Tese Ramos Significacao DDC Edh
Tese Ramos Significacao DDC Edh
Rio de Janeiro
2010
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Rio de Janeiro
2010
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
dc CDU 371.214
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
tese.
___________________________________________ _______________
Assinatura Data
2
3
AGRADECIMENTOS
À Adelaide Dias, Aida Monteiro, Lúcia Guerra, Maria Nazaré Zenaide e Rosa
Godoi, que pelo compromisso político que assumem com a promoção e defesa dos
direitos humanos, merecem meu respeito, além de gratidão pelo tempo que
concederam a este estudo.
À minha família, tão próxima, confiante, solidária e amorosa: Hélio – pai muito
querido; Pablo – filho com pó de nuvem nos sapatos; Luiza – presente dos céus;
Helena – netinha xará; Fernanda – sobrinha dançarina; Nelucha – irmã preferida;
Dudu, amor inabalável.
4
RESUMO
ABSTRACT
Key words: Education in Human Rights. Human rights. Curriculum policy. Difference.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 8
CONTEMPORANEIDADE, DIREITOS HUMANOS E ESCOLA:
1 14
ONDE A DIFERENÇA SE MOVE .......................................................
1.1 Direitos Humanos universais: localismo globalizado em questão. 14
1.2 Multiculturalismo e direitos humanos ............................................. 24
1.3 Igualdade e diferença: tensão moderna, desafio global ................ 31
1.4 Globalizações e culturas .................................................................. 34
2 O SENTIDO MODERNO DA ESCOLA CONTEMPORÂNEA ............ 42
2.1 Escola – lugar da diferença .............................................................. 42
2.2 A escola na modernidade: entre o liberal e o crítico ..................... 45
2.2.1 Marca diferencial: a responsabilidade social da instituição escolar .... 46
2.2.2 Elementos comuns: meta, função e finalidade .................................... 47
Ruptura e continuidade na significação de direitos humanos:
2.3 55
elementos para um outro olhar sobre a escola ..............................
2.4 Educação em Direitos Humanos: um breve mapeamento ............ 62
2.5 A questão pedagógica da Educação em Direitos Humanos ......... 70
3 PROCESSO DE PRODUÇÃO CURRICULAR DE EDsHs ................. 77
3.1 Os textos em foco ............................................................................. 77
O recorte do campo no âmbito dos contextos de produção
3.2 82
curricular ............................................................................................
3.3 Os sujeitos que significam ............................................................... 84
3.4 Sentidos em disputa e marcas discursivas .................................... 86
A educação na comunidade política de constituição curricular
3.4.1 93
de EDsHs ............................................................................................
3.4.2 Ação pedagógica: sentidos em disputa ............................................... 96
3.4.2.1 Abordagem jurídica ............................................................................. 101
3.4.2.2 Abordagem pedagógica ...................................................................... 105
3.4.3 Textos curriculares: marcas discursivas .............................................. 109
3.4.3.1 Universal/Particular ............................................................................. 110
3.4.3.2 Igualdade/Diferença ............................................................................ 119
INTRODUÇÃO
A temática dos direitos humanos vem ganhando força nos últimos trinta anos
devido ao quadro de intensificação da mobilidade espacial e temporal característico
do contexto mundial globalizado e do concomitante recrudescimento de uma
realidade mundial de preconceito, intransigência com a diferença e ressurgimento de
ideias e práticas xenofóbas e etnocêntricas. Nesse processo, configura-se um
crescente reconhecimento internacional quanto à necessidade de encontrar formas
não destrutivas de convivência entre diferentes nações e sujeitos, situação na qual
se institui e fortalece o discurso educacional voltado à Educação em Direitos
Humanos.
1
Destacamos especialmente a Novamerica (http://www.novamerica.org.br) e REDH (http://www. redh.org.br).
2
PUC-Rio, USP (Universidade de São Paulo) e UFPB (Universidade Federal da Paraíba) são instituições que
acumulam reconhecida experiência na área.
3
Mais informações em: http://www.novamerica.org.br/medh2/
9
Esses são indicativos de como o interesse pela questão dos direitos humanos
penetra no campo educativo, trazendo vozes de múltiplos contextos, globais e
locais, produzindo diferentes discursos sobre direitos humanos e sobre o que seja
educar em Direitos Humanos. É no embate e negociação dos diferentes significados
e interesses que esses grupos representam que o currículo de Educação em
Direitos Humanos vem sendo constituído em um processo que o presente estudo
busca compreender.
Desse modo, nos textos analisados – não só nos referidos documentos, mas
também nas entrevistas realizadas com coordenadoras dos projetos aos quais se
referem –, procuramos apreender os projetos em disputa, os sentidos que são
produzidos, negociados e hibridizados, que circulam e competem no processo de
construção da política curricular na área: o que está presente; as ausências sentidas
– os silêncios; os embates que tencionam, os acordos negociados... Mais
especificamente, procuramos compreender de que modo a diferença se articula e
13
A partir do século XVII, com a emersão de uma nova ordem social que viria a
se sobrepor às relações feudais, o que era visto como fruto da vontade de Deus passa
a ser compreendido como resultante de um atributo natural distintivo do ser humano: a
razão. Mantém-se o ideal universal e indiscutível dos direitos humanos, posto que,
como afirma Dornelles (2007), os homens já nasceriam livres, iguais, dignos etc., pela
obra e graça do “espírito santo” ou como expressão de uma razão natural (p. 16).
15
Nesse quadro, o elemento que tais esforços têm procurado apresentar como
eixo em torno do qual seria possível construir as bases de um consenso
internacional relativo a direitos humanos é a dignidade como valor universal.
4
Little Boy é o singelo nome com que o cinismo bélico batizou a ogiva da bomba atômica que
destruiu Hiroshima, na maior e mais covarde demonstração de força já testemunhada pela
humanidade.
19
Com intuito ilustrativo da sua herança moderna, pode-se observar que não só
os temas destacados expressam o que é central para a existência humana segundo
a perspectiva ocidental, mas as questões são problematizadas e significadas
segundo a cultura ocidental e a datada e localizada abordagem liberal.
O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos
nubentes. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado.
que produz, cujo deslocamento não linear permite que seja indagada a objetividade
sugerida pela racionalidade moderna.
é fixa, não pode ser capturada como algo parado ou algo que, sendo fixo, muda a
partir de assimilações em determinados momentos, voltando a se fixar. Sua
constituição é determinada pelo sujeito que a fecha temporariamente, em um
processo permanente de construção e reconstrução, o que Laclau e Mouffe (2004)
descrevem como estrutura cambiante. O fechamento temporário é uma ficção, uma
parada com a qual operamos para que seja possível atribuir sentido às coisas.
Tal demanda era expressa por um grupo heterogêneo que admitia uma
abstração identificada como povo, representada por outra abstração nomeada forças
de esquerda, no interior da qual se abrigavam os que defendiam os direitos
27
Para representar essa totalidade que cada vez se expandia mais, admitindo
novos elementos, o discurso dos direitos humanos, da democracia e da cidadania
precisou expandir seu significado para além do admitido inicialmente (quando se
constituiu como o ponto de articulação da cadeia), ampliação que resulta na diluição
do seu potencial explicativo, o que o torna o que Laclau e Mouffe (2004) definem
como um significante vazio – esvaziamento que foi necessário para construir
discursivamente uma identidade entre tantos diferentes. Ou seja, a identidade foi
construída por um trabalho discursivo de significação. Não havia a priori um coletivo
unido por uma identidade original – ideológica, cultural, de classe etc., portadora de
uma aspiração comum determinada por essa identidade.
O que havia, sim, era uma demanda que articulava a diferença no embate
político contra a ditadura – algo que lhes era exterior – e não por uma tradição
compartilhada. Analisando esse processo de constituição da identidade como
performance, como resultado do embate político, Barreiros (2009) afirma que
tal conceito permite deslocar a evidência da identidade como descrição – como
aquilo que é para a ideia de vir a ser –, construindo assim uma nova concepção de
identidade como movimento e transformação. Falar da identidade como algo em
transformação é reiterar a importância da enunciação, principalmente porque ela
mostra que o sujeito não é uma mera repetição da linguagem, dada a sua
historicidade dentro da condição enunciativa (p. 46).
Tal perspectiva indica que se pense a questão da política como o modo como,
em diferentes momentos, constituem-se relações hegemônicas de poder e, ao
mesmo tempo, como possibilidade de rearticulação da hegemonia presente (sempre
provisória) em busca do estabelecimento de um novo projeto político. A
possibilidade de rearticulação existe em função da permanente existência do
conflito, que é inerente à política e constitutivo de sociedades multiculturais.
igualitária passa pela garantia dos direitos de cidadania a todos e todas, o que
significa o acesso a bens culturais universais como direito humanos inalienável cuja
apropriação cabe à escola garantir.
que atrela o ideal de igualdade entre todos os cidadãos à bandeira da liberdade, que
já vinha sendo desfraldada. A Constituição Francesa de 1791, instituída ainda sob o
eco da revolução burguesa de 1789, regula o alcance da igualdade pretendida
delimitando como iguais apenas os cidadãos ativos. Como lembra Dallari (2004),
contrariando a afirmação de igualdade de todos, [a constituição] estabeleceu que
somente os cidadãos ativos poderiam ser eleitos para a Assembleia Nacional. Ficou
sendo também um privilégio dos cidadãos ativos o direito de votar para escolher os
membros da Assembleia. E para ser cidadão ativo era preciso, entre outras coisas,
ser francês, do sexo masculino, não ter a condição de empregado, pagar uma
contribuição equivalente a três jornadas, devendo o legislativo fixar o valor da
jornada, além de ser inscrito na municipalidade de seu domicílio como integrante da
guarda nacional (p. 21).
Embalada por essas mudanças, uma nova ordem mundial se instalou nos
últimos 20 anos do século XX, marcada pela ideia de que a competição em um
mercado livre da interferência do Estado pode regular tudo. Essa ordem mundial
livre de controle ficou conhecida como globalização, fenômeno que interfere
diretamente na vida das pessoas e provoca significativa mudança na relação entre
povos e indivíduos frente à expressiva ampliação das relações multiculturais que
promove. Não apenas as pessoas têm maior possibilidade de se transportar para
outros lugares como a direção desse movimento também foi alterada. Se antes o
colonizador ia à colônia, hoje esse é um caminho de mão dupla e os países centrais
se vêm invadidos por sujeitos vindos de lugares que antes eram apenas visitados
por eles. Povos “exóticos” perambulam por Paris, instalam enormes colônias em
Londres, desafiam o serviço de imigrantes dos EUA...
3 – COSMOPOLITISMO
ˇ Grupos sociais subordinados se organizam transnacionalmente na
defesa de interesses percebidos como comuns, usando em seu
INTENSIFICA- benefício as possibilidades de interação criadas pelo sistema mundial
ÇÃO DAS Ex.: Organizações transnacionais de direitos humanos; redes de
INTERAÇÕES movimentos e associações ecológicas, feministas etc.
GLOBAIS NO 4 - PATRIMÔNIO COMUM DA HUMANIDADE
CAMPO NÃO ˇ Temas que apenas fazem sentido enquanto reportados ao globo na
HEGEMÔNICO sua totalidade.
Ex.: Sustentabilidade da vida humana na Terra. Exploração do espaço
exterior e outros que, pela sua natureza, têm de ser geridos por
fideicompromissos da comunidade internacional em nome das
gerações presentes e futuras.
Esquema elaborado a partir de SANTOS, Boaventura S. (2003). Dilemas do nosso tempo: globalização,
multiculturalismo e conhecimento. In: Currículo sem Fronteiras, v. 3, n. 2, p. 5-23, jul/dez. Submetido à avaliação
e aprovação do autor em 2008.
38
Para o autor, a globalização de baixo para cima é campo das lutas contra-
hegemônicas, travadas por forças subalternas que, no modo alternativo de
formulação dos problemas que identificam, na pauta da agenda política que
estabelecem, nas estratégias de luta que implementam, “globalizam segundo uma
lógica que é alternativa à lógica do capital. Pelo contrário, é uma lógica
emancipatória” (SANTOS, 2003, p. 8).
únicos emissores de mensagens; que o poder não tem – tanto quanto desejaria e
aparenta ter – domínio tão absoluto sobre tudo que acontece; e que a globalização
não é um dado, não é um paradigma científico (CANCLINI, 2003), mas uma
interpretação do que ocorre no mundo, podendo adquirir múltiplos sentidos, sentidos
esses que são produzidos no âmbito das disputas discursivas que tornam
hegemônicos aqueles capazes de articular interesses comuns a diferentes grupos.
Mas para que escola? O que essa unanimidade deve oferecer às crianças e
jovens? Qual seu significado na vida das pessoas? Que argumento valida sua
existência hoje?
Crianças e jovens trazem na ponta da língua um vago serve para ser alguém
na vida, expressando uma expectativa das famílias registrada por pesquisa feita
junto aos pais sobre a escola publica, segundo a qual
a grande aspiração da família brasileira, em todos os seus estratos, permanece
firme na imaginação dos participantes dos grupos [entrevistados]: ver os filhos
ingressando na universidade pública e graduando-se, preferencialmente numa área
que lhes assegure o tratamento de doutor (MEC/INEP, 2005, p. 22).
43
No Brasil, até a década de 1970, o acesso à escola pública era o grande mote
da luta pela educação para todos. Contudo, a ampliação do número de vagas
disponíveis demonstrou que, embora importante, a quantidade não é suficiente para
garantir a democracia no plano da educação escolar, pois o fracasso começou a se
traduzir em elevados índices de evasão e repetência – as crianças entram na
Escola, mas não cumprem um mínimo de escolarização. Sobretudo nos grandes
centros urbanos, para ingressar em um mercado de trabalho que exige no mínimo a
escolaridade fundamental, o EJA (Educação de Jovens e Adultos) está se tornando
o destino natural para uma grande parcela de jovens que se evade da escola sem
conseguir chegar ao nono ano.
independente de como o termo qualidade esteja sendo significado, pois não se tem
notícia de estudos que tragam argumentos favoráveis ao desempenho dessa
instituição.
A ideia de que essa instituição não está sendo eficaz quanto ao cumprimento
das promessas que a fundaram gera o discurso do fracasso e instala o incômodo de
não encontrar uma resposta ao “para que escola?”, configurando o que se tem
nomeado como a crise da educação.
Pensamos ser possível situar essas questões em outros termos, pois não
basta articular diferentes dimensões do pedagógico (humana, política, técnica, social
etc.) para entender a dinâmica da Escola. Trata-se de desnaturalizar a percepção
relativa à função, finalidade e meta que compõem o discurso que justifica sua
existência, buscando uma possibilidade para sua ressignificação que, segundo
entendemos, requer a problematização das bases discursivas da modernidade,
configuradora da ideia de Escola, assim como da noção de direitos humanos,
constituídas a partir da busca por igualdade, da afirmação de elementos universais
e da conquista da cidadania, fragmentos em torno dos quais o discurso moderno
admitiu muitos sentidos em função dos deslocamentos das demandas sociais e
decorrentes reconfigurações identitárias.
Para isso, entendo, como Santos (2004a), que a questão social precisa
buscar espaço de reflexão em outras abordagens, visto que, para as
impossibilidades postas, as soluções modernas encontram-se esgotadas. Como tal
esgotamento não significa que tenham se retirado da arena de disputa discursiva e
(portanto) política, é importante identificar as tensões e ambiguidades presentes na
tradição moderna relativas à Escola, o que pode ajudar no exercício de aproximação
a outras abordagens para pensar o campo.
5
Podemos citar os PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais e a Multieducação como documentos com ampla
inserção nas escolas e entre professores.
48
Por um lado, com base em Althusser, Bourdieu & Passeron e Baudelon &
Establet (RIVERA E TORRES, 1981), emergem as teorias crítico-reprodutivistas que
identificam a escola como importante Aparelho Ideológico do Estado. Como tal,
entende-se que a escola cumpre o papel de regulação social através da
disseminação e inculcação ideológica, estando fechada a qualquer possibilidade de
transformação, a não ser aquela resultante de uma transformação na estrutura da
sociedade de classes. Os próprios conteúdos escolares são percebidos como
instrumentos ideológicos de dominação. Ou seja, para mudar a escola seria
necessário, antes, mudar a sociedade.
Essa ideia e suas implicações são analisadas no ensaio Que queremos dizer
com educação para a cidadania? (MACEDO, 2008), no qual a autora destaca que a
ideia de cidadania presente nos textos curriculares analisados por ela 6 é constituída
por fragmentos de discurso que relacionam cidadania e nação; cidadania e
conhecimento; cidadania e mercado de trabalho/consumo 7 , articulados às três
grandes narrativas do projeto educativo da modernidade: social ou edificadora do
nacional; econômica e do desenvolvimento individual. Argumentando que a
associação desses fragmentos de discurso à educação escolar fixa um sentido para
a educação para a cidadania que apreende o cidadão como sujeito universal,
sustenta que a ideia de cidadania contém a exclusão, sendo incompatível com a
6
PCNs, PCNs em Ação e Guia para Avaliação dos Livros Didáticos.
7
Como a autora pondera, esses não são os únicos fragmentos constitutivos do discurso sobre cidadania, mas os
destacados em função da reflexão que desenvolve.
54
Nessa direção, em seus estudos mais recentes Candau procura avançar das
percepções que dicotomizam igualdade e diferença e aborda os termos como
dimensões diferenciadas do social, e não necessariamente polos excludentes,
afirmando que
não se deve contrapor igualdade e diferença. De fato, a igualdade não está oposta à
diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõe à igualdade e sim à
padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o “mesmo”, à
“mesmice” (CANDAU, 2005, p. 18).
constitui-se como uma resposta fraca para questões fortes (SANTOS, 2006), o que,
como pondera Candau (2008b), exige sua ressignificação.
Uma visão alternativa de DsHs cujo eixo seja a diferença pode ser constituída
sob a ótica da heterogeneidade do social e da democracia pluralista, baseada no
entendimento de que o conflito que a diferença produz é constitutivo do social e do
político, o que a torna inerradicável. Essa é a perspectiva da democracia radical
61
proposta por Mouffe (2000), que admite uma pluralidade de projetos sociais e de
cidadania em posições políticas conflitantes cujas expressões são concebidas como
as de adversários legítimos que compartilham valores e princípios éticos cujo
sentido está em disputa (agonismo), e não as de inimigos que devem ser destruídos
ou subjugados (antagonismo). Mouffe (2001a) admite que tal relação não prescinde
de alguns consensos éticos e políticos, mas lembra que esses são consensos
precários, conflituosos, posto serem configurados por processos de significação que
expressam interpretações conflitantes. Nesse sentido, a autora afirma que,
emprestando um termo da teoria dos sistemas, nós podemos dizer que a política
pluralista pode ser concebida como um “jogo misto”, isto é, parte colaborativo e parte
conflituoso, e não como um jogo completamente colaborativo, como os liberais o
conceberiam (MOUFFE, 2001a, p. 21).
prospectiva que parte da educação mas avança para além dela, trazendo para o
centro uma dimensão filosófica. O polo direitos humanos do binômio é privilegiado e
a educação é uma via para que se alcancem objetivos sociais mais amplos, relativos
a igualdade, democracia etc.
9
O estatuto encontra-se no site da instituição, http://www.dhnet.org.br, (Acesso em 20/05/2010)
69
inescapável para o pensamento crítico, posto que é ela que sustenta a ideia e a
possibilidade de igualdade. Assim, parte-se do reconhecimento e da crítica do
caráter colonialista do universal hegemônico, mas não se consegue evitar a
armadilha do discurso universalista.
Doc a.1: PNEDH - Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil, 2007)
Doc a.2: Subsídios para a elaboração das diretrizes gerais da Educação em Direitos
Humanos – versão preliminar (Dias, 2007)
A relevância do texto quanto ao processo de institucionalização da Educação
em Direitos Humanos se justifica por: a) ser uma publicação realizada com o apoio
da SEDH – Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e
do MEC – Ministério da Educação, no momento em que o debate em torno da
normatização da área é intensificado no âmbito do governo; b) ter seu conteúdo
elaborado a partir de Educação em Direitos Humanos: Fundamentos Teórico-
Metodológicos (Silveira, 2007), outra publicação recente, também realizada por
solicitação e com recursos da SEDH e do MEC. Tendo por base e sintetizando
esses fundamentos, o texto dos Subsídios introduz uma proposta de pressupostos
pedagógicos segundo as áreas fixadas no PNEDH; c) ter duas das suas autoras
como coordenadoras nacionais e o terceiro autor como supervisor de módulos no
Projeto Capacitação de Educadores da Rede Básica em Educação em Direitos
Humanos, aprovado e financiado pelo MEC e realizado nacionalmente durante o ano
de 2008, tendo sido referência para a elaboração do material pedagógico do curso.
Assim, o texto parte da proposta do PNEDH, atravessa os fundamentos teóricos
elaborados com base nesse plano e sintetiza as bases pedagógicas para a sua
consecução, contendo, portanto, uma boa síntese das práticas discursivas que
circulam no campo delimitado para o presente estudo.
- Aida Monteiro
10
Os roteiros das entrevistas encontram-se nos anexos. Apesar de todas as entrevistadas terem autorizado a
identificação das falas com os seus nomes, optamos por não proceder desse modo e usar os indicativos
Entrevistada A, B, C... na referência aos depoimentos colhidos.
81
11
Disponível em WWW.redhbrasil.net/oprojeto.php
82
- Adelaide Alves Dias, Maria Nazaré Zenaide, Rosa Maria Godoi Silveira –
identificadas em a.3.
nos espaços de decisão e negociação que não se esgotam nas esferas do Estado,
cujo poder, portanto, não é absoluto.
Explicitando essa abordagem, Macedo e Frangella (2008) esclarecem
Num quadro ampliado, a noção de política de currículo como texto e discurso,
elaborada num ciclo que envolve múltiplos contextos, nos permite compreendê-la na
ambivalência, atentando para que, se a análise do papel do Estado não pode ser
suprimida, ela precisa se dar na articulação com processos micropolíticos presentes
não só na esfera estatal mas em outros contextos (p. 53).
São sujeitos que circulam muitas vezes inseridos a um só tempo nos três
contextos de produção curricular: no contexto de influência – campo de articulação
hegemônica relativa à concepção de Educação em Direitos Humanos que irá
prevalecer nos documentos –; no contexto de produção de textos – espaço de
elaboração de propostas direcionadas a orientar as práticas pedagógicas no campo
(como, por exemplo, os Subsídios); e no contexto da prática – no qual atuam como
professores nos cursos de formação de docentes na área (como na implementação
do projeto de capacitação, REDH Brasil e Zenaide, 2008).
85
12
Associação de contextos institucionais/sociais
Contexto Inserção* %
12
Os quadros Q 1 - Associação de contextos institucionais/sociais, Q 2 - Formação acadêmica e Q 3 -
Área de atuação foram elaborados a partir dos dados obtidos na identificação dos autores contida nas
publicações analisadas, cruzados com informações do Currículo Lattes e confirmados/complementados durante
as entrevistas.
86
Quando a gente escolhe uma pessoa, a gente já conhece de certa forma a sua
abordagem. A gente escolhe buscando aquela pessoa que tem produção que a gente já
conhece. Por exemplo: quando pensa na Vera [Candau], é porque a gente sabe que ela
já tem uma determinada visão. O José Neto, daqui [da UFPB], trabalha com Paulo
Freire. Então, quando pedimos para ele trabalhar o tema do diálogo, é porque a gente já
sabia que o professor tinha uma grande base na questão dos princípios do diálogo.
Eu tenho muitas dúvidas sobre qual é o melhor processo. Por um lado eu vejo a
necessidade de você, de alguma forma, regulamentar isso. Acho que Aída [Aída
Monteiro] usa muito essa fala para que isso possa se tornar uma política pública efetiva,
se não de Estado, mas de governo. Tenho sérias dúvidas se esse é o melhor caminho.
Talvez a gente dialogando... Por estarmos trabalhando com a construção de cultura,
quando a gente trabalha com essa perspectiva de uma norma, faz uma modificação. A
gente quer trabalhar justamente com a possibilidade de remover uma cultura autoritária e
em seu lugar promover uma cultura de direitos humanos, de respeito. E isso não é fácil!
Mas eu não sei se uma diretriz normativa resolve esse problema. Eu tenho muitas
dúvidas. Mas, por outro lado, talvez não nesse formato tão fechado do CNE, talvez a
gente pudesse dialogar com as outras diretrizes que estão aí. A gente não precisa de
leis neste país, nós temos leis demais! Maravilhosas! Quer uma lei mais bonita do que é
o ECA? E olha aí como estão as nossas crianças, nossos jovens e adolescentes. Claro
que a gente não vai cair no discurso de que o Estado não funciona. Não é isso que estou
querendo dizer. O Estado funciona bem em alguns setores, em outros nem tanto... Em
alguns ele funciona ideologicamente, para manter determinadas situações. A discussão
é que, na hora que você formata isso e você coloca isso em termos de diretrizes, você
normatiza demais e o meu medo é que “engesse”.
Eu sou favorável e inclusive venho lutando por isso. Mais ainda agora, depois dessa
minha experiência na Secretaria de Estado, eu penso que, se não for normatizado, não
vira política pública: fica na intencionalidade...
Eu acho que diretrizes gerais devia ter. Um documento para nortear as pessoas que
queiram trabalhar com direitos humanos. Embora a Unesco tenha as Resoluções da
Década para a Educação em Direitos Humanos, precisaria ter um documento nacional
construído com a participação e o diálogo com a sociedade. O Plano [PNEDH] saiu
porque teve os encontros. Se não tivesse os encontros com as pessoas se
posicionando e reformulando, as pessoas não se sensibilizavam para o tema dos
direitos humanos. Para as diretrizes, se não houver debate, discussão, se não houver
89
um momento assim, também não vai incorporar no sistema de ensino coisa nenhuma.
Então, tem que ter uma estratégia com a participação da sociedade. Se vai ser um
artigo da diretriz geral, se vai ser um inciso ou um capítulo de lei, diretrizes gerais, ou
uma resolução do CNE, não importa tanto. Mas o problema é que se não tiver uma
institucionalidade, também não funciona...
Esse é o nó. Quando os PCNs saíram, a questão da ética parecia ser a mais próxima
dos direitos humanos, vamos dizer assim. Eles falam da transversalidade, mas temos um
currículo complicado, porque é disciplinar, e aí não tem espaço para tranversalizar. Nas
escolas, as pessoas ou querem as disciplinas ou acham que transversalizar é fazer um
projeto uma vez por mês na escola. E o professor pensa: “quando eu vou dar o conteúdo
da disciplina X ou Y?”. Na realidade, a ideia de Educação em Direitos Humanos é dar
esse suporte de possibilidade para o coletivo no projeto político-pedagógico da escola,
as ações da escola se embasarem numa cultura dos direitos humanos. O que é isso? É
a gestão democrática da escola. A construção dos alunos e famílias nos destinos da
escola. Não se faz educação para a cidadania, para os valores, para a solidariedade,
fraternidade, para o respeito ao bem comum e ao próximo, à alteridade, o respeito à
diversidade, à tolerância sem isso. Enfim, isso só se faz no contexto coletivo. As nossas
escolas são muito autoritárias, nossa cultura é muito autoritária ainda. Então, é trabalhar
nessa perspectiva...
Esta nos parece ser uma questão crucial que não pode deixar de ser
considerada, sobretudo quando estamos tratando de Educação em Direitos
93
Q 2 - Formação acadêmica
Educação 7 23,34
Direito 6 20,00
História 7 23,34
Psicologia 2 6,66
Filosofia 4 13,34
Sociologia 2 6,66
Não Informa 2 6,66
Obs.: Dentre os que não possuem formação máxima em
educação, 1 possui formação anterior na área.
Q 3 - Área de atuação
QUANTIDADE %
Direito (Docentes - 5 / Discentes – 3) 8 26,68
Educação escolar/fundamentos teóricos
(Filosofia da Educação, História da Educação, 4 13,34
Sociologia da Educação, Psicologia Educacional
etc.)
História 4 13,34
Filosofia 3 10,00
Ciências Sociais (Docente - 1 / Discente – 1) 2 6,66%
a SEDH foi quem “puxou” a discussão pra fazer a interlocução com o MEC. E ao vir pela
SEDH, apesar de estarmos no mesmo governo, nós tínhamos de fato dificuldade do MEC
assumir isso como política. Hoje já avançou bastante, eles criaram, dentro do MEC, um
comitê. Mas, nesse sentido das diretrizes, de uma orientação mais específica, orientação
normativa, novamente quem está direcionando é a SEDH. Eu digo sempre o seguinte: se o
Plano fosse tomado nas mãos pelo ministro da Educação, como um projeto do MEC, ele já
estava em outro patamar. Isso por conta da relação que o MEC tem com todo o sistema,
inclusive injetando recursos, para que o Plano pudesse ser uma política.
Quando ponderamos que, para a sociedade, o MEC parece ter uma postura
de assentimento quanto à temática da Educação em Direitos Humanos e indagamos
sobre iniciativas emanadas do Ministério nessa área, a Entrevistada C concluiu:
são coisas ainda pontuais. Criou-se a Secad e, dentro da Secad, no ano passado, foi
criada a Diretoria de Educação em Direitos Humanos. Acho que são avanços. Mas a
própria Secad e a própria Diretoria ficam fora da discussão da Educação Básica, que se
dá na SEB – Secretaria de Educação Básica. E você sabe que, institucionalmente, se
você não tem uma ação coordenada no conjunto dessas secretarias, as coisas ficam
distantes. É essa a visão que eu tenho hoje do trabalho do MEC. A Secad procura fazer
bem, até pelas condições que eles têm. Mas ainda não tem uma orientação mais ampla
do Ministério, no conjunto das suas secretarias, principalmente nas Secretarias de
Educação Básica e Superior (o que pegaria dois níveis do PNEDH) no sentido dessa
diretriz. Essa, pra mim, é uma dificuldade.
O grande desafio hoje é fazer com que o próprio MEC avance mais. É trazer a SEB [...],
que tem formação de professor, material didático, toda essa parte que é estratégica para
a política de direitos humanos.
Eu não sinto que as entidades da educação estejam preocupadas com isso. Eu não
percebo essa discussão passando pela Anped [Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação], pela Anfope [Associação Nacional pela Formação de
Profissionais da Educação] e muito menos pela Anpae [Associação Nacional de Política e
Administração da Educação]... Era uma temática para se trazer à tona (Entrevistada C).
a educação ainda é muito resistente ao tema dos direitos humanos. O pessoal trabalha
temas dos direitos humanos como diversidade, mas não admite que é direitos humanos.
Há um preconceito no Brasil de que direitos humanos é defesa de bandido... Direitos
humanos ainda causa estranhamento nas pessoas...
Nós temos aqui na Paraíba [UFPB] o curso de Pós-Graduação em Direito com área de
concentração em direitos humanos. Então, quando a gente discute os fundamentos
jurídicos, discutindo só com esse viés do pessoal do Direito, da legislação stricto sensu
falando, tende muito a ficar apenas nos documentos internacionais, tratados, acordos,
nas leis. Eles não fazem essa ponte com a perspectiva da prevenção, da proteção, da
denúncia, da violação. Quais os mecanismos legais institucionais de proteção aos
direitos humanos, e não apenas o conhecimento da lei. Por exemplo, o ECA [Estatuto da
Criança e do Adolescente]. Se ele for descumprido em algum momento, para onde o
professor pode se dirigir se houver uma violação dos direitos no âmbito do ECA? Não
apenas o conhecimento da lei específica, mas de medidas que ele possa tomar para
evitar esse tipo de coisa. Por exemplo, uma violação no âmbito da Lei Maria da Penha, a
quem se dirigir, como fazer? Tinha essa preocupação, e por isso nós pegamos também
um educador para coordenar o módulo, e não uma pessoa do Direito (Entrevistada A).
Ninguém chega na dimensão educativa e pedagógica. Só poucos, acho que uma Vera
Candau, uma Aida [Monteiro]... A maioria trabalha Direito Internacional e Direitos
Humanos, a história dos direitos humanos e os mecanismos de proteção e para por ai...
[...] A gente diz para eles: “para ser Educação em Direitos Humanos nós temos que
trabalhar várias dimensões [...]. Tem a convenção contra o racismo, tem a convenção do
México sobre Educação em Direitos Humanos, tem a convenção dos direitos da criança,
tem a convenção sobre a discriminação no ensino... Vocês têm que buscar naquele
corpo de conquistas jurídicas o que tem diálogo com a educação... [...] O professor que
está na rede básica de ensino precisa conhecer o Estatuto da Criança, ele precisa
conhecer a Lei Maria da Penha, ele precisa conhecer a convenção que fala sobre a
discriminação racial no ensino, ele precisa conhecer aquilo que rebate no processo de
formação do aluno. O pessoal do Direito só fala nas coisas gerais.
Contudo, analisando esta última fala, vemos que, ao assumir uma postura
crítica quanto à excessiva ancoragem da Educação em Direitos Humanos no campo
jurídico, o que se explicita é uma abordagem que também não avança muito no
manejo de questões relativas à exigibilidade do cumprimento da legislação. A
diferença é que reclama uma seleção de instrumentos legais com temas menos
gerais e que tenham relação mais explicita ou imediata com o universo de
preocupações da escola ou com as questões com as quais educadores/as se
defrontam no cotidiano escolar, como direitos da criança, direitos da mulher,
manifestações de preconceitos étnico-raciais, religiosos etc., o que se torna um
referendo para a preponderância da dimensão jurídico-política sobre a pedagógica
na construção do currículo de Educação em Direitos Humanos.
uma disputa que extrapola o campo discursivo da educação para outros mobilizados
em torno da defesa dos direitos sociais. Com isso, são alocadas na escola
demandas reconhecidas como relativas ao campo dos DsHs, mas que não se
vinculam necessariamente às especificidades do fazer escolar.
Resulta daí a ideia de que a área está sendo saturada, o que, nos termos de
Laclau e Mouffe (2004), indica o esvaziamento de sentido do significante direitos
humanos dado pela admissão de um excesso de significados para possibilitar sua
universalização e adoção por um conjunto cada vez mais amplo da diferença
agrupada no interior de uma cadeia na qual o termo é um símbolo que, pela
equivalência de sentido, é capaz de atender à heterogeneidade que ela contém.
Para Laclau,
a ideia de significante vazio sustenta que quanto mais ampla certa cadeia de
equivalência for, menos a demanda que assume a responsabilidade de representá-
la como um todo vai possuir um laço estrito com aquilo que constituía originalmente
como particularidade, quer dizer, para ter a função de representação universal a
demanda vai ter que se despojar de seu conteúdo preciso e concreto, afastando-se
da relação com seu(s) significado(s) específico(s), transformando-se em um
significante puro que é o que conceitua como sendo um significante vazio (LACLAU,
2005, p. 3).
A gente entende que a escola não é o único local, mas é um lugar privilegiado pra que a
gente possa trabalhar na perspectiva de socialização da cultura da educação em direito
humanos (Entrevistada A).
Não é apenas na escola que se produz e reproduz o conhecimento, mas é nela que
esse saber aparece sistematizado e codificado. Ela é um espaço social privilegiado
onde se definem a ação institucional pedagógica e a prática e a vivência dos direitos
humanos. Nas sociedades contemporâneas, a escola é local de estruturação de
concepções de mundo e de consciência social, de circulação e de consolidação de
valores, de promoção da diversidade cultural, da formação para a cidadania, de
constituição de sujeitos sociais e de desenvolvimento de práticas pedagógicas
(BRASIL, 2007, p. 23).
bases para uma cultura de direitos humanos, aponta como sentido da área
educacional do campo: 1 - Produção e distribuição da informação e conhecimento e
2 - Conscientização e mobilização pelos direitos humanos.
13
Não localizamos informação mais atualizada relativa à composição do núcleo no endereço
http://www.cchla.ufpb.br/ncdh. Acesso em 13/05/2010.
104
Ao final desse trecho, segue-se uma lista intitulada como marcos jurídico-
políticos para a Educação em e para os Direitos Humanos, em uma sequência de
195 itens que remontam desde a Constituição Imperial de 1820 (indicada como um
dentre os 80 marcos nacionais) e a Magna Carta, documento inglês de 1215
(abrindo a lista dos 115 marcos internacionais). Considerando que o texto
mencionado compõe o Módulo IV, dedicado aos fundamentos educacionais da
Educação em Direitos Humanos, pode-se avaliar o peso do discurso jurídico na
disputa hegemônica por significação do currículo de Educação em Direitos
Humanos, configurando a atribuição de um sentido eminentemente informativo à
ação pedagógica na área, dado que as conquistas jurídicas são apresentadas
exaustivamente nos quatro módulos, sem o estabelecimento de um elo com a
educação ou com a escola. São apresentadas como algo que precisa ser defendido,
e esse é o sentido da Educação em Direitos Humanos na perspectiva jurídica:
preparar as pessoas para a defesa dos direitos conquistados e inscritos na lei.
Entendo que a escola, consciente de seu papel formativo e instrutivo, não pode
trabalhar com qualquer valor. Se almeja a educação para a cidadania, sua
responsabilidade encontra-se em propiciar a oportunidade para que seus alunos e
alunas interajam reflexivamente sobre valores e virtudes vinculados à justiça, ao
altruísmo, à cidadania e à busca virtuosa da felicidade. E quais seriam esses valores
a serem trabalhados nas escolas? A premissa que utilizamos é a da existência de
alguns valores definidos como valores universalmente desejáveis. Vivemos hoje
numa cultura que almeja a democracia, ou seja, uma ordem social pautada em
valores como a justiça, a igualdade, a equidade e a participação coletiva na vida
pública e política de todos os membros da sociedade, e estes são os valores basais
da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Dessa maneira, os princípios
presentes na referida Declaração devem ser guias de referência para a elaboração
108
3.4.3.1 Universal/Particular
Afirma-se, com isso, que fora da lógica moderna não existem direitos
humanos, ou, em outras palavras, uma produção local da discursividade do ocidente
europeu – democracia – é condição para a existência de algo cuja universalidade é
117
Não ser universal não significa que não deveriam ser universalizados de forma
democrática e respeitosa da diversidade cultural (Zenaide, 2008, p. 18).
Direitos Humanos têm valor universal, ou seja, devem ser reconhecidos e
respeitados por todos os homens em todos os tempos e sociedades (Zenaide, 2008,
p. 24).
dos direitos humanos passa pelo deslocamento da ideia de que no confronto entre
esses polos (e na exclusão de um deles) situa-se o campo da promoção e defesa de
direitos universais abordados como expressão de um horizonte de igualdade e
justiça, objetividade a ser alcançada pelas lutas sociais, em que se destaca a
mediação de uma educação centrada na conscientização, no desenvolvimento da
criticidade e da resistência. E é no âmbito do debate sobre questões relativas a
cultura que a consolidada expressão do pensamento crítico na constituição da ideia
de escola, de direitos humanos e de Educação em Direitos Humanos encontra um
embate que, não sendo pura resistência, abre-se à possibilidade de enunciação.
Identidades múltiplas em que os seres humanos estão imersos e que lhes servem
de referenciais para se localizarem no mundo, perceberem-no e se perceberem:
classe social, etnia, gênero, orientação sexual, faixa etária, condições físicas e
mentais, territorialidade, opções político-ideológicas, entre outros (DIAS, 2007, p. 7).
Não basta, portanto, uma socialização com base no critério “meritocrático”, que
sempre camuflou, neste país, a situação socioeconômica privilegiada sob uma
duvidosa concepção de mérito definida pelos próprios grupos privilegiados (seus
beneficiários), difundida por discursos que naturalizam as diferenças entre os seres
humanos e negam a sua historicidade como justificativa da superioridade de certos
grupos sociais e indivíduos sobre outros (DIAS, 2007, p. 7).
Sem abrir mão do princípio da validade universal dos direitos humanos, essa
expansão agrega aos valores liberais de promoção de liberdade, igualdade e
fraternidade princípios de defesa do coletivo inspirados no discurso crítico-
emancipatório relativos à solidariedade e à diversidade, o que é justificado com a
observação de que tais direitos,
mesmo não questionando as bases do capitalismo, podem servir como instrumento
de emancipação, [sendo] meio capaz de proporcionar a construção de uma
cidadania ativa no país (ZENAIDE, 2008, p. 20).
Respeito à diversidade + tolerância entre diferentes + solidariedade entre desiguais + inclusão social
= dignidade humana (DIAS, 2007, p. 8).
Optamos pela leitura da questão proposta por Laclau e Mouffe (2004), para
quem a democracia é entendida como experiência permanente de estabelecimento
de relação com a diferença, vivência na qual o poder está sempre presente como
elemento crucial da política. Tal visão desloca sensivelmente o sentido de
democracia configurado pelo pensamento moderno, no qual o conflito é algo a ser
superado e o poder é uma figura esvaziada de conteúdo próprio, uma vez que existe
como representação da vontade coletiva, expressando a soberania popular.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Educação em Direitos humanos é uma área ainda muito nova; tendo sido
constituída como frente de resistência e luta politicamente vinculada ao discurso
libertário, assume com muita fluidez os seus fragmentos discursivos e, com
desenvoltura, adota práticas de divulgação de ideias e convencimento –
conscientização – forjadas pelos movimentos sociais.
A tolerância é, assim, uma estratégia moderna (liberal e crítica) para lidar com
a questão do particular que o contexto mundial contemporâneo e globalizado traz à
tona; uma estratégia discursiva que procura esconder que o universal é um
particular que se tornou hegemônico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANEXOS
138
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Adelaide Alves Dias / Lucia de Fátima Guerra Ferreira
Rosa Maria Godoy Silveira
2 Elas reúnem também um leque de 30 autores. Que critérios ou ideias prevaleceram na escolha
desses nomes?
4 Houve a definição de alguma perspectiva teórica e indicação de aspectos que deveriam estar
presentes na abordagem dos diferentes temas? Como isso se deu? Emergiram discordâncias
conceituais? Quais? Como foram tratadas?
5 Tendo presente a proposta do curso, como você vê sua implementação? Que retorno tiveram
quanto a: temas e conteúdo; proposta metodológica; possibilidade de desenvolvimento de
ações escolares na perspectiva trabalhada?
6 Olhando para o curso, você hoje introduziria alguma modificação em termos temas tratados,
abordagem conceitual ou metodológica etc. que no momento da concepção do trabalho tenham
passado despercebidos? Quais? Por quê?
7 Como você vê o processo realizado e que “próximos passos” considera que seriam importantes
para trabalhar na direção de uma efetiva penetração da Educação em Direitos Humanos nas
escolas da educação básica?
ROTEIRO DE ENTREVISTA
AÍDA MONTEIRO
1. O PNEDH foi escrito a muitas mãos. Como se deu, no CNEDH, o processo que resultou na
definição dos eixos, temas, perspectiva teórica e indicação de aspectos que deveriam orientar a
abordagem do documento? Emergiram discordâncias teórico-conceituais? Quais? Como foram
tratadas?
2. Que críticas e contribuições você aponta como mais significativas para a definição da versão
final do documento?
4. Olhando para o documento final, você hoje introduziria alguma modificação em termos de temas
tratados, abordagem conceitual ou metodológica etc. que no momento da concepção do trabalho
tenham passado despercebidos? Quais? Por quê?
5. Como você vê o processo realizado e que “próximos passos” considera que seriam importantes
para trabalhar na direção de uma efetiva penetração da Educação em Direitos Humanos nas
escolas da educação básica?
ROTEIRO DE ENTREVISTA
MARIA NAZARÉ TAVARES ZENAIDE
4 Houve a definição de alguma perspectiva teórica e indicação de aspectos que deveriam estar
presentes na abordagem dos diferentes temas? Como isso se deu? Emergiram discordâncias
conceituais? Quais? Como foram tratadas?
6 Olhando para o curso, você hoje introduziria alguma modificação em termos de temas tratados,
abordagem conceitual ou metodológica etc. que no momento da concepção do trabalho tenham
passado despercebidos? Quais? Por quê?
10. Olhando para o documento final, você hoje introduziria alguma modificação em termos de temas
tratados, abordagem conceitual ou metodológica etc. que no momento da concepção do trabalho
tenham passado despercebidos? Quais? Por quê?
11. Como você vê o processo realizado e que “próximos passos” considera que seriam importantes
para trabalhar na direção de uma efetiva penetração da Educação em Direitos Humanos nas
escolas da educação básica?
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