Revisor de Textos: Formação e Mediação
Revisor de Textos: Formação e Mediação
Formação e mediação
Esta obra é sobre o revisor de textos profissional, sua atuação, sua formação, sua messe e as
relações funcionais de sua jornada de mediação. Inevitavelmente, para evidenciar o revisor,
temos que tratar da revisão de textos – sua prática, pois o ofício se define pelo exercício. O
revisor é um linguista, para considerar sobre sua natureza, abordamos as atribuições desse
desempenho em caráter profissional, caracterizando a função e situando-a em relação a outras
funções conexas; em seguida, traçamos o perfil do revisor discutindo as características que lhe
são presumíveis e as que são desejáveis e, portando, devem ser desenvolvidas. Nosso passo
seguinte é descrever a função do revisor de textos em relação aos diferentes papéis que ele
desempenha em seu campo profissional para, depois, discutir as práticas que caracterizam o
ofício e os trabalhos que o revisor realiza no mercado editorial. Passamos, em seguida, a discutir
a formação do revisor, apresentando experiências, sugestões de caminhos e de propostas
metodológicas para o treinamento do profissional. As questões relativas à mediação
profissional do revisor são abordadas em função de seus papéis funcionais, gerenciais e
linguísticos, suprindo algumas lacunas que temos identificado na literatura da revisologia.
FLUXOGRAMAS
Fluxograma 1 – Estratégia do questionamento sistemático ........................................... 7-202
Fluxograma 2 – Nível de controle da palavra................................................................. 7-205
Fluxograma 3 – Nível de controle da oração .................................................................. 7-207
Fluxograma 4 – Nível de controle dos parágrafos .......................................................... 7-208
QUADROS
Quadro 1 – Análise das fases de controle ......................................................................... 4-75
Quadro 2 – Serviços do controle na cultura estadunidense .............................................. 4-75
Quadro 3 – Etapas e serviços por sujeitos ........................................................................ 4-76
Quadro 4 – Etapas e sujeitos por serviços ........................................................................ 4-76
Quadro 5 – Tipologia de problemas ............................................................................... 8-264
Quadro 6 – Tipologia das ocorrências ............................................................................ 8-265
Quadro 7 – Interferências humanas e eletrônicas ........................................................... 8-267
Quadro 8 – Programas de OCR ...................................................................................... 9-283
Quadro 9 – Rotina de pré-revisão ................................................................................... 9-289
Quadro 10 – Checagem de acompanhamento e controle ............................................... 9-290
SUMÁRIO
1 Preâmbulo ........................................................................................................................1-1
1 PREÂMBULO
O foco desta obra é o revisor de textos profissional, sua atuação, sua formação, sua
messe e as relações funcionais de sua jornada de mediação. Inevitavelmente, para evidenciar o
revisor, temos que tratar da revisão de textos – sua prática, pois o ofício se define pelo exercício.
Nesse sentido, não podemos nos furtar a abordar alguns tópicos de nossa publicação anterior,
Revisão de textos: interferência e intercessão,1 mas procuramos fazê-lo de forma sintética e
remissiva, apenas para informação do leitor, ou complementar – agregando algum dado mais
recente, nova leitura, apresentando a evolução do pensamento teórico alheio, ou nosso, sobre a
atividade e o profissional. Também há muito sobre o revisor naquela obra e sobre os objetos
que constituem o epicentro desta nova publicação: é que, quando redigimos aquela, não havia
o plano desta. Portanto, os dois trabalhos são complementares, reconhecemos eventuais
redundâncias e nos penitenciamos por incoerências que o leitor detectar; é muita a alegria por
termos captado mais atenção para esta obra que nós mesmos fomos capazes de avocar. Este
trabalho, como aquele, é um documento longo, compila muitas noções e autores que emulamos,
então haverá alguma colisão – queiram entender a posição mais recente, esta aqui, como a que
melhor representa nossa ideia enquanto este volume vai também ao prelo. Na dinâmica do
conhecimento, somos seguros em afirmar que nossas seguranças são momentâneas, o registro
delas também.
Preâmbulo, palavra escolhida para nomear este tópico, é tomada no sentido literal,
segmento que precede a caminhada. Este livro é resultado impresso do percurso pelo qual temos
evoluído e pelo qual temos exercido o métier de revisores que somos. Mais uma vez, trata-se
de uma obra para revisores ou para quem pretende se tornar revisor. Não é tese, não é manual
de gramática: não nos arriscaríamos a isso, existem em número suficiente e melhores que
seríamos capazes de produzir. Também não é uma obra tratadística ou um compêndio de
linguística aplicada – claro que tangenciamos tudo isso ao tentar a panorâmica que fazemos,
mas não temos a veleidade de dar cabo das questões; apenas passaremos por elas,
aprofundando-nos em alguns pontos sobre os quais a leitura e a reflexão se ampliaram.
Pode parecer que este capítulo mais se configure como um prólogo ou um prefácio,
pelas características de metarerreferência e apresentções introdutórias nele contidas. Não o
negamos, preferimos esta abordagem para atrair mais leituras: estamos bem cientes do hábito
das pessoas em ignorar os prólogos e os prefácios, desconsiderando sua importância. Para evitar
isso, este preâmbulo faz parte do texto, e tem esse nome que, certemante, evitará a fuga de
alguns leitores.
Optamos por não comentar nem ilustrar nas notas de rodapé, o critério sempre foi: se a
informação é pertinente e útil, vai ao corpo do trabalho, se a informação é acessória e paralela,
pode ser suprimida. Também, para benefício do leitor, optamos por expurgar de nossas linhas
as referências nominais a terceiros, exceto em raras ocasiões, limitando-nos estritamente a
remissões a notas sintéticas. Nas notas remissivas, frequentemente acrescentamos a tipificação
da contribuição dos autores, referindo-nos como segmento “adaptado” quando parte das ideias
foi emulada, transformada ou mesmo contrafeita; o mesmo termo aplicamos ainda quando
abstraímos a ideia teórica do cessionário e a aplicamos a nosso objeto. Também haverá
referência a contribuintes a que atribuímos como segmento “inspirado”, caso em que a leitura
nos sugeriu algo, mas não se trata de emulação propriamente. As referências sem comentário
1-3
Nossa opção foi por dar abordagem bem abstrata às questões, inclusive aquelas que
refletem nossa prática. Fizemos isso para maior generalidade. Assim, não cansaremos o leitor
com exaustivos exemplos, preferindo diretamente ir às conclusões que deles auferimos.
Para finalizar este preâmbulo, vamos tornar clara a contribução de Michel Gannam a
esta obra: ele a revisou. Não caberia a nós, nesse contexto, dizer que ele “apenas” a revisou.
Escrevemos algumas centenas de páginas exaltando o papel do revisor e não seria coerente de
nossa parte deixar a referência ao revisor para os créditos da contracapa ou outra posição menos
relevante. Nossa proposição central, neste volume, é o status de coautoria bem qualificada que
tem o revisor na trama polifônica do texto. Cada revisor, em cada texto, tem diferentes graus
de participação, e é necessário que isso fique bem claro, pois é o centro de nossa postulação.
Assim, por coerência, colocamos nosso revisor junto a nós, na capa, onde é de seu direito
estar; fazemo-lo na certeza de que a mediação dele fez este livro melhor, inclusive mais claro
para o leitor.
2 REVISOR PROFISSIONAL
No passion in the world is equal to the passion to alter someone else’s text.
(H.G. Wells)
2.1 EPÍTOME
2.2 O REVISOR
O revisor é o ator principal da revisão profissional, pois ele é tão essencial para o
trabalho de revisão quanto o texto – por mais óbvio que isso possa parecer. O revisor é o foco
desta obra e seu trabalho, a revisão do texto, é a prática e o produto que o define. A natureza do
serviço de revisão, tanto como processamento quanto como resultado, será aventada em função
2-5
O papel do editor era decidir se o manuscrito era bom o suficiente para ser publicado.
Com o passar do tempo, os papéis ideais de autor, editor e revisor começaram a se delinear
melhor. Embora houvesse nova relação entre editores e autores, a edição cuidadosa não
terminou com a mecanização. Após a difusão globalizada do livro impresso, entre os anos 1800
e 1970, deu-se a ascensão de escritores e editores americanos. Um editor em particular,
Maxwell Perkins, foi procurado por escritores como Fitzgerald, Hemingway e Wolfe, porque
ele melhorou muito o trabalho desses autores proeminentes com seu olhar editorial. Perkins era
conhecido por editar, orientar e fazer amizade com seus escritores – mas os tempos estavam
mudando.5
Apesar de sua longa história, a revisão como prática não passou por nenhuma
transformação significativa desde o avento da imprensa até a revolução da editoração eletrônica
nos anos 1980. Esse processo relativamente recente começou como resultado de uma série de
invenções lançadas em meados daquela década e refere-se ao crescimento do uso da tecnologia
no campo da produção e editoração dos escritos. O desenvolvimento do computador Macintosh,
a impressora a laser de mesa da Hewlett-Packard e o software para publicação de desktop
chamado PageMaker permitiram o grande salto na revisão de textos. Ao possibilitar que os
sujeitos e as agências de publicação passassem a fazer, de maneira barata e eficaz, a edição de
composições inteiramente na tela, em vez de manualmente, a revolução das publicações
transformou a edição de originais na prática atual. É também dessa época o TotalWorks, versão
brasileira do AppleWorks. O TotalWorks era um software integrado que possuía processador
de textos, planilha eletrônica e gerenciador de banco de dados, tudo isso para rodar nos
computadores pessoais da linha TK3000, a partir de 1985; o TotalWorks foi o primeiro editor
de textos doméstico realmente funcional e reunia as funções primordiais que hoje encontramos
nos programas do gênero. Atualmente, a maioria dos editores depende dos processadores de
texto, como o pacote Microsoft 365, que são evoluções do PageMaker original, para fazer
melhor seu trabalho.
nacional à sindicalização havia entrado no setor editorial e estava “varrendo” todas as principais
editoras.6
2.3 O PROFISSIONAL
6 (LEAB, 1970).
2-9
outrem antes de ela vir a público. Revisão é atividade complexa, compreendendo ampla gama
de tarefas processadas com base na linguística e por razões comunicacionais ou editoriais.
7 (LEITE, 2014).
8 Adaptado de (LAFLAMME, 2009).
9 (WALLE, 2004).
2-10
Antes da era digital, os revisores marcavam erros e inconsistências com uma caneta
vermelha, usando uma linguagem de marcação de símbolos que eram universalmente
conhecidas. Aqueles sinais até poderiam ser usados na edição digital, o que não faria nenhum
sentido, mas estão em franco desuso. Com mais publicações on-line e menos impressão em
papel, mesmo com a quase completa automatização das gráficas, as cópias impressas já não
conseguem acompanhar a publicação digital. Para o editor, imprimir uma cópia em papel, fazer
edições nela, submetê-la ao revisor e, depois, fazer alterações no arquivo de desktop publishing
(DTP) não é o processo mais eficiente. A posição dos revisores pareceu estar em risco porque
o tempo, cada vez mais escasso, exigiu resultados mais rápidos, com o serviço parcialmente
automatizado pelos softwares que detectam problemas gramaticais. A transferência da
responsabilidade dos revisores humanos para o software digital foi adotada por algumas
editoras, pois estava disponível a custos ínfimos em relação à mão de obra especializada – logo
em seguida, passou a ficar bem claro o equívoco que essa substituição denota, e passou a haver
novamente demanda de revisores, mas eles tiveram outras funções, além daquelas tradicionais.
são necessários para a revisão assistida por computador (RAC) e empenhados nela; ainda com
a assistência dos computadores, também se procede a verificação de dados e a organização de
conteúdo, tarefas que estão além das habilidades do software, e muito mais que isso: a aferição
da comunicabilidade entre emissor e destinatário está tão distante da capacidade dos
computadores quanto a possibilidade de eles assumirem o controle autônomo de nossa
sociedade. Mesmo com o emprego dos programas corretores de gramática e com os autores
podendo editar na tela, os revisores não são vistos como luxo desnecessário em qualquer
publicação séria. O potencial de uma empresa se amplia ao usar software de edição, liberando
o revisor para fazer edições finas e consultas que não seriam possíveis nas antigas gráficas.
Embora as etapas para edição de texto sejam praticamente as mesmas, a execução foi adaptada
para ambientes digitais.
Uma das características da revisão é que ela demanda tempo e pode retardar a
publicação; na verdade, revisão pode ser processo mais lento que a própria redação, nessa nova
dinâmica das palavras. Com a era digital, surgiu a procura e a oferta crescentes por rápida troca
de informações, por publicações urgentes, prementes e instantâneas. As publicações baseadas
na web não têm espaço em seus orçamentos para manter uma equipe razoável para revisar suas
massivas e diárias produções e rotações de conteúdo. Portanto, as publicações de menor
prioridade são publicadas sem revisão; na verdade, muitas vezes, as publicações recebem várias
atualizações e emendas no dia em que são publicadas e nos dias subsequentes; depois, o texto
“morre”, quando o interesse por ele desaparece e a versão publicada fica abandonada, no estado
em que estiver, é uma relação bem diferente dos autores com a palavra e com o público, bem
diversa daquela ligada à palavra impressa.
O texto publicado na web “surge” em resposta a demandas altas por conteúdo produzido
rapidamente – e é instantaneamente dado ao público; a maioria das mídias on-line começaram
a publicar os artigos primeiro e depois editá-los, um processo conhecido como edição posterior
(post-editing). Nós mesmos, revisores que somos, publicamos em nossos blogs material sem a
maturação que aconselharíamos para o texto a ser impresso. Trata-se da mensagem urgente,
mesmo que não haja urgência na informação. A emergência é criada pela mídia, não pelo
conteúdo, a provisoriedade e a constante possibilidade de aperfeiçoamento do que já foi a
público faz do revisor um personagem diferente na rede da edição.
À medida que os textos on-line aumentam sua base de leitores, os revisores se esforçam
para atender da melhor maneira possível o crescimento do consumo digital de informações, e a
2-12
competição pelo leitor se torna acirrada, com a característica de que a demanda é mais suprida
pela urgência da informação que por sua qualidade – principalmente quanto à textualidade; essa
alta concorrência e permanente urgência resultou em diminuição gradual da qualidade da
edição, excluindo a revisão acurada ou verificação de fatos. No entanto, isso não significa que
a internet tenha limitado o escopo das responsabilidades ou das oportunidades de trabalho do
revisor. Um dos avanços mais importantes da era digital é o advento da paginação e edição em
tela, que já mencionamos, dando aos revisores mais controle sobre a construção e as revisões
de conteúdo aliado à maior velocidade de trabalho e mais precisão. Para o profissional do texto,
a internet não fechou portas, não eliminou postos de trabalho; na verdade, ocorreu o contrário,
houve incremento na demanda, e é bem claro que o mercado mudou, pois o volume bruto de
textos produzido e dado a público é incomensuravelmente maior depois da era digital.
2.4 O AUTOR
No sentido que nos afeta, autor é o criador de qualquer obra escrita, como um poema ou
uma monografia, também é mencionado como escritor. Em sentido amplo, é a pessoa que
originou ou deu existência a algo; essa relação entre pessoa e obra, relação de autoria, determina
a responsabilidade pelo que foi criado e os direitos sobre a criação. Em nosso contexto e para
nosso propósito, podemos dizer que o autor é sujeito situado no polo da criação da obra,
enquanto o revisor será o polo de seu aperfeiçoamento. Claro que nenhuma obra fica
simplesmente polarizada entre autor e revisor, há diversos outros sujeitos intervenientes – e
incontáveis precedentes, até que surja a figura do leitor-alvo. Ainda assim, precisamos sempre
estabelecer entre o autor e o revisor os distanciamentos da alteridade (são personas distintas),
da exotopia (situadas em lugares diferentes) e da heterografia (nos sentidos de que é o escrito
do outro e para o outro), e, desse ponto de vista, sim, o revisor e o autor são polos.
Autor é palavra que vem do latim auctor, derivado do verbo augeo (aumentar), é aquele
que cria – mas não significa que ele cria a partir do nada: ele acrescenta, modifica, interfere;
conta o conto, aumentando-lhe um ponto; autor dá causa, princípio ou origem a alguma coisa,
especialmente obra literária, artística ou científica. Autor pode ser persona diferente de
narrador, mas é necessariamente pessoa diferente do revisor e do leitor.
O autor é uma das três entidades do repertório, sendo as outras o narrador e o leitor. O
revisor não é entidade da narrativa, não pode ser e preza não o ser. Autor, revisor e leitor são
2-13
personas do mundo real que têm relações entre si, pelo menos pelas escrituras que os estão a
definir como tais. A história desafia a ideia de que um texto pode ser atribuído a um autor único:
todo escrito tem gênese. Essa gênese faz parte da escritura, também diz sobre ela e integra a
mensagem. “É a língua que fala, não o autor.”10 Segundo esse raciocínio, as palavras e a
linguagem do texto determinam e expõem os significados, e não qualquer dos sujeitos que tenha
responsabilidade material ou legal pelo processo de sua produção. Cada linha escrita é reflexo
de referências de muitas tradições, “o texto é um tecido de citações retiradas dos inúmeros
centros de cultura”; nunca é original. Caberia aqui apontar a antiga distinção que se fazia entre
os verbos criar e “crear”, que não existe mais: “crear é a manifestação da essência [divina] em
forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência”.11 Nesse
contexto da criação, “somente à lembrança do étimo latino em conflito com a consciência da
pronúncia se deve atribuir a vacilação entre creador e criador (falando de Deus), creação e
criação (do mundo), etc., observável ainda em escritores seiscentistas. Dessa incerteza tira
partido o falar hodierno, sobretudo no Brasil, para definir dois conceitos distintos com dois
verbos diferentes: crear (com formas próprias dos verbos em -ear), dar existência, tirar do nada,
e criar, educar, cultivar, promover o desenvolvimento, crescimento ou cultura de coisa
existente”.12 Com isso, a perspectiva do autor é retirada do texto e os limites anteriormente
impostos pela ideia de voz autoral, com sentido último e universal de “creação” são destruídos.
A explicação e o significado da obra não precisariam ser buscados naquele que a produziu,
assim, a psique, a cultura, o fanatismo e a vontade de um autor poderiam ser desconsiderados
quando se lhe interpreta texto, porque as próprias palavras seriam suficientemente ricas, com
todas as tradições da linguagem. Em tese, isso seria o paraíso para o revisor, que teria à mão
toda a informação necessária ao desempenho. Mas expor ou recompor significados no trabalho
escrito sem considerar a celebridade do autor, seus gostos, paixões, vícios é permitir que a
linguagem fale, todavia, calando o autor, despersonalizando-o.
Para nós, todos os autores são escritores, mas nem todos os escritores são autores.
Assim, “uma carta particular pode ter um signatário – ela não tem um autor”. Portanto, um
leitor atribuir o título de autor a qualquer trabalho escrito é atribuir certos padrões ao texto em
relação à ideia funcionalista de autor, segundo a qual o autor existe apenas em função do
trabalho escrito, como parte de sua estrutura, mas não necessariamente parte do processo
interpretativo ou, muito menos, fonte exclusiva. O nome do autor “indica o status do discurso
dentro de uma sociedade e cultura”, podendo ser usado como âncora para a interpretação.13
Boa parte dos autores não possui necessariamente a competência que baste para a
revisão, assim como os poucos que a possuem perdem grande parte dela em relação aos próprios
escritos; de fato, pesquisas futuras podem até mesmo demonstrar que os revisores não são, por
força ou decorrência, excelentes autores. O trabalho de autores e revisores é regido por
demandas de diferentes perfis funcionais, pessoais e gnosiológicos, que podem se sobrepor em
alguns casos, dependendo da tarefa dada ao mediador linguístico. A habilidade de revisão não
é inata, mas decorrente do conjunto de informações e técnicas adquiridas, aprendidas e que
requerem desenvolvimento contínuo e contíguo. Um dos elementos da competência de revisão
é que os revisores interfiram nos textos seguindo princípios específicos, e todos os aspectos de
seu trabalho são permeados pela consciência profissional e embasamento linguístico formal. Os
revisores sabem quais parâmetros considerar e sabem qual método empregar para esse fim. Eles
podem justificar suas decisões, e, como não confiam em seus instintos, podem dar feedback
objetivo e construtivo sobre o texto que revisam.15
2.5 O CLIENTE
No mercado, cliente é toda pessoa física ou jurídica que adquire algum produto ou
serviço para seu consumo. No mercado das palavras, o cliente é o autor ou a empresa com
interesse em contratar serviços linguísticos imediatamente ou no futuro. Ampliando o conceito,
ele pode abranger toda pessoa interveniente no processo editorial, pode-se afirmar que o cliente
de revisão é cada sujeito afetado por ela, desde sua concepção até sua fruição, em nosso caso,
o leitor destinatário. Por importante que seja o contratante, mas não só como retórica para atraí-
13 (FOUCAULT, 1969).
14 (BARTHES e HEATH, 1977).
15 Adaptado de (ROBIN, 2016).
2-15
los e mantê-los, é essencial prover uma estrutura de prestação compatível, identificada com as
necessidades do cliente, pois a cortesia não sustentará por muito tempo serviços sem qualidade.
• editores;
• autores acadêmicos.
De fato, quase todo mundo que produz palavras escritas precisa de revisor. Os clientes
são os consumidores no mercado de revisão; até mesmo os revisores se tornam clientes quando
produzem seus textos e, no limite, quando trabalham em grupo, tornando-se uns clientes dos
outros, reciprocamente – e aqui estamos estendendo o conceito, novamente, aos sujeitos todos
do processo.
“Os consumidores, por definição, incluem todos nós.” John F. Kennedy ofereceu sua
2-16
definição ao Congresso dos Estados Unidos em 15 de março de 1962. Esse discurso se tornou
a base para a criação do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, agora comemorado em 15
de março. Em seu discurso, JFK destacou os direitos dos consumidores, incluindo:
• segurança: ser protegido contra bens e serviços perigosos para a saúde ou a vida;
• ser ouvido: ter certeza de que seus interesses receberão consideração plena e
tratamento justo e expedito para as questões levantadas.
O cliente ideal é uma categoria especulativa com a qual consideraremos diferentes áreas
do projeto editorial, a fim de verificar como o revisor, tradicionalmente agente de
relacionamento unilateral e sempre mal compreendido, assume hoje novas funções. O cliente
ideal é um personagem a que damos identidade. É o cliente como imaginamos que seja, o que
gostaríamos que fosse, mas também o que não se pode e não se quer definir como cliente no
sentido do mercado, não estamos tratando do cliente consumidor, polo passivo da relação: o
cliente da revisão é o cúmplice no crime que o revisor comente em seu escrito e parceiro na
necessidade de atender ao leitor. O cliente ideal está em todos os lugares, em todos os tempos,
sempre disponível e alcançável, onde houver um revisor, pelos mais diversos motivos, haverá
seu cliente para interagir: desde encontrar e solucionar problemas até preencher uma lacuna que
se perceba no texto, atento sempre à necessidade de superar determinada situação. Claro que
esse cliente não existe, por isso ele é ideal.
2-17
O cliente real é visitante frequente em sites de portfólio onde, muitas vezes, o limite
entre autorreferência e autopromoção se torna muito sutil. Basta pensar o fenômeno pelo qual
inúmeros serviços são apresentados na plataforma on-line: mínima e perfeitamente alinhados à
demanda do momento, serviços veladamente falsos, aplicados digitalmente em modelos
perfeitos, a ponto de ser difícil entender se o serviço foi realmente prestado. Nessa situação de
contaminação entre práticas lícitas e ilícitas, o cliente ideal questiona a si mesmo e se torna
indefinido como cliente, mas continuamente redefinido na multiplicidade de relacionamentos;
ele se mantém como cliente ideal, mas não se torna cliente real: esse, sim, que paga honorários.
O cliente real está em seu lugar, onde muito bem pretende permanecer, em seu lugar e
em seu tempo, ele não está sempre disponível e alcançável, onde ou quando revisor precisar
dele, para atender a qualquer demanda, para interagir: será necessário combinar com o cliente
rotinas de interação, etapas de apresentação de serviço e o revisor deve estar preparado para
que o cliente não interaja com a presteza combinada. Esse é o cliente que existe, é esse cliente
que o revisor precisará atender e satisfazer.
O cliente real é o sujeito contratante, aquele cujos anseios o revisor deve atender,
considerando a noção que ele tenha do serviço que lhe será prestado, a cada serviço contratado.
O cliente real também tem identidade em mudança contínua, sua maneira de se comportar e de
questionar os termos da relação com o revisor evolui. Tenhamos em mente que não teremos
clientes ideais – embora possamos continuar a pensar neles, mas serão os clientes reais que nos
contratarão.
2.6 A LÍNGUA
Apesar de a ciência linguística ser relativamente jovem e sua consolidação mal ter
começado, seus efeitos fazem-se sentir cada vez mais e com maior intensidade na língua, trata-
se de evidente contaminação metalinguística em interação francamente reflexiva. Tudo indica
que estamos melhor sabendo como superar o dilema e o paradoxo da dicotomia entre teoria e
prática nos campos da produção escrita e da revisão.
Apesar das muitas análises pessimistas e divergentes que foram feitas até hoje a respeito
da influência da linguística moderna na revisão de textos, alguns lamentando a excessiva
influência e outros lamentando a pouca influência, pode-se dizer que a linguística passou a ter
papel progressivamente mais visível na revisão a partir das duas últimas décadas.
Uma análise acurada dos manuais de revisão recentes, em todas as suas modalidades,
mostrará que, de algum modo, a linguística interacional esteve sempre presente, algumas vezes
mais e outras vezes menos; algumas vezes, bem, outras vezes, mal assimilada. Em geral, houve
e continua havendo certa defasagem na aplicação dos princípios linguísticos mais recentes no
contexto da revisão. Mas tudo leva a crer que nunca o papel da linguística interacional, em
nosso contexto de revisores, se fez notar mais.17
2.7 O TEXTO
Por intermédio do texto escrito, a função até então comunicativa da linguagem alcança
a função generalizante, pela propagação e difusão espacial e temporal da palavra, podendo esse
alastramento ser observado pelas mudanças nas crenças e nos conceitos que acompanharam o
surgimento da cultura escrita, destacando-se a transformação do sistema legal, quando os
tribunais começaram a utilizar como provas os registros escritos, e não os orais, e a mudança
da teologia, quando passou a se centrar no texto, e não na Igreja.20
Nas mudanças pelas quais passou até chegar ao alfabeto, a escrita logográfica, baseada
em símbolo ou grafema único que denota um conceito concreto ou abstrato da realidade,
transforma-se em silábica por empréstimo, a mudança naquilo que a escrita representava refletia
sua adaptação a línguas diferentes daquela para a qual foi criada originalmente. As palavras
deixam de ser emblemas e se diferenciam tanto das coisas como dos nomes das coisas; passam
a ser, por meio da escrita, objeto de definições e tema de reflexão filosófica, oferendo, em
seguida, um modelo para a fala, sem ser dela representação direta, fazendo com que a linguagem
possa ser analisada em seus constituintes sintáticos e que se tome consciência das palavras como
entidades linguísticas. Desse modo, o desenvolvimento do alfabeto, assim como o do silabário,
resultou da aplicação da escrita apropriada para determinada língua a outra para a qual não era
apropriada, o que demonstra a importância dos empréstimos linguísticos para mudar o que a
escrita representava, permitindo-lhe refletir sobre outros aspectos, outros eventos.
Nenhum sujeito age passivamente nos confrontos comunicacionais, uma vez que, por
meio da escrita, ele tanto pode subjugar quanto ser subjugado, pode dominar ou ser dominado,
como também libertar ou ser libertado, confrontar ou ser confrontado, não devendo, portanto,
haver atitude ingênua diante de seus próprios dizeres e dos já ditos por outros no ato de escrever,
conforme veremos a seguir na trajetória histórica, na instauração da cultura da escrita e nas
abordagens e pesquisas que tomam a escrita e o texto escrito como objeto de estudo.
Uma vez que a escrita como meio de comunicação – a imprensa – e a competência por
ela exigida – a cultura escrita – desempenharam papel fundamental no surgimento da ciência
moderna, pois permitiram estabelecer a diferenciação entre o dado e o interpretado, fixou-se o
registro escrito como o dado pelo qual as interpretações podiam ser comparadas.
A cultura escrita foi responsável pela nova compreensão da distinção conceitual entre o
dado, encontrado nos textos ou na natureza, e as percepções e interpretações subjetivas do leitor,
tornando-se tal distinção, segundo cada autor, fundamental para o surgimento da ciência
moderna, uma vez que as mudanças culturais estão associadas às alterações psicológicas, às
formas alteradas de representação e às formas de consciência.
Nesse sentido, ao avançar em sua evolução, a escrita dos primeiros textos literários em
cuneiforme refletia de modo claro o conhecimento linguístico do escrevente e permitia ao leitor
inferir na linguagem utilizada, a introdução de signos representando as palavras, e não as coisas
ou objetos, como ocorria nas tabuinhas.
Além disso, a escrita alfabética continua impondo dois equívocos: um leva à ideia de
que o sentido que cada leitor vê no texto está efetivamente presente nele e inteiramente
determinado pelas palavras usadas; e outro, inversamente, que qualquer outra interpretação do
mesmo texto é considerada produto da ignorância ou da insensibilidade do leitor, o que implica
uma concepção exageradamente simplificada do que significa ler, correspondendo tal ato
apenas à decodificação do texto, ou à construção de determinado sentido.
Não se pode negar que, de perspectiva mais geral, por meio da institucionalização e das
várias formas de tecnologia da escrita, e por meio da cultura escrita, grupos mais amplos de
pessoas tiveram acesso a diversos saberes. Um dos maiores problemas para que a cultura escrita
seja compreendida é a incapacidade de se especificar quais de suas propriedades são
independentes do registro gráfico.
2.8 O MEDIADOR
Pelo caráter dialógico e polifônico de qualquer produção textual, toda palavra tem, no
mínimo, duas faces, uma determinada pelo fato de que procede de alguém, outra pelo fato de
que será recebida por outrem, produto da interação do locutor e do ouvinte, do autor e do leitor,
ou, no nosso contexto, entre clientes, tradutor e revisor. Nosso papel, como revisores, é um
pouco o de “ouvintes” ao interpretar as instruções que nos são fornecidas e tornamo-nos
imediatamente agentes de produção textual, portanto, também “locutores”, no sentido em que
contribuímos na gênese de novos escritos. Nesse processo de trocas de informações, o revisor
assume o papel de mediador, terá que respeitar as intenções comunicativas dos clientes e manter
presente que o documento revisado terá um destinatário final, um público-alvo, sobre o qual o
revisor nem sempre recebe muitas informações, mas que deverá ter seu perfil delineado como
hipótese de trabalho.
editoras; como empregado, terá projetos bem distintos em que atuar. Em qualquer desses
contextos, o revisor é prestador de serviços e, como em todas as relações de natureza comercial,
um de seus principais objetivos deve ser a fidelização dos clientes, satisfazendo-lhes as
exigências para garantir a manutenção da clientela, da atividade e, claro, dos rendimentos. É
igualmente verdade que, quanto mais diálogo e cooperação, compreensíveis como processo de
mediação, existir entre os diversos parceiros do circuito em causa, maior qualidade terá
certamente o produto da revisão.21
2.9 O EDITOR
O termo editor é usado para denominar o profissional que concebe uma obra segundo
padrões literários e gráficos, para divulgação e comercialização; esse conceito de editor
restringe-se à acepção da palavra editor em língua inglesa, que é o encarregado de organizar,
selecionar, normatizar, revisar e supervisar os originais dos textos. Na língua inglesa, existe
distinção entre editor e publisher que não há em português, pelo menos no aspecto semântico.
Dar à luz uma obra, publicar, apresentando um texto claro e coerente, normatizado conforme
os critérios estabelecidos pela editora, é responsabilidade do editor. Já o publisher é aquele que
“torna público”; por isso, relaciona-se à atividade livreira no século XVII; já no XVIII, o termo
passou a ser adotado para denominar o proprietário dos direitos autorais que financiava e
organizava a publicação.
Hoje, o publisher é o responsável pelo livro em toda sua trajetória, incluindo aspectos
materiais e intelectuais. É ele quem responde pelos livros da editora, não só com os recursos
materiais, mas assumindo, em especial, responsabilidades no plano político, moral, intelectual
e jurídico. Entre nós, é o editor mesmo que tem essas funções do processo editorial, pois ele
acompanha tanto o processo intelectual da edição como as atividades profissionais cognatas,
inclusive a revisão; nesse papel, muitas vezes o editor é o superior, senão o patrão, de revisores,
tradutores, designers. Em muitos casos, o editor é o proprietário da empresa.22
Houaiss afirma que o editor de texto era o que historicamente se intitula revisor, parece
que o revisor, ao longo da história do livro, era quem acompanhava o processo de preparação
de originais, responsabilizando-se também pelas condições formais dos textos até a impressão
da obra. O revisor não se detinha, como a algum tempo, na correção das provas (para identificar
e eliminar problemas no texto impresso) e no zelo pela disposição gráfica, pela composição das
páginas.23 Os papéis vão se transformando, com o tempo, e com as circunstâncias; as definições
e os limites são imprecisos mesmo e não nos cabe tentar inventar limites que não existem.
2.10 A ÉTICA
Muitas das regras e princípios éticos aplicáveis aos revisores são igualmente aplicáveis
aos tradutores, editores e demais profissionais que lidam com documentos alheios. A diferença
é que o revisor vai considerar a pessoa do autor, além de outras pessoas que estejam envolvidas
no processo de revisão – e ainda considerar firmemente as consequências do texto sobre o leitor
ou mesmo em relação à sociedade. Em cada interferência que o revisor faz, ele levará em conta
as necessidades e os requisitos do autor do editor e do leitor-alvo. Muitas dessas considerações
são também pertinentes no caso da reescrita, procedimento intrinsecamente autoral, na qual os
compromissos morais consigo mesmo e a motivação para o comportamento ético é autogerada,
mas subsiste a universal responsabilidade para com o leitor, além do respeito às fontes e do
compromisso com a verdade – onde couber, efeitos da mensagem, imagem – do autor ou de
pessoas e instituições afetadas; nesses três aspectos, pode haver corresponsabilidade do revisor.
Ficam alinhadas, então, algumas diretrizes éticas do revisor para com a sociedade,
subsidiariamente àqueles deveres do autor.
Do ponto de vista dos deveres éticos para com o texto, o revisor só deve interferir onde
houver necessidade de marcação. A revisão não é um exercício de desperdiçar tempo e esforços
com interferências facultativas, improdutivas ou inadequadas no original. Não é ético fazer
interferências estilísticas injustificadas, bem como omitir mudanças justificadas, para
desacreditar ou creditar indevidamente o autor ou quem quer que seja. Ainda assim, do ponto
de vista psicológico, os revisores podem tender a introduzir mudanças apenas para mostrar que
fazem seu trabalho, pois pode parecer que não revisaram um texto em que não foram feitas
correções em número suficiente. Existe ponderável parcela de subjetividade na revisão, e o
juízo ético é um dos balizadores dessa subjetividade, ela pode ser remediada, baseando-se em
critérios técnicos linguísticos, estilísticos e pragmáticos subsidiariamente aos princípios éticos.
É amplamente reconhecido que não existe solução única ou definitiva para o problema
23 (HOUAISS, 1967).
2-29
Os compromissos éticos para com os textos e os detentores dos direitos sobre eles ainda
são mais graves quando seu conteúdo tenha implicações financeiras, sugira risco à saúde ou
segurança de terceiros. A primeira lealdade do revisor não é nem para o escritor nem para o
leitor, mas para a verdade e a sociedade. O revisor não pode aceitar revisar ou dar sequência a
um documento que possa produzir efeitos sociais claramente negativos, ou que incentive, por
exemplo, a prática de crimes. Tais problemas podem surgir no escrito, inclusive
inadvertidamente, e devem ser objeto da consideração ética e moral do revisor. Não cabe tolerar
absurdos inadvertidos ou conscientes no documento simplesmente porque o cliente pediu
“apenas” uma revisão, ou porque se quer “só” ganhar algum dinheiro… Alguns podem
argumentar que a escrita contraditória, ou na qual se projetem resultados sociais negativos, deva
ser revisada em alguns casos, para deixar claro ao autor o problema. Mas essa não é uma função
inerente ao revisor: não cabe ao revisor patrulhar os textos, muito menos no sentido policialesco
ou censório.
Por questão de ética, o revisor não deve, em caso nenhum, distorcer intencionalmente o
significado do texto. Mesmo se o conteúdo possa produzir danos de algum tipo, não cabe ao
revisor reverter a possibilidade. Cabe alertar o autor, ou mesmo às autoridades públicas, se
couber, mas não tem sentido tentar mudar os riscos fazendo-se intervenções nos textos, exceto
se o problema advier de um lapso ou omissão do autor. Também cabe ao revisor guardar sigilo
sobre o documento revisado, não dando a público nenhuma versão ou segmento do escrito: do
original ao produto revisado, passando por todas as fases do trabalho. Não cabe, em hipótese
alguma, divulgar e alardear problemas ou erros cometidos pelo autor, até porque não existe erro
no escrito que não foi à luz ou prelo: enquanto não houver o imprimátur, o original permanece
com status de rascunho e o autor está certo até considerar a manifestação do revisor, e será livre
para se assentar em sua posição primitiva, caso desconsidere a sugestão do revisor.
Além disso, todo profissional deve conhecer seus limites, sejam eles temporais ou
intelectuais. Não é certo aceitar um trabalho que não se pode fazer bem porque o conhecimento
não é suficiente, a competência linguística é limitada ou inexiste o tempo para cumprir o prazo
estipulado. Cabe recusar a tarefa que não ser possa concluir, ou haverá consequências a
enfrentar (reação contrária do cliente, autor ou editor, danos à imagem profissional, devolução
de arras…), é o que o revisor deve fazer. Por fim, o revisor não deve prometer perfeição (isso
realmente não existe) e deve sempre admitir sua culpa na omissão, quando a percebe ou tem a
falha apontada, assim como quando não resolver um problema, por qualquer motivo.
3-31
3 PERFIL DO REVISOR
3.1 EPÍTOME
1. A revisão completa consiste em observar todos os problemas para revisar tal texto não são
os mais diversos aspectos da textualidade e fazer apenas de caráter puramente léxico ou sintático.
as requeridas interferências – na verdade, não 7. A maioria dos novos problemas introduzidos no
vemos sentido em outro tipo de revisão. texto pelo processo de revisão são causados por
2. Na proposição da análise componente, o mudanças desnecessárias e injustificáveis pelo
procedimento de revisão mais “preciso” exclui a revisor.
cultura e destaca a mensagem, entretanto isso é 8. Gestos e hábitos são frequentemente descritos
uma balela: com o conceito de cultura com que o em linguagem não verbal, mas podem constituir
revisor trabalha, segundo nosso entendimento, intercorrência em escritos submetidos à revisão,
isso não se aplica; a importância do processo de tanto se apresentem explícita quanto
revisão na comunicação inviabiliza esse implicitamente.
procedimento.
9. A adequação cultural da mensagem, preserva a
3. Os diversos parâmetros funcionais que a revisão intenção formal do autor, a forma e o conteúdo
da literatura sobre o trabalho dos revisores são mantidos o mais fiel possível à intenção
profissionais identificou são o contrato comunicativa (e cultural) do autor, e o leitor será
(mandado, ordem de serviço) de revisão, o capaz de entender o máximo que puder do que o
documento a ser revisado, o ambiente (social, autor pretendia transmitir.
cultural, físico) do trabalho do revisor e mesmo
do autor. 10. A compreensão da cognição em relação à revisão
ainda é incipiente, pretendemos apenas
4. Importa considerar não apenas a cultura expressa apresentar algumas características cognitivas do
no original, mas também o impacto da mensagem revisor.
pretendida pelo autor do documento original,
quando ele já estiver revisado, sobre o leitor; 11. Diversos estudos da revisão nos contextos da
portanto, não se trata de neutralizar a tradutologia e do letramento, bem como alguns
transferência cultural, como se isso fosse teóricos da revisão de textos propriamente,
possível ou desejável. enfocam a relação entre a atividade do revisor e
a memória de trabalho, destacando, em especial,
5. A revisão pode levar mais tempo se o assunto não o custo do processamento decorrente dos
for de interesse do revisor – mas o contrário problemas a serem corrigidos.
também ocorre: um revisor pode trabalhar um
pouco mais rápido e talvez fazer um pouco 12. Ao considerar as implicações culturais para a
menos interferências no documento pelo qual revisão, deve-se considerar o quanto o revisor
não tenha simpatia. explica ou completa tais lacunas de informações;
com base nas conclusões alcançadas sobre o
6. Mesmo em se tratando de texto destinado a “um leitor ideal.
leitor educado e de classe média”, com
conhecimento dos aspectos culturais implicados,
3-32
O revisor deve ter senso de comunicação e mente aberta, bem como ser excelente leitor
e ouvinte, paciente e seguro. Cabe indicar uma lista inicial das qualificações e qualidades que
se esperam encontrar no revisor:
➢ conhecimento dos códigos da língua, incluindo “detalhes” que não são ensinados
na escola;
➢ capacidade crítica guiada pelo bom senso e por base teórica sólida;
revisado (texto ou autor), assim como seus contatos e contratos, com sua hierarquia e com todos
os outros agentes no processo editorial.
O revisor deve aprender a olhar para o texto de forma diferente daquela do autor, porque
seu papel não é produzir, apesar de sua intercessão no produto. Em outras palavras, ele deve se
perguntar não o que se pode mudar, mas o que precisa ser mudado; portanto, é necessário que
o revisor possa justificar as interferências propostas; cabe a ele saber ver o documento do ponto
de vista do leitor-alvo, deve ter sido treinado a se concentrar em estruturas textuais mais amplas.
O autor trabalha com pequenas unidades de texto, redige parágrafo por parágrafo – ainda que
exista um plano geral da obra, o escritor é focado em palavras ou frases e progride por elas em
seu desempenho. O revisor, por outro lado, não deve se limitar a retrabalhar nas mesmas
unidades. Seu papel é verificar a coesão entre sentenças, a coerência do argumento, as
convenções de gênero, a homogeneidade do tom.
Já que ninguém nasce revisor, nossas mãos não são guiadas por algum conhecimento
místico que sentimos nos ossos enquanto checamos textos alheios. As habilidades necessárias
para a revisão podem ser adquiridas por revisores praticantes enquanto trabalham, mas essas
habilidades também podem ser aprendidas no treinamento prático organizado. Os revisores
possuem competências específicas: conhecimentos linguísticos e extralinguísticos necessários
para a redação, estão perfeitamente cientes das expectativas da indústria do livro e das
ferramentas tecnológicas que auxiliam na revisão, habilidades psicofisiológicas e cognitivas
necessárias e essenciais à profissão, bem como estão aptos à transferência de competências
estratégicas.26 Revisores reparam omissões, excluem adições desnecessárias e corrigem erros
que violam as normas e a linguagem do gênero. Entretanto, além de evitar problemas, eles
também se esforçam para melhorar o texto.27 Eles frequentemente precisam dar sua opinião
sobre tradução e avaliar o trabalho do tradutor.28
26 (PACTE, 2003)
27 (MOSSOP, 2014).
28 Adaptado de (ROBIN, 2016).
3-35
Essas habilidades do revisor também podem ser úteis para tradutores quando, após
terminar seu trabalho, eles realizam a autorrevisão. Afirma-se que não exista algo como
competência “puramente” de revisão e que as competências de revisão e de textualização são
categorias sobrepostas.29 Durante o processo de redação, a utilização das competências
individuais depende da tarefa de mediadores cognitivos; se os intercessores realizam tarefas de
redação, autorrevisão ou revisão em cada momento, vale a pena fazer da troca entre as
competências uma ação consciente, porque essa é a única maneira de mudar do pensamento
microtextual (palavras, frases) para uma abordagem global, macrotextual.30
Uma vez que a tarefa principal dos revisores seja afastar as eventuais interpretações
equivocadas dos leitores, erros gramaticais, em geral, são considerados falhas graves, e nenhum
problema notório pode subsistir no texto revisado. Portanto, os revisores precisam fazer todas
as correções necessárias imediatamente após identificados os problemas, pois essa é a única
maneira de alcançar o efeito máximo e o mínimo de omissões. Os revisores não só precisam
indicar erros, como também precisam fornecer a alternativa correta, porque não se costuma
verificar o documento depois de terminar de trabalhar nele – e isso se refere à maioria dos
autores. É aconselhável, no entanto, que os revisores só façam intervenções quando estejam
confiantes de que sua decisão está exata. Na dúvida, eles devem consultar a literatura mais
recente sobre o uso da linguagem, recorrer a outros linguistas profissionais, ou podem discutir
o assunto com o autor, a fim de encontrar a solução ideal. Durante a revisão, os revisores devem
se esforçar por obter máxima consistência textual: ao decidirem interferir (excluir, substituir,
adicionar, corrigir, inverter) no escrito, eles devem fazê-lo uniformemente ao longo de todo o
texto.
Os revisores também precisam estar cientes do fato de que a maioria dos novos
problemas introduzidos no texto pelo processo de revisão são causados por mudanças
desnecessárias e injustificáveis pelo revisor. Todos os revisores são propensos a fazer
hiperrevisão. Esse fenômeno é característica universal da revisão e é ainda mais notável em
revisores em princípio de carreira. As alterações são consideradas desnecessárias quando não
tornam o documento revisado mais correto ou preciso, mais claro, mais bem ajustado ao gênero
ou mais bem submetido ao cânone requerido – em comparação com o original – assim como
quando não melhoram a legibilidade para o público-alvo.33 Tais ações excessivas de intervenção
são simplesmente perda de tempo e frustram os autores, o que não fomenta exatamente a
cooperação profissional. Se os revisores buscam fazer as mínimas alterações possíveis, eles
devem apenas fazer interferências que sejam necessárias e justificáveis, ou sugestões nos casos
em que convenha deixar ao autor a decisão de estilo ou de sentido. Vale sempre ter em mente
o propósito da revisão, pois, com base nisso, os revisores podem decidir o que conta como
interferência necessária e em quais parâmetros focar durante seu trabalho.
Além de saber exatamente qual é o propósito comunicativo do texto revisado, quais são
as expectativas do cliente e dos destinatários e, consequentemente, o que levar em consideração
durante a revisão, os revisores acham benéfico se puderem seguir etapas baseadas em um
34 (MOSSOP, 2014).
35 Adaptado de (ROBIN, 2016).
3-38
36 (MOSSOP, 2014).
37 Adaptado de (ROBIN, 2016).
3-39
Dito isso, os revisores são capazes de admitir seus próprios erros, como já
mencionamos, a fim de garantir que o resultado do processo de revisão tenha excelente
qualidade. Depois de descrever as virtudes, as habilidades e as tarefas dos revisores, suas falhas
e possíveis erros também precisam ser mencionados. Evidentemente, a revisão não serve a sua
finalidade pretendida, se, como resultado das correções, o texto revisado for impreciso em
relação a seu conteúdo ou se estiver estilística e gramaticalmente incorreto, se houver desvio
do sentido do original ou do pretendido pelo autor e ainda se ele estiver difícil de processar para
o destinatário. Isso pode acontecer caso os revisores não corrigirem os erros gramaticais, não
fizerem a aferição estilística necessária ou adicionarem mais problemas no que diz respeito ao
conteúdo e à formatação do documento. A revisão também não serve a sua finalidade se os
revisores modificarem o escrito, em vez de verificá-lo e corrigi-lo como devem, se fazem
3-40
trabalhos desnecessários e perdem tempo e energia além da conta.38 Isso geralmente acontece
com os revisores que não sabem bem qual é sua tarefa. Os revisores também podem ser
responsabilizados se não seguirem as diretrizes estipuladas para sua atribuição, se perderem o
prazo ou se dificultarem a cooperação entre os participantes do processo de produção do texto.
Agora vamos considerar a memória como caraterística necessária ao revisor por muitos
motivos, alguns até bem óbvios. Em tese, é desejável que os revisores sejam dotados de boa
memória, aqui tomada a expressão “boa memória” em seu sentido mais corriqueiro. Do ponto
de vista mais técnico, aventou-se a exigência de memória de longa duração e de memória de
trabalho agudas como características necessárias ao revisor. Somos levados a crer que esse mito
se instaurou porque, de modo geral, as pessoas identificam nos revisores pesada bagagem de
informações, em função das múltiplas leituras que fazem parte da vida dos profissionais do
texto. A relação que se estabelece é que, já que revisores experientes têm muita informação,
tanto do ponto de vista das normas, regras e grafias quanto da cultura enciclopédica cotidiana,
e essas informações são armazenadas e processadas pelas memórias, logo a memória (ou
3-43
A memória de longa duração está conexa, no que toca ao revisor, a sua capacidade de
relacionar informações referentes ao texto interna ou externamente, à busca de coerência, por
exemplo; e a memória de curta duração, de trabalho, atenta a problemas de pontuação, para
apresentar dois elementos arquetípicos.
contrário da memória de longa duração, que requer mais elementos subjetivos e cuja avaliação
é bem mais difícil.
formação acadêmica estrita. O revisor erudito foi orientado a pensar crítica e logicamente; por
outro lado, ele tem vasta e profunda familiaridade em assuntos gerais e, normalmente, alto grau
de conhecimento e informação alcançado em diversos campos, derivado de intensas leituras
sobre os mais diversos assuntos.
A motivação é uma das características a serem observadas no revisor, mas ela pode ser
inconsistente com o processo de revisão. A motivação está principalmente relacionada a três
fatores: as motivações casuais, em função, por exemplo, da matéria de que trata o texto; o
ambiente de trabalho; e a remuneração percebida. As características motivacionais do revisor
em função dos dois últimos fatores se acumulam em relação às experiências prévias e à
atividade atual, construindo frustrações ou prevalências que se refletem em seu exercício,
conquanto ele não as consiga sublimar. As motivações relacionadas ao tema da escritura
refletem imediatamente sobre o trabalho em curso: a revisão pode levar mais tempo se o assunto
não for de interesse do revisor – mas o contrário também ocorre: um revisor pode trabalhar um
pouco mais rápido e talvez fazer um pouco menos interferências no documento pelo qual não
tenha simpatia, ou mesmo pode interferir mais, até inconscientemente. Por outro lado, o revisor
pode se sentir mais motivado, ou menos, segundo a remuneração que vai receber, e mesmo por
algum elogio ou crítica recebida por seu trabalho. Além de inconsistente, a motivação pode ser
inconsciente: nem sempre o revisor se dá conta da influência desses fatores para poder controlar
sua interferência no trabalho, controle que seria altamente desejável.
Além disso, como todos, os revisores têm dias bons e ruins, sua motivação pode variar
de acordo com o humor cotidiano. Em dia menos motivado a fazer seu trabalho, o revisor pode
não detectar problemas que ele normalmente aponta ou deixar pendente a solução de dado
3-47
problema. De alguns modos, a motivação está tanto ligada a aspectos de base volitiva quanto
emotiva.
do revisor subsiste, mas não deve transparecer no texto revisado, pois são características de
bases emotiva e volitiva.
Além disso, a memória dos detalhes é uma aptidão que o revisor deve possuir, uma vez
que facilita a detecção de problemas “pequenos”, incluindo aqueles relacionados à digitação e
inconsistência em um documento. Também reduz o tempo de revisão, pois promove o
desenvolvimento de automatismos e, às vezes, também vincula as pesquisas, o revisor sabendo
exatamente a qual fonte recorrer de acordo com os elementos problemáticos detectados.
Quer o texto a ser revisado seja particular, para uma instituição ou para uma editora, e
tenha muitos problemas recorrentes – porque o autor tem domínio insatisfatório da linguagem
ou comunicação deficitária, ou não se preocupou em consultar dicionários e outras referências
– paciência é um bom trunfo. O revisor deve lembrar que melhorar os textos faz parte de seu
trabalho e justifica sua presença; ele não precisa ficar com raiva de cada autor desajeitado ou
canhestro.44
Um dos bem conhecidos perigos de não submeter cada texto à revisão completa por um
revisor sênior é que, subconscientemente (e às vezes conscientemente), os juniores não
assumem a responsabilidade pelo seu próprio trabalho. Eles pensam algo como: “Eu não estou
realmente certo sobre esta passagem, mas não importa, porque o meu supervisor vai olhar para
ela.” Não há nada de errado com as marcações de um revisor júnior em passagens ainda tidas
como incertas, apesar das pesquisas já feitas; o problema surge quando aqueles esforços iniciais
se tornam intervenções resolutivas quando não deveriam passar de apontamentos para
discussão.
3-50
Outro problema surge quando os juniores não sabem qual dos vários revisores vai
acompanhar seu trabalho, mas sabe que cada revisor tem certas preferências. O resultado pode
ser um certo desespero sobre o rumo a tomar.
de muitos revisores (inclusive alguns reputados) que são autodidatas em linguística ou que
transferiram às letras a sólida formação em outras áreas de formação, para revisarem – quase
sempre estritamente – textos de tópica afeta àquela formação original.
à questão que estamos levantando. Não obstante, é importante notar que, embora a compilação
do número e espécie de alterações informe a presença da mediação – elementos encontráveis
nos já mencionados estudos em relação ao letramento – tais dados não fornecem informações
sobre a relação entre essa intervenção e a quantidade ou qualidade das interferências de que o
texto precisaria. Ainda assim, em estudos em que os sujeitos deveriam revisar um documento
heterógrafo, as alterações feitas foram examinadas sem considerar todos os problemas
apresentados pelos originais a serem revisados. A principal dificuldade que tal questão levanta
seria esclarecer a origem das diferenças observadas, a natureza das omissões e a validade das
interferências propostas não ter sido relativizada em relação à complexidade da escritura. São
muitos os problemas metodológicos dos estudos empíricos e ainda bem precárias as análises de
seu conjunto. Em geral, os indícios apontam que a maior profundidade na revisão dos revisores
experientes é alcançada pelos processos de revisão por etapas, trata-se da aplicação de um
método muito mais que a de expansão da base cognitiva. Pode-se, ainda, inferir que os revisores
experientes revisam mais a estrutura profunda dos textos, porque é aí que a maioria dos
problemas são encontrados nos textos propostos a eles.45
O eixo de operações também é interessante (iii); de fato, os sujeitos dos dois grupos
utilizam em proporções diferentes cada operação para interferir em problemas de mesmo jaez.
Os revisores experientes se distinguem quanto ao modelo de operações, diferente do padrão dos
iniciantes, em cada aspecto: operações superficiais, privilegiando problemas ortográficos;
substituição, interferências em problemas léxicos com preservação de significado; adição de
palavras, para saneamento de problemas de microestrutura. As operações superficiais são as
que os iniciantes mais usam, mas essa assimetria no uso das várias operações não é homogênea
em textos de diferentes qualidades. Revisores experientes também usam interferências de
superfície com frequência em textos não tão bons. Mais uma vez, o conceito de adequação
(desta vez, o das operações) corresponde melhor às intervenções propostas pelos revisores
experientes: a operação superficial é, sem dúvida, a mais eficaz – produz o efeito desejado ao
mobilizar o mínimo de recursos – para corrigir problemas superficiais enquanto altera pouca
ou nenhuma macroestrutura. É o mesmo para operações de substituição e adição em relação à
preservação do sentido e microestrutura, respectivamente.
exemplo. O conhecimento fundamental desses saberes também está bem expresso no modelo
de revisão tradicional, associado aos diversos processos cognitivos, na forma de metas,
critérios, representação de problemas, estratégias de resolução.46 As dificuldades podem surgir
da falta de tal conhecimento ou do custo da organização hierárquica e da utilização no
pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios para recuperar ou aplicar esse saber. Na
distinção entre revisores experientes e iniciantes, é fundamental considerar a experiência
adquirida sobre o conhecimento específico da tarefa (aqui: gramática, retórica, discurso).
Ainda por essa rota, uma aproximação pode ser feita entre, por um lado, a possibilidade
de se distinguirem revisores experientes e iniciantes usando o critério da profundidade da
revisão e, por outro, a consideração, por parte do especialistas, da revisão como conjunto
distinto e notável de processos, cada um dos quais, a seu tempo, ligado a uma intervenção
pontual específica de cada vez. Essa observação parece corresponder bastante à noção de
profundidade da revisão em relação à preservação do sentido. Assim, seríamos levados a
considerar não mais a revisão, mas as revisões, distinguidas de acordo com sua profundidade e
definidas por camadas correspondentes às fases (primária, secundária… final) que propomos.47
Seja qual for o conceito de revisão adotado, ele desempenha papel na abordagem do
revisor em seu trabalho. De fato, mesmo que os mandados acordados não digam que revisão
deva ser feita e representem o ponto de partida para a tarefa dos revisores, a concepção que o
profissional tem da revisão o leva, às vezes, a fazer mais.49 Assim, pode-se dizer que a atividade
dos revisores também reflete, em certa medida, seu entendimento da revisão, trata-se de
influência reflexiva entre as práticas e a percepção teórica da atividade.
transitando pelas sendas das metonímias, construímos ideias e as apresentamos por analogia;
nessa proposta, estamos apontando as “funções superiores” – por oposição à tarefa da correção
do documento – e indicando as características desejáveis ou indesejáveis no revisor e aquelas
que pretenderemos infundir em nossos aprendizes.
bases do
domínio
semântico da
GDF
Devido à diversidade de áreas cobertas pelo trabalho de revisão, o revisor é tido quase
como que um banco de documentação universal, com conhecimentos gerais sobre o mundo e
as coisas, muitas vezes variando de acordo com os interesses do interlocutor (conhecimentos
de geografia, aviação, arte, química, biologia, zoologia). Não obstante, o revisor desenvolve
também a capacidade de esquecer o conteúdo dos documentos já revisados, exceto pela noção
superficial e genérica apreendida – o que contribui para a sanidade mental de cada profissional.
No caso dos revisores de textos acadêmicos, quando o assunto do objeto de trabalho lhe é
familiar, o profissional é mais propenso a sugerir ou adicionar informações e esclarecimentos.
Pelo contrário, quando ele não domina o tema do escrito, ele pode deixar passar alguns
pequenos problemas ou enviar um comentário aos autores questionando clareza ou exatidão de
dados.
A base emotiva do domínio semântico do revisor deve ser capaz de fazê-lo contornar
processos mentais que podem ser considerados estratégia argumentativa eficaz, mas constituem
falácia ligada ao “apelo a emoções” ou argumentum ad populum, argumentação baseada na
capacidade persuasiva do protagonista da narração ou do autor, como sujeito dos processos
mentais, de despertar emoções no público-alvo. Esse tipo de argumento é entendido como
tentativa de convencimento com base emotiva, só cabendo em textos estéticos ou em francas
apologias, com plena consciência do controle que se deve ter sobre tais ferramentas.53
físicas ou biológicas, ainda assim, não é possível reduzir propriedades do domínio semântico
sob tais subsunções.54
54 (OLIVEIRA, 2015).
3-60
O texto é a razão de ser da revisão porque, sem ele, o profissional não tem tarefa para
realizar. Contextualmente, o texto é o objeto da revisão. O escrito é o objeto de trabalho e ele
mesmo influencia o desempenho do revisor, ele é visto como um componente em seu próprio
direito e não como parte do ambiente de tarefas. O texto é o paciente que recebe a ação, mas
não é paciente passivo, uma vez que ele também age sobre o revisor. Nesse sentido, concluímos
que a revisão seja um processo reflexivo entre escritura e revisor.
O ambiente social é o contexto que pode compreender o autor do texto a ser revisado,
outros colegas editores, editor-chefe ou gerente de projeto, ilustrador, designer, ou o superior
hierárquico – esse ambiente inclui até o pessoal da limpeza. Sua influência na tarefa de revisão
é variada: positiva ou negativa – até mesmo neutra. Alguns revisores consultam colegas para
obter suas opiniões sobre pontos específicos em um documento e como lidar com eles. Outros
profissionais fazem perguntas ao autor, diretamente ou por escrito na versão de trabalho, a fim
de esclarecer certas declarações ou ideias encontradas; ainda outros, às vezes, fazem mudanças
para facilitar o trabalho do designer gráfico na sequência do serviço. Essas são apenas algumas
das interações socioambientais.
O revisor lotado em agência de serviços textuais, de regra, não faz contato com os
destinatários do documento que está editando, ao contrário do editor que pode ter, por exemplo,
contato com um professor que escreva um livro didático para estudantes. O revisor precisa saber
quem são os destinatários para adaptar adequadamente o texto, mas, a menos que haja exceções,
revisores de agências não precisam interagir com os autores e raramente teriam como fazê-lo.
Os revisores que trabalham em casa têm que saber lidar com as pessoas e situações do
ambiente doméstico e com as circunstâncias do cotidiano que podem vir a constituir desvios de
sua atenção, com reflexos na qualidade do trabalho. Cônjuge, filhos, animais de estimação,
entregas, vizinhos e até mesmo a TV podem ser fontes de ruído a ser sublimado, se não puder
ser controlado. Inclusive, por último, até mesmo a solidão pode vir a ser componente do
ambiente social, pela supressão das interações.
proximidades pode haver uma janela propiciando iluminação natural, ou pode ser necessária a
luz artificial. Os instrumentos de revisão (papéis, lápis, computador, obras de referência)
também são elementos do ambiente físico do revisor. Alguns acrescentam objetos decorativos
e de conforto, como quadros, cafeteira, bebedouro, geladeira. Esses recursos materiais
suplementares podem ser de grande ajuda para o revisor quando ele trabalha – e não podem
constituir motivo para desvio de atenção. Aliás, há quem consiga ou prefira revisar na cama,
com um laptop ao colo, com a TV ligada e o cachorro latindo… Mais? Quem revisa em casa
também pode estar sobre efeito de álcool ou outras substâncias – com evidentes reflexos sobre
a produção que deverão ser mitigados.
As implicações culturais para a revisão e, portanto, para o revisor podem tomar várias
formas que vão desde conteúdo léxico e sintaxe, até ideologias e modos de vida em determinada
cultura, tanto em relação a si mesma quanto em eventuais intercursos com outros grupos
culturais. O revisor também deverá decidir sobre a importância dada a diversos aspectos
socioculturais, inclusive quanto à adequação do idioleto ao registro e ao gênero, e considerar
sobre até que ponto é necessário ou desejável adaptá-los no texto revisado. Os objetivos do
original também terão implicações para a revisão, bem como o leitor pretendido tanto para o
original quanto para o documento revisado.
Posto que nenhuma língua pode existir, a menos que esteja mergulhada no contexto da
cultura, e nenhuma cultura pode existir que não tenha em seu centro a estrutura da linguagem
natural, a importância dessa dupla consideração, ao revisar, baseia-se no fato de que a
linguagem é o coração dentro do corpo da cultura; portanto, o revisor deve se direcionar para a
preservação de ambos os aspectos interdependentes: língua e cultura – considerando-os como
mutuamente intervenientes. Noções linguísticas de textualidade e comunicabilidade são vistas
como apenas parte do processo de revisão, todavia, um conjunto inteiro de critérios
extralinguísticos também deve ser considerado. O revisor deve abordar o original de tal forma
que a versão “texto revisado” corresponderá à intenção comunicacional do autor. Ainda assim,
tentar preservar totalmente o sistema de valores da cultura do original em relação à cultura do
documento revisado é terreno perigoso, pois o objetivo do autor, ao contratar o revisor, pode
ser exatamente transpor barreiras culturais expressas até pelo registro segundo o gênero
pretendido. Assim, ao revisar, é importante considerar não apenas a cultura expressa no
original, mas também o impacto da mensagem pretendida pelo autor do documento original,
quando ele já estiver revisado, sobre o leitor; portanto, não se trata de neutralizar a transferência
cultural (como se isso fosse possível ou desejável), mas cumpre ao revisor fazer que ela seja
como pretendida pelo autor.58
58 (NEWMARK, 1988).
3-66
claro – entretanto, assim como não lhe cabe usurpar a posição do autor, não lhe caberá jamais
ignorar que a tarefa última de interpretação, em todos os seus vieses, é papel do leitor.
Uma pergunta que precisa ser feita quando o revisor considera um texto para revisão é
para quem o texto original foi destinado e se aquele leitor corresponde ao potencial leitor do
documento revisado. Desse modo, dois leitores ideais podem ser distinguidos: o leitor
idealizado pelo autor no original e o leitor ideal alcançável pelo documento revisado. Essa
dicotomia pode ser vista como particularmente relevante devido à natureza literária do escrito,
mesmo não se tratando de obra ficcional ou de assunto especificamente ligado à cultura. Até o
texto mais técnico de todos e aquele que se pretende mais objetivamente “científico” têm em si
irrenunciável parcela de escolhas estéticas e componentes culturais e expressões
personalíssimas. A natureza literária é inerente ao texto, faz parte de sua essência em qualquer
gênero e ultrapassa, nisso, até a vontade do autor. Quem não estiver escrevendo poesia, fará
prosa, saiba disso, ou ignore o fato. O leitor, a sua vez, ao ler qualquer escrito, verá nele o
conteúdo embalado na literatura circundante e considerará a dificuldade que ela representou
para a leitura e, especialmente, os “erros” de todo tipo que encontrar nela.
O revisor deverá identificar o leitor ideal a quem o autor atribui conhecimento de fatos,
memórias, experiências… além de opiniões, preferências e preconceitos, bem como certa
competência linguística. O revisor também identificará as lacunas cognitivas presumíveis (por
mais que tal presunção seja um risco!) no leitor e decidirá sobre quais poderão ser preenchidas.
Ao considerar tais aspectos, o revisor não deve esquecer que, à medida que o autor terá sido
influenciado por tais noções, dependendo de seu próprio senso de pertencimento a determinado
grupo sociocultural, cabe verificar quanto o escritor teve consciências desses fatos, memórias,
opiniões que constituam marcos simbólicos com lastros culturais, e que sequência pretendeu
dar deles em sua obra.
➢ Fatos específicos. O autor supõe que seu leitor ideal tenha conhecimento de
eventos históricos e ligações geopolíticas, bem como certa familiaridade cultural
com os costumes locais com os quais, eventualmente, o leitor não esteja
familiarizado.
O leitor idealizado pelo autor, por mais equivocada que seja sua concepção idealizadora,
não pode ser substituído por outro personagem criado pelo revisor. Nesse ponto, se o autor
estiver em equívoco, cabe ao revisor fazer vista grossa. No máximo, e em casos muito especiais,
poderá apresentar algum comentário muito político e sutil contendo a observação que fez. Em
geral, cabe indicar ou considerar não o leitor ideal, mas o leitor alcançável e limitar-se a ele.
Uma vez determinado o leitor ideal no original, podem ser feitas considerações relativas
ao leitor alcançável no documento revisado – com os cuidados já mencionados. A primeira e
maior dificuldade do revisor ao interceder, nesse contexto, será a construção do novo leitor
ideal (ou a renúncia a ele) que, mesmo tendo o correspondente padrão cultural, equivalente
formação acadêmica, profissional e intelectual que o leitor originalmente pretendido, terá
expectativas e conhecimentos culturais significativamente diferentes.
Aplicando os critérios eleitos para determinar o leitor ideal original e o leitor possível
real, pode-se notar que poucas condições serão atendidas plenamente – se o revisor dominar
completamente essa pretensão, ele conquistará completamente o universo literário. De fato, é
improvável que todos os fatos históricos e culturais sejam conhecidos em detalhes, juntamente
das situações culturais específicas descritas, por todos os leitores pretendidos. Além disso,
3-68
Já foi observado que, mesmo em se tratando de texto destinado a “um leitor educado e
de classe média” e, mais especificamente, com conhecimento dos aspectos culturais implicados,
os problemas para revisar tal texto não são apenas de caráter puramente léxico ou sintático,
também se trata da compreensão de contexto social, econômico, político e cultural, bem como
dos aspectos conotativos, inclusive de caráter pontualmente semântico. Como acontece com
todos os textos, as referências históricas, políticas e outras referências culturais são sempre de
certa importância e é improvável que o leitor de documento, revisado ou não, tenha plena
compreensão dessas noções. Ao considerar as implicações culturais para a revisão, deve-se
considerar o quanto o revisor explica ou completa tais lacuna de informações; com base nas
conclusões alcançadas sobre o leitor ideal, o revisor deve decidir quanto pode ser deixado para
o leitor simplesmente inferir. Levando esses últimos pontos em consideração, diferentes
elementos serão discutidos em relação a suas implicações culturais para a revisão.
Os aspectos que levam a implicações culturais para a revisão podem ser classificados
essencialmente como cultura material, como gestos, preferências e hábitos, embora outros
componentes culturais também estejam presentes. Esses aspectos podem ser apresentados de
diferentes formas, de acordo com seu papel no texto e os objetivos para o leitor do documento
revisado. A relevância da análise de tais componentes na revisão requer abordagem flexível,
mas ordenada, construindo-se pontes entre as numerosas lacunas léxicas, linguísticas e
3-69
culturais.59 As duas orientações quanto à equivalência formal ou dinâmica também devem ser
consideradas ao analisar as implicações culturais para a revisão de elementos nessas categorias.
Gestos e hábitos são frequentemente descritos em linguagem não verbal, 61 mas podem
constituir intercorrência em escritos submetidos a revisão, tanto se apresentem explícita quanto
implicitamente. Muitos gestos e hábitos estão implícitos, mas não especificamente descritos,
dificultando assim a revisão totalmente comunicativa. Mais uma vez, são referências culturais
que requerem certo conhecimento do modo de vida da comunidade em tela e das atitudes em
relação a ela. Todos esses fatores estão inerentemente presentes no texto, mas seu pleno
significado cultural é difícil de retratar sem tal conhecimento de fundo.
Embora certa perda pela revisão seja eventualmente inevitável, no mínimo do ponto de
vista autoral, deve-se buscar alguma proposta de equivalência dinâmica por compensação para
contrabalançar; parece ser uma maneira apropriada de transmitir implicações culturais
presentes no original, deixando a mediação a meio-termo ou indicando ao leitor o caminho do
meio. A função léxica é adaptada tanto quanto possível no documento revisado, assim como as
conotações culturais do original.
59 (NEWMARK, 1988).
60 (NEWMARK, 1988, p. 97).
61 (NEWMARK, 1988, p. 103).
3-70
4 FUNÇÃO DO REVISOR
The word processor is a stupid and grossly inefficient tool for preparing text
for communication with others. (COTTRELL, s.d.)
Existem crimes piores que queimar livros. Um deles não ler. (Iosif Brodskij)
4.1 EPÍTOME
1. A revisão está associada à melhoria de qualidade diários não são leituras recomendadas pela
textual em todos os aspectos linguísticos, mas qualidade.
permanece vinculada fundamentalmente à 7. Felizmente, a revisão atrai cada vez mais
comunicabilidade. atenção, e começou a se tornar,
2. A revisão atende ao objetivo de todas as partes internacionalmente, uma ferramenta essencial
interessadas na produção do texto: o cliente para a garantia da qualidade.
recebe um documento mais claro e preciso, por 8. A revisão é uma forma de controle de qualidade
ter sido cuidadosamente revisado, a agência de apresentada pelo revisor no processo e no
revisão pode ter a certeza de que o serviço que produto.
entrega é completo e de alta qualidade, e ambos
recebem feedback sobre o trabalho do revisor. 9. Nem todos são capazes de fazer uma revisão, mas
todos exigem do revisor a perfeição e o sumo o
3. Nenhum revisor pode reivindicar conhecimento.
concomitantemente a qualidade absoluta e
escrupuloso respeito aos prazos, a revisão 10. A função do revisor vai além do arcabouço
encontra seu lugar e utilidade no processo de puramente linguístico de sua intervenção para
produção de documentos segundo o critério de abranger responsabilidades de gestão e controle
fazer o melhor possível segundo prazo e – conjunto de procedimentos a que, quando
orçamento disponíveis. permeiam o ofício da revisão, nós estamos
chamando mediação.
4. Em algumas organizações, quase todo o trabalho
de revisão é contratado externamente – a 11. Os autores também podem achar útil aprender
terceirização já é uma “moda” consolidada – de sobre a revisão, já que, cedo ou tarde, eles
modo a que revisores da casa, de maior precisarão cooperar com os revisores em seu
confiança, se apliquem a verificar a qualidade do trabalho, eles podem não ser solicitados a fazer
trabalho. revisão, mas eles precisam reescrever
regularmente.
5. Controle de qualidade textual, em sentido mais
amplo, é o conjunto completo de procedimentos 12. A revisão não consiste em transformação,
aplicados antes, durante e após o processo de alteração, no sentido de que o revisor não deve
produção textual, por todos os envolvidos. fazer as mudanças que são possíveis, que sejam
desejáveis, ou que lhe aprouverem, mas as
6. Já houve pessoas encarregadas da revisão nas mudanças necessárias – e tão somente elas,
redações dos jornais; não há mais, e essa é uma sempre passíveis de justificação técnica.
das razões pelas quais os artigos impressos nos
4.2 CONTROLE
momentos. A questão que surge, então, refere-se à qualidade buscada pelo autor ou pelo serviço
de revisão. Pode-se questionar a utilidade do controle de qualidade em relação ao custo que ele
representa. Um autor pode decidir não revisar seu escrito, assumindo o risco de apresentá-lo
com qualidade inferior à pretendida. Uma série de argumentos poderiam apoiar tal decisão:
documentos de baixa importância ou escopo limitado, orçamento incompatível com o custo
exigido pelo serviço de revisão de alta qualidade – então, é o autor que assume conscientemente
o risco de apresentar o texto de qualidade inferior à desejada. De fato, no contexto atual de
aumento do número de escritos demandando revisão e de alta exigência de qualidade, em
paralelo às conhecidas deficiências do letramento e do ensino de língua em geral – inclusive no
ambiente universitário – a revisão tornou-se necessidade premente, tornou-se mesmo
indispensável para atender o grau de qualidade exigido pelas instituições. Como resultado, a
revisão é hoje prática comum, não mais restrita ao ambiente editorial ou gráfico, mas ainda é
pouco compreendida pelos autores e, muitíssimo infelizmente, mesmo por alguns revisores –
embora por motivos diferentes.63
envolvidos na produção do texto (por exemplo, no caso de uma tese: autor, orientador, leitores
críticos, revisores e outros intervenientes), para garantir que os objetivos de qualidade estejam
sendo cumpridos.
A correção, por outro lado, é prática mais bem definida que a releitura – e mais limitada,
no sentido de que consiste em corrigir erros materiais (revisão mecânica) alcançando equívocos
e falhas sobre as quais não subsistiriam quaisquer argumentos. O corretor não justifica suas
interferências e não as comunica ao autor. Ele simplesmente as integra ao documento sempre
que achar adequado. Trata-se do que é denominado revisão resolutiva, com mais propriedade.
que se impõe uma gestão eficaz da revisão. Qualidade demanda tempo e dinheiro, mas observe-
se que revisões ruins também podem ser caras.
4.3 SUPERVISÃO
sob demanda dos colegas (cada revisor decidindo se determinado texto ainda precisa ser
revisado por um colega).
4.4 PAPEL
Entretanto, na prática, o papel do revisor está muitas vezes longe de ser claro, mesmo
para os participantes do mercado de textos. É necessário que se estabeleçam critérios para se
definir ou se conhecer a função do revisor, para se determinar como alguém pode se
profissionalizar, para explicar se o revisor sabe mais que o autor. Também precisa ficar evidente
o que faz um linguista se tornar revisor profissional. Outra questão latente é como as
competências necessárias à revisão podem ser desenvolvidas. Para os profissionais de edição,
discutir essas questões e clarificá-las o mais rápido possível é de vital importância, uma vez que
o esclarecimento dos papéis facilita o trabalho e incentiva a cooperação, propiciando, ainda, a
renovação de quadros. Os autores também podem achar útil aprender sobre a revisão, já que,
cedo ou tarde, eles precisarão cooperar com os revisores em seu trabalho, eles podem não ser
solicitados a fazer revisão, mas eles precisam reescrever regularmente – o que é trabalho da
mesma natureza da revisão, guardadas a limitações de cada tarefa dessas. Assim, os tópicos a
seguir buscam oferecer ajuda para resolver as questões práticas e resumir os fundamentos da
revisão, escopo alcançado por outro trabalho nosso, mas agora retomado em linhas gerais, para
benefício do leitor.
68 Atribuída a Philippe Néricault Destouches (1680-1754) apud (DUAILIBI, 2000). Nota de revisores:
encontramos a mesma citação com e sem a vírgula, em diferentes fontes em português, o que cambia o sentido
da conjunção entre aditivo, alternativo e adversativo, imprimindo nuances ligeiramente distintas à frase; no
original: “La critique est aisée, et l’art est difficile”.
4-80
Pode-se concluir que o trabalho do revisor não é exatamente uma sinecura… ainda que,
equivocadamente, possa ser visto assim. Por outro lado, praticada em clima favorável, a revisão
é atividade muito gratificante, pois envolve todas as qualidades intelectuais e humanas da
pessoa que a exerce. No entanto, manter o clima é, em grande parte, responsabilidade do
revisor.69
Esse não é o significado preciso que damos ao termo revisão. Na verdade, consideramos
essencial corresponder à função de correção e aperfeiçoamento e à dimensão de formação, em
benefício dos autores e do público-alvo, o que, como veremos posteriormente, confere total
importância à prática de revisão.
4.5 DEFINIÇÕES
O termo revisão não é usado da mesma forma por todos os autores e há alguma incerteza
quanto a sua definição, incertezas e ambiguidades são mesmo inerentes à revisão e nós já
abordamos diversas vezes o tópico e coletamos muitas definições70 – sem nos furtarmos, por
isso e aqui, a retomar a tarefa, no anseio de contribuir na discussão. Então, vamos identificar
algumas diferentes definições e escolher uma em que possamos nos basear para a discussão em
tópico.
Graham72, por sua vez, distingue duas atividades: verificação e revisão. Define a
verificação (a que frequentemente nos referimos como revisão mecânica) como a atividade de
corrigir erros de digitação, identificar ambiguidades, verificar a ortografia de nomes próprios,
questões acima de dúvidas linguísticas razoáveis. Ao passo que a verificação consiste em
controle de qualidade “puro”, o que ele chama de revisão é mais um “teste de operação”,
permitindo que o texto seja mais bem direcionado a seu público-alvo, aferição de legibilidade.
A linha entre esses dois conceitos, no entanto, permanece tênue, e as duas atividades se
sobrepõem.
Passando à aplicação da definição de Hyang Lee73, revisão é o exame, por revisor que
esteja familiarizado com o registro da linguagem requerido por um documento, para trazê-lo ao
acordo com as necessidades e expectativas do autor. A crítica que podemos fazer contra essa
definição é que ela fala apenas do cumprimento das necessidades e expectativas do destinatário
do serviço, o autor, em detrimento do destinatário do texto, o leitor, público-alvo. A essa
definição podem estar faltando critérios de idioma que não são definidos pelo autor, mas se
enquadram nos requisitos da revisão.
As várias definições que citamos até agora têm em comum a referência a uma “revisão”
para descrever a atividade de revisão, mas não mencionam a ação corretiva tomada pelo revisor,
as intervenções processadas, que são a base de seu trabalho. Então, vamos olhar para outras
definições. A definição de Tim Martin74 enfatiza a principal ação do revisor: “revisão é verificar
se mudanças são necessárias e fazer as mudanças em si”. Essa definição insiste, com o termo
necessário, que a revisão não consiste em transformação, alteração, no sentido de que o revisor
não deve fazer as mudanças que são possíveis, que sejam desejáveis, ou que lhe aprouverem,
mas as mudanças necessárias – e tão somente elas, sempre passíveis de justificação técnica.
Diante dos diversos significados dados ao termo revisão, a norma europeia, por
exemplo, tentou esclarecer a terminologia. Ela não propõe uma definição da revisão, mas indica
que o revisor deve agir para verificar a adequação do texto. A tarefa de revisar, nesse sentido,
deve incluir a adequação de documentos para garantir a consistência textual, bem como a
adequação do registro e do estilo, assim como o revisor deve tomar medidas para garantir que
a maioria das interferências propostas venham a ser implementadas. A norma europeia pretende
ser completa e clara, segundo a pretensão daquele continente de resolver normativamente todas
as questões. Porém, eles marcam um ponto na discussão ao exigir que o revisor deve ser pessoa
diferente do autor: o que pode parecer óbvio, mas é um risco comum que até mesmo linguistas
correm, ao entender que podem “revisar” os próprios escritos pelo simples fato de dominar a
língua.
Em termos de como queremos abordar a revisão aqui, a definição fornecida pela norma
europeia é muito restritiva (realizada por outra pessoa). Por isso, escolheremos a seguinte
definição: revisão é aquela função dos revisores profissionais em que eles identificam
características do original que ficam aquém do aceitável e fazem correções e melhorias
apropriadas, vale dizer, fazem interferências.76
4.6 TIPOLOGIA
Dizer que existem revisores distintos entre si parece desnecessário, já o temos dito, posto
que existem muitas revisões diferentes e que é a revisão que define o revisor, mas existem
diversos focos, gêneros textuais em que o revisor pode se especializar ou formas de trabalho. A
revisão, e talvez seja por isso que não há unidade na forma pela qual é definida, continua sendo
uma prática aberta a muitas variações. É interessante apontarmos a alguns tipos de revisores,
ainda que o rol seja sempre incipiente:
ficcionais, cujo conteúdo estético abre portas para licenças criativas e poéticas
que não são admissíveis em outros gêneros;
5 PRÁTICAS DO REVISOR
Non c’è dubbio che la lentezza del processo che porta al controllo pieno dei
meccanismi di correzione sia dovuta a fatti mentali e cognitivi. (SIMONE,
1984)
5.1 EPÍTOME
1. A revisão deve evitar se impor como processo de transcende os dois corpos abstraindo-lhes as
apontar problemas, mas tornando-se um almas.
procedimento mutuamente benéfico, em que 7. A relação entre revisor e revisão, como prática e
avança o autor, mas também beneficia o revisor como produto, toca em importante dimensão
no sentido de que ele seja forçado a chegar ao profissional da revisão.
fundo das questões.
8. Antes de perguntar sobre parâmetros de revisão,
2. Assumindo a abordagem interacionista do o revisor deve determinar como ele abordará o
processo de revisão, consideramos inertes às objeto: ele vai ler o conjunto e depois proceder as
práticas do revisor os seguintes pressupostos: a interferências com a visão global, ou ler
linguagem tem papel central; é necessária a interferindo já de imediato?
utilização de conhecimentos linguísticos,
textuais e contextuais; são também mobilizadas 9. A qualidade da revisão se deve menos à escolha
representações e conhecimentos relativos aos da ordem de leitura que ao fato de aderir a um
modelos de gêneros. procedimento sistemático, ler os textos na ordem
lógica traz benefício.
3. Esse jogo de palavras procurou definir um
profissional pelas suas práticas, o que é uma 10. O fato de o trabalho do revisor ser tão maltratado
forma aceitável, mas não completamente talvez seja devido à pouca visibilidade; assim,
satisfatória; poderíamos ser acusados de pouco se fala em revisão e menos é revisado,
tautologia: revisor é quem revisa, já que muito pouco é revisado adequadamente, e a
interceder, intervir e mediar um texto são menor visibilidade sempre significa controle
atividades que expressam as práticas da revisão. deficiente das posições de mercado.
4. Assim como com o tempo utilizado, o revisor 11. Certos textos absolutamente precisam ser
terá que adaptar sua revisão de acordo com as revisados, por exemplo, relatórios anuais,
condições todas em que o autor trabalhou: ruídos discursos, documentos de grande circulação,
e dispersões a que esteve submetido no ambiente documentos sensíveis e comunicações oficiais,
de trabalho ou em função de preocupações enquanto outros podem estar sujeitos a um
latentes durante a redação. controle mais limitado.
5. De fato, a grande vantagem da revisão reside em 12. No caso extremo em que o escrito seja tão ruim
que o revisor pode se colocar no lugar do leitor- que não seja passível de revisão (podemos
alvo, alheando-se do eu autoral. garantir que esse limite está situado no campo
real!), o revisor deve recusar o serviço e garantir
6. Não se podem produzir catarses tão díspares que o texto seja devolvido ao autor para
quanto emular a um só tempo as personas do melhoria.
autor e do leitor, mas o avatar do revisor
5-86
Para benefício do leitor que não acorrer a nosso outro longo escrito, fica posto que a
interferência, para nós, se prende ao conjunto de ações eficazes, modificações – algumas das
quais mecânicas – que o revisor faz nos textos de outrem. A intercessão, para nós tem um quê
O termo intervenção, que quase repudiamos no outro volume, volta agora pela inegável
intromissão do revisor em certos textos nos quais a consideração do autor sobre as propostas
do revisor não se faz presente. Temos em mente as circunstâncias em que não haja tempo para
a interação autor-revisor, em que houver omissão de uma das partes nesse processo, ou mesmo
ocorra a ausência do autor no processo (ele pode, inclusive, estar morto). Estamos aqui
propondo que, nesses casos em que não se dê o diálogo, o papel mesmo do revisor é o de um
interventor no texto alterno – um processo que quase descarta a alteridade autoral, em benefício
(ou prejuízo) do documento.
Por mediação, sendo neste trabalho que introduzimos essa palavra em nosso repertório
analítico para descrever a atividade do revisor, estamos nos referindo ao papel que o
profissional desempenha entre o autor e seu público-alvo, ou entre o texto (como produto) e seu
leitor final. Essa mediação, ou facilitação, é uma senda do trabalho da revisão que somente
agora vamos trilhar, pelo menos de olhos mais abertos. De passagem, fica o comentário de que
não somos os primeiros a fazer uso instrumental dos conceitos de mediação em tal contexto,
voltaremos a esse ponto nos capítulos mais adiante.
Enquanto isso, vamos tratar de revisão como processo inerente à prática – o que será
apenas uma das abordagens possíveis, aqui levantada quase que exclusivamente para delinear
o quadro conceitual que nos permitirá alcançar o âmago de nossa postulação, que é discutir
revisão como aprendizado e como exercício de mediação – também objetos desta obra.
problemas detectados e dos meios utilizados para os resolver.79 Nessas etapas, após a resolução
de problemas, sempre mais uma leitura pode ser adicionada para validar as mudanças feitas:
revisão não tem fim, não existe escritura perfeita, não existem autores nem revisores perfeitos;
salva-nos também não haver leitores perfeitos e a mensagem é produto de um ser humano para
outro, com todas as implicações dessa humanidade.
Os revisores profissionais podem fazer diversas leituras multifocais: para entender, para
avaliar, para interferir, para procurar, mas alguns fazem apenas e diretamente leituras de
interferência; não há nenhuma crítica ou censura a tal procedimento, ele pode ser perfeitamente
eficiente e suficiente, de acordo com os parâmetros do serviço. Também nos referimos às
leituras como “passagens” pelo documento ou, mais raramente, “visitas”. Aqueles modos de
leitura já estão incluídos no modelo de revisão desde Hayes e seus colaboradores.82 Ao ler para
entender, o revisor simplesmente pretende construir uma representação compreensiva do
significado do texto, recorrendo a diversos meios, incluindo decodificar palavras, reconhecer
as estruturas gramaticais das frases e estabelecer inferências factuais. Nesse caso, os revisores
leem mais frequentemente um parágrafo de cada vez para entender melhor seu significado.
Deve-se notar, no entanto, que a simples leitura para entender, quase sempre, leva à detecção
de problemas, notam-se erros na digitação e na gramática; nossa sugestão é nunca adiar a
interferência em relação a um problema detectado, pois ele pode muito bem se esconder e nunca
mais voltar à vista.
81 (ROSA, 2015).
82 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
5-90
parar de ler também é parte do processo. Algumas alternativas para suprir o problema de
excesso de leituras incluem o espaçamento temporal entre elas ou a inclusão de mais um revisor
no serviço – todavia, ambas as alternativas são condicionadas às variáveis tempo e orçamento
disponíveis. Em outro capítulo, retomaremos a questão da saturação de leituras, indicando
alguns artifícios técnicos pelos quais o revisor pode contornar essa dificuldade.
O revisor deve procurar elementos que possam ser melhorados porque não
correspondem às convenções de linguagem, ou porque, se correspondem a elas, não alcançam
a eficácia máxima de comunicação.
Os problemas reais e potenciais identificados pelo revisor devem ser resolvidos a tempo,
à hora, imediatamente, e quando a estratégia for a postergação da interferência, a demanda deve
ser arrolada para não ser omitida. O revisor corrige automaticamente muitos problemas reais,
assim que os diagnostica, muda quase simultaneamente à passagem para resolvê-los. O revisor
então utiliza sua condição e conhecimento de ação, para usar a terminologia de Hayes,89 para
resolver esses problemas, geralmente de gramática e de digitação.
87 (LEITE, 2014).
88 (BISAILLON, 2007).
89 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
5-93
problema real ou potencial detectado. Diz-se que a estratégia é simples quando o revisor usa
apenas uma operação, enquanto se diz ser múltipla quando combina sucessivamente mais de
uma operação. Em alguns casos, o uso de uma estratégia única (ou operação isolada) não é
suficiente para especificar e resolver um problema. As estratégias possíveis são a releitura, o
pensamento e a pesquisa.90
problema a que ele deve retornar, ou ele aguarda solução ou sugestão do autor. No caso da
tentativa de solução, o revisor pensa uma maneira de editar o documento, mas isso não o satisfaz
e nada mais vem à mente por enquanto. Ele pode introduzir uma proposta de modificação
provisória, abrindo oportunidade para pesquisa e questionamento posteriores, fica a alternativa
proposta, mesmo que ele saiba que não é definitiva. Se o revisor faz uma sugestão ao autor, ou
apresenta um questionamento, é porque ele não se sentiu capaz de resolver o problema sozinho;
não está clara a questão ou ainda não foi encontrada a solução adequada.
Três tipos de resolução são processados em caráter imediato: não fazer a intervenção no
texto, fazer uma interferência ou demandar por reescrita ao autor. O revisor não faz intervenção
quando o problema detectado não se materializa, trata-se de um pseudoproblema que acionou
o falso alarme. Antecipação equivocada, ignorância e falha de memória levam o revisor a usar
estratégia inadequada de intervenção. Quando isso acontece, pode ser um alarme falso. Isso é
o que ocorre, por exemplo, quando ele para na palavra, duvida da grafia e procura a palavra no
dicionário: o revisor pode não ter certeza de que haja erro e, de fato, a palavra está bem escrita.
Foi apenas um juízo provisório equivocado, cry wolf.
A leitura para validar alterações é etapa opcional ao final do ciclo de alterações, mas
está sempre presente em algum momento do processo. Na prática, não há uma leitura final
propriamente que dê cabo da tarefa; ocorre a última passagem por decurso do prazo ou por
exaustão dos meios. Ao final do ciclo de interferência, o revisor relê – frase por frase – para
ratificar as alterações feitas e verificar se elas não causaram outros problemas. Também se pode
esperar até o fim de vários ciclos sucessivos de mudanças antes de se reler um parágrafo ou um
fragmento do texto para garantir a consistência em todas as alterações propostas. Finalmente,
pode-se decidir esperar até o final do processo de revisão antes de reler todo o documento para
julgar a qualidade geral do trabalho. Essa leitura para validar suas alterações também pode levar
a outros ciclos de interferências se forem detectados problemas “novos” em geral.
Muitas escolhas integram as práticas do revisor, algumas são relativas à própria escolha
do profissional (quem vai revisar qual texto), outras são sobre rotinas e estratégias aplicáveis a
cada mandado, em função das variáveis estabelecidas (prazo, profundidade da revisão,
revisores empenhados). As primeiras questões que surgem são quanto a quem vai revisar cada
5-95
texto. Em seguida, cabe considerar o que será revisado (materialmente) e como será feito o
serviço, sendo esse último elemento repleto de variantes.
propriamente, mas decorrência da existência posterior dela sobre o passo anterior da criação do
texto.
É claro que esse argumento não concorda com nossa visão de autor consciente que
queira dar de si o melhor, mas é, no entanto, válida, porque a lei do menor esforço é muito
humana.
Feitas essas digressões precedentes, várias pessoas podem ser capazes de assumir o
papel de revisor, em melhor ou pior encarnação:
Em conclusão, vemos algumas vantagens para a revisão por um autor de menor patente.
Portanto, é possível optar por essa revisão em base ad hoc, no contexto da produção coletiva,
da dinâmica das equipes que tenham outras tarefas para além da produção textual. No entanto,
o revisor subordinado permanece incapaz de executar a função didática da revisão ou de
referendar a publicação de um documento de maior responsabilidade.
5-98
Nesse processo, o revisor pode ter que definir prioridades e, portanto, perguntar: o que
precisa absolutamente ser revisado? Alguns aspectos podem prescindir de revisão? As respostas
a essas questões decorrerão, naturalmente, de cada contrato, considerado materialmente o
objeto e o mandamento.
Certos textos absolutamente precisam ser revisados, por exemplo, relatórios anuais,
discursos, documentos de grande circulação, documentos sensíveis e comunicações oficiais,
enquanto outros podem estar sujeitos a controle mais limitado (memorandos, diretivas). A
resposta à pergunta “o que revisar?” é a opção estratégica de gestão de recursos. Outros textos,
se bem escritos e reescritos, podem até prescindir de revisão; por que não? Só por sermos
revisores vamos trabalhar com a suposição ou a tese de todos os escritos do mundo devam ser
5-99
revisados? Não é assim, e bem o sabemos. A decisão sobre revisar um texto cabe a seu autor
ou a seu editor, a proposta ou a indicação podem partir do revisor, até mesmo no sentido da
venda do trabalho – mas a decisão sobre revisar não é do linguista.
Quanto ao modo de revisar, não existe padrão de revisão universal, ou que atenda a
qualquer demanda; qualquer rotina pode não ter a capacidade de gerar revisão clara e precisa,
uma vez que cada texto é único e, portanto, tem necessidades diferentes. Revisa-se de acordo
com os imperativos do projeto, uma vez que as normas e a praxe permanecem recomendações
gerais e devem ser complementadas pela avaliação que leve em conta os requisitos e adaptações
específicas para cada mandado. O grau de interferência varia de acordo com muitos fatores,
dificultando a criação de regras. O que também varia é a densidade da interferência que é
negociada com o contratante.
Antes de perguntar sobre parâmetros de revisão, o revisor deve determinar como ele
abordará o objeto: ele vai ler o conjunto e depois proceder as interferências com a visão global,
ou ler interferindo já de imediato? Quantas vezes será necessário (ou possível) reler o texto
interferindo antes de dar por concluída a revisão? Há várias escolhas. Há inúmeras imposições.
Há diversas limitações.
Ha várias indicações de procedimento sobre a ordem em que os escritos devam ser lidos.
A recomendação geral é não ler unidades muito pequenas, caso contrário o revisor não teria
contexto suficiente para julgar a qualidade da obra.
Podemos facilmente imaginar que existam tantas formas de revisão quanto há produtos
no mundo literário. Por exemplo, um revisor sempre relê o parágrafo anterior antes de revisar
o próximo parágrafo para garantir a consistência em sua revisão, outro não o faz: confia em sua
memória. Cada qual sabe do melhor critério em geral e do procedimento necessário
pontualmente. Cada revisor desenvolve e muda sua própria maneira de revisar para melhor
atender às necessidades particulares do projeto, submetendo suas idiossincrasias metodológicas
à imposição da demanda.
Uma forma de revisão consiste em o revisor ler em voz alta enquanto outro revisor o
acompanha lendo. Esse método é ótimo para aprender a detectar tanto as qualidades do escrito,
ou eventuais dissonâncias, quanto para defendê-las pela convicção que se coloca na leitura, mas
também pelas imperfeições que dificultam essa mesma leitura em voz alta. Na gíria da revisão,
costumamos nos referir a esse procedimento como “bater o texto” – em virtude de diferentes
códigos de batidas com a caneta sobre a mesa com que um dos revisores sinaliza ao outro o
acompanhamento.
Apesar do pequeno número de livros dedicados à prática de revisão, alguns autores dão
conselhos sobre como revisar. Todos concordam que seja boa ideia seguir uma lista de questões
a serem revisadas e que, embora essas listas não sejam exaustivas, elas servem como diretriz.
mais tempo ou se demandará mais investimento que o disponível, nesse caso ele deve se recusar
a revisar se não houver tempo ou recursos suficientes para o projeto ser concluído com
qualidade satisfatória.
O revisor deve controlar fatores que se aplicam a pequenas unidades da escritura (por
exemplo, terminologia, pontuação) e fatores macrotextuais, que se relacionam com todo o texto
(por exemplo: legibilidade, lógica, coerência). Como resultado, exige-se, para não permitir que
erros passem, que o revisor faça várias leituras, cada qual focada em uma ou diversas
configurações de focos.
Cada revisor pode ser levado a descobrir suas próprias fraquezas à medida que trabalha
e, assim, desenvolver prioridades específicas para seu processo de revisão. Mencionamos isso
anteriormente em relação à ordem em que os textos são lidos, mas isso também se aplica aos
fatores a serem observados. Por exemplo, um revisor pode, deliberadamente, ignorar a
pontuação em sua primeira leitura para seguir mais de perto o conteúdo do escrito, depois dedica
uma fase de revisão apenas à pontuação. Da mesma forma que o revisor desenvolve sua maneira
de revisar, de acordo com suas próprias capacidades, o revisor pode acabar conhecendo bem os
problemas da pessoa que ele está revisando e, assim, desenvolver um modo particular de revisar
um autor específico.
A aferição inerente à revisão deve ser sempre realizada em todo o texto, mas se distingue
a revisão parcial da revisão completa. Revisão parcial pode incluir: leitura de títulos e passagens
selecionados especificamente, por exemplo: legendas, didascálias, notas, citações… Ou revisão
focada em parâmetro específico, por exemplo, algum problema que se espera ser mais
encontrado (varredura longitudinal – inclusive eletrônica), ou apenas fazer a leitura do título e
do primeiro parágrafo, para retomar os sentidos macrotextuais.
No entanto, esses métodos são os primeiros recursos de controle, servindo para obter a
visão geral da qualidade do texto e das dificuldades que se apresentarão; abordagens parciais
sempre são artifícios procedimentais e raramente se pode ficar restrito a elas. Quanto à revisão
“mínima”, ela trata apenas de uma parte dos problemas que se enquadram no parâmetro
“fidelidade à norma e ao gênero” (apenas erros e omissões) e em parte do parâmetro “código
linguístico” (solecismos e ortografia).
5-102
O tempo disponível para o revisor parece ser um dos principais fatores que orientam a
escolha de revisar e, se for o caso, o método utilizado. As limitações financeiras às ordens de
revisão são elemento inevitável do debate sobre a qualidade do produto. As restrições
orçamentárias prevalecem hoje no mercado de revisão e envolvem os fatores atraso (por falta
de pessoal) e custo da mão de obra; também são critérios importantes no que toca à exigência
de qualidade: bons profissionais são mais onerosos que revisores incipientes. O custo anda de
mãos dadas com o orçamento do serviço de revisão. Quanto maior o orçamento, menos
restrições de pessoal e tempo haverá – mais revisores, mais qualificados e mais tempo
disponível são indícios de exigibilidade quanto à qualidade.
Em relação ao fator tempo, instala-se o conflito entre demandas econômicas por tempo
e solicitações de profundidade, confiança e qualidade. Quanto mais tempo o revisor dispõe,
mais mudanças necessárias ele faz. Se a qualidade requer tempo, prazo excessivo não leva
necessariamente a crescimento qualitativo. Existe um tempo razoável e, para alguns, o estresse
do fim dos prazos é elemento de produtividade, o que é paradoxal, mas é o que se observa.
O fator tempo é, sem dúvida, problema muito atual no mundo profissional da revisão e,
embora seja muito interessante perguntar se gastar mais tempo leva a uma melhora qualitativa,
geralmente, falta tempo para os revisores fazerem o que deveriam, ou falta dinheiro para pagá-
los pelo tempo necessário – o que dá no mesmo. Os revisores independentes, que são, cada vez
mais, pagos pela quantidade de trabalho fornecido (caracteres, palavras ou página), enfrentam
um dilema ético: ou se ater ao tempo que podem dedicar à revisão e aceitar o risco de erro, ou
gastar o tempo necessário para atingir certa qualidade, mas não serem pagos o suficiente em
relação ao tempo gasto. Esse é um problema específico para revisores independentes que não
afeta os revisores que são funcionários de editores, ou não os afeta na mesma medida, pois
pressão de tempo e produtividade sempre haverá. Os revisores que têm a carteira de trabalho
assinada certamente enfrentam pressões de tempo no departamento, mas não têm o mesmo
problema ético que revisores independentes, uma vez que recebem salário fixo
(desconsiderados eventuais bônus). É possível inferir que os profissionais com vínculo
empregatício produzam revisões de melhor qualidade que os revisores independentes? Seria
interessante comparar as revisões feitas pelos serviços editoriais às feitas por tradutores ou
revisores independentes, o que não será feito aqui.
No que diz respeito aos recursos humanos, surge a questão da disponibilidade do revisor
ideal, aquele que, em um caso específico, estará na melhor posição para realizar a revisão (com
base em seu conhecimento do campo, sua combinação de experiência, antiguidade, agenda…).
Se o revisor ideal não estiver disponível, a questão será determinar qual dos revisores
disponíveis é mais apropriado.
portanto, importa para o revisor e o editor. O cliente também estabelece os prazos e as condições
em que a revisão deva ser realizada. Essas instruções são dirigidas ao revisor (ou ao editor)
primeiramente, mas revisor e editor devem respeitar orientações e prazos. Embora sejam de
grande importância, as instruções do cliente devem ser sempre tomadas com certas reservas
pelo editor e, a fortiori, pelo revisor, pois o contratante não está sempre certo quanto a questões
linguísticas e pode ser sábio não cumprir suas ordens em favor de critérios linguísticos como
legibilidade e compreensão.
Todo documento tende a ser importante para quem o escreveu. Se o autor procurou um
revisor, é que ele atribui importância a seu produto. Quanto mais importante o documento, mais
5-105
recomendada é a revisão. Quanto melhor o autor, mais se exige que o revisor seja qualificado.
Também se estabelece uma classificação dos textos por importância. A confiabilidade do
revisor também entra em jogo, em relação à importância do original. Textos menos importantes,
“menores” (que serão lidos rapidamente ou não serão preservados) não merecem revisão
completamente acurada; não valem tal investimento. Entretanto, mesmo os escritos “efêmeros”
devem ser revisados com total consideração de suas nuances, quando o autor o requer.
Além de sua qualidade e do gênero em que se insere, o documento revisado contém uma
série de elementos próprios e, em primeiro lugar, seu objetivo, seu destino. É o critério da
“aplicação pretendida” – a finalidade do escrito – e esse é um dos que tornam possível decidir
se o documento deve ser revisado. Documentos de longa duração, persistentes, como
publicações encadernadas, teses, romances, tendem a ser avaliados com mais rigor que outros
de curta duração, avisos, anúncios, convites. Todavia, mesmo um artigo científico, ainda que
seja mais efêmero que a tese, requer acurácia na hora da revisão, pois os critérios de
elegibilidade para publicação são rígidos em face da disputa pelo espaço na mídia.
92 (ROSA, 2020).
5-107
Em nosso elenco, a comunicabilidade ficou para o fim, mas certamente é a variável mais
importante a ser considerada dentre as práticas do revisor; na realidade, salvo raríssimos casos,
ela é o fim, em si, o propósito do documento e do escrito e a justificativa maior para a existência
do trabalho do revisor. Talvez não estejamos bem ao considerar a legibilidade como variável,
pois ela é mais o desiderato, uma constante estabelecida como meta, exceto se o fazemos para
expor que recebemos escritos com diferentes índices de legibilidade e que a modificação desses
índices pode ser objeto do serviço.
Vamos refletir brevemente sobre o fenômeno do erro e das más revisões e acerca do
modo pelo qual as responsabilidades por ambos são compartilhadas ao longo de toda a cadeia
editorial – até mesmo pela rede mais ampla, constituída pelo mercado de revisão e editoração
em geral, assim como pela pressão dos autores por tempo e por preço. Se é verdade que o revisor
está longe de ser o único a ter o mérito ao publicar uma obra, ao dar à luz um texto, ele também
não é o único culpado por uma edição ruim e, ocasionalmente, nem mesmo por revisão malfeita.
O revisor não está sozinho – especialmente quando ele está errado.93 Como já se pôde perceber,
estamos nos referindo ao erro do revisor. Temos entendido, inclusive, que não existe erro no
texto que não foi publicado, nem pode se dizer que exista; as falhas observáveis nos escritos
em fase de redação e de preparação são mesmo inerentes àqueles processos e fica afastada a
noção de erro, que já está ultrapassada, nesses contextos. Há erro aqui, sim, em duas hipóteses:
quando a revisão não detectou um problema e o saneou, ou quando a questão foi apontada ao
autor ou editor e o defeito foi, intencionalmente, mantido.
Quanto ao erro do revisor, evidentemente que tudo, até mesmo nada, é melhor que uma
revisão ruim. Em todos os casos, a atenção do autor e do leitor concentra-se, em análise
abrangente e implacável, mas necessária, nos erros de revisão presentes nos textos mal
revisados: grande número de omissões, inovações terminológicas, imprecisões, problemas
estruturais que subsistam leva a concluir que, às vezes, o resultado final não tem nada a ver com
o original e, muito menos, com o produto desejado. A reflexão sobre quem é o “culpado” é
amarga, mas obrigatória: porque uma revisão malfeita, quando é decididamente incorreta, falha,
intromissiva, corre o risco de não apenas perverter as intenções do original, mas, acima de tudo,
“anestesiar” o leitor menos treinado, empurrando-o para o hábito da leitura precipitada,
fastidiosa, descuidada e da qual a crítica incidirá sobre o autor.
Existem editores que confiam o trabalho a “revisores” sem verificar sua capacidade com
antecedência, certamente, para economizar dinheiro; os ditos revisores muitas vezes não são
suficientemente competentes, seria necessária supervisão macroscópica – e treinamento
acurado – antes de lhes ser confiado um mandado; ainda existem editoras que forçam o revisor
a trabalhar em tempos muito escassos e em condições econômicas proibitivas; sobretudo, existe
o departamento de marketing que agora conta mais que a equipe editorial na elaboração de um
plano de publicações que deveria ser coerente, mas não é; voltado sempre ao urgente
lançamento do próximo best-seller ou livro eletrônico, algumas vezes, sem o mínimo de
seriedade editorial e respeito para com o público ou os profissionais envolvidos.
Uma visão menos míope, que se concentrasse no sucesso a longo prazo, deveria incluir
essa realidade: o mercado editorial que faz uso de bons profissionais e em que há tempo e
maneira de criar colaboração virtuosa entre todos seria aquele no qual o texto não corresse o
risco de se afogar no esquecimento a que se destinam produtos de baixa qualidade.
ninguém está livre de culpa e mérito na linha de produção e publicação; os próprios revisores
devem ser invocados para sugerir maneiras de melhorar a situação: assumir a responsabilidade
de recusar um trabalho que não se pode realizar a contento, a cada nova demanda da agência
ou cliente; exigir salários justos ou remunerações adequadas pelos serviços; criar uma rede de
colaboradores atenciosos e preparados, dentro e fora dos escritórios editoriais.
A solução que viria dos revisores não é surpreendente: o fato de o trabalho do revisor
ser tão maltratado talvez seja devido à pouca visibilidade; assim, pouco se fala em revisão e
pouco é revisado, muito pouco é revisado adequadamente, e a bem pouca visibilidade sempre
significa controle deficiente das posições de mercado. Em vez disso, é precisamente
demandando o controle adequado sobre o trabalho de sua categoria e complementares que os
revisores devem exigir condições melhores para si – principalmente pela manutenção de valores
de remuneração compatíveis com a formação e experiência de cada um. Certamente, é
necessário compartilhar responsabilidades e satisfações com outros profissionais, o que
significa abandonar o mito romântico que quer os revisores isolados do mundo lutando com seu
texto (e enfrentando sozinhos a pressão das editoras ou dos clientes); é necessário que o
linguista sinta-se parte de um mercado editorial saudável, no qual ele possa finalmente ser
ouvido e levado a sério.
na revisão. Pode ser útil a construção de um dossiê – ainda que informalmente – sobre a gênese
do objeto de cada mandado.
Além desses critérios, a forma pela qual o texto foi redigido, incluindo as condições de
trabalho do autor, pode afetar a necessidade de revisão ou os caminhos elegíveis para a
consecução do trabalho revisional. Por um lado, o tempo que o autor dispendeu em sua redação,
muitas vezes, tem impacto na qualidade do produto. Embora não haja correlação
necessariamente direta entre a qualidade do original e o tempo gasto para produzi-lo, o autor
pode não ter tido o tempo mínimo para produzir com a excelência que lhe seria peculiar em
outras circunstâncias. É importante o autor relatar isso ao revisor, para que possa fazer a revisão
mais adequada à situação. Por outro lado, o autor que tenha dispendido muito tempo em
produzir o manuscrito pode ter sobre-editado sua obra: tantas vezes remontou os parágrafos
que, ao cabo, a somatória das emendas ficou pior que o soneto esteve em algum ponto. Nessa
ocorrência, também é útil informar ao revisor; eventualmente, qualquer informação pode
subsidiar estratégias. Assim como em relação ao tempo utilizado na escrita, o revisor terá que
adaptar sua revisão de acordo com as condições todas em que o autor trabalhou: ruídos e
Outros fatores podem afetar diretamente o método de revisão a ser utilizado. Pensamos
em particular nos autores que ditam seu texto (e isso é mais comum do que se pensa – inclusive
com a recente possibilidade de se poder ditar a um gravador (mais raramente) ou diretamente
ao computador, que já transforma o ditado colhido em texto digital. O texto em áudio é então
transcrito por um secretário (que está se tornando cada vez mais raro) ou digitador, no caso do
texto gravado pelo autor, ou por exemplo, no caso de entrevistas. Tanto o resultado das
entrevistas quanto o ditado do autor podem ser convertidos em texto digital usando software de
reconhecimento de voz. Em seguida, vai tudo à revisão. Esse método de redação tem grande
impacto no produto e no procedimento de revisão. Em qualquer desses casos, podemos estar
certos de que a carga de oralidade que será transposta ao documento produzido pelo conversor
de voz seja muitíssimo maior que nos textos nascidos diretamente pelo registro gráfico. Ainda
mais, a informação sobre o processo de criação do documento pode levar à conclusão de que
certo grau de oralidade deva ser preservado, inclusive para não o extrair de sua natureza.
Exemplo clássico são os segmentos de entrevistas transcritas em teses, cuja revisão preservará
a gênese do documento, mantendo alguns dos elementos peculiares à natureza da coleta
daqueles parágrafos.
Como acabamos de ver, número muito grande de fatores desempenhará papel na seleção
de abordagens de revisão. Na maioria das vezes, no entanto, os autores e editores não têm tempo
para analisar cada um desses fatores ao escolher o revisor, assim como o revisor não será
informado sobre tudo o que poderia ser importante em relação ao mandado. Seria, portanto,
interessante definir e apontar quais componentes têm mais peso e, assim, poder traçar o roteiro
de um dossiê a subsidiar as escolhas no processo de revisão.
revisão é serviço importante e caro, melhor que seja aplicado seletivamente. Como custa
dinheiro, a escolha da revisão é também escolha financeira.
Cabe usar a revisão como parte da gestão de riscos. Os problemas nos documentos
produzidos não têm sempre o mesmo impacto, dependendo do gênero, de sua destinação e de
outros elementos. Portanto, é com base nesses dois critérios básicos e nos demais componentes
que deve ser decidido o caminho para a revisão. Nota-se que, entre os fatores que influenciam
as escolhas de revisão que mencionamos, aqueles relacionados ao original e ao público-alvo
são dos mais decisivos.
Com base nesses critérios, a questão será encontrar a combinação ideal. Considere-se
primeiro o risco do equacionamento entre oferta (confiabilidade do revisor) e demanda
(importância do escrito). Por exemplo, se um documento muito importante for revisado por um
revisor considerado menos confiável, o risco é significativo. Por outro lado, se for revisado por
um profissional confiável, o risco é menor. Com base nessa determinação do risco, fazem-se
recomendações de revisão: para o exemplo do documento importante que foi revisado por um
profissional menos confiável, considera-se a segunda revisão indispensável. Se o mesmo escrito
foi revisado por um revisor confiável, a segunda revisão ainda é necessária, mas não tanto.
Há algum parâmetro-chave para revisão? Se supusermos que o revisor tem muito pouco
tempo disponível, há pontos que ele terá que controlar? Entre os critérios substantivos, o da
fidelidade ao significado material e o da legibilidade são imperativos, independentemente da
importância do texto. Entretanto, não há leis universais aplicáveis às práticas do revisor; elas se
compõem da conjugação, análise e ponderação de todos os elementos disponíveis à altura da
ordem de serviço.
5-113
A relação entre revisor e revisão como prática e como produto toca em importante
dimensão profissional da revisão. Mesmo ao longo dessas linhas, já temos apontado alguns
elementos ligados a tais questões. As muitas vezes que mencionamos isso mostram a
importância das relações humanas em toda análise. Destaca-se sempre a importância da relação
entre o revisor e os atores: o editor, o autor e o contratante. A relação do revisor com o autor é
a mais difícil. Sob esse prisma, a revisão tem duas facetas: uma é técnica (como proceder e por
quais critérios?) e a outra diz respeito à delicada questão da relação entre o ego dos revisores e
o dos autores.
Nós fazemos revisão de textos. Pronunciar essas palavras nos faz chorar e ranger os
dentes. O revisor, corretor, reescritor não tem boa imagem no mundo literário. Ainda assim, ele
é necessário. É essencial que o escrito seja trabalhado não apenas pelo próprio autor, pois ele
não é infalível.
Todos concordam que uma atitude de abertura e respeito ao esforço autoral deve orientar
a prática do revisor, com o propósito de favorecer o equilíbrio de poder entre revisor e autor.
Existe a possibilidade (remota, em termos práticos) de se introduzir uma fase de discussão
presencial no processo. Essas discussões cara a cara são excelente maneira de o revisor
comunicar suas correções com diplomacia ao autor.
O autor e o revisor são solidariamente responsáveis pelo mesmo produto e por sua
qualidade, qualquer falha de um prejudica a reputação do outro; eles são parceiros. É necessário
manter-se aberto o canal de comunicação entre ambos. Quando se faz uma boa revisão, toda a
arte do autor e do editor é construir a verdadeira parceria entre eles e os revisores. A revisão
deveria ser feita em conjunto sempre que fosse possível. De fato, demonstra-se com frequência
a importância do contato direto com o autor, que, ao destacar passagens, transmitir informações,
dados, confere interpretação autêntica a passagens ambíguas. Entre as ferramentas de
comunicação e colaboração existentes, além do e-mail e do telefone, existe a opção de
comentário no Word – trata-se de uma forma menos dinâmica de interagir que a seção conjunta,
claro, mas também tem suas vantagens, por exemplo, liberando o autor para a interação quando
lhe convier; paradoxalmente, essa mesma faculdade tem o defeito de que os autores ponderam
bem poucas vezes sobre as observações dos revisores e não respondem a elas na maioria dos
casos.
Para arrematar essa digressão sobre a prática dos revisores e a das revisões, podemos
observar algumas tendências sobre as mudanças feitas durante a revisão. Em todos os serviços,
a revisão leva a aumento significativo na qualidade dos textos. É praticamente inconcebível que
assim não seja, mas haverá serviços que agregarão muita qualidade, outros agregarão menos.
Notamos também que a revisão vai além da melhoria minimalista nas produções
escritas. Pelo contrário, os revisores estão muito interessados em melhorar o estilo. Isso é
evidente no alto índice de mudanças na fluidez que se costuma encontrar e proceder. As
5-115
intervenções de linguagem e estilo se concentram no fluxo textual. Vimos nas várias formas de
revisões “parciais”, focadas apenas em um quesito, limitações decorrentes de tempo e dinheiro.
➢ a revisão é feita apenas na tela, sem qualquer fase em impressão física, o que
sempre é útil, especialmente para textos longos; a prática de uma passagem pelo
texto impresso não tem sido observada, pelo custo que ela implica, pelo
distanciamento do revisor;
➢ quase não há possibilidade de contato direto entre autor e revisor. Eles devem se
comunicar por e-mail, telefone, comentário no Word – mas essa comunicação
costuma ser intermediada. Os revisores costumam ter preferência pelo contato
direto, muitos autores parecem temê-lo.
revisor é distanciada. Também vimos que o contratante intervém em muitos aspectos das
revisões, incluindo as categorias de conformidade do texto às instruções dos autores, elas se
perdem na terceirização. Na verdade, o papel do contratante é elemento que não costuma ser
abordado nos livros que tratam de revisão, assim como não se consideram, em geral, os
problemas decorrentes do mercado, incluindo a tendência de terceirização.
6-117
6 O TRABALHO DO REVISOR
Quando nossas ideias se chocam com a realidade, o que tem de ser revisado
são as ideias. (Jorge Luis Borges)
6.1 EPÍTOME
1. O revisor sempre vai dar preferência aos 7. Inúmeras pesquisas relatam diferenças em saber
interesses e desejos de quem está lhe pagando, se uma pessoa revisa o texto na tela ou no papel
procurando o equilíbrio onde for possível. – na verdade, essa é praticamente uma questão
ultrapassada.
2. A distinção que fazemos entre “revisão”,
“preparação” e “edição” nem sempre reflete a 8. Antes de se envolver na revisão de um texto, o
terminologia usada no mundo profissional. profissional deve saber que a tarefa que terá de
Assim, muitos revisores usam “edição” para se realizar corresponde ao mandado de revisão de
referir ao processo de leitura sem se referir ao um cliente – autor, editor ou designer gráfico, por
texto de origem, isso nos parece mais um exemplo – no qual esse sujeito fornece as
procedimento de controle de qualidade. informações necessárias ao editor sobre o
trabalho que deseja ver realizado.
3. Se o trabalho de revisão é contratado, é vital que
os revisores externos (trabalho a distância, 9. Vamos discutir a revisão como exercício de
autônomos, terceirizados) tenham ideia muito leitura feita pelo linguista profissional, incluindo:
precisa do que a agência de revisão ou serviço orientação da reescrita pelo autor; revisão de
gráfico espera. traduções; verificação de qualidade; equilibrar
interesses de autores e público-alvo, clientes e
4. O mandado é uma espécie efetiva de contrato que leitores; medição da qualidade da revisão.
inclui as informações úteis ao revisor para
orientar seu trabalho e intercessão, as instruções 10. Existe uma tendência para a padronização de
e as restrições impostas, o prazo que se estipula procedimentos para a relação contratual entre o
para o serviço. cliente e o provedor de revisão (freelance ou
empresa de revisão).
5. Dos itens que o cliente deve mencionar ao
revisor, um dos mais importantes, senão o mais 11. Algumas organizações adjudicam contratos de
imperativo, é a revisão que o profissional revisão, e o trabalho do revisor designado para o
desempenhará. mandado deve ser avaliado antes da entrega do
serviço e de a fatura ser apresentada ao cliente e
6. Para melhorar um texto, o revisor deve conhecer o respectivo pagamento feito ao profissional.
as principais características do trabalho: o
assunto, o propósito, o gênero, os destinatários, a 12. É difícil revisar com sucesso ou
publicação e o tamanho da escritura. entusiasticamente, a menos que você tenha se
familiarizado com a ordem de serviço.
por algum conceito de qualidade ou segundo um manual específico, nela se fazem quaisquer
correções e melhorias necessárias e cabíveis. Mas o trabalho de revisão não é o mesmo sempre,
depende do objeto – o documento escrito, depende da demanda de quem contrata o serviço e
depende da finalidade do produto a ser entregue. Com alguns textos, por exemplo, o trabalho
do revisor é restrito à correção: omissões, falhas de digitação, barbarismos, problemas de
semântica e desvios das regras da linguagem padrão. Com outros textos, os revisores também
devem fazer melhorias de fundo: aprimorar a escrita, fazer edição estilística, eliminar problemas
de ambiguidade ou incoerência e fazer pequenos ajustes no sentido de melhorar a
comunicabilidade: assegurar que o leitor vá entender o escrito segundo o que o autor desejava
ao redigir.95
Neste capítulo, vamos considerar a revisão como exercício de leitura; vamos discutir
brevemente sobre a terminologia de revisão – assunto sobre o qual já nos alongamos bastante
em outros textos e, neste mesmo livro, em outros capítulos, mas aqui apresentaremos mais as
convergências e as divergências entre alguns termos e mesmo a sinonímia entre eles; vamos
apresentar a função de revisão em relação a alguns gêneros de documentos, considerando, em
especial, os textos acadêmicos; vamos aludir aos problemas relativos à autorrevisão (a que
chamamos reescrita) e à importância da revisão alterna (feita por profissional). Em seguida,
vamos falar sobre a contratação de revisores e sobre revisores especializados – pretendemos
estabelecer a necessidade de que os revisores para determinados trabalhos sejam muito
experientes no gênero específico do original; apresentaremos o problema de se equilibrarem os
interesses de autores, clientes e leitores em relação à qualidade da revisão, o eterno trade-off
entre o tempo e a otimização, e equacionaremos a quantidade de revisão que pode ser esperada
de um revisor em cada jornada.
comum pensar que os problemas saltarão simplesmente para fora do documento sobre o revisor
quando ele põe os olhos sobre a escritura. De fato, é extremamente fácil negligenciar tanto os
problemas evidentes do texto quanto as questões praticamente insignificantes, bastando um
segundo de relapso para que qualquer tamanho de problema escape aos olhos mais treinados,
principalmente para o próprio autor – quando se trata de autorrevisão.
Infelizmente, o verbo revisar, como usado nos campos do letramento ou da revisão, não
é útil quando se trata de conceber a revisão como exercício de leitura. Para a revisiologia, é
melhor compreender revisão como o olhar ou a leitura cuidadosa do material escrito ou
impresso com o objetivo de fazer melhorias, correção ou aperfeiçoamento do escrito pelo exame
ou reexame contínuo do objeto segundo o objetivo. Revisar, no sentido da interferência que o
profissional interpõe, significa fazer ou propor aperfeiçoamento ao registro gráfico; estamos
tramitando muito mais pelo universo da leitura que pela tarefa da escrita – isso consiste
praticamente no contrário do que é o uso genérico da expressão revisar.
Consideremos revisão como olhar ou ler cuidadosamente o escrito com vistas à melhoria
ou correção, para aperfeiçoá-lo como resultado de exame e de reexame sistematizados que
resultarão em intervenções e intercessões mediativas, aplicadas como interferências
diretamente resolutivas ou proposições. Assim, o trabalho do revisor é fazer considerações e
proposições nas escrituras; é um exercício de (re)escrita a ser proposta ao cliente, não se trata
meramente de leitura e correções.
Termos como revisão, releitura, verificação, leitura cruzada, autorrevisão, preparação e controle
de qualidade são usados em grade variedade de significados e contextos. Em nossa teorização
sobre a atividade de revisão, também temos empregado termos como interferência, intercessão,
intervenção e mediação, em sentidos que, infelizmente, nem sempre são exatamente estanques,
dada a complexidade e a contaminação entre as nuances representadas por cada termo. No
serviço editorial, as pessoas saberão o que significa determinado termo – mas o sentido exato
só é assimilado internamente para aquele grupo; ao abordar pessoas de fora, mesmo
profissionais do ramo, será sempre necessário especificar o que significa exatamente cada termo
que se refere às diferentes etapas do processo editorial e mesmo às sub-rotinas da revisão.
Revisão é termo usado em serviços editoriais para qualquer verificação linguística ou,
de forma restrita, para a atividade de se verificar desvios mecânicos (erros de digitação, palavras
ausentes, erros no layout da página). Trata-se da prestação realizada por revisores profissionais
que trabalham em documento de cuja redação estiveram ausentes (alteridade, heteronomia).
trabalhos dos revisores de textos. Um revisor sênior designado pode submeter o projeto de
revisão à verificação parcial, avaliando por amostragem a qualidade dos serviços de revisores
juniores sob sua supervisão: apenas partes são lidas, eventualmente havendo comparação com
o escrito de origem. Para nós, no entanto, a revisão de textos a que mais nos referimos é
completa (todos os aspectos de toda a textualidade são verificados, com comparação com a
fonte, checagem de todos os elementos macro e microtextuais, coerência, coesão e
ortossintaxe), é simplesmente o mais alto grau de controle e aperfeiçoamento aplicável ao
documento escrito; os graus inferiores do controle da qualidade são referidos ainda como a
“revisão mecânica”– aquela que se limita aos aspectos de ortografia, por exemplo.
A distinção que fazemos entre revisão, preparação e edição nem sempre reflete a
terminologia usada no mundo profissional. Assim, muitos revisores usam edição para se referir
ao processo de leitura de uma revisão sem mencionar o texto de origem, isso nos parece mais
um procedimento de controle de qualidade. Enquanto isso, outros restringem o termo edição ao
trabalho realizado por editores profissionais em originais antes de eles serem enviadas aos
revisores ou à composição, segundo o procedimento da casa. Finalmente, muitos revisores e
tradutores, especialmente nos Estados Unidos, utilizam a palavra correspondente à edição
(editing) para significar a revisão das traduções ou mesmo no sentido que damos à preparação
do texto.
Fora do mundo editorial, o termo revisão é usado em muitas acepções que podem criar
confusão quando os revisores interagem com os clientes. Professores de redação usam
extensivamente o termo revisar para se referir à reescrita. Até mesmo editores profissionais,
quando não estão se dirigindo ao time de sua casa editora, utilizam a palavra revisão para se
referir a alterações feitas no texto por seu autor. Por exemplo, quando escrevemos o livro que
antecedeu a este,97 enviamos o manuscrito continuamente entre os autores, que lhes aplicavam
sugestões de mudanças, acréscimos e supressões. O trabalho que fizemos em resposta às
sugestões recíprocas seria comumente chamado de revisão, mas, para nós, trata-se de reescrita,
uma vez que todos nós somos autores e corresponsáveis pela criação e pelas opiniões, assim
como pela qualidade e estilo do texto. Não obstante, nenhum de nós é revisor no trabalho de
que somos autores. Da mesma forma, quando a editora decidir levar ao prelo o que alguns
chamariam de edição revisada: uma nova versão da obra com várias mudanças, adições e
subtrações em resposta a novos desenvolvimentos no campo da revisão e no nosso próprio
pensamento sobre revisão, a aplicação do conceito de revisão – naquele contexto de nova edição
– foge inteiramente à acepção de revisão com que trabalhamos.
Quem revisa para uma instituição dessas, governo ou corporações, pode ser solicitado à
famigerada “revisão urgente” ou “revisão superficial” – ou outras barbaridades dos tipos; pode
ser demandado a fazer um serviço como ele não deve ser feito, para depois ser responsabilizado
pelas falhas alheias que lhe foram impostas. Isso não é revisão, é emenda que pode até ficar, de
novo, pior que o soneto.
Na revisão literária, situações surgem em que o termo revisão (no sentido de correção e
melhoria da edição precedente) deveria ser usado com propriedade, mas não é; o termo surge e
não se sabe bem a que se refere. Um editor pode apresentar uma “nova revisão” de determinada
obra, mas não é realmente outra versão do original autoral; trata-se da revisão da revisão
publicada anteriormente, que é tratada indevidamente como original.
O revisor presta serviço e, como tal, a revisão deve ser objeto de contrato. O revisor
pode ter seu vínculo estabelecido com uma agência, empresa ou instituição de qualquer tipo,
nesses casos pode vigorar um contrato empregatício ou um contrato geral de prestação; entre o
revisor autônomo e os clientes bissextos, cada serviço a ser prestado será objeto de contrato
específico; tanto pode haver contrato formal, com todas as cláusulas necessárias ao registro do
que foi combinado, quanto pode ser feito contrato tácito, com menos garantias para as partes,
mas que assegura a simplificação da negociação. As cláusulas propostas no orçamento formal
e aceitas pelo cliente também têm vínculo contratual. Uma alternativa, pela qual temos
negociado, é a do contrato de adesão: nossas condições gerais são públicas e nosso orçamento
remete a ele, além de estabelecer as circunstâncias da negociação.
Antes de se envolver em uma revisão, o profissional deve saber que a tarefa a realizar,
o mandado de revisão, tem origem no cliente – autor, editor ou designer gráfico, por exemplo
– sujeito que fornece as informações necessárias ao editor sobre o trabalho que deseja ver
realizado. O mandado é, portanto, uma espécie efetiva de contrato que inclui os elementos úteis
ao revisor para orientar seu trabalho e intercessão, as instruções e as restrições impostas, o prazo
que se estipula para o serviço – entre outras considerações, também podemos nos referir ao
contrato ou mandado como a ordem de serviço: a instrução executiva que dará curso ao
trabalho. As informações fornecidas no mandado geralmente dizem respeito à revisão
pretendida e aos propósitos consequentes do documento, às características dele, ao meio de
revisão, ao cronograma – quando o serviço se desenvolve por etapas – e à remuneração.98
Dos itens que o cliente deve mencionar ao revisor, um dos mais importantes, senão o
mais imperativo, é como ele deseja a revisão que o profissional desempenhará. Ele quer que o
revisor faça uma revisão simples (revisão de idioma), uma revisão de fundo, uma preparação
de original ou uma correção de prova? Definem-se algumas das tarefas que revisores,
funcionários e freelancers realizam para editores de livros e revistas, corporações, associações,
governo, universidades e muitos outros grupos e indivíduos. Aqui estão algumas das principais
tarefas encomendadas aos revisores:
• revisão colegiada: mais rara, envolve várias pessoas (revisores, autores, grupos
de editores, orientadores, consultores técnicos);
• revisão de provas: inclui qualquer verificação que possa ser feita no primeiro
ou nos testes de impressão subsequentes, como fontes, gramática, layout e todos
os aspectos da apresentação visual que se confundem ou incorporam
reciprocamente elementos, duplicando as tarefas para evitar omissões;
• revisão formal: visa melhorar o estilo do documento como todo pela exploração
e aferição criteriosa dos recursos sintáticos e léxicos, – inclui corrigir problemas
de sintaxe, vocabulário, ortografia e pontuação;
Na situação de reescrita, o autor está ciente desses elementos, uma vez que ele próprio
escreveu o documento em que está trabalhando; o revisor profissional, no entanto, não sabe
com antecedência quais os atributos do material que ele está sendo solicitado a revisar, mas é
preferível que ele os tenha em mente antes de realizar seu serviço. Assim, o revisor está mais
preparado para avaliar o documento e adaptá-lo à situação de comunicação adequada ou
pretendida. Tanto para o cliente quanto para o revisor, o mandado é o lugar certo para
especificar essas informações. Se isso não for feito, o revisor deve então fazer perguntas sobre
o material, para garantir que o trabalho que ele fará esteja de acordo com as necessidades do
contratante e, assim, poder garantir que ele será atendido. Claro, quando o revisor presta serviço
regularmente para a mesma pessoa, um mandado específico é menos importante, pois o
profissional já conhece as expectativas de seu cliente globalmente. Também se dá o mesmo
6-128
quando o gênero do texto e sua finalidade constituem cânones: não há muito que indagar sobre
o que pretende o autor de uma dissertação de mestrado com seu escrito, bem sabida qual será
sua imediata função diante da banca.
A remuneração do revisor profissional é outro fator que deve ser incluso no mandado e
aqui também não existe mistério: os melhores revisores cobram mais caro, e nem por isso
deixam de ter muito serviço. O revisor experiente, maturo e altamente qualificado deve ser
reservado para documentos de grande responsabilidade, pois o custo do serviço dele é maior.
6-129
Na equipe, reserva-se o revisor sênior para monitorar, aferir e conferir o serviço de revisores
menos experientes, assim se otimizam os custos e a qualidade. O cliente que contrata revisor
autônomo para produto bissexto, que não tem muita recorrência em produção, deverá avaliar
corretamente sua disponibilidade e a importância do texto para escolher corretamente o revisor
mais adequado. Quem contrata revisor para tese, por exemplo, enfrenta custo elevado e deve se
preparar para arcar com a despesa: a demanda é de revisor especializado, experiente e o
documento é longo e complexo.
O contrato que regerá o serviço do revisor a seu cliente há de ser breve, especificando
as condições gerais da prestação, deverá incluir cláusulas mencionando quem fará a revisão, o
prazo estipulado, a colaboração entre as partes, os valores e as parcelas, assim como o controle
de qualidade que será aplicado. Podem-se incluir instruções sobre revisão (por exemplo, se a
revisão comparativa completa é esperada ou se se pretende apenas a revisão resolutiva e
mecânica), mas, mesmo que não se faça isso, o revisor sempre precisa estar familiarizado com
as instruções que foram dadas pelo autor ou pelo contratante.
O contrato precisa ser conhecido para que a equipe de revisores possa decidir sobre a
estratégia de revisão apropriada. Muitos clientes simplesmente “querem uma revisão” – sem
saberem exatamente o que pretendem; muitos supõem que a necessidade seja de mera correção
ortográfica e até imaginam que o serviço se limite a tal. A ideia de que pode haver várias
maneiras de realizar essa tarefa não ocorre a eles – principalmente, costuma não lhes ocorrer
que revisão de textos vai muito além dos aspectos mecânicos e ignoram que serão chamados a
decidir sobre uma série de dúvidas e proposições do revisor. Ou eles podem pensar que a
6-130
Considere-se este cenário: um pedido é recebido para uma “revisão textual” de um texto
jurídico. Todavia, como a revisão pode ser textual, ou seja, “nas mesmas palavras”?
Naturalmente, quem demanda uma “revisão textual” pretende uma “revisão do texto”! Talvez
a intenção fosse revisão “apenas da gramática”. Entretanto, temos visto até mesmo profissionais
oferecendo serviço de “revisão textual” e incorrendo na imprecisão que estamos apontando.
Porém, essa expressão está em conflito com toda a literatura e com os padrões profissionais: os
revisores renderizam mensagens, não palavras, e não o fazem textualmente – em nenhum
sentido.
Suponhamos que se esteja revisando um documento que não esteja perto da fonte; o
revisor se envolveu em considerável edição estilística e estrutural, até mesmo alguma adaptação
foi necessária. Sabe-se que a revisão somente será bem-sucedida se incrementar a
comunicabilidade, mas se supõe que o autor vai ver a revisão e, provavelmente, não ficará
satisfeito, entendendo ter havido excessivas interferências. Contanto que o autor não seja o
cliente pagante, sua satisfação “imediata” é consideração menor. Contudo, se o autor é o cliente,
então existe um conflito real. Caberá persuadir o autor de que as diversas interferências sejam
necessárias, ou pode ser necessário refazer (retrabalho e perda de tempo) ou declinar o trabalho
(renunciando-se aos honorários e aos riscos), sobra ainda a alternativa de passar a revisão para
outro profissional.
Idealmente, tais conflitos são esclarecidos antes de a revisão começar; por exemplo, pela
revisão de um segmento de amostra ou pelo acompanhamento mais constante do serviço, com
trocas de informação, de duas a três vezes ao dia. Se esse tipo de acompanhamento não for
possível, talvez o trabalho não deva ser aceito, a menos que o autor ou o cliente aceite
previamente as interferências e as mediações necessárias, ainda que não concorde com elas.
Revisores têm interesse em criar respeito pela sua profissão, um mandado que gere
conflito de interesses e critérios perante seu trabalho e as aspirações do contratante pode
ultrapassar o limite em que se podem cumprir as instruções dos clientes, mesmo que signifique
que alguns deles podem ir para outro profissional em trabalhos futuros. Assim, como revisores,
não podemos aceitar o projeto de revisão que reproduza o nonsense intencional ou irracional
no texto de origem, simplesmente porque o cliente pediu a manutenção de determinada
construção absurda. A revisão deve então buscar o sentido claramente pretendido, embora uma
nota (inclusive contratual) possa transmitir ao contratante a responsabilidade sobre alguns
problemas, inclusive isentando o revisor de responsabilidade sobre o produto e afastando a
ligação de seu nome à publicação. Casos desse tipo são raros, mas temos experiência correlata.
ou permita. Todavia, se o contratante não é o autor da fonte, o dever do revisor é para o cliente,
não o autor: se o revisor fez uma intervenção, então, ela pode ser recusada pelo contratante, e o
leitor da revisão tem o “direito” de ver os problemas factuais e conceituais que foram mantidos
ou inseridos; eles são parte da mensagem do cliente. Em contextos multilíngues, as pessoas que
estão lendo um documento na versão traduzida e revisada têm tanto “direito” de ver erros
factuais e conceituais como as que estão lendo o documento na língua original.
Pode-se ter certeza de que as situações surgirão e que não se pode satisfazer a todos.
Muitas vezes, será necessário decidir quais requisitos têm prioridade; pode até mesmo ser
indispensável decidir se interesses econômicos do revisor (como funcionário ou freelance) terão
precedência sobre outras considerações. Cabe sempre dar preferência aos objetivos e desejos
de quem está pagando? Ou será que, às vezes, é melhor dar preferência às metas futuras? Cabe
procurar um equilíbrio onde possível, atendendo melhor às partes, ponderadas todos as questões
em tela.99
É necessário considerar sobre quanta revisão de boa qualidade pode ser esperada de um
revisor experiente, por hora ou dia de trabalho, em cada gênero textual, em texto acadêmico ou
ficcional, por exemplo. Essa questão pode ser complicada para se generalizar: alguém que passe
a maior parte do tempo revisando teses de uma área específica do conhecimento, com textos de
origem bem escritos, em se tratando de autores muito bons, vai ter muito mais serviço bem feito
por hora em documentos do gênero que alguém que lide com textos de gêneros e assuntos muito
diversificados e que atenda a autores e originais de qualidade variável, material de uma
multiplicidade dispersa de gêneros, alguns deles sendo fora da zona de conforto do linguista.
Ainda assim, uma resposta razoável pode e deve ser dada ao cliente, estabelecendo a previsão
temporal para a revisão; na verdade, qualquer revisor deve saber dar essa resposta, todos os
revisores têm que saber fazer a previsão de cronograma para seu serviço revisão, tem que saber
se manter dentro da previsão e, por medida de segurança, todos devem trabalhar com prazos
dilatados em suas previsões para evitar solenemente qualquer atraso; nenhum cliente fica
insatisfeito por receber o serviço com alguma antecipação, mas as críticas (ou os danos) podem
ser severos se houver alguma postergação.
Acreditamos que o revisor com pelo menos cinco anos de experiência, dedicando-se em
tempo integral e em condições ambientais satisfatórias, trabalhando com uma variedade de
textos de assuntos e gêneros familiares e desconhecidos, mal escritos e bem escritos, deve ser
capaz de completar, no mínimo, quarenta laudas por dia útil de serviço (estamos considerando
laudas de 1500 toques), em um dia de oito horas, vale dizer, cinco laudas por hora de serviço.
Essa é uma média presuntiva; considere-se que esses números não significam que se possam
entregar as cinco laudas a cada hora, ou as quarenta ao fim de cada dia: a revisão é sempre
processada em “camadas” e o documento é revisado em bloco, todo o texto fica pronto ao
mesmo tempo, quando todas as releituras e checagem tiverem sido feitas.
Qualquer especialização do revisor não o desqualifica para revisar fora daqueles limites,
assim como a existência de um campo especializado da revisão não desqualifica outros
revisores para trabalharem naquele perímetro. Além disso, os campos não são estanques e há
mesmo diversas interseções entre eles. Dessa sorte, um revisor especializado em textos
acadêmicos (um gênero) poderá, perfeitamente, revisar material de divulgação científica ou
cartilha de saúde pública (outro gênero), por exemplo, documentos com finalidades bem
diversas do texto acadêmico, mas que guardam alguma similaridade, nos aspectos da exigência
de clareza, precisão, coerência. Ainda em relação aos documentos acadêmicos e às cartilhas de
saúde pública, um revisor especializado em lexicografia (gênero distinto) da biologia (campo
6-134
Com textos especializados, muitas vezes acadêmicos, vale dizer, escritos por ou para os
peritos, e frequentemente ligados aos desenvolvimentos mais recentes em alguma área da
ciência ou da tecnologia, os revisores precisarão decidir se são qualificados para revisar o
projeto. Com textos literários, por exemplo, uma obra criativa de vanguarda, os revisores
acostumados aos textos que se sedimentam em linguagem mais afeta à norma padrão também
deverão considerar sua aptidão para a demanda.
Não cabe a revisores, por mais especialistas que sejam num assunto, mesmo tendo
também formação naquela área, além da base linguística imprescindível, insistir na
interpretação dos escritos a partir de suas próprias ideias sobre o tema; não se pode rejeitar
conceitos não ortodoxos presentes no original ou noções com as quais, estando familiarizado,
reflitam corrente de pensamento divergente, embora esse tipo de ocorrência possa ser comuns
entre os conhecedores de qualquer assunto.
O revisor que tem vínculo empregatício pode desejar que o gerente tivesse recusado a
aceitar o trabalho ou que o tivesse distribuído a outro profissional. Quando chega a ele o
documento, é tarde demais; o trabalho foi aceito e o tempo já foi gasto preparando o rascunho.
Além disso, outro revisor da casa, que melhor se desincumbiria da tarefa, não está disponível.
Se o profissional não se sente qualificado, e não se pode encontrar outro linguista ou um perito
assunto, deve-se sinalizar para o cliente que a revisão pode bem conter erros conceituais e é
necessário ser contatado um especialista na matéria de fundo e na terminologia antes de o
material ser publicado. Se o revisor é um freelance, ou autônomo, é claro, ele pode aceitar ou
rejeitar um contrato de revisão – ou pode negociar a questão com o contratante, inclusive se
isentando de questões de fundo material no contrato.
As especializações dos revisores são tantas, e cada vez se amplia no número delas, que
não nos propomos a digressões sobre cada uma: primeiro, porque precisaríamos de várias obras
volumosas – e aqui é apenas uma bem limitada; depois, precisaríamos ter experiência em
diversas das especializações, o que não é cabível. Vamos tratar de dois ramos bem arquetípicos
de especialização com um pouco mais de alento: os revisores especializados em traduções e os
revisores especializados em linguagem jurídica.
O revisor de traduções tem muita similaridade com outros revisores que trabalham em
grupos, com divisão de tarefas, e o leitor poderá transpor a experiência analisada, onde couber.
O revisor de textos jurídicos trabalha com a peculiaridade de que o Direito é ciência fortemente
assentada na palavra, assim como a Filosofia, por exemplo, mas o documento jurídico reside
em palavras que produzem efeitos ou analisam circunstâncias da vida real, muito
diferentemente da Filosofia, a que nos referimos. Fora essa consideração que pode ser
estendida, em maior ou menor grau, à maioria das ciências “moles” (as sociais, em geral), as
demais considerações feitas quanto aos escritos jurídicos sob revisão serão aplicáveis a qualquer
outra área do conhecimento, assim, a especialização no campo gnosiológico pode ser útil, mas
não é imprescindível. Consideremos ainda que existe a característica atenuante de que os textos
6-136
das ciências mais “duras” (exatas, biológicas), afastado o eventual grau de dificuldade
semântica da terminologia, são muito mais simples em termos de sintaxe e eventualmente mais
claros.
Voltando à questão do revisor de traduções, vale assinalar que é uma especialização que
não se enquadra nos cortes habituais de gênero ou de tópica, mas é área de trabalho que
proliferou recentemente, postas a globalização – inclusive midiática – e a exigência da
intervenção do linguista em textos traduzidos em comunidades multilíngues, como é o caso da
Europa, cuja legislação impõe a presença do revisor nas traduções legais. Cá entre nós, os
revisores que se debruçam sobre as traduções são, quase na totalidade, profissionais que atuam
no ramo editorial, uma experiência bem distinta daquela de “revisor de tradução” no contexto
europeu.
e a revisão deve ser publicada, a seguir, o revisor deveria ser um escritor nativo ou próximo-
nativo (não apenas falante) da língua-alvo.
Voltando a nos referirmos ao profissional pelo seu desempenho, o que nos parece
inevitável, a revisão de tradução, como procedimento específico de garantia de qualidade em
projetos de tradução, recebeu mais atenção dos estudos de tradução na última década, muito em
função da legislação, principalmente europeia, a exigir esse tipo de mediação. Vamos fazer
algumas proposições de definição dos principais conceitos no campo da garantia da qualidade
da tradução, pois ainda parece não haver consenso sobre a terminologia em nenhuma língua.100
A definição que apresentamos na abertura deste tópico refere-se aos atores envolvidos
e seu perfil, abrangendo uma tradução inicial que não foi (principalmente) criada por uma
máquina é revisada e o revisor não é o tradutor. Excluir a revisão das traduções eletrônicas são
práticas científicas; do ponto de vista de nossa ótica, estamos tratando de revisores (pessoas) e
as ferramentas que elas usam são aspectos tangenciais; consideramos as ferramentas eletrônicas
Por tudo isso, novamente, referimo-nos ao revisor de tradução como sinônimo de revisor
externo e alterno e apenas quanto ao trabalho que trata desse aspecto específico da garantia da
qualidade das traduções. A definição apresentada exclui outras atividades relacionadas à
revisão e à tradução.
segmentação do conhecimento jurídico, cada vez mais fractado e especializado, cria bloqueios
comunicacionais interna corporis.
ele possua o rigor do direito pretendido e que seja acessível às partes signatárias. Na prática, a
adequação jurídica na linguagem contratual é revisada por um advogado de cada parte, todavia,
o mais provável é que cada advogado tenha sido coautor do texto (o que o desqualifica como
revisor: revisão exige alteridade e distanciamento) e tenha sempre a leitura sob a ótica de seu
representado, eventualmente, desconsiderando a reflexibilidade o direito em construção: o
contrato de compra para um é de venda para a outra parte.
Por fim, também é concebível e seria útil revisar as disposições legais ou jurisdicionais
para que elas se fizessem acessíveis em uma comunidade de pessoas. A expectativa do leitor
específico de cada da cultura em relação ao conhecimento especializado do escrito submetido
ao revisor deve ser levada em conta, podendo ser necessário reescrever segmentos de texto em
revisão mediativa. É quase uma constante, por exemplo, que os mandados não sejam
compreendidos pelas pessoas citadas, cabendo aos oficiais da justiça interpretá-los para os
pacientes; a grande questão é a fidelidade dessa interpretação, ou o eventual interesse subjacente
a que o texto permaneça obscuro para o destinatário.
A linguagem jurídica tem dois grupos de destinatários diferentes: entre os pares, juristas
e operadores do Direito, e os não iniciados nessa seara. A linguagem jurídica, entretanto, difere
de algumas outras linguagens técnicas, ela contém expressões que, na forma, correspondem às
da linguagem comum, mas que podem diferir em sua estrutura semântica no conteúdo ou no
resultado dele. Embora uma terminologia possa cumprir perfeitamente os propósitos da lei,
também é verdade que a lei deveria estar ligada à linguagem geral, pois está relacionada a
contextos específicos da vida. No entanto, ainda que a segurança jurídica devesse ser garantida
apenas por termos tão claros quanto lhes for possível, o significado de conceitos da linguagem
comum deve ser restringido por definições legais, pois a linguagem comum é fluida e imprecisa.
Também é verdade que o pensamento jurídico está, em grande parte, ligado às realidades
geralmente vivenciadas da existência humana em abstrato, dependendo e imanando, em grande
parte, das relações e ações naturais, muitas das quais pré-jurídicas, tanto no que toca às pessoas
naturais quanto às jurídicas.
Mas é ideia leiga, algo ingênua, pressupor que textos legais possam ser exequíveis e
atinjam sua finalidade, sua eficácia pragmática, sendo tão fáceis de ler quanto um romance ou
instruções de uso – na verdade, bem sabemos que romances e instruções de uso não são assim
tão alcançáveis pelo grande público. Ainda assim, os textos legais têm função muito mais
complexa na determinação jurídica institucionalizada no âmbito de uma ordem social que a
6-142
literatura criativa ou os textos procedimentais. As leis não são simplesmente o que o leitor vê
nelas, mas são interpretáveis no contexto sistemático da ordem jurídica por meio de diversos
procedimentos hermenêuticos e são aplicáveis aos respectivos casos práticos. Assim, a velha
demanda por entendimento geral das leis nunca é totalmente resgatável.
O Código Civil estipula a necessidade de a língua nacional ser observada (art. 215, VII
§ 3º), estipula a priorização das intenções sobre as literalidades (art. 112). Mas complicando
todas as situações interpretativas apenas pelo uso da expressão “boa-fé”, quase uma palavra
ônibus, o Código Civil a emprega 56 vezes – quantos serão os sentidos apreensíveis? Na
contramão dessa imprecisão – e naufragando nela, bastaria um artigo determinando que todas
6-143
as relações se pautassem pela boa-fé, e absolvendo o intérprete de mais dos mais de dois mil
artigos que constituem aquela codificação.
sempre implica o menor esforço para o maior grupo de intérpretes e não existem ideias que não
possam ser representadas por signos mais universais.
Devido ao propósito da revisão linguística, bem como às restrições éticas que o trato
com a palavra alheia impõe, a adaptação, a interferência ou a intervenção nos textos também
são vedadas ao revisor se houver risco de falso na identidade das instituições ou figuras
jurídicas. Não é a prevenção de formulações incomuns ou expressões não específicas, mas
declarações falsas que são essencialmente preservadas. Embora os termos culturais sejam
muitas vezes mais compreensíveis, eles são possíveis, mas podem levar a erro. Um exemplo é
a transferência de títulos judiciais para outras línguas.
Devido à vinculação dos conceitos legais à vida das pessoas, a perspectiva pragmática
das condições culturais do destinatário e do conceito de linguagem jurídica também é
importante na revisão. A situação estranha deve se tornar transparente. Se, em explicativos de
revisão, notas de rodapé ou comentários intertextuais à margem, surgir uma formulação que,
embora não consagrada em linguagem jurídica ou administrativa, sendo geralmente
compreensível, possa ser assimilada pelos destinatários em seu sistema linguístico sem maiores
equívocos, ela deve passar a integrar o texto.
correspondente privado. A conexão do substantivo com o adjetivo público forma uma unidade
semântica mínima, que não pode ser dividida em suas partes, mas é definida pela função geral
e ocorrência no texto jurídico. Isso não impede que a mesma expressão apareça em outros
contextos técnicos com outros significados. O “público do serviço” não significa “serviço
público”, mas público a ser servido; “receita de público” não é “receita pública”; “a público
restrito” difere de “restrito a público” – para exemplificar com uma pequena série de locuções
cujos sentidos podem ser armadilhas no texto, fontes de conexões equivocadas para o intérprete
(público-alvo) e para os eventuais tradutores.
Em geral, a revisão não altera a macroestrutura dos textos para proporcionar sua
comunicabilidade ou função documental. No caso dos contratos, por exemplo, o objetivo é
garantir que o número de sentenças individuais nos textos permaneça constante, desde que cada
cláusula expresse uma condição única, para efeito de clareza e compreensão recíproca ou
mesmo para manter a comparabilidade da comunicação entre os usuários em questão. A
manutenção dessas estruturas textuais, pode, naturalmente, também criar influências alienantes
nas convenções de texto.
O controle da qualidade a que estamos nos referindo agora pode ser feito em textos
únicos, para ajudar na contratação ou na promoção de colaboradores, por exemplo. Pode
também assumir a forma de auditoria permanente de qualidade: uma amostra de todos os textos
revisados por um revisor ou uma equipe de revisão sendo avaliada sistematicamente, a fim de
determinar o quão bem o serviço como todo está sendo feito, podendo ser mantida uma linha
histórica dos resultados obtidos para fins de estudo ou aperfeiçoamento das rotinas. A finalidade
pode ser identificar as áreas que há pontos francos, de modo que a formação continuada da
equipe possa suprir lacunas.
6-148
Considerando que o controle de qualidade textual é orientado para o texto e visa tanto o
cliente quanto o leitor, a avaliação da qualidade é orientada para os negócios. Faz parte do
trabalho de gestão das operações atuais e futuras da organização, por exemplo: pagamentos a
revisores terceirizados e acompanhamento de seu desempenho com vista a futuros contratos;
contratação e promoção de revisores; determinação das necessidades de formação; decisões
sobre o equilíbrio da equipe em relação aos trabalhos contratados e assim por diante.
Uma agência de revisão ou serviço pode querer saber quanto faturamento é proveniente
dos revisores ou tempo estão gastando em uma ou outra revisão. Para cada hora de revisão,
quantas mudanças necessárias estão sendo feitas? Quantos problemas estão sendo introduzidos?
Quantos problemas não mereceram atenção? Quantas correções inadequadas estão sendo
feitas? Quantas mudanças desnecessárias estão sendo feitas? De particular importância é a
pergunta: quantos dos erros graves não estão sendo corrigidos?
Para responder a essas perguntas, o serviço de revisão pode realizar auditorias, controle
de qualidade. Para realizar uma auditoria simples, basta coletar uma amostra de serviços
entregues aos clientes ao longo dos últimos meses e contar o número de erros (ou melhor: o
número de erros graves) que não foram capturados em um segmento de tamanho conveniente,
talvez 500 palavras. Para mais, será necessário um projeto com as revisões antigas para que elas
possam ser comparadas às mais recentes. Pode-se concentrar em um “bom trabalho” de revisão
ou em um “trabalho ruim”, como parâmetros. Sendo mais ambiciosos, podem-se distinguir os
problemas e atribuir ponderações típicas.
Uma auditoria simples desse tipo contará o número de problemas introduzidos pelo
revisor em um segmento dado (boas construções feitas más, ou más feitas pior) mais o número
6-149
de problemas não notados. Uma auditoria mais complexa consideraria não apenas erros
introduzidos ou não observados, mas também alterações desnecessárias e problemas
inadequadamente processados. Mais uma vez, podem-se distinguir as revisões de problemas de
gramática, estilo e terminologia e dar a cada espécie diferentes pesos.
É claro também se pode combinar o bom e o mau, usando uma fórmula como 2EC +
LC/2-3IT-AD/3: o dobro do número de erros de revisão corretamente corrigido (EC) mais
metade do número de erro de linguagem corrigido corretamente (LC) menos triplo o número
de interferências introduzidas (IT) menos um terço do número de alterações desnecessárias
(AD). Repetindo: também se poderiam contar todos os erros, ou somente os mais sérios, desde
que se tenha decidido o que é o erro sério. Essa fórmula é apenas uma dentre as possíveis, mas
gera um número absoluto que pode ser comparado em relação a diferentes mandados.
Os revisores individuais também podem auditar seu próprio trabalho para fins de
autodesenvolvimento. Se o profissional é novo na revisão, e não há nenhum revisor sênior que
pode supervisionar seu trabalho, ou ninguém tem tempo para fazê-lo, fazer uma cópia de cada
projeto de revisão e, em seguida, um par de meses depois, revisar novamente. Então,
comparam-se as duas revisões. As alterações devem ter as mesmas posições em ambas as
revisões, embora, naturalmente, as novas interferências podem muito bem serem diferentes. Se
as mudanças estão em muito diferentes, o trabalho é claramente assistemático, ou pode assinalar
grande evolução do profissional.
Algumas vezes, os clientes não tratam a revisão como serviço profissional e, portanto,
ignoram a posição do revisor e sua qualificação para garantir a qualidade. Do mesmo modo,
clientes podem também submeter as revisões que recebem à verificação de qualidade, usando
seus próprios critérios. Além disso, os clientes podem encaminhar a revisão concluída de um
processo de edição no qual ele receba outra revisão, eventualmente com critérios diferentes ou
até mesmo conflitantes. Por exemplo, se o cliente pretende publicar a revisão de um trabalho
científico, haverá geralmente (mas nem sempre) ser um editor para verificar o conteúdo e
terminologia. É uma boa ideia procurar saber se um editor de assunto examinará o texto que
você está revisando e quais os critérios serão adotados à frente.
sempre é método duvidoso para verificar a precisão e muito menos eficaz em relação a outros
aspectos da revisão. O revisor pode muito bem cometer um erro, e, em seguida, qualquer
discrepância entre o texto de origem, o texto revisado e o texto posteriormente editado será a
“falha do revisor”. Por outro lado, a primeira revisão pode ter sido tão profunda que nenhum
outro revisor chegará a uma formulação assemelhada – as possibilidades da língua são infinitas
e isso precisa ficar claro – não há solução perfeita, solução definitiva.
Desde que a revisão pertence ao cliente, ele é, naturalmente, livre para mudar o que se
propôs (a menos que o revisor esteja sendo identificado na obra como tal, ou tenha assinado
uma certificação da versão apresentada). Nesses casos, o revisor nunca deve fazer uma mudança
para corresponder a uma posição técnica (sobre critérios, uso da língua ou qualquer outra
matéria) com que ele não concorde, após a consideração cuidadosa de outras vistas. A função
do profissional na sociedade é dar a sua opinião informada, não repetir ou refutar outra pessoa.
rendendo $30,00 por hora, o segundo $37,50 – não importando a moeda ou a base de cálculo,
revisar mais rápido rende mais.
Mas o texto será concluído em 12 horas tão bom quanto o texto concluído em 15 horas?
Serve adequadamente a seu propósito? Há maior número de problemas persistentes nele,
possivelmente graves? Não há como contornar o fato de que a boa qualidade de quase todo
serviço demanda tempo, o mesmo no que se refere à revisão. Alcançar a precisão rigorosa, em
particular, será demorado tanto para o revisor mais rápido quanto para o grupo de revisores
mais lento. Por outro lado, parece ser falso que, quanto mais tempo se gastar na revisão, melhor
ela se tornará; há um ponto além do qual nenhuma outra melhoria será feita, o tempo está
simplesmente sendo desperdiçado na continuidade. Quando se celebra um contrato de revisão,
o cliente não quer ser cobrado por releituras sem sentido e mudanças desnecessárias! No mesmo
sentido, os revisores precisam se desapegar do trabalho que já está suficiente, com segurança,
para entregá-lo ao cliente e discutir logo as questões pendentes, encerrando o serviço.
pressão de tempo podem transferir essa pressão ao revisor e não acompanharem adequadamente
as demandas do revisor, o que pode resultar em reclamações ulteriores. Temos aqui outra
situação de trade-off, derivada da anterior: trata-se da pressão de tempo sobre o revisor que
deverá optar em atender mais ao texto ou ao cliente. A revisão tem qualidade adequada quando
o cliente se dá por satisfeito com ela, mas pode acontecer que o cliente não se manifeste
imediatamente e questione ulteriormente o que não questionou em tempo hábil; nada mais
desgostoso que comentários extemporâneos desqualificando a revisão, mas ocorrem. Por isso,
o argumento da pressão do cliente que deteriora a qualidade do serviço de revisão é muito fraco,
de fato, é antiético, e fogem às responsabilidades profissionais os revisores que atendem a
pressões temporais em detrimento da qualidade do serviço. Poucos clientes verificam
adequadamente o serviço imediatamente ao receber cada etapa dele. Como resultado, eles
podem muito bem não notar problemas que, depois, lhe serão apontados. Eles podem não estar
imediatamente em posição de reconhecer um grande erro de revisão: por exemplo, a revisão
feita pode, inclusive, fazer sentido, mas não exatamente o sentido que o escritor pretendia.
Na luta entre tempo (ou seja, dinheiro) e qualidade, os revisores enfrentam um dilema:
como empregados ou contratados, eles devem considerar as preocupações financeiras do
contratante, entretanto, como profissionais, deve-se dar prioridade à qualidade do serviço.
Revisores autônomos estão na mesma posição que os empregados: todos precisam ganhar a
vida, mas também têm um dever profissional. Claramente, não há uma resposta fácil.
Para melhorar a qualidade do serviço e para que se possam oferecer garantias mais
sólidas, pode ser útil (embora demorado) manter registros que fornecem medições de sucesso
e insucesso: controle dos prazos, quantificação das queixas e registro dos elogios, problemas e
soluções em relação aos revisores supervisionados e os terceirizados.
7 FORMAÇÃO DO REVISOR
7.1 EPÍTOME
Vários objetivos estão associados ao ensino da revisão. Antes de tudo, na formação para
se tornarem revisores, os alunos devem receber a noção de retrospectiva, entendida como o
duplo fato de que a revisão é separada do processo cognitivo de escrita e que o revisor se
7-156
apresenta como o primeiro leitor do texto. No papel ficto de destinatário privilegiado, o revisor
representa mais o público-alvo do que personifica a autoridade competente:106 a figura nefanda
do policial do texto. Procuraremos demonstrar neste tópico o modo pelo qual a teoria
fundamenta a revisão profissional, portanto, deve integrar a formação do revisor. Há
questionamento feitos por revisores profissionais e, às vezes, até por empregadores quanto à
importância da teoria da revisão, do ensino da revisão e de sua prática; infelizmente, devemos
apontar que esses questionamentos advêm de pessoas completamente alheias aos modernos
conceitos de revisão. Apesar dos esforços já realizados e das numerosas discussões em torno
da contribuição do ensino teórico para os programas de formação de revisores, os serviços de
revisão, em todos os lugares, continuam ignorando essa questão, ignorando o real papel da
teoria em seu trabalho. Vamos apresentar nossa reflexão sobre a contribuição da teoria para
programas de formação de revisores profissionais, no intuito de colaborar para afastar algumas
nuvens que pairam sobre a questão.
Não se trata de propor novo curso regular de bacharelado ou de justificar a posição dos
serviços de revisão ou universidades no que diz respeito à oferta de ensino formal, antes,
apresentamos nossa proposta para incentivar a aproximação entre teoria e prática, profissional
e academicamente, no contexto brasileiro. Também não teremos nenhuma veleidade no sentido
de imaginar que nossas linhas alcançarão, pelo menos não diretamente, empregadores que ainda
não se deram conta do estado atual do entendimento do que seja a revisão de textos. O objetivo
da proposta que se segue é subsidiar a exposição de aprendizes a ideias e conceitos de revisão
de ontem a hoje, usando diferentes teorias, sem fazer uma opção exclusiva por qualquer corrente
e, assim, incentivá-los a entender os processos de revisão que usam e a abordar questões
importantes no campo profissional. A base teórica também permite que neófitos entendam
melhor o que é revisão e adquiram o conhecimento necessário para fazer bom uso dos recursos
disponibilizados a eles.107
O termo revisão refere-se tanto ao resultado da atividade do revisor quanto aos diversos
procedimentos que a levam a isso. No modelo básico de Hayes e Flower,108 desenvolvido a
partir da análise de protocolos de produtores de texto especializados, o processo de revisão,
assumido como etapa da escrita, consiste em dois subprocessos: a releitura (pelo autor) do
primeiro rascunho e a revisão (pelos revisores), e podem ser definidas de acordo com duas
A revisão requer que o autor renuncie a seu primeiro rascunho, à redação dada
originalmente. Essa capacidade de delegar estaria relacionada ao reconhecimento da habilidade
Desse modo, para autores e revisores iniciantes, a revisão aparece mais frequentemente
como uma série de correções formais de superfície, resultantes de processos de baixo custo
cognitivo. A revisão semântica, mais complexa e opaca, devido à necessidade de considerar a
necessidade de esclarecimento do leitor, dificilmente acomoda a atividade mental reflexiva
isolada. É por isso que as intervenções propostas durante a atividade de revisão colaborativa
contribuem para o desenvolvimento da capacidade cognitiva e operativa do revisor aprendiz,
levando-o a se desengajar de posturas gramático-normativas e melhorar a qualidade do texto.113
dizer, devem ser instrumentalizados para passar a revisar a estrutura e a substância de todo o
documento, com vistas a considerar a leitura por e para o outro.
Tal concepção cognitiva da revisão se distingue de outras abordagens que diferem entre
si, dependendo do campo de pesquisa e das múltiplas perspectivas do revisor. Assim, a análise
dos vários pontos de vista e a consideração dos contextos da revisão enriquecerão os
oito disciplinas, das quais cinco faziam parte de um currículo básico (língua portuguesa,
literatura portuguesa, literatura brasileira, língua latina e linguística) e as outras três escolhidas
entre cultura brasileira, teoria da literatura, uma língua estrangeira moderna, literatura
correspondente, literatura latina, filologia românica, língua grega e literatura grega. Em 2002,
extingue-se a obrigatoriedade do currículo mínimo. A antiga formação de três anos de formação
básica e um ano de licenciatura é substituída, em geral, pela formação em licenciatura que deve
acontecer desde o início do curso. Os currículos permanecem focados em estudos literários e
linguísticos, restando pequeno espaço curricular para linguística aplicada, cultura, entre outras.
Entre 2000 e 2002 foi formada uma comissão que visitou inúmeras instituições e pôde
constatar quão precária estava a formação de professores – principal meta dos cursos à época,
destacando os projetos pedagógicos insuficientes e a utilização de bibliografias defasadas.
Havia lacunas na formação pedagógica em vários currículos, ficando as disciplinas a cargo de
pedagogos sem qualificação específica, cujos planos de aulas eram importados de outras
licenciaturas. Outra dificuldade era a qualificação dos coordenadores, na maioria das
instituições, feita por indicação política em detrimento da competência, comprometendo a
qualidade da gestão e do ensino. Três fatores combinados acabam por gerar a situação
desconfortável dos cursos de Letras atualmente: a baixíssima motivação para exercer a
docência, o excesso de vagas nos cursos de licenciatura e a qualidade duvidosa aliada à
estagnação dos currículos.
A qualidade duvidosa pode ser explicada pela forma em que os projetos pedagógicos
são formulados, geralmente com o objetivo de reduzir gastos. Outro fator é a existência do
famigerado “pacto de mediocridade”, no qual o professor passa o aluno mesmo sabendo da falta
de condições dele, e o aluno, por sua vez, não perturba o professor. Esse fator, praticamente
universal no ensino, em muitas áreas, agrava ainda mais a situação precária em si.
As licenciaturas duplas têm outro impacto negativo sobre a qualidade dos cursos. Para
que isso se reverta, seria necessário que teoria e prática se inter-relacionem na reflexão que
busca na teoria respostas para a prática. Nesse sentido, entende-se que os cursos de Letras
deveriam proporcionar ao aluno conteúdos sobre o processo de ensino e aprendizagem, bem
como o domínio de técnicas pedagógicas, no que toca às licenciaturas, fazendo-se necessária a
inclusão de, no mínimo, dois semestres de linguística aplicada, para que, à luz dos conceitos
discutidos, mudanças conceituais e da práxis ocorram. Os cursos de Letras ainda precisam
encontrar meios de proporcionar ao futuro professor ou ao linguista condições para desenvolver
7-164
Ainda nos dias de hoje, boa parte dos cursos de bacharelado em língua portuguesa ou
comunicação não possuem alguma vertente com direcionamento para a formação de
profissionais da revisão de textos, normalmente cabendo, nas universidades, à pós-graduação a
formação em revisão, mas esses cursos quase sempre aprofundam questões de redação e
gramática, deixando de lado a questão da edição e revisão de textos, não obstante, cabe-nos
apontar algumas graduações que já existem com tal enfoque: Bacharelado em Letras/Edição,
Universidade Federal de Minas Gerais; Bacharelado em Letras/Linha de formação em
Tecnologias de Edição, CEFET-MG; Bacharelado em Comunicação Social/Habilitação em
Editoração, Universidade de São Paulo; Bacharelado em Produção Editorial, Universidade
Anhembi Morumbi; Bacharelado em Produção Editorial, Universidade Federal de Santa Maria.
Uma das primeiras questões que surgem em relação ao revisor, principalmente do ponto
de vista do contratante, é como ele foi formado, pois – evidentemente – as competências para
o ofício não são inatas. A prática profissional mostra que agências de revisão e editores
recrutam, frequentemente, autores experientes para o trabalho de revisão, aqueles que provaram
suas habilidades de escrita e confiabilidade ao longo do tempo; outro caminho – bem mais
moderno e coerente – é a contratação de estagiários ou jovens recém-egressos dos cursos de
Letras, e treiná-los no exercício do ofício. Assume-se, em ambos os casos, que, além da
competência de escrita, possuam todos os conhecimentos linguísticos e perfil necessários para
interferir no texto dos outros. No entanto, muitas vezes, os escolhidos para serem formados não
têm o conhecimento que pode servir de base para o trabalho de revisão. Isso resulta em uma
série de tentativas de intervenção e conflitos desconfortáveis entre o autor e o revisor. Revisores
inexperientes muitas vezes precisam adquirir as habilidades básicas de seu trabalho à medida
que realizam revisões – parece que isso não é muito diferente da maioria dos ofícios.123
A prática descrita acima realmente assume algum processo construtivo pelo qual o
aprendiz primeiro se torna linguista profissional, depois escritor experiente e, eventualmente,
revisor. Esse processo de desenvolvimento, no entanto, não nos diz nada sobre as habilidades
que o revisor deve ter, mas que o autor pode não ter. Infelizmente, o arcabouço legal também
não fornece à profissão definições aplicáveis. Os revisores sêniores devem ter qualificação
reconhecida e experiência profissional documentada, bem como experiência de produção de
textos – consonante o processo evolutivo mencionado. Os revisores juniores e estagiários serão
formados pelos mais experientes. Adicione-se a tudo isso que já existe significativa base teórica
quanto ao ofício e às práticas de revisão e ela deverá ser incorporada em algum momento; para
tanto, sabemos que existem cursos de revisão que, em regime de pós-graduação, supram
algumas lacunas de quem já tem amplo domínio da língua e quer se dedicar ao ramo da revisão;
também já mencionamos que existem graduações em Letras voltadas especificamente para a
área editorial. As duas últimas alternativas, muito bem recebidas, suprem o candidato a revisor
de alguma bagagem teórica, mas é na lide diária, sob a supervisão do revisor sênior (ou editor
com experiência de revisão), que se vai moldar o novo profissional para a revisão.
Tanto o autor quanto o revisor se esforçam para produzir uma comunicação textual bem-
sucedida e bem assimilada pelo leitor. Eles procuram garantir que o texto produzido seja isento
de interpretações erradas, minimizam equívocos, procedem conforme as normas da linguagem
adequada ao respectivo documento; eles trabalham para que o escrito possa ser facilmente
processado e contenha as informações relevantes bem ordenadas para o leitor. Aliás, a revisão
é muito mais que “outro par de olhos”, bem mais que outro escritor deslizando os olhos pelo
escrito após ele ter sido dado por concluído pelo autor. A tarefa dos revisores é aferir o trabalho
escrito segundo seu gênero e público-alvo e corrigi-lo em relação aos aspectos gramaticais e
estilísticos, de acordo com os requisitos (formais ou informais) da linguagem moderna e natural.
Os revisores visam produzir um documento que, como resultado das intervenções, seja preciso
trabalho e incentivar estudos e pesquisas – desde que não constituam mero reforço gramático-
normativo ou, no pior dos casos, simples caça-níqueis à guisa de pós-graduação.
Há quem julgue não ser possível ensinar revisão na graduação, pelo menos não como
formação profissional, mas apenas como ferramenta para melhorar as habilidades linguísticas,
relegando a formação específica em revisão à pós-graduação ou formação profissional no
mercado.127
Traçando o perfil do moderno formador de revisores, ele deve ter diploma universitário
e experiência de campo relevante (como revisor, editor, preparador). Um fundo de formação
didática também é desejável, não como qualificação necessária, mas o formador deve, pelo
menos, ter participado em curso adicional de habilidades de treinamento. Também é necessário
que o formador conheça e possa consultar a literatura de estudos de revisão e outras obras que
apoiem regularmente o ensino da editoração. Os autores mencionam que a afiliação a uma
organização profissional também seria desejável; na verdade, isso não se aplica à realidade
brasileira. As necessidades para a formação do revisor com base linguística serão certamente
diferentes daquelas do treinamento do revisor profissional que não tenha graduação em Letras;
o professor universitário ou o profissional como relações públicas, advogado ou engenheiro
também podem vir a se tornar revisores, mas o treinamento necessário será profundamente
distinto.
As competências não estão listadas por ordem de importância, mas a figura 2 indica
como elas se complementam, são interdependentes e se fortalecem mutuamente.
Essa parte do modelo ostenta a característica mais próxima ao perfil desejável do revisor
moderno. O formador deve estar ciente do funcionamento do mercado de revisão e ter
experiência de prestação de tais serviços. Essa prestação de serviços, no caso do revisor
autônomo ou freelance, consiste das seguintes etapas:
O formador deve selecionar textos, para fins de ensino, que eles próprios sejam capazes
de revisar (ou já tenham revisado) com profissionalismo elevado, especialmente no que diz
respeito à linguagem e aspectos interculturais do trabalho. O formador deve estar familiarizado
com outras profissões relacionadas ao ofício da revisão, para que possa mostrar a seus alunos
com sucesso as expectativas do mercado e identificar as áreas em que os alunos precisam de
mais desenvolvimento, com vistas a que seu trabalho se torne comercializável. O treinamento
de revisão será, portanto, idealmente, a imitação do que o revisor profissional faz na vida
prática.
É por isso que os alunos em formação devem estar familiarizados com os três elementos-
chave das atribuições de revisão: tempo, preço e qualidade. A respeito dos prazos, o treinamento
em mantê-los deve começar tão cedo quanto possível, com atribuições de tarefas a serem
desempenhadas em privado e com tempo cronometrado; isso durante todo o treinamento.
Aqueles que são incapazes de cumprir prazos devem ser aconselhados a escolher outra
profissão. É necessário que o treinamento ensine o aprendiz a agir com cautela, mas propiciar
a ele meios para o ganho de tempo e para o contínuo incremento da velocidade de trabalho.
Definir-se pelo exemplo é importante: se o formador é rigoroso sobre os prazos, ele não pode
ficar adiando a correção das tarefas atribuídas. Idealmente, a qualidade esperada e o preço são
diretamente proporcionais, a pontualidade deve ser transmitida pelo instrutor pelo exemplo, ao
avaliar as tarefas domésticas dos estudantes com presteza e rigor; o mercado penaliza aqueles
que não cumprirem os prazos e os que forem muito lentos – tanto quanto serão punidos os que
não apresentarem resultados qualitativos satisfatórios.
Além de discutir revisões, outro elemento útil e motivador das aulas de revisão é o
revisor-professor falar sobre sua experiência de mercado e responder às perguntas dos revisores
em formação sobre a vida profissional. O formador pode convidar outro revisor experiente, de
vez em quando, para discutir as revisões em conjunto. Estagiários e revisores em formação
também podem lucrar com a visita a uma agência de revisão, ou editora com departamento de
revisão, onde eles possam ver e ouvir no local sobre as atividades da empresa e aprender quais
são as expectativas (e as frustrações) dos revisores. A formação de revisores deve incluir
7-172
O formador deve estar ciente das necessidades dos alunos e das expectativas do
programa. Propor um questionário de análise de necessidades pode ser útil no início do curso,
especialmente se for a primeira vez com o grupo. Podem ser feitas perguntas sobre a experiência
dos participantes, as necessidades, os objetivos, os pontos fortes e fracos. O questionário pode
tornar-se parte da pasta de revisões dos estagiários e servir de ferramenta valiosa para avaliação
e autoavaliação. Outro documento que vale a pena incluir na pasta é o perfil do revisor moderno.
Conhecer as competências é, de fato, forma de metacognição; porém, essa noção, ao lado de
habilidades práticas, também é necessária no treinamento de revisores.
documento provaram ser desafio e que problemas eram típicos. O formador pode fazer uma
versão mista do texto revisado, integrando o trabalho de mais de um aluno, comparando os
problemas mais típicos e as melhores soluções propostas, pode também propor avaliações
cruzadas entre as revisões ou troca circulares de trabalhos, para críticas mútuas e sugestões
recíprocas.
Se os estagiários revisarem o texto para a classe e puderem discuti-lo uns com os outros,
eles adquirem mais autonomia no processo de revisão. Eles devem poder fazer tantas perguntas
quanto quiserem, mas eles carregam a responsabilidade final sobre seu próprio produto. O
formador também deve verificar algumas das revisões corrigidas em classe, para ver o quão
longe os alunos são capazes de avançar ao produzir uma revisão de boa qualidade por conta
própria, mesmo usando ajuda externa.
Essas sugestões são apenas exemplos das atividades que podem tornar o treinamento
mais eficaz, variado e estimulante. Os pesquisadores incentivam os formadores de revisores a
conhecer a literatura de estudos de revisão e produzir material didático para aplicarem seus
cursos.
Preferimos iniciar a formação do revisor com estagiários que sejam estudantes de Letras
entre o terceiro e sexto semestres do curso, como já mencionamos, quando já tenham cursado
as disciplinas básicas de linguística e de sintaxe, mas ainda não tenham abandonado o frescor
da motivação inicial, da vontade de aprender, e estejam suficientemente abertos a práticas e
rotinas novas. Para tais estudantes, adquirir habilidades da revisão pode ser considerado como
implementar novos ciclos motivacionais. Na fase do ajuste do objetivo, no começo do curso, o
formador pode pedir que os aprendizes listem seus escopos quanto ao próprio desenvolvimento
na escrita – necessidade imprescindível. Na fase de ação, durante o semestre, a conclusão e a
avaliação das tarefas dividem a fase em ciclos menores e as fases de ajuste e avaliação de metas
são concretizadas em etapas bem objetivas. Voltando regularmente às metas estabelecidas no
início do treinamento, pode-se tornar o processo de aprendizagem mais eficaz. Dessa forma, os
alunos podem ver quais estratégias, atividades e ferramentas de assistência concretas levaram
a soluções aceitáveis e corretas em suas revisões, como interferências microtextuais. Cada
tópico da formação será concluído tanto pela avaliação do formador (mais sobre isso na seção
seguinte) quanto pela autoavaliação dos aprendizes. Esse é o ponto em que vale a pena retornar
aos objetivos estabelecidos no início do curso e tanto o aluno quanto o formador podem refletir
sobre o que deve ser adicionado ou modificado no futuro. Esses passos podem ajudar os
revisores estagiários em sua jornada para se tornarem profissionais reflexivos, autocríticos,
proativos e com capacidade para determinar em que áreas precisam incrementar o
desenvolvimento profissional que será sempre continuado.
Ao fim de cada curso, o formador deve dar retorno completo sobre o trabalho do
estagiário, feedback que pode ser baseado nas competências exigíveis. No domínio da prestação
de serviços de revisão, por exemplo, o desempenho do estagiário em matéria de prazos deve
ser mensurado à luz da evolução havida. Ao avaliar as revisões, os pontos fortes e fracos do
estagiário relacionados às outras subcompetências (linguística, temática, erudição, pesquisa) se
tornam visíveis.
A avaliação do desempenho dos aprendizes deve ser baseada em várias tarefas, não
apenas em uma revisão ou em um teste escrito. Dessa forma, constrói-se a imagem mais realista
do desenvolvimento do aluno ao longo do curso e se faz acompanhamento mais eficiente de
seu progresso. A competência de julgamento do formador deve incluir a autoavaliação, a
avaliação do curso e as melhores práticas do formador, tanto nos objetivos pontuais como no
conjunto da formação. Na sequência da evolução dos estudos de revisão e do mercado, as
práticas de ensino devem ser continuamente atualizadas, no que se refere ao material didático,
à formação teórica dos cursos, aos métodos aplicados no ensino e ao conteúdo das competências
descritas. Assim como o aluno idealmente define metas e considera seu próprio trabalho, o
formador também deve tomar medida de apreciação, balanceamento e produzir relatórios para
aperfeiçoamento na continuidade do desempenho. Estabelecer rotinas de avaliação é útil e
inerente ao trabalho do formador, propor as mudanças necessárias é tão importante quanto
acompanhar a evolução. Os formadores devem estar sempre prontos para julgar criticamente
suas próprias práticas, antes de o fazer em relação aos desempenhos alheios.
7-178
Essa função didática, que visa aperfeiçoar o revisor, ressalta precisamente a força e o
valor da revisão, uma arte imperfeita que nunca pode garantir que o produto ruim intrínseco se
converta em bom texto. A revisão também não deve ser vista apenas como forma de ação
corretiva – reiteramos tal ponto exaustivamente. A importância real da revisão que justifica o
valor do investimento é como ferramenta de feedback, permitindo que seus resultados sejam
canalizados para todo o ciclo de produção do documento, a fim de eliminar ou reduzir
problemas na fonte, considerada como geratriz, tanto quanto saná-los in casu.131
Pode-se, no entanto, expressar duas reservas sobre essa proximidade entre revisão e
produção, advertências que são até mesmo propostas pela inversão da ordem canônica da
intercessão (primeiro o autor escreve, depois o revisor trabalha). A primeira é de natureza
temporal, o planejamento ocorre durante toda a produção, em particular como já mencionado,
quando o autor faz uma pausa enquanto escreve. Portanto, esse subprocesso vai além da fase
de planejamento observada na antecedência. A segunda reserva diz respeito às habilidades do
revisor em formação. Ele é capaz de contribuir no planejamento da produção verbal escrita?
Ele compreende o planejamento pelas quatro operações de Sommers citadas?135 O trabalho
sobre essas questões no campo da psicologia cognitiva enfatiza que o revisor em formação e o
revisor sênior fazem as coisas de forma diferente porque não têm as mesmas habilidades – se
as tivessem, estariam no mesmo patamar. Por essa razão, e porque a habilidade de escrita é
adquirida principalmente em ambiente escolar, modelos editoriais construídos para escritores
experientes, mesmo que tenham estimulado muita pesquisa, não podem ser adaptados para
estudar o desempenho de revisores jovens.136
Além disso, a reflexão sobre o ensino da revisão não pode se limitar a contar uma
experiência, por mais bem-sucedida que seja – para defender a replicação da estratégia. Da
mesma forma, tampouco temos a veleidade de propor um programa ideal, uma espécie de
modelo exemplar, do qual seria desejável chegar o mais próximo possível. Tal atitude
pressuporia que a revisão fosse atividade singular, homogênea, claramente definida e
perfeitamente limitada. A revisão começa e acaba por ser atividade plural, polimórfica e
multidimensional. Ela é forma de prática social inerente e consequente à linguagem. É por isso
que tentar elaborar um quadro explícito para o ensino da revisão nos leva a questionar as
circunstâncias em face. Se existem várias formas de revisão, o ensino também deve assumir
formas diferentes. Além disso, qualquer ensino pressupõe recursos humanos e materiais que
não são tão distribuídos ou, no caso da revisão na práxis do ofício, nem são abundantes.
Finalmente, o mercado de trabalho e as necessidades variam amplamente de país para país (elas
variam enormemente dentre as grandes regiões do vasto território brasileiro!), o que restringe
a replicação de um modelo em escala global; podemos afirmar que esse não é o menor paradoxo
nesta era de globalização. O ensino da revisão pode perseguir quatro objetivos principais:
formar futuros revisores profissionais; discutir a teoria da revisão; proporcionar a prática da
revisão; e treinar formadores de revisores. Dependendo do objetivo em foco, o ensino da revisão
é organizado de modo diferente, mas os princípios da linguagem como prática social devem
subsistir a quaisquer variações.137
Esperamos que seja possível propor uma estrutura de formação completamente diferente
daquela bacharelesca e de cursos de pós-graduação (quase sempre, caça-níqueis acadêmicos –
reforçando essa triste realidade) que se limitam à retomada de gramática normativa temperada
com alguma linguística (mal)aplicada. Após o ensino de Letras e a formação de professores de
línguas fracassarem em capacitar revisores para o mercado, o paradigma da formação de
revisores profissionais muda. A revisão não é mais vista como correção um pouco mais
sofisticada e profunda, mas como processo de intercessão. Não se trata mais de colocar o
documento em sua forma canônica, mas de promover o contato entre as pessoas: o autor e seu
desejado leitor são os usuários, os destinatários e os beneficiários da revisão. A revisão
profissional, ao contrário da revisão pedagógica, aquela que se processa nos diversos níveis do
letramento, tem dimensão funcional. O revisor atua como um relé na cadeia de comunicação,
seu papel é “entender para fazer entender”138. A teoria subjacente não é mais a linguística
descritiva ou funcionalista, mas a teoria comunicacional lastreada na linguística interacional.
Na verdade, o significado não está ligado às palavras, mas é construído a partir de palavras.
Para isso, o revisor utiliza seu conhecimento linguístico, mobiliza sua ciência sobre o assunto
em pauta e recorre amplamente à base sociocognitiva relacionada; muitas vezes, todo esse
arcabouço é solicitado por um jogo de analogia, leva em conta a situação de produção do texto
reunindo todas as circunstâncias, o que lhe permite interpretar o escrito, fazendo-o emergir para
significar. Então, o revisor se apropria da palavra; em outros termos, é ele mesmo que
ressignifica, por sua vez, para o leitor que agora é seu. Todo esse processo tem implicações para
o ensino da revisão, tanto em relação a seu conteúdo quanto a sua organização.
Hoje em dia, é considerado apropriado usar tarefas reais no ensino de revisão, pois elas
proporcionam aos alunos relevância prática, dando-lhes imediata noção de como o revisor
profissional atua. Ao mesmo tempo, tarefas assim aumentam a motivação dos alunos. No
entanto, não deixa de haver diferença significativa entre as revisões feitas sob a supervisão do
revisor sênior, atuando como professor, e a prática de revisores profissionais no mundo real,
pois os aprendizes de revisão, nessa circunstância, atuam sob escudo protetor do supervisor, já
que, em última análise, é o revisor sênior que assume a responsabilidade pela qualidade do texto
revisado.
As tarefas reais a que estamos nos referindo são atividades autênticas de serviço
contratado, nas quais existe cliente, existem prazos, existem especificidades, haverá controle
de qualidade e, inclusive, haverá remuneração – as tarefas reais em documentos contratados
têm sido cada vez mais utilizadas no treinamento de revisores há vários anos, pois são
consideradas meio amplamente testado de atender efetivamente as demandas da revisão
didática. A revisão didática é o método realista de demonstração da complexidade da verdadeira
situação de processamento documental no contexto do treinamento de revisores. A vantagem
dos contratos autênticos é que, idealmente, levam à adaptação da formação à realidade do
mercado. No entanto, a praticidade de tais atribuições não beneficiará apenas os alunos, também
favorecerá os revisores que atuam como treinadores, que podem ter perdido contato com a vida
transacional de nossos dias há algum tempo, ou podem ter se distanciado das rotinas
procedimentais, ou podem estar com alguma defasagem teórica e, nessa lida didática, são
7-182
obrigados a se atualizar e a voltar às rotinas ideais. Além disso, tarefas reais são capazes de
motivar os alunos de forma completamente diferente das atribuições que lhes eram feitas
tradicionalmente, com arquivos apenas de exercício, pois, sabendo que as interferências que
fazem atenderão à demanda do cliente real, os alunos são muito mais estimulados, mesmo que
as revisões sejam submetidas pelo menos a uma revisão de controle pelo instrutor antes de ser
dada sequência ao texto, devolvido ao cliente ou realmente encaminhado para editoração e
possivelmente até publicado. Escusado ressaltar o estímulo mais eficiente de todos nesse
processo: a remuneração. Ainda que a remuneração dos aprendizes se estabeleça em patamares
muito baixos, crescendo em paralelo a sua experiência e habilidades, quase todos somos
suscetíveis a recompensas materiais.
contrato ou no orçamento apresentado; o documento revisado terá aplicação real, que pode ser
a publicação, a defesa (no caso de uma tese) ou o arquivamento, dependendo da respectiva
finalidade.
É preciso dizer que as tarefas reais na formação de revisores não têm as mesmas
condições de trabalho que os revisores profissionais encontram quando atuam como autônomos
ou contratados de uma agência de revisão, editora, órgão público… uma vez que, na prática, os
diversos perfis de vínculo funcional podem diferir relativamente uns dos outros. Por outro lado,
os alunos atuam sob uma espécie de manto protetor, pois o supervisor atua como consultor e
como fiscalizador, além de ser responsável pelo controle de qualidade sobre o documento
revisado e sobre o processo de revisão; em última instância, o formador é responsável pela
qualidade da revisão e pela qualidade do texto revisado. A carga de trabalho adicional resultante
e a responsabilidade extra podem parecer constituir impedimento para alguns profissionais
seniores assumirem o papel de formadores, porém, feito o equilíbrio financeiro, a revisão
supervisionada e o treinamento de revisores por esse processo se mostram compensadores para
todas as partes.
Vamos apresentar nossa proposta em duas partes, uma parte teórica geral seguida de
outra empírica e analítica. No entanto, as duas partes não são estritamente separadas uma da
outra, mas realizam diálogo contínuo entre si, uma vez que as reflexões teóricas controlam o
procedimento metodológico da análise empírica assim como os requisitos analíticos têm efeito
na reflexão teórica.
linguageira, ainda controverso e aberto aos significados da práxis. Uma agência de revisão é
atividade profissional, equiparada à expertise do revisor sênior autônomo, qualificação que só
pode ser alcançada após vários anos de experiência profissional, e é percebida como antônimo
à ação não profissional, amadora ou amadorística – ainda que exercida por diletantismo ou pro
bono. Para nós, a atuação com a qualificação de profissional sênior não pode ser obtida na
universidade, ou em qualquer curso de formação. O profissional maduro resulta da interação de
expertise adquirida pelo treinamento e da habilidade obtida por longa experiência profissional
como revisor.
No que diz respeito à garantia de qualidade das revisões, obviamente, o padrão de cada
agência de revisão tem impacto na qualidade dos produtos. No que diz respeito à revisão, a
norma ou os manuais empregados ajudam a esclarecer a confusão de conceitos. Por exemplo,
é necessária clara distinção entre preparação, revisão primária, revisão final e outros segmentos
metodológicos em que se divida cada serviço, segundo o costume da casa editora ou da equipe
de revisores. Isso deve, sem dúvida, facilitar a comunicação entre prestadores de serviços de
linguagem e contratantes e evitar mal-entendidos. Também contribui para o serviço e o
acompanhamento do revisor supervisor, durante a execução do mandado. Nesse contexto, deve-
7-185
se notar que o trabalho exigível do revisor em formação, nos círculos translacionais, às vezes,
é mais problemático que apreciado e mesmo revisores profissionais não entregam
automaticamente revisões adequadas ou com a devida pontualidade. Em última instância, as
garantias da qualidade e pontualidade devem ter relevância maior que tem sido o caso até agora,
dada sua seriedade; o mesmo se aplica à formação de revisores, que devem sempre ser treinados
para o cumprimento rigoroso dos prazos, com máxima qualidade, e em tempo exíguo.
Juntem-se ainda as habilidades de pesquisa de que o revisor deve ser provido; em suma,
elas servem para preencher lacunas de conhecimento e memória. Trata-se de recorrer sempre
às fontes de consulta, em casos de dúvidas, e de saber reconhecer a autoridade da fonte
consultada. Além da competência linguística, competência intercultural, expertise técnica,
acesso à tecnologia e relacionamento interpessoal são os pilares da revisão profissional. Uma
vez que os revisores profissionais estão frequentemente sob pressão do tempo ao revisar, e
tempo significa dinheiro, é essencial que as estratégias que economizam tempo sejam ensinadas
na formação de revisores, incluindo o uso dos atalhos de teclado, dos mecanismos de
automatização e busca, bem como a aplicação das rotinas de checagem.
O revisor profissional também deve ser capacitado para a aquisição de clientes, deve ter
e manter contatos com autores e editores e, não menos importante, deve saber atender o cliente
profissionalmente e desenvolver estratégias para competir no mercado de revisão. Por isso, é
de se apoiar plenamente que a formação atualmente inclua tais aspectos mercantis, mais
importantes para os alunos hoje que poderiam ser em outras épocas; idealmente, essas
capacidades serão formadas subsidiando a cooperação entre o profissionais envolvidos e os
outros alunos em formação, valorizando a capacidade de trabalho em equipe e os demais
requisitos relevantes da atuação profissional com divisão de tarefas, além de praticando
estratégias básicas para evitar erros característicos de iniciantes no ofício.
Vamos reforçar dois pontos essenciais: em primeiro lugar, contratos autênticos estão já
sendo praticados em todo o mundo, por causa da mudança de quadro teórico que tem ocorrido
nos círculos de revisores nos últimos anos, e, em segundo lugar, gostaríamos de afastar qualquer
preconceito de que o uso de tarefas reais no treinamento de revisão possa ser responsável pelos
preços de dumping pagos por alguns clientes ou agências de revisão (uso de revisores em
formação é completamente diferente de terceirização de serviços!). Estamos assumindo que a
formação inicial do revisor requeira vários meses, ou mesmo alguns anos, até que o
profissionalismo seja alcançado, mas o número de atribuições reais processadas é insignificante
comparado aos inúmeros trabalhos de revisão que são contratados diariamente pelo mercado.
Gostaríamos de mencionar uma série de pontos que são atribuíveis à fase que antecede
a revisão. Assim, o primeiro passo é obter a aprovação do orçamento, ou confirmação da ordem
de serviço. Além disso, essa etapa também inclui o questionamento ao cliente, pelo qual ele
expressa seus desejos e requisitos para a revisão. Com base em suas declarações, é possível
criar uma “estratégia de revisão” de acordo com as normas correspondentes e os manuais de
redação aplicáveis, segundo cada caso específico. Não é preciso dizer que a negociação dos
termos e as condições com o cliente (em especial o prazo e a remuneração) também entram na
fase preparatória. Para tudo isso, temos elaborada uma rotina de negociação, um roteiro de
diligências aplicável, bem como uma série de informações técnicas sobre os procedimentos e
7-188
as etapas de revisão a ser fornecida ao cliente, e que são apresentados ao revisor aprendiz para
que ele também possa participar ou conduzir a tramitação do contrato, segundo o estágio em
que se encontrar do treinamento.
No que se refere aos aspectos didáticos do treinamento para a revisão, deve-se destacar,
nesse curso, a existência de um plano abrangente de elaboração e implementação da observação
documental do procedimento de treinamento. Utilizamos os recursos de documentação para
listar detalhadamente a contribuição feita pelos alunos e pelos formadores para serem usados
nas próximas etapas da formação, bem como orientação subsidiária aos novos revisores em
formação.
Além disso, sempre deve haver feedback do controle de qualidade para os alunos, bem como
da apreciação do cliente.
Em síntese, tarefas reais são adequadas para uso no treinamento de revisores e formam
uma ponte entre teoria e prática, se pelo menos alguns dos seguintes fatores forem levados em
conta:
Dominar o método a ser aplicado para realizar revisões satisfatórias é, senão, pré-
requisito, pelo menos primeiro passo na formação de futuros treinadores revisores. É realmente
essencial dominar o saber-fazer e ser capaz de ensiná-lo e de transmiti-lo. No entanto, futuros
formadores de revisores nem sempre são revisores profissionais que receberam instruções
adequadas de metodologia do ensino. Esse é mesmo o caso muito raramente; na maioria das
vezes, são professores de português que desejam “evoluir” para professores de revisão. Por isso,
é imprescindível conscientizá-los sobre o andamento da operação de revisão, mostrar a
inadequação e a irrelevância da mera aplicação das regras da linguística aplicada e, por fim,
equipá-los com a abordagem didática da revisão profissional. Note-se que o método aplicado à
execução da revisão de conteúdo técnico-científico também se aplica à revisão literária, ou a
qualquer outro gênero. Uma vez adquirido o método, universal em sua generalidade, resta um
ponto crucial que merece consideração cuidadosa: a escolha dos textos de trabalho no ensino.
De fato, o único material disponível para o professor formar futuros revisores profissionais e,
portanto, futuros formadores de revisores é o documento de trabalho. Portanto, parece útil fazer
com que os futuros treinadores reflitam sobre o que é um bom arquivo de trabalho e quais são
suas características.
revisados na vida profissional. Para cobrir a maior gama possível de gêneros e finalidades, a
amostragem pode incluir textos: prescritivos, promocionais, legais (leis, regulamentos),
procedimentais, acadêmicos e mais um sem-número de variedades. Também devem ser
estudados os procedimentos de revisão de obras ficcionais, estéticas, poéticas…
Além disso, com o objetivo de se aproximar o mais possível das realidades da profissão,
o revisor sênior se certificará de utilizar apenas originais autênticos e integrais (na medida do
possível), além de especificar sua origem (data, autor, procedência, circunstâncias da emissão
do texto a ser revisado…), bem como dar ciência do destino da revisão (meio de transmissão,
uso futuro, função…). Mesmo na situação de treinamento, essas indicações fictícias devem
constituir os prolegômenos da formação, passando-se, tão cedo quanto possível, a tarefas reais,
mas elas permitem que o aprendiz revisor possa se acostumar a tomar posições em situação
autêntica de comunicação e mercado. Entretanto, somente a situação autêntica refletirá as
pressões do mundo editorial. É claro, por melhor que sejam simuladas, as condições de prática
da profissão não são aquelas que prevalecem na sala de aula tradicional ou nos ambientes de
ensino a distância.140
Tornar-se fornecedor bem-sucedido de serviços de revisão requer mais que apenas ser
hábil em linguística aplicada. Embora os conhecimentos de ortografia e sintaxe sejam, sem
dúvida, indispensáveis a alguém que deseje ter sucesso como revisor, é também imperativo que
os revisores em formação estejam continuamente em treinamento e aperfeiçoamento em seu
campo de atuação, incluindo o fomento às capacidades de interação com outros revisores e com
os clientes. Portanto, além de simplesmente desenvolver as habilidades metalinguísticas de
intervenção nos textos alternos, a mediação comunicacional está entre as funções de futuros
linguistas profissionais e no aperfeiçoamento dos que já estão em exercício. Por tudo isso, os
cursos de revisão devem preparar os alunos para a aprendizagem ao longo da vida: treinamento
contínuo e contíguo são inerentes ao ofício de revisar. Os revisores devem ser capacitados para
desenvolver suas habilidades de aprendizagem autônoma com o objetivo de abraçar o conceito
de aprendizagem vitalícia. Um dos métodos de desenvolvimento de competências de
aprendizagem autônoma é a aplicação dos princípios da aprendizagem cooperativa. Em nosso
campo de trabalho, essa atividade conjunta adquire a forma da revisão cooperativa (base do
treinamento do revisor) e da revisão dialógica (na terminologia bakhtiniana) em relação ao autor
ou cliente.
i. trabalhar juntos em grupo pequeno o suficiente para que todos possam participar
em tarefa coletiva claramente estabelecida;
ii. metodologia abrangente para mudar a organização de formação e processos
instrucionais e operacionais;
iii. trabalhar em pequenos grupos de responsabilidade compartilhada por objetivos
comuns; aprendizado que resulta em interdependência e autonomia;
iv. método didático e organizacional que acomoda aspectos sociais, interativos e
dialógicos.
Outra diferença é que, com os currículos tradicionais, o ensino segue a ordem estrita de
planejamento, execução e avaliação, já objetivos, material e métodos de ensino são
7-193
determinados previamente. Com os currículos negociados, por outro lado, negociação, tomada
de decisões, planejamento e avaliação são feitos informalmente e durante a implementação do
currículo, com possibilidades de ajustes de rota. Um dos atributos mais importantes do currículo
centrado no aluno é que todas as decisões prévias sobre ele podem ser descartadas durante a
implementação. Esse currículo será orientado para o processo, interpretando os vários aspectos
do planejamento curricular como série de subprocessos em constantes mudanças,
intercambiáveis e alteráveis, que caracterizam o superprocesso de ensino e aprendizagem
dinâmico e dialógico. Dada a orientação negociada do currículo, é exatamente essa
característica que lhe permite maior fluxo e integração entre elementos de planejamento, de
implementação e de avaliação. Como podemos ver, o currículo dialógico não é apenas
ferramenta para o planejamento de ensino e aprendizagem da revisão, assim como não se aplica
exclusivamente para determinar o conteúdo a ser ensinado, mas trata-se de sistema mais
integrado que incide sobre o que acontece durante a execução do programa de formação do
revisor.
Os defensores da versão mais radical dos currículos negociados dizem que os alunos
devem participar inclusive na determinação do material de aprendizagem, metodologia de
ensino e avaliação.
objetivos pessoais dos aprendizes, tendo em conta as condições locais e sociais. Isso está em
consonância com o aprendizado cooperativo no sentido de que ele também é, por natureza,
direcionado a objetivos, pois oferece experiências de aprendizado diferenciadas,
proporcionando, assim, a cada aluno, sua chance de participar ativamente da lição e representar
seus próprios objetivos ao longo de todo o processo de trocas de experiências e conhecimentos,
desde o estágio de planejamento, passando pela implementação, até a fase de avaliação.
da criação de interdependência entre eles. O objetivo também é conseguido pelo uso comum
dos recursos materiais e pelo partilhamento dos meios de pesquisa (os livros disponíveis, por
exemplo), o que se baseia no fato de que cada membro do grupo possui acervos cognitivos e
materiais específicos, e os disponibiliza para o grupo para terem sucesso conjunto, usando cada
um o conhecimento do outro para alcançarem todos o objetivo coletivo. Os princípios de meta
e interdependência de recursos devem ser utilizados simultaneamente.
ambiente de crescimento em que todos têm maior responsabilidade pelo seu próprio
desenvolvimento.
ponto de vista da linguística e devem ser relevantes para os tópicos que estão sendo discutidos.
O sucesso também depende de como os alunos reagem ao feedback uns dos outros na medida
em que tal retorno seja pertinente: tudo isso sendo passível de avaliação contínua sob a
coordenação do formador. A definição de interdependência de recursos é válida desde que os
alunos devam usar regularmente o conhecimento de cada um, reciprocamente, como recurso de
aprendizagem e de trabalho. Os alunos devem poder confiar entre si para alcançar os objetivos
do grupo; com isso, conhecerão as fraquezas e as forças de cada um, podendo suprir aquelas
com estas.
profissionais por esse caminho. A principal fonte de ajuda é o próprio formador, mas assuntos
práticos podem e devem ser debatidos nos cursos básicos de revisão. O conteúdo linguístico da
formação também é muito relevante, devendo ser composto de material atualizado e com
credibilidade. O trabalho em grupos e a gestão de aprendizagem individual são igualmente
importantes: a aplicação dos princípios da formação cooperativa desenvolve competências
autônomas, o sentido da responsabilidade do aluno, bem como as habilidades de avaliação e
autoavaliação. Ele também ajuda os alunos a melhorar na definição de objetivos pessoais e a
desenvolver o desejo de autonomia na evolução contínua ao longo da vida.141
A revisão é uma das tarefas inerentes à produção textual, no sentido que ela tem de
tratamento do texto como produto, pois dissociamos a revisão da produção do texto como ato
criativo ou como textualização de dados, resultados, propostas. A revisão envolve consecutivas
releituras do documento para melhorá-lo e, modernamente, até bem mais que isso, mas esse é
o ponto. Todavia, como o revisor lê e relê sucessivamente? Há muitas maneiras de se fazer as
coisas e algumas são mais eficazes que outras. O revisor que lê cada escrito detectando e
sanando os problemas que ele contém ou solucionando os desvios que surjam, em seguida,
obtendo um escrito melhor, tem estratégias eficazes de revisão – só que revisar, mesmo no
sentido procedimental objetivo, é bem mais complexo que isso. Por outro lado, aquele revisor
que relê o documento e não vê nele todos os problemas existentes, embora seja capaz de corrigi-
los quando eles forem apontados, provavelmente não tem estratégias eficazes de leitura – ainda
que tenha conhecimento linguístico suficiente para atuar como revisor, não tem o treinamento
para identificar a totalidade dos problemas. Por isso, acreditamos que as estratégias de revisão
precisem ser ensinadas aos revisores em formação, objetivando melhorar seu desempenho
funcional e possibilitando a mecanização da leitura para a revisão.
É no campo das estratégias de detecção que reside a maior lacuna durante o processo de
revisão, concomitantemente, é aí também que reside um dos problemas e algumas das
particularidades do treinamento que propomos para revisores. Para remediar a dificuldade dos
alunos em diagnosticar os problemas e estabelecer em que esfera – ortográfica, semântica,
gramatical, comunicacional – está a dificuldade, a proposta é apresentar aos estudantes de
revisão ferramentas de diagnóstico para as futuras tarefas de revisão. É nessa direção que nos
localizamos quando desenvolvemos a estratégia de questionamento sistemático no nível da
palavra, da oração, da frase, do parágrafo e do conjunto do documento, para estudantes de
revisão que precisam ser treinados na identificação de problemas na escrita. É só para eles,
porém, que a estratégia é abordada, pois os revisores experientes não se beneficiariam muito de
tal treinamento: não têm problemas nos níveis cognitivos cobertos pela estratégia aqui proposta
e, inclusive, já têm suas próprias táticas procedimentais.143
A segunda é que nossa própria experiência nos levou à conclusão de que os revisores
em treinamento, em especial aqueles que são mais fracos na detecção de problemas, não fazem
perguntas sistemáticas quando releem o texto que estão revisando. Por exemplo, aquelas
perguntas que fazemos aos pronomes “seu” e suas flexões para evitar as anfibologias: “seu, de
quem?” Assim, frequentemente, aqueles revisores formandos não trocam uma construção por
outra por razões tão necessárias quanto a estética textual ou sonora, ou deixam de reordenar
uma oração quando o benefício da clareza o imponha. Como seu referencial estético pode até
ser uma forma em desacordo com a norma (ou menos erudita) que lhes seja mais familiar, eles
inclusive podem substituir uma expressão correta que lhes pareça estranha por uma alternativa
menos adequada. “Parece ruim”, “parece estranho” ou “gosto mais assim”, costumam dizer
frente à construção correta cujo registro não lhes soe familiar – apresentando argumento que
abandona a base cognitiva em detrimento de bases volitivas ou emotivas. Se eles questionassem
a construção tecnicamente, usando argumentos específicos referentes à gramática ou retórica,
em vez da apreciação estética subjetiva, ou mera confrontação com o uso mais corriqueiro, sua
escolha provavelmente seria mais rigorosa e, portanto, pode-se acreditar, mais precisa.
A palavra, elemento complexo em si, pode ser contemplada do ponto de vista de sua
seleção em um banco enorme de prismas: fonológico, morfológico, sintático, léxico, semântico,
mas também em relação às outras palavras da frase que justificam seu acordo. O revisor
iniciante costuma ver apenas o nível da ortografia de uso: ele faz muito pouca correção nos
outros patamares, até mesmo deixando eclipsar-se uma mera elisão cacofônica. A estratégia de
questionamento sistemático que pensamos exigirá que ela faça perguntas específicas para cada
um dos aspectos mencionados, nos diversos níveis indicados. Também proporemos uma fase
da revisão com acompanhamento auditivo, mas é assunto de outro tópico.
O aprendiz que revisar com uso da estratégia proposta vai parar em quase todas as
palavras e, em seguida, fazer o questionamento exigido pelo fluxograma. Para isso, ele sempre
seguirá continuamente o mesmo procedimento ou a mesma abordagem, claro que pode parecer
um pouco pesado no início, e será lento, mas o procedimento vai se clareando e acelerando com
o uso, de tal modo que, decerto, os questionamentos passam a ser feitos automaticamente com
a prática; em seguida, passam a ser operados subconscientemente, assimilados pela memória
de trabalho operacional e procedimental por meio do exercício. A capacidade de revisar e a
certeza de ter optado pela melhor intervenção crescerão à medida que o procedimento e a
estratégia forem executados continuamente. Ao fim de poucos meses dessa prática, o revisor
estará com o comportamento assimilado que o impedirá até de ler cardápio no restaurante sem
“revisar” nele palavra por palavra – todos passamos por isso, alguns ultrapassam essa “mania”,
outros a levam para sempre.
advérbio é questão de escolha semântica, uma vez que se refere ao respectivo significado, ao
passo que a escolha do pronome ou da preposição é mais regida pela regra gramatical ou pela
gramática do uso. No primeiro caso, a afirmação é válida se o revisor adere à gramática
tradicional normativa – ou em textos cujo gênero requeira mais subsunção à norma padrão; para
o autor e o revisor que tenham compreensão dos fatos linguísticos em vieses menos formais, a
explicação semântica pode ter origem na gramática histórica, ou se justificar pelos usos. Só
cabe ao revisor aplicar uma regra quando existe argumento formal, de base cognitiva, ou
explicação racional e técnica para tal intervenção, mesmo em se tratando de um referimento
semântico. “Essa é a palavra adequada?” é, portanto, a primeira pergunta a ser feita pelo revisor
em relação a cada palavra.149
Nos níveis dos parágrafos, segundo nossa hierarquia, entrecruzam-se questões inerentes
aos paradigmas sintático e pragmático, planos superiores aos das palavras. Nos níveis todos a
que nos referimos como superiores, englobamos as relações entre os parágrafos, os subtópicos,
os tópicos, os capítulos, segundo a dimensão do documento.
praticam e pelo que alcançam interação social comunicativa; em outras palavras, a linguagem
escrita deverá ser vista como integrante da competência comunicativa daqueles que a usam.
Também consideramos nesse nível dito “superior” (em oposição aos níveis da palavra,
da oração e do parágrafo, principalmente por englobar mais noções de conjunto e articulação
dos patamares inferiores) as questões relativas ao gênero textual, como condicionadoras de
atividades discursivas que resultam em escolhas de textualização que trazem consigo uma série
de consequências formais e funcionais e representam pelo menos três aspectos importantes:
gestão enunciativa (escolha dos planos de enunciação, modos discursivos e tipos textuais);
composição (opção por estruturas de unidades ou subunidades textuais que dizem respeito à
sequenciação e ao encadeamento e linearização textual – o plano da obra); e retórica (emprego
deliberado de estratégias persuasivas). A análise de gênero engloba a análise do texto e do
7-209
discurso, descrição da língua e visão da sociedade, ainda tenta responder a questões de natureza
sociocultural no uso da língua de maneira geral. O trato do gênero diz respeito ao trato da língua
em seu cotidiano nas mais diversas formas, é uma classe de eventos comunicativos, sendo o
evento a situação em que a linguagem verbal tem papel significativo e indispensável. O evento
comunicativo é constituído do discurso, dos participantes, da função do discurso e do ambiente
onde o discurso é produzido e recebido.150
Também é bom conversar com eles, nessa fase da informação, sobre a importância do
fator tempo na aquisição de uma estratégia para evitar desencorajar os sujeitos durante a
aprendizagem. Emprega-se um bom tempo aprendendo essas estratégias e mais tempo ainda
automatizando seu uso, todavia, em médio e longo prazos, o ganho qualitativo se somará ao
ganho de tempo. O esforço inicial no emprego da estratégia também deve ser enfatizado, bem
como sua flexibilização gradual. Todas essas informações devem incentivá-los a seguir o
procedimento proposto.
Como aprender a estratégia leva tempo, serão necessários dois a três meses de prática
antes de que se alcance a desejada automação no emprego das rotinas e sub-rotinas indicadas.
A pesquisa sobre o ensino de estratégias nos convida a dedicar muito tempo a sua aquisição, o
ganho em tempo será posterior e é seguro. De fato, experimentos com tais práticas em curto
período são inconclusivos, ou resultam improdutivos. O ensino dessas estratégias só será útil
se o aprendiz quiser dar-lhe o tempo que merece, caso contrário não haverá automação da
estratégia.152
Para apontar estratégias de acesso ao texto, vamos começar por indicações relativas à
visibilidade e à legibilidade, fazendo uso de ferramentas do Word para a aprendizagem e para
emprego na práxis. Infelizmente, parece que o recurso só é acessível para os usuários do
Microsoft 365.
Vá para o menu Exibir, aba Avançada e selecione Leitura Avançada. Essa última aba
tem opções em cujas variações se pode adequar o texto, ergonomicamente, ao conforto visual
do revisor. A ferramenta é útil principalmente em textos cuja diagramação e composição não
favoreçam muito a revisão. Os itens que se seguem são configuráveis para exibição:
Foi incorporada também ao Word ferramenta de áudio que permite ao revisor ouvir o
texto. O recurso Ler em Voz alta está disponível na exibição de Leitura Avançada e em outros
modos de leitura e nos diferentes layouts da tela. Esse expediente cria possibilidade de trabalho
muito interessante, pois a leitura acompanhada da audição ativa múltiplos mecanismos
sensoriais que, conjugadamente, ampliam a capacidade de percepção e a invocação da memória
de trabalho.
Se as estratégias não são ensinadas aos revisores, é porque se acredita que eles adquiram
empírica e espontaneamente as técnicas necessárias para sua aprendizagem ou para sua prática
por conta própria. Isso provavelmente é verdade para muitos estudantes; no entanto, este não é
o caso para aqueles que podem contar com ajuda do formador para assimilar as ferramentas,
em processo de ensino sistematizado. Além disso, como uma tarefa é muitas vezes vista
negativamente por causa da falta de habilidade em desempenhá-la, mudar as habilidades pelo
ensino muda a percepção da tarefa. Se essa proposta for aplicada à tarefa de revisão, o uso de
recursos eficazes pode tornar a revisão, etapa tediosa no processo de editoração, uma atividade
necessária e quase agradável, desde que seja atenta às expectativas, resultando em produto
satisfatório. De fato, a experiência nos mostra que alguns alunos, relutantes em usar a estratégia
no início, devido ao tempo necessário a sua assimilação, passaram a experimentar algum prazer
em reler seus próprios documentos usando-as, porque o aprendizado permitiu que eles
conseguissem o que não obtinham antes: um arquivo quase livre de problemas. Ensinar e
aprender procedimentos de revisão podem ser soluções para resolver alguns dos problemas do
desempenho escrito. Eles não devem ser esquecidos, afinal, revisores também escrevem e
sempre podem escrever melhor.
Pode parecer desnecessário apontar que não se pode formar revisores sem treinar os
alunos a interpretar os textos. Sem nos afastarmos muito do tema da formação de revisores,
vamos aplicar algumas ideias que geralmente são discutidas em relação ao leitor, mas o foco
7-214
Em geral, desde que não seja questão de revisão, mas apenas de entender um documento
em determinada língua, a camada extralinguística que se associa ao conteúdo linguístico passa
despercebida; tende-se a acreditar, com alguma leviandade, que apenas o jogo semântico da
sequência verbal compõe a cena completa. A distinção entre a explicitação da afirmação
linguística e o conhecimento extralinguístico implícito que lhe é adicionado não ocorre
espontaneamente; provavelmente, porque não se busca isolar os significados linguísticos das
Assim, o texto, embora parcialmente composto por uma língua, envolve fatores que
complementam a língua. O escrito é obra de um autor que usa o vetor linguístico para comunicar
algo além do conteúdo linguístico a seus leitores – na verdade, ao autor ou ao leitor, muito
provavelmente, não interessará nenhum dos aspectos linguísticos, importa é a mensagem, vale
entender as orientações procedimentais, cumpre apreender o argumento, espera-se a surpresa
da trama bem armada, mas poucos são os leitores que se encantam como a estrutura sintática,
7-217
ou pela variedade léxica – apenas os linguistas veem arte em um período simples ou numa
sinédoque original.
Posto que haja um escrito, não estamos lidando com material inerte, mas com seres
vivos, um autor e leitores que, através daquelas palavras, registro codificado de existência (real
ou ficcional), trocam informações, ideias, emoções… As pessoas que estão aprendendo a
revisar devem se tornar capazes de desempenhar o papel duplo: entender mobilizando
conhecimentos extralinguísticos e fazer com que as pessoas entendam as construções em
sentido retórico estendido.
esse custo que recai sobre o formando ou sobre a agência que o está treinando. Os limites de
capacidade que também podem ser reexaminados são principalmente de desenvolvimento
cognitivo; eles podem também ser explicados pelas características socioambientais da
formação, desde o ensino médio. Assim, na lógica curricular, o ensino da revisão pode ser
incrementado? O aluno deve ser ajudado a sentar, organizar ou reativar o conhecimento prévio
do assunto na fase de treinamento, ou o aluno deve aprender a importância da estratégia de
intervenção, que alguns psicolinguistas cognitivos consideraram suficiente? Alguns dos
resultados devem ser questionados colocando-os em perspectiva com as práticas do
treinamento?
No entanto, como a operação em foco, a revisão em si, também é recursiva, pode intervir
muito cedo no desenvolvimento da palavra escrita, seja na forma de retorno sobre notas
preparatórias, ou sobre a escrita virtual ou pensamento para o texto, pensamento não escrito.
Em ambos os casos, a revisão pode influenciar ou até mesmo moldar parte da entrada na escrita,
os insights. No entanto, se não houver evidência de sequência ou modificação do já escrito, essa
revisão antecipada pode ser difícil de isolar na interpretação dos dados. Estamos nos referindo
7-219
às influências da revisão avant la lettre, a contaminação do trabalho autoral pela ciência que
seu criador tem de que seu produto será revisado adiante. Por essa senda, inferimos que a forma
pela qual a revisão é planejada vai produzir efeitos não apenas no documento presente, mas
também nos produtos seguintes do autor que estiver atento à mediação.
revisar de novo manualmente e reenviar mais uma vez ao autor. Os revisores tendiam a trabalhar
sozinhos e pesquisavam terminologia ou outras questões na biblioteca.
Há basicamente dois tipos de revisão não presencial. A revisão remota (RR) é a situação
de revisão em que o revisor, ao invés de receber o documento e trabalhar nele sozinho ou com
a equipe de revisores, interage diretamente com o cliente durante a produção do escrito,
revisando partes concluídas e colaborando na reescrita. Teoricamente, a RR permite que o
revisor participe da produção mesmo estando localizado em outro país, o que possibilita que
seu cliente reduza as despesas e acelere o processo da escrita.
7-221
O modelo de esforço, aplicado à revisão, sugere que o revisor tenha suprimento limitado
de energia mental para o processo de revisão e que ele divida esse suprimento entre as três
etapas do processo: leitura e análise, memória e intervenção. Se o revisor precisar consumir
mais esforço que o de costume em determinado estágio, isso drena energia das outras fases.
O modelo cognitivo sugere que o revisor crie o modelo mental do evento de revisão,
consistindo das informações verbais fornecidas pelo texto, bem como das informações que o
revisor coleta; o conhecimento geral do revisor, o conhecimento amealhado durante a leitura
do próprio documento em trabalho; os pontos de ligação entre o conteúdo daquele documento
7-222
com outros trabalhos anteriores do mesmo e de outros autores, além de tudo o que o revisor
pode concluir das informações coletadas – inferências e sínteses. É o produto desse arcabouço
e modelo mental que o revisor converte em interferência.
Com base em tudo isso, podemos assumir que a quantidade limitada de recursos
disponíveis para o revisor dificulta a construção e operação desse modelo, o que corresponde,
essencialmente, à fase de leitura e análise do padrão já referido. Isso reduz a energia disponível
para a fase de interferência, e é por isso que os revisores podem se sentir mais exaustos e que
seu desempenho seja mais baixo que o normal quando não tiveram inputs (conjunto de dados
recebidos) suficientes nas fases. Isso pode corresponder a deficiências de formação linguística
ou do treinamento como revisores. Nesse sentido, apontamos o EaD como via para suprir as
deficiências que drenem energia das fases de leitura e análise.
Embora essas novas metodologias de ensino atendam a várias demandas recentes, elas
também têm suas desvantagens. A aprendizagem experiencial está se tornando cada vez mais
importante na educação e nem todo EaD pode oferecer aos alunos a oportunidade para ela.
Posto que um dos objetivos do treinamento é ensinar a usar a tecnologia moderna, lidando com
as distâncias em ambientes virtuais de ensino, o aprendizado experimental é feito na forma de
aprender a lidar com essas ferramentas virtuais. No entanto, seria errado subestimar os pontos
fortes da aprendizagem presencial, pois é nesse ambiente que melhor se exerce a dinâmica do
grupo, possibilitando construir relacionamentos e aprender uns com os outros mais
intensamente. É por isso que as aulas virtuais geralmente não são alternativa ao aprendizado
em sala de aula, constituindo tão somente formas complementares de treinamento. Combinar
as vantagens dos dois métodos, o que é conhecido como aprendizado misto, certamente é o
ideal – mas nem sempre se pode alcançar o melhor dos dois mundos.
Cabe assinalar que tanto o aprendizado a distância quanto o presencial, para o revisor
(bem como em muitos outros campos da transmissão de conhecimento), se revestem de elevada
carga de exercícios práticos e de atuação efetiva como revisor em treinamento. A lição é que se
aprende fazendo e nenhuma tecnologia ou metodologia de ensino substitui a atuação efetiva. A
via tecnológica é apenas novo canal para conhecimentos e práticas que estão muito bem
consolidadas em décadas de exercício do ofício.
O treinamento para revisores foi orientado para a prática desde sempre – o caso é que
ele existe há bem pouco tempo e, pelo menos no Brasil, ele tem sido bem mais uma prática
mercantil de instituições e pessoas, ou de formação de mão de obra barata para a indústria
livreira. As aulas que se encontram nem sempre tentaram fornecer simulação precisa de
situações reais de revisão. Na maioria das vezes, ter pequeno número de aulas teóricas de
revisão pretendia levar os alunos a mergulhar conscientemente na prática profissional, apontar
os vários problemas que poderiam surgir e incentivá-los a refletir sobre seu trabalho.
7-224
A classe virtual basicamente simula a situação de revisão hipotética. Nas aulas virtuais,
os alunos podem acompanhar na tela o processo de revisão sendo feito pelo professor ou pela
equipe de alunos, por exemplo, para que possam analisar simultaneamente ou consecutivamente
as interferências, dependendo das condições da aula. Como em situações da vida real, no caso
de revisão consecutiva, os alunos têm a chance de pedir esclarecimentos ao professor, se
necessário, também podendo incorporar a comunicação entre os colegas. Os alunos recebem
feedback do revisor sênior ou do professor sobre seu desempenho – em tempo real ou ao cabo
de uma tarefa.
incorporado ao treinamento de revisores, os alunos não apenas terão a chance de conhecer como
o equipamento de videoconferência funciona, como também terão a oportunidade de conhecer
novas pessoas.
Outro aspecto positivo das aulas virtuais é que os alunos experimentam grande
variedade de estilos, gêneros textuais e assuntos. Os colegas que contribuem para as aulas
virtuais não apenas agregam com seu discurso, mas também com sua metodologia, sua
experiência e contínuo feedback.
Por fim, é importante observar que a oferta de aulas virtuais pode fortalecer a
cooperação entre entidades parceiras e instituições interessadas no treinamento de revisores, o
que pode ser benéfico para a casa editora e para o de treinamento dos alunos.
Antes de usar o equipamento de videoconferência, vale a pena testá-lo para garantir que
os dois lados possam estabelecer uma conexão fluida. Além disso, também é importante testar
os assentos e o posicionamento da câmera e do microfone para obter a melhor qualidade de
7-226
Há outro fator importante nas aulas virtuais: estresse. A maioria dos estudantes sente
que há mais atenção direcionada a eles nas aulas virtuais, gerando mais tensões. A maioria
desses desafios pressionaria demais os alunos iniciantes de revisão e podemos assumir que eles
absorverão muito melhor as diferenças entre aulas virtuais e tradicionais se já tiverem adquirido
experiência em treinamento presencial de revisão quando tentarem aprender por EaD.
Uma vantagem importante das aulas virtuais para os alunos é que elas permitem a eles
vivenciar situações de revisão mais formais que a sala de aula, conheçam mais sobre as
expectativas das instituições e dos clientes, mas existem inúmeras competências de revisor que
não podem ser desenvolvidas por meio de aulas virtuais. Os alunos precisam aprender a se
preparar para fazer as interferências nos textos alheios, ao pesquisar determinado tópico, saber
que fontes usar e como selecionar as principais informações delas e suprir a necessidade de
desenvolver habilidades de aprendizado social. Eles precisam aprender como fazer as perguntas
certas e como cooperar entre si e com seus instrutores. Eles devem aprender a conversar com
seus futuros clientes, como dar feedback aos colegas e como definir objetivos comuns.
Sobretudo, é necessário aprender a justificar cada interferência feita, é necessário apresentar a
justificativa tanto em termos técnicos, quando da discussão entre os pares revisores, quanto é
necessário saber apresentar a justificativa para o autor que, provavelmente, não será um
linguista. As aulas virtuais oferecem excelentes oportunidades para desenvolver essas
habilidades.
7-227
असतो मा सद्गमय
तमसो मा ज्योततगगमय (बह
ृ दारण्यक उपतिषद्, 1.3.28)158
158 “Senhor, guia-me do irreal ao real./ Conduza-me das trevas para a luz.” (Brihadaranyaka Upanishad 1.3.28.)
159 Adaptado de (ESZENYI, 2016).
7-228
novas formas de revisão agora são onipresentes no mercado linguageiro, portanto, devem ser
incorporadas ao treinamento de revisores na forma de aulas virtuais. O uso de modernas
tecnologias de comunicação, no entanto, apenas produz os resultados desejados no treinamento
de revisores, se estivermos cientes de suas vantagens e limites e se não perdermos de vista as
competências de profissionais que não podem ser desenvolvidas apenas por meio de aulas
virtuais. É crucial não ignorarmos o poder inerente à instrução em sala de aula, pois,
combinando as vantagens das aulas virtuais e tradicionais, podemos oferecer aos revisores em
formação um ambiente de aprendizado combinado, otimizado e vitalício.
8-229
8 MEDIAÇÃO FUNCIONAL
8.1 EPÍTOME
Refletimos até aqui sobre formas de se escrever um texto bem ajustado às restrições da
comunicação escrita, acerca dos processos cognitivos que precisam ser mobilizados e a da
forma pela qual eles podem ser invocados para alcançar um bom desempenho editorial, também
apontamos tangencialmente estratégias de produção e redação que garantam, em tese, a
obtenção de documentos considerados de boa qualidade. Abordamos essas questões, que são
colocadas por psicólogos e psicolinguistas, sem nos limitarmos a equacionar as operações
envolvidas na produção do texto e comentando sobre a adaptabilidade funcional dos autores e
revisores. Relacionamos esses elementos que estivemos discutindo sempre da ótica do revisor,
indiciando sua mediação nos procedimentos aventados. Vamos retomar alguns dos pontos já
tratados para ressaltar neles a mediação exercida pelo revisor, ou as mediações, sob mais de
uma ótica.
Os grupos de pesquisa sobre a escrita de textos tomaram duas direções. 161 Uma delas
segue a modelagem da produção oral, ligada aos diferentes aspectos da produção textual
(ortografia, lexicologia, sintaxe). Outra é sintonizada com as perspectivas de que a escrita de
texto é processo de resolução de problemas,162 destacando as características funcionais de
planejamento e de revisão (semiologia, semântica, comunicabilidade).
Entendemos que os passos mais relevantes dos processos mediativos decorrem de uma
série de mimeses ou incorrem nelas, estabelecidas entre o discurso original e o mediador. A
mediação mais próxima da revisão, e situada nesse grupo, é a mediação linguística. Ainda
observamos a atividade cognitiva, no mesmo grupo, como a mediação entre dois polos do
conhecimento, simplificadamente por enquanto; observamos ainda a mediação pelas diferentes
mídias, das quais decorrem algumas consequências para a revisão e que demandam estratégias
às quais nos referiremos; essas mídias, muitas das vezes, são de natureza tecnológica e exigem
algumas considerações relativas a essa essência extralinguística; o discurso normativo surge
quase como obstáculo, pelo menos como intercurso da mediação do revisor; ainda nesse grande
grupo da mediação funcional apontamos a presença das atividades de controle como mediação,
já encaminhando para o segundo grupo, o das atividade de gestão que preferimos mencionar
como mediação gerencial, por eufonia; aqui se agrupam todas as atividades extralinguísticas
que têm decorrência da atividade do revisor, com zonas de conflito e atrito nas quais a mediação
é invocada; a mediação textual, um viés da mediação linguística no qual culmina a revisão, tem
também conexões com aspectos semióticos; é na retextualização mediativa que ocorre a
transcendência entre os aspectos normativos da revisão – que ficam longe de serem descartados
– e a subsunção da atividade a paradigmas comunicacionais e sociointeracionais condizentes,
liame entre as peias da gramática e as dinâmicas da língua.
Platão estabelece três aspectos em que podem assentar os pontos de contato existentes
entre imagens e textos: o ontológico, o gnosiológico e o psicológico; vale dizer, o âmbito da
essência própria da atividade: a imitação (μίμησις – mímesis), a reapropriação dos
conhecimentos, dos lugares comuns, inexistentes em relação à fabricação e ao uso do que está
a representar, mas apenas no que toca sua
Figura 3 – Mimese em Platão.
aparência e aos efeitos produzidos no
espectador.167 A relação entre esses aspectos foi
compreendida como circular e contínua.
Não se trata de enveredamos por uma discussão estéril reclamando um status para a
revisão situado entre a arte e a ciência, sequer em uma ou outra direção. Não consideramos que
viesse a ser contributivo e seria uma vereda de romantização do ofício. Nossa posição é
reafirmar o caráter subjetivo da revisão e reconhecer nele a mediação do revisor como persona,
ainda que situemos essa posição do profissional em camadas bem internas de sua atividade e,
até, em vieses resquiciais, mas cuja presença é detectável e precisa permanecer, se não evidente,
pelo menos manifesta – em benefício da honestidade intelectual para com o autor e o leitor.
A mimese (i) se configura como o elo de fundo cultural que é deslocado, transposto no
movimento para a mimese (ii), no qual o elo é rompido, para ser, posteriormente, na mimese
mediação linguística como atividade comunicativa inclui atividades em que o mediador atua
como intermediário entre diferentes interlocutores.174
Em vez de falar da mediação como uma das habilidades do revisor, ou uma de suas
formas de atuação, preferimos adotar a abordagem que descreve a mediação como aptidão
complexa cujo processo pressupõe e reúne outros, como conhecimentos e atos linguísticos,
comunicativos, interacionais, estratégicos, metódicos e interculturais.175 A mediação
linguística, como prática comunicativa da revisão, inclui atividades nas quais o revisor
desempenha o papel de intermediário, mediador entre diferentes interlocutores que falam o
mesmo idioma, ou aproximadamente o mesmo; em se tratando de idiomas distintos, trata-se da
seara do tradutor. Diante do exposto, acreditamos que a introdução da mediação linguística
como aspecto da revisão profissional constitua abordagem progressiva e diferenciada das
práticas de revisão normalmente em curso. É nesse sentido que compreendemos o conceito de
mediação com que estamos trabalhando.
Esse processo complexo é ilustrado no diagrama que representa seus diferentes estágios.
No centro está o ato comunicativo de mediação, que consiste em adaptar o texto ou a afirmação
de acordo com a situação comunicativa e seu receptor.
o revisor na maioria das intercessões não mediativas. O conteúdo é muito mais importante que
a fórmula sintática, a retórica canônica ou expressão autoral, o que também se reflete nas
fórmulas de avaliação ou juízos oferecidos. A ênfase é maior nos critérios de comunicação e no
uso de estratégias que na correção linguística e mesmo na inteligibilidade; não se trata melhor
a fluência, trata-se de (trans)portar a mensagem. Embora o treinamento profissional do revisor
insista em trabalhar focado na língua materna, as atividades de mediação linguística se
concentram na transferência de conteúdo entre os sujeitos. Existe também a possibilidade de
usar uma gama maior de fontes e recursos ou fazer perguntas em caso de dúvida, algo que
também é valorizado como estratégia de comunicação.176
tempo de interação deve ser conduzido pelos interlocutores, o que pode gerar acúmulo de
tarefas a serem realizadas em pouco tempo, e sem demora das devolutivas do mediador, com
consequente ausência de sincronia entre as interações e a construção de conhecimento. 177
Em seu sentido mais amplo, mediar significa agir como intermediário no conflito entre
as partes, a fim de ajudar a obter acordo. Essa mediação, geralmente, ocorre em disputas
políticas e industriais, por exemplo, mas também na esfera doméstica. No campo cultural,
mediação passou a ter significado igualmente importante: ajudar as pessoas a se comunicarem
efetivamente umas com as outras quando falam línguas diferentes, não entendem certos termos
ou conceitos ou quando estão lidando com situações ou ideias que são novas para elas. As
atividades de mediação cultural tornam possível a comunicação entre pessoas que, por qualquer
motivo, não podem se comunicar diretamente com clareza. A mediação fornece a terceiros uma
(re)formulação do original ao qual esse terceiro não tem acesso direto, por qualquer barreira
que lhe seja imposta. A mediação cultural é o (re)processamento da informação existente e
ocupa lugar importante no funcionamento normal de nossas sociedades.178
por outro. Os cursos formais de idiomas podem envolver atividades que proporcionam aos
migrantes prática e experiência em pedir informações, obter ajuda linguística (por exemplo,
“desculpe, você poderia falar mais devagar, o que xxx significa?”), orientação cultural (“devo
chamá-la de dona Maria?”) ou instruções para um destino. As atividades organizadas pelo
mediador também podem ajudar os migrantes adultos a obter mediação linguística e cultural e
informações práticas de forma independente, por exemplo, usando a internet, consultando
dicionários on-line e fazendo contato com agências relevantes. Além disso, as atividades como
dramatização e simulação na sala de aula e a prática de parafrasear podem permitir que os
migrantes se ponham na posição de pessoas capazes de fornecer mediação linguística e cultural
a outras pessoas. A mediação que os revisores podem oferecer pode ser bem simples, como
mostrar a alguém o caminho, explicar o que significa uma palavra ou nome, responder
perguntas sobre costumes ou aspectos da vida cotidiana, da cultura ou da religião com os quais
eles não estejam familiarizados. Porém, aprender a procurar e a oferecer assistência de
mediação aumentará a conscientização dos migrantes sobre o idioma usado para fins de
mediação e desenvolverá suas estratégias de mediação. Também pode melhorar a confiança
geral dos indivíduos portadores de déficit comunicacional como participantes da sociedade
anfitriã e aumentar sua autoestima. Os mediadores que organizam essas atividades, inclusive
revisores que exercerem tal mediação, precisam primeiro avaliar, por meio de diagnóstico
informal, que mediação linguística e cultural apoia cada sujeito e, provavelmente, em que
medida eles já são capazes de buscar esse apoio e fornecê-lo a outros.
Estar disposto a fornecer esse apoio e aprender sobre as culturas e as situações das quais os
migrantes vêm são maneiras de reduzir a distância entre aqueles que cresceram na comunidade
anfitriã e os migrantes que se instalam nela, e meios para a comunidade anfitriã desempenhar
seu papel no processo de integração.
Compreendemos por mediação estratégica o modo pelo qual as pessoas utilizam meios,
instrumentais e simbólicos, para intermediar suas atividades e suas percepções, envolvendo a
interação com o outro e com o mundo. Isso implica a compreensão de que, ao vivenciar de
forma compartilhada a experiência, os sujeitos recorrem a meios que potencializam sua
mensagem, buscando formas de melhor entendimento e de efetivação da comunicação. Nessa
dinâmica, são passíveis as construções cognitivas, assim como mobilização de afetos,
motivações, condutas ou modos de interação, que se reorganizam singularizando os sujeitos.179
Apesar das críticas e limitações que podem ser feitas e se notam em relação às noções
iniciais dessa compreensão da mediação, ela se apresenta como perspectiva inovadora;
principalmente para o contexto da revisão de textos, constituindo-se como agregadora de vários
elementos da teoria histórico-cultural, ao ancorar-se em proposta de comunicação mediada,
prospectiva, baseada em mudanças não apenas quantitativas, mas qualitativas no processo da
revisão.
O gênero de discurso (até mais que de textos) que requer a chamada mediação
tecnológica se refere a debates, discussões e outras técnicas de comunicação envolvendo tramas
intertextuais e fazendo uso de tecnologia ou remetendo a ela. É atribuído ao termo (mediação
tecnológica) o impacto das incidências da inovação tecnológica no cotidiano das pessoas e
grupos sociais, assim como nos usos criativos das ferramentas da informação em processos
educativos, de trabalho e entretenimento, sejam presenciais ou a distância. Durante a crise
mundial da Covid-19, ademais de outros fatores de distanciamento e demandas preexistentes,
houve recrudescimento agudo do emprego dessas mídias e de eventos afetos a elas. Além disso,
existem campos de construção coletiva já há algum tempo, por exemplo, a Wikipédia, como o
caminho para encorajar discussões e engajamentos por grande parte dos leitores,
transformando-os em coautores, revisores e partícipes do processo criativo e de registros, tais
dispositivos costumam ser dotados de ferramentas que incluem mapas e sistemas de pesquisas
que permitem a cartografia da evolução do produto em toda sua gênese e progressos, permitindo
a manutenção das discussões paralelas e contraposições havidas. Com escrita colaborativa
desse tipo, é possível aos participantes separados pela distância e pelo tempo engajarem-se em
debates e construírem o conhecimento juntos.
A tecnologia, no contexto da mediação tecnológica, não pode ser vista como simples
instrumento ou ferramenta. Na ótica de Heidegger, ela deve ser vista com seu usuário, formando
o fim único, ou um ser combinado, algo entre um “magno-autor” e um “hiper-autor”; inclusive,
reificando o autor coletivo pela criação do corpo místico que o represente, trata-se da somatória
de objetos e objetivos que podem realizar uma atividade impossível para as partes em separado
e que nela se realizam. A mediação tecnológica segundo a teoria ator-rede (ou autor-rede) pode
ter quatro significados:181
Cabe indicar que, na mediação tecnológica, o papel do revisor está distante daquele que
o profissional assume tradicionalmente, pois fica confundido, quase em inteira promiscuidade
com os papéis dos autores e dos usufrutuários, trata-se de uma situação bem nova para a qual
ainda não identificamos estudos específicos, mas cabe deixar o registro de que notamos o
fenômeno.
Finalmente, abaixo está uma lista de alguns softwares úteis que facilitam o trabalho do
revisor – fica a ressalva de que essa lista ficará obsoleta antes mesmo de piscarmos, mas fica,
desde, já o registro histórico:
Se sugerimos uma relação entre mimese e transversalidade na qual cada dimensão realça
a presença da outra de modo a construir uma espécie de figura oscilante, trata-se da oscilação
que atende tanto à exigência de que o escrito seja relativamente autônomo bem como que seja
objeto com relações referenciais para com a vida empírica (portanto, com possibilidades de
construção de sentido inscritas na obra e não apenas no olhar do leitor). Vale dizer que a obra
seja tanto vida quanto texto. Esse duplo ancoramento atende às exigências filosóficas dos
defensores da autonomia autoral, bem como às exigências de posicionamento e de força
intervencionista para a revisão. Nesse processo, os significantes voltam a assumir papel
preponderante, tornam-se componentes privilegiados de mediação entre a linguagem, o
intertexto, o imaginário e o real.183
O acontecimento que faz da obra um texto acontece entre o autor e sujeito receptor de
tal maneira que, de antemão, os sentidos todos não podem ser controlados completamente por
nenhum sujeito, pois a emissão começa com o estranhamento do texto em relação ao costumeiro
modo de compreensão; com a desestabilização fundamental do acesso compreensivo ao escrito;
com a distância peculiar entre os sujeitos que ativa a reflexão e, assim, cria a demanda pela
intercessão. É apenas na confrontação reflexiva do sujeito receptor com as forças que, como
leitor, e de maneira não totalmente controlável, ele desenvolve em relação ao escrito e pode se
mobilizar em seu potencial interpretativo.
Aqui encontramos a noção de texto como concretização da mimese transversal que não
necessita da opsis (ὄψις) pura nem a da stasis (στάσις) escatológica plena. A eficácia da
transversalidade consegue se estabelecer apenas da maneira pela qual, em sua presença textual,
são mediados o contexto semântico estabelecido e a força dessemantizante e ressemantizante
da materialidade. Apenas na colaboração dialética entre a transversalidade material e semântica,
por um lado, e a recepção sensorial, cognitiva e interpretativa, por outro, o escrito consegue
ativar a experiência genuinamente comunicacional na qual ele pode expressar todo seu
potencial de significância; de ser legível e de perturbar o ato de leitura; de ser ele mesmo um
objeto criado que faz perceber no leitor a dinâmica de sua percepção sem se dar conta da
dinâmica do processo da textualização. Essa colaboração dialética estabelece a recepção como
diálogo reflexivo entre leitor e texto que subsiste sem, por isso, sucumbir ao duplo perigo da
instrumentalização: da obra pelo olhar do leitor ou do revisor pelo conteúdo (re)estruturado do
escrito.
Tomado como mimese, o texto articula e expõe as condições materiais e empíricas que
possibilitam a existência de padrões estabelecidos que garantem a possibilidade de seu
reconhecimento. A mediação percebida a partir da mimese expõe na transversalidade do escrito
o modo pelo qual ele articula padrões sociais materializados. Uma espécie de transversalidade
material precariamente estabilizada e padronizada age no interior da mimese, ela é necessária
para que a mimese possa representar não só o status quo normativo, mas também as
potencialidades semânticas críticas que surgem a partir e no interior do texto como objeto de
múltiplas significações.
A mediação semiótica pressupõe a relação entre sujeitos, seus produtos e o mundo: esse
acesso é mediado pelo revisor no caso dos produtos textuais. Podem-se enumerar os seguintes
intervenientes na mediação: alguém que medeia, o mediador, o revisor; o objeto que é mediado,
que vai passar pelo procedimento de mediação, um conteúdo, o documento escrito, no nosso
caso; alguém que está sujeito ou é sensibilizado pela mediação, autor ou editor, por exemplo; e
as circunstâncias da mediação, os diferentes modos de mediação, o espaço e o tempo nos quais
a mediação se realiza.
A inserção atual do revisor no mercado livreiro faz notar que os discursos normativos
que perpassam o cotidiano de trabalho desse profissional são diversos e não se limitam aos
guias (gramáticas, dicionários, manuais) que se resumem a prescrições para as palavras,
normatividade – em um termo que hoje tem conotação negativa, e devem se sobrepor como
cláusulas contratuais entre autor e revisor, entre o editor e o revisor, entre os vocábulos e os
parágrafos. São normas a serem aplicadas ao texto segundo convenções, estabelecidas pelo
Estado, pela instituição que gere o texto e que se apossa da norma aplicável, impondo-a,
instituição que define prazos, procedimentos de tramitação de arquivos, material adotado como
fonte de consulta para o trabalho, normas sobre regras que regulamentam imposições. As
questões que o revisor deve considerar na atividade de intervenção nos escritos se agregam em
discurso normativo que deve ser assimilado, compreendido e aplicado como sistema; não
bastassem todas as imposições livrescas, há ainda um sem-número de normas e práticas
consuetudinárias – e o fato de não estarem impressas não desfaz que algumas delas sejam ainda
mais impositivas e mais rígidas que o VOLP ou a NGB, já que são fruto de convenções
determinadas e determinantes no dia a dia do profissional, o que, por sua vez, confirma a ideia
de instabilidade dada aos ritos da gênese editorial, tão móveis e cambiantes pelo lado do
mercado, todavia se convertem em seita, tão estáveis e estagnados pelos liames da
normatividade até mesmo no próprio lugar da mediação do revisor estabelecida na dicotomia
entre a autoria e a leitura.
8-255
O papel de mediação praticado pelo revisor entre o autor e o leitor, exercido, muitas
vezes sobre a mídia, o que seria próprio – a rigor, passa a ser exercido em todo o processo
editorial. Malfadadamente, em cada uma dessas funções, ou no arremedo do exercício, repete-
se a sujeição do revisor ao sistema normativo que estamos delineando.
O único erro gramatical apontado, sugere a substituição da forma verbal “guia” pelo
correspondente infinitivo, “guiar” – equívoco do programa que não reconheceu o substantivo
“vai-e-vem” (sic; na forma do registro anterior ao acordo, com hífen) e entendeu a palavra vem
como verbo.
O constante vaivém da leitura do revisor guia todas as suas operações. Sua intenção de
ler é dupla, pois visa tanto a compreensão da mensagem quanto a avaliação: o revisor é, de fato,
um leitor multiplicado em custo cognitivo e exponenciado em tarefas de decodificação –
quando não estiver dividido entre fruir o texto ou revisá-lo. Mesmo que o revisor deva, na
maioria das vezes, manter o sentido da frase e ignorar o plano discursivo, ele é sempre guiado,
na realização de seus diagnósticos, pela busca do sentido. Isso nos parece ser a característica
fundamental da mediação humana: por estar ligada ao significado, é complexa; por ter foco no
leitor, é comunicacional; como intercessão, é coautoral; por ser consciente, mantém cada
interferência no limite da intervenção plausível. Também é complexa porque, na situação
presente, é impulsionada pela múltipla missão que a força a trabalhar em situação de modulação
constante. De fato, o revisor profissional desempenha o papel de interventor em termos da
norma linguística (ele propõe soluções adaptadas e justas) bem como do intercessor e do
mediador (ele leva em conta as mediações entre autor e obra, entre obra e leitor e mesmo
interfere com elementos extratextuais (ele propõe palavras faltantes, reescrita mais idiomática,
sugere dado ou roteiro alternativo) – nada disso é feito, ainda, pelos recursos eletrônicos em
voga que, no máximo, propõem um sinônimo, em caso de repetição de palavras.
Embora a mediação computacional, por sua natureza e características, não possa ser
influenciada por fatores psicológicos ou fisiológicos, ela não é totalmente confiável.
Consideremos que os algoritmos implantados são decorrência da base cognitiva dos
programadores – inclusive com suas falhas e limitações. Reconhecidamente, em frases que
8-260
contêm número limitado de problemas ou mesmo erros materiais, os corretores eletrônicos são
capazes de detectar adequadamente a maioria das falhas (ortografia, concordância, flexões),
mas eles têm problemas com barbarismos, solipsismos e com muitas figuras de retórica – umas
eles não reconhecem, outras apontam como erros. Eles também indiciam com possibilidade de
confusão léxica, equívocos ligados a falsos cognatos, homônimos, regionalismos ou
estrangeirismos, mas são detecções que requerem a participação do usuário, que deve escolher
entre algumas soluções propostas, escolha geralmente sendo feita de acordo com o significado,
quando da parte do autor, ou com todos os critérios linguísticos, quando se trata do revisor. É
aqui que termina a competência das máquinas.
A mediação computacional nada mais é do que a mediação de outros agentes (quem fez
o programa) por meio de algoritmos, um intermediário ficto (cujo “conhecimento” se “limita”
às capacidades de programação – decorrente de bases cognitivas), sito entre o texto e o usuário
e, sem a participação informada do usuário, resta inoperante.
abordagem poderia ser frutífera, mas terá de ser acompanhada por um quadro teórico cujos
parâmetros não foram esboçados e recursos tecnológicos que ainda não foram desenvolvidos.
Além disso, as diversas navegações que realizamos durante o uso dos corretores nos
permitiram vislumbrar possibilidades de explorações didáticas, notadamente quanto a estimular
o emprego de dicionários eletrônicos e de outras ferramentas que são notavelmente poderosas
e imediatas, cuja consulta tem sido benéfica na revisão dos textos. Se considerarmos o
aprendizado da revisão como processo, a contribuição dessa ferramenta, caracterizada por sua
interatividade, sua simpatia ao usuário e sua velocidade de reação, deve permitir que os
revisores aprendizes, devidamente iniciados em seu uso, evoluam em seus hábitos de trabalho
para produzir, em última instância, revisões melhores.
Não obstante, se isso significa que toda a sequência do trabalho de revisão deva ser
repensada (se é que já não foi!), integrando os meios de auxílio eletrônico às rotinas; cabe
estabelecer o momento e a forma pela qual eles devem estar envolvidos, quais etapas devem
ser utilizadas, que funções de correção e sugestões podem ser incorporadas, bem como
estabelecer as formas de avaliação que devem ser sancionadas, acrescentadas ou mesmo
suprimidas com os novos recursos.
os que assinam este livro, somam algumas décadas revisando; a correção do computador foi
realizada pelo verificador ortográfico e gramatical do Word (WO – Microsoft 365) – com toda
certeza a ferramenta mais usada no campo da escrita em nossos dias, e quatro plataformas na
web que fazem correção ortográfica, gramatical e estilística em português: Correcao.pt189 (CO),
LanguageTool190 (LT), Flip On-Line191 (FO) e Plagiarisma192 (PL). A maioria dos recursos na
web, em versões gratuitas (as que usamos o são), é bastante limitada quanto à quantidade de
texto que avalia, mas, no caso deste conto curto, foi suficiente.
linguísticos.
Erros ligados ao desconhecimento ou lapsos de norma e que não
Ortografia de uso:
possam ser atribuídos a falhas mecânicas (digitação, e.g.).
Ortografia gramatical: Erros ligados à subversão da norma.
Problema de registro da pronúncia, grafia ou uso de determinada
Barbarismos:
palavra.
Gênero: Inversão do gênero de determinado vocábulo.
Plural de coletivo – vocábulo no plural que já indique indica
Número:
pluralização de elementos.
Fenômeno sintático pelo qual se estabelece harmonia entre os
Concordância: termos da oração; é evidenciado por flexões de número e gênero,
Sintaxe e semântica
Essa tabela é multidimensional, pois aborda erros relacionados à forma (grafia, sintaxe,
morfologia, gênero) e conteúdo (anáfora, registro, semântica). Para ser aplicável, a grade tinha
que ser simples de usar, cobrindo a maior variedade possível de problemas. Portanto, tivemos
que resistir à tentação de multiplicar as categorias. Ainda assim, também foi necessário criar
categorias de erros que não se enquadravam no escopo da gramática tradicional, para dar conta
de problemas relacionados aos gêneros e à retórica.
8-266
O conto “O escritor labiríntico”194 foi submetido aos cinco revisores eletrônicos: Word
(Microsoft Office 365), Correcao.pt195, LanguageTool196, Flip On-Line197 e Plagiarisma198. Após
a exploração de todas as possibilidades de ajuste dos corretores, optamos pela detecção máxima
de erros usando a configuração para o português brasileiro. Igualmente, o conto foi revisado
pelos autores desta obra (PA, MG). Para cada sentença processada pelos revisores, anotamos e
compilamos todas as suas detecções e correções, trabalho que possibilitou comparar a revisão
por computador e as revisões humanas. Todas as interferências humanas foram acompanhadas
pela ferramenta de controle de alterações do Word. A natureza das sentenças deu origem a
registros na mesma sentença, como no exemplo abaixo, mas o cômputo foi feito em separado
para cada revisor e para cada programa, para efeitos quantitativo e analítico.199
A confiabilidade de tais análises pode ser questionada (na verdade, todas as coisas
podem ser questionadas!) e, certamente, nos alerta contra qualquer uso da função de correção
automática. Se decidir não usar a correção automática, o usuário deverá ativar as caixas de
diálogo e, muitas vezes, escolher entre várias correções. Também existe a possibilidade de
consultar a análise completa da sentença, análise que pode, em alguns casos, apresentar até
várias dezenas de variantes! Aqui, novamente, o usuário deve escolher a análise mais
apropriada. Finalmente, no caso de sentenças sintaticamente incorretas ou difíceis de entender,
os pacotes de software fazem apenas uma análise parcial ou as declaram perdidas – quando o
fazem – algumas vezes, apenas acusando encontrar um segmento incompleto.
Ordenamento: SIM 12
Regência: VNM 1
SEM 4 REP 10
REP 1
Léxico: COM 1
REP 5
REP 4 EXC 1 CON 4
REP 9 SEM 1
Solecismo: TOP 1
Semântica: EXC 1
REP 2
Anáforas: DES 1
Catáforas: PAR 1
INF 3 INF 2 INF 2
Registro: EST 3
EST 5 EST 3 EST 3
EST 1
VG- 4 VG- 4 VG- 4 VG- 4 VG- 4
Pontuação: DPL 2 DPL 2 DPL 2 DPL 2 VAR 3
VG- 5
Vícios: CAC 1 CAC 1 CAC 1 PLM 5
Incorreção
política:
Falácias:
Legenda: Word (WO – Microsoft 365); Correcao.pt200 (CO), LanguageTool201 (LT), Flip On-Line202 (FO) e
Plagiarisma203 (PL). Michel Gannam (MG); Públio Athayde (PA). Itálico+negrito: discordância do critério –
intercorrência apontada pelo programa e que rejeitamos. Nota: FO e PL acusaram exatamente o mesmo quadro de
problemas, indicando fazer uso do mesmo algoritmo!
funcionamento delas (para entender bem cada indicação, cada ícone e a etapa analítica dos
corretores), mas também para serem avisados de seus limites no texto. Restará ver se os
revisores terão motivação suficiente e o tempo necessário para aprender essas ferramentas e
empenho em aprender novas rotinas.
Apesar disso, as várias experiências que realizamos durante o uso dos programas de
correção nos permitiram vislumbrar possibilidades de explorações educacionais, começando
pelo incentivo ao uso dos dicionários residentes na internet, pelos conjugadores (alguns
integrados aos dicionários) e gramáticas, ferramentas notavelmente poderosas e imediatas, e
das quais a consulta poderá ser benéfica durante a revisão dos textos. Se considerarmos o
aprender a revisar como processo, a contribuição da ferramenta eletrônica, caracterizada por
sua interatividade, facilidade de uso e velocidade de reação, deve permitir que os revisores,
devidamente iniciados, evoluam em suas habilidades, hábitos de trabalho para revisar
documentos a serem sancionados, em última instância, por um revisor profissional. Na verdade,
acreditamos já estar ultrapassado o ponto em que caiba qualquer apologia ao uso dos recursos
eletrônicos; eles estão disponíveis, são totalmente amigáveis, apresentam constante atualização,
portanto, não há mais como se conceber revisão sem eles.
Não obstantes essas considerações, a agregação dos recursos cibernéticos implica que
reconsideremos toda a sequência de trabalho da revisão da escrita: quando envolver os
corretores de computador, quais devem ser os estágios de seu uso, entre as funções de correção,
quais formas de avaliação devem sancionar o trabalho da mídia eletrônica são algumas das
questões a serem consideradas.
Nossa investigação não foi tão longe, existem caminhos que devem ser necessariamente
explorados à luz do que sabemos agora e das hipóteses que serão levantadas. Do ponto de vista
analítico, há motivos para perguntar se se pode tirar proveito dessa multiplicidade de revisões
nas quais se deve prestar atenção particular aos sinais que estão no domínio de cada corretor
8-269
Assim, após a comparação sistemática das detecções e correções feitas por todos os
revisores, em todas as frases, podemos concluir, como já era esperado, que os corretores de
computador não se mostraram totalmente confiáveis na correção de textos escritos, mas são
ferramentas muitíssimo úteis a serem incorporadas às já tradicionais. Cabe assinalar que não
havia erros ortográficos, por exemplo, no conto revisado: o autor é mais que suficientemente
atento, conhecedor e usuário de ferramentas que afastaram essa possibilidade.
De modo geral, o que fica é o indício de uma proposta metodológica, e alguns critérios
estabelecidos (ou sugeridos) que podem vir a possibilitar análises, inclusive quantitativas, para
subsidiar estudos comparativos de revisão. São notas incipientes e conclusões precárias que
vieram consolidar a sensação que já tínhamos, empírica e espontaneamente, da relação entre
revisores e corretores eletrônicos.
9-271
9 MEDIAÇÃO GERENCIAL
9.1 EPÍTOME
1. Os diferentes aspectos que são necessários para a e tantas vezes temos, nós todos, socorrido outros
revisão profissional devem ser levados em profissionais em seus questionamentos.
consideração de acordo com as instruções do 7. No caso de arquivos de origem não editáveis,
cliente. deve ser decidido primeiro se o texto deve ser
2. O revisor recém-recrutado, ainda que extraído em algum formato editável com a ajuda
profissional experiente e bem qualificado, nem de um software de OCR, ou se ele deve ser
sempre está familiarizado com a ferramenta de revisado sem a ajuda da revisão assistida por
assistência de revisão adotada e com as computador.
expectativas da agência, ele pode ter dificuldades 8. Esclarecer questões sobre terminologia também
em começar a trabalhar imediatamente ou em é tarefa do gerente de projetos, bem como decidir
atender à sequência do trabalho tal como se um projeto em larga escala requer um líder
proposta. linguístico que esclareça as questões relativas à
3. Nas agências de revisão, geralmente, é o gerente revisão com uma equipe de revisores.
de projetos que gera o formato de arquivo a ser 9. Como regra geral, a revisão deve ser processada
entregue ao cliente. em documento no mesmo formato que foi
4. Vale a pena trabalhar com um software OCR fornecido pelo cliente.
profissional, já que eles produzem um texto 10. Se houver um intertexto ou paratexto que sirva
surpreendentemente de boa qualidade e editável, de referência, citação, comparação ou nota, ele
dependendo da qualidade da imagem do original. pode ser facilmente incorporado ao ambiente de
5. Se um erro, dúvida ou questionamento for revisão.
encontrado pelo gerente de projetos, cabe pedir 11. É essencial estar familiarizado com as
ajuda de um colega para verificar a questão, outro armadilhas e oportunidades de lidar com
revisor ou um linguista independente que esteja diferentes formatos de arquivo em um ambiente
familiarizado com a linguagem, o gênero e até de RAC.
mesmo o assunto do texto pode vir a ser
necessário. 12. A preparação de arquivos antes da revisão e as
tarefas de reparação para a entrega do arquivo
6. Felizmente, todos os revisores profissionais revisado são partes indispensáveis do processo
costumamos ter ampla rede de colegas de de revisão, não apenas para empresas de revisão,
trabalho a quem recorremos em nossas dúvidas – também para revisores autônomos.
durante o ciclo de cada serviço. Ele é um polímata no sentido clássico, desempenhando papel
importante no sucesso dos desempenhos dos provedores de serviços linguísticos.206
O sucesso do projeto se avalia com base em diversos critérios que podem ser medidos
por métodos qualitativos (satisfação, aceitação) ou quantitativos (custo-efetividade, tempo
necessário).207 Para uma explicação do sucesso, consideram-se os seguintes fatores como
critérios de êxito para qualquer projeto (não apenas para serviço de revisão):
Como não existem agências de revisão que sejam empresas realmente grandes, quase
sempre, as funções que naquelas corresponderiam ao gerente de marketing, ou ao diretor de
marketing (chief marketing officer, ou CMO, em inglês), no caso de ele ser o executivo que
responde por todas as atividades relacionadas ao marketing. Cabe ao responsável pelos serviços
de marketing coordenar projetos de serviços, ações de venda e campanhas de publicidade e
propaganda, analisar propostas de mídia e editoração, preparando e selecionando matérias para
publicação e divulgação em diversas mídias, promover os serviços oferecidos pela empresa.
A maioria das tarefas linguísticas e não linguísticas no mercado dos textos começa pela
consulta do cliente face algum anúncio, por recomendação, ou como resultado de pesquisa na
internet. Posteriormente, o gerente de projetos faz o primeiro contato com o cliente,
respondendo a consulta e solicitando os dados (ou o texto) para o orçamento, bem como as
informações de preço e finalidade do documento. É de fundamental importância que a confiança
do cliente seja estabelecida antes do lançamento do projeto. O tom da resposta deve estar de
acordo com o cliente; eles têm que sentir nosso profissionalismo em nossas perguntas e nas
respostas que dermos, pois, assim como o preço e o prazo propostos, toda a negociação do
orçamento também influencia a decisão do cliente de fechar o contrato.
Para a distribuição efetiva das tarefas, é essencial conhecer bem os revisores. A ordem
de serviço, a aceitação do orçamento pelo cliente, é seguida pelo estudo minucioso do escrito,
muitas vezes envolvendo os revisores. Para o planejamento, é necessário saber se as
terminologias devem ser harmonizadas com o cliente ou se o documento tem antecedente que
pode ou deve ser usado para a nova tarefa.
Nem todos os arquivos vêm em formato editável. Por exemplo, em casos específicos,
recebe-se o material em formato Adobe, eventualmente em arquivo não editável, ou em
PageMaker (programa em completo desuso, mas – do nada – ressurge um arquivo editado nele
para ser atualizado!) e boa parte da equipe não tem os softwares ou não sabe editar nesses
programas, notadamente para a revisão de prova ou para uma nova edição de um texto já
publicado. Embora não seja papel do gerente de projetos tornar os originais editáveis para
processamento da revisão, na prática, muitas vezes acontece que, em provedores de revisão
9-277
menores, isso faz parte do trabalho cotidiano dele. As empresas de revisão, geralmente,
procuram revisores providos de softwares prontos para uso que contenham ferramentas de
assistência de revisão capazes de editar a maioria dos arquivos em voga, entretanto, se não
houver outro recurso interno disponível, o gerente de edição deve desempenhar o papel do
editor-chefe, distribuindo a messe entre os revisores usuários do hardware e do software mais
compatíveis com o projeto. Dependendo da situação, pode ser necessário contratar um serviço
externo que extraia o conteúdo ou o converta em formato editável.
Pode ocorrer que, antes de enviar a revisão, uma alteração feita durante a verificação de
qualidade altere a formatação, mas não há mais nenhuma oportunidade de pedir ajuda aos
colegas. Nesse caso, é necessária a intervenção imediata que também requer conhecimento
profissional específico. Ainda pode ocorrer que não possamos escolher os profissionais mais
adequados para um projeto de menor orçamento devido à alta remuneração dos revisores mais
qualificados. Para esse profissional com formação específica e larga experiência, devem ser
selecionados trabalhos em que o orçamento do produto também seja considerado e esteja
compatível.
O gerente de projetos terá prazer em cooperar (no sentido mesmo de trabalhar junto) na
equipe – inclusive de revisores – que, além de suas habilidades profissionais e linguísticas,
sejam minuciosos, precisos, sigam instruções, além de serem proativos e disponíveis. A
confiabilidade do revisor também se manifesta em aceitar o trabalho apenas se ele puder ser
concluído realisticamente até o prazo final. Com esse revisor, uma relação de trabalho estável
se desenvolverá e eles serão procurados novamente pelo cliente que houver sido bem atendido,
mesmo que não tenham tempo para mais trabalho em outra oportunidade – cabendo, nesse caso,
outra escolha compatível. Isso será possível porque a agência de revisão sabe que age de forma
responsável para realizar trabalhos de alta qualidade. O revisor recém-recrutado, ainda que
9-278
profissional experiente e bem qualificado, nem sempre está familiarizado com a ferramenta de
RAC adotada, com as expectativas da agência (por exemplo, em relação ao controle de
alterações, às consultas ao cliente, ao fluxograma do serviço) ou com os padrões de editoração
internos, portanto, ele pode ter dificuldades em começar a trabalhar imediatamente com o
arquivo preparado, ou em atender à sequência do trabalho tal como proposta. Nesses casos, o
gerente de projetos operatório de TI ajuda a resolver os obstáculos.
tarefas a cada membro da equipe. Após a recepção do texto, bem como em seguida à seleção
dos revisores e demais profissionais envolvidos, os subprocessos são constantemente
acompanhados. A revisão finalizada passa pela verificação de qualidade. Aqui o gerente de
projetos, mais uma vez, trabalha como linguista, ou como editor-chefe da publicação. Esse
subprocesso nunca deve ser omitido para garantir a alta qualidade do produto.
O feedback do cliente não sinaliza o fim do projeto, pois é seguido por avaliação interna:
o gerente de projetos envia a avaliação do revisor ao cliente ou do cliente para o revisor.
Transmitir a visão do cliente satisfeito é tão importante quanto transmitir possíveis pontos
9-280
Podemos muito bem pensar que a administração seja fator secundário, muitas vezes ela
é confusa e amadorística em agências de revisão, e o gerente de projetos, fazendo malabarismo
com serviços paralelos, considera os processos de gestão um empecilho; é importante cuidar
que as rotinas estabelecidas abram vias para a tramitação sem constituírem, elas mesmas,
obstáculos ao melhor fluxo de trabalho. Para ser sempre capaz de reagir a tudo, é importante
acompanhar constantemente os passos específicos. O gestor acompanha as tarefas dadas em
algum sistema de gerenciamento de projetos, um software criado para este fim, ou acompanha
os eventos com seus próprios métodos, que podem variar de planilhas de fluxo a qualquer tipo
de registro, segundo o volume de informações a ser controlado.
Uma parte da administração também inclui algumas tarefas ligadas à área financeira e
outras à compreensão das características pessoais dos envolvidos. O gerente de projetos lida
com muitos de sujeitos (clientes e profissionais do texto), tarefas e problemas. Para lidar com
eles, uma chave para o sucesso deverá ser encontrada; as situações têm que ser tratadas ouvindo
o outro com empatia e abertura – o gerente de projetos procura ouvir como um psicólogo ou
um amigo, mas sempre com o viés profissional.
cada um, diariamente, o estado da arte de seu trabalho. Acreditamos que nosso procedimento
vá acalmando o cliente, na medida do possível, além de ter outros benefícios muito específicos.
O revisor autônomo, aquele que não atua para uma agência, ou que raramente o faz,
assume e encarna o papel do gerente de todos os projetos, “trocando continuamente de chapéu”,
desde gerenciando seu próprio marketing, até fazendo as vezes de psicólogo para seus clientes
e para si. Esse profissional não tem direito de passar por dias difíceis, de se sentir deprimido,
de ficar gripado… No limite, o revisor autônomo poderá ter um colega a quem repassar o
serviço, em caso de sobrevir alguma dessas calamidades privadas.
Podemos dizer que estamos lidando com um papel complexo quando nos referimos ao
gerente de projetos de revisão, mas sempre é muito desafiador quando tentamos descrever o
líder, o gestor de um serviço linguístico. Ele vai trabalhar como condutor em todas as situações,
frequentemente, estressado com a pressão de prazo ou com a falta de recursos e pessoal – e com
a universal responsabilidade de gerar receita, apresentando resultado satisfatório ao cliente.
Além disso, o gerente tomará muitas decisões de forma independente, responsiva, priorizando
adequada e constantemente, pensando com critérios voltados ao sucesso de cada empreitada.
Para isso, um pouco de humor é essencial, às vezes, ele vale mais que qualquer conhecimento
ou técnica de resolução de problemas. Se é necessário o universal bom senso, não se descarte o
senso de responsabilidade, o senso de humanidade e de companheirismo para com todos os
envolvidos em cada trabalho, sem julgamento das ideias e das opiniões, mas com serenidade e
consciência de que, depois de cada projeto, haverá mais outro – e é para isso que trabalhamos.209
No caso de haver arquivos de origem não editáveis, deve ser decidido primeiro se o
texto deve ser extraído em algum formato editável com a ajuda de um software de OCR ou se
ele deve ser revisado sem a ajuda da RAC. Se decidirmos extrair o texto, após o reconhecimento
do OCR, um formato editável deve ser criado que se assemelhe ao original, tanto quanto
possível, do ponto de vista editorial. É importante tal semelhança, porque os benefícios das
ferramentas de RAC podem ser explorados apenas se o original estiver em formato editável,
mas a disposição gráfica também é importante elemento da comunicação, principalmente se ela
for mantida na recomposição futura. Alguns aspectos a serem necessários para OCR:
• vale a pena trabalhar com software de OCR profissional, já que eles produzem
texto surpreendentemente de boa qualidade e editável (dependendo, claro da
qualidade da imagem do original);
No caso dos editores de desktop mais populares, pode-se evitar o enorme investimento
de compra e, em seguida, aprender a usar o software ao importar um formato de arquivo
adequadamente convertido em sua ferramenta de RAC. Por um lado, a memória de revisão (se
houver uma) pode ser utilizada, por outro lado, a revisão pode ser feita no formato familiar e
na velocidade regular. Pode não haver sinais óbvios de que o material revisado esteja em
formato de publicação de desktop. Firmando nossa posição, não deve ser o revisor que se adapta
à necessidade da editoração, mas deve haver entendimento entre os especialistas envolvidos,
com a clareza de que, se o revisor se ajustar à demanda editorial, haverá perda qualitativa na
revisão, até o ponto de ela se tornar impraticável.
Quando a revisão estiver pronta, o arquivo deve ser exportado da ferramenta de revisão
eletrônica, e as conversões necessárias devem ser realizadas para que o documento possa ser
enviado de acordo com as solicitações do cliente. Se o arquivo de origem não pôde ser aberto
no software de publicação de desktop, mas o revisor poderia trabalhar com ele na ferramenta
de revisão, é muito importante garantir que haja um arquivo em formato portável (PDF –
portable document format) ou outra visualização para se monitorar o layout de todo o arquivo.
Em muitos casos, nem todo o material de origem deve ser revisado. Se houver
segmentos do documento tão claramente sem nexo textual, eles podem ser marcados como não
passíveis de revisão na ferramenta de RAC. Obviamente, alguns segmentos podem ser
9-286
No entanto, pode acontecer que haja um arquivo não editável contendo elemento gráfico
que deve ser alterado. Nesse caso, o revisor não só precisa extrair o texto, mas também deve
negociar com o cliente como inserir a revisão – se é tarefa do revisor colocá-lo no elemento
gráfico (por exemplo, em caixa de texto) ou ele deve ser enviado separadamente.
O revisor prestará atenção às capturas de tela. Pode-se presumir que o software a partir
do qual a imagem foi gerada já foi localizado, portanto, seria prático recompor a partir do
software original – quando possível. Se encontrar o arquivo original não for uma solução viável,
o procedimento escrito acima é aplicável – mas com muitas ressalvas quanto à qualidade da
imagem.
É comum nas planilhas do Excel que as diferentes folhas, colunas ou linhas devam ser
deixadas no original. Felizmente, existem soluções muito fáceis e confortáveis para isso,
também graças às ferramentas de RAC:
• as peças em questão podem ser ocultadas na página do Excel, portanto não serão
importadas para a ferramenta de revisão;
É regra geral usar a fonte gráfica da origem. No entanto, pode acontecer que o programa
de revisão não suporte a fonte do documento original – ou que aquela fonte comprometa a
legibilidade do revisor (questão mesmo de ergonomia visual). Nesse caso, outra fonte – com o
consentimento do cliente – será aplicada. Pode ser recomendado substituir fontes serifadas por
outras sem serifa para determinados textos – ou mesmo pode caber a conversão no sentido
contrário, dependendo do conforto visual do revisor. Caberá reconversão ao fim da revisão,
salvo orientação contrária.
preparado extraindo terminologia do documento em curso. Esse glossário pode ser feito das
seguintes maneiras:
Graças aos modernos sistemas de gerenciamento de conteúdo, é cada vez mais comum
o revisor receber o arquivo de origem em linguagem de marcação (HTML, XML). No passado,
isso exigia assistência significativa do engenheiro de idiomas, entretanto, hoje em dia, esses
formatos de arquivo são bem suportados pelas ferramentas de RAC com diferentes
configurações e filtros, especialmente se o documento for um XML bem estruturado, padrão,
ou arquivo HTML.
Se revisarmos esses arquivos incorretamente (se qualquer uma dessas tags for
danificada), então, as informações de programação ou formatação inerentes ao arquivo também
serão danificadas. Vale a pena executar uma pré-revisão, depois exportar o documento e
verificar se o arquivo está totalmente funcional no formato final. De qualquer forma, não é
recomendável iniciar o trabalho de revisão nos arquivos originais; eles devem ser revisados
com ferramentas de RAC, mas, mesmo assim, deve-se prestar atenção cuidadosa aos detalhes
técnicos. No caso de o revisor encontrar problemas com as configurações padrão, recomenda-
se pedir ajuda a um especialista ou a um engenheiro de idiomas, ou ao técnico de TI do cliente,
se não houver um disponível na agência – o que é improvável que haja.
e tags nos arquivos. Esses registros, muitas vezes invisíveis à impressão ou à exibição em tela,
constituem problemas que devem ser eliminados do texto antes do processamento da revisão,
ou constituem marcações invisíveis à impressão que devem ser mantidas para não desfazer a
formatação.
Espaços antes ou
Mais comumente por erro de Localizar [ ^p] e [^p ]e substituir por
depois de marcas
digitação. [^p].
de parágrafo.
Rotina de Formatação
Espaços antes de
Mais comumente por erro de Localizar cada um deles, exemplo [ .] e
sinais de pontuação
digitação. substituir por [.].
[., ; : ! ? “].
Espaços depois e
antes de sinais de Mais comumente por erro de Localizar cada um deles, ( Exemplo ) e
parênteses ( digitação. substituir (Exemplo); [( ] por [(] etc.
Exemplo ).
O cliente costuma não conhecer
Uso de hífen [ - ]
o atalho para o travessão “n” [ – Localizar [ - ]e substituir [ – ] {Ctrl+-}.
entre as palavras.
].
Uso de reticências O cliente costuma não conhecer Localizar [...] (três pontos) e trocar por
[…]. o atalho para reticências […]. […] reticências {Ctrl+Alt+.}.
O destino do documento pode
Configuração de requerer configurações diferentes
Redimensionar os parâmetros.
página. das padronizadas pela norma
Secundária
indicada.
Caso não haja especificação, sempre
O texto revisado pode requerer
Fonte. que possível, usar a mesma fonte do
fonte determinada.
original.
Palavras destacadas
O cliente não usou o recurso de Usar negrito {Ctrl+n} ou sublinhado
EM CAIXA
destaque correto. por palavra {ctrl.+Shft+W}.
ALTA.
9-290
CAIXA ALTA.
Nome de AUTOR
Expressões estrangeiras.
Notas de rodapé.
Formatador(a)
Cliente / data
Para revisores modernos, o processo de revisão não começa com a leitura da primeira
frase a ser revisada. O texto a ser revisado pode chegar em diversos formatos, além disso, o
cliente pode dar instruções ao revisor ou ter expectativas específicas em relação ao formato do
documento enviado. Portanto, as tarefas de preparação antes da revisão e depois da revisão são
partes indispensáveis do serviço que requerem abordagem minuciosa. Essa fase é importante
9-291
no planejamento do projeto, o que significa que tempo e recursos devem ser alocados para
ela.211
Quando o documento a ser revisado é simples e bem editado, sem imagens ou gráficos
inseridos, essa fase permanece despercebida, e o cliente recebe o arquivo tecnicamente
impecável sem nenhuma tarefa especial preparatória antecedente à revisão ou pré-entrega. No
entanto, há arquivos originais mais complicados, mas ainda editáveis, ou absolutamente não
editáveis que o cliente pode enviar para revisão. Em qualquer dos casos, todos os diferentes
aspectos que são necessários para a revisão profissional devem ser levados em consideração de
acordo com as instruções do cliente (se há partes não revisáveis – por exemplo, transcrições de
depoimentos – como lidar com os gráficos, como revisar legendas para imagens, o que fazer
quando o texto não se encaixa na caixa de texto, se é necessário OCR para arquivos não
editáveis, se há referências – em que norma elas vêm, em que norma sairão, a formatação
indicada para o documento revisado).212
Hoje em dia, não há revisão profissional sem a aplicação de ferramentas RAC. Elas não
só tornam a tarefa de revisar mais fácil e uniforme, mas também oferecem ampla gama de novas
possibilidades (como o gerenciamento de referências, controle de alterações, comparação de
versões). É quase impossível imaginar a preparação técnica adequada de um texto sem
ferramentas eletrônicas de revisão. Na indústria de revisão, é rotina a preparação técnica,
importando o trabalho para ambiente amigável para as ferramentas eletrônicas de revisão e
edição dos técnicos e especialista em editoração (no sentido de desktop publishing – DTP).
Há diferença no que queremos dizer com DTP em design gráfico e na indústria editorial
em comparação com a indústria de revisão. Para designers gráficos, DTP significa claramente
publicação em desktop, projetar a publicação conforme o cliente solicita, preparar uma versão
pronta para imprimir do documento com a ajuda de um software de publicação em desktop.
Especialistas em DTP na área editorial e na indústria de revisão cumprem muitas tarefas
semelhantes, o que explica por que o mesmo nome é usado para o cargo. Em contraste com os
designers gráficos, o objetivo do DTP na revisão é a transformação do documento original, já
projetado e arranjado, em versão editável, de preferência, em formato que permita o controle
das alterações, seria o primeiro passo para a revisão.
Pode ocorrer que as referências recebidas devam ser processadas para que possam ser
utilizadas em ferramenta eletrônicas durante a revisão, de modo que, ao final do projeto, por
exemplo, o uso de referências possa ser adequando à norma pretendida. Pode haver instruções
que devam ser consistentemente cumpridas e é recomendável ter certas configurações
personalizadas ajustadas antes de começar a revisão (por exemplo, configurações regionais,
formato de data, segmentos em língua estrangeira, unidades de medida, citações e fontes,
normas da instituição ou publicação de destino).
Como regra geral, a revisão deve ser processada em documento no mesmo formato
gráfico que foi fornecido pelo cliente. Fontes, espaçamento, configurações de parágrafo e
página, estilos aplicados e versões de software também devem ser mantidos – sempre que não
houver recomendação contrária ou não tenha havido demanda de formatação que imponha
modificações. A regra é clara: só mudar o que for solicitado.
Atenção especial deve ser dada às tags e metatags que incluem informações de
programação e formatação. Não apenas as linguagens de marcação (HTML, XML, SGML,
DTD), mas também os formatos da suíte Microsoft podem conter tags (estruturas de linguagem
de marcação que consistem em breves instruções, tendo uma marca de início e outra de fim)
que não devem ser revisadas – mesmo um espaço adicional (ou a supressão de um) pode ser
fatal em relação a determinada função; atenção também às tags de metadata (palavra-chave
relevante, ou termo associado à informação). É ainda mais complicado se a posição das tags de
formatação (por exemplo: âncoras de imagens) deve ser modificada durante a revisão. As
ferramentas de RAC, TAC e de DTP oferecem soluções convenientes para esses casos.
Pode ser fonte de frustração para revisores que desejam elaborar linguisticamente se a
extensão do documento revisado for limitada. Nas diferentes superfícies (site, folheto,
9-293
Existem muitas tarefas manuais que podem ser automatizadas com a ajuda de
ferramentas de RAC (inclusive programas de correção ortográfica). Por exemplo, podemos
compilar uma lista de itens que não serão revisados, codificar a terminologia ou manter
configurações de formatação durante a revisão. Uma cooperação fluida e amigável será
estabelecida no projeto se as necessidades da ferramenta de RAC forem levadas em conta
mesmo durante a fase preparatória.
• correspondência de tags;
• revisão omitida (por exemplo, um segmento que contém apenas uma marca de
nome);
• marcas de pontuação.
• se os documentos tiveram que ser divididos por alguma razão, este é o momento
de reagrupá-los;
• se revisarmos as legendas para as imagens, seu formato deve ser unificado com
base nas instruções recebidas;
• deve ser verificado se há algum texto oculto que, acidentalmente, não tenha sido
revisado, se cabe manter, revisar ou excluir cada segmento desse tipo;
da edição ou da impressão. Quer a revisão tenha sido feita com controle das alterações
sugeridas, quer o revisor as tenha destacado em arquivo separado, o digitador deve copiar
manualmente todas as diferentes propostas de alteração aprovadas no arquivo que dará
sequência – isso causa tremendo atraso e pode resultar em novos problemas. Em muitos casos,
é assim que ainda é feito hoje. Além de demorado, há grande margem de erro, pois é fácil para
o técnico deixar de notar qualquer interferência e, até mesmo, cometer novos erros de digitação.
Se a revisão for submetida em formato fechado para aprovação, pode acontecer que o
cliente ou o especialista em idiomas do cliente anote no arquivo que é enviado de volta ao
revisor ou agência de revisão. Nesse caso, o revisor ou a agência de revisão deve implementar
as modificações solicitadas em formato editável.
Acreditamos ter tratado de alguns universos inerentes à revisão, neste capítulo, que não
fazem parte do cotidiano da maioria dos revisores, mas são possibilidades e intercorrências com
as quais nos deparamos, eventualmente – para uns – e até mesmo frequentemente – para poucos.
O revisor deve estar preparado para essas situações, inclusive para ampliar suas opções no
mercado das letras e palavras, habilitando-se a receber e a processar material com o qual a
maioria não tem prática.214
às inferências e suas tipologias.219 A segmentação dos dados para análise pode seguir diferentes
modelos, até mesmo a modelagem da produção oral, ou pela linha que dá ênfase às já
mencionadas características funcionais de planejamento e processo de revisão.
As medidas subjetivas dos textos, por outro lado, utilizam o método dos juízes. Dois
grupos de leitores, mais especializados ou menos, ou mais bem treinados, ou com menos
treinamento, de acordo com os experimentos, avalia o documento, apreendido como todo, ou
utilizando escalas que abrangem várias dimensões lidas. Por exemplo, a escala de qualidade de
seis subgrupos (SSQS) que consiste em nada menos que 13 escalas em 6 grupos (legibilidade,
qualidade da superfície, conteúdo, ajuste pretendido, organização, estilo). Parece bem evidente
que essa metodologia se aplicaria à análise comparativa entre o original e o texto revisado, o
que, além de apresentar diversos complicadores práticos, permite muitos desvios de
julgamento, pois as soluções apresentadas pelas interferências de revisão podem bem ser as
mais diversas, muitas das quais igualmente boas.
Os métodos utilizados para estimar a qualidade dos textos, tais como os dois
sumariamente apresentados nos parágrafos antecedentes, são bastante diversificados. No
entanto, poucos estudos têm sido realizados sobre benefícios e limitações dos processos de
avaliação em questão. A dificuldade metodológica mais evidente diz respeito à baixa correlação
observada entre os escores de diferentes avaliadores, sejam eles medidas subjetivas ou
objetivas. Essa falta de acordo entre juízes seria ainda mais comum quando os avaliadores são
obrigados a fornecer uma pontuação sobre a qualidade geral do escrito. Apesar dessas críticas,
e mesmo exatamente por causa delas, se dá mais crédito atualmente a procedimentos focados
no leitor, métodos amplamente utilizados na literatura que vinculam processos e produtos – no
caso, a revisão e o texto revisado.
mesmo conteúdo lexical, sobretudo porque neles costumam ser desconsideradas as classes dos
advérbios, dos artigos e até dos adjetivos nesses estudos, privilegiando somente substantivos e,
em alguns casos, verbos. Mais, as escolhas lexicais variam muito de acordo com os
conhecimentos e as disposições dos sujeitos envolvidos, dificultando qualquer tentativa de
classificação e de comparação de resultados, inclusive as estatísticas e as análises
quantitativas.220
Textos analisados para fornecer dados a pesquisas qualitativas da mediação não fogem
à regra. As repetições, em particular, podem ter caráter enfático ou didático no discurso, a
repetição tem o propósito de que o conteúdo seja mais claramente fixado; as interpolações
podem ainda estar ligadas à fruição estética do escrito, marcar assuntos afetivamente
valorizados por quem tem a palavra, ou adiar o desfecho, como é comum em textos cômicos ou
de suspense.
Além disso, certas dimensões do texto poderiam determinar a qualidade do escrito por
si. O desenvolvimento de ideias, a organização, as estruturas de sentenças e a ortografia, em
pontuações subjetivas fornecidas por avaliadores, mostraram que avaliações de conteúdo e de
organização são os melhores preditores de senso de qualidade. Os escritos são avaliados de
forma diferente de acordo com a quantidade de ocorrências linguísticas de consistência,
coerência e coesão, enquanto o número de palavras ou o comprimento das frases têm impacto
na sensação de qualidade apenas em certas condições, como número muito baixo ou muito
grande de palavras longas, constituindo desvio do padrão preconizado para aquele gênero. O
método de avaliação focado no leitor é, portanto, para alguns analistas recentes, tão válido para
refletir a qualidade dos textos quanto a verificação das várias partes de que o escrito se compõe;
na verdade, estamos propensos a sintetizar que as duas correntes de análise são complementares
e não concorrentes; além disso, os dois critérios não apresentam, com frequência, resultados
tão díspares, conquanto existam desvios até mesmo em análises de mesma parametrização,
como já mencionamos.
Em suma, a qualidade dos textos é mal definida ou sua definição operacional é muito
contrastada. O procedimento de mediação tenta explicar o valor global do documento: sua
clareza, desenvolvimento coerente de ideias, capturando o interesse do leitor e oferecendo
características superficiais (pontuação, ortografia, gramática) relativamente corretas. Ter
critérios mais seguros e comprovados para medir a qualidade dos textos é essencial para o
progresso no estudo da atividade editorial. No entanto, essa questão ainda não foi
suficientemente estudada e não existem critérios universais tangíveis.
Por tudo isso, nem sempre se consegue diagnosticar correta ou complemente cada
problema e processar a interferência eficaz, ou fazer um controle de qualidade plenamente
correspondente à realidade ou rigorosamente uniforme. A excelência da revisão é produto do
amadurecimento do revisor e da característica do original. A ineficiência ou ineficácia da
revisão decorre, certamente, da falta de habilidade linguística na detecção e tratamento das
dúvidas, quando não de elementos ambientais que desviem o foco do revisor – ou de problemas
autorais do escrito.
10 MEDIAÇÃO LINGUÍSTICA
10.1 EPÍTOME
1. Os parâmetros de revisão profissional são os situações em que a linguagem está “em questão”,
mesmos inicialmente ligados aos do processo de sob observação na interação e escrita por todos
leitura; envolvem uma multiplicidade de os sujeitos.
operações cognitivas. 8. A teoria da revisão apresenta reflexos sobre a
2. Na revisão, deve-se considerar o contexto de linguagem e seus usos e sobre situações de
enunciação, adaptando o vocabulário e, de forma mediação, pois pressupõe ponderação sobre os
geral, a linguagem às habilidades interpretativas escritos, sobre a natureza e legitimidade de sua
dos leitores ao tempo da leitura. interação, assim como sobre a materialidade de
suas trocas.
3. A revisão tem sido objeto de muito pouco
questionamento epistemológico por aqueles que 9. Os fatores extralinguísticos que influenciam a
exercem o ofício e quase nenhum por estranhos à revisão não se manifestam apenas na
atuação. interpretação e comunicação de sentido, mas
também no papel que o texto traduzido deve
4. A revisão de poesia (re)sugere pela tensão na desempenhar no leitor.
qual a criação, tanto poética quanto do trabalho
do revisor, é um dos polos. 10. Metáforas de circulação, da passagem, acentuam
a dimensão efêmera, quase mecânica da revisão
5. Durante séculos, o debate sobre a tradução foi em – prática esquiva, sorrelfa, a ponto de nos
torno da fidelidade, entendida como a tradução permitir falarmos de uma “caixa-preta”.
literal do texto original, e da traição como
qualquer tentativa de adaptar o texto ao novo 11. Para descrever o processo de revisão na mente do
leitor, tais problemas subsistem quanto à revisão. revisor, passamos para metáforas topológicas de
encruzilhadas que hoje estão muito presentes nos
6. Supondo que o texto seja considerado discursos sobre a pluralidade linguística.
satisfatório, a maioria dos artigos não pode
explicar a diversidade de seu contexto de escrita 12. A revisão é o campo de batalha em que as
que a obra de revisão deveria elucidar. questões linguísticas aparecem nas relações
interpessoais, não apenas no problema das
7. A revisão questiona os modelos de ciências da línguas dominantes e dominadas, mas também na
comunicação para reexaminar de forma ampla definição da ciência e do discurso científico.
A questão entre fidelidade ou traição em relação ao trabalho revisor tem muitas nuances
assemelhadas ao mesmo questionamento em relação à tradução. Se, durante séculos, o debate
10-307
sobre a tradução foi em torno dessa dicotomia, sendo a fidelidade geralmente entendida como
a tradução literal do texto original e a traição como qualquer tentativa de adaptar o texto ao
novo leitor, às vezes, muito diferente do destinatário do original, tais problemas subsistem
quanto à revisão. É bem certo que os critérios nos quais tais julgamentos baseiam são, muitas
vezes, vagos e muito subjetivos, mas isso não afasta nem resolve a questão, pelo contrário,
apenas agudiza a querela. Esse conjunto de problemas passou a ser mais afeto à revisão, na
medida em que ela deixou de ser prática corretiva para se aproximar do processo de aferição de
textualidade que a caracteriza hoje, quando o revisor já deixou de ser o corretor tipográfico para
assumir o papel de mais um intercessor na polifonia da produção textual, e suas ações passaram
a ser efetivas interferências no texto. Nesse bojo, está toda a discussão entre o papel do
intercessor e a fidelidade, entre a interferência e a traição.233
Por quase meio século, a tradutologia desenvolveu conceitos teóricos e ferramentas que
permitiram superar essa visão dicotômica e simplista da atividade da tradução; quanto à revisão,
a abordagem é mais recente. Estudos sobre revisão, tanto como processo quanto como produto,
têm destacado a necessidade de considerar sua dimensão comunicativa e, em particular, o
contexto cultural em que ela se encaixa. Revisar é hoje visto como ato de mediação não entre
autor, texto e norma, mas, sobretudo, entre mensagem e público-alvo. Revisar passou a ser uma
série de procedimentos, de intervenções no original visando adequá-lo ao contexto de gênero
com diversos vieses, social, político e econômico, mercado, fins, e essa contextura de destino
do texto revisado tem forte influência nas estratégias procedimentais adotadas pelos revisores.
Contudo, a revisão também é vetor de facilitação da circulação de ideias, sistemas de valor,
expressões culturais. Revisão é o lugar da diferença, do questionamento prévio, da análise sobre
a mídia e da consideração sobre a mensagem. O revisor passa a ser um interventor no texto ao
assumir conscientemente a impossibilidade do perfeito distanciamento epistemológico de seu
objeto material de trabalho ou das ideias nele contidas. No entanto, alguns autores da
revisologia relutam em aceitar a diferença, a transformação do papel do revisor, os editores têm
pouca noção do novo quadro conceitual, mais grave, os autores nunca alcançam a mudança de
paradigma. As pessoas se sentem ameaçadas por tudo o que for novo, desconhecido, e tendem
a rejeitar o que pareça colocar em questão a ordem estabelecida. Se o antigo papel do revisor já
configurava uma “ameaça” aos demais atores, pelo “poder” que ele conferia sobre os escritos,
a nova posição lhes deve fazer ver o revisor como deus ex machina. Alguns autores têm
denunciado revisões com maior grau de interferência, que chamam de revisão “errada” ou
excessiva, na qual o pretexto da comunicabilidade resulta em intercessão alegadamente abusiva,
há um movimento de negação sistemática da presença coautoral do revisor. Entretanto, a
essência da revisão é ser abertura propositiva, diálogo, cruzamento, descentralização. Revisão
é alteridade no sentido de que, necessariamente, deve ser feita por outra pessoa, mas também é
alteridade no sentido de que não se pode negar a presença do outro, o revisor é outra persona
na malha de intercessões que compõe o texto. Como diz Sylvie Durastanti: “Um país, uma
civilização, uma cultura, uma literatura, uma língua que não dá lugar ao Outro estão condenadas
a estagnar, a se repetir, à atrofia, à atrofia, à atrofia, à extinção.”234 Revisão é exotopia no sentido
de que é a participação que vem de outro lugar, é mais uma voz no coro das polifonias da
escritura, mas também é exotopia no sentido de que tem seu lugar que não é de qualquer outro
que não o revisor.
A revisão está, entretanto, sujeita a duas forças contraditórias na mesma cultura literária,
por um lado, a tendência “naturalmente” conservadora e, por outro, a necessidade vital de
renovação. Para satisfazer essa dupla necessidade, o revisor tenta, de um lado, estabelecer
equivalências que permitam ao autor manter certas referências e, de outro, tornar visível a
diferença concebida como fonte de enriquecimento, considerando outros fatores
extralinguísticos, como o contexto em que cada original é recebido e as instruções dadas pelo
cliente. A discussão parte agora em direção aos obstáculos enfrentados pelo revisor, as
circunstâncias em que as escolhas devem ser feitas e os métodos usados para preservar a
fidelidade ao original, as características autorais e, mais importante: para não subverter as
intenções do autor. É isso que propomos discutir agora.
O estudo do processo de interpretação que gera tais representações tem sido abordado a
partir de diferentes perspectivas, sendo a mais interessante para a revisão, entre outras, os
espaços mentais, a semântica. Cabe atentar à complexidade da construção do sentido, assim
como à importância de aspectos relacionados aos elementos simbólicos e experiências coletivas
de determinado grupo linguístico.
O texto, como unidade comunicativa, não é redutível à soma das suas partes, pois a
complexidade inerente só pode ser apreendida se forem tidas em conta as relações entre os
elementos que intervêm e interagem no produto. Os escritos, devido à singularidade e à
especificidade das diferentes situações de comunicação, não podem ser analisados a partir de
leis gerais, portanto, tal complexidade deve ser considerada em suas relações subjetivas,
particulares e temporais. Além disso, a abordagem que parte do global (social) para o particular
(linguístico) – abordagem analítica, consoante os princípios da complexidade – depende das
propriedades, das adequações das situações com que se articulam e se produzem,
consequentemente, das escolhas individuais de cada produtor. Embora se distinga o texto do
contexto, um faz parte do outro, dado que a situação de ação de linguagem só se concretiza
pelas representações contextuais dos agentes. Se o texto, sempre como unidade comunicativa,
permanece irredutível à soma dos elementos que o integram, cabe considerar a totalidade desses
elementos em interação. Assim, nenhum dos elementos que intervêm na produção textual tem
necessária relação de semelhança, pertinência, continência ou dependência com o todo (o
documento), e, na outra via, são os múltiplos e heterogêneos elementos em interação que
constituem o texto.236
em perspectiva tão importante quanto o código linguístico, mas são muito mais difíceis de
entender e de serem expressos em texto. De fato, do ponto de vista cognitivo, a revisão é
operação entre dois sistemas semióticos que consiste em gerenciar o material linguístico a fim
de estabelecer correspondências entre as representações geradas pelo original e aquelas que
serão codificadas no texto revisado.
alvo; o mesmo se dá em todas as metonímias. Tal processo nos permite assimilar novos
conhecimentos com base no conhecimento preexistente. No entanto, quanto mais familiar a
estrutura esquemática do domínio de origem é para o leitor, mais poderosa é a metáfora ou a
metonímia. Autores de textos filosóficos ou científicos muitas vezes usam metáforas para
transmitir estruturas de conhecimento que o leitor apreenderá na forma de uma imagem.
Até agora, analisamos casos em que a assimetria cultural força o revisor a assumir
plenamente seu papel como mediador. As modalidades de sua intervenção variam dependendo
da função e do grau de relevância das unidades léxicas passíveis de interpretação pelo leitor.
Mesmo que, em algumas situações, a solução envolva a supressão ou redução de certos efeitos
estilísticos, a intervenção não altera o “espírito” do texto. No entanto, esse não é o caso em
todos os casos.
Esse ato revisional de recriação está sujeito a fatores sociais, econômicos e políticos que
nem sempre o revisor é capaz de dominar. O primeiro desses fatores é a influência de formas
canônicas de diferentes gêneros textuais no leitor-alvo. Desse ponto de vista, subscrevemos
alguns dos princípios da teoria do polissistema aplicados ao estudo da literatura. O polissistema
refere-se ao conjunto heterogêneo e hierárquico de sistemas nos quais gêneros literários de
prestígio e grandes obras ocupam posição dominante, no centro da arena, enquanto obras
“secundárias” são relegadas à periferia. A peculiaridade desses sistemas sendo seu dinamismo,
esse equilíbrio de poder pode mudar porque as obras secundárias lutam para serem reconhecidas
e acessar o centro do sistema. As formas literárias “em primeiro lugar” tornam-se, portanto,
formas canônicas que regem a aceitabilidade do texto. Devido a seu status como texto sucessor,
na gênese da produção, a revisão está na periferia do sistema e tende a se conformar com as
convenções dos textos canônicos. Embora a teoria do polissistema tenha sido desenvolvida
10-312
principalmente no campo literário, consideramos que alguns de seus postulados são aplicáveis
a outros gêneros textuais, notadamente aqueles com os quais mais trabalhamos, as teses e
dissertações que intentam, quase a totalidade delas, aderir a cânones do gênero.
Podemos falar de traição na revisão? Não esqueçamos que os textos publicados serão
protegidos por direitos autorais e que as condições para revisar e publicar um romance ou livro
de qualquer outro tipo estão estipuladas em contrato firmado após negociações entre editores e
autores ou seus representantes. Qualquer adaptação do texto que possa ser descrita como
censura por razões econômicas é intencional e faz parte da estratégia específica. No entanto, há
muitos casos em que o estudo dos textos originais e sua revisão revelam que os processos de
interferência implementados tendem a mitigar elementos que podem ser percebidos como
transgressores na cultura do leitor-alvo. É difícil dizer se tais mudanças foram feitas
10-313
Nas interações humanas, a questão da revisão ocupa lugar especial tanto como trabalho
específico sobre línguas como na situação reflexiva de comunicação. A teoria da revisão
apresenta reflexão e reflexos não só sobre a linguagem e seus usos, também sobre situações de
mediação, pois pressupõe ponderação sobre os escritos, sobre a natureza e a legitimidade de
sua interação, assim como sobre a materialidade de suas trocas. Consideramos a revisão com a
postura epistemológica que se engaja em pensar tanto a linguagem quanto os jogos da
linguagem, da materialidade do corpo e da representação escrita, como espaços específicos de
10-314
criação e recriação. Analisamos a revisão aqui em relação à prática linguística, política e poética
que diz respeito diretamente à pesquisa em linguística aplicada, ciência da informação e
comunicação.
A revisão envolve uma parcela de ajuste e outra menor de criação (mas não menos
importante), um jogo de influências recíprocas, uma dialética de apropriação e mudança de
cenário. O documento revisado, necessariamente polifônico, compõe com o original e
(re)implanta mais eficientemente os dispositivos linguísticos. Uma reflexão mais semiológica
nos permitirá acompanhar essa negociação de significado. Assim, percorreremos
Esse percurso e destino literários não estão livres de questões de poder. Revisar significa
reconhecer a existência do outro e estabelecer as bases para o diálogo; inclusive, trata-se de
subsidiar a comunicação escrita entre os sujeitos. É também a prática que pode tornar as línguas
violentas ou impor hegemonia e domesticá-las. Para uma instituição, a revisão se cruza com os
problemas de posicionamento e concorrência no mercado.238
estratégia de atores que competem pelo recrutamento dos melhores leitores enfrenta algumas
dificuldades.
Uma chave óbvia na escolha das palavras não é mais a revisão em si, mas a situação de
comunicação. Dependendo do público que abordamos, podemos apresentar o lado certo da
proposta: “mediação” ou “intervenção”. A revisão enfatiza, na prática, que, para descrever as
mesmas coisas, escolhem-se palavras, expressões, perífrases, específicas de acordo com as
suposições que fazemos do horizonte de expectativas dos interlocutores, em todas as
circunstâncias.
Temos que voltar aos diferentes aspectos dessa questão. O revisor é pego em um
contrato de legibilidade, com a responsabilidade de dar para ler um texto que não existirá de
outra forma para outros leitores. Nosso trabalho baseia-se na (re)escolha das melhores palavras,
das construções mais adequadas, da ordem mais fluida e de significados os mais exatos ou
ambíguos possíveis. A revisão é tomada pela comunicação no sentido de que deve considerar
o contexto de enunciação (especialmente quando o tempo entre a escrita da obra e sua revisão
é estendido, algumas vezes por décadas ou séculos), adaptando o vocabulário e, de forma geral,
a linguagem às habilidades interpretativas dos leitores ao tempo da leitura. Surge a noção de
horizonte de expectativas como é de interesse para a revisão de várias maneiras. Cada obra é
(re)interpretada, (re)avaliada, por meio de (re)leituras dos horizontes de expectativas dos
leitores – artistas e poetas. Agora, em vez da comunicação de significados, muitos autores
dizem equivalência funcional, dinâmica e proximal: a revisão (especialmente no caso de textos
com propósitos estéticos) deve produzir o mesmo efeito que o pretendido pelo original. Isso é
referido como valor de troca igualitário – no mínimo, correspondente, que se torna entidade
negociável.239
O uso do inglês como língua franca tem muitas implicações: reduz a prática daquela a
seu uso como ferramenta, constituindo a interlíngua por excelência – e aqui nos reportamos ao
“inglês instrumental”, uma realidade internacional, queiramos ou não. Usamos a palavra
ferramenta para distingui-la do que qualifica adequadamente a língua, a interlíngua é
ferramenta.
simplista, de base normativa e regulatória não está relacionada ao respeito pelo escrito original,
mas à instrumentalização da língua que se torna extensão indiferente do pensamento, fenômeno
de pasteurização. Essa revisão que repudiamos parece estar limitada à (re)codificação da
mensagem, a seu enquadramento, reduzindo o revisor ao papel de fiscal da novilíngua. Esse
modelo é particularmente proeminente no ambiente profissional que o associa ao modelo de
comunicação instrumental – no qual cabe ao revisor o papel reducionista de aplicar a desejada
instrumentalidade ao objeto, como é o caso dos textos procedimentais de caráter multinacional.
A disparidade é óbvia, é clara, entre o escrito em inglês pelo anglo-saxão e o escrito por
pessoa de qualquer outra nacionalidade. No entanto, o esforço da revisão simplesmente não é
mencionado como tal naquela obra. Na maioria das vezes, não há menção do revisor por pelo
menos duas razões. Primeira, o texto é revisado, mas a revisão entra na categoria de “textos
industriais” e o contrato estipula o abandono da propriedade intelectual pelo revisor.240 Os
comitês editoriais pedem que os textos sejam “relidos” (não revisados) pelos falantes nativos
do inglês e minimizam ainda mais o trabalho de revisão. Supondo que o texto seja considerado
satisfatório, a maioria dos artigos não pode explicar a diversidade de seu contexto de escrita
que a obra de revisão deveria elucidar: “as notórias normas ou as poéticas específicas do gênero,
as relações implícitas que ligam o texto a obras conhecidas em seu contexto histórico e,
finalmente, a oposição entre ficção e realidade, função poética e função prática da
linguagem”.241 Na escrita e revisão de textos científicos, esse horizonte conceitual deve ser
explícito. No entanto, um texto pode ser escrito em inglês sem que as fontes sejam anglo-saxãs.
Assim, nas bibliografias, as referências podem estar além do alcance do leitor de língua inglesa,
porque em norueguês, dinamarquês ou português. O artigo pode, portanto, parecer
extremamente interessante, mas impossível de seguir, uma vez que o resto dos escritos não
estão disponíveis – e as cadeias de autoritas et auctoritates inerentes ao pensamento científico
se rompem. Ficamos como se estivéssemos na superfície do texto. Uma das consequências
editoriais e científicas do requisito de legibilidade aprofundada, no entanto, pode ser pior que o
mal. Por um lado, pode levar a sistematizar o uso da língua estrangeira, inclusive para pessoas
que falam a mesma língua que os autores. Por outro, pode levar os autores a citar apenas
referências na língua franca. Pesquisadores adotam um horizonte cultural demarcado como a
única garantia de publicação. Em outras palavras, textos do contexto anglo-saxão “estendido”
(ou subentendido) são procurados e citados para garantir que os leitores encontrem o que estão
acostumados e limitam dramaticamente as referências e a diversidade cultural.
Em segundo lugar, essa “tarefa” se funde com a de (re)projetar o texto original. Não é,
estritamente falando, caso de revisão, mas trata-se de autorrevisão – para não dizermos que é
autocensura. Em entrevistas com pesquisadores, essa restrição da linguagem é frequentemente
mal experimentada; na melhor das hipóteses, como fatalidade; na pior das hipóteses, como
desapropriação do pensamento; daí os repetidos pedidos de orçamento para revisões – e as
constantes denegações de ordens de serviço: os autores não se dispõem ao ônus por ignorarem
o bônus.
Em ambos os casos (releitura ou reescrita), o documento não mostra os passos como faz
um livro, que exibe e muitas vezes prioriza e hierarquiza as funções de autor e revisor,
colocando-os para um a primeira capa, para o outro dentro do livro, ou usando fontes de
diferentes tamanhos.
O uso muito particular do inglês por pessoas que não o falam como língua materna,
finalmente, moldou uma nova língua, uma novilíngua, e um tipo peculiar de situação de
comunicação. Não é o uso da língua inglesa – em toda a riqueza do inglês americano, britânico,
A partir de nosso forte desejo, tanto teórico quanto metodológico, de redação e revisão
colaborativas e dialógicas, também nos deparamos com o tipo documento para conferência e
revista científica em questão que pode ilustrar o que vimos afirmando. Apesar da pretensão de
representação bastante ampla dos problemas (issues) globais e setoriais, o gênero esperado, em
um caso que elegemos para epígrafe, dentre muitos, era o de artigos de pesquisa no campo da
engenharia. Vimos os comentários de três revisores (peer review, refereeing) enviados por e-
mail demandando “ajustar” o artigo. Uma das observações em particular chamou a atenção.
“Eu recomendaria aos autores absterem-se do floreado da linguagem sobre as visitas ao museu
e focar mais no conteúdo técnico. Afinal, trata-se de publicação técnica em que o avanço dos
princípios da ciência e da engenharia é mais valorizado que a linguagem de alto nível.” O
revisor (peer reviewer) considera que a tecnologia seja definida apenas por características
funcionais, sem os componentes elementos culturais e sociais, e critica o mal posicionamento
do artigo nessa conferência. No entanto, o próprio julgamento não deixa de ser atingido pelos
juízos de valor sobre a forma escrita dos resultados da investigação. De fato, as críticas do
comentário não dizem respeito a problemas de sintaxe ou problemas de vocabulário
relacionados à revisão, mas ao próprio estilo de expressão. Tampouco, o comentário do revisor-
par (a tentativa de tradução literal ainda é mais desastrosa que o inglês instrumental) não se
atém ao comentário do conteúdo material (tecnicista) do artigo, ele foca aspectos linguísticos e
estéticos sobre os quais demonstra cabal despreparo.
A revisão não é a única atividade a ser afetada pela uniformidade de linguagem que a
reduz a uma ferramenta, como as ferramentas de revisão do Word e outras mais do mesmo jaez
– todas são da mesma estirpe! Neste ponto, o Word recomendou trocar “jaez” por “gênero” –
ignorando a variação léxica e o sentido técnico que damos à alternativa que eles propõem.
Fascinante como, à medida que redigimos, as teses que apresentamos nos são provadas e
referendadas pelo uso que fazemos de uma ferramenta de matriz anglo-saxônica tentando nos
restringir o uso de matizes da flor do Lácio (essa última expressão é, intencionalmente, o ato de
rebeldia para encerrar o parágrafo).
Revisar é integrar os horizontes da língua, é mediar a relação dos sujeitos com o mundo
exterior sem consentir que uma vírgula separe os sujeitos dos predicados, é entrar na polifonia
entre os diversos agentes e pacientes. A língua desafia ideias preconcebidas sobre conversa
justa, fala poética, expressão eficaz, comunicação por gestos e símbolos. A língua não só cresce
continuamente em expressões e representações, como sepulta ideias e palavras sem serventia,
diversificando as relações de seus usuários com o mundo. Portanto, a revisão é eminentemente
política, agindo no compartilhamento multissensorial. Existe uma estética na base da política…
É a (re)divisão do tempo e do espaço, do visível e do invisível, da fala e do ruído que define
tanto o lugar quanto a questão da política como forma de experiência. A política é sobre o que
vemos e o que dizemos sobre ela – sobre o mundo; quem tem a competência de ver e a qualidade
para dizer, sobre as propriedades dos espaços e as possibilidades de tempo, é o homem político
aristotélico. As revisões revelam o modo pelo qual as línguas dividem o contínuo da experiência
e, em contraste, refletem os silêncios das narrativas, suas histórias, seus valores.
O substrato comum da língua franca bem como as inespecificidades dos autores são
questionados pela revisão. Uma das dificuldades é recontextualizar o discurso para questionar
a ordem compartilhada, o comum e o que está na altura da ruptura estilística e das
idiossincrasias (usamos novamente, por pirraça mesmo!) dos autores. Em outras palavras, a
revisão não se trata de usar dicionário e gramática, mas de elucidar contextos de enunciação.
Na prática, não há um texto ou dois, mas vários: não apenas rascunhos, mas diferentes
encarnações da escritura que constituem, naturalmente, uma história de revisões, mas também
a própria dinâmica do trabalho de revisão. De fato, o texto original não só é transformado, mas
10-324
é revisado para verificar a fluidez e as relações decorrentes. Posto isso, há vários momentos de
escrita, vários pré-textos que, embora emoldurados pela leitura do original, podem ser
consideravelmente emancipados dele. Estamos criando uma rede de textos. O conceito de
dialogismo está por trás dessa circulação, assim como os conceitos de mimese, de intercessão
e de mediação. A orientação dialógica é inerente a todo discurso. O discurso de um encontra o
discurso dos outros sobre todos os caminhos que levam a seu objeto e eles interagem. Por tudo
isso, a revisão é uma forma de diálogo ativo, voluntário e explícito.
Uma evolução recente da revisão considera hoje essa atividade tanto do ponto de vista
linguístico quanto do ponto de vista semiótico. “Um sinal ou representação é algo que ocorre
para alguém de alguma coisa em algum aspecto ou em alguma capacidade. É endereçado a
alguém, cria na mente dessa pessoa um sinal equivalente ou pode ser um sinal mais
desenvolvido. Esse sinal que ele cria, eu o chamo de interpretar o primeiro sinal. Esse signo é
o lugar de algo: de seu objeto”.243 Essa definição de como o sinal funciona introduz elementos
de estabilidade e dinâmica. A relação do representante com o objeto não é universal e
atemporal, mas histórica. Pierce fala da “fundação” do representamem (a forma do
representado). A fundação não se reinventa a cada segundo e é reconhecida entre diferentes
pessoas que entendem o que ela é, assim como permite, com o tempo, que um homem se lembre
do que estava pensando na medida em que o pensamento continua coerente durante o tempo,
com conteúdo preservado, sempre a mesma ideia não se torna uma nova ideia a cada instante.
A revisão baseia-se na estabilidade, mas também na manifestação viva, na experiência renovada
da vivacidade das relações de sentido. O sinal também é um elemento dinâmico porque não
para em um sentido, na única relação com o objeto, mas refere-se a outros sinais. O sinal é
definido pela sequência interpretativa, (re)interpretando-a, tornando-se um sinal novamente, ad
infinitum. A tarefa do revisor é justamente atravessar o espaço e o tempo semântico, explorar
essa suíte interpretativa e escolher uma estabilidade aparente, uma série de palavras ou uma
vírgula para que o leitor entenda a que se refere o autor. A revisão funciona na distância não só
entre o objeto e o representamem, mas também entre o representamem e o intérprete.
A questão toda é como revisar sem fazer uma explicação dos documentos. A exploração
completa do espaço semântico levaria a um texto com longas perífrases e didascálias para
explicar cada termo – como uma tradução em língua própria. Seja para romance, manual, artigo,
tese, poema, o revisor pretende contribuir para que o escrito produza, na medida do possível,
os mesmos efeitos à leitura, tanto estilísticos quanto culturais, independentemente da persona
do leitor. O revisor negocia constantemente perdas e acréscimos de significado: o que se perde
em uma sentença, pode ser compensado em outra.
Essa riqueza semiótica (re)velada pelo processo de revisão assume dimensão especial
quando é interpretada por escritores que não pensam na revisão como espaço de transição sem
espessura, mas como ambiente a ser explorado. Se olharmos para poemas “revisados”, trata-se
tanto da questão de possibilitar ler com familiaridade, como forma de repetição de fórmulas, de
déjà vu, quanto da de deixar claro que algo foi retraído, transformado, um truque foi aplicado.
As revisões verdadeiras sublinham o jogo criativo inerente à prática linguística, mas também
específico para os jogos de línguas que trazem à tona a materialidade da revisão. Metáforas de
circulação, da passagem, que acentuam a dimensão efêmera, quase mecânica da revisão – trata-
se da prática esquiva, sorrelfa, fugidia da revisão, a ponto de nos permitir falarmos de uma
“caixa-preta” para descrever o processo de revisão na mente do revisor, passamos para
metáforas topológicas de encruzilhadas que hoje estão muito presentes nos discursos sobre a
pluralidade linguística.
10-326
O trabalho do revisor é, portanto, poético. É trabalho, mas também gera surpresa, gera
busca assim como oferta. O mecanismo revisado não é controlável – não houve controle do
processo pelo autor, o produto é um inédito, um filho sem pais e sem país, porém uma criatura
com um creador (sic) e um (re)criador. Uma forma (ou fôrma) de tecnicidade é a marca do
revisor, mas é uma produção que não é totalmente antecipada. Ao (re)colocar os textos em seu
papel, ou em seus papéis, justapondo autorias, propomos uma circulação limpa do olhar que
compara comprimentos, ortografias, estruturas que (re)criam significado não só a cada texto,
mas também entre eles.
A arte poética reflete tudo relacionado à produção das obras, passando pela ideia geral
de ação humana completa, desde suas raízes psíquicas e fisiológicas, até seus compromissos
sobre matéria ou sobre indivíduos. Ela situa, primeiro, o estudo da invenção e da composição,
o papel do acaso, o da reflexão, o da imitação; depois, vêm a cultura e o ambiente; ao cabo, o
exame e a análise de técnicas, processos, instrumentos, materiais, meios e substitutos de ação.
10-327
Importa primeiro o que na criação é interpretado pelo autor. Depois, a criação tem uma
parte descontrolada, que pega desprevenida e parece escapar de qualquer organização
consciente. Mas essa inspiração não é suficiente para fazer o poeta. O trabalho sobre palavras,
a busca de formas adequadas, a implementação do conhecimento técnico são o corolário
indispensável da visão poética, os meios de que o texto surge. O “estado poético”, quase
acidental, nos dá a sensação de ser capaz de reorganizar os elementos da realidade, perceber
correspondências, criar vínculos. Como no sonho, elementos dispersos fazem sentido em
configuração inesperada.
A revisão da poesia afeta tanto o escrito original quanto o idioma. A revisão é o princípio
dessa dupla (r)evolução. Também se estabelece uma hierarquia entre textos que contêm a
revisão em seus corações e aqueles que são de menor interesse, cuja revisão foi apenas cerebral.
Nem todos os textos poéticos carregam em si suas revisões, nem todos têm potencial para
evoluir. Nenhuma revisão seria possível à poesia se sua essência final fosse desejar parecer,
manter, preservar, estabelecer um liame direto com o original. Em sua sobrevivência, essa
revisão não mereceria ser chamada assim, não sendo a mutação e a renovação dos textos vivos,
não sendo a mediação entre os originais e os sujeitos. Mesmo palavras bem definidas continuam
amadurecendo. O que, na época de um autor, pode ter sido tendência em sua linguagem literária
pode ser esgotado depois disso; tendências imanentes podem surgir em nova configuração
criada. A revisão, pela forma que adota, revela, mas também cria potenciais para a linguagem.
A “tarefa” do revisor é contribuir para a vivacidade da língua e assinar (e não assassinar) a
natureza efêmera dos textos que ela dá à luz. Não se trata de (re)escrever as palavras, mas de
ser fiel ao princípio dinâmico das línguas e, portanto, de (re)inventar o jogo. O jogo sobre
palavras, a permutação, a busca por raízes, a peça fundada em sons e ritmos, dando origem a
interpretações – no sentido dramatúrgico do termo. Não há, portanto, revisão perfeita para a
poesia, mas sim revisões que mudam, que envelhecem depois de atualizarem o poema original,
porque refletem o que parece relevante para a leitura contemporânea e não apenas em relação
ao contexto original. A exploração de possíveis significados, mundos vividos, comentários, não
só alimenta a interpretação, mas também (re)cria um universo que, de alguma forma,
(re)escreve o poema original.
Considerando a criação e a circulação de termos entre línguas, bem como seu respectivo
fluxo na própria língua ou através dos tempos e segundo o jogo de interesses, parece necessário
10-330
que as ciências da informação e comunicação, para garantir melhor a posição crítica, evoquem
tecnologias que lhes são inerentes ou, por outro lado, assumam posturas que lhes são intrínsecas
em relação à pesquisa nos campos científicos que atuam na linguagem. No primeiro ponto, um
elemento complementar será trazido ao debate, o conceito de interatividade. O debate sobre
interatividade passa pelo conjunto multidisciplinar de questões sobre escritos em tela no qual a
postura crítica afirmada desde o início é arguir termos que parecem autoevidentes, como o da
interatividade. Essa postura é explicada em relação à poética dos escritos em tela, cuja
proposição é que a eficácia retórica das expressões interação e interatividade se deve, de fato,
à ambiguidade e à reflexividade que lhe são inerentes, característica que se refere às
propriedades técnicas, de um lado, e à noção humana de ação, de outro, bem como às influências
recíprocas entre ambas. No entanto, nenhuma ação comunicativa é meramente gesto físico,
questão motora ou de ergonomia, é também implantação de energia e sinergia dotadas de
significado pelo sujeito em contexto social, histórico e cultural, portanto, a ação comunicacional
é questão de semiologia, sociologia e filosofia. Desse modo, é compreensível que não haja
interação possível entre o homem e a máquina no sentido adequado da palavra.
Inobstantemente, existe intensa interação entre os seres humanos e as máquinas constituídas
pelas linguagens. É assim que vale a pena perguntar por que os projetistas dos dispositivos
tecnológicos falam de interatividade e por que sugerem, como o termo deixa transparecer, que
a máquina tem capacidade de ação, força de vontade, capacidade de fazer sentido e, portanto,
de acessar a cultura.245
A história desse termo mostra os aspectos mecânicos e dinâmicos: é a ação que ocorre
entre duas ou mais entidades quando a ação de uma delas provoca uma reação da outra ou das
restantes; por oposição à unidirecionalidade do conceito de causalidade, e subjacente
bidirecionalidade ou mesmo interatividade, inclusive com reflexionalidade. Houaiss nos aponta
alguns tipos de interação:246
A isso se soma uma confusão adicional: a do uso da palavra interação pelas ciências
sociais. O conceito derivado da filosofia alemã é generalizado pela Escola de Chicago. A
psicologia social descreve as regras organizadoras das relações humanas e suas questões
sociais. Assim, a partir da década de 1970, o termo tende a abranger as atividades humanas
entre eles e não apenas as propriedades físicas ou químicas dos elementos:
A partir da década de 1970, o termo interação foi usado e disseminado para aplicar à
ciência da computação. Os vocábulos e conceitos desenvolvidos no contexto da eletricidade e
do eletromagnetismo são transpostos para a ciência da computação pelas mesmas sociedades
de eruditos e seus periódicos. Interação passa a descrever a troca de informações entre
computador e usuário.
apenas à (re)visão de superfície, inequívoca para aqueles que o usam no mesmo campo de
pesquisa, mas particularmente polissêmico assim que escapa a esse ambiente restrito. Na
engenharia, é relacionado à questão da velocidade, da coerência de um sistema técnico com seu
ambiente. Refere-se à noção de sistema que é técnico e social, particularmente com prevalência
na análise de sociedades e técnicas. Finalmente, a interação tem vínculo com as ciências sociais
para explicar a especificidade dessa tecnologia e inscrevê-la na sociedade. Com essas
expressões, vemos vários artifícios: aplicação interlinguística (ida e volta entre diversos
idiomas), intralinguística, mas multidisciplinar (entre ciências eletrônicas, ciência da
computação e ciências sociais), específica para a imaginação social do próprio “sistema”
extraído de um conjunto de disciplinas científicas.
Não se trata apenas de dar uma “pincelada” comunicacional na revisão, mas também de
entender o que a (re)flexão sobre a revisão pode informar à pesquisa em ciências da informação
e comunicação, e é sobre esse último ponto que gostaríamos de concluir. Há quatro aspectos
que estão em foco.
Primeiro, a revisão reforça a atenção aos usos dos termos, à circulação de palavras no
contexto de internacionalização da pesquisa. O trabalho histórico precisa ser fortalecido por
estudos síncronos e transversais para a melhor base de posicionamento crítico.
Nessa escrita para vários, por vários, com vários, parece interessante não cairmos na dicotomia
entre autor e não autor. De fato, parece-nos que a escrita cinematográfica, ao atribuir
simbolicamente e legalmente o status de autor a vários sujeitos da produção, ao mesmo tempo
que prioriza e organiza suas contribuições, é uma metáfora a ser cavada para a escrita textual.
Cabe questionar a figura do autor solitário ainda muito proeminente nas mais diversas ciências
e mesmo no campo da literatura ficcional.
Para concluirmos essas passagens, fica nossa (re)missão: vamos nos remeter ao uso (e
abuso) do trocadilho e da ambiguidade do prefixo “re”, explorando a polissemia e a sonoridade,
a (re)ferência constante que invocamos ao ofício do (re)visor: nosso constante (re)torno à leitura
e (re)leitura, nossa (re)textualização, e também nossa (re)volta contra práticas e (re)usos que
repudiamos, requisitando para nós um papel, nossa reivindicação de presença naquilo que
revisamos, não só por (re)visar – endossando duplamente – mas também por (re-s)significar,
na tomada de tento que é pura (re)poiesis: (re)posição e (re)criação. Estamos jogando com
palavras, entretanto, antes e mais, estamos jogando com signos, jogando o jogo cujas regras são
de nosso domínio, cujo objeto é nosso conhecimento e cujas ações são nossas práxis.
337
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(Dissertação) São Paulo: Programa de PósGraduação em Ciências da Comunicação/ USP, 2009.
345
GLOSSÁRIO
análise proposicional quantitativa (APQ): procedimento metodológico que visa explicitar nas
entrevistas o seu conteúdo descritivo (também chamado “constativo”), tornando-o o mais
objetivo possível para os propósitos de um estudo quantitativo.
benchmark: –análise objetiva para aprimorar a revisão (processo, produto e serviços), gerando
mais qualidade e produtividade.
complexo de cláusulas: na linguística clássica, relação lógica entre dois ou mais processos e,
portanto, é composta por duas ou mais cláusulas simplex.
cotejamento: é a revisão que envolve comparação paralela ao original, distinta da revisão que
não o faz.
incumbência: v. mandado.
interlíngua: (i) para Larry Selinker (1972), estágio intermediário de um aluno que pretende
adquirir uma segunda língua. Não é mais L1 e também não é ainda L2, mas contém elementos
próprios das duas linguagens; (ii) língua auxiliar internacional, criada em 1951, baseada em
simplificações e termos comuns ao português, espanhol, italiano, francês e inglês, que serviria
como língua-ponte nas relações internacionais (UNION BRASILIAN PRO INTERLINGUA,
s.d.).
intervenção: cada uma das propostas de modificação ou sugestões feitas no texto pelo revisor.
kerning: ajuste do espaço usual entre dois caracteres que confere equilíbrio e legibilidade ao
texto do ponto de vista gráfico.
mandado: contrato, ordem de serviço, incumbência designada, texto a ser revisado ou etapas
da revisão a ser desempenhada.
original, texto original, source text ou texto de partida: texto a revisar ou traduzir na forma e
condição em que é recebido para o serviço.
passagem: cada uma das leituras que o revisor faz do texto; em geral, constitui uma etapa da
revisão com foco específico, mas os aspectos adjacentes também costumam ser notados.
revisão aleatória, verificação por amostragem, spot check: controle de qualidade de alguns
segmentos do texto revisados, escolhidos ao acaso pelo editor.
revisão colegiada: mais rara, envolve várias pessoas (revisores, autores, grupos de editores,
orientadores, consultores técnicos).
revisão de pares: processo editorial pelo qual, na edição de textos científicos, especialistas
opinam sobre a qualidade e validade do conhecimento no texto que lhes é submetido.
revisão de revisão: completa releitura da revisão, sendo que cada frase é comparada com a
parte correspondente do original.
revisão mecânica: revisão destinada a corrigir aspectos superficiais do texto sobre os quais
não há possibilidade de questionamento, por constituírem erros óbvios.
revisão recíproca: sinônimo de interrevisão, a revisão recíproca refere-se à prática pela qual
dois autores se revisam, intercambiando a tarefa, leitura cruzada;
revisão resolutiva: aquela cujas interferências não são submetidas a terceiros, por constituírem
pontos pacíficos.
revisores do conteúdo: profissional cujo conhecimento técnico no objeto do texto lhe permite
considerações sobre a materialidade, validade e propriedade terminológica.
tag: estrutura de linguagem de marcação contendo instruções, e uma marca de início e outra
de fim, para que o navegador possa renderizar a página.
texto revisado, target text ou texto de chegada: texto traduzido ou revisado, resultado do
processo de tradução e revisão; também é comum falar-se apenas em tradução ou revisão,
respetivamente.
texto-fonte: v. original.
verificação da qualidade (quality check): conjunto de operações finais a que um texto é sujeito
após a sua tradução ou revisão e antes da sua entrega, com o objetivo de garantir o
cumprimento das normas, o uso uniformizado da terminologia imposta e a formatação
adequada.
versão com marcas ou versão unclean: texto já revisado, mas no qual as alterações inseridas
pelo revisor estão claramente destacadas pelo uso de marcas de revisão.
versão limpa ou versão clean: texto já revisado, no qual as alterações inseridas pelo revisor
não são visíveis por já terem sido integradas ao texto.
349
Num suspiro se pôs de pé. Cansaço de nada. A escrivaninha ficava numa parede entre
duas portas, a do banheiro, à esquerda, e a porta que abriria assim que terminasse seu conto, à
direita. Era por esta porta que voltaria à realidade, à vida lá fora. Não havia muita coisa naquele
quarto. A cama ficava a três passos da mesa com o computador. Ao lado estava uma pequena
mesinha com um abajur e uma estatueta de bronze do Minotauro segurando um machado de
lâmina dupla. Era a única peça de decoração no ambiente. Dali até a janela na outra extremidade
eram sete passos. Cansou de fazer as contas, andando de lá para cá como que buscando
inspiração na dança. Acima da cama havia um velho relógio, que marcava, naquele momento,
5 horas e 15 minutos. Essa era sua morada. Nada novo. Decidiu dormir um pouco, desejando
acordar com algo para escrever.
Como estava quente! Abriu os olhos de relance, mexeu-se um pouco e viu o que parecia
ser uma sombra à porta à direita. Foi apenas por um instante. Deus sabe que um despertar como
aquele, num quarto quente e depois de semanas de solidão podem fazer um homem ver coisas
que não existem. Abriu os olhos um pouco mais a contragosto. O quarto permanecia como
estava, sem nenhuma presença indesejada, a não ser o bloqueio no qual o homem se encontrava.
Era hora de se levantar. Sentou-se na cama, limpou o suor do rosto com o lençol. Olhou para o
relógio: 6 horas e 30 minutos. O dia já estava escurecendo. Levantou-se, abriu a porta à
esquerda, urinou, lavou o rosto e permaneceu ali por um instante com as luzes apagadas. Olhou
seu reflexo no espelho, uma sombra pouco visível. Buscou na mente um sonho, uma lembrança,
algo para sua história, mas não encontrou. Tudo o que tinha era aquilo naquele quarto. Nada
mais.
350
Estava na janela, apoiado, recebendo um pouco da brisa da noite. A luz fraca do abajur
e da tela do computador iluminavam a escuridão. Olhou para baixo, viu algumas pessoas
caminhando. Talvez fosse hora de sair um pouco. Andou até a porta à direita, a saída. Ao abrir
a porta, a imagem que viu não fez sentido algum. A porta que o faria sair de seu quarto na
verdade o levou para dentro de outro quarto, aparentemente idêntico ao seu. Uma escrivaninha
com um computador, uma cama, um relógio, uma mesinha pequena com um abajur. Neste
quarto não havia estatueta. O relógio marcava 10 horas e 30 minutos. Ficou ali. Virou-se para
trás, e lá estava seu próprio quarto, exatamente como o deixou. Virou-se novamente e olhou
para o outro quarto para confirmar o que viu. Parcialmente ocultado pelas sombras, caído no
chão, havia um corpo ensanguentado. Alguém estava morto ali. Ameaçou entrar para ver mais
de perto, mas ação era um desejo distante. Ficou duro como pedra. Por instinto, num misto de
coragem e medo, deu um passo para trás, fechou a porta e a trancou. Retrocedeu até a cama,
olhos vidrados na porta, ainda confuso. A imagem do corpo sem vida presa à sua mente. O rosto
do morto era igual ao seu.
Aquilo não fazia o menor sentido. Estaria ficando louco? Ficou dias trancado naquele
quarto, sem contato com outras pessoas. Aquele homem no chão era ele mesmo? Um
pensamento crescia em sua mente, e a simples ideia de que estaria vendo seu próprio destino
lhe dava calafrios. Poderia ter visto o rosto de outro homem e achado que era o seu. Precisava
ter certeza. Olharia mais uma vez e então ligaria para a polícia. Precisava ter certeza de que não
estava ficando louco. Caminhou até a porta decidido, mas no meio do caminho perdeu a força.
O assassino ainda poderia estar no quarto ao lado. Agarrou a estatueta de bronze e se dirigiu à
porta. Destrancou a fechadura. Com toda a cautela, abriu a porta devagar. A estatueta firme nas
mãos. Para seu espanto, não havia corpo. Ainda era o mesmo quarto, idêntico ao seu. Alguém
dormia na cama. A pessoa se mexeu um pouco, e ele, com medo, voltou ao seu próprio quarto.
Trancou a porta mais uma vez e sentou-se ali mesmo. Os olhos fixos na figura do Minotauro.
Quase não respirava, tentando ouvir se o outro acordou. Estava enlouquecendo. Minutos antes
tinha visto um corpo atrás daquela porta, ele sabia disso. Mas os loucos talvez tivessem as
mesmas certezas que ele.
Poderia estar sonhando, ele pensou. Buscava qualquer explicação, qualquer artifício
para entender aquilo. Gostaria que tudo acabasse logo. Tudo o que queria naquele momento era
voltar para casa com seu conto não terminado. Duvidava de si mesmo mais a cada instante, e
aquele quarto parecia cada vez mais com um túmulo. O relógio acima da cama marcava 10
351
horas e 20 minutos. Um som anunciou uma presença do outro lado da porta. Alguém estava ali!
Poderia ser o assassino. No instante seguinte a maçaneta foi forçada, mas a porta estava
trancada. Estavam tentando entrar. Colocou-se de pé, agarrou-se à estatueta e ficou ao lado da
cama. Escutou o som da porta sendo destrancada. O assassino do outro lado tinha a chave!
Ficou gelado, tremia, e nem parecia que aquele lugar estava quente como o inferno. Iria lutar
por sua vida. Um homem abriu a porta do quarto de uma vez e entrou. Estava de costas. Ficou
ali por um tempo, talvez sem perceber que não estava sozinho. Ainda na mesma posição, jogou
um objeto para um canto do quarto. Era a estatueta do Minotauro, completamente
ensanguentada, assim como as mãos daquele sujeito. O outro, ainda ao lado da cama, buscou
coragem dentro de si e perguntou: “quem é você?!”. O invasor, assustando-se com a presença
do homem, virou-se e disse: “Não! Eu posso explicar!”, mas já era tarde. O homem não
planejava ouvir uma resposta. Ele correu até o invasor e o acertou na cabeça com a estatueta.
Um corpo caiu. O homem, ainda assustado, olhou nos olhos daquele de quem tirou a vida. O
horror. Era ele mesmo. Ele era o assassino e também a vítima. O homem estava morto no chão,
da mesma forma que viu antes. Olhou para o relógio, e sua suspeita se confirmou: 10 horas e
30 minutos. Ele havia presenciado sua própria morte. Um novo barulho na maçaneta da porta
o fez despertar. Alguém estava entrando. Escondeu-se na penumbra, aguardando o novo
visitante. Foi quando percebeu que sabia quem era aquela pessoa. Era ele mesmo, prestes a
encontrar o próprio corpo às 10 horas e 30 minutos. Tudo aconteceu como já havia acontecido.
Quando a porta se fechou e seu outro eu encontrava-se confuso do outro lado, o homem
pensou no que deveria fazer. Precisava ir embora. Correu até a porta que acabara de se fechar
e tentou abri-la. Estava trancada pelo outro lado. Ficaria preso ali? Vivo e morto ao mesmo
tempo naquela caixa de concreto? Viu a chave na porta e percebeu que como era a mesma
entrada para ambos os quartos, a chave então seria a mesma também. Girou a chave, abriu a
porta e entrou no outro cômodo. Não olhou para o corpo no chão antes de sair. Não era preciso.
A imagem daquele homem, a sua imagem, tinha ficado gravada em sua mente. Estava parado
em frente à porta. Era um assassino. A arma do crime ainda estava em suas mãos. Jogou a
maldita estatueta de lado. Ficou ali por um tempo, sem fazer nenhum som, apenas tentando
acordar daquilo que achava ser um sonho. “Quem é você?!”, ele escutou. E nesse instante, um
calafrio percorreu todo o seu corpo. Ele havia entendido seu destino. “Não! Eu posso explicar!”,
disse o homem antes de morrer, percebendo que estaria preso naquele quarto para sempre,
fadado a morrer pelas próprias mãos, numa história sem fim.
352
N.B.: a versão do conto acima é aquela que foi publicada na origem, sem quaisquer das
revisões que lhe foram impostas nesta obra.