Larrosa Elogio Da Escolal
Larrosa Elogio Da Escolal
Coleção
Educação: Experiência e Sentido
Organização
Jorge Larrosa
Elogio da escola
Copyright © 2017 Jorge Larrosa
Copyright © 2017 Autêntica Editora
Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá
ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem
autorização prévia da Editora.
ISBN 978-85-513-0287-3
17-08245 CDD-370.1
Coordenadores da Coleção
*
Jorge Larrosa é Professor de Teoria e História da Educação da
Universidade de Barcelona e Walter Kohan é Professor Titular de
Filosofia da Educação da UERJ.
SUMÁRIO
Apresentação
Elogio da escola: o desafio de pensar uma forma sem função
Karen Christine Rechia, Geovana Mendonça Lunardi
Mendes, Ana Maria Hoepers Preve..................................................... 09
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Apresentação
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É importante destacar que uma discussão em torno das ideias do livro
citado foi realizada num seminário organizado por Inés Dussel, intitulado
“Seminario Internacional – El futuro de la escuela: debates en torno a la
educación pública”, que ocorreu na Cidade do México, nos dias 9 e 10 de
outubro de 2014.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
2
Programação disponível em: <https://www.elogiodaescolaudesc.com/2016>.
Acesso em: 27 ago. 2017.
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Apresentação
críticas que fazem com que seu texto provoque reações tão
ambíguas. Nesse sentido, a última seção desta parte é composta
por dez perguntas formuladas por participantes do curso “A
escola: formas, gestos e materialidades”, ministrado por Jorge
Larrosa. O curso teve como finalidade ler, discutir e propor
um diálogo com nossos autores de referência.
Como pensar a escola em sua materialidade e, por conse-
guinte, como materializar essas formas dá o tom dos escritos
em “Exercícios de pensamento sobre a escola”, que compõem
a terceira parte. No texto “Filmar a escola: teoria da escola”,
Maximiliano López escreve sobre o filme homônimo, produ-
zido pelo Núcleo de Estudos em Filosofia, Educação e Poética
(FEP) da UFJF, sob sua direção. A escola é ali apresentada em
imagens em movimento.
Daina Leyton, em “Curar uma exposição sobre a escola:
um exercício de pensamento”, escreve sobre uma exposição no
Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) com obras de
arte escolhidas e outras produzidas com este tema, obras que
convidam ao exercício. Ter a escola, e mais especificamente a
educação, como matéria-prima.3
O último texto dessa parte é coletivo: “Desenhar a escola:
um exercício coletivo de pensamento”. Jorge, Eduardo, Karen,
Luiz, Juliana e Caroline contam ao leitor sobre um intenso
exercício de desenhar uma forma para a escola. Através de
derivas no espaço urbano, os grupos envolvidos acionaram,
sob a orientação de Jorge Larrosa, noções de tempo, espaço,
matérias, atividades e tecnologias para esboçar o que cabe
numa escola. Por meio de protocolos preestabelecidos e con-
versações, o grande grupo materializou toda esta proposta
3
Com curadoria conjunta de Felipe Chaimovich, curador do Museu de
Arte Moderna de São Paulo (MAM), e Daina Leyton, coordenadora do
setor educativo, a exposição Educação como matéria-prima aconteceu em
2016 no MAM.
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Apresentação
Referência
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
Tradução de Cristina Antunes. 2. ed. 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica,
2015. (Coleção Educação: Experiência e Sentido.)
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Primeira parte
ELOGIO DA ESCOLA
A língua da escola: alienante
ou emancipadora?1
1
Uma versão inicial deste texto foi publicada em inglês no livro O ato de educar
numa língua ainda por ser escrita (Rio de Janeiro: NEFI, 2016) e em português,
em versão diferente e com outra tradução, na revista Childhood & Philosophy
(Rio de Janeiro: UERJ, v. 13, n. 27, maio-ago. 2017).
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A língua da escola: alienante ou emancipadora?
Resumindo a escola
Resumamos brevemente essas operações, uma vez que de-
veremos tê-las presentes ao tratar da questão da língua escolar:
(1) a operação de considerar cada um como “estudante” ou “alu-
no”, isto é, suspendendo, não destruindo, os laços de família e do
Estado ou de qualquer comunidade “fechada” ou definida; (2)
a operação de suspensão, isto é, de colocar temporariamente fora
do efeito da ordem ou do uso habitual de coisas; (3) a operação
de criar “tempo livre”, isto é, a materialização ou espacialização
do que os gregos chamavam de skholé: o tempo para o estudo
e o exercício; (4) a operação de fazer (conhecimento, práticas)
públicas e colocar (a elas) sobre a mesa (o que também poderia ser
chamado de profanação); (5) a operação de tornar “atento” ou de
formar uma atenção que se apoie em um duplo “amor”, tanto pelo
mundo como pela nova geração, e em práticas disciplinadoras,2
para tornar a atenção e a renovação possíveis. A escola (como
2
Esta disciplina não tem a ver com a normalização de corpos e práticas,
mas com a capacitação da atenção e a obtenção de uma forma que permita
cuidar. Poder-se-ia pensar na disciplina do atleta para manter o seu corpo (e
mente) em boa forma.
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Essas noções podem ser tomadas de diferentes modos, e as tomamos aqui
em referência à língua (possivelmente línguas no plural) falada em casa,
a língua materna, e a língua oficial (possivelmente também no plural),
a língua paterna. Esse uso dos termos é diferente, por ex., de Thoreau,
para quem a língua paterna se refere à língua escrita (literária) (ver
STANDISH, 2006), ou, por ex., Illich, que não usa a noção de língua
paterna, mas diferencia a língua vernácula da língua materna (ILLICH,
1981/2009). A língua materna é a língua artificial imposta pelo Estado
como a oficial.
4
Com isso queremos dizer que com frequência abordamos a escola de
um ponto de vista da família (quer no sentido da família privada, quer
no sentido da nacional) como um lugar em que a busca de identidade,
o complexo ou a luta identitária entre pai e mãe acontece. Contudo,
sustentamos que a escola, em que cada um se torna aluno como qualquer
outro (e lembramos que um dos principais significados da palavra latina
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Nesse contexto, temos que nos referir explicitamente a Paulo Freire, que
no terceiro capítulo do seu livro Pedagogia do oprimido afirma que palavras
“reais” são sempre ação no mesmo momento (sem ser ativismo), elas são
ações sobre o mundo, o que em nosso entendimento implica que como
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palavras elas não são apropriadas. Elas nomeiam o mundo e ao fazer isso
podem transformar o mundo. E as mesmas palavras (por ex., a capital do
Pará é Belém) podem ser ditas como palavras reais (ou seja, quando essas
palavras obtêm significado ou vêm à vida mas também podem receber
novos significados) ou como palavras alienantes (quando elas são apenas
conhecimento morto).
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Como parêntese, é interessante notar que se atribui aos sofistas, – aos quais
devemos a primeira articulação da crença em que seres humanos têm que
encontrar o seu próprio destino, e nesse sentido eles se relacionam com o
surgimento da “escola” –, o fato de terem continuado a tradição dos poetas
gregos, que não estavam a serviço de Apolo, o deus da sabedoria, mas
recebiam a sua língua de Mnemosine, a deusa da memória, e suas filhas,
as Musas, que antes de tudo dizem e lembram “estórias”, comunicam o
seu entusiasmo e inspiram – e não impõem – “significado”, e nesse sentido
podem contribuir para “formar” pessoas ou permitir que se formem a si
mesmas. Essa formação implica crucialmente a memória e a apresentação. É
revelador o fato de que, para que o contador de estórias orais memorizasse
o conteúdo, os poemas contivessem muita repetição e epítetos formulares
para manter a estrutura de hexâmetro. Eles eram, podemos dizer,
gramaticalizados. E podemos lembrar que a Ilíada e a Odisseia foram
transmitidas em dialeto grego épico, que é um dialeto puramente literário,
que combina vocabulário e mesmo formas gramaticais de vários dialetos
gregos. Ninguém nunca falou épico como a sua língua nativa. A partir disso
podemos dizer, com efeito, que a língua da escola é de certo modo a língua
de “poetas”, que nunca é “nativa” e é sempre crucialmente artificial (ou
ainda ficcional, isto é, “feita”).
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E pensamos aqui também que estamos muito perto da prática educacional
real à qual Paulo Freire deu forma. De fato, ela tinha a ver com a alfabetização
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Pensamos que é isto que Illich (1981/2001) “esquece” em sua análise do
modo como a imposição da “língua materna” (isto é, “a língua que as
autoridades do Estado decidiram que deve ser a primeira língua”) é de fato
uma mineração ou capitalização de comuns (o vernáculo) e está fazendo
as pessoas dependentes de uma instituição que as ensina esta “língua
materna”. Para Illich, a escola é a instituição do Estado que em primeiro
lugar ensina às pessoas que elas precisam dessa instituição (e portanto se
tornam dependentes) para se tornarem livres ou independentes (serem
capazes de participar da comunicação). Pensamos, contudo, que ele está
confundindo a “escola” como uma forma pedagógica em nosso sentido com
a instituição de um Estado. Ele está na verdade aceitando uma perspectiva
funcionalista externa e negligenciando os elementos que ele próprio parece
reconhecer (nesse texto e em outros, por ex., aqueles sobre a alfabetização
e a visualização que também implicam uma gramática, um artífice, uma
distância em relação ao oral pela escrita e uma distância em relação à
escrita pela leitura em voz alta) como sendo importantes para possibilitar o
estudo, e que, a nosso ver, podem ser relacionados com a “escola” como a
entendemos. Parece haver uma flutuação constante do vernáculo ao oral e
implicitamente também o “natural” ou “nativo”.
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Referências
BERNSTEIN, B. Class, Codes and Control. London: Routledge, 1971.
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théorie du système d’enseignement. Paris: Éditions de Minuit, 1970.
FREIRE, P. Pedagogy of the Oppressed. New York: Herder and Herder,
1968/1970.
ILLICH, I. Shadow Work. London; NewYork: Marion Boyars, 1981/2009.
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte:Autêntica, 2014. (Coleção
Educação: experiência e sentido.)
SERRES, M. The Troubadour of Knowledge. Ann Arbor: University of
Michigan Press, 1997.
STANDISH, P. Uncommon Schools: Stanley Cavell and the Teaching
of Walden. Studies in Philosophy and Education, n. 25, p. 145-157, 2006.
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Experiências escolares: uma tentativa de
encontrar uma voz pedagógica1
Introdução
Como falar sobre a educação escolar hoje? Talvez a questão
propriamente dita não tenha sido colocada de modo adequa-
do, uma vez que tendemos a falar sobre aprendizagem. Como
então falamos sobre a aprendizagem? Fala-se dela como de
um processo, e assim é abordada como se tivesse um começo
e um fim. O fim é comumente tratado em termos de conhe-
cimento, habilidades, atitudes ou competências. O processo
propriamente dito é visto como uma força de transformação,
ou cada vez mais como um processo de construção ou de
produção. Aprender é considerado, assim, como um processo
de mudança, e dependendo da abordagem o processo de mu-
dança é conceituado diferentemente. De um ponto de vista
psicológico, os processos de aprendizagem são essencialmente
processos de desenvolvimento ou de crescimento. Em uma
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Uma versão inicial deste texto foi publicada em inglês no livro O ato de
educar numa língua ainda por ser escrita (Rio de Janeiro: NEFI, 2016) e em
português, em versão diferente e com outra tradução, na revista Childhood
& Philosophy (Rio de Janeiro: UERJ, v. 13, n. 28, set.-dez. 2017).
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Experiências escolares: uma tentativa de encontrar uma voz pedagógica
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Experiências escolares: uma tentativa de encontrar uma voz pedagógica
po, do espaço e da matéria pelo qual você tem que passar para
ter essas experiências. Como consequência, o termo “escola”
não é usado aqui (como é com muita frequência) para uma
instituição chamada de normalizadora ou de um maquinário
de reprodução nas mãos das elites econômicas ou culturais. Há
reprodução e normatização, certamente, mas então a escola não
(e já não o faz) opera de uma forma pedagógica.
A questão, claro, é: qual é o papel ou o objetivo da
escola ou o que está em jogo na experiência escolar? Neste
ponto, queremos introduzir os conceitos de preparo e prá-
tica. A escola não consiste em fazer os estudantes e alunos
melhores performadores – embora isso lhes seja frequente-
mente demandado. A escola consiste na oferta aos/às jovens
do tempo e do espaço para que fiquem “em forma”, para que
trabalhem em seu “condicionamento” (intelectual, físico...),
e, claro, pode-se esperar que esse preparo e essa forma ou
condicionamento resultem em performances de excelência ou
em contribuições únicas mais tarde, mas é absurdo dizer que
a escola é responsável por isso. A escola consiste no preparo,
não em performances. O foco no preparo e na prática talvez
ajude a entender que as escolas nem sempre são os lugares nos
quais as gerações vindouras de fato aparecem como a nova
geração, e portanto nos quais a sociedade pode ser renovada.
Nem as escolas nem a sociedade podem ter controle sobre
essa renovação ou sobre como as gerações vindouras de fato
usam o seu preparo ou o seu estudo. Isso parece ser típico da
mudança ou da renovação pedagógica, e esse tipo de mudan-
ça é sempre o risco de uma sociedade que decide organizar
ou permitir formas pedagógicas de escolas. Essas sociedades
sempre confiam a mudança pedagógica à geração vindoura
(que pode se tornar uma nova geração). Essas sociedades não
“escolhem” iniciação ou socialização, mas a educação escolar.
Ou para sermos mais precisos: é com a educação escolar que
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Referências
ADORNO, T. Erziehung zur Mündigkeit. Frankfurt: Suhrkamp, 1971.
AGAMBEN, G. Enfance et histoire. Paris: Payot, 2002.
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Em defesa de uma defesa:
elogio de uma vida feita escola
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Referências
ARENDT, Hannah. The Crisis in Education (1958). In: ARENDT, H.
Between Past and Future: Eight Exercises in Political Thought. New York:
Penguin, 1977.
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1996.
FOUCAULT, Michel. A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
FOUCAULT, Michel. A coragem da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
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Sobre a precariedade da escola1
Inés Dussel
Tradução: Fernando Coelho
1
Agradeço os comentários dos participantes do Seminário “Elogio da
Escola”, organizado pela UDESC e pela UFSC em Florianópolis, nos dias
11 e 12 de outubro de 2016, assim como a leitura cuidadosa de Darío Pulfer,
de Buenos Aires, que ajudou a introduzir matizes importantes no texto.
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Em um trabalho anterior (DUSSEL, 2013), discuti algumas das implicações
da TAR para uma teoria da escolarização. Brevemente, seria preciso destacar
que o poder não é algo dado por sua função reprodutora, mas é muito mais
um efeito ou função da configuração de uma rede. Em particular, Latour
(2005) dá atenção aos “móveis imutáveis”, mediadores que atuam como
delegados de outras redes ou atores e que se transformam muitas vezes em
pontos obrigatórios de passagem, lugares ou artefatos ou personagens que
aparecem como aqueles que dão estabilidade a uma rede. Para entender a
perduração ou estabilidade da escola, seria preciso analisar quais são esses
“móveis imutáveis” que organizam ou estabilizam interações (o edifício
escolar, o quadro-negro e os uniformes poderiam estar entre eles). Nessa
conceituação, é preciso prestar especial atenção ao espaço e à escala, em
particular como as redes se estendem e vão traduzindo-se entre distintos
atores (LAW, 2009), porque é nesse movimento que se estabilizam e se
tornam eficazes.
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Sobre a precariedade da escola
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No original: “Il n’y a de politique que d’apparence, là est sa noblesse. […] la
politique est toujours du côté de ce qui se présente […]”.
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Sobre a precariedade da escola
Referências
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Enactments in Secondary Schools. London: Routledge, 2012.
BENJAMIN,W. Censor Jurado de Libros. In: _____. Calle de Mano Única.
Tradução de J. J. del Solar e M. Allende Salazar. Madrid: Ed. Nacional,
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BOLTANSKI, L.; CHIAPPELLO, E. El nuevo espíritu del capitalismo.
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BUTLER, J. Vida precaria. El poder del duelo y la violencia. Buenos Aires:
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CABRERA, D. Las promesas y el sin-límites de las nuevas tecnologías.
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CHARTIER, A.-M. Fazeres ordinários da classe: uma aposta para a pes-
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pdf>. Acesso em: 29 ago. 2017.
CITTON,Y. (Ed.). L’économie de l’attention. Nouvelle horizon du capitalisme?
Paris: Éditions La Découverte, 2014.
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Sobre a precariedade da escola
Filme
Teoria da Escola. Dir. Maximiliano López. Brasil, UFJF-NEPE, 2016. 33
minutos.
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Um povo capaz de skholé: elogio das Missões
Pedagógicas da II República Espanhola
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Um povo capaz de skholé: elogio das Missões Pedagógicas da II República Espanhola
As Missões
Aquele que impulsionou as Missões Pedagógicas, Manuel
Bartolomé Cossío, tinha sido colaborador e discípulo de Fran-
cisco Giner de los Ríos (o fundador, em 1876, da Institución
Libre de Enseñanza, que tinha revolucionado a pedagogia
espanhola do fim do século XIX e início do XX), e tinha sido
também, desde 1904, o primeiro catedrático da primeira Cá-
tedra de Pedagogia que teve a universidade espanhola. Cossío
estava na Suíça em 14 de abril de 1931, dia da proclamação da
II República, e imediatamente pegou um trem para Madri. À
sua chegada à estação estava esperando por ele Domingo Bar-
nés, diretor do Museu Pedagógico, para lhe dizer que o novo
governo ia impulsionar imediatamente o tão acariciado projeto
das Missões e que iam nomeá-lo diretor do seu Conselho. De
fato, as Missões foram criadas no mês seguinte, no dia 29 de
maio, na dependência do Ministério de Instrução Pública e
Belas Artes. A primeira Missão se realizou entre 17 e 23 de
dezembro, e foi uma das primeiras iniciativas em um período
da história da Espanha que se caracteriza, justamente, por seu
extraordinário impulso pedagógico. Tanto a obra educativa da
II República Espanhola, como as próprias Missões Pedagógi-
cas têm sido amplamente estudadas, a bibliografia é imensa,
e nos limitaremos aqui aos poucos dados que consideramos
relevantes para oferecer um mínimo contexto e para sublinhar
a importância do assunto.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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No Conselho das Missões estavam os poetas Antônio Machado e Pedro
Salinas. Entre os missionários havia dramaturgos como Alejandro Casona
ou Antonio Buero Vallejo; poetas como Luís Cernuda, Miguel Hernández
ou Federico García Lorca; pintores como Ramón Gaya ou Maruja Mallo;
cineastas como José Val de Omar; músicos como Eduardo Torner; linguistas
como María Moliner; filósofas como María Zambrano; escritores como
Rafael Dieste; pedagogos e pedagogas como Concepción Sainz-Amor ou
Valentín Aranda, e alguns dos que logo seriam grandes pedagogos do exílio
americano como Herminio Almendros em Cuba ou Modesto Bargalló,
Luís Santullano e José de Tapia no México.
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Um povo capaz de skholé: elogio das Missões Pedagógicas da II República Espanhola
Os viajantes
O espírito das Missões foi um espírito viajante. A ideia,
ou a inspiração, ou o sonho das Missões, não surgiu das es-
tatísticas, do que poderia ser, como se diz agora, um “diag-
nóstico das necessidades”, fabricado com informações defi-
citárias sobre o que alguns chamam de “a realidade”, mas
apareceu como efeito da paixão viajante que se apoderou dos
institucionistas já em fins do século XIX, de suas viagens por
todo o país (em ônibus precários ou em vagões de terceira
classe, dormindo em albergues modestíssimos ou em choças,
chegando a lugares em que raramente se viam forasteiros) e
de sua relação assombrada com a paisagem, com a pobreza
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Um povo capaz de skholé: elogio das Missões Pedagógicas da II República Espanhola
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Os missionários
O Conselho das Missões, e o próprio Cossío, se deram o
trabalho de selecionar cuidadosamente os missionários ou, nas
palavras de Cossío, “as pessoas que possam oferecer a cultura,
o desinteresse, o entusiasmo e o tato necessários”. Não houve
procedimentos institucionais de seleção, critérios profissio-
nais mais ou menos objetivos, ou cursinhos de formação nos
quais os jovens pudessem aprender as metodologias adequadas,
senão que se insistiu em conhecer as qualidades pessoais dos
jovens, o que antes era chamado de “caráter”, uma vez que
eram os que, também nas palavras de Cossío, “iam entregar
o seu melhor” (Gaya, 2003, p. 137) ou, em outro lugar, visto
que eram eles os que iam “ensinar e divertir, pagando assim
com a sua pessoa, que é mais preciosa, a dívida de justiça que
contraíram com a sociedade, como privilegiados do saber e
da fortuna” (Otero, 2006, p. 88). Cossío sempre insistiu em
que o mais importante era saber escolher as pessoas adequadas,
2
O livro começa assim: “Neste livro se tratará de viagens. Menos, contudo, de
ilhas longínquas ou paisagens exóticas do que desses rincões bem próximos
que oferecem ao viajante a imagem de outro mundo. No outro lado do
estreito, um pouco afastado do rio e da estrada geral, no final da linha
de transportes urbanos vive outro povo, a menos que seja simplesmente o
povo” (RANCIÈRE, 1991, p. 7).
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Um povo capaz de skholé: elogio das Missões Pedagógicas da II República Espanhola
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
O Museu Ambulante
A partir de agora, falaremos explicitamente das Missões
como uma “espécie de escola” e, sobretudo, da maneira como
encarnam certa “ideia de escola”. E o faremos concentrando-
nos no Museu Ambulante, também chamado de Museu do
Povo, que consistia em duas coleções com 14 cópias cada uma
(em tamanho real) de grandes obras do Museu do Prado (Ri-
bera, Zurbarán, Murillo, Goya, Velázquez e El Greco, além de
cópia em tamanho menor de algumas gravuras dos Caprichos,
dos Disparates e dos Desastres de la guerra, de Goya). Do Museu
Ambulante se encarregavam Ramón Gaya (um jovem pintor
autodidata, de 21 anos, que tinha sido sugerido por Pedro Sa-
linas) e Antônio Sánchez Barbudo (jovem poeta e periodista),
que costumavam ser acompanhados por Rafael Dieste, Luís
Cernuda e pelo cineasta e fotógrafo José Val de Omar.
Diremos, para começar, que o Museu Ambulante era
concebido como um artefato de comunização da cultura. E
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escola, não basta que haja pinturas, é necessário que haja pessoas
que saibam estar diante das pinturas e que saibam, assim, estar
diante das pessoas, que tenham essa disposição comunicativa,
essa “graça”, esse saber estar aí.
Em todo caso, esse empenho de Cossío, aparentemente
inútil, de cuidar da matéria que se mostra, não somente dá para
uma conversa interessante sobre o que é, o que poderia ser, a
aura entendida pedagogicamente, mas também expressa uma
relação amorosa com aquilo que se ensina. E essa mesma relação
amorosa pode ser vista também no cuidado com que se tratava
o espaço no qual era instalado o Museu. A escola, dizem Jan e
Maarten, tem a ver com uma separação dos espaços. Também
continua nos emocionando imaginar as pessoas dessas aldeias
preparando o lugar, limpando-o, adornando-o, como se dizia
antigamente, “engalanando-o”, como se estivessem tratando de
honrar essas obras, de recebê-las como merecem, de dar a elas
não somente um lugar, mas o melhor lugar possível, esse que
se dá, ou se dava, aos hóspedes, quando ainda havia sentido a
hospitalidade. Acreditamos, ademais, que esse engalanamento
do lugar não somente denotava uma maneira de receber, mas
também preparava uma maneira especial de estar aí. O lugar
onde se instalava o Museu se transformava em um lugar de
uma reunião, e de uma reunião ao mesmo tempo festiva e ce-
lebrativa. Para nós, o cuidado do espaço tem algo que passa por
transformá-lo em casa (em razão da hospitalidade, do agrado de
“receber em casa” alguém ou algo que vem de fora), mas tem
algo, sobretudo, que passa por transformá-lo em templo, em
lugar de celebração e de culto coletivo. Não podemos deixar de
recordar que a palavra “aula” significa, tanto em grego quanto
em latim, um círculo cerimonial ou um pátio cercado em que
se faziam cerimônias e, por extensão, um pátio aberto nos palá-
cios, daí o sentido de conselheiro áulico, ou seja, que a aula era
um espaço cerimonial ou o lugar daqueles que não tinham um
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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O luxo
Seguindo com o desinteresse, com a gratuidade, com a
igualdade, com a natureza do presente (ou da devolução da
dívida) que se atribuía ao Museu, talvez o assunto essencial
seja a maneira como as Missões pensavam a sua relação com
o tempo livre, cuja separação e democratização constitui, no
dizer de Jan e de Maarten, o essencial da escola.
Em suas aulas na Universidade Complutense de Madri,
Cossío costumava usar a etimologia para ressaltar que skholé
em grego é o mesmo que otium em latim, que escola é si-
nônimo de tempo livre e, por extensão, de ocupação livre,
de jogo desinteressado com o saber, de liberdade de pensar
e de sentir. Com palavras nas quais ressoa o desinteresse do
juízo estético kantiano ou a educação estética proposta por
Schiller, Cossío insistia em que a escola existe para despertar
nos estudantes o puro desejo de saber, e, no limite, o nobre
desinteresse. E dizia também que o ócio tem um valor em si,
precisamente porque seus afazeres não servem, porque valem
por si mesmos, e porque o propósito fundamental da educação
é “a celeste diversão que a humanidade, por miserável que
seja, persegue com afã tanto quanto o alimento” (citado por
Otero, 2006, p. 239).
Daí que Cossío insistisse em que o Museu do Povo não
ensinasse estritamente nada. Para ele era bastante que os campo-
neses sentissem e gozassem desses quadros como seus. E o que
mais lhe interessava era que soubessem que, além do trabalho
com que ganhavam o seu sustento, havia um mundo de gozos
intangíveis ao qual tinham direito, e que podiam exercer esse
direito “para sentir as coisas por si mesmas, para contemplá-las,
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
para gozar de sua beleza, não como meio, mas como um fim”
(Otero, 2006, p. 89).
Eram justamente essa busca da alegria e essa despreocu-
pação com os resultados que reparavam a injustiça ancestral
que o povo sofria: a de ter sido tratado sempre como sujeito
do trabalho e da necessidade. A injustiça não está somente na
repartição desigual da riqueza, também da “riqueza cultural”,
mas está, fundamentalmente, na repartição desigual do tempo,
no fato de que algumas pessoas sejam despossuídas do seu tempo
e, portanto, de sua vida, no fato de que, para alguns, nunca
haja tempo para outra coisa que não seja a estrita necessidade.
Para Cossío, a educação e especialmente a arte deviam ser
entendidas como gozo e como jogo, e para isso era essencial
manter uma distinção forte entre o trabalho produtivo e o
jogo improdutivo. O gozo somente é obtido através de uma
atividade livre, de uma atividade cujo fim está em si mesmo,
de um emprego livre das próprias forças, de um interesse,
poderíamos dizer, desinteressado, ou seja, através do jogo. Por
isso, Cossío insistia na separação dos tempos e em que a tarefa
das Missões devia ser entendida como uma ação para o tempo
de ócio, ou melhor, como uma ação que criava um tempo para
jogar e para gozar, para perder, um tempo para nada. E isso era
especialmente relevante para o Museu, porque, para Cossío,
não somente havia uma estreita relação entre arte e jogo, mas
a arte devia ser entendida como jogo e, afinal, idealmente, a
própria vida devia ser entendida como jogo, ou seja, como arte.
Um dos missionários que colaborou com o Museu do
Povo, Enrique Azcoaga, se exprime assim sobre isso: “Os
missionários, durante os primeiros dias, buscávamos que nosso
público se desse conta de que a cultura, a não ser como dis-
ciplina, podia ser uma festa [...]. Entre nós, que dedicávamos
muitas horas a considerar como tinham que ser nossas atua-
ções, tentávamos que o entendimento do artístico fosse algo
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O povo
Até aqui foi feita uma mínima exposição das Missões Pe-
dagógicas como “escola”, a partir de sua concepção dos tempos,
dos espaços, das materialidades e dos sujeitos. Gostaríamos agora
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Referências
CERNUDA, Luís. Con el Museo del Pueblo. Soledades de España. In:
OTERO, E. (Ed.). Las Misiones Pedagógicas: 1931-1936. Madrid: Amigos
de la Residencia de Estudiantes, 2006.
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Misiones Pedagógicas: 1931-1936. Madrid: Amigos de la Residencia de
Estudiantes, 2006.
DIDI-HUBERMAN, G. Pueblos expuestos, pueblos figurantes. Buenos Aires:
Manantial, 2014a.
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al. ¿Qué es un pueblo? Buenos Aires: Eterna Cadencia, 2014b.
GAYA, R. Mi experiencia en las Misiones Pedagógicas. Con el Museo
del Prado de viaje por España. In: BURUAGA, Gonzalo Sáenz de (Ed.).
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Segunda parte
EM DEFESA DA ESCOLA:
NOTAS À MARGEM
A politização e a popularização como
domesticação da escola:
contrapontos latino-americanos
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A politização e a popularização como domesticação da escola:
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A politização e a popularização como domesticação da escola:
contrapontos latino-americanos
1
Entre outros trabalhos sobre a experiência dessa escola, ver Zelmanovich
(2013) e Dussel (2014).
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contrapontos latino-americanos
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A politização e a popularização como domesticação da escola:
contrapontos latino-americanos
Referências
DUSSEL, I. Una escuela contra el abandono, o contra el abandono de la
escuela. In: DUSSEL, I.; Reyes-López, L. La dimensión social de la lectura.
La escuela: un espacio que no se puede abandonar. México DF: Conaculta,
2014. p. 7-37.
MADDONNI, P. El estigma del fracaso escolar. Nuevos formatos para la inclusión
y la democratización de la educación. Buenos Aires: Paidós, 2014.
MCGUIRK, J. Ciudades radicales. Un viaje a la nueva arquitectura latinoame-
ricana Tradução de Eva Cruz. Madrid: Turner Libros, 2015.
NORDMANN, Ch. Bourdieu/Rancière. La política entre sociología y filosofía.
Buenos Aires: Nueva Visión, 2010.
PETIT, M. El arte de la lectura en tiempos de crisis. México DF: Océano
Travesía, 2009.
RANCIÈRE, J. El maestro ignorante. Barcelona: Laertes, 2003.
RANCIÈRE, J. El filósofo y sus pobres. Tradução de M. Bardet e N. Gol-
dwaser. Los Polvorines: Universidad Nacional de General Sarmiento, 2013.
REDONDO, P. La escuela con los pies en el aire. Hacer escuela, entre la
desigualdad y la emancipación. 2016. 448f. Tese (Doutorado em Ciências
da Educação) – Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación,
Universidad Nacional de La Plata, La Plata, 2016.
RINESI, E. Populismo, democracia y “nueva izquierda” en América Latina.
In:VÉLIZ, C.; REANO,A. (Eds.). Gramáticas plebeyas. Populismo, democracia
y nuevas izquierdas en América Latina. Buenos Aires: Ed. UNGS-UNDAV,
2015. p. 23-51.
SIMONS, M.; MASSCHELEIN, J. En defensa de la escuela: una cuestión
pública. Buenos Aires: Miño, 2014.
ZELMANOVICH, P. Las paradojas de la inclusión en la escuela media, a partir
de una lectura de la posición de los docentes en el vínculo educativo. Aportes del
psicoanálisis a la investigación del malestar en las prácticas socio-educativas. 2013.
343f.Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Facultad Latinoamericana
de Ciencias Sociales, Buenos Aires, 2013.
Filme
Después de Sarmiento. Dir. Francisco Márquez.Argentina, 2015. 76 minutos.
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A politização e a popularização como domesticação da escola:
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A politização e a popularização como domesticação da escola:
contrapontos latino-americanos
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Sobre a escola que defendemos
1
Todas as citações foram extraídas do texto “Experiências escolares: uma
tentativa de encontrar uma voz pedagógica”, publicado neste livro (p. 41).
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Sobre a escola que defendemos
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Sobre a escola que defendemos
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Sobre a escola que defendemos
Referências
FOUCAULT, M. Fearless Speech. In: RABINOW, P; ROSE, N. (Eds.).
The Essential Foucault: Selections from the Essential Works of Foucault, 1954-
1958. New York: New Press, 2004.
RABINOW, P.; ROSE, N. Foucault Today. In: RABINOW, P; ROSE, N.
(Eds.). The Essential Foucault: Selections from the Essential Works of Foucault,
1954-1958. New York: New Press, 2004. v. VII-XXXV.
175
Skholé e igualdade
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
A escola antiga
A skholé grega, isto é, o ócio, define o modo de vida
dos homes livres; dos iguais. A escola antiga nasce como um
aprofundamento e uma radicalização desse modo de vida. No
seu artigo “Escola, produção e igualdade” (1988), Rancière o
refere da seguinte maneira:
A skholé grega separa dois usos do tempo: o uso daqueles
a quem a obrigação do serviço e da produção deixa, por
definição, tempo para fazer outras coisas, e o uso daqueles
que têm tempo, isto é, daqueles que estão dispensados das
exigências do trabalho. Entre estes, alguns aumentam
ainda essa disponibilidade sacrificando, tanto quanto seja
possível, os privilégios e deveres de sua condição ao puro
prazer de aprender. Se a skholé define o modo de vida dos
iguais, esses “escolares” da Academia, do Liceu, do Pórtico
ou do Jardim são os iguais por excelência.
No mundo grego, igualdade, liberdade e tempo livre são
conceitos quase equivalentes e juntos definem o modo de vida
do cidadão grego. Mas esse modo de vida necessita e pressupõe
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Skholé e igualdade
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
A escola moderna
Um dos episódios mais significativos em relação à uni-
versalização da noção de igualdade encontramos nos inícios
da Modernidade, na chamada “Polêmica dos Naturais”, em
que, num gesto curioso e sem precedentes na história oci-
dental, a Espanha, a primeira potência colonial moderna, se
lançou à tarefa de discutir, publicamente, a legitimidade de
seu projeto colonial.
A Junta de Valladolid foi apenas o momento mais emblemá-
tico de uma discussão desenvolvida desde inícios da conquista, e
produziu grande número de documentos jurídicos e filosóficos,
entre os quais podemos citar as Bulas Alexandrinas (um conjun-
to de leis promulgadas pelo Papa Alexandre VI, da valenciana
família Bórgia, em 1493, que estabelecia o direito da Espanha
sobre as novas terras descobertas), o Tratado de Tordesilhas (assinado
entre a Espanha e Portugal, em 1494, que repartia as zonas de
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Skholé e igualdade
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Skholé e igualdade
A escola contemporânea
A escola moderna é, essencialmente, um lugar de passagem,
uma ponte que leva da barbárie à civilização, da ignorância ao
saber, da inferioridade à igualdade. Essa segunda forma-escola
chegou ao seu fim na primeira metade do século XX, quando
a ideia de um processo civilizatório se tornou insustentável.
As duas guerras mundiais fizeram a Europa mergulhar num
profundo sentimento de derrota, e esse clima espiritual, que
podemos perceber nitidamente em textos como Experiência e
pobreza, de Benjamin, ou na Carta sobre o humanismo, de Hei-
degger, abriu os espíritos de forma a poderem assumir uma
derrota muito mais vasta que, desde o século XIX, vinha
corroendo os pilares da Modernidade. No campo geopolítico,
evidenciava-se a perda da hegemonia mundial europeia frente
a potências emergentes como os Estados Unidos, a Rússia e a
China; no campo econômico, ficavam cada vez mais visíveis
as contradições e inconsistências do sistema capitalista; nas
ciências físico-naturais, se espalhava um forte sentimento de
desconfiança quanto à possibilidades de estas ciências brindarem
um conhecimento certo da realidade; na psicologia, tornava-se
manifesta a tremenda influência que as forças incontroláveis
da mente têm sobre a consciência e a conduta dos indivíduos;
nas artes, existia uma efervescência que não fazia mais do que
confirmar a perda das referências tradicionais em relação aos
modos de produzir e dar valor e sentido às obras artísticas. Esse
cenário acabou por desmontar completamente a ideia de uma
cultura de referência que, outrora, funcionou como horizonte
civilizatório. Por outro lado, no domínio moral, não foram os
bárbaros, mas a culta Alemanha que revelou, no final da Se-
gunda Guerra, uma crueldade inusitada. Diante desse quadro,
a simples ideia de um processo civilizatório se tornou obscena
aos olhos da própria Europa.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Skholé e igualdade
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Skholé e igualdade
Referências
MASSCHELEIN J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte:Autêntica, 2013. (Coleção
Educação: experiência e sentido.)
RANCIÈRE, J. Ecole, production, égalité. In: L´école de la démocratie.
Edilig: Fondation Diderot, 1988.
TODOROV, T. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo:
Martins Fontes, 2003.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Skholé e igualdade
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Skholé e igualdade
Referências
FOUCAULT, M.Table ronde du 20 mai 1978. In: DEFERT, D.; EWALD,
F; LAGRANGE, J. (Eds.). Dits et écrits II. 1976-1988. Paris: Gallimard,
1978/2001. p. 839-853. (Coleção Quarto.)
ILLICH, I. Obras reunidas. Volume II. México: Fondo de Cultura Eco-
nómica, 2008.
SERRES, M.; LATOUR, B. Conversations on Science, Culture and Time.
Tradução para o inglês de Roxanne Lapidus. Ann Arbor:The University
of Michigan Press, 1995.
193
A escola: formas, gestos e materialidades
1
Juliana de Favere, Carla Loureiro, Heloise Baurich Vidor, Ana Paula Nunes
Chaves, Karen Christine Rechia, Caroline Jaques Cubas, Priscylla Pohling Paiva,
Rodrigo Mafalda, Geovana Mendonça Lunardi Mendes.
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A escola: formas, gestos e materialidades
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A escola: formas, gestos e materialidades
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Ver texto “A língua da escola: alienante ou emancipadora”, neste livro.
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A escola: formas, gestos e materialidades
3
Como Butler e Esposito nos lembram: formas corporificadas de reunião
ou assembleia têm um significado que não é discursivo ou é pré-
discursivo – elas têm significado (“dizem” algo) que não deve apenas ser
expresso em palavras.
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A escola: formas, gestos e materialidades
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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A escola: formas, gestos e materialidades
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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A escola: formas, gestos e materialidades
Referências
FREIRE, P. Teachers as Cultural Workers: Letters to Those Who Dare Teach.
Ed. ampl. Cambridge: West View Press, 2005. (Edição brasileira: FREI-
RE, P. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho
d’Água, 2002.)
PAOLANTONIO, Mario Di. The Malaise of the Soul at Work: The
Drive for Creativity, Self-Actualization and Curiosity in Education.
CONFERENCE OF PHILOSOPHY OF EDUCATION SOCIETY
OF GREAT BRITAIN, 2017, Oxford. Anais... Oxford, 2017.
221
Terceira parte
EXERCÍCIOS DE PENSAMENTO
SOBRE A ESCOLA
Filmar a escola: teoria da escola
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Filmar a escola: teoria da escola
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Filmar a escola: teoria da escola
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Filmar a escola: teoria da escola
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Filmar a escola: teoria da escola
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Curar uma exposição sobre a escola:
um exercício de pensamento
Daina Leyton
1
A exposição Educação como matéria-prima teve curadoria conjunta de Felipe
Chaimovich, curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM)
e Daina Leyton, coordenadora do setor educativo e da acessibilidade, e
aconteceu em 2016, no MAM.
235
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
236
Curar uma exposição sobre a escola: um exercício de pensamento
237
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
5
Stephan Doitschinoff (São Paulo, SP, 1977). 3 Planets – 3000 Panoptic Wave
(2016), obra concebida especialmente para a mostra Educação como matéria-prima.
6
O hino integra um culto idealizado pelo artista nomeado Cvlto do Fvtvrv.
O projeto tem como intenção a criação e desenvolvimento de uma “seita-
igreja”, bem como todos os desdobramentos relevantes na constituição
dessa estrutura, real e virtual: cerimônias, templos, procissões, ícones
representativos de divindades antropomórficas, manifesto, hinos,
publicações, fardas, medalhas, cartões de identificação e fidelização,
programas de engajamento, rede social e website (<http://fvtvrv.org>).
238
Curar uma exposição sobre a escola: um exercício de pensamento
7
“Na verdade, podemos ler a longa história da escola como uma história
de esforços continuamente renovados para roubar da escola o seu caráter
escolar, isto é, como tentativas de ‘desescolarizar’ a escola – que vão muito
mais longe do que os autoproclamados ‘desescolarizadores’ da década de
1970 podiam perceber” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2013).
8
Esta citação do filósofo Juliano Pessanha aparece no jogo 3 Planets – 3000
Panoptic Wave, quando os jogadores abrem um ícone da fase “Condomínio”.
239
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Ler o mundo
Um pedaço de cana-de-açúcar, um pacote de café, uma
lata de guaraná Jesus, uma placa de cobre, uma folha de ouro,
um pedaço de mineral contendo nióbio, uma camiseta do
time de futebol Guarani, uma semente de pau-brasil, entre
outros objetos pendurados por roldanas e linhas de varal no
teto da sala expositiva, trazem narrativas da história colonial
da América Latina, na obra Constelações,9 de Amilcar Packer.
A obra constitui um certo mundo: o do colonialismo cultural,
dos sistemas produtivos, econômicos e de poder. Os visitantes
podem escolher objetos da obra e baixá-los pelas cordas, com-
pondo diferentes narrativas. Cada objeto tem na outra ponta
de sua linha um texto com informações sobre sua origem e
suas terminologias, que convidam o público a refletir sobre as
possíveis implicações e ideologias que se formam a partir delas.
A escola faz do mundo material de estudo. Na obra Cons-
telações, esse mundo é também apresentado e tornado público
para a leitura, e ao mesmo tempo subverte a forma clássica em
que as coisas são habitualmente lidas.
“Desler” o mundo
Muitas vezes as palavras nos faltam. Percebemos a frequência
com que elas são ditas, ouvidas e lidas com significados fechados,
querendo dizer uma só coisa: “palavras gastas pelo uso, obtusas,
sem fio; [...] sem encarnação singular, nem no corpo, nem na
alma; palavras mortas, solidificadas e opacas, não mais capazes de
captar, ou de expressar vida; palavras comuns e homogêneas, que
já não podem incorporar um sentido plural” (Larrosa; Kohan,
2003, p. 181, citando Julio Cortázar).
9
Amilcar Packer (Santiago, Chile, 1974), Constelações (2016).
240
Curar uma exposição sobre a escola: um exercício de pensamento
Exercícios
Sobre arte e educação, o artista e pedagogo uruguaio
Luis Camnitzer considera a separação desses dois campos um
tanto quando artificial, trazendo a reflexão de que a educação
241
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
EXERCÍCIO #1
a) Faça um mapa não muito detalhado do infinito.
b) Decida em que ponto você se encontra e explique suas
razões para se encontrar nele.
EXERCÍCIO #2
a) Usando como referência a zona que aparece emoldura-
da na parede: confirme e explique a existência ou a não
existência de Deus.
b) Desenhe um símbolo que sirva para identificar um
edifício dedicado ao culto correspondente.
242
Curar uma exposição sobre a escola: um exercício de pensamento
EXERCÍCIO #3
a) Eleja uma palavra qualquer e agregue-lhe o sufixo “ismo”.
b) Em não mais de uma página, escreva um manifesto
que pontue os propósitos e metas de um movimento
filosófico-estético que tenha esse nome.
c) Desenhe um folheto para o texto e assegure uma difusão
apropriada do manifesto com o propósito de conseguir a
maior quantidade possível de adeptos, tanto entre criadores
como entre consumidores.
EXERCÍCIO #4
Se a geografia se organizasse de acordo com critérios prag-
máticos, como você armaria o mapa da América Latina?
a) Desenhe um novo mapa.
Ocupar-se do mundo
Discutimos no seminário Elogio da escola que talvez a
essência da escola apareça justamente na sua crise. Em 2015,
diante de uma proposta do Governo do Estado de São Paulo
de reorganização das escolas estaduais públicas, que previa o
fechamento de 93 escolas e afetaria mais de 311 mil alunos,
os estudantes secundaristas ocuparam mais de 190 escolas, em
resistência a essa proposta. Nas ocupações, os alunos se orga-
nizaram para cuidar da alimentação coletiva, da limpeza da
escola e do cronograma de aulas e atividades, que contou tanto
com parte dos professores das próprias escolas, que apoiaram as
ocupações, quanto com outros educadores da sociedade civil,
que ministraram aulas voluntariamente. Uma Virada Ocupação
foi realizada em apoio à causa dos estudantes e contou com
816 artistas e bandas participantes. Por conta dessa grande mo-
bilização dos secundaristas, a reorganização foi revogada pela
Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo.
243
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
244
Curar uma exposição sobre a escola: um exercício de pensamento
245
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
10
“A arte e a educação, o museu e a escola: especificidades e conexões”,
atividade proposta por Jorge Larrosa no MAM, em março de 2016, dentro
do programa Contatos com a arte, dirigido a professores e educadores.
246
Curar uma exposição sobre a escola: um exercício de pensamento
247
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Referências
LARROSA; J.; KOHAN, W. O. Igualdade e liberdade em educação: a
propósito de O mestre ignorante. Educ. Soc., Campinas, v. 24, n. 82, p. 181-
183, abr. 2003. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/es/v24n82/
a08v24n82.pdf >. Acesso em: 02 set. 2017.
LEYTON, D. et al. Programa Igual Diferente. São Paulo: Museu de Arte
Moderna de São Paulo, 2015a.
LEYTON, D. et al. Obras mediadas. São Paulo: Museu de Arte Moderna
de São Paulo, 2015b.
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
(Coleção Educação: experiência e sentido.)
MODERNO MAM EXTRA. São Paulo, n. 5, abr./maio/jun. 2016. 40p.
Disponível em: <http://mam.org.br/wp-content/uploads/2016/05/
modernoExtra-portugues.pdf>. Acesso em: 02 set. 2017.
PESSANHA, J. Certeza do agora. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
248
Desenhar a escola: um exercício
coletivo de pensamento
Convocatória
Atualmente, estamos assistindo a certa dissolução da forma
tradicional da escola. A escola, diz-se, já não é o único lugar da
educação, e talvez não seja o mais adequado. A escola, diz-se,
se transformou em um lugar anacrônico, obsoleto, desagradável
e ineficaz. A aprendizagem, diz-se, ultrapassa as fronteiras da
escola e se dá em todos os lugares e a qualquer momento. A
crítica da escola se tornou um lugar comum, e a educação, di-
z-se, se des-localizou, ficou sem um lugar próprio. A educação
já não está protegida pelos muros da escola, porque, diz-se, há
muito tempo pulou esses muros (sem contar o fato de que a
própria escola se quer aberta e sem muros). A educação, diz-se,
se confunde com a vida e, portanto, nada pode resistir à pe-
dagogização geral da existência. A escola, diz-se, se confunde
com o mundo, com a cidade, ou com a rede, e portanto já não
há escola, ou a escola se torna prescindível.
E é agora, neste momento de dissolução da forma da
escola, que queremos repensá-la amorosamente para reencon-
trar a sua especificidade e a sua autêntica natureza. Para tanto
249
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Carta de boas-vindas
Quero agradecer pelo tempo que vão dedicar à atividade.
Sei que o horário é apertado e que o compromisso exigido é
incomum, mas acredito que este regime intensivo de trabalho
é necessário para manter a atenção e a intensidade. Além disso,
estou seguro de que vocês estão entregando o seu tempo de uma
maneira generosa, sem ter clareza do que vão receber em troca,
e estou seguro também de que porão sua sensibilidade e sua inte-
ligência, o melhor de cada um de vocês, no exercício. De fato, o
êxito ou o fracasso do que fizermos dependerá de todos nós. Eu
acredito que nos sairemos bem, mas se fracassarmos, tampouco será
uma catástrofe. Tanto para vocês, como para mim, não será nem
o primeiro nem o último fracasso, nem a primeira nem a última
vez que terminamos algo com a sensação de haver perdido tempo
(ainda que com os fracassos e com as perdas de tempo também
se aprenda). Isso é o que passa, às vezes, quando embarcamos em
coisas que não sabemos muito bem para onde nos conduzem,
quando levamos a sério isso de que não sabemos o que não sa-
bemos, quando entramos em processos dos quais não podemos
antecipar os resultados nem os efeitos, quando predomina uma
atitude experimental. Todos nós sabemos que quando se encontra
o que se busca, quando se põe em jogo o que cada um já sabe, a
coisa é agradável, mas não tem demasiada importância. O que de
verdade nos faz aprender é quando somos capazes de ver, de sentir
ou de pensar o que não sabíamos, o que não esperávamos. Por isso,
250
Desenhar a escola: um execício coletivo de pensamento
Ideia de desenho
A Filosofia do Design, de Flusser, traz o seguinte subtítulo:
a forma das coisas. Desenhar é, portanto, dar forma. Desenhar
a escola seria, então, elaborar (ou idear, modelar) uma forma
imaterial (uma ideia, um modelo) que poderia ser realizada so-
bre uma matéria ou, como diz Flusser, que pode ser recheada
com uma matéria ou uma série de matérias. Desenhar a escola
seria, então, elaborar uma forma que pudesse ser materializada.
Segundo Flusser, “o design é um dos métodos para dar forma
à matéria e para fazer que esta apareça como aparece, e não de
outro modo [...]. Ou seja, que a matéria no design, como em
qualquer outro aspecto da cultura, é o modo como as formas
aparecem”. E, algumas páginas adiante, “a forma é aquilo que
faz aparecer o material, aquilo que o transforma em fenômeno.
A aparência do material é a forma” (Flusser, 2002, p. 33-36).
Desenhar a escola, então, tem a ver com fazer com que a escola
apareça, se torne fenomênica, se torne sensível. Desenhar a escola
é des-velar ou re-velar a escola. Mas a forma da escola não está
oculta, e sim na própria escola, e a única coisa que precisamos
fazer é olhar para ela com atenção. Por isso, desenhar a escola
seria re-velar ou des-velar o que já está aí ou, nas palavras de Jan
Masschelein, fazer visível o visível. Desenhar a escola seria estarmos
atentos à escola para mostrar o que a escola é. Ou, dito de outro
modo, também nos termos de Masschelein, desenhar a escola
251
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
seria mostrar o que é o escolar, ou seja, o que faz que uma escola
seja uma escola.
Segundo esse ponto de vista, desenhar a escola é um traba-
lho sobre a aparência (é fazer que a escola apareça), mas, ao mes-
mo tempo, é uma tarefa de eliminação de aparências. Segundo
Boris Groys (2014), “O design de vanguarda buscou eliminar e
purificar tudo o que se tinha acumulado na superfície das coisas
[...] para assim expor a verdadeira natureza das coisas” (p. 22).
Groys se vale de um célebre ensaio de Adolf Loos, Ornamento e
crime, no qual o arquiteto vienense das fachadas austeras inicia
um combate contra a decoração, a ornamentação, o adorno,
contra tudo o que oculta a verdadeira natureza das coisas. O
design de vanguarda seria, portanto, uma espécie de antidesign,
e Loos representaria para o design o que foi Schönberg para a
música, ou Wittgenstein para a filosofia, ou ainda Karl Kraus
para a literatura, os quais fustigaram o impuro e o supérfluo:
“[...] para Loos, o verdadeiro design consiste na luta contra o
design, contra o desejo deleitoso de encobrir a essência ética das
coisas sob sua superfície estética” (Groys, 2014, p. 26). Nessa
lógica, desenhar a escola seria atender somente ao essencial
da forma da escola, ao que faz com que uma escola seja uma
escola, e eliminar o que sobra, o que é mera decoração, mero
ornamento, ou seja, tudo o que foi sendo acrescentado à escola e
que, de alguma maneira, oculta a sua verdadeira natureza. Para
desenhar a escola, portanto, necessitamos de uma ideia do que
a escola é. E essa ideia não está no mundo das ideias platônicas,
nem em nossa própria imaginação como designers, mas está na
própria escola. Por isso, desenhar a escola é olhar para a escola,
escutar a escola, sentir a escola, prestar atenção na escola, sem
se deixar seduzir ou distrair pelos ornamentos, pelo que a escola
não é. E isso não para petrificar a escola, ou para dar uma ideia
fixa, rígida, dogmática, do que a escola é, mas para manter viva
a pergunta “o que é a escola?”.
252
Desenhar a escola: um execício coletivo de pensamento
253
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
As categorias
254
Desenhar a escola: um execício coletivo de pensamento
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
O exercício
Sair de uma escola qualquer
(no mapa, na cidade, no texto, nas ideias);
Buscando uma outra escola
(no mapa, na cidade, no texto, nas ideias).
Os mapas
Os mapas são os mapas que guiam o percurso.
Os mapas são os textos que guiam o percurso.
Aqui são só mapas.
O percurso
Percorrer um mapa que outra pessoa fez, dar atenção;
Percorrer um texto que outra pessoa fez, dar atenção;
Estar presente para esse percurso, dar atenção;
Caminhar como quem estuda, dar atenção;
Andar desarmado (por um momento) da crítica e do
medo, dar atenção;
Ficar cansado e silenciar (por um momento) as vozes da
mente, dar atenção;
Para deixar que o percurso imponha sobre nós sua força
de mundo.
O percurso (2)
Andar por um lugar, ouvir um texto e ver o que sempre
esteve visível. Visível para quem passou com atenção e tempo.
Caminhar e ouvir, sentir, pensar. Sobretudo caminhar. Como
um exercício, uma disciplina, se deter, ir devagar, perder tempo.
Não é um caminhar perdido – em nossos próprios pensamentos.
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Desenhar a escola: um execício coletivo de pensamento
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
258
Desenhar a escola: um execício coletivo de pensamento
da escola, mas sem ter ido lá, observar o comércio por uma
intuição inicial. Eram marcadas também por um certo senso
opinativo – tão evidenciado em nossos tempos – maior que o
cumprimento das tarefas propostas.
Coube ao mestre imprimir ritmo à classe com seus próprios
registros e reprimendas: que a leitura do livro era mais mecânica,
que as coisas vistas na escola deveriam ser registradas no caderno
de anotações, que mais do que especularmos sobre o caminho,
deveríamos fazê-lo. Do que estávamos falando ali? Da atenção ao
caminho, daquilo em que Masschelein e Simons (2014a) insistem,
a partir de Walter Benjamin, de que caminhar e copiar é melhor que
ler e sobrevoar. As derivas são uma espécie de força do caminho,
que se impõe ao olhar e ao pensamento.
Assim, o momento das conversações pode se tornar o lugar
de compartilharmos os problemas, as sensações, as anotações, as
ideias advindas do exercício, daquele exercício. Ao cotejarmos
os mapas sobre a grande mesa formada pelas carteiras escolares,
nós, professores, técnicos, estudantes de graduação, doutores,
artistas, nos tornamos, de certa forma, iguais em nossas dife-
renças individuais, de hierarquia, de procedência, porque nos
tornamos estudantes. Também como estudantes devíamos estar
atentos aos modos de fazer e não à finalidade das coisas: hay que
hacerlas y hacerlas bien, dizia o professor.
Um dos principais objetivos de um exercício é nos tornar-
mos atentos. Nesse sentido, as derivas, como uma proposição
que nos impunha um caminho, não só nos mantinham atentos,
como também em experimentação. Para imprimir intensidade
e importância à ideia do caminhar, fazemos aqui um pequeno
jogo de palavras com um texto de Masschelein e Simons (2014):
Caminhar... experimentar a autoridade do caminho.
Caminhar... deslocar o olhar.
Caminhar... ver além de qualquer perspectiva.
Caminhar... é ex-posição, um estar fora da posição.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Desenhar a escola: um execício coletivo de pensamento
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Desenhar a escola: um execício coletivo de pensamento
1
A área escolhida para a construção imaginária dessa escola foi o 14º Pelotão
de Polícia do Exército, localizado na rua Bocaíuva, n. 60, no Centro de
Florianópolis (SC).
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Referências
FLUSSER,V. Filosofía del diseño. Madrid: Síntesis, 2002.
GROYS, B. “a obligación del diseño de sí. In: Volverse público: las transfor-
maciones del arte en el ágora contemporánea. Buenos Aires: Caja Negra, 2014.
LARROSA, J. B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.
Revista Brasileira de Educação, n. 19, jan./fev./mar./abr. 2002.
LARROSA, J. Tremores: escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autên-
tica, 2016.
MASSCHELEIN, J. O mundo “mais uma vez”: andando sobre linhas. In:
MARTINS, F. F. R.; NETTO, M. J.V.; KOHAN, W. O. Encontrar escola: o
ato educativo e a experiência da pesquisa em educação. Rio de Janeiro: Lam-
parina/FAPERJ, 2014.
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte:Autêntica, 2013. (Coleção
Educação: experiência e sentido.)
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. A pedagogia, a democracia, a escola. Belo
Horizonte: Autêntica, 2014a.
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
2. ed. Belo Horizonte:Autêntica, 2014b. (Coleção: Educação: experiência
e sentido).
PLATÃO. Carta séptima (344b). In: _____. Las Cartas. Madrid: Instituto
de Estudios Políticos, 1970.
RANCIÈRE, J. Ecole, production, égalité. In: _____. L’école de la démocratie.
Edilig: Fondation Diderot, 1988.
270
Quarta parte
MIRAR A ESCOLA:
UMA MOSTRA DE CINEMA
Celebração da revolta:
a poesia selvagem de Jean Vigo1
David Oubiña
I
Barthes afirmava que os textos de Proust o emocionavam
profundamente e que, portanto, nada podia dizer sobre eles.
Outro qualquer também deveria se calar diante dos filmes
de Jean Vigo; porque raras vezes o cinema foi capaz de sus-
citar uma emoção em aparência tão pura, tão primitiva e tão
incondicional como nestes filmes. Entretanto, é preciso dar
conta dessa emoção. Não se trata de um afã cirúrgico – porque
não existe nisso nenhuma pretensão de cientificidade – senão
1
Este texto está originalmente no livro A infância vai ao cinema (Autêntica,
2007), organizado por Inês Assunção de Castro Teixeira, Jorge Larrosa e
José de Sousa Miguel Lopes.
273
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
II
O célebre Henri Langlois – fundador da Cinemateca
Francesa – disse de uma vez por todas: “se o cinema é uma
arte onírica, só há um homem que possui a chave dos sonhos:
Jean Vigo” (Langlois, 1986, p. 257). A obra de Vigo é tão
breve como luminosa. Morto prematuramente aos 29 anos,
só conseguiu completar quatro filmes: os curtas-metragens
À propos de Nice (1930) e A natação por Jean Taris (Taris, ou la
natation, 1931), o média-metragem Zero de conduta (Zéro de
conduite, 1933) e o longa-metragem O Atalante (L’Atalante,
1934). Não obstante, esses poucos filmes testemunham com
clareza a passagem do cinema francês entre as vanguardas dos
274
Celebração da revolta: a poesia selvagem de Jean Vigo
2
Luis Buñuel, ao apresentar o roteiro do filme quando foi publicado por La
Révolution Surréaliste. Reproduzido em Talens (1986, p. 101).
275
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
276
Celebração da revolta: a poesia selvagem de Jean Vigo
III
O diretor do colégio não é outra coisa senão um meni-
no de terno e barba. Em que se diferencia dos demais? Em
todo caso, quer se apresentar como um modelo de conduta.
Pretenderá nos fazer crer que ele é a imagem daqueles em
que as crianças se converterão como homens de bem. Por isso
sua retórica insistirá sobre as “responsabilidades morais” que
o colégio tem para com os estudantes sob sua tutela. Mas é
precisamente essa atitude paternal que o delata: este adulto
prematuro é um menino cristalizado. “Vergonha para os que
mataram na puberdade o que haveriam podido ser” – escreve
Vigo – “e buscam ao longo do bosque e da praia, onde o mar
arroja nossas lembranças e nossas nostalgias, até a dessecação
do que são quando chega a primavera” (Vigo, 1989, p. 137).
Sabemos, como sabem as crianças, que a aparência amigável
do diretor é uma farsa ou uma emboscada. Não há nenhuma
semelhança entre este indivíduo e as crianças; sua textura
física similar não faz mais que acentuar a distância que os
separa. Inversamente, o bedel Huguet é um adulto infantil
que se diverte imitando Chaplin. Nas palavras do diretor:
“O bedel Huguet sucumbe ao encanto das crianças. É como
se fosse uma delas”. Um preceptor que não postula nenhum
preceito de conduta senão que se deixa arrastar pela torren-
te de desordem. E mais, a promove. O bedel Huguet pode
converter uma chata excursão de boyscouts em uma festa, só
para perseguir uma dama: a multidão de crianças correndo
desordenadamente atrás do apaixonado preceptor, alterando
a calma dessas ruas da província, constitui a mais gozada
assunção do caos desde aquela insólita invasão bovina que
liderou Buster Keaton em O vaqueiro.
“É necessário vigiá-las”, diz o diretor. Vigiá-las e castigá-
las. Discipliná-las. Ou melhor, ordená-las e distribuí-las: cada
277
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
278
Celebração da revolta: a poesia selvagem de Jean Vigo
IV
Em À propos de Nice, a descrição do documentário denun-
ciava, através do ridículo, os costumes frívolos da burguesia
opulenta e ociosa. De maneira similar, em Zero de conduta os
questionamentos nunca perdem seu caráter lúdico. Como
sustenta Paulo Emílio Sales Gomes:
279
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
3
Essa inferioridade também define uma forma de ser estrangeiro: “Sou um
forasteiro totalmente desconhecido” – escreve Gombrowicz – “careço
de autoridade e meu espanhol é um menino de poucos anos que apenas
sabe falar. Não posso fazer frases potentes nem ágeis, nem distintas, nem
finas, mas alguém sabe se esta dieta obrigatória não acabará sendo boa
para a saúde? Às vezes gostaria de mandar todos os escritores do mundo
280
Celebração da revolta: a poesia selvagem de Jean Vigo
281
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
V
“Tem-se o mundo que se merece”, escrevia Vigo (1989,
p. 137). Aonde vão estas crianças que escapam pelos telhados
depois de semear o caos? Não têm nenhum lugar aonde ir.
Mas a ausência de teleologia não parece uma carência e sim
uma emancipação. Livraram-se da ditadura que impõe uma
direção: já não as ameaça a obrigação de ter que ir para alguma
parte. Orgulho pela margem. Como Rimbaud, Vigo aposta
em um razoável desarranjo de todos os sentidos. Ou em suas
próprias palavras: trata-se de “ver com outros olhos que não
os habituais”.
Buñuel é terrível, disse o cineasta, e há que se tomar isso
como um elogio. É que Jean Vigo também acaba sendo terrível.
É essa mesma poesia selvagem que o anima.
Referências
DELEUZE, G. Tres preguntas sobre Seis por Dos (Godard). In: ____.
Conversaciones.Valencia: Pre-Textos, 1995.
FOUCAULT, M. Vigilar y castigar. México: Siglo XXI, 1987.
GOMBROWICZ, W. Prólogo. In: _____. La seducción. Barcelona: Seix
Barral, 1982.
4
Sobre a noção de excesso, ver Heath (1981) e Thompson (1986).
282
Celebração da revolta: a poesia selvagem de Jean Vigo
Filmes citados
À propos de Nice (Jean Vigo, 1930)
A natação por Jean Taris (Taris, ou la natation, Jean Vigo, 1931)
Zero de conduta (Zéro de conduite, Jean Vigo, 1933)
O Atalante (L’Atalante, Jean Vigo, 1934)
Um cão andaluz (Un chien andalou, Luis Buñuel, 1929)
O vaqueiro (Go West, Buster Keaton, 1925)
France/Tour/Détour/Deux enfants (Jean-Luc Godard e Anne-Marie Mi-
éville, 1977)
283
Elogi de l’escola e Escolta:
o ordinário da escola em imagens
285
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
1
Localizada no município de Bordils, província de Girona, na região da
Catalunha, Espanha.
2
Para informações mais detalhadas sobre o projeto Cinema en Curs, acessar:
<http://www.cinemaencurs.org/ca>.
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Elogi de l’escola e Escolta: o ordinário da escola em imagens
Escolta (2014)
Escolta, em catalão, significa “escuta”, e é um documen-
tário bilíngue: na língua de sinais e em catalão. Foi filmado na
Escola Municipal de Tres Pins, em Barcelona – antigo Instituto
Municipal de Fonoaudiologia –, com crianças de 3 a 12 anos,
mostrando o dia a dia em uma escola na qual as crianças ou-
vintes e as crianças surdas compartilham as aulas e uns e outros
aprendem, entre outras coisas, a língua de sinais e a língua oral.
O diretor Pablo García Pérez de Lara também é vincu-
lado ao Cinema em Curs, no entanto, esta é uma obra autoral,
que surge a partir de um curta-metragem de ficção intitulado
Oblidant a Nonot (2011). Esse curta é a história de Diana, uma
menina surda que perde uma gata chamada Nonot e espalha
desenhos dela no bairro.3 Dele já participam alunos da Escola
Tres Pins, bem como a professora Pepita Cedillo, que tem
importante contribuição nas duas películas, segundo o autor.
3
Esta história se passou com a filha de uma colega de trabalho do diretor.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Elogi de l’escola e Escolta: o ordinário da escola em imagens
Escrever
Tanto Escolta quanto o Elogi de l’escola instigam a pensar a
escola. O ato da escrita como exercício está presente em ambos.
Possibilitam-nos, portanto, a percepção da escola como um lugar
de exercícios e de dedicação a tarefas determinadas.
No livro Em defesa da escola, no capítulo “O que é o escolar?”,
mais especificamente no item “Uma questão de tecnologia (ou
praticar, estudar, disciplinar)”, Masschelein e Simons explicitam
as particularidades do exercício como elemento inerente ao que
é escolar. Ao falar sobre o ditado enunciam:
[...] o lugar do professor como mediador que conecta o alu-
no ao mundo. Esse encontro permite ao aluno deixar seu
imediato mundo da vida e entrar no mundo do tempo livre.
Neste sentido, um método de ensino deve, constantemente,
ser conectado ao mundo da vida dos jovens, porém, exatamente, para
removê-los de seu mundo de experiência (Masschelein; Simons,
2013, p. 57, grifo nosso).
289
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Elogi de l’escola e Escolta: o ordinário da escola em imagens
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Sentir
Assim como fizemos com o escrever, o sentir aqui tam-
bém tem seu sentido ampliado. Na medida em que pensamos
a escola como um lugar de sentir, potencializamos a possibili-
dade de experiência daquilo que pode ser sentido. As escolas
retratadas, pensadas como espaços em suspensão, permitem
sentir curiosidade e interesse. Trazem à tona lembranças e
sensações. Segundo um aluno, entre tantos, “todo mundo
está em silêncio: concentração, pensamento, lembranças,
sensações. Para mim, escrever é sentir o que quero dizer”.
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Elogi de l’escola e Escolta: o ordinário da escola em imagens
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Pensar
Em Escolta, as características que compõem uma escola
se destacam. Como exemplo, o tempo. Há um tempo que
corre lento no interior de cada cena, e a simultaneidade é
mostrada pelo som/escrita de uma atividade que aparece em
outra cena. Ao mesmo tempo, o som e a escrita remetem a
um objeto concreto, o qual já foi mostrado. Portanto, não há
aí somente um tempo livre, como um tempo lento. A escola
faz do tempo livre uma realidade e, do tempo lento, uma
possibilidade. E o cinema imprime esse tempo na forma de
um evento concreto, uma pessoa ou um objeto que se move,
de manifestações reais. Tarkovski, ao falar da imagem cine-
matográfica, diz que “nenhum objeto ‘morto’ – uma mesa,
uma cadeira, um copo – enquadrado separadamente de todo
o resto pode ser apresentado como se estivesse fora do fluxo
temporal, como se fosse visto sob o ponto de vista de uma
ausência do tempo” (Tarkovski, 1998, p. 78). Assim como
na escola, o tempo está vivo em seu interior. E o que pode-
ria ser uma simultaneidade de telas (para mostrar diferentes
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Elogi de l’escola e Escolta: o ordinário da escola em imagens
295
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Elogi de l’escola e Escolta: o ordinário da escola em imagens
5
Derivas: um exercício de pensamento foi uma das atividades do evento
Elogio da escola (2016), promovido pelo Observatório de Práticas Escolares
(OPE), Geografias de Experiências/Lepegeo da UDESC, Laboratório
do Ensino de História (LEH) e o CA do Colégio de Aplicação (UFSC).
Disponível em: <http://www.elogiodaescolaudesc.com/2016>.
297
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Referências
FLUSSER, V. Los gestos: fenomenología y comunicación. Barcelona: Herder,
1994.
LARROSA, J. Tremores. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte:Autêntica, 2013. (Coleção
Educação: experiência e sentido.)
PÉREZ DE LARA, Pablo García. “Oblidant a Nonot” (Ser sordo no sig-
nifica ser mudo), publicado em 13 nov. 2012. Disponível em: <https://
pauperezdelara.wordpress.com/2012/11/13/oblidant-a-nonot-ser-sor-
do-no-significa-ser-mudo/>. Acesso em: 03 set. 2017.
RANCIÈRE, J. O mestre ignorante. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
TARKOVSKI, A. Esculpir o tempo. São Paulo: Cosac Naify, 1998.
Filmografia
Elogi de l’escola. Direção: Cinema en Curs. Espanha, 2010. 53 min.
Escolta. Direção: Pablo García Pérez de Lara. Espanha, 2014. 29 min.
298
Ser e ter: a produção de sentidos –
por uma topologia das infâncias e
suas relações com a escola
299
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
1
A película possui as seguintes premiações:
• Premiação César, França, 2003: Melhor Montagem
• Premiação do Cinema Europeu, 2002: Melhor Documentário
• Sindicado dos Críticos de Cinema da França, 2003: Melhor Filme
• Festival de Cinema Documental Full Frame, 2003: Prêmio do Júri –
Nicolas Philibert
• Associação Nacional de Críticos de Cinema, EUA, 2004: Melhor Filme
Não Ficcional
• Prêmio Louis Delluc, 2002: Prêmio Louis Delluc – Nicolas Philibert
• Festival Internacional de Cinema de Valladolid, 2002: Melhor
Documentário
• Étoiles d’Or, 2003: Melhor Filme
300
Ser e ter: a produção de sentidos – por uma topologia das infâncias
e suas relações com a escola
301
Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Ser e ter: a produção de sentidos – por uma topologia das infâncias
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Registro meu realizado no seminário Topologia da Diferença, com o prof.
Wladimir Garcia em 2015.
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e suas relações com a escola
Referências
ALANEN, L. Estudos feministas/estudos da infância: paralelos, ligações
e perspectivas. In: CASTRO, L. R. (Org.). Crianças e jovens na construção
da cultura. Rio de Janeiro: Nau, 2001. p. 69-92.
BARROS, M. de. Memórias inventadas: a segunda infância. São Paulo: Pla-
neta, 2006.
BARTHES, R. Fragmentos de um discurso amoroso. Tradução de Márcia
Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Capitalisme et schizophrénie. L’Anti-Oedi-
pe. Tradução livre de Daniel Felix de Campos. Paris: Minuit, 1972. t. 1.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São
Paulo: Ed. 34, 1996. v. 3.
DELEUZE, G. O Anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Lisboa,1995.
DELEUZE, G.; PARNET, C. Dialogues. Paris: Flammarion, 1996.
FOUCAULT, M. O corpo utópico, as heterotopias. São Paulo: n-1 edições,
2013.
JODAR, D. M.; GÓMEZ, L.A dobra: psicologia e subjetivação. In: SILVA,
T. T. (Org.). Nunca fomos humanos: nos rastros dos sujeitos. Belo Horizonte:
Autêntica, 2002.
LIMA, P. de M. Cartografias, tempos e espaços da escola: linhas e fluxos de
um (outro) desejo. In: LIMA, P. de M.; MIGUEL, D. S. (Orgs.). Violências
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
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Sobre os autores
Daina Leyton
Educadora e psicóloga, é professora convidada da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no curso de
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
David Oubiña
Doutor em Letras pela Universidade de Buenos Aires (UBA),
é pesquisador independente no Conselho Nacional de Investigações
Científicas e Técnicas (CONICET) e professor titular de Literatura
e Cinema na Faculdade Filosofia e Letras da UBA. Foi professor
visitante nas Universidades de Londres, Bergens, Nova York e
Berkeley. Integra o conselho administrativo da revista Las ranas
(artes, ensayo y traducción) e da Revista de cine. É membro do conselho
editorial da Caimán Cuadernos de Cine e da Imagofagia y Ñawi:
Arte, diseño y comunicación. Seus últimos livros são Estudio crítico
sobre La ciénaga, de Lucrecia Martel (2007), Una juguetería filosófica.
Cine, cronofotografía y arte digital (2009) y El silencio y sus bordes. Modos
de lo extremo en la literatura y el cine (2011).
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Sobre os autores
Inés Dussel
Pesquisadora do Departamento de Investigaciones Educativas
(DIE/CINVESTAV), no México, é doutora pela Universidade de
Wisconsin-Madison. Foi diretora da Departamento de Educação
da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO) da
Argentina entre 2001 e 2008. Publicou amplamente sobre teoria
e história da educação. Sua pesquisa centra-se nos vínculos entre
a escola e as mídias digitais e, particularmente, sobre as mudanças
nas hierarquias dos saberes, relações de autoridade e o tempo e
o espaço da escola.
Jan Masschelein
É professor de Filosofia da Educação e diretor do Laboratório
de Educação e Sociedade na Universidade de Leuven (Bélgica).
Seus principais interesses são nas áreas de Teoria da Educação e
Filosofia Social, assim como o mapeamento e o caminhar como
práticas de pesquisa indispensáveis e novos regimes mundiais
e europeus de gestão educacional. Sua pesquisa se concentra
explicitamente em (re)pensar o papel público das escolas e das
universidades e a particularidade de uma perspectiva pedagógi-
ca. Em português publicou, com Maarten Simons: Em defesa da
escola: uma questão pública (2013) e A pedagogia, a democracia, a escola
(2014), ambos pela Autêntica.
Juliana de Favere
Doutoranda em Educação pela Universidade do Estado de
Santa Catarina (PPGE/UDESC) e bolsista CAPES na Linha de
Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologia. Integrante do
Grupo de Pesquisa Observatório de Práticas Escolares (OPE-
UDESC) e Políticas de Educação na Contemporaneidade (PEC-
FURB). Em 2017, realiza Doutorado-Sanduíche (CAPES) no
Centro de Investigación y de Estudios Avanzados del Instituto
Politécnico Nacional (Cinvestav), no México. Trabalha com
Assessoria Pedagógica e Formação Docente, com foco na proble-
matização e na utilização das tecnologias digitais na escolarização.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
Maarten Simons
Professor de Política e Teoria Educacional no Laboratório
de Educação e Sociedade da Universidade de Leuven (Bélgica).
Os seus principais interesses são a política educacional, os novos
mecanismos de poder e os novos regimes mundiais e europeus
de gestão educacional e a aprendizagem ao longo da vida. Sua
pesquisa se concentra explicitamente nos desafios colocados à
educação com um grande interesse em (re)pensar, educacional
e pedagogicamente, o papel público das escolas e universida-
des. Em português publicou, com Jan Masschelein: Em defesa
da escola: uma questão pública (2013) e A pedagogia, a democracia, a
escola (2014), ambos pela Autêntica.
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Sobre os autores
Marta Venceslao
Doutora em Antropologia pela Universidade de Barcelona
(UB) e pela Universidade Autônoma Metropolitana do México
(UAM), atualmente é professora na Faculdade de Educação da
UB e coordenadora do mestrado em Estudos Avançados sobre
Exclusão Social. Além disso, foi professora nos mestrados em
Criminologia do Instituto de Ciências Penais do México e em
Estudios Avançados de Antropología.
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Coleção “Educação: Experiência e Sentido”
A Bao A Qu (www.abaoaqu.org)
Associação cultural sem fins lucrativos, dedicada ao desen-
volvimento de projetos que liguem cultura, criação artística e
educação. Fundada em 2004, introduz a criação artística em esco-
las primárias e secundárias, com o envolvimento de profissionais
do cinema, fotógrafos e artistas, que trabalham com professores.
Desenvolve programas estruturais e treinamentos para professores,
além de elaborar atividades específicas relacionadas a exposições,
festivais e instituições culturais.
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Este livro foi composto com tipografia Bembo Std e impresso
em papel Off-White 80 g/m² na Paulinelli.