0% acharam este documento útil (0 voto)
21 visualizações4 páginas

Nira

Enviado por

Alina Duchrow
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato DOC, PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
21 visualizações4 páginas

Nira

Enviado por

Alina Duchrow
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato DOC, PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 4

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO


ALUNA: CINIRA ARRUDA D’ALVA
ORIENTADORA: PAOLA BERENSTEIN JACQUES

RESIDIR NO TEMPO, INSTAURAR TERRITÓRIOS, CONTAR


HISTÓRIAS:
experiências espaço-temporais para uma escuta da cidade

Projeto de pesquisa apresentado como requisito para


a Banca de Qualificação I do Programa de Pós-
graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal da Bahia.

SALVADOR – 2025
1. Antes, um texto específico.

Este texto, escrito na intenção de apresentar o projeto de tese em andamento é, também, o


relato de uma experiência com o pensamento. Um embate, porque é corporal. Uma tentativa
de abertura de trilhas entre modos estabelecidos no campo de estudos em questão, verdades
ditas ao longo de séculos e a própria desconfiança do pesquisador. O corpo sofre reveses no
embate com o conhecimento. Cada nome, categoria, conceito, vocativo, ordem, hábito de
pesquisa, pode ser uma armadilha ou uma direção errada que leva à repetição e ao fim de um
pensamento, ou pior, de um desejo de pensar. Como a fita 1 de papel que Lygia Clark cortou
no mesmo ponto, sem deslocamento: teve uma vida curta e terminou igual a outras fitas.
Terminou mais rápido do que se tivesse arriscado mudar a direção. Mudar a direção vai
sempre levar a algum lugar que não é o mesmo, mas é mais longe, mais lento e mais rico,
porque sujeito a surpresas em um percurso que se desconhece.

Então, nesse embate com o pensamento que é a escrita de uma tese, parto da necessidade de
desvio de um modo de escrever que levaria a um fim e uma repetição. Começo por falar
sobre e a partir deste momento específico. A especificidade deste texto é a apresentação de
um projeto de tese de doutoramento em Arquitetura e Urbanismo a uma banca composta por
pensadores de áreas diversas e afins ao campo urbanístico.

Antes, e/ou no lugar, de apresentar o tema da pesquisa (depois passar à justificativa, objeto e
metodologia), essa escrita deseja se fundamentar em uma não separação entre o modo de
pensar e o modo de expor o pensamento. Se há um tema (e há um tema), talvez este trate,
justamente, de “modos de pensar”, ou de “conhecer”. Mais especificamente de modos de
proceder na produção do conhecimento da cidade. A pesquisa gira em torno de um método,
poderíamos dizer. Sim, mas somente se entendermos método como o entendeu o filósofo
Walter Benjamin, para quem “método é caminho não direto”2.

1
A fita de Moebius que .....

2
Jacques, Paola; Velloso, Rita. Enigma das cidades: ensaio de epistemologia urbana em Walter Benjamin. Belo Horizonte:
Cosmópolis; Salvador: Edufba. 2023, p. 14.
Página | 2
Benjamin conhecia a materialidade do pensamento, a densidade que se apresenta no embate
com o conhecimento. Cada “objeto, fenômeno, acontecimento ou questão” são formas
singulares, diante das quais “o pensamento é obrigado a fazer pausas se quer alcançar a
compreensão” (Jacques, Velloso, 2023, p. 33). Penso também que, ao utilizar termos de uma
ordem corpórea – o sobressalto, o choque, o desequilíbrio, o tropeço – Benjamin
problematizou a inseparabilidade do corpo da produção do conhecimento.

Neste texto, “o modo de pensar e o modo de expor o pensamento” configuram uma


gagueira. A coragem de assumir esse gaguejar é tributária da coragem de outros3.

Há poucos dias conheci a expressão “descolonização permanente do pensamento”, criada


pelo antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (2011, apud JACQUES, 2021, p. 65). O
adjetivo “permanente” chama a atenção pela capacidade de condensar uma espécie de
recado: esteja atento, “o pensamento tem uma tendência natural ao colonialismo; a inércia
do pensamento conduz o pensamento a se acomodar em soluções milagrosas, esquemas
fáceis, mecânicos, rígidos”. Aqui preciso tomar a liberdade de uma ideia própria: eu juntaria
a esse recado a palavra “desconfie”. (Dando continuidade à liberdade da ideia própria),
sempre pensei na desconfiança como uma capacidade intrínseca à vida. Uma arma
inalienável contra as diversas capturas a que estamos expostos como seres assujeitados que
somos. Desconfio que a desconfiança seja a prova da inseparabilidade do corpo e do
pensamento, um “saber-do-corpo” ou “saber-do-vivo” como diria Suely Rolnik (2018). Algo
que viabiliza o escape da apropriação da força vital pelas tramas do “regime colonial -
capitalístico”.

Voltando à razão da escrita deste texto (um projeto de tese no campo da Arquitetura e
Urbanismo), ele se deve à desconfiança. A desconfiança do mal uso do poder que pode vir
do conhecimento (ou do saber) do especialista. Essa questão, que me ocupa desde a
graduação, persiste no mestrado e tem continuidade nesta pesquisa de doutorado. Se na
graduação a pesquisa se volta para o reconhecimento da natural aptidão que o habitante
possui para construir sua casa e sua paisagem – questionando a ênfase dada ao saber do

3
Haraway, Rolnik....
Página | 3
arquiteto –, a dissertação de mestrado4 faz uma crítica aos modos de fazer do arquiteto-
urbanista e recorre a outros campos do conhecimento para pensar uma “contenção do poder”
por parte do profissional que detém o “saber” sobre a cidade.

Nesta tese mantenho a investigação, mas avanço em uma aposta mais arriscada. Se o texto
da dissertação conclui com a suposição de que uma atitude de “fazer menos” por parte do
arquiteto poderia levar a um uso ético de seu poder; a tese parte da possibilidade de, antes de
fazer, tornar-se capaz da escuta para, somente a partir dela, se deixar “instruir” 5 a agir. A
proposta se fundamenta, portanto, em uma “inversão” da lógica de produção de
conhecimento: ultrapassar a ideia de “saber fazer” do especialista para praticar um “fazer
com o que instrui a cidade”. Tal lógica invertida, se aproxima mais de uma “recepção de
conhecimento” (do que de uma produção de conhecimento) e aposta em uma radicalidade
que deseja gerar reflexões necessárias no campo urbanístico – considerando o contexto atual
da crise sistêmica que vivemos.

Para isso, a pesquisa recorre, novamente, a procedimentos contaminados por outros campos
do conhecimento que vêm demonstrando grande disposição para questionar os próprios
paradigmas, como a antropologia, a filosofia e a literatura. É a ideia de um “saber menos”,
ou melhor, um “saber com”, vinda destes campos distintos, que vem ao auxílio desta
investigação.

4
A dissertação, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBA, intitulada “O
arquiteto habitante, um modo de compor relações”, buscou problematizar os modos de ação do arquiteto-urbanista a partir
da constatação do enfraquecimento de ferramentas importantes para a construção coletiva da cidade. Após uma análise
histórico-crítica de como se formou a atitude dominante de relação saber-poder na prática arquitetônica-urbanística, a
pesquisa recorreu a outros campos do conhecimento para investigar as possibilidades de desvio em relação ao modo de
operar hegemônico dentro do campo.
5
Vincienne Despret (2023)
Página | 4

Você também pode gostar

pFad - Phonifier reborn

Pfad - The Proxy pFad of © 2024 Garber Painting. All rights reserved.

Note: This service is not intended for secure transactions such as banking, social media, email, or purchasing. Use at your own risk. We assume no liability whatsoever for broken pages.


Alternative Proxies:

Alternative Proxy

pFad Proxy

pFad v3 Proxy

pFad v4 Proxy