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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

LUCAS ROMÁRIO DA SILVA

PEDAGOGIA SURDA: O PAPEL DE PROFESSORAS SURDAS NA CONSTRUÇÃO


DE IDENTIDADES DE ALUNAS SURDAS E ALUNOS SURDOS

JOÃO PESSOA-PB
2017
LUCAS ROMÁRIO DA SILVA

PEDAGOGIA SURDA: O PAPEL DE PROFESSORAS SURDAS NA CONSTRUÇÃO


DE IDENTIDADES DE ALUNAS SURDAS E ALUNOS SURDOS

Trabalho de Dissertação apresentado ao Programa


de Pós-Graduação em Educação, do Centro de
Educação, da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB), Campus I, como exigência institucional
para obtenção do título de Mestre em Educação.

Linha de pesquisa: Estudos Culturais da


Educação.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Dorziat.

JOÃO PESSOA-PB
2017
LUCAS ROMÁRIO DA SILVA

PEDAGOGIA SURDA: O PAPEL DE PROFESSORAS SURDAS NA CONSTRUÇÃO


DE IDENTIDADES DE ALUNAS SURDAS E ALUNOS SURDOS

Aprovado em: 17 de Fevereiro de 2017.

BANCA EXAMINADORA
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho à minha Mãe, Izaura Aparecida


da Silva, e a meu Pai, José Lucas da Silva, por me
amarem, me respeitarem, e por contribuírem com a
construção das minhas identidades, ainda que
sejamos tão diferentes.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo que tem ocorrido em minha vida, especialmente, pela conclusão desta
etapa acadêmica (processo construtivo e desafiante). Deus, muito obrigado!
À minha mãe, Izaura Aparecida da Silva, e a meu pai, José Lucas da Silva, que me fizeram
chegar até aqui com o seu amor, carinho e educação. Mãe, Pai, amo vocês!
Ao meu companheiro, Paulo Eduardo de Lima, por ter me incentivado em todas as etapas
acadêmicas, sendo fundamental para eu chegar até aqui, com palavras motivadoras, elogios e
carinho. Eduardo, obrigado por tudo!
Às minhas duas irmãs, Fabiana Cristina da Silva Garcia e Fernanda Camila da Silva, pela
amizade, carinho e torcida para o meu sucesso. Minhas princesas, muito obrigado!
Ao meu amado irmão, Leandro Aparecido da Silva (in memorian), por saber que, de onde ele
esteja, está me aplaudindo, com o seu sorriso largo e contagiante. Léo, obrigado por estar comigo,
no meu coração e nas minhas lembranças, sempre!
Ao meu sobrinho, Matheus Esnel Garcia, por toda a alegria que me traz, e a seu pai, José
Antônio Garcia, pelo qual cultivo grande carinho. Obrigado, Nenê! Obrigado, cunhado!
À minha orientadora, Prof.ª Ana Dorziat, pela dedicação, atenção, parceria e, acima de
tudo, pela generosidade. Professora, não tenho palavras para agradecer... Obrigado por tudo!
Tentarei a cada dia ser um professor e um pesquisador melhor, para que possa, um dia quem
sabe, me aproximar do que a senhora é!
Às professoras Niédja Maria Ferreira de Lima e Maria Eulina Pessoa de Carvalho, e ao
professor Fernando Cézar Bezerra de Andrade, por aceitarem participar da banca examinadora e
darem suas preciosas contribuições para este trabalho. Professoras e Professor, foi uma honra tê-
las/lo como leitoras e leitor do meu trabalho. Muito obrigado!
Às minhas parceiras de pesquisa e amigas, Luzenice Simey Macedo de Carvalho e Maiane
Machado de Morais, pela contribuição a esta pesquisa, pela parceria, risadas e aprendizagens.
Obrigado, meninas!
Às minhas queridas amigas, Amanda Gonçalves de Carvalho e Jéssica Luana Fernandes, pela
torcida e amizade, sempre recheada de muitas risadas. Minhas lindas, obrigado!
Ao meu amigo de coração, Frankleudo Luann de Lima-Silva, por ter me ajudado na
construção do meu projeto de mestrado, pela amizade, carinho e parceria nutridos durante nossa
convivência diária recheada bate papos acadêmicos sobre Educação e Psicologia. Obrigado,
amigo!
Às colegas e aos colegas de mestrado da turma 35, pelos papos, aprendizagens e amizade
construída durante este período. Gente querida, obrigado!
A todas as amigas e a todos os amigos mais distantes ou mais próximas/os, que torcem pelo
meu sucesso. Obrigado, pessoal!
Às professoras e aos professores do PPGE, especialmente àquelas e àqueles com quem cursei as
disciplinas durante o mestrado, pelas dicas, ensinamentos e trocas. Obrigado, Prof.ª Maria Eulina
Pessoa de Carvalho, Prof. Fernando Cézar Bezerra de Andrade, Prof. Eduardo Jorge Lopes da Silva, Prof.
Luiz Gonzaga e Prof. Alfrâncio Ferreira Dias.
A esta instituição de ensino, a Universidade Federal da Paraíba, por me proporcionar os
conhecimentos necessários para uma boa formação acadêmica. Sou muito grato, UFPB!
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), pela oportunidade de cursar o mestrado
e aprofundar conhecimentos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo financiamento da
pesquisa.
E, por fim, às Professoras Surdas que participaram desta pesquisa, pois, sem elas, este
trabalho não teria sido possível. Obrigado, “Karin”, “Carolina” e “Gladis”, por terem enriquecido
esta dissertação com seus discursos e suas práticas, que aqui foram analisados com o objetivo de
contribuir com a Educação de Surdos/as e valorizar a Cultura Surda.
RESUMO

Esta pesquisa propõe-se a investigar o papel de professoras Surdas na construção de


identidades de alunas Surdas e alunos Surdos, a partir de seus discursos e práticas
pedagógicas. Ancorado no campo dos Estudos Culturais e dos Estudos Surdos, tentei
compreender as diversas faces que envolvem as pessoas Surdas no processo educacional,
sobretudo a relação cultural Pessoa Surda-Pessoa Surda, especificamente docentes Surdas/os -
discentes Surdas/os. Parti do princípio de que, mediante a presença de professoras Surdas e/ou
professores Surdos, os processos educacionais são mais eficazes, ao valorizarem a Cultura
Surda, numa relação direta entre as pessoas Surdas. Destarte, nesta dissertação de mestrado
em educação, trato das relações pedagógico-culturais durante o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) entre três professoras Surdas e alunas Surdas e alunos Surdos, em
escolas comuns de João Pessoa-PB. A pesquisa foi embasada na abordagem qualitativa,
utilizando como técnicas a entrevista semiestruturada e a observação não participante. Os
dados empíricos revelaram que, na relação com as professoras Surdas, as alunas Surdas e os
alunos Surdos, mesmo envoltas e envoltos em práticas culturais normalizadoras e
padronizadoras, tendem a desenvolver estratégias culturais que lhes permitem construir as
bases das identidades Surdas. Isso se dava porque as professoras proporcionavam a suas
alunas e a seus alunos conhecimentos culturais, históricos e políticos acerca do seu grupo
cultural, exaltando processos de identificação com suas semelhanças, enquanto pessoas
Surdas. As situações pedagógicas sinalizaram que, na relação com as professoras Surdas, as
alunas Surdas e os alunos Surdos tiveram a oportunidade de compreender o seu lugar no
mundo, entendendo que não eram pessoas incapazes, deficientes, mas pessoas diferentes, que
possuíam uma cultura singular, representada pela experiência visual e pela língua de sinais.
Esta língua, como uma bandeira de luta das docentes Surdas no espaço escolar, representa
uma das principais contribuições de seu papel nos processos educacionais de alunas Surdas e
alunos Surdos, visto que é através dela que toda a construção identitária – em sua
multiplicidade – se torna possível. Pude concluir, então, que as professoras Surdas possuem
papel fundamental no processo de construção de identidades de alunas Surdas e alunos
Surdos, não só por trazer à tona a cultura e a diferença Surdas, mas também por transcendê-
las, ensinando conteúdos escolares, trocando experiências de vida e partilhando, inclusive,
angústias que só elas, as pessoas Surdas, vivenciam.
Palavras-chave: Pedagogia Surda. Construção de identidades. Professoras Surdas. Alunas
Surdas e alunos Surdos.
ABSTRACT

This research aims to investigate the role of Deaf teachers in the construction of identities of
Deaf students, based on their discourses and pedagogical practices. Anchored in the field of
Cultural Studies and Deaf Studies, we seek to understand the different scenarios that surround
Deaf people in the educational process, especially the cultural relations among Deaf people,
specifically between Deaf teachers and Deaf students. We assumed that the educational
processes are more effective in the presence of female and/or male Deaf teachers, who value
Deaf Culture in a direct relationship with Deaf people. Thus, this master’s thesis deals with
pedagogical-cultural relations within the Specialized Educational Service (SES) involving
three female Deaf teachers and their Deaf students, in common schools of João Pessoa-PB.
The research was based by the qualitative approach, using semi-structured interviews and
non-participant observation. Empirical evidence reveals that, in their relationship with Deaf
teachers, Deaf students tend to develop cultural strategies that allow them to build the
foundations of Deaf identities, even in the context of standardizing cultural practices. This
happened because the teachers provided their students with cultural, historical and political
knowledge about their cultural group, highlighting processes of identification with their
similarities as Deaf people. The pedagogical situations indicated that, in their relationship
with Deaf teachers, Deaf students had the opportunity to understand their place in the world,
and that they were not handicapped and incapable persons, but different people who
possessed a unique culture represented by a visual experience and the sign language. As a
battle flag of Deaf teachers in schools, this language represents one of the main contributions
of their role in the educational processes of Deaf students, since it is through it that the
identity construction – in its multiplicity – becomes possible. Therefore, we conclude that
Deaf teachers have fundamental role in the process of identity construction of Deaf students,
not only for highlighting the Deaf culture and differences, but also for transcending them,
teaching school contents, exchanging life experiences and even sharing the anguish
experienced only by Deaf people.
Keywords: Deaf Pedagogy. Identity Construction. Deaf Teachers. Deaf Students.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Descrição das visitas às escolas e informações obtidas na fase exploratória.


Quadro 2. Identificação dos dias em que foram realizadas as observações.
Quadro 3. Quantidade de horas observadas em cada escola.
Quadro 4. Informações das entrevistas com as professoras Surdas.
Quadro 5. Situação I – Abandono, envolvendo a Professora Gladis.
Quadro 6. Situação II – Autorização, envolvendo a Professora Karin.
Quadro 7. Situação III – Zombaria, envolvendo a Professora Carolina.
Quadro 8. Situações IV – Professora titular versus Instrutora, V – Diferença entre professora
e instrutora, VI – Lista de alunas e alunos e VII – Instrutora sim, professora não, envolvendo a
Professora Karin.
Quadro 9. Situação VIII – História Surda, envolvendo a Professora Karin.
Quadro 10. Situação IX – Desenvolvimento linguístico, envolvendo a Professora Carolina.
Quadro 11. Situação X – Família, envolvendo a Professora Carolina.
Quadro 12. Situação XI – O desejo da mãe e do filho Surdo, envolvendo a Professora Karin.
Quadro 13. Situações XII – Relato da professora sobre bullying e XIII – Bullying entre
Surdos, envolvendo a Professora Gladis.
Quadro 14. Situação XIV – Relação intérprete-criança Surda, envolvendo a Professora
Carolina.
Quadro 15. Situações XV – condução de veículo, XVI – menstruação e XVII – assalto,
envolvendo a Professora Karin.
LISTA DE SIGLAS

AEE – Atendimento Educacional Especializado


AEEPS – Atendimento Educacional Especializado para as Pessoas com Surdez
ASL – American Sign Language
BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAS – Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com
Surdez
EC – Estudos Culturais
ECE – Estudos Culturais da Educação
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FUNAD – Fundação Centro Integrado de Apoio ao Portador de Deficiência
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
MEC – Ministério da Educação
MS – Mato Grosso do Sul
PB – Paraíba
PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PMC – Prefeitura Municipal de Cassilândia
PPGE – Programa de Pós-Graduação em Educação
PROLICEN – Programa de Licenciaturas
SED/MS – Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso do Sul
SRM – Salas de Recursos Multifuncionais
TCLE – Termo de Consentimento Livre Esclarecido
TILS – Tradutor-Intérprete de Língua de Sinais
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12

1 TRILHANDO CAMINHOS METODOLÓGICOS ......................................................... 28

1.1 FASES, PROCEDIMENTOS E TÉCNICAS DE PESQUISA ................................. 33

1.1.1 Fase exploratória: levantamento bibliográfico .................................................... 33


1.1.2 Fase exploratória: procedimentos éticos .............................................................. 35
1.1.3 A escolha dos sujeitos: quem são as professoras Surdas? .................................. 38
1.1.4 As pessoas que participaram da pesquisa ............................................................ 41
1.1.5 Situando o campo de pesquisa .............................................................................. 42
1.1.6 Técnicas utilizadas na pesquisa............................................................................. 45
1.1.7 A ordenação e análise dos dados ........................................................................... 49
2 ANÁLISES EMPÍRICO-TEÓRICAS ............................................................................... 51

2.1 IDENTIDADES CULTURAIS E RELAÇÕES DE PODER: Diferença Surda,


Gênero e Docência .............................................................................................................. 51

2.2 PEDAGOGIA SURDA: o papel de professoras Surdas no processo de construção


de identidades Surdas ......................................................................................................... 74

2.2.1 Pilares da Pedagogia Surda: Diferença, Identidades e Língua de Sinais .......... 74


2.2.2 Cultura Surda: construção de identidades no encontro Pessoa Surda-Pessoa
Surda ................................................................................................................................ 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 105

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 111

APÊNDICES ......................................................................................................................... 120

ANEXOS ............................................................................................................................... 124


12

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa propõe-se a investigar o papel de professoras Surdas1 na construção de


identidades de alunas Surdas e alunos Surdos, a partir de seus discursos e práticas
pedagógicas. Para este propósito, coloco como questões centrais do estudo: qual o papel de
professoras Surdas na construção de identidades de suas alunas Surdas e seus alunos
Surdos? Qual a importância da participação de professoras Surdas no processo de
escolarização de alunas Surdas e alunos Surdos?
Ao tratar de qualquer processo educacional, considero fundamental desenvolver uma
reflexão em torno das identidades, visto que elas permeiam todas as relações sociais. Quando
o foco são as pessoas Surdas, essa necessidade é ainda maior, haja vista que concepções
clínicas cristalizadas perseguem esse grupo de pessoas. Ciente disso, o que me instigou a
desenvolver esta pesquisa foi o interesse acadêmico-pessoal em compreender como ocorre a
construção de identidades Surdas em alunas Surdas e alunos Surdos, especialmente em
crianças, mediadas por professoras Surdas e/ou professores Surdos no processo pedagógico.
Enfatizo a construção de identidades de crianças Surdas por pressupor que elas têm,
nas últimas décadas, sido impulsionadas por construções identitárias mais próximas às
questões culturais, que foram, por muito tempo, silenciadas nessa comunidade. Essa realidade
permite-me supor que as crianças Surdas, na maioria das vezes, encontram-se em um processo
de construção identitária relativamente inicial, porém célere, contínuo, gradual, multifacetado
e, sobretudo, complexo.
Quando afirmo relativamente inicial, faço-o por saber que, embora a construção de
identidades ocorra desde o nascimento, o processo de construção de identidades Surdas em
crianças é procrastinado visto que a maioria delas é filha de famílias ouvintes e se relaciona
tardiamente com outras pessoas Surdas. Nesse sentido, é imprescindível um contato afetivo,
de confiança e de trocas culturais entre essas crianças e outras pessoas Surdas.
O modelo clínico, baseado na relação de identificação das pessoas Surdas com as
ouvintes, embora tenha perdido espaço com a valorização da língua de sinais, com a adoção
da inclusão dessas pessoas nas escolas comuns no Brasil, de certa forma, fortaleceu-se. Isso
foi ocasionado pelo distanciamento entre os grupos Surdos, que antes eram formados nas
escolas especiais, e o isolamento devido à inserção das crianças Surdas em diferentes escolas.

1
A letra “S” maiúscula será utilizada em todo o texto como forma de frisar a concepção política e cultural que
envolve as pessoas Surdas (SACKS, 2010).
13

Essa realidade implica, mais uma vez, na invisibilidade da Cultura Surda no ambiente
escolar, pois, se a escola não possui pares Surdos, como essa cultura pode circular nesse
espaço fundamental para a construção identitária, intelectual e de cidadania, culturalmente
engajada? Certamente quando há mais de uma criança Surda, elas podem trazer para este
espaço os artefatos da Cultura Surda, desde que já os tenham adquirido. Todavia, dificilmente
isso ocorre, uma vez que essa construção cultural é favorecida na relação com pares Surdos
e/ou no envolvimento junto à comunidade Surda, das quais poucas crianças Surdas participam
pelo fato de o seu núcleo familiar ser constituído de pessoas ouvintes (STROBEL, 2013).
Considerando essa realidade, a presença de uma professora Surda ou de um professor
Surdo no ambiente escolar é de suma importância para o resgate da Cultura Surda, além de ser
essencial para o autoconhecimento das crianças Surdas. Essa relação cultural no processo
educacional é algo não só complexo para todos os seres humanos, mas fundamental para as
pessoas Surdas, como apontam os estudos sobre Currículo, por este ser um mecanismo de
saber, poder e de identidade (SILVA, 2011).
Para as pessoas Surdas, a relação cultural mediada pela língua de sinais nos processos
educacionais, além de proporcionar uma comunicação mais fluente, viva e espontânea, já que
envolve o aspecto linguístico, ocasionará uma constituição identitária mais consistente e
empoderada.
Essa minha suposição, que se aproxima de uma constatação, surgiu a partir do
momento em que, no contexto de Cassilândia, uma cidade do interior do Estado do Mato
Grosso do Sul, que possui uma população com pouco mais de 20 mil habitantes, fui
convidado a ser intérprete de Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) de uma aluna Surda de 14
anos, recém-chegada à cidade, que estudaria naquele ano (2010) no 6º ano do Ensino
Fundamental em uma escola municipal. Além dela, para a minha surpresa, fui designado a
ensinar LIBRAS a uma criança de três anos, matriculada na Educação Infantil.
Antes disso, o meu primeiro contato com pessoas Surdas havia sido como participante,
em 2006, de um curso de LIBRAS, oferecido pela Secretaria de Educação do Estado do Mato
Grosso do Sul (SED/MS) em parceria com a Prefeitura Municipal de Cassilândia (PMC). A
convite da minha irmã – graduanda em Pedagogia na época – resolvi participar do curso face
à escassez de oportunidades naquele contexto, embora não soubesse o que iria aprender
exatamente. Nunca antes havia ouvido falar em língua de sinais, tampouco conhecia uma
pessoa Surda.
14

Ao iniciar, deparei-me com um “novo mundo”, mais ainda pelo fato de o curso se
fundamentar, explicitamente, em um discurso cultural que concebia a LIBRAS como uma
língua, bem como um elemento de uma cultura singular e diferente da minha. Segundo
Strobel (2013, p. 99), “há grande dificuldade da sociedade em entender a existência da cultura
surda, porque a maioria das pessoas baseia-se num ‘universalismo’”.
Nesse sentido, para mim, assim como acredito ser para muitas pessoas que não
possuem contato com a Cultura Surda, foi curioso e, ao mesmo tempo, complexo
compreender que existiam “pessoas deficientes” com uma língua e cultura diferentes. Na
realidade, o discurso clínico disseminado que concebia as pessoas Surdas como deficientes,
incapazes e que as via apenas como pessoas que possuem um corpo danificado (PERLIN,
2013) era o que fazia com que eu olhasse com certa estranheza a minha primeira professora
de LIBRAS.
Ela era uma professora Surda, graduada em Matemática, mas que, naquela época,
trabalhava como “instrutora” de LIBRAS pelo Centro de Capacitação de Profissionais da
Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS), órgão vinculado à SED/MS. A
figura da professora Surda me chamava atenção pelo fato de ser a primeira pessoa Surda que
eu havia conhecido, mas também, por ser uma professora.
Lamentavelmente, não era e ainda não é tão comum pessoas Surdas atuarem como
docentes, como mostra o Censo Escolar de 2012 (INEP, 2012). Ele indica que a inserção de
professoras Surdas e professores Surdos na Educação Básica foi de apenas 208 em todo o
Brasil, num universo de 74.547 alunas Surdas e alunos Surdos matriculadas/os no mesmo ano.
Esse levantamento, no entanto, não deixa claro em que componentes curriculares ou
áreas de conhecimento esses sujeitos atuavam. Porém, a realidade aponta para a grande
maioria de docentes Surdas/os atuando somente no ensino de LIBRAS nas salas de aula
comuns ou nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), realizando o Atendimento
Educacional Especializado (AEE). Como no caso da minha primeira professora Surda,
também é comum que professoras Surdas e professores Surdos atuem em cursos de
capacitação.
Enfim, superado o estranhamento inicial, comecei a me aproximar cada vez mais das
discussões – embora de forma limitada – e me desenvolver linguisticamente em LIBRAS.
Conforme o curso avançava, a professora sempre elogiava o meu desenvolvimento. Nesse
ínterim, conheci três garotas Surdas que, na época, tinham a minha idade, em torno de 14
anos, das quais me aproximei, embora estudássemos em escolas diferentes. Dessa forma,
15

comecei a me aproximar dessa cultura tão singular que, até então, para mim, era
desconhecida.
Ao fim do curso, a professora sugeriu que futuramente eu fizesse uma avaliação no
CAS, em Campo Grande-MS, para atuar como intérprete. Entretanto, isso era algo totalmente
remoto para a minha realidade, devido às dificuldades encontradas no contexto daquela cidade
e, até mesmo, por eu nunca ter pensado em trabalhar nessa área.
Após este curso, participei de mais um que deu continuidade aos conteúdos do
primeiro, desta vez, ministrado por outro professor Surdo. Mesmo a cidade sendo pequena,
como eu estudava em uma escola distante das garotas Surdas, acabamos por nos aproximar
novamente apenas nesse segundo curso, em 20082. Porém, no mesmo ano me transferi para a
escola em que as três jovens Surdas estudavam, passando a conviver mais com elas, mais
especificamente com uma delas.
Encontrando-as quase todos os dias e participando do mesmo curso de LIBRAS, no
qual também me aproximei do professor Surdo, fui aprendendo cada vez mais a língua de
sinais. Essa aprendizagem foi intensificada ainda mais porque, concomitantemente ao 3º ano
do Ensino Médio, iniciei juntamente com uma delas, um curso pré-vestibular ofertado pelo
Estado do Mato Grosso do Sul (MS). Esse curso, embora tenha sido fundamental para minha
aprendizagem em termos escolares, foi ainda mais importante para o meu desenvolvimento
linguístico em LIBRAS.
Ademais, o contato diário, fraterno e de aprendizagem, construído juntamente com a
minha amiga Surda, favoreceu o encontro do meu Eu (ouvinte) com o Outro (Surdo) e, a
partir de então, passei a vislumbrar a oportunidade de trocar experiências culturais e construir,
também, a minha identidade, afinal, a experiência é potencialmente transformadora e se nutre
do contato com a diferença. Para Perlin e Quadros (2006, p. 171), a experiência com a
diferença do Outro Surdo, “é um ato de ir construindo a identidade, ato que permite
novamente colocar a descoberto as identidades nunca prontas, fragmentadas, em contínua
construção”.
Com a falta de intérprete3 durante todo o curso pré-vestibular, sob a justificativa da
SED/MS de não haver profissionais disponíveis, minha amiga e eu acabamos por nos
aproximar ainda mais. No decorrer das aulas, além de eu interpretar algumas informações
2
O primeiro e segundo cursos foram ministrados respectivamente em 2006 e 2008, porém, certificados apenas
em 2010, conforme o meu Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/4082446479941468>.
3
Durante toda a sua escolarização essa aluna Surda não dispôs de um/uma intérprete, se esforçando muito para
acompanhar suas turmas através de leitura labial e apoio familiar.
16

para ela, passávamos quase o tempo todo conversando. Apesar de as conversas serem
pedagogicamente inaceitáveis, nenhuma professora ou professor se importava com os nossos
“bate-papos”, pois, como os fazíamos em LIBRAS, no fundo da sala, para elas e eles, não
atrapalhávamos, mesmo que durante esse momento a nossa aprendizagem estivesse sendo
negligenciada. Após a conclusão desse curso e do Ensino Médio, ingressei no curso de
Serviço Social em uma faculdade privada, e ela em outra, para cursar Fisioterapia, em que,
por sua vez, novamente teve o seu direito de dispor de um/a intérprete negado sob a mesma
justificativa.
Como havia me desenvolvido linguisticamente de forma razoável nos cursos e,
principalmente, com o contato com a minha amiga Surda, em 2010, deparei-me com uma
situação inesperada: a Secretaria de Educação de Cassilândia chamou-me “desesperadamente”
para atuar como TILS (Tradutor-Intérprete de Língua de Sinais) de uma aluna Surda.
Senti-me desafiado e temeroso, pois não tinha preparação suficiente para desempenhar
tal função. Não havia passado por uma formação que abordasse conhecimentos para além da
língua de sinais, tão necessários para uma atuação profissional qualificada, considerando que
a/o “TILS precisa ter uma formação que implique reflexões sobre as especificidades surdas,
que envolvem a língua e a cultura surdas; os conhecimentos da área onde pretende atuar e
uma atitude ética, responsável e compromissada” (DORZIAT; ARAÚJO, 2012, p. 394).
Dada à urgência, fui à capital do Estado, ao CAS, realizar a avaliação para atuação
como TILS, inclusive porque a família da garota estava ameaçando acionar o Ministério
Público contra a Secretaria de Educação. Fui aprovado, mas com ressalvas, visto que as
avaliadoras afirmaram que eu precisava aperfeiçoar a minha fluência linguística para a
atuação adequada como TILS. Para minha surpresa, além da aluna de 14 anos, havia outra
menina, de três anos, que estava matriculada na turma do Infantil III em uma instituição de
Educação Infantil, para quem eu seria instrutor de LIBRAS.
Com a garota de 14 anos, tive algumas dificuldades, por não ser fluente o suficiente na
língua. No entanto, a prática fez com que eu aprendesse muito e, reciprocamente, minha
atuação parece ter favorecido a melhoria do seu desempenho escolar que, até então, vinha
apresentando muitas dificuldades pela falta de comunicação. Além disso, depois do
desenvolvimento linguístico em LIBRAS, a nossa relação permitiu que trocássemos
experiências culturais, de cidadania e de vida, afinal “a experiência do contato com a
experiência do outro diferente, com aquele outro que volta e reverbera de si com a sua
17

pedagogia, coloca-o diante da mudança de si. Ser ouvinte é o oposto do ser surdo” (PERLIN;
QUADROS, 2006, p. 170).
Aos 18 anos, aluno do 2º ano do curso de Bacharelado em Serviço Social, embora
estivesse deslumbrado com a área e com aquela experiência, sentia-me ainda despreparado
para trabalhar como intérprete. A função de intérprete educacional não estava devidamente
clara para mim ou para as professoras e professores da garota, nem mesmo para a escola ou
para a Secretaria de Educação. Talvez por isso eu passei a, praticamente, desempenhar o papel
das professoras e dos professores, o que é muito comum ocorrer nesse modelo escolar.
Segundo Dorziat e Araújo (2012, p. 403),

A coexistência de dois profissionais em sala de aula – professor e intérprete


– tem acarretado confusões de papéis. Observamos que, muitas vezes, o
intérprete assumiu a função do professor dos estudantes surdos, função essa
delegada pelo próprio professor, de forma intencional, embora tácita.

Na minha atuação, essa confusão de papéis não ocorria de forma tácita como afirmam
as autoras, pois, embora a responsabilidade da escolha dos conteúdos e da avaliação fosse das
professoras e dos professores, ficava a meu encargo a explicação dos conteúdos à garota, e,
muitas vezes, a escolha da melhor metodologia. Esse modo inadequado de atuação foi
construído por mim, por achar que, de fato, essa era a minha responsabilidade; pelo corpo
docente, para quem era mais proveitoso que eu fosse responsável pelo ensino da aluna Surda;
pela escola e pela Secretaria de Educação, que não sabiam bem a função de um TILS.
Nesse contexto complexo e obscuro, considerava que, pela falta de conhecimento e de
interesse de outras instâncias, eu não poderia me abster do meu papel educativo para com
aquela aluna que tinha o direito à educação de qualidade. Souza (2007) afirma que,

A ação do intérprete não pode ser considerada similar a de um language


translator, ele é, antes de tudo também um educador. [...] Ou seja, aquele
profissional partícipe da formação educativa de crianças e jovens em
instituições de ensino. Estou propensa a acreditar que a interpretação em
contexto escolar, tal como tecnicamente muitas vezes é deduzida a
interpretação, é da ordem da impossibilidade (p.159-160).

Essa responsabilidade educativo-pedagógica ficou ainda mais evidente e complexa no


trabalho com a criança de três anos. No início, pensei que seria muito fácil, pois ia “apenas
ensinar LIBRAS”. Porém, já no fim do ano, ensinar aquela adorável criança se tornara uma
tortura. Sentia-me fracassado, despreparado. Queria ensiná-la do modo mais tradicional:
18

colocava numa folha impressa o sinal em LIBRAS, a imagem e a palavra em português e


sinalizava. Isso durante um ano, uma vez por semana. Ela me olhava com um olhar vazio,
sem nenhuma expressão. No fim do ano, ela alcançou um único resultado: aprendeu o sinal de
ÁGUA. Provavelmente, isso tenha ocorrido porque todos os dias eu a levava para tomar água
e sinalizava de modo natural, ou seja, o contexto comunicativo espontâneo facilitava a sua
aprendizagem.
Quadros (2000) considera que se a criança Surda estiver sendo alfabetizada em língua
de sinais desde muito pequena, aos três anos provavelmente ela já estará tentando realizar
configurações de mão mais complexas para a produção de sinais, porém, ela acaba
produzindo sinais com configurações mais simples (processo de substituição).
O ensino daquela criança Surda era muito difícil pelo fato de a mesma não ter tido
nenhuma experiência prévia com a LIBRAS (o primeiro contato foi comigo), não participar
de comunidade Surda e não ter nenhum contato com qualquer outra pessoa Surda. Sua família
não possuía muito interesse em seu processo de escolarização, mesmo sendo seu pai um
professor de língua portuguesa e língua inglesa, ou seja, uma pessoa que provavelmente sabia
da relevância de qualquer pessoa adquirir uma língua e do valor da educação.
A minha angústia era, principalmente, por não ter conhecimentos sobre a Educação de
Surdos/as, considerando outros conhecimentos para uma docência minimamente adequada
para uma criança naquele nível escolar e linguístico. Nesse caso específico, por exemplo, não
poderíamos pensar a Educação de Surdos/as de modo dissociado da Educação Infantil.
Embora a Educação de Surdos/as tenha as suas especificidades, é preciso articulá-la à
educação como um todo, na qual questões específicas das crianças Surdas sejam pensadas
também a partir de outros determinantes, como os pedagógicos, e não apenas linguísticos.
A partir daí, mesmo antes de iniciar estudos mais profundos sobre a área, eu percebia
que a Educação de Surdos/as envolvia muito mais que a língua de sinais, também possuía
uma perspectiva pedagógica. Atualmente, não me vejo trabalhando com Educação de
Surdos/as apenas na perspectiva dos conhecimentos linguísticos – o que também é essencial.
O desenvolvimento de estudos que visem às práticas didático-pedagógicas é indispensável.
Desse modo, após concluir o trabalho com essas duas alunas, que considero exitoso
com a de 14 anos e frustrante com a de três, passei a me interessar cada vez mais pela área de
educação. Elas continuaram a sua trajetória contando com uma nova intérprete, que possuía as
minhas características iniciais, ou seja, era uma pessoa do município que tinha as mínimas
condições linguísticas para atuar como intérprete.
19

Quando passei a residir em João Pessoa-PB, já bacharel em Serviço Social, resolvi


cursar Licenciatura em Pedagogia para aprofundar conhecimentos sobre as várias
possibilidades desta área. No que concerne a LIBRAS, por ela se dar em um contexto
diferente e pelas adversidades da vida que fizeram com que eu me afastasse da comunidade
Surda havia um bom tempo, posso dizer que me encontro num estado de “enferrujamento
linguístico”. Como qualquer língua, a LIBRAS é uma língua viva e em desenvolvimento, o
que requer o contínuo uso para uma boa fluência. Destarte, o que realmente faz com que nós
ouvintes desenvolvamos a nossa fluência em língua de sinais é o contato com as pessoas
Surdas e a aproximação da sua cultura.
Enquanto aluno de Pedagogia na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), ingressei
no Grupo de Pesquisa Inclusão e Alteridade (CNPq/UFPB)4. Sob a coordenação da Prof.ª Dr.ª
Ana Dorziat, tenho aprendido questões imprescindíveis sobre a Educação de Surdos/as,
buscando desvencilhar-me de velhas concepções e produzindo novas acerca das pessoas
Surdas, na perspectiva dos Estudos Culturais e dos Estudos Surdos.
Dessa forma, antes de iniciar o mestrado em educação, fui bolsista de um projeto de
PROLICEN5 intitulado “Educação Infantil Bilíngue para Surdos: um caminho a ser trilhado
na cidade de João Pessoa-PB”, que visava desenvolver ações na capital para a implementação
da Educação Infantil Bilíngue para crianças Surdas com a criação de uma instituição infantil
baseada no Bilinguismo. No entanto, por falta de apoio efetivo da Secretaria de Educação do
município, a qual profere a qualquer custo o discurso da inclusão das pessoas Surdas nas
escolas comuns, sem uma discussão maior em torno da singularidade dessas pessoas, a
tentativa foi frustrada, levando-nos a redirecionar o projeto e desenvolvendo uma pesquisa-
intervenção na realidade de uma instituição infantil inclusiva que possuía duas crianças
Surdas.
A partir do desenvolvimento desta pesquisa, bem como depois da minha frustrada
experiência neste nível escolar, em que ambas as situações foram protagonizadas por docentes
ouvintes (as professoras participantes da pesquisa e eu), comecei a pensar como seria a
educação de crianças Surdas se a professora fosse Surda ou o professor fosse Surdo.

4
Grupo de pesquisa certificado pela instituição. Disponível em:
<http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/6336764529792481>. Acessado em 24 de março de 2016, às 17:34
horas.
5
O PROLICEN - Programa de Licenciaturas é um programa acadêmico da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da
UFPB que objetiva estimular o desenvolvimento de ações que visem à melhoria da qualidade das licenciaturas
da instituição, contribuindo com a formação de suas alunas e seus alunos e com a formação continuada de
professoras e professores da rede pública de ensino da Paraíba (PB).
20

Essa inquietação surgiu, também, a partir da leitura do livro As imagens do outro


sobre a cultura surda, de Karin Strobel (2013), no qual, por mais de uma vez, ela reforça a
importância de docentes Surdas e Surdos na educação de seus pares, em especial, por
poderem ser para as crianças Surdas referências em termos linguísticos, identitários e
culturais, corroborando a concepção de outras/os autoras e autores, Surdas/os e ouvintes, a
exemplo de Dorziat (1999), Skliar e Lunardi (2000), Sá (2006), Reis (2007), Quadros (2012),
Rangel e Stumpf (2012), Perlin (2013) e Skliar (2013).
No mestrado, na linha de pesquisa Estudos Culturais da Educação (ECE), do Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), meu
projeto inicial tinha por objetivo investigar como professoras Surdas e professores Surdos de
João Pessoa influenciavam na construção de identidades de crianças Surdas na Educação
Infantil. No entanto, com a ausência de uma instituição de Educação Infantil que tivesse
docentes Surdas/os, propus-me a investigar o trabalho dessas/es profissionais no Ensino
Fundamental, especialmente no fazer pedagógico com crianças dos anos iniciais,
direcionando o meu olhar aos discursos e às práticas que pudessem contribuir ou não para a
construção de identidades Surdas.
Esta pesquisa está ancorada no campo dos Estudos Culturais (EC), na tentativa de
compreender as diversas faces que envolvem as pessoas Surdas no processo educacional,
assim como tem sido feito nas pesquisas sobre as diferentes culturas.
Sobre os Estudos Culturais, em sua origem, eles se ocuparam em problematizar as
concepções hierárquicas entre cultura erudita e popular, respectivamente tidas como superior
e inferior. Buscaram romper com a visão segregacionista e democratizar o conceito de cultura
de modo que abrangesse e valorizasse os significados e as práticas culturais de pessoas e
grupos comuns (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003).
Embora o conceito de cultura, ao menos teoricamente, tenha sido ampliado e venha
contemplando diversos grupos, pessoas, práticas e artefatos culturais, na prática ainda há
concepções ideológico-hierárquicas que definem o que seja alta e baixa cultura, ou melhor e
pior, não considerando que, de fato, o que existe são diferentes culturas. As culturas
consideradas inferiores ou piores são aquelas que pertencem a grupos economicamente
desfavorecidos, às minorias de modo geral, aos povos historicamente excluídos e àquelas
pessoas que se colocam politicamente contrárias à hegemonia cultural.
Nesse sentido, os Estudos Culturais se apresentam como um importante aporte teórico-
político de análise para se problematizar as desigualdades culturais e desnudar as relações de
21

poder. Segundo Costa, Silveira e Sommer (2003), cultura desloca-se de um conceito que
distingue, hierarquiza e segrega, com base numa visão elitista, para um que considera uma
diversidade de sentidos e significados cambiantes e versáteis. Desse modo,

Cultura deixa, gradativamente, de ser domínio exclusivo da erudição, da


tradição literária e artística, de padrões estéticos elitizados e passa a
contemplar, também, o gosto das multidões. Em sua flexão plural – culturas
– e adjetivado, o conceito incorpora novas e diferentes possibilidades de
sentido (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 36).

Ao ampliar o conceito de cultura, os Estudos Culturais possibilitam que culturas


negadas, histórica e socialmente, sejam visibilizadas e, assim, possam se estabelecer
socialmente. Para alcançar esse “lugar no mundo cultural”, os grupos culturalmente diferentes
podem contar com a significativa contribuição dos Estudos Culturais; entretanto, estes por si
sós, não são suficientes, devido a fortes relações e estruturas de poder. A contribuição deste
campo teórico se dá no sentido de problematizar e desfazer os binarismos e dicotomias
produzidos pelas epistemologias tradicionais (COSTA, 2000).
Por ser um campo interdisciplinar, pós-disciplinar e/ou antidisciplinar
(ESCOSTEGUY, 2010; COSTA, 2000), os Estudos Culturais encontram nas humanidades,
nas ciências sociais, nas artes, nos estudos tecnológicos e em outras áreas, uma gama de
possibilidades de análise, pois são “um campo de estudos onde diversas disciplinas se
interseccionam no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea”
(ESCOSTEGUY, 2010, p. 137).
A pedagogia, enquanto ciência, também encontra nos Estudos Culturais um forte e
fértil referencial teórico que possibilita problematizar criticamente os processos educacionais.
Os discursos, o currículo, as culturas escolares, as políticas, as relações de poder, as práticas
culturais, entre outros temas, têm servido de objetos de análise dos Estudos Culturais da
Educação. Para além das problematizações e análises, os Estudos Culturais oferecem à
pedagogia e à educação alternativas teórico-metodológicas para processos e projetos de
humanidade que considerem a identidade, a diferença e a alteridade como questões
fundamentais (ANDRADE, 2015). Assim,

Sobretudo para o campo da educação, os Estudos Culturais são uma fecunda


via de pesquisas, que, a partir da crítica radical às práticas educacionais – e
às escolares, em particular –, propõe alternativas metodológicas e teóricas
voltadas justamente para projetos de humanização que, na
contemporaneidade, admitam a diversidade e a alteridade como ferramentas
22

indispensáveis, ainda mais valiosas quando parecerem estranhas e


ameaçadoras aos hábitos e formas de pensar consagradas (ANDRADE,
2015, p. 5).

Originalmente esse campo buscou “uma educação em que as pessoas comuns, o povo,
pudessem ter seus saberes valorizados e seus interesses contemplados” (COSTA; SILVEIRA;
SOMMER, 2003, p. 37). Aplicados à educação contemporânea, os Estudos Culturais
permanecem com esse objetivo e discurso. Para tanto, a identidade, a diferença e a alteridade
passam a ser algumas das questões centrais deste campo.
A identidade, concebida na perspectiva pós-moderna, não comporta mais a ideia de
unificação. Essa ideia unificada, em que os sujeitos possuem apenas uma única essência, está
em derrocada. Para Hall (2011, p. 7), “as velhas identidades, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado”. Nessa
concepção, as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade, considerando o acelerado processo
de globalização, são o que mais tem colaborado para o que chamarei de democratização das
identidades, configurando uma crise de identidade (HALL, 2011).
Com a democratização das identidades, os sujeitos passam a ter as suas múltiplas
identidades reconhecidas no âmbito social e acadêmico. Essas novas identidades vêm
atreladas às diferenças, uma vez que elas são indissociáveis e resultantes de um processo
histórico, simbólico e discursivo. De certo modo, elas “quebram com a rigidez” da sociedade
moderna e rompem com essas lógicas cristalizadas. No entanto, a sociedade encontra
dificuldades em aceitá-las e respeitá-las, haja vista que o essencialismo e as velhas
concepções estão fortemente enraizados no pensamento e no discurso social. Na perspectiva
essencialista, as identidades são fixas e imutáveis (HALL, 2011; WOODWARD, 2014).
Segundo Hall (2011, p. 13), “a identidade plenamente unificada, completa, segura e
coerente é uma fantasia”. Nesse sentido, a(s) identidade(s) não se fixa(m) em um único
padrão, o que seria “a identidade”. Elas são cambiantes, fluidas, transitórias e contraditórias.
Nesse movimento, que pode ser cíclico ou não, a diferença é produzida simbólica e
discursivamente, pois é na relação com a identidade que ela se produz, uma depende da outra
(SILVA, 2014).
Assim, os Estudos Culturais da Educação têm se ocupado em problematizar a relação
entre a identidade e a diferença nos processos educacionais, uma vez que a “marcação da
diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de
formas de exclusão social” (WOODWARD, 2014, p. 40, grifo da autora).
23

A diferença tem sido enunciada negativamente nos processos educacionais,


especialmente na escola. No contexto escolar, ela tem sido representada pelos sujeitos que o
compõem, nos discursos e nas práticas, como algo que suscita negação, silenciamento e
apagamento, o que tem resultado em tentativas de normalização e exclusão do Outro.
Segundo Duschatzky e Skliar (2011), o Outro é visto como um depositório de todos os
males, portador de todas as falhas sociais. Além de ser excluído socialmente, o Outro é
responsabilizado pelas suas “próprias mazelas”, visto que “este tipo de pensamento supõe que
a pobreza é do pobre; a violência, do violento; o problema de aprendizagem, do aluno; a
deficiência, do deficiente; e a exclusão, do excluído” (p. 124).
Nesses jogos de poder, nos quais a identidade e a diferença estão em constante
negociação, a alteridade é controlada e regulada por estratégias explícitas e/ou subliminares
sob a lógica dos rígidos discursos homogeneizantes e normalizadores produzidos pela
modernidade. O Outro não pode ser como de fato ele é, então, não há dúvidas que nas
sociedades moderna e pós-moderna Ele será demonizado (DUSCHATZKY; SKLIAR, 2011).
Nessa complexidade social, a alteridade Surda tem sofrido fortes tentativas de
controle e regulação sob a propalação do discurso da normalidade. Segundo esse discurso, o
Outro Surdo é aquele que possui uma deficiência e que necessita de reabilitação. Embora essa
produção discursiva venha da área médica, terapêutica, ela se espalhou socialmente,
inserindo-se inclusive na educação, haja vista que historicamente nas disputas de/pelo poder
no campo do conhecimento, o discurso médico tem ganhado muito mais prestígio e espaço do
que o educacional.
Segundo Sá (2006), muitas concepções sobre a identidade baseiam-se na natureza, na
biologia; no caso das pessoas Surdas, na patologia, no corpo, no cérebro, na audição e no
ouvido. Nessa perspectiva, a Cultura Surda, caracterizada pela língua de sinais, pela
experiência visual e pelas identidades Surdas, torna-se sem nenhum sentido, pois, sob a ótica
biológica, o que está em questão é o corpo Surdo, e não a Pessoa Surda. Em contrapartida, o
fenômeno que a envolve passa a ser discutido, política e epistemologicamente, com base no
discurso cultural, antropológico (SKLIAR, 1998), considerando que as pessoas Surdas são
sujeitos culturais que possuem múltiplas identidades e uma diferença cultural.
Concordo com Perlin (2013, p. 53), ao afirmar que “em Estudos Culturais, tenho de
me afastar do conceito de corpo danificado para chegar a uma representação da alteridade
cultural”. Assim, longe dos discursos patologizantes, a surdez, à luz dos Estudos Culturais,
transita pela ótica cultural, a qual passa a considerá-la como uma construção cultural sobre
24

aquela ou aquele que não ouve, compreendendo-a como uma grande invenção (LOPES,
2007).
Essa perspectiva cultural, antropológica, que reinterpreta a surdez e compreende as
pessoas Surdas como muito mais do que um corpo danificado, tem sua origem ancorada nos
referenciais teóricos dos Estudos Culturais. No entanto, ela ganha reforço e ênfase em uma
das ramificações desse campo, que vai tratar especificamente de questões relacionadas às
pessoas Surdas: os Estudos Surdos.
Os Estudos Surdos surgem a partir dos movimentos sociais envolvendo pessoas
Surdas e de pesquisas desenvolvidas e influenciadas por esta “teoria cultural”. Segundo Sá
(2006, p. 65-66), “os estudos surdos inscrevem-se como uma das ramificações dos estudos
culturais, pois também enfatizam as questões das culturas, das práticas discursivas, das
diferenças e das lutas por poderes e saberes”.
Esse campo teórico tem como objetivo compreender e visibilizar a Cultura Surda, as
identidades, as línguas de sinais, a história e os artefatos culturais das pessoas Surdas;
desnudar as relações de poder existentes na Educação de Surdos/as e na sociedade,
desconstruindo binarismos e estereótipos acerca da surdez e das pessoas Surdas, a partir da
diferença. Nas palavras de Skliar (2013, p. 5), os Estudos Surdos são:

[...] a criação de um novo espaço acadêmico e de uma nova territorialidade


educacional à qual denominamos: Estudos Surdos em Educação. Os Estudos
Surdos se constituem como um programa de pesquisa em educação, pelo
qual as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte, as
comunidades e as culturas surdas são focalizados e entendidos a partir do seu
reconhecimento político.

Os Estudos Surdos em Educação produzem uma nova perspectiva acerca da Educação


de Surdos/as, desconstruindo velhas concepções e construindo novas epistemologias e
abordagens educativo-pedagógicas para essas pessoas. Os discursos patologizantes
construídos na perspectiva médico-terapêutica e absorvidos pela Educação Especial deixam
de ser uma referência a partir deste novo campo teórico. A pessoa Surda, quando representada
simbólica e discursivamente pelos Estudos Surdos, passa a ser vista a partir de uma diferença
política e cultural.
Em consonância com os Estudos Culturais, os Estudos Surdos focalizam as questões
culturais da Educação de Surdos/as. Ela passa a ser problematizada, no sentido de se
compreender o que está subliminar às práticas culturais e discursivas, nesse sentido o
currículo escolar deixa de ser compreendido meramente como um dispositivo de reprodução
25

de conteúdos, passando a ser visto com um dispositivo de poder-saber no qual os saberes, as


identidades, a diferença e a alteridade Surdas são reguladas e controladas. Para Lunardi
(2013), nessa aproximação dos Estudos Surdos com os Estudos Culturais, a compreensão do
sujeito Surdo enquanto um problema desloca-se para a localização do problema nos discursos
sobre as pessoas Surdas, os quais implicam diretamente na produção do currículo.
A diferença passa a ser o referencial para pensar o currículo na Educação de Surdos/as,
uma vez que, sendo a condição Surda reconhecida como uma diferença política e cultural,
requer que os discursos e as práticas curriculares sejam redimensionados
epistemologicamente em um currículo para as diferenças. Para Dorziat (2010), ao se pautar
nas diferenças, o currículo deve realizar uma rigorosa reflexão acerca dos conhecimentos para
além de listas de conteúdos e atividades, passando a ser essencial o desenvolvimento de outras
percepções de mundo, outros pensares e experiências. Desse modo,

Se as diferenças não forem consideradas como possibilidades de


desenvolvimento, corremos o risco de criar outros mecanismos de exclusão.
Por isso, o caminho de processos inclusivos exige a opção por um Currículo
para as diferenças, pela crença no potencial humano, como essência do
trabalho educacional (DORZIAT, 2010, p. 127).

O currículo é apenas um dos temas alvo da preocupação dos Estudos Surdos. No


entanto, é fundamental, porque permite se pensar a Educação de Surdos/as sob a ótica da
prática e da pesquisa, visto que é o mecanismo de poder que delineia todas as ações a serem
implementadas nos espaços educacionais. Os Estudos Surdos problematizam o currículo
também na tentativa de descolonizar as alunas Surdas e os alunos Surdos, pois,
historicamente, “trabalhar Currículo na educação de Surdos significou desenvolver estratégias
que os tornassem mais aceitos socialmente, que os fizessem parecer mais com os ouvintes,
vale dizer com alguns ouvintes” (DORZIAT, 2009, p. 46).
A descolonização das pessoas Surdas é uma das propostas dos Estudos Surdos. O
currículo, quando pensado com base na referência ouvinte, cria mecanismos de invisibilidade,
marginalização e exclusão do Outro Surdo. Segundo Skliar e Lunardi (2000, p. 13), “os
Estudos Surdos em Educação delineiam, entre outras intenções, aquela de desmascarar as
relações de poder existentes na educação dos surdos”.
Para além desses temas, influenciados pelos Estudos Culturais, os Estudos Surdos
atravessam diversas subáreas do campo educacional, além de utilizar-se, especialmente, de
teorias pós-estruturalistas, pós-colonialistas e pós-modernas. Esses arcabouços teóricos têm
26

contribuído significativamente para as pesquisas em Estudos Surdos, por incorporar as


questões que envolvem a surdez e as pessoas Surdas no campo antropológico.
Ademais, os Estudos Surdos têm feito intersecções com categorias e temáticas dos
Estudos Culturais, tais como as relações étnico-raciais, gênero, classe, múltiplas deficiências,
etc. Segundo Vieira-Machado (2010, p. 51), “entender melhor os Estudos Surdos é aproximá-
los de outros territórios teóricos a fim de pensar as questões surdas, dentro de outras
fronteiras”.
É nessa corrente de discussões e contribuições dos Estudos Surdos e dos Estudos
Culturais que diversas pesquisas em educação têm sido desenvolvidas sobre a Cultura Surda.
Como os Estudos Culturais têm como um de seus focos toda a produção de significados das
diferentes culturas, os fenômenos e significados culturais produzidos pelas pessoas Surdas
passaram a ser estudados como artefatos de uma subcultura. Destarte, “nessa perspectiva, a
cultura dos surdos é entendida como um campo de luta entre diferentes grupos sociais, em
torno da significação do que sejam a surdez e os surdos no contexto social global” (SÁ, 2006,
p. 105-106).
Dentre esses caminhos, pelos quais os Estudos Surdos e os Estudos Culturais têm
trilhado, as relações culturais Pessoa Surda-Pessoa Surda, sobretudo entre docentes e
discentes Surdos/as, levaram-me a desenvolver esta pesquisa por considerar que, mediante os
processos educacionais, a Cultura Surda passa a circular constantemente no espaço escolar
quando há essa relação direta, ou seja, de uma pessoa Surda com a outra. Além disso, quando
essa relação acontece entre uma professora Surda ou um professor Surdo e alunas Surdas e
alunos Surdos há a possibilidade de construção de identidades Surdas, visto que essa
construção não é inevitável e homogênea, entretanto, é possível acontecer de forma
apropriada na relação entre pares Surdos.
Considero, nesta pesquisa, as relações que vêm sendo construídas no espaço da escola
dita inclusiva, especialmente durante o AEE, no qual professoras Surdas têm desenvolvido
seu trabalho com alunas Surdas e alunos Surdos. As três professoras sujeitos desta pesquisa
atuavam como instrutoras/professoras de LIBRAS em escolas comuns de João Pessoa-PB,
ensinando em salas de aulas comuns e na SRM através do AEE. No entanto, para este estudo
o foco foi esta segunda prática pedagógica. Todas consentiram com o desenvolvimento desta
pesquisa, contribuindo significativamente para a sua realização.
Em vista desse processo e em consonância com os Estudos Culturais e os Estudos
Surdos, desenvolvi esta pesquisa embasado na abordagem qualitativa (DENZIN; LINCOLN,
27

2006), que busca fazer uma relação crítica para além do fenômeno educacional, por acreditar
que vários aspectos podem influenciar nesse campo e provocar diferentes impactos sobre o
objeto de investigação. Para tanto, percorri as seguintes etapas: (1) providências em relação às
questões éticas; (2) fase exploratória da pesquisa; (3) obtenção dos dados empíricos
(observação não participante e entrevistas); (4) transcrições/traduções dos dados; (5)
ordenação; e (6) análises.
Por acreditar que o corpus empírico é o que subsidia qualquer articulação e análise
entre a teoria e a empiria, pois “toda teoria tem base empírica, ainda que remota: as teorias
vêm da prática, da experiência; e pretendem não apenas explicar, mas intervir na prática”
(CARVALHO, 2009, p. 180), este texto articula-se em três partes, além da introdução.
Na primeira parte: Trilhando caminhos metodológicos, exponho as formas como a
pesquisa foi desenvolvida – as fases da pesquisa, a escolha dos sujeitos, as técnicas e os
procedimentos utilizados para a obtenção dos dados, bem como a articulação metodológica
com o campo dos Estudos Culturais.
Na segunda parte: Análises empírico-teóricas, à luz dos Estudos Culturais e dos
Estudos Surdos, analiso o papel das professoras Surdas no processo de construção de
identidades de alunas Surdas e alunos Surdos, a partir de seus discursos e práticas
pedagógicas, subdividindo-a em duas seções: Identidades Culturais e Relações de Poder:
Diferença Surda, Gênero e Docência e Pedagogia Surda: o papel de professoras Surdas no
processo de construção de identidades Surdas, que por sua vez, desmembra-se em: Pilares da
Pedagogia Surda: diferença, identidades e língua de sinais e Cultura Surda: construção de
identidades no encontro Pessoa Surda-Pessoa Surda.
Por fim, nas Considerações Finais, apresento as conclusões do estudo, apontando
questões relevantes, para indicar caminhos relativos à disseminação desta pesquisa e
apontamentos propositivos acerca da temática, como sugerem os Estudos Culturais e a
pesquisa em educação.
28

1 TRILHANDO CAMINHOS METODOLÓGICOS

Uma metodologia de pesquisa é sempre pedagógica porque se refere a um


como fazer, como fazemos ou como faço minha pesquisa. Trata-se de
caminhos a percorrer, de percursos a trilhar, de trajetos a realizar, de formas
que sempre têm por base um conteúdo, uma perspectiva ou uma teoria. Pode
se referir a formas mais ou menos rígidas de proceder ao realizar uma
pesquisa, mas sempre se refere a um como fazer. Uma metodologia de
pesquisa é pedagógica, portanto, porque se trata de uma condução: como
conduzo ou conduzimos nossa pesquisa (MEYER; PARAÍSO, 2012, p. 15).

Inicio este capítulo expondo de onde falo e como compreendo a pesquisa em


educação, para explicar como fiz, por onde caminhei e aonde cheguei ao desenvolver esta
dissertação. Por que a necessidade de começar situando-me teórica-metodologicamente? Para
responder, invoco as palavras de Veiga-Neto (2007, p. 46) ao afirmar que, “a cada recomeço,
não podemos pressupor e exigir que todos saibam onde estamos e de onde falamos, saibam
em que paradigma nos movimentamos, saibam quais são as peças do nosso quebra-cabeça”.
Então, o lugar do qual eu falo é o de um pedagogo, professor e pesquisador no campo
da Educação de Surdos/as, que inicia as suas pesquisas aproximando-se dos Estudos Culturais
e dos Estudos Surdos e pensa a pesquisa em educação como um caminho investigativo que,
de modo geral, busca compreender as relações sociais, as relações de poder, as práticas
culturais, os significados e os discursos constituintes da sociedade, da cultura e da educação,
a fim de analisar, intervir na realidade e apontar pistas ou propor alternativas para novos ou
diferentes caminhos.
No entanto, em contraposição ao discurso do paradigma dominante (SANTOS, 2010),
todos esses objetos de que se ocupa a pesquisa em educação não são capturáveis e
controláveis pelos métodos de pesquisa, uma vez que as investigações no campo das ciências
sociais lidam com pessoas e realidades histórico-culturalmente situadas e construídas, o que
dificulta a generalização e/ou universalização do conhecimento sobre os fenômenos sociais
(SANTOS, 2010). Dessa forma, os métodos de pesquisa viabilizam uma aproximação da
realidade, considerando que é improvável explorar todos os microfenômenos sociais.
Essa concepção contraria o que prega secularmente o paradigma dominante nas
ciências. Influenciado pelos textos de Santos (2010) e Veiga-Neto (2007b), não menciono o
paradigma dominante à toa, visto que os Estudos Culturais em sua dimensão crítica sugerem
que nenhum discurso pode ser considerado neutro e livre de premissas ideológicas. Nesse
sentido, ao falar de “paradigmas”, faço-o para situar esta pesquisa ou aproximá-la de algum
deles.
29

O paradigma dominante, tratado por Santos (2010), é aquele construído na


modernidade que dominou toda a produção do conhecimento a partir do século XVI nas
ciências da natureza, alcançando as ciências sociais a partir do século XVIII. Resiste até os
dias atuais, sobretudo na primeira área, mas também reverbera seus traços positivistas na
produção do conhecimento da segunda. Esse paradigma tem como necessidade básica a
“fixação das coisas”. Nessa perspectiva, as pesquisadoras e os pesquisadores precisam
necessariamente se fixar em uma teoria, determinar a sua metodologia, serem metódicas/os ao
ponto de quererem não deixar escapar, inclusive, aquilo que é incapturável.
No entanto, esse paradigma tem disputado poder-saber com outras vertentes que,
embora venham encontrando dificuldades em desconstruir velhas concepções metodológicas e
epistemológicas, têm ganhado força, especialmente, na produção científica contemporânea
das ciências humanas e sociais.
Essas vertentes, insatisfeitas com a lógica da fixidez que não acompanha as demandas
da sociedade pós-moderna, criam outros caminhos e possibilidades de pesquisa. Nesse
sentido, “o conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico, sendo local, não é
descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade. [...]. Um conhecimento
deste tipo é relativamente imetódico, constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica”
(SANTOS, 2010, p. 77).
Os Estudos Culturais são uma dessas possibilidades de pesquisa. Mediante a força
positivista na produção do conhecimento, esta alternativa teórico-metodológica surgiu na
tentativa de desestabilizar a velha concepção de alta e baixa cultura. Segundo Mattelart e
Neveu (2004, p. 13), “podemos qualificar, portanto, a emergência dos Cultural Studies como
a de um paradigma, de um questionamento teórico coerente. Trata-se de considerar a cultura
em sentido amplo [...]”.
Buscando, então, ampliar a noção de cultura e analisar a produção de significados e
práticas culturais, as pesquisas na perspectiva dos Estudos Culturais podem ser realizadas
utilizando diversas metodologias, inclusive, pelo fato de este campo não se caracterizar como
uma disciplina acadêmica unificada.

Os Estudos Culturais não pretendem ser uma disciplina acadêmica no


sentido tradicional, com contornos nitidamente delineados, um campo de
produção de discursos com fronteiras balizadas. Ao contrário, o que os tem
caracterizado é serem um conjunto de abordagens, problematizações e
reflexões situadas na confluência de vários campos já estabelecidos, é
buscarem inspiração em diferentes teorias, é romperem certas lógicas
30

cristalizadas e hibridizarem concepções consagradas (COSTA; SILVEIRA;


SOMMER, 2003, p. 40).

Destarte, a pesquisa em Estudos Culturais permite que diversos caminhos sejam


percorridos, conduzindo as investigações de modo mais flexível. A prioridade deixa de ser o
método, passando a ser o corpus da produção de significados apresentado pela realidade.
Conforme Paraíso (2012, p. 33), “usamos tudo aquilo que nos serve, que serve aos nossos
estudos, que serve para nos informarmos sobre o nosso objeto, para encontrarmos um
caminho e as condições para que algo novo seja produzido”.
Nessa perspectiva, a possibilidade de haver uma flexibilidade maior e uma gama de
abordagens metodológicas nas pesquisas pós-críticas6, desobriga o pesquisador ou a
pesquisadora de escolher apenas um/o método, dando-lhe a oportunidade de construir os
próprios caminhos metodológicos, com rigor e baseados em método(s) consagrados na
produção científica.
No entanto, Costa (2007, p. 150) argumenta que, “o fato de não existir ‘o método’
distintivo da ciência não significa que se possa fazer pesquisa sem método. O trabalho de
investigação não pode prescindir de rigor e método, mas você pode inventar seu próprio
caminho”. À luz destes métodos, é possível realizar investigações com mais qualidade e
segurança, inclusive, para melhor adequá-los a cada objeto de estudo.
Essas possibilidades só se tornam possíveis nas pesquisas qualitativas, visto que as
quantitativas tendem a seguir a lógica positivista, em seu caráter rígido e metódico. As
qualitativas, por sua vez, perpassam vários campos, temas e disciplinas do conhecimento
(DENZIN; LINCOLN, 2006). Por isso, utilizo-me de seus princípios para subsidiar este
estudo, por eles oferecerem a chance de situar-me diante do meu objeto a fim de interpretá-lo
em sua dimensão cultural, subjetiva e prática.

[...] a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador


no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas
que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em
uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as
conversas, as gravações e os lembretes (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 17).

Ademais, em consonância com a celeridade das transformações sociais, as pesquisas


qualitativas na perspectiva dos Estudos Culturais continuam abertas às diversas

6
Paraíso (2012) identifica as produções na perspectiva do multiculturalismo, do pós-estruturalismo, dos estudos
de gênero, do pós-modernismo, do pós-colonialismo, do pós-gênero, do pós-feminismo, dos estudos culturais,
dos estudos étnicos e raciais, do pensamento da diferença e dos estudos queer como teorias pós-críticas.
31

possibilidades, inclusive, inesperadas ou até mesmo inimaginadas (NELSON; TREICHLER;


GRASSBERG, 2013). Assim, esta pesquisa se insere também no campo dos Estudos
Culturais, por não eleger um método exclusivo de análise, considerando ser possível se valer
de outras possibilidades que possam surgir no corpus teórico-analítico.
Ao situar este estudo no “paradigma” Estudos Culturais, não tenho como objetivo
fazer dele um despiste (VEIGA-NETO, 2007b), deixando de me posicionar. Pelo contrário, à
luz deste campo, posicionar-me-ei de modo reflexivo e crítico sobre a realidade analisada,
expondo claramente sob a égide de qual discurso produzo esta pesquisa.

[...] é justamente por ser uma palavra cuja polissemia é muito ampla que
paradigma pode ser usada como um despiste: não tendo muito para dizer,
para se explicar, para justificar suas posições, alguém pode usá-la para dar a
impressão de que está dizendo muito, deixando que o interlocutor se vire
para entender o que quiser ou puder entender (VEIGA-NETO, 2007b, p. 37,
grifo do autor).

Procurei fazer do processo construtivo desta pesquisa um ato crítico, pedagógico, no


qual refleti, produzi e, principalmente, aprendi, afinal, a “pesquisa é uma atividade que exige
reflexão, rigor, método e ousadia” (COSTA, 2007, p. 150, grifo da autora). Então, ao ler
sobre alguns métodos, decidi que embora pudesse deixar a metodologia aberta para outras
possibilidades, utilizar-me-ia de princípios da análise de conteúdo para subsidiar esta
pesquisa, mesmo correndo o risco – até propositalmente –, de não corresponder a todos os
critérios exigidos pelo método, visto que fui criando meu próprio percurso metodológico
(COSTA, 2007).
Paraíso (2012, p. 41) ressalta que, “ao construirmos nossas metodologias sabemos que
podemos usar os procedimentos e as práticas de investigação que sabemos ou conhecemos,
mas não podemos ficar prisioneiras dessas práticas”. Destarte, para mim, nesse processo,
foram relevantes os significados analisados e não o método em si.
Segundo Bardin (2011, p. 15), a análise de conteúdo é “um conjunto de instrumentos
metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a
‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados”. A análise de conteúdo foi
incorporada à pesquisa por permitir que diversos instrumentos e técnicas pudessem ser
utilizados no processo investigativo, além de que, através dela, é possível analisar diferentes
objetos de estudo, correspondendo aos Estudos Culturais em sua aplicabilidade em diversas
áreas do conhecimento e objetos.
32

Esse método aplicado aos Estudos Culturais me permitiu dirigir, durante o processo
analítico dos dados, uma atenção minuciosa à produção de significados encontrada nos dados
empíricos obtidos através das entrevistas com as professoras Surdas e observação das
situações pedagógicas durante o Atendimento Educacional Especializado.
Ademais, é importante frisar que a imersão no contexto pós-moderno não permite aos
pesquisadores e às pesquisadoras assumirem posturas de neutralidade no processo analítico
(SANTOS, 2010; VEIGA-NETO, 2007b).
Para Costa (2007, p. 149), “a neutralidade da pesquisa é uma quimera”. Isso implica
dizer que as pesquisas em educação permitem que a subjetividade, aliada às teorias, apareça,
propiciando a reflexão sobre a realidade educacional. Nesse sentido, minha trajetória de vida e
minha formação acadêmica incidirão sobre a construção desta pesquisa, haja vista que ao
pesquisar em Educação de Surdos/as, venho construindo ao longo do tempo reflexões
próprias baseadas em teorias que contribuíram para a análise do objeto de estudo proposto,
ratificando ou questionando pressupostos.
Apesar disso, não tive a pretensão de produzir verdades, totais e/ou definitivas. Tenho
consciência de que os achados e resultados desta pesquisa são provisórios e parciais (COSTA,
2007). O conhecimento precisa ser visto como em constante construção. De igual modo,
coloco-me como um pesquisador em permanente formação, aprendendo e mudando quando
necessário.
Assim, ao passo que fui produzindo este trabalho dissertativo, fui aprendendo e
construindo um jeito diferente de pensar. Transitei de uma ideia ilusória que acreditava que,
ao desenvolver esta pesquisa, estaria produzindo algo novo, inédito, por conseguinte,
produzindo uma verdade, para uma concepção de que as verdades são construções da
modernidade e que “o que podemos ter são hipóteses provisórias e parciais que nos dão
segurança temporária” (COSTA, 2007, p. 148).
As verdades acabadas produzem viseiras simbólicas que impedem enxergar outras
possibilidades e perspectivas analíticas, obstruindo o desnudamento da realidade e a
construção de outros conhecimentos (parciais e provisórios). Veiga-Neto (2007a, p. 34)
afirma que “uma perspectiva pós-moderna não quer demonstrar uma verdade sobre o mundo
nem quer defender uma maneira privilegiada de analisá-lo. Isso significa assumir uma
humildade epistemológica que nunca esteve presente no pensamento iluminista”.
Destarte, propus-me a aprender e produzir esta pesquisa, com esta humildade
epistemológica, contando com diferentes olhares, a fim de produzir o meu próprio olhar.
33

1.1 FASES, PROCEDIMENTOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

Considerando que toda pesquisa trilha caminhos metodológicos diferentes, é


imprescindível expor todo o processo percorrido nesta. Por isso, nessa seção, descrevo todas
as fases e procedimentos da pesquisa (fase exploratória, procedimentos éticos, escolha dos
sujeitos, participantes, descrição do campo, obtenção, ordenação e análise dos dados); e as
técnicas utilizadas (observações não participantes e entrevistas semiestruturadas).

1.1.1 Fase exploratória: levantamento bibliográfico

A fase exploratória foi essencial para o desenvolvimento desta pesquisa. A partir dela,
todas as outras ações foram possíveis. Como dito anteriormente, além da minha trajetória
acadêmica e profissional, o que fez despertar o meu interesse por esse objeto de estudo foi a
leitura do livro As imagens do outro sobre a cultura surda, da autora Surda, Karin Strobel.
A partir de então, em busca de outras produções que tratassem, de modo geral, de
professoras Surdas e professores Surdos, comecei a explorar através de palavras-chave
(professores Surdos; docentes Surdos; Pedagogia Surda) os bancos de dados de teses e
dissertações da CAPES7 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e
da BDTD8 (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações). Após encontrar alguns
trabalhos, fiz a leitura de seus resumos, selecionando aqueles que, de fato, de algum modo
tratavam sobre esses sujeitos.
Marconi e Lakatos (2012) tratam sobre essa fase, dizendo:

Pesquisa alguma parte hoje da estaca zero. Mesmo que exploratória, isto é,
de avaliação de uma situação concreta desconhecida, em um dado local,
alguém ou um grupo, em algum lugar, já deve ter feito pesquisas iguais ou
semelhantes, ou mesmo complementares de certos aspectos da pesquisa
pretendida. Uma procura de tais fontes, documentais ou bibliográficas,
torna-se imprescindível para a não-duplicação de esforços, a não
“descoberta” de idéias já expressas, a não-inclusão de “lugares comuns” no
trabalho (p. 114).

Desse modo, na busca inicial encontrei algumas produções, e no decorrer da pesquisa


me deparei com outras, que tiveram como tema professoras Surdas e professores Surdos –

7
Disponível em: <http://bancodeteses.capes.gov.br/>.
8
Disponível em: <http://bdtd.ibict.br/vufind/>.
34

muitas produzidas por pesquisadoras e pesquisadores, também Surdas e Surdos –, a saber:


Leite (2004); Reis (2006); Silva (2006); Silveira (2006); Miranda (2007); Santos (2007);
Machado (2009); Müller (2009); Rebouças (2009); Silva (2009); Martins (2010); Paiva
(2010); Camatti (2011); Rosa (2011); Terra (2011); Gianini (2012); Scremin (2012); Silva
(2012); Formozo (2013); Albres (2014); Carvalho (2016).
Em síntese, os trabalhos destacados sinalizam a importância da presença e do trabalho
de professoras Surdas e/ou professores Surdos na educação de alunas Surdas e alunos Surdos,
com base na Pedagogia Surda – uma pedagogia construída com princípios epistemológicos da
Pedagogia da Diferença –, que, por sua vez, ancora-se no campo dos Estudos Culturais.
Sobre a Pedagogia Surda, a experiência visual, a língua de sinais e a Cultura Surda são
inseparáveis desta pedagogia, pois, através desses três eixos, professoras Surdas e professores
Surdos podem relacionar os aspectos culturais aos pedagógicos na educação de crianças
Surdas, o que favorece a construção de suas identidades de forma mais ampla e sólida, como
pessoa Surda em sua plenitude.
Vale destacar o trabalho de Formozo (2013), que trata dos discursos sobre a Pedagogia
Surda. A autora constata que não há um discurso único e/ou homogêneo acerca desta
pedagogia. Para ela, esse é um campo difuso e plural, estabelecido no dia a dia de docentes
Surdas/os e alunas Surdas e alunos Surdos, o que sugere ser um tipo de pedagogia que possui
princípios norteadores como a experiência visual, a língua de sinais e a Cultura Surda, mas
que se (re)constrói a cada relação estabelecida entre docentes e discentes Surdas/os.
Para as autoras e os autores citadas/os, a construção de identidades de alunas Surdas e
alunos Surdos depende imprescindivelmente da relação com pares Surdos. A figura da
professora Surda ou do professor Surdo então passa a ser fundamental para as elaborações
culturais, sociais e escolares de alunas Surdas e alunos Surdos.
Dessa forma, os trabalhos argumentam a favor de que, na relação com alunas Surdas e
alunos Surdos, professoras Surdas e professores Surdos podem ser referências culturais para
esses sujeitos de modo que elas e eles possam construir suas identidades com base nas
identidades/alteridades Surdas, o que possibilita o seu empoderamento.
35

1.1.2 Fase exploratória: procedimentos éticos

Após fazer este levantamento bibliográfico e com o projeto aprovado pelo


PPGE/UFPB, entrei com um processo no Gabinete da Prefeitura de João Pessoa-PB, sob o
número 2015/076998, solicitando a Carta de Anuência9 para o desenvolvimento da pesquisa.
A tramitação durou em torno de um mês até a sua aprovação. Para tanto, tive de apelar
para a coordenadora da Educação Especial da Secretaria de Educação, que resistiu em aprovar
o processo. Ao falar diretamente com ela, por mais de uma vez, explicando que se tratava de
um projeto que visava, dentre outras coisas, analisar o trabalho de professoras Surdas e
professores Surdos, a mesma me informou incisivamente que não havia na rede esses/as
profissionais trabalhando diretamente com alunas Surdas e alunos Surdos.
Segundo ela, as/os 11 professoras Surdas e professores Surdos da rede municipal
ministravam aulas de LIBRAS somente nas salas de aula comuns para alunas e alunos
ouvintes. No entanto, havia na secretaria, um projeto em elaboração que visava a ministração
de aulas por professoras Surdas e professores Surdos para alunas Surdas e alunos Surdos
sobre “boas maneiras e bom comportamento10”.
Para aprovar o processo, tive de dizer à coordenadora que, caso não houvesse
professoras Surdas e professores Surdos trabalhando com alunas Surdas e alunos Surdos, eu
mudaria o objeto de estudo. Afirmei que o importante era cumprir os prazos de início da
pesquisa estipulados pelo PPGE. No entanto, ficou claro que ela resistia ao desenvolvimento
da pesquisa nas escolas municipais da capital.
Diante de minha insistência, ela indicou que eu procurasse a coordenadora responsável
pelo setor de Educação de Surdos/as. Esta, a priori, também resistiu em passar as informações
necessárias. Mas, pouco tempo depois, informou o nome de algumas escolas – apenas três –
que possuíam professoras Surdas e professores Surdos, embora tenha dito que no município
havia nove docentes Surdas/os em exercício e não 11 como informara sua chefe. Na medida

9
Anexo.
10
O Outro Surdo, muitas vezes, é representado socialmente como uma pessoa que não possui polidez social, é
mal educada e indisciplinada; o que suscita a sua normalização, disciplinamento e governamento para adequar-se
aos referenciais culturais das pessoas ouvintes. No caso desse projeto da Secretaria de Educação de João Pessoa,
a tentativa era tornar as crianças Surdas pessoas disciplinadas, com “boas maneiras e bom comportamento” a
partir dos ensinamentos de Surdos e Surdas adultos/as (docentes). Segundo Skliar (2003), “[...] há um outro, em
meio a nossas temporalidades e a nossas espacialidades, que foi e ainda é inventado, produzido, fabricado,
(re)conhecido, olhado, representado e institucionalmente governado em termos daquilo que se poderia chamar
um outro deficiente, uma alteridade deficiente, ou então, ainda que não seja o mesmo, um outro anormal, uma
alteridade anormal” (p. 152, grifo do autor).
36

em que fui realizando as visitas, as/os próprias/os professoras Surdas e professores Surdos
foram informando sobre outras escolas que tinham colegas Surdas/os.
De posse da carta de anuência, iniciei as visitas às escolas, conforme descritas no
quadro a seguir.

VISITAS ÀS ESCOLAS: FASE EXPLORATÓRIA


DIA DESCRIÇÃO DAS INFORMAÇÕES OBTIDAS
1ª escola: A diretora afirmou que havia um professor Surdo trabalhando no AEE, mas
20/08/2015 que não estava na escola. Então, ela pediu que eu voltasse em outro dia. Segundo ela,
ele trabalhava às terças e quartas-feiras.
2ª escola: O diretor afirmou que não havia nenhum professor Surdo trabalhando no
AEE. Segundo ele, a escola tinha um aluno Surdo e um cuidador11 Surdo. Entendi
que esse cuidador poderia ter deficiência auditiva, mas não ser Surdo ou poderia ser
22/08/2015 um professor Surdo que desenvolvia um trabalho de professor de LIBRAS em sala de
aula comum, juntamente com a professora titular. Ou ainda poderia estar
desenvolvendo uma função equivocada, de cuidador Surdo. Ele não se encontrava na
escola e o diretor não soube fornecer maiores informações.
3ª escola: Fui informado pela coordenadora da Secretaria de Educação que, nesta
escola, havia um professor Surdo. Porém, segundo a diretora da escola, nenhum
docente Surdo trabalhava na instituição.

4ª escola: A diretora informou que não havia professor Surdo na escola, mas
aguardava a chegada de uma nova professora de LIBRAS. A escola possuía apenas
24/08/2015 uma aluna Surda e uma intérprete.

5ª escola: O diretor afirmou que a professora Surda estava doente e que não sabia os
dias em que ela atendia as alunas Surdas e os alunos Surdos no AEE (ela também
ministrava aulas de LIBRAS nas salas de aula comuns). Ele disse ainda que entraria
em contato com a mesma para informar-se sobre os dias em que ela realizava este
trabalho. Independentemente do AEE, a professora trabalhava diariamente em horário
integral. A escola possuía sete alunas Surdas e alunos Surdos e três intérpretes.
6ª escola: Ao encontrar a professora Surda, ela informou que as bolsistas do PIBIC12
e eu poderíamos ir à escola para realizar as observações, ressaltando que realizaria o
AEE às terças-feiras às 10 horas da manhã. Segundo ela, os alunos Surdos faltavam
muito, mas que, mesmo assim, marcaria com eles no próprio turno da aula comum.
25/08/2015
1ª escola: No mesmo dia, voltei à 1ª escola para encontrar o professor Surdo, mas ele
não estava novamente. A diretora havia informado os dias de forma equivocada.
Então, corrigiu: ele trabalhava às segundas, quartas e sextas-feiras.

11
Em João Pessoa-PB, as/os profissionais que auxiliam nas escolas as alunas e os alunos com deficiência física,
intelectual, e outras deficiências, são chamadas/os de cuidadoras e cuidadores.
12
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Esta pesquisa de mestrado foi desenvolvida
intrinsicamente articulada com o Projeto de Iniciação Científica (CNPq/UFPB - 2015/2016) intitulado
“Construção de Identidades Surdas: a importância de professores/as surdos no processo educacional” no âmbito
do Grupo de Pesquisa Inclusão e Alteridade, coordenado pela mesma orientadora, Prof.ª Dr.ª Ana Dorziat.
Dentre outras coisas, essa articulação teve por objetivo proporcionar uma relação mais “positiva tanto para a
graduação como para a pós-graduação, sendo que a melhoria na primeira conduz a um mais alto desempenho dos
formados em sua profissionalização e permite estudantes mais bem preparados para uma atuação dinâmica da
pós-graduação” (CURY, 2004, p. 791).
37

7ª escola: A psicopedagoga da SRM (Sala de Recursos Multifuncionais) informou os


dias em que o professor Surdo trabalhava na escola, porém, disse que não havia um
dia nem horário específico para a realização do AEE. Segundo ela, eles buscavam as
alunas Surdas e os alunos Surdos na sala comum para a SRM quando havia uma aula
vaga, e o AEE durava em torno de 20 minutos. As alunas e os alunos não tinham
condições de ir durante o horário oposto ao AEE, por questões financeiras e também
porque as famílias não as/os levavam.
8ª escola: A professora ouvinte da SRM informou que o professor Surdo não estava
na escola, mas que ele realizava o AEE com alunas Surdas e alunos Surdos em L1
(LIBRAS) e outra professora – ouvinte –, realizava em L2 (Língua Portuguesa). Além
deles, na SRM também trabalhava esta professora informante, que atendia crianças
26/08/2015 com outras deficiências. Segundo ela, o professor Surdo era graduado em Pedagogia e
cursava Letras-LIBRAS na UFPB. Além disso, afirmou que o relacionamento entre as
crianças Surdas e as ouvintes era bom, mas que as próprias Surdas se diferenciavam
entre si pelo nível linguístico que possuíam, ou seja, as que tinham um domínio
melhor em LIBRAS não queriam se relacionar com as que dominavam menos.
9ª escola: A diretora informou que a professora Surda atendia pela manhã,
27/08/2015 diariamente. Segundo ela, a escola tinha quatro ou cinco alunas Surdas e alunos
Surdos. A professora não estava presente porque tinha falecido alguém de sua família.
7ª escola: Voltei a essa escola e encontrei o professor Surdo. Ele informou que a
SRM estava sendo pintada por tempo indeterminado e que, mesmo quando estava
sendo desenvolvido, o AEE não tinha uma regularidade, pois, as alunas Surdas e os
alunos Surdos participavam quando tinham uma oportunidade, durante as aulas vagas.
O trabalho era basicamente para tirar dúvidas e, esporadicamente, funcionava como
01/09/2015 um reforço. Além de atuar na SRM, ele ministrava aulas em turmas comuns, do 1° ao
8° ano do Ensino Fundamental.

8ª escola: Voltei à escola, conversei com o professor Surdo, e ele informou que não
desenvolvia o AEE desde 2014. Na escola, ele ministrava aulas de LIBRAS nas salas
de aula comuns. Segundo ele, no AEE, apenas a professora ouvinte de Língua
Portuguesa estava desenvolvendo o trabalho com as crianças Surdas.
10ª escola: Quase no fim da fase de observações, soube por informação de uma das
professoras que havia um professor Surdo que realizava o AEE numa escola que eu
ainda não havia visitado. Então fui até a instituição. Lá, a diretora informou que havia
um intérprete Surdo que atendia uma criança Surda na Educação Infantil (Infantil II).
03/12/2015 Quando chegou, conversei com ele, e o mesmo informou que era professor da criança
e trabalhava na sala de aula comum juntamente com a professora titular. Todas as
atividades, embora fossem elaboradas por ela, era ele quem explicava e aplicava com
a garota. No que concerne ao AEE, ele disse que a menina participava uma vez por
semana com a psicopedagoga, mas ele não participava do momento.
Quadro 1. Descrição das visitas às escolas e informações obtidas na fase exploratória.

Após as visitas às escolas, foram realizados os procedimentos éticos para o


desenvolvimento da pesquisa, submetendo o projeto ao Comitê de Ética da UFPB13, através
da Plataforma Brasil14. É imprescindível a submissão dos projetos de pesquisa a um Comitê
de Ética, visto que “seu objetivo maior é preservar a integridade dos sujeitos, objeto da

13
Disponível em: <http://www.ccs.ufpb.br/eticaccsufpb/>.
14
Disponível em: <http://aplicacao.saude.gov.br/plataformabrasil/>.
38

pesquisa científica, bem como apreciar previamente os projetos de pesquisa” (PRODANOV;


FREITAS, 2013, p. 47).
Desse modo, foi realizada toda a avaliação do projeto, dos procedimentos a serem
desenvolvidos e do TCLE (Termo de Consentimento Livre Esclarecido15), conforme a
Resolução do CNS 196/9616 (BRASIL, 1996).
Ao assinar o TCLE, as participantes foram informadas sobre todas as etapas da
pesquisa e sobre as técnicas a serem realizadas, ficando livres para participarem ou não, bem
como desistirem a qualquer momento.
Busquei manter as identidades dos sujeitos em sigilo, zelando por não divulgar seus
nomes pessoais ou quaisquer informações que os revelassem, como os nomes das instituições
em que trabalhavam. Desse modo, foram utilizados nomes fictícios para todos os sujeitos e
participantes17 e, em nenhum momento, foram citados os nomes das escolas-campo desta
pesquisa.

1.1.3 A escolha dos sujeitos: quem são as professoras Surdas18?

Após visitar todas as escolas indicadas pela coordenadora da Educação de Surdos/as e


pelas professoras Surdas e professores Surdos, decidi por escolher como sujeitos da pesquisa,
apenas professoras e professores Surdos que, “de fato”, realizavam o AEE. Era nesse
momento didático-pedagógico que a relação entre docentes e discentes Surdas/os ocorria de
forma mais direta, pois o AEE é destinado exclusivamente ao trabalho especializado para
essas alunas e esses alunos. Como os dois professores da 7ª e 8ª escolas ministravam aulas
somente nas salas de aulas comuns, e o da 10ª trabalhava individualmente com uma criança
Surda na sala comum, escolhi como sujeitos da pesquisa, o professor Surdo da 1ª escola e as
três professoras Surdas que atuavam na 5ª, 6ª e 9ª escolas.
O professor Surdo era um homem de 49 anos, pedagogo, concursado pela Prefeitura
Municipal de João Pessoa-PB desde o ano de 2007. Também trabalhava em uma instituição
especializada do município havia 13 anos. Aos dois anos de idade, sofreu um acidente (uma
15
Apêndice.
16
Disponível em:
<http://conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/aquivos/resolucoes/23_out_versao_final_196_ENCEP2012
.pdf>
17
Utilizo sujeitos de pesquisa para as três professoras Surdas, que, de fato, são os sujeitos-alvo dessa pesquisa, e
participantes para suas alunas e seus alunos e outras pessoas que possam aparecer nas situações pedagógicas
observadas ou citadas nas entrevistas.
18
Para obter as informações pessoais dos sujeitos da pesquisa, elaborei um questionário sociodemográfico que
foi traduzido para LIBRAS, a fim de uma melhor compreensão dos sujeitos Surdos (Apêndice).
39

queda) e foi perdendo a audição gradativamente. Segundo ele, aos 10 anos, ficou Surdo de
fato. Isso ocorreu por volta de 30 anos atrás.
Submeteu-se a dois vestibulares, um na UFPB e outro em uma universidade privada da
capital paraibana, mas não conseguiu ingressar em nenhuma das instituições. Tinha muita
vontade de cursar graduação em Artes. Anos depois, cursou Licenciatura em Pedagogia em
uma universidade privada e Licenciatura em Letras-LIBRAS pela Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), em 2008.
Conforme informou, na escola, atendia alunas Surdas e alunos Surdos no AEE e era
responsável pela ornamentação de todas as festividades da escola. Entretanto, após algumas
tentativas de observar suas aulas (três visitas à escola), percebi que o professor não realizava o
AEE na SRM.
Na primeira visita, não tinha nenhum/a aluno ou aluna presente. Ele afirmou que
eles/elas sempre faltavam. Na segunda, ele estava na quadra poliesportiva participando da
“Semana do Deficiente” e, mais uma vez, não houve aula no AEE. E, na terceira, ele disse
que iria buscar uma aluna Surda e um aluno Surdo do 5° ano, ambos de 12 anos, para aplicar
uma atividade. Ele afirmou que não gostava de fazer isso porque atrapalhava a aula. Mesmo
com meu comentário de que não era necessário, ele insistiu. Ele trouxe a aluna e o aluno,
aplicando uma atividade através da exposição de imagens. As crianças deveriam formar
palavras e dizer quais eram os sinais. A atividade durou por volta de 15 minutos19.
Diante da situação, decidi não dar continuidade à pesquisa com aquele professor
Surdo, visto que ficou nítido seu constrangimento diante de minha presença, justamente, pela
constatação de que o AEE não estava sendo desenvolvido.
Em outro momento, uma colega do grupo de pesquisa do qual eu faço parte (Inclusão
e Alteridade), que havia sido professora naquela escola – colega de trabalho do professor
Surdo – confirmou que ele não realizava atividade no AEE20. Ela confirmou o que ele já havia
dito anteriormente, ou seja, que era responsável por outras atividades na escola, como
ornamentação das festividades e atividades lúdicas, entretanto, acrescentou que basicamente
seu trabalho se restringia a essa atividade. Ademais, ela afirmou que, quando o professor
Surdo entrou na escola, através de concurso público, como pedagogo, foi destinado a ser
professor polivalente em sala de aula comum para alunas e alunos ouvintes, mas que ele e a
19
Os dados colhidos na situação pedagógica desenvolvida pelo professor Surdo poderão ser utilizados em
trabalhos futuros.
20
Essa observação só foi possível de ser feita pelo fato de a discussão ter sido realizada no âmbito do grupo de
pesquisa, restringindo a identificação dos sujeitos a esse espaço, compartilhado por pesquisadoras e
pesquisadores comprometidos com a ética da pesquisa.
40

direção da escola resolveram remanejá-lo, por acharem que aquela situação era inviável,
devido à falta de comunicação acarretar em pouco domínio de sala.
Assim, por conta das circunstâncias, esta pesquisa dedicou-se a investigar apenas o
trabalho das outras três professoras Surdas denominadas Karin, Carolina e Gladis.
Esses nomes foram escolhidos em homenagem às, também, professoras Surdas, e
doutoras, Karin Strobel, Carolina21 Hessel Silveira e Gladis Perlin, por suas contribuições
teóricas e a defesa da importância de docentes Surdas/os nos processos educacionais de alunas
Surdas e alunos Surdos.
Karin, uma mulher negra de 29 anos, era professora de LIBRAS havia
aproximadamente sete, dos quais, quatro eram na escola em que trabalhava como prestadora
de serviço. Nos outros anos, trabalhara como professora polivalente numa escola para pessoas
Surdas. Era aluna do curso de Licenciatura em Letras-LIBRAS na UFPB, porém, trancou o
curso no 3º período por motivos pessoais, mas pretendia voltar em 2016. Trabalhava todos os
dias, sendo que em três deles ministrava aulas de LIBRAS pela manhã nas salas de aula
comuns, com 40 minutos de duração; e dois dias na SRM realizando o AEE para as/os
discentes Surdas/os no horário vespertino, por quatro horas/dia. Recebia cerca de um salário
mínimo pelo seu trabalho. Ela nasceu ouvinte e ficou Surda aos três anos idade após ter
meningite. Seu esposo era Surdo e sua filha de quatro anos era ouvinte.
Carolina, uma mulher branca de 27 anos, era licenciada em Letras-LIBRAS e cursava
especialização em LIBRAS. Trabalhava todos os dias na mesma escola, em horário integral
(40 horas semanais), oscilando entre o trabalho no AEE e as aulas de LIBRAS nas salas
regulares, 1 hora cada uma. Ela dividia esta última tarefa com outro professor de LIBRAS,
que era ouvinte. Esse trabalho era sua primeira experiência como professora, embora já
trabalhasse nesta escola havia quatro anos. Nasceu Surda e desconhecia a causa da sua surdez.
Aprendeu LIBRAS aos sete anos numa escola especial em João Pessoa-PB, nunca tendo sido
oralizada. Em sua família, a mãe e a irmã sabiam LIBRAS. Seu salário era de
aproximadamente dois salários mínimos. Era mãe de duas crianças ouvintes.
Gladis, uma professora negra de 43 anos, era licenciada em Letras-LIBRAS e
especialista em LIBRAS. Trabalhava todos os dias na escola-campo pela manhã com uma
carga horária de 20 horas semanais, além de trabalhar em outro turno em uma escola estadual
(20 horas). Pelo município, ela também recebia um salário mínimo. Era professora de

21
Carolina também era o nome da aluna Surda de 14 anos com quem eu trabalhei em 2010. Por isso, pelas trocas
culturais e pelo carinho que cultivei por ela a homenageio nesta dissertação.
41

LIBRAS havia dez anos e havia seis que atuava na mesma escola. Era Surda pós-lingual,
tendo perdido a audição após ter sarampo aos nove anos de idade. Aprendeu LIBRAS apenas
aos 20 anos na Fundação de Apoio ao Portador de Deficiência - FUNAD (João Pessoa) e
numa igreja. Era casada com um Surdo e tinha um filho e uma filha ouvintes. O filho, a filha,
um irmão e o esposo se comunicavam em LIBRAS.

1.1.4 As pessoas que participaram da pesquisa

Para além dos sujeitos da pesquisa, ou seja, das três professoras Surdas, Karin,
Carolina e Gladis, durante as observações algumas pessoas também participaram das práticas
pedagógicas, bem como foram citadas pelas professoras durante as entrevistas. Desse modo,
as situarei nesse contexto, bem como darei a cada uma um nome fictício.
Junto com Karin, na SRM trabalhava uma professora/psicopedagoga que atuava na
escola havia menos tempo que ela (três anos), chamada Olívia22. Ela era professora das
crianças com outras deficiências. A professora Surda convivia também com mais três pessoas,
para quem ministrava aulas no AEE. Eram duas alunas Surdas e um aluno Surdo, a quem
denominei Sofia23 – tinha dez anos de idade e estava no 4º ano do Ensino Fundamental –,
Samuel – tinha 11 anos e estava no 5º ano – e Suelen24 – se encontrava na mesma turma de
Samuel e tinha 15 anos.
Na SRM em que trabalhava Carolina, também havia uma professora/psicopedagoga
que atuava junto às crianças ouvintes. Essa professora trabalhava na escola havia sete anos e
foi chamada de Osana. Carolina ministrava aulas a todas/os as/os sete alunas Surdas e alunos
Surdos da escola, no entanto, no período vespertino (horário em que observei), ela trabalhava
apenas com duas meninas: Sabrina, de sete anos, aluna do 2º ano, que passou por uma
cirurgia de implante coclear quando era mais nova; e Sarah, de oito anos, aluna do 3º ano, que
não possuía as falanges mediais e distais de todos os dedos, exceto as do polegar (as falanges
de seus dedos foram amputadas devido a uma vacina aplicada na menina quando era bebê).
Cada aluna, na maioria das vezes, era acompanhada durante o AEE por suas intérpretes, que

22
Para me referir às professoras ouvintes do AEE, utilizarei a inicial O para os nomes fictícios fazendo
referência à palavra ouvinte. Acredito que, desse modo, é possível um melhor tratamento às pessoas
participantes.
23
Para realizar uma inter-relação entre os dados, identifiquei as alunas Surdas e os alunos Surdos com
pseudônimos com a inicial S em referência às palavras Surdas e Surdos.
24
As observações do trabalho da professora Karin ocorriam às quintas-feiras. Suelen frequentava o AEE apenas
às terças. Por isso, ela é citada em poucos momentos da pesquisa.
42

foram chamadas de Inácia e Izaura25. É válido ressaltar que, segundo a professora, de manhã
ela trabalhava com alunas Surdas e alunos Surdos adolescentes.
No que concerne à SRM em que atuava a professora Gladis, também trabalhava havia
um ano a professora/psicopedagoga Osória. Os alunos Surdos da escola, para quem Gladis
ministrava aulas no AEE eram Saulo, Sinésio, Santiago e Sérgio. Saulo era uma criança Surda
de oito anos de idade, com deficiência intelectual, estava no 1º ano e contava com o auxílio de
um cuidador que não sabia língua de sinais; Sinésio era um aluno do 5º ano e tinha 12 anos de
idade; Santiago tinha 15 anos, era aluno do 7º ano; e, por fim, Sérgio, que quase não
frequentava a escola por não possuir intérprete, era um aluno de 15 anos, matriculado no 4º
ano.

1.1.5 Situando o campo de pesquisa

Nesta seção, descrevo de forma sucinta, como se configuram as Salas de Recursos


Multifuncionais (SRM), qual é a proposta do Atendimento Educacional Especializado (AEE)
para alunas Surdas e alunos Surdos nas escolas comuns e como eram as SRM onde cada
professora Surda desenvolvia o seu trabalho.

1.1.5.1 Salas de Recursos Multifuncionais (SRM) e Atendimento Educacional


Especializado (AEE)

Atualmente, com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da


Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), várias escolas regulares brasileiras possuem as
chamadas Salas de Recursos Multifuncionais. Essas salas são provenientes do “Programa
Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais”, criado em 2005 pelo Ministério da
Educação. Esse programa provê vários equipamentos de informática, mobiliários, materiais
didáticos e pedagógicos para a constituição de salas destinadas a atender alunas e alunos com
deficiências. Em contrapartida, as escolas devem disponibilizar uma sala para a realização do
AEE e as/os profissionais necessárias/os para o trabalho.
De acordo com o Portal do Ministério da Educação26, o objetivo do programa é:

25
Iniciais com I em referência à palavra intérprete.
26
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/pnaes/194-secretarias-112877938/secad-educacao-continuada-
223369541/17430-programa-implantacao-de-salas-de-recursos-multifuncionais-novo>. Acessado em 02 de
Dezembro de 2016, às 17:10 horas.
43

Apoiar a organização e a oferta do Atendimento Educacional Especializado


– AEE, prestado de forma complementar ou suplementar aos estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas
habilidades/superdotação matriculados em classes comuns do ensino regular,
assegurando-lhes condições de acesso, participação e aprendizagem.

Dessa forma, a política recomenda que o AEE aconteça na Sala de Recursos


Multifuncionais visando envolver todas as alunas e os alunos com deficiências, transtornos
globais do desenvolvimento, altas habilidades/superdotação, no contraturno da sala de aula
comum. Assim, a cada especificidade dos sujeitos, o AEE é planejado de uma forma
diferente.
Conforme Damázio (2007), no tocante ao Atendimento Educacional Especializado
para as Pessoas com Surdez (AEEPS), ele foi idealizado para acontecer em três momentos
didático-pedagógicos: AEE em LIBRAS, AEE para o ensino de LIBRAS e AEE para o ensino
da Língua Portuguesa.
O AEE em LIBRAS constitui-se em práticas didático-pedagógicas que abordem
diferentes conteúdos curriculares, explicando-os em LIBRAS às alunas Surdas e aos alunos
Surdos. Para tanto, é recomendado que esse momento seja realizado por uma professora Surda
ou um professor Surdo e que ocorra diariamente.
O AEE para o ensino de LIBRAS tem por objetivo favorecer o conhecimento e a
aquisição dessa língua, em termos práticos e científicos. De igual modo, essa prática
pedagógica deve ser realizada por professoras/es Surdas/os ou instrutoras/es de LIBRAS.
Segundo a autora, é preciso considerar o estágio de desenvolvimento da língua de sinais em
que a aluna Surda ou o aluno Surdo se encontra.
E, por fim, AEE para o ensino de Língua Portuguesa objetiva trabalhar as
especificidades dessa segunda língua para as pessoas Surdas. Também deve ocorrer todos os
dias, à parte das aulas da turma comum, por uma professora graduada, preferencialmente, na
área de Língua Portuguesa. Ademais, deve ser planejado em conjunto com as/os
professoras/es de LIBRAS e com as/os da sala comum.

1.1.5.2 Descrição física das Salas de Recursos Multifuncionais

Tendo dito como se configuram as SRM e a proposta do AEE, é preciso situar onde
essas professoras Surdas desenvolviam este trabalho com suas alunas Surdas e seus alunos
Surdos.
44

As três escolas municipais de João Pessoa-PB localizavam-se em bairros periféricos


da cidade, atendendo a um público de baixa renda. Eram amplas e, basicamente, funcionavam
pela manhã e à tarde. Apenas uma delas funcionava à noite com turmas de EJA (Educação de
Jovens e Adultos).
Na escola de Karin, a SRM localizava-se no centro, era bem ampla, agradável,
climatizada, possuía uma televisão de 42 polegadas, dois computadores, um notebook, três
armários, sendo dois para guardar materiais pedagógicos e um para as professoras guardarem
objetos pessoais; um quadro negro, duas mesas, das quais uma era maior e estava localizada
ao centro da sala, utilizada pela professora Olívia, e outra menor, localizada em local
reservado, utilizada por Karin. Havia alguns materiais visuais produzidos para as práticas
pedagógicas com as crianças Surdas e muitos materiais produzidos pelo MEC (Ministério da
Educação), sobretudo jogos.
Na escola de Carolina, a SRM era localizada num espaço isolado, porém, era bem
ampla, climatizada, com dois computadores, armários, carteiras, uma mesa central, onde
ficava a psicopedagoga. Carolina utilizava carteiras para trabalhar com as alunas Surdas.
Possuía, também, vários materiais visuais produzidos por ela, como painéis com o alfabeto
manual, números, cores, calendários etc.
A sala também era muito movimentada, cheia, pois, além das duas professoras e das
muitas crianças – Surdas e ouvintes –, que participavam do AEE, as duas intérpretes
geralmente acompanhavam as crianças Surdas, o outro professor de LIBRAS (ouvinte)
também ficava no ambiente, entre outras pessoas que utilizavam o espaço para descanso ou
momentos informais27.
A SRM em que trabalhava Gladis, além de ser bem pequena e quente, ficava num
local isolado, no fundo da escola, com uma mesa no canto onde trabalhava a professora
ouvinte, alguns computadores, um armário, algumas carteiras e um painel com o alfabeto
manual. Gladis trabalhava com os alunos Surdos ou nas mesas onde ficavam os computadores
ou em carteiras que havia na sala. Durante o AEE, as cuidadoras e os cuidadores das crianças
com deficiências também permaneciam no local.

27
Desde já, sinalizo que esta situação é criticável, uma vez que o AEE tem por finalidade o desenvolvimento de
práticas didático-pedagógicas com pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e com altas
habilidades/superdotação. Dessa forma, há uma descaracterização desse espaço imprescindível no modelo
inclusivo.
45

1.1.6 Técnicas utilizadas na pesquisa

Nesta seção, farei a descrição de como foram realizadas as observações não-


participantes e as entrevistas semiestruturadas, técnicas utilizadas para a coleta de dados.
A despeito das técnicas, Marconi e Lakatos (2012, p. 111) afirmam que “são
consideradas um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência; são,
também, a habilidade para usar esses preceitos ou normas, na obtenção de seus propósitos.
Correspondem, portanto, à parte prática de coleta de dados”.
Dessa forma, as técnicas de pesquisa são fundamentais para o desenvolvimento de
qualquer pesquisa, porque elas têm relação direta com a obtenção dos dados de forma mais
qualificada. Assim, a garantia da qualidade dos dados depende, também, das técnicas
utilizadas.
Para tanto, os instrumentos, como o diário de campo e o roteiro de entrevistas,
precisam estar coerentes com as técnicas, de modo que favoreçam a coleta dos dados,
abrangendo uma gama de possibilidades. Nesse sentido, é importante que, na pesquisa
qualitativa, os instrumentos sejam flexíveis, possibilitando ao pesquisador ou à pesquisadora
acrescentar novas questões ou elementos a serem investigados durante o processo. Na
apresentação final do trabalho desenvolvido, portanto, é indispensável que todos os
instrumentos utilizados na pesquisa sejam descritos, salvo em casos de observação
(MARCONI; LAKATOS, 2012).

1.1.6.1 As observações não participantes das práticas pedagógicas

No desenho inicial desta pesquisa, eu pretendia utilizar como técnica de pesquisa


apenas a entrevista. No entanto, percebi que, para alcançar os objetivos, não poderia restringir
o trabalho investigativo a essa técnica, visto que seriam as práticas pedagógicas, através da
observação, que iriam servir de sustentáculo para a análise dos discursos proferidos nas
entrevistas. Conforme Richardson (1999, p. 259) “a observação, sob algum aspecto, é
imprescindível em qualquer processo de pesquisa científica, pois ela tanto pode conjugar-se a
outras técnicas de coleta de dados como pode ser empregada de forma independente e/ou
exclusiva”.
As observações não participantes foram realizadas de forma articulada, buscando
identificar na prática das professoras Surdas pistas que corroborassem ou contradissessem
seus discursos, além de outros indicativos silenciados em suas narrativas. Considero, então, a
46

observação um meio apropriado para o caso, uma vez que ela permitiu o estudo do tema sob
diferentes perspectivas.

A observação não participante é uma técnica indicada para estudos


exploratórios, considerando que ela pode sugerir diferentes metodologias de
trabalho, bem como levantar novos problemas ou indicar determinados
objetivos para a pesquisa. Sua utilidade porém não se faz apenas em
explorações; ela é igualmente indicada em estudos mais profundos, tanto nas
ciências sociais quanto nas humanísticas (RICHARDSON, 1999, p. 260).

Durante três meses, ao realizar esse tipo de observação, permaneci em local reservado
das salas durante toda a aula. Nesse ínterim, anotei todas as situações pedagógicas, sem
interromper a explicação das professoras e evitei emitir comentários a respeito das situações.
Tais observações foram registradas em diário de campo, seguindo as recomendações de Cruz
Neto (2002, p. 63-64), para quem “quanto mais rico for em anotações esse diário, maior será o
auxílio que oferecerá à descrição do objeto estudado”.
As observações ocorreram de maneiras diferentes em cada SRM. No caso das
observações do trabalho das professoras Karin e Carolina, elas foram realizadas em ambientes
“naturais28” (FLICK, 2009). Isto é, todas as observações foram realizadas durante o curso
normal do cotidiano dessas professoras.
No entanto, no caso das observações realizadas no AEE desenvolvido por Gladis, o
ambiente se configurou mais como “artificial” (FLICK, 2009), visto que, ainda na fase
exploratória, a professora afirmou que esse momento didático-pedagógico não vinha
ocorrendo. Segundo ela, seus alunos Surdos não frequentavam o AEE no horário oposto à
aula comum por conta da dificuldade financeira e de localidade. Ela passou a desenvolver o
AEE espontaneamente, algumas vezes, devido à pesquisa, no horário da aula comum, muito
embora não tenha havido nenhuma solicitação ou insistência minha nessa direção. As
observações foram realizadas às terças-feiras de 10 às 11 horas da manhã.
Embora Karin realizasse o AEE em dois dias da semana (terça e quinta), optei por
observar apenas às quintas-feiras, pois, nas terças, ele ocorria durante apenas uma hora, e, nas
quintas, por aproximadamente três horas (14 às 17 horas). Nos outros dias, ela ministrava
aulas nas salas comuns durante 40 minutos.

28
Embora Flick (2009) coloque como observações “naturais” para esse tipo de situação, lembro que, na
perspectiva dos Estudos Culturais, as práticas sociais não são consideradas naturais, mas construídas
culturalmente. Porém, compreendo que o autor se refere como naturais às observações em ambientes em que
ocorrem determinadas práticas independentemente de fins específicos e com prazo determinado, como é para as
pesquisas científicas. Quanto ao termo “artificial”, refere-se às situações criadas para esses fins, ou seja, apenas
para realização de estudos científicos, como as que ocorrem em laboratórios.
47

Carolina desenvolvia o AEE em vários dias, pela manhã e tarde. Pela manhã, com
adolescentes e, pela tarde, com as duas meninas de sete e oito anos. A escolha da tarde para
realizar as observações se deu pelo fato de haver estipulado como critério investigar o
trabalho das professoras Surdas com crianças matriculadas nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Portanto, optei por observar as aulas de Carolina às segundas e quartas-feiras
das 14 às 17 horas.
A seguir, exponho quais foram os dias utilizados para desenvolver as observações do
trabalho de cada professora.

REALIZAÇÃO DAS OBSERVAÇÕES (2015)


PROFESSORA KARIN PROFESSORA CAROLINA PROFESSORA GLADIS
29
DIA Técnica de pesquisa - DIA Técnica de pesquisa - DIA Técnica de pesquisa -
outras atividades outras atividades outras atividades
03/09 Observação 16/09 Observação 29/09 Observação
24/09 Observação 28/09 Observação 06/10 Observação
01/10 Observação 05/10 Observação 13/10 Observação
08/10 Observação 14/10 Visita realizada, mas 03/11 Observação
não houve aula
22/10 Observação 28/10 Observação 10/11 Observação
29/10 Observação 04/11 Observação 19/11 Observação
05/11 Observação 16/11 Observação 24/11 Observação
24/11 Observação 28/11 Observação 03/12 Observação
29/11 Confraternização na 03/12 Evento: “Mostra de ____ _____________
SRM (AEE30) Inclusão31”
Quadro 2. Identificação dos dias em que foram realizadas as observações.

No quadro a seguir, para uma melhor compreensão, descrevo os horários das


observações e o tempo de sua duração em cada escola:

QUANTIDADE DE HORAS OBSERVADAS


Professora Surda Turno Horário Total aproximado de
horas observadas32
Karin Vespertino 14 às 17 horas 24 horas
Carolina Vespertino 14 às 17 horas 21 horas
Gladis Matutino 10 às 11 horas 8 horas
Quadro 3. Quantidade de horas observadas em cada escola.

29
Em algumas ocasiões, não foi possível realizar as observações duas vezes por semana; em outras, nenhuma.
Isso aconteceu, geralmente, porque as professoras avisavam que não iriam trabalhar por motivos de saúde.
30
Confraternização na SRM, organizada pela Professora Karin, que contou com a participação das mães de suas
alunas Surdas e de seu aluno Surdo, da professora ouvinte, das bolsistas de PIBIC e com a minha.
31
Evento organizado pela escola, que tinha por tema o respeito às diferenças.
32
É preciso considerar que essa quantidade é uma estimativa, visto que em alguns dias as aulas terminavam em
horários diferentes.
48

1.1.6.2 As entrevistas com as professoras Surdas

A entrevista é uma técnica de pesquisa muito utilizada nas pesquisas qualitativas, por
ser considerada uma arena de significados (SILVEIRA, 2007).
Utilizando entrevistas, é possível uma aproximação das subjetividades dos sujeitos
pelos quais a pesquisa se interessa. Embora discursos possam ser produzidos simplesmente
para responder a determinadas questões da pesquisa, a entrevista pode ratificar ou negar
indícios observados no contexto dos sujeitos. Por isso, nesta pesquisa, as entrevistas foram
importantes, porque permitiram aprofundar questões que surgiram no processo de observação
do trabalho das professoras Surdas. Conforme Gaskell (2014, p. 65), “a entrevista qualitativa
pode desempenhar um papel vital na combinação com outros métodos”.
Nessa perspectiva de “arena de significados”, como afirma Silveira (2007), as pessoas
entrevistadas podem ser vistas como personagens, que saberão ou tentarão se reinventar. No
entanto, não são personagens sem autoras ou autores. As/os autoras e autores de suas histórias
são as suas “experiências culturais, cotidianas, os discursos que os atravessam e ressoam em
suas vozes”. Ademais, para Silveira, nas entrevistas, enquanto produções discursivas há
espaço para outro personagem: a pesquisadora ou o pesquisador. Isso caracteriza as
entrevistas como “um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em
que as palavras são o meio principal de troca” (GASKELL, 2014, p. 73). Para o autor:

Não é apenas um processo de informação de mão única passando de um (o


entrevistado) para outro (o entrevistador). Ao contrário, ela é uma interação,
uma troca de ideias e de significados, em que várias realidades e percepções
são exploradas e desenvolvidas. Com respeito a isso, tanto o(s)
entrevistado(s) como o entrevistador estão, de maneiras diferentes,
envolvidos na produção de conhecimento. [...]. Deste modo, a entrevista é
uma tarefa comum, uma partilha e uma negociação de realidades.

A partir das entrevistas, algumas questões foram mais bem esclarecidas sobre as
práticas pedagógicas das professoras Surdas. Além disso, surgiram outros elementos que
antes não foram percebidos, como por exemplo, detalhes de suas trajetórias escolares, o que
acredito ter sido fundamental para a construção de suas identidades docentes.
As entrevistas ocorreram em LIBRAS e com o auxílio das duas bolsistas de PIBIC,
que gravaram todas as informações em vídeo. As professoras se sentiram um pouco nervosas,
ou melhor, preocupadas se iam compreender as perguntas, mas foram muito solícitas,
generosas e compreenderam bem, de modo geral, todas as questões contidas nas entrevistas,
que duraram entre 48 e 55 minutos. Conforme Gaskell (2014), “a entrevista individual ou de
49

profundidade é uma conversação que dura normalmente entre uma hora e uma hora e meia.
Antes da entrevista, o pesquisador terá preparado um tópico guia, cobrindo os temas centrais e
os problemas da pesquisa” (p. 82).
Nesse sentido, a partir do tópico guia ou roteiro de entrevistas 33 realizei várias outras
perguntas, de forma tranquila e informal, tentando deixar as professoras confortáveis e, ao
mesmo tempo, buscando aprofundar questões a partir de suas próprias colocações.
No quadro a seguir, identifico os dias em que aconteceram e quanto tempo durou cada
entrevista:

DETALHES DAS ENTREVISTAS


Professora Surda Dia Quantidade de vídeos Tempo de duração total
Gladis 26/11 – Manhã Seis 48:05’
Karin 26/11 – Tarde Três 55:23’
Carolina 09/12 – Tarde Cinco 50:49’
Quadro 4. Informações das entrevistas com as professoras Surdas.

É válido lembrar que, no caso de Karin, só foi possível realizar a entrevista porque sua
colega de trabalho, a professora Olívia, não estava presente. Ela só se sentiu à vontade para
conceder a entrevista sem a presença da colega. Nesse caso, aproveitei um dia em que a
professora foi a uma formação continuada, para realizar a entrevista. Enquanto a entrevistava,
Samuel e Sofia faziam uma atividade em local reservado.
Gladis concedeu a entrevista na sala de informática da escola, por crer que lá seria
mais adequado pela pouca circulação de pessoas. Já com Carolina, a entrevista foi realizada
na SRM. No início, a professora Osânia estava presente, mas estava concentrada em outra
atividade e não alterou o processo. Depois de alguns minutos, ela se retirou e a entrevista
transcorreu normalmente.

1.1.7 A ordenação e análise dos dados

Após obter todos os dados, a partir das observações não participantes das práticas
pedagógicas e das entrevistas com as professoras Surdas, passei a realizar os seguintes
procedimentos:

33
Apêndice. O roteiro de entrevista foi composto por dez questões abertas, das quais as primeiras visavam trazer
narrativas, com foco no olhar das professoras Surdas, sobre si próprias, suas histórias, seu autorreconhecimento
etc. As outras questões pretendiam que as entrevistadas falassem mais profundamente sobre o seu trabalho
docente.
50

(1) Ordenação dos dados: de acordo com a norma culta da língua portuguesa,
transcrevi para o computador todas as anotações feitas durante as observações das práticas
pedagógicas de cada professora.
Logo após, juntamente com as duas bolsistas de PIBIC 34, passei a traduzir cada
entrevista concedida pelas três professoras. As traduções duraram em torno de um mês, pois,
por ser em outra língua, o processo de tradução/transcrição dos dados se tornou ainda mais
complexo, sobretudo, pela importância em mantermos o sentido mais fiel possível dos
discursos dos sujeitos. Consegui compreender bem quase todas as falas das professoras, mas
me senti mais seguro contando com a ajuda de mais duas pessoas, em especial, por acreditar
que, coletivamente, a tradução se tornaria mais segura, devido ao processo de conferência
empreendido, o que proporcionou mais fidedignidade à compreensão do sentido do discurso
de quem o proferiu.
(2) Categorização: pensando na análise de conteúdo numa perspectiva mais
qualitativa, híbrida (BAUER, 2014), elenquei categorias mestras para este estudo, que
surgiram explicitamente nas observações e nos discursos das professoras durante as
entrevistas. No entanto, questões implícitas e/ou secundárias também foram abordadas, visto
que elas eram fundamentais para ratificarem ou negarem questões mais gerais. Essas
categorias são explicitadas a partir de títulos e subtítulos no capítulo 2.
(3) Análises: nessa fase, articulei os dados empíricos com os referenciais teóricos dos
Estudos Culturais e dos Estudos Surdos, além dos referenciais que o campo da educação tem
produzido, sobretudo, aqueles que se aproximam da perspectiva da pedagogia da diferença.
Acima de tudo, procurei corresponder aos objetivos deste estudo, tentando desvendar aspectos
objetivos e subjetivos que estavam por detrás dos conteúdos manifestos durante a pesquisa.
Ademais, para um melhor resultado, relacionei as práticas pedagógicas das professoras Surdas
com os seus discursos proferidos durante as entrevistas, a fim de analisar o objeto desse
estudo de forma articulada entre prática e discurso.

34
As pesquisadoras, bolsistas de PIBIC, eram graduandas em Letras-LIBRAS pela UFPB, fluentes em LIBRAS,
sendo uma delas pedagoga e especialista em LIBRAS.
51

2 ANÁLISES EMPÍRICO-TEÓRICAS

A finalidade da pesquisa científica não é apenas um relatório ou descrição de


fatos levantados empiricamente, mas o desenvolvimento de um caráter
interpretativo, no que se refere aos dados obtidos. Para tal, é imprescindível
correlacionar a pesquisa com o universo teórico, optando-se por um modelo
teórico que sirva de embasamento à interpretação do significado dos dados e
fatos colhidos e levantados (MARCONI; LAKATOS, 2012, p. 114).

Os Estudos Culturais podem ser considerados um tumulto teórico por não ser um
conjunto articulado de ideias e pensamentos (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003). No
entanto, há um ponto de partida que dá base às investigações nessa perspectiva: a
desnaturalização de normas oriundas do poder instituído. Então, é sob esta égide que analiso
os dados obtidos durante esta pesquisa de campo, tentando interpretá-los de forma híbrida,
interseccionando-os entre si e com a teoria, sem obedecer a uma rígida linearidade. Os
aspectos aparentes e emergentes podem, inclusive, ser abordados em ziguezague, ou seja,
indo e voltando, quando necessário (MEYER; PARAÍSO, 2012).
Para tanto, teço este capítulo da seguinte forma: na primeira seção, intitulada
Identidades Culturais e Relações de Poder: Diferença Surda, Gênero e Docência, trato das
relações de poder que envolvem o trabalho das professoras Surdas em termos identitários e
profissionais, envolvendo a diferença Surda, as questões de gênero e as relações sociais no
trabalho docente.
Na segunda, denominada Pedagogia Surda: o papel de professoras Surdas no processo
de construção de identidades Surdas faço a discussão central deste estudo, trazendo o papel de
professoras Surdas na construção de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos através da
Pedagogia Surda. Para tal, destaco a diferença, as identidades, a língua de sinais e o encontro
Pessoa Surda - Pessoa Surda como pilares desse processo pedagógico-cultural. Esta seção
subdivide-se em: Pilares da Pedagogia Surda: diferença, identidades e língua de sinais e
Cultura Surda: construção de identidades no encontro Pessoa Surda-Pessoa Surda.

2.1 IDENTIDADES CULTURAIS E RELAÇÕES DE PODER: Diferença Surda,


Gênero e Docência

Assim como qualquer pessoa, as pessoas Surdas são marcadas historicamente, num
atravessamento de múltiplos discursos. Estes discursos vão construindo-as e fazendo-as
52

assumir diversos papéis sociais. Um desses papéis, por exemplo, é o de professora – como é o
caso dos sujeitos desta pesquisa.
Mas, afinal, quem são os três sujeitos que compõem esta pesquisa? Como Karin,
Carolina e Gladis se veem como pessoas? Por elas mesmas:

Meu nome é Karin, meu sinal é esse [faz o sinal que a identifica35]. Eu nasci
ouvinte e com 3 anos fiquei Surda, porque tive meningite. Eu morava em
Brasília e estudava numa escola própria para Surd@s36. Lá, tod@s eram
Surd@s. Eu estudava de manhã e à tarde. Era bom! A escola se chamava
CEAL, era lá em Brasília. Tinha fonoaudióloga, natação, capoeira, dança,
diversas coisas... Lá em Brasília tinha muitas coisas. Eu aprendi lá. El@s
me ensinaram LIBRAS. Não tinham professor@s ouvintes, eram tod@s
professor@s Surd@s, de LIBRAS, lá em Brasília. O chefe também sabia
LIBRAS. O chefe sempre fazia oração (PROFESSORA KARIN,
26/11/2015).

Meu sinal é esse [faz o sinal que a identifica]. Meu nome é Carolina, moro
com meu pai e minha mãe, tenho dois filhos homens [...] Nasci em
Guarabira, no interior [...] Quando eu nasci, nós nos mudamos porque
minha mãe ficou preocupada com o meu desenvolvimento porque eu era
Surda. Como eu ia aprender lá? Então, por isso que eu me mudei pra cá
[João Pessoa], porque lá no interior não tinha escola (PROFESSORA
CAROLINA, 09/12/2015).

Bom dia! Meu nome é Gladis, nasci ouvinte. Com 8 anos de idade fiquei
Surda, foi uma doença, sarampo. Estudei numa escola regular e era a única
Surda da família. Fui crescendo e me acostumando com a inclusão. Aos 20
anos aprendi LIBRAS, então eu conheci como era a comunicação, conheci
Surd@s, conheci intérpretes. Com a união com @s amig@s houve uma
troca. Estudei Letras-LIBRAS, me formei, também tenho especialização. Sou
casada, tenho filh@s ouvintes e sou casada com um Surdo. Sou feliz, minha
família é linda! Meus filh@s são ouvintes, sabem LIBRAS, gostam e me
ajudam sempre na comunicação, é uma união (PROFESSORA GLADIS,
26/11/2015).

Ao representarem a si mesmas, as professoras Surdas vinculam quem são a sua


diferença Surda, bem como às suas histórias escolares. Isto mostra que, dentre os seus
múltiplos traços identitários e as posições que ocupam socialmente, a sua diferença Surda é
um fator marcante naquilo que elas consideram ser pessoa. É tanto que o outro aspecto
recorrente, suas histórias educacionais, é um processo delineado pela condição Surda.

35
Faz parte da Cultura Surda “batizar” as pessoas com sinais que expressem uma característica física e/ou a
primeira letra de seu nome, e/ou a profissão (STROBEL, 2013).
36
Utilizei @ na tradução/transcrição das falas das professoras porque em LIBRAS, na Cultura Surda, as pessoas
utilizam o gênero neutro, salvo naqueles casos em que, de fato, necessita-se marcar o gênero.
53

Essas três professoras Surdas são pessoas com origens diferentes, inclusive biológicas
– apenas uma delas já nascera Surda –, mas possuem características culturais em comum:
Surdas, mulheres, usuárias da língua de sinais e professoras.
Embora saibamos que as pessoas são constituídas por um enlace de todas as suas
identidades, cada uma contribuindo para que a outra se construa, parece que, entre as pessoas
Surdas, essa condição é fator desencadeador de vários processos. Isso é perceptível nos
discursos das professoras que parecem corroborar a importância da identidade Surda na
construção das demais identidades.
Dificilmente as pessoas ouvintes se constituiriam assim, porque essa condição (ser
ouvinte) faz parte do padrão societário, sendo privilegiada de forma invisível. Talvez por isso
seja difícil, para elas entender essa definição cultural das pessoas Surdas. Somado ao fato de
na sua cultura isso ser pouco evidenciado, embora tenha uma importância radical, as/os
ouvintes não têm como se apropriar da experiência identitária das pessoas Surdas. Apenas
podem se aproximar de uma ideia do que ela seja, se houver disposição para tal.
Sobre isto, Sacks (2010) afirma que:

Ser surdo, nascer surdo, coloca a pessoa numa situação extraordinária; expõe
o indivíduo a uma série de possibilidades linguísticas e, portanto, a uma série
de possibilidades intelectuais e culturais que nós, outros, como falantes
nativos num mundo de falantes, não podemos sequer começar a imaginar (p.
101).

Embora as histórias de vida e as elaborações culturais de cada pessoa Surda sejam


diferentes, como é o caso das três professoras Surdas, a condição de serem Surdas, dentre as
suas múltiplas características humanas, imprime a essas pessoas dois elementos que as
identificam como tal – que para os Estudos Surdos são artefatos culturais (STROBEL, 2013):
a experiência visual e a língua de sinais. Nas palavras de Perlin e Miranda37 (2003, p. 218),
“se vocês nos perguntarem aqui: o que é ser surdo? Temos uma resposta: ser surdo é uma
questão de vida. Não se trata de uma deficiência, mas de uma experiência visual. Desta
experiência visual surge a cultura surda representada pela língua de sinais [...]”.
A experiência visual é o modo pelo qual as pessoas Surdas fazem a sua leitura de
mundo. É por meio do olhar que o mundo se aproxima delas na sua integralidade. Mesmo
para as que não usam a língua de sinais, essa percepção se impõe. Pelo fato de o som ser
inacessível para elas, há uma potencialização das suas capacidades viso-gestuais. Portanto, a

37
Pesquisadora Surda e pesquisador Surdo, respectivamente.
54

cultura áudio-oral está para as pessoas ouvintes, assim como a visual-gestual está para as
Surdas. Inseridas nelas, as pessoas se constroem, tendo em vista as diferentes dimensões
subjetivas que isso possa significar: afetivas, cognitivas, sociais, identitárias, entre muitas
outras.
Todavia, para que elas possam, de fato, compreender o mundo, é necessário que
adquiram uma língua, visto que sem linguagem suas outras construções identitárias serão
comprometidas. Do ponto de vista da Cultura Surda, é essencial para essas pessoas a
aquisição da língua de sinais, sobretudo para a sua plena condição de ser e estar no mundo,
enquanto sujeitos produtores de cultura.
Dessa forma, a língua de sinais passa a constituir as identidades Surdas, que, por sua
vez, se expressam de diferentes formas. Quando elas não adquirem nenhuma língua, é
possível que desenvolvam outras “estratégias de sobrevivência” através de mímicas, gestos
etc. Porém, é pela língua de sinais que as pessoas Surdas encontram a possibilidade de
comunicar-se e relacionar-se culturalmente de forma plena, além de marcar a sua diferença
cultural e transmitir a sua cultura.
Esta cultura compreende as diversas expressões das pessoas Surdas. É a forma como
elas dão sentido às suas vidas. É como compreendem e significam o seu estar sendo
(SKLIAR, 2003) no mundo. De acordo com Strobel (2013, p.29),

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo


a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas percepções
visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das
“almas” das comunidades surdas. Isso significa que abrange a língua, as
ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo.

Embora a língua de sinais e a experiência visual sejam as características mais


perceptíveis dessas pessoas, a Cultura Surda não se restringe a esses dois artefatos culturais.
As alteridades/identidades Surdas são constituídas pelas ideias, hábitos e visões de mundo,
enquanto construções subjetivo-culturais, apropriadas na família, na literatura, na vida social e
esportiva, nas artes visuais, na política e nos artefatos culturais materiais (STROBEL, 2013).
Na perspectiva dos Estudos Culturais, é fundamental pensarmos sobre as diferenças
dentro das diferenças (SCOTT, 1999). Nesse amplo leque de possibilidades que constitui as
pessoas Surdas, esta pesquisa traz uma intersecção interessante entre Gênero e Cultura Surda,
visto que nossas interlocutoras eram mulheres Surdas. Além disso, a condição de mulher de
Karin, Carolina e Gladis adensa o debate sobre a diferença Surda na educação e na pedagogia,
55

pois serem mulheres Surdas implica um papel social que ocupam e afeta as atividades
profissionais desenvolvidas por elas dentro da escola.
De acordo com Louro (1997), há quem diga que o gênero da escola e da docência é
masculino, pois o conhecimento que ali se trabalha foi historicamente produzido pelos
homens. Por outro lado, dizem que o gênero da escola é feminino por ser primordialmente um
espaço dominado pelas mulheres, haja vista que “elas organizam e ocupam o espaço, elas são
as professoras; a atividade escolar é marcada pelo cuidado, pela vigilância e pela educação,
tarefas tradicionalmente femininas” (p. 88).
A autora afirma então que, embora ambos os argumentos tenham fundamentos a ser
considerados, o importante mesmo é que a escola é atravessada pelos gêneros (LOURO,
1997). Concordo com a colocação dela, no entanto, alio-me, também, à segunda vertente, por
considerar que, embora o conhecimento seja produzido historicamente pelos homens, isso tem
mudado na contemporaneidade, além de serem as mulheres, em sua maioria, que materializam
e ressignificam esses conhecimentos nas práticas pedagógicas.
Desde as primeiras lutas por cidadania, instrução e voto no final do século XIX, por
uma parcela de mulheres dos Estados Unidos e da Europa, houve alguns avanços
conquistados por elas, em vários campos, mas merece destaque o campo da educação. No
Brasil, segundo Romário (2016, p. 3085):

O espaço das mulheres enquanto sujeitas portadoras de direitos sociais,


como cidadania e educação, no Brasil começa a ser conquistado, ou pelo
menos almejado, desde a segunda metade do século XIX. Desde então, a
educação escolarizada passa a ser importante para essas mulheres, por isso,
elas começam a estudar e, posteriormente, exercer a profissão de mestra,
mas com a ressalva desses cursos serem administrados por homens, ao longo
de todo o século XX.

Através de lutas dos movimentos feministas, a passagem do século XIX para o XX


permitiu às mulheres tornarem-se professoras, mesmo sob a supervisão masculina. Todavia,
mesmo que de forma paulatina, esse passo permitiu que elas passassem a exercer influências
sobre as futuras gerações, através de seus discursos, pensamentos e lutas pela democratização
do acesso ao espaço público para elas (ROMÁRIO, 2016).
Na contemporaneidade, as mulheres ocupam majoritariamente o espaço educacional,
demonstrando os efeitos positivos de suas lutas sociais em torno das questões de gênero.
Segundo o INEP (2009), a cada dez docentes da Educação Básica no Brasil, oito são
mulheres. Em relação às professoras Surdas, Klein e Formozo (2007, p. 110) asseguram que
56

“a participação das mulheres surdas no Brasil está crescendo e começando a ter visibilidade,
na medida em que essas mulheres estão tendo acesso à educação, e mais especificamente à
formação docente”.
Assim, com a inserção das mulheres Surdas no campo docente, não há como dissociar
as questões de gênero da diferença Surda. A principal questão que implicou na escolha das
três professoras Surdas para o desenvolvimento desta pesquisa, por exemplo, foi o fato de
apenas as três assumirem o AEE38, além das aulas de LIBRAS nas salas comuns, enquanto
que os professores Surdos desenvolviam apenas a segunda atividade. Para Louro (1997):

Embora professores e professoras passem a compartilhar da exigência de


uma vida pessoal modelar, estabelecem-se expectativas e funções diferentes
para eles e para elas: são incumbidos de tarefas de algum modo distintas,
separados por gênero [...], tratam de saberes diferentes (os currículos e
programas distinguem conhecimentos e habilidades adequados a eles ou a
elas), recebem salários diferentes, disciplinam de modo diverso seus
estudantes, têm objetivos de formação diferentes e avaliam de formas
distintas (p. 95-96).

A presença feminina na Educação Especial é ainda mais predominante. Isso ocorre por
essa área educacional ser representada socialmente como um campo que requer das
profissionais práticas de cuidado, sensibilidade, carinho e amor – atitudes e sentimentos
considerados mais característicos das mulheres (LOURO, 1997).
O trabalho no AEE, por exemplo, se diferencia do desenvolvido nas salas de aulas
comuns. Esse momento didático-pedagógico, por ser específico da Educação Especial, pode
receber representações estereotipadas de que para desenvolvê-lo seria preciso possuir
“atributos femininos”. Trago esta suposição em resposta à seguinte questão: por que, mesmo
possuindo a mesma formação docente que as três professoras Surdas e traços identitários
semelhantes no que concerne à diferença Surda, os professores Surdos da rede municipal de
ensino de João Pessoa-PB desenvolviam atividades diferentes? Embora não seja o foco desta
pesquisa, tendo tampouco me detido a explorá-lo na obtenção de dados empíricos, é
necessário lançar ao menos esta indagação sobre as questões de gênero implicadas no trabalho
das professoras Surdas e professores Surdos de João Pessoa-PB.
Anjos, Brandão e Sousa (2015, p. 244), ao desenvolverem uma pesquisa com
professoras de Sala de Recursos Multifuncionais constatam que, ao falarem de suas
identidades profissionais, “identidade de gênero (a partir dos estereótipos) e identidade

38
No AEE, o contato das professoras Surdas com as alunas Surdas e os alunos Surdos era mais direcionado e
com um tempo maior.
57

docente das professoras das Salas de Recursos se imbricam, podendo se explicar mutuamente,
dentro dos modos culturais da produção das identidades”. Com base nas palavras das autoras,
considero que a condição de mulher também implica no trabalho das professoras Surdas.
O gênero feminino, enquanto construção cultural, imbricado nas identidades das
professoras Surdas, pode ser impresso no processo pedagógico, podendo, inclusive,
influenciar na construção das identidades de alunas Surdas e alunos Surdos: a relação com
uma professora pode favorecer a aquisição de referências culturais mais próximas da
percepção das mulheres, o que supostamente favoreceria uma compreensão melhor dos
processos de desigualdade de gênero, caso essa professora tivesse, também, uma identidade
feminista.
Sendo assim, a relação estabelecida entre as professoras Surdas e alunas e alunos
Surdos vai além da diferença Surda, no entanto, essa condição é desencadeadora de várias
outras construções identitárias. As histórias Surdas de vida, por exemplo, marcadas por
diferentes contextos, aproximam os pares culturais. Na situação a seguir, a trajetória de vida
de um aluno sensibiliza a professora Gladis que se identifica com ele.

SITUAÇÃO I – ABANDONO
Professora Gladis – (19/11/2015)
A Professora Gladis estava na sala de aula com a professora ouvinte. Sérgio estava sentado,
assistindo a um vídeo em LIBRAS. Gladis afirmou que ele sabia pouco a língua de sinais porque
quase não ia à escola, uma vez que não tinha intérprete. Segundo ela, o garoto ia aproximadamente
um dia a cada mês. Ele já estava na sala porque ela o havia chamado mais cedo, porque, como não
tinha intérprete, ele ficava em sala de aula sem ter o que fazer. Ela iniciou a atividade com Sérgio,
mostrando as palavras escritas em português com figuras do tema “Família”. Primeiramente,
perguntou os sinais ao garoto para ver quais ele conhecia e, depois, corrigiu, ensinando os vários
sinais desconhecidos. Santiago chegou à sala e sentou-se junto aos outros dois, Sérgio e Sinésio,
que já estavam lá. Gladis, então, pediu que Santiago e Sinésio ajudassem Sérgio, porque ele não
sabia quase nada por causa das faltas. Ela relatou que o garoto fora abandonado pela mãe, morava
com o pai, estava no 4° ano, mesmo tendo 15 anos de idade, e estava sem intérprete. Ela expressou
que desejava muito ajudá-lo e que tinha pena, porque ele sofria muito na vida, pois faltava muito à
escola pela falta de um/a intérprete e, sobretudo, por conta do abandono da mãe do garoto.
Quadro 5. Situação I – Abandono, envolvendo a Professora Gladis.

A identificação entre pessoas Surdas ocorre por todas as questões desencadeadas pela
diferença Surda, como por exemplo, toda a sua história escolar e familiar. No caso de Gladis,
é possível que ela tenha se aproximado um pouco mais de Sérgio, devido aos complexos
58

processos familiares pelos quais ela também passou. Na fala a seguir, ela relatou sobre a sua
relação com a família:

Você acredita que meu pai nunca conversou comigo, meu irmão, os dois,
nunca?! Só minha mãe, éramos só nós duas [...] A família ficava toda
reunida, e eu sozinha... Até hoje! [...] Quando eu vou a Bayeux [PB], só
beijinho, abraço, então el@s vão para o outro lado e eu fico sozinha. Meu
filho me ajuda em LIBRAS (PROFESSORA GLADIS, 26/11/2015).

A maioria das pessoas Surdas tem um histórico familiar complexo. Muito embora haja
casos de abandono de crianças Surdas em abrigos, por exemplo, esses abandonos costumam
ser dentro da própria casa, por parte dos membros familiares – um abandono simbólico. As
crianças Surdas são deixadas de lado, sem diálogo, atenção e afeto. De acordo com Strobel
(2013, p. 61), “na maioria dos casos, com famílias ouvintes, o problema encontrado para esses
sujeitos surdos é a carência de diálogo, de entendimento e a falta de noção do que é cultura
surda”.
Carvalho (2004) argumenta que a política educacional, o currículo e a prática
pedagógica articulam os trabalhos educacionais realizados pela escola e pela família com base
nas divisões de sexo e gênero, sobrecarregando as mães nessa relação. No caso das mães de
crianças Surdas, são elas, em sua maioria, que ficam encarregadas de acompanhar suas filhas
e seus filhos em todos os processos educacionais. Vão além, buscam participar da Cultura
Surda e aprender LIBRAS, para estabelecerem uma comunicação melhor com suas filhas e/ou
filhos39.
Dessa forma, Gladis apresentou uma história de vida semelhante à de Sérgio, no que
diz respeito ao abandono familiar, o que a fez solidarizar-se e identificar-se com o garoto.
Porém, no tocante aos sujeitos, as histórias se diferenciam, pois, no caso dela, ocorreu um
abandono simbólico por parte do pai, do irmão e de outros membros de sua família; enquanto
que com ele, o abandono (total) foi materno. Com isso, o seu sentimento de piedade com
relação a ele pode ter sido intensificado, não só por ele ter um histórico de abandono como
ela, mas por este abandono ter sido materno. Provavelmente, ela considerou a grande
importância da figura materna, tão fundamental em sua vida, como única fonte de diálogo,
amizade e apoio.

39
Participei de um curso de dois anos de LIBRAS na FUNAD-João Pessoa. Nessa turma havia
aproximadamente 20 pessoas. Destas, sete eram mães de crianças Surdas, não havendo nenhum pai. Elas
participavam do curso ao mesmo tempo em que levavam suas filhas e filhos para participarem de aulas com
professoras Surdas e professores Surdos, bem como de encontros informais com outras pessoas Surdas, fazendo
daquela instituição um ponto de encontro da Comunidade Surda.
59

Em ambas as histórias – sua e de seu aluno –, a professora Surda se sensibiliza pelo


abandono, sofrimento e solidão, materializando esse sentimento na ânsia de ajudá-lo a superar
as dificuldades encontradas em decorrência dos difíceis processos que passava na escola pela
ausência da devida acessibilidade. Todo esse sentimento é decorrente das limitações
socioculturais impostas às pessoas Surdas. A sociedade, a escola e a família produziram
representações distorcidas sobre elas, praticando atos desumanos, como é o caso da
invisibilidade dentro da própria família (STROBEL, 2013).
Nesse emaranhado de processos históricos, as pessoas Surdas vão construindo as suas
múltiplas identidades, dentre elas a de docente. Ao abordar a questão da identidade nacional,
Woodward (2014) afirma que a redescoberta do passado é parte do processo de construção
das identidades. Isso ocorre também na construção das identidades pessoais: todos os
processos históricos que as pessoas passam constroem as suas identidades.
Então, de modo geral, as experiências escolares, familiares e sociais das professoras
Surdas fazem parte da construção de suas identidades docentes, ao ponto de as situações
semelhantes ou até mesmo opostas às vividas por elas fazerem com que rememorem suas
próprias histórias, materializando-as, por conseguinte, em aspectos de sua prática. Isso poderá
ser revertido de forma pedagógica, contribuindo para que alunas Surdas e alunos Surdos
entendam a própria história e as complexas relações que passam por serem sujeitos Surdos.
Considerando as duas histórias, é preciso, então, ressaltar que as trajetórias de vida das
professoras Surdas, das alunas Surdas e dos alunos Surdos impulsionam um processo de
identificação cultural, levando todas estas pessoas a quererem estar mais próximas, se
relacionando, trocando experiências, como ocorre em outros grupos étnicos. Nos discursos a
seguir, as professoras Surdas expressam seus sentimentos a respeito desse trabalho com seus
pares, mostrando que há uma predileção em trabalhar com elas e eles.

Eu cheguei aqui na escola para trabalhar com Surd@s, eu gosto muito de


ensiná-l@s. Na sala de aula inclusiva, regular, é diferente, porque @s
ouvintes parecem não ter vontade de aprender LIBRAS. Mas depende d@s
ouvintes. Tem pessoas que têm vontade de aprender LIBRAS, mas tem outras
que não têm vontade, é diferente. Eu gosto de ensinar na sala comum com
Surd@s e ouvintes, pois, @s ouvintes precisam aprender LIBRAS
(PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).

Eu sou professora formada, gosto de ensinar, gosto de fazer materiais,


metodologias diferenciadas próprias para Surd@s, eu amo. Amo @s
Surd@s, amo ensiná-l@s (PROFESSORA CAROLINA, 09/12/2015).
60

Eu gosto de trabalhar, gosto de ensinar LIBRAS a Surd@s e a ouvintes,


porque @s ouvintes aprendem a se comunicar com @s Surd@s. Amo
trabalhar, amo fazer materiais para trabalhar para ajudar as pessoas que
precisam. Sim, eu ajudo sempre. Gosto de trabalhar com Surd@s, amo
ensinar L1 (LIBRAS), L2 (Português). Eu gosto de ajudar @s Surd@s no
Português, é bom para el@s aprenderem, é importante (PROFESSORA
GLADIS, 26/11/2015).

Esse discurso consensual de afetividade em relação ao seu trabalho, apresentado pelas


professoras Surdas, principalmente quando desenvolvido com alunas Surdas e alunos Surdos,
pode ser favorável aos processos educacionais, mas pode também ser problemático, caso isto
se torne mais importante do que o compromisso com uma prática educativa qualificada e uma
rigorosa formação acadêmica. Segundo Freire (2014, p. 138), “é preciso [...] reinsistir em que
não se pense que a prática educativa vivida com afetividade e alegria prescinda da formação
científica séria e da clareza política dos educadores ou educadoras”.
O trabalho docente não pode se deter a este discurso da afetividade. Ele pode
reverberar de forma positiva na prática, mas é imprescindível que vá além. A afetividade
dissociada da boa formação acadêmica e de um compromisso político com uma educação
qualificada não se sustenta e não gera resultados satisfatórios à educação das pessoas Surdas,
nem de quaisquer outras pessoas.
A professora ou o professor não precisa e não deve temer expressar sua afetividade;
pelo contrário, com a afetividade, ela ou ele estará selando o seu compromisso com suas
educandas e seus educandos (FREIRE, 2014). É preciso, então, segundo o autor, “descartar
como falsa a separação radical entre seriedade docente e afetividade” (p. 138, grifo do autor),
porque esse sentimento pela docência pode ser um fator de motivação para a busca de
qualificação contínua.
A positividade em relação à docência de Karin, Carolina e Gladis pode transmitir a
suas alunas e seus alunos uma imagem de prazer ao desenvolverem um trabalho relacionado à
sua cultura, por meio do ensino de LIBRAS e da produção de artefatos culturais.
O fato de as professoras Surdas expressarem também uma predileção em
desenvolverem o seu trabalho com alunas Surdas e alunos Surdos demonstra que elas se
sentem mais confortáveis, provavelmente, por se identificarem culturalmente com elas e eles,
uma vez que possuem histórias de vida parecidas.
Essas histórias de vida, certamente foram fatores marcantes para a construção das
identidades docentes das professoras Surdas. Possivelmente, as identidades docentes
construídas por elas só puderam se tornar o que são/estão devido a sua relação intrínseca com
61

as diferenças, pois elas são relacionais e indissociáveis (WOODWARD, 2014; SILVA, 2014).
Portanto, sua profissionalidade – professoras Surdas – é diretamente influenciada pelos
processos escolares pelos quais passaram, sendo estes permeados pela diferença Surda.
De acordo com Garcia, Hypolito e Vieira (2005, p. 48):

Por identidade profissional docente entendem-se as posições de sujeito que


são atribuídas, por diferentes discursos e agentes sociais, aos professores e às
professoras no exercício de suas funções em contextos laborais concretos.
Refere-se ainda ao conjunto das representações colocadas em circulação
pelos discursos relativos aos modos de ser e agir dos professores e
professoras no exercício de suas funções em instituições educacionais, mais
ou menos complexas e burocráticas.

Vale lembrar que as identidades não possuem uma só forma e são constituídas por
múltiplas representações e discursos. Todavia, é necessário destacar que, pelos discursos das
três professoras, as suas identidades não estão desvinculadas dos processos vividos em
decorrência da diferença Surda. Sendo assim, as questões de gênero, familiares, escolares,
enfim, suas trajetórias de vida – relacionadas à diferença Surda – contribuirão para que as
professoras Surdas desenvolvam a Pedagogia Surda, que, por conseguinte, também poderão
construir as identidades/alteridades Surdas das alunas e dos alunos.
A posição de docente assumida pelas professoras Surdas é fundamental para fazer
circular a Cultura Surda no ambiente escolar. No entanto, essa posição está em jogo nesse
espaço, haja vista que é permeada por relações de poder, podendo a própria condição Surda
ser fator de discriminação.
É possível constatar que as relações de poder atravessam a Educação de Surdos/as
desde os seus primórdios e são expressas em diversos contextos. Apesar de os primeiros
professores40 de Surdos terem sido os próprios Surdos, que iam aprendendo a língua de sinais
e ensinando uns aos outros, com a proibição do uso de língua de sinais no século XIX, eles
foram excluídos do campo docente (REIS, 2006).
Segundo Sá (2006, p. 70), “a história dos surdos é a história das relações entre as
comunidades surdas e as ouvintes. É, portanto, uma história que expõe uma luta por poderes e
saberes”. Assim, as relações de poder atravessam todas as modalidades educacionais já
implementadas na Educação de Surdos/as, inclusive o modelo atual, marcado pela inclusão de

40
Não há clareza na literatura se as mulheres Surdas já atuavam como professoras à época. Por isso, o uso do
gênero masculino expresso na linguagem.
62

pessoas Surdas nas escolas comuns, contexto educacional em que as professoras Surdas estão
inseridas.
Sobre as relações de poder, Foucault (1995) sustenta que,

[...] as relações de poder se enraízam profundamente no nexo social; e que


elas não reconstituem acima da “sociedade” uma estrutura suplementar com
cuja obliteração radical pudéssemos talvez sonhar. Viver em sociedade é, de
qualquer maneira, viver de modo que seja possível a alguns agirem sobre a
ação dos outros. Uma sociedade “sem relações de poder” só pode ser uma
abstração (p. 245-246).

Para os Estudos Culturais, o poder é indissociável dos processos culturais e, para


compreendê-los e poder intervir nesses processos, é imprescindível colocá-lo em nossas
equações e agendas (VEIGA-NETO, 2000). É nesta perspectiva, então, que insiro a discussão
sobre a identidade e o trabalho docente. As relações de poder, enraizadas e espalhadas na
sociedade – em todos os campos, espaços e relações sociais –, estão imbricadas e atingem
diretamente o trabalho das professoras Surdas. Elas, mesmo exercendo na escola o papel de
professoras, não estão isentas de imergir nessas relações.
Nesse sentido, é preciso considerar a importância da questão do poder presente no
papel de professoras Surdas na construção de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos,
visto que o modo como ele é exercido, por elas e/ou sobre elas, incide na relação cultural com
as alunas e os alunos.
Nas escolas onde trabalhavam as professoras Surdas, o AEE era desenvolvido por elas
e por professoras ouvintes que atendiam as crianças com deficiência intelectual, visual, física,
entre outras. Embora as atividades e os sujeitos atendidos fossem diferentes, o espaço do
trabalho era ou deveria ser o mesmo. Porém, na prática, as situações eram diversas e
complexas, sobretudo pelo fato de o(s) poder(es) se expressar(em), por vezes, explicitamente,
como mostra a situação a seguir.

SITUAÇÃO II – AUTORIZAÇÃO
Professora Karin – (03/09/2015)
Ao chegar à escola, juntamente com as duas bolsistas de Iniciação Científica do meu grupo de
pesquisa, fui à sala da diretora perguntar se a professora Surda – Karin – estava na SRM. A diretora
informou que ela deveria estar na “sala dos especiais”. A SRM era bem ampla, agradável, possuía
uma televisão de 42 polegadas, dois computadores, um notebook, três armários, sendo dois deles
para guardar materiais pedagógicos e um para as professoras guardarem objetos pessoais, um
quadro branco, uma mesa redonda no centro da sala, que era utilizada pela professora ouvinte, e
63

uma carteira, que era usada pela professora Surda. [...]. Olívia entrou na sala e Karin nos
apresentou. Ela nos cumprimentou e disse: “adoro receber estagiários na minha sala!” Perguntou se
eu tinha agendado com a professora Surda de ir naquele dia da semana, às quintas-feiras. Afirmei
que sim, que já havia entrado em contato com ela via mensagem de celular e que ela havia
confirmado o encontro. A professora ouvinte afirmou, então, que a professora Surda era muito
dispersa e que não a informou sobre a decisão de nos receber. Com uma expressão facial negativa,
visivelmente ela não gostou da permissão da outra professora. [...]. No fim da aula, a professora
Olívia, sem Karin perceber, perguntou se as observações seriam apenas naquele dia. Expliquei que
ficaríamos até o término das aulas, provavelmente. Então, ela indagou: “quem liberou para que
vocês fizessem as observações das aulas?” Ao saber que tinha sido Karin quem havia autorizado,
em tom de insatisfação, Olívia afirmou que ela era a professora titular da sala, e que ninguém havia
falado com ela sobre a pesquisa. No entanto, se Karin havia liberado, por ela, tudo bem.
Quadro 6. Situação II – Autorização, envolvendo a Professora Karin.

Nessa situação, Olívia se incomodou com a autorização de Karin para o


desenvolvimento da pesquisa. Em sua concepção, o início de qualquer atividade naquele
ambiente deveria passar pelo seu aval. E, nesse caso, a outra professora havia descumprido a
norma. De fato, seria mais diplomático se Karin tivesse comunicado à Olívia sobre o
desenvolvimento da pesquisa, inclusive porque qualquer trabalho investigativo altera a rotina
escolar; porém, ficou claro, nessa situação, que havia outras questões além do incômodo pela
falta de comunicação.
A professora ouvinte considerava que a SRM era de sua responsabilidade, portanto,
era ela quem aprovava qualquer ação a ser desenvolvida ali. Isso ficou subentendido,
inclusive, quando ela disse: “adoro receber estagiários na minha sala!” Ora, aquele espaço era
o ambiente de trabalho das duas professoras. Embora elas desenvolvessem práticas
pedagógicas com sujeitos, línguas e objetivos distintos, o espaço de trabalho era o mesmo.
Percebi, então, a partir desse primeiro contato com as duas professoras, que naquele
espaço didático-pedagógico havia relações complexas de poder que o permeavam,
especialmente, na relação entre as duas docentes.
Para respaldar essa percepção, baseei-me em Foucault (1995), para quem o poder não
é algo que pode ser compreendido de forma vertical, centrado em uma única fonte superior.
Ele deve ser entendido de modo horizontal, multifacetado e presente em todas as relações
humanas e práticas socioculturais, devendo ser tratado, inclusive, no plural (poderes). Veiga-
Neto (2000) afirma que “para o filósofo o poder não é entendido como uma ação direta e
imediata sobre os outros, mas sobre as ações dos outros” (p. 62-63, grifos do autor).
Assim sendo, até mesmo a mobília da SRM tem algo a nos dizer sobre esta relação.
Como consta na situação II, assim que cheguei, observei que havia “uma mesa redonda no
64

centro da sala, que era utilizada pela professora ouvinte, e uma carteira que era usada pela
professora Surda”. A mesa era grande, enquanto que a mobília que Karin utilizava era uma
simples carteira escolar. Dessa forma, o fato de Olívia ter uma melhor condição material de
trabalho, bem como ter a SRM como sua, fez-me supor, num primeiro momento, que isso
ocorria por ela ter mais tempo de trabalho na escola. No entanto, Olívia trabalhava ali havia
dois anos, enquanto que Karin havia mais de quatro. Esse dado descartou a minha suposta
justificativa da autoridade conquistada pela professora ouvinte pelos anos de trabalho na
escola. Tendo esta hipótese descartada, passei a pressupor que isso poderia ocorrer, então,
pela diferença Surda.
Destarte, inclui-se essa discussão – de relações de poder entre professora Surda e
professora ouvinte – no campo da teoria pós-colonialista do currículo (SILVA, 2011), uma
vez que, inseridas no campo escolar, as professoras Surdas também estão incluídas neste
mecanismo de poder e são representadas ali, mais uma vez, como o Outro em sua face
perversa e, por conseguinte, passível de colonização.
Segundo Silva (2011, p. 127), “tal como ocorre, de forma geral, nos Estudos Culturais,
o conceito de ‘representação’ ocupa um lugar central na teorização pós-colonial”. O Outro
Surdo, mesmo em uma posição legitimada dentro da escola, ou seja, na condição de professor
ou professora, permanece representado na condição do Outro colonizado, tendo inclusive, a
sua prática docente interferida por outrem.
Ao questionar Karin como era a sua relação com os alunos e as alunas, mesmo com a
presença de Olívia, ela falou:

Aqui na sala do AEE é... Bom. Faltam materiais, falta papel, lápis, lápis de
cor, é ruim. Eu preciso tirar do meu bolso para pagar, e eu não posso. Tem
professor@s que falam: “você precisa comprar!” Eu falo: “eu não vou
comprar não!” (PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).

Como é possível perceber, a prática docente da professora Surda sofre interferência de


outras/os profissionais, que cobram dela atitudes que ela não pode realizar. No entanto, Karin
resiste a essa representação de submissão que lhe impõem. Ela reafirma a sua posição de
professora dentro do espaço escolar, dizendo aquilo que acha correto e negando-se a fazer o
que foi “solicitado” pelas/os colegas de trabalho.
Todavia, mesmo com meu direcionamento para que ela se sentisse à vontade para
explicitar se era Olívia quem fazia essas sugestões, senti que Karin buscava preservar a
65

colega, provavelmente por receio do que Olívia pudesse fazer caso tivesse conhecimento do
conteúdo da entrevista.
Mais adiante, durante a entrevista, sob a garantia (mais uma vez afirmada) do sigilo da
pesquisa, Karin falou sobre a sua relação com a outra professora:

Ah, a confusão, já teve confusão! No passado, eu estava doente e não vinha


trabalhar e precisei colocar muitos atestados. Então, Olívia me disse:
“Cuidado! Você está colocando muitos atestados. Lá na prefeitura, el@s
vão ver e te mandar embora!”. Ela não é a minha chefe! Então, eu
perguntei: “Você é a minha chefe? Você não é minha chefe, não! Nunca!”.
Olívia respondeu: “Eu sei, eu só queria ajudar!”. Eu disse: “Eu sei, eu
agradeço a sua ajuda. É bom, eu gosto! Mas não precisa ficar falando
muito. Quando surge uma doença, quando a minha filha fica doente, com
febre, eu se eu não venho, é normal!”. Eu não tenho preguiça de vir
trabalhar, mas com minha filha doente eu não posso. Minha filha é mais
importante, por isso eu faltei. Também teve outra confusão com Olívia
porque faltaram materiais e ela me disse que eu precisava comprar, e eu
disse que não tinha dinheiro, eu trabalho e ganho só um salário, um salário!
Ela ganha dois salários, dois! Manhã e tarde. O meu salário é R$ 800,00, o
dela é mais, mais ou menos R$ 1.300,00 e o meu só R$800,00, eu não posso
comprar materiais. No ano passado, eu já comprei materiais para a festa do
Dia d@ Surd@. Eu gastei pouco, R$ 20,00. É ruim! Ela falou: “pior vai ser
agora no Natal, vai ter que gastar mais!”. Eu disse: “eu vou fazer o quê?”.
Ela quer festa bonita, eu também quero fazer festa bonita, mas fazer o quê?
A gente não tem uma relação de amizade, não! É diferente. Professora
ouvinte de professora Surda é diferente! Eu tenho vontade de trabalhar com
outr@s Surd@s, nós dois Surd@s, eu tenho vontade. É bom, tem uma troca,
ajuda (PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).

As imposições de Olívia, nesse caso, interferem não só na vida profissional de Karin,


mas também em sua vida pessoal, pois o que estava em questão nessa situação era a sua saúde
e de sua filha. Embora Olívia possa ter dado um conselho a Karin com boas intenções, a
mesma não o recebeu bem, provavelmente pela relação desestabilizada que elas já haviam
construído.
Na outra situação narrada pela professora Surda, o tom e a atitude impositiva e
autoritária da professora ouvinte ficam mais evidentes, sobretudo quando afirma que Karin ia
ter de gastar ainda mais no Natal. Karin resiste novamente e se impõe da mesma forma,
quando questiona se Olívia era sua chefe. Contrariando os discursos históricos proferidos por
ouvintes sobre a história das pessoas Surdas, ela – a história Surda41 –, na realidade, é produto
de muita resistência e não de acomodação aos significados sociais dominantes (SÁ, 2006).

41
É comum nos Estudos Surdos a utilização de expressões como: história Surda, identidades Surdas, narrativas
Surdas, comunidades Surdas, línguas Surdas, movimentos Surdos etc. (LOPES, 2007).
66

Historicamente, a relação pessoas Surdas-pessoas ouvintes é complexa e permeada por


relações de poder e dominação. Embora em situações do dia a dia possa aparecer travestida
como outros discursos, pode ser a gênese de toda essa dificuldade na complexa relação entre
as duas professoras, Karin e Olívia. Essa relação binária – pessoa Surda-pessoa ouvinte –
possui na educação e na escola, “uma representação colonialista, um fazer dos surdos
subalternos, um discurso ouvintista” (SKLIAR, 2013, p. 21).
Karin reforça essa relação binária, ao afirmar: “professora ouvinte de professora
Surda é diferente! Eu tenho vontade de trabalhar com outr@s Surd@s, nós dois Surd@s, eu
tenho vontade. É bom, tem uma troca, ajuda”. A professora afirma isto a partir da sua
alteridade Surda, reconhecendo que há diferenças entre as pessoas Surdas e as pessoas
ouvintes. Porém, nesse caso, extrapola-se a questão da diferença Surda. O fazer pedagógico
também está imbricado nesse discurso. Ela sinaliza que há diferenças entre o trabalho de
professoras Surdas e professoras ouvintes.
Como dito anteriormente, a diferença Surda pode ser a gênese de toda essa
problemática que cerca a relação de Karin e Olívia. No entanto, nas palavras de Skliar (2003,
p. 29), “sem o outro não seríamos nada [...] porque a mesmidade não seria mais do que um
egoísmo apenas travestido [...], só ficaria a vacuidade e a opacidade de nós mesmos [...]”. O
Outro-Surdo e o Eu-ouvinte podem conviver e construir uma relação em que as diferenças
estejam em fronteiras, pois “esses ‘entre-lugares’ fornecem o terreno para a elaboração de
estratégias de subjetivação – singular ou coletiva – que dão início a novos signos de
identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria ideia
de sociedade” (BHABHA, 2013, p. 20).
Quando questionei Gladis como era sua relação com a professora Osória, ela disse:

É boa, ela me ajuda. Ela tem muita vontade de aprender LIBRAS, ela
sempre pergunta. Eu acredito que no próximo ano ela vai melhorar. Eu
ensino L1. Quando eu não posso, ela me ajuda com Saulo. Ela me ajuda
muito. Ela é de primeira. Quando eu preciso da ajuda d@s intérpretes na
sala de aula, eu peço a ajuda do diretor e pedimos juntos que eles venham,
então eles vêm e ajudam. Só Osória me ajuda (PROFESSORA GLADIS,
26/11/2015).

Fiz o mesmo questionamento à Carolina, com relação à professora Osana. Ela


respondeu assim:
67

É boa, é boa, ruim não! Quando Osana tem dúvida, me pergunta. E quando
eu tenho dúvida em português, ela me ajuda. Há uma troca. Quando existe
uma falta de comunicação entre ela e @ alun@ Surd@, eu ajudo. Tem uma
troca, não é ruim não. É boa, é boa. É uma união. Eu erro, ela erra, não tem
problema não, assim a gente aprende. O desenvolvimento é melhor quando
tem união (PROFESSORA CAROLINA, 09/12/2015).

Diferentes da relação entre Karin e Olívia, tanto a relação entre Gladis e Osória quanto
a de Carolina e Osana eram boas. As duas professoras Surdas afirmaram haver trocas e ajuda
provindas de ambas as partes. Nesse sentido, é preciso que se compreenda que as relações de
poder exitem em todas as relações; porém, faz-se necessário desestabilizar a ideia de que há
dominação em todas elas, até porque os poderes emanam de todas as partes (FOUCAULT,
1979) e, ao resistir, as professoras Surdas também exercem o seu poder.
Então, essa concepção cristalizada de que a relação entre pessoas ouvintes e pessoas
Surdas é sempre de dominantes e dominadas precisa ser relativizada. Ela é recorrente, comum
e histórica, no entanto, não se aplica a todas as relações. Há sempre a necessidade de estarmos
atentos e atentas, problematizando-as, para que a diferença não se torne desigualdade; mas
não podemos desconsiderar a possibilidade da existência de relações interculturais (FLEURI,
2002; 2003), mesmo que permeadas por complexos vestígios históricos e contemporâneos de
dominação cultural.
Se considerássemos que em todas as relações existe dominação, a partir das
observações realizadas, eu poderia afirmar que, no caso de Gladis, a professora dominante
seria ela, pois, além de estar ali há mais de seis anos, enquanto que Osória há apenas um, era
nítido que ela tinha “bem mais vez e voz” no AEE do que a professora ouvinte. Já no caso de
Carolina, percebi que a relação era ainda mais “saudável”, pois, sempre quando Osana
precisava tomar alguma decisão no AEE, consultava sua colega. Aliás, a professora Surda a
considerava sua amiga, como afirmou na entrevista.
Assim, sobre as relações entre professoras Surdas e professoras ouvintes, reforço:
embora saibamos que há relação de poder em toda interação social, é preciso que se relativize
a concepção de que, também, sempre haverá dominação. A discussão sobre as relações de
poder e de dominação é importante neste trabalho, porque tais relações poderão interferir
diretamente na representação das próprias professoras Surdas sobre si e sobre o seu trabalho,
bem como poderão incidir na construção das identidades das crianças Surdas, pois “as
naturezas das representações sobre a surdez e os surdos, que os educadores têm, certamente
68

interferem e influenciam as representações dos surdos sobre si mesmos e sobre os outros


surdos” (SÁ, 2006, p. 332).
Desse modo, caso as crianças Surdas participem de situações em que haja dominação
entre pessoas ouvintes e Surdas – adultas –, poderão absorvê-las, construindo representações
acerca de seus pares culturais como pessoas colonizadas. A seguir, vemos como esse tipo de
situação ocorria no AEE perante as alunas Surdas da Professora Carolina:

SITUAÇÃO III – ZOMBARIA


Professora Carolina – (05/10/2015)
Inácia, a intérprete, veio com uma bandeja oferecendo café a todas as pessoas presentes na sala.
Mas, neste momento, a professora Carolina estava de costas apontando um lápis sobre a lixeira.
Então, Inácia gritou pelas suas costas: “Carolin(aaaaaa), você quer caf(éééééé)?”. Nitidamente, a
intenção era de zombar da professora, logicamente, porque ela não ouviria. As pessoas começaram
a rir. Neste ínterim, Izaura, a outra intérprete, que estava sentada, me disse que tinha um
funcionário da secretaria que sempre fazia brincadeiras e piadas com a professora Surda, além de
também gritar com ela. Segundo ela: “ele faz a maior festa”, pelo fato de Carolina não ouvir. Disse
ainda que ela não reclamava, simplesmente ria.
Quadro 7. Situação III – Zombaria, envolvendo a Professora Carolina.

A conduta da intérprete vai de encontro aos pressupostos básicos de respeito às


diferenças e à dignidade humana. Esta prática demonstra uma violência contra esta professora
que se torna objeto de chacota dentro do seu próprio espaço de trabalho. Ela é, literalmente,
posta à zombaria social por conta da sua diferença cultural.
Embora de forma incipiente, o Código de Ética das/os TILS orienta os/as profissionais
à prestação de assistência às pessoas Surdas e, inclusive, ao combate aos equívocos que são
construídos em relação a elas (QUADROS, 2004). No entanto, nessa situação, percebe-se
justamente o contrário. A intérprete, ao invés de contribuir para o trabalho da professora
Surda, que, naquele momento, era a responsável pelas suas alunas, praticava violência
simbólica (BOURDIEU, 1989) contra a colega de trabalho.
Vale ressaltar que a presença das intérpretes naquele espaço era desnecessária, pois a
professora e as suas alunas eram usuárias da mesma língua, o que dispensava o trabalho das
intérpretes. Além disso, o AEE não é o espaço mais adequado para que as intérpretes ficassem
no momento em que não estavam exercendo a função, pois, nessa escola, elas permaneciam
juntamente com as alunas Surdas ou porque não havia outro espaço adequado para elas
ficarem nos momentos livres ou porque elas se sentiam guardiãs das alunas como ocorre com
muitas/os TILS. A atitude da intérprete reforça o que muitas pesquisas (QUADROS, 2004;
69

DORZIAT; ARAÚJO, 2012; LACERDA, 2012; LIMA, 2012) têm dito sobre a confusão de
papéis que ocorre em sala de aula entre intérpretes e professoras/es, mesmo que, neste caso,
esta seja uma professora Surda e usuária de LIBRAS.
Todas estas situações de colonização, representações e discursos de dominação,
impactam diretamente o próprio processo de construção de identidades docentes das
professoras Surdas e, por conseguinte, o de identidades Surdas de suas alunas e seus alunos;
afinal, “o processo de construção de identidade está marcado pela inevitável força do poder
constituído, recheado de verdades absolutas, que dominam, oprimem e excluem os outros,
fazendo com que aquilo que representa o poder seja assumido como identidade” (DORZIAT,
2009, p. 19).
Destarte, as questões positivas ou negativas que constituem as identidades docentes
das professoras Surdas podem, também, influenciar a sua prática pedagógica. Nas situações a
seguir, podemos ver que a identidade docente de uma das professoras Surdas, por ora, é
colocada em xeque pelas relações de poder e dominação.

SITUAÇÕES
Professora Karin
Durante uma conversa, a professora Olívia perguntou sobre a nossa formação
(minha e das duas bolsistas de PIBIC) e sobre o nosso interesse pela área de
SITUAÇÃO IV – Educação de Surdos/as. Após dizermos, ela enfatizou que ela era a professora
PROFESSORA titular da sala do AEE, afirmando que Karin não era professora, mas, sim,
TITULAR versus instrutora, pois ainda não era formada. Disse também que ela (Olívia) era
INSTRUTORA formada, tinha trabalhado em várias instituições de ensino, e que já estava
(03/09/2015) aposentada. No entanto, como gostava muito de ajudar as crianças com
deficiência e com dificuldades de aprendizagem, continuava trabalhando.
Fui à escola, mas Samuel e Sofia faltaram, o que inviabilizou que ocorresse a
SITUAÇÃO V – aula de Karin. Então, as bolsistas de PIBIC e eu ficamos conversando com a
DIFERENÇA Professora Karin, que comentou que precisou trancar o curso de Letras-
ENTRE LIBRAS porque estava trabalhando e com uma filha pequena para cuidar.
PROFESSORA E Assim, havia achado melhor parar os estudos e retornar depois, mas que
INSTRUTORA pretendia fazê-lo em 2016. Karin comentou também que não sabia a
(01/10/2015) diferença entre professora e instrutora: “eu sou professora, mas Olívia fala
que eu sou instrutora de LIBRAS, não sei a diferença!”.
A pedido de Olívia, Karin digitava uma lista com os nomes de todas as alunas
SITUAÇÃO VI – e os alunos atendidas/os no AEE. Nesta lista, que seria entregue à diretora da
LISTA DE escola, constava somente o nome da professora Olívia como se ela atendesse
ALUNAS E a todas e todos. Vale lembrar que o atendimento para as alunas Surdas e os
ALUNOS alunos Surdos era realizado somente por Karin. Olívia realizava atendimento
(29/10/2015) apenas para ouvintes com deficiências associadas.
Assim que entrei na escola, ao encontrar a diretora, ela perguntou se a
70

professora Olívia estava na sala do AEE, como modo de se mostrar prestativa


comigo. Respondi que não sabia, pois havia acabado de chegar. Logo depois,
entrei na sala do AEE, e estavam presentes a professora Olívia e uma nova
SITUAÇÃO VII – cuidadora de alunas/os com deficiência. No computador, estavam dois alunos
INSTRUTORA ouvintes. Neste dia, a Professora Karin estava sentada à mesa central com
SIM, Sofia, Samuel e Suelen. Esta logo se apresentou sinalizando seu nome, seu
PROFESSORA sinal, e perguntando o meu. Ela disse que tinha 14 anos, que estava no 5° ano
NÃO e estudava pela manhã, juntamente com Samuel. Pouco depois, agora no
(24/11/2015) computador, Karin mostrava um jogo às crianças, enquanto a professora
Olívia afirmava à cuidadora que as bolsistas de PIBIC e eu éramos estagiárias
e estagiário da universidade, e que estávamos observando Karin, que estava
ali como instrutora e não como professora, mas que ensinava LIBRAS às
crianças Surdas. Afirmou ainda ser a professora de português dessas crianças.
Quadro 8. Situações IV – Professora titular versus Instrutora, V – Diferença entre professora e instrutora, VI –
Lista de alunas e alunos e VII – Instrutora sim, professora não, envolvendo a Professora Karin.

Concernente à situação VI, Olívia omitiu a informação de que as crianças Surdas eram
atendidas pela Professora Karin. Ela elaborou um documento afirmando que era ela quem
atendia as alunas Surdas e o aluno Surdo, mesmo quando sabemos que este trabalho, ao
menos na prática, era exclusivo de Karin. Assim, Olívia desconsiderou o papel da professora
Surda como professora do AEE, não a citando em nenhum momento, nem ao menos através
de uma breve observação no documento. Destaca-se ainda que Karin era quem digitava o
texto, o que pode ser compreendido como uma forma de Olívia mostrar a ela “o seu lugar” ou
o seu “não lugar” naquele espaço didático-pedagógico.
Sobre o trabalho de Olívia, é preciso dizer que, em outros momentos, durante as
observações, Karin afirmou que ela não realizava o atendimento em português para as
crianças Surdas. No entanto, em um momento de sua entrevista, ela se contradisse sugerindo
que também não era bem assim.

Eu penso que Olívia precisa me ajudar com o Português para Surd@s. Ela
tem tempo apenas para ensinar @s ouvintes e não tem tempo para ensinar
@s Surd@s. Ela ensina só mais @s ouvintes. Parece que ela não tem espaço
no seu horário para ensinar Português para @s Surd@s. O pessoal da
coordenação me disse que todas as professoras do AEE precisam ensinar o
Português, mas Olívia não tem um horário para ensiná-l@s. Eu percebo que
ela acha melhor quando eu estou ensinando-@s, porque quando ela está
atendendo-@s, el@s não entendem nada. Não tem uma relação. Entendeu?
Por exemplo, lá na prefeitura, o pessoal da coordenação falou que ela
precisa ensinar também o Português, mas eu percebo que parece que Olívia
não quer, não quer ensinar. Sabe por quê? Porque el@s não entendem o
que ela fala. Quando el@s, @s alunos e Olívia estão sentad@s
conversando, el@s não entendem, perguntam: “O quê? O quê?”. Sempre
eu, sempre eu? E ela não? (PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).
71

Em seu discurso, Karin sinaliza que, em alguns momentos, esse atendimento ocorria
ou já ocorreu. Isso mostra que Olívia, ao menos, já tentara ensinar português às crianças
Surdas, porém, sem sucesso, por conta da limitação linguística em LIBRAS, o que confirma
que ela não realizava o AEE naquele período junto àqueles sujeitos. Embora o documento do
MEC (DAMÁZIO, 2007), que orienta a formação continuada de docentes para o
“Atendimento Educacional Especializado para o ensino da Língua Portuguesa” para as
pessoas Surdas, recomende que o planejamento desse momento didático-pedagógico seja feito
coletivamente por todas as professoras e professores, incluindo as professoras Surdas e os
professores Surdos, quando a professora ouvinte não sabe língua de sinais, esse atendimento
fica comprometido.
Para um ensino significativo de língua portuguesa para as crianças Surdas, é preciso
que ela seja mediada em todos os processos pedagógicos pela Língua Brasileira de Sinais,
pois “é por meio dela que os alunos surdos poderão atribuir sentido ao que leem, deixando de
ser meros decodificadores da escrita, e é pela comparação da língua de sinais com o português
que irão constituindo o seu conhecimento do português” (PEREIRA, 2012, p. 238).
Contudo, merece destaque a invisibilidade do trabalho de Karin nesse espaço. A
professora ouvinte negava o trabalho que a professora Surda realizava, quando, na verdade, o
MEC recomenda que dois dos três momentos didático-pedagógicos do AEE (AEE em
LIBRAS e AEE para o ensino de LIBRAS) devam, preferencialmente, ser realizados por uma
professora Surda ou um professor Surdo (DAMÁZIO, 2007). É válido ressaltar também que
as três professoras Surdas, na verdade, desenvolviam os três momentos, assumindo o AEE
para o ensino de Língua Portuguesa.
Essa invisibilidade do trabalho de Karin é percebida também na situação VII, quando a
diretora da escola mesmo sabendo que a pesquisa estava sendo realizada com a professora
Surda, perguntava pela ouvinte. Quando fiz as primeiras visitas à escola, a diretora e a vice
informaram que havia uma professora Surda trabalhando ali, porém, não sabiam ao menos os
horários e os dias em que ela trabalhava – sendo que isso ocorria todos os dias em horários
alternados.
A invisibilidade do papel das professoras Surdas se expressou também durante a
pesquisa exploratória, quando a coordenadora municipal da educação especial de João
Pessoa-PB afirmou que não existiam professoras Surdas e professores Surdos trabalhando
72

com crianças Surdas (embora nesse caso, tem de se considerar que isso possa ter ocorrido
como uma forma de inibir o desenvolvimento da pesquisa).
Dessa forma, as relações de poder que ocorrem no campo docente em que as
professoras Surdas estão inseridas expressam-se desde a sua invisibilidade, passando pela
violência simbólica como ocorria com Carolina, até a negação das identidades docentes
dessas professoras, como ocorreu nas situações IV e VII, quando Olívia fez questão de frisar
que Karin não era professora, mas instrutora.
Sob o discurso legislativo, Olívia estava correta. Segundo o Decreto 5.626 de 22 de
dezembro de 2005, considera-se instrutora/instrutor de LIBRAS aquela ou aquele que possui
formação em nível médio (BRASIL, 2005). Portanto, Karin era instrutora de LIBRAS,
diferentemente de Gladis e Carolina que possuíam formação em nível superior.
Não obstante, considero também que o discurso legislativo é dúbio em relação a esse
“rótulo” para as pessoas com formação em nível médio para o ensino de LIBRAS, quando
afirma: “§ 1º Admite-se como formação mínima de docentes para o ensino de Libras na
educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível
médio na modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngüe, referida no caput”.
Ora, o termo docente42 é suficiente para assegurar que, independentemente da
formação da professora Surda ou do professor Surdo ser em nível médio ou superior, ela ou
ele é professora ou professor. Além disso, de acordo com o site do Observatório do Plano
Nacional de Educação (OPNE)43, em 2013, a porcentagem de docentes da Educação Básica
no Brasil com Ensino Superior era de 74,8%. Então, como a professora Surda pode não ser
considerada uma professora enquanto que um quarto das/os docentes ouvintes brasileiras/os
não possuem formação superior e, nem por isso, são chamadas/os de instrutoras e instrutores
ou quaisquer outras denominações?
Embora considere que, para o exercício da docência, a formação inicial, continuada,
permanente e, sobretudo, qualificada, é imprescindível, não é possível aceitar que se faça
disso mais um mecanismo de poder e dominação dentro do espaço escolar. A exclusão e a
invisibilidade do papel e do trabalho de professoras Surdas e professores Surdos nos
processos educacionais precisam ser problematizadas.

42
De acordo com Martins (2005, p. 34), “o vocábulo docente veio do latim docens, docentis que era o particípio
presente do verbo latino docere que significa ‘ensinar’. [...]. Docente seria aquele que ensina, instrui e informa.
Sua datação, na Língua Portuguesa, seria de 1877”.
43
<http://www.observatoriodopne.org.br/metas-pne/15-formacao-professores/indicadores>. Acessado em 27 de
setembro de 2015 às 18h36min (horário de Brasília-DF).
73

Considerando que os discursos não são neutros, não é à toa que há essa hierarquização.
Numa visão macro, em termos de sociedade e mercado de trabalho, o viés neoliberal no Brasil
estipula a remuneração do corpo docente de acordo com o nível de formação. Considerando,
também, a histórica subalternização das funções exercidas pelas pessoas Surdas e seus
subsalários (RANGEL; STUMPF, 2012), não haveria a intenção estatal de valorizar estas e
estes profissionais, mesmo abrindo-se oportunidades de elas e eles ocuparem empregos no
serviço público em razão de uma demanda emergente, ou seja, a entrada das crianças Surdas
nas escolas comuns.
E, numa escala menor, na escola, os discursos impressos nas situações presenciadas e
embutidos na relação entre as duas professoras, Karin e Olívia, por exemplo, sugerem que não
era o discurso legislativo que incidia sobre a ênfase da professora ouvinte na nomenclatura
instrutora que ela tanto fazia questão de lembrar, mas mecanismos sutis de poder e
dominação.
Segundo Garcia, Hypolito e Vieira (2005, p. 48), “as identidades docentes não se
reduzem ao que os discursos oficiais dizem que elas são”. De acordo com a autora e os
autores, as professoras, negociam as suas identidades mediante uma gama de variáveis, tais
como: a história familiar, as condições de trabalho e os discursos proferidos sobre elas e sobre
as suas funções. O discurso de Karin vai ao encontro dessa ideia quando afirma:

As pessoas falam que eu sou instrutora, porque eu não sou concursada. Sou
instrutora de LIBRAS nas salas de aula regulares. Quando eu comecei a
trabalhar, eu pensei que ia trabalhar apenas em salas de Surd@s como
professora de LIBRAS, mas, na prefeitura, disseram que eu precisava
trabalhar, também, nas salas inclusivas, porque tinham Surd@s nestas
salas, senão, como ia ter comunicação? @s ouvintes precisavam aprender
para ter uma comunicação com @s Surd@s, entendeu? Então, o nome certo
é instrutora de LIBRAS. Professora de LIBRAS é quem é concursada, que
passou no concurso para ser professora de LIBRAS. Eu sou instrutora, mas
as pessoas me chamam de professora. @s alunos não conhecem
“instrutora”, eles chamam “Professora Karin”. [...] Eu me sinto
professora! Porque eu ensino @s alun@s. Eu não me sinto instrutora,
porque “instrutora” parece instrutora de cursos particulares de LIBRAS
(PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).

Se a discussão das identidades das professoras Surdas considerar a filosofia


educacional na qual a professora Surda está inserida – a inclusão – e, caso esta esteja
mantendo um modelo de hierarquização das diferentes expressões culturais e, de modo geral,
das identidades, cria-se uma nova forma de exclusão: a que é feita por dentro do sistema, que
mantém as pessoas à margem das oportunidades (DORZIAT, 2008).
74

No caso de Karin, embora ela exercesse a função de professora, recebia de algumas


pessoas com quem trabalhava o rótulo de instrutora. Isso demarcava um lugar inferior, que
ela própria acabava por incorporar em seu discurso, mesmo sentindo-se uma professora. Esse
dado mostra que, embora esteja em um sistema que deveria ser inclusivo, a própria professora
sofre as consequências das práticas subliminares de exclusão. Além disso, Karin não tinha
muita clareza do motivo pelo qual lhe foi designado este rótulo, atribuindo a isso o fato de não
ser concursada, o que demonstra que este também pode ser mais um motivo para essa
hierarquia.
Destarte, a professora Surda vinha tendo a sua identidade docente negada, o que
refletia na forma como ela se representava e, por conseguinte, poderia refletir na relação com
as crianças Surdas, partícipes desses momentos.

2.2 PEDAGOGIA SURDA: o papel de professoras Surdas no processo de construção de


identidades Surdas

Assim como Skliar (1998), entendo que a construção de identidades Surdas carece de
uma comunidade de pares, envolvida num processo sócio-histórico, sendo isso não apenas
uma questão pedagógica, mas de direito. Isso é mais contundente numa realidade em que a
maioria de crianças Surdas não possui contato com a Cultura Surda. O ideal, então, é que
essas crianças mergulhem em sua cultura desde a mais tenra idade. Isso se torna possível na
relação com professoras Surdas e professores Surdos, por isso, a seguir, construo um
raciocínio tendo como pressuposto pedagógico a Pedagogia Surda.

2.2.1 Pilares da Pedagogia Surda: Diferença, Identidades e Língua de Sinais

Para entender a Pedagogia Surda, é importante situá-la a partir da perspectiva que


compreendo a Pedagogia. Para tanto, tomo como base o conceito de Silva (2014), que
posiciona todas as pessoas no centro do ato pedagógico. Diferentemente do que temos visto
em outras propostas pedagógicas, a pedagogia da diferença inclui nesse centro aquelas
pessoas consideradas os Outros da sociedade, que possuem diferenças mais marcadas. É uma
abordagem de pedagogia que permite às pessoas assumirem suas diferenças, sutis ou
marcadas, dando ao Outro o direito de ser ele mesmo no ato de educar e de ser educado.
75

Em certo sentido, “pedagogia” significa precisamente “diferença”: educar


significa introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela se
limitaria a reproduzir o mesmo e o idêntico, um mundo parado, um mundo
morto. É nessa possibilidade de abertura para um outro mundo que podemos
pensar na pedagogia como diferença (SILVA, 2014, p. 101).

É a “abertura para um outro mundo” que faz da pedagogia um ato educativo. A


diferença está em estreita relação com a identidade (SILVA, 2014). A pedagogia da diferença
deixa emergir no processo educacional, situações multifacetadas, as quais dão base para as
múltiplas identidades intra e inter pessoais. Dessa forma, é superada a visão de identidade
única, podendo uma só pessoa possuir múltiplas identidades. É a possibilidade de considerar
essa complexidade intra e intercultural que torna um sistema mais ou menos inclusivo.
Portanto, o ato de considerar as diferenças é educativo, na medida em que possui
potencial para transformar o ato de conhecer num processo que está imbricado à vida das
pessoas envolvidas nele. A oportunidade de deixar fluir as alteridades significa compreender
os conhecimentos como algo que só tem sentido se o ser humano for compreendido na sua
globalidade. Para isso, é preciso permitir que as diferenças definam as identidades como uma
abertura necessária no ato educativo.

A diferença pode ser construída negativamente – por meio da exclusão ou da


marginalização daquelas pessoas que são definidas como “outros” ou
forasteiros. Por outro lado, ela pode ser celebrada como fonte de diversidade,
heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como enriquecedora [...]
(WOODWARD, 2014, p. 50-51).

Embora entenda que pedagogia da diferença é um termo redundante, porque está


embutida na própria pedagogia, e que ela deve envolver diferenças de toda ordem e natureza,
trago neste argumento dissertativo, haja vista meu recorte investigativo, considerações mais
robustas sobre a Pedagogia Surda.
Com isso, busco trazer a diferença do Outro Surdo para o centro do debate, de modo
positivo, crítico, heterogêneo, híbrido e includente, proporcionando a esse Outro ser
protagonista de si mesmo no processo pedagógico. De acordo com Strobel (2013, p. 92), “a
pedagogia surda é uma educação sonhada pelo povo surdo, visto que a luta atual dos surdos é
pela constituição da subjetividade ao jeito surdo de ser”.
Vista por esta ótica, podemos vislumbrar a diferença Surda no processo educacional
para as pessoas Surdas, como constituinte da Cultura Surda, nos moldes que afirma Perlin
76

(2013, p. 56): “a cultura surda como diferença se constitui numa atividade criadora. Símbolos
e práticas jamais conseguidos, jamais aproximados da cultura ouvinte”.
Para que essa cultura venha à tona, a Pedagogia Surda deve incluir, necessariamente,
as professoras Surdas e os professores Surdos. Esse é o caminho de, por meio de uma língua
“mais viva do que nunca”, desenvolver conhecimentos acadêmicos simultâneos à produção de
cultura da comunidade Surda. Para Strobel (2013, p. 91):

O povo surdo luta pela pedagogia surda que parte de um “olhar” diferente,
direcionado em uma filosofia para educação cultural, na qual a educação dá-
se no momento em que o surdo é colocado em contato com a sua diferença,
para que aconteçam a subjetivação e as trocas culturais.

A luta pela viabilização da Pedagogia Surda pelas pessoas Surdas é uma forma de
buscar, no espaço escolar, a valorização e o respeito da sua cultura. Para isso, é importante
que as relações estabelecidas com essa língua se deem no contato com outras pessoas Surdas
e, especialmente, adultas. Segundo Rangel e Stumpf (2012, p. 115) “quando o professor e o
aluno utilizam a mesma língua, no caso a língua de sinais, a comunicação deixa de ser um
problema. Quando ambos são surdos, os interesses e a visão de mundo passam a ser os
mesmos”. Dessa forma,

A importância do professor surdo dentro de sala de aula atuando em língua


de sinais se dá a partir da identidade e do acesso ao conhecimento. Em
termos pedagógicos, o professor surdo em sala de aula é muito importante,
porque quando a criança surda mira o professor surdo, ela se sente refletida
nesse professor, ela sabe que, se esse professor chegou lá, ela também pode
chegar. Com relação ao professor ouvinte, a criança surda tem uma grande
dificuldade de se identificar numa perspectiva de futuro. Então essa criança
se sente excluída no processo de formação de sua própria identidade. O
professor de surdo pode ser o modelo de como nós, surdos, precisamos ser,
em termos linguísticos e culturais (PERLIN, 2007, p. 2)44.

A Pedagogia Surda transcende o aspecto comunicacional, permitindo a existência de


trocas culturais entre pares Surdos. As professoras Surdas e os professores Surdos podem,
assim, ser referência positiva para as crianças Surdas, como pessoas que possuem uma vida
produtiva. Essa condição faz da diferença um ato político e de cidadania.
Essa ideia ficou clara na fala da professora Carolina:

44
Mesa redonda: “Inclusão escolar: desafios” (Prof.ª Dr.ª Gladis Perlin). Disponível em:
<http://proex.pucminas.br/sociedadeinclusiva/anaispdf/gladis.pdf>. Acessado em: 03/10/2015 às 00h50min.
77

Eu como professora, como profissional... Eu tinha vontade de me formar,


mas eu ficava preocupada, como eu ia ensinar as crianças e @s maiores?
Antigamente, quando eu era criança, eu via a minha professora Surda e
pensava: “no futuro eu quero ser igual a ela!” Agora que eu estudei e me
formei, eu fico preocupada se no futuro el@s vão querer me copiar porque
somos iguais. Eu sou um estímulo para o futuro del@s. Eu fico preocupada
com @s Surd@s. El@s têm de ser profissionais (PROFESSORA
CAROLINA, 09/12/2015).

Carolina expressou uma preocupação com o futuro profissional de suas alunas Surdas
e seus alunos Surdos, ao ser indagada sobre como se via como profissional. Seu papel de
educadora fazia com que ela se sentisse responsável com o futuro das crianças Surdas sob sua
responsabilidade. Remeteu também essa preocupação à sua própria história de criança e aluna
Surda. Ela desloca-se do seu lugar de professora para o lugar de suas alunas Surdas e seus
alunos Surdos que ainda terão de enfrentar as difíceis condições de cidadania e trabalho que
as pessoas Surdas enfrentam num mercado de trabalho historicamente excludente para elas
(KLEIN, 2004; RANGEL; STUMPF, 2012; NOVAES, 2014).
A professora Surda demonstrou também uma preocupação com o papel que ela exercia
na vida delas e deles. Isso mostra a importância da existência da professora Surda ou do
professor Surdo, um dos pilares da Pedagogia Surda, como elemento cultural e de construção
das identidades, como fatores essenciais no processo educacional. Ela demonstrou uma
preocupação de ser modelo positivo para suas alunas e seus alunos, assim como ocorreu na
sua vida escolar.
Dessa maneira, o discurso de Carolina vai ao encontro daquilo que Perlin (2007)
afirma sobre a possibilidade de professoras Surdas e professores Surdos serem modelos para
as crianças Surdas. No entanto, ao refletir acerca desse papel das professoras Surdas e dos
professores Surdos para a construção de identidades de crianças Surdas, recorro a Reis (2007),
que traz logo no título de seu trabalho a seguinte indagação: Professores surdos: identificação
ou modelo?
Para esta autora Surda, “uma das questões mais recentes trata justamente da
identificação e modelo sobre as identidades, que indicam explicitamente sua vinculação aos
Estudos Culturais. Bem sabemos que no lado do modelo, em geral, são ditas que não têm
conexão nos Estudos Culturais” (p. 87, grifos da autora). A partir desta concepção, a
epistemologia dos Estudos Culturais não reconheceria a ideia de modelo, pelo fato de
compreender que as identidades não são fixas, imóveis, estáticas etc. (HALL, 2011).
Nesse sentido, ao considerar a ideia de modelo, o próprio processo de construção de
identidades ficaria “engessado”, pois as alunas Surdas e os alunos Surdos passariam a ser uma
78

cópia da professora Surda ou do professor Surdo, o que contrariaria o que afirmam os Estudos
Culturais sobre a fluidez e o hibridismo das identidades.
No entanto, é preciso considerar a parcialidade e o contingenciamento do processo de
identificação e de construção de identidades. O processo de identificação, mesmo sendo
baseado em um modelo, é sempre contingente, é sempre múltiplo e complexo. Segundo
Moreira (2005, p. 127), “é possível pensar em fechamentos contingentes, é possível supor o
não fechamento de uma identidade a outras (apesar da diferença), é possível falar em
diálogo”.
Dessa forma, todas as pessoas podem servir de modelo ao longo da vida, afinal, a cada
“cópia”, a cada fechamento contingente, os sentidos são ressignificados, tornando-os
singulares. Nesses processos contingenciais, a construção de identidades ocorre sempre num
compartilhamento de outras identidades, assim, “aspectos identitários diversos cruzam-se e
deslocam-se no interior dos indivíduos e dos grupos, tornando o processo de identificação
descontínuo, variável, problemático e provisório” (MOREIRA, 2005, p. 133).
Dessa forma, mesmo considerando que essa construção, provavelmente, só é possível
na relação entre pares Surdos, pois só uma pessoa Surda pode transmitir à outra a sua cultura
e as suas experiências de estar no mundo, tornando essa relação imprescindível para a
construção das identidades Surdas, a construção de identidades não é inevitável e homogênea.
O processo é fluido, híbrido, cambiante e múltiplo, pois, “tentando pensar o sujeito surdo
dentro de uma perspectiva pós-moderna [podemos] dizer que há múltiplas identidades surdas
em construção” (LOPES, 2013, p. 115). Portanto, a construção de identidades Surdas também
é contingencial.
Para tanto, a inserção das crianças Surdas na comunidade Surda, onde poderão
relacionar-se com outras crianças e adultos/as Surdos/as, possibilitará uma construção de
identidades com base na Cultura Surda, além de, quando empoderadas, afirmá-las através de
uma política de identidade (WOODWARD, 2014).

A política de identidade concentra-se em afirmar a identidade cultural das


pessoas que pertencem a um determinado grupo oprimido ou marginalizado.
Essa identidade torna-se, assim, um fator importante de mobilização política.
Essa política envolve a celebração da singularidade cultural de um
determinado grupo, bem como a análise de sua opressão específica (p. 34-
35).

Mesmo entendendo que a identidade Surda é apenas uma de suas constituições


identitárias, é importante salientar a premência de as pessoas Surdas se constituírem membros
79

deste grupo linguístico-cultural, haja vista que isso poderá determinar vivências mais
engajadas de suas outras diferentes identidades. Através do fortalecimento da política de
identidade Surda, as pessoas Surdas podem conquistar seus direitos sociais.
A mobilização política poderá proporcionar autorreconhecimento cultural e identitário,
sendo determinante para os avanços no campo educacional e social de modo geral. Perlin
(2013, p. 63) afirma que “o adulto surdo, nos encontros com outros surdos, ou melhor, nos
movimentos surdos, é levado a agir intensamente e, em contato com outros surdos, ele vai
construir sua identidade fortemente centrada no ser surdo, ‘a identidade política surda’”.
A política de identidade Surda desenvolve-se dentro da comunidade Surda e, quando
existe um movimento Surdo, essa política é difundida amplamente, além de essa ser a
oportunidade do movimento Surdo criar um impacto social (PERLIN, 2000).
Na escola, esse fortalecimento político pode ocorrer caso as crianças Surdas estejam se
relacionando com outras pessoas Surdas, permitindo o reconhecimento da sua diferença
cultural, a valorização de sua língua e a defesa de sua cultura. Uma das estratégias para isso é
tratar dessas questões através da história Surda, como mostra a situação a seguir.

SITUAÇÃO VIII – HISTÓRIA SURDA


Professora Karin – (24/09/2015)
A Professora Karin espalhou alguns cartazes pelo chão. Segundo ela, os cartazes foram produzidos
por alunas Surdas, alunos Surdos e ouvintes. Entre os cartazes, havia um que dizia: “Os surdos não
são deficientes. São diferentes”. Os cartazes faziam parte da comemoração do “Dia Nacional do
Surdo”. Na sequência, ela chamou Sofia, que estava esperando começar a aula, e iniciou uma
explicação sobre a história das pessoas Surdas. Primeiramente, ela perguntou se Sofia tinha
vergonha de ser Surda. A menina respondeu que não. Depois, perguntou se ela gostava de usar
LIBRAS. Diante da resposta afirmativa da garota, a professora Surda explicou que as pessoas
Surdas não precisavam ter vergonha de serem Surdas e de usarem a língua de sinais, porque essa
era a sua língua própria. Ela contou que, antigamente, elas eram proibidas de usar LIBRAS, tendo,
inclusive, de ficar com as mãos amarradas. As pessoas não deixavam que elas usassem a língua de
sinais, para forçá-las a oralizar. Concluiu dizendo que, agora, elas podiam usar a LIBRAS e não
precisavam ter vergonha disso, porque isso era um direito delas.
Quadro 9. Situação VIII – História Surda, envolvendo a Professora Karin.

A situação mostra que a Professora Karin tinha clareza quanto ao fato de que ser Surda
era uma diferença cultural e não uma deficiência, como concebia o discurso da Educação
Especial (SKLIAR, 2013). Ela desconstrói esse discurso, com uma prática pedagógica
marcada pela visão político-cultural.
80

O direito de ser diferente é um dos pilares defendidos pelos Estudos Surdos.


Estudiosas e estudiosos dessa abordagem compreendem que as pessoas Surdas são produtoras
e pertencentes a uma cultura própria, lançando mão de uma concepção epistemológica acerca
da Cultura Surda. Esse discurso permite às pessoas Surdas um deslocamento quanto a uma
condição colonialista, ouvintista, para uma que enfrenta as relações de poder presentes na
perspectiva clínica.

No que se refere ao aspecto epistemológico, pode-se perceber a cultura surda


como cultura no momento em que a diferença cultural dos surdos emerge
como diferença naquela sombra do pós-colonial. Conhece-se e compreende-
se a cultura surda como uma questão de diferença, um espaço que exige
posições que dão uma visão do entre lugar, da différence, da alteridade, da
identidade. Percebe-se que o sujeito surdo está descentrado de uma cultura e
possui uma outra cultura. Percebe-se o surdo em seu deslocamento da
cultura ouvinte ou cultura universal e emerge na problemática da diferença
cultural própria (PERLIN, 2004, p. 76).

A atitude da Professora Karin representou bem essa ideia. Ela buscou dar a
oportunidade de a aluna Surda entender o seu lugar no mundo, poder viver a experiência de
uma cultura singular, mesmo quando os discursos hegemônicos são decorrentes de uma visão
normalizadora, assistencialista e caritativa. Viver a experiência Surda não impede a
convivência com ouvintes, mas proporciona o compartilhamento da diferença, além disso,
pode ser uma forma de contribuir significativamente com o avanço das relações existentes no
espaço escolar, através das trocas culturais entre as alunas Surdas, alunos Surdos e ouvintes.
Quando a professora afirmou que as pessoas Surdas não precisavam ter vergonha de
serem Surdas, ela evocava sua condição de docente, investida da responsabilidade de
valorizar a língua e a cultura das educandas e dos educandos envolvidas/os no processo.
Desse lugar, o seu reconhecimento sobre a importância de as pessoas Surdas assumirem seu
espaço na sociedade pode ter uma força argumentativa considerável sobre as alunas Surdas e
os alunos Surdos.
Além do mais, a Professora Karin fez essas afirmações com a autoridade de quem
passa também pelos mesmos processos, por ser uma pessoa Surda. A professora proporciona
à sua aluna não só conhecimentos culturais, históricos e políticos acerca do seu grupo cultural,
mas faz com que a aluna experimente um processo de identificação com suas semelhanças. O
fato de a professora não demonstrar vergonha por ser do jeito que é, imprime sentido ao seu
discurso. De acordo com Reis (2007, p. 93), nos processos de identificação, “vários
professores surdos apresentam representações da identificação e reconhecimentos do olhar e
81

da cultura surda, porque conhecem a história dos surdos e sabem, através do seu jeito ensinar
[sic], levar outros surdos a identificar a própria cultura”.
Karin resgatou aspectos históricos da Educação de Surdos/as, nos quais, por exemplo,
elas e eles passaram por momentos de muito sofrimento quando tiveram as mãos amarradas
para que não pudessem se comunicar via sua língua natural45 (GESSER, 2009). É importante
que as crianças Surdas conheçam a história de seu grupo, pois, assim, valorizarão as
conquistas adquiridas, além de poderem dar continuidade às lutas políticas das pessoas Surdas
por uma sociedade mais justa, inclusiva, com respeito aos sujeitos Surdos.
A professora também mostrou a Sofia que antes as pessoas Surdas tinham de oralizar
e, hoje, elas podem usar a sua língua, o que representa uma conquista, materializada em
direito. No Brasil, vários dispositivos legais mostram isso, entre eles a Lei 10.436 de 24 de
abril de 2002, em que a LIBRAS promove, sobretudo, uma identificação cultural e a
construção das identidades Surdas. Segundo Strobel (2013, p. 52), “para o sujeito surdo ter
acesso às informações e conhecimentos, e para construir sua identidade, é fundamental criar
uma ligação com o povo surdo em que se usa a sua língua em comum: a língua de sinais”.
Assim como faz a Professora Karin, o uso da língua de sinais precisa ser uma bandeira
de luta de docentes Surdas/os no espaço escolar, já que é através dessa língua que as alunas
Surdas e os alunos Surdos poderão obter conhecimentos acadêmicos com qualidade e respeito
à sua diferença, além de construírem suas identidades Surdas.

A língua de sinais é uma das principais marcas da identidade de um povo


surdo, pois é uma das peculiaridades da cultura surda, é uma forma de
comunicação que capta as experiências visuais dos sujeitos surdos, e que vai
levar o surdo a transmitir e proporcionar-lhe a aquisição de conhecimento
universal (STROBEL, 2013, p. 53).

Destaco, nesta situação pedagógica, outro aspecto relevante: embora os dias


simbólicos específicos sejam insuficientes para as pessoas Surdas conquistarem seu lugar na
escola, concordo com o fato de que a comemoração do “Dia Nacional do Surdo” na escola
comum pode acrescentar informações sobre o tema, divulgando e afirmando a diferença
Surda. É uma oportunidade também de realizar um retrospecto das lutas históricas da
comunidade Surda por melhores condições de vida, trabalho, educação, saúde, dignidade e
cidadania.

45
Quando utilizo o termo natural, tenho a plena compreensão de que a língua não é inata, mas construída
socioculturalmente. Nesse caso, o “natural” está relacionado às tendências gesto-visuais das pessoas Surdas, uma
vez que a língua de sinais surgiu espontaneamente nas comunidades Surdas (SACKS, 2010).
82

Para dar status a essa iniciativa, a escola deveria incorporar atividades desse tipo ao
currículo, com discussões que visassem conscientizar a comunidade escolar acerca da
importância do respeito às diferenças, como ocorreu no dia 03/12/2015, na escola de Carolina,
na qual o evento “Mostra de Inclusão” tinha por tema o respeito às diferenças. Desse modo,
considero que a promoção da inclusão das pessoas Surdas, para além do uso da LIBRAS,
deve contemplar o respeito à diferença/alteridade Surda.
O conhecimento sobre a Cultura Surda na escola terá como implicação não só a
divulgação das possibilidades existentes nas diferenças, mas propiciará também um processo
de identificação entre as próprias pessoas Surdas e a construção de suas identidades. Perlin
(2000, p. 24) afirma que,

O contato do sujeito surdo com as manifestações culturais dos surdos é


necessário para a construção de sua identidade, caso contrário, sua
experiência vai torná-lo um sujeito sem possibilidades de autoidentificar-se
como diferente e como surdo, ou seja, com determinada identidade cultural.
A sua identificação vai ocorrer como sendo um sujeito deficiente.

Para justificar a importância do contato das crianças Surdas com pessoas Surdas
adultas, Strobel (2013) lembra de pesquisas científicas realizadas no Brasil, Estados Unidos e
Europa, que comprovam que crianças Surdas, filhas de famílias Surdas se saem melhor no
desenvolvimento da linguagem do que as que são filhas de famílias ouvintes. Isso é
favorecido pelo fato de haver comunicação em língua de sinais com as crianças Surdas desde
a mais tenra idade. Então, a realidade da maioria das crianças Surdas, filhas de famílias
ouvintes, adensa a necessidade de haver professoras Surdas e professores Surdos na
escolarização das crianças Surdas, de modo a proporcionar um processo escolar mais
engajado com a cultura e a língua de sinais.
Atualmente, com o processo de inclusão de pessoas Surdas em escolas comuns, a
maioria das alunas Surdas e dos alunos Surdos têm se relacionado apenas com ouvintes,
podendo “a ausência da convivência com sujeitos surdos dificulta[r] a construção da
identidade em sua condição de pessoa surda” (SOARES, 2012, p. 111). No entanto, quando
há mais de uma criança Surda no espaço escolar, sobretudo se já forem usuárias de língua de
sinais – muitas entram na escola sem ter adquirido língua alguma –, é bem provável que elas
se identifiquem e se aproximem. Essa é uma situação longe de ser ideal, mas é uma questão
importante para os processos inclusivos. Porém, é possível que crianças não imersas na
Cultura Surda tenham dificuldades no desenvolvimento linguístico, como mostra a situação:
83

SITUAÇÃO IX – DESENVOLVIMENTO LINGUÍSTICO


Professora Carolina – (16/09/2015)
A Professora Surda, querendo demonstrar o que as meninas sabiam e a dificuldade de uma delas em
relação à outra, me chamou para ver o que ela iria perguntar às garotas. Carolina foi até à parede,
que tinha um cartaz com várias cores, no qual constava a palavra CORES em alfabeto manual, em
português e em sinais. No mesmo formato, o cartaz possuía várias cores: vermelho, rosa, roxo,
laranja, amarelo, verde, azul, branco, preto e marrom. Além dos três códigos que representavam as
cores, uma imagem de cada cor estava presente no cartaz. Assim, a professora pediu à garota mais
velha, Sarah, que identificasse em LIBRAS qual era a cor que ela estava apontando. Primeiramente
apontou para a cor LARANJA. Sarah, então, fez o sinal de LARANJA. Mas, quando Carolina
perguntou à Sabrina, ela não soube responder. A professora fez o sinal de COR, tentando fazer com
que Sabrina entendesse qual era a referida cor. A menina simplesmente repetiu o sinal de COR. A
professora, então, disse que não era aquilo, e que era para ela fazer o sinal de LARANJA. Depois, a
professora solicitou às meninas que fizessem várias cores. Sarah acertou todas as cores, porém,
Sabrina ora fazia correto, copiando a coleguinha, ora se confundia e copiava a professora ao fazer o
sinal COR, solicitando uma resposta e tentando que ela entendesse, mas ela não compreendia. A
professora, então, me perguntou, se eu percebia que Sabrina tinha muita dificuldade. Eu respondi
que sim. Ela afirmou que a menina havia começado a aprender LIBRAS no ano passado (2014)
quando ela estava no 1° ano do Ensino Fundamental, mas iniciara somente no fim do ano porque a
família não aceitava o fato de a criança ter de aprender LIBRAS, uma vez que ela havia se
submetido ao implante coclear. Para ela, Sabrina apresentava dificuldades em sinais que não faziam
parte do seu cotidiano, ao contrário de Sarah que teve contato com a língua desde pequena na escola
e com sua família, que vem tentando aprender a LIBRAS.
Quadro 10. Situação IX – Desenvolvimento linguístico, envolvendo a Professora Carolina.

Há uma diferença considerável de desenvolvimento e compreensão linguística entre as


duas meninas. A professora, por sua vez, tem consciência dessa diferença e faz questão de
enfatizá-la. É preciso, também, que se considere o fato de que Sabrina e Sarah estavam em
etapas diferentes de escolarização. Porém, ainda que esse dado seja relevante, o fato de a
família proibir a menina de aprender língua de sinais, assim que fora inserida na escola, é um
dado importante também para entender o atraso linguístico da mesma, que, nessa idade, já
deveria estar com um rico universo vocabular, caso tivesse aprendido essa língua nos
primeiros anos de vida.
Além disso, o fato de a menina ter passado pelo procedimento do implante coclear
mostra que, para a família, a língua de sinais não era uma prioridade. Ao contrário, os
familiares optaram pela tentativa de correção da deficiência.
Embora eu acredite, assim como a maioria das pesquisadoras e pesquisadores da área,
de forma veemente que a Cultura Surda é o caminho mais apropriado às crianças Surdas, é
preciso considerar que as famílias têm passado por uma forte pressão social e médica quanto à
84

normalização dessas pessoas, fato reforçado pela ausência de condições materiais e subjetivas
para o convívio com as diferenças.
O que acontece é que, em geral, o implante coclear não é acompanhado de todas as
práticas necessárias para a possibilidade de êxito. Como em muitos outros casos, o de Sabrina
mostra que a opção da família pela língua oral não encontra condições mínimas de prosperar,
porque, na escola, a menina utilizava o tempo todo língua de sinais: no AEE com a professora
e a colega, e na sala de aula comum mais diretamente com a intérprete. É uma situação
contraditória, que tanto pode indicar falta de persistência na escolha pelo implante coclear,
como pode dar indícios de que a menina tende a se identificar mais com a Cultura Surda.
Nesse caso, é preciso que a Pedagogia Surda leve em conta que, mesmo “dentro” da Cultura
Surda, não se pode estabelecer uma homogeneidade, desconsiderando outras possibilidades
identitárias, isto é, as diferenças dentro das diferenças (SCOTT, 1999).
Em relação à identidade dessa criança, diante dessa situação, recorro a Lane (1992, p.
21), quando afirma:

Apesar da criança surda que foi sujeita ao implante coclear não se mover
facilmente no mundo ouvinte, é pouco provável que o faça na comunidade
dos surdos, é pouco provável que aprenda fluentemente a American Sign
Language46, [...] criando os seus próprios valores fundamentais existentes
naquela comunidade. A criança surda corre então o risco de se desenvolver
sem qualquer tipo de comunicação concreta, seja ela falada ou gestual.
Consequentemente esta criança poderá desenvolver problemas de identidade,
de adaptação emocional e até mesmo de saúde mental.

As crianças Surdas que se encontram, sobretudo, na Educação Infantil e nos anos


iniciais do Ensino Fundamental dificilmente já possuem um bom desenvolvimento
linguístico, seja ele na língua oral ou na de sinais, pois, como já dito, poucas delas são filhas
de famílias Surdas, não participam das comunidades Surdas e, em alguns casos, também não
passam por nenhum processo de aquisição linguística oral e/ou gestual através de
fonoaudiologia. Esse contexto dificulta o processo de construção identitária, sobretudo de
uma identidade Surda, uma vez que não possuem nenhuma língua como referência. A
ausência de uma língua base é devastadora para essa comunidade, porque tem repercussões
em todas as áreas da vida.
No caso das crianças Surdas em que as famílias optaram pela língua de sinais, o
trabalho precisa ser igualmente consistente e sistemático, porque, em geral, a aquisição dessa

46
Língua de Sinais Americana.
85

língua é tardia. É nesse contexto, que se torna relevante a presença de professoras Surdas e
professores Surdos no ambiente escolar, pois são elas e eles as/os mais indicados/as para fazer
circular a Pedagogia Surda, atentando para as diferenças dentro das diferenças, considerando-
as, respeitando-as e procurando trabalhar com elas.
Sobre a aprendizagem de língua de sinais, Karin ressaltou:

Minha opinião é que el@s aprenderam pouco, por quê? Ano passado, el@s
não vinham à tarde, só pela manhã para a sala do AEE. [...]. El@s
estudavam na sala inclusiva pela manhã, mas vinham para o AEE com
horário marcado, pela manhã. Era de 8 às 9 horas. Então, eu ia buscá-l@s
e a professora dizia: “Não pode!”. Eu ficava surpresa: “Não pode? Por que
não pode?”. Ela respondia: “Porque el@s precisam copiar do quadro,
atrapalha”. El@s aprenderam pouco! Mas em fevereiro, Olívia e eu
conversamos que seria melhor que el@s viessem à tarde, porque à tarde era
livre, el@s não tinham nada à tarde, então era melhor. Pela manhã é ruim
porque el@s ficam na sala e a professora diz: “Não!”. Mas depende d@
professor@, tem uns que dizem: “leva, leva, leva!”. Têm as duas situações.
É ruim porque el@s aprenderam pouco no ano passado, mas agora ficou
bom, ficou melhor, porque el@s vêm muito, muito à tarde... Sempre às
terças e quintas, el@s aprendem muito, ficam muito atent@s. Samuel gosta
tanto de LIBRAS que quando a mãe vem buscá-lo e o chama, ele diz:
“calma, calma!” [...]. Sim, agora el@s estão bem melhor. No ano passado,
sabiam pouco, eram mais travad@s. Agora el@s ainda têm um pouco de
dificuldade com as palavras, mas estão bons! [...]. (PROFESSORA KARIN,
26/11/2015).

A aquisição e o desenvolvimento da língua de sinais são, dentre outras coisas, as


principais contribuições que as professoras Surdas podem proporcionar à suas alunas Surdas e
alunos Surdos, pois é através desta língua que todas as suas outras elaborações culturais
poderão ser construídas.
Quando mediada por professoras Surdas ou professores Surdos, a aquisição da língua
de sinais por crianças Surdas na escola ocorre associada à construção das identidades Surdas,
visto que, através das trocas culturais no processo de ensino-aprendizagem entre esses pares,
outros artefatos culturais como a história, os costumes, os hábitos, as crenças e os direitos
sociais desse grupo cultural circulam discursivamente, ou seja, nesse processo, traduzem a
Cultura Surda.
Como colocou Karin, a não observância de um trabalho sistemático, diário e
consistente faz com que a aprendizagem da língua de sinais seja mais lenta, como ocorreu
com Samuel e Sofia. Entretanto, para essa língua ser adquirida de forma adequada e
significativa, não pode ser transmitida de forma meramente metodológica e/ou instrumental.
86

Ela deve ter um sentido cultural para estas pessoas. O que quer dizer também que a presença
da professora Surda sem um adequado trabalho pedagógico não é suficiente.
Na situação pedagógica a seguir, vemos como a Professora Carolina ensina LIBRAS
como L1 para sua aluna Sarah.

SITUAÇÃO X – FAMÍLIA
Professora Carolina – (05/10/2015)
A professora Carolina iniciou sua aula com um material exposto em um cartaz colado na lousa.
Esse material continha o sinal em LIBRAS, a figura que representava a palavra e a palavra escrita
em português. O conteúdo do material se referia à família. Quando iniciou, Carolina pediu à Sarah
que sinalizasse em LIBRAS. Primeiramente, ela deveria fazer o sinal de FAMÍLIA, depois de PAI,
MÃE, IRMÃ, IRMÃO, AVÔ, AVÓ, etc. A menina, que sabia LIBRAS de modo aparentemente
intermediário, fez todos os sinais sem dificuldades, apenas com pequenas confusões quanto ao
gênero, como por exemplo, AVÔ e AVÓ. Antes de iniciar a aula, enquanto a professora fazia outra
atividade, a menina já havia feito todos os sinais por iniciativa própria. Após pedir que Sarah
fizesse todos os sinais, Carolina pegou um caderno que continha os sinais de FAMÍLIA, com um
espaço em branco ao lado, e pediu que ela recortasse figuras de mulheres e homens de revistas para
representar as pessoas de sua família, e um grupo que representasse outra. A menina iniciou por
procurar uma mulher que representasse MAMÃE. Mostrou à professora e colou ao lado do sinal de
MAMÃE. Depois, Carolina mostrou várias figuras à Sarah e pediu que ela identificasse uma figura
que poderia representar seu PAI. A professora ajudou a aluna a procurar a figura masculina.
Quando encontrou a foto de um ator, perguntou se poderia ser aquele. A menina respondeu fazendo
o sinal de HOMEM, mas a professora a corrigiu e fez o sinal de PAI. Do mesmo modo, encontrou a
foto de um senhor e perguntou à Sarah se poderia representar o VOVÔ. A menina sinalizou que
sim. Carolina pediu, então, que ela procurasse a foto de um BEBÊ. A menina assim o fez. Quando
encontrou, mostrou à professora, que olhou para ver o tamanho da criança, e sinalizou que poderia
ser, mesmo sendo uma criança maior, de aproximadamente 2 anos de idade. Depois, ela pediu que a
menina encontrasse a figura de um grupo que representasse uma FAMÍLIA. A menina encontrou
uma família que estava visitando uma tribo indígena. Após encontrar todas as figuras, começou a
colar no caderno, ao lado de cada figura. Posteriormente, ela pediu que a menina fizesse novamente
todos os sinais dos membros da família em LIBRAS. Após ela concluir a atividade, a professora
elogiou Sarah e lhe deu os parabéns por fazer todas as atividades corretamente.
Quadro 11. Situação X – Família, envolvendo a Professora Carolina.

A professora Carolina buscou, primeiramente, sondar os conhecimentos prévios de


Sarah, pedindo que ela fizesse todos os sinais que conhecia relacionados ao tema família.
Embora a metodologia tenha sido apropriada, sobretudo concernente à visualidade Surda, as
vivências poderiam ser mais significativas se a professora perguntasse se a menina já havia
visto outros tipos de família, ou ainda, como era formada a sua família. Essa articulação
poderia explorar a pluralidade de arranjos existentes na sociedade contemporânea. Segundo
Freire (2014, p. 31),
87

[...] pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever
de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das
classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática
comunitária -, mas também, [...] discutir com os alunos a razão de ser de
alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos.

Embora o objetivo da professora fosse ensinar LIBRAS para Sarah, isso não descarta a
possibilidade de inserir questões de conteúdo. Afinal, mesmo considerando que a língua é
sempre contextualizada, o seu ensino pode ser potencializado quando atrelado a outras
questões, podendo, assim, favorecer também a aprendizagem de conteúdos curriculares. Vale
lembrar que Sarah não era uma iniciante em LIBRAS, segundo a professora, a menina sabia a
língua havia aproximadamente dois anos, já conseguindo obter avanços no desenvolvimento
linguístico.
Durante a aula, a professora Surda fez questão de repassar os sinais com a menina por
mais de uma vez, na tentativa de fixação do conteúdo, embora ela já soubesse os sinais
relacionados à família. A importância de a professora ser Surda foi constatada no trato com as
sutilezas da língua: ao perceber que Sarah apresentava dificuldades em diferenciar o gênero
masculino e feminino, ao fazer os sinais de AVÔ e AVÓ, ela corrigiu sua aluna e apresentou
o sinal correto.
O domínio linguístico, algo tão importante para a inserção social e desenvolvimento
cognitivo, acontece de forma natural com as crianças ouvintes que vivem em ambiente sonoro
e estão inseridas numa cultura oral. No caso da maioria das pessoas Surdas, que vem de
famílias que não dominam LIBRAS, é essencial o contato com professoras Surdas e
professores Surdos que viabilizem o acesso à língua de sinais – uma língua gesto-visual. A
aquisição e o aprimoramento linguístico proporcionam às crianças Surdas não somente o
domínio da língua, mas atitudes mais seguras perante o mundo, uma melhor autoestima,
inclusão social e construção de identidades. Segundo Dorziat (1999, p. 191), “o contato dos
surdos adultos com os alunos surdos é o meio mais adequado para estabelecer as bases da
estruturação da identidade social e do fortalecimento da autoestima”.
A mesma autora menciona Johnson, Lidel e Erting (1989 apud DORZIAT, 1999), ao
enfatizar a importância de pessoas Surdas adultas estarem presentes em todas as situações
educativas, considerando que a língua de sinais existe dentro de um contexto cultural. A
pessoa Surda adulta seria, então, a responsável por unir conteúdo e língua de sinais, tornando
os ensinamentos mais compreensíveis. Essa interlocução deve ser propiciada, sobretudo nas
88

fases iniciais de aquisição de linguagem, quando as crianças usam a língua com a função
comunicativa. Além disso, no caso de Carolina, em particular, ela apresentava requisitos
pedagógicos importantes na relação com a aluna Surda: parecia saber da importância da
visualidade para as crianças Surdas.
Assim, o papel pedagógico dessas professoras no processo educacional – de aquisição
e desenvolvimento linguístico –, é essencial, especialmente quando falamos do espaço
escolar, visto que o acesso e a compreensão dos conteúdos escolares são melhor aprendidos
pela língua de sinais, o que leva as alunas Surdas e os alunos Surdos a utilizarem a sua língua
em todos processos em que estiverem inseridas e inseridos.
Sacks (2010) afirma que “os surdos sem língua podem de fato ser como imbecis – e de
um modo particularmente cruel, pois a inteligência, embora presente e talvez abundante, fica
trancada pelo tempo que durar a ausência de uma língua” (p. 28-29, grifo do autor). Conforme
o autor, uma pessoa Surda que não tenha acesso à língua alguma pode “ratificar” a
representação social que muitas pessoas possuem sobre ela: pessoa “incapaz”, “retardada”,
“doida”, “burra” etc. Por isso, a aquisição da LIBRAS na escola, mediada por professoras
Surdas e professores Surdos, sobretudo para aquelas crianças que não possuem outro canal de
acesso à Cultura Surda, é a viga mestra para todos os seus processos construtivos – sociais,
subjetivos, cognitivos e acadêmicos –, rompendo com os estereótipos que cercam esse grupo
cultural.
A aquisição da língua de sinais, atrelada à construção das identidades Surdas,
possibilita o empoderamento das crianças Surdas, uma vez que se torna um instrumento de
poder, de acordo com Quadros (2012). Para a autora,

[...] a questão da língua passa a ser também um instrumento de poder nas


relações com as crianças e alunos surdos. Sendo a língua de sinais brasileira
a língua de instrução, os professores (e/ou instrutores surdos) são os que
mais dominam a língua. Quando são professores, são mais indicados para
garantir o processo da língua (p. 194).

Concordo com Quadros, quando afirma que professoras Surdas e professores Surdos
são as/os que mais dominam essa língua. São os sujeitos Surdos as pessoas que possuem
maior autoridade cultural nessa área. Entretanto, a formação docente qualificada é
indispensável para que atuem no processo educacional. Devidamente preparadas e
preparados, é importante que essas/es profissionais tenham a oportunidade de realizar a
mediação pedagógica, pois, além dos conhecimentos adquiridos academicamente, elas e eles
também terão mais facilidade em identificar e compreender as dificuldades que as pessoas
89

Surdas enfrentam, uma vez que, provavelmente, passaram por situações semelhantes enquanto
estudantes.
Ademais, nos jogos de poder no ambiente escolar, são as professoras Surdas e os
professores Surdos que poderão defender politicamente o status linguístico da língua de
sinais, pois “embora, muitas vezes, aceita-se a língua de sinais como língua em circulação no
ambiente escolar, ela é vista como prática de interação entre pares, para trocas de experiências
cotidianas e informais, e não como língua em uso para as práticas de ensino” (LODI;
HARRISON; CAMPOS, 2012, p. 18).
Os discursos das professoras Carolina e Gladis sinalizam que elas defendiam a sua
cultura e que a forma de suas alunas e seus alunos se empoderarem era através da aquisição e
desenvolvimento em LIBRAS, sendo para elas o principal conteúdo a ser ensinado:

Eu acho muito importante ensinar LIBRAS, porque el@s precisam aprender


LIBRAS, pois, no futuro vão trabalhar... Precisam se comunicar... Com a
família... Ensinar LIBRAS é muito importante, esse é o foco, é importante,
só. @s Surd@s precisam de LIBRAS (PROFESSORA CAROLINA,
09/12/2015).

Eu acho importante imagens, trabalhar imagens em cartolinas, o alfabeto é


importante, vídeos, histórias, fábulas, imagens em LIBRAS no notebook,
atividades em LIBRAS, português não! É importante LIBRAS! O alfabeto
recortado, jogo da memória em LIBRAS, é importante! É importante que
todos os materiais não sejam em Português. Eu já fiz um material em
Português, parece que eram “FRUTAS”. Mas não tinha em LIBRAS para
colar. Então, @s alun@s viam: MAÇÃ, BANANA, MELANCIA e sabiam,
mas, às vezes, não entendiam porque não tinha o sinal. Então falta... É
importante ter os dois, em Português e em LIBRAS. @s alun@s veem os dois
e associam: vê a imagem da maçã, vê o sinal, e associa (PROFESSORA
KARIN, 26/11/2015).

Muitos são os estereótipos e preconceitos nas representações acerca das pessoas


Surdas no espaço escolar. Qualquer comportamento que não seja considerado “normal” é
distorcido e provoca estereótipos sobre elas (PERLIN, 2013). Desse modo, a figura da
professora Surda ou do professor Surdo na escola contribui para desmistificar essas
representações negativas, esclarecendo, por exemplo, que a língua de sinais, embora também
seja um artefato linguístico para interação entre pares e trocas de experiências cotidianas e
informais, é uma língua que produz conhecimento e cultura. Logo, as pessoas Surdas não são
incapazes de aprender, construir conhecimento e produzir cultura.
Como afirmaram Carolina e Karin, sem sombras de dúvidas, a língua de sinais na
Educação de Surdos/as é a “peça-chave” para toda a construção identitária destas pessoas. Há
uma defesa explícita do uso da LIBRAS, sendo esta a mais apropriada para as pessoas Surdas,
90

intrinsicamente ligada à experiência visual. A língua de sinais para as pessoas Surdas precisa
ser compreendida, também, como um instrumento de empoderamento e autonomia, sobretudo
para a garantia do pleno exercício da cidadania. A LIBRAS permite a real inserção das
pessoas Surdas à sociedade, pois é ela que permite sua participação ativa e o convívio em seu
meio (DIZEU; CAPOLARI, 2005).
Então, não há possibilidade de essas pessoas se inserirem socialmente sem a aquisição
de uma língua. Porém, tendo as crianças Surdas adquirido a sua língua natural, a língua de
sinais, é preciso pensar nas práticas pedagógicas a serem desenvolvidas com estes sujeitos em
sala de aula. Para que haja uma real inserção social, não podemos desconsiderar também a
importância da aprendizagem da Língua Portuguesa como segunda língua (L2) para as
pessoas Surdas. Na perspectiva do bilinguismo, Quadros (2012) considera que essas pessoas
usam diferentes línguas em contextos completamente diferenciados.
No entanto, sabemos que há uma resistência de alguns grupos Surdos, por entenderem
que o português é privilegiado em detrimento da língua de sinais, o que caracterizaria uma
política linguística de subtração (QUADROS, 2012). De fato, estes grupos têm razão, porém,
a autora assegura a possibilidade de haver um espaço de negociação, o que vem sendo
incorporado por algumas lideranças Surdas. Isto quer dizer que o bilinguismo pode ser
ressignificado e encarado como “aditivo”, tornando o português um instrumento essencial de
poder.
Dessa forma, as pessoas Surdas podem encarar a aprendizagem e o uso da Língua
Portuguesa como formas de favorecer a sua inserção social, sem que esta língua desconsidere
ou prevaleça sobre a sua língua natural. Como enfatizou a professora Surda, a LIBRAS deve
ser a língua privilegiada nas práticas pedagógicas.
A respeito da relação docentes-discentes Surdos/as na escola, Skliar e Lunardi (2000,
p. 18) afirmam que, “sem desmerecer a importância dessa interação lingüística no
desenvolvimento educacional, social, cultural do sujeito surdo, acreditamos que, no plano
educativo, o papel do professor surdo vai muito além dessa identificação lingüística”.
Concordo com o autor e a autora, pois considero que, embora a língua de sinais seja
fundamental para as interações linguísticas entre estes pares culturais (já que traduz a Cultura
Surda no espaço escolar, em vista do favorecimento da construção das identidades Surdas),
outras questões também são fundamentais. Todavia, é preciso ressaltar que estas questões
estarão intrinsicamente associadas, mediadas e somente serão possíveis através dela, da língua
de sinais. Sobre estas outras questões, a Professora Gladis afirma:
91

Precisam ser temas que combinam com @s própri@s Surd@s, com a


LIBRAS. [...] Eu quero que eles conheçam a história dos Surd@s, a Cultura
Surda, precisam aprender como foi a história e a Cultura como conteúdo.
[...] Por exemplo: uma frase: “A casa é bonita!”. Para @s Surd@s: “Casa
bonita”. Isso é da Cultura Surda. Outro exemplo: A campainha em casa...
Na minha casa é uma campainha luminosa, isso é da Cultura Surda.
Também, um dia o ônibus que eu estava quebrou. Então, quando vi @s
ouvintes falando, falando, e saindo do ônibus, eu @s acompanhei. Isso faz
parte da Cultura Surda (PROFESSORA GLADIS, 26/11/2015).

Gladis, bem como Karin, ampliam a noção de que a Educação de Surdos/as restringe-
se ao ensino de língua de sinais. Como afirma Strobel (2013), a Cultura Surda abrange
diversos aspectos relacionados às pessoas Surdas que são importantes a ser considerados e
que, de fato, precisam ser trabalhados com as alunas Surdas e os alunos Surdos.
No entanto, conforme a professora Surda, “precisam ser temas que combinam com @s
própri@s Surd@s, com a LIBRAS”. Destarte, os conteúdos a serem trabalhados com as
pessoas Surdas, à luz da pedagogia e do currículo para as diferenças, precisam levar em conta
a Cultura Surda. Portanto, mediado pela língua de sinais, o currículo deve proporcionar a estas
pessoas conhecimentos escolares, históricos e culturais que tragam a diferença Surda para o
centro do ato pedagógico, servindo de base para toda a sua construção identitária.
Gladis trouxe exemplos que representam bem as experiências culturais que as
professoras Surdas podem transmitir a suas alunas e seus alunos: a experiência visual e a
estrutura da LIBRAS. Ao considerar estes como importantes temas a serem trabalhados com
as alunas Surdas e os alunos Surdos, a professora Surda demonstra o quão está antenada às
questões fundamentais presentes no ato pedagógico. A preocupação de sua parte com a
construção identitária desses sujeitos, com base na Cultura Surda e mediada pela LIBRAS,
demonstra isso.
O discurso de Carolina também aponta para essa direção. Ela trata sobre a importância
do ensino LIBRAS, a fim de elas e eles participarem ativamente na sociedade “porque no
futuro vão trabalhar”. Quanto à Karin, ela ratifica essa linha de pensamento ao afirmar que é
importante trabalhar a LIBRAS associada à Língua Portuguesa, uma vez que esta é a primeira
língua oficial do Brasil e que, portanto, deve ser a segunda língua (na modalidade escrita)
desses sujeitos. Sendo assim, a aquisição da língua de sinais torna-se uma das questões
centrais defendidas pelas professoras para o processo de construção de identidades Surdas e
empoderamento Surdo.
92

2.2.2 Cultura Surda: construção de identidades no encontro Pessoa Surda-Pessoa Surda

Em sua entrevista, Karin destaca também que “Samuel gosta tanto de LIBRAS que
quando a mãe vem buscá-lo e o chama, ele diz: “calma, calma!”. Isso mostra que ele sente
prazer em aprender a sua língua e imergir em sua cultura, juntamente com sua professora
Surda. O discurso proferido pela mãe de Samuel na situação a seguir corrobora esse
sentimento:

SITUAÇÃO XI – O DESEJO DA MÃE E DO FILHO SURDO


Professora Karin – (22/10/2015)
Cheguei à sala do AEE, onde estava presente a professora Surda com Sofia e Samuel; a professora
ouvinte, acompanhada de duas estagiárias de Pedagogia (UFPB), e as duas bolsistas do PIBIC. A
mãe de Samuel também estava na sala, conversando com Karin. Ela disse que Samuel ia ficar muito
triste porque não queria trocar de escola, mas que, no próximo ano, isso iria acontecer pelo fato de a
escola não oferecer o Ensino Fundamental II. Ele iria sofrer porque gostava muito de frequentar o
AEE. Queria que Karin fosse para a outra escola para ficarem juntos. A mãe ainda afirmou: “Queria
que Samuel continuasse aqui no colégio, eu estou com raiva! Aqui na escola deveria ter o 6º, 7º,
8º... Eu gostaria que a professora Karin continuasse como professora do meu filho”.
Quadro 12. Situação XI – O desejo da mãe e do filho Surdo, envolvendo a Professora Karin.

A mãe de Samuel fala sobre o sentimento do seu filho, por ter de deixar a escola e se
afastar da professora Surda. Pude presenciar o quanto o AEE era especial para esse aluno,
durante as observações: Samuel chegava muito animado para as aulas, em nenhum momento,
sentia-se apressado para voltar para casa. A mãe, em outros momentos, relatou que o filho
ficava triste e com raiva, quando ela não podia levá-lo ao AEE. Ela podia deixar de fazer
qualquer outra atividade, menos deixar de levar o filho para se encontrar com a professora
Surda e também com as colegas Surdas. Segundo Perlin (2013, p. 54), “o encontro surdo-
surdo é essencial para a construção da identidade surda, é como um abrir o baú que guarda os
adornos que faltam ao personagem”. Nesse sentido, o encontro da professora Surda com o
aluno Surdo é muito representativo para ele, pois lhe possibilita utilizar a sua língua e, por
meio dela, trocar experiências cotidianas e relacionadas à Cultura Surda.
Quando há esse encontro, uma pessoa Surda pode “tirar do baú” a história Surda, as
lutas que esse grupo vem travando socialmente, suas crenças, visões de mundo e sua
experiência enquanto pessoa Surda. O compartilhamento desses significados entre pares
Surdos permite que as identidades Surdas sejam construídas, porque dão o sentido “real” aos
acontecimentos, referenciado por pessoas que, de fato, vivem uma experiência identitária e
93

cultural próprias. Conforme Sá (2006, p. 126), “a(s) identidade(s) de surdo/dos surdos não se
constrói(oem) no vazio, forma(m)-se no encontro com os pares e a partir do confronto com
novos ambientes discursivos”.
Quando perguntei sobre a relação com as crianças Surdas, as professoras responderam:

É muito boa, a gente bate papo. Temos uma relação boa. A gente brinca,
falamos sobre a vida, sobre o futuro, brincamos de dominó. Na hora do
lanche sempre batemos papo, tem dias que el@s vêm aqui na sala olhar o
que eu estou fazendo, são curios@s. Perguntam o que eu estou fazendo,
quais são os materiais novos... [...]. Mas, se tem coisa errada, eu aconselho,
eu penso e explico que precisa mudar, porque são crianças, pensam
diferente. Aí eu digo não e ensino o caminho, aconselho para que el@s
mudem. El@s entendem, são inteligentes (PROFESSORA CAROLINA,
09/12/2015).

Aqui na sala é melhor, tem uma troca, a gente conversa. Aqui na sala é bem
melhor, tem muita troca, muita conversa. El@s perguntam: “como é a sua
vida, a sua casa?” [...] Por exemplo: Sofia foi à igreja e quando chegou
aqui, ela me explicou tudo como foi lá no sábado... Ela me explicou tudo,
nós conversamos, foi uma troca, foi bom, entendeu? Por exemplo: Samuel
não saberia explicar: há pouco tempo, perguntei a ele para onde ele havia
ido num sábado. E ele não soube me explicar, não lembrava. Então, não tem
essa relação, é pouca. A outra é inteligente, tem essa troca, ela explica tudo,
tudo, não tem vergonha. A relação com Sofia é melhor. Com Samuel é mais
ou menos, porque ele não sabe explicar... Por exemplo, ele não soube dizer
o que aconteceu com ele no sábado. [...]. É diferente! Em casa também,
Samuel usa o faceboook. Ele sempre me manda vários emoticons, igual tem
no whatsapp. Samuel sempre manda os emoticons no facebook.
(PROFESSORA KARIN, 26/11/2015).

É bom porque sou professora Surda, sou igual a el@s. Eu ensino LIBRAS e
nós somos iguais, el@s são iguais a mim. [...]. Às vezes eu sou rígida, não
@s deixo livres não. [...] El@s têm que gostar! (risos). @s Surdos gostam
de liberdade, ficar brincando, mas eu não gosto, eu não quero. Quem gosta
mais de mim é o moreninho, Sérgio. Santiago pergunta, pergunta, muita
coisa, tem muitas dúvidas, todos os dias, mas não pode, porque eu não posso
ensiná-lo todos os dias. Com Sinésio, eu sou mais rígida, mas eu gosto dele.
Ele brinca demais, todos os dias me pede para ir para o AEE, eu falo:
“Amanhã!” (PROFESSORA GLADIS, 26/11/2015).

A relação entre as professoras Surdas, alunas Surdas e alunos Surdos ultrapassa o


momento formal do AEE. Elas e eles, inclusive, utilizavam o AEE como um ponto de
encontro para momentos de conversas, brincadeiras, aconselhamentos, entre outros. As
professoras Surdas criaram laços de amizade no processo educacional com suas alunas e seus
alunos, criando um processo educativo real de ação e interação, como afirma Boneti (1997), o
que permite enriquecer suas identidades culturais.
94

Essa relação educativa contribui para trocas culturais ricas de possibilidades, que
podem implicar significativamente na vida das alunas Surdas e dos alunos Surdos. A
linguagem tem um papel importante, mas não único. Há uma parceria e cumplicidade na
condição de ser Surda que dá maior credibilidade ao que é expresso.
Segundo Costa, Silveira e Sommer (2003), quando falamos sobre o papel do professor
e da professora, é desafiante pensá-lo ultrapassando a noção de transmissores/as de
informações. É preciso pensar nesses sujeitos como produtores culturais que organizam suas
práticas pedagógicas, baseadas nas experiências dos/das estudantes, para que eles e elas
possam construir seus conhecimentos, entendendo que eles, assim como a sociedade, são
cambiantes e recheados de valores e representações.
No caso de Karin e Gladis, as mesmas demonstraram que há diferenças nas relações
estabelecidas com as alunas e os alunos. Karin afirmou ter uma relação mais próxima de
Sofia, por ela ser mais aberta e por se expressar melhor. No entanto, segundo ela, a relação
com Samuel ultrapassava o momento do AEE porque o aluno sempre buscava manter contato
extraclasse com ela pelas redes sociais. Além disso, as crianças procuravam saber mais de sua
vida pessoal, o que pode representar uma busca em conhecer como é a vida de uma pessoa
Surda adulta. Carolina confirmou isto ao dizer:

El@s se interessam porque eu sou Surda. [...] Sim, a gente bate papo, conta
as fofocas. @s ouvintes ficam calados, conversam um pouquinho com @s
Surdos. Mas quando é outr@ Surd@, é muita conversa, é bom! Temos
muitos assuntos (PROFESSORA CAROLINA, 09/12/2015).

No entanto, embora Gladis tenha afirmado que a relação entre ela e seus alunos era
boa porque eram pessoas iguais (considerando a condição Surda), ela acabou ratificando que
não há uma homogeneização nas relações entre as pessoas Surdas – inclusive isso implica na
sua prática docente –, ao dizer que sua relação com cada aluno é diferente, o que deixa claro
que a Cultura Surda é dinâmica. Não é pelo fato de terem – professora e alunos/as – os traços
culturais Surdos que as identidades e as relações se estabelecem de forma igual com todas as
pessoas Surdas. Assim como a cultura de forma geral não é estática, a Cultura Surda e as
relações sociais que se estabelecem em torno dela também não o são. É preciso romper com o
estigma padronizado, herança de um modelo clínico-terapêutico, que cerca as pessoas Surdas
e a sua cultura.
Carolina afirmou que, a partir de situações trazidas por suas alunas e seus alunos, ela
passava a discutir com elas e com eles sobre o futuro, inclusive aconselhando-as/os. Essa
95

prática preenche um pouco a lacuna deixada pelo isolamento das crianças Surdas dentro das
próprias famílias (STROBEL, 2013). Além disso, pode estabelecer vínculos de confiança com
a professora, muitas vezes, decisivos para seu desenvolvimento pessoal, porque são baseados
na abertura para o diálogo e reconhecimento de suas identidades culturais (FREIRE, 2014).
Sobre estes conselhos Carolina narrou:

Por exemplo: é bom @s Surd@s estarem junt@s com @s ouvintes,


acompanharem uns aos outr@s. Mas, tem que ter cuidado, podem sofrer
bullying, pode ter união entre @ @uvinte e @ Surd@, mas el@s precisam
ficar atent@s para não serem insultad@s, não serem feit@s de bob@s, eu
vou aconselhando. Namorar, namorar, por exemplo, eu falo: “precisam ter
calma, vocês são jovens, não têm idade para namorar”. Falo também sobre
gravidez, sobre brigas por vagas nas filas, discussões... Eu aconselho para
el@s mudarem. Se eu explico, explico, explico, e el@s não estão nem aí, eu
digo: espera aí! Eu pego a foto e mostro: “está vendo aqui?”. El@s
respondem: “eu não, não sou eu”. Ou então, eu pego um DVD e mostro uma
situação de violência a el@s e, então, el@s entendem. Eu pergunto: “vocês
acham engraçado?”. El@s dizem não, que é triste. Eu explico e depois digo:
“vocês se lembram do que viram na televisão?”. Ou mostro a revista e
pergunto: “é engraçado? Vocês querem isso pra vocês?”. El@s falam:
“não, já entendi!”. Eu mostro a revista porque @s Surd@s gostam, se
interessam pelas imagens, percebem (PROFESSORA CAROLINA,
09/12/2015).

A professora mostrou-se disponível para dialogar com suas educandas e seus


educandos sobre os mais variados temas. Ela as/os aconselhava sobre questões que, para ela,
eram importantes como, por exemplo, gravidez, namoros, brigas, violência etc. (ela se referia
mais especificamente às suas alunas e seus alunos adolescentes). Considerava que, se a
adolescência era uma fase complexa para todas as pessoas, ainda mais para as Surdas, que são
privadas de informações essenciais.
Ela buscava interferir também, ao menos discursivamente, em situações de bullying,
orientando suas alunas e seus alunos sobre esta prática tão recorrente e lamentável na história
educacional das pessoas Surdas. Não obstante esta violência só venha sendo discutida mais
fortemente nos últimos anos, as pessoas Surdas têm sofrido historicamente seus efeitos, em
consequência das representações sociais produzidas pelos/as ouvintes acerca da sua diferença
cultural, que resulta, inclusive, na produção das subjetividades Surdas (FRANCO, 2014).
Embora a professora Surda tenha ressaltado a interculturalidade entre as pessoas
Surdas e ouvintes, ela alertava suas alunas Surdas e alunos Surdos sobre a violência que
podiam sofrer, sendo através de bullying, assédio moral, violência física ou outras formas.
Franco (2014) afirma que as representações impostas às pessoas Surdas foram feitas de tal
96

forma que se constituíram verdades absolutas e, pelo fato de a maioria das pessoas Surdas não
questionarem essas verdades, até hoje sofrem suas repercussões.
Por isso, nessas ocasiões, é importante o papel das professoras Surdas em aconselhar
e, na prática, desconstruir estas representações sobre si e seus pares culturais, para que as
alunas Surdas e os alunos Surdos construam imagens positivas sobre si e seu grupo cultural.
Nas situações a seguir, presenciei duas cenas em que uma das professoras interferiu
em práticas de bullying praticadas por um Surdo sobre outro Surdo:

SITUAÇÕES
Professora Gladis
Em determinado momento da aula, Gladis percebeu a dificuldade dos alunos
em escrever em português e lembrou que Sinésio outro dia chamara Santiago
SITUAÇÃO XII – de burro, por ele ser mais velho, estar no 7º ano e não saber escrever em
RELATO DA português. Nesse momento, ela explicou a ele que não se podia chamar
PROFESSORA qualquer colega de burro, porque era normal ter dificuldades. Ela deu o seu
SOBRE próprio exemplo: segundo ela, no passado, as pessoas Surdas eram vistas
BULLYING como burras e loucas, sofrendo bullying. Ela disse ainda que sofreu muitas
(29/09/2015) práticas de bullying na escola, porque tinham essa concepção sobre ela, de
burra e louca. Ela afirmou que sempre corrigia essas práticas de Sinésio,
porque as considerava erradas.
SITUAÇÃO XIII Ao assistirem o filme “O milagre de Anne Sullivan47”, num determinado
– BULLYING momento, Santiago chamou Sérgio de burro, uma vez que ele conhecia
ENTRE SURDOS poucos sinais em LIBRAS, pois o garoto havia perguntado à professora que
(13/10/2015) sinal era aquele que aparecia no filme (MAMÃE). Gladis interveio e afirmou
que ele não podia chamar ninguém de burro.
Quadro 13. Situações XII – Relato da professora sobre bullying e XIII – Bullying entre Surdos, envolvendo a
Professora Gladis.

Gladis tentou desestabilizar esta concepção de que as pessoas Surdas são menos
inteligentes, concepção essa tão enraizada socialmente, ao ponto de fazer com que os/as
próprios/as Surdos/as a reproduzam. Sinésio e Santiago não tinham noção de que o atraso
linguístico de seu colega em língua portuguesa (que eles também possuíam em níveis
diferentes) era proveniente de várias questões: pelo fato de não ser a sua língua natural;

47
Com base em uma história real, o filme narra a história de Anne Sullivan, uma professora cuja maior luta foi a
de ajudar uma menina surdocega (Helen Keller) a adaptar-se ao mundo que a cercava. Nesse ínterim, a
professora encontrou muitas dificuldades para trabalhar com a garota porque era muito mimada pela família, o
que atrapalhava o seu desenvolvimento, cerceando-a da aprendizagem de ações básicas para sua autonomia,
como comer, se relacionar com as pessoas e, especialmente, a aprendizagem de uma linguagem. Filme completo
disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9Zqn_pHoni0>. Acessado em: 14 de dezembro de 2016 às
17:19 horas.
97

precariedade educacional expressa por metodologias inadequadas e, por fim, pelo não acesso
ao conhecimento, afinal, Sérgio sequer tinha o auxílio de um/a intérprete educacional.
A intervenção de Gladis se deu na tentativa de desestabilizar esta concepção negativa,
excludente e que afeta diretamente a subjetividade Surda (FRANCO, 2014). No entanto,
considero que ela poderia ter ido além, problematizando um pouco mais esta questão, com
informações aos alunos sobre as diversas situações que podem, inclusive, ter desencadeado o
atraso educacional das pessoas Surdas. Essa trajetória histórica poderia parecer demasiado
abstrata para crianças pequenas, mas os alunos de Gladis eram adolescentes, já possuindo
condições de compreender a sua história.
Por outro lado, o fato de a professora ter trazido a sua própria experiência para a
situação é algo bastante significativo. Isso coloca-a como partícipe da história das pessoas
Surdas, a qual se utiliza de um artefato cultural Surdo (STROBEL, 2013) para fazer circular a
Cultura Surda em várias situações no espaço reservado a estes sujeitos na escola, em especial
no AEE.

As pessoas pensavam: “Gladis? Difícil de ela estudar!”. Elas explicavam,


oralizavam, mas era difícil, eu não entendia nada. As pessoas pensavam:
“parece que é doida! Não entende nada, não sabe estudar, não sabe ler, não
sabe escrever”. Elas gritavam: “é doida! É doida,” Todos os dias, todos os
dias. Eu me sentia muito triste, chorava... As pessoas me massacravam... Na
escola, na família, meus primos também. Comecei a estudar, eu gostava de
estudar, com muito esforço, mas reprovava. Eu nunca esqueço que no 3º e 4º
ano mais ou menos que eu fiz uma prova com o tema “as partes das
plantas”, por exemplo: folhas, frutos, flores, caule, raiz e eu não sabia de
nada, então eu pensei “é família?48” Primeiro vovô, vovó, papai... Eu
respondi e entreguei. Quando a professora viu, disse: “Como? Família?”.
Eu respondi porque eu não sabia de nada. [...] no 3º ou 4º mais ou menos.
Eu tirei zero na prova. As pessoas ficavam me provocando, dizendo: “ela
não sabe estudar, ela é doida, doida”! Eu ficava triste, chorava, depois
dessa prova que tirei zero com esse tema que eu não sabia o que era. Eu
nunca esqueci dessa prova (PROFESSORA GLADIS, 26/11/2015).

Este tipo de representações construídas socialmente pelas pessoas ouvintes é, para


Franco (2014), um preconceito declarado e arraigado que vem contribuindo profundamente
para a construção da imagem atualmente presente na sociedade acerca dos sujeitos Surdos.
Assim como Sérgio, quando apresentava dificuldades desencadeadas pela falta das
condições escolares necessárias para que se desenvolvesse academicamente, Gladis sofria

48
Nessa situação, quando estudante, a professora Surda confundiu as partes das plantas com uma árvore
genealógica.
98

bullying por colegas que atribuíam seu fracasso escolar a incapacidade e “loucura”. Sobre o
bullying, Avilés Martínez (2013, p. 38) esclarece:

Chamamos de bullying a intimidação e o maltrato entre escolares de forma


repetida e mantida no tempo, sempre longe dos olhares dos adultos/as, com a
intenção de humilhar e submeter abusivamente uma vítima indefesa por
parte de um abusador ou grupo de valentões através de agressões físicas,
verbais e/ou sociais com resultados de vitimização psicológica e rejeição
grupal.

Dessa forma, Gladis sofreu diversas formas de violência ao longo de sua vida, em
algumas ocasiões bullying, quando ocorria entre seus pares escolares; em outras, assédio,
quando ocorria envolvendo pessoas adultas, provavelmente, de sua família ou, por seus/suas
professores e professoras, como afirma ela, de modo geral. O relato da professora Surda
juntamente com a situação que ocorrera com seus alunos mostra que, embora em moldes,
situações e sujeitos diferentes, as pessoas Surdas ainda continuam a sofrer esse tipo de
violência na escola, o que afeta na construção de suas identidades.
Na próxima situação, é possível perceber o quanto o assédio moral, assim como o
bullying, considerados aqui como formas perversas de relações de poder, é praticado por uma
intérprete com uma aluna Surda:

SITUAÇÃO XIV – RELAÇÃO INTÉRPRETE-CRIANÇA SURDA


Professora Carolina – (28/09/2015)
Em um determinado momento da aula de Carolina, Inácia, ao conversar com as pessoas que
estavam na sala, fez um comentário acerca da deficiência física de Sarah, afirmando que achava
engraçado quando a aluna utilizava a mão que não possuía as falanges mediais e distais dos dedos.
Depois, pediu que a aluna fizesse o sinal de ÁGUA, rindo da situação. A garota, constrangida, fez o
sinal com a outra mão. A intérprete, então, insistiu para que ela fizesse com a outra mão. A menina
fez. Inácia e a outra intérprete (Izaura) riram, dizendo que achavam engraçado. A menina com
expressão de tristeza e vergonha baixou a cabeça. Eu, incomodado com a situação, disse à menina:
“você pode fazer o sinal com as duas mãos, você escolhe!”. E, pedi que ela fizesse o sinal
novamente e a parabenizei. Ela, desta vez, sorriu. Ao término da aula, no momento em que
estávamos nos despedindo, as duas bolsistas do PIBIC e eu, a aluna veio nos dar um abraço e um
beijo, despedindo-se de um/a a um/a, porém, não se despediu de Inácia que logo perguntou: “não
vai me beijar?”. Sarah balançou a cabeça indicando que não. Ela então tomou a bolsa que estava
com a menina e disse: “vou pegar a bolsa que te dei de volta”. Após o comentário, Sarah foi ao
encontro da intérprete, deu-lhe um beijo, e a bolsa foi devolvida.
Quadro 14. Situação XIV – Relação intérprete-criança Surda, envolvendo a Professora Carolina.
99

Nesse momento, seria fundamental que a professora Carolina interviesse nessa


situação de desrespeito e violência simbólica. Para Bourdieu (1989), as relações de poder são
engendradas na cultura de forma tão sutil, ao ponto de as pessoas não se aperceberem.
Embora não seja o que ocorreu nesta situação, pois o poder dessa pessoa que, provavelmente,
se considera “normal”, e a violência praticada por ela são expressos de forma explícita e
consciente. Apesar disso, Carolina não apresentou reação ao fato. Talvez ela própria não
tenha conseguido desnaturalizar algumas formas de “brincadeiras”, que passam a ser
banalizadas pelas pessoas (exceto pela menina que nitidamente sofria com elas), ou então, ela
também não se sinta forte o suficiente para reagir a agressões como esta, por ter sido
igualmente, ao longo de sua vida, vítima delas.
A questão das diferenças dentro das diferenças vem à tona mais uma vez. Sarah sofria
assédio por não possuir as falanges mediais e distais de quatro dedos de uma mão, ou seja,
uma deficiência física, o que supostamente para a intérprete dificultaria a menina expressar-se
plenamente em LIBRAS. A intérprete faz dessa condição física um motivo para assediá-la. É
oportuno questionar: o que fazia com que uma intérprete educacional agisse dessa forma, haja
vista que seu trabalho educacional deveria consistir não só em prestar um serviço às crianças
Surdas, mas entender as questões que as envolvem, combatendo equívocos das representações
sociais sobre elas (QUADROS, 2004)?
Neste momento, a omissão de Carolina em fazer com que a criança fosse respeitada
nas suas diferenças foi questionável por ela ser a professora naquele ambiente. Contudo, no
que concerne à sua condição Surda, também pode significar que a professora não estivesse
empoderada o bastante para combater todo tipo de violência contra suas alunas e seus alunos.
Essa situação me remete a Perlin (2013), para quem é importante considerar que o
processo de construção das identidades Surdas políticas deve ser acompanhado de uma sólida
base político-cultural. É essa base que proporcionará o empoderamento Surdo e permitirá que
estas pessoas assumam posturas de resistência.
Para as crianças que não participam de comunidades Surdas, como associações,
igrejas, pontos de encontro, é fundamental que a escola assuma esse papel de constituição
subjetiva, cultural e de cidadania, oferecendo sólidas bases para que estas crianças possam
adquirir referências de sua cultura a fim de empoderar-se. Destarte, as professoras Surdas
inseridas no espaço escolar podem ser esta referência política para as crianças Surdas desde
que possuam esse traço político em prol de sua cultura e diferença.
100

Quando perguntei às professoras sobre o contato de suas alunas Surdas e seus alunos
Surdos com elas, elas disseram:

[...] no futuro el@s vão ficar inteligentes, vão me copiar. “Você é


professora Surda? Eu quero ser igual a você.” Por exemplo, antigamente
uma aluna Surda que frequentava a escola ficava me olhando e pensava que
eu era uma professora ouvinte. Ela me via fofocando, conversando com a
intérprete e ficava sempre encucada, encucada, observando o tempo todo.
Noutro dia, ela chegou, eu estava batendo papo, ela ficou observando e eu
perguntei: “o que foi?”. Ela disse espantada: “você é Surd(aaaaa)?”.
Respondi: “Sim, você pensava que eu era ouvinte? Não, eu sou Surda!” Ela
ficou muito impressionada. Eu disse: “Eu sou Surda, ela é intérprete, é
diferente. Você viu? É verdade!” Ela disse admirada: “você é professora?
Pensava que não podia”. Eu disse: “pode sim, professora Surda pode!”. Ela
ficou admirada! Faz tempo isso já, ela achou que eu era ouvinte, imagine...
Nunca! El@s me percebem... No futuro el@s vão me copiar: “professora
Surda? Inteligente? Eu vou estudar, estudar, estudar, vou copiá-la, no
futuro vou ser igual a ela”. Porque el@s pensam que @s ouvintes são
inteligentes e @s Surdos só fracassam. E quando el@s se deparam comigo:
“você já tem faculdade? Na UFPB? Especialista? Já? Quero ser igual!”.
El@s ficam vidrad@s, muito interessad@s. El@s ficam se lamentando:
“@s ouvintes sabem português e eu não sei!” Eu digo: “nada disso! Como,
se eu já estudei até na UFPB?”. E el@s ficam calad@s. El@s entendem
porque que precisam me copiar para no futuro crescerem (PROFESSORA
CAROLINA, 09/12/2015).

Imersas na Cultura Surda, as identidades Surdas podem emergir. Quando falo em


identidades Surdas, refiro-me às identidades construídas historicamente, em constante
processo de construção e reconstrução (SKLIAR; LUNARDI, 2000). Por isso, acredito que,
no espaço escolar, nas relações com as alunas Surdas e os alunos Surdos, as professoras
Surdas podem representar uma fonte de inspiração para seus alunos Surdos e suas alunas
Surdas, não apenas a partir de identificações culturais, mas como perspectivas de vida
(PERLIN, 2007), possibilidades, contrariando os discursos sociais da nossa sociedade
normalizadora e excludente.
O espanto da garota, citada por Carolina, ao ver uma professora Surda, demonstra que
as alunas Surdas e os alunos Surdos não enxergam as pessoas Surdas em lugares de “prestígio
social”. Embora a docência seja um espaço desvalorizado socialmente, para as pessoas
Surdas, esse campo tem status privilegiado, visto que o máximo que muitas delas têm
conseguido é o espaço do trabalho subalternizado (RANGEL; STUMPF, 2012).
O papel docente pode representar, para estas crianças, não só uma possibilidade de
ascender socialmente e, em especial, de incluir-se, mas uma realidade, diante da existência de
professoras Surdas. Elas, mesmo tendo a sua cultura desvalorizada socialmente, conquistaram
101

seu “lugar no mundo”, passando a ser referência para muitas pessoas Surdas, sobretudo as
mais próximas: seus alunos e suas alunas.
Carolina narrou que o fato de ela ter estudado numa universidade federal (socialmente
representada como para poucas pessoas) e feito graduação e especialização significa para as
crianças Surdas uma possibilidade de romper com a lógica de que somente pessoas ouvintes
conseguem estas conquistas, apesar de muitas delas também se depararem com barreiras
sociais que as impedem de realizar esse feito.

SITUAÇÕES
Professora Karin
Quando a garota viu o que a professora me dizia, ela afirmou que já havia ido
à casa da avó pela rodoviária, mas que não gostava de andar de ônibus. Nesse
momento, Karin disse à Sofia e a Samuel que futuramente ela e ele podiam
SITUAÇÃO XV dirigir e, que, inclusive ela tinha o desejo de tirar sua habilitação de
– CONDUÇÃO motorista. A menina voltou-se à professora dizendo que não poderia dirigir
DE VEÍCULO porque ela era Surda. Karin afirmou que poderia dirigir sim, pois as pessoas
(08/10/2015) Surdas podiam dirigir, tirar habilitação de motorista, desde que utilizassem
placa no carro para sinalizar às outras pessoas que aquele carro pertencia a
uma pessoa Surda. Ela reafirmou, enfatizando mais uma vez que as pessoas
Surdas podiam dirigir e que ela queria dirigir.
Durante o intervalo, no qual as crianças se ausentaram da SRM, a professora
contou algumas dificuldades e situações que ocorreram com alunas Surdas e
alunos Surdos na escola. Segundo ela, uma destas situações envolvia uma
aluna Surda que menstruara na escola e mostrara o absorvente sujo às outras
crianças sem entender o que estava acontecendo. Então, ela teve de intervir
SITUAÇÃO XVI dizendo que a garota não podia fazer aquilo porque era feio. Em outro
– MENSTRU- momento, a menina menstruara novamente e, dessa vez, sujou a calça e ficou
AÇÃO envergonhada, mas a professora Surda lhe explicou que aquela situação era
(22/10/2015) normal, e que, às vezes, acontecia. Perguntou se a menina tinha um
absorvente, mas ela não tinha. Nesse caso, a professora lhe deu um. Ao narrar
isso, Karin afirmou que, nessas situações, era preciso, também, ensinar esse
tipo de situação às alunas Surdas e aos alunos Surdos, pois elas e eles não
compreendiam e não tinham na família quem lhes explicasse.
Karin disse que Sofia veio confirmar com ela um determinado fato que havia
ocorrido com ela (Karin). Então, a professora Surda começou a narrar a
referida história. Segundo ela, um dia faltou água na escola e a direção
resolveu liberar todas as pessoas. Ela, uma intérprete e um intérprete iam
embora para casa, mas, assim que saíram da escola, avistaram de longe uma
motocicleta com dois homens. Logo, eles se aproximaram e pararam em sua
frente. Ela ficou parada sem fazer nada, pois não havia entendido o que eles
queriam. Um deles desceu da motocicleta e começou a falar com ela com a
arma apontada, mas ela não conseguia obviamente entender, sobretudo
porque ele estava com capacete, o que a impossibilitava de fazer alguma
102

leitura labial. Ela permaneceu estática, com medo e sem entender o que, de
SITUAÇÃO XVII fato, ele queria. Depois, a intérprete disse a ela que os bandidos queriam a sua
– ASSALTO bolsa. Nesse momento, ela permaneceu parada, sem olhar para nenhum dos
(29/10/2015) lados, pois tinha receio que ele atirasse. Enquanto isso, um dos intérpretes
tentou fugir, fazendo com que o assaltante percebesse e agisse rapidamente,
pegando a mochila dele. O bandido, então, percebeu que Karin não
compreendia o que ele dizia, o que o fez puxar bruscamente a sua bolsa,
quase a levando ao chão. Durante sua narração, Sofia observava atentamente,
assustada. Samuel, como de costume, chegou por volta das 15 horas e ela
recapitulou o início da história para ele. Na continuação, Karin afirmou que
ela e os dois intérpretes foram à polícia. O menino perguntou por que a
polícia não prendera os assaltantes. Ela disse a ele que a polícia era muito
fraca e não se intrometia, além de que, no dia, não tinha nenhuma viatura
disponível. Depois de saber da história, Sofia e Samuel ficaram assustadas/os.
Karin, então, disse a ela e a ele que, se um dia fossem assaltados/as,
entregassem tudo e não reagissem.
Quadro 15. Situações XV – condução de veículo, XVI – menstruação e XVII – assalto, envolvendo a Professora
Karin.

Nestas três situações, é possível verificar que a professora Surda possui papel
fundamental no processo de construção de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos,
transcendendo as questões relativas à Cultura Surda. As situações demonstram que Karin
participava de questões que iam além daquelas que lhe foram conferidas, ou seja, trabalhar
conteúdos escolares no AEE. Ela transmitia, trocava e ampliava as experiências de vida de
suas alunas e seus alunos.
Na situação XVI, a professora afirmou ter orientado uma aluna Surda no que concerne
às questões de higiene pessoal. Provavelmente, pelo fato de a garota não ter estas orientações
no âmbito familiar recorria à professora. Segundo Terra (2011), sobre a relação docentes-
discentes Surdas/os, o contato com as/os semelhantes propicia às pessoas Surdas um
sentimento de não estar só, de partilha de angústias com quem consegue compreendê-las. É
provável que a própria escola também recorresse à professora para que ela auxiliasse as
alunas Surdas e os alunos Surdos, pelo fato de ela ter as condições linguísticas para explicar
questões que nem a família, nem as professoras e os professores ouvintes das salas comuns,
conseguiam.
Terra (2011, p. 136) assegura que “o professor surdo, além de ensinar a LIBRAS, de
ser alguém com quem as crianças se identificam, deve preparar os alunos para viverem na
inclusão”. Essa ideia de dever pode ser questionada, uma vez que a própria escola não
valoriza o papel das professoras Surdas nesse espaço, não sendo apenas sua função assumir o
papel educacional com a criança Surda. Contudo, como apontaram as práticas das professoras
103

Surdas, no contexto inclusivo, essa preparação para a vida em sociedade e para a escola
comum de fato vem ocorrendo, sobretudo, a partir do estabelecimento da forte relação afetiva
entre elas e suas alunas Surdas e alunos Surdos nos processos educacionais, embora isso
venha ocorrendo de modo “natural” e não como um dever das professoras.
No tocante à situação XVII, a professora compartilhou com sua aluna e seu aluno uma
experiência que todas as pessoas estão sujeitas a passar, mas que, para as pessoas Surdas,
pode ser ainda mais traumática. Ao ser assaltada, embora de modo geral estivesse
compreendendo a situação por meio da percepção visual, Karin não compreendia o que o
assaltante pedia. Então, isso aumentava sua vulnerabilidade frente à situação.
O que deve ser ressaltado é que Karin compartilhava das dificuldades que uma pessoa
Surda enfrenta socialmente, seja na rua, na escola (como sua aluna sofreu na situação XVI),
ou em qualquer outro espaço. Isso não quer dizer que esse sofrimento é desencadeado pela
diferença Surda, mas pelas precárias condições que a sociedade e a cultura apresentam às
pessoas Surdas.
Dessa forma, ao compartilhar essas questões com sua aluna Surda e seu aluno Surdo,
Karin propicia a ela e a ele experiências que só uma pessoa Surda pode transmitir a outrem,
mesmo que a situação pudesse acontecer com qualquer pessoa, como é o caso da
possibilidade de um assalto (fenômeno que atinge a todas as classes sociais e espaços). Por
estas questões, “a preferência de surdos em se relacionar com seus semelhantes fortalece sua
identidade e lhes traz segurança. É nos contatos com seus semelhantes que eles se identificam
com os outros surdos e encontram relatos, problemas e histórias semelhantes às suas”
(STROBEL, 2013, p. 120).
Na situação XV, assim como na situação que a professora Carolina narrou, Karin
mostrou à sua aluna as possibilidades de cidadania que uma pessoa Surda pode conquistar. A
garota, possivelmente já influenciada pelo discurso normalizador imposto às pessoas Surdas,
ou simplesmente por falta de acesso à informação, desacreditava que uma pessoa Surda
pudesse dirigir, espantando-se quando a professora afirmou ter vontade de se tornar motorista.
O discurso de empoderamento da professora mostrou à sua aluna as diversas barreiras
que o seu grupo cultural vem derrubando, a fim de se colocar enquanto sujeitos de direitos no
âmbito da cidadania – o que favorece o processo de construção identitária da menina (tendo a
cidadania como partícipe desse processo).
Portanto, as questões abordadas mostraram que a relação Eu Surdo-Outro Surdo pode
favorecer a construção de identidades Surdas mais sólidas, com bases culturais “mais vivas”,
104

visto que é pela experiência do Outro Surdo que o Eu Surdo tem condições mais
significativas de ir compreendendo a sua condição de estar sendo (SKLIAR, 2003) no mundo.
As alunas Surdas e os alunos Surdos na relação com as professoras Surdas poderão
compreender que, em meio a todas as tentativas da sociedade e da escola em fazê-las/los
seguir “o caminho da normalidade”, existem outras possibilidades culturais que lhes permitem
construir as suas próprias identidades a partir da sua cultura, ou seja, a partir da Cultura Surda.
105

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, nos posicionamos sempre de modo a concordar que os


procedimentos de pesquisa que adotamos, da mesma forma que os textos que
escrevemos, podem ser reconstruídos, remontados, refeitos e estarão sempre
abertos a acréscimos (MEYER; PARAÍSO, 2012, p. 39-40).

Com base nas discussões realizadas até aqui, os discursos proferidos e as práticas
pedagógicas observadas durante esta pesquisa mostraram algumas questões relevantes acerca
do papel de professoras Surdas no processo de construção de identidades de alunas Surdas e
alunos Surdos.
À luz da Pedagogia Surda, isto é, pedagogia que tem a diferença Surda como
sustentáculo no processo educativo, analisei os discursos e as práticas pedagógicas das
professoras Surdas com alunas Surdas e alunos Surdos, buscando desvendar como os artefatos
da Cultura Surda circulavam na relação entre estes pares culturais e como isso poderia
influenciar na construção das identidades destes sujeitos.
Uma dessas questões refere-se ao fato de, ao se olharem, as professoras Surdas se
autorrepresentam. Desse modo, as possibilidades são de que, dentre os múltiplos traços
identitários e as posições que as pessoas Surdas vão assumindo ao longo de suas vidas, a
diferença Surda seja um traço marcante (talvez o mais), na construção das suas identidades.
Isso é reiterado por conta de em alguns dos discursos das professoras, a diferença Surda
aparecer como fator desencadeador de vários outros processos de construção identitária.
É certo que as professoras Surdas participantes desta pesquisa, assim como todos os
sujeitos sociais, têm suas identidades atravessadas por múltiplos discursos e, com base nas
categorias identidade, diferença e alteridade, considero que são múltiplas as suas identidades.
As questões de gênero, por exemplo, também constroem o que elas são e incidem sobre a sua
prática pedagógica que, por conseguinte, pode influenciar a construção das identidades de
suas alunas Surdas e seus alunos Surdos.
Outra questão importante que os discursos das professoras apontaram é a sua
predileção em trabalharem com alunas Surdas e alunos Surdos. Isso ocorre porque,
provavelmente, se sentem mais confortáveis por conta da facilidade na comunicação e na
identificação cultural com seus pares. A identificação é um aspecto relevante, desencadeada
pela diferença Surda, como, por exemplo, a trajetória por que passaram tanto as professoras
Surdas como suas alunas e alunos: processos sociais excludentes, abandono familiar, relações
de poder, dominação, bullying, assédio moral, má qualidade no processo escolar etc. Os dados
apontaram também que o processo histórico pelo qual essas professoras passaram não
106

somente construiu as suas identidades, como também é tão forte ao ponto de se materializar
nas práticas pedagógicas, através de exemplos narrativos e intervenções.
Essa busca de socializar as experiências com as alunas e os alunos, especialmente as
relativas à diferença Surda, demonstra que as professoras Surdas contribuem para fazer
circular os artefatos da Cultura Surda nos momentos didático-pedagógicos do Atendimento
Educacional Especializado.
Apesar das vantagens apresentadas na situação docente em foco, os dados deixaram
sobressair situações em que as relações de poder eram evidenciadas, corroborando a ideia
presente nos Estudos Culturais, de que o poder é indissociável dos processos culturais
(VEIGA-NETO, 2007). Os processos educacionais também o têm como basilar, como
mostraram os dados em que as identidades docentes das professoras Surdas, em especial de
uma, estavam em constantes negociações no AEE. De modo geral, isso também é percebido
na escola, quando situações de invisibilidade do papel de professora, de colonização e de
violência simbólica são evidenciadas.
Elas, na condição de o(s) Outro(s) Surdo(s), mesmo exercendo uma função legitimada
que, no espaço escolar, representa poder – professoras –, eram representadas como passíveis
de colonização. Essas representações eram materializadas nas formas diretas de interferência
sobre suas práticas, por professoras ouvintes, e nas atitudes de discriminação, sendo,
inclusive, desconsideradas como professoras e expostas a assédio moral pelas próprias
colegas de trabalho – intérpretes.
Estas situações de colonização, desprestígio, violência, entre outras, incidem
diretamente no processo de construção das identidades docentes das professoras Surdas e, por
conseguinte, podem também desestabilizar a visão positiva que as alunas Surdas e os alunos
Surdos possuem sobre elas, uma vez que presenciam os momentos de conflito e compartilham
dos mesmos significados enquanto pessoas Surdas.
Por isso, é importante que, diante dessa realidade, a escola valorize estas profissionais,
respeitando-as como professoras e como pessoas Surdas. Quando todas as pessoas as
respeitarem e as valorizarem dessa forma, o trabalho na escola poderá ser mais profícuo, a
diferença Surda será um pouco mais considerada, e, assim, elas poderão transmitir com mais
veracidade a suas alunas e seus alunos a ideia de que mesmo sendo uma tarefa complexa, as
pessoas diferentes podem conviver juntas com respeito e equidade.
Outro aspecto revelador nos dados foi a preocupação das professoras Surdas com o
futuro de suas educandas e seus educandos. Uma das professoras, inclusive, remete-se à sua
107

própria história enquanto pessoa Surda, que enfrentou difíceis condições de cidadania e
trabalho num mercado excludente, o qual suas alunas e seus alunos também terão de
enfrentar. Desse modo, elas reconhecem seu papel na vida das alunas Surdas e dos alunos
Surdos, o que reforça a importância da existência da professora Surda ou do professor Surdo,
como elemento cultural e de construção das identidades, na vida destas alunas e destes alunos
(PERLIN, 2007).
Ainda sob esse discurso cultural, as situações pedagógicas sinalizaram que, na relação
com as professoras Surdas, as alunas Surdas e os alunos Surdos têm a oportunidade de
compreender o seu lugar no mundo, entendendo que não são pessoas incapazes, deficientes,
mas pessoas diferentes, que possuem uma cultura singular, sobretudo, expressa pela
experiência visual e pela língua de sinais. As professoras proporcionam a suas alunas e seus
alunos conhecimentos culturais, históricos e políticos acerca do seu grupo cultural, sobretudo,
ao proporcionar a elas e a eles um processo de identificação com suas semelhanças, enquanto
pessoas Surdas.
Outra evidência, tanto em seus discursos como em suas práticas, é a presença da
língua de sinais como uma bandeira de luta das docentes Surdas no espaço escolar.
Representa, também, uma das principais contribuições de seu papel nos processos
educacionais de alunas Surdas e alunos Surdos, visto que é através desta língua que toda a
construção identitária – em sua multiplicidade – se torna possível. Portanto, quando mediada
pelas professoras Surdas, a aquisição da língua de sinais por crianças Surdas na escola ocorre
associada à construção das identidades Surdas.
Segundo Quadros (2012), a aquisição da língua de sinais possibilita o empoderamento
das crianças Surdas, uma vez que se torna um instrumento de autoestima e de organização
pela posição política das pessoas Surdas no mundo. Ademais, com os artefatos culturais
Surdos, como a LIBRAS, é possível circular a Cultura Surda em diversas esferas, sobretudo
na educacional.
Além da língua de sinais, as professoras Surdas trazem exemplos que representam as
experiências culturais que elas podem transmitir a suas alunas e seus alunos, isto é, a
experiência visual, os costumes, a história, a LIBRAS, entre outros. Desse modo, percebo que
há uma preocupação com a construção identitária de suas alunas e alunos, com base na
Cultura Surda.
Concernente ao sentimento das alunas Surdas e dos alunos Surdos para com as
professoras Surdas, as situações observadas e os discursos, proferidos inclusive pela mãe de
108

um deles, deixa transparecer que elas e eles sentem prazer em aprender a sua língua natural e
imergir em sua cultura, juntamente com as professoras. Esse compartilhamento de
significados entre pares Surdos permite a construção das identidades Surdas, dando real
sentido aos acontecimentos, referenciado por pessoas que possuem experiências identitárias e
culturais próprias.
Percebi que este processo de relação e significação cultural ia além do momento
formal do AEE, fazendo dele um ponto de encontro para momentos de conversas,
brincadeiras, aconselhamentos etc. São criados laços de amizade entre as professoras Surdas e
as alunas e os alunos Surdos, propiciando processos educacionais ativos e interativos,
enriquecendo suas identidades culturais (BONETI, 1997).
Os dados trouxeram à tona também, através do relato de uma das professoras, que as
pessoas Surdas são vítimas de bullying e assédio moral. Quando o bullying ocorreu entre os
próprios Surdos, a professora interveio discursivamente através da narração de suas próprias
experiências, tentando mostrar o sofrimento que esse tipo de violência provoca.
No entanto, quando se tratou de intervir em situações de assédio praticadas por uma
pessoa ouvinte adulta, outra professora preferiu se abster e não intervir na situação. Essa foi
uma lacuna na ação da professora, pois considero ser fundamental nessas ocasiões, elas
buscarem desconstruir estas representações sobre si e seus pares, para que as alunas Surdas e
os alunos Surdos construam imagens positivas sobre si e seu grupo cultural, além de que
possam empoderar-se e defender-se frente às situações de violência. Todavia, ressalto que
estas professoras só poderão intervir nesse sentido, se também tiverem se empoderado.
Foi possível também perceber que as alunas Surdas e os alunos Surdos não veem
possibilidades de as pessoas Surdas alçarem lugares socialmente prestigiados, pois, como
narrou uma das professoras Surdas e observei em algumas situações, as alunas e os alunos não
creem que seja possível seus pares culturais serem professoras e professores.
Destarte, na escola, o papel docente pode representar para as alunas Surdas e os alunos
Surdos, possibilidades de ascensão e inclusão social, pois as professoras, embora tenham a
sua cultura desvalorizada, conquistaram o seu “lugar no mundo”, passando a ser referência
para muitas pessoas Surdas, sobretudo para essas crianças.
As professoras Surdas, então, possuem papel fundamental no processo de construção
de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos, por trazer à tona a cultura e a diferença
Surdas, mas também por transcendê-las, ensinando conteúdos escolares e trocando
109

experiências de vida, partilhando inclusive, angústias que só elas, as pessoas Surdas, podem
compreender.
Assim, a pesquisa mostrou que a relação entre professoras Surdas e alunas Surdas e
alunos Surdos pode favorecer a construção de suas identidades de forma mais robusta, por
estar baseada na Cultura Surda. As alunas Surdas e os alunos Surdos na relação com as
professoras Surdas poderão compreender que, mesmo envoltas e envoltos em práticas
culturais normalizadoras e padronizadoras nas relações sociais e escolares, existem outras
possibilidades culturais para elas e eles, que lhes permitem construir as suas próprias
identidades a partir da sua cultura.
Nesse sentido, é imprescindível que esse processo de construção de identidades seja
fortalecido em ambientes verdadeiramente bilíngues, portanto, em escolas em que a
Pedagogia Surda seja priorizada, através de um currículo para as diferenças; a Cultura Surda
permeie permanentemente os conteúdos escolares; o trabalho de professoras Surdas e
professores Surdos com formação adequada seja priorizado e valorizado; sejam utilizadas a
língua de sinais e a língua portuguesa, como primeira e segunda línguas, respectivamente;
as/os profissionais ouvintes pertencentes ao quadro escolar conheçam bem a cultura das
pessoas Surdas, sabendo língua de sinais, sua história, sendo sensíveis em reconhecer as
diferenças entre elas e eles, de modo que as/os respeitem e contribuam para que seus direitos,
identidades, alteridades e diferenças sejam preservados e valorizados.
Todavia, enquanto um espaço como esse não se materializa em locais como João
Pessoa-PB, onde o discurso da inclusão de pessoas Surdas nas escolas comuns prevalece, é
preciso que sejam valorizadas as microiniciativas que visam – mesmo quando o propósito não
é claramente esse – o fortalecimento da Cultura Surda: aquisição da língua de sinais, o
empoderamento Surdo, a construção de identidades Surdas, entre outras, como vem ocorrendo
em algumas escolas comuns dessa capital.
Nesse caso, mesmo considerando que o ideal seria a implementação de uma escola
bilíngue, essa iniciativa precisa ser valorizada porque o trabalho de professoras Surdas e
professores Surdos com o ensino de LIBRAS nas salas comuns e com o Atendimento
Educacional Especializado, por exemplo, contribui para a construção das identidades das
crianças Surdas. No AEE, esse processo é ainda mais potencializado, na relação direta entre
as professoras Surdas e as alunas Surdas e alunos Surdos, pois as professoras trabalham com
atenção especial aos processos culturais e acadêmicos das/os estudantes, contribuindo dessa
forma para o seu desenvolvimento pleno.
110

Em termos de pesquisas, a partir das questões levantadas neste estudo, outras podem
ser investigadas, a exemplo de: como vem ocorrendo o ensino de LIBRAS desenvolvido por
professoras Surdas e professores Surdos nas salas comuns? Por que apenas mulheres, de fato,
desenvolvem a função de professoras do AEE? – focalizando, nesse caso, as relações de
gênero. Quais são os discursos e relações de poder que envolvem o trabalho de professoras
Surdas e professores Surdos na escola inclusiva? As professoras Surdas possuem formação
adequada para atuarem no AEE, considerando que algumas desenvolvem os três momentos
didático-pedagógicos orientados pelo MEC? Entre outras.
À guisa de uma conclusão contingencial, considero que o processo de construção de
identidades Surdas ocorre, de fato, quando há a oportunidade de os sujeitos Surdos
conhecerem o universo da Cultura Surda. Nesse caso, na escola inclusiva, a única chance
disso estar ocorrendo potencialmente é através da relação entre as professoras Surdas e alunas
Surdas e alunos Surdos, pois o papel delas tem sido de canal de circulação da Cultura Surda
nesse espaço – espaço baseado na cultura ouvinte, diga-se de passagem. É com as professoras
Surdas que as alunas Surdas e os alunos Surdos têm a oportunidade de aprender a sua língua,
a sua cultura e construir as suas identidades Surdas.
111

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investigativos II: outros modos de pensar e fazer pesquisa em educação. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lamparina Editora, 2007b. p. 35-47.

VIEIRA-MACHADO, Lucyenne M. C. Os surdos, os ouvintes e a escola: narrativas,


traduções e histórias capixabas. Vitória: EDUFES, 2010.

WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In:


SILVA, Tomaz T. (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 15. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014. p. 7- 72.
120

APÊNDICES
121

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE

Prezado(a) Senhor(a):

A pesquisa intitulada “Pedagogia Surda: o papel de professoras Surdas na construção de identidades de alunas
Surdas e alunos Surdos” trata do desenvolvimento de projeto que subsidie a iniciativa de investigação de
elementos presentes no processo educacional de professores/as surdos com o fim de desenvolver processos
educacionais mais adequados às crianças surdas e contribuir para a construção de sua identidade. Será
desenvolvida pelo mestrando Lucas Romário da Silva, aluno regularmente matriculado (No de matrícula
2015109502) no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), do Centro de Educação (CE), da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob a orientação da professora Dra. Ana Dorziat Barbosa de Mélo.
O estudo terá por objetivo investigar o papel de professoras Surdas na construção de identidades de alunas
Surdas e alunos Surdos, a partir de seus discursos e práticas pedagógicas. Esperamos, com isso, contribuir para
a produção de conhecimentos na área e subsidiar leituras apropriadas para o desenvolvimento de uma educação
adequada às necessidades dos alunos em questão.

Para tanto, solicitamos a sua colaboração como participante direto do projeto, como alvo de observações e
entrevistas, como também a sua autorização para apresentar os resultados deste estudo em eventos e publicar em
revista científica, mantendo em sigilo seu nome e o dos demais sujeitos envolvidos. Esclarecemos que esta
pesquisa não oferece riscos para sua saúde física e mental, muito embora possa, como todo projeto que envolve
seres humanos, ocasionar algum desconforto não previsível.
Esclarecemos ainda que sua participação, como sujeito nesta investigação, é voluntária, estando, portanto,
desobrigado a fornecer as informações e/ou colaborar com as atividades solicitadas pela pesquisadora. Caso
decida não participar do estudo, ou resolva a qualquer momento desistir do mesmo, não sofrerá nenhum dano
pessoal e/ou profissional.
O pesquisador estará à disposição para os esclarecimentos necessários em qualquer etapa da pesquisa.
Em caso de concordância com o exposto, solicitamos que assine o presente termo, como forma de declarar que:
1
foi devidamente esclarecido, 2consente participar da pesquisa, 3autoriza a publicação da mesma e 4está ciente
que receberá uma cópia deste documento.

Atenciosamente,

___________________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável

_________________________________________
Assinatura do Participante da Pesquisa
ou Responsável Legal

______________________________________
Assinatura da Testemunha

________________________________
Contatos: [Caso necessite de maiores informações sobre o presente estudo]
-Lucas Romário da Silva / telefone (83) 99661-4228 / E-mail: lukas_ro_mario@hotmail.com – UFPB/CE/PPGE
-Comitê de Ética em pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba/Campus
I/Cidade Universitária/CEP: 58051-900/bloco: Arnaldo Tavares, sl 812. Telefone: (83)3216-7791/e-mail:
eticaccsufpb@hotmail.com
122

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Estou realizando uma pesquisa de Mestrado em Educação junto aos/as professores/as Surdos/as da Rede
Municipal de Educação de João Pessoa-PB, e meu objetivo é investigar o papel de professoras Surdas na
construção de identidades de alunas Surdas e alunos Surdos. Para isso, conto com sua gentileza em responder o
questionário abaixo, ressaltando que a pessoa informante não será identificada. Caso precise de interpretação
para Libras ou queira responder em Libras para que eu anote, assim o faremos.

Desde já agradecemos sua atenção e participação!


Mestrando: Lucas Romário da Silva
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Dorziat

QUESTIONÁRIO DE PESQUISA
PEDAGOGIA SURDA: O PAPEL DE PROFESSORAS SURDAS NA CONSTRUÇÃO DE
IDENTIDADES DE ALUNAS SURDAS E ALUNOS SURDOS

Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino


Idade: ___________________________
Nível de escolaridade (caso seja graduado/a, não precisa indicar a instituição e ano de conclusão do Ens.
Médio).
( ) Ensino Médio Ano de conclusão: _______________ Instituição: ___________________
( ) Graduação
Curso 1: ___________________ Ano de conclusão: ______________ Instituição: _______________________
Curso 1: ___________________ Ano de conclusão: ______________ Instituição: _______________________
( ) Especialização
Curso 1: ___________________ Ano de conclusão: ______________ Instituição: _______________________
Curso 1: ___________________ Ano de conclusão: ______________ Instituição: _______________________
( ) Mestrado
Área: _____________________ Ano de conclusão: ______________ Instituição: _______________________
( ) Doutorado
Área: _____________________ Ano de conclusão: ______________ Instituição: _______________________
Há quantos anos atua como professor/a de Libras?_______________________________________________
Já atuou como professor/as de outra área? Qual?________________________________________________
Há quanto tempo trabalha na escola em que atua?_______________________________________________
Qual vínculo empregatício? ( ) Concursado/a ( ) Prestador/a de serviços ( ) Voluntário/a
Trabalha em outra instituição? ( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo: Instituição: ___________________________________ Função:___________________
Qual a sua carga horária de trabalho semanal? ______________ horas
Dias em que trabalha: Manhã: ( ) Segunda ( ) Terça ( ) Quarta ( ) Quinta ( ) Sexta
Tarde: ( ) Segunda ( ) Terça ( ) Quarta ( ) Quinta ( ) Sexta
Você é uma pessoa Surda: ( ) Pré-línguístico/a ( ) Pós-linguístico/a
Em ambos os casos, informe a causa da surdez:
__________________________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________
Caso seja uma pessoa Surda pós-linguística, indique com que idade você perdeu a audição:
______________
Você é oralizado/a? ( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, indique como foi
oralizado/a:_______________________________________________________________________________
Sua família sabe Libras? ( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, qual o parentesco?
( ) Pai ( ) Mãe ( ) Esposo/a ( ) Filho/s ( ) Filha/s ( ) Irmã/Irmão ( )
Outros
Há mais alguma pessoa em sua família que é Surda?
( ) Sim ( ) Não
Em caso afirmativo, quantas e qual o parentesco?___________________________________________________
123

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
LINHA DE PESQUISA: ESTUDOS CULTURAIS DA EDUCAÇÃO

Projeto: PEDAGOGIA SURDA: o papel de professoras Surdas na construção de identidades


de alunas Surdas e alunos Surdos
Pesquisador: Lucas Romário da Silva
Orientadora: Prof.ª Dra. Ana Dorziat

ROTEIRO DE ENTREVISTAS

1 Como se vê como pessoa?

2 Como se vê como profissional?

3 Como descreve sua atividade/função na escola?

4 Destaque pontos positivos da sua participação no AEE.

5 Destaque pontos negativos da sua participação no AEE.

6 Há alguma diferença entre a função que exerce e a dos/as demais profissionais?


Qual(is)?

7 Como vê a sua relação com os/as demais profissionais da escola?

8 Sente-se preparado/a para exercer a função no AEE? Por quê?

9 Como vê sua relação com os/as alunos/as?

10 Quais aspectos devem ser priorizados no trabalho com alunos/as Surdos/as?


124

ANEXOS
125
126

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