Portugal 1870-1913
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207
208
p. 40.
209
disso. No quadro n. 1 apresentam-se os resultados duma primeira tentativa neste sentido, com todas as reservas inerentes a este tipo de exerccio,
para alm das que se aplicam a uma primeira estimativa7.
O ndice abrange os seguintes ramos de actividade: algodo, lanifcios, linho, tabaco, alimentos, papel, cortia, conservas de peixe, metalurgia e explorao mineira. Atendendo ausncia total de elementos
directos sobre a produo destes sectores em qualquer perodo, foi necessrio utilizar exclusivamente indicadores indirectos. Nalguns casos, como,
por exemplo, os da cortia, das conservas de peixe e da explorao
mineira, utilizaram-se dados respeitantes s exportaes, aps algumas
correces. Porm, na maioria dos casos, a produo foi calculada a partir de dados relativos aos valores das respectivas matrias-primas importadas, j que as indstrias consideradas dependiam em grande medida, se
no inteiramente, dessas importaes. Partiu-se do princpio de que, dum
modo geral, a tecnologia utilizada no sofreu alteraes apreciveis ao
longo desses anos no que respeita relao dos valores matria-prima/produto acabado e, Consequentemente, os valores da produo
foram obtidos como um mltiplo desses valores conhecidos para as
matrias-primas.
Para se calcular o ndice global, que uma mdia ponderada dos valores da produo em cada sector, empregaram-se dois conjuntos de pesos,
donde as duas sries apresentadas no quadro. Estes conjuntos representam
estimativas diferentes do contributo de cada sector para a produo industrial lquida e foram calculados multiplicando o valor acrescentado por trabalhador em 1890 pela participao sectorial na populao activa industrial total8. As duas sries da produo industrial assim obtidas a preos
correntes foram deflacionadas, utilizando como preos para os diversos
produtos industriais contemplados os valores unitrios, quer dos produtos
manufacturados exportados (cortia, conservas de peixe), quer de determinados produtos importados (txteis, papel, cermica, ferramentas leves,
sabo e cerveja) que se sups competirem com produtos nacionais similares.
Adoptou-se este processo devido falta de elementos publicados relativos a preos de produtos manufacturados no mercado portugus durante o
perodo em questo.
Tal como acontece com todos os indicadores parciais, a primeira
questo que surge a da cobertura. Os valores de qualquer ano, quer
para a produo industrial lquida, quer para a produo industrial
bruta, so difceis de obter e muito pouco fidedignos. Armando de Castro sugere que, no final do sculo, a produo industrial bruta poder ter
atingido 50% da produo agrcola, que ento se calculava em 200 000
210
7
Para uma explicao pormenorizada da forma como foram obtidos estes resultados
veja-se J. Reis, A Produo Industrial Portuguesa, 1870-1914: Primeira Estimativa de Um
ndice, Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Working Paper
no. 35, 1985, tambm publicado em Anlise Social, vol. xxii, n. 94, 1986, pp. 903-928.
8
F. Pereira de Moura, em Por onde Vai a Economia Portuguesa? (Lisboa, 1974), considera o Inqurito Industrial de 1881 um modelo no ultrapassado em Portugal (p. 105).
Tenho motivos para crer que, nalguns aspectos, o Inqurito Industrial de 1890, utilizado para
o presente efeito, era melhor, alm de contar mais elementos quantitativos. Os nmeros relativos composio da populao activa foram extrados, respectivamente, de J. de Oliveira
Simes, Escoro Dalguns Aspectos da Indstria Fabril Portuguesa (Lisboa, 1913), e de J. H.
de Azeredo Perdigo, A Indstria em Portugal (Notas para Um Inqurito) (Lisboa, 1916).
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...
...
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.
...
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II
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117
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106
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122
119
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111
123
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n.a.
n.a.
133
163
171
175
181
200
187
183
193
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194
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244
258
283
272
267
296
342
346
347
282
U3
n.a.
n.a.
126
153
157
160
157
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165
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232
240
211
218
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236
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299
285
291
247
211
212
9
Ver Castro, Revoluo Industrial, pp. 115-118. Para uma lista dos sectores mais importantes em finais do sculo passado veja-se Rui Ennes Ulrich, Crises Econmicas Portuguesas
(Coimbra, 1902), p. 164. Entre esses sectores, no foram abrangidos pelo presente ndice os
seguintes: porcelana, tijolos e azulejos, chapus, tanoaria, vidro e sabo.
213
214
13
Ver a sntese til de A. Carreras, La Produccin Industrial Espaola, 1842-1981, in
Revista de Histria Econmica, 2, 1984, p. 140.
14
Existe uma anlise desta questo em Villaverde Cabral, Portugal, na Alvorada do
Sculo XX, p. 327.
15
Gerschenkron, Economic Backwardness, p. 78.
16
Id., ibid., p. 213; D. F. Good, Stagnation and Take-Off in ustria, 1873-1913, in
Economic History Review, n. 28, 1974, pp. 84-85.
215
Veja-se, por exemplo, J. M. Amado Mendes, Sobre as relaes entre a indstria portuguesa e a estrangeira no sculo xix, in Anlise Social, n. 16, 1980, p. 48, e A. Lopes
Vieira, The Role of Britain and France in the Finance of Portuguese Railways, 1850-1890.
A Comparative Study in Speculation, Corruption and Inefficiency, tese de doutoramento
no publicada, Universidade de Leicester, 1983, p. 18.
f9
Esta segunda srie de anos extrada dum estudo sobre o sector bancrio portugus
durante a segunda metade do sculo x i x de G. Gomes, estudo esse que faz parte dum projecto em curso sobre a histria do Banco de Portugal, 1846-1914.
20
Elementos extrados do projecto de investigao referido na nota anterior. Os relatrios anuais do Banco de Portugal referiam constantemente o auxlio prestado a empresas
industriais das mais diversas dimenses.
21
Ver A. Maddison, Phases of Capitalist Development,
Oxford, 1982, pp. 74-75. Num
estudo pioneiro publicado pela primeira vez em 1947, A . de Castro focava aquilo a que chamava a natureza especulativa, por oposio a produtiva, das crises portuguesas. Veja-se
a sua obra A Revoluo Industrial, cap. 4.
216
22
Existe uma literatura bastante desenvolvida sobre estas duas crises, m a s veja-se, por
exemplo, J. P . de Oliveira Martins, Estudos de Economia e Finanas, Lisboa, 1956, e J. P .
da Costa Leite Lumbralles, Organizao
Bancria Portuguesa,
Coimbra, 1927.
217
poderia ter sido decisivo24. Por outro lado, embora os bancos comerciais
se tenham empenhado em financiar a actividade industrial, Portugal carecia inteiramente de algo que se assemelhasse ao sector dos bancos de desenvolvimento, que, segundo se tem afirmado, desempenhou um papel fulcral
na promoo industrial dalguns pases. Beneficiou menos ainda da entrada
de capital estrangeiro destinado indstria, tal como a registada em pases
como a Hungria, cujo sector industrial apresentou melhores resultados25.
Em contrapartida, alguns obstculos importantes a um progresso mais
dinmico assentaram na forma como evoluiu o sector industrial. Um desses aspectos foi o efeito multiplicador relativamente reduzido dos ramos da
actividade fabril de crescimento mais rpido, em que havia uma elevada
componente de matrias-primas importadas. Isto privou o sector primrio
dum estmulo que lhe era indispensvel, no s para se desenvolver, mas
sobretudo para se modernizar e melhorar a sua produtividade, sem o que
no era provvel uma industrializao rpida e sustentada a longo prazo.
Nas indstrias do algodo e metalrgica, que em conjunto representavam
uma proporo substancial da produo fabril total e que durante todo o
perodo se contaram entre as que melhores resultados obtiveram, essa componente era de cerca de 45% a 55% do valor da produo bruta26. Entre
os outros sectores abrangidos pelo ndice, os lanifcios e o papel tinham
uma componente de importaes significativa, enquanto a indstria alimentar, que consumia sobretudo factores de produo nacionais, era uma
das que apresentavam um crescimento mais lento. A cortia e as conservas
de peixe, por outro lado, registaram um crescimento rpido e dependiam
em grande medida de matrias-primas de produo nacional, mas constituam uma pequena parcela do total. O estudo pioneiro sobre a economia
no perodo aps a segunda guerra mundial empreendido por Pereira de
Moura ajuda a colocar estes dados em perspectiva. Apesar da elevada taxa
de crescimento industrial verificada aps 1945, foi fraca a alterao estrutural produzida por este processo devido grande dependncia externa
da indstria portuguesa, na qual 40% da produo bruta se destinava a
pagar factores de produo importados27.
Um outro aspecto negativo relacionado com esta questo, e que foi
tambm identificado na era aps 1945, o da fragilidade das relaes
intersectoriais. Um aspecto especfico disto que, ao crescer e equipar-se,
218
24
I. T. Berend e G. Ranki, Economic Development in East-Central Europe in the 19th
and 20th Centuries, Nova Iorque, 1974, pp. 86-91. Para uma defesa vigorosa da importncia
da interveno do Estado nestes pases veja-se R. Vaccaro, Industrialization in Spain and
Italy (1860-1914, in Journal of European Economic History, n. 11, 1982, pp. 731-738.
25
Gerschenkron, Economic Backwardness, pp. 87-88. Em 1913, 15% de todo o capital
da Hungria era capital estrangeiro, uma proporo pequena, mas n o entanto significativa.
V. J. Komlos, Economic Growth and Industrialization in Hungary, 1830-1913, in Journal
of European Economic History, n. 10, 1981, p. 27. N a Romnia, 80% do capital accionista
da indstria era propriedade estrangeira, segundo Berend e Ranki, Economic
Development,
p. 106. de notar que, em Portugal, os nicos sectores fabris que atraam capital e empresrios estrangeiros de forma sensvel foram aqueles que apresentavam um crescimento mais
rpido e que mais orientados estavam para as exportaes, nomeadamente as conservas de
peixe26e a cortia.
Este valor foi calculado com base nos dados dos Inquritos Industriais de 1881 e 1890,
mas confirmado por outros elementos respeitantes a anos posteriores extrados dos relatrios sobre vrios distritos publicados n o Boletim do Trabalho
Industrial.
27
F. P . de Moura et al., Estrutura da economia portuguesa, in Revista do Centro de
Estudos Econmicos, n. 14, 1954, p. 206. Halpern Pereira, em Poltica e Economia, pp. 1649, atribui tambm grande importncia a este argumento.
219
220
31
Villaverde Cabral, Portugal na Alvorada do Sculo XX, p. 349; G. Clarence-Smith,
The Third Portuguese Empire, 1825-1975. A Study in Economic Imperialism, Manchester,
1985, p. 90.
n
Reis, O atraso econmico portugus, pp. 19-20.
221
222
35
E . H . Phelps Brown e M . H . Brown, A Century of Pay, Londres, 1968, apndice 3 .
U m a vez que esta fonte apenas contm os salrios anuais mdios, parti de um ano de trabalho
de 250 dias para calcular o salrio dirio. Os dados relativos Alemanha so confirmados por
elementos respeitantes cidade de B o c h u m , onde, em 1910, o s trabalhadores no qualificados
estavam a ganhar um salrio equivalente a 0,9 mil-ris, segundo D . F. Crew, Town in the
Ruhr. A Social History of Bochum, 1860-1914, N o v a Iorque, 1974, p . 177. Quanto Alemanha e m geral, o salrio dirio na indstria, e m 1913, partindo de uma semana de trabalho de
seis dias, era de 0,937 mil-ris. Ver G. Bry, Wages in Germany 1871-1945, Princeton, 1960,
p. 51.
36
Oliveira Simes, Indstria Fabril Portuguesa,
p . 3 1 . Nalguns sectores, porm, o diferencial salarial em relao Alemanha no era grande. N a Alemanha, o s indivduos d o sexo
masculino recebiam u m salrio equivalente a 0,643 mil-ris por dia na fiao de algodo e
0,801 n o fabrico de malhas, enquanto e m Lisboa ganhavam 0,650 e 0,600 respectivamente.
Bry, Wages in Germany, p. 351.
Alimentos (total)
Acar
Artigos de couro
,
Porcelana e azulejos
Conservas
Cortia(a)
Couros
Metalurgia e construo de mquinas
Papel
Produtos qumicos
Sabo
Vesturio
Vidro
Algodo
Lanifcios
,
Gr-Bretanha
Fran
Portugal
196
367
71
68
81
90
118
97
167
86
155
63
94
79
70
158
325
120
108
98
43
85
96
156
93
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64
28
174
94
89
275
43
52
34
37
71
86
60
50
84
40
52
39
56
223
224
38
Ver, respectivamente, Relatrio Apresentado
ao Ex.mo Sr. Governador
Civil do Distrito do Porto pela Sub-Comisso Encarregada das Visitas aos Estabelecimentos
Industriais,
Porto, 1881, pp. 167-224; e R. Church (ed.), The Dynamics of Victorian Business.
Problems
and Perspectives
to the 1870s, Londres, 1980, p. 173.
39
Inqurito sobre as indstrias txteis, in Boletim do Trabalho Industrial, n. 105,
1916. N o caso de empresas com integrao vertical, calculmos o nmero de empregados de
que teriam necessitado os sectores de fiao e da tecelagem com base na mdia britnica.
A soma destes dois nmeros correspondia geralmente a metade do nmero total de trabalhadores da fbrica.
40
Os dados relativos Gr-Bretanha foram extrados de D . A . Farnie, The English Cotton Industry and the World Market, 1815-1896, Oxford, 1979, p. 199.
41
Ver L. Sandberg, Ignorance, Poverty and Economic Backwardness in the Early Stages of European Industrialization, in Journal of European Economic History, n. 11, 1982,
pp. 675-697, que contm uma anlise comparativa recente e esclarecedora do problema. Ver
tambm I. T. Berend e G. Ranki, The European Periphery and Industrialization,
1780-1914,
Cambridge, 1982, pp. 56-59.
Histria de Portugal desde os Tempos mais Antigos at ao Governo do Sr. Pinheiro de Azevedo, 7. a ed., Lisboa, 1977, vol. 2 , p. 228.
44
P . Mathias e M. M. Postan (eds.), The Cambridge Economic History of Europe,
Cambridge, 1978, vol. 7, p. 459.
45
Inqurito Industrial de 1881, iii parte, p. 70.
46
D . S. Landes, The Unbound Prometheus.
Technological Change and Industrial
Development in Western Europe from 1750 to the Present, Cambridge, 1972, p. 183, nota 2.
225
226
beneficiou, como as que poderiam advir de redes de transportes plenamente desenvolvidas e utilizadas ou de uma oferta abundante de servios
auxiliares, como oficinas de reparao e produtores de peas sobresselentes51. Estando grandemente dependente da tecnologia importada, poder
supor-se que o equipamento utilizado nem sempre era o que melhor se
adaptava s condies locais, nomeadamente s qualificaes e tradies
industriais dos trabalhadores. Tem-se afirmado que, at certo ponto, teria
sido possvel ultrapassar estas e outras desvantagens se o Pas estivesse
dotado duma classe empresarial mais dinmica e mais imaginativa. Como
se disse na altura e tem sido repetido desde ento de diversas maneiras, a
direco da indstria estava nas mos de homens sem cincia, sem inteligncia e sem boa vontade52.
O argumento do fracasso empresarial no s um dos preferidos na
histria da economia portuguesa, mas tambm um dos mais difceis de
resolver, sobretudo numa perspectiva comparativa, atendendo a que tem
sido aplicado com a mesma liberalidade a outras pases com um comportamento industrial totalmente diferente53. Isto no significa, porm, que
deva ou que possa ser descurado. evidente que, em grande parte das
manifestaes de ineficincia acima referidas, bem como nalgumas das
causas apontadas para essas mesmas manifestaes de ineficincia, h que
reconhecer que parte da responsabilidade ter cabido decerto aos empresrios. O elevado custo do capital em Portugal poder ter sido uma das
razes para a reduzida relao capital/mo-de-obra, mas, pelo menos no
caso do algodo, essa relao era to baixa que parece ter havido um investimento insuficiente em equipamento, e isto poder atribuir-se a decises
erradas. O mesmo se poder dizer em relao questo educacional: um
dos relatrios gerais do Inqurito Industrial de 1881 referia que algumas
entidades patronais, embora clamassem contra a ignorncia dos seus
empregados, se recusavam a dar trabalho aos diplomados das duas nicas
escolas tcnicas existentes na altura. A justificao que davam era que
esses diplomados queriam salrios mais elevados, se mostravam arrogantes
e discutiam com os patres54.
A questo que subsiste, porm, saber em que medida que, de acordo
com os critrios internacionais, os empresrios portugueses eram piores, se
que o eram, e isto um assunto que ter de ser profundamente investigado. Entretanto, a melhor abordagem ser considerar o factor empresarial uma causa residual da falta de competitividade industrial e tentar definir e avaliar outras causas que se prestam melhor a um tratamento mais
rigoroso. De certa maneira, foi isso que se procurou fazer neste trabalho.
1
A tonelagem por quilmetro de via frrea num determinado ano constitui um indicador muito aproximado destas possveis diferenas em termos da intensidade com que era utilizada a rede de caminhos-de-ferro. Indicam-se a seguir os valores de 1900 em diversos pases
expressos em milhares de toneladas por quilmetro: ustria-Hungria, 6,18; Blgica, 12,08;
Dinamarca, 1,24; Alemanha, 6,96; Portugal, 1,24; Sucia, 1,91; Reino Unido, 14,18. Ver
B. R. Mitchell, European Historical Statistics 1750-1970, Londres, 1978, pp. 315-343.
52
J. de Azambuja Proena, A Indstria de Tecidos de L em Portugal. Algumas Consideraes sobre o Seu Atraso e Estacionamento, Belm, 1884, p. 11.
3
Ver um exemplo em Landes, Unbound Prometheus, pp. 131-133.
54
227