secreção.

3.

2 µm

1,5µm

1µm

Área: 2 + 2 + 3 + 3 + 1,5 + 1,5 = 13 µm2

Volume: 1,5 x 2 x 1 = 3 µm3

4. Área: 2 (15 x 20) + 2 (12 x 10) + 2 (10 x 10) = 1040 µm2

Volume: 15 x 20 x 10 = 3000 µm3

relação Área2 / Área1 = 1040/ 13= 80

relação Volume2 / Volume1 = 3000 / 3 = 1000

O volume da segunda célula é mil vezes maior do que o da primeira!

5. Se a superfície se dobrar, formando vilosidades ou invaginações.

6. Entram já na sua forma final, enovelada, através de comportas, os chamados


complexos do poro.

7. Essas proteínas possuem seqüências de endereçamento e passam por complexos


translocadores existentes na membrana dessas organelas.

8. Por vesículas que brotam de um lugar para o seguinte.

124 CEDERJ
9. Não, de acordo com a proteína que está sendo sintetizada eles permanecem
livres ou se aderem ao retículo.

10. É uma seqüência de aminoácidos que informa o destino de uma proteína que
começa a ser sintetizada.

Aula 16

1. Síntese de proteínas transmembrana, de secreção e proteínas lisossomais e


também síntese da bicamada lipídica.

2. Porque os ribossomos não permanecem aderidos em caráter permanente à


membrana do retículo.

3. Nenhuma. Os ribossomos são todos iguais, ao iniciarem a leitura de um RNAm


é que eles são ou não direcionados para o retículo, se existir uma seqüência de
endereçamento codificada naquele RNAm.

4. Existe no citoplasma uma proteína solúvel, a SRP (seqüência reconhecedora de


sinal) que se liga à seqüência sinal de aminoácidos e só se desliga dela depois de
se ancorar a um receptor da membrana do retículo.

5. A cadeia de aminoácidos passa através de um complexo de proteínas


translocadoras, o translocon.

6. Seqüências de aminoácidos hidrofóbicos impedem que ela prossiga “entrando”


no retículo, assim, uma parte da cadeia fica exposta no citossol.

7. É enzimaticamente cortada.

8. Sua seqüência de aminoácidos alterna seqüências hidrofóbicas e seqüências


hidrofílicas, que funcionam como pontos de início e parada da passagem pela
cadeia através da bicamada.

9. Os lipídeos são sintetizados no citossol e se inserem na membrana do retículo


sempre do lado citossólico. As enzimas chamadas scramblases transferem alguns
lipídeos para o folheto da membrana voltado para luz do retículo, de modo que
os dois folhetos cresçam homogeneamente.

10. São transportados um a um a partir da membrana do retículo liso.

CEDERJ 125
Aula 17

1. O complexo de Golgi está sempre localizado na região perinuclear da célula.


Ele pode ser visto em microscopia de fluorescência localizando-se moléculas que
só estão presentes ali ou pela impregnação pela prata, método desenvolvido por
Cajal e Golgi, quando pela primeira vez esta organela foi descrita. Em microscopia
eletrônica, o complexo de Golgi tem um aspecto típico de cisternas empilhadas
às quais se fundem ou brotam vesículas.

2. As proteínas que são sintetizadas no retículo endoplasmático são transferidas


para o Golgi em vesículas que brotam do retículo e se fundem à face cis, ou de
entrada, do Golgi. Depois de passar através das lamelas mediais, as proteínas saem
em vesículas que brotam na face trans ou de saída do Golgi.

3. Porque os açúcares precisam ser acrescentados e cortados na ordem certa, caso


contrário a proteína não será corretamente endereçada.

4. a) Glicosilação de proteínas consiste em acrescentar árvores glicídicas a


determinados aminoácidos da cadeia protéica.

b) Participar da síntese de proteoglicanas, adicionando grupamentos sulfato


a proteínas.

c) distribuir as macromoléculas provenientes do retículo endoplasmático entre


a membrana plasmática, onde tais moléculas se incorporarão ou serão secretadas;
ou vesículas de secreção que se acumulam no citoplasma esperando um sinal para
exocitarem seu conteúdo; ou lisossomos.

5. Tipo N- começa no retículo. Os açúcares se ligam sempre ao aminoácido


asparagina. Tipo O- começa no Golgi. Os açúcares se ligam a um aminoácido
treonina ou serina.

Aula 18

1. Erro na correta seqüência de aminoácidos e no dobramento da proteína, expondo


sítios hidrofóbicos e também impedindo a correta glicosilação da mesma.

2. São proteínas que, com gasto de ATP, se ligam a cadeias protéicas em formação,
ajudando no seu correto enovelamento. Porque quando a célula sofre um choque
térmico aumenta a síntese de proteínas com defeito e, conseqüentemente, também
aumenta a quantidade citoplasmática de chaperonas que tentam consertar essas
proteínas.

126 CEDERJ
3. As hsp60 têm uma forma de barril na qual aprisionam a proteína defeituosa
e tentam consertá-la. As hsp70 atuam desenovelando e enovelando a proteína,
tanto para que ela assuma a conformação certa como para que ela possa passar
pelos complexos translocadores de organelas como a mitocôndria.

4. São complexos protéicos existentes no citoplasma que atuam como trituradores


de proteínas malformadas. As enzimas proteolíticas dos proteassomas são ativas
no pH citoplasmático (7,0).

5. Essas proteínas são marcadas pela ubiquitina, isto é, são ubiquitinadas. Os


proteassomas possuem um receptor para ubiquitina, ligando-se assim às proteínas
destinadas à destruição.

6. São agregados de proteínas malformadas que não foram degradados pelos


proteassomas e se acumulam em células ou tecidos.

Aula 19

1.

a) Moléculas pequenas e hidrofóbicas, como O2, CO2, NO.

b) Açúcares, íons e outras moléculas pequenas e hidrofílicas.

c) Macromoléculas (proteínas, polissacarídeos) ou microorganismos (bactérias,


fungos etc.).

2. Nutrição e defesa do organismo.

3. Principalmente protozoários e células do sistema imune, mas quase todos os


tipos celulares podem, a princípio, fagocitar.

4. Na pinocitose são englobadas pequenas porções de fluido extracelular, formando


vesículas menores que 150 nm. Na fagocitose são internalizadas partículas maiores
e o vacúolo endocítico mede 250 nm ou mais.

5. Moléculas de superfície, como açúcares ou anticorpos aderidos à superfície da


célula-alvo.

6. São vacúolos que englobam grande quantidade de fluido extracelular pela


projeção de um pseudópodeo para a face dorsal da célula. Além de aquisição de
nutrientes, células do sistema imune fazem um patrulhamento por amostragem,
detectando possíveis moléculas estranhas.

CEDERJ 127
Aula 20

1. Em ambas, a vesícula endocítica possui o mesmo tamanho, mas na endocitose


mediada por receptor há muito mais partículas endocitadas em cada vesícula. Em
outras palavras, a eficiência é maior, pois as partículas são concentradas na área
de membrana que dará origem à vesícula endocítica.

2. Sob o lado citoplasmático da membrana organiza-se uma rede de moléculas de


clatrina. Essas moléculas de clatrina se ligam a proteínas adaptadoras, as adaptinas,
que por sua vez se ligam aos complexos receptor-ligante.

3. A molécula de clatrina se parece com uma estrela de 3 pernas e o polímero forma


hexágonos e pentágonos, se fechando numa esfera, como uma bola de futebol.

4. Ela é estrangulada pela proteína dinamina.

5. O endossoma inicial é formado pela fusão de várias vesículas endocíticas, já


sem o revestimento de clatrina, com um compartimento com pH levemente ácido
(6,5).

6. Os ligantes se desligam de seus receptores. Estes últimos se destacarão e


formarão vesículas de reciclagem, voltando à membrana, onde poderão capturar
mais ligantes. Os ligantes prosseguirão para outro compartimento.

7. A presença de uma proteína transmembrana que importa prótons do citoplasma


para esse compartimento por transporte ativo.

8. É um compartimento um pouco mais ácido que o endossoma inicial (pH 6,0)


para onde são conduzidos os ligantes do endossoma inicial e que recebe enzimas
lisossomais recém-sintetizadas.

9. Elas são sintetizadas no retículo e no Golgi, como todas as proteínas de secreção,


e contêm um sinal característico: a manose 6-fosfato.

10. Porque a membrana interna dos lisossomas é muito glicosilada, e os lisossomas


não possuem a enzima que digere o último açúcar da árvore glicídica, o ácido siálico,
impedindo, assim, as outras enzimas de alcançar a membrana do lisossoma.

11. Quando uma mutação faz com que enzimas lisossomais sejam defeituosas
(podem não funcionar, podem não ter seqüência de endereçamento correta), os
substratos que elas deveriam digerir acabam se acumulando no citoplasma ou no
meio extracelular.

128 CEDERJ
12. É quando a célula digere alguns de seus próprias componentes, como
mitocôndrias, que estejam “sobrando”. O vacúolo autofágico se forma a partir de
membranas do retículo, que envolvem a organela que vai ser degradada, criando
um ambiente apropriado à ação das enzimas lisossomais.

CEDERJ 129
Biologia Celular I

Gabarito

CEDERJ 161
Aula 21

1. Pelo seu tamanho. São muito grandes, quando comparadas às bactérias e outros procariontes
e “desabariam” sob seu próprio volume.

2. Porque, além de pequenos, possuem uma parede celular, que lhes confere forma e a distância
entre seus espaços internos e a superfície nunca é grande.

3. Forma, sustentação, movimento: da célula como um todo e das estruturas intracelulares.

4. Microfilamentos, microtúbulos e filamentos intermediários.

5.

microfilamentos microtúbulos filamentos intermediários

Diâmetro 7 nm 25 nm 10 nm

Proteína característica queratina, vimentina e


actina tubulina
outras

Estabilidade muito dinâmicos, pouco muito dinâmicos, pouco maior estabilidade, pouco
estáveis estáveis dinâmicos

Resistência flexíveis mas pouco


pouco deformáveis maior resistência
resistentes

Localização na célula acompanham os


periferia central
microtúbulos

Gabarito de identificação das figuras

Figura 21.1: Neurônio. Célula especializada em receber e enviar estímulos para outros neurônios,
músculos ou glândulas.

Figura 21.2: Hemácias. Células especializadas em transportar CO2 e O2 de e para as células do


organismo.

Figura 21.3: Células epiteliais. Especializadas em revestir áreas de contato com o meio externo,
como a luz intestinal, e responsáveis pela absorção das moléculas digeridas.

Gabarito da Paradinha esperta:

– movimento amebóide

– deslocamento de células aderidas

– movimento flagelar

– cromossomos no fuso mitótico

162 CEDERJ
– anel de constrição entre as células-filhas

– fagocitose

– célula muscular se contraindo

– vesículas de secreção sendo exocitadas

– tráfego intracelular de vesículas Aula 21

Aula 22

1. A proteína fibrilar é alongada, e a globular é enovelada.

2. Os filamentos intermediários são formados por proteínas fibrilares.

3. São estruturas formadas pela combinação de quatro moléculas.

Porque ambos possuem NH2 (amina) e COOH (carboxila) nas duas extremidades.

Se numa ponta do tetrâmero estivessem todas as extremidades NH2 e na outra todas as


COOH.

4. Tipicamente nos epitélios. A queratina também forma cabelos, pelos, unhas, cascos e garras.
As penas das aves também são formadas por um tipo diferente de queratina.

5. Nos neurônios, os neurofilamentos; nas células da glia, a proteína acídica glial; e nos neurônios
periféricos, a periferina.

6. Identificando-se os filamentos intermediários presentes nas células tumorais é possível


descobrir a origem primária do câncer e optar por um melhor tratamento.

7. Vimentina, das células de origem mesenquimal: tecidos conjuntivos de modo geral e endotélio dos
vasos.

Desmina, nas células musculares.

8. A esclerose amiotrófica lateral, onde o acúmulo de neurofilamentos no axônio dificulta o


transporte do estímulo nervoso.

9. Para que o envoltório nuclear se desagregue. Nas células sem lâmina nuclear a mitose é dita
fechada, isto é, ocorre sem que o envoltório se desfaça.

10. Grande parte da poeira que se acumula numa casa resulta da descamação de células
epiteliais, das quais resta principalmente a queratina. Também nas sepulturas, os restos mortais
se resumem a ossos, dentes e estruturas formadas por queratina. Quer dizer, podemos não vir
do pó, mas certamente ao pó retornaremos...

CEDERJ 163
Aula 23

1. São filamentos formados pela ligação linear de dímeros de α e β- tubulina. Treze


protofilamentos dispostos em paralelo se fecham, formando um túbulo oco: o microtúbulo.

2. Os dímeros de tubulina que se incorporam ao microtúbulo sempre possuem um GTP ligado à


subunidade β. Uma vez incorporados ao filamento, o GTP é hidrolisado a GDP, mas a contínua
adição de novos dímeros ligados a GTP forma uma verdadeira tampa, que mantém o microtúbulo
e estimula seu crescimento. Quando novos dímeros deixam de ser incorporados, a hidrólise do
GTP na extremidade plus levará à instabilidade e à despolimerização do microtúbulo.

3. É a contínua incorporação de dímeros ligados a GTP e às extremidades do microtúbulo.


Se a taxa de adição de dímeros na extremidade plus superar a taxa de perda de dímeros
na extremidade minus, o microtúbulo crescerá. Se poucos dímeros forem incorporados, a
exposição de unidades ligadas a GDP na extremidade do microtúbulo levará à sua rápida
despolimerização.

4. É a região da célula onde se originam todos os microtúbulos. Também é chamada centrossomo.


Caracteriza-se por ter proteínas específicas que nucleiam a formação de novos microtúbulos. A
mais importante dessas proteínas é a γ-tubulina. Os centríolos também são encontrados nessa
região, mas os centrossomas NÃO têm necessariamente centríolo; nem todas as células têm
centríolos e todas têm centrossoma.

5. Dependem dos complexos de γ-tubulina em forma de anel que nucleiam a formação de novos
microtúbulos e agem como uma proteção contra a perda de subunidades pela extremidade minus.

6. A estabilização dos microtúbulos fará com que o estoque de tubulina citoplasmática se esgote
e impedirá a despolimerização, por exemplo, do fuso acromático. Isso impediria a finalização
da mitose. Contudo, se os microtúbulos de uma célula forem desfeitos, a formação do fuso
também será impedida e o resultado também será que a célula (cancerosa) não se dividirá e
morrerá.

7. Além do fuso acromático (durante a mitose) e dos cílios e flagelos, os microtúbulos conferem
a forma geral da célula e a disposição das organelas, servindo inclusive como trilhos para que
elas trafeguem de um extremo a outro da célula.

8. Elas possuem dois (às vezes três) domínios globulares capazes de hidrolisar ATP e de se ligar
e desligar alternadamente do microtúbulo, caminhando sobre ele. A outra extremidade da
molécula se liga a uma vesícula ou organela (que será transportada) ou a outro microtúbulo,
fazendo com que um se mova em relação ao outro.

164 CEDERJ
9. Cílios e flagelos se organizam em nove pares de microtúbulos periféricos e um par central.
Todos esses pares estão ligados aos adjacentes por nexinas e ao par central por conexões
radiais. Moléculas de dineína ligadas a um par interagem com o microtúbulo do par adjacente
caminhando sobre ele e causando a deformação do cílio ou flagelo. As nexinas e conexões
radiais impedem que os microtúbulos deslizem um em relação ao outro, mas provocam seu
encurvamento. Como nem todas as dineínas estão ativas num mesmo momento, um lado do
cílio se encurva e o outro não, alternadamente.

Aula 24

1. É um filamento formado por moléculas de actina.

2. Cada molécula de actina possui em seu interior uma molécula de ATP que é hidrolisada a
ADP quando um novo monômero se liga à extremidade plus do filamento.

3. É o fato de os microfilamentos, mesmo que não variem de tamanho, liberarem monômeros


de actina na extremidade minus e incorporarem novos monômeros na extremidade plus.

4. Não.

5. A partir da formação do complexo Arp2/3, os monômeros de actina dão início ao novo


filamento. Neste caso, os monômeros devem se desligar da timosina e se ligar à profilina.

6. A faloidina impede a despolimerização dos microfilamentos. A citocalasina impede a adição


de novos monômeros. A primeira estabiliza os microfilamentos e a segunda promove sua
despolimerização.

7. Adesão e movimentação das células como um todo e de estruturas intracelulares.

8. São feixes de microfilamentos que se conectam à membrana plasmática e conferem adesão


e resistência à célula.

9. É um anel formado por feixes de actina que se contrai por ação da miosina entre os filamentos,
fechando-se e levando ao estrangulamento e separação das células-filhas.

10. As miosinas possuem uma cabeça globular que se liga à actina e é capaz de hidrolisar ATP;
a região entre a cabeça e a cauda da miosina se dobra nesse processo e faz com que a miosina
puxe a actina, provocando o movimento.

CEDERJ 165
Aula 26

1. Não. As mitocôndrias podem ser mais ou menos alongadas e diferem em tamanho mesmo
dentro de um mesmo tipo celular. Tipos celulares diferentes também têm mitocôndrias com
aspecto diferente (número e formato das cristas, por exemplo).

2. Membrana externa, membrana interna (com cristas), espaço intermembranas e matriz


mitocondrial.

3. Parece-se com a membrana do retículo endoplasmático. Contém porinas e complexos


protéicos de reconhecimento e importação (TOM).

4. É muito fluida e impermeável. Possui um fosfolipídeo com 4 cadeias de ácidos graxos:


a cardiolipina. Possui a maior relação proteína/lipídeo de qualquer membrana (70/30). As
proteínas mais importantes são: proteínas da cadeia respiratória, ATP sintases, transportadores
e complexos translocadores (TIM).

5. Composição iônica e pH semelhantes ao citoplasma. Contém complexos enzimáticos que


transferem o fosfato de parte do ATP produzido para outros nucleotídeos (GDP e UDP).

6. É um colóide, riquíssimo em proteínas e ácidos nucléicos. É onde ocorre o ciclo de Krebs.

7. Porque são capazes de utilizar O2 e moléculas orgânicas para produzir grande quantidade de
ATP. As células que não possuem mitocôndrias (anaeróbios) possuem um rendimento energético
muito baixo, pois produzem ATP só através da glicólise.

8. As mitocôndrias se deslocam através do citoplasma, utilizando os microtúbulos e proteínas


motoras associadas a eles como trilhos. Deslocam-se para as regiões da célula onde está havendo
maior necessidade de produção de ATP. Em tipos celulares como o músculo cardíaco, há muitas
mitocôndrias, sempre próximas às fibrilas contráteis.

9. As proteínas são sintetizadas em ribossomos citoplasmáticos e, uma vez completada sua


síntese, são transportadas por chaperonas até os complexos translocadores TOM e TIM. De
acordo com a seqüência de endereçamento que possuam, dirigem-se ao compartimento ou
às membranas mitocondriais adequados.

10. Existem muitas indicações:

a) a membrana externa se parece com a membrana de um vacúolo fagocítico;

b) as porinas são semelhantes às encontradas na membrana de bactérias gram negativas;

c) a membrana mitocondrial interna possui um fosfolipídio particular, a cardiolipina, que só é


encontrado em procariotos;

166 CEDERJ
d) o DNA e os RNAs mitocondriais são semelhantes em vários aspectos aos de bactérias;

Os inibidores da síntese de DNA mitocondrial são diferentes dos do núcleo e semelhantes aos
que inibem as enzimas bacterianas.

Aula 28

1. Por serem envoltos por 2 membranas, uma da bactéria e outra que corresponderia ao
vacúolo endocítico, por possuírem seu próprio DNA e RNA semelhantes ao de bactérias, por
serem capazes de se auto-duplicar, por sua forma e tamanho e pela sensibilidade aos mesmo
antibióticos que as bactérias.

2. As mitocôndrias são muito menores.

As mitocôndrias não possuem pigmentos comparáveis aos carotenóides e clorofilas

As mitocôndrias possuem 2 membranas e os cloroplastos 3.

3. As mitocôndrias, pois essas existem todos os tipos de eucariontes (animais, vegetais e fungos),
enquanto os cloroplastos só existem nos vegetais.

4. Estruturas presentes na semente que possuem dupla membrana e ácidos nucléicos. Podem
se diferenciar em cloroplastos ou outros tipos de plastídeos.

5. Leucoplastos - São plastos de conteúdo branco,

Elaioplastos - Também chamados oleoplastos, são plastos que armazenam óleos;

Amiloplastos - São um tipo de leucoplasto, armazenando amido, podem ter origem em um


cloroplasto que acumulou amido em seu estroma; Etioplastos- são proplastídeos que começam
a se desenvolver na ausência de luz, formando membranas paracristalinas. Se receberem
iluminação apropriada, se transformarão em cloroplastos.

CEDERJ 167
6. Membranas: externa,

Interna
Tilacóides

Espaços: intermembranas

Estroma

Tilacóide

7. Além do ciclo de fixação do carbono, a síntese de lipídeos e o armazenamento de amido.

8. A fase dependente de luz da fotossíntese, quando são produzidas moléculas energéticas que
serão utilizadas no ciclo de fixação do carbono.

Aula 29

1. Reações de transferência de elétrons - nas membranas tilacóide.

Ciclo de fixação do carbono - no estroma.

2. É um grupamento de clorofilas e outros pigmentos que se dispõe em torno do centro


de reação fotoquímica, onde há um par de clorofilas especiais associadas a citocromos e
transportadores de elétrons.

3. Não, porque as reações desse ciclo ocorrem otimamente num pH em torno de 8,0, o que só
é atingido quando os H+ do estroma estão sendo concentrados no espaço tilacóide, o que só
ocorre na presença de luz.

4. Os H+ acumulados no espaço tilacóide passam, a favor do gradiente eletroquímico, através


do complexo protéico CF0/CF1, girando a subunidade CF1 e catalisando a síntese de ATP a partir
de ADP e Pi.

5. É a quebra da molécula de água num complexo enzimático do cloroplasto em O2 (vai para


a atmosfera), H+ (vai para o espaço tilacóide) e e- (vão substituir o elétron de alta energia que
vai percorrer a cadeia de citocromos).

6. É o apelido da enzima ribulose 1,5-bifosfato carboxilase, responsável pela adição de C do


CO2 a ribulose 1,5-bifosfato, gerando um composto intermediário de seis carbonos que vai dar
origem a duas moléculas de gliceraldeído 3-fosfato.

7. É a reação que a rubisco catalisa consumindo ATP e O2 e produzindo CO2. Ocorre quando a
concentração de O2 no mesófilo aumenta muito. É o inverso da fixação do carbono.

168 CEDERJ
8. São plantas de clima quente e seco, que mantêm seus estômatos fechados a maior parte do
dia e, para evitar a fotorrespiração, fazem a fixação do carbono apenas nas células da bainha do
feixe e por uma via em que ao invés de gliceraldeído 3-fosfato, o CO2 é fixado numa molécula
de quatro carbonos.

Aula 30

1. Porque seu metabolismo produz peróxido de hidrogênio, ou água oxigenada, que é depois
degradado pela catalase.

2. Peroxissomos não possuem DNA, são envoltos por apenas uma membrana e não produzem
ATP e NADH.H+.

3. Porque outras organelas como glicossomos e glioxissomos também são consideradas


peroxissomos.

4. Detoxificação, metabolismo de lipídeos, síntese de plasmalogênios, gliconeogênese nas


sementes.

CEDERJ 169

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