Nira
Nira
SALVADOR – 2025
1. Antes, um texto específico.
Então, nesse embate com o pensamento que é a escrita de uma tese, parto da necessidade de
desvio de um modo de escrever que levaria a um fim e uma repetição. Começo por falar
sobre e a partir deste momento específico. A especificidade deste texto é a apresentação de
um projeto de tese de doutoramento em Arquitetura e Urbanismo a uma banca composta por
pensadores de áreas diversas e afins ao campo urbanístico.
Antes, e/ou no lugar, de apresentar o tema da pesquisa (depois passar à justificativa, objeto e
metodologia), essa escrita deseja se fundamentar em uma não separação entre o modo de
pensar e o modo de expor o pensamento. Se há um tema (e há um tema), talvez este trate,
justamente, de “modos de pensar”, ou de “conhecer”. Mais especificamente de modos de
proceder na produção do conhecimento da cidade. A pesquisa gira em torno de um método,
poderíamos dizer. Sim, mas somente se entendermos método como o entendeu o filósofo
Walter Benjamin, para quem “método é caminho não direto”2.
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A fita de Moebius que .....
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Jacques, Paola; Velloso, Rita. Enigma das cidades: ensaio de epistemologia urbana em Walter Benjamin. Belo Horizonte:
Cosmópolis; Salvador: Edufba. 2023, p. 14.
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Benjamin conhecia a materialidade do pensamento, a densidade que se apresenta no embate
com o conhecimento. Cada “objeto, fenômeno, acontecimento ou questão” são formas
singulares, diante das quais “o pensamento é obrigado a fazer pausas se quer alcançar a
compreensão” (Jacques, Velloso, 2023, p. 33). Penso também que, ao utilizar termos de uma
ordem corpórea – o sobressalto, o choque, o desequilíbrio, o tropeço – Benjamin
problematizou a inseparabilidade do corpo da produção do conhecimento.
Voltando à razão da escrita deste texto (um projeto de tese no campo da Arquitetura e
Urbanismo), ele se deve à desconfiança. A desconfiança do mal uso do poder que pode vir
do conhecimento (ou do saber) do especialista. Essa questão, que me ocupa desde a
graduação, persiste no mestrado e tem continuidade nesta pesquisa de doutorado. Se na
graduação a pesquisa se volta para o reconhecimento da natural aptidão que o habitante
possui para construir sua casa e sua paisagem – questionando a ênfase dada ao saber do
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Haraway, Rolnik....
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arquiteto –, a dissertação de mestrado4 faz uma crítica aos modos de fazer do arquiteto-
urbanista e recorre a outros campos do conhecimento para pensar uma “contenção do poder”
por parte do profissional que detém o “saber” sobre a cidade.
Nesta tese mantenho a investigação, mas avanço em uma aposta mais arriscada. Se o texto
da dissertação conclui com a suposição de que uma atitude de “fazer menos” por parte do
arquiteto poderia levar a um uso ético de seu poder; a tese parte da possibilidade de, antes de
fazer, tornar-se capaz da escuta para, somente a partir dela, se deixar “instruir” 5 a agir. A
proposta se fundamenta, portanto, em uma “inversão” da lógica de produção de
conhecimento: ultrapassar a ideia de “saber fazer” do especialista para praticar um “fazer
com o que instrui a cidade”. Tal lógica invertida, se aproxima mais de uma “recepção de
conhecimento” (do que de uma produção de conhecimento) e aposta em uma radicalidade
que deseja gerar reflexões necessárias no campo urbanístico – considerando o contexto atual
da crise sistêmica que vivemos.
Para isso, a pesquisa recorre, novamente, a procedimentos contaminados por outros campos
do conhecimento que vêm demonstrando grande disposição para questionar os próprios
paradigmas, como a antropologia, a filosofia e a literatura. É a ideia de um “saber menos”,
ou melhor, um “saber com”, vinda destes campos distintos, que vem ao auxílio desta
investigação.
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A dissertação, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, intitulada “O
arquiteto habitante, um modo de compor relações”, buscou problematizar os modos de ação do arquiteto-urbanista a partir
da constatação do enfraquecimento de ferramentas importantes para a construção coletiva da cidade. Após uma análise
histórico-crítica de como se formou a atitude dominante de relação saber-poder na prática arquitetônica-urbanística, a
pesquisa recorreu a outros campos do conhecimento para investigar as possibilidades de desvio em relação ao modo de
operar hegemônico dentro do campo.
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Vincienne Despret (2023)
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