Arquivototal
Arquivototal
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
JOÃO PESSOA-PB
2017
LUCAS ROMÁRIO DA SILVA
JOÃO PESSOA-PB
2017
LUCAS ROMÁRIO DA SILVA
BANCA EXAMINADORA
DEDICATÓRIA
A Deus, por tudo que tem ocorrido em minha vida, especialmente, pela conclusão desta
etapa acadêmica (processo construtivo e desafiante). Deus, muito obrigado!
À minha mãe, Izaura Aparecida da Silva, e a meu pai, José Lucas da Silva, que me fizeram
chegar até aqui com o seu amor, carinho e educação. Mãe, Pai, amo vocês!
Ao meu companheiro, Paulo Eduardo de Lima, por ter me incentivado em todas as etapas
acadêmicas, sendo fundamental para eu chegar até aqui, com palavras motivadoras, elogios e
carinho. Eduardo, obrigado por tudo!
Às minhas duas irmãs, Fabiana Cristina da Silva Garcia e Fernanda Camila da Silva, pela
amizade, carinho e torcida para o meu sucesso. Minhas princesas, muito obrigado!
Ao meu amado irmão, Leandro Aparecido da Silva (in memorian), por saber que, de onde ele
esteja, está me aplaudindo, com o seu sorriso largo e contagiante. Léo, obrigado por estar comigo,
no meu coração e nas minhas lembranças, sempre!
Ao meu sobrinho, Matheus Esnel Garcia, por toda a alegria que me traz, e a seu pai, José
Antônio Garcia, pelo qual cultivo grande carinho. Obrigado, Nenê! Obrigado, cunhado!
À minha orientadora, Prof.ª Ana Dorziat, pela dedicação, atenção, parceria e, acima de
tudo, pela generosidade. Professora, não tenho palavras para agradecer... Obrigado por tudo!
Tentarei a cada dia ser um professor e um pesquisador melhor, para que possa, um dia quem
sabe, me aproximar do que a senhora é!
Às professoras Niédja Maria Ferreira de Lima e Maria Eulina Pessoa de Carvalho, e ao
professor Fernando Cézar Bezerra de Andrade, por aceitarem participar da banca examinadora e
darem suas preciosas contribuições para este trabalho. Professoras e Professor, foi uma honra tê-
las/lo como leitoras e leitor do meu trabalho. Muito obrigado!
Às minhas parceiras de pesquisa e amigas, Luzenice Simey Macedo de Carvalho e Maiane
Machado de Morais, pela contribuição a esta pesquisa, pela parceria, risadas e aprendizagens.
Obrigado, meninas!
Às minhas queridas amigas, Amanda Gonçalves de Carvalho e Jéssica Luana Fernandes, pela
torcida e amizade, sempre recheada de muitas risadas. Minhas lindas, obrigado!
Ao meu amigo de coração, Frankleudo Luann de Lima-Silva, por ter me ajudado na
construção do meu projeto de mestrado, pela amizade, carinho e parceria nutridos durante nossa
convivência diária recheada bate papos acadêmicos sobre Educação e Psicologia. Obrigado,
amigo!
Às colegas e aos colegas de mestrado da turma 35, pelos papos, aprendizagens e amizade
construída durante este período. Gente querida, obrigado!
A todas as amigas e a todos os amigos mais distantes ou mais próximas/os, que torcem pelo
meu sucesso. Obrigado, pessoal!
Às professoras e aos professores do PPGE, especialmente àquelas e àqueles com quem cursei as
disciplinas durante o mestrado, pelas dicas, ensinamentos e trocas. Obrigado, Prof.ª Maria Eulina
Pessoa de Carvalho, Prof. Fernando Cézar Bezerra de Andrade, Prof. Eduardo Jorge Lopes da Silva, Prof.
Luiz Gonzaga e Prof. Alfrâncio Ferreira Dias.
A esta instituição de ensino, a Universidade Federal da Paraíba, por me proporcionar os
conhecimentos necessários para uma boa formação acadêmica. Sou muito grato, UFPB!
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), pela oportunidade de cursar o mestrado
e aprofundar conhecimentos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento da
pesquisa.
E, por fim, às Professoras Surdas que participaram desta pesquisa, pois, sem elas, este
trabalho não teria sido possível. Obrigado, “Karin”, “Carolina” e “Gladis”, por terem enriquecido
esta dissertação com seus discursos e suas práticas, que aqui foram analisados com o objetivo de
contribuir com a Educação de Surdos/as e valorizar a Cultura Surda.
RESUMO
This research aims to investigate the role of Deaf teachers in the construction of identities of
Deaf students, based on their discourses and pedagogical practices. Anchored in the field of
Cultural Studies and Deaf Studies, we seek to understand the different scenarios that surround
Deaf people in the educational process, especially the cultural relations among Deaf people,
specifically between Deaf teachers and Deaf students. We assumed that the educational
processes are more effective in the presence of female and/or male Deaf teachers, who value
Deaf Culture in a direct relationship with Deaf people. Thus, this master’s thesis deals with
pedagogical-cultural relations within the Specialized Educational Service (SES) involving
three female Deaf teachers and their Deaf students, in common schools of João Pessoa-PB.
The research was based by the qualitative approach, using semi-structured interviews and
non-participant observation. Empirical evidence reveals that, in their relationship with Deaf
teachers, Deaf students tend to develop cultural strategies that allow them to build the
foundations of Deaf identities, even in the context of standardizing cultural practices. This
happened because the teachers provided their students with cultural, historical and political
knowledge about their cultural group, highlighting processes of identification with their
similarities as Deaf people. The pedagogical situations indicated that, in their relationship
with Deaf teachers, Deaf students had the opportunity to understand their place in the world,
and that they were not handicapped and incapable persons, but different people who
possessed a unique culture represented by a visual experience and the sign language. As a
battle flag of Deaf teachers in schools, this language represents one of the main contributions
of their role in the educational processes of Deaf students, since it is through it that the
identity construction – in its multiplicity – becomes possible. Therefore, we conclude that
Deaf teachers have fundamental role in the process of identity construction of Deaf students,
not only for highlighting the Deaf culture and differences, but also for transcending them,
teaching school contents, exchanging life experiences and even sharing the anguish
experienced only by Deaf people.
Keywords: Deaf Pedagogy. Identity Construction. Deaf Teachers. Deaf Students.
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
INTRODUÇÃO
1
A letra “S” maiúscula será utilizada em todo o texto como forma de frisar a concepção política e cultural que
envolve as pessoas Surdas (SACKS, 2010).
13
Essa realidade implica, mais uma vez, na invisibilidade da Cultura Surda no ambiente
escolar, pois, se a escola não possui pares Surdos, como essa cultura pode circular nesse
espaço fundamental para a construção identitária, intelectual e de cidadania, culturalmente
engajada? Certamente quando há mais de uma criança Surda, elas podem trazer para este
espaço os artefatos da Cultura Surda, desde que já os tenham adquirido. Todavia, dificilmente
isso ocorre, uma vez que essa construção cultural é favorecida na relação com pares Surdos
e/ou no envolvimento junto à comunidade Surda, das quais poucas crianças Surdas participam
pelo fato de o seu núcleo familiar ser constituído de pessoas ouvintes (STROBEL, 2013).
Considerando essa realidade, a presença de uma professora Surda ou de um professor
Surdo no ambiente escolar é de suma importância para o resgate da Cultura Surda, além de ser
essencial para o autoconhecimento das crianças Surdas. Essa relação cultural no processo
educacional é algo não só complexo para todos os seres humanos, mas fundamental para as
pessoas Surdas, como apontam os estudos sobre Currículo, por este ser um mecanismo de
saber, poder e de identidade (SILVA, 2011).
Para as pessoas Surdas, a relação cultural mediada pela língua de sinais nos processos
educacionais, além de proporcionar uma comunicação mais fluente, viva e espontânea, já que
envolve o aspecto linguístico, ocasionará uma constituição identitária mais consistente e
empoderada.
Essa minha suposição, que se aproxima de uma constatação, surgiu a partir do
momento em que, no contexto de Cassilândia, uma cidade do interior do Estado do Mato
Grosso do Sul, que possui uma população com pouco mais de 20 mil habitantes, fui
convidado a ser intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) de uma aluna Surda de 14
anos, recém-chegada à cidade, que estudaria naquele ano (2010) no 6º ano do Ensino
Fundamental em uma escola municipal. Além dela, para a minha surpresa, fui designado a
ensinar LIBRAS a uma criança de três anos, matriculada na Educação Infantil.
Antes disso, o meu primeiro contato com pessoas Surdas havia sido como participante,
em 2006, de um curso de LIBRAS, oferecido pela Secretaria de Educação do Estado do Mato
Grosso do Sul (SED/MS) em parceria com a Prefeitura Municipal de Cassilândia (PMC). A
convite da minha irmã – graduanda em Pedagogia na época – resolvi participar do curso face
à escassez de oportunidades naquele contexto, embora não soubesse o que iria aprender
exatamente. Nunca antes havia ouvido falar em língua de sinais, tampouco conhecia uma
pessoa Surda.
14
Ao iniciar, deparei-me com um “novo mundo”, mais ainda pelo fato de o curso se
fundamentar, explicitamente, em um discurso cultural que concebia a LIBRAS como uma
língua, bem como um elemento de uma cultura singular e diferente da minha. Segundo
Strobel (2013, p. 99), “há grande dificuldade da sociedade em entender a existência da cultura
surda, porque a maioria das pessoas baseia-se num ‘universalismo’”.
Nesse sentido, para mim, assim como acredito ser para muitas pessoas que não
possuem contato com a Cultura Surda, foi curioso e, ao mesmo tempo, complexo
compreender que existiam “pessoas deficientes” com uma língua e cultura diferentes. Na
realidade, o discurso clínico disseminado que concebia as pessoas Surdas como deficientes,
incapazes e que as via apenas como pessoas que possuem um corpo danificado (PERLIN,
2013) era o que fazia com que eu olhasse com certa estranheza a minha primeira professora
de LIBRAS.
Ela era uma professora Surda, graduada em Matemática, mas que, naquela época,
trabalhava como “instrutora” de LIBRAS pelo Centro de Capacitação de Profissionais da
Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS), órgão vinculado à SED/MS. A
figura da professora Surda me chamava atenção pelo fato de ser a primeira pessoa Surda que
eu havia conhecido, mas também, por ser uma professora.
Lamentavelmente, não era e ainda não é tão comum pessoas Surdas atuarem como
docentes, como mostra o Censo Escolar de 2012 (INEP, 2012). Ele indica que a inserção de
professoras Surdas e professores Surdos na Educação Básica foi de apenas 208 em todo o
Brasil, num universo de 74.547 alunas Surdas e alunos Surdos matriculadas/os no mesmo ano.
Esse levantamento, no entanto, não deixa claro em que componentes curriculares ou
áreas de conhecimento esses sujeitos atuavam. Porém, a realidade aponta para a grande
maioria de docentes Surdas/os atuando somente no ensino de LIBRAS nas salas de aula
comuns ou nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), realizando o Atendimento
Educacional Especializado (AEE). Como no caso da minha primeira professora Surda,
também é comum que professoras Surdas e professores Surdos atuem em cursos de
capacitação.
Enfim, superado o estranhamento inicial, comecei a me aproximar cada vez mais das
discussões – embora de forma limitada – e me desenvolver linguisticamente em LIBRAS.
Conforme o curso avançava, a professora sempre elogiava o meu desenvolvimento. Nesse
ínterim, conheci três garotas Surdas que, na época, tinham a minha idade, em torno de 14
anos, das quais me aproximei, embora estudássemos em escolas diferentes. Dessa forma,
15
comecei a me aproximar dessa cultura tão singular que, até então, para mim, era
desconhecida.
Ao fim do curso, a professora sugeriu que futuramente eu fizesse uma avaliação no
CAS, em Campo Grande-MS, para atuar como intérprete. Entretanto, isso era algo totalmente
remoto para a minha realidade, devido às dificuldades encontradas no contexto daquela cidade
e, até mesmo, por eu nunca ter pensado em trabalhar nessa área.
Após este curso, participei de mais um que deu continuidade aos conteúdos do
primeiro, desta vez, ministrado por outro professor Surdo. Mesmo a cidade sendo pequena,
como eu estudava em uma escola distante das garotas Surdas, acabamos por nos aproximar
novamente apenas nesse segundo curso, em 20082. Porém, no mesmo ano me transferi para a
escola em que as três jovens Surdas estudavam, passando a conviver mais com elas, mais
especificamente com uma delas.
Encontrando-as quase todos os dias e participando do mesmo curso de LIBRAS, no
qual também me aproximei do professor Surdo, fui aprendendo cada vez mais a língua de
sinais. Essa aprendizagem foi intensificada ainda mais porque, concomitantemente ao 3º ano
do Ensino Médio, iniciei juntamente com uma delas, um curso pré-vestibular ofertado pelo
Estado do Mato Grosso do Sul (MS). Esse curso, embora tenha sido fundamental para minha
aprendizagem em termos escolares, foi ainda mais importante para o meu desenvolvimento
linguístico em LIBRAS.
Ademais, o contato diário, fraterno e de aprendizagem, construído juntamente com a
minha amiga Surda, favoreceu o encontro do meu Eu (ouvinte) com o Outro (Surdo) e, a
partir de então, passei a vislumbrar a oportunidade de trocar experiências culturais e construir,
também, a minha identidade, afinal, a experiência é potencialmente transformadora e se nutre
do contato com a diferença. Para Perlin e Quadros (2006, p. 171), a experiência com a
diferença do Outro Surdo, “é um ato de ir construindo a identidade, ato que permite
novamente colocar a descoberto as identidades nunca prontas, fragmentadas, em contínua
construção”.
Com a falta de intérprete3 durante todo o curso pré-vestibular, sob a justificativa da
SED/MS de não haver profissionais disponíveis, minha amiga e eu acabamos por nos
aproximar ainda mais. No decorrer das aulas, além de eu interpretar algumas informações
2
O primeiro e segundo cursos foram ministrados respectivamente em 2006 e 2008, porém, certificados apenas
em 2010, conforme o meu Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4082446479941468>.
3
Durante toda a sua escolarização essa aluna Surda não dispôs de um/uma intérprete, se esforçando muito para
acompanhar suas turmas através de leitura labial e apoio familiar.
16
para ela, passávamos quase o tempo todo conversando. Apesar de as conversas serem
pedagogicamente inaceitáveis, nenhuma professora ou professor se importava com os nossos
“bate-papos”, pois, como os fazíamos em LIBRAS, no fundo da sala, para elas e eles, não
atrapalhávamos, mesmo que durante esse momento a nossa aprendizagem estivesse sendo
negligenciada. Após a conclusão desse curso e do Ensino Médio, ingressei no curso de
Serviço Social em uma faculdade privada, e ela em outra, para cursar Fisioterapia, em que,
por sua vez, novamente teve o seu direito de dispor de um/a intérprete negado sob a mesma
justificativa.
Como havia me desenvolvido linguisticamente de forma razoável nos cursos e,
principalmente, com o contato com a minha amiga Surda, em 2010, deparei-me com uma
situação inesperada: a Secretaria de Educação de Cassilândia chamou-me “desesperadamente”
para atuar como TILS (Tradutor-Intérprete de Língua de Sinais) de uma aluna Surda.
Senti-me desafiado e temeroso, pois não tinha preparação suficiente para desempenhar
tal função. Não havia passado por uma formação que abordasse conhecimentos para além da
língua de sinais, tão necessários para uma atuação profissional qualificada, considerando que
a/o “TILS precisa ter uma formação que implique reflexões sobre as especificidades surdas,
que envolvem a língua e a cultura surdas; os conhecimentos da área onde pretende atuar e
uma atitude ética, responsável e compromissada” (DORZIAT; ARAÚJO, 2012, p. 394).
Dada à urgência, fui à capital do Estado, ao CAS, realizar a avaliação para atuação
como TILS, inclusive porque a família da garota estava ameaçando acionar o Ministério
Público contra a Secretaria de Educação. Fui aprovado, mas com ressalvas, visto que as
avaliadoras afirmaram que eu precisava aperfeiçoar a minha fluência linguística para a
atuação adequada como TILS. Para minha surpresa, além da aluna de 14 anos, havia outra
menina, de três anos, que estava matriculada na turma do Infantil III em uma instituição de
Educação Infantil, para quem eu seria instrutor de LIBRAS.
Com a garota de 14 anos, tive algumas dificuldades, por não ser fluente o suficiente na
língua. No entanto, a prática fez com que eu aprendesse muito e, reciprocamente, minha
atuação parece ter favorecido a melhoria do seu desempenho escolar que, até então, vinha
apresentando muitas dificuldades pela falta de comunicação. Além disso, depois do
desenvolvimento linguístico em LIBRAS, a nossa relação permitiu que trocássemos
experiências culturais, de cidadania e de vida, afinal “a experiência do contato com a
experiência do outro diferente, com aquele outro que volta e reverbera de si com a sua
17
pedagogia, coloca-o diante da mudança de si. Ser ouvinte é o oposto do ser surdo” (PERLIN;
QUADROS, 2006, p. 170).
Aos 18 anos, aluno do 2º ano do curso de Bacharelado em Serviço Social, embora
estivesse deslumbrado com a área e com aquela experiência, sentia-me ainda despreparado
para trabalhar como intérprete. A função de intérprete educacional não estava devidamente
clara para mim ou para as professoras e professores da garota, nem mesmo para a escola ou
para a Secretaria de Educação. Talvez por isso eu passei a, praticamente, desempenhar o papel
das professoras e dos professores, o que é muito comum ocorrer nesse modelo escolar.
Segundo Dorziat e Araújo (2012, p. 403),
Na minha atuação, essa confusão de papéis não ocorria de forma tácita como afirmam
as autoras, pois, embora a responsabilidade da escolha dos conteúdos e da avaliação fosse das
professoras e dos professores, ficava a meu encargo a explicação dos conteúdos à garota, e,
muitas vezes, a escolha da melhor metodologia. Esse modo inadequado de atuação foi
construído por mim, por achar que, de fato, essa era a minha responsabilidade; pelo corpo
docente, para quem era mais proveitoso que eu fosse responsável pelo ensino da aluna Surda;
pela escola e pela Secretaria de Educação, que não sabiam bem a função de um TILS.
Nesse contexto complexo e obscuro, considerava que, pela falta de conhecimento e de
interesse de outras instâncias, eu não poderia me abster do meu papel educativo para com
aquela aluna que tinha o direito à educação de qualidade. Souza (2007) afirma que,
4
Grupo de pesquisa certificado pela instituição. Disponível em:
<http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6336764529792481>. Acessado em 24 de março de 2016, às 17:34
horas.
5
O PROLICEN - Programa de Licenciaturas é um programa acadêmico da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da
UFPB que objetiva estimular o desenvolvimento de ações que visem à melhoria da qualidade das licenciaturas
da instituição, contribuindo com a formação de suas alunas e seus alunos e com a formação continuada de
professoras e professores da rede pública de ensino da Paraíba (PB).
20
poder. Segundo Costa, Silveira e Sommer (2003), cultura desloca-se de um conceito que
distingue, hierarquiza e segrega, com base numa visão elitista, para um que considera uma
diversidade de sentidos e significados cambiantes e versáteis. Desse modo,
Originalmente esse campo buscou “uma educação em que as pessoas comuns, o povo,
pudessem ter seus saberes valorizados e seus interesses contemplados” (COSTA; SILVEIRA;
SOMMER, 2003, p. 37). Aplicados à educação contemporânea, os Estudos Culturais
permanecem com esse objetivo e discurso. Para tanto, a identidade, a diferença e a alteridade
passam a ser algumas das questões centrais deste campo.
A identidade, concebida na perspectiva pós-moderna, não comporta mais a ideia de
unificação. Essa ideia unificada, em que os sujeitos possuem apenas uma única essência, está
em derrocada. Para Hall (2011, p. 7), “as velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”. Nessa
concepção, as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade, considerando o acelerado processo
de globalização, são o que mais tem colaborado para o que chamarei de democratização das
identidades, configurando uma crise de identidade (HALL, 2011).
Com a democratização das identidades, os sujeitos passam a ter as suas múltiplas
identidades reconhecidas no âmbito social e acadêmico. Essas novas identidades vêm
atreladas às diferenças, uma vez que elas são indissociáveis e resultantes de um processo
histórico, simbólico e discursivo. De certo modo, elas “quebram com a rigidez” da sociedade
moderna e rompem com essas lógicas cristalizadas. No entanto, a sociedade encontra
dificuldades em aceitá-las e respeitá-las, haja vista que o essencialismo e as velhas
concepções estão fortemente enraizados no pensamento e no discurso social. Na perspectiva
essencialista, as identidades são fixas e imutáveis (HALL, 2011; WOODWARD, 2014).
Segundo Hall (2011, p. 13), “a identidade plenamente unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia”. Nesse sentido, a(s) identidade(s) não se fixa(m) em um único
padrão, o que seria “a identidade”. Elas são cambiantes, fluidas, transitórias e contraditórias.
Nesse movimento, que pode ser cíclico ou não, a diferença é produzida simbólica e
discursivamente, pois é na relação com a identidade que ela se produz, uma depende da outra
(SILVA, 2014).
Assim, os Estudos Culturais da Educação têm se ocupado em problematizar a relação
entre a identidade e a diferença nos processos educacionais, uma vez que a “marcação da
diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de
formas de exclusão social” (WOODWARD, 2014, p. 40, grifo da autora).
23
aquela ou aquele que não ouve, compreendendo-a como uma grande invenção (LOPES,
2007).
Essa perspectiva cultural, antropológica, que reinterpreta a surdez e compreende as
pessoas Surdas como muito mais do que um corpo danificado, tem sua origem ancorada nos
referenciais teóricos dos Estudos Culturais. No entanto, ela ganha reforço e ênfase em uma
das ramificações desse campo, que vai tratar especificamente de questões relacionadas às
pessoas Surdas: os Estudos Surdos.
Os Estudos Surdos surgem a partir dos movimentos sociais envolvendo pessoas
Surdas e de pesquisas desenvolvidas e influenciadas por esta “teoria cultural”. Segundo Sá
(2006, p. 65-66), “os estudos surdos inscrevem-se como uma das ramificações dos estudos
culturais, pois também enfatizam as questões das culturas, das práticas discursivas, das
diferenças e das lutas por poderes e saberes”.
Esse campo teórico tem como objetivo compreender e visibilizar a Cultura Surda, as
identidades, as línguas de sinais, a história e os artefatos culturais das pessoas Surdas;
desnudar as relações de poder existentes na Educação de Surdos/as e na sociedade,
desconstruindo binarismos e estereótipos acerca da surdez e das pessoas Surdas, a partir da
diferença. Nas palavras de Skliar (2013, p. 5), os Estudos Surdos são:
2006), que busca fazer uma relação crítica para além do fenômeno educacional, por acreditar
que vários aspectos podem influenciar nesse campo e provocar diferentes impactos sobre o
objeto de investigação. Para tanto, percorri as seguintes etapas: (1) providências em relação às
questões éticas; (2) fase exploratória da pesquisa; (3) obtenção dos dados empíricos
(observação não participante e entrevistas); (4) transcrições/traduções dos dados; (5)
ordenação; e (6) análises.
Por acreditar que o corpus empírico é o que subsidia qualquer articulação e análise
entre a teoria e a empiria, pois “toda teoria tem base empírica, ainda que remota: as teorias
vêm da prática, da experiência; e pretendem não apenas explicar, mas intervir na prática”
(CARVALHO, 2009, p. 180), este texto articula-se em três partes, além da introdução.
Na primeira parte: Trilhando caminhos metodológicos, exponho as formas como a
pesquisa foi desenvolvida – as fases da pesquisa, a escolha dos sujeitos, as técnicas e os
procedimentos utilizados para a obtenção dos dados, bem como a articulação metodológica
com o campo dos Estudos Culturais.
Na segunda parte: Análises empírico-teóricas, à luz dos Estudos Culturais e dos
Estudos Surdos, analiso o papel das professoras Surdas no processo de construção de
identidades de alunas Surdas e alunos Surdos, a partir de seus discursos e práticas
pedagógicas, subdividindo-a em duas seções: Identidades Culturais e Relações de Poder:
Diferença Surda, Gênero e Docência e Pedagogia Surda: o papel de professoras Surdas no
processo de construção de identidades Surdas, que por sua vez, desmembra-se em: Pilares da
Pedagogia Surda: diferença, identidades e língua de sinais e Cultura Surda: construção de
identidades no encontro Pessoa Surda-Pessoa Surda.
Por fim, nas Considerações Finais, apresento as conclusões do estudo, apontando
questões relevantes, para indicar caminhos relativos à disseminação desta pesquisa e
apontamentos propositivos acerca da temática, como sugerem os Estudos Culturais e a
pesquisa em educação.
28
6
Paraíso (2012) identifica as produções na perspectiva do multiculturalismo, do pós-estruturalismo, dos estudos
de gênero, do pós-modernismo, do pós-colonialismo, do pós-gênero, do pós-feminismo, dos estudos culturais,
dos estudos étnicos e raciais, do pensamento da diferença e dos estudos queer como teorias pós-críticas.
31
[...] é justamente por ser uma palavra cuja polissemia é muito ampla que
paradigma pode ser usada como um despiste: não tendo muito para dizer,
para se explicar, para justificar suas posições, alguém pode usá-la para dar a
impressão de que está dizendo muito, deixando que o interlocutor se vire
para entender o que quiser ou puder entender (VEIGA-NETO, 2007b, p. 37,
grifo do autor).
Esse método aplicado aos Estudos Culturais me permitiu dirigir, durante o processo
analítico dos dados, uma atenção minuciosa à produção de significados encontrada nos dados
empíricos obtidos através das entrevistas com as professoras Surdas e observação das
situações pedagógicas durante o Atendimento Educacional Especializado.
Ademais, é importante frisar que a imersão no contexto pós-moderno não permite aos
pesquisadores e às pesquisadoras assumirem posturas de neutralidade no processo analítico
(SANTOS, 2010; VEIGA-NETO, 2007b).
Para Costa (2007, p. 149), “a neutralidade da pesquisa é uma quimera”. Isso implica
dizer que as pesquisas em educação permitem que a subjetividade, aliada às teorias, apareça,
propiciando a reflexão sobre a realidade educacional. Nesse sentido, minha trajetória de vida e
minha formação acadêmica incidirão sobre a construção desta pesquisa, haja vista que ao
pesquisar em Educação de Surdos/as, venho construindo ao longo do tempo reflexões
próprias baseadas em teorias que contribuíram para a análise do objeto de estudo proposto,
ratificando ou questionando pressupostos.
Apesar disso, não tive a pretensão de produzir verdades, totais e/ou definitivas. Tenho
consciência de que os achados e resultados desta pesquisa são provisórios e parciais (COSTA,
2007). O conhecimento precisa ser visto como em constante construção. De igual modo,
coloco-me como um pesquisador em permanente formação, aprendendo e mudando quando
necessário.
Assim, ao passo que fui produzindo este trabalho dissertativo, fui aprendendo e
construindo um jeito diferente de pensar. Transitei de uma ideia ilusória que acreditava que,
ao desenvolver esta pesquisa, estaria produzindo algo novo, inédito, por conseguinte,
produzindo uma verdade, para uma concepção de que as verdades são construções da
modernidade e que “o que podemos ter são hipóteses provisórias e parciais que nos dão
segurança temporária” (COSTA, 2007, p. 148).
As verdades acabadas produzem viseiras simbólicas que impedem enxergar outras
possibilidades e perspectivas analíticas, obstruindo o desnudamento da realidade e a
construção de outros conhecimentos (parciais e provisórios). Veiga-Neto (2007a, p. 34)
afirma que “uma perspectiva pós-moderna não quer demonstrar uma verdade sobre o mundo
nem quer defender uma maneira privilegiada de analisá-lo. Isso significa assumir uma
humildade epistemológica que nunca esteve presente no pensamento iluminista”.
Destarte, propus-me a aprender e produzir esta pesquisa, com esta humildade
epistemológica, contando com diferentes olhares, a fim de produzir o meu próprio olhar.
33
A fase exploratória foi essencial para o desenvolvimento desta pesquisa. A partir dela,
todas as outras ações foram possíveis. Como dito anteriormente, além da minha trajetória
acadêmica e profissional, o que fez despertar o meu interesse por esse objeto de estudo foi a
leitura do livro As imagens do outro sobre a cultura surda, da autora Surda, Karin Strobel.
A partir de então, em busca de outras produções que tratassem, de modo geral, de
professoras Surdas e professores Surdos, comecei a explorar através de palavras-chave
(professores Surdos; docentes Surdos; Pedagogia Surda) os bancos de dados de teses e
dissertações da CAPES7 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e
da BDTD8 (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações). Após encontrar alguns
trabalhos, fiz a leitura de seus resumos, selecionando aqueles que, de fato, de algum modo
tratavam sobre esses sujeitos.
Marconi e Lakatos (2012) tratam sobre essa fase, dizendo:
Pesquisa alguma parte hoje da estaca zero. Mesmo que exploratória, isto é,
de avaliação de uma situação concreta desconhecida, em um dado local,
alguém ou um grupo, em algum lugar, já deve ter feito pesquisas iguais ou
semelhantes, ou mesmo complementares de certos aspectos da pesquisa
pretendida. Uma procura de tais fontes, documentais ou bibliográficas,
torna-se imprescindível para a não-duplicação de esforços, a não
“descoberta” de idéias já expressas, a não-inclusão de “lugares comuns” no
trabalho (p. 114).
7
Disponível em: <http://bancodeteses.capes.gov.br/>.
8
Disponível em: <http://bdtd.ibict.br/vufind/>.
34
9
Anexo.
10
O Outro Surdo, muitas vezes, é representado socialmente como uma pessoa que não possui polidez social, é
mal educada e indisciplinada; o que suscita a sua normalização, disciplinamento e governamento para adequar-se
aos referenciais culturais das pessoas ouvintes. No caso desse projeto da Secretaria de Educação de João Pessoa,
a tentativa era tornar as crianças Surdas pessoas disciplinadas, com “boas maneiras e bom comportamento” a
partir dos ensinamentos de Surdos e Surdas adultos/as (docentes). Segundo Skliar (2003), “[...] há um outro, em
meio a nossas temporalidades e a nossas espacialidades, que foi e ainda é inventado, produzido, fabricado,
(re)conhecido, olhado, representado e institucionalmente governado em termos daquilo que se poderia chamar
um outro deficiente, uma alteridade deficiente, ou então, ainda que não seja o mesmo, um outro anormal, uma
alteridade anormal” (p. 152, grifo do autor).
36
em que fui realizando as visitas, as/os próprias/os professoras Surdas e professores Surdos
foram informando sobre outras escolas que tinham colegas Surdas/os.
De posse da carta de anuência, iniciei as visitas às escolas, conforme descritas no
quadro a seguir.
4ª escola: A diretora informou que não havia professor Surdo na escola, mas
aguardava a chegada de uma nova professora de LIBRAS. A escola possuía apenas
24/08/2015 uma aluna Surda e uma intérprete.
5ª escola: O diretor afirmou que a professora Surda estava doente e que não sabia os
dias em que ela atendia as alunas Surdas e os alunos Surdos no AEE (ela também
ministrava aulas de LIBRAS nas salas de aula comuns). Ele disse ainda que entraria
em contato com a mesma para informar-se sobre os dias em que ela realizava este
trabalho. Independentemente do AEE, a professora trabalhava diariamente em horário
integral. A escola possuía sete alunas Surdas e alunos Surdos e três intérpretes.
6ª escola: Ao encontrar a professora Surda, ela informou que as bolsistas do PIBIC12
e eu poderíamos ir à escola para realizar as observações, ressaltando que realizaria o
AEE às terças-feiras às 10 horas da manhã. Segundo ela, os alunos Surdos faltavam
muito, mas que, mesmo assim, marcaria com eles no próprio turno da aula comum.
25/08/2015
1ª escola: No mesmo dia, voltei à 1ª escola para encontrar o professor Surdo, mas ele
não estava novamente. A diretora havia informado os dias de forma equivocada.
Então, corrigiu: ele trabalhava às segundas, quartas e sextas-feiras.
11
Em João Pessoa-PB, as/os profissionais que auxiliam nas escolas as alunas e os alunos com deficiência física,
intelectual, e outras deficiências, são chamadas/os de cuidadoras e cuidadores.
12
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Esta pesquisa de mestrado foi desenvolvida
intrinsicamente articulada com o Projeto de Iniciação Científica (CNPq/UFPB - 2015/2016) intitulado
“Construção de Identidades Surdas: a importância de professores/as surdos no processo educacional” no âmbito
do Grupo de Pesquisa Inclusão e Alteridade, coordenado pela mesma orientadora, Prof.ª Dr.ª Ana Dorziat.
Dentre outras coisas, essa articulação teve por objetivo proporcionar uma relação mais “positiva tanto para a
graduação como para a pós-graduação, sendo que a melhoria na primeira conduz a um mais alto desempenho dos
formados em sua profissionalização e permite estudantes mais bem preparados para uma atuação dinâmica da
pós-graduação” (CURY, 2004, p. 791).
37
8ª escola: Voltei à escola, conversei com o professor Surdo, e ele informou que não
desenvolvia o AEE desde 2014. Na escola, ele ministrava aulas de LIBRAS nas salas
de aula comuns. Segundo ele, no AEE, apenas a professora ouvinte de Língua
Portuguesa estava desenvolvendo o trabalho com as crianças Surdas.
10ª escola: Quase no fim da fase de observações, soube por informação de uma das
professoras que havia um professor Surdo que realizava o AEE numa escola que eu
ainda não havia visitado. Então fui até a instituição. Lá, a diretora informou que havia
um intérprete Surdo que atendia uma criança Surda na Educação Infantil (Infantil II).
03/12/2015 Quando chegou, conversei com ele, e o mesmo informou que era professor da criança
e trabalhava na sala de aula comum juntamente com a professora titular. Todas as
atividades, embora fossem elaboradas por ela, era ele quem explicava e aplicava com
a garota. No que concerne ao AEE, ele disse que a menina participava uma vez por
semana com a psicopedagoga, mas ele não participava do momento.
Quadro 1. Descrição das visitas às escolas e informações obtidas na fase exploratória.
13
Disponível em: <http://www.ccs.ufpb.br/eticaccsufpb/>.
14
Disponível em: <http://aplicacao.saude.gov.br/plataformabrasil/>.
38
queda) e foi perdendo a audição gradativamente. Segundo ele, aos 10 anos, ficou Surdo de
fato. Isso ocorreu por volta de 30 anos atrás.
Submeteu-se a dois vestibulares, um na UFPB e outro em uma universidade privada da
capital paraibana, mas não conseguiu ingressar em nenhuma das instituições. Tinha muita
vontade de cursar graduação em Artes. Anos depois, cursou Licenciatura em Pedagogia em
uma universidade privada e Licenciatura em Letras-LIBRAS pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), em 2008.
Conforme informou, na escola, atendia alunas Surdas e alunos Surdos no AEE e era
responsável pela ornamentação de todas as festividades da escola. Entretanto, após algumas
tentativas de observar suas aulas (três visitas à escola), percebi que o professor não realizava o
AEE na SRM.
Na primeira visita, não tinha nenhum/a aluno ou aluna presente. Ele afirmou que
eles/elas sempre faltavam. Na segunda, ele estava na quadra poliesportiva participando da
“Semana do Deficiente” e, mais uma vez, não houve aula no AEE. E, na terceira, ele disse
que iria buscar uma aluna Surda e um aluno Surdo do 5° ano, ambos de 12 anos, para aplicar
uma atividade. Ele afirmou que não gostava de fazer isso porque atrapalhava a aula. Mesmo
com meu comentário de que não era necessário, ele insistiu. Ele trouxe a aluna e o aluno,
aplicando uma atividade através da exposição de imagens. As crianças deveriam formar
palavras e dizer quais eram os sinais. A atividade durou por volta de 15 minutos19.
Diante da situação, decidi não dar continuidade à pesquisa com aquele professor
Surdo, visto que ficou nítido seu constrangimento diante de minha presença, justamente, pela
constatação de que o AEE não estava sendo desenvolvido.
Em outro momento, uma colega do grupo de pesquisa do qual eu faço parte (Inclusão
e Alteridade), que havia sido professora naquela escola – colega de trabalho do professor
Surdo – confirmou que ele não realizava atividade no AEE20. Ela confirmou o que ele já havia
dito anteriormente, ou seja, que era responsável por outras atividades na escola, como
ornamentação das festividades e atividades lúdicas, entretanto, acrescentou que basicamente
seu trabalho se restringia a essa atividade. Ademais, ela afirmou que, quando o professor
Surdo entrou na escola, através de concurso público, como pedagogo, foi destinado a ser
professor polivalente em sala de aula comum para alunas e alunos ouvintes, mas que ele e a
19
Os dados colhidos na situação pedagógica desenvolvida pelo professor Surdo poderão ser utilizados em
trabalhos futuros.
20
Essa observação só foi possível de ser feita pelo fato de a discussão ter sido realizada no âmbito do grupo de
pesquisa, restringindo a identificação dos sujeitos a esse espaço, compartilhado por pesquisadoras e
pesquisadores comprometidos com a ética da pesquisa.
40
direção da escola resolveram remanejá-lo, por acharem que aquela situação era inviável,
devido à falta de comunicação acarretar em pouco domínio de sala.
Assim, por conta das circunstâncias, esta pesquisa dedicou-se a investigar apenas o
trabalho das outras três professoras Surdas denominadas Karin, Carolina e Gladis.
Esses nomes foram escolhidos em homenagem às, também, professoras Surdas, e
doutoras, Karin Strobel, Carolina21 Hessel Silveira e Gladis Perlin, por suas contribuições
teóricas e a defesa da importância de docentes Surdas/os nos processos educacionais de alunas
Surdas e alunos Surdos.
Karin, uma mulher negra de 29 anos, era professora de LIBRAS havia
aproximadamente sete, dos quais, quatro eram na escola em que trabalhava como prestadora
de serviço. Nos outros anos, trabalhara como professora polivalente numa escola para pessoas
Surdas. Era aluna do curso de Licenciatura em Letras-LIBRAS na UFPB, porém, trancou o
curso no 3º período por motivos pessoais, mas pretendia voltar em 2016. Trabalhava todos os
dias, sendo que em três deles ministrava aulas de LIBRAS pela manhã nas salas de aula
comuns, com 40 minutos de duração; e dois dias na SRM realizando o AEE para as/os
discentes Surdas/os no horário vespertino, por quatro horas/dia. Recebia cerca de um salário
mínimo pelo seu trabalho. Ela nasceu ouvinte e ficou Surda aos três anos idade após ter
meningite. Seu esposo era Surdo e sua filha de quatro anos era ouvinte.
Carolina, uma mulher branca de 27 anos, era licenciada em Letras-LIBRAS e cursava
especialização em LIBRAS. Trabalhava todos os dias na mesma escola, em horário integral
(40 horas semanais), oscilando entre o trabalho no AEE e as aulas de LIBRAS nas salas
regulares, 1 hora cada uma. Ela dividia esta última tarefa com outro professor de LIBRAS,
que era ouvinte. Esse trabalho era sua primeira experiência como professora, embora já
trabalhasse nesta escola havia quatro anos. Nasceu Surda e desconhecia a causa da sua surdez.
Aprendeu LIBRAS aos sete anos numa escola especial em João Pessoa-PB, nunca tendo sido
oralizada. Em sua família, a mãe e a irmã sabiam LIBRAS. Seu salário era de
aproximadamente dois salários mínimos. Era mãe de duas crianças ouvintes.
Gladis, uma professora negra de 43 anos, era licenciada em Letras-LIBRAS e
especialista em LIBRAS. Trabalhava todos os dias na escola-campo pela manhã com uma
carga horária de 20 horas semanais, além de trabalhar em outro turno em uma escola estadual
(20 horas). Pelo município, ela também recebia um salário mínimo. Era professora de
21
Carolina também era o nome da aluna Surda de 14 anos com quem eu trabalhei em 2010. Por isso, pelas trocas
culturais e pelo carinho que cultivei por ela a homenageio nesta dissertação.
41
LIBRAS havia dez anos e havia seis que atuava na mesma escola. Era Surda pós-lingual,
tendo perdido a audição após ter sarampo aos nove anos de idade. Aprendeu LIBRAS apenas
aos 20 anos na Fundação de Apoio ao Portador de Deficiência - FUNAD (João Pessoa) e
numa igreja. Era casada com um Surdo e tinha um filho e uma filha ouvintes. O filho, a filha,
um irmão e o esposo se comunicavam em LIBRAS.
Para além dos sujeitos da pesquisa, ou seja, das três professoras Surdas, Karin,
Carolina e Gladis, durante as observações algumas pessoas também participaram das práticas
pedagógicas, bem como foram citadas pelas professoras durante as entrevistas. Desse modo,
as situarei nesse contexto, bem como darei a cada uma um nome fictício.
Junto com Karin, na SRM trabalhava uma professora/psicopedagoga que atuava na
escola havia menos tempo que ela (três anos), chamada Olívia22. Ela era professora das
crianças com outras deficiências. A professora Surda convivia também com mais três pessoas,
para quem ministrava aulas no AEE. Eram duas alunas Surdas e um aluno Surdo, a quem
denominei Sofia23 – tinha dez anos de idade e estava no 4º ano do Ensino Fundamental –,
Samuel – tinha 11 anos e estava no 5º ano – e Suelen24 – se encontrava na mesma turma de
Samuel e tinha 15 anos.
Na SRM em que trabalhava Carolina, também havia uma professora/psicopedagoga
que atuava junto às crianças ouvintes. Essa professora trabalhava na escola havia sete anos e
foi chamada de Osana. Carolina ministrava aulas a todas/os as/os sete alunas Surdas e alunos
Surdos da escola, no entanto, no período vespertino (horário em que observei), ela trabalhava
apenas com duas meninas: Sabrina, de sete anos, aluna do 2º ano, que passou por uma
cirurgia de implante coclear quando era mais nova; e Sarah, de oito anos, aluna do 3º ano, que
não possuía as falanges mediais e distais de todos os dedos, exceto as do polegar (as falanges
de seus dedos foram amputadas devido a uma vacina aplicada na menina quando era bebê).
Cada aluna, na maioria das vezes, era acompanhada durante o AEE por suas intérpretes, que
22
Para me referir às professoras ouvintes do AEE, utilizarei a inicial O para os nomes fictícios fazendo
referência à palavra ouvinte. Acredito que, desse modo, é possível um melhor tratamento às pessoas
participantes.
23
Para realizar uma inter-relação entre os dados, identifiquei as alunas Surdas e os alunos Surdos com
pseudônimos com a inicial S em referência às palavras Surdas e Surdos.
24
As observações do trabalho da professora Karin ocorriam às quintas-feiras. Suelen frequentava o AEE apenas
às terças. Por isso, ela é citada em poucos momentos da pesquisa.
42
foram chamadas de Inácia e Izaura25. É válido ressaltar que, segundo a professora, de manhã
ela trabalhava com alunas Surdas e alunos Surdos adolescentes.
No que concerne à SRM em que atuava a professora Gladis, também trabalhava havia
um ano a professora/psicopedagoga Osória. Os alunos Surdos da escola, para quem Gladis
ministrava aulas no AEE eram Saulo, Sinésio, Santiago e Sérgio. Saulo era uma criança Surda
de oito anos de idade, com deficiência intelectual, estava no 1º ano e contava com o auxílio de
um cuidador que não sabia língua de sinais; Sinésio era um aluno do 5º ano e tinha 12 anos de
idade; Santiago tinha 15 anos, era aluno do 7º ano; e, por fim, Sérgio, que quase não
frequentava a escola por não possuir intérprete, era um aluno de 15 anos, matriculado no 4º
ano.
25
Iniciais com I em referência à palavra intérprete.
26
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/pnaes/194-secretarias-112877938/secad-educacao-continuada-
223369541/17430-programa-implantacao-de-salas-de-recursos-multifuncionais-novo>. Acessado em 02 de
Dezembro de 2016, às 17:10 horas.
43
Tendo dito como se configuram as SRM e a proposta do AEE, é preciso situar onde
essas professoras Surdas desenvolviam este trabalho com suas alunas Surdas e seus alunos
Surdos.
44
27
Desde já, sinalizo que esta situação é criticável, uma vez que o AEE tem por finalidade o desenvolvimento de
práticas didático-pedagógicas com pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas
habilidades/superdotação. Dessa forma, há uma descaracterização desse espaço imprescindível no modelo
inclusivo.
45
observação um meio apropriado para o caso, uma vez que ela permitiu o estudo do tema sob
diferentes perspectivas.
Durante três meses, ao realizar esse tipo de observação, permaneci em local reservado
das salas durante toda a aula. Nesse ínterim, anotei todas as situações pedagógicas, sem
interromper a explicação das professoras e evitei emitir comentários a respeito das situações.
Tais observações foram registradas em diário de campo, seguindo as recomendações de Cruz
Neto (2002, p. 63-64), para quem “quanto mais rico for em anotações esse diário, maior será o
auxílio que oferecerá à descrição do objeto estudado”.
As observações ocorreram de maneiras diferentes em cada SRM. No caso das
observações do trabalho das professoras Karin e Carolina, elas foram realizadas em ambientes
“naturais28” (FLICK, 2009). Isto é, todas as observações foram realizadas durante o curso
normal do cotidiano dessas professoras.
No entanto, no caso das observações realizadas no AEE desenvolvido por Gladis, o
ambiente se configurou mais como “artificial” (FLICK, 2009), visto que, ainda na fase
exploratória, a professora afirmou que esse momento didático-pedagógico não vinha
ocorrendo. Segundo ela, seus alunos Surdos não frequentavam o AEE no horário oposto à
aula comum por conta da dificuldade financeira e de localidade. Ela passou a desenvolver o
AEE espontaneamente, algumas vezes, devido à pesquisa, no horário da aula comum, muito
embora não tenha havido nenhuma solicitação ou insistência minha nessa direção. As
observações foram realizadas às terças-feiras de 10 às 11 horas da manhã.
Embora Karin realizasse o AEE em dois dias da semana (terça e quinta), optei por
observar apenas às quintas-feiras, pois, nas terças, ele ocorria durante apenas uma hora, e, nas
quintas, por aproximadamente três horas (14 às 17 horas). Nos outros dias, ela ministrava
aulas nas salas comuns durante 40 minutos.
28
Embora Flick (2009) coloque como observações “naturais” para esse tipo de situação, lembro que, na
perspectiva dos Estudos Culturais, as práticas sociais não são consideradas naturais, mas construídas
culturalmente. Porém, compreendo que o autor se refere como naturais às observações em ambientes em que
ocorrem determinadas práticas independentemente de fins específicos e com prazo determinado, como é para as
pesquisas científicas. Quanto ao termo “artificial”, refere-se às situações criadas para esses fins, ou seja, apenas
para realização de estudos científicos, como as que ocorrem em laboratórios.
47
Carolina desenvolvia o AEE em vários dias, pela manhã e tarde. Pela manhã, com
adolescentes e, pela tarde, com as duas meninas de sete e oito anos. A escolha da tarde para
realizar as observações se deu pelo fato de haver estipulado como critério investigar o
trabalho das professoras Surdas com crianças matriculadas nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Portanto, optei por observar as aulas de Carolina às segundas e quartas-feiras
das 14 às 17 horas.
A seguir, exponho quais foram os dias utilizados para desenvolver as observações do
trabalho de cada professora.
29
Em algumas ocasiões, não foi possível realizar as observações duas vezes por semana; em outras, nenhuma.
Isso aconteceu, geralmente, porque as professoras avisavam que não iriam trabalhar por motivos de saúde.
30
Confraternização na SRM, organizada pela Professora Karin, que contou com a participação das mães de suas
alunas Surdas e de seu aluno Surdo, da professora ouvinte, das bolsistas de PIBIC e com a minha.
31
Evento organizado pela escola, que tinha por tema o respeito às diferenças.
32
É preciso considerar que essa quantidade é uma estimativa, visto que em alguns dias as aulas terminavam em
horários diferentes.
48
A entrevista é uma técnica de pesquisa muito utilizada nas pesquisas qualitativas, por
ser considerada uma arena de significados (SILVEIRA, 2007).
Utilizando entrevistas, é possível uma aproximação das subjetividades dos sujeitos
pelos quais a pesquisa se interessa. Embora discursos possam ser produzidos simplesmente
para responder a determinadas questões da pesquisa, a entrevista pode ratificar ou negar
indícios observados no contexto dos sujeitos. Por isso, nesta pesquisa, as entrevistas foram
importantes, porque permitiram aprofundar questões que surgiram no processo de observação
do trabalho das professoras Surdas. Conforme Gaskell (2014, p. 65), “a entrevista qualitativa
pode desempenhar um papel vital na combinação com outros métodos”.
Nessa perspectiva de “arena de significados”, como afirma Silveira (2007), as pessoas
entrevistadas podem ser vistas como personagens, que saberão ou tentarão se reinventar. No
entanto, não são personagens sem autoras ou autores. As/os autoras e autores de suas histórias
são as suas “experiências culturais, cotidianas, os discursos que os atravessam e ressoam em
suas vozes”. Ademais, para Silveira, nas entrevistas, enquanto produções discursivas há
espaço para outro personagem: a pesquisadora ou o pesquisador. Isso caracteriza as
entrevistas como “um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em
que as palavras são o meio principal de troca” (GASKELL, 2014, p. 73). Para o autor:
A partir das entrevistas, algumas questões foram mais bem esclarecidas sobre as
práticas pedagógicas das professoras Surdas. Além disso, surgiram outros elementos que
antes não foram percebidos, como por exemplo, detalhes de suas trajetórias escolares, o que
acredito ter sido fundamental para a construção de suas identidades docentes.
As entrevistas ocorreram em LIBRAS e com o auxílio das duas bolsistas de PIBIC,
que gravaram todas as informações em vídeo. As professoras se sentiram um pouco nervosas,
ou melhor, preocupadas se iam compreender as perguntas, mas foram muito solícitas,
generosas e compreenderam bem, de modo geral, todas as questões contidas nas entrevistas,
que duraram entre 48 e 55 minutos. Conforme Gaskell (2014), “a entrevista individual ou de
49
profundidade é uma conversação que dura normalmente entre uma hora e uma hora e meia.
Antes da entrevista, o pesquisador terá preparado um tópico guia, cobrindo os temas centrais e
os problemas da pesquisa” (p. 82).
Nesse sentido, a partir do tópico guia ou roteiro de entrevistas 33 realizei várias outras
perguntas, de forma tranquila e informal, tentando deixar as professoras confortáveis e, ao
mesmo tempo, buscando aprofundar questões a partir de suas próprias colocações.
No quadro a seguir, identifico os dias em que aconteceram e quanto tempo durou cada
entrevista:
É válido lembrar que, no caso de Karin, só foi possível realizar a entrevista porque sua
colega de trabalho, a professora Olívia, não estava presente. Ela só se sentiu à vontade para
conceder a entrevista sem a presença da colega. Nesse caso, aproveitei um dia em que a
professora foi a uma formação continuada, para realizar a entrevista. Enquanto a entrevistava,
Samuel e Sofia faziam uma atividade em local reservado.
Gladis concedeu a entrevista na sala de informática da escola, por crer que lá seria
mais adequado pela pouca circulação de pessoas. Já com Carolina, a entrevista foi realizada
na SRM. No início, a professora Osânia estava presente, mas estava concentrada em outra
atividade e não alterou o processo. Depois de alguns minutos, ela se retirou e a entrevista
transcorreu normalmente.
Após obter todos os dados, a partir das observações não participantes das práticas
pedagógicas e das entrevistas com as professoras Surdas, passei a realizar os seguintes
procedimentos:
33
Apêndice. O roteiro de entrevista foi composto por dez questões abertas, das quais as primeiras visavam trazer
narrativas, com foco no olhar das professoras Surdas, sobre si próprias, suas histórias, seu autorreconhecimento
etc. As outras questões pretendiam que as entrevistadas falassem mais profundamente sobre o seu trabalho
docente.
50
(1) Ordenação dos dados: de acordo com a norma culta da língua portuguesa,
transcrevi para o computador todas as anotações feitas durante as observações das práticas
pedagógicas de cada professora.
Logo após, juntamente com as duas bolsistas de PIBIC 34, passei a traduzir cada
entrevista concedida pelas três professoras. As traduções duraram em torno de um mês, pois,
por ser em outra língua, o processo de tradução/transcrição dos dados se tornou ainda mais
complexo, sobretudo, pela importância em mantermos o sentido mais fiel possível dos
discursos dos sujeitos. Consegui compreender bem quase todas as falas das professoras, mas
me senti mais seguro contando com a ajuda de mais duas pessoas, em especial, por acreditar
que, coletivamente, a tradução se tornaria mais segura, devido ao processo de conferência
empreendido, o que proporcionou mais fidedignidade à compreensão do sentido do discurso
de quem o proferiu.
(2) Categorização: pensando na análise de conteúdo numa perspectiva mais
qualitativa, híbrida (BAUER, 2014), elenquei categorias mestras para este estudo, que
surgiram explicitamente nas observações e nos discursos das professoras durante as
entrevistas. No entanto, questões implícitas e/ou secundárias também foram abordadas, visto
que elas eram fundamentais para ratificarem ou negarem questões mais gerais. Essas
categorias são explicitadas a partir de títulos e subtítulos no capítulo 2.
(3) Análises: nessa fase, articulei os dados empíricos com os referenciais teóricos dos
Estudos Culturais e dos Estudos Surdos, além dos referenciais que o campo da educação tem
produzido, sobretudo, aqueles que se aproximam da perspectiva da pedagogia da diferença.
Acima de tudo, procurei corresponder aos objetivos deste estudo, tentando desvendar aspectos
objetivos e subjetivos que estavam por detrás dos conteúdos manifestos durante a pesquisa.
Ademais, para um melhor resultado, relacionei as práticas pedagógicas das professoras Surdas
com os seus discursos proferidos durante as entrevistas, a fim de analisar o objeto desse
estudo de forma articulada entre prática e discurso.
34
As pesquisadoras, bolsistas de PIBIC, eram graduandas em Letras-LIBRAS pela UFPB, fluentes em LIBRAS,
sendo uma delas pedagoga e especialista em LIBRAS.
51
2 ANÁLISES EMPÍRICO-TEÓRICAS
Os Estudos Culturais podem ser considerados um tumulto teórico por não ser um
conjunto articulado de ideias e pensamentos (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003). No
entanto, há um ponto de partida que dá base às investigações nessa perspectiva: a
desnaturalização de normas oriundas do poder instituído. Então, é sob esta égide que analiso
os dados obtidos durante esta pesquisa de campo, tentando interpretá-los de forma híbrida,
interseccionando-os entre si e com a teoria, sem obedecer a uma rígida linearidade. Os
aspectos aparentes e emergentes podem, inclusive, ser abordados em ziguezague, ou seja,
indo e voltando, quando necessário (MEYER; PARAÍSO, 2012).
Para tanto, teço este capítulo da seguinte forma: na primeira seção, intitulada
Identidades Culturais e Relações de Poder: Diferença Surda, Gênero e Docência, trato das
relações de poder que envolvem o trabalho das professoras Surdas em termos identitários e
profissionais, envolvendo a diferença Surda, as questões de gênero e as relações sociais no
trabalho docente.
Na segunda, denominada Pedagogia Surda: o papel de professoras Surdas no processo
de construção de identidades Surdas faço a discussão central deste estudo, trazendo o papel de
professoras Surdas na construção de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos através da
Pedagogia Surda. Para tal, destaco a diferença, as identidades, a língua de sinais e o encontro
Pessoa Surda - Pessoa Surda como pilares desse processo pedagógico-cultural. Esta seção
subdivide-se em: Pilares da Pedagogia Surda: diferença, identidades e língua de sinais e
Cultura Surda: construção de identidades no encontro Pessoa Surda-Pessoa Surda.
Assim como qualquer pessoa, as pessoas Surdas são marcadas historicamente, num
atravessamento de múltiplos discursos. Estes discursos vão construindo-as e fazendo-as
52
assumir diversos papéis sociais. Um desses papéis, por exemplo, é o de professora – como é o
caso dos sujeitos desta pesquisa.
Mas, afinal, quem são os três sujeitos que compõem esta pesquisa? Como Karin,
Carolina e Gladis se veem como pessoas? Por elas mesmas:
Meu nome é Karin, meu sinal é esse [faz o sinal que a identifica35]. Eu nasci
ouvinte e com 3 anos fiquei Surda, porque tive meningite. Eu morava em
Brasília e estudava numa escola própria para Surd@s36. Lá, tod@s eram
Surd@s. Eu estudava de manhã e à tarde. Era bom! A escola se chamava
CEAL, era lá em Brasília. Tinha fonoaudióloga, natação, capoeira, dança,
diversas coisas... Lá em Brasília tinha muitas coisas. Eu aprendi lá. El@s
me ensinaram LIBRAS. Não tinham professor@s ouvintes, eram tod@s
professor@s Surd@s, de LIBRAS, lá em Brasília. O chefe também sabia
LIBRAS. O chefe sempre fazia oração (PROFESSORA KARIN,
26/11/2015).
Meu sinal é esse [faz o sinal que a identifica]. Meu nome é Carolina, moro
com meu pai e minha mãe, tenho dois filhos homens [...] Nasci em
Guarabira, no interior [...] Quando eu nasci, nós nos mudamos porque
minha mãe ficou preocupada com o meu desenvolvimento porque eu era
Surda. Como eu ia aprender lá? Então, por isso que eu me mudei pra cá
[João Pessoa], porque lá no interior não tinha escola (PROFESSORA
CAROLINA, 09/12/2015).
Bom dia! Meu nome é Gladis, nasci ouvinte. Com 8 anos de idade fiquei
Surda, foi uma doença, sarampo. Estudei numa escola regular e era a única
Surda da família. Fui crescendo e me acostumando com a inclusão. Aos 20
anos aprendi LIBRAS, então eu conheci como era a comunicação, conheci
Surd@s, conheci intérpretes. Com a união com @s amig@s houve uma
troca. Estudei Letras-LIBRAS, me formei, também tenho especialização. Sou
casada, tenho filh@s ouvintes e sou casada com um Surdo. Sou feliz, minha
família é linda! Meus filh@s são ouvintes, sabem LIBRAS, gostam e me
ajudam sempre na comunicação, é uma união (PROFESSORA GLADIS,
26/11/2015).
35
Faz parte da Cultura Surda “batizar” as pessoas com sinais que expressem uma característica física e/ou a
primeira letra de seu nome, e/ou a profissão (STROBEL, 2013).
36
Utilizei @ na tradução/transcrição das falas das professoras porque em LIBRAS, na Cultura Surda, as pessoas
utilizam o gênero neutro, salvo naqueles casos em que, de fato, necessita-se marcar o gênero.
53
Essas três professoras Surdas são pessoas com origens diferentes, inclusive biológicas
– apenas uma delas já nascera Surda –, mas possuem características culturais em comum:
Surdas, mulheres, usuárias da língua de sinais e professoras.
Embora saibamos que as pessoas são constituídas por um enlace de todas as suas
identidades, cada uma contribuindo para que a outra se construa, parece que, entre as pessoas
Surdas, essa condição é fator desencadeador de vários processos. Isso é perceptível nos
discursos das professoras que parecem corroborar a importância da identidade Surda na
construção das demais identidades.
Dificilmente as pessoas ouvintes se constituiriam assim, porque essa condição (ser
ouvinte) faz parte do padrão societário, sendo privilegiada de forma invisível. Talvez por isso
seja difícil, para elas entender essa definição cultural das pessoas Surdas. Somado ao fato de
na sua cultura isso ser pouco evidenciado, embora tenha uma importância radical, as/os
ouvintes não têm como se apropriar da experiência identitária das pessoas Surdas. Apenas
podem se aproximar de uma ideia do que ela seja, se houver disposição para tal.
Sobre isto, Sacks (2010) afirma que:
Ser surdo, nascer surdo, coloca a pessoa numa situação extraordinária; expõe
o indivíduo a uma série de possibilidades linguísticas e, portanto, a uma série
de possibilidades intelectuais e culturais que nós, outros, como falantes
nativos num mundo de falantes, não podemos sequer começar a imaginar (p.
101).
37
Pesquisadora Surda e pesquisador Surdo, respectivamente.
54
cultura áudio-oral está para as pessoas ouvintes, assim como a visual-gestual está para as
Surdas. Inseridas nelas, as pessoas se constroem, tendo em vista as diferentes dimensões
subjetivas que isso possa significar: afetivas, cognitivas, sociais, identitárias, entre muitas
outras.
Todavia, para que elas possam, de fato, compreender o mundo, é necessário que
adquiram uma língua, visto que sem linguagem suas outras construções identitárias serão
comprometidas. Do ponto de vista da Cultura Surda, é essencial para essas pessoas a
aquisição da língua de sinais, sobretudo para a sua plena condição de ser e estar no mundo,
enquanto sujeitos produtores de cultura.
Dessa forma, a língua de sinais passa a constituir as identidades Surdas, que, por sua
vez, se expressam de diferentes formas. Quando elas não adquirem nenhuma língua, é
possível que desenvolvam outras “estratégias de sobrevivência” através de mímicas, gestos
etc. Porém, é pela língua de sinais que as pessoas Surdas encontram a possibilidade de
comunicar-se e relacionar-se culturalmente de forma plena, além de marcar a sua diferença
cultural e transmitir a sua cultura.
Esta cultura compreende as diversas expressões das pessoas Surdas. É a forma como
elas dão sentido às suas vidas. É como compreendem e significam o seu estar sendo
(SKLIAR, 2003) no mundo. De acordo com Strobel (2013, p.29),
pois serem mulheres Surdas implica um papel social que ocupam e afeta as atividades
profissionais desenvolvidas por elas dentro da escola.
De acordo com Louro (1997), há quem diga que o gênero da escola e da docência é
masculino, pois o conhecimento que ali se trabalha foi historicamente produzido pelos
homens. Por outro lado, dizem que o gênero da escola é feminino por ser primordialmente um
espaço dominado pelas mulheres, haja vista que “elas organizam e ocupam o espaço, elas são
as professoras; a atividade escolar é marcada pelo cuidado, pela vigilância e pela educação,
tarefas tradicionalmente femininas” (p. 88).
A autora afirma então que, embora ambos os argumentos tenham fundamentos a ser
considerados, o importante mesmo é que a escola é atravessada pelos gêneros (LOURO,
1997). Concordo com a colocação dela, no entanto, alio-me, também, à segunda vertente, por
considerar que, embora o conhecimento seja produzido historicamente pelos homens, isso tem
mudado na contemporaneidade, além de serem as mulheres, em sua maioria, que materializam
e ressignificam esses conhecimentos nas práticas pedagógicas.
Desde as primeiras lutas por cidadania, instrução e voto no final do século XIX, por
uma parcela de mulheres dos Estados Unidos e da Europa, houve alguns avanços
conquistados por elas, em vários campos, mas merece destaque o campo da educação. No
Brasil, segundo Romário (2016, p. 3085):
“a participação das mulheres surdas no Brasil está crescendo e começando a ter visibilidade,
na medida em que essas mulheres estão tendo acesso à educação, e mais especificamente à
formação docente”.
Assim, com a inserção das mulheres Surdas no campo docente, não há como dissociar
as questões de gênero da diferença Surda. A principal questão que implicou na escolha das
três professoras Surdas para o desenvolvimento desta pesquisa, por exemplo, foi o fato de
apenas as três assumirem o AEE38, além das aulas de LIBRAS nas salas comuns, enquanto
que os professores Surdos desenvolviam apenas a segunda atividade. Para Louro (1997):
A presença feminina na Educação Especial é ainda mais predominante. Isso ocorre por
essa área educacional ser representada socialmente como um campo que requer das
profissionais práticas de cuidado, sensibilidade, carinho e amor – atitudes e sentimentos
considerados mais característicos das mulheres (LOURO, 1997).
O trabalho no AEE, por exemplo, se diferencia do desenvolvido nas salas de aulas
comuns. Esse momento didático-pedagógico, por ser específico da Educação Especial, pode
receber representações estereotipadas de que para desenvolvê-lo seria preciso possuir
“atributos femininos”. Trago esta suposição em resposta à seguinte questão: por que, mesmo
possuindo a mesma formação docente que as três professoras Surdas e traços identitários
semelhantes no que concerne à diferença Surda, os professores Surdos da rede municipal de
ensino de João Pessoa-PB desenvolviam atividades diferentes? Embora não seja o foco desta
pesquisa, tendo tampouco me detido a explorá-lo na obtenção de dados empíricos, é
necessário lançar ao menos esta indagação sobre as questões de gênero implicadas no trabalho
das professoras Surdas e professores Surdos de João Pessoa-PB.
Anjos, Brandão e Sousa (2015, p. 244), ao desenvolverem uma pesquisa com
professoras de Sala de Recursos Multifuncionais constatam que, ao falarem de suas
identidades profissionais, “identidade de gênero (a partir dos estereótipos) e identidade
38
No AEE, o contato das professoras Surdas com as alunas Surdas e os alunos Surdos era mais direcionado e
com um tempo maior.
57
docente das professoras das Salas de Recursos se imbricam, podendo se explicar mutuamente,
dentro dos modos culturais da produção das identidades”. Com base nas palavras das autoras,
considero que a condição de mulher também implica no trabalho das professoras Surdas.
O gênero feminino, enquanto construção cultural, imbricado nas identidades das
professoras Surdas, pode ser impresso no processo pedagógico, podendo, inclusive,
influenciar na construção das identidades de alunas Surdas e alunos Surdos: a relação com
uma professora pode favorecer a aquisição de referências culturais mais próximas da
percepção das mulheres, o que supostamente favoreceria uma compreensão melhor dos
processos de desigualdade de gênero, caso essa professora tivesse, também, uma identidade
feminista.
Sendo assim, a relação estabelecida entre as professoras Surdas e alunas e alunos
Surdos vai além da diferença Surda, no entanto, essa condição é desencadeadora de várias
outras construções identitárias. As histórias Surdas de vida, por exemplo, marcadas por
diferentes contextos, aproximam os pares culturais. Na situação a seguir, a trajetória de vida
de um aluno sensibiliza a professora Gladis que se identifica com ele.
SITUAÇÃO I – ABANDONO
Professora Gladis – (19/11/2015)
A Professora Gladis estava na sala de aula com a professora ouvinte. Sérgio estava sentado,
assistindo a um vídeo em LIBRAS. Gladis afirmou que ele sabia pouco a língua de sinais porque
quase não ia à escola, uma vez que não tinha intérprete. Segundo ela, o garoto ia aproximadamente
um dia a cada mês. Ele já estava na sala porque ela o havia chamado mais cedo, porque, como não
tinha intérprete, ele ficava em sala de aula sem ter o que fazer. Ela iniciou a atividade com Sérgio,
mostrando as palavras escritas em português com figuras do tema “Família”. Primeiramente,
perguntou os sinais ao garoto para ver quais ele conhecia e, depois, corrigiu, ensinando os vários
sinais desconhecidos. Santiago chegou à sala e sentou-se junto aos outros dois, Sérgio e Sinésio,
que já estavam lá. Gladis, então, pediu que Santiago e Sinésio ajudassem Sérgio, porque ele não
sabia quase nada por causa das faltas. Ela relatou que o garoto fora abandonado pela mãe, morava
com o pai, estava no 4° ano, mesmo tendo 15 anos de idade, e estava sem intérprete. Ela expressou
que desejava muito ajudá-lo e que tinha pena, porque ele sofria muito na vida, pois faltava muito à
escola pela falta de um/a intérprete e, sobretudo, por conta do abandono da mãe do garoto.
Quadro 5. Situação I – Abandono, envolvendo a Professora Gladis.
A identificação entre pessoas Surdas ocorre por todas as questões desencadeadas pela
diferença Surda, como por exemplo, toda a sua história escolar e familiar. No caso de Gladis,
é possível que ela tenha se aproximado um pouco mais de Sérgio, devido aos complexos
58
processos familiares pelos quais ela também passou. Na fala a seguir, ela relatou sobre a sua
relação com a família:
Você acredita que meu pai nunca conversou comigo, meu irmão, os dois,
nunca?! Só minha mãe, éramos só nós duas [...] A família ficava toda
reunida, e eu sozinha... Até hoje! [...] Quando eu vou a Bayeux [PB], só
beijinho, abraço, então el@s vão para o outro lado e eu fico sozinha. Meu
filho me ajuda em LIBRAS (PROFESSORA GLADIS, 26/11/2015).
A maioria das pessoas Surdas tem um histórico familiar complexo. Muito embora haja
casos de abandono de crianças Surdas em abrigos, por exemplo, esses abandonos costumam
ser dentro da própria casa, por parte dos membros familiares – um abandono simbólico. As
crianças Surdas são deixadas de lado, sem diálogo, atenção e afeto. De acordo com Strobel
(2013, p. 61), “na maioria dos casos, com famílias ouvintes, o problema encontrado para esses
sujeitos surdos é a carência de diálogo, de entendimento e a falta de noção do que é cultura
surda”.
Carvalho (2004) argumenta que a política educacional, o currículo e a prática
pedagógica articulam os trabalhos educacionais realizados pela escola e pela família com base
nas divisões de sexo e gênero, sobrecarregando as mães nessa relação. No caso das mães de
crianças Surdas, são elas, em sua maioria, que ficam encarregadas de acompanhar suas filhas
e seus filhos em todos os processos educacionais. Vão além, buscam participar da Cultura
Surda e aprender LIBRAS, para estabelecerem uma comunicação melhor com suas filhas e/ou
filhos39.
Dessa forma, Gladis apresentou uma história de vida semelhante à de Sérgio, no que
diz respeito ao abandono familiar, o que a fez solidarizar-se e identificar-se com o garoto.
Porém, no tocante aos sujeitos, as histórias se diferenciam, pois, no caso dela, ocorreu um
abandono simbólico por parte do pai, do irmão e de outros membros de sua família; enquanto
que com ele, o abandono (total) foi materno. Com isso, o seu sentimento de piedade com
relação a ele pode ter sido intensificado, não só por ele ter um histórico de abandono como
ela, mas por este abandono ter sido materno. Provavelmente, ela considerou a grande
importância da figura materna, tão fundamental em sua vida, como única fonte de diálogo,
amizade e apoio.
39
Participei de um curso de dois anos de LIBRAS na FUNAD-João Pessoa. Nessa turma havia
aproximadamente 20 pessoas. Destas, sete eram mães de crianças Surdas, não havendo nenhum pai. Elas
participavam do curso ao mesmo tempo em que levavam suas filhas e filhos para participarem de aulas com
professoras Surdas e professores Surdos, bem como de encontros informais com outras pessoas Surdas, fazendo
daquela instituição um ponto de encontro da Comunidade Surda.
59
as diferenças, pois elas são relacionais e indissociáveis (WOODWARD, 2014; SILVA, 2014).
Portanto, sua profissionalidade – professoras Surdas – é diretamente influenciada pelos
processos escolares pelos quais passaram, sendo estes permeados pela diferença Surda.
De acordo com Garcia, Hypolito e Vieira (2005, p. 48):
Vale lembrar que as identidades não possuem uma só forma e são constituídas por
múltiplas representações e discursos. Todavia, é necessário destacar que, pelos discursos das
três professoras, as suas identidades não estão desvinculadas dos processos vividos em
decorrência da diferença Surda. Sendo assim, as questões de gênero, familiares, escolares,
enfim, suas trajetórias de vida – relacionadas à diferença Surda – contribuirão para que as
professoras Surdas desenvolvam a Pedagogia Surda, que, por conseguinte, também poderão
construir as identidades/alteridades Surdas das alunas e dos alunos.
A posição de docente assumida pelas professoras Surdas é fundamental para fazer
circular a Cultura Surda no ambiente escolar. No entanto, essa posição está em jogo nesse
espaço, haja vista que é permeada por relações de poder, podendo a própria condição Surda
ser fator de discriminação.
É possível constatar que as relações de poder atravessam a Educação de Surdos/as
desde os seus primórdios e são expressas em diversos contextos. Apesar de os primeiros
professores40 de Surdos terem sido os próprios Surdos, que iam aprendendo a língua de sinais
e ensinando uns aos outros, com a proibição do uso de língua de sinais no século XIX, eles
foram excluídos do campo docente (REIS, 2006).
Segundo Sá (2006, p. 70), “a história dos surdos é a história das relações entre as
comunidades surdas e as ouvintes. É, portanto, uma história que expõe uma luta por poderes e
saberes”. Assim, as relações de poder atravessam todas as modalidades educacionais já
implementadas na Educação de Surdos/as, inclusive o modelo atual, marcado pela inclusão de
40
Não há clareza na literatura se as mulheres Surdas já atuavam como professoras à época. Por isso, o uso do
gênero masculino expresso na linguagem.
62
pessoas Surdas nas escolas comuns, contexto educacional em que as professoras Surdas estão
inseridas.
Sobre as relações de poder, Foucault (1995) sustenta que,
SITUAÇÃO II – AUTORIZAÇÃO
Professora Karin – (03/09/2015)
Ao chegar à escola, juntamente com as duas bolsistas de Iniciação Científica do meu grupo de
pesquisa, fui à sala da diretora perguntar se a professora Surda – Karin – estava na SRM. A diretora
informou que ela deveria estar na “sala dos especiais”. A SRM era bem ampla, agradável, possuía
uma televisão de 42 polegadas, dois computadores, um notebook, três armários, sendo dois deles
para guardar materiais pedagógicos e um para as professoras guardarem objetos pessoais, um
quadro branco, uma mesa redonda no centro da sala, que era utilizada pela professora ouvinte, e
63
uma carteira, que era usada pela professora Surda. [...]. Olívia entrou na sala e Karin nos
apresentou. Ela nos cumprimentou e disse: “adoro receber estagiários na minha sala!” Perguntou se
eu tinha agendado com a professora Surda de ir naquele dia da semana, às quintas-feiras. Afirmei
que sim, que já havia entrado em contato com ela via mensagem de celular e que ela havia
confirmado o encontro. A professora ouvinte afirmou, então, que a professora Surda era muito
dispersa e que não a informou sobre a decisão de nos receber. Com uma expressão facial negativa,
visivelmente ela não gostou da permissão da outra professora. [...]. No fim da aula, a professora
Olívia, sem Karin perceber, perguntou se as observações seriam apenas naquele dia. Expliquei que
ficaríamos até o término das aulas, provavelmente. Então, ela indagou: “quem liberou para que
vocês fizessem as observações das aulas?” Ao saber que tinha sido Karin quem havia autorizado,
em tom de insatisfação, Olívia afirmou que ela era a professora titular da sala, e que ninguém havia
falado com ela sobre a pesquisa. No entanto, se Karin havia liberado, por ela, tudo bem.
Quadro 6. Situação II – Autorização, envolvendo a Professora Karin.
centro da sala, que era utilizada pela professora ouvinte, e uma carteira que era usada pela
professora Surda”. A mesa era grande, enquanto que a mobília que Karin utilizava era uma
simples carteira escolar. Dessa forma, o fato de Olívia ter uma melhor condição material de
trabalho, bem como ter a SRM como sua, fez-me supor, num primeiro momento, que isso
ocorria por ela ter mais tempo de trabalho na escola. No entanto, Olívia trabalhava ali havia
dois anos, enquanto que Karin havia mais de quatro. Esse dado descartou a minha suposta
justificativa da autoridade conquistada pela professora ouvinte pelos anos de trabalho na
escola. Tendo esta hipótese descartada, passei a pressupor que isso poderia ocorrer, então,
pela diferença Surda.
Destarte, inclui-se essa discussão – de relações de poder entre professora Surda e
professora ouvinte – no campo da teoria pós-colonialista do currículo (SILVA, 2011), uma
vez que, inseridas no campo escolar, as professoras Surdas também estão incluídas neste
mecanismo de poder e são representadas ali, mais uma vez, como o Outro em sua face
perversa e, por conseguinte, passível de colonização.
Segundo Silva (2011, p. 127), “tal como ocorre, de forma geral, nos Estudos Culturais,
o conceito de ‘representação’ ocupa um lugar central na teorização pós-colonial”. O Outro
Surdo, mesmo em uma posição legitimada dentro da escola, ou seja, na condição de professor
ou professora, permanece representado na condição do Outro colonizado, tendo inclusive, a
sua prática docente interferida por outrem.
Ao questionar Karin como era a sua relação com os alunos e as alunas, mesmo com a
presença de Olívia, ela falou:
Aqui na sala do AEE é... Bom. Faltam materiais, falta papel, lápis, lápis de
cor, é ruim. Eu preciso tirar do meu bolso para pagar, e eu não posso. Tem
professor@s que falam: “você precisa comprar!” Eu falo: “eu não vou
comprar não!” (PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).
colega, provavelmente por receio do que Olívia pudesse fazer caso tivesse conhecimento do
conteúdo da entrevista.
Mais adiante, durante a entrevista, sob a garantia (mais uma vez afirmada) do sigilo da
pesquisa, Karin falou sobre a sua relação com a outra professora:
41
É comum nos Estudos Surdos a utilização de expressões como: história Surda, identidades Surdas, narrativas
Surdas, comunidades Surdas, línguas Surdas, movimentos Surdos etc. (LOPES, 2007).
66
É boa, ela me ajuda. Ela tem muita vontade de aprender LIBRAS, ela
sempre pergunta. Eu acredito que no próximo ano ela vai melhorar. Eu
ensino L1. Quando eu não posso, ela me ajuda com Saulo. Ela me ajuda
muito. Ela é de primeira. Quando eu preciso da ajuda d@s intérpretes na
sala de aula, eu peço a ajuda do diretor e pedimos juntos que eles venham,
então eles vêm e ajudam. Só Osória me ajuda (PROFESSORA GLADIS,
26/11/2015).
É boa, é boa, ruim não! Quando Osana tem dúvida, me pergunta. E quando
eu tenho dúvida em português, ela me ajuda. Há uma troca. Quando existe
uma falta de comunicação entre ela e @ alun@ Surd@, eu ajudo. Tem uma
troca, não é ruim não. É boa, é boa. É uma união. Eu erro, ela erra, não tem
problema não, assim a gente aprende. O desenvolvimento é melhor quando
tem união (PROFESSORA CAROLINA, 09/12/2015).
Diferentes da relação entre Karin e Olívia, tanto a relação entre Gladis e Osória quanto
a de Carolina e Osana eram boas. As duas professoras Surdas afirmaram haver trocas e ajuda
provindas de ambas as partes. Nesse sentido, é preciso que se compreenda que as relações de
poder exitem em todas as relações; porém, faz-se necessário desestabilizar a ideia de que há
dominação em todas elas, até porque os poderes emanam de todas as partes (FOUCAULT,
1979) e, ao resistir, as professoras Surdas também exercem o seu poder.
Então, essa concepção cristalizada de que a relação entre pessoas ouvintes e pessoas
Surdas é sempre de dominantes e dominadas precisa ser relativizada. Ela é recorrente, comum
e histórica, no entanto, não se aplica a todas as relações. Há sempre a necessidade de estarmos
atentos e atentas, problematizando-as, para que a diferença não se torne desigualdade; mas
não podemos desconsiderar a possibilidade da existência de relações interculturais (FLEURI,
2002; 2003), mesmo que permeadas por complexos vestígios históricos e contemporâneos de
dominação cultural.
Se considerássemos que em todas as relações existe dominação, a partir das
observações realizadas, eu poderia afirmar que, no caso de Gladis, a professora dominante
seria ela, pois, além de estar ali há mais de seis anos, enquanto que Osória há apenas um, era
nítido que ela tinha “bem mais vez e voz” no AEE do que a professora ouvinte. Já no caso de
Carolina, percebi que a relação era ainda mais “saudável”, pois, sempre quando Osana
precisava tomar alguma decisão no AEE, consultava sua colega. Aliás, a professora Surda a
considerava sua amiga, como afirmou na entrevista.
Assim, sobre as relações entre professoras Surdas e professoras ouvintes, reforço:
embora saibamos que há relação de poder em toda interação social, é preciso que se relativize
a concepção de que, também, sempre haverá dominação. A discussão sobre as relações de
poder e de dominação é importante neste trabalho, porque tais relações poderão interferir
diretamente na representação das próprias professoras Surdas sobre si e sobre o seu trabalho,
bem como poderão incidir na construção das identidades das crianças Surdas, pois “as
naturezas das representações sobre a surdez e os surdos, que os educadores têm, certamente
68
DORZIAT; ARAÚJO, 2012; LACERDA, 2012; LIMA, 2012) têm dito sobre a confusão de
papéis que ocorre em sala de aula entre intérpretes e professoras/es, mesmo que, neste caso,
esta seja uma professora Surda e usuária de LIBRAS.
Todas estas situações de colonização, representações e discursos de dominação,
impactam diretamente o próprio processo de construção de identidades docentes das
professoras Surdas e, por conseguinte, o de identidades Surdas de suas alunas e seus alunos;
afinal, “o processo de construção de identidade está marcado pela inevitável força do poder
constituído, recheado de verdades absolutas, que dominam, oprimem e excluem os outros,
fazendo com que aquilo que representa o poder seja assumido como identidade” (DORZIAT,
2009, p. 19).
Destarte, as questões positivas ou negativas que constituem as identidades docentes
das professoras Surdas podem, também, influenciar a sua prática pedagógica. Nas situações a
seguir, podemos ver que a identidade docente de uma das professoras Surdas, por ora, é
colocada em xeque pelas relações de poder e dominação.
SITUAÇÕES
Professora Karin
Durante uma conversa, a professora Olívia perguntou sobre a nossa formação
(minha e das duas bolsistas de PIBIC) e sobre o nosso interesse pela área de
SITUAÇÃO IV – Educação de Surdos/as. Após dizermos, ela enfatizou que ela era a professora
PROFESSORA titular da sala do AEE, afirmando que Karin não era professora, mas, sim,
TITULAR versus instrutora, pois ainda não era formada. Disse também que ela (Olívia) era
INSTRUTORA formada, tinha trabalhado em várias instituições de ensino, e que já estava
(03/09/2015) aposentada. No entanto, como gostava muito de ajudar as crianças com
deficiência e com dificuldades de aprendizagem, continuava trabalhando.
Fui à escola, mas Samuel e Sofia faltaram, o que inviabilizou que ocorresse a
SITUAÇÃO V – aula de Karin. Então, as bolsistas de PIBIC e eu ficamos conversando com a
DIFERENÇA Professora Karin, que comentou que precisou trancar o curso de Letras-
ENTRE LIBRAS porque estava trabalhando e com uma filha pequena para cuidar.
PROFESSORA E Assim, havia achado melhor parar os estudos e retornar depois, mas que
INSTRUTORA pretendia fazê-lo em 2016. Karin comentou também que não sabia a
(01/10/2015) diferença entre professora e instrutora: “eu sou professora, mas Olívia fala
que eu sou instrutora de LIBRAS, não sei a diferença!”.
A pedido de Olívia, Karin digitava uma lista com os nomes de todas as alunas
SITUAÇÃO VI – e os alunos atendidas/os no AEE. Nesta lista, que seria entregue à diretora da
LISTA DE escola, constava somente o nome da professora Olívia como se ela atendesse
ALUNAS E a todas e todos. Vale lembrar que o atendimento para as alunas Surdas e os
ALUNOS alunos Surdos era realizado somente por Karin. Olívia realizava atendimento
(29/10/2015) apenas para ouvintes com deficiências associadas.
Assim que entrei na escola, ao encontrar a diretora, ela perguntou se a
70
Concernente à situação VI, Olívia omitiu a informação de que as crianças Surdas eram
atendidas pela Professora Karin. Ela elaborou um documento afirmando que era ela quem
atendia as alunas Surdas e o aluno Surdo, mesmo quando sabemos que este trabalho, ao
menos na prática, era exclusivo de Karin. Assim, Olívia desconsiderou o papel da professora
Surda como professora do AEE, não a citando em nenhum momento, nem ao menos através
de uma breve observação no documento. Destaca-se ainda que Karin era quem digitava o
texto, o que pode ser compreendido como uma forma de Olívia mostrar a ela “o seu lugar” ou
o seu “não lugar” naquele espaço didático-pedagógico.
Sobre o trabalho de Olívia, é preciso dizer que, em outros momentos, durante as
observações, Karin afirmou que ela não realizava o atendimento em português para as
crianças Surdas. No entanto, em um momento de sua entrevista, ela se contradisse sugerindo
que também não era bem assim.
Eu penso que Olívia precisa me ajudar com o Português para Surd@s. Ela
tem tempo apenas para ensinar @s ouvintes e não tem tempo para ensinar
@s Surd@s. Ela ensina só mais @s ouvintes. Parece que ela não tem espaço
no seu horário para ensinar Português para @s Surd@s. O pessoal da
coordenação me disse que todas as professoras do AEE precisam ensinar o
Português, mas Olívia não tem um horário para ensiná-l@s. Eu percebo que
ela acha melhor quando eu estou ensinando-@s, porque quando ela está
atendendo-@s, el@s não entendem nada. Não tem uma relação. Entendeu?
Por exemplo, lá na prefeitura, o pessoal da coordenação falou que ela
precisa ensinar também o Português, mas eu percebo que parece que Olívia
não quer, não quer ensinar. Sabe por quê? Porque el@s não entendem o
que ela fala. Quando el@s, @s alunos e Olívia estão sentad@s
conversando, el@s não entendem, perguntam: “O quê? O quê?”. Sempre
eu, sempre eu? E ela não? (PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).
71
Em seu discurso, Karin sinaliza que, em alguns momentos, esse atendimento ocorria
ou já ocorreu. Isso mostra que Olívia, ao menos, já tentara ensinar português às crianças
Surdas, porém, sem sucesso, por conta da limitação linguística em LIBRAS, o que confirma
que ela não realizava o AEE naquele período junto àqueles sujeitos. Embora o documento do
MEC (DAMÁZIO, 2007), que orienta a formação continuada de docentes para o
“Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa” para as
pessoas Surdas, recomende que o planejamento desse momento didático-pedagógico seja feito
coletivamente por todas as professoras e professores, incluindo as professoras Surdas e os
professores Surdos, quando a professora ouvinte não sabe língua de sinais, esse atendimento
fica comprometido.
Para um ensino significativo de língua portuguesa para as crianças Surdas, é preciso
que ela seja mediada em todos os processos pedagógicos pela Língua Brasileira de Sinais,
pois “é por meio dela que os alunos surdos poderão atribuir sentido ao que leem, deixando de
ser meros decodificadores da escrita, e é pela comparação da língua de sinais com o português
que irão constituindo o seu conhecimento do português” (PEREIRA, 2012, p. 238).
Contudo, merece destaque a invisibilidade do trabalho de Karin nesse espaço. A
professora ouvinte negava o trabalho que a professora Surda realizava, quando, na verdade, o
MEC recomenda que dois dos três momentos didático-pedagógicos do AEE (AEE em
LIBRAS e AEE para o ensino de LIBRAS) devam, preferencialmente, ser realizados por uma
professora Surda ou um professor Surdo (DAMÁZIO, 2007). É válido ressaltar também que
as três professoras Surdas, na verdade, desenvolviam os três momentos, assumindo o AEE
para o ensino de Língua Portuguesa.
Essa invisibilidade do trabalho de Karin é percebida também na situação VII, quando a
diretora da escola mesmo sabendo que a pesquisa estava sendo realizada com a professora
Surda, perguntava pela ouvinte. Quando fiz as primeiras visitas à escola, a diretora e a vice
informaram que havia uma professora Surda trabalhando ali, porém, não sabiam ao menos os
horários e os dias em que ela trabalhava – sendo que isso ocorria todos os dias em horários
alternados.
A invisibilidade do papel das professoras Surdas se expressou também durante a
pesquisa exploratória, quando a coordenadora municipal da educação especial de João
Pessoa-PB afirmou que não existiam professoras Surdas e professores Surdos trabalhando
72
com crianças Surdas (embora nesse caso, tem de se considerar que isso possa ter ocorrido
como uma forma de inibir o desenvolvimento da pesquisa).
Dessa forma, as relações de poder que ocorrem no campo docente em que as
professoras Surdas estão inseridas expressam-se desde a sua invisibilidade, passando pela
violência simbólica como ocorria com Carolina, até a negação das identidades docentes
dessas professoras, como ocorreu nas situações IV e VII, quando Olívia fez questão de frisar
que Karin não era professora, mas instrutora.
Sob o discurso legislativo, Olívia estava correta. Segundo o Decreto 5.626 de 22 de
dezembro de 2005, considera-se instrutora/instrutor de LIBRAS aquela ou aquele que possui
formação em nível médio (BRASIL, 2005). Portanto, Karin era instrutora de LIBRAS,
diferentemente de Gladis e Carolina que possuíam formação em nível superior.
Não obstante, considero também que o discurso legislativo é dúbio em relação a esse
“rótulo” para as pessoas com formação em nível médio para o ensino de LIBRAS, quando
afirma: “§ 1º Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível
médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput”.
Ora, o termo docente42 é suficiente para assegurar que, independentemente da
formação da professora Surda ou do professor Surdo ser em nível médio ou superior, ela ou
ele é professora ou professor. Além disso, de acordo com o site do Observatório do Plano
Nacional de Educação (OPNE)43, em 2013, a porcentagem de docentes da Educação Básica
no Brasil com Ensino Superior era de 74,8%. Então, como a professora Surda pode não ser
considerada uma professora enquanto que um quarto das/os docentes ouvintes brasileiras/os
não possuem formação superior e, nem por isso, são chamadas/os de instrutoras e instrutores
ou quaisquer outras denominações?
Embora considere que, para o exercício da docência, a formação inicial, continuada,
permanente e, sobretudo, qualificada, é imprescindível, não é possível aceitar que se faça
disso mais um mecanismo de poder e dominação dentro do espaço escolar. A exclusão e a
invisibilidade do papel e do trabalho de professoras Surdas e professores Surdos nos
processos educacionais precisam ser problematizadas.
42
De acordo com Martins (2005, p. 34), “o vocábulo docente veio do latim docens, docentis que era o particípio
presente do verbo latino docere que significa ‘ensinar’. [...]. Docente seria aquele que ensina, instrui e informa.
Sua datação, na Língua Portuguesa, seria de 1877”.
43
<http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/15-formacao-professores/indicadores>. Acessado em 27 de
setembro de 2015 às 18h36min (horário de Brasília-DF).
73
Considerando que os discursos não são neutros, não é à toa que há essa hierarquização.
Numa visão macro, em termos de sociedade e mercado de trabalho, o viés neoliberal no Brasil
estipula a remuneração do corpo docente de acordo com o nível de formação. Considerando,
também, a histórica subalternização das funções exercidas pelas pessoas Surdas e seus
subsalários (RANGEL; STUMPF, 2012), não haveria a intenção estatal de valorizar estas e
estes profissionais, mesmo abrindo-se oportunidades de elas e eles ocuparem empregos no
serviço público em razão de uma demanda emergente, ou seja, a entrada das crianças Surdas
nas escolas comuns.
E, numa escala menor, na escola, os discursos impressos nas situações presenciadas e
embutidos na relação entre as duas professoras, Karin e Olívia, por exemplo, sugerem que não
era o discurso legislativo que incidia sobre a ênfase da professora ouvinte na nomenclatura
instrutora que ela tanto fazia questão de lembrar, mas mecanismos sutis de poder e
dominação.
Segundo Garcia, Hypolito e Vieira (2005, p. 48), “as identidades docentes não se
reduzem ao que os discursos oficiais dizem que elas são”. De acordo com a autora e os
autores, as professoras, negociam as suas identidades mediante uma gama de variáveis, tais
como: a história familiar, as condições de trabalho e os discursos proferidos sobre elas e sobre
as suas funções. O discurso de Karin vai ao encontro dessa ideia quando afirma:
As pessoas falam que eu sou instrutora, porque eu não sou concursada. Sou
instrutora de LIBRAS nas salas de aula regulares. Quando eu comecei a
trabalhar, eu pensei que ia trabalhar apenas em salas de Surd@s como
professora de LIBRAS, mas, na prefeitura, disseram que eu precisava
trabalhar, também, nas salas inclusivas, porque tinham Surd@s nestas
salas, senão, como ia ter comunicação? @s ouvintes precisavam aprender
para ter uma comunicação com @s Surd@s, entendeu? Então, o nome certo
é instrutora de LIBRAS. Professora de LIBRAS é quem é concursada, que
passou no concurso para ser professora de LIBRAS. Eu sou instrutora, mas
as pessoas me chamam de professora. @s alunos não conhecem
“instrutora”, eles chamam “Professora Karin”. [...] Eu me sinto
professora! Porque eu ensino @s alun@s. Eu não me sinto instrutora,
porque “instrutora” parece instrutora de cursos particulares de LIBRAS
(PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).
Assim como Skliar (1998), entendo que a construção de identidades Surdas carece de
uma comunidade de pares, envolvida num processo sócio-histórico, sendo isso não apenas
uma questão pedagógica, mas de direito. Isso é mais contundente numa realidade em que a
maioria de crianças Surdas não possui contato com a Cultura Surda. O ideal, então, é que
essas crianças mergulhem em sua cultura desde a mais tenra idade. Isso se torna possível na
relação com professoras Surdas e professores Surdos, por isso, a seguir, construo um
raciocínio tendo como pressuposto pedagógico a Pedagogia Surda.
(2013, p. 56): “a cultura surda como diferença se constitui numa atividade criadora. Símbolos
e práticas jamais conseguidos, jamais aproximados da cultura ouvinte”.
Para que essa cultura venha à tona, a Pedagogia Surda deve incluir, necessariamente,
as professoras Surdas e os professores Surdos. Esse é o caminho de, por meio de uma língua
“mais viva do que nunca”, desenvolver conhecimentos acadêmicos simultâneos à produção de
cultura da comunidade Surda. Para Strobel (2013, p. 91):
O povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um “olhar” diferente,
direcionado em uma filosofia para educação cultural, na qual a educação dá-
se no momento em que o surdo é colocado em contato com a sua diferença,
para que aconteçam a subjetivação e as trocas culturais.
A luta pela viabilização da Pedagogia Surda pelas pessoas Surdas é uma forma de
buscar, no espaço escolar, a valorização e o respeito da sua cultura. Para isso, é importante
que as relações estabelecidas com essa língua se deem no contato com outras pessoas Surdas
e, especialmente, adultas. Segundo Rangel e Stumpf (2012, p. 115) “quando o professor e o
aluno utilizam a mesma língua, no caso a língua de sinais, a comunicação deixa de ser um
problema. Quando ambos são surdos, os interesses e a visão de mundo passam a ser os
mesmos”. Dessa forma,
44
Mesa redonda: “Inclusão escolar: desafios” (Prof.ª Dr.ª Gladis Perlin). Disponível em:
<http://proex.pucminas.br/sociedadeinclusiva/anaispdf/gladis.pdf>. Acessado em: 03/10/2015 às 00h50min.
77
Carolina expressou uma preocupação com o futuro profissional de suas alunas Surdas
e seus alunos Surdos, ao ser indagada sobre como se via como profissional. Seu papel de
educadora fazia com que ela se sentisse responsável com o futuro das crianças Surdas sob sua
responsabilidade. Remeteu também essa preocupação à sua própria história de criança e aluna
Surda. Ela desloca-se do seu lugar de professora para o lugar de suas alunas Surdas e seus
alunos Surdos que ainda terão de enfrentar as difíceis condições de cidadania e trabalho que
as pessoas Surdas enfrentam num mercado de trabalho historicamente excludente para elas
(KLEIN, 2004; RANGEL; STUMPF, 2012; NOVAES, 2014).
A professora Surda demonstrou também uma preocupação com o papel que ela exercia
na vida delas e deles. Isso mostra a importância da existência da professora Surda ou do
professor Surdo, um dos pilares da Pedagogia Surda, como elemento cultural e de construção
das identidades, como fatores essenciais no processo educacional. Ela demonstrou uma
preocupação de ser modelo positivo para suas alunas e seus alunos, assim como ocorreu na
sua vida escolar.
Dessa maneira, o discurso de Carolina vai ao encontro daquilo que Perlin (2007)
afirma sobre a possibilidade de professoras Surdas e professores Surdos serem modelos para
as crianças Surdas. No entanto, ao refletir acerca desse papel das professoras Surdas e dos
professores Surdos para a construção de identidades de crianças Surdas, recorro a Reis (2007),
que traz logo no título de seu trabalho a seguinte indagação: Professores surdos: identificação
ou modelo?
Para esta autora Surda, “uma das questões mais recentes trata justamente da
identificação e modelo sobre as identidades, que indicam explicitamente sua vinculação aos
Estudos Culturais. Bem sabemos que no lado do modelo, em geral, são ditas que não têm
conexão nos Estudos Culturais” (p. 87, grifos da autora). A partir desta concepção, a
epistemologia dos Estudos Culturais não reconheceria a ideia de modelo, pelo fato de
compreender que as identidades não são fixas, imóveis, estáticas etc. (HALL, 2011).
Nesse sentido, ao considerar a ideia de modelo, o próprio processo de construção de
identidades ficaria “engessado”, pois as alunas Surdas e os alunos Surdos passariam a ser uma
78
cópia da professora Surda ou do professor Surdo, o que contrariaria o que afirmam os Estudos
Culturais sobre a fluidez e o hibridismo das identidades.
No entanto, é preciso considerar a parcialidade e o contingenciamento do processo de
identificação e de construção de identidades. O processo de identificação, mesmo sendo
baseado em um modelo, é sempre contingente, é sempre múltiplo e complexo. Segundo
Moreira (2005, p. 127), “é possível pensar em fechamentos contingentes, é possível supor o
não fechamento de uma identidade a outras (apesar da diferença), é possível falar em
diálogo”.
Dessa forma, todas as pessoas podem servir de modelo ao longo da vida, afinal, a cada
“cópia”, a cada fechamento contingente, os sentidos são ressignificados, tornando-os
singulares. Nesses processos contingenciais, a construção de identidades ocorre sempre num
compartilhamento de outras identidades, assim, “aspectos identitários diversos cruzam-se e
deslocam-se no interior dos indivíduos e dos grupos, tornando o processo de identificação
descontínuo, variável, problemático e provisório” (MOREIRA, 2005, p. 133).
Dessa forma, mesmo considerando que essa construção, provavelmente, só é possível
na relação entre pares Surdos, pois só uma pessoa Surda pode transmitir à outra a sua cultura
e as suas experiências de estar no mundo, tornando essa relação imprescindível para a
construção das identidades Surdas, a construção de identidades não é inevitável e homogênea.
O processo é fluido, híbrido, cambiante e múltiplo, pois, “tentando pensar o sujeito surdo
dentro de uma perspectiva pós-moderna [podemos] dizer que há múltiplas identidades surdas
em construção” (LOPES, 2013, p. 115). Portanto, a construção de identidades Surdas também
é contingencial.
Para tanto, a inserção das crianças Surdas na comunidade Surda, onde poderão
relacionar-se com outras crianças e adultos/as Surdos/as, possibilitará uma construção de
identidades com base na Cultura Surda, além de, quando empoderadas, afirmá-las através de
uma política de identidade (WOODWARD, 2014).
deste grupo linguístico-cultural, haja vista que isso poderá determinar vivências mais
engajadas de suas outras diferentes identidades. Através do fortalecimento da política de
identidade Surda, as pessoas Surdas podem conquistar seus direitos sociais.
A mobilização política poderá proporcionar autorreconhecimento cultural e identitário,
sendo determinante para os avanços no campo educacional e social de modo geral. Perlin
(2013, p. 63) afirma que “o adulto surdo, nos encontros com outros surdos, ou melhor, nos
movimentos surdos, é levado a agir intensamente e, em contato com outros surdos, ele vai
construir sua identidade fortemente centrada no ser surdo, ‘a identidade política surda’”.
A política de identidade Surda desenvolve-se dentro da comunidade Surda e, quando
existe um movimento Surdo, essa política é difundida amplamente, além de essa ser a
oportunidade do movimento Surdo criar um impacto social (PERLIN, 2000).
Na escola, esse fortalecimento político pode ocorrer caso as crianças Surdas estejam se
relacionando com outras pessoas Surdas, permitindo o reconhecimento da sua diferença
cultural, a valorização de sua língua e a defesa de sua cultura. Uma das estratégias para isso é
tratar dessas questões através da história Surda, como mostra a situação a seguir.
A situação mostra que a Professora Karin tinha clareza quanto ao fato de que ser Surda
era uma diferença cultural e não uma deficiência, como concebia o discurso da Educação
Especial (SKLIAR, 2013). Ela desconstrói esse discurso, com uma prática pedagógica
marcada pela visão político-cultural.
80
A atitude da Professora Karin representou bem essa ideia. Ela buscou dar a
oportunidade de a aluna Surda entender o seu lugar no mundo, poder viver a experiência de
uma cultura singular, mesmo quando os discursos hegemônicos são decorrentes de uma visão
normalizadora, assistencialista e caritativa. Viver a experiência Surda não impede a
convivência com ouvintes, mas proporciona o compartilhamento da diferença, além disso,
pode ser uma forma de contribuir significativamente com o avanço das relações existentes no
espaço escolar, através das trocas culturais entre as alunas Surdas, alunos Surdos e ouvintes.
Quando a professora afirmou que as pessoas Surdas não precisavam ter vergonha de
serem Surdas, ela evocava sua condição de docente, investida da responsabilidade de
valorizar a língua e a cultura das educandas e dos educandos envolvidas/os no processo.
Desse lugar, o seu reconhecimento sobre a importância de as pessoas Surdas assumirem seu
espaço na sociedade pode ter uma força argumentativa considerável sobre as alunas Surdas e
os alunos Surdos.
Além do mais, a Professora Karin fez essas afirmações com a autoridade de quem
passa também pelos mesmos processos, por ser uma pessoa Surda. A professora proporciona
à sua aluna não só conhecimentos culturais, históricos e políticos acerca do seu grupo cultural,
mas faz com que a aluna experimente um processo de identificação com suas semelhanças. O
fato de a professora não demonstrar vergonha por ser do jeito que é, imprime sentido ao seu
discurso. De acordo com Reis (2007, p. 93), nos processos de identificação, “vários
professores surdos apresentam representações da identificação e reconhecimentos do olhar e
81
da cultura surda, porque conhecem a história dos surdos e sabem, através do seu jeito ensinar
[sic], levar outros surdos a identificar a própria cultura”.
Karin resgatou aspectos históricos da Educação de Surdos/as, nos quais, por exemplo,
elas e eles passaram por momentos de muito sofrimento quando tiveram as mãos amarradas
para que não pudessem se comunicar via sua língua natural45 (GESSER, 2009). É importante
que as crianças Surdas conheçam a história de seu grupo, pois, assim, valorizarão as
conquistas adquiridas, além de poderem dar continuidade às lutas políticas das pessoas Surdas
por uma sociedade mais justa, inclusiva, com respeito aos sujeitos Surdos.
A professora também mostrou a Sofia que antes as pessoas Surdas tinham de oralizar
e, hoje, elas podem usar a sua língua, o que representa uma conquista, materializada em
direito. No Brasil, vários dispositivos legais mostram isso, entre eles a Lei 10.436 de 24 de
abril de 2002, em que a LIBRAS promove, sobretudo, uma identificação cultural e a
construção das identidades Surdas. Segundo Strobel (2013, p. 52), “para o sujeito surdo ter
acesso às informações e conhecimentos, e para construir sua identidade, é fundamental criar
uma ligação com o povo surdo em que se usa a sua língua em comum: a língua de sinais”.
Assim como faz a Professora Karin, o uso da língua de sinais precisa ser uma bandeira
de luta de docentes Surdas/os no espaço escolar, já que é através dessa língua que as alunas
Surdas e os alunos Surdos poderão obter conhecimentos acadêmicos com qualidade e respeito
à sua diferença, além de construírem suas identidades Surdas.
45
Quando utilizo o termo natural, tenho a plena compreensão de que a língua não é inata, mas construída
socioculturalmente. Nesse caso, o “natural” está relacionado às tendências gesto-visuais das pessoas Surdas, uma
vez que a língua de sinais surgiu espontaneamente nas comunidades Surdas (SACKS, 2010).
82
Para dar status a essa iniciativa, a escola deveria incorporar atividades desse tipo ao
currículo, com discussões que visassem conscientizar a comunidade escolar acerca da
importância do respeito às diferenças, como ocorreu no dia 03/12/2015, na escola de Carolina,
na qual o evento “Mostra de Inclusão” tinha por tema o respeito às diferenças. Desse modo,
considero que a promoção da inclusão das pessoas Surdas, para além do uso da LIBRAS,
deve contemplar o respeito à diferença/alteridade Surda.
O conhecimento sobre a Cultura Surda na escola terá como implicação não só a
divulgação das possibilidades existentes nas diferenças, mas propiciará também um processo
de identificação entre as próprias pessoas Surdas e a construção de suas identidades. Perlin
(2000, p. 24) afirma que,
Para justificar a importância do contato das crianças Surdas com pessoas Surdas
adultas, Strobel (2013) lembra de pesquisas científicas realizadas no Brasil, Estados Unidos e
Europa, que comprovam que crianças Surdas, filhas de famílias Surdas se saem melhor no
desenvolvimento da linguagem do que as que são filhas de famílias ouvintes. Isso é
favorecido pelo fato de haver comunicação em língua de sinais com as crianças Surdas desde
a mais tenra idade. Então, a realidade da maioria das crianças Surdas, filhas de famílias
ouvintes, adensa a necessidade de haver professoras Surdas e professores Surdos na
escolarização das crianças Surdas, de modo a proporcionar um processo escolar mais
engajado com a cultura e a língua de sinais.
Atualmente, com o processo de inclusão de pessoas Surdas em escolas comuns, a
maioria das alunas Surdas e dos alunos Surdos têm se relacionado apenas com ouvintes,
podendo “a ausência da convivência com sujeitos surdos dificulta[r] a construção da
identidade em sua condição de pessoa surda” (SOARES, 2012, p. 111). No entanto, quando
há mais de uma criança Surda no espaço escolar, sobretudo se já forem usuárias de língua de
sinais – muitas entram na escola sem ter adquirido língua alguma –, é bem provável que elas
se identifiquem e se aproximem. Essa é uma situação longe de ser ideal, mas é uma questão
importante para os processos inclusivos. Porém, é possível que crianças não imersas na
Cultura Surda tenham dificuldades no desenvolvimento linguístico, como mostra a situação:
83
normalização dessas pessoas, fato reforçado pela ausência de condições materiais e subjetivas
para o convívio com as diferenças.
O que acontece é que, em geral, o implante coclear não é acompanhado de todas as
práticas necessárias para a possibilidade de êxito. Como em muitos outros casos, o de Sabrina
mostra que a opção da família pela língua oral não encontra condições mínimas de prosperar,
porque, na escola, a menina utilizava o tempo todo língua de sinais: no AEE com a professora
e a colega, e na sala de aula comum mais diretamente com a intérprete. É uma situação
contraditória, que tanto pode indicar falta de persistência na escolha pelo implante coclear,
como pode dar indícios de que a menina tende a se identificar mais com a Cultura Surda.
Nesse caso, é preciso que a Pedagogia Surda leve em conta que, mesmo “dentro” da Cultura
Surda, não se pode estabelecer uma homogeneidade, desconsiderando outras possibilidades
identitárias, isto é, as diferenças dentro das diferenças (SCOTT, 1999).
Em relação à identidade dessa criança, diante dessa situação, recorro a Lane (1992, p.
21), quando afirma:
Apesar da criança surda que foi sujeita ao implante coclear não se mover
facilmente no mundo ouvinte, é pouco provável que o faça na comunidade
dos surdos, é pouco provável que aprenda fluentemente a American Sign
Language46, [...] criando os seus próprios valores fundamentais existentes
naquela comunidade. A criança surda corre então o risco de se desenvolver
sem qualquer tipo de comunicação concreta, seja ela falada ou gestual.
Consequentemente esta criança poderá desenvolver problemas de identidade,
de adaptação emocional e até mesmo de saúde mental.
46
Língua de Sinais Americana.
85
língua é tardia. É nesse contexto, que se torna relevante a presença de professoras Surdas e
professores Surdos no ambiente escolar, pois são elas e eles as/os mais indicados/as para fazer
circular a Pedagogia Surda, atentando para as diferenças dentro das diferenças, considerando-
as, respeitando-as e procurando trabalhar com elas.
Sobre a aprendizagem de língua de sinais, Karin ressaltou:
Minha opinião é que el@s aprenderam pouco, por quê? Ano passado, el@s
não vinham à tarde, só pela manhã para a sala do AEE. [...]. El@s
estudavam na sala inclusiva pela manhã, mas vinham para o AEE com
horário marcado, pela manhã. Era de 8 às 9 horas. Então, eu ia buscá-l@s
e a professora dizia: “Não pode!”. Eu ficava surpresa: “Não pode? Por que
não pode?”. Ela respondia: “Porque el@s precisam copiar do quadro,
atrapalha”. El@s aprenderam pouco! Mas em fevereiro, Olívia e eu
conversamos que seria melhor que el@s viessem à tarde, porque à tarde era
livre, el@s não tinham nada à tarde, então era melhor. Pela manhã é ruim
porque el@s ficam na sala e a professora diz: “Não!”. Mas depende d@
professor@, tem uns que dizem: “leva, leva, leva!”. Têm as duas situações.
É ruim porque el@s aprenderam pouco no ano passado, mas agora ficou
bom, ficou melhor, porque el@s vêm muito, muito à tarde... Sempre às
terças e quintas, el@s aprendem muito, ficam muito atent@s. Samuel gosta
tanto de LIBRAS que quando a mãe vem buscá-lo e o chama, ele diz:
“calma, calma!” [...]. Sim, agora el@s estão bem melhor. No ano passado,
sabiam pouco, eram mais travad@s. Agora el@s ainda têm um pouco de
dificuldade com as palavras, mas estão bons! [...]. (PROFESSORA KARIN,
26/11/2015).
Ela deve ter um sentido cultural para estas pessoas. O que quer dizer também que a presença
da professora Surda sem um adequado trabalho pedagógico não é suficiente.
Na situação pedagógica a seguir, vemos como a Professora Carolina ensina LIBRAS
como L1 para sua aluna Sarah.
SITUAÇÃO X – FAMÍLIA
Professora Carolina – (05/10/2015)
A professora Carolina iniciou sua aula com um material exposto em um cartaz colado na lousa.
Esse material continha o sinal em LIBRAS, a figura que representava a palavra e a palavra escrita
em português. O conteúdo do material se referia à família. Quando iniciou, Carolina pediu à Sarah
que sinalizasse em LIBRAS. Primeiramente, ela deveria fazer o sinal de FAMÍLIA, depois de PAI,
MÃE, IRMÃ, IRMÃO, AVÔ, AVÓ, etc. A menina, que sabia LIBRAS de modo aparentemente
intermediário, fez todos os sinais sem dificuldades, apenas com pequenas confusões quanto ao
gênero, como por exemplo, AVÔ e AVÓ. Antes de iniciar a aula, enquanto a professora fazia outra
atividade, a menina já havia feito todos os sinais por iniciativa própria. Após pedir que Sarah
fizesse todos os sinais, Carolina pegou um caderno que continha os sinais de FAMÍLIA, com um
espaço em branco ao lado, e pediu que ela recortasse figuras de mulheres e homens de revistas para
representar as pessoas de sua família, e um grupo que representasse outra. A menina iniciou por
procurar uma mulher que representasse MAMÃE. Mostrou à professora e colou ao lado do sinal de
MAMÃE. Depois, Carolina mostrou várias figuras à Sarah e pediu que ela identificasse uma figura
que poderia representar seu PAI. A professora ajudou a aluna a procurar a figura masculina.
Quando encontrou a foto de um ator, perguntou se poderia ser aquele. A menina respondeu fazendo
o sinal de HOMEM, mas a professora a corrigiu e fez o sinal de PAI. Do mesmo modo, encontrou a
foto de um senhor e perguntou à Sarah se poderia representar o VOVÔ. A menina sinalizou que
sim. Carolina pediu, então, que ela procurasse a foto de um BEBÊ. A menina assim o fez. Quando
encontrou, mostrou à professora, que olhou para ver o tamanho da criança, e sinalizou que poderia
ser, mesmo sendo uma criança maior, de aproximadamente 2 anos de idade. Depois, ela pediu que a
menina encontrasse a figura de um grupo que representasse uma FAMÍLIA. A menina encontrou
uma família que estava visitando uma tribo indígena. Após encontrar todas as figuras, começou a
colar no caderno, ao lado de cada figura. Posteriormente, ela pediu que a menina fizesse novamente
todos os sinais dos membros da família em LIBRAS. Após ela concluir a atividade, a professora
elogiou Sarah e lhe deu os parabéns por fazer todas as atividades corretamente.
Quadro 11. Situação X – Família, envolvendo a Professora Carolina.
[...] pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever
de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das
classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática
comunitária -, mas também, [...] discutir com os alunos a razão de ser de
alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos.
Embora o objetivo da professora fosse ensinar LIBRAS para Sarah, isso não descarta a
possibilidade de inserir questões de conteúdo. Afinal, mesmo considerando que a língua é
sempre contextualizada, o seu ensino pode ser potencializado quando atrelado a outras
questões, podendo, assim, favorecer também a aprendizagem de conteúdos curriculares. Vale
lembrar que Sarah não era uma iniciante em LIBRAS, segundo a professora, a menina sabia a
língua havia aproximadamente dois anos, já conseguindo obter avanços no desenvolvimento
linguístico.
Durante a aula, a professora Surda fez questão de repassar os sinais com a menina por
mais de uma vez, na tentativa de fixação do conteúdo, embora ela já soubesse os sinais
relacionados à família. A importância de a professora ser Surda foi constatada no trato com as
sutilezas da língua: ao perceber que Sarah apresentava dificuldades em diferenciar o gênero
masculino e feminino, ao fazer os sinais de AVÔ e AVÓ, ela corrigiu sua aluna e apresentou
o sinal correto.
O domínio linguístico, algo tão importante para a inserção social e desenvolvimento
cognitivo, acontece de forma natural com as crianças ouvintes que vivem em ambiente sonoro
e estão inseridas numa cultura oral. No caso da maioria das pessoas Surdas, que vem de
famílias que não dominam LIBRAS, é essencial o contato com professoras Surdas e
professores Surdos que viabilizem o acesso à língua de sinais – uma língua gesto-visual. A
aquisição e o aprimoramento linguístico proporcionam às crianças Surdas não somente o
domínio da língua, mas atitudes mais seguras perante o mundo, uma melhor autoestima,
inclusão social e construção de identidades. Segundo Dorziat (1999, p. 191), “o contato dos
surdos adultos com os alunos surdos é o meio mais adequado para estabelecer as bases da
estruturação da identidade social e do fortalecimento da autoestima”.
A mesma autora menciona Johnson, Lidel e Erting (1989 apud DORZIAT, 1999), ao
enfatizar a importância de pessoas Surdas adultas estarem presentes em todas as situações
educativas, considerando que a língua de sinais existe dentro de um contexto cultural. A
pessoa Surda adulta seria, então, a responsável por unir conteúdo e língua de sinais, tornando
os ensinamentos mais compreensíveis. Essa interlocução deve ser propiciada, sobretudo nas
88
fases iniciais de aquisição de linguagem, quando as crianças usam a língua com a função
comunicativa. Além disso, no caso de Carolina, em particular, ela apresentava requisitos
pedagógicos importantes na relação com a aluna Surda: parecia saber da importância da
visualidade para as crianças Surdas.
Assim, o papel pedagógico dessas professoras no processo educacional – de aquisição
e desenvolvimento linguístico –, é essencial, especialmente quando falamos do espaço
escolar, visto que o acesso e a compreensão dos conteúdos escolares são melhor aprendidos
pela língua de sinais, o que leva as alunas Surdas e os alunos Surdos a utilizarem a sua língua
em todos processos em que estiverem inseridas e inseridos.
Sacks (2010) afirma que “os surdos sem língua podem de fato ser como imbecis – e de
um modo particularmente cruel, pois a inteligência, embora presente e talvez abundante, fica
trancada pelo tempo que durar a ausência de uma língua” (p. 28-29, grifo do autor). Conforme
o autor, uma pessoa Surda que não tenha acesso à língua alguma pode “ratificar” a
representação social que muitas pessoas possuem sobre ela: pessoa “incapaz”, “retardada”,
“doida”, “burra” etc. Por isso, a aquisição da LIBRAS na escola, mediada por professoras
Surdas e professores Surdos, sobretudo para aquelas crianças que não possuem outro canal de
acesso à Cultura Surda, é a viga mestra para todos os seus processos construtivos – sociais,
subjetivos, cognitivos e acadêmicos –, rompendo com os estereótipos que cercam esse grupo
cultural.
A aquisição da língua de sinais, atrelada à construção das identidades Surdas,
possibilita o empoderamento das crianças Surdas, uma vez que se torna um instrumento de
poder, de acordo com Quadros (2012). Para a autora,
Concordo com Quadros, quando afirma que professoras Surdas e professores Surdos
são as/os que mais dominam essa língua. São os sujeitos Surdos as pessoas que possuem
maior autoridade cultural nessa área. Entretanto, a formação docente qualificada é
indispensável para que atuem no processo educacional. Devidamente preparadas e
preparados, é importante que essas/es profissionais tenham a oportunidade de realizar a
mediação pedagógica, pois, além dos conhecimentos adquiridos academicamente, elas e eles
também terão mais facilidade em identificar e compreender as dificuldades que as pessoas
89
Surdas enfrentam, uma vez que, provavelmente, passaram por situações semelhantes enquanto
estudantes.
Ademais, nos jogos de poder no ambiente escolar, são as professoras Surdas e os
professores Surdos que poderão defender politicamente o status linguístico da língua de
sinais, pois “embora, muitas vezes, aceita-se a língua de sinais como língua em circulação no
ambiente escolar, ela é vista como prática de interação entre pares, para trocas de experiências
cotidianas e informais, e não como língua em uso para as práticas de ensino” (LODI;
HARRISON; CAMPOS, 2012, p. 18).
Os discursos das professoras Carolina e Gladis sinalizam que elas defendiam a sua
cultura e que a forma de suas alunas e seus alunos se empoderarem era através da aquisição e
desenvolvimento em LIBRAS, sendo para elas o principal conteúdo a ser ensinado:
intrinsicamente ligada à experiência visual. A língua de sinais para as pessoas Surdas precisa
ser compreendida, também, como um instrumento de empoderamento e autonomia, sobretudo
para a garantia do pleno exercício da cidadania. A LIBRAS permite a real inserção das
pessoas Surdas à sociedade, pois é ela que permite sua participação ativa e o convívio em seu
meio (DIZEU; CAPOLARI, 2005).
Então, não há possibilidade de essas pessoas se inserirem socialmente sem a aquisição
de uma língua. Porém, tendo as crianças Surdas adquirido a sua língua natural, a língua de
sinais, é preciso pensar nas práticas pedagógicas a serem desenvolvidas com estes sujeitos em
sala de aula. Para que haja uma real inserção social, não podemos desconsiderar também a
importância da aprendizagem da Língua Portuguesa como segunda língua (L2) para as
pessoas Surdas. Na perspectiva do bilinguismo, Quadros (2012) considera que essas pessoas
usam diferentes línguas em contextos completamente diferenciados.
No entanto, sabemos que há uma resistência de alguns grupos Surdos, por entenderem
que o português é privilegiado em detrimento da língua de sinais, o que caracterizaria uma
política linguística de subtração (QUADROS, 2012). De fato, estes grupos têm razão, porém,
a autora assegura a possibilidade de haver um espaço de negociação, o que vem sendo
incorporado por algumas lideranças Surdas. Isto quer dizer que o bilinguismo pode ser
ressignificado e encarado como “aditivo”, tornando o português um instrumento essencial de
poder.
Dessa forma, as pessoas Surdas podem encarar a aprendizagem e o uso da Língua
Portuguesa como formas de favorecer a sua inserção social, sem que esta língua desconsidere
ou prevaleça sobre a sua língua natural. Como enfatizou a professora Surda, a LIBRAS deve
ser a língua privilegiada nas práticas pedagógicas.
A respeito da relação docentes-discentes Surdos/as na escola, Skliar e Lunardi (2000,
p. 18) afirmam que, “sem desmerecer a importância dessa interação lingüística no
desenvolvimento educacional, social, cultural do sujeito surdo, acreditamos que, no plano
educativo, o papel do professor surdo vai muito além dessa identificação lingüística”.
Concordo com o autor e a autora, pois considero que, embora a língua de sinais seja
fundamental para as interações linguísticas entre estes pares culturais (já que traduz a Cultura
Surda no espaço escolar, em vista do favorecimento da construção das identidades Surdas),
outras questões também são fundamentais. Todavia, é preciso ressaltar que estas questões
estarão intrinsicamente associadas, mediadas e somente serão possíveis através dela, da língua
de sinais. Sobre estas outras questões, a Professora Gladis afirma:
91
Gladis, bem como Karin, ampliam a noção de que a Educação de Surdos/as restringe-
se ao ensino de língua de sinais. Como afirma Strobel (2013), a Cultura Surda abrange
diversos aspectos relacionados às pessoas Surdas que são importantes a ser considerados e
que, de fato, precisam ser trabalhados com as alunas Surdas e os alunos Surdos.
No entanto, conforme a professora Surda, “precisam ser temas que combinam com @s
própri@s Surd@s, com a LIBRAS”. Destarte, os conteúdos a serem trabalhados com as
pessoas Surdas, à luz da pedagogia e do currículo para as diferenças, precisam levar em conta
a Cultura Surda. Portanto, mediado pela língua de sinais, o currículo deve proporcionar a estas
pessoas conhecimentos escolares, históricos e culturais que tragam a diferença Surda para o
centro do ato pedagógico, servindo de base para toda a sua construção identitária.
Gladis trouxe exemplos que representam bem as experiências culturais que as
professoras Surdas podem transmitir a suas alunas e seus alunos: a experiência visual e a
estrutura da LIBRAS. Ao considerar estes como importantes temas a serem trabalhados com
as alunas Surdas e os alunos Surdos, a professora Surda demonstra o quão está antenada às
questões fundamentais presentes no ato pedagógico. A preocupação de sua parte com a
construção identitária desses sujeitos, com base na Cultura Surda e mediada pela LIBRAS,
demonstra isso.
O discurso de Carolina também aponta para essa direção. Ela trata sobre a importância
do ensino LIBRAS, a fim de elas e eles participarem ativamente na sociedade “porque no
futuro vão trabalhar”. Quanto à Karin, ela ratifica essa linha de pensamento ao afirmar que é
importante trabalhar a LIBRAS associada à Língua Portuguesa, uma vez que esta é a primeira
língua oficial do Brasil e que, portanto, deve ser a segunda língua (na modalidade escrita)
desses sujeitos. Sendo assim, a aquisição da língua de sinais torna-se uma das questões
centrais defendidas pelas professoras para o processo de construção de identidades Surdas e
empoderamento Surdo.
92
Em sua entrevista, Karin destaca também que “Samuel gosta tanto de LIBRAS que
quando a mãe vem buscá-lo e o chama, ele diz: “calma, calma!”. Isso mostra que ele sente
prazer em aprender a sua língua e imergir em sua cultura, juntamente com sua professora
Surda. O discurso proferido pela mãe de Samuel na situação a seguir corrobora esse
sentimento:
A mãe de Samuel fala sobre o sentimento do seu filho, por ter de deixar a escola e se
afastar da professora Surda. Pude presenciar o quanto o AEE era especial para esse aluno,
durante as observações: Samuel chegava muito animado para as aulas, em nenhum momento,
sentia-se apressado para voltar para casa. A mãe, em outros momentos, relatou que o filho
ficava triste e com raiva, quando ela não podia levá-lo ao AEE. Ela podia deixar de fazer
qualquer outra atividade, menos deixar de levar o filho para se encontrar com a professora
Surda e também com as colegas Surdas. Segundo Perlin (2013, p. 54), “o encontro surdo-
surdo é essencial para a construção da identidade surda, é como um abrir o baú que guarda os
adornos que faltam ao personagem”. Nesse sentido, o encontro da professora Surda com o
aluno Surdo é muito representativo para ele, pois lhe possibilita utilizar a sua língua e, por
meio dela, trocar experiências cotidianas e relacionadas à Cultura Surda.
Quando há esse encontro, uma pessoa Surda pode “tirar do baú” a história Surda, as
lutas que esse grupo vem travando socialmente, suas crenças, visões de mundo e sua
experiência enquanto pessoa Surda. O compartilhamento desses significados entre pares
Surdos permite que as identidades Surdas sejam construídas, porque dão o sentido “real” aos
acontecimentos, referenciado por pessoas que, de fato, vivem uma experiência identitária e
93
cultural próprias. Conforme Sá (2006, p. 126), “a(s) identidade(s) de surdo/dos surdos não se
constrói(oem) no vazio, forma(m)-se no encontro com os pares e a partir do confronto com
novos ambientes discursivos”.
Quando perguntei sobre a relação com as crianças Surdas, as professoras responderam:
É muito boa, a gente bate papo. Temos uma relação boa. A gente brinca,
falamos sobre a vida, sobre o futuro, brincamos de dominó. Na hora do
lanche sempre batemos papo, tem dias que el@s vêm aqui na sala olhar o
que eu estou fazendo, são curios@s. Perguntam o que eu estou fazendo,
quais são os materiais novos... [...]. Mas, se tem coisa errada, eu aconselho,
eu penso e explico que precisa mudar, porque são crianças, pensam
diferente. Aí eu digo não e ensino o caminho, aconselho para que el@s
mudem. El@s entendem, são inteligentes (PROFESSORA CAROLINA,
09/12/2015).
Aqui na sala é melhor, tem uma troca, a gente conversa. Aqui na sala é bem
melhor, tem muita troca, muita conversa. El@s perguntam: “como é a sua
vida, a sua casa?” [...] Por exemplo: Sofia foi à igreja e quando chegou
aqui, ela me explicou tudo como foi lá no sábado... Ela me explicou tudo,
nós conversamos, foi uma troca, foi bom, entendeu? Por exemplo: Samuel
não saberia explicar: há pouco tempo, perguntei a ele para onde ele havia
ido num sábado. E ele não soube me explicar, não lembrava. Então, não tem
essa relação, é pouca. A outra é inteligente, tem essa troca, ela explica tudo,
tudo, não tem vergonha. A relação com Sofia é melhor. Com Samuel é mais
ou menos, porque ele não sabe explicar... Por exemplo, ele não soube dizer
o que aconteceu com ele no sábado. [...]. É diferente! Em casa também,
Samuel usa o faceboook. Ele sempre me manda vários emoticons, igual tem
no whatsapp. Samuel sempre manda os emoticons no facebook.
(PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).
É bom porque sou professora Surda, sou igual a el@s. Eu ensino LIBRAS e
nós somos iguais, el@s são iguais a mim. [...]. Às vezes eu sou rígida, não
@s deixo livres não. [...] El@s têm que gostar! (risos). @s Surdos gostam
de liberdade, ficar brincando, mas eu não gosto, eu não quero. Quem gosta
mais de mim é o moreninho, Sérgio. Santiago pergunta, pergunta, muita
coisa, tem muitas dúvidas, todos os dias, mas não pode, porque eu não posso
ensiná-lo todos os dias. Com Sinésio, eu sou mais rígida, mas eu gosto dele.
Ele brinca demais, todos os dias me pede para ir para o AEE, eu falo:
“Amanhã!” (PROFESSORA GLADIS, 26/11/2015).
Essa relação educativa contribui para trocas culturais ricas de possibilidades, que
podem implicar significativamente na vida das alunas Surdas e dos alunos Surdos. A
linguagem tem um papel importante, mas não único. Há uma parceria e cumplicidade na
condição de ser Surda que dá maior credibilidade ao que é expresso.
Segundo Costa, Silveira e Sommer (2003), quando falamos sobre o papel do professor
e da professora, é desafiante pensá-lo ultrapassando a noção de transmissores/as de
informações. É preciso pensar nesses sujeitos como produtores culturais que organizam suas
práticas pedagógicas, baseadas nas experiências dos/das estudantes, para que eles e elas
possam construir seus conhecimentos, entendendo que eles, assim como a sociedade, são
cambiantes e recheados de valores e representações.
No caso de Karin e Gladis, as mesmas demonstraram que há diferenças nas relações
estabelecidas com as alunas e os alunos. Karin afirmou ter uma relação mais próxima de
Sofia, por ela ser mais aberta e por se expressar melhor. No entanto, segundo ela, a relação
com Samuel ultrapassava o momento do AEE porque o aluno sempre buscava manter contato
extraclasse com ela pelas redes sociais. Além disso, as crianças procuravam saber mais de sua
vida pessoal, o que pode representar uma busca em conhecer como é a vida de uma pessoa
Surda adulta. Carolina confirmou isto ao dizer:
El@s se interessam porque eu sou Surda. [...] Sim, a gente bate papo, conta
as fofocas. @s ouvintes ficam calados, conversam um pouquinho com @s
Surdos. Mas quando é outr@ Surd@, é muita conversa, é bom! Temos
muitos assuntos (PROFESSORA CAROLINA, 09/12/2015).
No entanto, embora Gladis tenha afirmado que a relação entre ela e seus alunos era
boa porque eram pessoas iguais (considerando a condição Surda), ela acabou ratificando que
não há uma homogeneização nas relações entre as pessoas Surdas – inclusive isso implica na
sua prática docente –, ao dizer que sua relação com cada aluno é diferente, o que deixa claro
que a Cultura Surda é dinâmica. Não é pelo fato de terem – professora e alunos/as – os traços
culturais Surdos que as identidades e as relações se estabelecem de forma igual com todas as
pessoas Surdas. Assim como a cultura de forma geral não é estática, a Cultura Surda e as
relações sociais que se estabelecem em torno dela também não o são. É preciso romper com o
estigma padronizado, herança de um modelo clínico-terapêutico, que cerca as pessoas Surdas
e a sua cultura.
Carolina afirmou que, a partir de situações trazidas por suas alunas e seus alunos, ela
passava a discutir com elas e com eles sobre o futuro, inclusive aconselhando-as/os. Essa
95
prática preenche um pouco a lacuna deixada pelo isolamento das crianças Surdas dentro das
próprias famílias (STROBEL, 2013). Além disso, pode estabelecer vínculos de confiança com
a professora, muitas vezes, decisivos para seu desenvolvimento pessoal, porque são baseados
na abertura para o diálogo e reconhecimento de suas identidades culturais (FREIRE, 2014).
Sobre estes conselhos Carolina narrou:
forma que se constituíram verdades absolutas e, pelo fato de a maioria das pessoas Surdas não
questionarem essas verdades, até hoje sofrem suas repercussões.
Por isso, nessas ocasiões, é importante o papel das professoras Surdas em aconselhar
e, na prática, desconstruir estas representações sobre si e seus pares culturais, para que as
alunas Surdas e os alunos Surdos construam imagens positivas sobre si e seu grupo cultural.
Nas situações a seguir, presenciei duas cenas em que uma das professoras interferiu
em práticas de bullying praticadas por um Surdo sobre outro Surdo:
SITUAÇÕES
Professora Gladis
Em determinado momento da aula, Gladis percebeu a dificuldade dos alunos
em escrever em português e lembrou que Sinésio outro dia chamara Santiago
SITUAÇÃO XII – de burro, por ele ser mais velho, estar no 7º ano e não saber escrever em
RELATO DA português. Nesse momento, ela explicou a ele que não se podia chamar
PROFESSORA qualquer colega de burro, porque era normal ter dificuldades. Ela deu o seu
SOBRE próprio exemplo: segundo ela, no passado, as pessoas Surdas eram vistas
BULLYING como burras e loucas, sofrendo bullying. Ela disse ainda que sofreu muitas
(29/09/2015) práticas de bullying na escola, porque tinham essa concepção sobre ela, de
burra e louca. Ela afirmou que sempre corrigia essas práticas de Sinésio,
porque as considerava erradas.
SITUAÇÃO XIII Ao assistirem o filme “O milagre de Anne Sullivan47”, num determinado
– BULLYING momento, Santiago chamou Sérgio de burro, uma vez que ele conhecia
ENTRE SURDOS poucos sinais em LIBRAS, pois o garoto havia perguntado à professora que
(13/10/2015) sinal era aquele que aparecia no filme (MAMÃE). Gladis interveio e afirmou
que ele não podia chamar ninguém de burro.
Quadro 13. Situações XII – Relato da professora sobre bullying e XIII – Bullying entre Surdos, envolvendo a
Professora Gladis.
Gladis tentou desestabilizar esta concepção de que as pessoas Surdas são menos
inteligentes, concepção essa tão enraizada socialmente, ao ponto de fazer com que os/as
próprios/as Surdos/as a reproduzam. Sinésio e Santiago não tinham noção de que o atraso
linguístico de seu colega em língua portuguesa (que eles também possuíam em níveis
diferentes) era proveniente de várias questões: pelo fato de não ser a sua língua natural;
47
Com base em uma história real, o filme narra a história de Anne Sullivan, uma professora cuja maior luta foi a
de ajudar uma menina surdocega (Helen Keller) a adaptar-se ao mundo que a cercava. Nesse ínterim, a
professora encontrou muitas dificuldades para trabalhar com a garota porque era muito mimada pela família, o
que atrapalhava o seu desenvolvimento, cerceando-a da aprendizagem de ações básicas para sua autonomia,
como comer, se relacionar com as pessoas e, especialmente, a aprendizagem de uma linguagem. Filme completo
disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9Zqn_pHoni0>. Acessado em: 14 de dezembro de 2016 às
17:19 horas.
97
precariedade educacional expressa por metodologias inadequadas e, por fim, pelo não acesso
ao conhecimento, afinal, Sérgio sequer tinha o auxílio de um/a intérprete educacional.
A intervenção de Gladis se deu na tentativa de desestabilizar esta concepção negativa,
excludente e que afeta diretamente a subjetividade Surda (FRANCO, 2014). No entanto,
considero que ela poderia ter ido além, problematizando um pouco mais esta questão, com
informações aos alunos sobre as diversas situações que podem, inclusive, ter desencadeado o
atraso educacional das pessoas Surdas. Essa trajetória histórica poderia parecer demasiado
abstrata para crianças pequenas, mas os alunos de Gladis eram adolescentes, já possuindo
condições de compreender a sua história.
Por outro lado, o fato de a professora ter trazido a sua própria experiência para a
situação é algo bastante significativo. Isso coloca-a como partícipe da história das pessoas
Surdas, a qual se utiliza de um artefato cultural Surdo (STROBEL, 2013) para fazer circular a
Cultura Surda em várias situações no espaço reservado a estes sujeitos na escola, em especial
no AEE.
48
Nessa situação, quando estudante, a professora Surda confundiu as partes das plantas com uma árvore
genealógica.
98
bullying por colegas que atribuíam seu fracasso escolar a incapacidade e “loucura”. Sobre o
bullying, Avilés Martínez (2013, p. 38) esclarece:
Dessa forma, Gladis sofreu diversas formas de violência ao longo de sua vida, em
algumas ocasiões bullying, quando ocorria entre seus pares escolares; em outras, assédio,
quando ocorria envolvendo pessoas adultas, provavelmente, de sua família ou, por seus/suas
professores e professoras, como afirma ela, de modo geral. O relato da professora Surda
juntamente com a situação que ocorrera com seus alunos mostra que, embora em moldes,
situações e sujeitos diferentes, as pessoas Surdas ainda continuam a sofrer esse tipo de
violência na escola, o que afeta na construção de suas identidades.
Na próxima situação, é possível perceber o quanto o assédio moral, assim como o
bullying, considerados aqui como formas perversas de relações de poder, é praticado por uma
intérprete com uma aluna Surda:
Quando perguntei às professoras sobre o contato de suas alunas Surdas e seus alunos
Surdos com elas, elas disseram:
seu “lugar no mundo”, passando a ser referência para muitas pessoas Surdas, sobretudo as
mais próximas: seus alunos e suas alunas.
Carolina narrou que o fato de ela ter estudado numa universidade federal (socialmente
representada como para poucas pessoas) e feito graduação e especialização significa para as
crianças Surdas uma possibilidade de romper com a lógica de que somente pessoas ouvintes
conseguem estas conquistas, apesar de muitas delas também se depararem com barreiras
sociais que as impedem de realizar esse feito.
SITUAÇÕES
Professora Karin
Quando a garota viu o que a professora me dizia, ela afirmou que já havia ido
à casa da avó pela rodoviária, mas que não gostava de andar de ônibus. Nesse
momento, Karin disse à Sofia e a Samuel que futuramente ela e ele podiam
SITUAÇÃO XV dirigir e, que, inclusive ela tinha o desejo de tirar sua habilitação de
– CONDUÇÃO motorista. A menina voltou-se à professora dizendo que não poderia dirigir
DE VEÍCULO porque ela era Surda. Karin afirmou que poderia dirigir sim, pois as pessoas
(08/10/2015) Surdas podiam dirigir, tirar habilitação de motorista, desde que utilizassem
placa no carro para sinalizar às outras pessoas que aquele carro pertencia a
uma pessoa Surda. Ela reafirmou, enfatizando mais uma vez que as pessoas
Surdas podiam dirigir e que ela queria dirigir.
Durante o intervalo, no qual as crianças se ausentaram da SRM, a professora
contou algumas dificuldades e situações que ocorreram com alunas Surdas e
alunos Surdos na escola. Segundo ela, uma destas situações envolvia uma
aluna Surda que menstruara na escola e mostrara o absorvente sujo às outras
crianças sem entender o que estava acontecendo. Então, ela teve de intervir
SITUAÇÃO XVI dizendo que a garota não podia fazer aquilo porque era feio. Em outro
– MENSTRU- momento, a menina menstruara novamente e, dessa vez, sujou a calça e ficou
AÇÃO envergonhada, mas a professora Surda lhe explicou que aquela situação era
(22/10/2015) normal, e que, às vezes, acontecia. Perguntou se a menina tinha um
absorvente, mas ela não tinha. Nesse caso, a professora lhe deu um. Ao narrar
isso, Karin afirmou que, nessas situações, era preciso, também, ensinar esse
tipo de situação às alunas Surdas e aos alunos Surdos, pois elas e eles não
compreendiam e não tinham na família quem lhes explicasse.
Karin disse que Sofia veio confirmar com ela um determinado fato que havia
ocorrido com ela (Karin). Então, a professora Surda começou a narrar a
referida história. Segundo ela, um dia faltou água na escola e a direção
resolveu liberar todas as pessoas. Ela, uma intérprete e um intérprete iam
embora para casa, mas, assim que saíram da escola, avistaram de longe uma
motocicleta com dois homens. Logo, eles se aproximaram e pararam em sua
frente. Ela ficou parada sem fazer nada, pois não havia entendido o que eles
queriam. Um deles desceu da motocicleta e começou a falar com ela com a
arma apontada, mas ela não conseguia obviamente entender, sobretudo
porque ele estava com capacete, o que a impossibilitava de fazer alguma
102
leitura labial. Ela permaneceu estática, com medo e sem entender o que, de
SITUAÇÃO XVII fato, ele queria. Depois, a intérprete disse a ela que os bandidos queriam a sua
– ASSALTO bolsa. Nesse momento, ela permaneceu parada, sem olhar para nenhum dos
(29/10/2015) lados, pois tinha receio que ele atirasse. Enquanto isso, um dos intérpretes
tentou fugir, fazendo com que o assaltante percebesse e agisse rapidamente,
pegando a mochila dele. O bandido, então, percebeu que Karin não
compreendia o que ele dizia, o que o fez puxar bruscamente a sua bolsa,
quase a levando ao chão. Durante sua narração, Sofia observava atentamente,
assustada. Samuel, como de costume, chegou por volta das 15 horas e ela
recapitulou o início da história para ele. Na continuação, Karin afirmou que
ela e os dois intérpretes foram à polícia. O menino perguntou por que a
polícia não prendera os assaltantes. Ela disse a ele que a polícia era muito
fraca e não se intrometia, além de que, no dia, não tinha nenhuma viatura
disponível. Depois de saber da história, Sofia e Samuel ficaram assustadas/os.
Karin, então, disse a ela e a ele que, se um dia fossem assaltados/as,
entregassem tudo e não reagissem.
Quadro 15. Situações XV – condução de veículo, XVI – menstruação e XVII – assalto, envolvendo a Professora
Karin.
Nestas três situações, é possível verificar que a professora Surda possui papel
fundamental no processo de construção de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos,
transcendendo as questões relativas à Cultura Surda. As situações demonstram que Karin
participava de questões que iam além daquelas que lhe foram conferidas, ou seja, trabalhar
conteúdos escolares no AEE. Ela transmitia, trocava e ampliava as experiências de vida de
suas alunas e seus alunos.
Na situação XVI, a professora afirmou ter orientado uma aluna Surda no que concerne
às questões de higiene pessoal. Provavelmente, pelo fato de a garota não ter estas orientações
no âmbito familiar recorria à professora. Segundo Terra (2011), sobre a relação docentes-
discentes Surdas/os, o contato com as/os semelhantes propicia às pessoas Surdas um
sentimento de não estar só, de partilha de angústias com quem consegue compreendê-las. É
provável que a própria escola também recorresse à professora para que ela auxiliasse as
alunas Surdas e os alunos Surdos, pelo fato de ela ter as condições linguísticas para explicar
questões que nem a família, nem as professoras e os professores ouvintes das salas comuns,
conseguiam.
Terra (2011, p. 136) assegura que “o professor surdo, além de ensinar a LIBRAS, de
ser alguém com quem as crianças se identificam, deve preparar os alunos para viverem na
inclusão”. Essa ideia de dever pode ser questionada, uma vez que a própria escola não
valoriza o papel das professoras Surdas nesse espaço, não sendo apenas sua função assumir o
papel educacional com a criança Surda. Contudo, como apontaram as práticas das professoras
103
Surdas, no contexto inclusivo, essa preparação para a vida em sociedade e para a escola
comum de fato vem ocorrendo, sobretudo, a partir do estabelecimento da forte relação afetiva
entre elas e suas alunas Surdas e alunos Surdos nos processos educacionais, embora isso
venha ocorrendo de modo “natural” e não como um dever das professoras.
No tocante à situação XVII, a professora compartilhou com sua aluna e seu aluno uma
experiência que todas as pessoas estão sujeitas a passar, mas que, para as pessoas Surdas,
pode ser ainda mais traumática. Ao ser assaltada, embora de modo geral estivesse
compreendendo a situação por meio da percepção visual, Karin não compreendia o que o
assaltante pedia. Então, isso aumentava sua vulnerabilidade frente à situação.
O que deve ser ressaltado é que Karin compartilhava das dificuldades que uma pessoa
Surda enfrenta socialmente, seja na rua, na escola (como sua aluna sofreu na situação XVI),
ou em qualquer outro espaço. Isso não quer dizer que esse sofrimento é desencadeado pela
diferença Surda, mas pelas precárias condições que a sociedade e a cultura apresentam às
pessoas Surdas.
Dessa forma, ao compartilhar essas questões com sua aluna Surda e seu aluno Surdo,
Karin propicia a ela e a ele experiências que só uma pessoa Surda pode transmitir a outrem,
mesmo que a situação pudesse acontecer com qualquer pessoa, como é o caso da
possibilidade de um assalto (fenômeno que atinge a todas as classes sociais e espaços). Por
estas questões, “a preferência de surdos em se relacionar com seus semelhantes fortalece sua
identidade e lhes traz segurança. É nos contatos com seus semelhantes que eles se identificam
com os outros surdos e encontram relatos, problemas e histórias semelhantes às suas”
(STROBEL, 2013, p. 120).
Na situação XV, assim como na situação que a professora Carolina narrou, Karin
mostrou à sua aluna as possibilidades de cidadania que uma pessoa Surda pode conquistar. A
garota, possivelmente já influenciada pelo discurso normalizador imposto às pessoas Surdas,
ou simplesmente por falta de acesso à informação, desacreditava que uma pessoa Surda
pudesse dirigir, espantando-se quando a professora afirmou ter vontade de se tornar motorista.
O discurso de empoderamento da professora mostrou à sua aluna as diversas barreiras
que o seu grupo cultural vem derrubando, a fim de se colocar enquanto sujeitos de direitos no
âmbito da cidadania – o que favorece o processo de construção identitária da menina (tendo a
cidadania como partícipe desse processo).
Portanto, as questões abordadas mostraram que a relação Eu Surdo-Outro Surdo pode
favorecer a construção de identidades Surdas mais sólidas, com bases culturais “mais vivas”,
104
visto que é pela experiência do Outro Surdo que o Eu Surdo tem condições mais
significativas de ir compreendendo a sua condição de estar sendo (SKLIAR, 2003) no mundo.
As alunas Surdas e os alunos Surdos na relação com as professoras Surdas poderão
compreender que, em meio a todas as tentativas da sociedade e da escola em fazê-las/los
seguir “o caminho da normalidade”, existem outras possibilidades culturais que lhes permitem
construir as suas próprias identidades a partir da sua cultura, ou seja, a partir da Cultura Surda.
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas discussões realizadas até aqui, os discursos proferidos e as práticas
pedagógicas observadas durante esta pesquisa mostraram algumas questões relevantes acerca
do papel de professoras Surdas no processo de construção de identidades de alunas Surdas e
alunos Surdos.
À luz da Pedagogia Surda, isto é, pedagogia que tem a diferença Surda como
sustentáculo no processo educativo, analisei os discursos e as práticas pedagógicas das
professoras Surdas com alunas Surdas e alunos Surdos, buscando desvendar como os artefatos
da Cultura Surda circulavam na relação entre estes pares culturais e como isso poderia
influenciar na construção das identidades destes sujeitos.
Uma dessas questões refere-se ao fato de, ao se olharem, as professoras Surdas se
autorrepresentam. Desse modo, as possibilidades são de que, dentre os múltiplos traços
identitários e as posições que as pessoas Surdas vão assumindo ao longo de suas vidas, a
diferença Surda seja um traço marcante (talvez o mais), na construção das suas identidades.
Isso é reiterado por conta de em alguns dos discursos das professoras, a diferença Surda
aparecer como fator desencadeador de vários outros processos de construção identitária.
É certo que as professoras Surdas participantes desta pesquisa, assim como todos os
sujeitos sociais, têm suas identidades atravessadas por múltiplos discursos e, com base nas
categorias identidade, diferença e alteridade, considero que são múltiplas as suas identidades.
As questões de gênero, por exemplo, também constroem o que elas são e incidem sobre a sua
prática pedagógica que, por conseguinte, pode influenciar a construção das identidades de
suas alunas Surdas e seus alunos Surdos.
Outra questão importante que os discursos das professoras apontaram é a sua
predileção em trabalharem com alunas Surdas e alunos Surdos. Isso ocorre porque,
provavelmente, se sentem mais confortáveis por conta da facilidade na comunicação e na
identificação cultural com seus pares. A identificação é um aspecto relevante, desencadeada
pela diferença Surda, como, por exemplo, a trajetória por que passaram tanto as professoras
Surdas como suas alunas e alunos: processos sociais excludentes, abandono familiar, relações
de poder, dominação, bullying, assédio moral, má qualidade no processo escolar etc. Os dados
apontaram também que o processo histórico pelo qual essas professoras passaram não
106
somente construiu as suas identidades, como também é tão forte ao ponto de se materializar
nas práticas pedagógicas, através de exemplos narrativos e intervenções.
Essa busca de socializar as experiências com as alunas e os alunos, especialmente as
relativas à diferença Surda, demonstra que as professoras Surdas contribuem para fazer
circular os artefatos da Cultura Surda nos momentos didático-pedagógicos do Atendimento
Educacional Especializado.
Apesar das vantagens apresentadas na situação docente em foco, os dados deixaram
sobressair situações em que as relações de poder eram evidenciadas, corroborando a ideia
presente nos Estudos Culturais, de que o poder é indissociável dos processos culturais
(VEIGA-NETO, 2007). Os processos educacionais também o têm como basilar, como
mostraram os dados em que as identidades docentes das professoras Surdas, em especial de
uma, estavam em constantes negociações no AEE. De modo geral, isso também é percebido
na escola, quando situações de invisibilidade do papel de professora, de colonização e de
violência simbólica são evidenciadas.
Elas, na condição de o(s) Outro(s) Surdo(s), mesmo exercendo uma função legitimada
que, no espaço escolar, representa poder – professoras –, eram representadas como passíveis
de colonização. Essas representações eram materializadas nas formas diretas de interferência
sobre suas práticas, por professoras ouvintes, e nas atitudes de discriminação, sendo,
inclusive, desconsideradas como professoras e expostas a assédio moral pelas próprias
colegas de trabalho – intérpretes.
Estas situações de colonização, desprestígio, violência, entre outras, incidem
diretamente no processo de construção das identidades docentes das professoras Surdas e, por
conseguinte, podem também desestabilizar a visão positiva que as alunas Surdas e os alunos
Surdos possuem sobre elas, uma vez que presenciam os momentos de conflito e compartilham
dos mesmos significados enquanto pessoas Surdas.
Por isso, é importante que, diante dessa realidade, a escola valorize estas profissionais,
respeitando-as como professoras e como pessoas Surdas. Quando todas as pessoas as
respeitarem e as valorizarem dessa forma, o trabalho na escola poderá ser mais profícuo, a
diferença Surda será um pouco mais considerada, e, assim, elas poderão transmitir com mais
veracidade a suas alunas e seus alunos a ideia de que mesmo sendo uma tarefa complexa, as
pessoas diferentes podem conviver juntas com respeito e equidade.
Outro aspecto revelador nos dados foi a preocupação das professoras Surdas com o
futuro de suas educandas e seus educandos. Uma das professoras, inclusive, remete-se à sua
107
própria história enquanto pessoa Surda, que enfrentou difíceis condições de cidadania e
trabalho num mercado excludente, o qual suas alunas e seus alunos também terão de
enfrentar. Desse modo, elas reconhecem seu papel na vida das alunas Surdas e dos alunos
Surdos, o que reforça a importância da existência da professora Surda ou do professor Surdo,
como elemento cultural e de construção das identidades, na vida destas alunas e destes alunos
(PERLIN, 2007).
Ainda sob esse discurso cultural, as situações pedagógicas sinalizaram que, na relação
com as professoras Surdas, as alunas Surdas e os alunos Surdos têm a oportunidade de
compreender o seu lugar no mundo, entendendo que não são pessoas incapazes, deficientes,
mas pessoas diferentes, que possuem uma cultura singular, sobretudo, expressa pela
experiência visual e pela língua de sinais. As professoras proporcionam a suas alunas e seus
alunos conhecimentos culturais, históricos e políticos acerca do seu grupo cultural, sobretudo,
ao proporcionar a elas e a eles um processo de identificação com suas semelhanças, enquanto
pessoas Surdas.
Outra evidência, tanto em seus discursos como em suas práticas, é a presença da
língua de sinais como uma bandeira de luta das docentes Surdas no espaço escolar.
Representa, também, uma das principais contribuições de seu papel nos processos
educacionais de alunas Surdas e alunos Surdos, visto que é através desta língua que toda a
construção identitária – em sua multiplicidade – se torna possível. Portanto, quando mediada
pelas professoras Surdas, a aquisição da língua de sinais por crianças Surdas na escola ocorre
associada à construção das identidades Surdas.
Segundo Quadros (2012), a aquisição da língua de sinais possibilita o empoderamento
das crianças Surdas, uma vez que se torna um instrumento de autoestima e de organização
pela posição política das pessoas Surdas no mundo. Ademais, com os artefatos culturais
Surdos, como a LIBRAS, é possível circular a Cultura Surda em diversas esferas, sobretudo
na educacional.
Além da língua de sinais, as professoras Surdas trazem exemplos que representam as
experiências culturais que elas podem transmitir a suas alunas e seus alunos, isto é, a
experiência visual, os costumes, a história, a LIBRAS, entre outros. Desse modo, percebo que
há uma preocupação com a construção identitária de suas alunas e alunos, com base na
Cultura Surda.
Concernente ao sentimento das alunas Surdas e dos alunos Surdos para com as
professoras Surdas, as situações observadas e os discursos, proferidos inclusive pela mãe de
108
um deles, deixa transparecer que elas e eles sentem prazer em aprender a sua língua natural e
imergir em sua cultura, juntamente com as professoras. Esse compartilhamento de
significados entre pares Surdos permite a construção das identidades Surdas, dando real
sentido aos acontecimentos, referenciado por pessoas que possuem experiências identitárias e
culturais próprias.
Percebi que este processo de relação e significação cultural ia além do momento
formal do AEE, fazendo dele um ponto de encontro para momentos de conversas,
brincadeiras, aconselhamentos etc. São criados laços de amizade entre as professoras Surdas e
as alunas e os alunos Surdos, propiciando processos educacionais ativos e interativos,
enriquecendo suas identidades culturais (BONETI, 1997).
Os dados trouxeram à tona também, através do relato de uma das professoras, que as
pessoas Surdas são vítimas de bullying e assédio moral. Quando o bullying ocorreu entre os
próprios Surdos, a professora interveio discursivamente através da narração de suas próprias
experiências, tentando mostrar o sofrimento que esse tipo de violência provoca.
No entanto, quando se tratou de intervir em situações de assédio praticadas por uma
pessoa ouvinte adulta, outra professora preferiu se abster e não intervir na situação. Essa foi
uma lacuna na ação da professora, pois considero ser fundamental nessas ocasiões, elas
buscarem desconstruir estas representações sobre si e seus pares, para que as alunas Surdas e
os alunos Surdos construam imagens positivas sobre si e seu grupo cultural, além de que
possam empoderar-se e defender-se frente às situações de violência. Todavia, ressalto que
estas professoras só poderão intervir nesse sentido, se também tiverem se empoderado.
Foi possível também perceber que as alunas Surdas e os alunos Surdos não veem
possibilidades de as pessoas Surdas alçarem lugares socialmente prestigiados, pois, como
narrou uma das professoras Surdas e observei em algumas situações, as alunas e os alunos não
creem que seja possível seus pares culturais serem professoras e professores.
Destarte, na escola, o papel docente pode representar para as alunas Surdas e os alunos
Surdos, possibilidades de ascensão e inclusão social, pois as professoras, embora tenham a
sua cultura desvalorizada, conquistaram o seu “lugar no mundo”, passando a ser referência
para muitas pessoas Surdas, sobretudo para essas crianças.
As professoras Surdas, então, possuem papel fundamental no processo de construção
de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos, por trazer à tona a cultura e a diferença
Surdas, mas também por transcendê-las, ensinando conteúdos escolares e trocando
109
experiências de vida, partilhando inclusive, angústias que só elas, as pessoas Surdas, podem
compreender.
Assim, a pesquisa mostrou que a relação entre professoras Surdas e alunas Surdas e
alunos Surdos pode favorecer a construção de suas identidades de forma mais robusta, por
estar baseada na Cultura Surda. As alunas Surdas e os alunos Surdos na relação com as
professoras Surdas poderão compreender que, mesmo envoltas e envoltos em práticas
culturais normalizadoras e padronizadoras nas relações sociais e escolares, existem outras
possibilidades culturais para elas e eles, que lhes permitem construir as suas próprias
identidades a partir da sua cultura.
Nesse sentido, é imprescindível que esse processo de construção de identidades seja
fortalecido em ambientes verdadeiramente bilíngues, portanto, em escolas em que a
Pedagogia Surda seja priorizada, através de um currículo para as diferenças; a Cultura Surda
permeie permanentemente os conteúdos escolares; o trabalho de professoras Surdas e
professores Surdos com formação adequada seja priorizado e valorizado; sejam utilizadas a
língua de sinais e a língua portuguesa, como primeira e segunda línguas, respectivamente;
as/os profissionais ouvintes pertencentes ao quadro escolar conheçam bem a cultura das
pessoas Surdas, sabendo língua de sinais, sua história, sendo sensíveis em reconhecer as
diferenças entre elas e eles, de modo que as/os respeitem e contribuam para que seus direitos,
identidades, alteridades e diferenças sejam preservados e valorizados.
Todavia, enquanto um espaço como esse não se materializa em locais como João
Pessoa-PB, onde o discurso da inclusão de pessoas Surdas nas escolas comuns prevalece, é
preciso que sejam valorizadas as microiniciativas que visam – mesmo quando o propósito não
é claramente esse – o fortalecimento da Cultura Surda: aquisição da língua de sinais, o
empoderamento Surdo, a construção de identidades Surdas, entre outras, como vem ocorrendo
em algumas escolas comuns dessa capital.
Nesse caso, mesmo considerando que o ideal seria a implementação de uma escola
bilíngue, essa iniciativa precisa ser valorizada porque o trabalho de professoras Surdas e
professores Surdos com o ensino de LIBRAS nas salas comuns e com o Atendimento
Educacional Especializado, por exemplo, contribui para a construção das identidades das
crianças Surdas. No AEE, esse processo é ainda mais potencializado, na relação direta entre
as professoras Surdas e as alunas Surdas e alunos Surdos, pois as professoras trabalham com
atenção especial aos processos culturais e acadêmicos das/os estudantes, contribuindo dessa
forma para o seu desenvolvimento pleno.
110
Em termos de pesquisas, a partir das questões levantadas neste estudo, outras podem
ser investigadas, a exemplo de: como vem ocorrendo o ensino de LIBRAS desenvolvido por
professoras Surdas e professores Surdos nas salas comuns? Por que apenas mulheres, de fato,
desenvolvem a função de professoras do AEE? – focalizando, nesse caso, as relações de
gênero. Quais são os discursos e relações de poder que envolvem o trabalho de professoras
Surdas e professores Surdos na escola inclusiva? As professoras Surdas possuem formação
adequada para atuarem no AEE, considerando que algumas desenvolvem os três momentos
didático-pedagógicos orientados pelo MEC? Entre outras.
À guisa de uma conclusão contingencial, considero que o processo de construção de
identidades Surdas ocorre, de fato, quando há a oportunidade de os sujeitos Surdos
conhecerem o universo da Cultura Surda. Nesse caso, na escola inclusiva, a única chance
disso estar ocorrendo potencialmente é através da relação entre as professoras Surdas e alunas
Surdas e alunos Surdos, pois o papel delas tem sido de canal de circulação da Cultura Surda
nesse espaço – espaço baseado na cultura ouvinte, diga-se de passagem. É com as professoras
Surdas que as alunas Surdas e os alunos Surdos têm a oportunidade de aprender a sua língua,
a sua cultura e construir as suas identidades Surdas.
111
REFERÊNCIAS
BAUER, Martin W. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In: ______; GASKELL,
George (Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto: imagem e som: um manual prático.
Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 64-89.
CARVALHO, Daniel J. Não basta ser surdo para ser professor: as práticas que constituem
o ser professor surdo no espaço da inclusão. 2016. 148 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Centro de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade
Federal do Espírito Santo, Vitória-ES.
______. Unidade II: tipos de pesquisa, métodos e técnicas de investigação em educação. In:
BRENNAND, Edna G. G.; BEZERRA, Lebiam T. S. (Orgs.). Trilhas do aprendente. v. 5.
João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2009. p. 180-197.
COSTA, Marisa V. Estudos Culturais – para além das fronteiras disciplinares. In: _______.
(Org.). Estudos Culturais da Educação. Porto Alegre: EdUFRGS, 2000. p. 13-36.
______. Uma agenda para jovens pesquisadores. In: ______ (Org.). Caminhos investigativos
II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina
Editora, 2007. p. 139-153.
DORZIAT, Ana. Educação especial e inclusão escolar (prática e/ou teoria). In: DECHICHI,
Claudia; SILVA, Lázara C. (Orgs.). Inclusão escolar e educação especial: teoria e prática na
diversidade. Uberlândia: EDUFU, 2008. p. 21-36.
______. O Outro da educação: pensando a surdez com base nos temas Identidade/Diferença,
Currículo e Inclusão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. – (Coleção Educação Inclusiva).
______. Políticas e práticas pedagógicas inclusivas na perspectiva do currículo para as
diferenças. In: PEREIRA, Maria Z. C. et. al. (Org.). Diferença nas políticas de currículo.
João Pessoa: Editora da UFPB, 2010, p. 117-130.
113
______. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, Hubert L.; RABINOW, Paul. Michel Foucault –
Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1995. p. 231-249.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 48. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.
GARCIA, Maria M. A.; HYPOLITO, Álvaro M.; VIEIRA, Jarbas S. As identidades docentes
como fabricação da docência. Educação e Pesquisa, v.31 n.1, pp.45-56, São Paulo, jan./mar.
2005.
GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin W.; ______.
(Orgs.). Pesquisa qualitativa com texto: imagem e som: um manual prático. Tradução de
Pedrinho A. Guareschi. 12. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 64-89.
GESSER, Audrei. LIBRAS? Que língua é essa? Crenças e preconceitos em torno da língua
de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
114
KLEIN, Madalena. Cultura Surda e Inclusão no mercado de trabalho. In: THOMA, Adriana
S.; LOPES, Maura C. A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidades e diferença no
campo da educação. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2004. p. 83-99.
______; FORMOZO, Daniele. Gênero e surdez. Reflexão e Ação, v. 15, p. 100-112, 2007.
LACERDA, Cristina B. F. O intérprete de Língua Brasileira de Sinais (ILS). In: LODI, Ana
C. B.; MÉLO, Ana D. B.; FERNANDES, Eulália (Orgs.). Letramento, bilinguismo e
educação de surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012. p. 247-287.
LANE, Harlan. A máscara da benevolência: a comunidade surda amordaçada. Lisboa:
Instituto Piaget, 1992.
LEITE, Tarcísio A. O ensino de segunda língua com foco no professor: história oral de
professores surdos de Língua de Sinais Brasileira. 2004. 250 f. Dissertação (Mestrado em
Estudos Linguísticos e Literários em Inglês) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Programa de Pós-Graduação em Língua Inglesa e Literaturas Inglesa e Norte-
Americana, Universidade de São Paulo, São Paulo-SP.
LIMA, Niédja M. F. A inclusão escolar de surdos: o dito e o feito. In: LODI, Ana C. B.;
MÉLO, Ana D. B.; FERNANDES, Eulália (Orgs.). Letramento, bilinguismo e educação de
surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012. p. 303-332.
LODI, Ana C. B.; HARRISON, Kathryn M. P.; CAMPOS, Sandra R. L. Letramento e surdez:
um olhar sobre as particularidades do contexto educacional. In: LODI, Ana C. B.; MÉLO,
Ana D. B.; FERNANDES, Eulália (Orgs.). Letramento, bilinguismo e educação de surdos.
Porto Alegre: Mediação, 2012. p. 11-24.
LOPES, Maura C. Relações de poderes no espaço multicultural da escola para surdos. In:
SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as diferenças. 6. ed. Porto Alegre:
Mediação, 2013. p. 103-119.
NELSON, Cary; TREICHLER, Paula A.; GROSSBERG, Lawrence. Estudos Culturais: Uma
introdução. In: SILVA, Tomaz T. (Org.). Alienígenas na sala de aula. 11. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2013. p. 7-37. (Coleção Estudos Culturais em Educação).
NOVAES, Edmarcius C. Surdos: educação, direito e cidadania. 2. ed. Rio de Janeiro: Walk
Ed., 2014.
______. Identidades surdas. In: SKLIAR, Carlos (Org.). A surdez: um olhar sobre as
diferenças. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2013. p. 51-74.
______. O lugar da cultura surda. In: THOMA, Adriana; LOPES, Maura C. (Orgs.). A
invenção da surdez: cultura, alteridade, identidades e diferença no campo da educação. Santa
Cruz do Sul: EDUNISC, 2004, p. 73-82.
______; QUADROS, Ronice M. Ouvinte: o outro do ser surdo. In: QUADROS, Ronice M.
(Org.). Estudos Surdos I. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2006. p. 166-185.
RANGEL, Gisele M. M.; STUMPF, Marianne R. A pedagogia da diferença para o surdo. In:
LODI, Ana C. B.; MÉLO, Ana D. B.; FERNANDES, Eulália (Orgs.). Letramento,
bilinguismo e educação de surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012. p. 113-124.
______. Professores Surdos: Identificação ou Modelo? In: QUADROS, Ronice M.; PERLIN,
Gladis (Orgs.). Estudos Surdos II. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2007. p. 86-99.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
ROSA, Fabiano S. Literatura Surda: o que sinalizam professores surdos sobre livros digitais
em Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. 2011. 160 f. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS.
SÁ, Nídia R. L. Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006. –
(Coleção pedagogia e educação).
SACKS, Oliver W. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução de Laura
Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
SANTOS, Boaventura S. Um discurso sobre as ciências. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SANTOS, Lara F. O instrutor surdo em uma escola inclusiva bilíngüe: sua atuação junto
aos alunos surdos no espaço da oficina de Língua Brasileira de Sinais. 2007. 80 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Faculdade de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em
Educação, Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba-SP.
SILVA, Bianca G. Memória e narrativas surdas: o que sinalizam as professoras sobre sua
formação? 2012. 127 f. Dissertação (Mestrado em Educação). – Faculdade de Educação,
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS.
______. Pedagogia (improvável) da diferença. E se o outro não estivesse aí? Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.
SOARES, Fabiana M. R. O (não) ser surdo em escola regular: um estudo sobre a construção
da identidade. In: LODI, Ana C. B.; MÉLO, Ana D. B.; FERNANDES, Eulália (Orgs.).
Letramento, bilinguismo e educação de surdos. Porto Alegre: Mediação, 2012. 105-112.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. 3. ed. rev. Florianópolis:
Editora da UFSC, 2013.
______. Olhares... In: COSTA, Marisa V. (Org.). Caminhos investigativos I: novos olhares
na pesquisa em educação. 3. ed. Rio de Janeiro: Lamparina Editora, 2007a. p. 23-38.
______. Paradigmas? Cuidado com eles! In: COSTA, Marisa V. (Org.). Caminhos
investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lamparina Editora, 2007b. p. 35-47.
APÊNDICES
121
Prezado(a) Senhor(a):
A pesquisa intitulada “Pedagogia Surda: o papel de professoras Surdas na construção de identidades de alunas
Surdas e alunos Surdos” trata do desenvolvimento de projeto que subsidie a iniciativa de investigação de
elementos presentes no processo educacional de professores/as surdos com o fim de desenvolver processos
educacionais mais adequados às crianças surdas e contribuir para a construção de sua identidade. Será
desenvolvida pelo mestrando Lucas Romário da Silva, aluno regularmente matriculado (No de matrícula
2015109502) no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), do Centro de Educação (CE), da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a orientação da professora Dra. Ana Dorziat Barbosa de Mélo.
O estudo terá por objetivo investigar o papel de professoras Surdas na construção de identidades de alunas
Surdas e alunos Surdos, a partir de seus discursos e práticas pedagógicas. Esperamos, com isso, contribuir para
a produção de conhecimentos na área e subsidiar leituras apropriadas para o desenvolvimento de uma educação
adequada às necessidades dos alunos em questão.
Para tanto, solicitamos a sua colaboração como participante direto do projeto, como alvo de observações e
entrevistas, como também a sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos e publicar em
revista científica, mantendo em sigilo seu nome e o dos demais sujeitos envolvidos. Esclarecemos que esta
pesquisa não oferece riscos para sua saúde física e mental, muito embora possa, como todo projeto que envolve
seres humanos, ocasionar algum desconforto não previsível.
Esclarecemos ainda que sua participação, como sujeito nesta investigação, é voluntária, estando, portanto,
desobrigado a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela pesquisadora. Caso
decida não participar do estudo, ou resolva a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano
pessoal e/ou profissional.
O pesquisador estará à disposição para os esclarecimentos necessários em qualquer etapa da pesquisa.
Em caso de concordância com o exposto, solicitamos que assine o presente termo, como forma de declarar que:
1
foi devidamente esclarecido, 2consente participar da pesquisa, 3autoriza a publicação da mesma e 4está ciente
que receberá uma cópia deste documento.
Atenciosamente,
___________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
_________________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
ou Responsável Legal
______________________________________
Assinatura da Testemunha
________________________________
Contatos: [Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo]
-Lucas Romário da Silva / telefone (83) 99661-4228 / E-mail: lukas_ro_mario@hotmail.com – UFPB/CE/PPGE
-Comitê de Ética em pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba/Campus
I/Cidade Universitária/CEP: 58051-900/bloco: Arnaldo Tavares, sl 812. Telefone: (83)3216-7791/e-mail:
eticaccsufpb@hotmail.com
122
Estou realizando uma pesquisa de Mestrado em Educação junto aos/as professores/as Surdos/as da Rede
Municipal de Educação de João Pessoa-PB, e meu objetivo é investigar o papel de professoras Surdas na
construção de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos. Para isso, conto com sua gentileza em responder o
questionário abaixo, ressaltando que a pessoa informante não será identificada. Caso precise de interpretação
para Libras ou queira responder em Libras para que eu anote, assim o faremos.
QUESTIONÁRIO DE PESQUISA
PEDAGOGIA SURDA: O PAPEL DE PROFESSORAS SURDAS NA CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADES DE ALUNAS SURDAS E ALUNOS SURDOS
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
ANEXOS
125
126