Trabalho de Filosofia Africano
Trabalho de Filosofia Africano
tarde, numa publicação póstuma (Lés Carnets, de 1949), ele aparece a retratar a
sua tese, defendendo a coexistência de ambas mentalidades no Homem negro: a
primitiva e científica.
Georg Hegel (1970-1831) - começa por distinguir três regiões da Africa: ao
longo do Rio Nilo (em contacto com a Asia); a África do Norte (em contacto e parte
integrante da história e cultura europeia) e, por fim, a África subsaariana, à qual ele
considera a África propriamente dita. É sobre esta última que ele escreve o que o
filósofo, teólogo e historiador argentino naturalizado no México, Enrique Dussel (O
Encobrimento do Outro 1492), chama de «as páginas mais insultuosas que a História
conheceu». Mais do que o carácter insultuoso, o pensamento de Hegel sobre a África
determinou sobremaneira a ideia geral dos europeus sobre os africanos, como povos de
religião, Economia, administração e lógica inferiores, povos com atributos de
<primitivos» e «selvagens».
Para Hegel, a África subsaariana é inocente, não conhece a razão. Os seus povos
não são capazes de filosofar. Aliás, eis alguns períodos retirados do seu livro, A Razão
na História: «O africano não pensa, não reflete, não raciocina sem necessidade. Possui
uma memória prodigiosa, grandes dotes de observação e de imitação, uma grande
facilidade do uso da palavra… Mas as suas capacidades de raciocinar e de invenção
continuam adormecidas. (…) elaborar um plano está acima das suas capacidades.>>
impacto nenhum. Por isso, a ideia de que o africano não pode ter um pensamento
filosófico por estar desprovido de ideias universais é duvidosa.
b) A reacção dos africanos – A reação dos africanos contra a visão
eurocêntrica pode-se localizar entre o tempo da escravatura no século XV e
XVI. A primeira reacção foi marcada pelas várias tem ativas de revolta dos
escravos contra a situação desumana e humilhante que a escravatura Três
impunha sob a alegação da sua inferioridade. Merecem menção especial, neste
contexto, o teor reivindicativo das canções dos escravos durante o trabalho
forçado e cultos religiosos nas Igrejas, chamados work songs e gospel espiritual,
respectivamente, muito comuns nas colónias do sul da América. Ai, o negro
afro-americano apresenta-se como guerreiro da liberdade, a cuja terra era o norte
onde já fora abolida a escravatura. A respeito, escreve José Castiano no seu mais
recente livro, Referenciais da Filosofia Africana: em busca da intersubjectivação
(2010, 125): « a presença africana no país “onde tudo é possível” (EUA) foi
marcada pela sua escravatura e, intrinsecamente, pela luta para alcançar a
liberdade individual e coletiva dos negros. Ser uma “pessoa livre” era um
Objetivo básico dos negros por volta de 1850. Frederick Douglas é talvez o
escravo mais conhecido na luta pela abolição da escravatura que eternizou as
suas amargas experiências em livro.
Numa clara analogia com a situação bíblica dos hebreus no Egipto, nos
cantos e encontros religiosos dos escravos negros, a liberdade passava pela
atravessa do Mar Vermelhos, interpretado ora como o Rio Mississípi ora como o
oceano que os separa da sua terra natal, Africa. É precisamente a este cenário de
aspiração da liberdade que faz alusão o célebre poema Let my people go da
Noémia de Sousa. Entretanto, a (ré)acção sistemática em busca da liberdade dos
negros veio ainda desses negros da diáspora mais do que dos nativos do
continente africano, entre 1880 e a primeiro quinto do século XΧΧ. Referimo-
nos aos movimentos de mobilização dos negros nos EUA surgidos em torno de
intelectuais negros como Booker T. Washington, W. E. B. Du Bois e o
carismático jamaicano Marcus Garvey. O objeto da sua reacção era o racismo a
que a comunidade branca norte-americana votava os negros. Para Booker
Washington, a melhor forma de combater o racismo branco e garantir a
emancipação Politica dos negros residia na emancipação económica. Acreditava
que só acumulando riquezas é que os Negros conquistariam o respeito e
reconhecimento dos brancos. Para tal, apelava os negros a apostarem Na
educação técnico-profissional. Esta tese ficou conhecida como desenvolvimento
segregado, mas os Seus críticos acusaram-na de acomodacionista» uma vez que
apelava os negros a se conformarem temporariamente com a situação da
discriminação. O seu discípulo, Du Bois, pelo contrário, defendia a integração
política e social dos negros e todos os afrodescendentes na «cidadania
americana» em igualdade de circunstâncias que os brancos. O sucesso desta luta
dependia, na opinião de Du Bois, em grande medida da restauração da
autoestima e identidade do próprio negro. Para o efeito, Du Bois religava toda a
raça negra à África, àquela África gloriosa mas do Passado, dos antigos impérios
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filosóficas do seu país. Em resumo, a Filosofia africana será o produto dos pensadores
africanos, sem excluir a participação de pensadores não africanos.
Voltando a Oruka, ele destaca um aspecto da Filosofia Africana que se reveste de
grande importância, nomeadamente, o dos sábios tradicionais vivos. De acordo com
Oruka, estes sábios, alguns dos quais estão destinados a converter-se em filósofos, têm a
sua própria racionalidade elaborada para sustentar as suas doutrinas e seus pontos de
vista. E tais razões, dada a paciência e a dedicação de um filósofo investigador de
formação profissional, podem ser extraídas dos sábios e redigidas em forma de literatura
filosófica. O facto de que em África haja pessoas capazes de reflexão crítica sobre os
problemas fundamentais da experiência humana e da existência em geral, mostra que a
noção de Filosofia africana, como um corpo de pensamento necessariamente coletivo,
resulta inadequada.
Como é sabido, estes sábios-filósofos são capazes de submeter à crítica e
modificação as filosofias folk (associação dos mitos e lendas) de suas próprias
comunidades. Amiúde, têm também as suas próprias ideias. Os primeiros estudiosos da
Filosofia Africana, na sua maioria antropólogos, não parecem ter tomado em
consideração a existência desta classe de pensadores tradicionais. Regra geral, parecem
ter-se conformado com a informação relativa à visão folclórica do mundo de diversos
povos africanos, e quem lhes dava informação, era considerado como mero informante.
A informação reunida desta maneira foi classificada sem discussão como «filosofia
africana», o que originou a impressão de que esta filosofia é um corpo monolítico de
crenças coletivas não racionalizadas, e nada mais.
A Filosofia Africana construída desta maneira tem enfrentado objecções variadas
por se identificar com a filosofia tradicional e deixa de lado os esforços que se realizam
neste campo na África moderna, o que tem consequências prejudiciais. Só se tem
tomado em consideração um tipo de Filosofia tradicional, a chamada comunal ou
coletiva. Entretanto, há um nexo íntimo entre o pensamento dos sábios-filósofos
tradicionais e a visão comunal do mundo do seu povo. Geralmente, a Filosofia comunal
proporciona o ponto de partida dos sábios-filósofos.
Na opinião de Kwasi Wiredu, um filósofo queniano, o pensamento africano
tradicional contém ele- mentos que são filosóficos, no sentido em que tenta dar resposta
a algumas das interrogações funda- mentais relacionadas com o Homem e o mundo. Na
realidade, se em vez de perguntar pela existência de uma Filosofia Africana, a questão
fosse em relação à existência de uma Filosofia Africana tradicional, qual- quer resposta
que não fosse afirmativa teria demonstrado extraordinária ignorância ou falta de
capacidade De reflexão, ou ambas as coisas.
Outra pergunta, menos direta mas mais urgente, é a seguinte: podemos falar de
Filosofia Africana como algo pertinente para o mundo contemporâneo?
Ao tentar responder a esta pergunta, deparamo-nos com a seguinte complicação
semântica: em toda a sociedade em que haja uma tradição desenvolvida de Filosofia
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da morte, Deus, etc.; outros preferiram investigar a visão do mundo ou um aspecto dela
numa tribo e num grupo étnico particular. Outros ainda tentaram realizar uma síntese
que assinala superficialmente as linhas comuns dum amplo espectro de filosofias
africanas para não fazer menção à análise linguista leva- do acabo com o mesmo intuito.
Bantu Philosophy, de Placide Templos, as obras de Alexis Kagame La Philosophie
Bantoe Ruandaise de l’être (1956) e La Philosophie Bantu Compareé (1976), African
Religions and Philosophy (1969) de John Mbiti, African Traditional Religion, de D. G.
Parrinder, African Systems of Thought, de M. Fortes, etc. são alguns intentos nessa
direção.
A crítica que se lançou contra a etnofilosofia é muito conhecida a par- ter das
obras de Paulin Hountondji. A objeção fundamental é a de que, a não ser quando se
consiga mostrar certas contribuições distintivamente africanas para a civilização
humana, a mitologia não é Filosofia. A Filosofia Tempos começa onde a opinião e a
sabedoria popular terminam, já que ambas são uma concepção acrítica da tradição e da
autoridade dos costumes. A Filosofia supõe a emergência do logos e da escrita a partir
da oralidade e do mito.
A Filosofia é a empresa de um sujeito seja qual for o último veredicto neste
debate, não resta dúvida de que, arraigadas no solo fértil da tradição e da História, estes
enfoques nos proporcionam uma rica análise descritiva da sabedoria do povo. Na
medida em que há muitos povos em Africa, em consequência disso, há mais de um tipo
de visão africana do mundo.
Sagacidade filosófica
Sage (quer em francês, quer em inglês) designa a pessoa que cultiva a retidão do
espirito, a bom senso nos seus juízos e comportamento, pessoa prudente, enfim, sábia.
Assim, sagaz diz-se de quem pós sui ou treina a agudeza de espirito para descobrir com
prontidão a explicação de coisas obscuras Segundo alguns antropólogos e sociólogos,
em cada cultura africana existem pessoas com esse agu deza de espirito e bom senso
que guiam o seu pensamento e juízo pelo poder de raciocínio critico e intuição
individuais e não pelo saber consensual do seu povo. Tais sábios – justamente porque
reflectem individual e criticamente sobre vários aspectos da vida, sobre problemas que
preocupam os seus conter arâneos, se questionam e tentam elaborar oralmente respostas
racionais e com um certo nível critico-são dignos da designação de filósofos africanos e
as suas reflexões de serem reconhecidas como filosóficas, embora sejam orais.
Segundo os que advogam esta corrente, tais sábios, na sua maioria iletrados e
não escolarizados, são reconhecidos como sábios nas suas comunidades étnicas e são
interpelados como conselheiros em relação a qualquer problema. A originalidade das
suas reflexões é reconhecida pela comunidade inteira.
Em suma, esta corrente implicitamente rejeita aproximação holística da filosofia
Africana e defende a autonomia Individual da sabedoria dos sábios africanos. A tarefa
que cabe aos intelectuais africanos consiste em identificar tais sábios nas diversas
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