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Revisor de Textos: Formação e Mediação

O revisor é o ator principal da revisão profissional, pois ele é tão essencial para o trabalho de revisão quanto o texto, ele é o foco desta obra e seu trabalho, a revisão do texto, é a prática e o produto que o define. O revisor profissional é aquele que tem a tarefa de corrigir e aprimorar o escrito de outrem, fazendo as modificações e as adequações necessárias, em diálogo aberto com o autor, de forma a contribuir para a qualidade da publicação.

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Revisor de Textos: Formação e Mediação

O revisor é o ator principal da revisão profissional, pois ele é tão essencial para o trabalho de revisão quanto o texto, ele é o foco desta obra e seu trabalho, a revisão do texto, é a prática e o produto que o define. O revisor profissional é aquele que tem a tarefa de corrigir e aprimorar o escrito de outrem, fazendo as modificações e as adequações necessárias, em diálogo aberto com o autor, de forma a contribuir para a qualidade da publicação.

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REVISOR DE TEXTOS

Formação e mediação

Públio Athayde &


Michel Gannam
Belo Horizonte
2021
RESUMO

Esta obra é sobre o revisor de textos profissional, sua atuação, sua formação, sua messe e as
relações funcionais de sua jornada de mediação. Inevitavelmente, para evidenciar o revisor,
temos que tratar da revisão de textos – sua prática, pois o ofício se define pelo exercício. O
revisor é um linguista, para considerar sobre sua natureza, abordamos as atribuições desse
desempenho em caráter profissional, caracterizando a função e situando-a em relação a outras
funções conexas; em seguida, traçamos o perfil do revisor discutindo as características que lhe
são presumíveis e as que são desejáveis e, portando, devem ser desenvolvidas. Nosso passo
seguinte é descrever a função do revisor de textos em relação aos diferentes papéis que ele
desempenha em seu campo profissional para, depois, discutir as práticas que caracterizam o
ofício e os trabalhos que o revisor realiza no mercado editorial. Passamos, em seguida, a discutir
a formação do revisor, apresentando experiências, sugestões de caminhos e de propostas
metodológicas para o treinamento do profissional. As questões relativas à mediação
profissional do revisor são abordadas em função de seus papéis funcionais, gerenciais e
linguísticos, suprindo algumas lacunas que temos identificado na literatura da revisologia.

Palavras-chave: revisão de textos, revisor de textos, formação de revisores, mediação textual.


SIGLAS

APQ – análise proposicional quantitativa; PCM – pulse code modulation (modulação


por código de pulso);
CAT – computer-assisted translation ou
computer-aided translation; TAC; PM – project manager (gestor de projeto);

CDO – comparar, diagnosticar, operar; PPM – pulse modulation position


(modulação por posição de pulso);
CMO – chief marketing officer (diretor de
marketing; QA – quality assurance (garantia de
qualidade);
DTD – document type definition (definição
de tipo de documento); QC – quality control (controle de
qualidade);
DTP – desktop publishing (edição,
editoração ou paginação eletrônica); RAC – revisão assistida por computador;

EaD – ensino a distância; RC – revisão colegiada;

GDF – gramática discursivo-funcional; RM – revisão monocrática;

SGML – standard generalized markup RR – revisão remota;


language (linguagem de marcação
generalizada); SEO – search engine optimization
(otimização para mecanismos de busca);
HTML – Hypertext Markup Language
(linguagem de marcação de hipertexto); SSQS – six subgroups quality scale (escala
de qualidade de seis subgrupos);
NGB – Nomenclatura Gramatical
Brasileira; TAC – tradução assistida por computador;

OCR – optical character recognition URL – uniform resource locator


(reconhecimento ótico de caracteres); (localizador padrão de recursos);

ONG – organização não governamental; VOLP – Vocabulário Ortográfico da


Língua Portuguesa;
PDF – portable document format (formado
de documento “portável”); XML – extensible markup language
(linguagem de marcação extensível).
PLN – processamento de língua natural;
ILUSTRAÇÕES
FIGURAS
Figura 1 – Bases do domínio semântico do revisor .......................................................... 3-57
Figura 2 – Competências dos formadores de revisores .................................................. 7-169
Figura 3 – Mimese em Platão. ........................................................................................ 8-235
Figura 4 – Encadeamento da sequência de mimeses ...................................................... 8-238
Figura 5 – Esquema do processo de mediação linguística ............................................. 8-239
Figura 6 – Mediação no rito editorial ............................................................................. 8-255
Figura 7 – Sujeitos do discurso normativo editorial ....................................................... 8-256
Figura 8 – Primeira impressão de tela ............................................................................ 8-258
Figura 9 – Corte da impressão de tela ............................................................................ 8-258

FLUXOGRAMAS
Fluxograma 1 – Estratégia do questionamento sistemático ........................................... 7-202
Fluxograma 2 – Nível de controle da palavra................................................................. 7-205
Fluxograma 3 – Nível de controle da oração .................................................................. 7-207
Fluxograma 4 – Nível de controle dos parágrafos .......................................................... 7-208

QUADROS
Quadro 1 – Análise das fases de controle ......................................................................... 4-75
Quadro 2 – Serviços do controle na cultura estadunidense .............................................. 4-75
Quadro 3 – Etapas e serviços por sujeitos ........................................................................ 4-76
Quadro 4 – Etapas e sujeitos por serviços ........................................................................ 4-76
Quadro 5 – Tipologia de problemas ............................................................................... 8-264
Quadro 6 – Tipologia das ocorrências ............................................................................ 8-265
Quadro 7 – Interferências humanas e eletrônicas ........................................................... 8-267
Quadro 8 – Programas de OCR ...................................................................................... 9-283
Quadro 9 – Rotina de pré-revisão ................................................................................... 9-289
Quadro 10 – Checagem de acompanhamento e controle ............................................... 9-290
SUMÁRIO

1 Preâmbulo ........................................................................................................................1-1

2 Revisor profissional .........................................................................................................2-4


2.1 Epítome .....................................................................................................................2-4
2.2 O revisor ...................................................................................................................2-4
2.3 O profissional ............................................................................................................2-8
2.4 O autor ....................................................................................................................2-12
2.5 O cliente ..................................................................................................................2-14
2.6 A língua...................................................................................................................2-18
2.7 O texto.....................................................................................................................2-21
2.8 O mediador .............................................................................................................2-25
2.9 O editor ...................................................................................................................2-27
2.10 A ética .....................................................................................................................2-28

3 Perfil do revisor .............................................................................................................3-31


3.1 Epítome ...................................................................................................................3-31
3.2 Características gerais ..............................................................................................3-32
3.3 Características pessoais ...........................................................................................3-40
3.4 Características funcionais .......................................................................................3-50
3.5 Características discursivas ......................................................................................3-55
3.6 Características contextuais ......................................................................................3-60
3.7 Características culturais ..........................................................................................3-63

4 Função do revisor ..........................................................................................................4-71


4.1 Epítome ...................................................................................................................4-71
4.2 Controle ..................................................................................................................4-71
4.3 Supervisão ...............................................................................................................4-77
4.4 Papel........................................................................................................................4-78
4.5 Definições ...............................................................................................................4-81
4.6 Tipologia .................................................................................................................4-83

5 Práticas do revisor .........................................................................................................5-85


5.1 Epítome ...................................................................................................................5-85
5.2 Ações inerentes .......................................................................................................5-86
5.3 Processamento operacional .....................................................................................5-87
5.4 Escolhas procedimentais .........................................................................................5-94
5.5 Variáveis implicadas .............................................................................................5-102
5.6 Erros implícitos .....................................................................................................5-107
5.7 Dossiê para a revisão ............................................................................................5-109
5.8 Gestão de recursos e riscos ...................................................................................5-111
5.9 Relação entre revisor, texto e autor ......................................................................5-113
5.10 Prática das revisões ...............................................................................................5-114

6 O trabalho do revisor ...................................................................................................6-117


6.1 Epítome .................................................................................................................6-117
6.2 Revisão: tarefa de leitura ......................................................................................6-117
6.3 Revisão: terminologia ...........................................................................................6-119
6.4 Contrato de revisores ............................................................................................6-124
6.5 Revisor especializado ...........................................................................................6-133
6.6 Revisor de traduções .............................................................................................6-136
6.7 Revisor de textos jurídicos ....................................................................................6-139
6.8 Revisão: avaliação e controle................................................................................6-147

7 Formação do revisor ....................................................................................................7-155


7.1 Epítome .................................................................................................................7-155
7.2 Breve quadro teórico .............................................................................................7-155
7.3 Formação do linguista ...........................................................................................7-162
7.4 Formação tradicional ............................................................................................7-164
7.5 Formação moderna ...............................................................................................7-168
7.6 Formação e treinamento ........................................................................................7-178
7.7 Formação teórica e prática ....................................................................................7-181
7.8 Formação de formadores de revisores ..................................................................7-190
7.9 Formação cooperativa ...........................................................................................7-191
7.10 Formação de estratégias ........................................................................................7-198
7.11 Formação e interpretação ......................................................................................7-213
7.12 Formação para o planejamento .............................................................................7-217
7.13 Formação a distância ............................................................................................7-219
7.14 Formação vitalícia .................................................................................................7-227

8 Mediação funcional .....................................................................................................8-229


8.1 Epítome .................................................................................................................8-229
8.2 Mediação e mediações ..........................................................................................8-230
8.3 Mediação e mimese ..............................................................................................8-235
8.4 Mediação e revisão ...............................................................................................8-238
8.5 Mediação cultural .................................................................................................8-241
8.6 Mediação estratégica .............................................................................................8-244
8.7 Mediação tecnológica ...........................................................................................8-246
8.8 Mediação textual ...................................................................................................8-248
8.9 Mediação semiótica ..............................................................................................8-251
8.10 Mediação e discurso normativo ............................................................................8-253
8.11 Mediação e computação ........................................................................................8-256

9 Mediação gerencial ......................................................................................................9-271


9.1 Epítome .................................................................................................................9-271
9.2 Gerenciamento de projetos ...................................................................................9-271
9.3 Tarefas preparatórias .............................................................................................9-282
9.4 Preparação de textos .............................................................................................9-290
9.5 Tarefas pós-revisão ...............................................................................................9-293
9.6 Controle de qualidade do texto .............................................................................9-297

10 Mediação linguística ...............................................................................................10-306


10.1 Epítome ...............................................................................................................10-306
10.2 Intercessão: fidelidade e traição ..........................................................................10-306
10.3 Mediação e (re)criação ........................................................................................10-313
10.4 Revisão como (re)criação ...................................................................................10-325
10.5 Contribuição para a invenção .............................................................................10-333

Referências ............................................................................................................................. 337

Glossário ................................................................................................................................. 345

Anexo 1: O escritor labiríntico ............................................................................................... 349


1-1

1 PREÂMBULO

Si nous nous sommes intéressés aux « procédures de révision », c’est au


départ en raison de notre expérience professionnelle en tant que réviseure.
(ROBERT, 2012)

Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo. (Fernando Pessoa).

O foco desta obra é o revisor de textos profissional, sua atuação, sua formação, sua
messe e as relações funcionais de sua jornada de mediação. Inevitavelmente, para evidenciar o
revisor, temos que tratar da revisão de textos – sua prática, pois o ofício se define pelo exercício.
Nesse sentido, não podemos nos furtar a abordar alguns tópicos de nossa publicação anterior,
Revisão de textos: interferência e intercessão,1 mas procuramos fazê-lo de forma sintética e
remissiva, apenas para informação do leitor, ou complementar – agregando algum dado mais
recente, nova leitura, apresentando a evolução do pensamento teórico alheio, ou nosso, sobre a
atividade e o profissional. Também há muito sobre o revisor naquela obra e sobre os objetos
que constituem o epicentro desta nova publicação: é que, quando redigimos aquela, não havia
o plano desta. Portanto, os dois trabalhos são complementares, reconhecemos eventuais
redundâncias e nos penitenciamos por incoerências que o leitor detectar; é muita a alegria por
termos captado mais atenção para esta obra que nós mesmos fomos capazes de avocar. Este
trabalho, como aquele, é um documento longo, compila muitas noções e autores que emulamos,
então haverá alguma colisão – queiram entender a posição mais recente, esta aqui, como a que
melhor representa nossa ideia enquanto este volume vai também ao prelo. Na dinâmica do
conhecimento, somos seguros em afirmar que nossas seguranças são momentâneas, o registro
delas também.

Claro exemplo da evolução do pensamento anterior é a adoção do conceito de mediação


como inerente à revisão e ao papel do revisor. Vamos explorar essa visão ao longo dos capítulos.
Também nos tornamos menos críticos à posição de intervenção como atribuição do revisor.
Mantivemos as posturas, já adotadas, segundo as quais interferência e intercessão são
intrínsecas, inerentes e indissociáveis da prática do revisor, revisão é isso – mas é mediação
agora, sem deixar de conter intervenção.

1 (ATHAYDE, MAGALHÃES, et al., no prelo).


1-2

Preâmbulo, palavra escolhida para nomear este tópico, é tomada no sentido literal,
segmento que precede a caminhada. Este livro é resultado impresso do percurso pelo qual temos
evoluído e pelo qual temos exercido o métier de revisores que somos. Mais uma vez, trata-se
de uma obra para revisores ou para quem pretende se tornar revisor. Não é tese, não é manual
de gramática: não nos arriscaríamos a isso, existem em número suficiente e melhores que
seríamos capazes de produzir. Também não é uma obra tratadística ou um compêndio de
linguística aplicada – claro que tangenciamos tudo isso ao tentar a panorâmica que fazemos,
mas não temos a veleidade de dar cabo das questões; apenas passaremos por elas,
aprofundando-nos em alguns pontos sobre os quais a leitura e a reflexão se ampliaram.

Pode parecer que este capítulo mais se configure como um prólogo ou um prefácio,
pelas características de metarerreferência e apresentções introdutórias nele contidas. Não o
negamos, preferimos esta abordagem para atrair mais leituras: estamos bem cientes do hábito
das pessoas em ignorar os prólogos e os prefácios, desconsiderando sua importância. Para evitar
isso, este preâmbulo faz parte do texto, e tem esse nome que, certemante, evitará a fuga de
alguns leitores.

A contribuição que pretendemos fazer é na direção de suprir parcamente a enorme


lacuna que existe de discussão teórica sobre nosso campo de atuação. Mesmo pesquisando com
afinco, a discussão sobre a revisão e sobre o revisor é limitadíssima. Temos que trabalhar, ao
investigar o assunto, passando pelo campo da tradutologia, por analogia – existe mesmo mais
literatura sobre revisão de tradução que sobre revisão em sentido lato; também existe muita
investigação sobre revisão no campo do letramento, em que fomos buscar alguns subsídios
psicolinguísticos, a partir dos quais fizemos paralelos.

Optamos por não comentar nem ilustrar nas notas de rodapé, o critério sempre foi: se a
informação é pertinente e útil, vai ao corpo do trabalho, se a informação é acessória e paralela,
pode ser suprimida. Também, para benefício do leitor, optamos por expurgar de nossas linhas
as referências nominais a terceiros, exceto em raras ocasiões, limitando-nos estritamente a
remissões a notas sintéticas. Nas notas remissivas, frequentemente acrescentamos a tipificação
da contribuição dos autores, referindo-nos como segmento “adaptado” quando parte das ideias
foi emulada, transformada ou mesmo contrafeita; o mesmo termo aplicamos ainda quando
abstraímos a ideia teórica do cessionário e a aplicamos a nosso objeto. Também haverá
referência a contribuintes a que atribuímos como segmento “inspirado”, caso em que a leitura
nos sugeriu algo, mas não se trata de emulação propriamente. As referências sem comentário
1-3

reportam informações, dados ou metarreferências de caráter indicativo “puro”. Alguns


segmentos constituem “condensados” de ideias de terceiros e assim estão referidos.

Nossa opção foi por dar abordagem bem abstrata às questões, inclusive aquelas que
refletem nossa prática. Fizemos isso para maior generalidade. Assim, não cansaremos o leitor
com exaustivos exemplos, preferindo diretamente ir às conclusões que deles auferimos.

Para finalizar este preâmbulo, vamos tornar clara a contribução de Michel Gannam a
esta obra: ele a revisou. Não caberia a nós, nesse contexto, dizer que ele “apenas” a revisou.
Escrevemos algumas centenas de páginas exaltando o papel do revisor e não seria coerente de
nossa parte deixar a referência ao revisor para os créditos da contracapa ou outra posição menos
relevante. Nossa proposição central, neste volume, é o status de coautoria bem qualificada que
tem o revisor na trama polifônica do texto. Cada revisor, em cada texto, tem diferentes graus
de participação, e é necessário que isso fique bem claro, pois é o centro de nossa postulação.

Assim, por coerência, colocamos nosso revisor junto a nós, na capa, onde é de seu direito
estar; fazemo-lo na certeza de que a mediação dele fez este livro melhor, inclusive mais claro
para o leitor.

Esperamos encontrar, ao longo de nosso curso profissional, mais revisores assim


valorizados. Esperamos, inclusive, que nossa obra contribua para tal. Queremos que este livro
se preste à evolução do pensamento sobre a revisão, que sirva para o crescimento pessoal de
alguns revisores e que ele contribua para a valorização de nosso ofício e daqueles que nele
colhem os frutos de seu trabalho.
2-4

2 REVISOR PROFISSIONAL

No passion in the world is equal to the passion to alter someone else’s text.
(H.G. Wells)

O revisor trabalha, muitas vezes, com a ilusão da perfeição, da completude,


com a ilusão de que é possível preencher as faltas, acertar os lugares, aparar
as arestas. (NOBLE, 2018, p. 2)

2.1 EPÍTOME

1. Consideramos o revisor como principal profissionais identificou são o contrato


parâmetro da revisão profissional, pois ele é tão (mandado, ordem de serviço) de revisão, o texto
essencial para o trabalho de revisão quanto o a ser revisado, o ambiente (social, cultural,
texto – por mais óbvio que isso possa parecer. físico).
2. A revisão atende ao propósito de todas as partes 7. O revisor deve fazer perguntas sobre o texto ao
interessadas no processo de produção do texto: o cliente, para garantir que o trabalho que ele fará
cliente recebe um texto mais claro e preciso, por esteja de acordo com as necessidades do
ter sido cuidadosamente revisado. contratante e, assim, poder garantir que ele será
atendido.
3. A motivação do revisor está principalmente
relacionada ao tema do texto, e é pessoal: a 8. Ao descrever a abordagem dos revisores
revisão pode levar mais tempo se o assunto não profissionais para revisar os textos,
for de interesse do revisor – mas o contrário apresentaremos as interposições, incluindo as
também ocorre: um revisor pode trabalhar um mudanças léxicas, em todo o processo de revisão,
pouco mais rápido e talvez fazer pouco menos como intercessões.
interferências no texto pelo qual tenha simpatia.
9. O senso de organização assegura ao revisor um
4. O tipo de revisão solicitada permite que o revisor processo efetivo de revisão que ele poderá repetir
conheça, por um lado, os aspectos do texto de acordo com os mandados que recebe, o gênero
(finalidade, público-alvo) sobre os quais terá que de texto confiado a ele e o tempo dado a ele para
prestar atenção e, por outro, estabeleça as etapas trabalhar.
da revisão (primária, secundária, longitudinal,
10. A concepção teórica ou a representação formal
final).
da atividade de revisar deve ser para o revisor
5. Antes de se envolver na revisão de um texto, o profissional a base e sua principal senda quando
revisor deve saber que a tarefa que terá de ele revisa o texto.
realizar geralmente recebe o mandado de revisão
11. Mesmo que o autor peça para fazer alterações na
de um cliente – um autor ou um editor, por
versão eletrônica do texto usando a ferramenta
exemplo – no qual esse sujeito fornece as
eletrônica de revisão, nada impede que o revisor
informações necessárias ao editor sobre o
primeiro revise no papel.
trabalho que deseja ver realizado.
12. O texto é a razão de ser da revisão, porque sem
6. Os diversos parâmetros que a revisão da
ele o revisor não tem tarefa para realizar.
literatura sobre o trabalho dos revisores

2.2 O REVISOR

O revisor é o ator principal da revisão profissional, pois ele é tão essencial para o
trabalho de revisão quanto o texto – por mais óbvio que isso possa parecer. O revisor é o foco
desta obra e seu trabalho, a revisão do texto, é a prática e o produto que o define. A natureza do
serviço de revisão, tanto como processamento quanto como resultado, será aventada em função
2-5

da pessoa do revisor; vamos discutir e procurar subsidiar a formação de revisores e a mediação


que ele exerce em relação aos escritos e ao mercado linguageiro e livresco.

O revisor profissional é aquele que tem a tarefa de corrigir e aprimorar o escrito de


outrem, fazendo as modificações e as adequações necessárias, em diálogo aberto com o autor,
de forma a contribuir para a qualidade da publicação.2 A definição não dá conta apenas do fato
de que o diálogo aberto com o autor só é possível se ele estiver presente, o que nem sempre
ocorre, até por óbito; quanto ao mais, a proposição subsiste.

Já foi bem demonstrado, no caso da escrita, que certas características do autor


influenciam sua tarefa de escrever. Motivação e afeto, por exemplo, desempenham papel central
nos processos de composição, de redação, seja pelos objetivos que o autor se impõe, pelas
predisposições e atitudes que apresenta em relação a seu trabalho, ou pela estimativa que ele
faz dos custos-benefícios associados a uma ação e não a outra.3 Essa observação pode ser feita
no caso da revisão profissional: certas características dos revisores influenciam seu processo de
revisão. Na prática, pode-se atestar isso: dois revisores que recebam igual mandado, a
trabalharem em ambiente comum, não apresentarão produtos idênticos ao cabo; disso se pode
dizer que a revisão de textos, ainda que estabelecida em bases teóricas similares e segundo
critérios procedimentais idênticos, é serviço personalíssimo: cada profissional faz de modo
particular e chega a seu próprio resultado. Em última instância, a persona e a personalidade do
revisor se refletirão sobre as intervenções propostas e feitas, assim como não se poderá negar
sua invisível presença como um dos intercessores no produto. Se a abordagem geral for
semelhante de um revisor para outro (leitura, detecção, resolução), os problemas detectados
sendo os mesmos, as estratégias e as proposições apresentadas vão se diferir: a língua contém
um sem-número de alternativas válidas e a decisão por alguma delas, se não é aleatória, não
será também coincidente entre diversos revisores.4

As principais características do revisor, na prática de seu trabalho, dizem respeito à


profissão e à personalidade. Todavia, apontam-se diversas características específicas do revisor
que refletem em sua vida profissional, algumas das quais têm caráter pessoal, outras dizem
respeito ao ofício, há ainda aquelas de natureza discursivas ou funcionais e as meramente
contextuais; todas elas, conjugadas, formam o perfil de cada revisor e se refletem em seu

2 (LEITE, 2014, p. 20).


3 (HAYES, 1996).
4 Adaptado de (LAFLAMME, 2009).
2-6

trabalho, personificando-o – nesse ponto, passa a ser o revisor a caracterizar o desempenho:


estamos em via de mão dupla. Contudo, a engenharia reversa, traçar-se um perfil ideal e ir-se à
busca de alguém para ser revisor, parece ser uma estratégia inadequada. Pelas nossas
observações, é mais fácil encontrar-se a pessoa no revisor que encontrar um revisor entre as
pessoas.

Um pouco de história. Com o advento da imprensa em meados do século XV, abriram-


se as portas para as primeiras gráficas na Europa. Desde a invenção da imprensa e até hoje, o
trabalho do revisor continua sendo corrigir os erros percebidos – por mais que o revisor
moderno vá muito além disso. Naquelas gráficas antigas, havia uma variedade pequena de
funcionários, sendo um deles o revisor tipográfico, o que não existe mais, pois não se usam
tipos móveis desde o último quartel do XX. As gráficas antigas estabeleceram procedimentos
para editar, preparar o texto e revisar. Corretores especializados garantiam que os textos
seguissem os padrões da época; ainda assim, a quantidade de gralhas na impressão era
assustadora.

Antes do advento da imprensa, os copistas monásticos alteravam palavras ou frases que


julgavam estranhas, supondo que o copista antes deles tivesse cometido erros. Foi isso que
levou à tanta variedade em textos comuns como a Bíblia. As sucessivas versões de quaisquer
textos antigos apresentam variações segundo as gerações de copistas que os reproduziam, até
que se chegassem às versões “consolidadas” pela impressão ou pelas sucessivas edições críticas
e comparativas, continuamente revisadas e cotejadas à exaustão por profissionais.

O papel do editor era decidir se o manuscrito era bom o suficiente para ser publicado.
Com o passar do tempo, os papéis ideais de autor, editor e revisor começaram a se delinear
melhor. Embora houvesse nova relação entre editores e autores, a edição cuidadosa não
terminou com a mecanização. Após a difusão globalizada do livro impresso, entre os anos 1800
e 1970, deu-se a ascensão de escritores e editores americanos. Um editor em particular,
Maxwell Perkins, foi procurado por escritores como Fitzgerald, Hemingway e Wolfe, porque
ele melhorou muito o trabalho desses autores proeminentes com seu olhar editorial. Perkins era
conhecido por editar, orientar e fazer amizade com seus escritores – mas os tempos estavam
mudando.5

5 (LUEY, 2009, p. 369)


2-7

Ao longo do XIX e princípio do XX, os revisores de textos foram empregados em várias


editoras, revistas, periódicos e por autores particulares que buscavam revisões em seus trabalhos
– mas revisores eram àquela época, em grande parte, estudantes de humanidades que exerciam
o ofício para ter renda complementar durante sua formação. Com o advento da mídia de massa,
alguns revisores foram empregados por empresas de relações públicas e publicidade, que
valorizavam fortemente práticas de edição em seus negócios.

Apesar de sua longa história, a revisão como prática não passou por nenhuma
transformação significativa desde o avento da imprensa até a revolução da editoração eletrônica
nos anos 1980. Esse processo relativamente recente começou como resultado de uma série de
invenções lançadas em meados daquela década e refere-se ao crescimento do uso da tecnologia
no campo da produção e editoração dos escritos. O desenvolvimento do computador Macintosh,
a impressora a laser de mesa da Hewlett-Packard e o software para publicação de desktop
chamado PageMaker permitiram o grande salto na revisão de textos. Ao possibilitar que os
sujeitos e as agências de publicação passassem a fazer, de maneira barata e eficaz, a edição de
composições inteiramente na tela, em vez de manualmente, a revolução das publicações
transformou a edição de originais na prática atual. É também dessa época o TotalWorks, versão
brasileira do AppleWorks. O TotalWorks era um software integrado que possuía processador
de textos, planilha eletrônica e gerenciador de banco de dados, tudo isso para rodar nos
computadores pessoais da linha TK3000, a partir de 1985; o TotalWorks foi o primeiro editor
de textos doméstico realmente funcional e reunia as funções primordiais que hoje encontramos
nos programas do gênero. Atualmente, a maioria dos editores depende dos processadores de
texto, como o pacote Microsoft 365, que são evoluções do PageMaker original, para fazer
melhor seu trabalho.

Alguns eventos da primeira metade do século passado levaram a mudanças na carreira


do revisor. Um deles foi a bem-sucedida greve do departamento editorial do Newark Ledger,
de 17 de novembro de 1934 a 28 de março de 1935, e a série de greves lideradas pelo Sindicado
dos Jornalistas de Nova York contra vários jornais menores, no verão de 1934 – essas ações
serviram para mudar a imagem do redator e do revisor como “profissional”. Outra greve do ano
de 1934 foi na Macaulay Company, que pode ter sido a primeira greve a ocorrer em uma editora.
Na conclusão da segunda greve da Macaulay, que ocorreu três meses após a primeira, o impulso
2-8

nacional à sindicalização havia entrado no setor editorial e estava “varrendo” todas as principais
editoras.6

Devido ao surgimento da era digital, as funções e responsabilidades do revisor foram


transformadas. Por exemplo, a partir de 1990, os editores de textos já faziam paginação
eletronicamente. Já se podiam ver páginas diferentes de um texto em várias telas e editar
facilmente, em vez de colá-las manualmente em um quadro. Esse avanço tecnológico também
exigiu que editores, designers e revisores aprendessem a usar novos softwares, como
PageMaker, QuarkXPress e Adobe InDesign. Passou a ser necessário revisar as versões digital
e impressa do texto. A revisão na tela requer atualmente que os revisores entendam feeds,
mídias sociais como Twitter e Facebook e Hypertext Markup Language (HTML). Deve ser
considerado que, na era digital, as informações são divulgadas quase em tempo real, o que leva
ao declínio qualitativo na edição das versões on-line. Embora os revisores ainda se dediquem
às tarefas tradicionais, como verificar fatos, gramática, estilo e escrever títulos, algumas de suas
funções foram deixadas de lado para abrir caminho para a tecnologia. Alguns revisores
precisam criar, formatar layouts de página e outros até editar conteúdo de vídeo.

2.3 O PROFISSIONAL

O revisor profissional é o linguista que intercede no escrito visando sua compreensão e


avaliação, para fazer interferências e proposições em busca de aperfeiçoamento dos aspectos
informativos, organizacionais ou formais, de modo a melhorar a estrutura linguística do texto e
sua eficácia comunicacional. São intercessões feitas por operações de sugestão, adição,
exclusão, substituição, deslocamento e podem afetar as diversas unidades do escrito, do
caractere à trama completa. As mencionadas interferências podem ser menores – e
relacionarem-se ao detalhe – ou maiores – e relacionarem-se ao conteúdo e organização
textuais. A tal conjunto de práticas do revisor profissional chamamos revisão – mas essa
expressão tem sentidos bem diversos aos quais voltaremos à frente. Menos frequentemente, a
atividade de revisão também pode incluir a reescrita de parte de uma frase ou seções longas do
documento, bem como inversões de parágrafos, blocos de texto ou mesmo capítulos inteiros. A
revisão profissional é o trabalho de interposições feitas pelo linguista de ofício na escritura de

6 (LEAB, 1970).
2-9

outrem antes de ela vir a público. Revisão é atividade complexa, compreendendo ampla gama
de tarefas processadas com base na linguística e por razões comunicacionais ou editoriais.

A revisão profissional, em sentido amplo, é o resultado de mediação que mantém o


maior número possível de palavras e o significado do manuscrito original. Trata-se da
interferência mínima, muitas vezes feita sem recorrer a uma estratégia bem clara (correção
automática de detecção). O revisor expressa a ideia do autor, mas de forma ligeiramente
diferente, tentando aumentar-lhe a clareza e a precisão, preservando o sentido. A reescrita,
como nós a definimos, é o resultado de ajustes, de correções e até de mudança substancial no
conteúdo do texto original, mas processada pelo autor que pode, inclusive, alterar a acepção das
palavras ou dos segmentos.

A revisão está direta e inexoravelmente relacionada aos processos da produção de


textos, em primeiro lugar, e de leitura, em conjunto e em seguida. Por isso, ao relermos o
documento que produzimos, buscamos – mesmo sem o conseguir – assumir uma visão
exotópica, aquela em que a leitura é realizada com um olhar diferente do que lhe empresta o
autor, um olhar que simularia a leitura realizada pelo leitor para o qual aquele escrito é
destinado, é o que temos chamado de visão alterna, em que se verificam os mais diversos
aspectos da estrutura textual, de forma a identificar possíveis problemas, inclusive trechos cuja
interpretação seja difícil para o leitor. Revisão é sempre esse processo, mesmo quando relemos
um bilhete, um e-mail informal, um trabalho acadêmico ou um livro a ser publicado.7

Na maioria das vezes, a reescrita adota estratégia imediata. A revisão profissional é, em


sentido restrito, o processo pelo qual o revisor propõe metodicamente interferências com vistas
a resultados planejados, segundo estratégias bem estabelecidas.8 As intercessões e as
interferências do revisor só fazem sentido se o material a ser editado já tiver um padrão muito
bom. De fato, é ilusório, do ponto de vista prático (e econômico), querer revisar um texto que
não alcançou ainda uma versão de boa qualidade.9

Ao apresentar o contexto em que os revisores trabalham, especificaremos alguns dos


fatores que influenciam suas decisões de fazer interferências no texto. Por outro lado, ao
descrever a abordagem dos revisores profissionais para revisar os escritos, apresentaremos as

7 (LEITE, 2014).
8 Adaptado de (LAFLAMME, 2009).
9 (WALLE, 2004).
2-10

interposições, incluindo as mudanças léxicas, em todo o processo de revisão, como intercessões,


o que possibilitará compreender, em caráter inicial, como elas são geradas e o papel do revisor
profissional como coautor invisível.

Para saber as circunstâncias em que os revisores trabalham, os modelos de revisão


desenvolvidos até o momento, sobre os quais já nos detivemos em outros textos, são muito
úteis. Eles fornecem orientações relevantes sobre a atividade de revisão, mas não refletem todos
os aspectos da realidade profissional dos revisores. Recentes pesquisas sobre o processo de
revisão profissional compensam a falta de conhecimento teórico, até então grave, sobre essa
profissão e suas práticas, bem como já possibilitam apresentar uma primeira descrição,
conceitualmente bem amarrada, bastante completa do processo e do profissional. Os dados
compilados e analisados aqui não apenas apontam as semelhanças e as diferenças entre a revisão
profissional e a autorrevisão (reescrita), mas também levaram à definição de revisão de textos
e ao modelo de revisão profissional arquetípico a que temos aderido. Fique claro que novas
pesquisas na área precisarão ser realizadas para validar os modelos ou ajustá-los, se couber,
mas, no estado atual da arte, eles nos parecem já representar com bastante precisão tudo o que
a revisão profissional engloba.

Antes da era digital, os revisores marcavam erros e inconsistências com uma caneta
vermelha, usando uma linguagem de marcação de símbolos que eram universalmente
conhecidas. Aqueles sinais até poderiam ser usados na edição digital, o que não faria nenhum
sentido, mas estão em franco desuso. Com mais publicações on-line e menos impressão em
papel, mesmo com a quase completa automatização das gráficas, as cópias impressas já não
conseguem acompanhar a publicação digital. Para o editor, imprimir uma cópia em papel, fazer
edições nela, submetê-la ao revisor e, depois, fazer alterações no arquivo de desktop publishing
(DTP) não é o processo mais eficiente. A posição dos revisores pareceu estar em risco porque
o tempo, cada vez mais escasso, exigiu resultados mais rápidos, com o serviço parcialmente
automatizado pelos softwares que detectam problemas gramaticais. A transferência da
responsabilidade dos revisores humanos para o software digital foi adotada por algumas
editoras, pois estava disponível a custos ínfimos em relação à mão de obra especializada – logo
em seguida, passou a ficar bem claro o equívoco que essa substituição denota, e passou a haver
novamente demanda de revisores, mas eles tiveram outras funções, além daquelas tradicionais.

Os profissionais, apesar de temerem que a introdução do software de edição digital


acabasse com a carreira de revisor, na verdade, viram sua função se ampliar. Os revisores ainda
2-11

são necessários para a revisão assistida por computador (RAC) e empenhados nela; ainda com
a assistência dos computadores, também se procede a verificação de dados e a organização de
conteúdo, tarefas que estão além das habilidades do software, e muito mais que isso: a aferição
da comunicabilidade entre emissor e destinatário está tão distante da capacidade dos
computadores quanto a possibilidade de eles assumirem o controle autônomo de nossa
sociedade. Mesmo com o emprego dos programas corretores de gramática e com os autores
podendo editar na tela, os revisores não são vistos como luxo desnecessário em qualquer
publicação séria. O potencial de uma empresa se amplia ao usar software de edição, liberando
o revisor para fazer edições finas e consultas que não seriam possíveis nas antigas gráficas.
Embora as etapas para edição de texto sejam praticamente as mesmas, a execução foi adaptada
para ambientes digitais.

Uma das características da revisão é que ela demanda tempo e pode retardar a
publicação; na verdade, revisão pode ser processo mais lento que a própria redação, nessa nova
dinâmica das palavras. Com a era digital, surgiu a procura e a oferta crescentes por rápida troca
de informações, por publicações urgentes, prementes e instantâneas. As publicações baseadas
na web não têm espaço em seus orçamentos para manter uma equipe razoável para revisar suas
massivas e diárias produções e rotações de conteúdo. Portanto, as publicações de menor
prioridade são publicadas sem revisão; na verdade, muitas vezes, as publicações recebem várias
atualizações e emendas no dia em que são publicadas e nos dias subsequentes; depois, o texto
“morre”, quando o interesse por ele desaparece e a versão publicada fica abandonada, no estado
em que estiver, é uma relação bem diferente dos autores com a palavra e com o público, bem
diversa daquela ligada à palavra impressa.

O texto publicado na web “surge” em resposta a demandas altas por conteúdo produzido
rapidamente – e é instantaneamente dado ao público; a maioria das mídias on-line começaram
a publicar os artigos primeiro e depois editá-los, um processo conhecido como edição posterior
(post-editing). Nós mesmos, revisores que somos, publicamos em nossos blogs material sem a
maturação que aconselharíamos para o texto a ser impresso. Trata-se da mensagem urgente,
mesmo que não haja urgência na informação. A emergência é criada pela mídia, não pelo
conteúdo, a provisoriedade e a constante possibilidade de aperfeiçoamento do que já foi a
público faz do revisor um personagem diferente na rede da edição.

À medida que os textos on-line aumentam sua base de leitores, os revisores se esforçam
para atender da melhor maneira possível o crescimento do consumo digital de informações, e a
2-12

competição pelo leitor se torna acirrada, com a característica de que a demanda é mais suprida
pela urgência da informação que por sua qualidade – principalmente quanto à textualidade; essa
alta concorrência e permanente urgência resultou em diminuição gradual da qualidade da
edição, excluindo a revisão acurada ou verificação de fatos. No entanto, isso não significa que
a internet tenha limitado o escopo das responsabilidades ou das oportunidades de trabalho do
revisor. Um dos avanços mais importantes da era digital é o advento da paginação e edição em
tela, que já mencionamos, dando aos revisores mais controle sobre a construção e as revisões
de conteúdo aliado à maior velocidade de trabalho e mais precisão. Para o profissional do texto,
a internet não fechou portas, não eliminou postos de trabalho; na verdade, ocorreu o contrário,
houve incremento na demanda, e é bem claro que o mercado mudou, pois o volume bruto de
textos produzido e dado a público é incomensuravelmente maior depois da era digital.

2.4 O AUTOR

No sentido que nos afeta, autor é o criador de qualquer obra escrita, como um poema ou
uma monografia, também é mencionado como escritor. Em sentido amplo, é a pessoa que
originou ou deu existência a algo; essa relação entre pessoa e obra, relação de autoria, determina
a responsabilidade pelo que foi criado e os direitos sobre a criação. Em nosso contexto e para
nosso propósito, podemos dizer que o autor é sujeito situado no polo da criação da obra,
enquanto o revisor será o polo de seu aperfeiçoamento. Claro que nenhuma obra fica
simplesmente polarizada entre autor e revisor, há diversos outros sujeitos intervenientes – e
incontáveis precedentes, até que surja a figura do leitor-alvo. Ainda assim, precisamos sempre
estabelecer entre o autor e o revisor os distanciamentos da alteridade (são personas distintas),
da exotopia (situadas em lugares diferentes) e da heterografia (nos sentidos de que é o escrito
do outro e para o outro), e, desse ponto de vista, sim, o revisor e o autor são polos.

Autor é palavra que vem do latim auctor, derivado do verbo augeo (aumentar), é aquele
que cria – mas não significa que ele cria a partir do nada: ele acrescenta, modifica, interfere;
conta o conto, aumentando-lhe um ponto; autor dá causa, princípio ou origem a alguma coisa,
especialmente obra literária, artística ou científica. Autor pode ser persona diferente de
narrador, mas é necessariamente pessoa diferente do revisor e do leitor.

O autor é uma das três entidades do repertório, sendo as outras o narrador e o leitor. O
revisor não é entidade da narrativa, não pode ser e preza não o ser. Autor, revisor e leitor são
2-13

personas do mundo real que têm relações entre si, pelo menos pelas escrituras que os estão a
definir como tais. A história desafia a ideia de que um texto pode ser atribuído a um autor único:
todo escrito tem gênese. Essa gênese faz parte da escritura, também diz sobre ela e integra a
mensagem. “É a língua que fala, não o autor.”10 Segundo esse raciocínio, as palavras e a
linguagem do texto determinam e expõem os significados, e não qualquer dos sujeitos que tenha
responsabilidade material ou legal pelo processo de sua produção. Cada linha escrita é reflexo
de referências de muitas tradições, “o texto é um tecido de citações retiradas dos inúmeros
centros de cultura”; nunca é original. Caberia aqui apontar a antiga distinção que se fazia entre
os verbos criar e “crear”, que não existe mais: “crear é a manifestação da essência [divina] em
forma de existência – criar é a transição de uma existência para outra existência”.11 Nesse
contexto da criação, “somente à lembrança do étimo latino em conflito com a consciência da
pronúncia se deve atribuir a vacilação entre creador e criador (falando de Deus), creação e
criação (do mundo), etc., observável ainda em escritores seiscentistas. Dessa incerteza tira
partido o falar hodierno, sobretudo no Brasil, para definir dois conceitos distintos com dois
verbos diferentes: crear (com formas próprias dos verbos em -ear), dar existência, tirar do nada,
e criar, educar, cultivar, promover o desenvolvimento, crescimento ou cultura de coisa
existente”.12 Com isso, a perspectiva do autor é retirada do texto e os limites anteriormente
impostos pela ideia de voz autoral, com sentido último e universal de “creação” são destruídos.
A explicação e o significado da obra não precisariam ser buscados naquele que a produziu,
assim, a psique, a cultura, o fanatismo e a vontade de um autor poderiam ser desconsiderados
quando se lhe interpreta texto, porque as próprias palavras seriam suficientemente ricas, com
todas as tradições da linguagem. Em tese, isso seria o paraíso para o revisor, que teria à mão
toda a informação necessária ao desempenho. Mas expor ou recompor significados no trabalho
escrito sem considerar a celebridade do autor, seus gostos, paixões, vícios é permitir que a
linguagem fale, todavia, calando o autor, despersonalizando-o.

Para nós, todos os autores são escritores, mas nem todos os escritores são autores.
Assim, “uma carta particular pode ter um signatário – ela não tem um autor”. Portanto, um
leitor atribuir o título de autor a qualquer trabalho escrito é atribuir certos padrões ao texto em
relação à ideia funcionalista de autor, segundo a qual o autor existe apenas em função do
trabalho escrito, como parte de sua estrutura, mas não necessariamente parte do processo

10 (BARTHES e HEATH, 1977).


11 (ROHDEN, s.d.).
12 (ALI, 2001, p. 108).
2-14

interpretativo ou, muito menos, fonte exclusiva. O nome do autor “indica o status do discurso
dentro de uma sociedade e cultura”, podendo ser usado como âncora para a interpretação.13

Segundo essa linha de pensamento, os revisores e os leitores não deveriam confiar ou


procurar a noção de voz abrangente ao interpretar o trabalho escrito, devido às complicações
inerentes ao título de autor de escritor. As interpretações poderiam sofrer ao associar o assunto
de palavras e linguagem inerentemente significativas à personalidade da voz autoral. Em vez
disso, deveria ser permitido interpretar em termos da linguagem como “autor”.14 Como já
dissemos, tal não caberia ao revisor.

Boa parte dos autores não possui necessariamente a competência que baste para a
revisão, assim como os poucos que a possuem perdem grande parte dela em relação aos próprios
escritos; de fato, pesquisas futuras podem até mesmo demonstrar que os revisores não são, por
força ou decorrência, excelentes autores. O trabalho de autores e revisores é regido por
demandas de diferentes perfis funcionais, pessoais e gnosiológicos, que podem se sobrepor em
alguns casos, dependendo da tarefa dada ao mediador linguístico. A habilidade de revisão não
é inata, mas decorrente do conjunto de informações e técnicas adquiridas, aprendidas e que
requerem desenvolvimento contínuo e contíguo. Um dos elementos da competência de revisão
é que os revisores interfiram nos textos seguindo princípios específicos, e todos os aspectos de
seu trabalho são permeados pela consciência profissional e embasamento linguístico formal. Os
revisores sabem quais parâmetros considerar e sabem qual método empregar para esse fim. Eles
podem justificar suas decisões, e, como não confiam em seus instintos, podem dar feedback
objetivo e construtivo sobre o texto que revisam.15

2.5 O CLIENTE

No mercado, cliente é toda pessoa física ou jurídica que adquire algum produto ou
serviço para seu consumo. No mercado das palavras, o cliente é o autor ou a empresa com
interesse em contratar serviços linguísticos imediatamente ou no futuro. Ampliando o conceito,
ele pode abranger toda pessoa interveniente no processo editorial, pode-se afirmar que o cliente
de revisão é cada sujeito afetado por ela, desde sua concepção até sua fruição, em nosso caso,
o leitor destinatário. Por importante que seja o contratante, mas não só como retórica para atraí-

13 (FOUCAULT, 1969).
14 (BARTHES e HEATH, 1977).
15 Adaptado de (ROBIN, 2016).
2-15

los e mantê-los, é essencial prover uma estrutura de prestação compatível, identificada com as
necessidades do cliente, pois a cortesia não sustentará por muito tempo serviços sem qualidade.

Cliente, em publicidade, refere-se à empresa ou organização que contrata a agência para


anunciar seu produto ou serviço. Nas agências, o cliente é chamado de conta, pois representa
determinada verba publicitária a ser administrada por ela. Nos veículos de comunicação, o
cliente recebe o nome de anunciante, já que investe na compra de espaços publicitários para
veicular sua propaganda. Nas agências de revisão, ou para os revisores autônomos, não nos
referimos a clientes como contas ou anunciantes, não é o caso; eles são clientes mesmo, no
sentido de pessoa que contrata serviços mediante pagamento, e pretendemos fazer dele usuário
habitual de nossos préstimos. Tal pretensão se alicerça em dois pontos: o bom atendimento e a
melhor qualidade possível na prestação.

O contato do cliente com a agência de revisão, ou com o revisor autônimo, é feito


normalmente por meio da consulta inicial sobre os serviços, ou por um pedido de orçamento.
A qualidade do atendimento se manifestará a partir da presteza e da exatidão das informações
dadas, bem como da transparência no orçamento proposto. Os revisores profissionais trabalham
com ampla gama de clientes diferentes. Dentre os diversos clientes que demandam por revisão
de textos, podemos relacionar:

• editores;

• empresas, ONGs e pequenas empresas;

• escritores de ficção e não ficção;

• agências de tradução e tradutores;

• redatores, incluindo redatores de conteúdo da web;

• autores acadêmicos.

De fato, quase todo mundo que produz palavras escritas precisa de revisor. Os clientes
são os consumidores no mercado de revisão; até mesmo os revisores se tornam clientes quando
produzem seus textos e, no limite, quando trabalham em grupo, tornando-se uns clientes dos
outros, reciprocamente – e aqui estamos estendendo o conceito, novamente, aos sujeitos todos
do processo.

“Os consumidores, por definição, incluem todos nós.” John F. Kennedy ofereceu sua
2-16

definição ao Congresso dos Estados Unidos em 15 de março de 1962. Esse discurso se tornou
a base para a criação do Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, agora comemorado em 15
de março. Em seu discurso, JFK destacou os direitos dos consumidores, incluindo:

• segurança: ser protegido contra bens e serviços perigosos para a saúde ou a vida;

• informação: estar protegido contra informações enganosas, publicidade,


rotulagem ou outras práticas fraudulentas, devendo receber os dados de que
precisa para fazer sua escolha;

• escolha: garantir, sempre que possível, acesso à variedade de produtos e serviços


a preços justos, com garantia de qualidade e de serviço satisfatórios;

• ser ouvido: ter certeza de que seus interesses receberão consideração plena e
tratamento justo e expedito para as questões levantadas.

Em grande parte devido ao surgimento da internet, o consumidor está mudando cada


vez mais para se tornar prosumer, consumidor que também é produtor (muitas vezes de
informações e mídias na rede social), e esse é o caso muito especial do tipo especialíssimo e
muito frequente de cliente com que os revisores interagem: os autores. Como prosumer, o autor
é o criador do objeto que se torna produto no mercado e sobre o qual o procedimento da revisão
se exerce. Desse modo, o autor manterá seu controle sobre sua criação, inclusive durante a
revisão, participando dela tanto quanto lhe seja possível ou quanto deseje.

O cliente ideal é uma categoria especulativa com a qual consideraremos diferentes áreas
do projeto editorial, a fim de verificar como o revisor, tradicionalmente agente de
relacionamento unilateral e sempre mal compreendido, assume hoje novas funções. O cliente
ideal é um personagem a que damos identidade. É o cliente como imaginamos que seja, o que
gostaríamos que fosse, mas também o que não se pode e não se quer definir como cliente no
sentido do mercado, não estamos tratando do cliente consumidor, polo passivo da relação: o
cliente da revisão é o cúmplice no crime que o revisor comente em seu escrito e parceiro na
necessidade de atender ao leitor. O cliente ideal está em todos os lugares, em todos os tempos,
sempre disponível e alcançável, onde houver um revisor, pelos mais diversos motivos, haverá
seu cliente para interagir: desde encontrar e solucionar problemas até preencher uma lacuna que
se perceba no texto, atento sempre à necessidade de superar determinada situação. Claro que
esse cliente não existe, por isso ele é ideal.
2-17

O cliente ideal é, obviamente, apenas um dos componentes e um dos sujeitos do caminho


que o revisor deve percorrer e considerar em relação ao conteúdo específico de cada serviço
contratado. O cliente ideal, com identidade em mudança contínua, com sua maneira sempre
idiossincrática de se comportar, questiona facilmente todos os termos da relação com o revisor.

Uma lacuna interessante na perspectiva do cliente ideal, justamente a partir do número


crescente de revisores que entram para o mercado com visão moderna de sua função, é aquela
provocada pela redefinição da figura do cliente, agora entendida como colaborador. Essa
mudança de perspectiva deve-se, muitas vezes, à própria natureza dos contratos que não mais
correspondem ao escopo do revisor como fiscal de normas linguísticas. A natureza modificada
imposta pela troca de papel do revisor implica necessariamente maneira diferente de entender
a relação com o cliente, segundo a qual o significado é construído pela interpretação de
comportamentos na dialogia; o modo de comparação dialógico não só explica as relações de
trabalho, mas também as da amizade ou as da vizinhança, indicando a fronteira entre os papéis
e a separação que, entre as relações de trabalho e não trabalho, é cada vez mais difícil de marcar.
Tal abordagem decorre do desejo de não esperar a chegada do cliente ideal, mas de ser
empreendedor e de tentar, ainda que com meios limitados, desenvolver ideias e projetos
articulados de forma independente, proativa e voltada para o cliente real.

No contexto de autopromoção no mercado, o revisor passa a ser cliente ideal de si


mesmo e cria um precedente útil para vender ao cliente real seu serviço. O marketing motivado
pela necessidade de “se tornar conhecido” pode ser um desafio menos complexo que o
desempenho do ofício, porém pode levar até mesmo a resultados ruins quanto à qualidade de
revisão.16

O cliente real é visitante frequente em sites de portfólio onde, muitas vezes, o limite
entre autorreferência e autopromoção se torna muito sutil. Basta pensar o fenômeno pelo qual
inúmeros serviços são apresentados na plataforma on-line: mínima e perfeitamente alinhados à
demanda do momento, serviços veladamente falsos, aplicados digitalmente em modelos
perfeitos, a ponto de ser difícil entender se o serviço foi realmente prestado. Nessa situação de
contaminação entre práticas lícitas e ilícitas, o cliente ideal questiona a si mesmo e se torna
indefinido como cliente, mas continuamente redefinido na multiplicidade de relacionamentos;
ele se mantém como cliente ideal, mas não se torna cliente real: esse, sim, que paga honorários.

16 Inspirado por (CAMILLINI e PIERINI, 2016).


2-18

Essa conclusão, aparentemente desarmadora, convida-nos, em vez disso, a olhar para os


portfólios um pouco mais de longe para tomar um ponto de vista crítico e realista. Não se tome
como certo quem é nosso cliente, nem mesmo que o cliente seja parte de uma revolução que
talvez sempre tenha estado lá, mas que todos os dias tentamos refazer.

O cliente real está em seu lugar, onde muito bem pretende permanecer, em seu lugar e
em seu tempo, ele não está sempre disponível e alcançável, onde ou quando revisor precisar
dele, para atender a qualquer demanda, para interagir: será necessário combinar com o cliente
rotinas de interação, etapas de apresentação de serviço e o revisor deve estar preparado para
que o cliente não interaja com a presteza combinada. Esse é o cliente que existe, é esse cliente
que o revisor precisará atender e satisfazer.

O cliente real é o sujeito contratante, aquele cujos anseios o revisor deve atender,
considerando a noção que ele tenha do serviço que lhe será prestado, a cada serviço contratado.
O cliente real também tem identidade em mudança contínua, sua maneira de se comportar e de
questionar os termos da relação com o revisor evolui. Tenhamos em mente que não teremos
clientes ideais – embora possamos continuar a pensar neles, mas serão os clientes reais que nos
contratarão.

2.6 A LÍNGUA

A magia da linguagem é o mais perigoso dos encantos. (Owen Meredith)

A relevância da língua no contexto da revisão pode parecer um a priori, e de fato o é –


mas não como se poderia afigurar. Devemos considerar, antes de tudo, que a língua é muito
mais que um conjunto ordenado logicamente de regras gramaticais (ortográficas, sintáticas,
estilísticas) e outro conjunto, ordenado alfabeticamente, de vocábulos. O importante, para nós
revisores, é considerar a língua expressa em cinco noções abrangentes que relacionaremos.
Nessas noções, o papel da linguística interacional se afigura quase incontornável. A tese central
é a de que, a depender da noção de língua, dá-se diferente conotação à atividade de revisão. É
assim que se dão as diferentes e concomitantes influências no exercício da atividade do revisor,
pelas considerações do objeto textual constituído pela linguagem como:

a) fator de identidade de grupo – inclusive nacional;


b) sistema de regras – como conjunto de normas ou de usos;
c) fenômeno social – decorrente das pessoas e se voltando a elas;
2-19

d) forma de ação – redação, revisão, edição, criação, fruição;


e) atividade sociointerativa – comunicativa, política, afetiva, científica.

É fácil perceber como as perspectivas teóricas diretamente aplicáveis ao contexto da


revisão são aquelas que tratam a língua em uso e em seu formato mais comum – ou, pelo menos,
mais observável, o formato textual. As perspectivas textuais-discursivas, relativamente
recentes, compreendem a língua, consequentemente as escrituras, como fenômeno
sociointerativo, histórico e cognitivo, passando a ser as mais influentes na prática moderna de
revisar.

Apesar de a ciência linguística ser relativamente jovem e sua consolidação mal ter
começado, seus efeitos fazem-se sentir cada vez mais e com maior intensidade na língua, trata-
se de evidente contaminação metalinguística em interação francamente reflexiva. Tudo indica
que estamos melhor sabendo como superar o dilema e o paradoxo da dicotomia entre teoria e
prática nos campos da produção escrita e da revisão.

Importante parcela dos conhecimentos linguísticos atuais foram desenvolvidos nos


últimos 50 anos. Entre os princípios mais importantes da linguística contemporânea,
notadamente as correntes da linguística interacional, apontamos alguns de maior relevância
para a revisão. Resumidamente, encontramos os seguintes:

a) A língua possui organização interna sistemática que pode ser estudada


cientificamente, mas ela não se reduz a conjunto de regras que podem ser
determinadas com infalibilidade. As línguas naturais são dificilmente
formalizáveis e não são redutíveis a sistemas normativos abrangentes.

b) A língua tem aspectos estáveis e instáveis, ela é um sistema variável, fluido,


dinâmico e indeterminado, portanto, a língua apresenta sistematicidade
registrável e variação observável, concomitantemente.

c) A língua contém valores imanentes e transcendentes, portanto, não pode ser


estudada, compreendida ou aplicada de forma autônoma, deve-se recorrer ao
entorno e à situação nos mais variados contextos de uso. Portanto, a língua é
fenômeno situado social, histórica e geograficamente.
2-20

d) A língua é constituída por símbolos convencionais, parcialmente motivados, não


aleatórios, mas arbitrários e de domínio preponderantemente comum. A língua
não é fenômeno natural nem pode ser reduzida à realidade neurofisiológica.

e) A língua não pode ser considerada apenas como instrumento de representação


do mundo, como espelho da realidade ou das mensagens, pois ela é integrante
da realidade e representa apenas um corte estrito dela. Ela é muito mais um guia
que um espelho da realidade.

f) A língua é situacionalmente desenvolvida e aplicada para promover a interação


humana.

g) A língua se dá e se manifesta em textos orais, escritos e multimidiáticos


ordenados e estabilizados em gêneros textuais para uso em situações concretas.

h) A língua é opaca, polimorfa e polissêmica, o que permite a variabilidade de


interpretação nos textos e faz da compreensão um fenômeno especial na relação
entre os seres humanos.

i) Linguagem, cultura, sociedade e experiência interagem de maneira intensa e


variada, não se podendo postular uma visão universal, abrangente ou totalitária
para as línguas particulares ou para os idioletos.

Apesar das muitas análises pessimistas e divergentes que foram feitas até hoje a respeito
da influência da linguística moderna na revisão de textos, alguns lamentando a excessiva
influência e outros lamentando a pouca influência, pode-se dizer que a linguística passou a ter
papel progressivamente mais visível na revisão a partir das duas últimas décadas.

Uma análise acurada dos manuais de revisão recentes, em todas as suas modalidades,
mostrará que, de algum modo, a linguística interacional esteve sempre presente, algumas vezes
mais e outras vezes menos; algumas vezes, bem, outras vezes, mal assimilada. Em geral, houve
e continua havendo certa defasagem na aplicação dos princípios linguísticos mais recentes no
contexto da revisão. Mas tudo leva a crer que nunca o papel da linguística interacional, em
nosso contexto de revisores, se fez notar mais.17

17 Adaptado de (MARCUSCHI, 2016, p. 29-30).


2-21

Isso posto, em perspectiva interacionista, devemos considerar que a ação de linguagem


realizada no processo de revisão do texto não é completamente autônoma em relação à ação de
linguagem realizada no processo de escrita. Considere-se que o revisor é, por um lado, receptor
da ação de linguagem materializada no documento a ser revisado e, por outro, agente produtor
da nova ação de linguagem (a revisão em si) resultante em outro produto (o texto revisado),
porque, no processo de revisão da escrita, o revisor é também emissor de signos linguísticos.
Transpondo a centralidade da língua no quadro interacionista e sociodiscursivo para o âmbito
da revisão de texto, admitindo que o conhecimento e o desenvolvimento humanos são
adquiridos por meio da linguagem e que, em atividades do linguajar, é pelo recurso da língua e
de seus signos que se materializam em textos que se adquire cognição, verificamos que a
linguagem e a metalinguagem têm papel central nos saberes mobilizados na prática de revisão.18

2.7 O TEXTO

No texto se inicia a obra, na revisão a obra se conclui. (Luiza Gosuen)

Como nosso objetivo é a compreensão das atividades desenvolvidas pelo revisor de


textos, profissional que tem como material de trabalho a escrita em suas diversas configurações,
por meio dos mais diferentes gêneros, seja em papel, seja em tela, seja em qualquer outro
suporte, acreditamos ser necessária alguma referência à escrita – forma de registro que gera o
objeto de trabalho do revisor, o texto. Para considerarmos sua presença nas diversas esferas da
atividade humana, ressaltamos que o texto escrito, impresso ou digital, tem função social
fundamental nos diversos usos que se faz dele. Os textos podem tematizar referentes do mundo
físico, do mundo social, do mundo subjetivo ou articular referências dos diferentes mundos,
eles devem ser encarados como resultados de processos dinâmicos que envolvem múltiplos
elementos de natureza heterogênea em interação, conjugação e confrontação.19

Por intermédio do texto escrito, a função até então comunicativa da linguagem alcança
a função generalizante, pela propagação e difusão espacial e temporal da palavra, podendo esse
alastramento ser observado pelas mudanças nas crenças e nos conceitos que acompanharam o
surgimento da cultura escrita, destacando-se a transformação do sistema legal, quando os

18 Adaptado de (ROSA, 2015).


19 (ROSA, 2020, p. 73-74)
2-22

tribunais começaram a utilizar como provas os registros escritos, e não os orais, e a mudança
da teologia, quando passou a se centrar no texto, e não na Igreja.20

Assim sendo, por possibilitar ao indivíduo interagir com outrem, confrontando,


formando, passando sentimentos, avaliações, atos, acontecimentos, entre outros, a escrita,
passadas as primeiras tensões e receios, estabeleceu-se até hoje como um dos principais meios
utilizados para comunicar, desde um evento mais simples como um aviso, um convite ou
cumprimento de aniversário, até um acontecimento mais complexo como um tratado científico,
um contrato de paz ou uma declaração de guerra, o que demonstra seu papel interativo nas
relações institucionais e familiares.

Além disso, havia necessidade de meios que proporcionassem o entendimento quando


se estivesse longe de outros indivíduos, assim como o registro para terceiros de suas ações,
tendo sido a escrita a solução para esse problema, daí ela ser reconhecida como meio de
divulgação e preservação das conquistas socioculturais do homem em sua longa história – o
que dá à dimensão da atemporalidade do escrito sua historicidade.

Os precursores da escrita – o sistema pictórico, para expressar ideias humanas


visualmente, e os recursos de identificação mnemônica, como os símbolos heráldicos, e os
símbolos usados por indígenas para registrar o tempo – são fundamentais para se compreender
tais necessidades, embora nenhum deles tenha se destacado mais que o sistema alfabético. O
processo sintático foi importante porque, assim como é a sintaxe que faz com que a linguagem
seja o que ela é, também é a sintaxe que torna o sistema gráfico gerativo, um modelo apropriado
para a escrita e assemelhado à fala.

Nas mudanças pelas quais passou até chegar ao alfabeto, a escrita logográfica, baseada
em símbolo ou grafema único que denota um conceito concreto ou abstrato da realidade,
transforma-se em silábica por empréstimo, a mudança naquilo que a escrita representava refletia
sua adaptação a línguas diferentes daquela para a qual foi criada originalmente. As palavras
deixam de ser emblemas e se diferenciam tanto das coisas como dos nomes das coisas; passam
a ser, por meio da escrita, objeto de definições e tema de reflexão filosófica, oferendo, em
seguida, um modelo para a fala, sem ser dela representação direta, fazendo com que a linguagem
possa ser analisada em seus constituintes sintáticos e que se tome consciência das palavras como
entidades linguísticas. Desse modo, o desenvolvimento do alfabeto, assim como o do silabário,

20 Adaptado de (OLIVEIRA, 2007).


2-23

resultou da aplicação da escrita apropriada para determinada língua a outra para a qual não era
apropriada, o que demonstra a importância dos empréstimos linguísticos para mudar o que a
escrita representava, permitindo-lhe refletir sobre outros aspectos, outros eventos.

Nos instigantes diálogos entre Sócrates e Fedro, entremeados pelo confronto


estabelecido entre duas figuras mitológicas, Thamuz e Theuth, Platão já destaca a problemática
da escrita, considerada por ele como phármakon (φάρμακον), como “remédio” e “veneno”. Nos
diálogos, Platão procura mostrar que há dois lados, duas maneiras de escrever, uma má,
desconexa, e outra boa, dialogada, o que não significa a negação da escrita, mas de seu mau
uso. Nesse jogo dialógico, phármakon é uma metáfora da escrita, que implica, como toda droga,
efeitos benéficos e maléficos, dependendo do mal ou bom uso que se faz dela.

Nenhum sujeito age passivamente nos confrontos comunicacionais, uma vez que, por
meio da escrita, ele tanto pode subjugar quanto ser subjugado, pode dominar ou ser dominado,
como também libertar ou ser libertado, confrontar ou ser confrontado, não devendo, portanto,
haver atitude ingênua diante de seus próprios dizeres e dos já ditos por outros no ato de escrever,
conforme veremos a seguir na trajetória histórica, na instauração da cultura da escrita e nas
abordagens e pesquisas que tomam a escrita e o texto escrito como objeto de estudo.

Uma vez que a escrita como meio de comunicação – a imprensa – e a competência por
ela exigida – a cultura escrita – desempenharam papel fundamental no surgimento da ciência
moderna, pois permitiram estabelecer a diferenciação entre o dado e o interpretado, fixou-se o
registro escrito como o dado pelo qual as interpretações podiam ser comparadas.

A cultura escrita foi responsável pela nova compreensão da distinção conceitual entre o
dado, encontrado nos textos ou na natureza, e as percepções e interpretações subjetivas do leitor,
tornando-se tal distinção, segundo cada autor, fundamental para o surgimento da ciência
moderna, uma vez que as mudanças culturais estão associadas às alterações psicológicas, às
formas alteradas de representação e às formas de consciência.

Na realidade, se considerarmos a escrita como inerentemente social, mesmo quando um


sujeito está escrevendo supostamente para si mesmo, veremos que a utilização que se faz dela
é que a faz funcionar de uma forma ou de outra, o que demonstra seu caráter social nos embates
da vida tanto na esfera pública quanto na vida privada.
2-24

Sendo os signos substituídos com base no som, traziam-se as palavras à consciência,


podendo-se, por meio desse novo sistema de escrita, representar tudo o que era dito,
reconhecendo-se tanto a representação da sintaxe como das palavras combinadas
sintaticamente, o que possibilitava até mesmo o ingresso de novas palavras no léxico. Diante
dessa percepção da forma e do significado como algo indissolúvel, a cultura escrita foi
considerada o instrumento para separá-los, ao congelar a forma em um texto e permitir que as
interpretações sejam vistas pela primeira vez como tais.

Nesse sentido, ao avançar em sua evolução, a escrita dos primeiros textos literários em
cuneiforme refletia de modo claro o conhecimento linguístico do escrevente e permitia ao leitor
inferir na linguagem utilizada, a introdução de signos representando as palavras, e não as coisas
ou objetos, como ocorria nas tabuinhas.

Primeiramente, o interesse consistia no processo de definição da interpretação, a qual


era relacionada ao sentido que era dado ao texto; à organização da concepção individual, como
sistema de regras, procedimentos de verificação, entre outros; aos subsídios utilizados, como
dicionários, índices, tratados; à disponibilidade de meios adequados para comunicarem o
sentido a que se chegava, como diálogos, comentários, ensaios, havendo assim um interesse
geral pelo método utilizado. São inúmeros os gêneros que podemos acrescentar a essa lista,
como contratos de transações comerciais, anúncios publicitários, avisos fúnebres, entre outros,
o que comprova os usos múltiplos da escrita em diversas esferas da atividade humana, assim
como em sua história social.

Continuando sua evolução, a escrita alfabética tomou emprestado o sistema silabário,


que se utilizava esporadicamente das semiconsoantes, e começou a colocar a vogal depois da
consoante, o que se estabilizou como norma, passando assim a escrita silábica para a escrita
alfabética.

Considerando a escrita em perspectiva mais ampla do que a tipicamente aceita pelos


estudiosos, pois ela é muito mais importante que a simples codificação e decodificação da
linguagem oral, ela é prática significativa e, como tal, pode ser comparada à oralidade. A cultura
escrita, do ponto de vista cognitivo, sustenta e fortalece o padrão intelectual a partir da
utilização de diversos processos reflexivos desenvolvidos na interação do ser humano com o
mundo exterior, assim como das diversas tecnologias que lhe dão suporte, como as escritas
textual, visual e computacional.
2-25

Além disso, a escrita alfabética continua impondo dois equívocos: um leva à ideia de
que o sentido que cada leitor vê no texto está efetivamente presente nele e inteiramente
determinado pelas palavras usadas; e outro, inversamente, que qualquer outra interpretação do
mesmo texto é considerada produto da ignorância ou da insensibilidade do leitor, o que implica
uma concepção exageradamente simplificada do que significa ler, correspondendo tal ato
apenas à decodificação do texto, ou à construção de determinado sentido.

A importância social da escrita pode ser observada com exemplos bastante


significativos, como a assinatura grafada em contratos selados; as inscrições de mercadorias em
lojas e armazéns, assim como de nomes em ruas e sepulturas; o registro das atividades
complexas em livros de receitas de crochê, em manuais de programas de computador ou em
livros de medicina, o registro da patente dando crédito à invenção, assim como a publicação da
realização científica, reforçando sua credibilidade. Tende-se a ver a cultura escrita e o registro
escrito como unicamente associados à própria escrita por se acreditar que as habilidades
exigidas pela primeira são inspiradas na segunda.

O estudo da escrita, assim como suas características, seus relacionamentos com a


cognição e as práticas sociais institucionalizadas, expandiu-se, principalmente, quando se
buscou compreendê-la como modalidade da língua que tem especificidades próprias e
materialidade linguística distinta.

Não se pode negar que, de perspectiva mais geral, por meio da institucionalização e das
várias formas de tecnologia da escrita, e por meio da cultura escrita, grupos mais amplos de
pessoas tiveram acesso a diversos saberes. Um dos maiores problemas para que a cultura escrita
seja compreendida é a incapacidade de se especificar quais de suas propriedades são
independentes do registro gráfico.

2.8 O MEDIADOR

O problema de descrever as tarefas do revisor como mediador é maior na medida em


que cresce o número de interações e intervenções que o profissional deve estabelecer no
exercício profissional. Tais interações e intervenções assumem diversos padrões em função da
complexidade dos projetos e do número de elementos neles intervenientes. É nesse processo de
produção que o revisor tem que se esforçar por assegurar seu lugar, definindo estratégias e
métodos de trabalho, estabelecendo prioridades e interagindo com os demais sujeitos
2-26

envolvidos no desempenho, de acordo com as ferramentas de trabalho utilizadas, os gêneros de


texto em questão e as próprias escolhas ou imposições de cada projeto.

Considerando o fluxo mais comum e recorrendo à lógica descendente, da modalidade


em que há maior grau de interação para o que houver menor, a complexidade estrutural, inerente
ao setor de atividade linguageira, nota-se a dependência recíproca e em permanente assimetria
entre os vários elementos componentes, já que nem todos os agentes do processo têm o mesmo
poder de decisão.

Pelo caráter dialógico e polifônico de qualquer produção textual, toda palavra tem, no
mínimo, duas faces, uma determinada pelo fato de que procede de alguém, outra pelo fato de
que será recebida por outrem, produto da interação do locutor e do ouvinte, do autor e do leitor,
ou, no nosso contexto, entre clientes, tradutor e revisor. Nosso papel, como revisores, é um
pouco o de “ouvintes” ao interpretar as instruções que nos são fornecidas e tornamo-nos
imediatamente agentes de produção textual, portanto, também “locutores”, no sentido em que
contribuímos na gênese de novos escritos. Nesse processo de trocas de informações, o revisor
assume o papel de mediador, terá que respeitar as intenções comunicativas dos clientes e manter
presente que o documento revisado terá um destinatário final, um público-alvo, sobre o qual o
revisor nem sempre recebe muitas informações, mas que deverá ter seu perfil delineado como
hipótese de trabalho.

Há ainda outro elemento presente ao longo de todas as fases do processo de revisão,


sejam quais forem o objeto e o projeto em causa: a linguagem interior do próprio revisor. Como
revisores e como pessoas, temos nossos próprios mecanismos de pensamento individuais e eles
também terão impacto nas práticas de revisão e nas intervenções. Assim, ao propor
intervenções, o revisor está a agir sobre o texto como mediador e como intercessor, enquanto
está a agir pela linguagem e para a comunicabilidade, o que remete à dimensão praxiológica da
metalinguagem. Com base no repertório cognitivo e competências para a revisão, é a voz da
consciência do revisor que vai estabelecer a mediação, que vai tentar encontrar o equilíbrio
entre aquilo que é aceitável, de acordo com a norma linguística vigente e aplicável, e aquilo
que é exigido pelos clientes.

Como profissional liberal, o revisor pode e deve, a bem da sua estabilidade e


independência, trabalhar para vários clientes de diversos tipos, particulares ou empresariais;
como profissional terceirizado, terá clientes intermediários, agências de revisão ou tradução,
2-27

editoras; como empregado, terá projetos bem distintos em que atuar. Em qualquer desses
contextos, o revisor é prestador de serviços e, como em todas as relações de natureza comercial,
um de seus principais objetivos deve ser a fidelização dos clientes, satisfazendo-lhes as
exigências para garantir a manutenção da clientela, da atividade e, claro, dos rendimentos. É
igualmente verdade que, quanto mais diálogo e cooperação, compreensíveis como processo de
mediação, existir entre os diversos parceiros do circuito em causa, maior qualidade terá
certamente o produto da revisão.21

2.9 O EDITOR

O termo editor é usado para denominar o profissional que concebe uma obra segundo
padrões literários e gráficos, para divulgação e comercialização; esse conceito de editor
restringe-se à acepção da palavra editor em língua inglesa, que é o encarregado de organizar,
selecionar, normatizar, revisar e supervisar os originais dos textos. Na língua inglesa, existe
distinção entre editor e publisher que não há em português, pelo menos no aspecto semântico.
Dar à luz uma obra, publicar, apresentando um texto claro e coerente, normatizado conforme
os critérios estabelecidos pela editora, é responsabilidade do editor. Já o publisher é aquele que
“torna público”; por isso, relaciona-se à atividade livreira no século XVII; já no XVIII, o termo
passou a ser adotado para denominar o proprietário dos direitos autorais que financiava e
organizava a publicação.

Hoje, o publisher é o responsável pelo livro em toda sua trajetória, incluindo aspectos
materiais e intelectuais. É ele quem responde pelos livros da editora, não só com os recursos
materiais, mas assumindo, em especial, responsabilidades no plano político, moral, intelectual
e jurídico. Entre nós, é o editor mesmo que tem essas funções do processo editorial, pois ele
acompanha tanto o processo intelectual da edição como as atividades profissionais cognatas,
inclusive a revisão; nesse papel, muitas vezes o editor é o superior, senão o patrão, de revisores,
tradutores, designers. Em muitos casos, o editor é o proprietário da empresa.22

Houaiss afirma que o editor de texto era o que historicamente se intitula revisor, parece
que o revisor, ao longo da história do livro, era quem acompanhava o processo de preparação
de originais, responsabilizando-se também pelas condições formais dos textos até a impressão

21 Adaptado de (FIDALGO, 2014, p. 8-10)


22 (YAMAZAKI, 2009).
2-28

da obra. O revisor não se detinha, como a algum tempo, na correção das provas (para identificar
e eliminar problemas no texto impresso) e no zelo pela disposição gráfica, pela composição das
páginas.23 Os papéis vão se transformando, com o tempo, e com as circunstâncias; as definições
e os limites são imprecisos mesmo e não nos cabe tentar inventar limites que não existem.

2.10 A ÉTICA

Muitas das regras e princípios éticos aplicáveis aos revisores são igualmente aplicáveis
aos tradutores, editores e demais profissionais que lidam com documentos alheios. A diferença
é que o revisor vai considerar a pessoa do autor, além de outras pessoas que estejam envolvidas
no processo de revisão – e ainda considerar firmemente as consequências do texto sobre o leitor
ou mesmo em relação à sociedade. Em cada interferência que o revisor faz, ele levará em conta
as necessidades e os requisitos do autor do editor e do leitor-alvo. Muitas dessas considerações
são também pertinentes no caso da reescrita, procedimento intrinsecamente autoral, na qual os
compromissos morais consigo mesmo e a motivação para o comportamento ético é autogerada,
mas subsiste a universal responsabilidade para com o leitor, além do respeito às fontes e do
compromisso com a verdade – onde couber, efeitos da mensagem, imagem – do autor ou de
pessoas e instituições afetadas; nesses três aspectos, pode haver corresponsabilidade do revisor.
Ficam alinhadas, então, algumas diretrizes éticas do revisor para com a sociedade,
subsidiariamente àqueles deveres do autor.

Do ponto de vista dos deveres éticos para com o texto, o revisor só deve interferir onde
houver necessidade de marcação. A revisão não é um exercício de desperdiçar tempo e esforços
com interferências facultativas, improdutivas ou inadequadas no original. Não é ético fazer
interferências estilísticas injustificadas, bem como omitir mudanças justificadas, para
desacreditar ou creditar indevidamente o autor ou quem quer que seja. Ainda assim, do ponto
de vista psicológico, os revisores podem tender a introduzir mudanças apenas para mostrar que
fazem seu trabalho, pois pode parecer que não revisaram um texto em que não foram feitas
correções em número suficiente. Existe ponderável parcela de subjetividade na revisão, e o
juízo ético é um dos balizadores dessa subjetividade, ela pode ser remediada, baseando-se em
critérios técnicos linguísticos, estilísticos e pragmáticos subsidiariamente aos princípios éticos.
É amplamente reconhecido que não existe solução única ou definitiva para o problema

23 (HOUAISS, 1967).
2-29

linguístico – portanto, haverá diferenças de critérios pragmáticos aplicáveis, inclusive, diversas


alternativas poderão ser perfeitamente éticas.24

Os compromissos éticos para com os textos e os detentores dos direitos sobre eles ainda
são mais graves quando seu conteúdo tenha implicações financeiras, sugira risco à saúde ou
segurança de terceiros. A primeira lealdade do revisor não é nem para o escritor nem para o
leitor, mas para a verdade e a sociedade. O revisor não pode aceitar revisar ou dar sequência a
um documento que possa produzir efeitos sociais claramente negativos, ou que incentive, por
exemplo, a prática de crimes. Tais problemas podem surgir no escrito, inclusive
inadvertidamente, e devem ser objeto da consideração ética e moral do revisor. Não cabe tolerar
absurdos inadvertidos ou conscientes no documento simplesmente porque o cliente pediu
“apenas” uma revisão, ou porque se quer “só” ganhar algum dinheiro… Alguns podem
argumentar que a escrita contraditória, ou na qual se projetem resultados sociais negativos, deva
ser revisada em alguns casos, para deixar claro ao autor o problema. Mas essa não é uma função
inerente ao revisor: não cabe ao revisor patrulhar os textos, muito menos no sentido policialesco
ou censório.

Por questão de ética, o revisor não deve, em caso nenhum, distorcer intencionalmente o
significado do texto. Mesmo se o conteúdo possa produzir danos de algum tipo, não cabe ao
revisor reverter a possibilidade. Cabe alertar o autor, ou mesmo às autoridades públicas, se
couber, mas não tem sentido tentar mudar os riscos fazendo-se intervenções nos textos, exceto
se o problema advier de um lapso ou omissão do autor. Também cabe ao revisor guardar sigilo
sobre o documento revisado, não dando a público nenhuma versão ou segmento do escrito: do
original ao produto revisado, passando por todas as fases do trabalho. Não cabe, em hipótese
alguma, divulgar e alardear problemas ou erros cometidos pelo autor, até porque não existe erro
no escrito que não foi à luz ou prelo: enquanto não houver o imprimátur, o original permanece
com status de rascunho e o autor está certo até considerar a manifestação do revisor, e será livre
para se assentar em sua posição primitiva, caso desconsidere a sugestão do revisor.

Além disso, todo profissional deve conhecer seus limites, sejam eles temporais ou
intelectuais. Não é certo aceitar um trabalho que não se pode fazer bem porque o conhecimento
não é suficiente, a competência linguística é limitada ou inexiste o tempo para cumprir o prazo
estipulado. Cabe recusar a tarefa que não ser possa concluir, ou haverá consequências a

24 Adaptado de (ŠUNKOVÁ, 2011).


2-30

enfrentar (reação contrária do cliente, autor ou editor, danos à imagem profissional, devolução
de arras…), é o que o revisor deve fazer. Por fim, o revisor não deve prometer perfeição (isso
realmente não existe) e deve sempre admitir sua culpa na omissão, quando a percebe ou tem a
falha apontada, assim como quando não resolver um problema, por qualquer motivo.
3-31

3 PERFIL DO REVISOR

Il importe de distinguer ces divers stades et modes d’intervention. Ils


correspondent en effet à des objectifs différents et, dans la pratique, mettent
en jeu des techniques tout aussi différentes. (HORGUELIN e PHARAND,
2009)

Alguns livros devem ser provados, outros engolidos, poucos mastigados e


digeridos. (Francis Bacon)

3.1 EPÍTOME

1. A revisão completa consiste em observar todos os problemas para revisar tal texto não são
os mais diversos aspectos da textualidade e fazer apenas de caráter puramente léxico ou sintático.
as requeridas interferências – na verdade, não 7. A maioria dos novos problemas introduzidos no
vemos sentido em outro tipo de revisão. texto pelo processo de revisão são causados por
2. Na proposição da análise componente, o mudanças desnecessárias e injustificáveis pelo
procedimento de revisão mais “preciso” exclui a revisor.
cultura e destaca a mensagem, entretanto isso é 8. Gestos e hábitos são frequentemente descritos
uma balela: com o conceito de cultura com que o em linguagem não verbal, mas podem constituir
revisor trabalha, segundo nosso entendimento, intercorrência em escritos submetidos à revisão,
isso não se aplica; a importância do processo de tanto se apresentem explícita quanto
revisão na comunicação inviabiliza esse implicitamente.
procedimento.
9. A adequação cultural da mensagem, preserva a
3. Os diversos parâmetros funcionais que a revisão intenção formal do autor, a forma e o conteúdo
da literatura sobre o trabalho dos revisores são mantidos o mais fiel possível à intenção
profissionais identificou são o contrato comunicativa (e cultural) do autor, e o leitor será
(mandado, ordem de serviço) de revisão, o capaz de entender o máximo que puder do que o
documento a ser revisado, o ambiente (social, autor pretendia transmitir.
cultural, físico) do trabalho do revisor e mesmo
do autor. 10. A compreensão da cognição em relação à revisão
ainda é incipiente, pretendemos apenas
4. Importa considerar não apenas a cultura expressa apresentar algumas características cognitivas do
no original, mas também o impacto da mensagem revisor.
pretendida pelo autor do documento original,
quando ele já estiver revisado, sobre o leitor; 11. Diversos estudos da revisão nos contextos da
portanto, não se trata de neutralizar a tradutologia e do letramento, bem como alguns
transferência cultural, como se isso fosse teóricos da revisão de textos propriamente,
possível ou desejável. enfocam a relação entre a atividade do revisor e
a memória de trabalho, destacando, em especial,
5. A revisão pode levar mais tempo se o assunto não o custo do processamento decorrente dos
for de interesse do revisor – mas o contrário problemas a serem corrigidos.
também ocorre: um revisor pode trabalhar um
pouco mais rápido e talvez fazer um pouco 12. Ao considerar as implicações culturais para a
menos interferências no documento pelo qual revisão, deve-se considerar o quanto o revisor
não tenha simpatia. explica ou completa tais lacunas de informações;
com base nas conclusões alcançadas sobre o
6. Mesmo em se tratando de texto destinado a “um leitor ideal.
leitor educado e de classe média”, com
conhecimento dos aspectos culturais implicados,
3-32

3.2 CARACTERÍSTICAS GERAIS

Em primeiro lugar, o revisor deve ter sólida formação linguística, capacidade de


identificar e interferir segundo o gênero do escrito em tela, competência textual e editorial,
proficiência em pesquisa, capacidade de aquisição e processamento de informações, bagagem
cultural, bem como treinamento técnico-procedimental. O que o diferencia do autor – quanto à
habilitação – é sua experiência no campo da textualidade, o domínio da mídia. O revisor deve
ser alguém com experiência nos gêneros textuais envolvidos e que tenha os talentos necessários,
um conjunto de qualidades específicas do revisor que tentaremos examinar com mais detalhes.25

O revisor deve ter senso de comunicação e mente aberta, bem como ser excelente leitor
e ouvinte, paciente e seguro. Cabe indicar uma lista inicial das qualificações e qualidades que
se esperam encontrar no revisor:

➢ conhecimento dos códigos da língua, incluindo “detalhes” que não são ensinados
na escola;

➢ conhecimento aprofundado e constantemente enriquecido dos recursos da língua


adquirido por muita leitura;

➢ excelente conhecimento das fontes tradicionais e eletrônicas de documentação,


pesquisa e consulta;

➢ excelente cultura geral, erudição;

➢ leituras especializadas regulares e atualizadas;

➢ capacidade crítica guiada pelo bom senso e por base teórica sólida;

➢ mente aberta, receptiva, responsiva e pluralista;

➢ sociabilidade, urbanidade e capacidade de relacionamento;

➢ respeito pelos outros e honestidade intelectual;

➢ modéstia, paciência, responsabilidade;

➢ organização, método e disciplina.

Algumas dessas qualidades estão no campo da proficiência linguística, outras formam


o repertório de erudição e, por fim, há qualidades importantes para gerenciar a relação com o

25 Adaptado de (QUENETTE, 2012).


3-33

revisado (texto ou autor), assim como seus contatos e contratos, com sua hierarquia e com todos
os outros agentes no processo editorial.

O revisor é um “destinatário de status especial”. Na verdade, é o primeiro leitor do texto,


ele deve ter visão global, ter mais perspectivas que o autor, trabalhar em unidades de significado
e de significâncias de múltiplas dimensões, de cada signo diacrítico ao macrotexto.

Por causa desse coeficiente mais elevado e específico de competências dentre as


características gerais, é comum nos serviços de revisão que a posição de revisor seja confundida
com a do líder da equipe. O revisor deve ter habilidades que, para alguns, excedem as do autor,
apesar de diferentes daquelas.

O revisor deve aprender a olhar para o texto de forma diferente daquela do autor, porque
seu papel não é produzir, apesar de sua intercessão no produto. Em outras palavras, ele deve se
perguntar não o que se pode mudar, mas o que precisa ser mudado; portanto, é necessário que
o revisor possa justificar as interferências propostas; cabe a ele saber ver o documento do ponto
de vista do leitor-alvo, deve ter sido treinado a se concentrar em estruturas textuais mais amplas.
O autor trabalha com pequenas unidades de texto, redige parágrafo por parágrafo – ainda que
exista um plano geral da obra, o escritor é focado em palavras ou frases e progride por elas em
seu desempenho. O revisor, por outro lado, não deve se limitar a retrabalhar nas mesmas
unidades. Seu papel é verificar a coesão entre sentenças, a coerência do argumento, as
convenções de gênero, a homogeneidade do tom.

Indicamos três categorias de habilidades que parecem sintetizar, de forma interessante,


as diferentes habilidades que temos mencionado até agora:

➢ competência estratégica: habilidade específica do revisor quanto aos atos de


revisar. É essencial que o revisor saiba exatamente o escopo e o propósito de sua
tarefa. Isso o impede de reescrever passagens sem considerar o trabalho do autor;

➢ competência interpessoal: capacidade de colaborar com os diversos atores do


projeto editorial. Essa categoria é assemelhada às qualidades relacionais que
ainda discutiremos. Como parte da função didática da revisão, o revisor deve
enviar feedback ao autor e facilitar seu aprendizado das habilidades de redação
sem se travestir em professor;

➢ competência profissional e instrumental: habilidade relacionada à prática


3-34

profissional, o que engloba senso de responsabilidade, organização e, por outro


lado, uso de fontes de informação (emprego eficiente de mecanismos de busca,
por exemplo).

Já que ninguém nasce revisor, nossas mãos não são guiadas por algum conhecimento
místico que sentimos nos ossos enquanto checamos textos alheios. As habilidades necessárias
para a revisão podem ser adquiridas por revisores praticantes enquanto trabalham, mas essas
habilidades também podem ser aprendidas no treinamento prático organizado. Os revisores
possuem competências específicas: conhecimentos linguísticos e extralinguísticos necessários
para a redação, estão perfeitamente cientes das expectativas da indústria do livro e das
ferramentas tecnológicas que auxiliam na revisão, habilidades psicofisiológicas e cognitivas
necessárias e essenciais à profissão, bem como estão aptos à transferência de competências
estratégicas.26 Revisores reparam omissões, excluem adições desnecessárias e corrigem erros
que violam as normas e a linguagem do gênero. Entretanto, além de evitar problemas, eles
também se esforçam para melhorar o texto.27 Eles frequentemente precisam dar sua opinião
sobre tradução e avaliar o trabalho do tradutor.28

Além das habilidades descritas acima, os revisores precisam ter conhecimento


linguístico amplo e profundo para serem capazes de detectar e corrigir desvios da norma, bem
como de fornecer explicação aceitável para suas intervenções. Eles estão familiarizados com a
literatura que apresenta as normas linguísticas, não confiam em conhecimentos vagos
adquiridos na escola e sabem exatamente para onde recorrer quando em dúvida. Eles estão
cientes das visões dos linguistas e da atitude em relação aos fenômenos da língua. Uma
competência linguística bem fundamentada, portanto, ajuda os revisores na tomada de decisões,
já que a acusação mais frequente que os revisores têm que enfrentar é fazer excessivas ou
desnecessárias mudanças no texto. Os revisores profissionais são experientes em distinguir
entre soluções boas e ruins, são hábeis em tomar decisões conscientes e podem apoiar suas
disposições com argumentos sólidos. Eles também estão prontos para aceitar contra-
argumentos apoiados pela literatura e admitir quando eles próprios estão errados, uma vez que
não confiem em seus instintos subjetivos enquanto trabalham.

26 (PACTE, 2003)
27 (MOSSOP, 2014).
28 Adaptado de (ROBIN, 2016).
3-35

Essas habilidades do revisor também podem ser úteis para tradutores quando, após
terminar seu trabalho, eles realizam a autorrevisão. Afirma-se que não exista algo como
competência “puramente” de revisão e que as competências de revisão e de textualização são
categorias sobrepostas.29 Durante o processo de redação, a utilização das competências
individuais depende da tarefa de mediadores cognitivos; se os intercessores realizam tarefas de
redação, autorrevisão ou revisão em cada momento, vale a pena fazer da troca entre as
competências uma ação consciente, porque essa é a única maneira de mudar do pensamento
microtextual (palavras, frases) para uma abordagem global, macrotextual.30

Se os revisores possuírem a competência necessária para a revisão, deverão seguir os


princípios que definem a eficiência e o sucesso dessa tarefa. Mossop31 especifica vinte
recomendações para revisores a que eles são aconselhados a aderir durante seu trabalho. Ao
adaptarmos a teoria conhecida, esses princípios fundamentais podem ser resumidos como a
“estratégia minimax” da revisão. Os revisores realizam seu trabalho de forma eficiente,
produtiva e certamente lucrativa se se esforçarem para alcançar o máximo efeito com o mínimo
esforço, modificações mínimas.32

Uma vez que a tarefa principal dos revisores seja afastar as eventuais interpretações
equivocadas dos leitores, erros gramaticais, em geral, são considerados falhas graves, e nenhum
problema notório pode subsistir no texto revisado. Portanto, os revisores precisam fazer todas
as correções necessárias imediatamente após identificados os problemas, pois essa é a única
maneira de alcançar o efeito máximo e o mínimo de omissões. Os revisores não só precisam
indicar erros, como também precisam fornecer a alternativa correta, porque não se costuma
verificar o documento depois de terminar de trabalhar nele – e isso se refere à maioria dos
autores. É aconselhável, no entanto, que os revisores só façam intervenções quando estejam
confiantes de que sua decisão está exata. Na dúvida, eles devem consultar a literatura mais
recente sobre o uso da linguagem, recorrer a outros linguistas profissionais, ou podem discutir
o assunto com o autor, a fim de encontrar a solução ideal. Durante a revisão, os revisores devem
se esforçar por obter máxima consistência textual: ao decidirem interferir (excluir, substituir,

29 (HORVÁTH, 2011, p. 44).


30 (ROBIN, 2016).
31 (MOSSOP, 2014).
32 Adaptado de (ROBIN, 2016).
3-36

adicionar, corrigir, inverter) no escrito, eles devem fazê-lo uniformemente ao longo de todo o
texto.

Os revisores também precisam estar cientes do fato de que a maioria dos novos
problemas introduzidos no texto pelo processo de revisão são causados por mudanças
desnecessárias e injustificáveis pelo revisor. Todos os revisores são propensos a fazer
hiperrevisão. Esse fenômeno é característica universal da revisão e é ainda mais notável em
revisores em princípio de carreira. As alterações são consideradas desnecessárias quando não
tornam o documento revisado mais correto ou preciso, mais claro, mais bem ajustado ao gênero
ou mais bem submetido ao cânone requerido – em comparação com o original – assim como
quando não melhoram a legibilidade para o público-alvo.33 Tais ações excessivas de intervenção
são simplesmente perda de tempo e frustram os autores, o que não fomenta exatamente a
cooperação profissional. Se os revisores buscam fazer as mínimas alterações possíveis, eles
devem apenas fazer interferências que sejam necessárias e justificáveis, ou sugestões nos casos
em que convenha deixar ao autor a decisão de estilo ou de sentido. Vale sempre ter em mente
o propósito da revisão, pois, com base nisso, os revisores podem decidir o que conta como
interferência necessária e em quais parâmetros focar durante seu trabalho.

Os revisores executam diferentes tipos e níveis de interferências. Quando o cliente


solicita uma simples verificação ortográfica e sintática, os revisores têm apenas que revisar o
documento de acordo com as regras ortográficas vigentes, confiando em seu conhecimento do
idioma e consultando a literatura consolidada sobre o assunto. Em contrapartida, a revisão
completa consiste em observar todos os mais diversos aspectos da textualidade e fazer as
requeridas interferências – na verdade, não vemos sentido em outro tipo de revisão –
considerando a legibilidade e a comunicabilidade da peça, bem como suas características
linguísticas e de formatação, todos os parâmetros listados abaixo:

➢ precisão: o texto revisado vai refletir a mensagem pretendida pelo original?

➢ completude: algum elemento da mensagem foi deixado de fora ou informações


desnecessárias foram adicionadas?

33 (ARTHERN, 1987, p. 19).


3-37

➢ conteúdo lógico: a sequência de ideias faz sentido? Há algum absurdo ou


contradição?

➢ fatos: existem erros factuais, conceituais ou matemáticos?

➢ linguagem e legibilidade: existem frases desajeitadas e difíceis de ler?

➢ textualidade: a linguagem é adequada aos usuários e à finalidade do texto?

➢ registro: o estilo é adequado ao gênero? A terminologia correta foi usada?

➢ idioma: todas as palavras pertencem ao idioma, afastados os estrangeirismos


desnecessários?

➢ mecânica: as regras de gramática, ortografia, pontuação foram observadas


segundo o estilo do manual da casa?

Se os revisores forem capazes de considerar todos os parâmetros acima mencionados


durante seu trabalho, isso certamente prova que eles possuem as habilidades que formam a
competência de revisão.34

Os parâmetros de revisão – as características dos textos que os revisores consideram ao


verificar e corrigir uma obra – são determinados pelas instruções recebidas do cliente, vale
dizer, pela espécie de revisão, por um lado, e pelo gênero e propósito comunicativo do
documento, por outro. Ao revisar uma obra expressiva e literária, são enfatizados parâmetros
completamente diferentes dos que ao verificar um contrato legal. No primeiro caso,
características linguísticas e estilísticas, a legibilidade e o registro certo são especialmente
importantes, bem como se o texto segue as normas, ao passo que, no último caso, usar a
terminologia corretamente e transmitir o significado com precisão é muito mais relevante.
Como já mencionado, os revisores precisam estar cientes desses aspectos antes de iniciar a
revisão para que possam basear o processo nos pressupostos certos.35

Além de saber exatamente qual é o propósito comunicativo do texto revisado, quais são
as expectativas do cliente e dos destinatários e, consequentemente, o que levar em consideração
durante a revisão, os revisores acham benéfico se puderem seguir etapas baseadas em um

34 (MOSSOP, 2014).
35 Adaptado de (ROBIN, 2016).
3-38

método cuidadosamente considerado e consciente. Há uma ordem ideal de etapas no processo


de revisão, que, quando seguidas, garantam que os revisores possam focar em cada parâmetro
adequadamente e no momento certo, que não percam nenhum aspecto do texto que precisa ser
verificado, e que utilizem todos os elementos de sua competência nas fases apropriadas.36 É
claro que o método sugerido se baseia na situação ideal, já que, na realidade, pressionados por
atribuições urgentes e prazos apertados, os revisores nem sempre têm tempo para incluir todas
as etapas do processo. Os revisores profissionais, no entanto, tomam decisão consciente em tais
cenários também: eles consideram quais etapas podem ser deixadas de lado ou agrupadas,
considerando os detalhes da atribuição, o tempo disponível, as características textuais e a
qualidade do original.37

No processo de revisão ideal, a etapa inicial de coleta de informações – sobre o propósito


comunicativo, a terminologia e o tema do texto-alvo a ser revisado, bem como os textos
paralelos relevantes – é seguida pela leitura. Primeiro, o documento original deve ser lido para
se entender sua mensagem e estilo global, então, superando o original, os revisores podem
produzir o texto revisado: sim, trata-se de novo produto, objeto de nova intercessão e diversas
interferências. Na fase de leitura inicial, os revisores não fazem nenhuma modificação
estrutural, eles simplesmente marcam as partes problemáticas, se desejarem, fazendo meras
interferências mecânicas. Em seguida, eles iniciam a revisão, transformando o texto original
em texto revisado, passo a passo: eles eliminam omissões, fazem adições necessárias e corrigem
construções ambíguas ou obscuras. No entanto, eles não tentam encontrar novas soluções para
o estilo do texto. Todas as fases sucessivas de leituras implicam correção de erros gramaticais
pela releitura de vários estágios. Como mais uma etapa, na fase da revisão, fatos e números
devem ser comparados em sua consistência e coerência interna e externa. Dependendo da
natureza do escrito, os revisores podem precisar verificar e, se necessário, modificar
características técnicas também. Essa etapa deve ser realizada ao final do processo, pois,
durante a edição e formatação, podem ser introduzidos erros, e caberá verificar todo o texto,
mais uma vez, após a diagramação. A última etapa do processo de revisão poderá ser a
verificação ortográfica assistida por computador (corretor eletrônico) para detectar os últimos
problemas formais, erros de digitação e espaços perdidos ou excedentes resultantes de
alterações. Os procedimentos do revisor podem ser agrupados da seguinte forma:

36 (MOSSOP, 2014).
37 Adaptado de (ROBIN, 2016).
3-39

• visão de conjunto: tema, terminologia, paratextos;

• textualidade: propósito comunicativo, futuros usuários, parâmetros necessários


de revisão;

• leitura do documento: mensagem global do original; verificar a completude e


a legibilidade do conjunto;

• releituras: releitura de seções menores para aferir lógica, legibilidade e


consistência idiomática;

• releitura completa: releitura completa do escrito para legibilidade e coerência;

• verificação de dados: verificação de datas, dados e números.

• revisão de provas: ajuste do layout, da formatação e da organização do texto


revisado;

• verificação eletrônica: corrigir problemas finais e erros de digitação usando um


programa de correção de textos;

• audição: com auxílio de um gerador de áudio, o revisor ouve o conteúdo do


documento verificando a eufonia e aferindo mais uma vez os demais aspectos
linguísticos.

Dito isso, os revisores são capazes de admitir seus próprios erros, como já
mencionamos, a fim de garantir que o resultado do processo de revisão tenha excelente
qualidade. Depois de descrever as virtudes, as habilidades e as tarefas dos revisores, suas falhas
e possíveis erros também precisam ser mencionados. Evidentemente, a revisão não serve a sua
finalidade pretendida, se, como resultado das correções, o texto revisado for impreciso em
relação a seu conteúdo ou se estiver estilística e gramaticalmente incorreto, se houver desvio
do sentido do original ou do pretendido pelo autor e ainda se ele estiver difícil de processar para
o destinatário. Isso pode acontecer caso os revisores não corrigirem os erros gramaticais, não
fizerem a aferição estilística necessária ou adicionarem mais problemas no que diz respeito ao
conteúdo e à formatação do documento. A revisão também não serve a sua finalidade se os
revisores modificarem o escrito, em vez de verificá-lo e corrigi-lo como devem, se fazem
3-40

trabalhos desnecessários e perdem tempo e energia além da conta.38 Isso geralmente acontece
com os revisores que não sabem bem qual é sua tarefa. Os revisores também podem ser
responsabilizados se não seguirem as diretrizes estipuladas para sua atribuição, se perderem o
prazo ou se dificultarem a cooperação entre os participantes do processo de produção do texto.

Os revisores estão, naturalmente, longe de serem infalíveis: não estão envolvidos no


processo por causa de seu conhecimento superior entre os profissionais de editoração. Eles
simplesmente usam outras competências, tomam decisões conscientes e empregam métodos
predefinidos enquanto verificam e aperfeiçoam o documento. Eles precisam de avaliação para
seu desenvolvimento profissional, no entanto, na maioria dos casos, eles só recebem feedback
dos autores e dos editores se subsistirem problemas com o texto revisado – porque, no processo
de redação e editoração, normalmente, ninguém mais verifica o escrito depois de terminar de
trabalhar nele. Embora, na maioria dos casos, a revisão ocorra sem consulta ao autor, cooperar
com ele pode contribuir também para o desenvolvimento profissional do revisor. Fornecer e
aceitar feedback com base em argumentos conscientes, bem como indicar normas linguísticas
aplicáveis, em vez de sentimentos instintivos, serve para o avanço profissional de ambas as
partes. A consulta recíproca ajuda na detecção de problemas e previne modificações
desnecessárias e fúteis por parte do revisor. É importante ter em mente que autores e revisores
não são inimigos empenhados em arrasar o trabalho um do outro. Pelo contrário, eles têm um
objetivo comum: entregar um documento de alta qualidade para a publicação, que esteja tão
perto do perfeito quanto possível.

3.3 CARACTERÍSTICAS PESSOAIS

Há diversas características intrínsecas à pessoa do revisor que podemos relacionar,


inclusive comentando um pouco sobre cada uma delas: umas são inatas, podem ser relacionadas
aos fatores ligados à “loteria” genética, outras podem ser desenvolvidas – e quanto mais cedo
se começa a trabalhar nelas, melhores os resultados. Na verdade, a tendência maior parece ser
daqueles que acreditam mais que esse rol de características seja fenotípico, inobstantemente,
parece-nos que existam componentes de outro matiz.

A primeira das características pessoais das quais trataremos é a cognição; na verdade,


ela é basilar no ofício do revisor. Entendemos por cognição do revisor a visão de suas funções

38 Adaptado de (ROBIN, 2016).


3-41

psicológicas em relação ao processamento de informações, trata-se do conjunto de operações


(psíquicas ou lógicas) pelas quais o organismo (o ser!) adquire informações e as processa como
conhecimento e de acordo com o comportamento pessoal; as funções psicológicas ditas
cognitivas incluem, portanto, atenção, memória, produção e compreensão da linguagem,
aprendizado, raciocínio. Tradicionalmente, a emoção não era pensada como processo cognitivo.
Em tempos mais recentes, no entanto, um grande setor de pesquisa está em andamento para
examinar a psicologia cognitiva da emoção.

A pesquisa sobre cognição também inclui o estudo da conscientização sobre as próprias


estratégias e métodos de cognição, denominados metacognição e metamemória. A pesquisa
empírica sobre cognição é geralmente experimental e quantitativa, envolvendo a criação de
modelos para descrever ou explicar certos comportamentos. Há grandes contribuições dos
estudos metacognitivos aplicáveis à revisão.

Embora poucos neguem que os processos cognitivos sejam um conjunto de funções


cerebrais, a teoria cognitiva não se refere necessariamente ao cérebro ou a processos biológicos
(funções neurocognitivas). Os processos da cognição podem descrever o comportamento
puramente como fluxo ou função de informação – o que é muito aplicável à linguística
funcional e muito similar aos processos relativos à inteligência artificial e processamento de
língua natural. Campos de estudo recentes, como a ciência cognitiva e a neuropsicologia, visam
preencher algumas lacunas (cognitivas!), usando paradigmas cognitivos para entender como o
cérebro implementa essas funções de processamento de informações ou como sistemas “puros”
de processamento de informações (por exemplo, computadores) são capazes de simular
cognição. O ramo da psicologia que estuda lesões cerebrais para inferir a função cognitiva
normal é chamado neuropsicologia cognitiva, o ramo da neurologia é a neuroanatomia
cognitiva… e podemos continuar cruzando diversos campos (cognitivos!) das mais variadas
abordagens para acrescentar visões ao que já inferimos ou constatamos. As conexões da
cognição com as demandas da evolução são estudadas pela investigação da cognição animal.
Inversamente, as perspectivas baseadas na evolução podem melhorar as suposições sobre os
sistemas funcionais cognitivos na psicologia evolutiva. Os processos cognitivos inerentes aos
revisores de textos passam por questões como a latente dificuldade de leitura recreativa, em
função do treino profissional, chegando à sublimação dessa barreira em estágios de maturação
profissional ulterior.
3-42

O revisor que privilegia a escola teórica de pensamento derivada da abordagem


cognitiva poderia ser chamado cognitivista, todavia, poucos são os revisores que se enveredam
pelo campo teórico da revisão, parece que somos mesmo mais afetos à prática e ao exercício
que à metarreflexão, metacognição. O sucesso da abordagem cognitiva em revisão de textos
pode ser acompanhado a partir de sua abordagem como modelo básico da psicologia do ensino
de línguas (desde a década de 1950) e da tradutologia (desde os anos 1990) – ainda que, na
última, haja um enfoque psicolinguístico cognitivo nítido na questão da revisão de traduções
(já neste século).

A cognição ou os processos cognitivos podem ser conscientes ou inconscientes e são


analisados diferentemente de várias perspectivas e em múltiplos contextos, como linguística,
anestesia, neurologia e psiquiatria, psicologia, filosofia, antropologia e sistêmica – e,
naturalmente, no campo da revisão. Com o surgimento de campos de estudo como a inteligência
artificial, o conceito de cognição se expandiu, o que, portanto, agora também é estudado por
campos como a linguística computacional.

O conceito de cognição está intimamente relacionado aos conceitos abstratos de mente,


raciocínio, percepção, inteligência, aprendizado e muitos outros que descrevem as habilidades
do revisor e as propriedades da inteligência sintética e de grupos que mostram comportamentos
emergentes, inclusive no que toca à revisão colegiada. A compreensão da cognição em relação
à revisão e o entendimento quanto às demandas e respostas cognitivas dos revisores ainda são
questões incipientes, a maioria das quais foge a nosso escopo, pois pretendemos apenas
apresentar algumas características cognitivas do revisor, e, para tanto, pareceu-nos necessária
essa pequena digressão que aqui damos por concluída.

Agora vamos considerar a memória como caraterística necessária ao revisor por muitos
motivos, alguns até bem óbvios. Em tese, é desejável que os revisores sejam dotados de boa
memória, aqui tomada a expressão “boa memória” em seu sentido mais corriqueiro. Do ponto
de vista mais técnico, aventou-se a exigência de memória de longa duração e de memória de
trabalho agudas como características necessárias ao revisor. Somos levados a crer que esse mito
se instaurou porque, de modo geral, as pessoas identificam nos revisores pesada bagagem de
informações, em função das múltiplas leituras que fazem parte da vida dos profissionais do
texto. A relação que se estabelece é que, já que revisores experientes têm muita informação,
tanto do ponto de vista das normas, regras e grafias quanto da cultura enciclopédica cotidiana,
e essas informações são armazenadas e processadas pelas memórias, logo a memória (ou
3-43

memórias – se compreendermos as subdivisões que mencionaremos) é um atributo, senão um


requisito para o revisor.

Os estudos que investigam a relação entre revisão e memória indicam diferenças no


custo do processamento em relação às memórias. A perspectiva geral é a de que os problemas
da superfície textual, como erros de ortografia e de concordância, estariam mais relacionados
ao componente visual da memória de trabalho, gerando, assim, demandas diferentes na
detecção de problemas de outros níveis e nas operações de interferência.

Essa conclusão parte da pressuposição segundo a qual existam múltiplos sistemas de


memória, há a memória de curta duração, a de longa duração e a memória de trabalho, sendo
que cada uma delas apresenta subcomponentes. Também é parte desse pressuposto a
consideração de que as questões de superfície ou ortossintáticas do texto apresentem menores
demandas cognitivas e mnemônicas. Há fortes indícios nos dois sentidos e já houve bastante
pesquisa abonando a conclusão apresentada no parágrafo anterior.

A memória de longa duração se relaciona à capacidade de armazenamento de


informações por longo período. Ela se compõe da memória explícita ou declarativa, aberta à
evocação intencional, seja com base na recordação de eventos (memória episódica) ou de fatos
(memória semântica – relacionada ao conhecimento geral armazenado pelos indivíduos, não só
relativo ao vocabulário básico, mas também a atributos sensoriais como cor e sabor e sua
descrição), bem como na memória implícita ou não declarativa, que diz respeito à evocação de
informação da memória de longa duração por meio do desempenho em vez da lembrança ou do
conhecimento conscientes.

A memória de longa duração está conexa, no que toca ao revisor, a sua capacidade de
relacionar informações referentes ao texto interna ou externamente, à busca de coerência, por
exemplo; e a memória de curta duração, de trabalho, atenta a problemas de pontuação, para
apresentar dois elementos arquetípicos.

A memória de curta duração é a capacidade de armazenar pequenas informações por


breves intervalos, a memória explícita e declarativa diz respeito ao sistema que não só armazena
informações, mas também a manipula, de modo a permitir que as pessoas executem atividades
complexas, como o raciocínio, o aprendizado e a compreensão. A memória de trabalho
relaciona-se a um sistema teoricamente menos complexo e de menor custo cognitivo,
comprovável por meio de tarefas simples, como relembrar uma sequência de dígitos, ao
3-44

contrário da memória de longa duração, que requer mais elementos subjetivos e cuja avaliação
é bem mais difícil.

No modelo multicomponente da memória de trabalho, ela é composta por: alça


fonológica – responsável pelo armazenamento temporário de informações faladas; esboço
visuoespacial – responsável pelo armazenamento temporário de informações visuais e
espaciais; executivo central – componente atencional que gerencia a memória de trabalho,
utilizando dois controles: um automático, referente a tarefas habituais, e outro dependente de
um executivo atencional limitado; e episodic buffer, interação da memória de trabalho com a
de longa duração.39

Diversos estudos da revisão nos contextos da tradutologia e do letramento, bem como


alguns teóricos da revisão de textos propriamente, enfocam a relação entre a atividade do
revisor e a memória de trabalho, destacando, em especial, o custo do processamento decorrente
dos problemas a serem corrigidos. Segundo as conclusões desses estudos psicolinguísticos, o
revisor usa a técnica de dupla tarefa. A tarefa principal é aquela de interesse operacional do
revisor (aperfeiçoar o escrito) e a secundária, que ocorre intermitentemente, compete com a
principal como contribuição e como ruído. Assim, em tarefas que demandem componentes
diferentes da memória de trabalho, pode-se inferir a influência de um componente no outro,
havendo possibilidade de avaliar essa influência em condições de laboratório, o que tem sido
feito.

Os componentes da memória de trabalho estão diretamente envolvidos nos processos da


revisão que apresentam, como recursos utilizados pelos revisores, as memórias de trabalho e de
longa duração.40 No que se refere à detecção de erros de ortografia, por exemplo, os
profissionais com baixa memória de trabalho detectam menos esses erros e fazem mais
correções inesperadas, além de aplicarem menos soluções de correções que aqueles com alta
memória de trabalho. Na detecção dos problemas de sintaxe e de coerência, a performance dos
dois grupos tende a ser semelhante.41 Essa diferença de performance, especificamente no que
se refere aos erros de ortografia, indica que esse gênero de problema, mais superficial, gera

39 Adaptado de (LEITE, 2014).


40 (HAYES, 1996), (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
41 (PIOLAT, 2004).
3-45

demandas diferentes ao processamento, se comparado a outros tipos de problemas, e, por isso,


para a detecção dele, seriam utilizados componentes diferentes da memória de trabalho.

Assim, foram identificadas duas diferenças acerca da utilização da memória de longo


prazo e da memória de trabalho durante a atividade de revisão: haveria um déficit cognitivo –
aqueles que não corrigem os problemas não teriam conhecimento suficiente para o fazer;
haveria um déficit procedimental – mesmo detendo o conhecimento para corrigirem problemas,
os sujeitos falhariam por não utilizarem esse conhecimento em virtude de falta de estratégia de
detecção. Pode-se considerar que, enquanto a hipótese do déficit de conhecimento se relaciona
ao conteúdo da memória semântica, a hipótese do déficit procedimental demonstra problema
metacognitivo, mais relacionado à memória de trabalho, em especial ao executivo central e ao
episodic buffer. O déficit procedimental é maior que o déficit de conhecimento, o que gera
dificuldades não só na solução de problemas, mas também na detecção.42 Portanto, os
problemas relativos à baixa memória em revisores são menos importantes que a falta de
treinamento para suprir lacunas metacognitivas na forma de estratégias de revisão.

A erudição é característica arquetípica do revisor. Considera-se que, para ser revisor, é


necessária erudição e, igualmente, que o exercício do ofício a edifique. Não é totalmente assim,
mas também a realidade não se afasta muito disso. Erudição é a “posse” de muitos
conhecimentos e informações em um ou mais campos do conhecimento. O termo enfatiza a
ampla gama de saberes obtidos por leituras intensas e pesquisas meticulosas, mas erudição pode
ter conotação depreciativa, quando a grande quantidade de conhecimentos adquiridos não é
acompanhada por pensamento original ou por visão crítica; de algum modo, parece que era esse
senso conotativo perverso que se aproximava mais da concepção antiga de revisor.

Como acúmulo de noções e conhecimentos, sem manifestações originais de pensamento


e crítica própria, o conceito de erudição será claramente distinto de cultura pessoal, que se
refere, de fato, não apenas à bagagem adquirida de conhecimento intelectual, mas também
àquele processo intelectual profundo de retrabalhar e repensar, necessário para converter as
noções de simples erudição em elemento constitutivo da consciência de si e do mundo que são
desejáveis no revisor.

A erudição é a posse de numerosos conhecimentos em um ou vários assuntos, dados


pela leitura e compreensão de obras literárias aplicadas à educação em sentido lato ou à

42 Adaptado de (LEITE, 2014).


3-46

formação acadêmica estrita. O revisor erudito foi orientado a pensar crítica e logicamente; por
outro lado, ele tem vasta e profunda familiaridade em assuntos gerais e, normalmente, alto grau
de conhecimento e informação alcançado em diversos campos, derivado de intensas leituras
sobre os mais diversos assuntos.

O revisor adquire conhecimento de assuntos específicos diretamente pela leitura de


livros e estudos dirigidos a cada campo de conhecimento, assim, ele se torna linguista pelo
estudo da linguística – normalmente em ambiente acadêmico; quanto à erudição, ela pode ser
despertada na universidade, mas ela advém dos anos em contato com os textos no exercício do
ofício e em leituras as mais diversas, inclusive as recreativas, em vez de seguir um curso ou
estudo do assunto; ninguém “estuda para ser erudito”. A erudição é evidente em uma obra
literária quando o escritor erudito tem conhecimento geral em muitos campos diferentes.
Quando um homem se destaca em vários campos, ele é frequentemente chamado de polímata.
Os revisores tendem a se tornar polímatas, aquilo que na língua inglesa é referido como
polihistors.

A motivação é uma das características a serem observadas no revisor, mas ela pode ser
inconsistente com o processo de revisão. A motivação está principalmente relacionada a três
fatores: as motivações casuais, em função, por exemplo, da matéria de que trata o texto; o
ambiente de trabalho; e a remuneração percebida. As características motivacionais do revisor
em função dos dois últimos fatores se acumulam em relação às experiências prévias e à
atividade atual, construindo frustrações ou prevalências que se refletem em seu exercício,
conquanto ele não as consiga sublimar. As motivações relacionadas ao tema da escritura
refletem imediatamente sobre o trabalho em curso: a revisão pode levar mais tempo se o assunto
não for de interesse do revisor – mas o contrário também ocorre: um revisor pode trabalhar um
pouco mais rápido e talvez fazer um pouco menos interferências no documento pelo qual não
tenha simpatia, ou mesmo pode interferir mais, até inconscientemente. Por outro lado, o revisor
pode se sentir mais motivado, ou menos, segundo a remuneração que vai receber, e mesmo por
algum elogio ou crítica recebida por seu trabalho. Além de inconsistente, a motivação pode ser
inconsciente: nem sempre o revisor se dá conta da influência desses fatores para poder controlar
sua interferência no trabalho, controle que seria altamente desejável.

Além disso, como todos, os revisores têm dias bons e ruins, sua motivação pode variar
de acordo com o humor cotidiano. Em dia menos motivado a fazer seu trabalho, o revisor pode
não detectar problemas que ele normalmente aponta ou deixar pendente a solução de dado
3-47

problema. De alguns modos, a motivação está tanto ligada a aspectos de base volitiva quanto
emotiva.

Já o sentimento da linguagem que o revisor tem consiste no julgamento, opinião baseada


em apreciação subjetiva da língua positivada por proposição de intercessão. A sensação entra
em cena quando o revisor faz boas alterações no texto, mas não pode justificar suas
intervenções. Parece-lhe, por exemplo, que alguma não seja a maneira correta de expressar certa
ideia ou que haja uma fórmula mais corrente para expressar determinada mensagem – sem que
haja qualquer base cognitiva subsidiando a observação. Sim, isso existe, embora deva ser
evitado: no limite, qualquer um “sente” quando algo soa mal em um escrito e, intuitivamente,
tenta-se reelaborar a frase. Todos nós fazemos isso. O revisor, ao fazê-lo, está se antecipando e
poupando o trabalho para o leitor: ninguém reelabora uma frase clara que tenha lido. Por outro
lado, em um esclarecimento mais técnico, o sentimento da língua pode ser explicado pelo
arcabouço de memória remota, aquela a que não recorremos conscientemente (a memória de
trabalho), mas que se constitui, no caso do revisor, pelo exercício de muita leitura e por anos de
prática. Há um fundamento psicolinguístico por trás dessa espécie de operação formal. O
sentimento da língua integra as caraterísticas do revisor que têm bases emotivas.

Embora, em teoria e idealmente, o revisor deva ser capaz de justificar todas as


intervenções propostas, inclusive confiando em obras de referência, e não deva fazer mudanças
motivadas apenas por preferências pessoais43, nem sempre é o que acontece na prática. De fato,
enquanto alguns revisores podem realmente justificar a grande maioria das sugestões que
fazem, outros dizem que preferem suas propostas mesmo que as estruturas modificadas não
tenham culpa; há aqueles substituem uma palavra por outra simplesmente por preferência. Essas
mudanças, ou sugestões, são particularmente associáveis ao “estilo” do revisor, relegando a
forma pela qual o autor se expressa pessoalmente. Mesmo que o revisor não imponha suas
preferências, ele também pode fazer, ocasionalmente, mudanças ou sugestões que ele acredite
melhorar a fraseologia ou tornar o texto mais “fluido”, por exemplo. O autor permanece livre
para aceitar ou rejeitar tais mudanças. Na verdade, o argumento de fluência pode ser
justificativa bem plausível quando se trata da reordenação de frases para a ordem direta, por
exemplo, o que encontra plena satisfação em documentos do gênero acadêmico, mas pode não
ter tanta validade em outro texto, criativo, em que a estética é privação do autor. O gosto pessoal

43 (HORGUELIN e BRUNETTE, 1998, p. 40-41).


3-48

do revisor subsiste, mas não deve transparecer no texto revisado, pois são características de
bases emotiva e volitiva.

Na verdade, são mesmo incontáveis as habilitações e aptidões pessoais que constituem


o arsenal de recursos próprios do revisor. Somam-se às características desejáveis as habilidades
e a abertura em relação às mudanças tecnológicas (novos softwares, hardwares e gadgets) e
linguísticas (por exemplo, a nova ortografia e a aceitação de algumas palavras anteriormente
criticadas, construções recentes, estrangeirismos – a dinâmica da língua). Essa adaptabilidade
do revisor tem impacto na forma de ele revisar (suporte em papel ou eletrônico), nos problemas
que detecta e nas soluções que aplica.

Além disso, a memória dos detalhes é uma aptidão que o revisor deve possuir, uma vez
que facilita a detecção de problemas “pequenos”, incluindo aqueles relacionados à digitação e
inconsistência em um documento. Também reduz o tempo de revisão, pois promove o
desenvolvimento de automatismos e, às vezes, também vincula as pesquisas, o revisor sabendo
exatamente a qual fonte recorrer de acordo com os elementos problemáticos detectados.

Quer o texto a ser revisado seja particular, para uma instituição ou para uma editora, e
tenha muitos problemas recorrentes – porque o autor tem domínio insatisfatório da linguagem
ou comunicação deficitária, ou não se preocupou em consultar dicionários e outras referências
– paciência é um bom trunfo. O revisor deve lembrar que melhorar os textos faz parte de seu
trabalho e justifica sua presença; ele não precisa ficar com raiva de cada autor desajeitado ou
canhestro.44

Finalmente, o senso de organização assegura ao revisor um processo efetivo de revisão


que ele vai repetir de acordo com os mandados que recebe, o gênero de documento confiado a
ele e o tempo dado a ele para trabalhar.

Como última das características que apontaremos do revisor, a autoconfiança não é a


menos importante delas. Questão comum hoje em dia é a medida em que um serviço de revisão
dependerá da autoconfiança do revisor monocrático em oposição à revisão colegiada, em que
um segundo revisor, um terceiro e mais outros revisores dividam as tarefas entre si e,

44 Adaptado de (HORGUELIN e BRUNETTE, 1998, p. 82)


3-49

eventualmente, sobrepõem os olhos aos mesmos segmentos para maximizar a qualidade do


produto.

Muitos revisores, trabalhando diretamente para os clientes (autores ou outros


contratantes, afastada a condição de serviço terceirizado para editora ou agência), obviamente,
precisam prestar atenção especial à revisão e a suas múltiplas etapas, uma vez que,
normalmente, nenhum outro revisor vai examinar o texto antes da entrega ao cliente. Nos
últimos anos, no entanto, especialmente com o advento dos sites e grupos de discussão, do e-
mail e da revisão compartilhada a distância, mesmo os revisores “independentes” estão
desenvolvendo contatos uns com os outros, que podem incluir a revisão cruzada dos trabalhos
de uns e de outros – e frequentemente já incluem consultas recíprocas sobre questões pendentes
ou candentes.

Para alguns revisores, entretanto, as coisas estão se movendo na direção oposta.


Algumas demandas de revisão procuraram conter a despesa reduzindo a quantidade de tempo
que os revisores seniores, profissionais mais caros, gastam no controle do trabalho dos revisores
juniores. Maneira de fazer isso é enfatizar a revisão monocrática, com todos os riscos que isso
implica. Nesses casos, os revisores recebem instruções técnicas de revisão e então são
solicitados a serem mais metódicos sobre a verificação e correção de seu próprio trabalho,
muitas vezes os profissionais ficam adstritos a manuais de redação da própria agência ou ela
adota um manual alheio, muitas vezes de outra mídia, com todos os danos que esse
“engessamento” pode causar. O resultado é então submetido a algum grau de controle de
qualidade, ou pode simplesmente sair para o cliente sem exame adicional.

Um dos bem conhecidos perigos de não submeter cada texto à revisão completa por um
revisor sênior é que, subconscientemente (e às vezes conscientemente), os juniores não
assumem a responsabilidade pelo seu próprio trabalho. Eles pensam algo como: “Eu não estou
realmente certo sobre esta passagem, mas não importa, porque o meu supervisor vai olhar para
ela.” Não há nada de errado com as marcações de um revisor júnior em passagens ainda tidas
como incertas, apesar das pesquisas já feitas; o problema surge quando aqueles esforços iniciais
se tornam intervenções resolutivas quando não deveriam passar de apontamentos para
discussão.
3-50

Outro problema surge quando os juniores não sabem qual dos vários revisores vai
acompanhar seu trabalho, mas sabe que cada revisor tem certas preferências. O resultado pode
ser um certo desespero sobre o rumo a tomar.

A substituição de um sistema de revisão monocrática, sem controle de qualidade, por


revisão colegiada ou supervisão adequada pode tornar os revisores mais autossuficientes;
acreditamos que o fato de saber que suas intervenções passarão por outros olhos reduza as
tensões inerentes ao trabalho e isso possa resultar em ganhos de qualidade e de velocidade no
trabalho; o revisor, com a segurança de que seu trabalho tem suporte, produz mais e melhor,
pode ter mais orgulho de seu trabalho e vai produzir melhores revisões, alcançando maior
satisfação profissional. Um efeito interessante é que, tendo ganho mais velocidade e qualidade
em seu trabalho, os revisores tornam-se mais eficientes, mesmo quando atuando sem os
suportes já apontados.

Uma vantagem adicional de dividir a responsabilidade de revisão com um segundo


revisor (ou com um grupo de apoio) é que há menos probabilidade de interferências
desnecessárias. Isso porque há a tendência de, ao se revisar trabalhos já revisados, reverter a
interferência perfeitamente dispensável, mantendo a construção original; temos reforçada nossa
tendência de menor esforço quando estamos cientes de que o trabalho supérfluo será desfeito!
Isso obviamente não é questão com a revisão monocrática, embora problema paralelo possa
surgir entre revisores e os autores que são perfeccionistas.

3.4 CARACTERÍSTICAS FUNCIONAIS

Não é preciso que um autor compreenda o que escreve. Logo os críticos se


encarregarão de explicá-lo. (Abade Prévost) [… assim que seu texto tiver
sido revisado!]

A formação de revisores profissionais é geralmente paga e quase sempre ocorre como


pós-graduação ou segunda graduação; ainda assim, muitos revisores têm formação em Letras
(editoração, linguística, literatura, licenciatura ou tradução) ou Comunicação. A maioria dos
revisores ingressa no mercado apenas com a graduação, os estágios que complementam a
formação básica não lhes fornecem nenhum treinamento para o desempenho, com raras
exceções, dentre as quais as de nossa própria experiência como formadores. A especificidade
de seu campo de estudo tem impacto na forma de eles revisarem: pode levá-los, apesar de si
mesmos, a se concentrarem em certos aspectos da linguagem ou estilo. Ainda assim, sabemos
3-51

de muitos revisores (inclusive alguns reputados) que são autodidatas em linguística ou que
transferiram às letras a sólida formação em outras áreas de formação, para revisarem – quase
sempre estritamente – textos de tópica afeta àquela formação original.

A experiência é sempre fator importante. Permite que os revisores desenvolvam


velocidade na leitura, automatismo na detecção de problemas e que apresentem propostas de
interferência com menor custo cognitivo, de tal sorte possibilitando que sejam mais rápidos e
eficientes. Ela também molda o que é chamado de habilidade revisional – savoir faire, para os
mais antigos, know-how, estrangeirismos aplicáveis em termos genéricos. Apesar de ser
escusado alongar muito sobre as vantagens da tarimba no desempenho em nosso ramo, como
em quase todo ofício, estudos sobre o traquejo de revisores têm demonstrado importantes
diferenças nas interferências feitas, de acordo com a experiência deles no ofício. Tal
conhecimento pode contribuir para o direcionamento dado ao aprendizado (como troca e
construção de tirocínio) e no desempenho, pelo uso que se dá à experiência como habilidade
adquirida.

A comparação entre revisores iniciantes (ou novatos) e experimentados (a que, às vezes,


chamamos de “especialistas” ou profissionais) tem sido frequentemente utilizada em estudos
de processos cognitivos que ocorrem durante a revisão. Entretanto, os métodos experimentais
dessas investigações são tão numerosos e diferentes entre si que não é fácil tirar conclusões
objetivas deles. Todavia, um dos principais resultados para os quais vários estudos convergem
diz respeito à profundidade da revisão (ortossintaxe, diacrítica e lexemas à tona; gênero,
semantemas e retórica abaixo) como elemento que mais fundamentalmente distingue esses dois
grupos de revisores. Assim, os iniciantes diferem dos revisores experimentados quanto a sua
intervenção mudar a superfície do texto mais que sua estrutura profunda. Os estudos por trás
desse achado, no entanto, apresentam várias deficiências, sendo a mais importante,
provavelmente, ignorar as características do documento para os quais as alterações são
propostas, ou fazer generalizações a partir de textos de origem e finalidade segmentada; a
maioria dessas análises comparativas se dá no contexto do letramento, comparando-se
estudantes no ensino regular, e o fazem em relação a seus textos, em relação à reescrita neles e,
pasmem, em relação à “revisão cruzada” de suas redações, isso mesmo, uns “revisando” as
redações dos outros. Não localizamos estudos cujos sujeitos tivessem sido aprendizes de
revisão, por exemplo. Tampouco encontramos qualquer estudo que comparasse o desempenho
de estudantes de revisão àqueles que seriam seus instrutores, o que seria crucial para responder
3-52

à questão que estamos levantando. Não obstante, é importante notar que, embora a compilação
do número e espécie de alterações informe a presença da mediação – elementos encontráveis
nos já mencionados estudos em relação ao letramento – tais dados não fornecem informações
sobre a relação entre essa intervenção e a quantidade ou qualidade das interferências de que o
texto precisaria. Ainda assim, em estudos em que os sujeitos deveriam revisar um documento
heterógrafo, as alterações feitas foram examinadas sem considerar todos os problemas
apresentados pelos originais a serem revisados. A principal dificuldade que tal questão levanta
seria esclarecer a origem das diferenças observadas, a natureza das omissões e a validade das
interferências propostas não ter sido relativizada em relação à complexidade da escritura. São
muitos os problemas metodológicos dos estudos empíricos e ainda bem precárias as análises de
seu conjunto. Em geral, os indícios apontam que a maior profundidade na revisão dos revisores
experientes é alcançada pelos processos de revisão por etapas, trata-se da aplicação de um
método muito mais que a de expansão da base cognitiva. Pode-se, ainda, inferir que os revisores
experientes revisam mais a estrutura profunda dos textos, porque é aí que a maioria dos
problemas são encontrados nos textos propostos a eles.45

O principal grupo de diferenças entre intervenções de revisores experientes e neófitos


diz respeito às variações na conduta operacional. Tais distinções entre os dois grupos aparecem
em quatro eixos: (i) taxa global de interferências, (ii) profundidade das interferências, (iii)
tipologia das operações e (iv) preservação do sentido.

O primeiro eixo de distinção é a taxa global de interferências resolutivas e intervenções


propositivas. (i) Constata-se que os profissionais experientes fazem significativamente mais
interferências do que iniciantes em originais sem grande complexidade, advindos de autores
menos amadurecidos ou com dificuldades importantes para a produção escrita; o número de
proposições é inversamente proporcional à tarimba do revisor, nas mesmas qualidades de
escrituras. Essa diferença nas taxas de intervenção confirma que o grupo de revisores
experientes seja, na verdade, composto por indivíduos mais competentes (estritamente quanto
à revisão) que os do grupo de iniciantes. Os resultados dos experimentos de diversos
pesquisadores não conflitam com o senso comum.

O segundo eixo em que aparecem distinções é o da profundidade de sugestões feitas em


diferentes textos. (ii) A intervenção mais profunda (de forma, conteúdo, argumentação)

45 Adaptado de (VIGNEAU, DIGUER, et al., 1997).


3-53

distingue, principalmente, os revisores experientes, que fazem mais correções de


macroestrutura que os iniciantes. Todavia, eles também fazem mais correções superficiais (i) e
preservam melhor o sentido do original (iv). De fato, a diferença essencial não é tal que os
revisores experientes revisem mais profundamente que os iniciantes, mas que os revisores
experientes utilizam estratégia mais adequada aos problemas do documento (iii); em outras
palavras, trata-se da melhor adequação qualitativa obtida pelo procedimento mais sistemático
assimilado em operações subconscientes.

O eixo de operações também é interessante (iii); de fato, os sujeitos dos dois grupos
utilizam em proporções diferentes cada operação para interferir em problemas de mesmo jaez.
Os revisores experientes se distinguem quanto ao modelo de operações, diferente do padrão dos
iniciantes, em cada aspecto: operações superficiais, privilegiando problemas ortográficos;
substituição, interferências em problemas léxicos com preservação de significado; adição de
palavras, para saneamento de problemas de microestrutura. As operações superficiais são as
que os iniciantes mais usam, mas essa assimetria no uso das várias operações não é homogênea
em textos de diferentes qualidades. Revisores experientes também usam interferências de
superfície com frequência em textos não tão bons. Mais uma vez, o conceito de adequação
(desta vez, o das operações) corresponde melhor às intervenções propostas pelos revisores
experientes: a operação superficial é, sem dúvida, a mais eficaz – produz o efeito desejado ao
mobilizar o mínimo de recursos – para corrigir problemas superficiais enquanto altera pouca
ou nenhuma macroestrutura. É o mesmo para operações de substituição e adição em relação à
preservação do sentido e microestrutura, respectivamente.

Quanto a dificuldades superficiais e preservação do sentido (iv), o último eixo


examinado nesse contexto comparativo de revisores experientes e de estreantes, o fato de que
a taxa de intervenção dos iniciantes é crescente com a experiência (i), para distinguir bem as
diferenças relacionadas ao grau de expertise dos revisores daqueles que dependem do estado do
original, deve-se considerar a profundidade textual (ii) (superfície, preservação do sentido,
microestrutura, macroestrutura), bem como a operação (iii) (adição, inversão, supressão…) das
correções feitas pelos revisores e colocar essas duas pistas em relação à profundidade dos
problemas contidos nos documentos autorais. Trata-se da conjugação dos eixos anteriores.

De nossa experiência e como resultado de leituras, pudemos concluir que a maior


sensibilidade dos revisores experientes aos problemas refere-se ao papel do conhecimento da
técnica da revisão em específico, mais que à expansão da base cognitiva, em linguística, por
3-54

exemplo. O conhecimento fundamental desses saberes também está bem expresso no modelo
de revisão tradicional, associado aos diversos processos cognitivos, na forma de metas,
critérios, representação de problemas, estratégias de resolução.46 As dificuldades podem surgir
da falta de tal conhecimento ou do custo da organização hierárquica e da utilização no
pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios para recuperar ou aplicar esse saber. Na
distinção entre revisores experientes e iniciantes, é fundamental considerar a experiência
adquirida sobre o conhecimento específico da tarefa (aqui: gramática, retórica, discurso).

A eficácia da correção de problemas de cada grupo é determinada, em grande parte, pela


concepção de revisão e pelo conhecimento do profissional, muitas vezes, decorrente do
treinamento recebido. O fato de os revisores experientes terem recebido ensinamento mais
focado nas regras ortográficas e gramaticais que os iniciantes teria como consequência, assim,
grande parte da distinção observada na literatura que compara as revisões dos dois estágios
profissionais. Geralmente, os revisores experientes diferem dos iniciantes na forma de corrigir
mais problemas, suas correções são mais eficazes, na profundidade e espécie de operações de
adequação, e sua interferência é pouco influenciada pela dificuldade dos problemas ou pela
complexidade do documento. Por outro lado, quando os neófitos não corrigem um problema,
geralmente é por omissão e não uma intervenção ineficaz na questão. De fato, é possível que
os iniciantes gastem parte importante do tempo concedido para tentar melhorar partes do
documento que, de fato, não representem problemas.

O que distingue os revisores experimentados dos iniciantes não é, notadamente, que os


primeiros revisem mais profundamente – embora isso possa acontecer, pois os resultados de
vários estudos indicam que, embora os revisores experientes façam intervenções mais
apropriadas que os iniciantes, de acordo com essa variável de profundidade de revisão, os
resultados também sugerem que a noção de profundidade da intervenção merece ser examinada
quando e há interesse no processo de revisão. Novamente, estamos na senda de que os critérios
metodológicos e a exiguidade dos estudos não permitiram distanciamento do senso comum,
tampouco se endossaram suficientemente as noções intuitivas e hipóteses.

Ainda por essa rota, uma aproximação pode ser feita entre, por um lado, a possibilidade
de se distinguirem revisores experientes e iniciantes usando o critério da profundidade da
revisão e, por outro, a consideração, por parte do especialistas, da revisão como conjunto

46 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).


3-55

distinto e notável de processos, cada um dos quais, a seu tempo, ligado a uma intervenção
pontual específica de cada vez. Essa observação parece corresponder bastante à noção de
profundidade da revisão em relação à preservação do sentido. Assim, seríamos levados a
considerar não mais a revisão, mas as revisões, distinguidas de acordo com sua profundidade e
definidas por camadas correspondentes às fases (primária, secundária… final) que propomos.47

A concepção teórica de que o revisor é dotado, ou a representação formal da atividade


de revisar, deve ser, para o revisor profissional, a base e sua principal senda quando ele revisa
cada texto. Se seu ponto de vista for normativo, o revisor foca aspectos formais do documento
quase exclusivamente; se ele tiver visão comunicacional dominante, ficará preocupado, além
da forma, com o destinatário, a estrutura do texto e a clareza do conteúdo.48 Entendemos que as
visões antepostas sejam complementares e não se excluam, também é bastante claro que as duas
posições são meramente arquetípicas e nenhum revisor se prenderá a uma ou a outra excluindo
a alternativa.

Seja qual for o conceito de revisão adotado, ele desempenha papel na abordagem do
revisor em seu trabalho. De fato, mesmo que os mandados acordados não digam que revisão
deva ser feita e representem o ponto de partida para a tarefa dos revisores, a concepção que o
profissional tem da revisão o leva, às vezes, a fazer mais.49 Assim, pode-se dizer que a atividade
dos revisores também reflete, em certa medida, seu entendimento da revisão, trata-se de
influência reflexiva entre as práticas e a percepção teórica da atividade.

3.5 CARACTERÍSTICAS DISCURSIVAS

A mera preocupação gramatical só produz escritores estanguidos, enfezados,


pesadões e desluzidos. (Aloysio de Castro) [… quiçá, revisores.]

Neste tópico, o objetivo é esboçar as características do revisor do ponto de vista de suas


funções em relação ao discurso do texto em que ele atua. Estamos emulando livremente
conceitos inerentes à gramática discursivo-funcional (GDF) e aplicando-os a nosso propósito
com alguma novidade e bastante adaptação. Pode-se até dizer que concorreremos ou
distorceremos os sentidos próprios dos conceitos, ao que alegaremos: sim, tal como é próprio
do campo das metáforas como processo de constituição ou atribuição de sentidos. Sabido é que,

47 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).


48 (HAYES, FLOWER, et al., 1987, p. 186-192).
49 (BISAILLON, 2007, p. 77-78).
3-56

transitando pelas sendas das metonímias, construímos ideias e as apresentamos por analogia;
nessa proposta, estamos apontando as “funções superiores” – por oposição à tarefa da correção
do documento – e indicando as características desejáveis ou indesejáveis no revisor e aquelas
que pretenderemos infundir em nossos aprendizes.

A primeira questão que nos interessa é a unidade de análise de nível superior na


gramática funcional do discurso, o movimento do discurso, não a sentença ou o parágrafo. Essa
abordagem diferencia a gramática do discurso funcional de muitas outras teorias linguísticas,
incluindo sua predecessora gramática funcional. Não é cabível, em nosso entendimento,
considerarmos mais o perfil do revisor como aquele repositório de regras aprendidas com a
senhora Gramática Normativa e seu fiscal nos textos alheios. O papel de intercessor no escrito
e a mediação que o revisor exerce entre o emissor e o destinatário, ainda que agindo
primordialmente sobre a mídia, requerem mais e novos conceitos em sua caracterização.

A GDF estabelece o domínio semântico como a tipologia que remete à


perspectiva pela qual a avaliação modal é feita. Desse ponto de vista, por sua vez, em
relação ao domínio semântico, entendemos que as caraterísticas discursivas do
revisor e, consequentemente, do discurso subjacente a sua mediação podem ser de
seis bases: cognitiva, quanto ao conhecimento; volitiva, relacionada à expressão dos
desejos; emotiva, emocional mesmo; facultativa, afeta às habilidades intrínsecas do
revisor; epistêmica, conexa ao conhecimento sobre o mundo real; evidencial, que tem
relação com a fonte da informação.50

50 Adaptado de (OLIVEIRA e PRATA, 2018).


3-57

Figura 1 – Bases do domínio semântico do revisor

bases do
domínio
semântico da
GDF

O arcabouço cognitivo do revisor, domínio semântico também mencionado como sua


cultura geral, ou erudição integra o discurso de sua atuação e pode influenciar sua abordagem.
Na verdade, não é o que ele sabe e o que ele não sabe que lhe proporciona maior ou menor
dificuldade em entender o texto e que também o leva a detectar problemas que outro revisor
não vislumbraria. Um revisor competente deve, necessariamente, “conhecer o código da
linguagem”, mas também “regras sutis de pontuação, abreviaturas, letras maiúsculas, notação
de números, corte de palavras (…)”51. Além de sua formação linguística e editorial, o revisor
deve ter excelente cultura geral (por mais indeterminável que seja essa bagagem). Esse conjunto
é complementado pela organização e execução do trabalho de revisão, pelo conteúdo da
publicação e seu layout, pelos gêneros textuais (relatório, carta, artigo, panfleto, tese,
dissertação, romance) e pelo perfil dos destinatários-alvo.

Devido à diversidade de áreas cobertas pelo trabalho de revisão, o revisor é tido quase
como que um banco de documentação universal, com conhecimentos gerais sobre o mundo e
as coisas, muitas vezes variando de acordo com os interesses do interlocutor (conhecimentos
de geografia, aviação, arte, química, biologia, zoologia). Não obstante, o revisor desenvolve
também a capacidade de esquecer o conteúdo dos documentos já revisados, exceto pela noção
superficial e genérica apreendida – o que contribui para a sanidade mental de cada profissional.

51 (HORGUELIN e BRUNETTE, 1998, p. 79).


3-58

No caso dos revisores de textos acadêmicos, quando o assunto do objeto de trabalho lhe é
familiar, o profissional é mais propenso a sugerir ou adicionar informações e esclarecimentos.
Pelo contrário, quando ele não domina o tema do escrito, ele pode deixar passar alguns
pequenos problemas ou enviar um comentário aos autores questionando clareza ou exatidão de
dados.

A base de atuação volitiva do discurso do revisor refere-se ao que é indesejável como


característica do profissional, por estar relacionada à manifestação da vontade, codificada,
expressa ou contida de diferentes formas, levando a intervenções que são fruto da demanda
pessoal, sem justificativas de base cognitiva ou epistêmica suficientes. Resumidamente,
podemos dizer que, em consequência da base volitiva, a interferência de valor modal de volição,
a intercessão pode ser feita pelo revisor por meio de proposições baseadas em: verbos de
significação plena; construções volitivas; perífrases verbais; verbos plenos com base no
conteúdo semântico inferido pelo contexto; adjetivos em função predicativa (é necessário, é
desejável, é preferível, é importante); substantivos volitivos (desejo, intenção, vontade); e
orações finais (para…+ para; que + subjuntivo).52

A base emotiva do domínio semântico do revisor deve ser capaz de fazê-lo contornar
processos mentais que podem ser considerados estratégia argumentativa eficaz, mas constituem
falácia ligada ao “apelo a emoções” ou argumentum ad populum, argumentação baseada na
capacidade persuasiva do protagonista da narração ou do autor, como sujeito dos processos
mentais, de despertar emoções no público-alvo. Esse tipo de argumento é entendido como
tentativa de convencimento com base emotiva, só cabendo em textos estéticos ou em francas
apologias, com plena consciência do controle que se deve ter sobre tais ferramentas.53

Quando se identifica uma base semântica emotiva para os juízos, as abordagens


analíticas e hermenêuticas não podem excluir o nível axiológico ou normativo de compreensão.
Tal abordagem ainda prescindiria de justificativa para a sobreposição valorativa da
normatividade com relação a estados de coisas encontrados ou até mesmo socialmente
construídos da realidade. A persistência da crítica consiste em reconhecer que, mesmo que
admitamos a superveniência de emoções em relação a fatos, eventos ou propriedades naturais,

52 (OLIVEIRA e PRATA, 2018).


53 (HEBERLE, 2018).
3-59

físicas ou biológicas, ainda assim, não é possível reduzir propriedades do domínio semântico
sob tais subsunções.54

Os elementos de base facultativa inerentes à mediação revisional são subjacentes à


capacidade intrínseca ou adquirida na formulação de juízos de alternância e de optatividade,
mas têm em si elementos de natureza deôntica, pois as opões são restritas pelo que lhes é
permissível – legalmente, socialmente, moralmente – estabelecendo o perímetro no qual se
circunscrevem as intervenções e as interferências.

Já o discurso de base epistêmica inerente à mediação do revisor refere-se àquilo que se


conhece sobre o mundo atual, contudo, a referência no caso é o conhecimento científico, com
toda sua especificidade e em detrimento de outros conhecimentos, por exemplo, o tradicional
ou o inspirado. Aqui, não se trata dos recursos cognitivos, mas do conhecimento constatável e
socialmente aceito, a ser integrado à práxis. Apesar de as características epistêmicas terem
considerável peso no domínio semântico, dentre as características discursivas do revisor, elas
não excluem outras bases de evidências referentes à origem da informação contida sobre o
mundo real; as observações pessoais e as inferências também têm ponderação.

A GDF é uma teoria estrutural-funcional da linguagem, de organização descendente


(top-down), que visa alcançar adequação psicológica e que toma o ato discursivo como unidade
básica de análise, no intuito de alcançar a adequação pragmática. Ao colocar em foco o
componente gramatical da teoria da interação verbal, pretende explicar tanto fenômenos
linguísticos que só podem ser entendidos em universos mais amplos, como também se propõe
a descrever expressões linguísticas com sentido completo e que são menores que a frase. Na
teoria da GDF, a categorização da modalidade é feita a partir de dois parâmetros: (i) o alvo de
avaliação, que corresponde ao enunciado modalizado, podendo a modalidade estar orientada-
para-o-participante (refere-se à relação entre o participante expresso no predicado, ou às
propriedades desse participante); e (ii) a realização potencial do evento descrito no predicado,
orientada-para-o-evento (trata-se da descrição de evento contida no enunciado, mas sem que o
falante faça avaliação subjetiva dele), ou orientada-para-a-proposição (relaciona-se à parte do
enunciado que descreve as crenças e as visões do falante, especificando o grau de
comprometimento dele em associação à proposição que ele apresenta).

54 (OLIVEIRA, 2015).
3-60

3.6 CARACTERÍSTICAS CONTEXTUAIS

Por contexto, entendemos as circunstâncias em que a atividade de revisão é praticada.


O contexto baseia-se em uma série de componentes, os elementos que caracterizam a revisão e
influenciam a abordagem do revisor. Os parâmetros contextuais de ordem subjetiva se referem
ao emissor, a pessoa que produz e escreve (autor ou autores), na modalidade escrita ou oral, ao
receptor, a pessoa ou o conjunto de pessoas que receberão o escrito. 55 Os diversos elementos
contextuais que a revisão da literatura sobre o trabalho dos revisores profissionais identificou
são o contrato (mandado, ordem de serviço) de revisão, o documento a ser revisado, o ambiente
(social, cultural, físico) do trabalho do revisor e mesmo do autor, por razões a que voltaremos.
Muitos dos elementos que compõem o contexto estão quase sempre presentes, por exemplo, a
remuneração média correspondente ao serviço de revisão, o sujeito (mandante, contratante,
cliente) e os destinatários (público-alvo, leitores) do documento a ser revisado; o autor assim
como colegas de trabalho no ambiente social serão sempre intervenientes. No entanto, esses
personagens não se definem necessariamente da mesma forma. O conjunto também engloba
fatores processuais e procedimentais impostos ou decorrentes; por exemplo, como suporte à
revisão, nem todos os revisores são obrigados a enviar uma versão eletrônica de seu trabalho;
alguns clientes preferem (cada vez mais raramente) receber o serviço em papel. Da mesma
forma, os profissionais revisam documentos de diferentes gêneros e direcionados a destinatários
os mais diversos, eles atuam em múltiplos ambientes (empresa, ONG, editora) e trabalham
sozinhos ou colaboram com um grupo de revisores ou editores. Além disso, nem todos têm a
mesma experiência de trabalho ou tiveram treinamento equivalente, portanto a formação e o
background do revisor, igualmente, comporão o contexto. Isso tudo explica o motivo pelo qual
o contexto pode ser muito diferente de um revisor para outro, mas também para o mesmo
revisor, de um serviço para outro.56

O contexto sociossubjetivo pode ser decomposto em quatro componentes: o quadro


social (instituição ou quadro da interação em que se realiza a ação), o papel social assumido
pelo emissor (enunciador) e o papel social atribuído ao receptor (destinatário). Isso significa
que o emissor e o receptor físicos assumem ou lhes são atribuídos diferentes papéis sociais,

55 (ROSA, 2020, p. 73).


56 Adaptado de (LAFLAMME, 2009).
3-61

consoante o quadro social da interação. Outro componente de ordem sociossubjetiva é a


finalidade e diz respeito ao efeito que o texto é susceptível de produzir no destinatário.

O texto é a razão de ser da revisão porque, sem ele, o profissional não tem tarefa para
realizar. Contextualmente, o texto é o objeto da revisão. O escrito é o objeto de trabalho e ele
mesmo influencia o desempenho do revisor, ele é visto como um componente em seu próprio
direito e não como parte do ambiente de tarefas. O texto é o paciente que recebe a ação, mas
não é paciente passivo, uma vez que ele também age sobre o revisor. Nesse sentido, concluímos
que a revisão seja um processo reflexivo entre escritura e revisor.

Embora os principais elementos característicos do documento sejam apresentados no


mandado (sujeito, finalidade, gênero, destinatário, gênero de publicação, além de tamanho e
valores), cada frase, cada parágrafo que compõe o texto pode levar o revisor a fazer uma
alteração por um motivo ou outro. As qualidades de linguagem e comunicação do documento
inicial determinam a extensão do trabalho de revisão naquele momento. Um escrito em “bom”
português, com o mínimo de problemas de linguagem, alcançando seu propósito e adaptado aos
destinatários, requisita menos intervenções do revisor que outro texto cuja linguagem e
formulações sejam claudicantes ou não estejam adequados aos destinatários. Normalmente, o
revisor faz poucas alterações no escrito cuja qualidade linguística já atenda aos requisitos da
língua e cuja qualidade de comunicação esteja consoante os princípios de legibilidade e
inteligibilidade. Espera-se sempre haver mais mudanças a serem feitas para melhorar o
documento que não atenda aos critérios das qualidades comunicacionais esperadas.
Paradoxalmente, entretanto, o texto mais bem elaborado, a “melhor” escritura também demanda
um revisor mais experiente ou mais atenção, pois as falhas serão sutis e as intervenções
sugeridas deverão estar à altura do material recebido – implicando em efetivas propostas de
aperfeiçoamento.

Do ponto de vista do contexto ambiental, quer o revisor trabalhe para o governo, em


editora, em ONG ou em empresa privada, ou se ele é autônomo e tem seu escritório em casa,
cada profissional exerce seu ofício em determinado ambiente, como qualquer trabalhador. Esse
ambiente laboral consiste em indivíduos com os quais o revisor provavelmente interagirá, bem
como vários elementos materiais e espaciais; haverá ruídos e interferências que, na medida do
possível, o revisor deverá controlar, para minimizar a influência negativa que possam ter sobre
o produto ou sobre o processo.
3-62

O ambiente social é o contexto que pode compreender o autor do texto a ser revisado,
outros colegas editores, editor-chefe ou gerente de projeto, ilustrador, designer, ou o superior
hierárquico – esse ambiente inclui até o pessoal da limpeza. Sua influência na tarefa de revisão
é variada: positiva ou negativa – até mesmo neutra. Alguns revisores consultam colegas para
obter suas opiniões sobre pontos específicos em um documento e como lidar com eles. Outros
profissionais fazem perguntas ao autor, diretamente ou por escrito na versão de trabalho, a fim
de esclarecer certas declarações ou ideias encontradas; ainda outros, às vezes, fazem mudanças
para facilitar o trabalho do designer gráfico na sequência do serviço. Essas são apenas algumas
das interações socioambientais.

O editor, o gerente de projeto, o editor-chefe, o autor e o superior hierárquico podem ser


os contratantes ou colegas de trabalho. Clientes ou não, essas pessoas vêm em auxílio do revisor
às vezes para orientá-lo sobre a escolha de uma solução, por exemplo, hesitando entre dois
meios para resolver um problema recorrente em um texto. O revisor também pode entrar em
contato com eles (exceto o autor) para relatar certo grande problema detectado em uma das
fases do projeto de publicação, ou para especular sobre a decisão a ser tomada em solução de
situação que não seja da responsabilidade do revisor.

O revisor lotado em agência de serviços textuais, de regra, não faz contato com os
destinatários do documento que está editando, ao contrário do editor que pode ter, por exemplo,
contato com um professor que escreva um livro didático para estudantes. O revisor precisa saber
quem são os destinatários para adaptar adequadamente o texto, mas, a menos que haja exceções,
revisores de agências não precisam interagir com os autores e raramente teriam como fazê-lo.

Os revisores que trabalham em casa têm que saber lidar com as pessoas e situações do
ambiente doméstico e com as circunstâncias do cotidiano que podem vir a constituir desvios de
sua atenção, com reflexos na qualidade do trabalho. Cônjuge, filhos, animais de estimação,
entregas, vizinhos e até mesmo a TV podem ser fontes de ruído a ser sublimado, se não puder
ser controlado. Inclusive, por último, até mesmo a solidão pode vir a ser componente do
ambiente social, pela supressão das interações.

O ambiente físico do revisor profissional corresponde ao local do trabalho. Assim, o


ambiente é geralmente composto por um home office ou um escritório (em ambiente isolado ou
coletivo) em qualquer empresa, ou ambos. O escritório é organizado de certa forma: ele tem
mesa e cadeira, estantes, talvez um telefone, um ou mais computadores, impressora; nas
3-63

proximidades pode haver uma janela propiciando iluminação natural, ou pode ser necessária a
luz artificial. Os instrumentos de revisão (papéis, lápis, computador, obras de referência)
também são elementos do ambiente físico do revisor. Alguns acrescentam objetos decorativos
e de conforto, como quadros, cafeteira, bebedouro, geladeira. Esses recursos materiais
suplementares podem ser de grande ajuda para o revisor quando ele trabalha – e não podem
constituir motivo para desvio de atenção. Aliás, há quem consiga ou prefira revisar na cama,
com um laptop ao colo, com a TV ligada e o cachorro latindo… Mais? Quem revisa em casa
também pode estar sobre efeito de álcool ou outras substâncias – com evidentes reflexos sobre
a produção que deverão ser mitigados.

3.7 CARACTERÍSTICAS CULTURAIS

Para considerarmos as características do revisor em seu contexto cultural, observamos


que a revisão é atividade que, inevitavelmente, envolve pelo menos dois sujeitos e um objeto:
o autor, o revisor e a escritura. Na maioria dos casos, há o terceiro sujeito plúrimo, o público-
alvo. Essa afirmação implica que os revisores enfrentam permanentemente a situação de
considerar os aspectos culturais implícitos no documento (original) e de encontrar a técnica
mais adequada de preservar com sucesso aqueles aspectos no texto revisado. Esses fatores
podem constituir problemas que variam de escopo, dependendo da lacuna cultural ou linguística
entre os elementos (sujeitos e objetos) envolvidos.

As implicações culturais para a revisão e, portanto, para o revisor podem tomar várias
formas que vão desde conteúdo léxico e sintaxe, até ideologias e modos de vida em determinada
cultura, tanto em relação a si mesma quanto em eventuais intercursos com outros grupos
culturais. O revisor também deverá decidir sobre a importância dada a diversos aspectos
socioculturais, inclusive quanto à adequação do idioleto ao registro e ao gênero, e considerar
sobre até que ponto é necessário ou desejável adaptá-los no texto revisado. Os objetivos do
original também terão implicações para a revisão, bem como o leitor pretendido tanto para o
original quanto para o documento revisado.

Considerar as implicações culturais para o documento implica reconhecer todos esses


fatores inerentes e considerar várias possibilidades antes de decidir sobre a solução ou a
proposição que pareça mais adequada em cada caso específico. As considerações culturais e as
comunicacionais deverão ser equacionadas em conjunto: os dois elementos constituem a
3-64

antecedência e a decorrência da produção escrita. Antes de aplicar cada intervenção ao texto


escolhido, cabe avaliar a importância da cultura no objeto; em seguida, caberá avaliar a
interveniência dela no processo comunicativo. O revisor considerará os diferentes
procedimentos gerais de tratamento das implicações culturais para a revisão, bem como fará a
análise do original e dos objetivos do autor em consideração do público-alvo. O processo de
revisão também implicará ponderar, subjetiva e materialmente, exemplos específicos
encontrados no original e sua universalidade antes de discutir o sucesso dos métodos teóricos
supracitados aplicáveis ao documento revisado.57

A definição de “cultura” varia de descrições das “artes” ao cultivo de plantas e bactérias


e inclui ampla gama de aspectos intermediários. Mais preocupados especificamente com a
linguagem e a revisão, para o revisor, a cultura pode ser entendida como o modo de vida e
manifestações peculiares à pessoa, em relação à comunidade de origem ou situação,
considerando que aquele grupo usa a linguagem particular como meio de expressão, assim,
reconhecendo que cada grupo ou subgrupo linguístico tem suas próprias características
culturalmente específicas e decorrente expressão linguística. Operacionalmente, não se
considera a linguagem como componente ou característica da cultura, a linguagem é parte da
cultura.

A noção de cultura é essencial para considerar as implicações para a revisão e os


paralelos culturais, assim como os cortes, as tangências e as intercessões, fornecem bases para
o entendimento comum, dispensando mudanças formais significativas na revisão e as
requerendo na medida do distanciamento cultural entre os elementos envolvidos. As
implicações culturais para a revisão são, portanto, de importância significativa, bem como as
preocupações léxicas ou cognitivas em geral, correspondentes a cada segmento cultural.

Posto que nenhuma língua pode existir, a menos que esteja mergulhada no contexto da
cultura, e nenhuma cultura pode existir que não tenha em seu centro a estrutura da linguagem
natural, a importância dessa dupla consideração, ao revisar, baseia-se no fato de que a
linguagem é o coração dentro do corpo da cultura; portanto, o revisor deve se direcionar para a
preservação de ambos os aspectos interdependentes: língua e cultura – considerando-os como
mutuamente intervenientes. Noções linguísticas de textualidade e comunicabilidade são vistas
como apenas parte do processo de revisão, todavia, um conjunto inteiro de critérios

57 Adaptado de (JAMES, 2002).


3-65

extralinguísticos também deve ser considerado. O revisor deve abordar o original de tal forma
que a versão “texto revisado” corresponderá à intenção comunicacional do autor. Ainda assim,
tentar preservar totalmente o sistema de valores da cultura do original em relação à cultura do
documento revisado é terreno perigoso, pois o objetivo do autor, ao contratar o revisor, pode
ser exatamente transpor barreiras culturais expressas até pelo registro segundo o gênero
pretendido. Assim, ao revisar, é importante considerar não apenas a cultura expressa no
original, mas também o impacto da mensagem pretendida pelo autor do documento original,
quando ele já estiver revisado, sobre o leitor; portanto, não se trata de neutralizar a transferência
cultural (como se isso fosse possível ou desejável), mas cumpre ao revisor fazer que ela seja
como pretendida pelo autor.58

A linguagem e a cultura podem, portanto, ser vistas como intimamente relacionadas e


ambos os aspectos devem ser considerados pelo revisor. Ao se revisar um texto, considerando-
se noções culturais, há três métodos em tela: transferência direta, análise componente e
adequação cultural. A transferência afere a “cor local”, preservando conceitos culturais do
original. Apesar de dar ênfase à cultura, significativa aos leitores iniciados, esse método pode
causar problemas para o leitor em geral e, eventualmente, limitar a compreensão de diversos
aspectos. Na proposição da análise componente, o procedimento de revisão mais “preciso”, o
revisor exclui a cultura e destaca a mensagem, entretanto isso é uma balela: com o conceito de
cultura com que o revisor trabalha, segundo nosso entendimento, isso não se aplica; a
importância do processo de revisão na comunicação inviabiliza esse procedimento; as
definições de equivalência formal e dinâmica, tão preciosas no contexto da tradutologia,
também podem ser aplicadas quando se consideram implicações culturais para a revisão; trata-
se da adequação cultural da mensagem, preservada a intenção formal do autor, processo em que
a forma e o conteúdo são mantidos o mais fiel possível à intenção comunicativa (e cultural) do
autor e o leitor será capaz de entender o máximo que puder do que o autor pretendia transmitir.
Contrastando essa ideia, a equivalência dinâmica tentaria relacionar o receptor a modos de
comportamento relevantes no contexto de sua própria cultura, sem insistir que ele entenda os
padrões culturais do original, afinal, não cabe ao revisor renunciar, em nome do leitor, ao
esforço interpretativo e alcançar o autor em sua base cultural ou na plataforma cognitiva que
ele tenha pretendido estabelecer. Assim, o revisor se mantém no papel de mediar, de facilitar –

58 (NEWMARK, 1988).
3-66

claro – entretanto, assim como não lhe cabe usurpar a posição do autor, não lhe caberá jamais
ignorar que a tarefa última de interpretação, em todos os seus vieses, é papel do leitor.

Uma pergunta que precisa ser feita quando o revisor considera um texto para revisão é
para quem o texto original foi destinado e se aquele leitor corresponde ao potencial leitor do
documento revisado. Desse modo, dois leitores ideais podem ser distinguidos: o leitor
idealizado pelo autor no original e o leitor ideal alcançável pelo documento revisado. Essa
dicotomia pode ser vista como particularmente relevante devido à natureza literária do escrito,
mesmo não se tratando de obra ficcional ou de assunto especificamente ligado à cultura. Até o
texto mais técnico de todos e aquele que se pretende mais objetivamente “científico” têm em si
irrenunciável parcela de escolhas estéticas e componentes culturais e expressões
personalíssimas. A natureza literária é inerente ao texto, faz parte de sua essência em qualquer
gênero e ultrapassa, nisso, até a vontade do autor. Quem não estiver escrevendo poesia, fará
prosa, saiba disso, ou ignore o fato. O leitor, a sua vez, ao ler qualquer escrito, verá nele o
conteúdo embalado na literatura circundante e considerará a dificuldade que ela representou
para a leitura e, especialmente, os “erros” de todo tipo que encontrar nela.

O revisor deverá identificar o leitor ideal a quem o autor atribui conhecimento de fatos,
memórias, experiências… além de opiniões, preferências e preconceitos, bem como certa
competência linguística. O revisor também identificará as lacunas cognitivas presumíveis (por
mais que tal presunção seja um risco!) no leitor e decidirá sobre quais poderão ser preenchidas.
Ao considerar tais aspectos, o revisor não deve esquecer que, à medida que o autor terá sido
influenciado por tais noções, dependendo de seu próprio senso de pertencimento a determinado
grupo sociocultural, cabe verificar quanto o escritor teve consciências desses fatos, memórias,
opiniões que constituam marcos simbólicos com lastros culturais, e que sequência pretendeu
dar deles em sua obra.

➢ Fatos específicos. O autor supõe que seu leitor ideal tenha conhecimento de
eventos históricos e ligações geopolíticas, bem como certa familiaridade cultural
com os costumes locais com os quais, eventualmente, o leitor não esteja
familiarizado.

➢ Memória de experiências. As experiências podem ser consideradas contato com


situações culturais descritas no texto, como visitas a ambientes ou degustação
3-67

de alimentos descritos e outros elementos culturais que evoquem percepções


sensoriais, odores, sabores, clima.

➢ Opiniões, preferências e preconceitos. Nessa categoria, podem ser colocadas as


associações relativas a preconceitos (sim, eles existem – por mais que não
gostemos deles – e autores e leitores os possuem!) ou juízos formados de
qualquer tipo. O autor pode estar tentando se comunicar com aqueles que
pensam como ele e já estão predispostos a opiniões similares, ou, em sentido
completamente contrário, pode se dirigir ao grupo de antagonistas.

➢ Equivalente competência linguística. O texto escolhido corresponde à descrição


do texto médio para revisão dada pela dificuldade média (por qualquer dos
critérios possíveis para determinar isso), se destina a “um leitor educado, de
classe média, em estilo informal”. Pode-se considerar que a categoria social
“classe média” encontra correspondente em qualquer segmento a que a
mensagem se destine. Do aspecto semântico ao cultural, há vários problemas
potenciais em relação ao leitor que não corresponda aos critérios do leitor ideal.

O leitor idealizado pelo autor, por mais equivocada que seja sua concepção idealizadora,
não pode ser substituído por outro personagem criado pelo revisor. Nesse ponto, se o autor
estiver em equívoco, cabe ao revisor fazer vista grossa. No máximo, e em casos muito especiais,
poderá apresentar algum comentário muito político e sutil contendo a observação que fez. Em
geral, cabe indicar ou considerar não o leitor ideal, mas o leitor alcançável e limitar-se a ele.

Uma vez determinado o leitor ideal no original, podem ser feitas considerações relativas
ao leitor alcançável no documento revisado – com os cuidados já mencionados. A primeira e
maior dificuldade do revisor ao interceder, nesse contexto, será a construção do novo leitor
ideal (ou a renúncia a ele) que, mesmo tendo o correspondente padrão cultural, equivalente
formação acadêmica, profissional e intelectual que o leitor originalmente pretendido, terá
expectativas e conhecimentos culturais significativamente diferentes.

Aplicando os critérios eleitos para determinar o leitor ideal original e o leitor possível
real, pode-se notar que poucas condições serão atendidas plenamente – se o revisor dominar
completamente essa pretensão, ele conquistará completamente o universo literário. De fato, é
improvável que todos os fatos históricos e culturais sejam conhecidos em detalhes, juntamente
das situações culturais específicas descritas, por todos os leitores pretendidos. Além disso,
3-68

apesar de considerar que a competência linguística é aproximadamente correspondente para o


leitor pretendido e o leitor possível, a despeito de certas diferenças culturais irrenunciáveis,
podem ser notados e mantidos alguns distanciamentos específicos na revisão: se o autor e o
leitor fossem exatamente iguais, eles seriam a mesma pessoa e a mediação do revisor estaria
dispensada. Nessa hipótese absurda, a alteridade do revisor seria intromissão indesejável ou
prejudicial; a pretensão de exotopia não passaria de quimera.

Embora certas opiniões, preferências e até preconceitos presentes no original possam


ser instintivamente transpostos ao leitor, que pode compará-los a sua própria experiência, o
revisor deve se lembrar de que eles não correspondem necessariamente à experiência de
situação social do autor ou a sua opinião e práticas; tais expressões podem ser inferências
equivocadas ou simples falhas comunicacionais, podendo haver redirecionamento nas
intervenções. Disso tudo, vamos observando que os aspectos sociais fundamentais permanecem
problemáticos quando se consideram as implicações culturais para a revisão.

Já foi observado que, mesmo em se tratando de texto destinado a “um leitor educado e
de classe média” e, mais especificamente, com conhecimento dos aspectos culturais implicados,
os problemas para revisar tal texto não são apenas de caráter puramente léxico ou sintático,
também se trata da compreensão de contexto social, econômico, político e cultural, bem como
dos aspectos conotativos, inclusive de caráter pontualmente semântico. Como acontece com
todos os textos, as referências históricas, políticas e outras referências culturais são sempre de
certa importância e é improvável que o leitor de documento, revisado ou não, tenha plena
compreensão dessas noções. Ao considerar as implicações culturais para a revisão, deve-se
considerar o quanto o revisor explica ou completa tais lacuna de informações; com base nas
conclusões alcançadas sobre o leitor ideal, o revisor deve decidir quanto pode ser deixado para
o leitor simplesmente inferir. Levando esses últimos pontos em consideração, diferentes
elementos serão discutidos em relação a suas implicações culturais para a revisão.

Os aspectos que levam a implicações culturais para a revisão podem ser classificados
essencialmente como cultura material, como gestos, preferências e hábitos, embora outros
componentes culturais também estejam presentes. Esses aspectos podem ser apresentados de
diferentes formas, de acordo com seu papel no texto e os objetivos para o leitor do documento
revisado. A relevância da análise de tais componentes na revisão requer abordagem flexível,
mas ordenada, construindo-se pontes entre as numerosas lacunas léxicas, linguísticas e
3-69

culturais.59 As duas orientações quanto à equivalência formal ou dinâmica também devem ser
consideradas ao analisar as implicações culturais para a revisão de elementos nessas categorias.

Consideremos que muitos aspectos culturais são completamente substantivos,


integrando a cultura material. Como exemplo, para muitos, comida é expressão totalmente
sensível e importante da cultura nacional; os termos alimentares estão sujeitos à maior
variedade e sua revisão deve ser cuidadosamente processada.60 Os termos que se enquadram
nessa categoria são ainda mais complicados devido aos elementos multiculturais presentes. Isso
ilustra a importância da significação de um elemento léxico que somente representa
integralmente a noção se for considerado contextualmente. Nesse caso, a revisão deverá
corresponder à ideia da significação original, mesmo que seja uma proposta mais abstrata e
universal, portanto, mais apropriada em relação a sua função no documento revisado que
eventual sugestão de equivalência formal. Embora as implicações culturais não sejam tão fortes
quanto para um leitor “iniciado”, a informação é repassada e elucidada por um qualificador. As
implicações culturais automaticamente compreendidas pelo leitor ideal não são, no entanto,
transmitidas.

Gestos e hábitos são frequentemente descritos em linguagem não verbal, 61 mas podem
constituir intercorrência em escritos submetidos a revisão, tanto se apresentem explícita quanto
implicitamente. Muitos gestos e hábitos estão implícitos, mas não especificamente descritos,
dificultando assim a revisão totalmente comunicativa. Mais uma vez, são referências culturais
que requerem certo conhecimento do modo de vida da comunidade em tela e das atitudes em
relação a ela. Todos esses fatores estão inerentemente presentes no texto, mas seu pleno
significado cultural é difícil de retratar sem tal conhecimento de fundo.

Embora certa perda pela revisão seja eventualmente inevitável, no mínimo do ponto de
vista autoral, deve-se buscar alguma proposta de equivalência dinâmica por compensação para
contrabalançar; parece ser uma maneira apropriada de transmitir implicações culturais
presentes no original, deixando a mediação a meio-termo ou indicando ao leitor o caminho do
meio. A função léxica é adaptada tanto quanto possível no documento revisado, assim como as
conotações culturais do original.

59 (NEWMARK, 1988).
60 (NEWMARK, 1988, p. 97).
61 (NEWMARK, 1988, p. 103).
3-70

Diversos exemplos de referências culturais potencialmente opacas para o leitor do


documento revisado podem ser encontrados no texto. No entanto, não parece apropriado
explorar a teoria da equivalência dinâmica, substituindo essa imagem por um equivalente, pois
as implicações culturais soem ser extremamente específicas. O gênero textual bem como a
definição do leitor ideal e suas motivações podem implicar preferir o uso de transferência ou
equivalência formal, apesar da perda de revisão em relação às implicações culturais. Como pode
ser frequentemente encontrado em textos literários, características léxicas apresentam
implicações culturais para a revisão, especialmente quanto a traduções. Um exemplo de léxis
num texto pode ter efeito diferente sobre o leitor original e o do documento revisado.62

Significativa variedade de abordagens diferentes são examinadas em relação às


implicações culturais para o revisor, é preciso considerá-las em função da necessidade de se
evitar perda pela revisão quando o texto está vinculado à cultura. Considerando a natureza do
texto e as semelhanças entre o leitor ideal de original e documento revisado, um aspecto
importante é determinar quanta informação de fundo falta e deve ser fornecida ou requerida
pelo revisor usando notas, por exemplo.

Essas questões postas serão significativamente agravadas no que toca à revisão da


tradução, esse emaranhado de mediações complexas e bem particulares. Para preservar
referências culturais específicas do documento traduzido, certas adições precisam ser trazidas
ao documento revisado e ponderadas. Assim, as implicações culturais para a revisão desse
“original” não justificam o uso de nenhum recurso extremo e tendem a corresponder à definição
de revisão comunicativa, tentando garantir que o conteúdo e a linguagem presentes no contexto
do original sejam totalmente aceitáveis e compreensíveis para o leitor do texto revisado. O
problema aqui passa, inclusive, pela ponderação do que se considerar o “original” nessa cadeia
contínua de transformações da escritura: o autor exarou um documento, a seguir ele deve ter
sido revisado na língua autoral, depois ele terá sido traduzido para uma língua-alvo, na
sequência, pode haver um revisor bilíngue e, “finalmente”, um revisor monolíngue.

62 Adaptado de (JAMES, 2002).


4-71

4 FUNÇÃO DO REVISOR

The word processor is a stupid and grossly inefficient tool for preparing text
for communication with others. (COTTRELL, s.d.)

Existem crimes piores que queimar livros. Um deles não ler. (Iosif Brodskij)

4.1 EPÍTOME

1. A revisão está associada à melhoria de qualidade diários não são leituras recomendadas pela
textual em todos os aspectos linguísticos, mas qualidade.
permanece vinculada fundamentalmente à 7. Felizmente, a revisão atrai cada vez mais
comunicabilidade. atenção, e começou a se tornar,
2. A revisão atende ao objetivo de todas as partes internacionalmente, uma ferramenta essencial
interessadas na produção do texto: o cliente para a garantia da qualidade.
recebe um documento mais claro e preciso, por 8. A revisão é uma forma de controle de qualidade
ter sido cuidadosamente revisado, a agência de apresentada pelo revisor no processo e no
revisão pode ter a certeza de que o serviço que produto.
entrega é completo e de alta qualidade, e ambos
recebem feedback sobre o trabalho do revisor. 9. Nem todos são capazes de fazer uma revisão, mas
todos exigem do revisor a perfeição e o sumo o
3. Nenhum revisor pode reivindicar conhecimento.
concomitantemente a qualidade absoluta e
escrupuloso respeito aos prazos, a revisão 10. A função do revisor vai além do arcabouço
encontra seu lugar e utilidade no processo de puramente linguístico de sua intervenção para
produção de documentos segundo o critério de abranger responsabilidades de gestão e controle
fazer o melhor possível segundo prazo e – conjunto de procedimentos a que, quando
orçamento disponíveis. permeiam o ofício da revisão, nós estamos
chamando mediação.
4. Em algumas organizações, quase todo o trabalho
de revisão é contratado externamente – a 11. Os autores também podem achar útil aprender
terceirização já é uma “moda” consolidada – de sobre a revisão, já que, cedo ou tarde, eles
modo a que revisores da casa, de maior precisarão cooperar com os revisores em seu
confiança, se apliquem a verificar a qualidade do trabalho, eles podem não ser solicitados a fazer
trabalho. revisão, mas eles precisam reescrever
regularmente.
5. Controle de qualidade textual, em sentido mais
amplo, é o conjunto completo de procedimentos 12. A revisão não consiste em transformação,
aplicados antes, durante e após o processo de alteração, no sentido de que o revisor não deve
produção textual, por todos os envolvidos. fazer as mudanças que são possíveis, que sejam
desejáveis, ou que lhe aprouverem, mas as
6. Já houve pessoas encarregadas da revisão nas mudanças necessárias – e tão somente elas,
redações dos jornais; não há mais, e essa é uma sempre passíveis de justificação técnica.
das razões pelas quais os artigos impressos nos

4.2 CONTROLE

A revisão é uma forma de controle de qualidade interposta pelo revisor no processo e


no produto. Todos reconhecerão que o autor, independentemente de sua formação e do gênero
textual produzido, não pode fornecer versões impecáveis de seus escritos em todos os
4-72

momentos. A questão que surge, então, refere-se à qualidade buscada pelo autor ou pelo serviço
de revisão. Pode-se questionar a utilidade do controle de qualidade em relação ao custo que ele
representa. Um autor pode decidir não revisar seu escrito, assumindo o risco de apresentá-lo
com qualidade inferior à pretendida. Uma série de argumentos poderiam apoiar tal decisão:
documentos de baixa importância ou escopo limitado, orçamento incompatível com o custo
exigido pelo serviço de revisão de alta qualidade – então, é o autor que assume conscientemente
o risco de apresentar o texto de qualidade inferior à desejada. De fato, no contexto atual de
aumento do número de escritos demandando revisão e de alta exigência de qualidade, em
paralelo às conhecidas deficiências do letramento e do ensino de língua em geral – inclusive no
ambiente universitário – a revisão tornou-se necessidade premente, tornou-se mesmo
indispensável para atender o grau de qualidade exigido pelas instituições. Como resultado, a
revisão é hoje prática comum, não mais restrita ao ambiente editorial ou gráfico, mas ainda é
pouco compreendida pelos autores e, muitíssimo infelizmente, mesmo por alguns revisores –
embora por motivos diferentes.63

Assumimos que a revisão está associada à melhoria de qualidade textual em todos os


aspectos linguísticos, mas vinculada fundamentalmente à comunicabilidade. Na verdade, a
função da revisão é a melhoria na qualidade textual que, no mínimo, compense o custo que
representa o serviço. Como resultado, os autores estão procurando uma prática de revisão que
seja o mais eficaz e eficiente possível, com os menores custos encontráveis.

A revisão é obviamente assunto complexo e sensível. Em particular, pensemos no fato


de que, porque envolve julgamento de valor, a revisão tem em si um problema de subjetividade.
Para minimizar a parte subjetiva de seu julgamento, os revisores são veementemente
aconselhados a poder justificar todas as intervenções em qualquer documento, demonstrando
que não se baseiam em preferências pessoais, mas em critérios técnicos e opções plausíveis. No
entanto, vários pontos continuam a ser fontes de divergência: a importância dada à revisão no
processo de escrita, a escolha do método de revisão e os parâmetros de revisão estão entre eles.
Por isso, vamos analisar brevemente os diversos métodos pelos quais os profissionais praticam
a revisão, exercendo o controle de qualidade que lhe é imputado, e indicar o impacto esperado
das revisões realizadas na qualidade dos textos.

63 Adaptado de (QUENETTE, 2012).


4-73

Se a atividade de melhorar um documento está intimamente ligada à noção de qualidade,


na verdade, é a textualidade do escrito que precisa ser aferida pelo processo de revisão. A
qualidade do documento reside na satisfação da necessidade específica para a função específica
e na relação comunicacional específica. Quando tais condições estão adequadamente satisfeitas,
temos um texto de boa qualidade.64

Se seguirmos essa perspectiva, o conceito de qualidade varia de acordo com as


necessidades do cliente – o autor, o editor, o orientador acadêmico – e a qualidade da revisão
pode ser expressa pela satisfação da expectativa de qualidade do cliente e do público-alvo. A
satisfação das exigências do cliente, portanto, deve ser colocada acima de tudo, com certa
reserva: perduram a importância da ética do revisor, de seu dever profissional, e a necessidade
de resguardar seu nome no mercado. Existem critérios de qualidade a que o revisor deve atender
de qualquer maneira e que subsistem fora das necessidades do contratante. Não importa como
seja definida, é a noção de qualidade textual que está ligada ao conceito de revisão. Para garantir
que a qualidade necessária tenha sido alcançada, uma série de ferramentas e procedimentos são
colocados em prática. Essas ferramentas e procedimentos estão agrupados no conceito de
“controle de qualidade”.

O controle de qualidade simplesmente decorre da aplicação do fato de que duas opiniões


são melhores que uma – o que é inerente e decorrente do requisito da alteridade na revisão.
Qualquer autor preocupado com a qualidade de seu trabalho o submete ao controle de
qualidade, seja ele qual for, seja feito por quem for, desde que haja exotopia – dobramento de
olhares a partir de um lugar exterior. Esse controle, portanto, pode ser realizado por pessoas
diferentes, em distintos níveis hierárquicos, de acordo com múltiplos métodos e em vários graus
de interferência. É por isso que o controle de qualidade pode tomar muitas formas díspares,
sendo a revisão apenas uma delas. Para esclarecer a terminologia usada ao se falar de qualidade,
consideramos que o controle da qualidade textual auferida sempre ocorre antes de a revisão ser
devolvida ao contratante. Por isso, distingue-se da avaliação da qualidade do serviço de revisão
pelo fato de essa última ocorrer após a devolução do documento revisado ao contratante – até
mesmo porque a entrega é parte do serviço.

Controle de qualidade textual, em sentido mais amplo, é o conjunto completo de


procedimentos aplicados antes, durante e após o processo de produção textual, por todos os

64 Adaptado de (QUENETTE, 2012).


4-74

envolvidos na produção do texto (por exemplo, no caso de uma tese: autor, orientador, leitores
críticos, revisores e outros intervenientes), para garantir que os objetivos de qualidade estejam
sendo cumpridos.

Quanto ao controle de qualidade com o qual estamos lidando, observam-se muitas


sobreposições entre os conceitos utilizados pelos autores. Antes de analisarmos novamente o
conceito de revisão (já o fizemos diversas vezes65), discutiremos as outras atividades de controle
de qualidade. Vamos revisitar rapidamente os três tópicos que se distinguem, a edição, a revisão
de provas e pós-edição. A edição é a parte mais perto de nosso objeto: a revisão é parte do
processo editorial e o revisor é um editor implicado no controle de textualidade. Quanto à
correção das provas, ela sempre ocorre na fase final do processo editorial e consiste em indicar,
nos testes de impressão, de acordo com padrões específicos, mudanças a serem feitas. A pós-
edição está mais distante da revisão, porque o trabalho é sempre o mesmo, consolidado, mas o
texto não foi editado por uma máquina (edição automática) e cabe conferir uma série de tópicos
passíveis de falhas.

Define-se o controle realizado pelo próprio autor (e quando mencionamos autor,


estamos considerando o autor individual, ou grupo de autores de todos os matizes) em princípio,
como releitura ou reescrita, o que geralmente consiste em trabalho e retrabalho contínuo e
sucessivo sobre seu original para sanar quaisquer problemas ou para adotar redirecionamentos
de forma, de estilo, de conteúdo mesmo. Alguns autores falam de autorrevisão, mas preferimos
guardar o termo revisão para o trabalho de interferência alterna. Nesse caso, considera-se que
o revisor, diferentemente do autor, verifica a qualidade linguística, técnica e comunicacional,
mas sem fazer interferências que não as correções de problemas de linguagem (ortografia e
gramática) e aquelas que visem legibilidade, textualidade. Por fim, a releitura (ou leitura crítica)
também é o termo utilizado para se referir ao controle realizado por um especialista na área
tratada, no caso de textos altamente especializados.

A correção, por outro lado, é prática mais bem definida que a releitura – e mais limitada,
no sentido de que consiste em corrigir erros materiais (revisão mecânica) alcançando equívocos
e falhas sobre as quais não subsistiriam quaisquer argumentos. O corretor não justifica suas
interferências e não as comunica ao autor. Ele simplesmente as integra ao documento sempre
que achar adequado. Trata-se do que é denominado revisão resolutiva, com mais propriedade.

65 Vide (ATHAYDE, MAGALHÃES, et al., no prelo).


4-75

O quadro que se segue amplia e analisa diferentes processos editoriais, apontando as


fases de controle inerentes à revisão.

Quadro 1 – Análise das fases de controle


Ação Objetivo Etapa Objeto: texto Retorno Interventor
Redação, ajustes linguísticos,
Releitura e
conteúdo, forma, estilo, Redação Original Múltiplos Autor
reescrita
estrutura.
Correção mecânica e
Correção Intervenção Original Único Corretor
eletrônica.
Revisão Controle de textualidade. Intercessão Corrigido Múltiplos Revisor
Aferição de critérios,
Preparação Editorial Revisado Múltiplos Preparador
homogeneização.
Composição, design gráfico,
Edição Editorial Preparado Múltiplos Designer
diagramação, ilustração.
Revisão de Conferir eventuais desvios
Editorial Impresso Múltiplos Revisor
provas inseridos na diagramação.
Revisão final e controle de
Pós-edição Final Impresso Único Editor
qualidade das etapas.

A maioria dos autores concorda que a revisão é de grande importância. É um passo


fundamental no processo de produção de textos e passo indispensável na cadeia de controle de
qualidade.

No quadro que se segue, apresentamos a terminologia correspondente à cultura


estadunidense, apresentando as distinções entre diferentes serviços: reescrita (editing),
corresponde principalmente aos trabalhos autorais ou ao que seria, para nós, algumas
“invasões” do original pelos editores; edição de cópia (copy-editing), corresponde mais aos
serviços que, entre nós, competem ao revisor; preparação, correção e revisão (proof-editing); e
revisão de provas (proofreading), funções que nós delegamos a revisores, como atribuição final
no processo editorial.

Quadro 2 – Serviços do controle na cultura estadunidense


Copy- Proof- Proof-
Serviços Comentário Editing
editing editing reading
Reescrita de conteúdo pesado.
Heavy content rewriting. Redação, ajustes linguísticos,
conteúdo, forma, estilo, estrutura.
Rewriting for style, Ajustes de estilo, clareza e tom.
clarity, and tone. Correção mecânica e eletrônica.
Implementing a style Implementando um estilo ou norma
sheet/house style. aplicável. Controle de gênero.
Formatação gráfica. Composição,
Implementing formatting.
design, diagramação, ilustração.
Checagem de fatos. Coerência interna
Querying facts.
e externa.
Cross-checking in-text Revisão cruzada. Batida do texto.
references to illustrations, Conferir eventuais desvios inseridos
graphs, equations, etc. na diagramação.
4-76

Cross-checking in-text Referência cruzada do texto com a


references with bibliografia. Revisão e conferência
bibliography. das referências. Normas.
Checking that style
sheet/house style is Revisão das normas aplicáveis.
followed.
Ensuring consistency of Revisão de consistência da
formatting. formatação.
Spelling. Revisão eletrônica de ortografia.
Punctuation. Revisão eletrônica. Revisão final.
Grammar Revisão eletrônica. Revisão final.

Observe-se que, no quadro 1, relacionamos as fases de controle como funções dos


revisores; no quadro 2, relacionamos os serviços (as ações do processo de controle editorial); e
nos quadros 3 e 4, que se seguem, comparam-se os anteriores.

Quadro 3 – Etapas e serviços por sujeitos


Ação Sujeito Rewriting Style Formatting Checking Proof
Releitura e reescrita autor revisor formatador revisor revisor
Correção revisor revisor formatador revisor revisor
Revisão revisor revisor formatador revisor revisor
Preparação preparador revisor formatador revisor revisor
Edição editor revisor formatador revisor revisor
Revisão de provas revisor revisor formatador revisor revisor
Pós-edição revisor/editor revisor editor revisor revisor/editor
Quadro 4 – Etapas e sujeitos por serviços
Revisor Revisor de
Ação Sujeito Autor Revisor Formatador
final provas
Releitura e reescrita
Correção
Revisão
Preparação
Edição
Revisão de provas
Pós-edição

Hoje, o mundo da produção de textos é inegavelmente marcado por pressões


orçamentárias cada vez maiores e prazos mais curtos, bem como por aumento nos volumes de
produção; todavia, a demanda por qualidade permanece alta. Os serviços de revisão são
forçados a lidar com o aumento da exigência de qualidade. Contudo, nenhum revisor pode
constantemente reivindicar concomitantemente a qualidade absoluta e escrupuloso respeito aos
prazos, a revisão encontra seu lugar e utilidade no processo de produção de documentos
segundo o critério de fazer o melhor possível segundo o prazo e o orçamento disponíveis. À
primeira vista, a revisão pode não parecer a melhor solução para as restrições atuais, pois
adiciona um passo ao processo de produção e, portanto, dispende tempo. É com isso em mente
4-77

que se impõe uma gestão eficaz da revisão. Qualidade demanda tempo e dinheiro, mas observe-
se que revisões ruins também podem ser caras.

Outra realidade é o aumento da subcontratação, que acompanha o aumento dos pedidos


de revisão. Os provedores de serviços editoriais geralmente usam revisores externos
(independentes ou trabalhando para agências de revisão) para fazer o trabalho em volume que
eles não têm capacidade de alcançar. O trabalho desses profissionais externos deve estar sujeito
a um controle especial por parte dos colaboradores internos e, nesse contexto, a necessidade de
revisão final acurada necessariamente aumenta. No entanto, a terceirização traz à tona,
frequentemente, o problema da falta de relações entre os diferentes atores, especialmente entre
o revisor e o revisado.

Cientes da importância da revisão – inclusive como controle, as faculdades de Letras


começaram a integrar disciplinas correlatas em seus currículos. Além disso, alguns autores têm
olhado para o aprendizado da revisão, a profissão de revisor, com outros olhos – principalmente
quando se trata de autores experientes ou sob supervisão de orientadores maduros, no caso das
teses e dissertações.66

4.3 SUPERVISÃO

Às vezes, alguns dos revisores no serviço de revisão ou na agência editorial são


designados como revisores seniores (ou alguma gradação equivalente). Eles ocupam cargos e
desempenham funções de revisores, mas dedicam todo ou a maior parte de seu tempo a orientar
o trabalho de revisores, fazer controle de qualidade ou treinar novos colaboradores. Esses
revisores designados podem também ter responsabilidades de seleção de pessoal ou funções
administrativas e de gestão – ainda que sem prejuízo de eles próprios revisarem, eventual ou
concomitantemente, parte dos textos sob demanda; eles podem ainda ser encarregados de
distribuir escrituras para os outros revisores, controlar os cronogramas dos trabalhos,
supervisionar revisores juniores ou estagiários (escrevendo suas avaliações periódicas,
recomendando-os para promoção e assim por diante). Alternativamente, os revisores seniores
podem simplesmente revisar em sistema de trabalho cooperativo com outros revisores, atuando

66 Adaptado de (QUENETTE, 2012).


4-78

sob demanda dos colegas (cada revisor decidindo se determinado texto ainda precisa ser
revisado por um colega).

Em outras organizações, o trabalho é distribuído pelo gerente do serviço, pelo editor,


um gerente de projeto ou um membro do corpo administrativo, ao invés de um revisor sênior.

Os revisores seniores podem também ser encarregados verificar a qualidade do trabalho


terceirizado, fazer qualquer mudança necessária nas intervenções propostas. Na verdade, em
algumas organizações, todos ou quase todo o trabalho de revisão é contratado externamente –
a terceirização já é uma “moda” consolidada – de forma que revisores da casa, de confiança, se
apliquem a verificar a qualidade do trabalho contratado e coordenando os membros de equipes
de revisores terceirizados que trabalham em grandes projetos.

4.4 PAPEL

Felizmente, a revisão atrai cada vez mais atenção, e começou a se tornar,


internacionalmente, uma ferramenta essencial para a garantia da qualidade. Tanto profissionais
quanto instituições de formação de profissionais das Letras destacam a importância da revisão
e, assim, a formação de revisores ganhou importância. Isso porque a revisão atende ao objetivo
de todas as partes interessadas no processo de produção do texto: o cliente recebe um
documento mais claro e preciso, por ter sido cuidadosamente revisado, a agência literária de
revisão pode ter a certeza de que o serviço que entrega é completo e de alta qualidade, e tanto
a agência quanto o autor recebem feedback sobre o trabalho do revisor. Os autores também
podem ficar mais à vontade se souberem que suas produções serão exaustivamente corrigidas,
verificadas, aferidas; enquanto isso, a mediação do revisor contribui para seu desenvolvimento
profissional.67

Entretanto, na prática, o papel do revisor está muitas vezes longe de ser claro, mesmo
para os participantes do mercado de textos. É necessário que se estabeleçam critérios para se
definir ou se conhecer a função do revisor, para se determinar como alguém pode se
profissionalizar, para explicar se o revisor sabe mais que o autor. Também precisa ficar evidente
o que faz um linguista se tornar revisor profissional. Outra questão latente é como as
competências necessárias à revisão podem ser desenvolvidas. Para os profissionais de edição,

67 Adaptado de (ROBIN, 2016).


4-79

discutir essas questões e clarificá-las o mais rápido possível é de vital importância, uma vez que
o esclarecimento dos papéis facilita o trabalho e incentiva a cooperação, propiciando, ainda, a
renovação de quadros. Os autores também podem achar útil aprender sobre a revisão, já que,
cedo ou tarde, eles precisarão cooperar com os revisores em seu trabalho, eles podem não ser
solicitados a fazer revisão, mas eles precisam reescrever regularmente – o que é trabalho da
mesma natureza da revisão, guardadas a limitações de cada tarefa dessas. Assim, os tópicos a
seguir buscam oferecer ajuda para resolver as questões práticas e resumir os fundamentos da
revisão, escopo alcançado por outro trabalho nosso, mas agora retomado em linhas gerais, para
benefício do leitor.

Se a revisão visa corrigir um documento para melhorá-lo, provavelmente é humano que


autores revisados sejam tão sensíveis ao aspecto corretivo quanto ao aspecto de melhoria que
for produto da intervenção do revisor. Se a interferência em si tende a incomodar, mais ainda
no caso de um erro apontado. Ninguém gosta de ser pego em omissão ou corrigido em falha
banal, a reação instintiva leva os críticos a citar o ditado: “A crítica é fácil, e a arte é difícil”. 68
Nessa questão, podemos comparar o revisor ao crítico, pois o trabalho de intercessão contém
crítica, inexoravelmente. Felizmente existem outros lados: eventualmente, temos a grata
satisfação de receber elogios e agradecimentos de autores por reconhecerem os melhoramentos
em seus textos e por havermos contribuído neles.

Os revisores sempre reclamaram das críticas a suas intervenções. Já no início de nossa


era, São Jerônimo esqueceu por um momento a caridade cristã para difamar, com humor
acérbico, seus detratores. Nem todos são capazes de fazer uma revisão, mas todos exigem do
revisor a perfeição e o sumo conhecimento – o que pode ser desculpado, em parte, pelo fato de
muitos revisores venderem essa imagem que não podem entregar. Deve-se notar que essas
reações muito humanas são geralmente dirigidas a revisores menos competentes e não a bons
profissionais que, com exceções, não se enquadram nessa categoria. No entanto, o juízo da
competência do revisor pode ser um primeiro ponto de discórdia, daí a necessidade de ele
estabelecer sua credibilidade pela relevância de suas intervenções.

68 Atribuída a Philippe Néricault Destouches (1680-1754) apud (DUAILIBI, 2000). Nota de revisores:
encontramos a mesma citação com e sem a vírgula, em diferentes fontes em português, o que cambia o sentido
da conjunção entre aditivo, alternativo e adversativo, imprimindo nuances ligeiramente distintas à frase; no
original: “La critique est aisée, et l’art est difficile”.
4-80

Uma segunda desvantagem é a posição do revisor na estrutura hierárquica do processo


editorial. Muitas vezes, a função do revisor vai além do arcabouço puramente linguístico de sua
intervenção para abranger responsabilidades de gestão e controle – aquele conjunto de
procedimentos a que, quando permeiam o ofício da revisão, nós estamos chamando mediação
funcional. No entanto, é a intercessão por tarefas de correção e de avaliação que constitui
problema. Devido a suas responsabilidades, o revisor pode ser facilmente percebido como um
“subchefe” e não como um colega e colaborador, principalmente quando cabe a ele aferir o
trabalho de outros profissionais linguageiros, designers gráficos ou editores, por exemplo. Por
fim, o revisor competente, assim como o não competente, detém a “prerrogativa” do terceiro
obstáculo a ser superado: eles devem saber se comunicar com autores, tradutores ou editores
em espírito de colaboração franca, de modo a não provocar a “natural” reação de autodefesa
nos clientes e parceiros. Essa habilidade de relacionamento não tem relação necessária com a
competência linguística e não são incomuns os casos de excelentes revisores, do ponto de vista
de seu trabalho com os textos, que têm sérias dificuldades nas relações profissionais
corriqueiras. Vamos acrescentar imediatamente que, nessa área das relações humanas, os erros
são eventualmente compartilhados, por exemplo, o editor nem sempre sendo capaz de indicar
a direção dada sobre a colaboração de revisores, editores e tradutores muito reticentes ou
renitentes.

Pode-se concluir que o trabalho do revisor não é exatamente uma sinecura… ainda que,
equivocadamente, possa ser visto assim. Por outro lado, praticada em clima favorável, a revisão
é atividade muito gratificante, pois envolve todas as qualidades intelectuais e humanas da
pessoa que a exerce. No entanto, manter o clima é, em grande parte, responsabilidade do
revisor.69

Correção e melhoria dos documentos escritos são as duas funções do revisor. A


primeira, e mais óbvia, razão para revisar um texto é a eliminação de problemas identificáveis
nele. As melhorias (estilo, textualidade, coerência interna e externa) vêm em segundo lugar.
Elas são uma espécie de “bônus” que o revisor escolherá adicionar ao documento com base em
uma série de critérios (gênero de produto, leitores-alvo…). A correção trata da “função
pragmática” da revisão: garantir o cumprimento de determinados critérios, inclusive na
ausência de qualquer comunicação entre o revisor e o autor ou tradutor.

69 Parcialmente adaptado de (HORGUELIN e BRUNETTE, 1998).


4-81

Esse não é o significado preciso que damos ao termo revisão. Na verdade, consideramos
essencial corresponder à função de correção e aperfeiçoamento e à dimensão de formação, em
benefício dos autores e do público-alvo, o que, como veremos posteriormente, confere total
importância à prática de revisão.

4.5 DEFINIÇÕES

O termo revisão não é usado da mesma forma por todos os autores e há alguma incerteza
quanto a sua definição, incertezas e ambiguidades são mesmo inerentes à revisão e nós já
abordamos diversas vezes o tópico e coletamos muitas definições70 – sem nos furtarmos, por
isso e aqui, a retomar a tarefa, no anseio de contribuir na discussão. Então, vamos identificar
algumas diferentes definições e escolher uma em que possamos nos basear para a discussão em
tópico.

Antes de abordar as definições do termo revisão dadas por diferentes autores,


gostaríamos de fazer duas observações preliminares. Por um lado, enquanto vamos lidar com a
revisão como produto do controle, é a revisão como processo que vai nos interessar para efeito
de abordagem teórica. Por outro, o autor, no processo de elaboração do documento, pode fazer
alterações assemelhadas a alguma forma de revisão, mas a que preferimos nos referir como
reescrita. Portanto, para este escrito, consideramos a revisão como uma fase separada, que se
segue à produção do original autoral; vem sempre à tona a exigência de alteridade (outra pessoa
interferindo) quando nos referimos à revisão propriamente.

Segundo Horguelin e Brunette71, a revisão é definida como “o exame cuidadoso de um


texto a fim de alinhá-lo segundo critérios linguísticos e funcionais reconhecidos”. Trata-se de
definição de revisão no sentido mais amplo, que se aplica a documentos acadêmicos e a quase
todos os gêneros, talvez excluída a poesia.

Graham72, por sua vez, distingue duas atividades: verificação e revisão. Define a
verificação (a que frequentemente nos referimos como revisão mecânica) como a atividade de
corrigir erros de digitação, identificar ambiguidades, verificar a ortografia de nomes próprios,
questões acima de dúvidas linguísticas razoáveis. Ao passo que a verificação consiste em

70 (ATHAYDE, MAGALHÃES, et al., no prelo).


71 (HORGUELIN e BRUNETTE, 1998, p. 3).
72 (GRAHAN, 1989, p. 66).
4-82

controle de qualidade “puro”, o que ele chama de revisão é mais um “teste de operação”,
permitindo que o texto seja mais bem direcionado a seu público-alvo, aferição de legibilidade.
A linha entre esses dois conceitos, no entanto, permanece tênue, e as duas atividades se
sobrepõem.

Passando à aplicação da definição de Hyang Lee73, revisão é o exame, por revisor que
esteja familiarizado com o registro da linguagem requerido por um documento, para trazê-lo ao
acordo com as necessidades e expectativas do autor. A crítica que podemos fazer contra essa
definição é que ela fala apenas do cumprimento das necessidades e expectativas do destinatário
do serviço, o autor, em detrimento do destinatário do texto, o leitor, público-alvo. A essa
definição podem estar faltando critérios de idioma que não são definidos pelo autor, mas se
enquadram nos requisitos da revisão.

As várias definições que citamos até agora têm em comum a referência a uma “revisão”
para descrever a atividade de revisão, mas não mencionam a ação corretiva tomada pelo revisor,
as intervenções processadas, que são a base de seu trabalho. Então, vamos olhar para outras
definições. A definição de Tim Martin74 enfatiza a principal ação do revisor: “revisão é verificar
se mudanças são necessárias e fazer as mudanças em si”. Essa definição insiste, com o termo
necessário, que a revisão não consiste em transformação, alteração, no sentido de que o revisor
não deve fazer as mudanças que são possíveis, que sejam desejáveis, ou que lhe aprouverem,
mas as mudanças necessárias – e tão somente elas, sempre passíveis de justificação técnica.

A definição de Gouadec75, mais detalhada, é semelhante à de Martin: revisão é o


conjunto de intervenções para se obter um escrito de qualidade ideal a partir de um original
apresentando, ou que possa apresentar, inadequações, falhas ou deficiências.

Diante dos diversos significados dados ao termo revisão, a norma europeia, por
exemplo, tentou esclarecer a terminologia. Ela não propõe uma definição da revisão, mas indica
que o revisor deve agir para verificar a adequação do texto. A tarefa de revisar, nesse sentido,
deve incluir a adequação de documentos para garantir a consistência textual, bem como a
adequação do registro e do estilo, assim como o revisor deve tomar medidas para garantir que
a maioria das interferências propostas venham a ser implementadas. A norma europeia pretende

73 (LEE, 2006, p. 414).


74 (MARTIM, 2007, p. 58).
75 (GOUADEC, 2002, p. 128).
4-83

ser completa e clara, segundo a pretensão daquele continente de resolver normativamente todas
as questões. Porém, eles marcam um ponto na discussão ao exigir que o revisor deve ser pessoa
diferente do autor: o que pode parecer óbvio, mas é um risco comum que até mesmo linguistas
correm, ao entender que podem “revisar” os próprios escritos pelo simples fato de dominar a
língua.

Em termos de como queremos abordar a revisão aqui, a definição fornecida pela norma
europeia é muito restritiva (realizada por outra pessoa). Por isso, escolheremos a seguinte
definição: revisão é aquela função dos revisores profissionais em que eles identificam
características do original que ficam aquém do aceitável e fazem correções e melhorias
apropriadas, vale dizer, fazem interferências.76

4.6 TIPOLOGIA

Dizer que existem revisores distintos entre si parece desnecessário, já o temos dito, posto
que existem muitas revisões diferentes e que é a revisão que define o revisor, mas existem
diversos focos, gêneros textuais em que o revisor pode se especializar ou formas de trabalho. A
revisão, e talvez seja por isso que não há unidade na forma pela qual é definida, continua sendo
uma prática aberta a muitas variações. É interessante apontarmos a alguns tipos de revisores,
ainda que o rol seja sempre incipiente:

➢ revisor acadêmico: tem como foco a revisão de documentos destinados ao


mundo universitário, que compreende teses, dissertações, artigos, relatórios e
outros documentos das mesmas matrizes de gênero; pretende-se que seja revisão
abrangente e integre aspectos que, no mundo editorial, são mencionados como
“preparação”;

➢ revisor de tradução unilíngue e bilíngue: são revisores que se especializam


revisar traduções; unilíngue envolve examinar apenas o texto-alvo sem se referir
ao texto-fonte ou referir-se a ele apenas se necessário, enquanto a revisão
bilíngue envolve comparação do alvo com a fonte; algumas normas, como as
europeias, requerem a revisão especializada em todos os documentos traduzidos;

➢ revisor literário: especializado em textos literários, notadamente obras

76 Adaptada de (MOSSOP, 2014).


4-84

ficcionais, cujo conteúdo estético abre portas para licenças criativas e poéticas
que não são admissíveis em outros gêneros;

➢ revisor técnico: voltado ao mercado de escritos procedimentais, manuais,


material cujo sentido é objetivo e, muitas vezes, ligado ao campo de
conhecimento estrito do revisor; além do conhecimento linguístico, costuma ser
necessária formação ou muita prática com a área do conhecimento em questão;

➢ revisor publicitário: normalmente, residente em agências de publicidade, mas


parece que todos foram demitidos, dado o teor e a quantidade de descalabros
linguísticos que vêm dessa área;

➢ revisor jornalístico; entre nós, já houve pessoas encarregadas estritamente da


revisão nas redações dos jornais; não há mais, e essa é uma das razões pelas
quais os artigos impressos nos diários não são leituras recomendadas pela
qualidade.
5-85

5 PRÁTICAS DO REVISOR

Non c’è dubbio che la lentezza del processo che porta al controllo pieno dei
meccanismi di correzione sia dovuta a fatti mentali e cognitivi. (SIMONE,
1984)

Nem sempre os grandes escritores são bons escritores. (Ledo Ivo)

5.1 EPÍTOME

1. A revisão deve evitar se impor como processo de transcende os dois corpos abstraindo-lhes as
apontar problemas, mas tornando-se um almas.
procedimento mutuamente benéfico, em que 7. A relação entre revisor e revisão, como prática e
avança o autor, mas também beneficia o revisor como produto, toca em importante dimensão
no sentido de que ele seja forçado a chegar ao profissional da revisão.
fundo das questões.
8. Antes de perguntar sobre parâmetros de revisão,
2. Assumindo a abordagem interacionista do o revisor deve determinar como ele abordará o
processo de revisão, consideramos inertes às objeto: ele vai ler o conjunto e depois proceder as
práticas do revisor os seguintes pressupostos: a interferências com a visão global, ou ler
linguagem tem papel central; é necessária a interferindo já de imediato?
utilização de conhecimentos linguísticos,
textuais e contextuais; são também mobilizadas 9. A qualidade da revisão se deve menos à escolha
representações e conhecimentos relativos aos da ordem de leitura que ao fato de aderir a um
modelos de gêneros. procedimento sistemático, ler os textos na ordem
lógica traz benefício.
3. Esse jogo de palavras procurou definir um
profissional pelas suas práticas, o que é uma 10. O fato de o trabalho do revisor ser tão maltratado
forma aceitável, mas não completamente talvez seja devido à pouca visibilidade; assim,
satisfatória; poderíamos ser acusados de pouco se fala em revisão e menos é revisado,
tautologia: revisor é quem revisa, já que muito pouco é revisado adequadamente, e a
interceder, intervir e mediar um texto são menor visibilidade sempre significa controle
atividades que expressam as práticas da revisão. deficiente das posições de mercado.
4. Assim como com o tempo utilizado, o revisor 11. Certos textos absolutamente precisam ser
terá que adaptar sua revisão de acordo com as revisados, por exemplo, relatórios anuais,
condições todas em que o autor trabalhou: ruídos discursos, documentos de grande circulação,
e dispersões a que esteve submetido no ambiente documentos sensíveis e comunicações oficiais,
de trabalho ou em função de preocupações enquanto outros podem estar sujeitos a um
latentes durante a redação. controle mais limitado.
5. De fato, a grande vantagem da revisão reside em 12. No caso extremo em que o escrito seja tão ruim
que o revisor pode se colocar no lugar do leitor- que não seja passível de revisão (podemos
alvo, alheando-se do eu autoral. garantir que esse limite está situado no campo
real!), o revisor deve recusar o serviço e garantir
6. Não se podem produzir catarses tão díspares que o texto seja devolvido ao autor para
quanto emular a um só tempo as personas do melhoria.
autor e do leitor, mas o avatar do revisor
5-86

5.2 AÇÕES INERENTES

Vários critérios e parâmetros são considerados e aplicáveis para a escolha do


procedimento de revisão a ser aplicado. Os critérios diferem segundo variáveis que vão da
natureza dos textos ao organograma que integra os sujeitos envolvidos. Os parâmetros são as
características gerais, pessoais e contextuais a que já nos referimos. Da composição desses
fatores se estabelecem as ações que o revisor desempenhará de ofício. Nos parágrafos que se
seguem, vamos discutir alguns desses fatores e apontar observações decorrentes de nossa
prática que, ressaltamos, é maior com documentos acadêmicos, com destaque para as teses,
dissertações e artigos científicos.77

Ao tentarmos definir o revisor por suas ações, usamos as palavras intercessão,


intervenção, interferência e mediação quase indistintamente, tomando uma pela outra, sem
estabelecer as nuances de cada uma, num exercício de sinonímia e mesmo de esvaziamento
semântico de cada uma delas para integrar os sentidos de todas elas e extrair, de cada uma, parte
de seu significado – abandonando um pouco as significâncias. Naquele momento, esse jogo de
palavras procurou definir um profissional pelas suas práticas, o que é uma forma aceitável, mas
não completamente satisfatória; poderíamos ser acusados de tautologia: revisor é quem revisa,
já que interceder, intervir e mediar um texto são atividades que expressam as práticas da revisão.

Em outro trabalho,78 digredimos longamente sobre interferência e intercessão em textos


alheios e lá não ficou perfeitamente definido o que seria cada uma dessas ações; àquela hora,
não nos furtamos a deixar um pouco aberta a porta da interpretação, para não nos fixarmos em
algum positivismo limitante, certamente prejudicial à causa. Sem querer que nos apontem a
fuga ou perda do foco temático abordado em nosso discurso, o que é inerente à digressão, ainda
assim acrescentamos aqui os conceitos de intervenção e de mediação, mesmo com o risco da
perda de linearidade da discussão em direção a um campo distinto e não esperado,
sintagmaticamente falando.

Para benefício do leitor que não acorrer a nosso outro longo escrito, fica posto que a
interferência, para nós, se prende ao conjunto de ações eficazes, modificações – algumas das
quais mecânicas – que o revisor faz nos textos de outrem. A intercessão, para nós tem um quê

77 Adaptado de (QUENETTE, 2012).


78 (ATHAYDE, MAGALHÃES, et al., no prelo).
5-87

do sentido deleuziano do termo, apresentando o viés de coautoria do revisor na obra. Para


simplificarmos bem aquela discussão mais longa.

O termo intervenção, que quase repudiamos no outro volume, volta agora pela inegável
intromissão do revisor em certos textos nos quais a consideração do autor sobre as propostas
do revisor não se faz presente. Temos em mente as circunstâncias em que não haja tempo para
a interação autor-revisor, em que houver omissão de uma das partes nesse processo, ou mesmo
ocorra a ausência do autor no processo (ele pode, inclusive, estar morto). Estamos aqui
propondo que, nesses casos em que não se dê o diálogo, o papel mesmo do revisor é o de um
interventor no texto alterno – um processo que quase descarta a alteridade autoral, em benefício
(ou prejuízo) do documento.

Por mediação, sendo neste trabalho que introduzimos essa palavra em nosso repertório
analítico para descrever a atividade do revisor, estamos nos referindo ao papel que o
profissional desempenha entre o autor e seu público-alvo, ou entre o texto (como produto) e seu
leitor final. Essa mediação, ou facilitação, é uma senda do trabalho da revisão que somente
agora vamos trilhar, pelo menos de olhos mais abertos. De passagem, fica o comentário de que
não somos os primeiros a fazer uso instrumental dos conceitos de mediação em tal contexto,
voltaremos a esse ponto nos capítulos mais adiante.

Enquanto isso, vamos tratar de revisão como processo inerente à prática – o que será
apenas uma das abordagens possíveis, aqui levantada quase que exclusivamente para delinear
o quadro conceitual que nos permitirá alcançar o âmago de nossa postulação, que é discutir
revisão como aprendizado e como exercício de mediação – também objetos desta obra.

5.3 PROCESSAMENTO OPERACIONAL

O processo de revisão profissional é a forma pela qual os revisores interferem no texto,


ela é assemelhada de um profissional para outro. Atenção: afirmar que a forma pela qual
interferem seja semelhante não é o mesmo que dizer que ela é igual ou que as interferências
venham a ser as mesmas – e já dissemos das variações entre os produtos de diferentes
profissionais, segundo uma série de circunstâncias. De fato, o processo de revisão implica uma
iteração de ciclos de interferências com os mesmos passos: leitura, detecção de problemas e
resolução de problemas. Pronto: terminaram-se as semelhanças, elas se limitam à síntese
procedimental. Cada fase, no entanto, é realizada de várias maneiras, dependendo dos
5-88

problemas detectados e dos meios utilizados para os resolver.79 Nessas etapas, após a resolução
de problemas, sempre mais uma leitura pode ser adicionada para validar as mudanças feitas:
revisão não tem fim, não existe escritura perfeita, não existem autores nem revisores perfeitos;
salva-nos também não haver leitores perfeitos e a mensagem é produto de um ser humano para
outro, com todas as implicações dessa humanidade.

Assumindo a abordagem interacionista do processo de revisão, consideramos inertes às


práticas do revisor os seguintes pressupostos: a linguagem tem papel central no processo de
revisão: o revisor utiliza conhecimentos metalinguísticos para desempenhar sua atividade e
desenvolve competências operacionais aplicadas à língua materializada nos escritos; o processo
de revisão implica a mobilização de conhecimentos linguísticos, textuais e contextuais
armazenados na memória de trabalho e na memória de longo prazo, são representações e
conhecimentos que permitem ao revisor definir, gerir e processar a tarefa segundo seus
objetivos, avaliar, e interferir; no processo de revisão, são também mobilizadas representações
e conhecimentos relativos aos modelos de gêneros (elementos pragmáticos, características
formais e sociolinguísticas).80

Posto que a atividade do revisor mobiliza conhecimentos e representações (base


cognitiva), assim como implica a realização de ações de linguagem (base operacional) e,
consequentemente, consiste de trabalho contínuo sobre os signos linguísticos, o revisor utiliza
os conhecimentos metalinguísticos para desempenhar sua função, além de adquirir
conhecimento e desenvolver novas competências na diversidade de operações que efetua (em
ações da linguagem) aplicadas à língua materializada nos textos. Por isso, compreende-se o
motivo pelo qual a eficácia da revisão tende a aumentar com a experiência do revisor.

O processamento da revisão demanda diferentes funções e recursos da memória de


trabalho e da memória de longo prazo. Os processos cognitivos que integram as etapas do
processo de revisão não evocam apenas conhecimentos linguísticos, mas múltiplos
conhecimentos textuais e contextuais provenientes das duas memórias que se complementam.
No processo de revisão, o revisor recorre à memória de representações e de todos os
conhecimentos prévios que lhe possibilitem definir e encaminhar a tarefa segundo seus
objetivos, avaliar o texto, selecionar estratégias e executar diferentes interferências e

79 Adaptado de (LAFLAMME, 2009).


80 (ROSA, 2020, p. 320)
5-89

proposições. O conhecimento dos gêneros textuais permite ao revisor avaliar a adequabilidade


do processamento requerido por cada situação.81

Os revisores profissionais podem fazer diversas leituras multifocais: para entender, para
avaliar, para interferir, para procurar, mas alguns fazem apenas e diretamente leituras de
interferência; não há nenhuma crítica ou censura a tal procedimento, ele pode ser perfeitamente
eficiente e suficiente, de acordo com os parâmetros do serviço. Também nos referimos às
leituras como “passagens” pelo documento ou, mais raramente, “visitas”. Aqueles modos de
leitura já estão incluídos no modelo de revisão desde Hayes e seus colaboradores.82 Ao ler para
entender, o revisor simplesmente pretende construir uma representação compreensiva do
significado do texto, recorrendo a diversos meios, incluindo decodificar palavras, reconhecer
as estruturas gramaticais das frases e estabelecer inferências factuais. Nesse caso, os revisores
leem mais frequentemente um parágrafo de cada vez para entender melhor seu significado.
Deve-se notar, no entanto, que a simples leitura para entender, quase sempre, leva à detecção
de problemas, notam-se erros na digitação e na gramática; nossa sugestão é nunca adiar a
interferência em relação a um problema detectado, pois ele pode muito bem se esconder e nunca
mais voltar à vista.

Ao se ler inicialmente para entender, fazem-se necessárias outras leituras em sequência,


para avaliar e interferir no texto. O revisor ainda lê para entender, mas especialmente para
detectar e diagnosticar problemas globais. Além disso, por já ter algum entendimento do
conjunto, alguns revisores dispensam a leitura avaliativa, muitas vezes por falta de tempo.
Todavia, essa leitura inicial permite ao revisor identificar problemas conjunturais e deficiências
de textualidade. Essa leitura é interrompida compassadamente, quando o revisor interfere em
um problema e relê para julgar sua proposta, mas ela é retomada logo depois, a menos que o
revisor mude para a leitura seguinte, para entender outro parágrafo.

Posta a necessidade de muitas leituras e releituras, o paradoxo é que não adianta


continuar a ler para sempre: após diversas leituras a memória do revisor começa a ficar saturada,
em processo semelhante ao que acontece com o autor. Quando isso ocorre, quer com autor, quer
com revisor, a capacidade de identificar falhas decai. Por isso, existem limites de leituras
preconizadas, sempre segundo os parâmetros de cada serviço, limites nos quais a revisão deve
se processar. Revisão nunca é uma infindável série de leituras, cabe ler sistematicamente, mas

81 (ROSA, 2015).
82 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
5-90

parar de ler também é parte do processo. Algumas alternativas para suprir o problema de
excesso de leituras incluem o espaçamento temporal entre elas ou a inclusão de mais um revisor
no serviço – todavia, ambas as alternativas são condicionadas às variáveis tempo e orçamento
disponíveis. Em outro capítulo, retomaremos a questão da saturação de leituras, indicando
alguns artifícios técnicos pelos quais o revisor pode contornar essa dificuldade.

São propostos cinco parâmetros de revisão profissional que “verificam se o conteúdo da


mensagem é transmitido através de um código inteligível e de forma que assegure a eficácia da
comunicação”83. Esses critérios utilitários de procedimentos que visam garantir a qualidade dos
textos são precisão, correção, legibilidade, adaptabilidade e custo-efetividade. Embora tenham
sido estabelecidos pela primeira vez para revisão de tradução, os autores afirmam que eles se
aplicam igualmente à revisão comum, com algumas adaptações.

A precisão é o único critério relacionado ao conteúdo, talvez seja o mais difícil de se


verificar; o revisor tenta garantir que o autor tenha dito o que se propunha a dizer, que suas
palavras reflitam seu pensamento, se houver. O assunto e o propósito do documento podem,
então, ajudar o revisor a verificar a exatidão do conteúdo. Trata-se, essencialmente, de crítica
voltada à coerência interna. A correção diz respeito a tudo relacionado ao cumprimento do
código linguístico. A legibilidade visa garantir a facilidade de compreensão da declaração; é
avaliada com base na lógica, clareza, brevidade e aplicada, em particular, em relação à escolha
da palavra e a evitar repetições, redundância e estrutura, comprimento, ordenação e articulação
das sentenças. A adaptabilidade funcional é critério para se verificar se o registro de linguagem
correto é usado de acordo com os destinatários e que a mensagem seja apropriada para eles.
Finalmente, custo-efetividade é a avaliação do documento para garantir que não levará mais
tempo e esforço para revisar do que reescrever: vale a pena revisar, ou é melhor devolver para
o autor reescrever? Essa questão pode se referir a um parágrafo ou a seções mais longas do
texto. Não confundir custo-efetividade com custo-benefício, o segundo se refere ao dispêndio
monetário em relação à qualidade do serviço prestado, não é parâmetro do processamento; a
consideração sobre ele é de outra esfera à qual chegaremos.

O revisor deve procurar elementos que possam ser melhorados porque não
correspondem às convenções de linguagem, ou porque, se correspondem a elas, não alcançam
a eficácia máxima de comunicação.

83 (HORGUELIN e BRUNETTE, 1998, p. 36).


5-91

Na situação de reescrita, pelo autor, o desejo de corrigir um problema bem como a


descoberta de uma ideia são os gatilhos da modificação,84 isso vale também para a revisão
profissional. De fato, já se notou que os revisores usam estratégias de detecção, um conjunto de
operações cognitivas, combinadas a recursos materiais, que possibilitam a ele identificar
eficientemente as necessidades de interferência para aperfeiçoamento dos textos.85 Duas
estratégias foram apontadas até agora: antecipação e comparação; temos considerado um pouco
sobre esse pormenor e ainda não entrevimos abordagem que vá além disso. Essa questão é
importante, pois trata-se da identificação de procedimentos cognitivos aplicáveis, que poderão
ser incrementados e estimulados no treinamento de revisores.

A estratégia de antecipação é implementada quando o revisor especula sobre a


ocorrência de problema que, provavelmente, esteja bem próximo: poucas palavras à frente, no
segmento ainda não lido. A experiência acumulada, o conhecimento do autor e seu estilo, a
ocorrência dos mesmos problemas em segmentos anteriores, ou ainda os conhecimentos do
revisor sobre o assunto, o levam a prestar especial atenção à passagem. Essa estratégia leva à
detecção de possíveis problemas dos mais diversos tipos; ela atrai os olhos (literalmente) do
revisor diretamente ao foco da interferência necessária, muitas vezes esse procedimento de
leitura direcionada provoca saltos sobre o texto, em prejuízo da linearidade da leitura.86

Dentre os modelos de leitura que englobam esse processo de antecipação, há os que


buscam estabelecer relação mais direta entre o movimento dos olhos e os aspectos cognitivos
envolvidos na leitura. Essa proposta contém dois princípios básicos: o da incrementalidade e o
da ligação olho-mente. O primeiro considera que o leitor interpreta cada palavra quando a
encontra, mesmo que isso lhe custe fazer suposições erradas: leitura incremental. O segundo
princípio prediz que os olhos se mantêm focados na palavra o tempo necessário para que ela
seja processada (e esse tempo aumenta quando há algum problema de intelecção, inclusive por
ruído comunicacional). Nesse modelo, primeiramente ocorre o estímulo ocular, em seguida, a
memória de trabalho conecta a memória de longo prazo e o processo cognitivo, que envolve a
codificação da palavra e seu acesso lexical, a atribuição de caso, a integração com a
representação prévia do texto. Um pressuposto importante do modelo é que o sistema pode
produzir mecanismos que se adaptam à sequência dos processos. Isso pode definir duas linhas
de processamento, bottom-up ou top-down, que também correspondem à cognição por

84 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).


85 (BISAILLON, 2007).
86 (BISAILLON, 2007). (LEITE, 2014).
5-92

antecipação ou por inferência. Ao final de cada sentença ocorre o processamento dela,


denominado sentence wrap-up, quando são resolvidos problemas que possam ter persistido,
como falta de referente ou ambiguidade. Boa parte do que é proposto por esse modelo é
considerado nos estudos sobre o movimento dos olhos e leitura; sabe-se que o processamento
de uma palavra pode terminar imediatamente após a fixação dos olhos nela. Se o enfoque na
decodificação dos signos para posterior acesso ao significado caracteriza a leitura menos
proficiente, as leituras direcionadas à produção do sentido demonstram maior perícia por parte
do leitor. O revisor se concentra nos aspectos da superfície textual bem como nos aspectos
relacionados ao processamento linguístico e textual, ele faz, concomitantemente, leituras dos
signos e dos sentidos, assim como leitura metalinguística. Diferentes padrões de movimentos
oculares ocorrem quando diferentes hipóteses são processadas. A leitura do profissional é muito
mais complexa que a do leitor ordinário, possibilitando a detecção de problemas com muito
mais acuidade.87

A estratégia de comparação, por outro lado, baseia-se em vários estados de


conhecimento e na capacidade dos revisores: certeza, incerteza e ignorância. Essa estratégia é
usada para detectar o problema toda vez que o revisor para em dado segmento do texto e o
compara a outro de seu banco de conhecimento, de sua memória. Dependendo dos
conhecimentos do revisor, os problemas detectados são reais (certeza) ou potenciais (incerteza
e ignorância) – caso em que cabe recorrer às obras de referência ou questionar o autor.88

Os problemas reais e potenciais identificados pelo revisor devem ser resolvidos a tempo,
à hora, imediatamente, e quando a estratégia for a postergação da interferência, a demanda deve
ser arrolada para não ser omitida. O revisor corrige automaticamente muitos problemas reais,
assim que os diagnostica, muda quase simultaneamente à passagem para resolvê-los. O revisor
então utiliza sua condição e conhecimento de ação, para usar a terminologia de Hayes,89 para
resolver esses problemas, geralmente de gramática e de digitação.

Quando não couber o conhecimento e ação, para remover problemas de um texto, o


revisor utiliza outras estratégias de resolução que ele pode decidir aplicar imediatamente ou
adiar. A estratégia de resolução consiste em uma operação, ou conjunto de operações, que pode
ser comprimida no uso de recursos físicos e cuja execução visa esclarecer ou resolver um

87 (LEITE, 2014).
88 (BISAILLON, 2007).
89 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
5-93

problema real ou potencial detectado. Diz-se que a estratégia é simples quando o revisor usa
apenas uma operação, enquanto se diz ser múltipla quando combina sucessivamente mais de
uma operação. Em alguns casos, o uso de uma estratégia única (ou operação isolada) não é
suficiente para especificar e resolver um problema. As estratégias possíveis são a releitura, o
pensamento e a pesquisa.90

A releitura ocorre quando um problema é detectado, mas precisa ser especificado.


Muitas vezes, essa estratégia é acompanhada de reflexão. É usada quando o revisor pensa em
uma maneira de resolver um problema real e, se ele encontrar mais de um, ele se pergunta qual
será a alternativa melhor ou mais eficaz. Às vezes, a reflexão também ajuda o revisor a
identificar um problema enquanto busca a solução de outro. Esse caso equivale
aproximadamente ao que Hayes e seus colaboradores chamam de busca memorial; o revisor
busca em sua memória de longo prazo os conhecimentos relevantes para o diagnóstico do
problema.91

Para diagnosticar e resolver determinado problema, o revisor pode pesquisar em livros


de referências, dicionários, gramáticas ou na internet, por exemplo, mas ele também pode se
referir ao próprio texto para encontrar a resposta, além de considerar a possibilidade de
questionar o autor ou qualquer outra pessoa. Quaisquer pesquisas constituem operações de
aquisição de informação para efeito de comparação. A analogia é instrumento de uso constante
do profissional para detecção e solução de problemas, como mencionamos. A estratégia da
busca de referencial costuma ocorrer imediatamente ao problema ser detectado, mas pode vir a
ser adiada, em muitos casos, especialmente quando o revisor acredita que há falta de
detalhamento no documento, que não entende o que o autor pretendia ou que não tem a fonte
da informação. Então, o revisor toma notas ou apresenta perguntas ao autor, que lhe dará
respostas posteriormente.

As diferentes estratégias utilizadas pelos revisores, bem como a falta de estratégia,


levam a pelo menos seis desfechos diferentes, dependendo dos problemas detectados e
diagnosticados e se a resolução é aplicada imediatamente ou adiada.

Quando a resolução é adiada, o revisor não interfere no texto (o problema permanece


sem resolução, adiamento, postergação), exceto por anotação para identificar facilmente o

90 (BISAILLON, 2007, p. 307).


91 (HAYES, FLOWER, et al., 1987, p. 226)
5-94

problema a que ele deve retornar, ou ele aguarda solução ou sugestão do autor. No caso da
tentativa de solução, o revisor pensa uma maneira de editar o documento, mas isso não o satisfaz
e nada mais vem à mente por enquanto. Ele pode introduzir uma proposta de modificação
provisória, abrindo oportunidade para pesquisa e questionamento posteriores, fica a alternativa
proposta, mesmo que ele saiba que não é definitiva. Se o revisor faz uma sugestão ao autor, ou
apresenta um questionamento, é porque ele não se sentiu capaz de resolver o problema sozinho;
não está clara a questão ou ainda não foi encontrada a solução adequada.

Três tipos de resolução são processados em caráter imediato: não fazer a intervenção no
texto, fazer uma interferência ou demandar por reescrita ao autor. O revisor não faz intervenção
quando o problema detectado não se materializa, trata-se de um pseudoproblema que acionou
o falso alarme. Antecipação equivocada, ignorância e falha de memória levam o revisor a usar
estratégia inadequada de intervenção. Quando isso acontece, pode ser um alarme falso. Isso é
o que ocorre, por exemplo, quando ele para na palavra, duvida da grafia e procura a palavra no
dicionário: o revisor pode não ter certeza de que haja erro e, de fato, a palavra está bem escrita.
Foi apenas um juízo provisório equivocado, cry wolf.

A leitura para validar alterações é etapa opcional ao final do ciclo de alterações, mas
está sempre presente em algum momento do processo. Na prática, não há uma leitura final
propriamente que dê cabo da tarefa; ocorre a última passagem por decurso do prazo ou por
exaustão dos meios. Ao final do ciclo de interferência, o revisor relê – frase por frase – para
ratificar as alterações feitas e verificar se elas não causaram outros problemas. Também se pode
esperar até o fim de vários ciclos sucessivos de mudanças antes de se reler um parágrafo ou um
fragmento do texto para garantir a consistência em todas as alterações propostas. Finalmente,
pode-se decidir esperar até o final do processo de revisão antes de reler todo o documento para
julgar a qualidade geral do trabalho. Essa leitura para validar suas alterações também pode levar
a outros ciclos de interferências se forem detectados problemas “novos” em geral.

5.4 ESCOLHAS PROCEDIMENTAIS

Muitas escolhas integram as práticas do revisor, algumas são relativas à própria escolha
do profissional (quem vai revisar qual texto), outras são sobre rotinas e estratégias aplicáveis a
cada mandado, em função das variáveis estabelecidas (prazo, profundidade da revisão,
revisores empenhados). As primeiras questões que surgem são quanto a quem vai revisar cada
5-95

texto. Em seguida, cabe considerar o que será revisado (materialmente) e como será feito o
serviço, sendo esse último elemento repleto de variantes.

Certamente, pessoas diferentes podem assumir o papel de revisor. A primeira questão


é: dadas as funções e objetivos da revisão, quem está mais bem posicionado para fazer
adequadamente a revisão demandada? A revisão em si é passo necessário no processo de
produção textual. Ninguém está mais bem posicionado que o revisor para representar o
destinatário. Isso posto, cabe afastar, novamente, a ideia de que o autor (ou quem quer que seja,
envolvido no processo de produção primária da escritura) possa fazer intervenção em seu
trabalho a que possamos chamar de revisão; revisar, tal como a entendemos, é,
inexoravelmente, tarefa que exige alteridade. De fato, a grande vantagem da revisão reside em
que o revisor pode se colocar no lugar do leitor-alvo, alheando-se do eu autoral; não se podem
produzir catarses tão díspares quanto emular a um só tempo as personas do autor e do leitor,
mas o avatar do revisor transcende entre os dois corpos abstraindo-lhes as almas. Podemos
acrescentar a isso que o revisor não é influenciado pelo original ou por versões anteriores dele,
como acontece com o autor que enfrenta, continuamente, os fantasmas das versões preliminares
do escrito, visões que se mantêm constantes, obnubilando a visão direta do produto textual
presente, vício que não acomete o revisor alterno. Essa vantagem não é desprezível, pois
implica que suas formulações serão mais naturais, pois não estão sujeitas à linguagem de origem
ou às variações experimentadas durante o processo de redação. No que diz respeito ao conteúdo
semântico ou material do texto, não há nada que impeça o revisor de consultar o autor para
verificar ambiguidades, imprecisões ou obscurantismos que podem parecer ao redator muito
claras sem o serem.

No entanto, há uma desvantagem paradoxalmente inerente à revisão de outra pessoa


(alterna). O fato de que o autor sabe muito bem que cada um de seus trabalhos passará para as
mãos de um revisor pode incentivar o comodismo de sua parte, ele pode não fazer seu melhor
sabendo que alguém vai revisá-los. Da mesma forma, isso pode levar ao fenômeno de paralisia
da autocrítica, já que o autor não resolve mais nenhum problema por conta própria, mas deixa
a maior parte do trabalho da textualização para o editor ou revisor. Trata-se de os autores
pensarem: “eu não tenho certeza sobre essa passagem, mas não importa, porque meu revisor
vai dar atenção a ela”, em um caso, ou “não sei se essa é a melhor forma, mas, se não for, o
revisor vai propor outra”. Entretanto, cabe contrapor que esse problema não é afeto à revisão,
5-96

propriamente, mas decorrência da existência posterior dela sobre o passo anterior da criação do
texto.

É claro que esse argumento não concorda com nossa visão de autor consciente que
queira dar de si o melhor, mas é, no entanto, válida, porque a lei do menor esforço é muito
humana.

Feitas essas digressões precedentes, várias pessoas podem ser capazes de assumir o
papel de revisor, em melhor ou pior encarnação:

➢ outro autor (coautor, ou mesmo o orientador acadêmico são exemplos


recorrentes no meio universitário): é comum um autor chamar um de seus
colegas para revisar sua produção. Podem ocorrer revisões recíprocas – inclusive
como troca de favores, o que é muito prático e economicamente confortável;
➢ um especialista na área (revisão entre pares; “revisão-expertise”): o revisor-
especialista faz uma revisão especializada para avaliar a adequação do
documento para o propósito especificado e recomenda a ação corretiva cabível,
mas não faz inferências; esse revisor considera o objeto textual e sua forma, mas
não age diretamente no texto. Especialistas podem dar conselhos, mas não
podem ser considerados revisores. O especialista conhece o assunto tão bem que
tende a optar pela construção que corresponda a sua ideia preconcebida do
assunto em vez da mensagem do original; da mesma forma, pode não identificar
obscurantismos efetivos por deter conhecimento do que não foi, mas deveria ter
sido expresso;
➢ um superior hierárquico (editor, coordenador editorial, supervisor, orientador):
é a forma de revisão chamada de top-down. Essa revisão pode ser resposta à
necessidade atual de gestão efetiva do tempo, dadas as pressões enfrentadas pelo
mundo da produção literária – em sentido amplo. É importante lembrar que o
autor ou superior mais experiente é a pessoa mais bem posicionada para prestar
assessoria ao autor e, assim, cumprir a função didática da revisão. Esse papel
que o autor ou superior é capaz de desempenhar é fundamental em diversas
circunstâncias de produção coletiva de textos.
➢ um subordinado: revisão de baixo para cima (bottom-up). É o oposto da revisão
de cima para baixo, é um autor iniciante que revisa o escrito de alguém mais
experiente do que ele mesmo. Pode-se incluir aqui a revisão feita por um
secretário, por um estagiário, por um assistente. Há seis vantagens para essa
forma de revisão. Vamos listá-los e ter cada um deles seguido de algum
comentário:
o baixo custo, pronto atendimento, solução de problemas textuais
5-97

mecânicos e possibilidade de o documento de baixa importância ir à luz


imediatamente. Justifica-se para memorandos, postagens, e outros textos
de consumo imediato;
o justifica que a maior parte do trabalho em tela, a produção do original,
seja feita por alguém experiente que imediatamente o submente à
revisão. Acreditamos que há boa chance de que o autor experiente
produza uma versão melhor que o autor iniciante ou seu subordinado
hierárquico;
o é melhor que a produção mais significativa seja pelo autor experiente.
Caso contrário, ao verificar o trabalho do autor iniciante, o experiente
pode repetir o trabalho do iniciante, retrabalho que implica em má gestão
de tempo e recursos;
o os problemas dos autores experientes podem ser facilmente detectados
por autores iniciantes, a maior parte deles tende a ser falha mecânica;
esse argumento é consistente com o primeiro e assume que autores
experientes não cometam tantos erros graves, o que acreditamos ser
questionável. Podemos acrescentar que alguns autores iniciantes podem
não se atrever apontar os erros dos superiores para não os ofender;
o saber que sua produção será revisada por um autor júnior força o mais
experiente a dar o melhor de si. Esse argumento vai contra o argumento
de que o autor, seja iniciante ou experiente, pode ser tentado a não fazer
seu melhor, sabedor de que seu trabalho será revisado. Além disso, esse
argumento também pode se aplicar ao escritor novato, que vai querer
convencer seu superior de sua competência;
o permitir que o autor iniciante veja por si qual é o trabalho do revisor.
Colocando-se no lugar do último, ele será capaz de se tornar consciente
da dificuldade desse trabalho e isso ajudará a melhorar a relação entre
autor e revisor, tema que abordaremos posteriormente. Além disso, o
autor menos experiente também será capaz de melhorar indiretamente
suas habilidades de redação, observando, ao longo do texto revisado, as
soluções para certas dificuldades linguísticas e comunicacionais que ele
próprio teria experimentado se tivesse que revisar o texto.

Em conclusão, vemos algumas vantagens para a revisão por um autor de menor patente.
Portanto, é possível optar por essa revisão em base ad hoc, no contexto da produção coletiva,
da dinâmica das equipes que tenham outras tarefas para além da produção textual. No entanto,
o revisor subordinado permanece incapaz de executar a função didática da revisão ou de
referendar a publicação de um documento de maior responsabilidade.
5-98

Os atores que mencionamos desempenharão provavelmente papel importante na


produção do escrito, mas eles não podem ser revisores completos em nenhuma circunstância.
Eles certamente não têm a capacidade de corrigir e melhorar o documento que o linguista
profissional adquiriu teoricamente e a proficiência prática que ele construiu. Poderíamos,
portanto, imaginar uma divisão de papéis para que todos contribuam na produção do texto, de
acordo com suas competências e a necessidade de revisão. Essas formas de revisão, chamadas
de “revisão coletiva” ou “revisão cruzada”, são certamente interessantes, mas parece que,
quanto maior o número de pessoas envolvidas na produção, maior o risco de heterogeneidade
no escrito ou de surgirem lacunas e redundâncias indesejáveis. É por isso que acreditamos ser
essencial que uma pessoa intervenha por último para eliminar quaisquer inconsistências e
decidir quaisquer debates, conferindo uniformidade ao discurso e coesão de estilo: o revisor
profissional, linguista, é indispensável. A revisão requer uma série de habilidades que fazem
com que ela não deva ser deixada para aqueles que não têm as qualificações linguísticas
necessárias.

Portanto, várias pessoas podem exercer funções de revisão ou assemelhadas a ela,


contribuindo para a produção do original, mas a necessidade do profissional linguista se
sobrepõe, ao fim e ao cabo da redação, como interlocutor e como mediador entre os autores e
o público-alvo, interferindo diretamente na mídia, respeitando-a como produto e como veículo,
reverenciando os autores e os destinatários, acatando a norma linguística ou a transgressão
consciente dela, agregando qualidade sem imiscuir sua personalidade ao produto textual,
fazendo-se ver pela qualidade acrescida e se mantendo invisível pelo resguardo do
protagonismo autoral.

Nesse processo, o revisor pode ter que definir prioridades e, portanto, perguntar: o que
precisa absolutamente ser revisado? Alguns aspectos podem prescindir de revisão? As respostas
a essas questões decorrerão, naturalmente, de cada contrato, considerado materialmente o
objeto e o mandamento.

Certos textos absolutamente precisam ser revisados, por exemplo, relatórios anuais,
discursos, documentos de grande circulação, documentos sensíveis e comunicações oficiais,
enquanto outros podem estar sujeitos a controle mais limitado (memorandos, diretivas). A
resposta à pergunta “o que revisar?” é a opção estratégica de gestão de recursos. Outros textos,
se bem escritos e reescritos, podem até prescindir de revisão; por que não? Só por sermos
revisores vamos trabalhar com a suposição ou a tese de todos os escritos do mundo devam ser
5-99

revisados? Não é assim, e bem o sabemos. A decisão sobre revisar um texto cabe a seu autor
ou a seu editor, a proposta ou a indicação podem partir do revisor, até mesmo no sentido da
venda do trabalho – mas a decisão sobre revisar não é do linguista.

Quanto ao modo de revisar, não existe padrão de revisão universal, ou que atenda a
qualquer demanda; qualquer rotina pode não ter a capacidade de gerar revisão clara e precisa,
uma vez que cada texto é único e, portanto, tem necessidades diferentes. Revisa-se de acordo
com os imperativos do projeto, uma vez que as normas e a praxe permanecem recomendações
gerais e devem ser complementadas pela avaliação que leve em conta os requisitos e adaptações
específicas para cada mandado. O grau de interferência varia de acordo com muitos fatores,
dificultando a criação de regras. O que também varia é a densidade da interferência que é
negociada com o contratante.

No entanto, o revisor precisa de um método (no sentido axiológico) ou de vários


métodos (no sentido pragmático). Isso é demonstrado pela necessidade de os revisores
trabalharem com base em instruções claras e inferidas da multiplicidade de gêneros e qualidades
textuais dos documentos submetidos. Não bastam as instruções gerais dadas pelos autores – que
raramente ultrapassam as óbvias indicações da revisão mecânica. Seriam necessárias instruções
específicas sobre como usar configurações, abreviaturas, nomenclatura, ênfase, ordenações…
Entretanto, quase sempre essas questões ficam ao arbítrio do profissional.

Antes de perguntar sobre parâmetros de revisão, o revisor deve determinar como ele
abordará o objeto: ele vai ler o conjunto e depois proceder as interferências com a visão global,
ou ler interferindo já de imediato? Quantas vezes será necessário (ou possível) reler o texto
interferindo antes de dar por concluída a revisão? Há várias escolhas. Há inúmeras imposições.
Há diversas limitações.

Os procedimentos também suscitam a questão da ordem de leitura. Há ligação entre a


ordem em que os segmentos sejam lidos e a qualidade final da revisão – por exemplo: os
capítulos 3 e 4 de uma tese sendo submetidos à revisão antes dos capítulos 1 e 2. A qualidade
da revisão se deve menos à escolha da ordem de leitura que ao fato de aderir a um procedimento
sistemático, ler os textos na ordem lógica traz benefício, mas nem sempre é possível, de acordo
com o projeto, e isso deve ser administrado pelo revisor que tenha ciência da natureza da
demanda.
5-100

Ha várias indicações de procedimento sobre a ordem em que os escritos devam ser lidos.
A recomendação geral é não ler unidades muito pequenas, caso contrário o revisor não teria
contexto suficiente para julgar a qualidade da obra.

Podemos facilmente imaginar que existam tantas formas de revisão quanto há produtos
no mundo literário. Por exemplo, um revisor sempre relê o parágrafo anterior antes de revisar
o próximo parágrafo para garantir a consistência em sua revisão, outro não o faz: confia em sua
memória. Cada qual sabe do melhor critério em geral e do procedimento necessário
pontualmente. Cada revisor desenvolve e muda sua própria maneira de revisar para melhor
atender às necessidades particulares do projeto, submetendo suas idiossincrasias metodológicas
à imposição da demanda.

Uma forma de revisão consiste em o revisor ler em voz alta enquanto outro revisor o
acompanha lendo. Esse método é ótimo para aprender a detectar tanto as qualidades do escrito,
ou eventuais dissonâncias, quanto para defendê-las pela convicção que se coloca na leitura, mas
também pelas imperfeições que dificultam essa mesma leitura em voz alta. Na gíria da revisão,
costumamos nos referir a esse procedimento como “bater o texto” – em virtude de diferentes
códigos de batidas com a caneta sobre a mesa com que um dos revisores sinaliza ao outro o
acompanhamento.

O procedimento de revisão importa como qualidade e tempo do processo, incluindo a


questão do orçamento e pessoal alocado no serviço. Os resultados sobre a escolha do
procedimento de revisão mais eficiente são os mesmos, seja a revisão como produto ou como
processo.

Apesar do pequeno número de livros dedicados à prática de revisão, alguns autores dão
conselhos sobre como revisar. Todos concordam que seja boa ideia seguir uma lista de questões
a serem revisadas e que, embora essas listas não sejam exaustivas, elas servem como diretriz.

São propostas as seguintes questões: precisão (fidelidade ao significado); correção


(respeito ao código linguístico); legibilidade (facilidade de entendimento); adaptação funcional
(considerando gênero, registro, tom, destinatário); custo-benefício (relação entre preço e
qualidade); custo-efetividade (relação entre demandas e satisfação).

O fator custo-efetividade é resultado do processo de revisão sobre o texto a ser revisado,


consideradas as variáveis de orçamento e prazo. O revisor deve determinar se a revisão levará
5-101

mais tempo ou se demandará mais investimento que o disponível, nesse caso ele deve se recusar
a revisar se não houver tempo ou recursos suficientes para o projeto ser concluído com
qualidade satisfatória.

O revisor deve controlar fatores que se aplicam a pequenas unidades da escritura (por
exemplo, terminologia, pontuação) e fatores macrotextuais, que se relacionam com todo o texto
(por exemplo: legibilidade, lógica, coerência). Como resultado, exige-se, para não permitir que
erros passem, que o revisor faça várias leituras, cada qual focada em uma ou diversas
configurações de focos.

Cada revisor pode ser levado a descobrir suas próprias fraquezas à medida que trabalha
e, assim, desenvolver prioridades específicas para seu processo de revisão. Mencionamos isso
anteriormente em relação à ordem em que os textos são lidos, mas isso também se aplica aos
fatores a serem observados. Por exemplo, um revisor pode, deliberadamente, ignorar a
pontuação em sua primeira leitura para seguir mais de perto o conteúdo do escrito, depois dedica
uma fase de revisão apenas à pontuação. Da mesma forma que o revisor desenvolve sua maneira
de revisar, de acordo com suas próprias capacidades, o revisor pode acabar conhecendo bem os
problemas da pessoa que ele está revisando e, assim, desenvolver um modo particular de revisar
um autor específico.

A aferição inerente à revisão deve ser sempre realizada em todo o texto, mas se distingue
a revisão parcial da revisão completa. Revisão parcial pode incluir: leitura de títulos e passagens
selecionados especificamente, por exemplo: legendas, didascálias, notas, citações… Ou revisão
focada em parâmetro específico, por exemplo, algum problema que se espera ser mais
encontrado (varredura longitudinal – inclusive eletrônica), ou apenas fazer a leitura do título e
do primeiro parágrafo, para retomar os sentidos macrotextuais.

No entanto, esses métodos são os primeiros recursos de controle, servindo para obter a
visão geral da qualidade do texto e das dificuldades que se apresentarão; abordagens parciais
sempre são artifícios procedimentais e raramente se pode ficar restrito a elas. Quanto à revisão
“mínima”, ela trata apenas de uma parte dos problemas que se enquadram no parâmetro
“fidelidade à norma e ao gênero” (apenas erros e omissões) e em parte do parâmetro “código
linguístico” (solecismos e ortografia).
5-102

5.5 VARIÁVEIS IMPLICADAS

Diversos fatores e variáveis relativizam as práticas do revisor, sendo necessário


considerá-los. Trata-se de elementos que influenciam a práxis e o resultado da revisão. Dentre
os muitos, elegemos considerar os recursos disponíveis, a origem do texto, a importância
relativa do documento, o gênero em que ele se insere, a legibilidade do original e a desejada
comunicabilidade bem estabelecida. Entendemos que se podem apontar outros aspectos,
entretanto, por ora, nos limitaremos a esses, não renunciando a alcançar outros indiretamente.

Os principais recursos a serem considerados são o tempo e as verbas; as restrições mais


frequentes são humanas e materiais – inclusive falta de recursos, os elementos externos que
vêm influenciar a revisão. Não há como afastar o fato de que a qualidade demanda tempo e
dinheiro.

O tempo disponível para o revisor parece ser um dos principais fatores que orientam a
escolha de revisar e, se for o caso, o método utilizado. As limitações financeiras às ordens de
revisão são elemento inevitável do debate sobre a qualidade do produto. As restrições
orçamentárias prevalecem hoje no mercado de revisão e envolvem os fatores atraso (por falta
de pessoal) e custo da mão de obra; também são critérios importantes no que toca à exigência
de qualidade: bons profissionais são mais onerosos que revisores incipientes. O custo anda de
mãos dadas com o orçamento do serviço de revisão. Quanto maior o orçamento, menos
restrições de pessoal e tempo haverá – mais revisores, mais qualificados e mais tempo
disponível são indícios de exigibilidade quanto à qualidade.

Em relação ao fator tempo, instala-se o conflito entre demandas econômicas por tempo
e solicitações de profundidade, confiança e qualidade. Quanto mais tempo o revisor dispõe,
mais mudanças necessárias ele faz. Se a qualidade requer tempo, prazo excessivo não leva
necessariamente a crescimento qualitativo. Existe um tempo razoável e, para alguns, o estresse
do fim dos prazos é elemento de produtividade, o que é paradoxal, mas é o que se observa.

Os perigos da superrevisão (hiperrevisão, para alguns) nunca devem ser subestimados.


Quando o revisor constantemente revisa, revisa, reavalia, refina, corrige e melhora texto, os
perigos de “matar por bondade” são altos – errar por excesso de interferência. Nos círculos de
tradução e revisão alemães, o termo usado é Verschlimmbessern [w]hich, que significa
“melhorar até piorar”.
5-103

O fator tempo é, sem dúvida, problema muito atual no mundo profissional da revisão e,
embora seja muito interessante perguntar se gastar mais tempo leva a uma melhora qualitativa,
geralmente, falta tempo para os revisores fazerem o que deveriam, ou falta dinheiro para pagá-
los pelo tempo necessário – o que dá no mesmo. Os revisores independentes, que são, cada vez
mais, pagos pela quantidade de trabalho fornecido (caracteres, palavras ou página), enfrentam
um dilema ético: ou se ater ao tempo que podem dedicar à revisão e aceitar o risco de erro, ou
gastar o tempo necessário para atingir certa qualidade, mas não serem pagos o suficiente em
relação ao tempo gasto. Esse é um problema específico para revisores independentes que não
afeta os revisores que são funcionários de editores, ou não os afeta na mesma medida, pois
pressão de tempo e produtividade sempre haverá. Os revisores que têm a carteira de trabalho
assinada certamente enfrentam pressões de tempo no departamento, mas não têm o mesmo
problema ético que revisores independentes, uma vez que recebem salário fixo
(desconsiderados eventuais bônus). É possível inferir que os profissionais com vínculo
empregatício produzam revisões de melhor qualidade que os revisores independentes? Seria
interessante comparar as revisões feitas pelos serviços editoriais às feitas por tradutores ou
revisores independentes, o que não será feito aqui.

Outro fator material é a proximidade geográfica do revisor e da revisão. A forma pela


qual a revisão é realizada provavelmente não será a mesma, dependendo de o revisor e o autor
estarem em duas salas vizinhas ou se os dois atores trabalham em locais diferentes, ou mesmo
cada um em cidade diferente, em casos extremos (e cada vez mais frequentes), sem sequer se
conhecerem. Em particular, estamos pensando no fato de que, se eles tiverem o mesmo local de
trabalho, o revisor optará por mais interferências resolutivas, pela possibilidade de consulta
instantânea – e fará isso quase como decorrência natural da proximidade espacial dos sujeitos.

No que diz respeito aos recursos humanos, surge a questão da disponibilidade do revisor
ideal, aquele que, em um caso específico, estará na melhor posição para realizar a revisão (com
base em seu conhecimento do campo, sua combinação de experiência, antiguidade, agenda…).
Se o revisor ideal não estiver disponível, a questão será determinar qual dos revisores
disponíveis é mais apropriado.

Em termos de restrições de revisão, as instruções do contratante são de grande


importância. Quem decide que o texto precisa ser revisado e quem o transmite ao revisor é o
autor, ou o cliente que for. Às vezes, ele se comunica bem com o revisor, com prontidão e
clareza – mas nem sempre o autor se dispõe ou está disponível. Sua maior ou menor cooperação,
5-104

portanto, importa para o revisor e o editor. O cliente também estabelece os prazos e as condições
em que a revisão deva ser realizada. Essas instruções são dirigidas ao revisor (ou ao editor)
primeiramente, mas revisor e editor devem respeitar orientações e prazos. Embora sejam de
grande importância, as instruções do cliente devem ser sempre tomadas com certas reservas
pelo editor e, a fortiori, pelo revisor, pois o contratante não está sempre certo quanto a questões
linguísticas e pode ser sábio não cumprir suas ordens em favor de critérios linguísticos como
legibilidade e compreensão.

A origem do texto é fator extremamente relevante. Em primeiro lugar, a origem se refere


à autoria, que pode ser inclusive ignorada, apócrifa, coletiva – e essas possibilidades são
também variáveis relevantes. Saber quem escreveu estabelece a base da qual emerge o discurso
e a que ele deve se manter fiel. Saber que o documento é de produção coletiva indica que pode
haver construções desarmônicas, reescrituras cruzadas, falhas de edição e adoção de critérios
mutuamente excludentes ou conflitantes. A qualidade do original é determinante. Quanto mais
compreensível e bem estruturado, mais fácil será para o revisor aperfeiçoá-lo – e os resultados
serão melhores. O critério da importância e permanência do escrito está, portanto, mais
relacionado à etapa de produção, mas ainda tem impacto na revisão, na medida em que o revisor
faz uma revisão consciente, sempre atenta à importância e finalidade do produto. Não é à toa
que chamamos o texto que vamos revisar de “original” – é de sua gênese que estabelecemos
todos os critérios procedimentais.

A qualidade do material a ser revisado, obviamente, desempenha papel na escolha da


revisão que é indicada, e essa qualidade, frequentemente, é decorrência da origem do
documento. No caso extremo em que o escrito seja de qualidade tão baixa que não seja passível
de revisão (podemos garantir que esse limite está situado no campo real!), o revisor deve recusar
o serviço e garantir que o texto seja devolvido ao autor para melhoria ou completa reescritura.
O critério que se refere ao último dos parâmetros consideráveis é a rentabilidade. O revisor ou
o administrador da revisão, eventualmente um editor, deve julgar se a revisão é exequível,
financeiramente rentável ou, pelo contrário, se seria preferível devolver ao autor porque se
ganharia tempo, ficaria mais barato, ou situações como tais. Esse critério pode ser mencionado
como o último deles, mas é dos mais decisivos e, eventualmente, constitui restrição absoluta ao
serviço.

Todo documento tende a ser importante para quem o escreveu. Se o autor procurou um
revisor, é que ele atribui importância a seu produto. Quanto mais importante o documento, mais
5-105

recomendada é a revisão. Quanto melhor o autor, mais se exige que o revisor seja qualificado.
Também se estabelece uma classificação dos textos por importância. A confiabilidade do
revisor também entra em jogo, em relação à importância do original. Textos menos importantes,
“menores” (que serão lidos rapidamente ou não serão preservados) não merecem revisão
completamente acurada; não valem tal investimento. Entretanto, mesmo os escritos “efêmeros”
devem ser revisados com total consideração de suas nuances, quando o autor o requer.

A consideração seguinte é que as atividades de linguagem que se materializam em textos


são indissociáveis dos gêneros textuais, compreendidos como tais as formas comunicativas
elaboradas segundo precedentes e sincronicamente disponíveis, tanto como arquitexto, como
instrumentos ou modelos que, se apresentam aos usuários da língua sob forma indistinta, mas
reconhecíveis em seus próprios parâmetros.

Além da indissociabilidade das formas de enunciação dos processos de interação social,


os textos devem ser analisados em perspectiva descendente, considerando, conjuntamente, as
interações sociais, o contexto e, em seguida os gêneros produzidos no quadro dessas interações;
finalmente, consideram-se as unidades e estruturas linguísticas observáveis no interior dos
gêneros conhecidos e relacionáveis. Os gêneros serão, para os fins que nos interessam, produtos
das mencionadas interações sociais e seu funcionamento e propriedades dependem dos usos da
língua nas várias esferas de atividade, os gêneros são dependentes da atividade humana, das
relações sociais existentes, dado que sua variedade é determinada pela diversidade em sentido
amplo e seus múltiplos empregos.

Os gêneros modificam-se de acordo com o que ocorre nas esferas de atividade, a


heterogeneidade deles aumenta proporcionalmente à diversidade das atividades e condicionada
pelas mutações sociais e contextuais que ocorrem: do surgimento de novas atividades podem
resultar novos gêneros ou o contrário, alguns se extinguem quando perdem o sentido e a função.
Os gêneros estão ligados às necessidades comunicativas humanas, assumindo múltiplas funções
sociais, eles são indissociáveis dos processos de interação social, portanto, histórica e
culturalmente variáveis.

Os escritos não se inserem necessariamente em um gênero apenas, mas diversos gêneros


podem se complementar, principalmente em textos mais longos, ou se imiscuírem uns nos
outros, hierarquicamente. Por exemplo, os agradecimentos, o resumo e a introdução são gêneros
(ou subgêneros, como se prefira considerar) contidos na espécie tese (ou dissertação) do
5-106

supergênero dos textos acadêmicos. Para definir o caráter de gênero do enunciado, é


fundamental distinguir os gêneros primários, secundários, terciários… Os primeiros, a carta
pessoal e o diálogo do quotidiano, por exemplo, são de natureza simples; o romance já é
culturalmente e ideologicamente mais complexo e pode conter diversos gêneros secundários.
Na relação entre os gêneros primários e os secundários etc., uns são absorvidos pelos outros,
tornando-se, sucessivamente, componentes dos gêneros subsequentes.

É a partir da representação do padrão discursivo do gênero que o revisor avaliará as


características composicionais e linguísticas do documento, em conformidade com as
expectativas. A regularidade do padrão discursivo depende do gênero e de seu funcionamento
social; na avaliação do revisor, interagem representações, atividades, contextos de uso e
características genéricas, bem como aspetos relacionados à tarefa de específica (instruções do
cliente, livros de estilo, diretrizes editoriais) e os padrões discursivos do material a ser
revisado.92

Além de sua qualidade e do gênero em que se insere, o documento revisado contém uma
série de elementos próprios e, em primeiro lugar, seu objetivo, seu destino. É o critério da
“aplicação pretendida” – a finalidade do escrito – e esse é um dos que tornam possível decidir
se o documento deve ser revisado. Documentos de longa duração, persistentes, como
publicações encadernadas, teses, romances, tendem a ser avaliados com mais rigor que outros
de curta duração, avisos, anúncios, convites. Todavia, mesmo um artigo científico, ainda que
seja mais efêmero que a tese, requer acurácia na hora da revisão, pois os critérios de
elegibilidade para publicação são rígidos em face da disputa pelo espaço na mídia.

O leitor-alvo também é um critério que podemos citar. Dependendo do público a que se


destina o documento revisado, uma série de escolhas revisionais são feitas e o revisor deve levar
esse fator em conta. Essas considerações, focadas no produto revisado, referem-se a que o
propósito da revisão e o leitor-alvo são os fatores primordiais na determinação do método de
revisar utilizado. O ambiente profissional atual foca na comunicação (a mensagem transmitida).
Como resultado, muitas concessões são feitas ao público-alvo. Uma vez que a comunicação
seja regida pelo receptor, a precisão máxima é sacrificada à difusão máxima e o resultado é um
déficit qualitativo na comunicação em privilégio do superávit quantitativo.

92 (ROSA, 2020).
5-107

Também devemos considerar o texto a ser revisado em relação à legibilidade e outros


critérios relativos à composição e à ergonomia visual. A disposição e a apresentação do texto
são condições de legibilidade para o revisor (que eventualmente tem controle transitório sobre
essas questões) ou para o leitor final. Esses fatores podem inclusive decorrer de má-fé, como
as tão conhecidas “letras miúdas” nos contratos ou as notas de rodapé na publicidade. Para
revisar textos com pouca legibilidade, podemos aumentar o tamanho deles na tela, mudar
temporariamente as fontes, ou alterar-lhes o tamanho, substituir cores… São artifícios pelos
quais podemos subjugar a variável legibilidade, quando ela não nos for favorável.

Em nosso elenco, a comunicabilidade ficou para o fim, mas certamente é a variável mais
importante a ser considerada dentre as práticas do revisor; na realidade, salvo raríssimos casos,
ela é o fim, em si, o propósito do documento e do escrito e a justificativa maior para a existência
do trabalho do revisor. Talvez não estejamos bem ao considerar a legibilidade como variável,
pois ela é mais o desiderato, uma constante estabelecida como meta, exceto se o fazemos para
expor que recebemos escritos com diferentes índices de legibilidade e que a modificação desses
índices pode ser objeto do serviço.

5.6 ERROS IMPLÍCITOS

Vamos refletir brevemente sobre o fenômeno do erro e das más revisões e acerca do
modo pelo qual as responsabilidades por ambos são compartilhadas ao longo de toda a cadeia
editorial – até mesmo pela rede mais ampla, constituída pelo mercado de revisão e editoração
em geral, assim como pela pressão dos autores por tempo e por preço. Se é verdade que o revisor
está longe de ser o único a ter o mérito ao publicar uma obra, ao dar à luz um texto, ele também
não é o único culpado por uma edição ruim e, ocasionalmente, nem mesmo por revisão malfeita.
O revisor não está sozinho – especialmente quando ele está errado.93 Como já se pôde perceber,
estamos nos referindo ao erro do revisor. Temos entendido, inclusive, que não existe erro no
texto que não foi publicado, nem pode se dizer que exista; as falhas observáveis nos escritos
em fase de redação e de preparação são mesmo inerentes àqueles processos e fica afastada a
noção de erro, que já está ultrapassada, nesses contextos. Há erro aqui, sim, em duas hipóteses:
quando a revisão não detectou um problema e o saneou, ou quando a questão foi apontada ao
autor ou editor e o defeito foi, intencionalmente, mantido.

93 Adaptado de (RONCA, 2012).


5-108

Quanto ao erro do revisor, evidentemente que tudo, até mesmo nada, é melhor que uma
revisão ruim. Em todos os casos, a atenção do autor e do leitor concentra-se, em análise
abrangente e implacável, mas necessária, nos erros de revisão presentes nos textos mal
revisados: grande número de omissões, inovações terminológicas, imprecisões, problemas
estruturais que subsistam leva a concluir que, às vezes, o resultado final não tem nada a ver com
o original e, muito menos, com o produto desejado. A reflexão sobre quem é o “culpado” é
amarga, mas obrigatória: porque uma revisão malfeita, quando é decididamente incorreta, falha,
intromissiva, corre o risco de não apenas perverter as intenções do original, mas, acima de tudo,
“anestesiar” o leitor menos treinado, empurrando-o para o hábito da leitura precipitada,
fastidiosa, descuidada e da qual a crítica incidirá sobre o autor.

Existem editores que confiam o trabalho a “revisores” sem verificar sua capacidade com
antecedência, certamente, para economizar dinheiro; os ditos revisores muitas vezes não são
suficientemente competentes, seria necessária supervisão macroscópica – e treinamento
acurado – antes de lhes ser confiado um mandado; ainda existem editoras que forçam o revisor
a trabalhar em tempos muito escassos e em condições econômicas proibitivas; sobretudo, existe
o departamento de marketing que agora conta mais que a equipe editorial na elaboração de um
plano de publicações que deveria ser coerente, mas não é; voltado sempre ao urgente
lançamento do próximo best-seller ou livro eletrônico, algumas vezes, sem o mínimo de
seriedade editorial e respeito para com o público ou os profissionais envolvidos.

A origem do problema seria, em última análise, a questão de custos e de maximização


de lucros: a publicação de livros é, principalmente em nosso país, operação deficitária e há a
tendência de economizar em tudo. Portanto, o trabalho de revisores e o de tradutores é
frequentemente precário, mal remunerado e mal reconhecido. No entanto, todas as habilidades
dos linguistas, tanto para serem aprendidas quanto para serem exercidas, requerem tempo,
preparação e comprometimento, coisas que devem ser adequadamente recompensadas.

Uma visão menos míope, que se concentrasse no sucesso a longo prazo, deveria incluir
essa realidade: o mercado editorial que faz uso de bons profissionais e em que há tempo e
maneira de criar colaboração virtuosa entre todos seria aquele no qual o texto não corresse o
risco de se afogar no esquecimento a que se destinam produtos de baixa qualidade.

São os próprios revisores (assim como os outros sujeitos mencionados da malha


editorial) que deveriam demonstrar o quanto suas habilidades profissionais valem e o quanto
5-109

ninguém está livre de culpa e mérito na linha de produção e publicação; os próprios revisores
devem ser invocados para sugerir maneiras de melhorar a situação: assumir a responsabilidade
de recusar um trabalho que não se pode realizar a contento, a cada nova demanda da agência
ou cliente; exigir salários justos ou remunerações adequadas pelos serviços; criar uma rede de
colaboradores atenciosos e preparados, dentro e fora dos escritórios editoriais.

A solução que viria dos revisores não é surpreendente: o fato de o trabalho do revisor
ser tão maltratado talvez seja devido à pouca visibilidade; assim, pouco se fala em revisão e
pouco é revisado, muito pouco é revisado adequadamente, e a bem pouca visibilidade sempre
significa controle deficiente das posições de mercado. Em vez disso, é precisamente
demandando o controle adequado sobre o trabalho de sua categoria e complementares que os
revisores devem exigir condições melhores para si – principalmente pela manutenção de valores
de remuneração compatíveis com a formação e experiência de cada um. Certamente, é
necessário compartilhar responsabilidades e satisfações com outros profissionais, o que
significa abandonar o mito romântico que quer os revisores isolados do mundo lutando com seu
texto (e enfrentando sozinhos a pressão das editoras ou dos clientes); é necessário que o
linguista sinta-se parte de um mercado editorial saudável, no qual ele possa finalmente ser
ouvido e levado a sério.

As “boas práticas” de edição precisam, portanto, que os sujeitos envolvidos no processo


(os revisores em primeiro lugar!) enfatizem a importância da estreita colaboração entre os
linguistas profissionais e a necessidade de o editor fazer escolhas de qualidade, baseadas não
apenas no critério da melhor oferta, mas na verificação de habilidades, nas disponibilidades de
tempo e na formação e experiência de cada profissional em função da exigência qualitativa
demandada pela escritura.

Cumpre aos revisores se reposicionar no mercado, de início, mudando a própria visão


de si, o que propiciará retirar nosso trabalho do anonimato e fomentará críticas cuidadosas e
construtivas das revisões, observados nelas os méritos bem mais que os defeitos – sabidamente
mais visíveis até hoje.

5.7 DOSSIÊ PARA A REVISÃO

Diversos fatores extrínsecos e intrínsecos ao original, ao autor e ao revisor trazem em si


informações que podem explicar as intercorrências no texto e justificar diferentes abordagens
5-110

na revisão. Pode ser útil a construção de um dossiê – ainda que informalmente – sobre a gênese
do objeto de cada mandado.

Um dos fatores efetivamente influentes no original e, consequente, na revisão é a


experiência do autor; a informação sobre essa questão pode ser necessária para se gerenciar o
trabalho. Podemos facilmente imaginar que a escolha do processo de revisão seja baseada no
juízo ou na informação sobre experiência ou inexperiência do autor do documento. Para cada
processo de revisão, haverá um revisor mais indicado para desempenho, sempre que o ambiente
contar com diversos profissionais. Assim, além do propósito do texto, também se considera a
habilidade do autor como fator determinante nas escolhas do revisor e, por ele, nas escolhas dos
atos de revisar.94

Além da experiência do autor, o fato de o revisor conhecê-lo e a seu trabalho também


desempenha papel. O revisor que esteja acostumado a revisar o trabalho de um escritor
conhecerá suas fraquezas e saberá, desde o início, onde concentrar sua atenção maior. Esse
critério afeta, portanto, os procedimentos de revisão escolhidos. A relação estreita entre revisor
e autor pode até vir a ser desvantagem, se levar o revisor a julgamento subjetivo, apressado,
simplista – cabendo atenção para se evitar tais equívocos e seus decorrentes prejuízos.

Além desses critérios, a forma pela qual o texto foi redigido, incluindo as condições de
trabalho do autor, pode afetar a necessidade de revisão ou os caminhos elegíveis para a
consecução do trabalho revisional. Por um lado, o tempo que o autor dispendeu em sua redação,
muitas vezes, tem impacto na qualidade do produto. Embora não haja correlação
necessariamente direta entre a qualidade do original e o tempo gasto para produzi-lo, o autor
pode não ter tido o tempo mínimo para produzir com a excelência que lhe seria peculiar em
outras circunstâncias. É importante o autor relatar isso ao revisor, para que possa fazer a revisão
mais adequada à situação. Por outro lado, o autor que tenha dispendido muito tempo em
produzir o manuscrito pode ter sobre-editado sua obra: tantas vezes remontou os parágrafos
que, ao cabo, a somatória das emendas ficou pior que o soneto esteve em algum ponto. Nessa
ocorrência, também é útil informar ao revisor; eventualmente, qualquer informação pode
subsidiar estratégias. Assim como em relação ao tempo utilizado na escrita, o revisor terá que
adaptar sua revisão de acordo com as condições todas em que o autor trabalhou: ruídos e

94 Adaptado de (QUENETTE, 2012).


5-111

dispersões a que esteve submetido no ambiente de trabalho ou em função de preocupações


latentes durante a redação, por exemplo.

Outros fatores podem afetar diretamente o método de revisão a ser utilizado. Pensamos
em particular nos autores que ditam seu texto (e isso é mais comum do que se pensa – inclusive
com a recente possibilidade de se poder ditar a um gravador (mais raramente) ou diretamente
ao computador, que já transforma o ditado colhido em texto digital. O texto em áudio é então
transcrito por um secretário (que está se tornando cada vez mais raro) ou digitador, no caso do
texto gravado pelo autor, ou por exemplo, no caso de entrevistas. Tanto o resultado das
entrevistas quanto o ditado do autor podem ser convertidos em texto digital usando software de
reconhecimento de voz. Em seguida, vai tudo à revisão. Esse método de redação tem grande
impacto no produto e no procedimento de revisão. Em qualquer desses casos, podemos estar
certos de que a carga de oralidade que será transposta ao documento produzido pelo conversor
de voz seja muitíssimo maior que nos textos nascidos diretamente pelo registro gráfico. Ainda
mais, a informação sobre o processo de criação do documento pode levar à conclusão de que
certo grau de oralidade deva ser preservado, inclusive para não o extrair de sua natureza.
Exemplo clássico são os segmentos de entrevistas transcritas em teses, cuja revisão preservará
a gênese do documento, mantendo alguns dos elementos peculiares à natureza da coleta
daqueles parágrafos.

Como acabamos de ver, número muito grande de fatores desempenhará papel na seleção
de abordagens de revisão. Na maioria das vezes, no entanto, os autores e editores não têm tempo
para analisar cada um desses fatores ao escolher o revisor, assim como o revisor não será
informado sobre tudo o que poderia ser importante em relação ao mandado. Seria, portanto,
interessante definir e apontar quais componentes têm mais peso e, assim, poder traçar o roteiro
de um dossiê a subsidiar as escolhas no processo de revisão.

5.8 GESTÃO DE RECURSOS E RISCOS

Já mencionamos, os provedores de serviços de revisão estão enfrentando fortes pressões


orçamentárias e ritmo de trabalho cada vez mais intenso. Nesse contexto, o objetivo é,
naturalmente, alcançar a melhor qualidade possível, o mais rápido possível e com o menor
custo. Para isso, é preciso perguntar como é possível adaptar a revisão, uma prática que é tanto
útil em qualidade quanto dispendiosa de recursos, aos modos de vida e de produção atuais. A
5-112

revisão é serviço importante e caro, melhor que seja aplicado seletivamente. Como custa
dinheiro, a escolha da revisão é também escolha financeira.

Cabe usar a revisão como parte da gestão de riscos. Os problemas nos documentos
produzidos não têm sempre o mesmo impacto, dependendo do gênero, de sua destinação e de
outros elementos. Portanto, é com base nesses dois critérios básicos e nos demais componentes
que deve ser decidido o caminho para a revisão. Nota-se que, entre os fatores que influenciam
as escolhas de revisão que mencionamos, aqueles relacionados ao original e ao público-alvo
são dos mais decisivos.

É necessário modular a intervenção do revisor conforme necessário para evitar o


excesso de investimentos: ele deve ser proporcional à importância do original. Sugere-se, para
os serviços de revisão, a implementação de uma política eficiente de gestão da qualidade com
base em dois critérios:

➢ classificação de revisões de acordo com sua importância;

➢ classificação de revisores de acordo com sua confiabilidade.

Com base nesses critérios, a questão será encontrar a combinação ideal. Considere-se
primeiro o risco do equacionamento entre oferta (confiabilidade do revisor) e demanda
(importância do escrito). Por exemplo, se um documento muito importante for revisado por um
revisor considerado menos confiável, o risco é significativo. Por outro lado, se for revisado por
um profissional confiável, o risco é menor. Com base nessa determinação do risco, fazem-se
recomendações de revisão: para o exemplo do documento importante que foi revisado por um
profissional menos confiável, considera-se a segunda revisão indispensável. Se o mesmo escrito
foi revisado por um revisor confiável, a segunda revisão ainda é necessária, mas não tanto.

Há algum parâmetro-chave para revisão? Se supusermos que o revisor tem muito pouco
tempo disponível, há pontos que ele terá que controlar? Entre os critérios substantivos, o da
fidelidade ao significado material e o da legibilidade são imperativos, independentemente da
importância do texto. Entretanto, não há leis universais aplicáveis às práticas do revisor; elas se
compõem da conjugação, análise e ponderação de todos os elementos disponíveis à altura da
ordem de serviço.
5-113

5.9 RELAÇÃO ENTRE REVISOR, TEXTO E AUTOR

A relação entre revisor e revisão como prática e como produto toca em importante
dimensão profissional da revisão. Mesmo ao longo dessas linhas, já temos apontado alguns
elementos ligados a tais questões. As muitas vezes que mencionamos isso mostram a
importância das relações humanas em toda análise. Destaca-se sempre a importância da relação
entre o revisor e os atores: o editor, o autor e o contratante. A relação do revisor com o autor é
a mais difícil. Sob esse prisma, a revisão tem duas facetas: uma é técnica (como proceder e por
quais critérios?) e a outra diz respeito à delicada questão da relação entre o ego dos revisores e
o dos autores.

Nós fazemos revisão de textos. Pronunciar essas palavras nos faz chorar e ranger os
dentes. O revisor, corretor, reescritor não tem boa imagem no mundo literário. Ainda assim, ele
é necessário. É essencial que o escrito seja trabalhado não apenas pelo próprio autor, pois ele
não é infalível.

O fato de o revisor ter o papel de “corrigir” é fonte de discórdia e tensão, especialmente


quando há também relação hierárquica entre revisor e revisado. Para reduzir a subjetividade de
sua intervenção – e a faceta ególatra da subjetividade, é importante que o revisor justifique suas
mudanças, ou tenha capacidade para tal, sempre que for questionado.

Todos concordam que uma atitude de abertura e respeito ao esforço autoral deve orientar
a prática do revisor, com o propósito de favorecer o equilíbrio de poder entre revisor e autor.
Existe a possibilidade (remota, em termos práticos) de se introduzir uma fase de discussão
presencial no processo. Essas discussões cara a cara são excelente maneira de o revisor
comunicar suas correções com diplomacia ao autor.

O autor se opõe à síndrome da revisão-sanção quando reduz a revisão a sua função


corretiva. A revisão deve agora ser usada evitando se impor como processo de apontar erros,
mas tornando-se procedimento mutuamente benéfico, em que avança o autor, mas também
beneficia o revisor, no sentido de que ele seja forçado a chegar ao fundo das coisas
(especialmente justificando suas intervenções) se ele quiser conferir credibilidade a seu papel,
e, finalmente, o mais importante beneficiário, o público-alvo, que receberá um texto mais
fluente, mais claro, mais preciso e que demandará menos tempo para ser lido.
5-114

O autor e o revisor são solidariamente responsáveis pelo mesmo produto e por sua
qualidade, qualquer falha de um prejudica a reputação do outro; eles são parceiros. É necessário
manter-se aberto o canal de comunicação entre ambos. Quando se faz uma boa revisão, toda a
arte do autor e do editor é construir a verdadeira parceria entre eles e os revisores. A revisão
deveria ser feita em conjunto sempre que fosse possível. De fato, demonstra-se com frequência
a importância do contato direto com o autor, que, ao destacar passagens, transmitir informações,
dados, confere interpretação autêntica a passagens ambíguas. Entre as ferramentas de
comunicação e colaboração existentes, além do e-mail e do telefone, existe a opção de
comentário no Word – trata-se de uma forma menos dinâmica de interagir que a seção conjunta,
claro, mas também tem suas vantagens, por exemplo, liberando o autor para a interação quando
lhe convier; paradoxalmente, essa mesma faculdade tem o defeito de que os autores ponderam
bem poucas vezes sobre as observações dos revisores e não respondem a elas na maioria dos
casos.

A comunicação entre o revisor e o autor é crucial. Serve não só para melhorar a


qualidade da produção textual, mas também para melhorar as relações entre esses dois atores
do projeto. De fato, se o autor tem o hábito de comunicar ao revisor detalhes no período anterior
à revisão, ele permitirá que o revisor entenda melhor sua tarefa e saiba precisamente em quais
elementos a revisão deve se concentrar. Assim, o revisor terá menos possibilidade de fazer
mudanças desnecessárias ou introduzir problemas, o que seria, ao mesmo tempo,
contraproducente e fonte de tensão em seu relacionamento com o autor. A revisão faz parte de
um esforço em equipe que incentiva a reflexão coletiva, muito maior do que a soma das
reflexões e conclusões individuais.

5.10 PRÁTICA DAS REVISÕES

Para arrematar essa digressão sobre a prática dos revisores e a das revisões, podemos
observar algumas tendências sobre as mudanças feitas durante a revisão. Em todos os serviços,
a revisão leva a aumento significativo na qualidade dos textos. É praticamente inconcebível que
assim não seja, mas haverá serviços que agregarão muita qualidade, outros agregarão menos.

Notamos também que a revisão vai além da melhoria minimalista nas produções
escritas. Pelo contrário, os revisores estão muito interessados em melhorar o estilo. Isso é
evidente no alto índice de mudanças na fluidez que se costuma encontrar e proceder. As
5-115

intervenções de linguagem e estilo se concentram no fluxo textual. Vimos nas várias formas de
revisões “parciais”, focadas apenas em um quesito, limitações decorrentes de tempo e dinheiro.

Gostaríamos de apresentar conclusões mais gerais, extraídas das observações sobre


diferentes processos de revisão. Isso nos permitiria ligar os dois componentes de nossa
consideração: os teóricos e os práticos. Estamos conscientes das limitações destas linhas,
particularmente no que diz respeito a sua representatividade, e não afirmamos sermos capazes
de chegar a conclusões científicas. No entanto, permitimo-nos fazer certas suposições
decorrentes de nossas observações, hipóteses que poderiam ser revertidas ou confirmadas por
estudo sistemático mais amplo. Como vimos, teoricamente, a comunicação entre revisor e
revisão é de grande importância. Em termos dos procedimentos de revisão utilizados, o serviço
em que os colaboradores relatam normalmente fazer várias revisões, cada uma delas focada em
um quesito ou em um grupo estrito deles, produz a revisão melhor. Vemos a importância das
restrições quanto à terceirização no processo de revisão. Revisões terceirizadas significam que
os atores do projeto não trabalham nas mesmas premissas, portanto:

➢ a revisão é feita apenas na tela, sem qualquer fase em impressão física, o que
sempre é útil, especialmente para textos longos; a prática de uma passagem pelo
texto impresso não tem sido observada, pelo custo que ela implica, pelo
distanciamento do revisor;

➢ a informação de alterações do revisor externo e as alterações feitas pelo autor ao


revisor externo são menos propensas a serem feitas;

➢ a decisão final de inserir mudanças necessariamente cabe ao funcionário interno


do departamento; e

➢ quase não há possibilidade de contato direto entre autor e revisor. Eles devem se
comunicar por e-mail, telefone, comentário no Word – mas essa comunicação
costuma ser intermediada. Os revisores costumam ter preferência pelo contato
direto, muitos autores parecem temê-lo.

No caso da terceirização, os revisores são privados da comunicação com os autores e


seus hábitos de trabalho são alterados. Podemos dizer que a terceirização tem consequências
decisivas para a prática de revisão. É forte a hipótese de que a terceirização tende a diminuir a
qualidade da revisão na melhoria da textualidade. Além disso, o cumprimento das instruções
do contratante é parâmetro importante que tende a ser desconsiderado quando a relação autor-
5-116

revisor é distanciada. Também vimos que o contratante intervém em muitos aspectos das
revisões, incluindo as categorias de conformidade do texto às instruções dos autores, elas se
perdem na terceirização. Na verdade, o papel do contratante é elemento que não costuma ser
abordado nos livros que tratam de revisão, assim como não se consideram, em geral, os
problemas decorrentes do mercado, incluindo a tendência de terceirização.
6-117

6 O TRABALHO DO REVISOR

Quando nossas ideias se chocam com a realidade, o que tem de ser revisado
são as ideias. (Jorge Luis Borges)

Verba volant, scripta manent.

6.1 EPÍTOME

1. O revisor sempre vai dar preferência aos 7. Inúmeras pesquisas relatam diferenças em saber
interesses e desejos de quem está lhe pagando, se uma pessoa revisa o texto na tela ou no papel
procurando o equilíbrio onde for possível. – na verdade, essa é praticamente uma questão
ultrapassada.
2. A distinção que fazemos entre “revisão”,
“preparação” e “edição” nem sempre reflete a 8. Antes de se envolver na revisão de um texto, o
terminologia usada no mundo profissional. profissional deve saber que a tarefa que terá de
Assim, muitos revisores usam “edição” para se realizar corresponde ao mandado de revisão de
referir ao processo de leitura sem se referir ao um cliente – autor, editor ou designer gráfico, por
texto de origem, isso nos parece mais um exemplo – no qual esse sujeito fornece as
procedimento de controle de qualidade. informações necessárias ao editor sobre o
trabalho que deseja ver realizado.
3. Se o trabalho de revisão é contratado, é vital que
os revisores externos (trabalho a distância, 9. Vamos discutir a revisão como exercício de
autônomos, terceirizados) tenham ideia muito leitura feita pelo linguista profissional, incluindo:
precisa do que a agência de revisão ou serviço orientação da reescrita pelo autor; revisão de
gráfico espera. traduções; verificação de qualidade; equilibrar
interesses de autores e público-alvo, clientes e
4. O mandado é uma espécie efetiva de contrato que leitores; medição da qualidade da revisão.
inclui as informações úteis ao revisor para
orientar seu trabalho e intercessão, as instruções 10. Existe uma tendência para a padronização de
e as restrições impostas, o prazo que se estipula procedimentos para a relação contratual entre o
para o serviço. cliente e o provedor de revisão (freelance ou
empresa de revisão).
5. Dos itens que o cliente deve mencionar ao
revisor, um dos mais importantes, senão o mais 11. Algumas organizações adjudicam contratos de
imperativo, é a revisão que o profissional revisão, e o trabalho do revisor designado para o
desempenhará. mandado deve ser avaliado antes da entrega do
serviço e de a fatura ser apresentada ao cliente e
6. Para melhorar um texto, o revisor deve conhecer o respectivo pagamento feito ao profissional.
as principais características do trabalho: o
assunto, o propósito, o gênero, os destinatários, a 12. É difícil revisar com sucesso ou
publicação e o tamanho da escritura. entusiasticamente, a menos que você tenha se
familiarizado com a ordem de serviço.

6.2 REVISÃO: TAREFA DE LEITURA

A revisão é a atividade dos linguistas profissionais em que se aperfeiçoam as


características do documento original que estiverem aquém do aceitável, conforme determinado
6-118

por algum conceito de qualidade ou segundo um manual específico, nela se fazem quaisquer
correções e melhorias necessárias e cabíveis. Mas o trabalho de revisão não é o mesmo sempre,
depende do objeto – o documento escrito, depende da demanda de quem contrata o serviço e
depende da finalidade do produto a ser entregue. Com alguns textos, por exemplo, o trabalho
do revisor é restrito à correção: omissões, falhas de digitação, barbarismos, problemas de
semântica e desvios das regras da linguagem padrão. Com outros textos, os revisores também
devem fazer melhorias de fundo: aprimorar a escrita, fazer edição estilística, eliminar problemas
de ambiguidade ou incoerência e fazer pequenos ajustes no sentido de melhorar a
comunicabilidade: assegurar que o leitor vá entender o escrito segundo o que o autor desejava
ao redigir.95

Neste capítulo, vamos considerar a revisão como exercício de leitura; vamos discutir
brevemente sobre a terminologia de revisão – assunto sobre o qual já nos alongamos bastante
em outros textos e, neste mesmo livro, em outros capítulos, mas aqui apresentaremos mais as
convergências e as divergências entre alguns termos e mesmo a sinonímia entre eles; vamos
apresentar a função de revisão em relação a alguns gêneros de documentos, considerando, em
especial, os textos acadêmicos; vamos aludir aos problemas relativos à autorrevisão (a que
chamamos reescrita) e à importância da revisão alterna (feita por profissional). Em seguida,
vamos falar sobre a contratação de revisores e sobre revisores especializados – pretendemos
estabelecer a necessidade de que os revisores para determinados trabalhos sejam muito
experientes no gênero específico do original; apresentaremos o problema de se equilibrarem os
interesses de autores, clientes e leitores em relação à qualidade da revisão, o eterno trade-off
entre o tempo e a otimização, e equacionaremos a quantidade de revisão que pode ser esperada
de um revisor em cada jornada.

Existem vários conceitos de qualidade em revisão, o primeiro que apontaremos está


ligado à satisfação do cliente, protegendo sua produção e promovendo o aperfeiçoamento do
produto. Segundo esse conceito, a revisão é vista como tarefa de assessoramento à escrita, quase
um exercício literário de melhoria da língua, em geral, e do estilo, particularmente. Segundo
outro conceito, entretanto, é melhor pensar a revisão como tarefa da leitura, vale dizer, um
exercício de passagens pelo texto identificando segmentos que podem não agradar o cliente –
aqui representado pelo autor ou editor, como contratante, ou o leitor-alvo, como meta a ser
alcançada pelo escrito. A habilidade fundamental do revisor é ler com muito cuidado. É erro

95 Adaptado de (MOSSOP, 2014).


6-119

comum pensar que os problemas saltarão simplesmente para fora do documento sobre o revisor
quando ele põe os olhos sobre a escritura. De fato, é extremamente fácil negligenciar tanto os
problemas evidentes do texto quanto as questões praticamente insignificantes, bastando um
segundo de relapso para que qualquer tamanho de problema escape aos olhos mais treinados,
principalmente para o próprio autor – quando se trata de autorrevisão.

Visando desenvolver a atitude mental adequada ao revisar (processo em que se está


lendo, não escrevendo – cabe frisar), o profissional não deve ter apenas sua caneta vermelha
pronta ou os dedos no teclado e no mouse preparados para fazer a interferência. O objetivo não
é fazer mudanças; é identificar problemas, o que é muito diferente. O revisor deve ter a mente
alerta para todos os intervenientes intrínsecos e extrínsecos ao texto, promovendo a harmonia
entre eles, segundo a norma cabível e de acordo com o gênero inerente. Como se pode inferir,
a revisão a que nos referimos não é processo mecânico para quem o executa, tampouco é
passível de automatização por meios eletrônicos.

Infelizmente, o verbo revisar, como usado nos campos do letramento ou da revisão, não
é útil quando se trata de conceber a revisão como exercício de leitura. Para a revisiologia, é
melhor compreender revisão como o olhar ou a leitura cuidadosa do material escrito ou
impresso com o objetivo de fazer melhorias, correção ou aperfeiçoamento do escrito pelo exame
ou reexame contínuo do objeto segundo o objetivo. Revisar, no sentido da interferência que o
profissional interpõe, significa fazer ou propor aperfeiçoamento ao registro gráfico; estamos
tramitando muito mais pelo universo da leitura que pela tarefa da escrita – isso consiste
praticamente no contrário do que é o uso genérico da expressão revisar.

Consideremos revisão como olhar ou ler cuidadosamente o escrito com vistas à melhoria
ou correção, para aperfeiçoá-lo como resultado de exame e de reexame sistematizados que
resultarão em intervenções e intercessões mediativas, aplicadas como interferências
diretamente resolutivas ou proposições. Assim, o trabalho do revisor é fazer considerações e
proposições nas escrituras; é um exercício de (re)escrita a ser proposta ao cliente, não se trata
meramente de leitura e correções.

6.3 REVISÃO: TERMINOLOGIA

Não há terminologia em português (ou nas línguas ocidentais mais faladas)


universalmente reconhecida ou conceitos uniformes em relação às atividades de revisão.
6-120

Termos como revisão, releitura, verificação, leitura cruzada, autorrevisão, preparação e controle
de qualidade são usados em grade variedade de significados e contextos. Em nossa teorização
sobre a atividade de revisão, também temos empregado termos como interferência, intercessão,
intervenção e mediação, em sentidos que, infelizmente, nem sempre são exatamente estanques,
dada a complexidade e a contaminação entre as nuances representadas por cada termo. No
serviço editorial, as pessoas saberão o que significa determinado termo – mas o sentido exato
só é assimilado internamente para aquele grupo; ao abordar pessoas de fora, mesmo
profissionais do ramo, será sempre necessário especificar o que significa exatamente cada termo
que se refere às diferentes etapas do processo editorial e mesmo às sub-rotinas da revisão.

Para nós, os termos “revisão”, “controle de qualidade textual”, “interferências” e


“mediação linguística” são virtualmente sinônimos; salvo contextos específicos, nós usamos
uns por outros até por questão estilística. Usamos os termos “intervenção em textos alternos”
com o mesmo sentido, “passagem” ou “leitura” são praticamente sinônimos: referem-se a cada
vez que se percorre o original. Para “verificar” a revisão ou “controle de qualidade” os sentidos
são mais ou menos o que o contexto indica: checagem e aferição. “Releitura” é usado com
bastante frequência, no sentido de mais uma leitura, nossa passagem pelos escritos ou por algum
de seus segmentos. “Cotejamento” é a revisão que envolve comparação paralela ao original,
distinta da revisão que não o faz. Queremos chamar a atenção para o fato de que chamamos de
revisão o conjunto de processos a que submetemos o texto, durante a aferição de sua qualidade,
e ao produto desses processos: revisão é também o texto revisado. Ao passo que “revisão”,
“interferências”, “intercessão”, “intervenção” e “mediação” são termos praticamente
sinônimos, em sentido lato, distinções são feitas entre “controle de qualidade” e “avaliação de
qualidade” e “garantia de qualidade”, tal como nos referiremos adiante. Em seguida, enquanto
“interferência alterna” e “revisão” são sinônimos, distinguem-se de “interferência em texto
próprios” e “reescrita” – os dois últimos sendo as diferentes retomadas do próprio autor sobre
seus escritos. Em nosso modo de entender, a revisão deve ser exercida exclusivamente por
linguistas qualificados; editoração é categoria é mais ampla, incluindo aquele que realize função
de verificação e correção, até mesmo de aspectos gráficos. Ainda assim, evitamos o uso de
“controle de qualidade” no sentido textual, posto que o conceito de “qualidade textual” é fluido,
podendo mesmo dizer-se que é mais subjetivo que as propostas de revisão geralmente
pretendem alcançar.
6-121

“Revisores de textos” são linguistas que se dedicam à intervenção em textos alternos,


são distintos de “revisores pares”, peritos em matéria e assunto objeto do documento que
emitem parecer material sobre o escrito, para fins de publicação ou quais sejam, eles só fazem
as formas de verificação qualitativa sobre o conteúdo, ainda que indiquem a necessidade de
correção, todavia, não se envolvem em questões linguísticas ou comunicacionais, são
controladores de qualidade adstritos ao veículo a que o artigo se destina, mas não são revisores
no sentido estrito que damos à expressão. Muitas pessoas usam o termo revisor para se referir
ao especialista em matéria ou assunto e que se dedica à compilação crítica de escritos alheios;
nada tem a ver com nossa prática, embora produzam, algumas vezes, o que se convenciona
chamar de “revisão da literatura”– o que é o emprego de dois termos em sentido lato para
descrever uma abordagem específica.

Do mesmo modo, os “revisores do conteúdo” ou especialistas no objeto de que trata


documento fazem apenas aquelas formas de verificação e correções que não envolvam questões
linguísticas, são controladores de qualidade – no que se refere ao objeto material do texto, mas
não são revisores no sentido de não serem (exceto em casos de metalinguagem) linguistas
profissionais. Muitas pessoas usam o termo “revisor” para se referir ao especialista no assunto
em pauta – nós preferimos evitar tal emprego, assim como evitamos a noção de revisão por
pares do contexto dos periódicos científicos, embora a conheçamos amplamente: o sentido de
todos os termos e expressões é circunstancial.

Revisão é termo usado em serviços editoriais para qualquer verificação linguística ou,
de forma restrita, para a atividade de se verificar desvios mecânicos (erros de digitação, palavras
ausentes, erros no layout da página). Trata-se da prestação realizada por revisores profissionais
que trabalham em documento de cuja redação estiveram ausentes (alteridade, heteronomia).

Alguns serviços editoriais distinguem a revisão da preparação do texto, sendo este


último utilizado em relação às interferências que antecedem a composição e o projeto gráfico,
no contexto publicitário ou livresco; a preparação é composta de intervenções orientadas para
o negócio (em vez de orientadas para o produto), e são discutidas mais à frente.
Alternativamente, a “re-revisão” pode ser utilizada para referir-se à completa releitura da
revisão para a verificação da exatidão e da qualidade linguística, sendo que cada frase é
comparada à parte correspondente do original; chamamos esse processo de “revisão da
revisão”. “Controle de qualidade” é usado eventualmente para referir à revisão menos-que-
completa, mas preferimos reservar essa expressão para o sentido de aferição qualitativa dos
6-122

trabalhos dos revisores de textos. Um revisor sênior designado pode submeter o projeto de
revisão à verificação parcial, avaliando por amostragem a qualidade dos serviços de revisores
juniores sob sua supervisão: apenas partes são lidas, eventualmente havendo comparação com
o escrito de origem. Para nós, no entanto, a revisão de textos a que mais nos referimos é
completa (todos os aspectos de toda a textualidade são verificados, com comparação com a
fonte, checagem de todos os elementos macro e microtextuais, coerência, coesão e
ortossintaxe), é simplesmente o mais alto grau de controle e aperfeiçoamento aplicável ao
documento escrito; os graus inferiores do controle da qualidade são referidos ainda como a
“revisão mecânica”– aquela que se limita aos aspectos de ortografia, por exemplo.

A distinção que fazemos entre revisão, preparação e edição nem sempre reflete a
terminologia usada no mundo profissional. Assim, muitos revisores usam edição para se referir
ao processo de leitura de uma revisão sem mencionar o texto de origem, isso nos parece mais
um procedimento de controle de qualidade. Enquanto isso, outros restringem o termo edição ao
trabalho realizado por editores profissionais em originais antes de eles serem enviadas aos
revisores ou à composição, segundo o procedimento da casa. Finalmente, muitos revisores e
tradutores, especialmente nos Estados Unidos, utilizam a palavra correspondente à edição
(editing) para significar a revisão das traduções ou mesmo no sentido que damos à preparação
do texto.

Revisão, tão somente, já dissemos que é ainda termo frequentemente utilizado em


serviços editoriais para qualquer verificação linguística, ou de forma restrita de verificação de
deslizes mecânicos (erros de digitação, falta de palavras, erros no layout da página). Às vezes
ele é usado no sentido de revisão de provas para o trabalho realizado por revisores profissionais
que trabalham conferindo as impressões prévias (bonecas ou bonecos) e propondo
aperfeiçoamento ao material advindo da gráfica ou da composição. Há ainda outros empregos
do termo revisão que se desviam muito do sentido que damos a ele; já tratamos disso em obra
anterior.96

Fora do mundo editorial, o termo revisão é usado em muitas acepções que podem criar
confusão quando os revisores interagem com os clientes. Professores de redação usam
extensivamente o termo revisar para se referir à reescrita. Até mesmo editores profissionais,
quando não estão se dirigindo ao time de sua casa editora, utilizam a palavra revisão para se

96 (ATHAYDE, MAGALHÃES, et al., no prelo).


6-123

referir a alterações feitas no texto por seu autor. Por exemplo, quando escrevemos o livro que
antecedeu a este,97 enviamos o manuscrito continuamente entre os autores, que lhes aplicavam
sugestões de mudanças, acréscimos e supressões. O trabalho que fizemos em resposta às
sugestões recíprocas seria comumente chamado de revisão, mas, para nós, trata-se de reescrita,
uma vez que todos nós somos autores e corresponsáveis pela criação e pelas opiniões, assim
como pela qualidade e estilo do texto. Não obstante, nenhum de nós é revisor no trabalho de
que somos autores. Da mesma forma, quando a editora decidir levar ao prelo o que alguns
chamariam de edição revisada: uma nova versão da obra com várias mudanças, adições e
subtrações em resposta a novos desenvolvimentos no campo da revisão e no nosso próprio
pensamento sobre revisão, a aplicação do conceito de revisão – naquele contexto de nova edição
– foge inteiramente à acepção de revisão com que trabalhamos.

Em sistemas burocráticos, instâncias governamentais ou ambientes corporativos, os


documentos passam por muitas revisões (no sentido apenas lato) antes de atingir sua forma final
– na verdade, nos referimos à evolução do documento nas diversas fases de sua elaboração
como versões; qualquer escrito passa por diversas versões, desde seu projeto e esquema inicial
até a versão final a ser submetida à revisão; todas as etapas podem contar com a colaboração, o
assessoramento de um linguista profissional (inclusive mencionado como revisor), entretanto,
somente quando o processo autoral é dado por concluso o documento segue para a revisão –
agora em sentido restrito. O revisor que prestar serviços de revisão para uma burocracia pode
ser solicitado a “revisar as versões”; fazer a revisão durante o processo de redação ou entre as
versões do documento, com o fim de torná-lo paulatinamente em conformidade com forma e
qualidade requeridas, o que será até muito útil – mas não dispensa a revisão posterior por outro
linguista, já que aquele terá sido “contaminado” pelo texto e terá para com ele relação de
coautoria.

Quem revisa para uma instituição dessas, governo ou corporações, pode ser solicitado à
famigerada “revisão urgente” ou “revisão superficial” – ou outras barbaridades dos tipos; pode
ser demandado a fazer um serviço como ele não deve ser feito, para depois ser responsabilizado
pelas falhas alheias que lhe foram impostas. Isso não é revisão, é emenda que pode até ficar, de
novo, pior que o soneto.

97 (ATHAYDE, MAGALHÃES, et al., no prelo).


6-124

Na revisão literária, situações surgem em que o termo revisão (no sentido de correção e
melhoria da edição precedente) deveria ser usado com propriedade, mas não é; o termo surge e
não se sabe bem a que se refere. Um editor pode apresentar uma “nova revisão” de determinada
obra, mas não é realmente outra versão do original autoral; trata-se da revisão da revisão
publicada anteriormente, que é tratada indevidamente como original.

6.4 CONTRATO DE REVISORES

Le temps devient temps humain dans la mesure où il est articulé de manière


narrative. (Paul Ricœur)

O revisor presta serviço e, como tal, a revisão deve ser objeto de contrato. O revisor
pode ter seu vínculo estabelecido com uma agência, empresa ou instituição de qualquer tipo,
nesses casos pode vigorar um contrato empregatício ou um contrato geral de prestação; entre o
revisor autônomo e os clientes bissextos, cada serviço a ser prestado será objeto de contrato
específico; tanto pode haver contrato formal, com todas as cláusulas necessárias ao registro do
que foi combinado, quanto pode ser feito contrato tácito, com menos garantias para as partes,
mas que assegura a simplificação da negociação. As cláusulas propostas no orçamento formal
e aceitas pelo cliente também têm vínculo contratual. Uma alternativa, pela qual temos
negociado, é a do contrato de adesão: nossas condições gerais são públicas e nosso orçamento
remete a ele, além de estabelecer as circunstâncias da negociação.

Comumente, os revisores e as agências de revisão estipulam uma quantia de


adiantamento que será exigida à guisa de arras (recursos pagos por um dos contratantes ao
outro, para garantir o cumprimento de um contrato).

Se o trabalho de revisão é contratado, é vital que os revisores externos (trabalho a


distância, autônomos, terceirizados) tenham ideia muito precisa do que a agência de revisão ou
serviço gráfico espera. Isso pode ser conseguido de duas maneiras. Primeiro, realiza-se uma
sessão em que os contratados e o editor devem participar. Na sessão, um segmento do texto é
revisado em grupo, e um representante da agência de revisão ou serviço explica o que é esperado
e o que deve ser evitado. Alternativamente, pode-se preparar um manual da revisão que se emita
aos contratantes. Além disso, para cada trabalho individual, o editor ou revisor-chefe precisará
especificar os aspectos da revisão que são importantes e aqueles que não são (por exemplo,
verificar terminologia; verificar dados nas ilustrações). Os revisores e os contratantes devem se
certificar de que os termos básicos e conceitos assumidos estejam bem definidos. Se for feita a
6-125

distinção entre revisar e preparar, é necessário que os clientes, contratantes, e os revisores,


contratados, saibam exatamente o que se quer dizer com isso.

Algumas organizações adjudicam contratos de revisão e o trabalho do revisor designado


para o mandado (ordem de serviço) deve ser avaliado antes da entrega do serviço e de a fatura
ser apresentada ao cliente e o respectivo pagamento feito ao profissional. Na avaliação do
trabalho do revisor, será necessário contar o número de problemas não solucionados e o número
de erros introduzidos. O número de alterações desnecessárias pode não ser relevante para a
qualidade do produto, não obstante, deve ser computado. Podem ser estabelecidos
contratualmente critérios quantitativos a serem cumpridos. No entanto, a presença de muitas
mudanças desnecessárias pode ser a razão pela qual o trabalho foi apresentado tarde, o que
resulta em eventual prejuízo (financeiro ou na imagem da empresa); podem ser indicados aos
revisores exemplos de alterações desnecessárias, que implicam em perda de tempo e desgaste
da originalidade do texto.

Antes de se envolver em uma revisão, o profissional deve saber que a tarefa a realizar,
o mandado de revisão, tem origem no cliente – autor, editor ou designer gráfico, por exemplo
– sujeito que fornece as informações necessárias ao editor sobre o trabalho que deseja ver
realizado. O mandado é, portanto, uma espécie efetiva de contrato que inclui os elementos úteis
ao revisor para orientar seu trabalho e intercessão, as instruções e as restrições impostas, o prazo
que se estipula para o serviço – entre outras considerações, também podemos nos referir ao
contrato ou mandado como a ordem de serviço: a instrução executiva que dará curso ao
trabalho. As informações fornecidas no mandado geralmente dizem respeito à revisão
pretendida e aos propósitos consequentes do documento, às características dele, ao meio de
revisão, ao cronograma – quando o serviço se desenvolve por etapas – e à remuneração.98

Dos itens que o cliente deve mencionar ao revisor, um dos mais importantes, senão o
mais imperativo, é como ele deseja a revisão que o profissional desempenhará. Ele quer que o
revisor faça uma revisão simples (revisão de idioma), uma revisão de fundo, uma preparação
de original ou uma correção de prova? Definem-se algumas das tarefas que revisores,
funcionários e freelancers realizam para editores de livros e revistas, corporações, associações,
governo, universidades e muitos outros grupos e indivíduos. Aqui estão algumas das principais
tarefas encomendadas aos revisores:

98 Adaptado de (LAFLAMME, 2009).


6-126

• preparação do texto: envolve a adequação de um texto para que ele possa


receber layout. Isso inclui aplicar as regras e convenções em uso uniformemente
em todo o documento e informar o designer gráfico de quaisquer requisitos de
produção específicos; a preparação de originais é delicada etapa da editoração,
exatamente porque se situa em território pouco objetivo, entre o bom senso do
revisor e o estilo do autor, trata-se, então, de nebuloso caminho de subjetividade,
que não pode perder de vista o propósito do trabalho;

• revisão acadêmica: revisão de documentos destinados ao mundo universitário,


compreende teses, dissertações, artigos, relatórios e outros gêneros de mesmas
matrizes; pretende-se que seja uma revisão abrangente e integre diversos
aspectos que, no mundo editorial, são mencionados como preparação;

• revisão colegiada: mais rara, envolve várias pessoas (revisores, autores, grupos
de editores, orientadores, consultores técnicos);

• revisão de provas: inclui qualquer verificação que possa ser feita no primeiro
ou nos testes de impressão subsequentes, como fontes, gramática, layout e todos
os aspectos da apresentação visual que se confundem ou incorporam
reciprocamente elementos, duplicando as tarefas para evitar omissões;

• revisão de tradução unilíngue e bilíngue: a revisão unilíngue envolve examinar


apenas o texto-alvo sem se referir ao texto-fonte ou se referir a ele apenas se
necessário, enquanto a revisão bilíngue envolve uma comparação do alvo com
a fonte;

• revisão formal: visa melhorar o estilo do documento como todo pela exploração
e aferição criteriosa dos recursos sintáticos e léxicos, – inclui corrigir problemas
de sintaxe, vocabulário, ortografia e pontuação;

• revisão recíproca: sinônimo de interrevisão, a revisão recíproca refere-se à


prática pela qual dois autores se revisam, intercambiando a tarefa; essa revisão
é chamada também de leitura cruzada;

• revisão substantiva: requer análise abrangente, particularmente no que diz


respeito à inteligibilidade, estrutura, articulação lógica das ideias, exatidão das
declarações e adaptação aos destinatários.
6-127

Assim, na revisão formal, a verificação da exatidão do conteúdo pode ser necessária. A


revisão formal também pode incluir a correção de erros de digitação e aqueles na apresentação
visual. Pode-se também falar sobre reescrita, incorporada à revisão substantiva quando se trata
de reescrever partes do manuscrito – tarefa que se remete ao autor. Todavia, a distinção em
revisão substantiva e revisão formal não se aplica de fato, ambas se confundem na prática e a
divisão de tarefas é meramente didática. Os dois se fundem na revisão linguística; os próprios
revisores se impõem pouco ou nenhum dos limites formais do trabalho e só querem que os
textos alcancem a melhor qualidade possível.

A especificação da revisão solicitada permite que o revisor conheça, por um lado, os


aspectos textuais (finalidade, público-alvo) sobre as quais terá que prestar atenção e, por outro,
estabeleça as etapas da revisão (primária, secundária, longitudinal, final), por exemplo, para
tornar o escrito mais claro em uma delas, melhorar o estilo ou corrigir falhas em outra. Essas
etapas contribuem para a realização da finalidade principal, que é melhorar a qualidade
linguística do texto e a eficácia da comunicação escrita, mas também possibilitam a divisão das
tarefas em mais de um revisor, viabilizando trabalho em equipe e, de tal modo, multiplicando
as leituras e minimizando as imperfeições.

Para melhorar o texto, o revisor deve conhecer as principais características do trabalho:


o assunto, o propósito (informar, entreter, aconselhar), o gênero (relatório de pesquisa, artigo,
manual de entrevista, romance, tese), os destinatários (crianças, acadêmicos, público em geral,
funcionários públicos, uma banca), a mídia de publicação (revista científica, revista masculina
ou feminina, livro, site, defesa pública) e o tamanho da escritura.

Na situação de reescrita, o autor está ciente desses elementos, uma vez que ele próprio
escreveu o documento em que está trabalhando; o revisor profissional, no entanto, não sabe
com antecedência quais os atributos do material que ele está sendo solicitado a revisar, mas é
preferível que ele os tenha em mente antes de realizar seu serviço. Assim, o revisor está mais
preparado para avaliar o documento e adaptá-lo à situação de comunicação adequada ou
pretendida. Tanto para o cliente quanto para o revisor, o mandado é o lugar certo para
especificar essas informações. Se isso não for feito, o revisor deve então fazer perguntas sobre
o material, para garantir que o trabalho que ele fará esteja de acordo com as necessidades do
contratante e, assim, poder garantir que ele será atendido. Claro, quando o revisor presta serviço
regularmente para a mesma pessoa, um mandado específico é menos importante, pois o
profissional já conhece as expectativas de seu cliente globalmente. Também se dá o mesmo
6-128

quando o gênero do texto e sua finalidade constituem cânones: não há muito que indagar sobre
o que pretende o autor de uma dissertação de mestrado com seu escrito, bem sabida qual será
sua imediata função diante da banca.

Inúmeras pesquisas relataram diferenças em relação a se revisar ou se reescrever o texto


na tela ou no papel – na verdade, essa é praticamente uma questão ultrapassada: a revisão em
papel caiu em franco desuso, exceto no caso da revisão de provas. Todavia, na revisão
profissional, observa-se que alguns problemas são mais facilmente detectáveis no papel que na
tela e cada revisor adota o meio que mais lhe convém – postas as demais limitações contextuais.
Idealmente, seria aconselhável que pelo menos uma das fases fosse processada sempre em
papel, mas raramente há tempo, dinheiro ou demanda nesse sentido. O cliente, no entanto, pode
desejar obter o resultado da atividade revisional em um meio, não em outro, e deve especificá-
lo previamente no mandado. No entanto, mesmo que ele peça para fazer alterações na versão
eletrônica do documento usando a ferramenta de revisão (após as alterações), nada impede que
o revisor primeiro revise no papel e, em seguida, lance suas alterações na tela. O suporte da
revisão tem, portanto, importância e influência na abordagem do revisor, com reflexos sobre o
resultado, mas o mercado não considera isso.

O tempo disponível é fator que influencia o trabalho ou o processo de revisão. O revisor


deve conhecer sua velocidade de trabalho e saber avaliar o tempo que determinado material
demanda, segundo sua qualidade e os problemas que deverão ser superados. Também, em
projetos maiores, caberá o estabelecimento de quantos revisores estarão empenhados naquele
serviço. O tempo e o pessoal envolvidos terão impacto direto no número de intervenções e
sugestões que se farão na escritura. Outro procedimento que demanda tempo é a comunicação
com o autor, uns respondem prontamente e outros podem não fazer a leitura completa para
validar as alterações no texto após observá-las. Por fim, a relação entre tempo e dinheiro:
serviços urgentes podem ter custos maiores, notadamente se demandarem trabalho fora do
horário habitual da equipe. Revisão não é diferente de outros serviços nesse quesito: a revisão
demanda número determinado de horas de trabalho, e as horas têm custo. Caso não haja
disponíveis as horas necessárias ou o orçamento necessário, a qualidade vai cair.

A remuneração do revisor profissional é outro fator que deve ser incluso no mandado e
aqui também não existe mistério: os melhores revisores cobram mais caro, e nem por isso
deixam de ter muito serviço. O revisor experiente, maturo e altamente qualificado deve ser
reservado para documentos de grande responsabilidade, pois o custo do serviço dele é maior.
6-129

Na equipe, reserva-se o revisor sênior para monitorar, aferir e conferir o serviço de revisores
menos experientes, assim se otimizam os custos e a qualidade. O cliente que contrata revisor
autônomo para produto bissexto, que não tem muita recorrência em produção, deverá avaliar
corretamente sua disponibilidade e a importância do texto para escolher corretamente o revisor
mais adequado. Quem contrata revisor para tese, por exemplo, enfrenta custo elevado e deve se
preparar para arcar com a despesa: a demanda é de revisor especializado, experiente e o
documento é longo e complexo.

O contrato que regerá o serviço do revisor a seu cliente há de ser breve, especificando
as condições gerais da prestação, deverá incluir cláusulas mencionando quem fará a revisão, o
prazo estipulado, a colaboração entre as partes, os valores e as parcelas, assim como o controle
de qualidade que será aplicado. Podem-se incluir instruções sobre revisão (por exemplo, se a
revisão comparativa completa é esperada ou se se pretende apenas a revisão resolutiva e
mecânica), mas, mesmo que não se faça isso, o revisor sempre precisa estar familiarizado com
as instruções que foram dadas pelo autor ou pelo contratante.

As várias condições periféricas, partes do dossiê do contrato, podem ser resumidas em


três cláusulas que as resolvam:

i. o contrato pode ser por escrito ou regido pelas condições do orçamento,


facultado ainda o acordo oral ou por escrito em quaisquer mensagens, mas as
condições devem ser claras para todas as partes envolvidas;
ii. várias condições podem não ser objeto de negociação específica, mas,
tacitamente, as mesmas já conhecidas de trabalhos similares anteriores do
mesmo cliente;
iii. a iniciativa da contratação e a decisão final sobre a ordem de serviço parte do
autor ou do cliente contratante, a quem cabe a iniciativa de perguntar sobre este
ou aquele aspecto, bem como lhe compete receber o serviço e quitar as parcelas
pactuadas.

O contrato precisa ser conhecido para que a equipe de revisores possa decidir sobre a
estratégia de revisão apropriada. Muitos clientes simplesmente “querem uma revisão” – sem
saberem exatamente o que pretendem; muitos supõem que a necessidade seja de mera correção
ortográfica e até imaginam que o serviço se limite a tal. A ideia de que pode haver várias
maneiras de realizar essa tarefa não ocorre a eles – principalmente, costuma não lhes ocorrer
que revisão de textos vai muito além dos aspectos mecânicos e ignoram que serão chamados a
decidir sobre uma série de dúvidas e proposições do revisor. Ou eles podem pensar que a
6-130

natureza do documento original, por si, estabelece as condições do contrato e é suficientemente


explícita sobre o que se pretende. Como resultado, os contratantes que não conhecem
exatamente a dimensão do serviço de revisão não especificam suas pretensões e a
disponibilidade que terão para acompanhar o serviço.

Entretanto, alguns clientes não especificam mesmo a revisão pretendida, ficando a


questão para o revisor decidir. Por exemplo: alguns contratos deveriam requerer revisão muito
mais minuciosa e demorada que outros (aqui, o “contrato” pode ser lido tanto como objeto da
revisão quanto o mandado dela – essa ambiguidade lúdica não poderia ser preservada em um
documento pragmático). É difícil revisar com sucesso ou entusiasticamente, a menos que se
esteja familiarizado com a ordem de serviço. Façamos uma analogia odontológica: pode caber
ao paciente decidir se quer tratar o canal em um dente danificado ou se prefere a extração
simples, mas, uma vez que a decisão é tomada, não se diz ao dentista como executar o trabalho.
Quanto ao texto, talvez seja melhor usar estilo menos (ou mais) formal que o original, em vez
de preservar o mesmo estilo; ou resumir a escrita prolixa, em vez de reordenar o parágrafo
hipercatalético. Algumas instruções específicas podem também ter de ser educadamente
ignoradas, ou discutidas com o cliente com vista a alterá-las. Pode ser melhor não usar a
terminologia solicitada pelo cliente, se você acredita que é susceptível de confundir os leitores.
Obedecer a instrução do cliente para seguir exatamente a paragrafação do original pode ser
contrário ao gênero pretendido. O cliente nem sempre tem razão.

Considere-se este cenário: um pedido é recebido para uma “revisão textual” de um texto
jurídico. Todavia, como a revisão pode ser textual, ou seja, “nas mesmas palavras”?
Naturalmente, quem demanda uma “revisão textual” pretende uma “revisão do texto”! Talvez
a intenção fosse revisão “apenas da gramática”. Entretanto, temos visto até mesmo profissionais
oferecendo serviço de “revisão textual” e incorrendo na imprecisão que estamos apontando.
Porém, essa expressão está em conflito com toda a literatura e com os padrões profissionais: os
revisores renderizam mensagens, não palavras, e não o fazem textualmente – em nenhum
sentido.

É necessário equilibrar interesses de autores, clientes, leitores e revisores. O texto final


entregue pelo revisor pode ser visto por várias pessoas: o revisor, o autor do original, outro
revisor, um especialista na matéria em tópico, um editor, o cliente, o empregador, o líder do
projeto e, claro, os leitores. Dependendo de suas expectativas e necessidades, as reações de cada
6-131

um desses interessados podem diferir consideravelmente. Uma tarefa do revisor é conciliar os


interesses, se possível, caso contrário, caberá decidir sobre quais aspectos privilegiar.

Suponhamos que se esteja revisando um documento que não esteja perto da fonte; o
revisor se envolveu em considerável edição estilística e estrutural, até mesmo alguma adaptação
foi necessária. Sabe-se que a revisão somente será bem-sucedida se incrementar a
comunicabilidade, mas se supõe que o autor vai ver a revisão e, provavelmente, não ficará
satisfeito, entendendo ter havido excessivas interferências. Contanto que o autor não seja o
cliente pagante, sua satisfação “imediata” é consideração menor. Contudo, se o autor é o cliente,
então existe um conflito real. Caberá persuadir o autor de que as diversas interferências sejam
necessárias, ou pode ser necessário refazer (retrabalho e perda de tempo) ou declinar o trabalho
(renunciando-se aos honorários e aos riscos), sobra ainda a alternativa de passar a revisão para
outro profissional.

Idealmente, tais conflitos são esclarecidos antes de a revisão começar; por exemplo, pela
revisão de um segmento de amostra ou pelo acompanhamento mais constante do serviço, com
trocas de informação, de duas a três vezes ao dia. Se esse tipo de acompanhamento não for
possível, talvez o trabalho não deva ser aceito, a menos que o autor ou o cliente aceite
previamente as interferências e as mediações necessárias, ainda que não concorde com elas.

Revisores têm interesse em criar respeito pela sua profissão, um mandado que gere
conflito de interesses e critérios perante seu trabalho e as aspirações do contratante pode
ultrapassar o limite em que se podem cumprir as instruções dos clientes, mesmo que signifique
que alguns deles podem ir para outro profissional em trabalhos futuros. Assim, como revisores,
não podemos aceitar o projeto de revisão que reproduza o nonsense intencional ou irracional
no texto de origem, simplesmente porque o cliente pediu a manutenção de determinada
construção absurda. A revisão deve então buscar o sentido claramente pretendido, embora uma
nota (inclusive contratual) possa transmitir ao contratante a responsabilidade sobre alguns
problemas, inclusive isentando o revisor de responsabilidade sobre o produto e afastando a
ligação de seu nome à publicação. Casos desse tipo são raros, mas temos experiência correlata.

Além de problemas inadvertidos, normais em qualquer escrito, há sempre a questão de


originais muito mal escritos que devem ser tratados com especial atenção. Sempre, se o autor é
também o cliente, então há menos problema; pode-se simplesmente perguntar ao autor sobre a
mudança da redação da passagem problemática, ou sobre o grau de interferência que ele deseja
6-132

ou permita. Todavia, se o contratante não é o autor da fonte, o dever do revisor é para o cliente,
não o autor: se o revisor fez uma intervenção, então, ela pode ser recusada pelo contratante, e o
leitor da revisão tem o “direito” de ver os problemas factuais e conceituais que foram mantidos
ou inseridos; eles são parte da mensagem do cliente. Em contextos multilíngues, as pessoas que
estão lendo um documento na versão traduzida e revisada têm tanto “direito” de ver erros
factuais e conceituais como as que estão lendo o documento na língua original.

Pode-se ter certeza de que as situações surgirão e que não se pode satisfazer a todos.
Muitas vezes, será necessário decidir quais requisitos têm prioridade; pode até mesmo ser
indispensável decidir se interesses econômicos do revisor (como funcionário ou freelance) terão
precedência sobre outras considerações. Cabe sempre dar preferência aos objetivos e desejos
de quem está pagando? Ou será que, às vezes, é melhor dar preferência às metas futuras? Cabe
procurar um equilíbrio onde possível, atendendo melhor às partes, ponderadas todos as questões
em tela.99

É necessário considerar sobre quanta revisão de boa qualidade pode ser esperada de um
revisor experiente, por hora ou dia de trabalho, em cada gênero textual, em texto acadêmico ou
ficcional, por exemplo. Essa questão pode ser complicada para se generalizar: alguém que passe
a maior parte do tempo revisando teses de uma área específica do conhecimento, com textos de
origem bem escritos, em se tratando de autores muito bons, vai ter muito mais serviço bem feito
por hora em documentos do gênero que alguém que lide com textos de gêneros e assuntos muito
diversificados e que atenda a autores e originais de qualidade variável, material de uma
multiplicidade dispersa de gêneros, alguns deles sendo fora da zona de conforto do linguista.
Ainda assim, uma resposta razoável pode e deve ser dada ao cliente, estabelecendo a previsão
temporal para a revisão; na verdade, qualquer revisor deve saber dar essa resposta, todos os
revisores têm que saber fazer a previsão de cronograma para seu serviço revisão, tem que saber
se manter dentro da previsão e, por medida de segurança, todos devem trabalhar com prazos
dilatados em suas previsões para evitar solenemente qualquer atraso; nenhum cliente fica
insatisfeito por receber o serviço com alguma antecipação, mas as críticas (ou os danos) podem
ser severos se houver alguma postergação.

Acreditamos que o revisor com pelo menos cinco anos de experiência, dedicando-se em
tempo integral e em condições ambientais satisfatórias, trabalhando com uma variedade de

99 Adaptado de (MOSSOP, 2014).


6-133

textos de assuntos e gêneros familiares e desconhecidos, mal escritos e bem escritos, deve ser
capaz de completar, no mínimo, quarenta laudas por dia útil de serviço (estamos considerando
laudas de 1500 toques), em um dia de oito horas, vale dizer, cinco laudas por hora de serviço.
Essa é uma média presuntiva; considere-se que esses números não significam que se possam
entregar as cinco laudas a cada hora, ou as quarenta ao fim de cada dia: a revisão é sempre
processada em “camadas” e o documento é revisado em bloco, todo o texto fica pronto ao
mesmo tempo, quando todas as releituras e checagem tiverem sido feitas.

Diversos estudos sobre velocidade de processamento de textos (revisão, preparação,


tradução…) têm sido feitos, mas o importante é que que cada revisor, ou cada supervisor de
uma equipe de revisores, conheça o ritmo de trabalho que pode ser proposto para cada objeto
contratado. Importante é que se conheçam e se apresentem aos clientes propostas de prazos
exequíveis e que não comprometam a qualidade do serviço ou a pontualidade. O trade-off a que
estivemos nos referindo, na realidade, é uma falácia: devemos sim é ser realistas com os prazos
e rigorosos com a qualidade, otimizando sempre os resultados a serem apresentados em ambos
os pratos da balança.

6.5 REVISOR ESPECIALIZADO

Existem revisores especializados em gêneros de textos específicos, assim como existem


revisores especializados em determinados campos do conhecimento. Neste tópico, vamos
considerar algumas variações quanto ao serviço do revisor em relação a sua especialização, com
alguns desdobramentos nos itens que se seguirão.

Qualquer especialização do revisor não o desqualifica para revisar fora daqueles limites,
assim como a existência de um campo especializado da revisão não desqualifica outros
revisores para trabalharem naquele perímetro. Além disso, os campos não são estanques e há
mesmo diversas interseções entre eles. Dessa sorte, um revisor especializado em textos
acadêmicos (um gênero) poderá, perfeitamente, revisar material de divulgação científica ou
cartilha de saúde pública (outro gênero), por exemplo, documentos com finalidades bem
diversas do texto acadêmico, mas que guardam alguma similaridade, nos aspectos da exigência
de clareza, precisão, coerência. Ainda em relação aos documentos acadêmicos e às cartilhas de
saúde pública, um revisor especializado em lexicografia (gênero distinto) da biologia (campo
6-134

de conhecimento correlato) poderia perfeitamente revisar uma tese sobre bionfalárias ou um


panfleto ensinando a lavar as mãos.

Todavia, os vasos comunicantes entres os campos de especialização da revisão não vão


em todas as direções. É preferível não encarregar um revisor acadêmico com material
publicitário ou jornalístico. É preferível não distribuir um texto poético para o revisor
publicitário. Os revisores literários não serão, necessariamente, os mais indicados para o artigo
sobre alguma anemocoria. Cabe ressalvar que bons revisores têm, muitas vezes, bom trâmite
em mais de uma área do conhecimento, ou em mais de um gênero textual, entretanto, sempre
haverá algum documento que será revisado melhor por outra pessoa.

Com textos especializados, muitas vezes acadêmicos, vale dizer, escritos por ou para os
peritos, e frequentemente ligados aos desenvolvimentos mais recentes em alguma área da
ciência ou da tecnologia, os revisores precisarão decidir se são qualificados para revisar o
projeto. Com textos literários, por exemplo, uma obra criativa de vanguarda, os revisores
acostumados aos textos que se sedimentam em linguagem mais afeta à norma padrão também
deverão considerar sua aptidão para a demanda.

Se o revisor é conhecido por ser, ou parece ser, altamente experiente no campo de


atuação em que se circunscreve, ele provavelmente não precisa verificar os conceitos e termos
do documento contratado cujo conteúdo esteja em seu domínio. Entretanto, se não for esse o
caso e a menos que o revisor tenha algum conhecimento na área, independentemente de
experiência considerável com textos especializados no assunto em tela, então, é melhor
encontrar outro profissional que tenha essa experiência ou, na falta disso, discutir a revisão com
o especialista na matéria tratada.

Em algumas atribuições – documentos recebidos para revisar, o revisor pode ser


informado de que um editor de assunto vai verificar o conteúdo específico, de modo que ele só
precise verificar outros aspectos: linguística, comunicabilidade. Se o revisor não tiver a
oportunidade de discutir o texto com o especialista na matéria do documento, e que não conheça
o campo semântico que estiver percorrendo, ser duplamente cauteloso é pouco; apesar disso, os
recursos de pesquisa hoje existentes são amplamente eficientes para suprir lacunas cognitivas,
só resta saber identificar o problema e usar as buscas adequadamente, inclusive recorrendo a
fontes confiáveis.
6-135

Não cabe a revisores, por mais especialistas que sejam num assunto, mesmo tendo
também formação naquela área, além da base linguística imprescindível, insistir na
interpretação dos escritos a partir de suas próprias ideias sobre o tema; não se pode rejeitar
conceitos não ortodoxos presentes no original ou noções com as quais, estando familiarizado,
reflitam corrente de pensamento divergente, embora esse tipo de ocorrência possa ser comuns
entre os conhecedores de qualquer assunto.

O revisor que tem vínculo empregatício pode desejar que o gerente tivesse recusado a
aceitar o trabalho ou que o tivesse distribuído a outro profissional. Quando chega a ele o
documento, é tarde demais; o trabalho foi aceito e o tempo já foi gasto preparando o rascunho.
Além disso, outro revisor da casa, que melhor se desincumbiria da tarefa, não está disponível.
Se o profissional não se sente qualificado, e não se pode encontrar outro linguista ou um perito
assunto, deve-se sinalizar para o cliente que a revisão pode bem conter erros conceituais e é
necessário ser contatado um especialista na matéria de fundo e na terminologia antes de o
material ser publicado. Se o revisor é um freelance, ou autônomo, é claro, ele pode aceitar ou
rejeitar um contrato de revisão – ou pode negociar a questão com o contratante, inclusive se
isentando de questões de fundo material no contrato.

As especializações dos revisores são tantas, e cada vez se amplia no número delas, que
não nos propomos a digressões sobre cada uma: primeiro, porque precisaríamos de várias obras
volumosas – e aqui é apenas uma bem limitada; depois, precisaríamos ter experiência em
diversas das especializações, o que não é cabível. Vamos tratar de dois ramos bem arquetípicos
de especialização com um pouco mais de alento: os revisores especializados em traduções e os
revisores especializados em linguagem jurídica.

O revisor de traduções tem muita similaridade com outros revisores que trabalham em
grupos, com divisão de tarefas, e o leitor poderá transpor a experiência analisada, onde couber.
O revisor de textos jurídicos trabalha com a peculiaridade de que o Direito é ciência fortemente
assentada na palavra, assim como a Filosofia, por exemplo, mas o documento jurídico reside
em palavras que produzem efeitos ou analisam circunstâncias da vida real, muito
diferentemente da Filosofia, a que nos referimos. Fora essa consideração que pode ser
estendida, em maior ou menor grau, à maioria das ciências “moles” (as sociais, em geral), as
demais considerações feitas quanto aos escritos jurídicos sob revisão serão aplicáveis a qualquer
outra área do conhecimento, assim, a especialização no campo gnosiológico pode ser útil, mas
não é imprescindível. Consideremos ainda que existe a característica atenuante de que os textos
6-136

das ciências mais “duras” (exatas, biológicas), afastado o eventual grau de dificuldade
semântica da terminologia, são muito mais simples em termos de sintaxe e eventualmente mais
claros.

A revisão é, explicitamente, campo da linguística aplicada. O revisor de textos


especializado é aquele que faz aplicação pragmática e segmentada de conhecimento linguístico,
incorporando campo semântico mais restrito e se familiarizando melhor com determinado
gênero de produção.

Voltando à questão do revisor de traduções, vale assinalar que é uma especialização que
não se enquadra nos cortes habituais de gênero ou de tópica, mas é área de trabalho que
proliferou recentemente, postas a globalização – inclusive midiática – e a exigência da
intervenção do linguista em textos traduzidos em comunidades multilíngues, como é o caso da
Europa, cuja legislação impõe a presença do revisor nas traduções legais. Cá entre nós, os
revisores que se debruçam sobre as traduções são, quase na totalidade, profissionais que atuam
no ramo editorial, uma experiência bem distinta daquela de “revisor de tradução” no contexto
europeu.

Em decorrência dessa questão legal no exterior, no tocante à revisão de traduções,


observamos a proliferação (quase abundância) de produção teórica sobre aquela área de serviço.
Enquanto aquele ramo de investigação prolifera, a teoria geral da revisão, ou teoria da revisão
em geral, parece mais ou menos estagnada desde as contribuições dos psicolinguistas – que
também parecem ter se esvaído.

6.6 REVISOR DE TRADUÇÕES

O revisor de tradução pode ser apontado como o encarregado da verificação e correção


da tradução inicial em comparação com o texto fonte; ele deve ser profissional diferente do
primeiro tradutor. Diz-se frequentemente que os revisores de traduções devem ser falantes
nativos da língua-alvo e proficientes na língua de origem, mas isso pode, de fato, não ser
necessário, a depender da natureza do texto. Claro que, em muitos gêneros, isso pode ser o ideal
e, em alguns, seja até imprescindível. Depende de quais características da revisão são
importantes. Se a revisão é principalmente para a exatidão e a completude, não importa que
língua é nativa para o revisor. Na verdade, pode ser mais fácil para um falante nativo do idioma
de origem detectar uma tradução indesejada. Entretanto, se a qualidade da escrita é importante,
6-137

e a revisão deve ser publicada, a seguir, o revisor deveria ser um escritor nativo ou próximo-
nativo (não apenas falante) da língua-alvo.

Voltando a nos referirmos ao profissional pelo seu desempenho, o que nos parece
inevitável, a revisão de tradução, como procedimento específico de garantia de qualidade em
projetos de tradução, recebeu mais atenção dos estudos de tradução na última década, muito em
função da legislação, principalmente europeia, a exigir esse tipo de mediação. Vamos fazer
algumas proposições de definição dos principais conceitos no campo da garantia da qualidade
da tradução, pois ainda parece não haver consenso sobre a terminologia em nenhuma língua.100

A literatura que descreve, analisa e interpreta as observações de tradutores envolvidos


na revisão de traduções era pequena até o princípio do século, porém ela se expandiu
recentemente. No caso de autorrevisão (termo que não se aplica no contexto da revisologia, mas
tem sentido na tradutologia), esses estudos dizem respeito não apenas às revisões feitas na fase
de pós-redação, mas também na fase de redação, entretanto, as observações são confusas e
passam por aspectos alheios à revisão no processo da tradução. Àquela época, existiam apenas
estudos focados especificamente na autorrevisão e apenas dois estudos publicados em inglês se
preocupam inteiramente com a revisão de traduções alheias.101 A situação mudou na
bibliografia de estudos de tradução e número considerável de publicações, especialmente entre
os estudantes de doutorado e mestrado, lida com a revisão de traduções cientificamente. Muitas
publicações não são artigos científicos em sentido estrito, mas relatórios práticos, trabalham
com foco didático ou são estudos de caso em que a análise de dados parece ter sido realizada
de maneira amostral e não sistemática e exaustiva, não havendo consenso terminológico na área
de revisão de tradução. Termos como revisão, revisão, edição, publicação ou revisão são usados
indiscriminadamente, embora tenham sido feitas tentativas para atribuí-los a atividades
claramente diferenciadas.102

A definição que apresentamos na abertura deste tópico refere-se aos atores envolvidos
e seu perfil, abrangendo uma tradução inicial que não foi (principalmente) criada por uma
máquina é revisada e o revisor não é o tradutor. Excluir a revisão das traduções eletrônicas são
práticas científicas; do ponto de vista de nossa ótica, estamos tratando de revisores (pessoas) e
as ferramentas que elas usam são aspectos tangenciais; consideramos as ferramentas eletrônicas

100 (KÜNZLI, 2014).


101 (MOSSOP, 2014).
102 (KÜNZLI, 2014).
6-138

de tradução como aceleradoras do processo e até facilitadoras, eliminando a fadiga de muita


digitação, mais ainda é óbvio que elas não substituíram os tradutores, assim como as
ferramentas de verificação gramatical não fazem as vezes dos revisores.103 Quanto à divisão do
trabalho entre tradutor e revisor da tradução, se assim não for, não se trata de revisão, mas de
autorrevisão de tradução: aqui, como em qualquer revisão, impera o princípio da alteridade –
exatamente pelos mesmos motivos que temos exaustivamente postulado.

Por tudo isso, novamente, referimo-nos ao revisor de tradução como sinônimo de revisor
externo e alterno e apenas quanto ao trabalho que trata desse aspecto específico da garantia da
qualidade das traduções. A definição apresentada exclui outras atividades relacionadas à
revisão e à tradução.

A questão que sobra é a da distinção precisa entre as atividades relacionadas à revisão,


edição e revisão técnica (especializada no conteúdo material do texto). Usamos o termo revisão
unilíngue para situações de otimização de texto em que não há confrontação com texto de
origem, ou ele não é usado para verificação. Essa revisão verifica o cumprimento das normas
linguísticas; o revisor, portanto, não precisa ser tradutor. Na edição, o estilo é verificado, as
formulações são conferidas. O termo edição tem sido usado impropriamente, há muito tempo,
como sinônimo de revisão de tradução, entretanto, ele se refere com mais propriedade à
atividade específica da casa editora, isso se dá em português (em inglês, por exemplo, pode
haver falsa cognição); para nós, edição é examinar e editar manuscritos, contatar e manter
tradutores e revisores, selecionar obras para publicação e tratar dela. Já a revisão técnica,
envolve também o exame de fatos, lógica e terminologia, limites que não são claros o suficiente
– mas fica a indicação de que é necessária a interação entre o revisor linguista da tradução o
revisor técnico.

Outras medidas relacionadas à garantia de qualidade ocorrem na prática: a


reconciliação, na qual um texto-alvo só é verificado em relação a grandes omissões, é uma
varredura que verifica questões mecânicas, se seções ou frases inteiras foram omitidas na
tradução, por exemplo; a revisão bilíngue, em que tradutores de mesmas qualificações leem
suas traduções iniciais, especialmente no que diz respeito a aspectos estilísticos e – no caso de
grandes contratos, que são divididos entre diferentes tradutores – padronização da terminologia;
controle de qualidade, no qual a tradução ou, mais provavelmente, amostras são verificadas

103 (BRUNETTE, 2014).


6-139

para determinados critérios. A implementação de tal verificação é possível, inclusive, no texto


final entregue ao cliente, como etapa fixa do sistema de gestão da qualidade ou como resultado
de reclamação do cliente.104

6.7 REVISOR DE TEXTOS JURÍDICOS

Sempre volta a questão sobre a necessidade de o revisor ter formação, além da


linguística e técnica do ofício, na área do conhecimento afeta ao texto. Na realidade, trata-se de
falsa questão: o que importa, na verdade, é a familiaridade do profissional com o respectivo
campo semântico, independentemente de formação bacharelesca; por óbvio, a formação pode
fornecer o necessário arcabouço léxico, mas ela não é condição suficiente, nem necessária. A
revisão de textos jurídicos não é, em nenhuma hipótese, questão jurídica, mas ação linguística
a serviço da compreensão. Do mesmo modo, o instrumental para revisão dos escritos do direito
não é parte das competências auferidas nas faculdades daquela área. O objetivo da revisão é a
aferição precisa, objetiva, completa e funcionalmente consistente dos originais. Consideram-se
os elementos linguísticos contextualizados, todos, e seus efeitos, pragmaticamente.

A tarefa do revisor no texto jurídico é fornecer auxílio compreensivo com suas


ferramentas linguísticas e fazer a ponte que supere a barreira da compreensão entre as diferentes
bases e culturas jurídicas, alcançando, inclusive e se necessário, leitores fora do segmento dos
operadores do Direito. Para tudo isso, é necessária perspectiva abrangente no tratamento dos
textos, a partir da qual seja possível adaptar-se e adaptá-los a novas conexões e criar liames
comunicacionais. O conhecimento léxico especializado, altamente desejável para essa
mediação, é expresso na combinação de conhecimento da linguagem jurídica e de
conhecimento linguístico.

A perícia necessária abrangerá o conhecimento essencial dos sistemas jurídicos


relevantes no contato linguístico em causa, com seus fundamentos, do sistema de jurisdição
concretizado na cultura forense e das possíveis funções dos textos legais na vida dos sujeitos.
Essa expertise combinada se reflete na forma linguística. Aa revisão de textos jurídicos deve
possibilitar, de seu modo especial de olhar os documentos escritos, transpor o conteúdo para a
situação extralinguística, vivencial, pois a estrutura linguística jurídica, muitas vezes obscura,
nem sempre está assimilada pelo destinatário do alvo, mesmo que seja um advogado. A própria

104 (BRUNETTE, 2000).


6-140

segmentação do conhecimento jurídico, cada vez mais fractado e especializado, cria bloqueios
comunicacionais interna corporis.

O necessário conhecimento linguístico do revisor significa que ele domine a dupla


orientação da mensagem da linguagem jurídica com a terminologia específica e termos gerais,
o conhecimento de estruturas institucionais (organogramas e fluxogramas dos operadores do
Direito), o conhecimento da formação da linguagem jurídica em termos etimológicos,
estilísticos e pragmáticos, e que o linguista conheça, onde houver tal demanda, as dificuldades
comunicacionais que se instaurarão entre o emissor e o destinatário de cada mensagem. Além
disso, caberá ainda encaminhar a solução das dificuldades de revisão gramatical e
comunicacional resultantes ou precedentes no texto sob consideração.105

A revisão de documentos, certidões, contratos, atas, petições torna-se útil e necessária


para se estabelecer um direito em juízo ou fora dele. A atuação do revisor acadêmico de textos
jurídicos é imprescindível para a consolidação da comunicação que coroa o resultado de uma
investigação ou reflexão. Direito é ciência baseada em palavras; posto isso, é necessário que os
textos tenham o rigor da norma linguística – segundo os cânones de cada gênero, que eles
expressem com exatidão a mensagem de seus autores e reflitam com precisão a realidade dos
contextos em que se inserem, além de – e isso pode ser o mais importante, embora quase sempre
relegado: que os textos sejam compreensíveis para os agentes e pacientes de seus efeitos.

As revisões, processadas por interferências ou intervenções as mais diversas nos


escritos, não são independentes, não se trata da aplicação de uma gramática e de um vocabulário
técnico – tão somente, os procedimentos da mediação são válidos apenas em conexão com o
modelo de texto devido a seu propósito, como auxílio à compreensão. A revisão não trata
apenas do texto, mas o insere em seu respectivo contexto. Os revisores atuam na comunicação
jurídica profissional ou acadêmica, no trânsito oficial das mensagens, por exemplo, no cartório
ou em um tribunal, ou nas vias editoriais, por exemplo, na proposição de um artigo para
publicação ou de uma tese para defesa.

No caso de contratos, deve-se notar que um pacto negocial, trabalhista ou societário é


considerado vinculante pelos respectivos signatários e, para eles, gera direito passível de tutela
estatal; em caso de querela, seu conteúdo será interpretado por um árbitro ou juiz que não
participou da pactuação. A revisão do contrato baseado na linguagem jurídica deve permitir que

105 Adaptado de (STOLZE, 1999).


6-141

ele possua o rigor do direito pretendido e que seja acessível às partes signatárias. Na prática, a
adequação jurídica na linguagem contratual é revisada por um advogado de cada parte, todavia,
o mais provável é que cada advogado tenha sido coautor do texto (o que o desqualifica como
revisor: revisão exige alteridade e distanciamento) e tenha sempre a leitura sob a ótica de seu
representado, eventualmente, desconsiderando a reflexibilidade o direito em construção: o
contrato de compra para um é de venda para a outra parte.

Por fim, também é concebível e seria útil revisar as disposições legais ou jurisdicionais
para que elas se fizessem acessíveis em uma comunidade de pessoas. A expectativa do leitor
específico de cada da cultura em relação ao conhecimento especializado do escrito submetido
ao revisor deve ser levada em conta, podendo ser necessário reescrever segmentos de texto em
revisão mediativa. É quase uma constante, por exemplo, que os mandados não sejam
compreendidos pelas pessoas citadas, cabendo aos oficiais da justiça interpretá-los para os
pacientes; a grande questão é a fidelidade dessa interpretação, ou o eventual interesse subjacente
a que o texto permaneça obscuro para o destinatário.

A linguagem jurídica tem dois grupos de destinatários diferentes: entre os pares, juristas
e operadores do Direito, e os não iniciados nessa seara. A linguagem jurídica, entretanto, difere
de algumas outras linguagens técnicas, ela contém expressões que, na forma, correspondem às
da linguagem comum, mas que podem diferir em sua estrutura semântica no conteúdo ou no
resultado dele. Embora uma terminologia possa cumprir perfeitamente os propósitos da lei,
também é verdade que a lei deveria estar ligada à linguagem geral, pois está relacionada a
contextos específicos da vida. No entanto, ainda que a segurança jurídica devesse ser garantida
apenas por termos tão claros quanto lhes for possível, o significado de conceitos da linguagem
comum deve ser restringido por definições legais, pois a linguagem comum é fluida e imprecisa.
Também é verdade que o pensamento jurídico está, em grande parte, ligado às realidades
geralmente vivenciadas da existência humana em abstrato, dependendo e imanando, em grande
parte, das relações e ações naturais, muitas das quais pré-jurídicas, tanto no que toca às pessoas
naturais quanto às jurídicas.

Mas é ideia leiga, algo ingênua, pressupor que textos legais possam ser exequíveis e
atinjam sua finalidade, sua eficácia pragmática, sendo tão fáceis de ler quanto um romance ou
instruções de uso – na verdade, bem sabemos que romances e instruções de uso não são assim
tão alcançáveis pelo grande público. Ainda assim, os textos legais têm função muito mais
complexa na determinação jurídica institucionalizada no âmbito de uma ordem social que a
6-142

literatura criativa ou os textos procedimentais. As leis não são simplesmente o que o leitor vê
nelas, mas são interpretáveis no contexto sistemático da ordem jurídica por meio de diversos
procedimentos hermenêuticos e são aplicáveis aos respectivos casos práticos. Assim, a velha
demanda por entendimento geral das leis nunca é totalmente resgatável.

Os contextos léxico, semântico e pragmático da linguagem técnica jurídica são


caracterizados por diferentes graus de abstração. Assim, em textos legais, o revisor encontra a
convivência específica (mas não necessariamente pacífica) de termos exatos e termos
indeterminados de direito, que estão, inclusive, no horizonte de diferentes sistemas jurídicos,
principalmente quando se trata de direito internacional. O revisor tem a tarefa de reformular as
construções, minimizando essas barreiras para a compreensão mais similar possível dos
documentos entre os diversos sujeitos intervenientes ou supervenientes, sejam eles agentes ou
pacientes dos mandamentos.

As dificuldades de compreensão da linguagem jurídica para o leigo surgem quando


palavras comuns como homem e pessoa, nascimento e morte, pai e mãe, animal e coisa,
parentesco e afinidade, luz e treva, residência e domicílio, repouso noturno ou jornada de
trabalho são determinadas pelo sentido legal em usos específicos. Tais termos são menos claros
que o leigo acredita: “todas as pessoas são iguais perante a lei” não significa que sejamos
milhões de gêmeos univitelinos face uma pilha de normas perfeitamente codificadas e
uniformemente aplicáveis. Existem ainda, por exemplo, conceitos indeterminados, outros de
múltipla determinação ou de direito em construção que tornam a linguagem jurídica, como
ferramenta técnica, imprecisa, mas há termos necessários e amplamente empregados, como
boa-fé, bons-costumes, motivos relevantes, valor, proteção pessoal, segurança e ordem,
liberdade de expressão, força maior. Essas designações são interpretadas em casos individuais,
de acordo com o respectivo conhecimento pericial do revisor legal – nos casos em que se
invocar a linguística forense, das visões locais e temporais e das circunstâncias legais
pertinentes no âmbito da ordem jurídica aplicável.

O Código Civil estipula a necessidade de a língua nacional ser observada (art. 215, VII
§ 3º), estipula a priorização das intenções sobre as literalidades (art. 112). Mas complicando
todas as situações interpretativas apenas pelo uso da expressão “boa-fé”, quase uma palavra
ônibus, o Código Civil a emprega 56 vezes – quantos serão os sentidos apreensíveis? Na
contramão dessa imprecisão – e naufragando nela, bastaria um artigo determinando que todas
6-143

as relações se pautassem pela boa-fé, e absolvendo o intérprete de mais dos mais de dois mil
artigos que constituem aquela codificação.

Parte do problema linguístico, no entanto, é que há pouquíssimas normas cogentes


aplicáveis à língua comum; na verdade, podemos dizer que não existe imperativo legal sobre a
linguagem dos usos: a língua é campo de expressão franca, terreno de liberdade plena, afeto
inclusive à liberdade filosófica, incontornável e absoluta. Sobre a língua, os exercícios imperiais
de imposição fracassam e até mesmo certos imperativos sociais, como a demanda pela
linguagem politicamente correta, sucumbem: não passam de peias transitórias que estabelecem
inclusive campo para recriações histriônicas. Os sentidos e as acepções sofrem variações
semânticas, contextuais, políticas, temporais… Em poucas palavras, a língua é terrenos
pantanoso e o problema do Direito é que ele reside na linguagem; se assim não fosse,
poderíamos substituir os julgadores por programas artificialmente inteligentes que aplicassem
a subsunção jurídica de cada fato material, processando sistemicamente o arcabouço legal.
Todavia, o fato é que, se todo o sistema normativo de qualquer comunidade no planeta fosse
convertido em um programa de computador, em códigos de ordenamento exatos, com
subordinações e relações expressas pela linguagem matemática, o software não “rodaria” – não
há harmonia ou articulação orgânica suficientes, em nosso caso, nem mesmo na sub-rotina
primária, o ordenamento constitucional. Os conceitos jurídicos de normas, de usos e de
princípios são completamente díspares dos mesmos conceitos em termos linguísticos e
desarticulados entre si, sem mesmo ser necessário chegar-se ao infenso paul constituído pela
jurisprudência para já haver mais que suficientes complicadores. Não bastasse, a interligação
entre os mandamentos não é pacífica, sua hierarquia é obnubilada, a derrogação das normas ou
a edição de novas leis não são perfeitamente desentranhadas ou entranhadas no corpo
normativo.

Quanto ao corpus da linguística, da mesma forma, também não há organicidade, para


espanto geral; o conceito de gramática normativa (no sentido da obra impressa com esse título)
com poder regulatório é ficção ginasial; na verdade, o gramático faz inferências dos usos
abalizados da língua e os codifica, aplicando-lhes a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB
– essa sim, tem múnus legal!) no que julgar pertinente, algumas vezes em conflito aberto com
o dispositivo da Academia Brasileira de Letras. Como outro corolário, existe o Vocabulário
Ortográfico da Língua Português (VOLP), também integrando o ordenamento jurídico. E nada
mais, ou quase isso. Não há mais linguística juridicamente positivada que o VOLP e a NGB.
6-144

Além disso, os advogados também usam formalmente os chamados termos universais


da linguagem comum: compra, troca, aluguel, insulto, multa. O meio formal de fixar o
significado jurídico dessas palavras é simplesmente a descrição de suas características naturais
no chamado ato jurídico. Na verdade, a maioria das palavras têm juridicamente a mesma
significância e significado que elas têm em qualquer contexto. O mesmo ocorre com quase
todas as palavras, quase sempre: a compreensão comum delas é que faz possível a comunicação
entre as pessoas.

No nível de abstração jurídica, palavras técnicas são aplicáveis a fenômenos e atividades


e ações que não são tão diretas ou concretas, que são definidas apenas pelo pensamento. Tais
termos requerem domínio do vocabulário técnico em sentido abstrato e geral, como proprietário
em oposição a posseiro, imóvel como “imóvel real” ou propriedade como “poder legal de
alienação”, ou escrituração contábil, cláusula de hipoteca, sucessor em título, declaração de
intenção, inadimplência dos credores, responsabilidade por efeitos e defeitos e muitos mais.
São termos relativamente bem documentados na lexicografia especializada, na doutrina e na
jurisprudência – mas longe de haver pacificação das acepções: nem nos túmulos se encontra
paz jurídica ou harmonia hermenêutica. O resultado de abstração ainda mais abrangente são
conceitos legais, liminares (periculum in mora), concorrência ideal, subsidiariedade.

Para o revisor, é importante a conscientização sobre as decorrências do texto jurídico,


vale dizer, acerca dos efeitos sobre o mundo real que as palavras com que o linguista estará
lidando causarão, bem como sua incorporação pelos autores e pelo público-alvo em seus
respectivos repertórios; estamos falando da implicação das palavras na vida das pessoas e até
mesmo dos grupos sociais, das consequências de eventuais desentendimentos, ambiguidades
ou de incoerências inter ou extratextuais. Tratamos do princípio da revisão do “mínimo comum”
no conteúdo de palavras, termos jurídicos, que pode ser aplicado em textos legais, documentos,
textos acadêmicos – e encontra correspondência entre os sentidos que as pessoas lhes
emprestam fora do contexto do direito. Não é solução simplesmente deixar o termo técnico
adaptado em palavras comuns em tais textos, não se pode omitir a interferência com a desculpa
de que não há uma linguagem equivalente para outro grupo de leitores, por exemplo. A
possibilidade de um mínimo comum pode ser encontrada, por exemplo, no uso de um termo
mais geral; é o posicionamento pelo qual sempre haverá um mínimo comum – como expressão
que represente as mesmas unidades léxicas e semânticas – a ser encontrado; o termo genérico
6-145

sempre implica o menor esforço para o maior grupo de intérpretes e não existem ideias que não
possam ser representadas por signos mais universais.

No caso das revisões no campo do direito internacional, a interferência mais profunda


até pode ser necessária, uma vez que ela seria a única forma de preservar o espaço muitas vezes
escasso para a interpretação de uma aplicação multinacional dos textos. Nesses casos, trata-se
sempre da mediação pendular entre os revisores e os tradutores, como subsídio aos autores ou
aos intérpretes, na via de mão dupla que sempre existirá. A revisão de textos para uso
internacional é mediação complexa em si, em termos jurídicos há infindáveis complicadores:
multiplicidade de sistemas legais, estruturas jurisdicionais sem correspondência perfeita,
marcos culturais adversos. Mas sempre se haverá de contar com o princípio da básico da
comunicação: a cooperação entre o emissor e o receptor na codificação e decodificação da
mensagem – ou haverá a falência comunicacional completa, a instauração de uma Babel.

Devido ao propósito da revisão linguística, bem como às restrições éticas que o trato
com a palavra alheia impõe, a adaptação, a interferência ou a intervenção nos textos também
são vedadas ao revisor se houver risco de falso na identidade das instituições ou figuras
jurídicas. Não é a prevenção de formulações incomuns ou expressões não específicas, mas
declarações falsas que são essencialmente preservadas. Embora os termos culturais sejam
muitas vezes mais compreensíveis, eles são possíveis, mas podem levar a erro. Um exemplo é
a transferência de títulos judiciais para outras línguas.

Devido à vinculação dos conceitos legais à vida das pessoas, a perspectiva pragmática
das condições culturais do destinatário e do conceito de linguagem jurídica também é
importante na revisão. A situação estranha deve se tornar transparente. Se, em explicativos de
revisão, notas de rodapé ou comentários intertextuais à margem, surgir uma formulação que,
embora não consagrada em linguagem jurídica ou administrativa, sendo geralmente
compreensível, possa ser assimilada pelos destinatários em seu sistema linguístico sem maiores
equívocos, ela deve passar a integrar o texto.

O revisor deverá ter claro conhecimento da semântica dos termos legais e


administrativos (significados e significâncias, conotações e denotações). Um problema que
ainda é completamente incompreendido pelos lexicógrafos é o que representam as figuras
linguísticas do direito, como autoridade pública, poder público, função pública, domínio
público, serviço público e muitos outros, frequentemente indo além da oposição ao
6-146

correspondente privado. A conexão do substantivo com o adjetivo público forma uma unidade
semântica mínima, que não pode ser dividida em suas partes, mas é definida pela função geral
e ocorrência no texto jurídico. Isso não impede que a mesma expressão apareça em outros
contextos técnicos com outros significados. O “público do serviço” não significa “serviço
público”, mas público a ser servido; “receita de público” não é “receita pública”; “a público
restrito” difere de “restrito a público” – para exemplificar com uma pequena série de locuções
cujos sentidos podem ser armadilhas no texto, fontes de conexões equivocadas para o intérprete
(público-alvo) e para os eventuais tradutores.

Em geral, a revisão não altera a macroestrutura dos textos para proporcionar sua
comunicabilidade ou função documental. No caso dos contratos, por exemplo, o objetivo é
garantir que o número de sentenças individuais nos textos permaneça constante, desde que cada
cláusula expresse uma condição única, para efeito de clareza e compreensão recíproca ou
mesmo para manter a comparabilidade da comunicação entre os usuários em questão. A
manutenção dessas estruturas textuais, pode, naturalmente, também criar influências alienantes
nas convenções de texto.

Devido ao lento desenvolvimento histórico do direito pela constante reaplicação e


desenvolvimento da lei, assim como por uma série de razões ligadas a nossa tradição
bacharelesca, um estilo muitas vezes arcaico também se desenvolveu nas comunidades
jurídicas. No entanto, essa estilística, que muitas vezes é considerada pouco atraente na
linguagem comum, eventualmente tem sua função técnica. Assim, os estilos tradicionais, como
impressão abstrata e estilo impessoal, servem para enfatizar a ação e destacar a função das
pessoas. As instruções no infinitivo são mais válidas, geralmente. O estilo nominal típico da
linguagem técnica também enfatiza a objetividade. A expressão muitas vezes complicada com
acúmulo de atributos adjetivos pode servir à precisão do conteúdo, a intercalação – que rompe
com a fluidez textual, categoriza, hierarquiza e relativiza as proposições. Em formulações
textuais jurídicas “permeáveis”, apesar das palavras de linguagem comum utilizadas, o menor
espaço de interpretação possível deve permanecer, todas as contingências devem ser
iluminadas. O uso desses estilos nas revisões aumenta sua aceitação e autoridade estilística,
embora a expressão de formalidade muito arcaica pelo revisor de textos jurídicos deva ser
evitada.

Finalmente, um problema particular com as revisões de textos jurídicos são as fórmulas


padronizadas. Eles servem para simplificar as informações internas porque indicam
6-147

consistentes formulações e pré-julgamentos existentes. Por conseguinte, servem para


reconhecer certos aspectos processuais (ver a “cláusula de jurisdição” nos contratos). Os
advogados têm apresentado textos, ao longo de gerações, com as mesmas fórmulas testadas
repetidamente. O revisor não tem liberdade de interferência, pois a construção canônica tem
reconhecida interpretação conforme e não se quer diferente. Se houver etapas de processo e dos
textos comparáveis em termos de propósito e constantes em termos de elaboração, então as
fórmulas correspondentes devem ser mantidas, mesmo que elas sejam estruturadas de modo
completamente diferente da linguagem comum. Pesquisas especializadas, com a comparação
paralela sistemática de construções padrão em linguagens individuais e coleções de fórmulas
contrastantes, seriam úteis. O revisor mantém as formas consuetudinárias, independentemente
da sintaxe no modelo de texto, para aumentar a compreensão da revisão.

6.8 REVISÃO: AVALIAÇÃO E CONTROLE

Além de realizar o trabalho de controle de qualidade textual, propriamente inerente ao


serviço do revisor, os deveres como linguista podem incluir tarefas de avaliação da qualidade
do trabalho de outros profissionais. Ao contrário da aferição da qualidade do serviço feita pela
própria equipe que se encarregou de cada contrato, ou mesmo pelo próprio revisor autônomo,
que sempre ocorre antes de a revisão ser entregue ao cliente, a avaliação da qualidade em uma
agência de serviços linguísticos pode ocorrer após a entrega. Essa avaliação, controle de
qualidade do serviço – e não mais do texto, não faz parte do processo estrito de produção de
revisões. O controle de qualidade consiste em identificar (porém, não mais não corrigir)
problemas em uma ou mais passagens selecionadas aleatoriamente, segmentos representativos
do texto, para determinar o grau em que o serviço atende às normas profissionais e aos padrões
que tenham sido estabelecidos.

O controle da qualidade a que estamos nos referindo agora pode ser feito em textos
únicos, para ajudar na contratação ou na promoção de colaboradores, por exemplo. Pode
também assumir a forma de auditoria permanente de qualidade: uma amostra de todos os textos
revisados por um revisor ou uma equipe de revisão sendo avaliada sistematicamente, a fim de
determinar o quão bem o serviço como todo está sendo feito, podendo ser mantida uma linha
histórica dos resultados obtidos para fins de estudo ou aperfeiçoamento das rotinas. A finalidade
pode ser identificar as áreas que há pontos francos, de modo que a formação continuada da
equipe possa suprir lacunas.
6-148

Os resultados do controle devem ser quantificados, por exemplo, para comparar os


resultados dos candidatos em processo seletivo. Em outras ocasiões, o controle é qualitativo;
por exemplo, como supervisor de um revisor, pode-se ter que formar juízo sobre os pontos
fortes e fracos daquele profissional e mesmo comparar seu desempenho ao dos demais membros
da equipe. Observe-se que o trabalho contratado precisa ter controle de qualidade (preparado
até para o cliente, se for demandado ou pactuado) e avaliado visando determinar, para fins de
pagamento, se as condições contratuais foram satisfeitas, em caso de serviços terceirizados.
Essas duas tarefas podem ser executadas simultaneamente pela mesma pessoa, que avalia o
documento e faz as medições necessárias.

Considerando que o controle de qualidade textual é orientado para o texto e visa tanto o
cliente quanto o leitor, a avaliação da qualidade é orientada para os negócios. Faz parte do
trabalho de gestão das operações atuais e futuras da organização, por exemplo: pagamentos a
revisores terceirizados e acompanhamento de seu desempenho com vista a futuros contratos;
contratação e promoção de revisores; determinação das necessidades de formação; decisões
sobre o equilíbrio da equipe em relação aos trabalhos contratados e assim por diante.

Uma agência de revisão ou serviço pode querer saber quanto faturamento é proveniente
dos revisores ou tempo estão gastando em uma ou outra revisão. Para cada hora de revisão,
quantas mudanças necessárias estão sendo feitas? Quantos problemas estão sendo introduzidos?
Quantos problemas não mereceram atenção? Quantas correções inadequadas estão sendo
feitas? Quantas mudanças desnecessárias estão sendo feitas? De particular importância é a
pergunta: quantos dos erros graves não estão sendo corrigidos?

Para responder a essas perguntas, o serviço de revisão pode realizar auditorias, controle
de qualidade. Para realizar uma auditoria simples, basta coletar uma amostra de serviços
entregues aos clientes ao longo dos últimos meses e contar o número de erros (ou melhor: o
número de erros graves) que não foram capturados em um segmento de tamanho conveniente,
talvez 500 palavras. Para mais, será necessário um projeto com as revisões antigas para que elas
possam ser comparadas às mais recentes. Pode-se concentrar em um “bom trabalho” de revisão
ou em um “trabalho ruim”, como parâmetros. Sendo mais ambiciosos, podem-se distinguir os
problemas e atribuir ponderações típicas.

Uma auditoria simples desse tipo contará o número de problemas introduzidos pelo
revisor em um segmento dado (boas construções feitas más, ou más feitas pior) mais o número
6-149

de problemas não notados. Uma auditoria mais complexa consideraria não apenas erros
introduzidos ou não observados, mas também alterações desnecessárias e problemas
inadequadamente processados. Mais uma vez, podem-se distinguir as revisões de problemas de
gramática, estilo e terminologia e dar a cada espécie diferentes pesos.

É claro também se pode combinar o bom e o mau, usando uma fórmula como 2EC +
LC/2-3IT-AD/3: o dobro do número de erros de revisão corretamente corrigido (EC) mais
metade do número de erro de linguagem corrigido corretamente (LC) menos triplo o número
de interferências introduzidas (IT) menos um terço do número de alterações desnecessárias
(AD). Repetindo: também se poderiam contar todos os erros, ou somente os mais sérios, desde
que se tenha decidido o que é o erro sério. Essa fórmula é apenas uma dentre as possíveis, mas
gera um número absoluto que pode ser comparado em relação a diferentes mandados.

Os revisores individuais também podem auditar seu próprio trabalho para fins de
autodesenvolvimento. Se o profissional é novo na revisão, e não há nenhum revisor sênior que
pode supervisionar seu trabalho, ou ninguém tem tempo para fazê-lo, fazer uma cópia de cada
projeto de revisão e, em seguida, um par de meses depois, revisar novamente. Então,
comparam-se as duas revisões. As alterações devem ter as mesmas posições em ambas as
revisões, embora, naturalmente, as novas interferências podem muito bem serem diferentes. Se
as mudanças estão em muito diferentes, o trabalho é claramente assistemático, ou pode assinalar
grande evolução do profissional.

Algumas vezes, os clientes não tratam a revisão como serviço profissional e, portanto,
ignoram a posição do revisor e sua qualificação para garantir a qualidade. Do mesmo modo,
clientes podem também submeter as revisões que recebem à verificação de qualidade, usando
seus próprios critérios. Além disso, os clientes podem encaminhar a revisão concluída de um
processo de edição no qual ele receba outra revisão, eventualmente com critérios diferentes ou
até mesmo conflitantes. Por exemplo, se o cliente pretende publicar a revisão de um trabalho
científico, haverá geralmente (mas nem sempre) ser um editor para verificar o conteúdo e
terminologia. É uma boa ideia procurar saber se um editor de assunto examinará o texto que
você está revisando e quais os critérios serão adotados à frente.

Uma forma de verificação de qualidade por vezes utilizada pelos clientes é a


confrontação: o cliente tem alguém para checar a sua revisão ou compara dois serviços
diferentes sobre o mesmo texto. A confrontação pode ter seu lugar no processo editorial, mas
6-150

sempre é método duvidoso para verificar a precisão e muito menos eficaz em relação a outros
aspectos da revisão. O revisor pode muito bem cometer um erro, e, em seguida, qualquer
discrepância entre o texto de origem, o texto revisado e o texto posteriormente editado será a
“falha do revisor”. Por outro lado, a primeira revisão pode ter sido tão profunda que nenhum
outro revisor chegará a uma formulação assemelhada – as possibilidades da língua são infinitas
e isso precisa ficar claro – não há solução perfeita, solução definitiva.

Desde que a revisão pertence ao cliente, ele é, naturalmente, livre para mudar o que se
propôs (a menos que o revisor esteja sendo identificado na obra como tal, ou tenha assinado
uma certificação da versão apresentada). Nesses casos, o revisor nunca deve fazer uma mudança
para corresponder a uma posição técnica (sobre critérios, uso da língua ou qualquer outra
matéria) com que ele não concorde, após a consideração cuidadosa de outras vistas. A função
do profissional na sociedade é dar a sua opinião informada, não repetir ou refutar outra pessoa.

Voltemos à questão central para todos os prestadores de serviços, e em especial para


revisores, o trade-off entre o tempo e a qualidade. Do ponto de vista econômico, tempo é
dinheiro, logo, quanto mais rápido a revisão for concluída, melhor. Certamente, melhor para o
autor, que recebe seu original revisado com maior brevidade, melhor para o revisor que recebe
seus honorários com mais brevidade… Entretanto, será que é também melhor para o documento
de que autores e revisores deveriam estar cuidando com prioridade? O problema é mais
facilmente visto em situações em que os clientes são cobrados diretamente (ao contrário de
situações em que recebem revisão como um serviço aparentemente gratuito do departamento
de revisão da empresa ou da universidade).

O faturamento do serviço de revisão pode ser feito em unidades textuais (número de


palavras ou caracteres) ou, mais raramente, em unidades de tempo (o número de horas gastas
em determinado trabalho). Se um trabalho leva 15 horas, será economicamente pior, para o
revisor, que se forem precisas apenas 12 horas para revisar o mesmo documento. Se o cliente
estiver sendo cobrado por horas de trabalho, a conta será 25% maior, e o cliente pode procurar
pelo serviço em outro lugar na próxima vez. Se a conta for tanto por palavra ou por página, o
tradutor autônomo (ou empregador na equipe de revisores) terá menos renda total durante
determinado período em que ele revise menos quantidade de texto. Suponhamos que a equipe
de revisores necessite de 15 horas para completar um trabalho de 3000 palavras. Estaremos
trabalhando a 200 palavras por hora, enquanto, se levarmos 12 horas, estaremos trabalhando a
250 palavras por hora. Se o cliente estiver pagando 15 centavos por palavra, o serviço está
6-151

rendendo $30,00 por hora, o segundo $37,50 – não importando a moeda ou a base de cálculo,
revisar mais rápido rende mais.

Mas o texto será concluído em 12 horas tão bom quanto o texto concluído em 15 horas?
Serve adequadamente a seu propósito? Há maior número de problemas persistentes nele,
possivelmente graves? Não há como contornar o fato de que a boa qualidade de quase todo
serviço demanda tempo, o mesmo no que se refere à revisão. Alcançar a precisão rigorosa, em
particular, será demorado tanto para o revisor mais rápido quanto para o grupo de revisores
mais lento. Por outro lado, parece ser falso que, quanto mais tempo se gastar na revisão, melhor
ela se tornará; há um ponto além do qual nenhuma outra melhoria será feita, o tempo está
simplesmente sendo desperdiçado na continuidade. Quando se celebra um contrato de revisão,
o cliente não quer ser cobrado por releituras sem sentido e mudanças desnecessárias! No mesmo
sentido, os revisores precisam se desapegar do trabalho que já está suficiente, com segurança,
para entregá-lo ao cliente e discutir logo as questões pendentes, encerrando o serviço.

A revisão completa, cobrindo todos os recursos possíveis (múltiplas leituras, vários


revisores, revisões eletrônicas, leitura em papel, audição…), é muito demorada. Quase sempre,
um serviço que compreenda menos que a revisão “completa” é perfeitamente aceitável. Além
disso, muito tempo pode ser economizado se os revisores aprenderem a evitar alterações
desnecessárias, se eles mecanizam a utilização de recursos como atalhos de teclado, se usam
telas sensíveis ao toque e diversos outros artifícios que conferem maior velocidade ao processo
– são técnicas conhecidas dos revisores e perfeitamente aplicáveis. Finalmente, os revisores
podem ser capazes de produzir com maior qualidade, mais rapidamente, e deixar mais tempo
para as discussões com os clientes, se todos tiverem acesso (e treinamento!) aos mais recentes
instrumentos tecnológicos. No entanto, há limites para essas práticas. Por exemplo, quando uma
nova tecnologia é introduzida, o processo de revisão pode acelerar: o processo de pesquisa foi
certamente acelerado pelo advento dos mecanismos de busca na internet nos anos finais do
século XX. No entanto, depois de algum uso, o ganho em tempo alcança um limite e a nova
tecnologia já fica incorporada ao serviço de todos os revisores – inclusive dos concorrentes.
Enquanto isso, ao passo que discutimos essas questões, as expectativas sobre a velocidade de
revisão são maiores a cada ano. Como resultado, continuará a haver conflito entre as demandas
éticas de qualidade e as demandas econômicas de velocidade.

Existirá sempre a tentação de se defasar a qualidade em atenção à demanda temporal do


cliente e em detrimento de ausência de suas reclamações. Os clientes que estiverem sob muita
6-152

pressão de tempo podem transferir essa pressão ao revisor e não acompanharem adequadamente
as demandas do revisor, o que pode resultar em reclamações ulteriores. Temos aqui outra
situação de trade-off, derivada da anterior: trata-se da pressão de tempo sobre o revisor que
deverá optar em atender mais ao texto ou ao cliente. A revisão tem qualidade adequada quando
o cliente se dá por satisfeito com ela, mas pode acontecer que o cliente não se manifeste
imediatamente e questione ulteriormente o que não questionou em tempo hábil; nada mais
desgostoso que comentários extemporâneos desqualificando a revisão, mas ocorrem. Por isso,
o argumento da pressão do cliente que deteriora a qualidade do serviço de revisão é muito fraco,
de fato, é antiético, e fogem às responsabilidades profissionais os revisores que atendem a
pressões temporais em detrimento da qualidade do serviço. Poucos clientes verificam
adequadamente o serviço imediatamente ao receber cada etapa dele. Como resultado, eles
podem muito bem não notar problemas que, depois, lhe serão apontados. Eles podem não estar
imediatamente em posição de reconhecer um grande erro de revisão: por exemplo, a revisão
feita pode, inclusive, fazer sentido, mas não exatamente o sentido que o escritor pretendia.

Na luta entre tempo (ou seja, dinheiro) e qualidade, os revisores enfrentam um dilema:
como empregados ou contratados, eles devem considerar as preocupações financeiras do
contratante, entretanto, como profissionais, deve-se dar prioridade à qualidade do serviço.
Revisores autônomos estão na mesma posição que os empregados: todos precisam ganhar a
vida, mas também têm um dever profissional. Claramente, não há uma resposta fácil.

Garantia de qualidade é o resultado do conjunto completo de procedimentos aplicados


não apenas após o serviço de revisão, como o controle e a avaliação da qualidade, mas também
antes e durante o processo de revisão, em suas diversas etapas, por todos os membros da equipe
de revisão ou pelo revisor a quem o coube o contrato, para asseverar que os objetivos de
qualidade relevantes para os clientes sejam atendidos. O controle de qualidade e a avaliação da
qualidade são parte dos recursos que nos permitem oferecer a garantia de qualidade sobre
nossos serviços. A garantia de qualidade requer procedimentos para conferir segurança quanto
a:

i. qualidade de serviço: os prazos são cumpridos? A interação entre clientes e


revisores ou suporte é agradável? As queixas são tratadas de forma satisfatória?
Cada trabalho é rastreado para que o cliente possa receber um relatório de
progresso? Se o cliente perdeu a versão eletrônica da revisão feita há alguns
meses, o serviço de revisão pode fornecer nova cópia?
6-153

ii. qualidade do produto físico ou virtual: o layout da página é satisfatório? O


serviço foi entregue nas versões previstas (com ou sem controle de alterações,
arquivos nos formatos previstos)? Houve acompanhamento da impressão e
checagem do resultado?
iii. qualidade da revisão: o cliente ficou satisfeito com as interferências feitas e
solucionou os questionamentos apresentados? Houve uniformidade e coerência
(preparação, linguagem e estilo)?

Para melhorar a qualidade do serviço e para que se possam oferecer garantias mais
sólidas, pode ser útil (embora demorado) manter registros que fornecem medições de sucesso
e insucesso: controle dos prazos, quantificação das queixas e registro dos elogios, problemas e
soluções em relação aos revisores supervisionados e os terceirizados.

Para os revisores e as empresas editoras que suprimiram ou nunca mantiveram avaliação


e controle da qualidade (menos tempo gasto, mais textos revisados, mais faturamento), seria
importante assegurar a qualidade impedindo que os erros ocorram em primeiro lugar. Isso
significa prestar atenção extra às fases anteriores e ulteriores do processo de revisão. Os
procedimentos de avaliação e controle são as bases para a garantia real de qualidade a ser
oferecida, são o custo que vai se refletir em mais receita, em virtude do nome que será
construído.

Há uma tendência para a padronização de procedimentos para a relação contratual entre


o cliente e o provedor de revisão (freelance ou empresa de revisão). A ideia é que, se certos
procedimentos forem seguidos antes e durante a produção da revisão, isso aumentará a
probabilidade de boa qualidade. Para esse efeito, algumas organizações de revisão estão
aplicando variedade de normas e manuais que foram produzidos nos últimos anos. É de salientar
que os documentos em questão tendem a originar-se de editores que, na sua maior parte,
representam os proprietários ou gestores dos serviços de editoração, bem como os grandes
compradores de revisões, como as universidades; as contribuições de organizações de revisores
profissionais e de escolas de revisão são mínimas, uma vez que essas instituições são incipientes
e quase inexistentes no Brasil.

As normas e as diretrizes dos manuais de redação abrangem tipicamente questões


linguísticas e estilísticas, raramente mencionando a qualificação de revisores e de outros
profissionais que trabalham em um projeto, ademais, quando o fazem, incorrem em grandes
equívocos; o processo de negociação de um contrato de revisão, as interações entre o provedor
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de revisão e o cliente durante e após o projeto, as etapas no processo de revisão, incluindo,


naturalmente, a descrição dos vários trabalhos de verificação, nunca são objeto dos manuais
que regulam ou orientam os serviços de revisão e não constituem, de modo algum, qualquer
base para garantias de qualidade.
7-155

7 FORMAÇÃO DO REVISOR

Les correcteurs. On fait une faute, ils la corrigent ; on la maintient, ils la


recorrigent : on l’exige, ils la refusent ; on se bat au téléphone, on remue
des bibliothèques, on s’aperçoit qu’ils ont raison. Mieux vaut abandonner
tout de suite. (Alexandre Vialatte)

7.1 EPÍTOME

1. Há conhecimentos e habilidades necessários para durante a execução do programa de formação do


que se possa transferir a experiência de revisão revisor.
com sucesso, de forma motivadora, ajudando 7. Há diferença significativa entre as revisões feitas
estudantes a desenvolver as competências sob a supervisão do revisor sênior, atuando como
básicas do revisor e a funcionar bem no mercado professor, e a prática de revisores profissionais
da revisão. no mundo real.
2. Para garantir a formação teórica mais eficiente e 8. Os aprendizes de revisão atuam sob escudo
orientada à prática, a relação entre formadores e protetor do supervisor, já que é o revisor sênior
alunos deve ser reconsiderada e remodelada em que assume a responsabilidade pela qualidade do
parâmetros de atividade cooperativa, a revisão texto revisado.
colegiada, dos trabalhos feitos em equipe.
9. O modelo cognitivo sugere que o revisor cria um
3. A gestão passo a passo dos processos, em modelo mental do evento de revisão, consistindo
sucessivas etapas ou “camadas”, sugere que das informações verbais fornecidas pelo texto,
jovens revisores só podem alcançar bem como das informações que o revisor coleta.
performances satisfatórias combinando a base
cognitiva de linguística à formação metódica e 10. Contratos autênticos estão já sendo praticados
linear. em todo o mundo, por causa da mudança de
quadro teórico ocorrida nos círculos de revisores.
4. Tarefas reais são adequadas ao uso no
treinamento de revisores e formam uma ponte 11. A experiência em formação adquirida nos
entre teoria e prática. últimos anos nos leva a preferir treinar revisores
que estejam cursando entre o terceiro e o sexto
5. A parte prática da formação do revisor é o períodos da graduação e suprirmos a efetiva falta
processo de revisão, permitindo aos alunos inicial de ferramentas teóricas.
revisar em base regular, com a oportunidade de
discutir as soluções e obter feedback constante 12. Boas relações com os colegas são sempre
sobre o trabalho a partir do formador. cruciais: o instrutor de revisão faz parte da equipe
em sua instituição de trabalho como revisor e
6. O currículo dialógico procura ser um sistema deverá ser capaz de cooperar com os revisores
mais bem integrado, incidindo no que acontece em formação e com os outros formadores.

7.2 BREVE QUADRO TEÓRICO

Vários objetivos estão associados ao ensino da revisão. Antes de tudo, na formação para
se tornarem revisores, os alunos devem receber a noção de retrospectiva, entendida como o
duplo fato de que a revisão é separada do processo cognitivo de escrita e que o revisor se
7-156

apresenta como o primeiro leitor do texto. No papel ficto de destinatário privilegiado, o revisor
representa mais o público-alvo do que personifica a autoridade competente:106 a figura nefanda
do policial do texto. Procuraremos demonstrar neste tópico o modo pelo qual a teoria
fundamenta a revisão profissional, portanto, deve integrar a formação do revisor. Há
questionamento feitos por revisores profissionais e, às vezes, até por empregadores quanto à
importância da teoria da revisão, do ensino da revisão e de sua prática; infelizmente, devemos
apontar que esses questionamentos advêm de pessoas completamente alheias aos modernos
conceitos de revisão. Apesar dos esforços já realizados e das numerosas discussões em torno
da contribuição do ensino teórico para os programas de formação de revisores, os serviços de
revisão, em todos os lugares, continuam ignorando essa questão, ignorando o real papel da
teoria em seu trabalho. Vamos apresentar nossa reflexão sobre a contribuição da teoria para
programas de formação de revisores profissionais, no intuito de colaborar para afastar algumas
nuvens que pairam sobre a questão.

Não se trata de propor novo curso regular de bacharelado ou de justificar a posição dos
serviços de revisão ou universidades no que diz respeito à oferta de ensino formal, antes,
apresentamos nossa proposta para incentivar a aproximação entre teoria e prática, profissional
e academicamente, no contexto brasileiro. Também não teremos nenhuma veleidade no sentido
de imaginar que nossas linhas alcançarão, pelo menos não diretamente, empregadores que ainda
não se deram conta do estado atual do entendimento do que seja a revisão de textos. O objetivo
da proposta que se segue é subsidiar a exposição de aprendizes a ideias e conceitos de revisão
de ontem a hoje, usando diferentes teorias, sem fazer uma opção exclusiva por qualquer corrente
e, assim, incentivá-los a entender os processos de revisão que usam e a abordar questões
importantes no campo profissional. A base teórica também permite que neófitos entendam
melhor o que é revisão e adquiram o conhecimento necessário para fazer bom uso dos recursos
disponibilizados a eles.107

O termo revisão refere-se tanto ao resultado da atividade do revisor quanto aos diversos
procedimentos que a levam a isso. No modelo básico de Hayes e Flower,108 desenvolvido a
partir da análise de protocolos de produtores de texto especializados, o processo de revisão,
assumido como etapa da escrita, consiste em dois subprocessos: a releitura (pelo autor) do
primeiro rascunho e a revisão (pelos revisores), e podem ser definidas de acordo com duas

106 (BRUNETTE e GAGNON, 2013).


107 Adaptado de (ST-PIERRE, 2012).
108 (HAYES e FLOWER, 1980).
7-157

estratégias. A primeira, automatizada pelo autor e inerente à produção, ocorre em todos os


momentos da atividade produtiva, enquanto a segunda, a revisão controlada e intencional,
ocorre em ocasião específica e apropriada – segundo aqueles autores. Os objetivos do revisor
são alcançados por uma série deliberada de estratégias e procedimentos. No entanto, a estratégia
adotada depende da habilidade do revisor109 e, portanto, deve ser explicitamente aprendida pelo
revisor neófito.

À medida que a pesquisa sobre revisão avança em diversos contextos, os autores


modelam a atividade de revisão como autônoma e introduzem a distinção que nesse ponto se
estabelece entre “revisão externa” (intervenção) na superfície textual e “revisão interna”
(interferências) do conteúdo semântico.110 A revisão é concebida então como avaliação da
adequação do produto ao propósito definido pelo autor durante o processo de planejamento. A
revisão, nessa concepção já um pouco antiga, consiste na aplicação de regras de textualização
destinadas a resolver os problemas encontrados pelo autor e deve corresponder a suas intenções
comunicativas e suas realizações linguísticas.

Outras pesquisas tentaram esclarecer não apenas as modalidades da revisão, mas


também o timing dela. O modelo de Sommers111 descreve quatro operações de revisão:
exclusão, deslocamento, substituição e reorganização, aplicando-se a quatro níveis de
intervenção sobre o texto, independentes um do outro: a palavra, a proposta, a sentença, a ideia.
Em seguida, foram apresentados critérios para análise no contexto da revisão: o tempo da
revisão, seus fatores linguísticos e o propósito dela. Vários autores passaram a considerar a
distinção essencial entre revisão superficial e revisão semântica, que altera o significado do
documento. Foi proposta a revisão contendo seis operações: adição, remoção, substituição,
permutação, reforço, distribuição. Essas operações ocorrem tanto na superfície quanto no nível
semântico: revisão superficial, com alterações formais ou sintáticas mantendo o significado, e
revisão semântica, jogando nos aspectos micro ou macroestruturais. Além disso, às vezes, os
dois níveis operam em paralelo. O aparente contraste entre revisão superficial e revisão
semântica mostra, por exemplo, o estado flutuante da adição do adjetivo ao termo revisão, que,
dependendo de seu conteúdo semântico e carga emocional, provém indiferentemente da revisão
superficial com propósito principalmente ornamental e retórico ou da revisão semântica
destinada a construir a coerência textual. Uma adição de superfície pode, assim, levar o revisor

109 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).


110 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
111 (SOMMERS, 1980).
7-158

ao reprocessamento semântico, resultando no fortalecimento da coerência textual ou no


“renascimento” do texto que pode ser realizado, por exemplo, por expansões narrativas.

A revisão já consiste agora da tarefa tripla: detectar, identificar e modificar a parte do


escrito considerada inicialmente pelo autor como “perfeita”. O revisor trabalha para
desenvolver a redação precisa e, assim, reformular a expressão do autor com o objetivo de
esclarecê-la. O procedimento de comparar, diagnosticar, operar (CDO) envolve a releitura do
produto, mas não permite diretamente que os revisores façam diagnóstico sobre os segmentos
de documentos a serem revisados. Algumas pessoas não sabem quais são as disfunções em seus
textos – outros não sabem nem que elas existem ou que estejam presentes. O procedimento
CDO faz emergirem diversos problemas que estavam abaixo da superfície textual.

É a partir do ponto da emersão de disfunções que o processo CDO se transforma em


revisão propriamente, fazendo com que o revisor sinta a divergência entre as duas
representações ou as falhas dos mais diversos tipos nelas. O revisor interrompe a leitura e inicia
o processo de comparação e intervenção. Ao comparar, destaca dissensões entre as duas
representações presentes no escrito, a atenção se volta para o diagnóstico, que inicia uma
pesquisa no escrito e no conhecimento registrado na memória de longo prazo, para encontrar
quaisquer causas ou explicações. Então, passa-se à fase da operação, intervenção ou
interferência, composta de duas partes: a primeira, a escolha da tática, identificar um tipo geral
de modificação textual (por exemplo: substituir palavras por sinônimos, excluir ou adicionar).
O revisor pode decidir não modificar e, portanto, abandonar momentaneamente o processo, mas
se a tática requer interferência, passa para a segunda fase de trabalho: a fase que gera mudanças.
Nessa fase, são feitas as intervenções, o que leva à nova representação textual e, portanto, à
nova comparação e a novo processo de CDO. Se o revisor decidir não intervir no texto, a fase
das alterações não será reiniciada, mas o processo CDO continuará. O objetivo desse modelo é
mostrar o que acontece na revisão, no entanto, deve-se lembrar que o processo do CDO pode
continuar mesmo que a interferência não ocorra. Esse procedimento tende a aumentar
significativamente o número de interferências realizadas, mas nem sempre alcança melhoras na
qualidade ou consistência dos documentos revisados.112

A revisão requer que o autor renuncie a seu primeiro rascunho, à redação dada
originalmente. Essa capacidade de delegar estaria relacionada ao reconhecimento da habilidade

112 Adaptado de (PEDRETTI, 2011).


7-159

e competência do revisor e à aceitação da própria e humana imperfeição. Reconhecemos duas


fases de desenvolvimento de capacidade para mobilizar processos e habilidades para a revisão.
Inicialmente, os processos se limitam a correções superficiais na ortografia e pontuação; em
seguida, a diversificação do gerenciamento e o incremento do processamento de linguagem
tornam o revisor capaz de considerar palavras, frases e o escrito como todo – e aqui já estamos
em outro estágio cognitivo, operativo e temporal da revisão.

Desse modo, para autores e revisores iniciantes, a revisão aparece mais frequentemente
como uma série de correções formais de superfície, resultantes de processos de baixo custo
cognitivo. A revisão semântica, mais complexa e opaca, devido à necessidade de considerar a
necessidade de esclarecimento do leitor, dificilmente acomoda a atividade mental reflexiva
isolada. É por isso que as intervenções propostas durante a atividade de revisão colaborativa
contribuem para o desenvolvimento da capacidade cognitiva e operativa do revisor aprendiz,
levando-o a se desengajar de posturas gramático-normativas e melhorar a qualidade do texto.113

A pioneira na formação acadêmica em revisão foi a Universidade de Montreal, onde


Paul Horguelin estabeleceu o primeiro curso de revisão em 1974. As possibilidades de formação
dedicadas à revisão ainda são esporádicas pelo mundo todo e são relatadas por meio de
referências diretas e indiretas em contribuições de pesquisa sobre o tema. Ainda não
conhecemos censo de quantas e quais instituições acadêmicas e não acadêmicas oferecem curso
de revisão.

A necessidade de ensinar a revisão decorre de dois pressupostos principais, duas


correntes paralelas de concepção da função do revisor: uma que entende a atividade como
ferramenta para melhorar e consolidar a competência em redação ou tradução114 e outra que a
entende como competência separada e independente, respondendo às necessidades do mercado
profissional. Precisamente no que diz respeito ao mercado profissional, deve-se dizer que a falta
de profissionais com habilidades já adquiridas combinadas com razões de mera conveniência
econômica muitas vezes leva à escolha de confiar atribuições de revisão a tradutores,
professores, jornalistas, talvez jovens e com pouco poder de barganha, convenientemente
defendendo a ideia de que o bom professor, tradutor ou redator só podem ser bons revisores –
como se a revisão fosse uma competência “naturalmente impregnada” em alguns profissionais.

113 Adaptado de (MARIN e LEGROS, 2006).


114 (MOSSOP, 2014)
7-160

Para criar sinergia entre a formação acadêmica e a formação profissional específica, é


claro que o desafio de qualquer proposta de formação de revisores deve ser no sentido de
qualificar os alunos para as necessidades das diferentes profissões que surgem e se transformam
tão rapidamente. Isso significa que os programas de formação precisam ter em consideração as
necessidades do mercado, assim como precisam garantir a boa correspondência entre as
competências dos graduados e as exigências dos empregadores.115

A abordagem linguística clássica da revisão descreve essencialmente as versões


sucessivas do texto seguindo as diversas intervenções feitas e os diversos processos linguísticos
utilizados para melhorar o produto. Por outro lado, o trabalho dos psicolinguistas enfoca o
estudo dos processos cognitivos implementados nas atividades de revisão e reescrita. Se, para
o revisor, “a revisão detecta as discrepâncias entre o produto original, os padrões linguísticos e
suas próprias intenções”,116 o primeiro campo cognitivo está mais do lado do texto e o segundo
do lado do autor. Quanto à análise da atividade de revisão, as duas abordagens são
complementares. A abordagem linguística visa analisar e propor intervenção nos diferentes
elementos envolvidos na revisão. A abordagem psicolinguística tem como objetivos analisar as
diversas interferências, estudar as características dos fatores relacionados aos autores e
revisores em seus respectivos contextos, além de fazer generalizações sobre os processos
cognitivos implementados durante a atividade de revisão, essenciais para a concepção da
didática cognitiva da revisão.

Os psicolinguistas estudam os diferentes níveis do texto revisado com base nas


principais fases de seu tratamento: superfície textual (palavras, frases); microestrutura (questões
referentes ao significado local – frase, parágrafo – o conteúdo); macroestrutura (todas as
propostas mais importantes ou relevantes e constitutivas do significado geral do escrito).
Medidas subjetivas referentes ao significado geral são usadas em narrativas para avaliar a
legibilidade produzida do ponto de vista do leitor, perspectiva adotada pelo revisor profissional
quando ele se interessa pela legibilidade pelo destinatário. Segundo esse método, a sensação
mais forte de qualidade está relacionada à consistência do texto produzido. Para obter
conhecimento, as bases cognitivas necessárias ao ofício, os revisores iniciantes, que revisam
principalmente a superfície textual ou os níveis mais segmentados do escrito (microestrutura),
devem passar a poder reprocessar a escritura no nível semântico global (macroestrutura), vale

115 (SCOCCHERA, 2015).


116 (OLIVE e PIOLAT, 2003, p. 2)
7-161

dizer, devem ser instrumentalizados para passar a revisar a estrutura e a substância de todo o
documento, com vistas a considerar a leitura por e para o outro.

É na interação desses níveis de processamento e reprocessamento que os dois campos


se unem. É na iteração desses procedimentos que os revisores se constroem. Por exemplo, o
estudo linguístico dos índices de coesão textual (estrutura, conectores) permite ao revisor fazer
suposições sobre as atividades de construção da coerência e da representação subjacente e,
assim, compreender e avaliar melhor a coerência da representação textual. Os linguistas
pragmáticos e psicopragmáticos, que levam em conta o documento em muito mais dimensões,
estudam os efeitos esperados da palavra escrita sobre o destinatário. O texto pode, então, ser
concebido como uma máquina para produzir inferências e intercessões no leitor ou como um
mecanismo sujeito à interferência do revisor. De fato, o leitor, ao lidar com o significado
linguístico da afirmação, também infere a intenção e o conhecimento do autor. Código e
linguagem, para realmente funcionarem, precisam de (re)conhecimento mútuo que remeta à
ideia de que cada informação é contextual e faz parte do conhecimento do autor e do
reconhecimento do leitor. Essa visão, que revela a necessidade de considerar as características
culturais e linguísticas do autor e do revisor, é coerente com a posição construtivista que fornece
a base para uma didática cognitiva da produção e revisão de textos.117

A revisão de textos, um campo de pesquisa em renovação total entre investigadores, é


agora atividade de retorno contínuo ao texto que intervém em todas as tarefas e em todas as
fases da produção escrita. Essa atividade, que envolve múltiplos e diferentes conhecimentos,
dependendo da estratégia de revisão utilizada, requer investimento variável e custo cognitivo
elevado, dependendo da competência do revisor, dependendo do contexto da revisão, do
destinatário e do gênero de documento. A revisão melhora a forma e o conteúdo semântico do
texto desenvolvido durante a atividade de escrita, mas também a qualidade do produto
textual.118

Tal concepção cognitiva da revisão se distingue de outras abordagens que diferem entre
si, dependendo do campo de pesquisa e das múltiplas perspectivas do revisor. Assim, a análise
dos vários pontos de vista e a consideração dos contextos da revisão enriquecerão os

117 Adaptado de (MARIN e LEGROS, 2006).


118 (OLIVE e PIOLAT, 2003).
7-162

referenciais e os modelos adotados e os tornarão mais operacionais, independentemente do


contexto da tarefa, do revisor e do destinatário final da escritura.119

7.3 FORMAÇÃO DO LINGUISTA

Cabe apontar que existe a graduação em Linguística no Brasil, em paralelo à tradicional


formação em Letras. Segundo identificamos, o curso de Linguística vem sendo oferecido pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (São José do Rio Preto – SP),
Universidade Federal de São João del-Rei (São João del-Rei – MG), Universidade Federal de
Minas Gerais (Belo Horizonte – MG). É possível e provável que haja mais. O estudante de
Linguística foca a linguagem verbal, a gramática e a evolução dos idiomas, investiga as línguas
das diversas sociedades e sua relação com outros idiomas, analisa a estrutura e a sonoridade das
palavras e das sentenças, o significado dos termos e das expressões idiomáticas, bem como as
diferenças de uso por grupos regionais ou sociais; informática e estatística são ferramentas
subsidiárias à pesquisa. Em interação com a Psicologia, a Linguística estuda os processos que
envolvem a linguagem e a mente, outros focos específicos podem ser a própria revisão de
textos, editoração, linguística forense.120 O linguista profissional pode se dedicar ao estudo
“puro” das línguas, abarcando várias dimensões: sua estrutura, a maneira como os povos as
utilizam, sua história e suas relações com as sociedades. A formação envolve, então, interações
com a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia, já que a língua é compreendida como parte de
um contexto. Novos campos de trabalho são ligados à linguística aplicada, desenvolvimento de
linguagem artificial e de linguagens utilizadas por pessoas com déficits sensoriais – por
exemplo, Libras (Língua Brasileira de Sinais).121

Quanto aos cursos de Letras propriamente, originalmente eles se dividiam em Letras


Clássicas e Português e Letras Estrangeiras, depois eles se reorganizam em Letras Clássicas,
Letras Neolatinas e Letras Anglo-Germânicas. Havia, no início de sua existência, e por muitos
anos, nítida orientação literária, apoiada em bases gramatical e histórica. A língua era percebida
como instrumento para leitura e análise textual, aprendida indiretamente pelos textos. Depois
adveio a proposta de currículo mínimo para os cursos de Letras prevendo a licenciatura dupla
(português e uma língua estrangeira). O curso compreendia, além das matérias pedagógicas,

119 Adaptado de (MARIN e LEGROS, 2006).


120 (GUIA DAS PROFISSÕES, s.d.).
121 (ÚLTIMO SEGUNDO, 2012).
7-163

oito disciplinas, das quais cinco faziam parte de um currículo básico (língua portuguesa,
literatura portuguesa, literatura brasileira, língua latina e linguística) e as outras três escolhidas
entre cultura brasileira, teoria da literatura, uma língua estrangeira moderna, literatura
correspondente, literatura latina, filologia românica, língua grega e literatura grega. Em 2002,
extingue-se a obrigatoriedade do currículo mínimo. A antiga formação de três anos de formação
básica e um ano de licenciatura é substituída, em geral, pela formação em licenciatura que deve
acontecer desde o início do curso. Os currículos permanecem focados em estudos literários e
linguísticos, restando pequeno espaço curricular para linguística aplicada, cultura, entre outras.

Entre 2000 e 2002 foi formada uma comissão que visitou inúmeras instituições e pôde
constatar quão precária estava a formação de professores – principal meta dos cursos à época,
destacando os projetos pedagógicos insuficientes e a utilização de bibliografias defasadas.
Havia lacunas na formação pedagógica em vários currículos, ficando as disciplinas a cargo de
pedagogos sem qualificação específica, cujos planos de aulas eram importados de outras
licenciaturas. Outra dificuldade era a qualificação dos coordenadores, na maioria das
instituições, feita por indicação política em detrimento da competência, comprometendo a
qualidade da gestão e do ensino. Três fatores combinados acabam por gerar a situação
desconfortável dos cursos de Letras atualmente: a baixíssima motivação para exercer a
docência, o excesso de vagas nos cursos de licenciatura e a qualidade duvidosa aliada à
estagnação dos currículos.

A qualidade duvidosa pode ser explicada pela forma em que os projetos pedagógicos
são formulados, geralmente com o objetivo de reduzir gastos. Outro fator é a existência do
famigerado “pacto de mediocridade”, no qual o professor passa o aluno mesmo sabendo da falta
de condições dele, e o aluno, por sua vez, não perturba o professor. Esse fator, praticamente
universal no ensino, em muitas áreas, agrava ainda mais a situação precária em si.

As licenciaturas duplas têm outro impacto negativo sobre a qualidade dos cursos. Para
que isso se reverta, seria necessário que teoria e prática se inter-relacionem na reflexão que
busca na teoria respostas para a prática. Nesse sentido, entende-se que os cursos de Letras
deveriam proporcionar ao aluno conteúdos sobre o processo de ensino e aprendizagem, bem
como o domínio de técnicas pedagógicas, no que toca às licenciaturas, fazendo-se necessária a
inclusão de, no mínimo, dois semestres de linguística aplicada, para que, à luz dos conceitos
discutidos, mudanças conceituais e da práxis ocorram. Os cursos de Letras ainda precisam
encontrar meios de proporcionar ao futuro professor ou ao linguista condições para desenvolver
7-164

sua competência pragmática, fundamental para o desenvolvimento profissional, não bastando


conhecer o idioma e ter noção de ensino.122

Ainda nos dias de hoje, boa parte dos cursos de bacharelado em língua portuguesa ou
comunicação não possuem alguma vertente com direcionamento para a formação de
profissionais da revisão de textos, normalmente cabendo, nas universidades, à pós-graduação a
formação em revisão, mas esses cursos quase sempre aprofundam questões de redação e
gramática, deixando de lado a questão da edição e revisão de textos, não obstante, cabe-nos
apontar algumas graduações que já existem com tal enfoque: Bacharelado em Letras/Edição,
Universidade Federal de Minas Gerais; Bacharelado em Letras/Linha de formação em
Tecnologias de Edição, CEFET-MG; Bacharelado em Comunicação Social/Habilitação em
Editoração, Universidade de São Paulo; Bacharelado em Produção Editorial, Universidade
Anhembi Morumbi; Bacharelado em Produção Editorial, Universidade Federal de Santa Maria.

7.4 FORMAÇÃO TRADICIONAL

Uma das primeiras questões que surgem em relação ao revisor, principalmente do ponto
de vista do contratante, é como ele foi formado, pois – evidentemente – as competências para
o ofício não são inatas. A prática profissional mostra que agências de revisão e editores
recrutam, frequentemente, autores experientes para o trabalho de revisão, aqueles que provaram
suas habilidades de escrita e confiabilidade ao longo do tempo; outro caminho – bem mais
moderno e coerente – é a contratação de estagiários ou jovens recém-egressos dos cursos de
Letras, e treiná-los no exercício do ofício. Assume-se, em ambos os casos, que, além da
competência de escrita, possuam todos os conhecimentos linguísticos e perfil necessários para
interferir no texto dos outros. No entanto, muitas vezes, os escolhidos para serem formados não
têm o conhecimento que pode servir de base para o trabalho de revisão. Isso resulta em uma
série de tentativas de intervenção e conflitos desconfortáveis entre o autor e o revisor. Revisores
inexperientes muitas vezes precisam adquirir as habilidades básicas de seu trabalho à medida
que realizam revisões – parece que isso não é muito diferente da maioria dos ofícios.123

A prática descrita acima realmente assume algum processo construtivo pelo qual o
aprendiz primeiro se torna linguista profissional, depois escritor experiente e, eventualmente,

122 Condensado e adaptado de (FREITAS e MACHADO, 2013).


123 Adaptado de (ROBIN, 2016).
7-165

revisor. Esse processo de desenvolvimento, no entanto, não nos diz nada sobre as habilidades
que o revisor deve ter, mas que o autor pode não ter. Infelizmente, o arcabouço legal também
não fornece à profissão definições aplicáveis. Os revisores sêniores devem ter qualificação
reconhecida e experiência profissional documentada, bem como experiência de produção de
textos – consonante o processo evolutivo mencionado. Os revisores juniores e estagiários serão
formados pelos mais experientes. Adicione-se a tudo isso que já existe significativa base teórica
quanto ao ofício e às práticas de revisão e ela deverá ser incorporada em algum momento; para
tanto, sabemos que existem cursos de revisão que, em regime de pós-graduação, supram
algumas lacunas de quem já tem amplo domínio da língua e quer se dedicar ao ramo da revisão;
também já mencionamos que existem graduações em Letras voltadas especificamente para a
área editorial. As duas últimas alternativas, muito bem recebidas, suprem o candidato a revisor
de alguma bagagem teórica, mas é na lide diária, sob a supervisão do revisor sênior (ou editor
com experiência de revisão), que se vai moldar o novo profissional para a revisão.

Também é necessário investir em treinamento e apoiá-lo: se é treinamento para


iniciantes, pode ser feito por uma agência na qual um revisor sênior acompanha o neófito
enviando a ele o trabalho (e remuneração!) – além da supervisão oferecida, ou se se trata de
formar o revisor no ambiente acadêmico, com bolsas de estudo que ajudam a cobrir os custos
de viagens de estudos e pesquisas no exterior, seminários e workshops que incentivam a
construção de erudição, o intercâmbio e a atualização constante. Espaços como as agências de
revisão podem ser locais ideais de estudo e encontro entre o escritor, o revisor e o editor,
devendo ser multiplicados e aprimorados.124

Tanto o autor quanto o revisor se esforçam para produzir uma comunicação textual bem-
sucedida e bem assimilada pelo leitor. Eles procuram garantir que o texto produzido seja isento
de interpretações erradas, minimizam equívocos, procedem conforme as normas da linguagem
adequada ao respectivo documento; eles trabalham para que o escrito possa ser facilmente
processado e contenha as informações relevantes bem ordenadas para o leitor. Aliás, a revisão
é muito mais que “outro par de olhos”, bem mais que outro escritor deslizando os olhos pelo
escrito após ele ter sido dado por concluído pelo autor. A tarefa dos revisores é aferir o trabalho
escrito segundo seu gênero e público-alvo e corrigi-lo em relação aos aspectos gramaticais e
estilísticos, de acordo com os requisitos (formais ou informais) da linguagem moderna e natural.
Os revisores visam produzir um documento que, como resultado das intervenções, seja preciso

124 Adaptado de (SINDICATO TRADUTTORI EDITORIALI, 2013).


7-166

no conteúdo, gramaticalmente correto, coerente quanto ao estilo, apto para o processamento


pelo destinatário e pronto para impressão. Assim, os revisores não se engajam na criação de um
produto novo, simplesmente modificam o trabalho concluído e podem fazer sugestões. Eles
baseiam seu trabalho no público-alvo, eles não abordam o escrito no nível das frases somente,
porém, mais globalmente, focando em todo o macrotexto. Posto que os revisores aferem o
trabalho de outra pessoa, pode ser difícil identificar-se com o uso da linguagem do autor, mas
não cabe forçar seu próprio estilo na revisão.

Uma vez alcançado um consenso sobre a necessidade da formação específica para a


revisão, existem dois caminhos possíveis: a educação acadêmica formal ou a aprendizagem de
campo. A possibilidade de essas duas abordagens serem integradas em combinação ideal é a
base da proposta que vai ao encontro de nossas postulações, porque enfatiza as vantagens do
treinamento de campo (possibilidade de supervisão próxima, naturalidade da situação de
aprendizagem, contato com quem trabalha no setor e tem o pulso da situação); por outro lado,
as mudanças no mercado de revisão são tais que essa formação esteja se tornando cada vez
menos viável por questões econômicas e diferentes gestões do fluxo de trabalho. No caso
específico da competência de revisão no setor editorial, já foi dito que a falta de oportunidades
e locais de treinamento está principalmente ligada às transformações do mercado editorial. A
maioria dos editores emprega agora mais revisores freelancers e menos que trabalhem
internamente; isso se refere ao campo geral das editoras, quanto às maiores casas do ramo da
revisão, a tendência se inverte. Não sabemos precisar, no cômputo geral, que números seriam
alcançados. Isso significa que menos revisores estão disponíveis para desempenhar funções de
treinamento e menos têm conhecimento aprofundado ou práticas editoriais, nunca tendo sido
expostos ao ambiente editorial corporativo.125

Ao não se treinarem os revisores no campo, persiste a necessidade da educação


formalizada na qual os alunos possam aumentar o potencial e as habilidades operacionais e os
conhecimentos linguísticos, e onde, com a introdução de oportunidades de estágio e
aprendizagem em situações e documentos reais, cria-se vínculo imediato com o mundo
profissional. Não menos importante, o desenvolvimento de cursos livres de formação em edição
e revisão pode ajudar a elevar os padrões profissionais, padronizar métodos e procedimentos de

125 (KRUGER, 2008, p. 43).


7-167

trabalho e incentivar estudos e pesquisas – desde que não constituam mero reforço gramático-
normativo ou, no pior dos casos, simples caça-níqueis à guisa de pós-graduação.

Há benefícios em cascata advindos da formação acadêmica na forma de graduação


focada na edição e revisão conjugada à intensa prática, incluindo aprender a respeitar o trabalho
dos outros, entender melhor as tarefas dos profissionais da linguagem, melhorar o julgamento
e as habilidades linguísticas, tornar os profissionais mais sensíveis às bases normativas de “uso
adequado” e desenvolver e se conscientizar do controle ideológico que os editores podem
exercer.126

Há quem julgue não ser possível ensinar revisão na graduação, pelo menos não como
formação profissional, mas apenas como ferramenta para melhorar as habilidades linguísticas,
relegando a formação específica em revisão à pós-graduação ou formação profissional no
mercado.127

Consideramos que as propostas de trabalho e as sugestões para a formação apresentadas


neste capítulo podem ser aproveitadas para diferentes públicos e distintas formações técnicas
ou acadêmicas. Se a razão da desconfiança em relação ao ensino “precoce” da revisão é a
alegada falta base linguística para alunos mais jovens, carentes de ferramentas analíticas,
críticas, descritivas para a atividade adequada de revisão, a experiência em formação adquirida
nos últimos anos nos leva a preferir treinar revisores que estejam cursando entre o terceiro e o
sexto períodos da graduação e suprirmos a efetiva falta inicial de ferramentas teóricas bem
como a esperada defasagem de erudição. Nosso argumento é que essa lacuna pode ser
preenchida pela inserção gradual de conteúdo e ferramentas na preparação para o trabalho de
revisão a partir do campo editorial, dando assim o primeiro e importante passo para a aquisição
de consciência mais clara do que as diferentes atividades editoriais demandam em primeiro
lugar para a construção dessa atitude crítica e respeitosa, ao mesmo tempo que ela será
característica essencial de cada editor ou revisor. A partir do primeiro exercício em manuscritos,
é possível introduzir e aprofundar ferramentas teóricas e práticas mais refinadas em termos
conceitual e metalinguístico a serem aplicadas às atividades de reescrita e revisão.128

126 (KRUGER, 2008, p. 46) e (MOSSOP, 2014).


127 (MOSSOP, 2014).
128 (MOSSOP, 2014).
7-168

7.5 FORMAÇÃO MODERNA

Sapientiæ acquiritur per facultatem, non ætas.129 (Plautus)

Vamos apresentar algumas diretrizes que temos inferido de nossa experiência na


formação de revisores, sedimentada pelas leituras de práticas e desempenhos de terceiros.
Temos tido diversos estagiários que formamos para a atividade de revisão, alguns dos quais se
tornaram profissionais e mesmo já podem treinar outros revisores. Há cursos de formação
específica para revisão nas faculdades, há cursos de pós-graduação que se propõem ao mesmo
objetivo, mas os revisores só se formam na prática. Há muito mais que teorias sobre revisão e
reforço nas competências linguísticas a ser transmitido aos que se pretendem formar como
revisores. Para essa formação, é necessário haver formadores eficazes e projeto realista a ser
executado. Nosso ponto de partida será enumerar as competências esperadas dos formadores
que ensinam revisão de textos. Eles devem, obviamente, ser revisores no comando da prestação
de serviços de revisão, possuir forte lastro linguístico, sólida e ampla erudição, capacidade de
pesquisa autônoma de informações, competências editoriais, didáticas e tecnológicas. Porém,
que outros conhecimentos e habilidades são necessários para que alguém possa transferir sua
experiência de revisão com sucesso, de forma motivadora, ajudando estudantes a desenvolver
as competências básicas do revisor, assim como a funcionar bem no mercado da revisão?130

Aqui mencionamos estagiários, aprendizes ou alunos, sempre no sentido de revisores


em formação, que podem tanto ser turmas de alunos quanto um aprendiz que tenhamos como
colaborador, uma vez que a maioria das questões que apontamos são aproximadamente as
mesmas. A formação do revisor é personalíssima e se dá pela relação de um estudante com
vários profissionais de revisão, ainda que um deles possa se destacar como “mentor” principal.

Estamos bem cientes das diferenças entre os cursos de formação de revisores e


sublinhamos a importância de se observar as circunstâncias individuais e as diversas instituições
formadoras. Também estamos cientes de que os revisores não se formam todos em cursos
voltados para a revisão ou editoração. Muitos excelentes revisores têm tido formação
autodidática e assim continuará sendo. Nas seções a seguir, alguns elementos do modelo que
propomos serão delineados e ilustrados com exemplos concretos da prática do ensino de
revisão.

129 A sabedoria se adquire com a capacidade, não com a idade.


130 Adaptado de (ESZENYI, 2016).
7-169

Traçando o perfil do moderno formador de revisores, ele deve ter diploma universitário
e experiência de campo relevante (como revisor, editor, preparador). Um fundo de formação
didática também é desejável, não como qualificação necessária, mas o formador deve, pelo
menos, ter participado em curso adicional de habilidades de treinamento. Também é necessário
que o formador conheça e possa consultar a literatura de estudos de revisão e outras obras que
apoiem regularmente o ensino da editoração. Os autores mencionam que a afiliação a uma
organização profissional também seria desejável; na verdade, isso não se aplica à realidade
brasileira. As necessidades para a formação do revisor com base linguística serão certamente
diferentes daquelas do treinamento do revisor profissional que não tenha graduação em Letras;
o professor universitário ou o profissional como relações públicas, advogado ou engenheiro
também podem vir a se tornar revisores, mas o treinamento necessário será profundamente
distinto.

Considerando os fatos listados acima, propomos um quadro geral de referência para os


formadores de revisão. A aquisição das competências descritas será definida como objetivo
para os formadores. Isso implica que o domínio perfeito das cinco competências não é o ponto
de partida do modelo: ele será sempre o profissional disposto a partilhar seu conhecimento e
capaz de fazê-lo.

Note-se que as instituições de ensino superior também desempenham papel relevante na


construção das competências necessárias à formação de Figura 2 – Competências dos
revisores. Em um grupo de revisores experientes, não formadores de revisores

serão todos que possuirão a capacidade de transmitir suas


habilidades àqueles em formação. A formação
autodidática complementar sempre será necessária, e o
treinamento formal, que não descarta a proatividade do
revisor em formação como aprendiz de um ofício para a
prática, será adaptado às características e necessidades do
indivíduo, suprindo as lacunas necessárias e sempre
reconhecendo que a capacitação do revisor não é limitada
no tempo. Nossa postulação é que a formação do revisor
é processo contínuo e que seja sempre contiguo: cada revisor aprende sempre com o colega.
Cada formador é livre para definir como proceder ao treinar o revisor, mas reconhecemos que
o instrutor de revisão deve ter as seguintes competências:
7-170

iv. competência de campo;


v. competência didática;
vi. competência organizacional;
vii. competência interpessoal;
viii. competência de avaliação.

As competências não estão listadas por ordem de importância, mas a figura 2 indica
como elas se complementam, são interdependentes e se fortalecem mutuamente.

Essa parte do modelo ostenta a característica mais próxima ao perfil desejável do revisor
moderno. O formador deve estar ciente do funcionamento do mercado de revisão e ter
experiência de prestação de tais serviços. Essa prestação de serviços, no caso do revisor
autônomo ou freelance, consiste das seguintes etapas:

i. o revisor anuncia seus serviços;


ii. o revisor recebe uma consulta (oferta) de uma agência de revisão, da editora ou
do cliente direto (autor);
iii. o revisor visualiza o original e, depois de considerar o material recebido e fatores
externos (tempo, qualificação…), prepara e fornece o orçamento dos serviços,
descrevendo o que se propõe e o cronograma necessário;
iv. à vista do orçamento, o cliente aprova o serviço; usualmente, paga o sinal (algo
em torno de 30% do valor estipulado); é feito o agendamento do trabalho;
v. o revisor faz a revisão com o melhor de seu conhecimento, confiando em suas
habilidades linguísticas, bagagem cultural, capacidade de pesquisa e
competências temática e tecnológica;
vi. o revisor interage com o cliente, esclarecendo dúvidas, fornecendo parâmetros e
subsidiando decisões;
vii. o revisor conclui o serviço e envia ao cliente o estado final da arte, para últimas
discussões e aprovação final do serviço;
viii. o cliente paga o saldo sobre o pagamento acordado, de acordo com as condições
pactuadas, da forma como foi estabelecido;
ix. o revisor envia ao cliente o documento revisado, normalmente deixando em
aberto a possibilidade de mais algum esclarecimento.

Embora todas as fases sejam importantes no processo, o treinamento do revisor se


concentra habitualmente na etapa em que se está revisando o escrito (v, acima). A escassa parte
prática da formação do revisor é o processo de revisão em si, e deve ser propiciada de modo
que permita aos alunos revisar em base regular, com a oportunidade de discutir as soluções e
obter feedback constante sobre o trabalho a partir do formador. O processo de revisão implica
7-171

visualização do produto, planejamento, preparação do documento para revisão, análise de


qualidade (verificação ortossintática, diversas fases de leitura, cruzamento de dados), manuseio
das diferentes versões, arquivamento (certificando-se que a última versão seja a enviada para o
cliente ou o formador) e gerenciando a terminologia recebida e compilada.

O formador deve selecionar textos, para fins de ensino, que eles próprios sejam capazes
de revisar (ou já tenham revisado) com profissionalismo elevado, especialmente no que diz
respeito à linguagem e aspectos interculturais do trabalho. O formador deve estar familiarizado
com outras profissões relacionadas ao ofício da revisão, para que possa mostrar a seus alunos
com sucesso as expectativas do mercado e identificar as áreas em que os alunos precisam de
mais desenvolvimento, com vistas a que seu trabalho se torne comercializável. O treinamento
de revisão será, portanto, idealmente, a imitação do que o revisor profissional faz na vida
prática.

É por isso que os alunos em formação devem estar familiarizados com os três elementos-
chave das atribuições de revisão: tempo, preço e qualidade. A respeito dos prazos, o treinamento
em mantê-los deve começar tão cedo quanto possível, com atribuições de tarefas a serem
desempenhadas em privado e com tempo cronometrado; isso durante todo o treinamento.
Aqueles que são incapazes de cumprir prazos devem ser aconselhados a escolher outra
profissão. É necessário que o treinamento ensine o aprendiz a agir com cautela, mas propiciar
a ele meios para o ganho de tempo e para o contínuo incremento da velocidade de trabalho.
Definir-se pelo exemplo é importante: se o formador é rigoroso sobre os prazos, ele não pode
ficar adiando a correção das tarefas atribuídas. Idealmente, a qualidade esperada e o preço são
diretamente proporcionais, a pontualidade deve ser transmitida pelo instrutor pelo exemplo, ao
avaliar as tarefas domésticas dos estudantes com presteza e rigor; o mercado penaliza aqueles
que não cumprirem os prazos e os que forem muito lentos – tanto quanto serão punidos os que
não apresentarem resultados qualitativos satisfatórios.

Além de discutir revisões, outro elemento útil e motivador das aulas de revisão é o
revisor-professor falar sobre sua experiência de mercado e responder às perguntas dos revisores
em formação sobre a vida profissional. O formador pode convidar outro revisor experiente, de
vez em quando, para discutir as revisões em conjunto. Estagiários e revisores em formação
também podem lucrar com a visita a uma agência de revisão, ou editora com departamento de
revisão, onde eles possam ver e ouvir no local sobre as atividades da empresa e aprender quais
são as expectativas (e as frustrações) dos revisores. A formação de revisores deve incluir
7-172

estágios profissionais durante os quais os alunos possam experimentar suas competências em


estabelecimentos com sólida tradição de revisões, sempre sob supervisão competente.

Ler a literatura relevante, seguindo as últimas tendências profissionais, acompanhando


as pesquisas de revisão e artigos sobre produção e revisão de documentos escritos também
devem fazer parte do repertório de treinamento de formadores para revisão. As revisões dos
alunos podem servir de recurso didático na mão do formador, entretanto, devem visar resultados
concernentes à necessária metodologia.

O revisor-formador transfere seu conhecimento de campo para os alunos; os parágrafos


seguintes sobre as competências interpessoais, organizacionais, instrutivas e avaliativas
explicam como esse conhecimento pode ser transferido.

A essência da competência interpessoal é que o formador tenha relacionamento eficiente


com seus alunos e fomente o bom relacionamento entre eles, tornando as aulas ideais do ponto
de vista da aprendizagem. Boas relações com os colegas são sempre cruciais: o instrutor de
revisão faz parte da equipe em sua instituição de trabalho como revisor e deverá ser capaz de
cooperar com os revisores em formação e com os outros formadores. O formador está ciente
das regras éticas ligadas à revisão e ao ensino de revisão e é capaz de transferi-las para os
aprendizes. As atividades em aula devem ser relevantes, interessantes e manter o ambiente
descontraído, os alunos têm que poder fazer perguntas e devem ser estimulados a fazê-las. As
competências de revisão podem ser desenvolvidas em pares ou grupos de trabalho, por isso, o
formador não precisa sempre organizar a classe frontalmente – não é o caso de aulas expositivas
contínuas ou de qualquer preleção como atividade principal.

Como já mencionamos na seção sobre a experiência de campo, os alunos devem ser


treinados na gestão do tempo e aprender a lidar com o estresse – sempre há estresse em relação
a prazos e, quase sempre, em relação ao trato com os clientes; cabe ao revisor saber contorná-
los. Existem métodos e estratégias para fazer isso, porém o próprio comportamento do
formador, a previsibilidade das rotinas de trabalho e o ordenamento das tarefas são os caminhos
para minimizar o estresse. Aqui, mais uma vez, vale a pena mencionar a utilidade de
compartilhar a própria experiência. Se o formador achar que é apropriado, que ele possa dizer
aos alunos sobre seus próprios empreendimentos estressantes e desagradáveis relacionados à
revisão e falar sobre como eles poderiam enfrentá-los, mostrando que um ponto baixo na vida
profissional não significa o fim da carreira de alguém como revisor.
7-173

Nas práticas de revisão, ao avaliar as revisões feitas, é crucial que o formador e os


aprendizes analisem e deem razões para as decisões tomadas durante o processo de revisão. Um
glossário pode ser compilado para cada atribuição, em que as expressões técnicas e falhas
contumazes do original sejam relacionadas e observadas. Essa é uma boa maneira de esclarecer
por que algumas soluções não são aceitáveis, e ajuda a desenvolver a competência da pesquisa
de informação dos estudantes. Eles aprendem a identificar fontes de credibilidade duvidosa e
analisar o contexto antes de escolher suas soluções.

Todas as habilidades listadas acima pertencem à competência interpessoal. Essas


habilidades, entretanto, não serão aprendidas dos livros ou por métodos autodidáticos. Isso
torna fundamental a dimensão interpessoal do treinamento: a honestidade intelectual do
formador, a abertura para o fato de que ele não é infalível – não tenta dar a seus alunos a
impressão de ser perfeito – inspira confiança e faz crescerem os aprendizes.

O formador deve estar ciente das necessidades dos alunos e das expectativas do
programa. Propor um questionário de análise de necessidades pode ser útil no início do curso,
especialmente se for a primeira vez com o grupo. Podem ser feitas perguntas sobre a experiência
dos participantes, as necessidades, os objetivos, os pontos fortes e fracos. O questionário pode
tornar-se parte da pasta de revisões dos estagiários e servir de ferramenta valiosa para avaliação
e autoavaliação. Outro documento que vale a pena incluir na pasta é o perfil do revisor moderno.
Conhecer as competências é, de fato, forma de metacognição; porém, essa noção, ao lado de
habilidades práticas, também é necessária no treinamento de revisores.

O formador deve criar um ambiente de aprendizagem favorável e motivador para seus


alunos. Os objetivos do curso devem ser claros; os requisitos, os prazos e o sistema de avaliação
devem ser fornecidos aos estudantes no início do aprendizado. Isto servirá como documento de
referência ao longo do treinamento. As tarefas dadas devem ser relevantes e factíveis e o
conteúdo deve visar o desenvolvimento da competência de revisão. O formador deve estar
ciente de todo o conteúdo do programa de formação em revisão, inclusive do conteúdo
ministrado por outros formadores, e planejar suas atividades como parte da equipe de formação
de revisão. Referências ao que os alunos aprenderam no início do curso, ou em outros cursos,
podem aumentar significativamente a eficiência da aprendizagem e ajudar os aprendizes a se
adequar ao conhecimento que ganham em um quadro maior.
7-174

A flexibilidade e a capacidade de adaptação também pertencem à competência


organizacional. O formador deve acompanhar as mudanças na profissão e no mercado de
revisão, conhecer as últimas tendências e incluir essas novidades no currículo. A avaliação do
curso feita pelos alunos ao final do período pode contribuir muito para a prática de ensino
reflexivo e flexível do formador. Em muitos dos ambientes de aprendizagem on-line utilizados
pelas instituições de ensino superior, a avaliação anônima dos cursos é possível, no entanto,
infelizmente, os alunos não costumam explorar adequadamente essa possibilidade. É por isso
que o formador deve entregar um questionário quando da conclusão de seu conteúdo e pedir a
opinião dos alunos sobre as atividades desenvolvidas e sobre o proveito delas.

Postas essas competências descritas, sobrepõem-se as competências instrucionais de


uma série ainda longa de aspectos, valendo a pena fazer o inventário daquilo que o revisor
formador deve saber. Em primeiro lugar, deve ser mencionada a escolha das tarefas apropriadas.
O formador deve fazer escolhas conscientes ao selecionar o material do curso. Os objetivos e a
função das tarefas para atingir as metas do curso devem ser claros. Dentre as tarefas, as
subtarefas também devem ser cuidadosamente planejadas, como compilar terminologia,
pesquisar corpus e controlar a qualidade.

Os formadores devem ajudar os aprendizes a realizar as tarefas de forma consciente,


chamar a atenção para a importância das subtarefas e explicar como elas conduzem ao texto de
maior qualidade. Além disso, é preciso fazer o plano de curso e de aulas de antemão, já que o
planejamento depende também do conhecimento teórico da revisão. Cada formador deve ter
visão geral do material a ser utilizado, sua ordem, tempo alocado a eles e que forma de trabalho
deve ser usada ao intervir. Certamente, a classe de revisão não é a única oportunidade para os
alunos desenvolverem suas habilidades: o treinamento pode ter forma virtual e incluir consultas
regulares.

A base do ensino da revisão é que os revisores em formação possam revisar e obter


retorno sobre seu trabalho, quer por escrito, a distância, ou pessoalmente, com o formador. O
treinamento pode incluir várias formas de trabalho. No caso de horas de contato regulares ao
longo do semestre, alguns formadores têm as revisões enviadas a eles antes da reunião, e
revisam os textos para a turma, enquanto outro procedimento pode ser os alunos trazerem os
textos revisados para a classe e discuti-los no local. Se o formador revisou as intervenções dos
aprendizes antes da aula, ele pode falar sobre as tendências gerais nos textos, a forma como
certas intervenções foram propostas, quais fontes de consulta foram usadas, que partes do
7-175

documento provaram ser desafio e que problemas eram típicos. O formador pode fazer uma
versão mista do texto revisado, integrando o trabalho de mais de um aluno, comparando os
problemas mais típicos e as melhores soluções propostas, pode também propor avaliações
cruzadas entre as revisões ou troca circulares de trabalhos, para críticas mútuas e sugestões
recíprocas.

Se os estagiários revisarem o texto para a classe e puderem discuti-lo uns com os outros,
eles adquirem mais autonomia no processo de revisão. Eles devem poder fazer tantas perguntas
quanto quiserem, mas eles carregam a responsabilidade final sobre seu próprio produto. O
formador também deve verificar algumas das revisões corrigidas em classe, para ver o quão
longe os alunos são capazes de avançar ao produzir uma revisão de boa qualidade por conta
própria, mesmo usando ajuda externa.

O trabalho de pares ou de grupo é necessário no treinamento de revisão. Durante essas


atividades, os aprendizes leem e comentam sobre a revisão dos outros, com reciprocidade.
Elogios e críticas adequadas de pares podem ter efeito motivador, já que as correções do
formador muitas vezes projetam uma qualidade inalcançável para o aluno, mas tudo parece
mais factível entre os pares aproximadamente no mesmo estágio de desenvolvimento da
aprendizagem. As competências do revisor moderno estão presumivelmente presentes nos
alunos, embora alguns possam estar em fase inicial e outros mais adiantados, mas o interesse
na linguística já é considerável em todos. Aproveitando suas próprias habilidades e experiência,
os alunos também podem contribuir para o curso com apresentações, por exemplo, mostrar o
funcionamento de uma ferramenta que eles tentaram introduzir ou lhes pareceu útil para seus
colegas.

Essas sugestões são apenas exemplos das atividades que podem tornar o treinamento
mais eficaz, variado e estimulante. Os pesquisadores incentivam os formadores de revisores a
conhecer a literatura de estudos de revisão e produzir material didático para aplicarem seus
cursos.

A importância da motivação também deve ser reforçada. A aquisição e o


desenvolvimento de competências de revisão podem ser considerados formas especializadas de
aprendizagem linguística de alto nível. O modelo do processo de motivação pode ser útil para
os formadores de revisão e compreende três fases: a fase de preparação – fazer planos; a fase
de ação – propriamente; e a fase de avaliação, que inclui a preparação para o próximo ciclo.
7-176

Preferimos iniciar a formação do revisor com estagiários que sejam estudantes de Letras
entre o terceiro e sexto semestres do curso, como já mencionamos, quando já tenham cursado
as disciplinas básicas de linguística e de sintaxe, mas ainda não tenham abandonado o frescor
da motivação inicial, da vontade de aprender, e estejam suficientemente abertos a práticas e
rotinas novas. Para tais estudantes, adquirir habilidades da revisão pode ser considerado como
implementar novos ciclos motivacionais. Na fase do ajuste do objetivo, no começo do curso, o
formador pode pedir que os aprendizes listem seus escopos quanto ao próprio desenvolvimento
na escrita – necessidade imprescindível. Na fase de ação, durante o semestre, a conclusão e a
avaliação das tarefas dividem a fase em ciclos menores e as fases de ajuste e avaliação de metas
são concretizadas em etapas bem objetivas. Voltando regularmente às metas estabelecidas no
início do treinamento, pode-se tornar o processo de aprendizagem mais eficaz. Dessa forma, os
alunos podem ver quais estratégias, atividades e ferramentas de assistência concretas levaram
a soluções aceitáveis e corretas em suas revisões, como interferências microtextuais. Cada
tópico da formação será concluído tanto pela avaliação do formador (mais sobre isso na seção
seguinte) quanto pela autoavaliação dos aprendizes. Esse é o ponto em que vale a pena retornar
aos objetivos estabelecidos no início do curso e tanto o aluno quanto o formador podem refletir
sobre o que deve ser adicionado ou modificado no futuro. Esses passos podem ajudar os
revisores estagiários em sua jornada para se tornarem profissionais reflexivos, autocríticos,
proativos e com capacidade para determinar em que áreas precisam incrementar o
desenvolvimento profissional que será sempre continuado.

A competência do instrutor em avaliação é primeiramente necessária na seleção dos


candidatos ao treinamento para se tornarem revisores, requisitos básicos estabelecidos pelas
instituições. Os formadores geralmente tomam parte na compilação dos testes e atividades, e
analisam as tarefas escritas e exames orais ou entrevistas. O próximo passo é avaliar as
competências dos estagiários recém-chegados, uma vez que a composição e o nível de
conhecimentos do grupo influenciam muito a forma pela qual o curso será executado.

A competência da avaliação tem papel chave na estruturação dos planos de curso e de


atividades. No caso do instrutor de revisão, ser revisor competente e transmitir parâmetros
realistas aos estagiários é de extrema importância. Por exemplo: a pesquisa em revisão indica
que os revisores iniciantes fazem frequentemente correções supérfluas nos textos. As correções
só devem ser efetuadas quando necessário, quando justificáveis e quando acrescentarem
legibilidade e comunicabilidade ao escrito.
7-177

Ao fim de cada curso, o formador deve dar retorno completo sobre o trabalho do
estagiário, feedback que pode ser baseado nas competências exigíveis. No domínio da prestação
de serviços de revisão, por exemplo, o desempenho do estagiário em matéria de prazos deve
ser mensurado à luz da evolução havida. Ao avaliar as revisões, os pontos fortes e fracos do
estagiário relacionados às outras subcompetências (linguística, temática, erudição, pesquisa) se
tornam visíveis.

A competência tecnológica não foi mencionada e, embora ela também constitua


competência de revisão, as habilidades relacionadas são geralmente ensinadas em curso
separado – ou mesmo os estagiários já saberão quase tudo: os jovens praticamente já nascem
informatizados, bastam pequenas orientações técnicas. As ferramentas dos programas de
editoração fazem que as revisões sejam mais rápidas, mais precisas e, se nós queremos imitar
condições da vida real no curso, a solução está no uso de programas de comunicação direta pela
internet. Essa prática pode ajudar os aprendizes a ganhar a experiência necessária para usar
essas ferramentas de forma eficaz. Alguns instrutores podem nunca, ou quase nunca, usar
ferramentas de comunicação em sua própria prática de revisão, e alguns de seus estudantes são
de fato experts com tais ferramentas. No entanto, eles podem incentivar os alunos a usá-las.

A avaliação do desempenho dos aprendizes deve ser baseada em várias tarefas, não
apenas em uma revisão ou em um teste escrito. Dessa forma, constrói-se a imagem mais realista
do desenvolvimento do aluno ao longo do curso e se faz acompanhamento mais eficiente de
seu progresso. A competência de julgamento do formador deve incluir a autoavaliação, a
avaliação do curso e as melhores práticas do formador, tanto nos objetivos pontuais como no
conjunto da formação. Na sequência da evolução dos estudos de revisão e do mercado, as
práticas de ensino devem ser continuamente atualizadas, no que se refere ao material didático,
à formação teórica dos cursos, aos métodos aplicados no ensino e ao conteúdo das competências
descritas. Assim como o aluno idealmente define metas e considera seu próprio trabalho, o
formador também deve tomar medida de apreciação, balanceamento e produzir relatórios para
aperfeiçoamento na continuidade do desempenho. Estabelecer rotinas de avaliação é útil e
inerente ao trabalho do formador, propor as mudanças necessárias é tão importante quanto
acompanhar a evolução. Os formadores devem estar sempre prontos para julgar criticamente
suas próprias práticas, antes de o fazer em relação aos desempenhos alheios.
7-178

7.6 FORMAÇÃO E TREINAMENTO

Quando a revisão, além de ser pragmática em relação ao objeto, visa o desenvolvimento


do revisor trata-se de revisão didática. No caso específico em que é dirigida aos alunos,
revisores em formação, há quem use o termo revisão pedagógica, e com essa expressão
acreditamos estar nos desviando para o uso da expressão revisão no contexto do letramento, ao
qual nos opomos infrutiferamente.

Essa função didática, que visa aperfeiçoar o revisor, ressalta precisamente a força e o
valor da revisão, uma arte imperfeita que nunca pode garantir que o produto ruim intrínseco se
converta em bom texto. A revisão também não deve ser vista apenas como forma de ação
corretiva – reiteramos tal ponto exaustivamente. A importância real da revisão que justifica o
valor do investimento é como ferramenta de feedback, permitindo que seus resultados sejam
canalizados para todo o ciclo de produção do documento, a fim de eliminar ou reduzir
problemas na fonte, considerada como geratriz, tanto quanto saná-los in casu.131

De acordo com os modelos do processo de revisão, tanto o planejamento quanto a


revisão desempenham papel importante na produção escrita e no texto como produto. Não
entraremos em uma apresentação detalhada desses modelos e subprocessos, questões de que já
tratamos bastante e sobre as quais nosso posicionamento está bem estabelecido,132 mas só
questionaremos seu envolvimento na atividade de revisão – assim como na de treinamento de
revisores.133

A operação de planejamento da revisão tem papel importante no desempenho dos


revisores e isso pode parecer mesmo óbvio. Contudo, nossa prática nos tem permitido observar
que muitos ainda veem a revisão como abordagem e aplicação diretas de princípios linguísticos
do conhecimento comum e para a qual não existem técnicas e procedimentos mais eficazes que
outros procedimentos meramente intuitivos. De fato, parte importante do planejamento da
revisão ocorre muito cedo na produção do texto ou mesmo a montante dela, uma vez que cabe
ao autor, ao preparar o roteiro de sua produção: lembrar os objetivos atribuídos à tarefa de
escrever e como procedimento para alcançar a meta; procurar e recuperar informações em
memória de longo prazo; agregar dados e informações que deseje acrescentar ao documento; e

131 Adaptado de (QUENETTE, 2012).


132 (ATHAYDE, MAGALHÃES, et al., no prelo).
133 (KERVYN e FAUX, 2014).
7-179

organizar os conteúdos da memória e os registros no plano de redação. Nesse sentido, não


surpreende que algumas das funções atribuídas pelos revisores às diversas formas produzidas
se cruzem com as que compõem o planejamento, pois o próprio roteiro é passível de reescrita
(como reflexão autoral) e revisão (como assessoria linguística) antes mesmo da redação.134

Pode-se, no entanto, expressar duas reservas sobre essa proximidade entre revisão e
produção, advertências que são até mesmo propostas pela inversão da ordem canônica da
intercessão (primeiro o autor escreve, depois o revisor trabalha). A primeira é de natureza
temporal, o planejamento ocorre durante toda a produção, em particular como já mencionado,
quando o autor faz uma pausa enquanto escreve. Portanto, esse subprocesso vai além da fase
de planejamento observada na antecedência. A segunda reserva diz respeito às habilidades do
revisor em formação. Ele é capaz de contribuir no planejamento da produção verbal escrita?
Ele compreende o planejamento pelas quatro operações de Sommers citadas?135 O trabalho
sobre essas questões no campo da psicologia cognitiva enfatiza que o revisor em formação e o
revisor sênior fazem as coisas de forma diferente porque não têm as mesmas habilidades – se
as tivessem, estariam no mesmo patamar. Por essa razão, e porque a habilidade de escrita é
adquirida principalmente em ambiente escolar, modelos editoriais construídos para escritores
experientes, mesmo que tenham estimulado muita pesquisa, não podem ser adaptados para
estudar o desempenho de revisores jovens.136

Além disso, a reflexão sobre o ensino da revisão não pode se limitar a contar uma
experiência, por mais bem-sucedida que seja – para defender a replicação da estratégia. Da
mesma forma, tampouco temos a veleidade de propor um programa ideal, uma espécie de
modelo exemplar, do qual seria desejável chegar o mais próximo possível. Tal atitude
pressuporia que a revisão fosse atividade singular, homogênea, claramente definida e
perfeitamente limitada. A revisão começa e acaba por ser atividade plural, polimórfica e
multidimensional. Ela é forma de prática social inerente e consequente à linguagem. É por isso
que tentar elaborar um quadro explícito para o ensino da revisão nos leva a questionar as
circunstâncias em face. Se existem várias formas de revisão, o ensino também deve assumir
formas diferentes. Além disso, qualquer ensino pressupõe recursos humanos e materiais que
não são tão distribuídos ou, no caso da revisão na práxis do ofício, nem são abundantes.
Finalmente, o mercado de trabalho e as necessidades variam amplamente de país para país (elas

134 Adaptado de (KERVYN e FAUX, 2014).


135 (SOMMERS, 1980).
136 Adaptado de (KERVYN e FAUX, 2014).
7-180

variam enormemente dentre as grandes regiões do vasto território brasileiro!), o que restringe
a replicação de um modelo em escala global; podemos afirmar que esse não é o menor paradoxo
nesta era de globalização. O ensino da revisão pode perseguir quatro objetivos principais:
formar futuros revisores profissionais; discutir a teoria da revisão; proporcionar a prática da
revisão; e treinar formadores de revisores. Dependendo do objetivo em foco, o ensino da revisão
é organizado de modo diferente, mas os princípios da linguagem como prática social devem
subsistir a quaisquer variações.137

Esperamos que seja possível propor uma estrutura de formação completamente diferente
daquela bacharelesca e de cursos de pós-graduação (quase sempre, caça-níqueis acadêmicos –
reforçando essa triste realidade) que se limitam à retomada de gramática normativa temperada
com alguma linguística (mal)aplicada. Após o ensino de Letras e a formação de professores de
línguas fracassarem em capacitar revisores para o mercado, o paradigma da formação de
revisores profissionais muda. A revisão não é mais vista como correção um pouco mais
sofisticada e profunda, mas como processo de intercessão. Não se trata mais de colocar o
documento em sua forma canônica, mas de promover o contato entre as pessoas: o autor e seu
desejado leitor são os usuários, os destinatários e os beneficiários da revisão. A revisão
profissional, ao contrário da revisão pedagógica, aquela que se processa nos diversos níveis do
letramento, tem dimensão funcional. O revisor atua como um relé na cadeia de comunicação,
seu papel é “entender para fazer entender”138. A teoria subjacente não é mais a linguística
descritiva ou funcionalista, mas a teoria comunicacional lastreada na linguística interacional.
Na verdade, o significado não está ligado às palavras, mas é construído a partir de palavras.
Para isso, o revisor utiliza seu conhecimento linguístico, mobiliza sua ciência sobre o assunto
em pauta e recorre amplamente à base sociocognitiva relacionada; muitas vezes, todo esse
arcabouço é solicitado por um jogo de analogia, leva em conta a situação de produção do texto
reunindo todas as circunstâncias, o que lhe permite interpretar o escrito, fazendo-o emergir para
significar. Então, o revisor se apropria da palavra; em outros termos, é ele mesmo que
ressignifica, por sua vez, para o leitor que agora é seu. Todo esse processo tem implicações para
o ensino da revisão, tanto em relação a seu conteúdo quanto a sua organização.

Para formar revisores profissionais, o método de ensino a que aderimos é estruturado


em duas etapas. Em primeiro lugar, o processo implementado na operação de revisão deve ser

137 (DURIEUX, 2005).


138 (DURIEUX e DURIEUX, 2017, p. 15).
7-181

desmembrado para identificar as etapas sucessivas, isolá-las e fazê-las funcionar


separadamente. Em segundo lugar, é útil familiarizar os revisores aprendizes com sua futura
profissão, colocando-os em situações de simulação das condições de prática da profissão. Nesse
sentido, o revisor-professor fará questão de colocá-los a trabalhar em originais autênticos e
integrais, constituindo algum exemplo satisfatório dos textos que enfrentarão em suas vidas
laborais. Percebe-se que, embora a primeira fase dessa ação didática tenha o caráter
fundamental que lhe confere escopo universal, a segunda está parcialmente subordinada às
características do mercado de trabalho para o qual os revisores aprendizes são treinados. A
primeira, a abordagem metodológica, consiste em uma série de conteúdos coordenados
destinados a permitir que os revisores aprendizes adquiram um método de trabalho eficaz.

7.7 FORMAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA

Hoje em dia, é considerado apropriado usar tarefas reais no ensino de revisão, pois elas
proporcionam aos alunos relevância prática, dando-lhes imediata noção de como o revisor
profissional atua. Ao mesmo tempo, tarefas assim aumentam a motivação dos alunos. No
entanto, não deixa de haver diferença significativa entre as revisões feitas sob a supervisão do
revisor sênior, atuando como professor, e a prática de revisores profissionais no mundo real,
pois os aprendizes de revisão, nessa circunstância, atuam sob escudo protetor do supervisor, já
que, em última análise, é o revisor sênior que assume a responsabilidade pela qualidade do texto
revisado.

As tarefas reais a que estamos nos referindo são atividades autênticas de serviço
contratado, nas quais existe cliente, existem prazos, existem especificidades, haverá controle
de qualidade e, inclusive, haverá remuneração – as tarefas reais em documentos contratados
têm sido cada vez mais utilizadas no treinamento de revisores há vários anos, pois são
consideradas meio amplamente testado de atender efetivamente as demandas da revisão
didática. A revisão didática é o método realista de demonstração da complexidade da verdadeira
situação de processamento documental no contexto do treinamento de revisores. A vantagem
dos contratos autênticos é que, idealmente, levam à adaptação da formação à realidade do
mercado. No entanto, a praticidade de tais atribuições não beneficiará apenas os alunos, também
favorecerá os revisores que atuam como treinadores, que podem ter perdido contato com a vida
transacional de nossos dias há algum tempo, ou podem ter se distanciado das rotinas
procedimentais, ou podem estar com alguma defasagem teórica e, nessa lida didática, são
7-182

obrigados a se atualizar e a voltar às rotinas ideais. Além disso, tarefas reais são capazes de
motivar os alunos de forma completamente diferente das atribuições que lhes eram feitas
tradicionalmente, com arquivos apenas de exercício, pois, sabendo que as interferências que
fazem atenderão à demanda do cliente real, os alunos são muito mais estimulados, mesmo que
as revisões sejam submetidas pelo menos a uma revisão de controle pelo instrutor antes de ser
dada sequência ao texto, devolvido ao cliente ou realmente encaminhado para editoração e
possivelmente até publicado. Escusado ressaltar o estímulo mais eficiente de todos nesse
processo: a remuneração. Ainda que a remuneração dos aprendizes se estabeleça em patamares
muito baixos, crescendo em paralelo a sua experiência e habilidades, quase todos somos
suscetíveis a recompensas materiais.

Para evitar qualquer ambiguidade, gostaríamos de mencionar os critérios adequados


para uso de documentos objeto de contrato de revisão em ambiente didático:

• o cliente tem ciência tratamento didático que seu texto receberá;

• o revisor que atua como formador está permanentemente disponível para


orientação e atender a consultas;

• a ordem de serviço é concluída em tempo real, segundo o prazo contratado,


como parte do processo didático;

• os termos e condições do contrato são negociados antecipadamente, como em


qualquer outra ordem de serviço;

• o propósito de uso do material, a publicidade que ele terá e os destinatários serão


claramente definidos e apresentados aos alunos.

As ordens de serviço de tarefas reais excluem as chamadas pseudo-ordens (ordens não


especificadas, irrealistas e não vinculantes) e ordens análogas às autênticas (a simulação de um
contrato com formulação de ordens concretas), e também ordens de replicação autênticas
(processamento de ordem que realmente ocorreu, que foi revisada pelo próprio professor),
ordens reais diferem em alguns pontos essenciais: por exemplo, ordens autênticas atendem à
demanda mercantil de revisão, têm prazos reais e fatídicos. Simplificado, o procedimento pode
ser apresentado da seguinte forma: existe um cliente real, que atua como pessoa de contato do
revisor em caso de ambiguidade; há um revisor sênior (profissional experiente) supervisionando
o revisor em formação; aspectos-chave como remuneração e prazo são estabelecidos em
7-183

contrato ou no orçamento apresentado; o documento revisado terá aplicação real, que pode ser
a publicação, a defesa (no caso de uma tese) ou o arquivamento, dependendo da respectiva
finalidade.

É preciso dizer que as tarefas reais na formação de revisores não têm as mesmas
condições de trabalho que os revisores profissionais encontram quando atuam como autônomos
ou contratados de uma agência de revisão, editora, órgão público… uma vez que, na prática, os
diversos perfis de vínculo funcional podem diferir relativamente uns dos outros. Por outro lado,
os alunos atuam sob uma espécie de manto protetor, pois o supervisor atua como consultor e
como fiscalizador, além de ser responsável pelo controle de qualidade sobre o documento
revisado e sobre o processo de revisão; em última instância, o formador é responsável pela
qualidade da revisão e pela qualidade do texto revisado. A carga de trabalho adicional resultante
e a responsabilidade extra podem parecer constituir impedimento para alguns profissionais
seniores assumirem o papel de formadores, porém, feito o equilíbrio financeiro, a revisão
supervisionada e o treinamento de revisores por esse processo se mostram compensadores para
todas as partes.

Também já foram experimentados empiricamente os pré-requisitos e consequências do


uso de tarefas reais na formação de tradutores, destacando vantagens e desvantagens e
fomentando considerações de apoio a esse processo que servem para referendar a discussão da
metodologia e sua respectiva aplicação à formação de revisores, independentemente do quadro
teórico de trabalho. O modelo teoricamente refletido e empiricamente verificado que se
desenvolveu é robusto e, ao mesmo tempo, flexível o suficiente para ser transferido para os
contextos de formação de revisão. O modelo é sólido, muito aproximado da prática que temos
tido e nos deu subsídio teórico para consolidarmos nossa proposição pragmática.139

Vamos apresentar nossa proposta em duas partes, uma parte teórica geral seguida de
outra empírica e analítica. No entanto, as duas partes não são estritamente separadas uma da
outra, mas realizam diálogo contínuo entre si, uma vez que as reflexões teóricas controlam o
procedimento metodológico da análise empírica assim como os requisitos analíticos têm efeito
na reflexão teórica.

O foco da parte teórica está na revisão (semi)profissional como o objetivo final do


treinamento. Em primeiro lugar, discute-se o conceito de profissionalismo na indústria

139 (KRENZLER-BEHM, 2013).


7-184

linguageira, ainda controverso e aberto aos significados da práxis. Uma agência de revisão é
atividade profissional, equiparada à expertise do revisor sênior autônomo, qualificação que só
pode ser alcançada após vários anos de experiência profissional, e é percebida como antônimo
à ação não profissional, amadora ou amadorística – ainda que exercida por diletantismo ou pro
bono. Para nós, a atuação com a qualificação de profissional sênior não pode ser obtida na
universidade, ou em qualquer curso de formação. O profissional maduro resulta da interação de
expertise adquirida pelo treinamento e da habilidade obtida por longa experiência profissional
como revisor.

A partir dessa premissa, são levantadas as exigências científicas e funcionais do revisor


profissional, pelas quais se pode resumir que os empregadores, por exemplo, as agências de
revisão, prestam muita atenção aos seguintes fatores entre seus colaboradores: diploma
universitário (mestrado, preferencialmente), formação continuada, capacidade de gestão do
estresse, alta flexibilidade de horários e procedimentos, atuação sob elevada pressão temporal,
aprofundamento do conhecimento linguístico e competência no trato com os clientes.

As características funcionais e pessoais dos revisores em formação também estão


sujeitas a exame minucioso e a redirecionamento segundo as expectativas dos contratadores e
do mercado. Essas características incluem capacidade crítica, rigor com a qualidade,
experiência em pesquisa, aquisição e contatos com clientes, criatividade e, em particular,
responsabilidade em relação às atribuições de revisão de documentos autênticas.

É inerente ao processo de treinamento de revisores dotá-los ou treiná-los segundo os


quesitos relacionados nos dois parágrafos precedentes. Temos entendido e praticado que a
revisão de documentos efetivamente contratados, sob a supervisão do revisor sênior, é
amplamente eficaz como recurso didático.

No que diz respeito à garantia de qualidade das revisões, obviamente, o padrão de cada
agência de revisão tem impacto na qualidade dos produtos. No que diz respeito à revisão, a
norma ou os manuais empregados ajudam a esclarecer a confusão de conceitos. Por exemplo,
é necessária clara distinção entre preparação, revisão primária, revisão final e outros segmentos
metodológicos em que se divida cada serviço, segundo o costume da casa editora ou da equipe
de revisores. Isso deve, sem dúvida, facilitar a comunicação entre prestadores de serviços de
linguagem e contratantes e evitar mal-entendidos. Também contribui para o serviço e o
acompanhamento do revisor supervisor, durante a execução do mandado. Nesse contexto, deve-
7-185

se notar que o trabalho exigível do revisor em formação, nos círculos translacionais, às vezes,
é mais problemático que apreciado e mesmo revisores profissionais não entregam
automaticamente revisões adequadas ou com a devida pontualidade. Em última instância, as
garantias da qualidade e pontualidade devem ter relevância maior que tem sido o caso até agora,
dada sua seriedade; o mesmo se aplica à formação de revisores, que devem sempre ser treinados
para o cumprimento rigoroso dos prazos, com máxima qualidade, e em tempo exíguo.

Juntem-se ainda as habilidades de pesquisa de que o revisor deve ser provido; em suma,
elas servem para preencher lacunas de conhecimento e memória. Trata-se de recorrer sempre
às fontes de consulta, em casos de dúvidas, e de saber reconhecer a autoridade da fonte
consultada. Além da competência linguística, competência intercultural, expertise técnica,
acesso à tecnologia e relacionamento interpessoal são os pilares da revisão profissional. Uma
vez que os revisores profissionais estão frequentemente sob pressão do tempo ao revisar, e
tempo significa dinheiro, é essencial que as estratégias que economizam tempo sejam ensinadas
na formação de revisores, incluindo o uso dos atalhos de teclado, dos mecanismos de
automatização e busca, bem como a aplicação das rotinas de checagem.

O revisor profissional também deve ser capacitado para a aquisição de clientes, deve ter
e manter contatos com autores e editores e, não menos importante, deve saber atender o cliente
profissionalmente e desenvolver estratégias para competir no mercado de revisão. Por isso, é
de se apoiar plenamente que a formação atualmente inclua tais aspectos mercantis, mais
importantes para os alunos hoje que poderiam ser em outras épocas; idealmente, essas
capacidades serão formadas subsidiando a cooperação entre o profissionais envolvidos e os
outros alunos em formação, valorizando a capacidade de trabalho em equipe e os demais
requisitos relevantes da atuação profissional com divisão de tarefas, além de praticando
estratégias básicas para evitar erros característicos de iniciantes no ofício.

No que diz respeito ao profissionalismo e à criatividade, eles não dependem unicamente


da estratégia de intervenção adotada, o processo de interferências deve ser criativo – sem ser
novidadeiro – e, por outro lado, deve lidar adequadamente com a pressão temporal que,
paradoxalmente, se baseia em prazos irrealistas, o inimigo natural da abordagem criativa. Não
obstante, entendemos que deva ser dado mais espaço à criatividade no ensino de revisão,
inclusive na atividade de revisão trainee que estamos propondo, já que as possibilidades da
língua são infinitas e a solução de problemas textuais pode requerer o trâmite por essas
possibilidades sem a violação da norma aplicável, do sentido ou da autoria. O estímulo à
7-186

criatividade no exercício das possibilidades linguísticas agrega confiança ao revisor em


formação e lhe confere autonomia paulatina.

Vamos reforçar dois pontos essenciais: em primeiro lugar, contratos autênticos estão já
sendo praticados em todo o mundo, por causa da mudança de quadro teórico que tem ocorrido
nos círculos de revisores nos últimos anos, e, em segundo lugar, gostaríamos de afastar qualquer
preconceito de que o uso de tarefas reais no treinamento de revisão possa ser responsável pelos
preços de dumping pagos por alguns clientes ou agências de revisão (uso de revisores em
formação é completamente diferente de terceirização de serviços!). Estamos assumindo que a
formação inicial do revisor requeira vários meses, ou mesmo alguns anos, até que o
profissionalismo seja alcançado, mas o número de atribuições reais processadas é insignificante
comparado aos inúmeros trabalhos de revisão que são contratados diariamente pelo mercado.

Antes de passarmos à parte empírico-analítica do treinamento, parece apropriado lançar


mais luz sobre as exigências quanto aos atores envolvidos no treinamento de revisores: os
formadores e os alunos. Em teoria, um formador no programa de treinamento em revisão deve
ser pessoa que tenha sólido conhecimento teórico como revisor e seja ativo profissionalmente
no ramo – entretanto, nem sempre o que parece óbvio corresponde à realidade. Além disso,
deve haver capacidade didática e interesse constante na comunidade de revisores, por exemplo,
por meio da adesão ativa em redes e grupos das mídias sociais. Além disso, cada sujeito deve
dedicar-se intensamente à própria pesquisa e à autoformação continuada que, na melhor das
hipóteses, deve se manter como elo contínuo entre teoria e prática. Na realidade, os formadores
como referidos são uma raridade e, mesmo cumprindo todos esses critérios, não é evidente que
esses fenômenos excepcionais também tenham as características adequadas para garantir o
treinamento bem-sucedido. Como não há cursos de formação para formadores de revisores, será
também na prática que se formarão tais profissionais; aqui estamos procurando alinhavar alguns
subsídios para eles, correspondendo às necessidades de formação para futuros revisores,
segundo os padrões de comportamento em sala de aula que não se limitem a reproduzir os
métodos de ensino adotados durante seus próprios estudos.

A admissão da necessidade de existir formação de pessoal para treinamento de revisores


atende, entre outros, aos seguintes objetivos: determinar os requisitos básicos de competência
para quem prepare revisores, construir uma coleção de material didático para uso de uns e de
outros, além de desenvolver um ciclo de treinamento vitalício para os formadores.
7-187

Muitos revisores experientes se mostram adversos a atuar como formadores. No entanto,


para garantir a formação teórica mais eficiente e ainda orientada para a prática, a relação entre
formadores e alunos deve primeiro ser reconsiderada e, em seguida, remodelada em parâmetros
de atividade cooperativa, inerente e hoje indissociável da revisão colegiada, dos trabalhos feitos
em equipe; se os revisores seniores devem atuar como professores, treinadores, conselheiros,
colegas mais velhos ou prestadores de serviços aos revisores em formação, cabe a cada um
estabelecer seu perfil; mas o objetivo da formação de revisores passa por educar personalidades
responsáveis, independentes, pensativas, especialistas em revisão, tornando-os profissionais
que possam assumir tarefas complexas de mediação, analisá-las e resolvê-las, além de serem
capazes de justificar sua abordagem de forma argumentativa. Além disso, os revisores recém-
formados devem se engajar de forma independente, reflexiva e ativa, segundo possível, em seu
campo de atuação.

Nossa proposta metodológica se baseia em práticas de ensino e treinamento


desenvolvidas e aplicadas ao longo das últimas duas décadas, pelas quais tivemos o privilégio
de formar diversos revisores; fizemo-lo, sempre que possível e adequado, por meio de
atribuição de revisão autêntica.

Têm-se demonstrado as características e vantagens do treinamento com pedidos


autênticos sobre outros artifícios didáticos durante esse período. A técnica e a tecnologia
específica da revisão mudaram ou evoluíram consideravelmente nos últimos anos, o que
também tem tido impacto sobre os arranjos experimentais de treinamento de revisores. Deve-
se reconhecer que, nesse caso específico, o uso de softwares editores de textos na revisão trouxe
benefícios à profissão que não são nada modestos. Esses benefícios se refletem sobre o objeto
da revisão, o texto, sobre o processo de revisão e sobre as etapas pelas quais passa esse objeto.

Gostaríamos de mencionar uma série de pontos que são atribuíveis à fase que antecede
a revisão. Assim, o primeiro passo é obter a aprovação do orçamento, ou confirmação da ordem
de serviço. Além disso, essa etapa também inclui o questionamento ao cliente, pelo qual ele
expressa seus desejos e requisitos para a revisão. Com base em suas declarações, é possível
criar uma “estratégia de revisão” de acordo com as normas correspondentes e os manuais de
redação aplicáveis, segundo cada caso específico. Não é preciso dizer que a negociação dos
termos e as condições com o cliente (em especial o prazo e a remuneração) também entram na
fase preparatória. Para tudo isso, temos elaborada uma rotina de negociação, um roteiro de
diligências aplicável, bem como uma série de informações técnicas sobre os procedimentos e
7-188

as etapas de revisão a ser fornecida ao cliente, e que são apresentados ao revisor aprendiz para
que ele também possa participar ou conduzir a tramitação do contrato, segundo o estágio em
que se encontrar do treinamento.

O original é a primeira versão, é o documento recebido do cliente, e que ainda não


passou por um preparador, ele requer todo o processamento e provavelmente também tem
defeitos de conteúdo. O processamento dessa versão bruta, com os revisores em formação, é
feito em três passos. O primeiro passo de trabalho envolve a preparação, o segundo envolve as
fases de revisão primária, principalmente focada em aspectos mecânicos e gramático-
normativos, e o terceiro trata da avaliação da legibilidade, da comunicabilidade e da
supratextualidade. Com a ajuda dessa classificação, o processamento didático de pedidos
autênticos em sala de aula (ou mesmo a distância) pode ser realizado desde o início até o final
e, posteriormente, submetido ao controle de qualidade.

No que se refere aos aspectos didáticos do treinamento para a revisão, deve-se destacar,
nesse curso, a existência de um plano abrangente de elaboração e implementação da observação
documental do procedimento de treinamento. Utilizamos os recursos de documentação para
listar detalhadamente a contribuição feita pelos alunos e pelos formadores para serem usados
nas próximas etapas da formação, bem como orientação subsidiária aos novos revisores em
formação.

Gostaríamos de mencionar, de passagem, os pontos mais importantes da segunda fase,


a etapa da revisão, propriamente, que tem início com a preparação – sobre a qual não vamos
detalhar aqui. Depois de receber a ordem de serviço, os alunos fazem inicialmente a formação
primária – como preparação – e procedem à primeira revisão mecânica (no sentido de revisão
resolutiva inicial).

O processo de revisão é constituído de várias leituras, etapas correspondentes às fases


em que a estratégia de revisão o dividiu. A última fase, a avaliação do serviço, inclui as
interferências do revisor sênior e a discussão do procedimento, etapa que pode ser realizada em
conjunto, agregando outros formandos à discussão, para proveito geral. Versões brutas da
revisão – produzidas pelos formandos – e as versões corrigidas pelo supervisor (dependendo
do aluno, em função do estágio de seu treinamento) são cotejadas e avaliadas. No caso de
análise de erros de revisão, é essencial que sejam apontados dentre os resultados da avaliação,
mensurados no controle de qualidade e levados em conta na progressão do revisor em formação.
7-189

Além disso, sempre deve haver feedback do controle de qualidade para os alunos, bem como
da apreciação do cliente.

Com a ajuda do conhecimento adquirido conjuntamente a cada ordem de serviço


autêntica, é possível identificar a evolução, as especificidades e eventuais dificuldades, bem
como os pontos fracos e fortes de cada instruendo, além de apontar a quais fatores deve ser
prestada atenção especial ao processar atribuições reais nas aulas subsequentes. Do ponto de
vista da revisão didática, é relevante comparar se os objetivos formulados no respectivo desenho
de horas foram realmente alcançados.

Em síntese, tarefas reais são adequadas para uso no treinamento de revisores e formam
uma ponte entre teoria e prática, se pelo menos alguns dos seguintes fatores forem levados em
conta:

• a atribuição seja concluída no âmbito da formação, em prazo realista relacionado


a outras atividades dos alunos;

• não forem aceitos muitos contratos simultaneamente, para neutralizar o


potencial dumping de preços e não sobrecarregar alunos ou formadores;

• as atribuições forem aplicadas a partir do estágio adequado da formação, quando


os alunos já tiverem a competência exigida para as tarefas;

• o escopo da ordem de serviço for gerenciável pelo formador;

• o cliente for real e estiver disponível para consultas;

• os termos e as condições tiverem sido adequadamente negociados


antecipadamente;

• o propósito, a publicidade e os destinatários do documento estiverem claramente


definidos.

• os alunos recebem compensação financeira pelo serviço prestado, ela será


proporcional a seu estágio de formação: dinheiro tem efeito didático
inacreditável!
7-190

7.8 FORMAÇÃO DE FORMADORES DE REVISORES

Dominar o método a ser aplicado para realizar revisões satisfatórias é, senão, pré-
requisito, pelo menos primeiro passo na formação de futuros treinadores revisores. É realmente
essencial dominar o saber-fazer e ser capaz de ensiná-lo e de transmiti-lo. No entanto, futuros
formadores de revisores nem sempre são revisores profissionais que receberam instruções
adequadas de metodologia do ensino. Esse é mesmo o caso muito raramente; na maioria das
vezes, são professores de português que desejam “evoluir” para professores de revisão. Por isso,
é imprescindível conscientizá-los sobre o andamento da operação de revisão, mostrar a
inadequação e a irrelevância da mera aplicação das regras da linguística aplicada e, por fim,
equipá-los com a abordagem didática da revisão profissional. Note-se que o método aplicado à
execução da revisão de conteúdo técnico-científico também se aplica à revisão literária, ou a
qualquer outro gênero. Uma vez adquirido o método, universal em sua generalidade, resta um
ponto crucial que merece consideração cuidadosa: a escolha dos textos de trabalho no ensino.
De fato, o único material disponível para o professor formar futuros revisores profissionais e,
portanto, futuros formadores de revisores é o documento de trabalho. Portanto, parece útil fazer
com que os futuros treinadores reflitam sobre o que é um bom arquivo de trabalho e quais são
suas características.

Em primeiro lugar, precisamos estar cientes de que não há um bom documento de


trabalhar em absoluto. Na verdade, um escrito é bom se for adaptado ao estágio de
aprendizagem dos alunos. Vale dizer, qualquer texto de trabalho deve fazer parte de uma
progressão. Assim, um texto pode ser julgado “bom” se for proposto após um documento e
antes de outro, ou para o início do treinamento, em vez de no final do curso, ou um estudo
coletivo. Da mesma forma que dois grandes tempos foram distinguidos na formação de
revisores profissionais – abordagem metodológica e formação de revisão, igualmente, duas
categorias de requisitos para a escolha dos textos devem ser separadas. Para o desenvolvimento
metodológico, é importante levar os revisores aprendizes a enfrentar dificuldades de diferentes
tipos: linguístico, cultural, intertextual, temático, gêneros, entre outros. Os documentos são
escolhidos de acordo com a atividade educativa à qual podem dar origem. Para o treinamento
de revisão, é útil colocar o aprendiz na situação que seja o mais perto possível da vida
profissional. Para isso, a simulação das condições de prática deve ser a mais fiel possível às
situações profissionais – antes de se passar ao uso de ordens de serviço de tarefas reais. Os
textos selecionados deverão constituir amostra diversificada de arquivos que podem ser
7-191

revisados na vida profissional. Para cobrir a maior gama possível de gêneros e finalidades, a
amostragem pode incluir textos: prescritivos, promocionais, legais (leis, regulamentos),
procedimentais, acadêmicos e mais um sem-número de variedades. Também devem ser
estudados os procedimentos de revisão de obras ficcionais, estéticas, poéticas…

Além disso, com o objetivo de se aproximar o mais possível das realidades da profissão,
o revisor sênior se certificará de utilizar apenas originais autênticos e integrais (na medida do
possível), além de especificar sua origem (data, autor, procedência, circunstâncias da emissão
do texto a ser revisado…), bem como dar ciência do destino da revisão (meio de transmissão,
uso futuro, função…). Mesmo na situação de treinamento, essas indicações fictícias devem
constituir os prolegômenos da formação, passando-se, tão cedo quanto possível, a tarefas reais,
mas elas permitem que o aprendiz revisor possa se acostumar a tomar posições em situação
autêntica de comunicação e mercado. Entretanto, somente a situação autêntica refletirá as
pressões do mundo editorial. É claro, por melhor que sejam simuladas, as condições de prática
da profissão não são aquelas que prevalecem na sala de aula tradicional ou nos ambientes de
ensino a distância.140

7.9 FORMAÇÃO COOPERATIVA

Tornar-se fornecedor bem-sucedido de serviços de revisão requer mais que apenas ser
hábil em linguística aplicada. Embora os conhecimentos de ortografia e sintaxe sejam, sem
dúvida, indispensáveis a alguém que deseje ter sucesso como revisor, é também imperativo que
os revisores em formação estejam continuamente em treinamento e aperfeiçoamento em seu
campo de atuação, incluindo o fomento às capacidades de interação com outros revisores e com
os clientes. Portanto, além de simplesmente desenvolver as habilidades metalinguísticas de
intervenção nos textos alternos, a mediação comunicacional está entre as funções de futuros
linguistas profissionais e no aperfeiçoamento dos que já estão em exercício. Por tudo isso, os
cursos de revisão devem preparar os alunos para a aprendizagem ao longo da vida: treinamento
contínuo e contíguo são inerentes ao ofício de revisar. Os revisores devem ser capacitados para
desenvolver suas habilidades de aprendizagem autônoma com o objetivo de abraçar o conceito
de aprendizagem vitalícia. Um dos métodos de desenvolvimento de competências de
aprendizagem autônoma é a aplicação dos princípios da aprendizagem cooperativa. Em nosso

140 Adaptado de (DURIEUX, 2005).


7-192

campo de trabalho, essa atividade conjunta adquire a forma da revisão cooperativa (base do
treinamento do revisor) e da revisão dialógica (na terminologia bakhtiniana) em relação ao autor
ou cliente.

O uso de técnicas de aprendizagem cooperativa pode contribuir muito para fortalecer a


autonomia do revisor em formação. O termo aprendizagem cooperativa tem grande variedade
de definições. De acordo com algumas delas, tal aprendizagem pode ser definida das seguintes
formas:

i. trabalhar juntos em grupo pequeno o suficiente para que todos possam participar
em tarefa coletiva claramente estabelecida;
ii. metodologia abrangente para mudar a organização de formação e processos
instrucionais e operacionais;
iii. trabalhar em pequenos grupos de responsabilidade compartilhada por objetivos
comuns; aprendizado que resulta em interdependência e autonomia;
iv. método didático e organizacional que acomoda aspectos sociais, interativos e
dialógicos.

Contornando as abordagens listadas, vamos analisar a aprendizagem cooperativa como


método de organização de pequenos grupos de trabalho para aprendizagem e de aprendizagem
do trabalho. Vamos discutir conceitos e princípios que determinam a estrutura da atividade de
revisores em grupo. Esses conceitos incluem negociação, orientação curricular e processos de
interdependência positiva.

A negociação dialógica contínua é processada em discussões constantes entre o revisor


formador e os revisores em formação, segundo a agenda de aprendizagem. Dessas negociações
surgirão a proposta de roteiro da formação e a prática em revisão colegiada. Além da
organização de agendas de aprendizagem em grupo, a negociação deve se aplicar a todos os
aspectos da formação, por exemplo, necessidades de análise textual, objetivos e configuração
objetiva, implementação (incluindo metodologia e desenvolvimento de recursos) e avaliação
ou autoavaliação. O currículo negociado será composto por elementos tradicionais (como
planejamento, implementação e avaliação), mas deve ser produto dos esforços conjuntos do
formador e dos aprendizes, tomando todos parte na decisão sobre o conteúdo e os métodos de
ensino.

Outra diferença é que, com os currículos tradicionais, o ensino segue a ordem estrita de
planejamento, execução e avaliação, já objetivos, material e métodos de ensino são
7-193

determinados previamente. Com os currículos negociados, por outro lado, negociação, tomada
de decisões, planejamento e avaliação são feitos informalmente e durante a implementação do
currículo, com possibilidades de ajustes de rota. Um dos atributos mais importantes do currículo
centrado no aluno é que todas as decisões prévias sobre ele podem ser descartadas durante a
implementação. Esse currículo será orientado para o processo, interpretando os vários aspectos
do planejamento curricular como série de subprocessos em constantes mudanças,
intercambiáveis e alteráveis, que caracterizam o superprocesso de ensino e aprendizagem
dinâmico e dialógico. Dada a orientação negociada do currículo, é exatamente essa
característica que lhe permite maior fluxo e integração entre elementos de planejamento, de
implementação e de avaliação. Como podemos ver, o currículo dialógico não é apenas
ferramenta para o planejamento de ensino e aprendizagem da revisão, assim como não se aplica
exclusivamente para determinar o conteúdo a ser ensinado, mas trata-se de sistema mais
integrado que incide sobre o que acontece durante a execução do programa de formação do
revisor.

O objetivo do treinamento orientado para o processo é facilitar a aprendizagem


autônoma e desenvolver a capacidade de os alunos se tornarem aprendizes autônomos. Os
princípios da aprendizagem cooperativa baseiam-se nos seguintes pontos: avanço gradual para
o processo de aprendizagem completo; foco na construção do conhecimento linguístico e
revisiológico; atenção aos aspectos emocionais da aprendizagem; a aprendizagem e seus
resultados vistos como fenômenos sociais.

Os defensores da versão mais radical dos currículos negociados dizem que os alunos
devem participar inclusive na determinação do material de aprendizagem, metodologia de
ensino e avaliação.

Outra possibilidade, em alternativa à orientação pelo processo, seria a orientação para a


pessoa (o aluno); não assumimos essa visão pelo fato de o aluno ser uma variável na equação
(cada um tem suas características peculiares), ao passo que o processo é a constante em torno
da qual construímos nossa proposta.

Apesar disso, ao se discutir a autonomia e a aprendizagem cooperativa, é essencial ter


em conta os objetivos dos aprendizes. Os alunos visam alcançar, manter, fortalecer e proteger
metas pessoais que considerem importantes. A orientação pode ser definida em relação a
pensamentos, sentimentos e ações autogeradas, sistematicamente voltadas para a realização dos
7-194

objetivos pessoais dos aprendizes, tendo em conta as condições locais e sociais. Isso está em
consonância com o aprendizado cooperativo no sentido de que ele também é, por natureza,
direcionado a objetivos, pois oferece experiências de aprendizado diferenciadas,
proporcionando, assim, a cada aluno, sua chance de participar ativamente da lição e representar
seus próprios objetivos ao longo de todo o processo de trocas de experiências e conhecimentos,
desde o estágio de planejamento, passando pela implementação, até a fase de avaliação.

A aprendizagem cooperativa só pode ser eficaz se os alunos puderem alcançar seus


objetivos de forma que ela não prejudique as perspectivas socioemocionais. Isso é importante,
porque o padrão de interação entre os alunos pode diferir, dependendo do assunto. A aceitação
da opinião de um aluno por seus pares durante a discussão, ou se a ele é dada a possibilidade
de se expressar, pode depender da competência desse estudante no assunto que está sendo
discutido. Não dar ao aluno a oportunidade de exprimir sua opinião pode até levar a impacto
negativo no processo de aprendizagem, pela criação de zonas de desconforto e barreiras
cognitivas ou emocionais.

Outro elemento-chave no ambiente de aprendizagem cooperativo é o conceito de


interdependência dialógica positiva. A interdependência positiva significa que os revisores em
formação entendem que dependem uns dos outros e que são mais capazes de alcançar metas
mais ambiciosas juntos do que o seriam por conta própria. Qualquer dificuldade que
determinado aluno possa ter com o material de aprendizado incentiva o resto do grupo a ajudar
esse colega para que todo o grupo possa ter sucesso. O sucesso do grupo é também o sucesso
do indivíduo, da mesma forma que o fracasso do grupo pode ser o fracasso do indivíduo.
Portanto, a lição que emprega técnicas de aprendizagem cooperativa centra-se em atribuições e
projetos que requeiram a contribuição de todos para que sejam concluídas. As lições
tradicionais, por outro lado, trazem interdependência negativa para as classes, nas quais o
sucesso de um aluno leva à falha de um outro, e vice-versa. A interdependência leva os revisores
aprendizes a interagir uns com os outros quando se trabalha em equipe e os leva a interagir com
os escritores ou editores em situações reais mais à frente.

Não basta simplesmente colocar os alunos em grupos para criar o ambiente de


aprendizagem cooperativa. Para se estabelecer o ambiente de aprendizagem verdadeiramente
interativo e cooperativo, as tarefas que os aprendizes precisam realizar para completar sua
atribuição devem ser corretamente estruturadas, as etapas bem definidas, o papel de cada um
estabelecido em relação ao trabalho completo. A melhor maneira de conseguir isso é por meio
7-195

da criação de interdependência entre eles. O objetivo também é conseguido pelo uso comum
dos recursos materiais e pelo partilhamento dos meios de pesquisa (os livros disponíveis, por
exemplo), o que se baseia no fato de que cada membro do grupo possui acervos cognitivos e
materiais específicos, e os disponibiliza para o grupo para terem sucesso conjunto, usando cada
um o conhecimento do outro para alcançarem todos o objetivo coletivo. Os princípios de meta
e interdependência de recursos devem ser utilizados simultaneamente.

Outra forma de interdependência é a de recompensa do grupo baseada no desempenho


individual. Isso, no entanto, significa que cada membro é responsável por sua própria
aprendizagem. A responsabilidade individual é, portanto, fator-chave no sucesso do grupo. O
movimento de aprendizagem cooperativa salienta a importância e a eficácia da aprendizagem
social. A aprendizagem cooperativa dá aos alunos a oportunidade de adquirir habilidades
sociais e interativas que são de grande importância na vida, como negociação ou cooperação
nos futuros trabalhos de revisão. As técnicas de aprendizagem cooperativa também promovem
a autoestima dos alunos e reforçam sua aprendizagem pelo fato de que todos têm a oportunidade
de participar ativamente. Os alunos também servem uns aos outros como fontes de informação
e, ajudando-se reciprocamente a encontrar soluções para os problemas, têm a chance de debater
e refletir sobre quaisquer discordâncias que possam surgir no grupo. A formação cooperativa
reforça também a independência e a autorregulação dos aprendizes, bem como sua vivência na
construção social e a origem social do conhecimento; por fim, as etapas de avaliação,
desempenhadas coletivamente, têm amplamente reforçadas suas funções no que tange aos
aperfeiçoamentos do processo.

Outra característica do ambiente de aprendizado cooperativo é que os alunos são


responsáveis individual e coletivamente pela própria evolução e pela do grupo. Um por todos e
todos por um (perdoem o bordão!). O poder no grupo é dividido paritariamente e os alunos que
participam do treinamento tomam decisões como iguais. A relação entre a formação
cooperativa e a autônoma pode ser interpretada de duas formas: a cooperativa pode ser tida
como condição prévia ou como resultado da autonomia do aluno. Independentemente de como
olhamos para elas, é claro que os dois conceitos estão intimamente ligados. As práticas didáticas
que utilizam os princípios da aprendizagem cooperativa contribuem grandemente para formar
e desenvolver a autonomia do aluno. Elas permitem que os formadores organizem o trabalho
de treinamento dos revisores de forma eficiente, sem desistir completamente da sua autoridade
intelectual, mas sempre reconhecendo a alteridade. Além disso, elas fornecem aos alunos um
7-196

ambiente de crescimento em que todos têm maior responsabilidade pelo seu próprio
desenvolvimento.

A negociação contínua, cooperativa, na formação do revisor, o currículo orientado a


processos e a interdependência positiva são todos princípios fundamentais na formação de
revisores. Como dito, vamos reforçar: o treinamento do revisor exige que os instrutores e
estudantes negociem constantemente a organização do curso, o material de ensino e o método
de avaliação. É nesse processo que os alunos conhecem a negociação comunicacional e
operacional que são inerentes à revisão moderna. É vantajoso que os elementos da negociação
sejam incorporados ao currículo, assim como vale a implementação de uma versão mais
“frouxa” do currículo, negociado e orientado a processos. Isso significa que os alunos têm
constantemente a oportunidade de exprimir suas opiniões sobre certos aspectos do treinamento,
do material empregado nele e do conteúdo ministrado, dos métodos de trabalho e da forma de
avaliação (ainda que em medida menor que os outros). Por isso, é preferível que os estudantes
aproveitem a oportunidade e que os formadores tenham em conta as opiniões dos revisores em
formação. A aprendizagem cooperativa é orientada também para atingir objetivos e demandas
diferenciados individualmente. Isso significa que a formação dos revisores modernos permite
aos alunos exprimirem as próprias opiniões e representarem seus objetivos nas diferentes fases
da formação. Uma coisa que torna isso mais fácil é o fato de que os grupos raramente sejam
homogêneos, visto que os alunos estão todos aprendendo a mesma profissão – mas com metas
distintas; procuram a mesma qualificação, mas para exercê-la em diferentes campos de atuação.
A maior diferença entre os alunos, no que toca a seus objetivos, é que alguns deles vão preferir
a forma autônoma (ou freelance) de atuar, ao passo que outros vão optar por ter empregos. Na
verdade, essa preferência terá pouca influência no resultado profissional: os acidentes de
percurso é que determinarão o rumo laboral de cada um, que inclusive poderá ser redirecionado
algumas vezes.

A implementação do princípio da revisão cooperativa com interdependência positiva é


crucial para o revisor que trabalhará em grupo ou para o que venha a praticar o ofício por conta
própria. A interdependência positiva, mais uma vez, significa que os alunos dependem uns dos
outros para alcançar seus objetivos de aprendizado. O princípio da interdependência positiva,
no caso dos estudantes de revisão, é implementado pelo papel ativo dos alunos no trabalho em
sala de aula. O sucesso dos estudantes depende muito de se os documentos que selecionam para
revisar são apropriados para os propósitos do curso. Os textos devem se adequar ao curso do
7-197

ponto de vista da linguística e devem ser relevantes para os tópicos que estão sendo discutidos.
O sucesso também depende de como os alunos reagem ao feedback uns dos outros na medida
em que tal retorno seja pertinente: tudo isso sendo passível de avaliação contínua sob a
coordenação do formador. A definição de interdependência de recursos é válida desde que os
alunos devam usar regularmente o conhecimento de cada um, reciprocamente, como recurso de
aprendizagem e de trabalho. Os alunos devem poder confiar entre si para alcançar os objetivos
do grupo; com isso, conhecerão as fraquezas e as forças de cada um, podendo suprir aquelas
com estas.

Uma das principais características da aprendizagem cooperativa é que esse método


estabelece mudança no papel de alunos e de professores. Idealmente, os instrutores de revisão
possuem o alto grau de autonomia dos professores, devem ser pessoas flexíveis, responsáveis e
continuamente em aperfeiçoamento profissional e pessoal. No que se refere a seu papel no
processo, sua responsabilidade é ajudar os alunos a desenvolver o conjunto específico de
habilidades necessárias. Em outras palavras, eles não estão lá como possuidores e transmissores
de conhecimento acadêmico; estão lá principalmente para dar conselhos aos alunos sobre como
conduzir sua aprendizagem e ajudá-los a organizar o processo de formação. A gestão do
processo é dividida entre os estudantes e o formador, mas sem que o último perca sua
ascendência. Além disso, como os instrutores de revisão são provedores de serviços linguísticos
eles mesmos, também servem como modelo para os alunos. Agrada-nos a ideia de ter o
formador como uma das fontes disponíveis, fonte privilegiada, instigadora e a que é fácil
recorrer.

A formação moderna de revisores deve fazer mais que simplesmente acompanhar as


mudanças na profissão: deve também preparar os alunos para autoaperfeiçoamento durante toda
a carreira profissional. Para isso, os alunos devem se tornar profissionais reflexivos, que estejam
cientes de todos os diferentes aspectos dos serviços linguísticos: o próprio processo de revisão;
os vários aspectos que devem ser tidos em conta quando da avaliação da qualidade do produto
acabado; os fatores considerados ao avaliarem a si próprios ou a seus colegas; as diferentes
fases de prestação de serviços linguísticos e os vários intervenientes envolvidos na prestação
desses serviços. Os revisores, como provedores de serviços que são, também devem conhecer
os diferentes profissionais com que vão interagir no mercado editorial, tendo ciência dos
padrões éticos do ofício, e devem adaptar-se ao mercado e ao ambiente institucional de sua
profissão. O treinamento em si pode ser de grande ajuda na direção de futuros linguistas
7-198

profissionais por esse caminho. A principal fonte de ajuda é o próprio formador, mas assuntos
práticos podem e devem ser debatidos nos cursos básicos de revisão. O conteúdo linguístico da
formação também é muito relevante, devendo ser composto de material atualizado e com
credibilidade. O trabalho em grupos e a gestão de aprendizagem individual são igualmente
importantes: a aplicação dos princípios da formação cooperativa desenvolve competências
autônomas, o sentido da responsabilidade do aluno, bem como as habilidades de avaliação e
autoavaliação. Ele também ajuda os alunos a melhorar na definição de objetivos pessoais e a
desenvolver o desejo de autonomia na evolução contínua ao longo da vida.141

7.10 FORMAÇÃO DE ESTRATÉGIAS

Diversos pesquisadores interessados em revisão, muitos dos quais advindos da


tradutologia, assim como outros ligados às práticas de revisão no contexto do letramento, com
destaque para os da psicologia cognitiva, acreditam que estratégias cognitivas deficientes sejam
responsáveis pelo baixo desempenho na textualização. Estratégias cognitivas, nessa
perspectiva, guardando o sentido linguístico de oposição a estratégias volitivas e emotivas, são
processos de execução que vinculam competência: o conjunto de comportamentos
tecnicamente necessários à execução e desempenho de tarefas específicas. Se esse for o caso,
como parece ser, estamos convencidos de que a aquisição de estratégias eficazes por revisores
em formação os ajuda a desenvolver as aptidões necessárias à atuação no ofício. Portanto,
podemos pensar que, se os revisores em formação aprenderem a usar estratégias eficazes, eles
melhorarão significativamente seu desempenho.142

A revisão é uma das tarefas inerentes à produção textual, no sentido que ela tem de
tratamento do texto como produto, pois dissociamos a revisão da produção do texto como ato
criativo ou como textualização de dados, resultados, propostas. A revisão envolve consecutivas
releituras do documento para melhorá-lo e, modernamente, até bem mais que isso, mas esse é
o ponto. Todavia, como o revisor lê e relê sucessivamente? Há muitas maneiras de se fazer as
coisas e algumas são mais eficazes que outras. O revisor que lê cada escrito detectando e
sanando os problemas que ele contém ou solucionando os desvios que surjam, em seguida,
obtendo um escrito melhor, tem estratégias eficazes de revisão – só que revisar, mesmo no
sentido procedimental objetivo, é bem mais complexo que isso. Por outro lado, aquele revisor

141 Adaptado de (HORVÁTH, 2016).


142 Adaptado de (BISAILLON, 1989).
7-199

que relê o documento e não vê nele todos os problemas existentes, embora seja capaz de corrigi-
los quando eles forem apontados, provavelmente não tem estratégias eficazes de leitura – ainda
que tenha conhecimento linguístico suficiente para atuar como revisor, não tem o treinamento
para identificar a totalidade dos problemas. Por isso, acreditamos que as estratégias de revisão
precisem ser ensinadas aos revisores em formação, objetivando melhorar seu desempenho
funcional e possibilitando a mecanização da leitura para a revisão.

É no campo das estratégias de detecção que reside a maior lacuna durante o processo de
revisão, concomitantemente, é aí também que reside um dos problemas e algumas das
particularidades do treinamento que propomos para revisores. Para remediar a dificuldade dos
alunos em diagnosticar os problemas e estabelecer em que esfera – ortográfica, semântica,
gramatical, comunicacional – está a dificuldade, a proposta é apresentar aos estudantes de
revisão ferramentas de diagnóstico para as futuras tarefas de revisão. É nessa direção que nos
localizamos quando desenvolvemos a estratégia de questionamento sistemático no nível da
palavra, da oração, da frase, do parágrafo e do conjunto do documento, para estudantes de
revisão que precisam ser treinados na identificação de problemas na escrita. É só para eles,
porém, que a estratégia é abordada, pois os revisores experientes não se beneficiariam muito de
tal treinamento: não têm problemas nos níveis cognitivos cobertos pela estratégia aqui proposta
e, inclusive, já têm suas próprias táticas procedimentais.143

Antes de qualquer interferência, o revisor competente determina os propósitos


específicos de sua intervenção. Definir o objetivo é passo necessário no desenvolvimento de
estratégias. Revisores iniciantes, em geral, não têm o hábito de definir objetivos específicos, da
mesma forma que costumam não ter feito reflexões sobre o sentido geral da revisão. A
importância da precisão do objetivo específico já vem sendo mencionada há algumas
décadas.144 O segundo passo é reler o escrito a partir do roteiro de revisão estabelecido – sim, é
necessário que haja um roteiro, pelo menos esboçado mentalmente. Porém, dessa vez, ele deve
ser capaz de fazer perguntas sobre os objetivos definidos visando detectar tudo que representa
problema com o documento. Trata-se, portanto, do questionamento sistemático, estratégia geral
aplicada à revisão. Nessa fase da revisão, o revisor usa seu conhecimento discursivo, textual,
gramatical e léxico. O terceiro passo é quando ele para em um problema. No quarto passo, ele
determina exatamente qual é o problema, para intervir nele. Em seguida, vem a fase de

143 Adaptado de (BISAILLON, 1989).


144 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
7-200

resolução de problemas em si. Usando seu conhecimento armazenado na memória e as


ferramentas eletrônicas de editoração, ele faz as interferências necessárias usando as operações
mencionadas: adição, remoção, substituição e deslocamento. O revisor, então, continua a ler o
texto até a próxima parada. Uma vez que o arquivo é digital, ele estabelece uma ou duas novas
metas e começa nova leitura do documento. Cabe sempre a intervenção do professor para
orientar o trabalho de revisores iniciantes, que tendem a revisar apenas aspectos da linguagem
superficial. Graças ao aprendizado da revisão e às muitas modificações que fazem no mesmo
material, contínua e sucessivamente, finalmente os aprendizes conseguem obter documentos
mais satisfatórios, mais próximos do padrão desejado e da meta proposta.145

Primeiro, explicaremos o questionamento sistemático como todo, então, proporemos


uma forma de ensiná-la para que haja boa assimilação. A estratégia de questionamento
sistemático para detecção de problemas durante a revisão foi adaptada a partir de experimentos
sobre a revisão escritos em inglês. Ela se mostra eficaz porque permite que os usuários revisem
mais e melhor que aqueles que não empregam tal estratégia (senão alguma igualmente
produtiva), ou outra linha de procedimento com mesmo objetivo. No entanto, além de indícios
convincentes de eficiência, duas razões nos motivam a favorecer essa estratégia para aprendizes
de revisão.

A primeira razão é estar demonstrado que estratégias cognitivas de questionamento são


úteis para estudantes ao permitir que eles alcancem melhor aprendizagem – de modo geral, não
somente no que toca à revisão, mas a diversos outros conteúdos. Portanto, pode-se acreditar
que ocorra o mesmo, analogicamente, aos revisores em formação, aqueles que não estejam
condicionados à imediata detecção de problemas.

A segunda é que nossa própria experiência nos levou à conclusão de que os revisores
em treinamento, em especial aqueles que são mais fracos na detecção de problemas, não fazem
perguntas sistemáticas quando releem o texto que estão revisando. Por exemplo, aquelas
perguntas que fazemos aos pronomes “seu” e suas flexões para evitar as anfibologias: “seu, de
quem?” Assim, frequentemente, aqueles revisores formandos não trocam uma construção por
outra por razões tão necessárias quanto a estética textual ou sonora, ou deixam de reordenar
uma oração quando o benefício da clareza o imponha. Como seu referencial estético pode até
ser uma forma em desacordo com a norma (ou menos erudita) que lhes seja mais familiar, eles

145 Adaptado de (KANOUA, 2013).


7-201

inclusive podem substituir uma expressão correta que lhes pareça estranha por uma alternativa
menos adequada. “Parece ruim”, “parece estranho” ou “gosto mais assim”, costumam dizer
frente à construção correta cujo registro não lhes soe familiar – apresentando argumento que
abandona a base cognitiva em detrimento de bases volitivas ou emotivas. Se eles questionassem
a construção tecnicamente, usando argumentos específicos referentes à gramática ou retórica,
em vez da apreciação estética subjetiva, ou mera confrontação com o uso mais corriqueiro, sua
escolha provavelmente seria mais rigorosa e, portanto, pode-se acreditar, mais precisa.

A estratégia de questionamento sistemático que propomos força os revisores a se


concentrarem na forma do procedimento, uma vez que não o fazem por conta própria na leitura
espontânea a que todos fomos habituados, direcionando seu olhar para aspectos específicos.
Quando olham para o documento sem observar pontos específicos, tentam ver tudo, mas não
veem nada ou quase nada. O número de problemas corrigidos é muitas vezes mínimo em
comparação à quantidade de problemas deixados no texto. Essa sistematização que propomos,
inclusive, é fortemente favorecida pela leitura em “camadas” que temos proposto, dividindo a
revisão em fases que se dediquem à observação seletiva de diferentes aspectos linguísticos.146

Enquanto os pesquisadores estavam interessados em estratégias aplicáveis à tradução e


ao letramento, propusemos aplicar o conhecimento auferido deles ao treinamento dos revisores
que formamos, capacitando-os a utilizar uma estratégia que lidava não apenas com a palavra,
mas também com a frase e o texto. A estratégia de detecção de problemas dos tradutólogos e
alfabetizadores diz respeito apenas à palavra, mas não se mostra suficientemente complexa para
nosso propósito. Uma dupla justificativa motiva nossa escolha de ampliar o foco seletivamente.

Primeiro, sempre há claros problemas de digitação, gramática e semântica no nível da


palavra – isso é ponto pacífico. No entanto, a preponderância quantitativa real desses problemas
em relação aos demais níveis, mesmo refletindo o fato de que há grande sequência de problemas
a serem identificados nesse ponto, o que também é confirmado por nossa experiência no
treinamento de revisores, não justifica o abandono dos patamares mais elevados da trama
textual. A abordagem pontual correspondente ao nível da palavra não é suficiente, nem de
longe, em se tratando das modernas atribuições de interferência, interseção e mediação que
fazem parte do ofício do revisor.

146 Adaptado de (BISAILLON, 1989).


7-202

Em segundo lugar, observações anteriores sobre estratégias de ensino, na tradutologia


em especial, referentes a poucas melhorias significativas no texto geral – o conteúdo, a estrutura
do arquivo, a expressão de ideias – foram feitas pelos usuários de questionamento sistemático
voltado à palavra. Por outro lado, é exatamente aí que revisores experientes, aqueles que foram
além das preocupações normativas e gramaticais, fazem seu trabalho se destacar, ao
ultrapassarem o elemento com visão de conjunto; podemos até arriscar a afirmativa de que o
mesmo se aplique inclusive aos revisores de traduções. Os níveis de questionamento acima da
palavra certamente são mais difíceis e devem, exatamente por isso, serem trabalhados em
seguida, uma vez que a dimensão ortográfica esteja sob controle.

Fluxograma 1 – Estratégia do questionamento sistemático

Fonte: inspirado em (BISAILLON, 1989).

Na linguística tradicional, frase é a unidade de texto composta por palavra ou palavras


vinculadas gramaticalmente. Na linguística funcional, frase é a unidade de textos escritos
delimitados por grafemas, como letras maiúsculas ou pontuação, marcadores, pontuação,
espaços, endentação e o que mais houver. Essa noção estabelece uma curva delimitada por
características fonológicas como tom, volume e marcadores – hoje complementados por
emoticons em diversos tipos de mensagens; e constitui uma cláusula, sequência de signos que
representa processo em sequência temporal.
7-203

Na linguística tradicional, a frase completa simples consiste em cláusula única. Na


linguística funcional, a frase é normalmente associada à cláusula, que pode ser cláusula simplex
ou complexo de cláusulas. A cláusula simplex representa processo único em deslocamento
temporal e o complexo de cláusulas representa uma relação lógica entre dois ou mais processos
e, portanto, é composta por duas ou mais cláusulas simples.

No ensino de estratégias de revisão, pretende-se que os alunos adquiram técnicas que


lhes permitam expressar os elementos da frase (em vez de implicar com eles), aferindo ou
aperfeiçoando a comunicabilidade dela; que possibilitem articular as cláusulas em sua
hierarquia de proposições, em vez de caçar artigos supranumerários.

Em certo sentido, adaptando da gramática funcional os modelos linguísticos anteriores,


nossas propostas de questionamento sistemático dão relevância às noções categóricas, àquelas
que exigem propriedades intrínsecas dos constituintes. Para a gramática funcional, o ponto de
atenção deve ser as noções dos elementos não lexicais que entram na estrutura das sentenças:
tempo, concordância e afixos gramaticais, conjunções, entendendo a organicidade funcionalista
como as relações dos constituintes nas construções nas quais eles estão integrados,
reconhecendo que essas funções ocorrem em paradigmas de estruturação:

a. semânticos, que se referem aos papéis significantes que os referentes


desempenham, são os também referidos como paradigmas de coesão superficial
(constituintes linguísticos);
b. sintáticos, que incluem conceitos funcionais e paradigmas de coerência conceitual
(cognitivos, intersubjetivos e funcionais); e
c. pragmáticos, que se referem ao valor informativo dos constituintes da afirmação,
sistema de pressuposições, inferências, deduções (implicações da produção de
sentido no plano das ações e intenções).147

A palavra, elemento complexo em si, pode ser contemplada do ponto de vista de sua
seleção em um banco enorme de prismas: fonológico, morfológico, sintático, léxico, semântico,
mas também em relação às outras palavras da frase que justificam seu acordo. O revisor
iniciante costuma ver apenas o nível da ortografia de uso: ele faz muito pouca correção nos
outros patamares, até mesmo deixando eclipsar-se uma mera elisão cacofônica. A estratégia de
questionamento sistemático que pensamos exigirá que ela faça perguntas específicas para cada
um dos aspectos mencionados, nos diversos níveis indicados. Também proporemos uma fase
da revisão com acompanhamento auditivo, mas é assunto de outro tópico.

147 Adaptado de (BISAILLON, 1989) e (MARUSCHI, 2014, p. 76).


7-204

A estratégia desenvolvida no plano da palavra é dividida em três etapas principais que


correspondem aos três grupos questionamentos que apresentaremos. Cada etapa inclui uma
questão geral, acompanhada de perguntas secundárias mais específicas. É improvável que uma
pergunta muito geral leve a uma resposta justa ou completa, se não for acompanhada de
questões secundárias mais específicas. Analogamente, é como as teses que têm hipóteses
primárias, das quais derivam outras secundárias, visando atender objetivos gerais e específicos.
Na escala que estamos analisando, cada palavra é uma tese que devemos arguir com perguntas
objetivas.

O revisor que reconhece exatamente a hierarquia de questões a serem postas há de ser


mais bem-sucedido que outro habituado a contestar apenas mais superficial ou menos
metodicamente. As perguntas secundárias foram desenvolvidas a partir de uma grade de
identificação de problemas que temos usado em nossos treinamentos de revisores há vários anos
e a que nós mesmos recorremos eventualmente; trata-se de uma sequência hierarquizada de
listas de checagem. Essa grade leva em conta o mínimo de conhecimento que o aprendiz do
ofício deve aplicar para aferir um documento. As perguntas secundárias podem variar,
dependendo da clientela para a qual a estratégia seja dirigida, ou segundo o público-alvo do
arquivo em tela.148

A estratégia é apresentada aos alunos na forma de um procedimento a ser seguido e pode


ser ilustrada pelo fluxograma a seguir.

148 Adaptado de (BISAILLON, 1989).


7-205

Fluxograma 2 – Nível de controle da palavra

Fonte: adaptado de (BISAILLON, 1989).

O aprendiz que revisar com uso da estratégia proposta vai parar em quase todas as
palavras e, em seguida, fazer o questionamento exigido pelo fluxograma. Para isso, ele sempre
seguirá continuamente o mesmo procedimento ou a mesma abordagem, claro que pode parecer
um pouco pesado no início, e será lento, mas o procedimento vai se clareando e acelerando com
o uso, de tal modo que, decerto, os questionamentos passam a ser feitos automaticamente com
a prática; em seguida, passam a ser operados subconscientemente, assimilados pela memória
de trabalho operacional e procedimental por meio do exercício. A capacidade de revisar e a
certeza de ter optado pela melhor intervenção crescerão à medida que o procedimento e a
estratégia forem executados continuamente. Ao fim de poucos meses dessa prática, o revisor
estará com o comportamento assimilado que o impedirá até de ler cardápio no restaurante sem
“revisar” nele palavra por palavra – todos passamos por isso, alguns ultrapassam essa “mania”,
outros a levam para sempre.

A primeira etapa é a da escolha da palavra, em que o revisor se pergunta se o vocábulo


que representa a opção do autor é o termo certo, na hora apropriada e no lugar indicado.
Dependendo da classe gramatical da palavra em que o revisor pare, sua atenção será direcionada
mais para o significado ou para as regras gramaticais. A opção por cada nome, verbo ou
7-206

advérbio é questão de escolha semântica, uma vez que se refere ao respectivo significado, ao
passo que a escolha do pronome ou da preposição é mais regida pela regra gramatical ou pela
gramática do uso. No primeiro caso, a afirmação é válida se o revisor adere à gramática
tradicional normativa – ou em textos cujo gênero requeira mais subsunção à norma padrão; para
o autor e o revisor que tenham compreensão dos fatos linguísticos em vieses menos formais, a
explicação semântica pode ter origem na gramática histórica, ou se justificar pelos usos. Só
cabe ao revisor aplicar uma regra quando existe argumento formal, de base cognitiva, ou
explicação racional e técnica para tal intervenção, mesmo em se tratando de um referimento
semântico. “Essa é a palavra adequada?” é, portanto, a primeira pergunta a ser feita pelo revisor
em relação a cada palavra.149

A segunda etapa é aquela em que a palavra é considerada do ponto de vista de sua


ortografia. Depois de verificar se o termo escolhido era a palavra adequada, o revisor deve ter
a certeza de que está bem grafado. Embora essa seja a etapa em que os textos problemáticos
demandam mais intervenções e muitas delas sejam mecânicas e resolutivas, ainda assim, é uma
etapa da sequência de trabalho em que revisores em formação cometem erros e omissões de
intervenções necessárias. De fato, os neófitos deixam passar muitos erros ortográficos que
poderiam evitar com o questionamento adequado, ou até mesmo com o uso de um corretor
eletrônico, desde que bem consideradas suas proposições. As perguntas devem ajudar os
estudantes a duvidar da ortografia da palavra escrita e incentivá-los a buscar a resposta às
questões nas ferramentas apropriadas (dicionário, tabela de conjugação, gramática normativa,
vocabulário oficial). “A ortografia está correta?” é a segunda pergunta geral a se fazer.

A etapa da concordância e das regências é aquela em que a palavra é considerada do


ponto de vista de sua relação com as outras palavras na sentença. O revisor deve aferir as regras
vistas e repetidas desde o ensino fundamental, concordância e regência nominais, verbais e
verbo-nominais. Apesar dessa repetição no ensino e embora a concordância básica seja
frequentemente utilizada na fala e por escrito, o controle da concordância textual ainda não está
mecanizado nas situações de revisão. Essa terceira e última etapa do nível dos vocábulos requer
mais reflexão e poucos revisores neófitos vão dar conta de imediato e sozinhos de todas as
questões. “A concordância é apropriada?” será, portanto, a última pergunta geral a ser feita.

149 Adaptado de (BISAILLON, 1989).


7-207

No nível da oração, existem cláusulas independentes, dependentes, interdependentes. A


cláusula independente expressa o ato da fala, a declaração, a pergunta, o comando ou a
proposição. A cláusula dependente está condicionada a outra cláusula, simplex ou complexa. A
cláusula interdependente está relacionada logicamente a outras cláusulas interdependentes.
Juntas, diversas cláusulas constituem uma (super)cláusula interdependente (complexa) –
passando ao nível do parágrafo. Cláusulas interdependentes também são chamadas de não
independentes. O complexo de cláusulas é independente quando expressa uma declaração
isolada. A relação entre essas dependências é referida como os elementos sintáticos da análise.

Fluxograma 3 – Nível de controle da oração

Fonte: adaptado de (BISAILLON, 1989).

Nos níveis dos parágrafos, segundo nossa hierarquia, entrecruzam-se questões inerentes
aos paradigmas sintático e pragmático, planos superiores aos das palavras. Nos níveis todos a
que nos referimos como superiores, englobamos as relações entre os parágrafos, os subtópicos,
os tópicos, os capítulos, segundo a dimensão do documento.

No paradigma funcional da linguagem, ela é concebida principalmente como ferramenta


interativa pela qual se estabelecem relações comunicativas. Como parte desse modelo, cabe aos
revisores aferir a instrumentalidade da linguagem escrita em relação ao que os escritores
7-208

praticam e pelo que alcançam interação social comunicativa; em outras palavras, a linguagem
escrita deverá ser vista como integrante da competência comunicativa daqueles que a usam.

Devido à ênfase que propomos – na revisão – em conceitos como uso, função


comunicativa e contexto social, a adesão à gramática funcional difere significativamente de
concepções de revisão menos recentes, que insistem em abordagens gramaticais puramente
formais (como a da gramática gerativa).

Fluxograma 4 – Nível de controle dos parágrafos

Fonte: adaptado de (BISAILLON, 1989).

Também consideramos nesse nível dito “superior” (em oposição aos níveis da palavra,
da oração e do parágrafo, principalmente por englobar mais noções de conjunto e articulação
dos patamares inferiores) as questões relativas ao gênero textual, como condicionadoras de
atividades discursivas que resultam em escolhas de textualização que trazem consigo uma série
de consequências formais e funcionais e representam pelo menos três aspectos importantes:
gestão enunciativa (escolha dos planos de enunciação, modos discursivos e tipos textuais);
composição (opção por estruturas de unidades ou subunidades textuais que dizem respeito à
sequenciação e ao encadeamento e linearização textual – o plano da obra); e retórica (emprego
deliberado de estratégias persuasivas). A análise de gênero engloba a análise do texto e do
7-209

discurso, descrição da língua e visão da sociedade, ainda tenta responder a questões de natureza
sociocultural no uso da língua de maneira geral. O trato do gênero diz respeito ao trato da língua
em seu cotidiano nas mais diversas formas, é uma classe de eventos comunicativos, sendo o
evento a situação em que a linguagem verbal tem papel significativo e indispensável. O evento
comunicativo é constituído do discurso, dos participantes, da função do discurso e do ambiente
onde o discurso é produzido e recebido.150

As estratégias de intervenção nesse patamar incluem: a verificação, encontrar a forma


correta usando uma ferramenta confiável, acompanhada da reflexão sobre a palavra na frase; a
modificação, encontrar a forma correta e modificar a palavra, se necessário; a justificação,
explicar a forma definitiva da palavra por razões rigorosas.

Os recursos empregados nas estratégias apontadas incluem pesquisar: cada nível da


análise – escolha de palavras, ortografia e concordância, mesmo cada erro, será resolvido pelo
emprego da ferramenta apropriada, assim, se o livro de conjugações é a ferramenta para resolver
um problema de verbo, a resposta para um problema de preposição (regência verbal) não será
encontrada lá, os exemplos do dicionário, com a entrada em pauta, serão mais úteis; encontrar
e modificar: uma vez que a resposta exata seja encontrada, o escritor faz as modificações
apropriadas, se necessário; justificar: aprender a sempre abonar rigorosamente cada passagem
modificada, para evitar a substituição da forma que suscite dúvida por outra menos adequada,
ou impedir a mudança de uma construção correta por outra errônea, dois casos frequentes de
interferências inadequadas.

No ensino das estratégias de revisão visando a detecção de problemas, o questionamento


sistemático deve levar ao aperfeiçoamento do revisor pelo aperfeiçoamento do texto. Sabe-se,
no entanto, que a eficácia na detecção de problemas não leva o linguista, necessariamente, a
intervenções adequadas, que aperfeiçoem o escrito e aumentem a legibilidade. Cabe sempre ter
em conta outras estratégias passíveis de serem implantadas.

Não podemos perder o interesse em estratégias de intervenção nem relegar a


importância de transmiti-las aos revisores em formação, pois o objetivo de cada procedimento
no ensino é melhorar o desempenho dos aprendizes. No entanto, como não haverá melhora no

150 Parcialmente baseado em (MARUSCHI, 2014).


7-210

desempenho se não houver, na sequência, a interferência adequada, as técnicas de treinamento


são muito importantes.

A estratégia de questionamento sistemático proposta deve permitir que o revisor em


formação aprenda a duvidar, primeiro, e depois aprenda a procurar transformar sua dúvida em
conhecimento. Poucos revisores neófitos conhecem a dúvida sistemática ou, se ela surge, a
eliminam rapidamente com uma interferência do tipo “deve ser isso”, sem a correspondente
pesquisa para se assegurar da solução proposta ou mesmo de que a redação original não esteja
adequada.151

As perguntas secundárias sugeridas durante a detecção levam o revisor a questionar a


palavra em três etapas, assim como as orações e os parágrafos; elas devem, portanto, ajudar o
revisor a diagnosticar, em cada nível, as diferentes ocorrências de problema, etapa por etapa.
No entanto, para encontrar a correção adequada para o problema detectado, o revisor deve
aprender a seguir uma estratégia eficaz. O que propomos é apresentado na sequência como
estratégias de intervenção.

Para que as disciplinas de formação do revisor usem alguma estratégia de revisão, o


treinamento é primordial. Recomendamos a seguinte abordagem cujos resultados temos
comprovado. Seguem-se os passos recomendados.

O primeiro passo é fornecer as informações necessárias. Os alunos devem ser


informados da utilidade do uso das estratégias ensinadas, caso contrário, o uso delas ocorrerá
apenas parcialmente e não irá além do escopo de sua aprendizagem. Se os aprendizes devem
aplicar suas energias para usar a estratégia de questionamento sistemático nos três níveis,
devemos informá-los não só de qual seja a estratégia, mas também de sua utilidade, dando
exemplos convincentes e apresentando a base teórica à qual o procedimento é subjacente. Se
esse não for o procedimento, os revisores neófitos não farão os esforços necessários para usar
a estratégia ou a usarão pela metade ou não a usarão, uma vez fora do curso.

Também é bom conversar com eles, nessa fase da informação, sobre a importância do
fator tempo na aquisição de uma estratégia para evitar desencorajar os sujeitos durante a
aprendizagem. Emprega-se um bom tempo aprendendo essas estratégias e mais tempo ainda
automatizando seu uso, todavia, em médio e longo prazos, o ganho qualitativo se somará ao

151 Adaptado de (BISAILLON, 1989).


7-211

ganho de tempo. O esforço inicial no emprego da estratégia também deve ser enfatizado, bem
como sua flexibilização gradual. Todas essas informações devem incentivá-los a seguir o
procedimento proposto.

O segundo passo é o da demonstração. O revisor sênior dá um exemplo concreto usando


a estratégia de questionamento sistemático proposta a partir de uma frase escrita por um dos
alunos. Se necessário, o formador retoma a estratégia com uma segunda frase ou até mesmo
uma terceira, mostrando aos alunos que deve ajudá-los a pensar e levá-los a solucionar
problemas.

O próximo passo, o terceiro, é a prática. Após a demonstração do formador, os alunos


devem retomar continuamente a abordagem proposta para garantir que eles a entendam e sejam
capazes de usá-la. Sua experimentação com a estratégia será baseada em frases já compostas,
em um primeiro momento e, posteriormente, a partir de frases próprias obtidas em textos
aleatórios. O formador, então, garantirá que cada uma das disciplinas da formação seja bem
articulada com cada estratégia proposta.

O quarto e último passo de nossa proposição é a apropriação. Essa é a etapa em que


revisores aprendizes praticam a integração da estratégia na situação dada. É essencial que a
aquisição seja feita de várias formas, mas o exercício contínuo de cada técnica e de cada
habilidade assimilada não seja relegado. Além disso, o assunto fica ativo, presente na memória
de trabalho, e resulta em aprendizado contínuo. Alguns benchmarks – análises objetivas para
aprimorar a revisão (processo, produto e serviços), gerando mais qualidade e produtividade –
devem permitir que o neófito verifique onde ele está em seu aprendizado, a cada nova estratégia
assimilada.

Como aprender a estratégia leva tempo, serão necessários dois a três meses de prática
antes de que se alcance a desejada automação no emprego das rotinas e sub-rotinas indicadas.
A pesquisa sobre o ensino de estratégias nos convida a dedicar muito tempo a sua aquisição, o
ganho em tempo será posterior e é seguro. De fato, experimentos com tais práticas em curto
período são inconclusivos, ou resultam improdutivos. O ensino dessas estratégias só será útil
se o aprendiz quiser dar-lhe o tempo que merece, caso contrário não haverá automação da
estratégia.152

152 Adaptado de (BISAILLON, 1989).


7-212

Para apontar estratégias de acesso ao texto, vamos começar por indicações relativas à
visibilidade e à legibilidade, fazendo uso de ferramentas do Word para a aprendizagem e para
emprego na práxis. Infelizmente, parece que o recurso só é acessível para os usuários do
Microsoft 365.

Vá para o menu Exibir, aba Avançada e selecione Leitura Avançada. Essa última aba
tem opções em cujas variações se pode adequar o texto, ergonomicamente, ao conforto visual
do revisor. A ferramenta é útil principalmente em textos cuja diagramação e composição não
favoreçam muito a revisão. Os itens que se seguem são configuráveis para exibição:

• largura da coluna altera o comprimento da linha para melhorar o foco e a


compreensão;

• a cor da página pode facilitar a digitalização de texto com menos esforço;

• o foco de linha remove distrações para que você possa se mover em um


documento linha por linha; ajuste o foco para colocar uma, três ou cinco linhas
em exibição de cada vez;

• espaçamento do escrito aumenta o espaçamento entre palavras, caracteres e


linhas;

• sílabas mostra as pausas entre as sílabas, para melhorar o reconhecimento e a


pronúncia das palavras.

Foi incorporada também ao Word ferramenta de áudio que permite ao revisor ouvir o
texto. O recurso Ler em Voz alta está disponível na exibição de Leitura Avançada e em outros
modos de leitura e nos diferentes layouts da tela. Esse expediente cria possibilidade de trabalho
muito interessante, pois a leitura acompanhada da audição ativa múltiplos mecanismos
sensoriais que, conjugadamente, ampliam a capacidade de percepção e a invocação da memória
de trabalho.

São os seguintes os atalhos de teclado para Ler em Voz Alta:

• iniciar ou sair ler em voz alta: Ctrl + Alt + espaço;

• pausar ou reproduzir, ler: Ctrl + espaço;

• acelerar a velocidade de leitura: Alt + seta direita;

• velocidade de leitura desacelerada: Alt + seta esquerda;

• ler o parágrafo anterior: Ctrl + seta direita;


7-213

• ler o próximo parágrafo: Ctrl + seta esquerda.

Passando à prática, a estratégia de questionamento sistemático pode ser desenvolvida


de muitas maneiras, dependendo das dificuldades dos alunos a quem se propõe. Assim, a ênfase
pode ser na formulação de ideias, seu planejamento ou na estrutura do texto e sua melhoria na
comunicabilidade. No entanto, por razões de eficiência, sugerimos que apenas um aspecto
escolhido deve ser trabalhado por vez.

Também seria interessante observar se ensinar uma estratégia de revisão específica,


como a apresentada, levaria à correção total dos problemas relacionados ou à redução das
omissões de interferência, pelo menos. Quanto mais específica for a estratégia para determinado
problema, mais eficaz ela deve ser.

Se as estratégias não são ensinadas aos revisores, é porque se acredita que eles adquiram
empírica e espontaneamente as técnicas necessárias para sua aprendizagem ou para sua prática
por conta própria. Isso provavelmente é verdade para muitos estudantes; no entanto, este não é
o caso para aqueles que podem contar com ajuda do formador para assimilar as ferramentas,
em processo de ensino sistematizado. Além disso, como uma tarefa é muitas vezes vista
negativamente por causa da falta de habilidade em desempenhá-la, mudar as habilidades pelo
ensino muda a percepção da tarefa. Se essa proposta for aplicada à tarefa de revisão, o uso de
recursos eficazes pode tornar a revisão, etapa tediosa no processo de editoração, uma atividade
necessária e quase agradável, desde que seja atenta às expectativas, resultando em produto
satisfatório. De fato, a experiência nos mostra que alguns alunos, relutantes em usar a estratégia
no início, devido ao tempo necessário a sua assimilação, passaram a experimentar algum prazer
em reler seus próprios documentos usando-as, porque o aprendizado permitiu que eles
conseguissem o que não obtinham antes: um arquivo quase livre de problemas. Ensinar e
aprender procedimentos de revisão podem ser soluções para resolver alguns dos problemas do
desempenho escrito. Eles não devem ser esquecidos, afinal, revisores também escrevem e
sempre podem escrever melhor.

7.11 FORMAÇÃO E INTERPRETAÇÃO

Pode parecer desnecessário apontar que não se pode formar revisores sem treinar os
alunos a interpretar os textos. Sem nos afastarmos muito do tema da formação de revisores,
vamos aplicar algumas ideias que geralmente são discutidas em relação ao leitor, mas o foco
7-214

será direcionado ao revisor e ao revisor aprendiz. O próprio fato de serem revisores – e,


obviamente, revisarem (o primeiro, espera-se, bem, o segundo, ainda passível de cometer erros
e omissões) mostra, materialmente, como a compreensão funciona e a necessidade de entender
para revisar.

Ler e compreender uma língua requer domínio de suas estruturas fundamentais:


fonológica, morfológica, sintática, semântica e estilística. Como linguagem escrita,
conhecimento e compreensão estão essencialmente entrelaçados no texto e em sua leitura.
Embora o conteúdo léxico seja ilimitado e ninguém saiba tudo, ele pode ser pesquisado para
cada texto; nesse sentido, a pesquisa faz parte da busca pela compreensão dos escritos. Sempre
nos foi ensinado a ler fazendo uso concomitante do dicionário, é uma pena se não for mais
assim. Em relação aos próprios escritos, o autor também deve entender as combinações
caprichosas de sintaxe e as possibilidades que elas oferecem, reconhecendo as formas muitas
vezes inesperadas de escrever.153 Em relação aos textos alheios, o revisor deve ser capaz de
compreender as tramas enlaçadas pelo autor, que poderá terá feito uso de recursos de analogia
a construções que não sejam imediatamente familiares.

A partir dessas colocações, já estão estabelecidos os elementos que fundamentam a


discussão: existe a necessidade de compreensão e interpretação para a leitura e revisores são
leitores, logo, a leitura lhes é imprescindível; os autores devem entender a sintaxe e as formas
de escrita e revisores são escritores, logo revisores têm que saber escrever. De fato, quando
comparada ao interesse por linguagens, a reflexão sobre documentos escritos merece especial
atenção por parte dos revisores, já que a revisão é mais sobre inscrições que sobre línguas.
Portanto, vamos assumir que os textos são o objeto completo percebido pelo leitor e pelo revisor
e a leitura é interação de conhecimento extralinguístico relevante para significados linguísticos
também relevantes.

Em geral, desde que não seja questão de revisão, mas apenas de entender um documento
em determinada língua, a camada extralinguística que se associa ao conteúdo linguístico passa
despercebida; tende-se a acreditar, com alguma leviandade, que apenas o jogo semântico da
sequência verbal compõe a cena completa. A distinção entre a explicitação da afirmação
linguística e o conhecimento extralinguístico implícito que lhe é adicionado não ocorre
espontaneamente; provavelmente, porque não se busca isolar os significados linguísticos das

153 Adaptado de (LEDERER, 1997).


7-215

palavras, que são razoavelmente estáveis na língua, antes de se apreender o significado de um


segmento de escritura. Se pronunciarmos o nome de Lula no Brasil, os brasileiros não ouvirão
primeiro a referência ao molusco cefalópode (exceto em contexto gastronômico), apenas lhes
acorrerá o que sabem sobre o personagem, ex-presidente. Eles vão situá-lo imediatamente. Ao
mesmo tempo que o nome surgirá em suas mentes, as tribulações do homem que, de
metalúrgico, tornou-se político, foi processado por corrupção, esteve preso em mais de uma
circunstância, e muitos outros detalhes ainda poderiam advir das memórias que permanecem
sobre ele. A palavra se impõe pelas recorrências cognitivas que ela envolve; Lula é um
diminutivo familiar de Luiz, qualquer Luiz, mas acorre-nos a imagem do sindicalista na maioria
dos contextos e não o cefalópode que é recorrente na biologia marinha ou na gastronomia. As
camadas externas, contextuais, são supersignificantes.

O mesmo fenômeno se aplica a todos os documentos. Nos escritos em linguagem


familiar e urbana, a contribuição do implicitismo não é percebida separadamente da presença
do semantismo. Cabe aqui referência às chamadas “piadas internas” – evocações histriônicas
contextualizadas e referidas apenas em subgrupos sociais ou familiares, sem qualquer sentido
fora do segmento de origem. No entanto, para o revisor, é essencial perceber que a mensagem
consiste do que é explicado pela linguagem e do que está envolvido o autor, em primeiro lugar,
assim como o revisor deve ter em mente que a decodificação só será processada adequadamente
se o leitor estiver informado dos envolvimentos do autor, de sua intenção ao escrever e se
dispuser também dos recursos linguísticos invocados no registro. Para que se processe a
comunicação, é necessária cognição comum entre os agentes da mensagem, e metacognição é
exigível do revisor.

Quanto mais sabemos, melhor entendemos. Isso é verdade em todas as circunstâncias,


mas, curiosamente, para alguns, não parece ser necessário saber mais para ser revisor. O revisor
não cria o texto, ouve-se; que ele simplesmente revisa, caberá ao leitor ter o conhecimento para
entender a revisão como produto. No entanto, revisores e professores de revisão, todos eles,
sem exceção, dizem que é preciso conhecer o assunto em um texto para poder revisá-lo bem.
Parece-nos necessário trazer à tona, a cada documento revisado, de modo mais explícito do que
é normalmente feito, os conhecimentos e as emoções, os complementos cognitivos e
emocionais nos quais o semanticismo da sequência verbal é inserido; identificá-los é essencial
se, desejando se afastar do mecanicismo, não se quer abusar da liberdade de expressão.
7-216

Se, além da revisão e na ausência de interesse particular no assunto, alguma indefinição


ou mesmo algumas postulações não compreendidas são bastante comuns, quando se trata de
revisão, torna-se obrigatório entender o implícito, ainda que não caiba explicitá-lo, pois a
intenção do autor, nem mesmo a inferida, pode ser subvertida. Para isso, a revisão exige que o
revisor tenha conhecimento pelo menos tão avançado quanto o do leitor interessado – ou possa
adquirir esse conhecimento no curso do trabalho. É quase impossível saber de que inconsciente
coletivo deriva essa crença quase universal na obrigação de o revisor se ater à revisão linguística
que exclua a intervenção do mundo exterior que temos visto, essa ausência exterior pode ir tão
longe quanto eliminar o significado do texto. Também não podemos perceber, pela outra
vertente, até que ponto se fixou a noção segundo a qual o revisor deve ser conhecedor do objeto
de que o mandado é constituído; no limite, o único especialista em cada escrito é seu autor!

É preciso superar a relutância, ampliar os pontos de vista, fazer que o revisor em


formação aceite que nenhum texto é compreendido com base exclusiva na linguagem que o
compõe materialmente e que, para resguardar seu significado na revisão, o conhecimento da
pessoa que revisa deve balizar a mediação. Outra razão pela qual é importante que o revisor
entenda o documento combinando conhecimento extratextual é que esse entendimento permite
o acesso a ampla gama de palavras ou expressões na linguagem erudita, as figuras de retórica
contextualizadas possibilitam a descoberta de significâncias linguísticas insuspeitas.

As palavras se referem, muitas vezes, a realidades diferentes daquelas atribuídas a elas


pelo sistema linguístico. É necessário experimentar o fato de que se pode excluir ou adicionar
uma palavra mantendo ou subvertendo significado e que as correspondências quantitativas ou
qualitativas não têm lugar na revisão. A carga de conotação é temporal, circunstancial e
dificilmente pode ser reproduzida. O trocadilho e o jogo de palavras do autor, bom ou ruim,
devem ser compreendidos e o juízo a ser formado por eles pode dar causa a interferências, mas
é necessário manter consciência de toda a circunstância envolvida, não basta a noção semântica
ou sintática.

Assim, o texto, embora parcialmente composto por uma língua, envolve fatores que
complementam a língua. O escrito é obra de um autor que usa o vetor linguístico para comunicar
algo além do conteúdo linguístico a seus leitores – na verdade, ao autor ou ao leitor, muito
provavelmente, não interessará nenhum dos aspectos linguísticos, importa é a mensagem, vale
entender as orientações procedimentais, cumpre apreender o argumento, espera-se a surpresa
da trama bem armada, mas poucos são os leitores que se encantam como a estrutura sintática,
7-217

ou pela variedade léxica – apenas os linguistas veem arte em um período simples ou numa
sinédoque original.

Posto que haja um escrito, não estamos lidando com material inerte, mas com seres
vivos, um autor e leitores que, através daquelas palavras, registro codificado de existência (real
ou ficcional), trocam informações, ideias, emoções… As pessoas que estão aprendendo a
revisar devem se tornar capazes de desempenhar o papel duplo: entender mobilizando
conhecimentos extralinguísticos e fazer com que as pessoas entendam as construções em
sentido retórico estendido.

7.12 FORMAÇÃO PARA O PLANEJAMENTO

A estratégia dominante entre os revisores mais jovens e alunos em formação é a


interferência ao passo da leitura, segundo informações recuperadas como estão na memória de
trabalho, o que leva à justaposição de interferências menos coerentes e menos fundamentadas
que aqueles geralmente produzidos por revisores mais antigos, ou pelos que já têm rotinas
procedimentais bem inculcadas. As hipóteses explicativas são de várias ordens. Lembremo-nos
de que produzir a palavra escrita é particularmente complexo. Interferir em textos alheios –
visando aperfeiçoá-los – é transcendentalmente mais complexo que escrever. Diferentes autores
falam sobre isso como resolução de problemas ou gestão simultânea, desafiando os revisores
mais jovens, para quem a assunção de restrições volitivas ou emotivas na resolução de
problemas apresenta custo cognitivo muito alto. Para esse público, detentor de capacidade
limitada de memória de trabalho, cujo papel parece predominante,154 a gestão da revisão se
tornaria particularmente difícil. Outros autores apontam o alto custo do treinamento para jovens
revisores que não dominam o ofício e não automatizaram padrões cognitivos de interferência
nos textos alternos.155

O revisor iniciante, ou que permaneceu nesse nível operacional, costuma inclinar-se a


fazer correções injustificadas, devido a eventual equívoco do idioma ou da revisão, ou
simplesmente por descuido ou negligência. Conhecer os parâmetros e os princípios da revisão
nem sempre evita essas armadilhas.156 No que compete a essas dificuldades, pode-se perguntar
quais objetos ensinar ao revisor aprendiz, quais instrumentos de apoio promover para aliviar

154 (PIOLAT, 2004).


155 Adaptado de (KERVYN e FAUX, 2014).
156 (HORGUELIN e PHARAND, 2009).
7-218

esse custo que recai sobre o formando ou sobre a agência que o está treinando. Os limites de
capacidade que também podem ser reexaminados são principalmente de desenvolvimento
cognitivo; eles podem também ser explicados pelas características socioambientais da
formação, desde o ensino médio. Assim, na lógica curricular, o ensino da revisão pode ser
incrementado? O aluno deve ser ajudado a sentar, organizar ou reativar o conhecimento prévio
do assunto na fase de treinamento, ou o aluno deve aprender a importância da estratégia de
intervenção, que alguns psicolinguistas cognitivos consideraram suficiente? Alguns dos
resultados devem ser questionados colocando-os em perspectiva com as práticas do
treinamento?

Para tomar um exemplo no centro de nossa experiência e trabalhar no planejamento, a


gestão passo a passo dos processos, em sucessivas etapas ou “camadas”, como já foi
mencionado, pode sugerir a jovens revisores, estudantes de nosso ofício, que só se podem
alcançar formas textuais satisfatórias combinando a base cognitiva de linguística à formação
metódica e linear quando eles começam a revisar. Assim, no que diz respeito à revisão
procedimental, o uso de listas de checagem produzidas ou tomadas de empréstimos para gerar
ideias ou ativá-las na memória seria de pouco benefício para a textualização ou mesmo “sem
impacto” com base nas performances dos revisores recém-treinados, ao contrário daqueles que
optam pela revisão à moda antiga, pouquíssimo diferente da correção de redações do ensino
médio.

Para completar, ainda precisamos considerar a revisão em si e a criação do texto em


relação à revisão. Entendidas elas como operações de leituras ao texto que incluem uma série
contínua de releituras sistemáticas, passagens objetivas e focadas, consecutivamente, em
aspectos relativamente importantes, assim como as consecutivas e respectivas avaliações,
detecções de problemas e, por vezes, seguidas de interferências, consultas e proposições.
Certamente, assimilar esse conjunto de processos é de grande importância na fase do
treinamento do revisor e é por isso que estendemos um pouco esse ponto da proposta.

No entanto, como a operação em foco, a revisão em si, também é recursiva, pode intervir
muito cedo no desenvolvimento da palavra escrita, seja na forma de retorno sobre notas
preparatórias, ou sobre a escrita virtual ou pensamento para o texto, pensamento não escrito.
Em ambos os casos, a revisão pode influenciar ou até mesmo moldar parte da entrada na escrita,
os insights. No entanto, se não houver evidência de sequência ou modificação do já escrito, essa
revisão antecipada pode ser difícil de isolar na interpretação dos dados. Estamos nos referindo
7-219

às influências da revisão avant la lettre, a contaminação do trabalho autoral pela ciência que
seu criador tem de que seu produto será revisado adiante. Por essa senda, inferimos que a forma
pela qual a revisão é planejada vai produzir efeitos não apenas no documento presente, mas
também nos produtos seguintes do autor que estiver atento à mediação.

Quando a revisão resulta em reescrita pelo revisor, o trabalho não melhora


necessariamente o produto. Para os jovens revisores, a mediação pode até piorar os originais
quando o aprendiz é entregue a seus próprios recursos. Isso também é o que se observa sobre
os estudantes de Letras ou professores de português em relação às redações escolares, muito
infelizmente. À leitura crítica seria suposto permitir a identificação de defeitos e ser seguida
por intervenções para melhorar a produção. Estamos, então, em uma gestão ideal de
procedimentos, mas que, muitas vezes, é negada pela observação das práticas reais.

7.13 FORMAÇÃO A DISTÂNCIA

As últimas décadas viram mudanças significativas em todas as áreas da vida. O


desenvolvimento tecnológico abriu novo mundo de oportunidades que, por sua vez, levou a
novas sendas na comunicação humana. Esse desenvolvimento afeta nossa maneira de pensar e,
claro, transforma os serviços de produção e revisão de textos – inclusive quanto aos documentos
científicos mais importantes, as teses e as dissertações, bem como a qualquer texto de longo de
outros gêneros. Isso significou também que a formação do revisor teve que se adaptar às
mudanças e às novas expectativas do treinamento que passaram a ser requeridas. Um bom
exemplo de adaptação a essas novas expectativas é a introdução de ensino a distância (EaD) na
formação de revisores.157

As mudanças na tecnologia impactaram a profissão de revisor de diferentes maneiras,


com a revisão passando por mudanças bastante significativas. Embora os jovens ingressantes
no mercado de trabalho mal saibam como era trabalhar com papel e lápis vermelho, há algumas
décadas, esse método de trabalho demorado era o único imaginável no campo da revisão. O
revisor levava dias entre receber o documento impresso, depois de discutir o trabalho com o
cliente, fazer as primeiras leituras e intervenções, enviá-lo de volta, receber a versão reescrita,

157 Adaptado de (SERESI, 2016).


7-220

revisar de novo manualmente e reenviar mais uma vez ao autor. Os revisores tendiam a trabalhar
sozinhos e pesquisavam terminologia ou outras questões na biblioteca.

A disseminação de computadores pessoais na década de 1980, no entanto, fez com que


a formatação e a revisão se tornassem significativamente mais fáceis com a ajuda do software
de processamento de texto, assim como os programas de e-mail aceleraram o processo de envio
de revisões de volta para o cliente. Hoje, a principal fonte de pesquisa dos revisores é a internet.

Esse desenvolvimento acelerou significativamente o processo de revisão e fez surgirem


novas oportunidades para os revisores cooperarem entre si. Como resultado dessas mudanças,
os revisores trabalham cada vez mais rapidamente e são capazes de concluir tarefas de revisão
maiores, trabalhando em conjunto na forma de projeto on-line.

Os revisores experimentaram várias mudanças em sua profissão. A primeira grande


revolução tecnológica no mundo da revisão foi a possibilidade de revisar na tela do computador,
a mais recente é a possibilidade da revisão simultânea: vários revisores trabalhando
concomitantemente em um mesmo arquivo, geralmente longo. Outros desenvolvimentos
tecnológicos melhoraram principalmente o equipamento e as condições de comunicação on-
line. Laptops e tablets entraram nos escritórios e nos lares, fornecendo forma mais conveniente
de os revisores revisarem documentos relevantes, sem uso de papel ou dos correios.

Os avanços na renderização em tempo real de vídeo e áudio significam que projetos de


revisão estão sendo organizados sem a necessidade de os participantes estarem fisicamente
juntos no local da reunião de planejamento ou de estudos. Graças a programas como o Skype e
o Zoom, a videoconferência se generalizou e hoje revisores em locais distintos interagem e
discutem entre si um projeto, ou acompanham com o cliente a reescrita e as considerações sobre
as interferências propostas no texto. Com a pandemia de 2020, o decorrente isolamento social
e o regime de trabalho domiciliar, surgiram ainda mais alternativas de interação pela internet,
inclusive com recurso de teleconferência providos pelo Facebook e Google.

Há basicamente dois tipos de revisão não presencial. A revisão remota (RR) é a situação
de revisão em que o revisor, ao invés de receber o documento e trabalhar nele sozinho ou com
a equipe de revisores, interage diretamente com o cliente durante a produção do escrito,
revisando partes concluídas e colaborando na reescrita. Teoricamente, a RR permite que o
revisor participe da produção mesmo estando localizado em outro país, o que possibilita que
seu cliente reduza as despesas e acelere o processo da escrita.
7-221

A revisão colegiada (RC) é uma forma de revisão em que os revisores trabalham em


grupo, dividindo entre si as “camadas” da revisão, os segmentos do texto e a responsabilidade.
Nessa forma de revisão, cada revisor tem uma tarefa específica, mas todos agem interferindo
em tempo real sobre o mesmo texto, a RC é frequentemente usada em situações de revisão de
documentos muito longos; livros, teses ou dissertações podem demandar a intervenção da
revisão em equipe. Todavia, essa forma de revisão também é usada em outras áreas. A RC
também é usada no mundo dos negócios, para facilitar a comunicação entre os diversos autores
de obra institucional.

Também é possível combinar RC e RR. Nesse caso, os autores e revisores estão em


locais diferentes, eventualmente trabalhando em grupos no local da escrita e naquele da revisão.
Qualquer que seja a forma de revisão a distância, todas elas permitem comunicação de várias
vias, revisão consecutiva e simultânea, revisão colegiada, revisão bilateral ou revisão em tempo
real.

Estamos falando sobre as vantagens da revisão a distância, no entanto, a comunidade de


revisores ainda tem muitas dúvidas sobre essas duas novas formas de trabalho e são bem poucos
os que se aventuram nela – o fato é que os revisores sempre andaram em passos mais lentos que
os do avanço tecnológico: revisores costumam ser conservadores em mais de um aspecto. Um
dos primeiros questionamentos para a revisão em tela era a falta da materialidade a que os
revisores estavam habituados. A tela na frente do revisor fornece apenas uma visão restrita do
documento e não pode ser manuseada e rabiscada (só que pode, a seu modo). Mesmo que haja
vários recursos editoriais disponíveis para o revisor (por exemplo, corretores ortográficos,
dicionários eletrônicos, bancos de dados), houve bastante resistência a se revisar diretamente
no computador, a princípio, e ainda há alguma – mas em fase terminal.

O modelo de esforço, aplicado à revisão, sugere que o revisor tenha suprimento limitado
de energia mental para o processo de revisão e que ele divida esse suprimento entre as três
etapas do processo: leitura e análise, memória e intervenção. Se o revisor precisar consumir
mais esforço que o de costume em determinado estágio, isso drena energia das outras fases.

O modelo cognitivo sugere que o revisor crie o modelo mental do evento de revisão,
consistindo das informações verbais fornecidas pelo texto, bem como das informações que o
revisor coleta; o conhecimento geral do revisor, o conhecimento amealhado durante a leitura
do próprio documento em trabalho; os pontos de ligação entre o conteúdo daquele documento
7-222

com outros trabalhos anteriores do mesmo e de outros autores, além de tudo o que o revisor
pode concluir das informações coletadas – inferências e sínteses. É o produto desse arcabouço
e modelo mental que o revisor converte em interferência.

Com base em tudo isso, podemos assumir que a quantidade limitada de recursos
disponíveis para o revisor dificulta a construção e operação desse modelo, o que corresponde,
essencialmente, à fase de leitura e análise do padrão já referido. Isso reduz a energia disponível
para a fase de interferência, e é por isso que os revisores podem se sentir mais exaustos e que
seu desempenho seja mais baixo que o normal quando não tiveram inputs (conjunto de dados
recebidos) suficientes nas fases. Isso pode corresponder a deficiências de formação linguística
ou do treinamento como revisores. Nesse sentido, apontamos o EaD como via para suprir as
deficiências que drenem energia das fases de leitura e análise.

O desenvolvimento da tecnologia da informação e comunicação também levou ao


acesso a novas ferramentas para os instrutores de revisores: eles se tornaram usuários de mais
recursos e aparato tecnológico incrementado, criando metodologias de ensino e aprendizagem
a distância. Como foi o caso em todos os campos, a educação também reconheceu as
oportunidades oferecidas pela comunicação on-line. Essas oportunidades trouxeram o conceito
de aprendizado on-line, o EaD da era da informática, também conhecido como e-learning. EaD
é hoje uma forma de treinamento na qual a TI desempenha papel crucial. As necessidades
técnicas do EaD agora são supridas em quase todos os lugares e o equipamento necessário não
só é acessível como está no rol dos recursos imprescindíveis a quase toda a atividade intelectual.
O EaD elimina as despesas de viagem e acomodação do aluno ou do professor, permite que
público mais amplo participe de vários cursos de treinamento, proporciona oportunidades iguais
para mais pessoas. Hoje, o material dos cursos pode ser enviado quase para qualquer lugar,
assim como o ambiente de aprendizado virtual pode ser interessante e motivador.

Os métodos de EaD podem ser divididos em duas categorias: métodos síncronos e


assíncronos. As aulas assíncronas não exigem que o aluno e o professor estejam no mesmo local
ou on-line simultaneamente. Essa modalidade de aula oferece opções de agendamento
favoráveis para o estudante ou aprendiz, mas também envolve menos comunicação
interpessoal. Os métodos assíncronos incluem o uso de e-books, material e planilhas interativas
on-line, e-mails, quadros de mensagens, boletins ou vídeos educacionais.
7-223

Nas aulas síncronas, o revisor sênior e o revisor em treinamento estão em locais


diferentes, mas precisam estar on-line ao mesmo tempo. Essas classes são vantajosas porque
são mais interativas e facilitam a comunicação pessoal, todavia, estão sujeitas a restrições de
tempo e de coincidência de agendas. As aulas síncronas não permitem que os alunos sigam seus
próprios horários individuais. Os métodos síncronos envolvem consultas por telefone,
videoconferência, bate-papo e seminários on-line, seminários e chamadas interativas ao vivo.
A videoconferência também pertence a essa categoria.

Embora essas novas metodologias de ensino atendam a várias demandas recentes, elas
também têm suas desvantagens. A aprendizagem experiencial está se tornando cada vez mais
importante na educação e nem todo EaD pode oferecer aos alunos a oportunidade para ela.
Posto que um dos objetivos do treinamento é ensinar a usar a tecnologia moderna, lidando com
as distâncias em ambientes virtuais de ensino, o aprendizado experimental é feito na forma de
aprender a lidar com essas ferramentas virtuais. No entanto, seria errado subestimar os pontos
fortes da aprendizagem presencial, pois é nesse ambiente que melhor se exerce a dinâmica do
grupo, possibilitando construir relacionamentos e aprender uns com os outros mais
intensamente. É por isso que as aulas virtuais geralmente não são alternativa ao aprendizado
em sala de aula, constituindo tão somente formas complementares de treinamento. Combinar
as vantagens dos dois métodos, o que é conhecido como aprendizado misto, certamente é o
ideal – mas nem sempre se pode alcançar o melhor dos dois mundos.

Cabe assinalar que tanto o aprendizado a distância quanto o presencial, para o revisor
(bem como em muitos outros campos da transmissão de conhecimento), se revestem de elevada
carga de exercícios práticos e de atuação efetiva como revisor em treinamento. A lição é que se
aprende fazendo e nenhuma tecnologia ou metodologia de ensino substitui a atuação efetiva. A
via tecnológica é apenas novo canal para conhecimentos e práticas que estão muito bem
consolidadas em décadas de exercício do ofício.

O treinamento para revisores foi orientado para a prática desde sempre – o caso é que
ele existe há bem pouco tempo e, pelo menos no Brasil, ele tem sido bem mais uma prática
mercantil de instituições e pessoas, ou de formação de mão de obra barata para a indústria
livreira. As aulas que se encontram nem sempre tentaram fornecer simulação precisa de
situações reais de revisão. Na maioria das vezes, ter pequeno número de aulas teóricas de
revisão pretendia levar os alunos a mergulhar conscientemente na prática profissional, apontar
os vários problemas que poderiam surgir e incentivá-los a refletir sobre seu trabalho.
7-224

Entretanto, os alunos precisam continuamente fazer esforços conscientes para entender


o que aprendem, por que aprendem e como aprendem, além de incorporar seus colegas nesse
processo de aprendizagem. Eles precisam planejar seu progresso com antecedência e devem
constantemente revisá-lo e avaliá-lo. Os alunos devem refletir sobre o progresso de seus colegas
da mesma maneira. Nesse sentido, o trabalho presencial também prepara os alunos para o
esforço fora da sala de aula que eles precisam colocar em seu aprendizado a distância.

Os avanços tecnológicos não alteraram os princípios básicos do treinamento de


revisores. Novas ferramentas de ensino foram adicionadas às já existentes, mas, em vez de
substituí-las, elas as complementaram. Juntos, os diferentes métodos levaram ao aprendizado
combinado para os alunos: enquanto continuavam a frequentar as aulas, os alunos podiam testar
a si mesmos em ambientes virtuais.

O principal aspecto da tecnologia moderna que pode ajudar os alunos é a ampla


disponibilidade de novas formas de comunicação, o que também levou à quantidade crescente
de textos disponíveis em arquivos editáveis que os alunos podem usar para praticar a revisão.
Essas novas ferramentas de comunicação permitem que os alunos criem seus próprios arquivos
de trabalho, salvando seus documentos e voltando a eles de tempos em tempos, bem como fazer
o mesmo com trabalhos de colegas ou de professores.

Os métodos assíncronos expandiram a maneira pela qual os alunos podem se preparar


para as aulas. Os métodos síncronos também são adequados para ajudar os alunos a praticar
sociabilidade e revisão em um ambiente virtual. O conceito de classes virtuais é um exemplo
desses métodos.

A classe virtual basicamente simula a situação de revisão hipotética. Nas aulas virtuais,
os alunos podem acompanhar na tela o processo de revisão sendo feito pelo professor ou pela
equipe de alunos, por exemplo, para que possam analisar simultaneamente ou consecutivamente
as interferências, dependendo das condições da aula. Como em situações da vida real, no caso
de revisão consecutiva, os alunos têm a chance de pedir esclarecimentos ao professor, se
necessário, também podendo incorporar a comunicação entre os colegas. Os alunos recebem
feedback do revisor sênior ou do professor sobre seu desempenho – em tempo real ou ao cabo
de uma tarefa.

As aulas virtuais incorporam a realidade do mercado ao treinamento de revisores e


atendem às necessidades dos alunos. Se o uso de equipamento de videoconferência for
7-225

incorporado ao treinamento de revisores, os alunos não apenas terão a chance de conhecer como
o equipamento de videoconferência funciona, como também terão a oportunidade de conhecer
novas pessoas.

Outro aspecto positivo das aulas virtuais é que os alunos experimentam grande
variedade de estilos, gêneros textuais e assuntos. Os colegas que contribuem para as aulas
virtuais não apenas agregam com seu discurso, mas também com sua metodologia, sua
experiência e contínuo feedback.

Por fim, é importante observar que a oferta de aulas virtuais pode fortalecer a
cooperação entre entidades parceiras e instituições interessadas no treinamento de revisores, o
que pode ser benéfico para a casa editora e para o de treinamento dos alunos.

Para incorporar técnicas virtuais ao treinamento de revisores, existem certas condições


que precisam ser atendidas na organização de aulas virtuais. Não examinamos aqui todos esses
requisitos, mas concentramo-nos em questões práticas importantes do ponto de vista da revisão
para alunos e professores. As videoconferências em que podemos incluir grupos de estudantes
são fáceis de organizar nessa era da internet de banda larga. No entanto, os parceiros da
instituição de treinamento podem insistir em usar estritamente o equipamento de
videoconferência por razões de segurança. Uma vantagem do uso desse equipamento é que ele
geralmente vem com telas grandes, porque é importante manter a alta qualidade da imagem
durante a videoconferência. Para garantir a melhor qualidade de imagem possível, é importante
assegurar que a câmera seja colocada no local certo, assim como é importante prestar atenção
à iluminação e observar em qual direção a luz natural entra na sala. Se, por exemplo, houver
uma janela atrás dos participantes, é melhor fechar as cortinas para que o parceiro do outro lado
da teleconferência tenha melhor visibilidade. Em relação à qualidade do som, o requisito mais
importante é que o microfone possa transmitir a voz de cada participante com clareza,
principalmente se não houver microfones individuais. Também é importante remover o eco do
sinal de áudio transmitido (cancelamento de eco). Se necessário, devemos usar o botão mudo
em nossos microfones quando não houver ninguém falando do nosso lado da chamada.

Antes de usar o equipamento de videoconferência, vale a pena testá-lo para garantir que
os dois lados possam estabelecer uma conexão fluida. Além disso, também é importante testar
os assentos e o posicionamento da câmera e do microfone para obter a melhor qualidade de
7-226

imagem e som. Se possível, e se o posicionamento das câmeras e microfones permitir, devemos


tentar organizar os assentos da maneira que seria na vida real.

Depois de discutirmos as questões organizacionais, vamos ver a melhor maneira de


incorporar aulas virtuais ao treinamento de revisores. Não há muito sentido em programar aulas
virtuais no início do curso de treinamento, pois ele apresenta ainda mais desafios que a revisão
tradicional.

Há outro fator importante nas aulas virtuais: estresse. A maioria dos estudantes sente
que há mais atenção direcionada a eles nas aulas virtuais, gerando mais tensões. A maioria
desses desafios pressionaria demais os alunos iniciantes de revisão e podemos assumir que eles
absorverão muito melhor as diferenças entre aulas virtuais e tradicionais se já tiverem adquirido
experiência em treinamento presencial de revisão quando tentarem aprender por EaD.

Uma vantagem importante das aulas virtuais para os alunos é que elas permitem a eles
vivenciar situações de revisão mais formais que a sala de aula, conheçam mais sobre as
expectativas das instituições e dos clientes, mas existem inúmeras competências de revisor que
não podem ser desenvolvidas por meio de aulas virtuais. Os alunos precisam aprender a se
preparar para fazer as interferências nos textos alheios, ao pesquisar determinado tópico, saber
que fontes usar e como selecionar as principais informações delas e suprir a necessidade de
desenvolver habilidades de aprendizado social. Eles precisam aprender como fazer as perguntas
certas e como cooperar entre si e com seus instrutores. Eles devem aprender a conversar com
seus futuros clientes, como dar feedback aos colegas e como definir objetivos comuns.
Sobretudo, é necessário aprender a justificar cada interferência feita, é necessário apresentar a
justificativa tanto em termos técnicos, quando da discussão entre os pares revisores, quanto é
necessário saber apresentar a justificativa para o autor que, provavelmente, não será um
linguista. As aulas virtuais oferecem excelentes oportunidades para desenvolver essas
habilidades.
7-227

7.14 FORMAÇÃO VITALÍCIA

असतो मा सद्गमय
तमसो मा ज्योततगगमय (बह
ृ दारण्यक उपतिषद्, 1.3.28)158

As seções precedentes esboçaram as competências que um instrutor de revisão deve ter.


O formador deve assumir os cinco papéis seguintes durante a sua atividade: revisor, empresário,
conselheiro, linguista e professor. O formador, além de ser revisor e dominar as competências
do revisor moderno, deve possuir algumas outras habilidades, a fim de transferir seus
conhecimentos com sucesso. Depois de se formarem, a maioria dos estudantes planejam se
tornar revisores freelance, autônomos ou empregados; o treinamento deve suprir as
necessidades para que eles possam se beneficiar da experiência dos formadores
independentemente do objetivo profissional escolhido. Dar feedback sobre as revisões dos
aprendizes é o cerne do processo de treinamento, o formador também atua continuamente como
revisor que pode avaliar a qualidade da revisão dos estagiários e dar a eles conselhos sobre o
que e como melhorar. O próximo papel que o formador deve tomar é o de aconselhar os jovens
profissionais, ajudá-los a formar a sua identidade como revisores e desenvolver suas
competências. Esses papéis são todos motivados pelo formador, como todas as outras
competências e deveres são centrados no aprendiz.

A diversidade dessas atribuições sugere que as expectativas em relação a um instrutor


de revisão sejam bastante elevadas. Essas não são necessariamente as expectativas iniciais dos
candidatos a revisores, mas o que o formador deve se esforçar para transmitir é que a
competência como revisor é algo a se alcançar no curso de uma carreira caracterizada pela
aprendizagem ao longo da vida. A versatilidade é assim duplamente esperada dos instrutores
de revisão.159

A comunicação humana foi fundamentalmente alterada pela tecnologia moderna que,


naturalmente, também impactou o mundo dos serviços de idiomas, dentre os quais os serviços
de revisão. Os trabalhos de revisão exigem cada vez mais cooperação entre revisores que,
também, devem trabalhar cada vez mais rapidamente, o que eles não seriam capazes de fazer
se não fossem as modernas tecnologias de comunicação. No mundo da revisão, a disseminação
dessas novas tecnologias levou ao aumento da revisão remota e da revisão colegiada. Essas

158 “Senhor, guia-me do irreal ao real./ Conduza-me das trevas para a luz.” (Brihadaranyaka Upanishad 1.3.28.)
159 Adaptado de (ESZENYI, 2016).
7-228

novas formas de revisão agora são onipresentes no mercado linguageiro, portanto, devem ser
incorporadas ao treinamento de revisores na forma de aulas virtuais. O uso de modernas
tecnologias de comunicação, no entanto, apenas produz os resultados desejados no treinamento
de revisores, se estivermos cientes de suas vantagens e limites e se não perdermos de vista as
competências de profissionais que não podem ser desenvolvidas apenas por meio de aulas
virtuais. É crucial não ignorarmos o poder inerente à instrução em sala de aula, pois,
combinando as vantagens das aulas virtuais e tradicionais, podemos oferecer aos revisores em
formação um ambiente de aprendizado combinado, otimizado e vitalício.
8-229

8 MEDIAÇÃO FUNCIONAL

Je vous l’ai déjà dit : aimez qu’on vous censure,


Et, souple à la raison, corrigez sans murmure.
Mais ne vous rendez pas dès qu’un sot vous reprend. (Boileau)

Mas inclusa como vanitas, a força eruptiva da expressão do indizível depende


da apresentação de um contexto empírico referencial como território
ossificado e incrustado. (BAUMGARTEL, 2018)

8.1 EPÍTOME

1. A mediação textual, um viés da revisologia, tem relevantes, diferenças culturais ou déficits


conexões com aspectos semióticos; o discurso cognitivos e sensoriais.
normativo surge como intercurso do revisor;
7. A mediação da linguagem e dos diversos
nessa interferência funcional apontamos também
modelos textuais e culturais na revisão
as atividades de controle como mediação.
necessariamente evoca, pela imagem como puro
2. Algumas formas de planejamento e revisão são significante que antecede a construção de um
mais eficazes que outras e, dependendo do significado, um sentido para o texto e para o
contexto de produção, os revisores fazem mundo: o público-alvo.
concessões entre a mobilização de recursos do
8. O discurso normativo do qual o revisor se torna
processo de revisão e o custo que otimizem os
parte delineia-se na instabilidade que vai da
resultados.
inserção na mediação entre autoria e leitura,
3. A relação entre processos de planejamento, perpassando todos os ritos da gênese editorial
redação e de revisão e controle de qualidade dos que ele mobiliza e nos quais também se inscreve
documentos produzidos é abordada pela análise o profissional como sujeito reflexivo.
das etapas de processamento, comparação do
9. Existe forte relação entre a mobilização dos
manuscrito original com o texto revisado,
processos de planejamento e revisão e a
medição de impacto do estresse laboral e
qualidade do produto textual – essa relação
cognitivo.
integra a mediação de que tratamos.
4. As questões que o revisor deve considerar na
10. Buscando mediação, aprendemos a mediar,
atividade de intervenção nos escritos se agregam
permitir que os sujeitos se tornem mais
em discurso normativo que deve ser assimilado,
confiantes e independentes e diminuímos as
compreendido e aplicado como sistema; há ainda
lacunas entre sua própria experiência e o
normas e práticas consuetudinárias, o que
repertório linguístico e cultural.
confirma a ideia de instabilidade dos ritos da
gênese editorial. 11. Alguns entendem que basta aplicar o molde da
gramática normativa, dos dicionários e dos
5. A mediação linguística, como atividade
manuais de redação, como se as necessidades da
comunicativa da revisão, inclui ações nas quais o
comunicação não transpusessem os limites
revisor desempenha o papel de intermediário,
normativos das instituições.
mediador entre diferentes interlocutores que
falam o mesmo idioma. 12. O papel de mediação praticado pelo revisor entre
o autor e o leitor, exercido, muitas vezes, sobre a
6. A dificuldade de comunicação pode resultar de
mídia, passa a ser desempenhado em todo o
diferenças de idioma ou terminológicas; falta de
processo editorial.
proficiência no outro idioma ou no registro;
lacunas cognitivas, falta de informações
8-230

8.2 MEDIAÇÃO E MEDIAÇÕES

Neste livro, estamos chamando de mediação a participação do revisor na intercessão do


conjunto de processos de produção, revisão e nos questionamentos que permeiam a avaliação
qualitativa dos objetos (textos). Trata-se, a bem dizer, de uma metaintercessão, pois essa
mediação permeia a intercessão de processos pela intercessão do revisor. Portanto, os critérios
valorativos e de formação de juízos propostos são elementos de mediação no sentido em que
estamos lidando.

Refletimos até aqui sobre formas de se escrever um texto bem ajustado às restrições da
comunicação escrita, acerca dos processos cognitivos que precisam ser mobilizados e a da
forma pela qual eles podem ser invocados para alcançar um bom desempenho editorial, também
apontamos tangencialmente estratégias de produção e redação que garantam, em tese, a
obtenção de documentos considerados de boa qualidade. Abordamos essas questões, que são
colocadas por psicólogos e psicolinguistas, sem nos limitarmos a equacionar as operações
envolvidas na produção do texto e comentando sobre a adaptabilidade funcional dos autores e
revisores. Relacionamos esses elementos que estivemos discutindo sempre da ótica do revisor,
indiciando sua mediação nos procedimentos aventados. Vamos retomar alguns dos pontos já
tratados para ressaltar neles a mediação exercida pelo revisor, ou as mediações, sob mais de
uma ótica.

São três os processos cognitivos subjacentes à atividade de escrever textos:


planejamento, textualização e revisão.160 O planejamento permite ao autor recuperar
informações da memória de longo prazo e (re)organizá-las, se necessário. Na textualização, o
autor traduz seu conhecimento em linguagem de acordo com os padrões e convenções da língua,
dependendo das restrições de comunicação (destino, conteúdo) que estiverem impostas ou das
aberturas que ele forçar ao sistema. Nesse processo, o arcabouço das memórias de longo prazo,
os dados e as inferências obtidas são cognitivamente gestados e graficamente registrados. O
procedimento de revisão permite a detecção de discrepâncias entre o texto produzido e os
padrões linguísticos ou as próprias intenções do autor.

160 (HAYES e FLOWER, 1980).


8-231

Os grupos de pesquisa sobre a escrita de textos tomaram duas direções. 161 Uma delas
segue a modelagem da produção oral, ligada aos diferentes aspectos da produção textual
(ortografia, lexicologia, sintaxe). Outra é sintonizada com as perspectivas de que a escrita de
texto é processo de resolução de problemas,162 destacando as características funcionais de
planejamento e de revisão (semiologia, semântica, comunicabilidade).

Observamos e compreendemos diversos modos de mediação ou mediações relacionadas


ao revisor de textos, algumas das quais completamente inerentes à atividade da revisão em
sentido estreito, outras que se inserem na atividade do revisor em sentido mais largo; as
primeiras, mais próprias do revisor, são as mediações linguísticas – que serão objeto de nosso
último capítulo, as seguintes são as mediações extralinguísticas – das quais trataremos agora, e
que dividimos em dois grandes grupos, para melhor compreensão: mediação funcional – de que
trataremos neste capítulo, e mediação gerencial – no capítulo subsequente.

No contexto da explicação do psiquismo humano, o termo mediação é utilizado para


designar a função que os sistemas de signos desempenham nas relações entre os indivíduos e
deles com o meio. Se nós criamos instrumentos e sistemas de signos que nos permitem conhecer
e transformar o mundo, a mediação dos sistemas de signos constitui o que conhecemos como
mediação semiótica. Os signos são representações que remetem ao objeto em virtude da relação
artificial e variável que nós estabelecemos entre eles. Todavia, decifrar os signos é operação
que transcende a interpretação sinalética imediata, pois implica um processo de análise
totalmente abstrato. Trata-se de atividade mental que pode ser vista como o elo lógico que liga
a sinalética à semiótica.

Ao reinterpretar o “ato instrumental” com base na função da linguagem, Vygotsky


escolheu como “unidade de análise” o significado da palavra, o que lhe permite avançar na
análise das relações entre pensamento e linguagem, problema semântico (pois é indissociável
da palavra), e problema psicológico (como generalização ou conceito, fenômeno do
pensamento).163

A mediação dos significados encontra-se na natureza da linguagem como sistema de


signos reversíveis, organizado em padrões de multifuncionalidade, comunicação e

161 (PIOLAT, ROUSSEY e THUNIN, 1997).


162 (HAYES e FLOWER, 1980).
163 (BAUMGARTEL, 2018).
8-232

generalização. O padrão generalizante do significado das palavras permite o exercício das


funções representativa e comunicativa da linguagem que, interligadas, a articulam ao
pensamento.

As generalizações do significado das palavras e correspondente desenvolvimento da


interação social estão relacionados aos dois usos dos signos linguísticos: o indexical (a presença
do objeto implica sua individualidade) e o simbólico (a ausência do objeto implica sua
generalidade). Essas funções relacionam-se aos processos de contextualização e
descontextualização, respectivamente. A contextualização confere aos hipônimos significação
particularizada, emprestando-lhe sentido e valor. A descontextualização faz os hiperônimos
representantes abstratos de totalidades genéricas, determinadas historicamente.

A função significativa do significado das palavras varia em razão da sua


contextualização, processada por uma série segmentada e heterogênea de mimeses; em função
dessa descontinuidade e desuniformidade, a relação entre os elementos do signo linguístico não
é constante, não é direta e tampouco natural. O sentido histórico e contextual predomina sobre
o significado da palavra. O sentido é a soma dos eventos psicológicos que a palavra evoca na
consciência, por exemplo, as emoções e as sensações. O sentido é um fluido no qual o
significado é construção social e temporal, de origem convencional e de natureza relativamente
estável, com algumas constantes que tornam a comunicação possível. As alterações de sentido
não afetam a estabilidade do significado. As palavras adquirem sentido e o expressam no
contexto do discurso. A variação de contexto implica, consequente, mas não necessariamente,
variação de sentido.

A palavra está sempre carregada de conteúdo e de sentido ideológico ou vivencial. A


significação real, ou a melhor significação, do enunciado está determinada pela interação de
sujeitos e suas múltiplas perspectivas ideológicas, representações de diferentes posições sociais
na estrutura da sociedade. Por isso, todo discurso é ideológico e polêmico. Por isso, todo
discurso é passível e carente de mediação, entre sujeitos e tempos distintos, que não
compartilhem exatamente a mesma significação dos signos.164

Entendemos que os passos mais relevantes dos processos mediativos decorrem de uma
série de mimeses ou incorrem nelas, estabelecidas entre o discurso original e o mediador. A
mediação mais próxima da revisão, e situada nesse grupo, é a mediação linguística. Ainda

164 (SIRGADO, 2000).


8-233

observamos a atividade cognitiva, no mesmo grupo, como a mediação entre dois polos do
conhecimento, simplificadamente por enquanto; observamos ainda a mediação pelas diferentes
mídias, das quais decorrem algumas consequências para a revisão e que demandam estratégias
às quais nos referiremos; essas mídias, muitas das vezes, são de natureza tecnológica e exigem
algumas considerações relativas a essa essência extralinguística; o discurso normativo surge
quase como obstáculo, pelo menos como intercurso da mediação do revisor; ainda nesse grande
grupo da mediação funcional apontamos a presença das atividades de controle como mediação,
já encaminhando para o segundo grupo, o das atividade de gestão que preferimos mencionar
como mediação gerencial, por eufonia; aqui se agrupam todas as atividades extralinguísticas
que têm decorrência da atividade do revisor, com zonas de conflito e atrito nas quais a mediação
é invocada; a mediação textual, um viés da mediação linguística no qual culmina a revisão, tem
também conexões com aspectos semióticos; é na retextualização mediativa que ocorre a
transcendência entre os aspectos normativos da revisão – que ficam longe de serem descartados
– e a subsunção da atividade a paradigmas comunicacionais e sociointeracionais condizentes,
liame entre as peias da gramática e as dinâmicas da língua.

A mimese que restringe ou expõe a legibilidade (solapando a construção de


enquadramentos perceptuais fixados inclusive em gêneros) sugere a busca por uma dimensão
referencial mimética (e mina sua recepção como sensorial e energética), colaborando
dialeticamente para garantir a especificidade da experiência comunicativa bem como a
relevância da obra e da experiência em relação a um contexto social empírico e sua legibilidade
histórica por um coletivo que denominamos leitores.

A mediação, percebida a partir de tal mimese, expõe na legibilidade da obra a forma


pela qual ela articula padrões sociais materializados. Trata-se de espécie de legibilidade
material precariamente estabilizada e padronizada que está agindo no interior da mimese. Ela é
necessária para que a mimese possa representar o status quo e as potencialidades semânticas
críticas (seja em retrospectiva ou como antecipação) que surgem desse status quo e se revertem
a ele.165

O revisor tem papel de “coadjuvante” ao interceder no processo de trâmite entre as


mensagens e os sujeitos, e de mediador no processo de retorno ao texto, ou em mais de um
desses processos, desempenhando papel social ativo, o de intermediário entre diferentes

165 (BAUMGARTEL, 2018).


8-234

interlocutores ao (re)formular a escritura ou (re)construir o significado da mensagem.


Finalmente, indicamos a existência da mediação pedagógica – aquela que integra as etapas de
revisão no contexto do letramento, à qual não nos dedicaremos, pois a revisão na situação
educacional não faz parte do ofício do revisor, mas podemos dizer que ela engloba a mediação
cognitiva com intercessões em diversas outras do grupo funcional, ela facilita o acesso ao
conhecimento, incentiva os alunos a desenvolver seu pensamento, a estabelecer relações e
trocas, para cooperar e resolver problemas. A mediação, inclusive no letramento, implica
habilidades e requer recursos linguísticos, comunicativos, interacionais, estratégicos, metódicas
e interculturais.166

Compreendemos mediação como fenômeno vinculado aos processos de comunicação


inerente à teoria social em que ela surge como conceito operativo e categoria de análise. Os
meios de comunicação medeiam os campos sociais e são instrumentais na organização da
sociedade. São reconhecidas três operações mediadoras, nesses contextos:

• a mediação institucional: ocorre na seleção dos acontecimentos;

• a mediação cognitiva: opera sobre relatos que oferecem às audiências ou leitores


modelos de representação do mundo;

• mediação estrutural: oferece modelos de produção de comunicação, modelos de


produção dos relatos, é onde a mediação cognitiva adquire visibilidade.

Do ponto de vista cognitivo, em sua forma básica, a mediação é a ocorrência


(novamente: intercorrência ou decorrência) de processos cognitivos após a apresentação de um
estímulo, de modo que o comportamento (ou conhecimento) subsequente da resposta seja
alterado. A mediação cognitiva pode incluir sugestão, interpretação, recuperação de
informações, julgamentos e avaliações, raciocínio e outros processos mentais. Esses processos
podem ser conscientes ou inconscientes (elucidados racional ou automaticamente) e podem ser
diferenciados dos mediadores afetivos, que envolvem processos emocionais, ou mediadores
sociais, linguísticos, midiáticos e outros mais.

166 (HALLET, 2008).


8-235

8.3 MEDIAÇÃO E MIMESE

Platão estabelece três aspectos em que podem assentar os pontos de contato existentes
entre imagens e textos: o ontológico, o gnosiológico e o psicológico; vale dizer, o âmbito da
essência própria da atividade: a imitação (μίμησις – mímesis), a reapropriação dos
conhecimentos, dos lugares comuns, inexistentes em relação à fabricação e ao uso do que está
a representar, mas apenas no que toca sua
Figura 3 – Mimese em Platão.
aparência e aos efeitos produzidos no
espectador.167 A relação entre esses aspectos foi
compreendida como circular e contínua.

Na expressão platônica, essa mimese


transversal, reapropriação entre campos de
expressão distintos, se processa no campo
gnosiológico, mas permite melhor aproximação
do ser pelo aprofundamento da emulação
mimética e, consequentemente, produzirá efeitos
psicológicos mais abrangentes.

Na arte discreta – no sentido retórico de oposição à arte da nescidade; como oposição


entre high art and low ou grand art et l’art trivial – arte erudita ou popular, é que se encontra
o maior potencial para a criação de imagens ligadas à palavra escrita, quando elegemos
diferentes corpos e famílias tipográficas (fontes – em editoração eletrônica), cores e
disposições, formando novos universos de relações e significados com os objetos do mundo.168

A proposta de abordagem comparativa, transversal e interdisciplinar de mimese parte


da atitude hermenêutica e heurística para com os diversos saberes visando instaurar diálogo
entre eles, construindo conhecimentos válidos para a estrutura e os métodos da prática da
revisão no contexto atual. Trata-se de atitude de reinterpretação dos conhecimentos teóricos,
sistematizados para a descoberta de conceitos e referências metalinguísticos.169

A transversalidade proposta refere-se ao colateral, ao que passa ou atravessa os objetos


significativos. Remete à ideia de fenda, abertura, alinhamento em outra direção. É abertura à

167 Adaptado de (MORA, 2004).


168 (LIMA, 2004).
169 Adaptado de (ATHAYDE, 2007).
8-236

possibilidade metodológica para intercessão, ao alinhar os conteúdos tópicos em outra direção,


estabelecendo novas relações entre os pontos de vista: os que são teoricamente sistematizados
e emulados das artes eruditas na produção de textos e os que estão na vivência, no cotidiano
autoral. A transversalidade é estratégia de resgate da percepção ampla da realidade mediante
emprego de elementos de potencial significativo que, no campo da revisão, configuram a
interferência no texto alterno. A intercessão do revisor é reabertura, possibilidade fática para
transversalidade, ao realinhar os conteúdos tópicos mantendo a direção prévia, reestabelecendo
as relações havidas entre os pontos de vista, as conexões, os conectores. A intercessão é produto
da estratégia de resgate da percepção ampla da realidade mediante reemprego de elementos
significativos que configuram a mediação da revisão.

O limite da transversalidade seria o que os sofistas definiram como programa de paideia


cíclica (ou enciclopédia, conjunto de todas as ciências – ενκυκλιοσ παιδεια), preocupando-se
com a compreensão generalista no limite (im)possível da completude. O programa da paideia
foi retomado e elaborado pelos retóricos romanos, que transmitiram o esquema das orbis
doctrinæ (doctrinarum orbem) aos mestres do ensino medieval. A ideia foi retomada por
Diderot e D’Alembert. Essa visão globalizante, no sentido da mimese universal, se opõe à
disciplinaridade disjuntiva, segmentação de significações e de referenciais. O conhecimento
disjuntivo, estanque, propugna a objetividade asséptica e tem a subjetividade eliminada, o
sujeito é excluído do processo e, em seguida, é reificado: “a objetividade instalada como critério
supremo de verdade teve uma consequência inevitável: a transformação do sujeito em objeto”.
170

Esse modelo disciplinar ou estético separatista desvincula o conhecimento da


sinuosidade, complexidade e multiplicidade do cotidiano, constituindo-se de teorias abstratas,
lineares, monótonas. Os conteúdos fracionados e reduzidos a fórmulas analíticas quantitativas
desfiguram o dinamismo qualitativo do ser, das coisas, das interligações existentes entre parte
e todo. A segmentação analítico-funcional e estética denegou o ontológico, a compreensão
expressiva do ser em sua unitas multiplex, a inteireza e a complexidade das coisas, dos seres,
dos signos.

Mesmo a dicotomia arte-ciência é empobrecedora, veda o universo sensorial, obsta a


imaginação (principalmente dos leigos). É a ciência positiva, matematizada, fria e tecnicista

170 (NICOLESCU, 1999, p. 18).


8-237

(obsoleta!), isolando filosoficamente o homem social.171 Descartar a ciência no processo


inventivo é abandonar o elemento gnosiológico do contato entre imagem e texto no discurso
platônico, ou entre a realidade e o escrito. Descartar a arte no conhecimento científico é relegar
ou negar o papel do sujeito na construção do saber.

Não se trata de enveredamos por uma discussão estéril reclamando um status para a
revisão situado entre a arte e a ciência, sequer em uma ou outra direção. Não consideramos que
viesse a ser contributivo e seria uma vereda de romantização do ofício. Nossa posição é
reafirmar o caráter subjetivo da revisão e reconhecer nele a mediação do revisor como persona,
ainda que situemos essa posição do profissional em camadas bem internas de sua atividade e,
até, em vieses resquiciais, mas cuja presença é detectável e precisa permanecer, se não evidente,
pelo menos manifesta – em benefício da honestidade intelectual para com o autor e o leitor.

Na concepção medieval de composição textual como ato contínuo de reescrita a partir


de modelos discursivos que assumem a paternidade textual (auctoritas) – real ou fictícia,
venerada ou sepultada – que cauciona o acesso à palavra, surge a noção aristotélica de mimese
entendida como operação dinâmica produtora de sentido e de formas, consubstancial ao
processo de representação, e totalmente alheia, por conseguinte, à lógica da reprodução. Em tal
contexto, a sequência de mimeses se encadeia como: (i) a experiência do tempo pré-configurado
que antecede, enquanto pré-compreensão do mundo, a própria expressão textual; (ii) a
configuração narrativa que instaura a mediação entre a primeira e terceira mimeses; (iii) a
remissão do ato de leitura, recepção, reconfiguração temporal que resulta da intersecção de dois
sistemas – ou duas esferas (ontológicas e fenomenológicas) – de percepção e de
representação.172

A mimese (i) se configura como o elo de fundo cultural que é deslocado, transposto no
movimento para a mimese (ii), no qual o elo é rompido, para ser, posteriormente, na mimese

171 (PEDROSA, 2006).


172 (RICœR, 1983, p. 57).
8-238

(iii), (re)apropriado pelo leitor. A mimese Figura 4 – Encadeamento da sequência de mimeses


ultrapassa sua função de configuração para
reforçar a função de mediação, que conduz,
pelo papel de (re)figuração, de um ponto de
partida do texto ao ponto de chegada do texto.
Em nosso contexto, trata-se da transposição da
mídia entre autor e alvo, perpassando a
mediação do revisor. Nesse sentido, a relação
que há entre os sujeitos se estabelece e pode ser
compreendida como mimese de ação, já que,
ao mesmo tempo que é mediação como
prefiguração, configuração e (re)figuração, faz
a mediação entre tempo, espaço, sujeitos e
narrativa, pois só há tempo pensado quando
narrado. Esse processo mediativo, hermenêutico da mimese se dá, e é necessário, porque é
impossível configurar a ação humana e o pensamento e (re)figurá-los completamente na escrita
ou na leitura. A função mimética da revisão não é apenas aplicação particular da referência
metafórica na esfera do agir humano, pois se exerce além do campo das ações e de seus valores
temporais, enquanto a redescrição metafórica reina no campo dos valores sensoriais, estéticos
e axiológicos. Dessa forma, a revisão, como mimese e mediação, se coloca entre o tempo e a
narrativa por sua função mediadora, de refiguração e translação. Essa posição traz importante
questão sobre a qual nos deteremos: a função mediadora que a mimese assume na ação do
revisor.173

8.4 MEDIAÇÃO E REVISÃO

Por mediação, entendemos qualquer operação, qualquer dispositivo, qualquer


intervenção que, em determinado contexto social, pretenda reduzir a distância entre dois ou
mais polos distintos que estejam em tensão entre si. O termo tensão assume o significado de
“rota de colisão”, enquanto os polos dizem respeito, por um lado, a atores sociais e, por outro,
a formas e diversidades, diferenças culturais, valores alternos e novos conhecimentos. A

173 (CAIMI, 2004).


8-239

mediação linguística como atividade comunicativa inclui atividades em que o mediador atua
como intermediário entre diferentes interlocutores.174

Em vez de falar da mediação como uma das habilidades do revisor, ou uma de suas
formas de atuação, preferimos adotar a abordagem que descreve a mediação como aptidão
complexa cujo processo pressupõe e reúne outros, como conhecimentos e atos linguísticos,
comunicativos, interacionais, estratégicos, metódicos e interculturais.175 A mediação
linguística, como prática comunicativa da revisão, inclui atividades nas quais o revisor
desempenha o papel de intermediário, mediador entre diferentes interlocutores que falam o
mesmo idioma, ou aproximadamente o mesmo; em se tratando de idiomas distintos, trata-se da
seara do tradutor. Diante do exposto, acreditamos que a introdução da mediação linguística
como aspecto da revisão profissional constitua abordagem progressiva e diferenciada das
práticas de revisão normalmente em curso. É nesse sentido que compreendemos o conceito de
mediação com que estamos trabalhando.

Esse processo complexo é ilustrado no diagrama que representa seus diferentes estágios.
No centro está o ato comunicativo de mediação, que consiste em adaptar o texto ou a afirmação
de acordo com a situação comunicativa e seu receptor.

Figura 5 – Esquema do processo de mediação linguística

Fonte: adaptado de (HALLET, 2008, p. 4).

Ao contrário da revisão procedimental, mecânica, ou mesmo em suas diferentes


abordagens linguísticas mais complexas, a mediação, em termos didáticos, concentra-se mais
na situação comunicativa que no texto original. Quase nunca envolve a criação de um texto de
destino equivalente ao texto original, mas inclui modificações, dependendo da situação da
comunicação. A mediação pode requerer, entre outras coisas, as habilidades e exercícios de
síntese, resumo, paráfrase, citação, apostilamento e adequação. Consequentemente, o mediador
assume papel mais interativo entre os sujeitos e de bem mais interferência sobre o original que

174 Adaptado de (BIEDERMANN, 2014).


175 (HALLET, 2008, p. 4).
8-240

o revisor na maioria das intercessões não mediativas. O conteúdo é muito mais importante que
a fórmula sintática, a retórica canônica ou expressão autoral, o que também se reflete nas
fórmulas de avaliação ou juízos oferecidos. A ênfase é maior nos critérios de comunicação e no
uso de estratégias que na correção linguística e mesmo na inteligibilidade; não se trata melhor
a fluência, trata-se de (trans)portar a mensagem. Embora o treinamento profissional do revisor
insista em trabalhar focado na língua materna, as atividades de mediação linguística se
concentram na transferência de conteúdo entre os sujeitos. Existe também a possibilidade de
usar uma gama maior de fontes e recursos ou fazer perguntas em caso de dúvida, algo que
também é valorizado como estratégia de comunicação.176

A mediação do revisor, exercida em meio à construção compartilhada de conceitos com


os sujeitos ativos da produção literária estabelece o critério da dialogia digital. A mediação
acarreta o necessário respeito ao tempo e ao texto, sem que a intencionalidade do mediador se
imponha a suas singularidades. Nesse sentido, o revisor-mediador simpatizante da dialogia
digital deve atentar ao momento mais adequado para suas intervenções, de forma que elas
realmente vinculem-se à demanda do autor e dos leitores. A preocupação é viabilizar a
possibilidade de utilização dos múltiplos códigos semióticos (imagens, textos, hipertextos), em
respeito aos estilos, gêneros, demandas e características culturais singulares dos sujeitos.

A análise de conteúdo das trocas intertextuais materializadas pelas interferências e a


análise fenomenológica dos discursos dos sujeitos conduzem percepção de que a mediação
dialógica pode vir a favorecer a comunicação autêntica entre sujeitos de diversos contextos,
como tal compreendida a otimização da mídia, de modo a viabilizar a percepção mais acurada
dos documentos, ampliando-lhes a perspectiva de alteridade sem macular-lhes a
intersubjetividade. Isso deve ocorrer em movimento pendular de imersão na cultura e na
emergência da individualidade, consideradas as variáveis socioambientais e o tempo das ações.
O mediador deve focar não só as intervenções conceituais e reflexivas, mas também as afetivas,
por incitarem as manifestações pessoais e coletivas. Por fim, as intervenções problematizadoras
também devem estar no bojo da mediação dialógica, por estarem em consonância com
princípios da construção emancipadora de conhecimento.

A abordagem fenomenológica dos discursos dos sujeitos indica que o mediador, em


ambiente revisão dialógica, não pode ser destituído da autoria do conteúdo da interação, o

176 Adaptado de (BIEDERMANN, 2014).


8-241

tempo de interação deve ser conduzido pelos interlocutores, o que pode gerar acúmulo de
tarefas a serem realizadas em pouco tempo, e sem demora das devolutivas do mediador, com
consequente ausência de sincronia entre as interações e a construção de conhecimento. 177

8.5 MEDIAÇÃO CULTURAL

Em seu sentido mais amplo, mediar significa agir como intermediário no conflito entre
as partes, a fim de ajudar a obter acordo. Essa mediação, geralmente, ocorre em disputas
políticas e industriais, por exemplo, mas também na esfera doméstica. No campo cultural,
mediação passou a ter significado igualmente importante: ajudar as pessoas a se comunicarem
efetivamente umas com as outras quando falam línguas diferentes, não entendem certos termos
ou conceitos ou quando estão lidando com situações ou ideias que são novas para elas. As
atividades de mediação cultural tornam possível a comunicação entre pessoas que, por qualquer
motivo, não podem se comunicar diretamente com clareza. A mediação fornece a terceiros uma
(re)formulação do original ao qual esse terceiro não tem acesso direto, por qualquer barreira
que lhe seja imposta. A mediação cultural é o (re)processamento da informação existente e
ocupa lugar importante no funcionamento normal de nossas sociedades.178

A dificuldade de comunicação pode resultar de diferenças de idioma ou terminológicas;


falta de proficiência no outro idioma ou no registro (por exemplo, entre falantes de diferentes
idiomas ou entre especialistas em determinado campo e não especialistas); lacunas cognitivas,
desconhecimento de conceitos ou processos (por exemplo, causados por acesso insuficiente à
educação, baixa alfabetização ou desenvolvimento cognitivo insuficiente); falta de informações
relevantes (por exemplo, sobre como se candidatar a moradia); diferenças culturais (por
exemplo, relacionadas a conceitos de polidez ou pontualidade); ou déficit sensorial (por
exemplo, visão parcial, redução na capacidade auditiva). Essas são certamente situações que
provavelmente enfrentarão os migrantes que chegam ou se estabelecem em um novo país
anfitrião. A mediação é, portanto, muito importante para eles e para quem é novo em um país,
sua língua e sua cultura. De fato, algumas dessas dificuldades são comuns a todos nós. Assim,
a mediação é parte normal da educação e do ensino na da maioria dos tipos de aprendizado e
da vida.

177 Adaptado de (PESCE, 2003).


178 (COUNCIL OF EUROPE, 2001).
8-242

Embora a comunicação linguística seja a mais útil, os meios de mediação mais


frequentemente utilizados e versáteis, elementos não linguísticos, como apontar, gesticular,
sinalizar (por exemplo, nas estradas) e desenhar mapas ou esquemas, também podem ser formas
úteis de mediação de informações e compreensão. Além disso, os dispositivos eletrônicos com
acesso à internet oferecem vários meios, geralmente interativos, de se lidar com as lacunas no
entendimento por meio de texto escrito, imagens e tradução automática.

É provável que os migrantes de todas as idades, mas principalmente os adultos, precisem


de apoio na forma de mediação linguística e cultural de seus interlocutores na sociedade anfitriã,
inclusive de pessoas que já passaram pela experiência de migração, ou de colegas migrantes
que têm idioma compartilhado e agora são menos afetados pelos problemas apresentados e, é
claro, de voluntários que trabalham com migrantes. Essa mediação pode ser fornecida por
canais formais ou informalmente. Por exemplo, muitos escritórios governamentais e centros
comunitários fornecem traduções para alguns idiomas de migrantes em seus sites ou em formato
impresso. Alguns também oferecem consulta e orientação para aqueles que precisam deles para
fazer arranjos na sociedade anfitriã em relação a moradia, saúde, emprego e apoio financeiro,
e, em alguns casos, também há suporte com intérpretes. Além disso, os professores que
trabalham em cursos de língua e conhecimento da sociedade e os voluntários geralmente se
veem desempenhando o papel de mediadores. É importante que os envolvidos na mediação com
os migrantes entendam e aceitem a considerável responsabilidade que o papel de mediador
envolve. Eles estão efetivamente ajudando a entrada dos migrantes em uma nova comunidade
que é (em diferentes graus) diferente do que sabem, com suas próprias normas, convenções e
práticas linguísticas e culturais. Dependendo de suas origens individuais, esse processo de
mudança de vida pode ser difícil e caótico para migrantes e requerentes de asilo e pode exigir
a superação de muitos obstáculos. Podem ser necessárias atitudes de mediação específicas,
dependendo da percepção individual dos migrantes sobre o que é novo e diferente, de sua
capacidade de integrar-se e participar do novo grupo social e das dificuldades específicas que
eles enfrentam.

Os cursos formais de idiomas e o apoio informal podem contribuir muito para a


capacidade dos migrantes adultos de buscar mediação linguística e cultural para si quando
necessário, e podem permitir que os migrantes se tornem mais confiantes e independentes em
diminuir as lacunas entre sua própria experiência e seus repertórios linguístico e cultural, por
um lado, e o que é desconhecido, estranho ou incompreensível para eles em seu novo ambiente,
8-243

por outro. Os cursos formais de idiomas podem envolver atividades que proporcionam aos
migrantes prática e experiência em pedir informações, obter ajuda linguística (por exemplo,
“desculpe, você poderia falar mais devagar, o que xxx significa?”), orientação cultural (“devo
chamá-la de dona Maria?”) ou instruções para um destino. As atividades organizadas pelo
mediador também podem ajudar os migrantes adultos a obter mediação linguística e cultural e
informações práticas de forma independente, por exemplo, usando a internet, consultando
dicionários on-line e fazendo contato com agências relevantes. Além disso, as atividades como
dramatização e simulação na sala de aula e a prática de parafrasear podem permitir que os
migrantes se ponham na posição de pessoas capazes de fornecer mediação linguística e cultural
a outras pessoas. A mediação que os revisores podem oferecer pode ser bem simples, como
mostrar a alguém o caminho, explicar o que significa uma palavra ou nome, responder
perguntas sobre costumes ou aspectos da vida cotidiana, da cultura ou da religião com os quais
eles não estejam familiarizados. Porém, aprender a procurar e a oferecer assistência de
mediação aumentará a conscientização dos migrantes sobre o idioma usado para fins de
mediação e desenvolverá suas estratégias de mediação. Também pode melhorar a confiança
geral dos indivíduos portadores de déficit comunicacional como participantes da sociedade
anfitriã e aumentar sua autoestima. Os mediadores que organizam essas atividades, inclusive
revisores que exercerem tal mediação, precisam primeiro avaliar, por meio de diagnóstico
informal, que mediação linguística e cultural apoia cada sujeito e, provavelmente, em que
medida eles já são capazes de buscar esse apoio e fornecê-lo a outros.

É improvável que a mediação linguística formal das agências governamentais, dos


cursos de idiomas e do conhecimento da sociedade seja suficiente do ponto de vista de
migrantes individuais que levam suas vidas diárias e precisam ganhar posição na nova
sociedade. Aprendizagem informal também é crucial nesse processo, especialmente a mediação
que outras pessoas da comunidade – empregadores, prestadores de serviços, vizinhos, público
em geral e outros migrantes – podem fornecer por meio de suas interações com os migrantes.
A integração é comumente descrita como processo bidirecional. Com demasiada frequência, no
entanto, os membros da comunidade anfitriã desconhecem o papel que podem desempenhar no
processo de integração. É necessária mais ênfase no combate à discriminação, xenofobia e
preconceito na educação formal e informal e nas campanhas publicitárias; são necessárias mais
iniciativas para melhorar a compreensão, pela comunidade anfitriã, da mediação linguística e
cultural que eles podem fornecer informalmente para pessoas que ainda não possuem
proficiência no idioma ou entendimento completo da cultura e das normas da sociedade anfitriã.
8-244

Estar disposto a fornecer esse apoio e aprender sobre as culturas e as situações das quais os
migrantes vêm são maneiras de reduzir a distância entre aqueles que cresceram na comunidade
anfitriã e os migrantes que se instalam nela, e meios para a comunidade anfitriã desempenhar
seu papel no processo de integração.

8.6 MEDIAÇÃO ESTRATÉGICA

Compreendemos por mediação estratégica o modo pelo qual as pessoas utilizam meios,
instrumentais e simbólicos, para intermediar suas atividades e suas percepções, envolvendo a
interação com o outro e com o mundo. Isso implica a compreensão de que, ao vivenciar de
forma compartilhada a experiência, os sujeitos recorrem a meios que potencializam sua
mensagem, buscando formas de melhor entendimento e de efetivação da comunicação. Nessa
dinâmica, são passíveis as construções cognitivas, assim como mobilização de afetos,
motivações, condutas ou modos de interação, que se reorganizam singularizando os sujeitos.179

As bases teóricas que fundamentam as estratégias conscientes de mediação linguística


encontram suporte na teoria histórico-cultural de Vygotsky sobre o desenvolvimento,
compreendido como processo eminentemente social, e na teoria de Bakhtin, especialmente em
seu pressuposto acerca da linguagem como processo enunciativo, dialógico e constitutivo da
subjetividade.

A análise dos processos de mediação à luz da teoria histórico-cultural ou sócio-histórica


tem possibilitado a compreensão desses fenômenos como mutuamente implicados e
socialmente construídos. Nessa perspectiva, as situações de interação social assumem papel
decisivo, pois são concebidas como o espaço simbólico da constituição de subjetividades. Os
processos interacionais e as implicações sobre o movimento dialético da mediação envolvem
múltiplos processos psicológicos. Ao tratar a mediação em perspectiva histórico-cultural, é
necessário esclarecer que ela não se restringe às relações sociais diretas ou face a face, mas
também representa as interações pelas ferramentas culturais, técnicas ou simbólicas, que se
identificam na atividade humana, inclusive pela mediação linguística.

179 Condensado e adaptado de (COLAÇO, PEREIRA, et al., 2007).


8-245

Os conceitos de atividade discursiva, considerada como integração entre ação e


linguagem, como elemento de interação social e de construção compartilhada de conhecimento
e de subjetividade, nos ajudam a compreender a mediação em relação intrínseca com a língua.

A proposta da teoria histórico-cultural, ao discutir a mediação, aponta que ela gera


desenvolvimento impulsionado pela aprendizagem. Aprender implica estar com o outro, que é
mediador, e essa interação promove novas relações, fazendo da comunicação um processo que
ocorre no indivíduo para si e para o outro, gerando construções sociais.

Apesar das críticas e limitações que podem ser feitas e se notam em relação às noções
iniciais dessa compreensão da mediação, ela se apresenta como perspectiva inovadora;
principalmente para o contexto da revisão de textos, constituindo-se como agregadora de vários
elementos da teoria histórico-cultural, ao ancorar-se em proposta de comunicação mediada,
prospectiva, baseada em mudanças não apenas quantitativas, mas qualitativas no processo da
revisão.

O espaço simbólico de construção ocorre na relação de mediação dialógica, envolvendo


aprendizagens as mais diversas, até mesmo sobre padrões de conduta e processos
comunicativos históricos. No processo de interação, não apenas conteúdos e condutas, mas a
própria expressão de sentimentos aponta para a construção de subjetividade na disputa,
reprodução e negociação de papéis e valores sociais.

Dessa forma, compreendemos as mediações processadas pelas interferências do revisor


como processos privilegiados de mediação semiótica; fundamentalmente, a intercessão é
governada não por leis biológicas ou normas cogentes, senão pelo desenvolvimento cultural,
implicadas nas transformações históricas e sociais. A presença de estímulos criados (signos)
junto de estímulos dados é característica essencial da comunicação humana e da linguagem. Os
signos são ferramentas que, analisadas à luz do materialismo histórico-dialético, promovem a
construção e a desconstrução cíclicas e suas respectivas sínteses. Por conseguinte, a linguagem
é compreendida não apenas no domínio da língua, mas também no discurso da vida.

Nesse processo de interação social, o sujeito, pelas mediações intersubjetivas, se


apropria da cultura de forma qualitativamente diferenciada, transformando o mundo e a si, em
criativa, singular e compartilhada construção. É pelo olhar do outro que me comunico com meu
interior. Analisar essas questões remete-nos ao conceito de dialogia, em que Bakhtin acentua o
caráter social e constitutivo da linguagem e a relação intersubjetiva que se estabelece no ato da
8-246

fala, traduzida na multiplicidade de vozes da vida social e ideológica em diferentes cenários.


Dialogia como processo de interação ativa e de mútua constituição entre os diferentes
interlocutores, cujos discursos, em quaisquer contextos, evidenciam a presença da polifonia que
os constitui.

As estratégias que levam a resultado efetivo variam de acordo com a mediação e,


portanto, incluem estratégias de produção, recepção, revisão e publicação de textos.180 As
estratégias requerem a consideração e o sopesamento do conhecimento prévio dos sujeitos, o
processamento das informações (existentes e ausentes), adaptações de idioma ou de idioleto e
podem compreender, entre outras, as estratégias que relacionamos:

✓ compreensão de leitura: palavras-chave, suporte visual, localização do


significado de vocabulário desconhecido;

✓ escuta: entonação como auxílio, questionamentos em caso de dúvida;

✓ comunicação oral: técnicas de memorização, compensação linguística;

✓ expressão escrita: anotações, campos semânticos, glossários, textos paralelos,


textos estruturantes.

8.7 MEDIAÇÃO TECNOLÓGICA

O gênero de discurso (até mais que de textos) que requer a chamada mediação
tecnológica se refere a debates, discussões e outras técnicas de comunicação envolvendo tramas
intertextuais e fazendo uso de tecnologia ou remetendo a ela. É atribuído ao termo (mediação
tecnológica) o impacto das incidências da inovação tecnológica no cotidiano das pessoas e
grupos sociais, assim como nos usos criativos das ferramentas da informação em processos
educativos, de trabalho e entretenimento, sejam presenciais ou a distância. Durante a crise
mundial da Covid-19, ademais de outros fatores de distanciamento e demandas preexistentes,
houve recrudescimento agudo do emprego dessas mídias e de eventos afetos a elas. Além disso,
existem campos de construção coletiva já há algum tempo, por exemplo, a Wikipédia, como o
caminho para encorajar discussões e engajamentos por grande parte dos leitores,
transformando-os em coautores, revisores e partícipes do processo criativo e de registros, tais

180 (RÖSSLER, 2009).


8-247

dispositivos costumam ser dotados de ferramentas que incluem mapas e sistemas de pesquisas
que permitem a cartografia da evolução do produto em toda sua gênese e progressos, permitindo
a manutenção das discussões paralelas e contraposições havidas. Com escrita colaborativa
desse tipo, é possível aos participantes separados pela distância e pelo tempo engajarem-se em
debates e construírem o conhecimento juntos.

A tecnologia, no contexto da mediação tecnológica, não pode ser vista como simples
instrumento ou ferramenta. Na ótica de Heidegger, ela deve ser vista com seu usuário, formando
o fim único, ou um ser combinado, algo entre um “magno-autor” e um “hiper-autor”; inclusive,
reificando o autor coletivo pela criação do corpo místico que o represente, trata-se da somatória
de objetos e objetivos que podem realizar uma atividade impossível para as partes em separado
e que nela se realizam. A mediação tecnológica segundo a teoria ator-rede (ou autor-rede) pode
ter quatro significados:181

➢ interferência: quando as proposições se articulam, juntando-se em nova


proposição ou reapresentação, sob novo vestuário, de proposição anterior. Elas
se tornam algo ou alguém diferente. Os atores humanos e as mídias possuem
objetivos e possibilidades independentes, assim como quando suas trajetórias se
encontraram, se cruzam ou se interceptam, seus scripts podem continuar
independentes ou interferirem entre si das mais diversas formas;

➢ composição: papéis provisórios são atribuídos a agentes unicamente porque eles


se acham em processo de permutar competências, oferecendo um ao outro novas
possibilidades, novos objetivos e novas funções. Há simetria que prevalece tanto
no caso da criação quanto no caso do usufruto e que se mantém enquanto a
relação está estabelecida e somente durante ela;

➢ obscurecimento: processo reversível que torna a produção conjunta


inteiramente opaca enquanto ela estiver estável. A tecnologia se converte em
caixas-pretas, pois esconde a complexidade, mantém a integridade e limita a
flexibilidade e as controvérsias;

➢ delegação: um gesto híbrido – seja de criação ou de fruição – transfere atos e


produtos do passado (estável) para o presente (mutável), permitindo a seus

181 Adaptado de (LATOUR, 2011).


8-248

muitos investidores (criadores e fruidores) desaparecer sem deixarem de estar


presentes. Essa mediação se evidencia em sistemas de informática que
restringem o envio de formulários mal preenchidos, permitindo que não seja
necessário haver uma pessoa para realizar essas verificações.

Cabe indicar que, na mediação tecnológica, o papel do revisor está distante daquele que
o profissional assume tradicionalmente, pois fica confundido, quase em inteira promiscuidade
com os papéis dos autores e dos usufrutuários, trata-se de uma situação bem nova para a qual
ainda não identificamos estudos específicos, mas cabe deixar o registro de que notamos o
fenômeno.

Finalmente, abaixo está uma lista de alguns softwares úteis que facilitam o trabalho do
revisor – fica a ressalva de que essa lista ficará obsoleta antes mesmo de piscarmos, mas fica,
desde, já o registro histórico:

• programas de processamento de textos: Microsoft Word 365;

• programas de publicação em desktop: Adobe InDesign, QuarkXPress,


Interleaf/QuickSilver, Adobe PageMaker, Adobe FrameMaker;

• programas de OCR (optical character recognition): Abbyy FineReader,


OmniPage, Presto! OCR, Readiris Pro;

• programas de pintura, desenho e processamento de imagens: CorelDRAW,


Adobe Photoshop;

• programas de gerenciamento de tabelas e bancos de dados: Suite Microsoft 365;

• ferramentas de tradução assistida: memoQ, SDL, Star Transit, Across;

• aplicações de localização: Multilizer, Okapi Framework;

• outras aplicações: gerenciador de fórmulas, editor de notas de voz, AutoCAD,


Visio.

8.8 MEDIAÇÃO TEXTUAL

A mediação da linguagem e dos diversos modelos textuais e culturais que a revisão


necessariamente evoca se processa pela imagem, como puro significante que antecede a
8-249

construção de um significado (de um sentido), e se desenvolve para o texto (e para o mundo: o


público-alvo), a trajetória dela escapa ao autor e ao revisor, ambos como intercessores, fugindo
igualmente, em última instância, ao próprio leitor hermeneuta a quem se lança o desafio de
resolver o insolúvel enigma do texto. O acesso à realidade (como experiência ontológica ou
cognitiva) resulta inevitavelmente do processo de reconfiguração mimético e narrativo dessa
mesma realidade como sistema de representação (ou de representações) que constantemente
convida e interpela o imaginário, pois as instâncias da representação estão tão longe e tão
próximas da realidade quanto os signos podem dar conta dos significados. O revisor, como
intercessor, participa do jogo de mimeses e de múltiplas representações, atuando como mais
um integrante subjetivo e não como agente passivo, para a norma e pela norma, reificado em
escala menor que o próprio escrito na qualidade de objeto das significações. Por conseguinte, é
da mediação da palavra que emerge a realidade do outro.182

Se sugerimos uma relação entre mimese e transversalidade na qual cada dimensão realça
a presença da outra de modo a construir uma espécie de figura oscilante, trata-se da oscilação
que atende tanto à exigência de que o escrito seja relativamente autônomo bem como que seja
objeto com relações referenciais para com a vida empírica (portanto, com possibilidades de
construção de sentido inscritas na obra e não apenas no olhar do leitor). Vale dizer que a obra
seja tanto vida quanto texto. Esse duplo ancoramento atende às exigências filosóficas dos
defensores da autonomia autoral, bem como às exigências de posicionamento e de força
intervencionista para a revisão. Nesse processo, os significantes voltam a assumir papel
preponderante, tornam-se componentes privilegiados de mediação entre a linguagem, o
intertexto, o imaginário e o real.183

Não nos interessa estabelecer a noção de mediação como construção de meio-termo


entre mimese e transversalidade. Esse meio-termo apontaria claramente à intervenção
(ir)realista na qual tanto a mimese quanto a transversalidade podem passar despercebidas por
serem naturalizadas (ou mimetizadas). Na revisão desse escrito não haverá experiência de
intercessão. A insistência na existência da dimensão extracotidiana, até mesmo meramente
normativa, como inerente à revisão nos parece fundamental para poder compreender e valorizar
o modo pelo qual a ação de mediação constrói, além da melhor possível compreensão

182 Adaptado de (CARRETO, 2011).


183 (CARRETO, 2011).
8-250

hermenêutica, uma intervenção que podemos chamar, em nosso campo, de “eficácia da


transversalidade”.184

O acontecimento que faz da obra um texto acontece entre o autor e sujeito receptor de
tal maneira que, de antemão, os sentidos todos não podem ser controlados completamente por
nenhum sujeito, pois a emissão começa com o estranhamento do texto em relação ao costumeiro
modo de compreensão; com a desestabilização fundamental do acesso compreensivo ao escrito;
com a distância peculiar entre os sujeitos que ativa a reflexão e, assim, cria a demanda pela
intercessão. É apenas na confrontação reflexiva do sujeito receptor com as forças que, como
leitor, e de maneira não totalmente controlável, ele desenvolve em relação ao escrito e pode se
mobilizar em seu potencial interpretativo.

Aqui encontramos a noção de texto como concretização da mimese transversal que não
necessita da opsis (ὄψις) pura nem a da stasis (στάσις) escatológica plena. A eficácia da
transversalidade consegue se estabelecer apenas da maneira pela qual, em sua presença textual,
são mediados o contexto semântico estabelecido e a força dessemantizante e ressemantizante
da materialidade. Apenas na colaboração dialética entre a transversalidade material e semântica,
por um lado, e a recepção sensorial, cognitiva e interpretativa, por outro, o escrito consegue
ativar a experiência genuinamente comunicacional na qual ele pode expressar todo seu
potencial de significância; de ser legível e de perturbar o ato de leitura; de ser ele mesmo um
objeto criado que faz perceber no leitor a dinâmica de sua percepção sem se dar conta da
dinâmica do processo da textualização. Essa colaboração dialética estabelece a recepção como
diálogo reflexivo entre leitor e texto que subsiste sem, por isso, sucumbir ao duplo perigo da
instrumentalização: da obra pelo olhar do leitor ou do revisor pelo conteúdo (re)estruturado do
escrito.

Trata-se de colaboração dialética em que se pode perceber como a transversalidade


material possui dimensão semântica específica inscrita, e essa dimensão referencial articula sua
legibilidade apenas por meio da transversalidade. Nesse sentido, a transversalidade é mimética,
(re)criação da imagem de mundo. O fato é que essa relação não existe a não ser como tensão
da abertura no interior da representação que conclama pela (re)interpretação que saiba respeitar
essa abertura. Essa mimese transversal é formalmente constitutiva para qualquer texto,
constituindo esse efeito como ação mediadora da revisão a partir de sua transversalidade. Uma

184 Adaptado de (BAUMGARTEL, 2018).


8-251

espécie de intertextualidade instável agindo no interior da mimese transversal que desloca


leituras (re)estabelecidas e torna perceptível que o texto não pode permanecer preso a leituras
específicas. A intertextualidade é necessária para que a transversalidade possa ser relevante em
sua extracotidianidade para o leitor.

Tomado como mimese, o texto articula e expõe as condições materiais e empíricas que
possibilitam a existência de padrões estabelecidos que garantem a possibilidade de seu
reconhecimento. A mediação percebida a partir da mimese expõe na transversalidade do escrito
o modo pelo qual ele articula padrões sociais materializados. Uma espécie de transversalidade
material precariamente estabilizada e padronizada age no interior da mimese, ela é necessária
para que a mimese possa representar não só o status quo normativo, mas também as
potencialidades semânticas críticas que surgem a partir e no interior do texto como objeto de
múltiplas significações.

8.9 MEDIAÇÃO SEMIÓTICA

O conceito de mediação semiótica possui alcance amplo e compreende pesquisas em


diferentes áreas; a noção destaca-se em relação a outros domínios dos processos cognitivos por
conter dois aspectos importantes para os estudos da mediação no contexto da revisão de textos:
confronta o processo cognitivo individual à semiose linguística e relaciona aspectos específicos
da produção de conceitos em um sujeito a contextos sócio-históricos de um grupo social.

A mediação semiótica pressupõe a relação entre sujeitos, seus produtos e o mundo: esse
acesso é mediado pelo revisor no caso dos produtos textuais. Podem-se enumerar os seguintes
intervenientes na mediação: alguém que medeia, o mediador, o revisor; o objeto que é mediado,
que vai passar pelo procedimento de mediação, um conteúdo, o documento escrito, no nosso
caso; alguém que está sujeito ou é sensibilizado pela mediação, autor ou editor, por exemplo; e
as circunstâncias da mediação, os diferentes modos de mediação, o espaço e o tempo nos quais
a mediação se realiza.

A formação do conceito de mediação semiótica também não é passiva, receptiva, mas


envolve a participação ativa dos sujeitos. Por essa lógica, a disponibilidade para participar na
apropriação de alguns conceitos em detrimento de outros, bem como o modo de negociação
que habitualmente trazem para a situação de aprendizagem, constituem a base sobre a qual a
mediação semiótica tem sido organizada.
8-252

Existem duas manifestações distintas no processo de mediação semiótica: uma


mediação visível e outra invisível. A mediação visível é intencional e concentra-se em algum
conceito específico ou problema textual, na revisão ela se dá como intervenção ou proposta que
represente intercessão efetiva, nesse caso os interagentes podem realmente se dar conta do que
estão fazendo, têm ciência e consciência do processo. No nosso caso, pelo menos um dos
interagentes do decurso de mediação visível é consciente de estar interferindo em algo
específico para alguém: o revisor tem que mediar conscientemente; além disso, um requisito
essencial para o sucesso na mediação é a atenção voluntária e participação ativa dos diferentes
sujeitos.

Na mediação invisível, os sujeitos intervenientes não estão cientes de que há algo em


cena no processo de mediação e não existe ciência ou consciência do processo, eles não estão
engajados ativamente no procedimento de mediação semiótica. No caso da mediação semiótica
invisível, parece não haver objetivo específico a ser atingido ou, pelo menos, o mais alto
objetivo parece não ser relevante para todos os sujeitos que não se dão perfeita conta de tudo
aquilo que o sistema de signos está mediando. Os sujeitos desse seguimento de mediação
invisível não têm noção do que está sendo mediado, o que eles alcançam é algum decurso de
nível mais básico, como a revisão mecânica, e não muito mais que isso.

Apesar de não serem tomados de forma consciente durante as atividades mediais, os


elementos importantes para a revisão são mediados durante processos invisíveis. A mediação
invisível acaba sendo naturalizada, pelo menos por um dos polos da ação – que se torna passivo.
Esse sujeito trata os signos e seus significados como inteiramente naturais, como se nenhuma
outra forma além dessa naturalização fosse possível. Nesse contexto, é de se lastimar que o polo
passivo seja o autor, por exemplo, e se torna completamente desastroso quando o revisor
também é um agente passivo, meramente submetido às condicionantes normativas do
procedimento. A mediação semiótica proposta pela revisão é importante na criação da cultura,
notadamente a cultura textual, e na preparação de sujeitos sociais para viverem com sentido de
pertencimento e inclusão, condição para a manutenção e propagação da própria cultura.185

185 Adaptado de (GOUVEIA-MATOS e ARAUJO-NETO, 2013).


8-253

8.10 MEDIAÇÃO E DISCURSO NORMATIVO

Ma voi avete più in onore la grammatica che la Costituzione. Lettera a una


professoressa (s.n.t. 1967)

O secular ofício da editoração de textos só tem sido estudado academicamente em obras


bem recentes, ainda escassas – principalmente, exíguas no Brasil, onde o mercado do livro é
tacanho, para não usarmos palavra pior. Mesmo com a aceleração de todos os processos
editoriais, da escrita ao prelo, ao advento da informática, e com a possibilidade de produção e
publicação de e-books e sem custos relevantes de distribuição, os profissionais da língua
continuam a não ter reconhecimento e valorização pelo que fazem; muito provavelmente se
alegue que é porque se trata do mercado editorial brasileiro, como se Brasil fosse uma palavra
suficiente para explicar toda situação desfavorável, nessa ou em qualquer área.

Entendemos que exista a necessidade de se repensarem as práticas de tratamento de


textos, bem como estabilizar e profissionalizar diversos agentes que atuam no ramo, sobretudo
ao considerarmos o contexto de difusão de cultura, estagnado, estatizado e estigmatizado, assim
como os ambientes de produção de conhecimento e sua dissiminação com o qual esse cenário
se relaciona. Tais estudos se fazem necessários para que possamos compreender melhor o
funcionamento desse mercado no Brasil e, assim – como de outros modos, aperfeiçoá-lo. A
atividade de revisão pode parecer bastante simples para aqueles que não estão envolvidos
diretamente em suas minúcias e, por mais curioso que pareça, até mesmo nos próprios
ambientes de trabalho, onde ainda se vê o revisor como reprodutor de normas e práticas. Através
das décadas, permanece a existência do lugar-comum reducionista que projeta sobre o revisor
a imagem deturpada de “policial da língua”. Isso ocorre tanto pelas expectativas criadas em
relação ao ofício quanto pelo resultado de antigas generalizações que mantêm a visão desfocada
da imagem dos intercessores na produção textual.186

É importante pensar acerca do que desencadeia o acúmulo de funções que sobrecaem


ao revisor, matéria de que trataremos no capítulo seguinte, o que pode ter relação com as
generalizações e reducionismos mencionados, feitas de dentro e de fora dos ambientes laborais
da editoração. Parece que a visão que se tem do revisor está baseada em projeções relacionadas
ao fato de que parte da atividade de revisão ainda funciona como leitura profissional, exercício
coberto por um manto de invisibilidade. A visão mais difusa que se tem sobre esse ofício

186 Adaptado de (CLARES, 2013).


8-254

envolve apenas a aplicação de protocolos prescritivos, trata-se da concepção ainda bastante


arraigada de que a língua funciona do modo como prescrevem as gramáticas, os dicionários e
os manuais de normalização consultados pelo revisor e, assim, que esse trabalho é sempre único
e, independentemente de quem seja o revisor, o trabalho resultante será sempre o mesmo, se os
revisores implicados forem igualmente bons. O entendimento é de que basta aplicar
positivamente o molde da gramática normativa, a fôrma dos dicionários e o gesso dos manuais
de redação pertinentes, como se as línguas não fossem vivas e fugidias dessas peias, como se
as necessidades da comunicação não transpusessem os limites das casas de prelo, como se as
necessidades da produção de textos não demandassem uma cadeia de relações colaborativas e
como se os diferentes chapéus colocados sobre a cabeça dos revisores decorressem
“naturalmente” da erudição inerente à função e da necessidade de que eles, e apenas eles (ou
nós!), façam algo que dissipe a nuvem de invisibilidade que cobre a mediação do revisor.

A inserção atual do revisor no mercado livreiro faz notar que os discursos normativos
que perpassam o cotidiano de trabalho desse profissional são diversos e não se limitam aos
guias (gramáticas, dicionários, manuais) que se resumem a prescrições para as palavras,
normatividade – em um termo que hoje tem conotação negativa, e devem se sobrepor como
cláusulas contratuais entre autor e revisor, entre o editor e o revisor, entre os vocábulos e os
parágrafos. São normas a serem aplicadas ao texto segundo convenções, estabelecidas pelo
Estado, pela instituição que gere o texto e que se apossa da norma aplicável, impondo-a,
instituição que define prazos, procedimentos de tramitação de arquivos, material adotado como
fonte de consulta para o trabalho, normas sobre regras que regulamentam imposições. As
questões que o revisor deve considerar na atividade de intervenção nos escritos se agregam em
discurso normativo que deve ser assimilado, compreendido e aplicado como sistema; não
bastassem todas as imposições livrescas, há ainda um sem-número de normas e práticas
consuetudinárias – e o fato de não estarem impressas não desfaz que algumas delas sejam ainda
mais impositivas e mais rígidas que o VOLP ou a NGB, já que são fruto de convenções
determinadas e determinantes no dia a dia do profissional, o que, por sua vez, confirma a ideia
de instabilidade dada aos ritos da gênese editorial, tão móveis e cambiantes pelo lado do
mercado, todavia se convertem em seita, tão estáveis e estagnados pelos liames da
normatividade até mesmo no próprio lugar da mediação do revisor estabelecida na dicotomia
entre a autoria e a leitura.
8-255

Posto considerarmos o revisor um mediador editorial e o mercado livresco como corpo,


como instituição discursiva e reprodutora de discursos, pensamos o discurso normativo
perpassando e se sobrepondo à mediação nessa dimensão mais ampla; podemos sistematizar
esse raciocínio e ilustrá-lo:

Figura 6 – Mediação no rito editorial

Fonte: adaptado de (CLARES, 2013).

O papel de mediação praticado pelo revisor entre o autor e o leitor, exercido, muitas
vezes sobre a mídia, o que seria próprio – a rigor, passa a ser exercido em todo o processo
editorial. Malfadadamente, em cada uma dessas funções, ou no arremedo do exercício, repete-
se a sujeição do revisor ao sistema normativo que estamos delineando.

Observando a perspectiva mais ampla dos discursos normativos que perpassam a


mediação editorial, podemos verificar que o arcabouço normativo é cogente na atividade de
intervenção nas escrituras, a regra não é só mais uma das instâncias que constituem os discursos,
passa a ser o próprio discurso. Nesse processo de normatização autofágica, o revisor transcende
o papel de “fiscal da língua” e passa a ser, ele mesmo, parte da norma. Essa norma, toda coesa
– inclusive em suas incoerências e reconhecidas falhas, se organiza no sistema que adquire
discurso próprio, sobre o qual ninguém tem exatamente controle e do qual a maioria sequer
adquire consciência. Sistema que, por ter discurso próprio, está a um passo da vida própria!
Chegamos, assim, a outro esquema que ilustra o universo das normas impostas, sem descartar
que o próprio revisor é parte dele:
8-256

Figura 7 – Sujeitos do discurso normativo editorial

Fonte: adaptado de (CLARES, 2013).

Por conseguinte, o discurso normativo do qual o revisor se torna parte delineia-se na


instabilidade que vai da inserção na mediação entre autoria e leitura, perpassando todos os ritos
da gênese editorial que o discurso mobiliza e nos quais também se inscreve o profissional como
sujeito reflexivo, amalgamando-se ao que, provavelmente, possibilita que a atividade de
intervenção seja efetivamente realizada e, paradoxalmente, obstaculiza o reconhecimento da
mediação como intercessão efetiva. A máquina normativa é a Hidra de Lerna da indústria
livresca, mas esse discurso também aleita os ofícios e azeita as engrenagens que tocam o
engenho; caberá ao revisor o papel hercúleo de eliminar o monstrengo sem lhe emperrar as
engrenagens?

8.11 MEDIAÇÃO E COMPUTAÇÃO

O revisor, bem como os autores, pode se beneficiar dos corretores ortográficos e


gramaticais, programas de editoração eletrônica ou corretores ortográficos especializados na
web – a mediação dessas ferramentas se tornou necessária em virtude de dois fatos básicos: a
quase totalidade dos textos produzidos na atualidade nasce na tela do computador e ali reside,
ou vai rapidamente para um arquivo digital por onde há de trafegar; praticamente todos os
documentos escritos são editorados digitalmente. Desses fatos, hoje corriqueiros, decorreu
terem sido criados os programas de auxílio ao trato com a língua e seus registros. A natureza
8-257

do processamento eletrônico permite que os usuários façam, efetiva e reiteradamente,


aperfeiçoamento de seus documentos empregando os recursos da informática e da telemática
(RAC), mas eles ainda não equivalem à mediação da revisão profissional – e estão bem longe
disso – entretanto, podemos comparar as revisões humanas às eletrônicas entre si e umas com
as outras. A natureza dessas revisões assistidas pela informática deixa patente como a mediação
pelo profissional é inegavelmente superior a qualquer proposta de intervenção feita
exclusivamente pelas ferramentas eletrônicas; qualquer recurso da informática para editoração,
em nossos dias, para ser eficaz, ainda requer participação ativa, inteligente e baseada tanto em
conhecimentos linguísticos e humanísticos do usuário em sentido amplo: autor, editor ou
revisor são agentes sociais. Se as ferramentas eletrônicas já constituem importante recurso para
quem lida com as palavras, é inegável, podemos compará-las ao uso e à relevância que os
dicionários já tiveram, e ainda têm: sempre foi preciso usá-los, em primeiro lugar; em seguida,
permanece a necessidade de se saber usá-los; o mesmo se dá em relação às ferramentas
eletrônicas de subsídio à produção escrita; elas existem, mas pouco são conhecidas e menos
ainda usadas – tanto pelos autores quanto pelos revisores. Mas fica já o apontamento no sentido
de que esses recursos modernos são não só úteis, porém imprescindíveis no trato com as
palavras.187

Vamos considerar, mais à frente, a utilidade das ferramentas empregando-as no conto


“O escritor labiríntico”,188 de um dos revisores que colaboram conosco. Tivemos cuidados
metodológicos visando manter o distanciamento dos revisores, nós mesmos, em relação àquele
escrito, mas fique claro que se trata apenas de exemplificação – sem possibilidade de
generalizações amplas. Voltaremos à questão.

Por enquanto, para efeito de consideração prévia, vamos analisar exatamente os


parágrafos subsequentes, neste tópico, na situação mesmo que se encontram no momento que
fazemos esta análise, para amostra da verificação simples feita pelo corretor do programa que
usamos na redação deste texto presente.

O segmento selecionado continha 509 palavras. O corretor do Word assinalou 16 erros


ortográficos; quando fomos verificá-los, encontramos apenas os nomes dos sites, palavras não
reconhecidas. Curiosamente, o número real era bem menor que os 16 apontados.

187 Adaptado de (CORDIER-GAUTHIER e DION, 2003).


188 (MAGALHÃES, 2020), vide anexo 1.
8-258

Figura 8 – Primeira impressão de tela

O único erro gramatical apontado, sugere a substituição da forma verbal “guia” pelo
correspondente infinitivo, “guiar” – equívoco do programa que não reconheceu o substantivo
“vai-e-vem” (sic; na forma do registro anterior ao acordo, com hífen) e entendeu a palavra vem
como verbo.

Figura 9 – Corte da impressão de tela

O acordo entre os revisores quanto à maioria das interferências propostas em qualquer


documento é quase absoluto, mesmo quando o significado da sentença é difícil ou impossível
de entender. Entretanto, esse acordo não significa que os produtos das revisões de diferentes
linguistas sejam semelhantes; o acordo é no sentido que cada um tenderá a admitir as opções
do outro como igualmente válidas, no universo amplo das alternativas plausíveis.

Os parâmetros de revisão profissional, característicos da mediação humana, são os


mesmos inicialmente ligados ao processo de leitura; envolvem uma multiplicidade de operações
cognitivas, às vezes perturbadas ou conturbadas, como foi o caso em nosso conto, pelo fato de
termos lidado com língua nativa, com o texto de um colega nosso (também revisor) transitando
em zona de aproximação e navegando entre os significados e a morfossintaxe – além de termos
como pano de fundo a circunstância de que o produto da revisão seria objeto desta meta-análise.
8-259

A natureza do texto, criativo, ficcional, recreativo, espontâneo e publicado em mídia eletrônica


a esta altura, impôs aos revisores leituras de vários ângulos, simultaneamente, e a fazer
sucessivos ajustes.

O constante vaivém da leitura do revisor guia todas as suas operações. Sua intenção de
ler é dupla, pois visa tanto a compreensão da mensagem quanto a avaliação: o revisor é, de fato,
um leitor multiplicado em custo cognitivo e exponenciado em tarefas de decodificação –
quando não estiver dividido entre fruir o texto ou revisá-lo. Mesmo que o revisor deva, na
maioria das vezes, manter o sentido da frase e ignorar o plano discursivo, ele é sempre guiado,
na realização de seus diagnósticos, pela busca do sentido. Isso nos parece ser a característica
fundamental da mediação humana: por estar ligada ao significado, é complexa; por ter foco no
leitor, é comunicacional; como intercessão, é coautoral; por ser consciente, mantém cada
interferência no limite da intervenção plausível. Também é complexa porque, na situação
presente, é impulsionada pela múltipla missão que a força a trabalhar em situação de modulação
constante. De fato, o revisor profissional desempenha o papel de interventor em termos da
norma linguística (ele propõe soluções adaptadas e justas) bem como do intercessor e do
mediador (ele leva em conta as mediações entre autor e obra, entre obra e leitor e mesmo
interfere com elementos extratextuais (ele propõe palavras faltantes, reescrita mais idiomática,
sugere dado ou roteiro alternativo) – nada disso é feito, ainda, pelos recursos eletrônicos em
voga que, no máximo, propõem um sinônimo, em caso de repetição de palavras.

Finalmente, o revisor, exaustivo em sua análise, é “virtualmente infalível”, mesmo que


às vezes possa ser influenciado por fatores psicológicos (ser tolerante ou estar irritado, ficar
cansado ou mesmo entediado) ou fisiológico (ficar cansado ou ter dor de cabeça) – mas sempre
há formas de se contornarem as deficiências humanas remanescentes. Essa infalibilidade que
estamos invocando é relativizada e proposta em tese, claro que todos os revisores erramos, mas
o processo completo de múltiplas e sucessivas revisões, por mais de um revisor, seguido da
confrontação das questões chega tão perto de eliminar as falhas humanas quanto possível. Para
mais que isso, os revisores hoje contamos com os recursos eletrônicos que suprem bem as
lacunas eventuais dos melhores processos de revisão.

Embora a mediação computacional, por sua natureza e características, não possa ser
influenciada por fatores psicológicos ou fisiológicos, ela não é totalmente confiável.
Consideremos que os algoritmos implantados são decorrência da base cognitiva dos
programadores – inclusive com suas falhas e limitações. Reconhecidamente, em frases que
8-260

contêm número limitado de problemas ou mesmo erros materiais, os corretores eletrônicos são
capazes de detectar adequadamente a maioria das falhas (ortografia, concordância, flexões),
mas eles têm problemas com barbarismos, solipsismos e com muitas figuras de retórica – umas
eles não reconhecem, outras apontam como erros. Eles também indiciam com possibilidade de
confusão léxica, equívocos ligados a falsos cognatos, homônimos, regionalismos ou
estrangeirismos, mas são detecções que requerem a participação do usuário, que deve escolher
entre algumas soluções propostas, escolha geralmente sendo feita de acordo com o significado,
quando da parte do autor, ou com todos os critérios linguísticos, quando se trata do revisor. É
aqui que termina a competência das máquinas.

A natureza de interlíngua com que os algoritmos trabalham força o corretor a operar em


várias sub-rotinas concomitantemente, com algum paralelo com os vários níveis leitura que o
revisor faz simultaneamente, tanto um quanto outro efetuando os sucessivos ajustes. Em caso
de alarme, o programa de revisão retrai sua leitura e aciona uma sub-rotina específica para a
questão, fazendo modificações ou sugerindo de acordo com o problema encontrado ou a direção
assumida. Os algoritmos analisam implicitamente ao propor a verificação completa de cada
palavra e, se a verificação não resolve tudo, recriam, às vezes tão bem quanto mal, o significado
dado a ela. Esse constante vaivém de todas as operações lógicas, todavia, é bem mais simples
que aqueles das correspondentes operações humanas. Se a intenção ao ler é dupla, num ou
noutro, no computador a leitura não visa tanto a compreensão da mensagem quanto a avaliação:
o computador é, de fato, superado pelo revisor por não conseguir emular a persona do leitor-
alvo – entre outras deficiências.

Ao contrário do revisor humano, os corretores de computador não são exatamente


“leitores”. Deixados à própria “vontade”, eles têm a imensa falha de fazer diagnósticos
duvidosos, realizar análises morfossintáticas que não levam em conta nem o fraseado ou o
contexto discursivo, nem fatores extralinguísticos, e propõem soluções absurdas ou análises
inconsistentes. Uma vez que eles só funcionam nos parâmetros de sua programação, são
incapazes de funcionar como o leitor humano que, constantemente, “negocia” significado,
embora a usabilidade dos recursos de RAC e consecutivos diálogos propostos por eles possam
sugerir que isso seja o contrário. A capacidade de “corrigir” dos corretores de computador (tanto
os residentes, instalados, quanto os baseados na web) depende, portanto, da exatidão e
relevância das escolhas que o usuário deve fazer, o que significa que cada correção proposta é
compreendida, medida e avaliada antes de ser aceita: vale dizer, requer-se a mediação de uma
8-261

pessoa, autor ou revisor. Esse conjunto de operações cognitivas demandadas à pessoa é


significativo, especialmente porque a relevância de suas escolhas depende de sua compreensão,
da avaliação que a pessoa faz das opções (inclusive rejeitando todas) e da emulação em sua
persona dos avatares do autor e do leitor final. Entretanto, o conjunto de operações do software,
se não é resolutivo, tem a característica de ser metódico, impassível de omissões, extensivo e
abrangente, percorrendo todo o documento sem exaustão.

A mediação computacional nada mais é do que a mediação de outros agentes (quem fez
o programa) por meio de algoritmos, um intermediário ficto (cujo “conhecimento” se “limita”
às capacidades de programação – decorrente de bases cognitivas), sito entre o texto e o usuário
e, sem a participação informada do usuário, resta inoperante.

A natureza das duas formas de intervenção, a mediação humana e o processamento por


computador, não é comparável. A correção do computador é, acima de tudo, a mediação que
requer por parte do usuário presença ativa (escolha de operar), inteligente (negociação de
significado) e educada (conhecimento da ferramenta e metalinguagem gramatical). Por outro
lado, a revisão profissional é totalmente autônoma e certamente muito mais confiável.

Quanto à forma, se a mediação computacional, como discutido aqui, contribui


efetivamente para o tratamento de textos por autores e revisores, respondemos enfaticamente
que sim. Todavia, os usuários devem ser iniciados no funcionamento das ferramentas (entender
bem cada indicação, cada ícone, bem como a abordagem analítica dos corredores), também eles
devem ter profunda consciência das limitações do mediador eletrônico no trabalho de detectar
problemas e do que eles têm a oferecer de melhor: exatidão nos limites de sua capacidade e
questionamento metódico nas dúvidas havidas. Resta saber se os revisores terão motivação e
tempo para aprender a usar essas ferramentas; deveriam, nem são tão complicadas. Sobra
apenas a questão: o uso dessas ferramentas acrescenta pelo menos uma fase ao processo de
revisão, isso demanda tempo e trabalho, gera custo. Parece-nos que vale o investimento, resta
convencer os contratantes.

Há ainda um importante trabalho de pesquisa a ser realizado, em especial no que diz


respeito à identificação dos conhecimentos e do know-how necessários para o uso adequado dos
corretores eletrônicos. Eles não deveriam ser usados, pelo menos a princípio, para fazer todos
pensarem criticamente sobre seus escritos, em vez de simplesmente “corrigir” textos? Tal
8-262

abordagem poderia ser frutífera, mas terá de ser acompanhada por um quadro teórico cujos
parâmetros não foram esboçados e recursos tecnológicos que ainda não foram desenvolvidos.

Além disso, as diversas navegações que realizamos durante o uso dos corretores nos
permitiram vislumbrar possibilidades de explorações didáticas, notadamente quanto a estimular
o emprego de dicionários eletrônicos e de outras ferramentas que são notavelmente poderosas
e imediatas, cuja consulta tem sido benéfica na revisão dos textos. Se considerarmos o
aprendizado da revisão como processo, a contribuição dessa ferramenta, caracterizada por sua
interatividade, sua simpatia ao usuário e sua velocidade de reação, deve permitir que os
revisores aprendizes, devidamente iniciados em seu uso, evoluam em seus hábitos de trabalho
para produzir, em última instância, revisões melhores.

Não obstante, se isso significa que toda a sequência do trabalho de revisão deva ser
repensada (se é que já não foi!), integrando os meios de auxílio eletrônico às rotinas; cabe
estabelecer o momento e a forma pela qual eles devem estar envolvidos, quais etapas devem
ser utilizadas, que funções de correção e sugestões podem ser incorporadas, bem como
estabelecer as formas de avaliação que devem ser sancionadas, acrescentadas ou mesmo
suprimidas com os novos recursos.

Para fazermos a comparação empírica entre revisões eletrônicas e humanas, pedimos


emprestado a seu autor o conto que foi revisado por nós, e os resultados foram confrontados às
revisões eletrônicas. Um revisor (PA) havia concebido esta pequena análise, mas os caminhos
a serem trilhados evoluíram a partir dos resultados. O outro revisor (MG) estava completamente
afastado da proposta e revisou com perfeito distanciamento. Reforçamos que a análise
comparativa que esboçaremos é de caráter ilustrativo, não permitindo inferências
generalizantes. Trata-se de um exemplo que pode ser estendido, para outros objetivos, a uma
base de dados mais significativa.

O aprendizado do uso das ferramentas é completamente intuitivo, portanto, vamos


limitar a análise ao resultado dos diferentes recursos e à possibilidade do emprego das
ferramentas. Em outras palavras, vamos considerar a mediação daqueles recursos humanos em
relação à natureza da mediação por computador em meta-análise, e vamos avaliar alguns dos
resultados.

Na tentativa de fornecer uma resposta inicial às perguntas que tínhamos em mente,


submetemos o conto aos dois tipos de revisão, por profissionais e eletrônica. Os profissionais,
8-263

os que assinam este livro, somam algumas décadas revisando; a correção do computador foi
realizada pelo verificador ortográfico e gramatical do Word (WO – Microsoft 365) – com toda
certeza a ferramenta mais usada no campo da escrita em nossos dias, e quatro plataformas na
web que fazem correção ortográfica, gramatical e estilística em português: Correcao.pt189 (CO),
LanguageTool190 (LT), Flip On-Line191 (FO) e Plagiarisma192 (PL). A maioria dos recursos na
web, em versões gratuitas (as que usamos o são), é bastante limitada quanto à quantidade de
texto que avalia, mas, no caso deste conto curto, foi suficiente.

Para possibilitar a comparação das revisões de modo uniforme, primeiro desenvolvemos


uma grade de interferências aplicável às revisões eletrônicas e pelos revisores, uma ferramenta
que nos permitiu estabelecer parâmetros e quantificar o processamento realizado pela
inteligência humana (mediação humana) e o realizado pelos mencionados corretores (mediação
de TI). Essa grade foi adaptada a partir da das intervenções feitas e das hipóteses de correção
humana e eletrônica no texto escolhido.193

Inicialmente, como hipótese de interferências possíveis, estabelecemos as cerca de 20


categorias aqui apresentadas, de acordo com três agrupamentos e desdobradas em mais de 60
tipos diferentes de ocorrências:

189 (SPIKEROG SAS, 2020).


190 (LANGUAGETOOL, 2020).
191 (PRIBERAM, 2020).
192 (PLAGIARISMA LTD, 2020).
193 Adaptado de (CORDIER-GAUTHIER e DION, 2003).
8-264

Quadro 5 – Tipologia de problemas


Problemas Definições
Erros estritamente ligados à digitação, claramente não
Digitação: constituindo desconhecimento da norma ou equívocos
Grafia e morfologia

linguísticos.
Erros ligados ao desconhecimento ou lapsos de norma e que não
Ortografia de uso:
possam ser atribuídos a falhas mecânicas (digitação, e.g.).
Ortografia gramatical: Erros ligados à subversão da norma.
Problema de registro da pronúncia, grafia ou uso de determinada
Barbarismos:
palavra.
Gênero: Inversão do gênero de determinado vocábulo.
Plural de coletivo – vocábulo no plural que já indique indica
Número:
pluralização de elementos.
Fenômeno sintático pelo qual se estabelece harmonia entre os
Concordância: termos da oração; é evidenciado por flexões de número e gênero,
Sintaxe e semântica

para os nomes e de modo, número e pessoa, para os verbos.


Problemas na ordem das palavras nas orações, restrições ao livre
Ordenamento:
ordenamento em português.
Problemas em relação à dependência entre dois sintagmas numa
Regência: construção, na qual uma (a regida) complementa a outra (a
regente).
Falhas no conjunto dos lexemas (no sentido saussuriano),
Léxico:
comprometendo a rede de funções e relações entre si.
Intromissão de construções sintáticas alheias à norma padrão da
Solecismo:
língua que represente desvio do gênero.
Dificuldade sincrônica ou diacronicamente de compreensão da
Semântica:
significação como parte do contexto.
Desvio do conjunto das palavras empregado por um autor em sua
Vocabulário:
obra, segundo o gênero e sua codificação.
Falha no processo pelo qual um termo gramatical (pronome ou
Anáforas: advérbio) retoma a referência de um sintagma usado
anteriormente.
Catáforas: Falha na antecipação de termo ou sintagma.
Discurso e retórica

Desvio da variante linguística condicionada pelo grau de


Registro: formalidade existente na situação da finalidade da escrita; estilo,
linguagem.
Falha no sistema de sinais gráficos que indicam separação entre
Pontuação:
unidades significativas para tornar mais claros o texto.
Desvios das normas gramaticais, palavras ou construções que
Vícios: deturpam, desvirtuam ou dificultam a manifestação do
pensamento.
Linguagem vista como excludente, marginalizante ou insultuosa a
Incorreção política: grupos de pessoas desfavorecidas ou discriminadas,
especialmente grupos definidos por gênero ou etnia.
Raciocínio errado com aparência de verdade, argumento
Falácias: incoerente, sem fundamento, inválido ou falho na tentativa de
provar eficazmente a alegação.
8-265

Quadro 6 – Tipologia das ocorrências


Problemas Ocorrências
Espaços – Dig.ESP / Maiúsculas faltantes – Dig.MAI / Inversões
Digitação:
– Dig.INV / Omissões – Dig.OMS / Troca de letra – Dig.TRC
Grafia e morfologia

Maiúsculas – Ort.MAI / Inversões – Ort.INV / Omissões –


Ortografia de uso:
Ort.OMS / Troca de letra – Ort.TRC
Hifenização – Grm.HIF / Ortografia de conjugação – Grm.CJG /
Ortografia gramatical:
Maiúsculas excedentes Grm.MAI
Grafia – Bar.GRF / Morfologia – Bar.MRF / Semântica –
Barbarismos:
Bar.SEM / Estrangeirismo – Bar.EST
Gênero: Inversão – Gên.INV.
Número: Plural de coletivo – Num.COL /
Nominal – Con.NOM / Verbal – Con.VER / – Verbo-nominal
Concordância:
Con.VNM / Verbo-temporal Con.TEM
Sintaxe e semântica

Ordenamento: Inversão – ORD.Inv / Intercalamento – Ord.INT


Verbal – Reg.VER / Nominal – Reg.NOM / Verbo-nominal –
Regência:
Reg.VNM
Repetição de palavras – Lex.REP / Falta de palavras – Lex.FLT
/ Concisão – Lex.CON / Troca de palavras (sentido) – Lex.TRC /
Léxico:
Inversões – Lex.INV / Sentido – Lex.SEN / Inadequação –
Lex.INA
Solecismo: Topologia – Sol.TOP /
Dificuldade de compreensão – Sem.DIF / Impossibilidade de
Semântica: compreensão – Sem.IMP / Ambiguidade (anfibologia) –
Sem.ANF
Vocabulário: Sentido – Voc.SEN / Inadequação – Voc.INA
Descontinuidade – Anf.DES / Ambiguidade – Anf.AMB /
Anáforas:
Repetição – Anf.REP / Anacoluto – Anf.ANA
Catáforas: Simetria – Cat.SIM / Paralelismo – Cat.PAR
Oralidade – Rgt.ORL / Descontexto – Rgt.CTX / Confusão –
Discurso e retórica

Registro: Rgt.CFS / Informalidade – Rgt.INF /Estilo – Rgt.EST / Símbolos


– Rgt.SIM / Abreviaturas – Rgt.ABV
Vírgula excedente – Pnt.VG+ / Vírgula omitida – Pnt.VG- /
Pontuação: Ponto-final omitido – Pnt.FN- / Pontuação dupla – Pnt-DPL /
Variação – Pnt.VAR
Anacronismo – Vic.ANC / Arcaísmo Vic.ARC / Gongorismo –
Vícios: Vic.GNG / Neologismo – Vic.NEO / Eco – Vic.ECO / Cacófato –
Vic.CAC / Pleonasmo – Vic.PLM / Prolixidade – Vic.PLX
Incorreção política: Sexismo – Pol.SEX / Discriminação – Pol.DSC
Apelo a motivos – Fal.APL / Erros de categoria – Fal.ERR /
Falácias causais – Fal.CAU / Non-sequitur – Fal.NON / Falácias
Falácias: da explicação – Fal.EXP / Erros de definição – Fal.DEF /
Dispersão – Fal.DSP / Argumentum ad Personam – Fal.PER /
Falácias indutivas – Fal.IND / Outras falácias – Fal.OUT
Fonte: inspirado em (CORDIER-GAUTHIER e DION, 2003).

Essa tabela é multidimensional, pois aborda erros relacionados à forma (grafia, sintaxe,
morfologia, gênero) e conteúdo (anáfora, registro, semântica). Para ser aplicável, a grade tinha
que ser simples de usar, cobrindo a maior variedade possível de problemas. Portanto, tivemos
que resistir à tentação de multiplicar as categorias. Ainda assim, também foi necessário criar
categorias de erros que não se enquadravam no escopo da gramática tradicional, para dar conta
de problemas relacionados aos gêneros e à retórica.
8-266

O revisor humano reage a problemas em relação à gramática implícita e deve, ao nomear


desvios do código, usar as categorias normalmente retiradas da gramática descritiva e
normativa. Em nosso caso, a dificuldade para desenvolver e aplicar a grade era que estávamos
trabalhando as categorias gramaticais tradicionais, em texto criativo, no qual a identificação de
desvio na frase nem sempre representava problema. Portanto, os problemas não foram apenas
desvios do código, mas implicavam prejuízo do significado ocasionalmente. Além disso, em
muitos casos, a tabela aponta várias camadas de erros na mesma palavra ou grupo de palavras,
e, esporadicamente, era difícil determinar qual de nossas categorias melhor identificava a lacuna
identificada, várias interpretações do problema sendo possíveis.

O conto “O escritor labiríntico”194 foi submetido aos cinco revisores eletrônicos: Word
(Microsoft Office 365), Correcao.pt195, LanguageTool196, Flip On-Line197 e Plagiarisma198. Após
a exploração de todas as possibilidades de ajuste dos corretores, optamos pela detecção máxima
de erros usando a configuração para o português brasileiro. Igualmente, o conto foi revisado
pelos autores desta obra (PA, MG). Para cada sentença processada pelos revisores, anotamos e
compilamos todas as suas detecções e correções, trabalho que possibilitou comparar a revisão
por computador e as revisões humanas. Todas as interferências humanas foram acompanhadas
pela ferramenta de controle de alterações do Word. A natureza das sentenças deu origem a
registros na mesma sentença, como no exemplo abaixo, mas o cômputo foi feito em separado
para cada revisor e para cada programa, para efeitos quantitativo e analítico.199

A confiabilidade de tais análises pode ser questionada (na verdade, todas as coisas
podem ser questionadas!) e, certamente, nos alerta contra qualquer uso da função de correção
automática. Se decidir não usar a correção automática, o usuário deverá ativar as caixas de
diálogo e, muitas vezes, escolher entre várias correções. Também existe a possibilidade de
consultar a análise completa da sentença, análise que pode, em alguns casos, apresentar até
várias dezenas de variantes! Aqui, novamente, o usuário deve escolher a análise mais
apropriada. Finalmente, no caso de sentenças sintaticamente incorretas ou difíceis de entender,

194 (MAGALHÃES, 2020).


195 (SPIKEROG SAS, 2020).
196 (LANGUAGETOOL, 2020).
197 (PRIBERAM, 2020).
198 (PLAGIARISMA LTD, 2020).
199 Adaptado de (CORDIER-GAUTHIER e DION, 2003).
8-267

os pacotes de software fazem apenas uma análise parcial ou as declaram perdidas – quando o
fazem – algumas vezes, apenas acusando encontrar um segmento incompleto.

Quadro 7 – Interferências humanas e eletrônicas


WO CO LT FO PL MG PA
Digitação:
Ortografia de uso: MAI 2
Ortografia
gramatical:
Barbarismos:
Gênero:
Número:
NOM 1 TEM 1 NUM 1 NUM 1
Concordância: TEM 1
NUM 1
NUM 1 VER 1 VER 1
NUM 1 TEM 1

Ordenamento: SIM 12
Regência: VNM 1
SEM 4 REP 10
REP 1
Léxico: COM 1
REP 5
REP 4 EXC 1 CON 4
REP 9 SEM 1
Solecismo: TOP 1
Semântica: EXC 1
REP 2
Anáforas: DES 1
Catáforas: PAR 1
INF 3 INF 2 INF 2
Registro: EST 3
EST 5 EST 3 EST 3
EST 1
VG- 4 VG- 4 VG- 4 VG- 4 VG- 4
Pontuação: DPL 2 DPL 2 DPL 2 DPL 2 VAR 3
VG- 5
Vícios: CAC 1 CAC 1 CAC 1 PLM 5
Incorreção
política:
Falácias:
Legenda: Word (WO – Microsoft 365); Correcao.pt200 (CO), LanguageTool201 (LT), Flip On-Line202 (FO) e
Plagiarisma203 (PL). Michel Gannam (MG); Públio Athayde (PA). Itálico+negrito: discordância do critério –
intercorrência apontada pelo programa e que rejeitamos. Nota: FO e PL acusaram exatamente o mesmo quadro de
problemas, indicando fazer uso do mesmo algoritmo!

Comparando o incomparável, a natureza das duas mediações, humana e computador,


podemos chegar a alguns indícios. A rigor, não se trata de conclusões, pois a amostra é bastante
exígua. Todavia, já sabíamos que a correção eletrônica, por exigir da parte do usuário presença
ativa (escolha para operar), inteligente (negociação de significado) e educada (conhecimento
da ferramenta e da metalinguagem gramatical), difere da revisão humana, completamente
autônoma e certamente muito mais confiável.

Quanto à questão de saber se a mediação por computador, como examinada, contribui


efetivamente para a revisão, respondemos de forma afirmativa. Para a mediação útil das
ferramentas eletrônicas, os usuários devem ser absolutamente inteirados quanto ao

200 (SPIKEROG SAS, 2020).


201 (LANGUAGETOOL, 2020).
202 (PRIBERAM, 2020).
203 (PLAGIARISMA LTD, 2020).
8-268

funcionamento delas (para entender bem cada indicação, cada ícone e a etapa analítica dos
corretores), mas também para serem avisados de seus limites no texto. Restará ver se os
revisores terão motivação suficiente e o tempo necessário para aprender essas ferramentas e
empenho em aprender novas rotinas.

Ainda há importante trabalho de pesquisa a ser realizado, envolvendo, em particular, a


identificação de conhecimentos e know-how necessários para o uso adequado dos revisores
eletrônicos em situação de mercado. Eles não deveriam ser usados, pelo menos inicialmente,
para fazer com que os revisores ganhassem tempo ou reduzissem a margem de erro? Tal
abordagem pode ser proveitosa, mas terá que ser acompanhada pela estrutura e rotina
operacional cujos esboços ainda não foram traçados.

Apesar disso, as várias experiências que realizamos durante o uso dos programas de
correção nos permitiram vislumbrar possibilidades de explorações educacionais, começando
pelo incentivo ao uso dos dicionários residentes na internet, pelos conjugadores (alguns
integrados aos dicionários) e gramáticas, ferramentas notavelmente poderosas e imediatas, e
das quais a consulta poderá ser benéfica durante a revisão dos textos. Se considerarmos o
aprender a revisar como processo, a contribuição da ferramenta eletrônica, caracterizada por
sua interatividade, facilidade de uso e velocidade de reação, deve permitir que os revisores,
devidamente iniciados, evoluam em suas habilidades, hábitos de trabalho para revisar
documentos a serem sancionados, em última instância, por um revisor profissional. Na verdade,
acreditamos já estar ultrapassado o ponto em que caiba qualquer apologia ao uso dos recursos
eletrônicos; eles estão disponíveis, são totalmente amigáveis, apresentam constante atualização,
portanto, não há mais como se conceber revisão sem eles.

Não obstantes essas considerações, a agregação dos recursos cibernéticos implica que
reconsideremos toda a sequência de trabalho da revisão da escrita: quando envolver os
corretores de computador, quais devem ser os estágios de seu uso, entre as funções de correção,
quais formas de avaliação devem sancionar o trabalho da mídia eletrônica são algumas das
questões a serem consideradas.

Nossa investigação não foi tão longe, existem caminhos que devem ser necessariamente
explorados à luz do que sabemos agora e das hipóteses que serão levantadas. Do ponto de vista
analítico, há motivos para perguntar se se pode tirar proveito dessa multiplicidade de revisões
nas quais se deve prestar atenção particular aos sinais que estão no domínio de cada corretor
8-269

eletrônico e humano. As abreviações usadas nas comparações, dependendo do problema


identificado, compreendendo e levando em consideração as regras gramaticais sugeridas,
representam “sobrecarga cognitiva” a ser quantificada e ponderada.

Assim, após a comparação sistemática das detecções e correções feitas por todos os
revisores, em todas as frases, podemos concluir, como já era esperado, que os corretores de
computador não se mostraram totalmente confiáveis na correção de textos escritos, mas são
ferramentas muitíssimo úteis a serem incorporadas às já tradicionais. Cabe assinalar que não
havia erros ortográficos, por exemplo, no conto revisado: o autor é mais que suficientemente
atento, conhecedor e usuário de ferramentas que afastaram essa possibilidade.

Do ponto de vista material, constatamos bastante similaridade entre os resultados dos


corretores eletrônicos, em geral, e semelhança perfeita entre Flip On-Line204 (FO) e
Plagiarisma205 (PL) – o que nos leva a crer que os dois provedores adotem o mesmo algoritmo,
senão estejam interligados a algum provedor comum do serviço. Houve bastante diferença entre
os resultados nos dois revisores e aqueles dos programas e bastante diferença entra as
intervenções dos dois revisores, um deles mais flexível em relação ao texto criativo, outro
menos – o que reflete somente as diferenças de postura. Outro ponto a se notar é que não há
aceitação da maioria das proposições dos programas, ambos os revisores recusando as
propostas.

O revisor profissional reage a problemas em relação à gramática implícita e deve, para


citar apenas os desvios no código, utilizar as categorias normalmente extraídas da gramática
descritiva ou normativa e bem mais que isso: todos têm suas parcelas de mediação e intercessão
no texto alheio. A dificuldade básica no emprego de ferramentas eletrônicas de auxílio à
textualização é que elas ainda trabalham na interlíngua dos algoritmos ou códigos de
processamento de língua natural (PLN) e a língua dos usuários; além disso, as categorias
gramaticais tradicionais nem sempre alcançam integralmente o que é problemático na frase ou
identificam como problema inclusive novação em que reside virtude estética. Assim, os “erros”
não constituem sempre desvios do código, mesmo que, muitas vezes, minem o significado; o
efeito normalmente indesejável da ambiguidade pode ser toda essência estética de uma frase.
Ainda, as várias camadas de erros na mesma palavra ou grupo de palavras tornam difícil

204 (PRIBERAM, 2020).


205 (PLAGIARISMA LTD, 2020).
8-270

determinar as categorias de problema que melhor identificavam a discrepância, com várias


interpretações possíveis do problema.

De modo geral, o que fica é o indício de uma proposta metodológica, e alguns critérios
estabelecidos (ou sugeridos) que podem vir a possibilitar análises, inclusive quantitativas, para
subsidiar estudos comparativos de revisão. São notas incipientes e conclusões precárias que
vieram consolidar a sensação que já tínhamos, empírica e espontaneamente, da relação entre
revisores e corretores eletrônicos.
9-271

9 MEDIAÇÃO GERENCIAL

On n’insistera jamais trop sur l’importance des relations humaines dans le


processus de la révision bien comprise. (HORGUELIN e PHARAND, 2009)

9.1 EPÍTOME

1. Os diferentes aspectos que são necessários para a e tantas vezes temos, nós todos, socorrido outros
revisão profissional devem ser levados em profissionais em seus questionamentos.
consideração de acordo com as instruções do 7. No caso de arquivos de origem não editáveis,
cliente. deve ser decidido primeiro se o texto deve ser
2. O revisor recém-recrutado, ainda que extraído em algum formato editável com a ajuda
profissional experiente e bem qualificado, nem de um software de OCR, ou se ele deve ser
sempre está familiarizado com a ferramenta de revisado sem a ajuda da revisão assistida por
assistência de revisão adotada e com as computador.
expectativas da agência, ele pode ter dificuldades 8. Esclarecer questões sobre terminologia também
em começar a trabalhar imediatamente ou em é tarefa do gerente de projetos, bem como decidir
atender à sequência do trabalho tal como se um projeto em larga escala requer um líder
proposta. linguístico que esclareça as questões relativas à
3. Nas agências de revisão, geralmente, é o gerente revisão com uma equipe de revisores.
de projetos que gera o formato de arquivo a ser 9. Como regra geral, a revisão deve ser processada
entregue ao cliente. em documento no mesmo formato que foi
4. Vale a pena trabalhar com um software OCR fornecido pelo cliente.
profissional, já que eles produzem um texto 10. Se houver um intertexto ou paratexto que sirva
surpreendentemente de boa qualidade e editável, de referência, citação, comparação ou nota, ele
dependendo da qualidade da imagem do original. pode ser facilmente incorporado ao ambiente de
5. Se um erro, dúvida ou questionamento for revisão.
encontrado pelo gerente de projetos, cabe pedir 11. É essencial estar familiarizado com as
ajuda de um colega para verificar a questão, outro armadilhas e oportunidades de lidar com
revisor ou um linguista independente que esteja diferentes formatos de arquivo em um ambiente
familiarizado com a linguagem, o gênero e até de RAC.
mesmo o assunto do texto pode vir a ser
necessário. 12. A preparação de arquivos antes da revisão e as
tarefas de reparação para a entrega do arquivo
6. Felizmente, todos os revisores profissionais revisado são partes indispensáveis do processo
costumamos ter ampla rede de colegas de de revisão, não apenas para empresas de revisão,
trabalho a quem recorremos em nossas dúvidas – também para revisores autônomos.

9.2 GERENCIAMENTO DE PROJETOS

A forma como o gerenciamento do projeto de revisão de texto se relaciona ao objeto em


si e como ele se destaca dentre os concorrentes é determinada por uma abordagem prática
baseada em estratégia. O gerente de projetos da agência de revisão desempenha várias funções
9-272

durante o ciclo de cada serviço. Ele é um polímata no sentido clássico, desempenhando papel
importante no sucesso dos desempenhos dos provedores de serviços linguísticos.206

O sucesso do projeto se avalia com base em diversos critérios que podem ser medidos
por métodos qualitativos (satisfação, aceitação) ou quantitativos (custo-efetividade, tempo
necessário).207 Para uma explicação do sucesso, consideram-se os seguintes fatores como
critérios de êxito para qualquer projeto (não apenas para serviço de revisão):

• determinação precisa do conteúdo pretendido;

• comunicação constante entre todos os envolvidos, com o compartilhamento de


informações necessárias;

• determinação clara dos objetivos estratégicos;

• tempo razoável, planejamento de recursos e custos;

• preparação profissional (pessoal e funcional) do gerente e de sua equipe;

• mapeamento dos riscos do trabalho e abordagem metodológica de sua gestão;

• gestão de mudanças, flexibilidade, proatividade.

A identificação desses fatores é tarefa do gerente de projetos, normalmente um editor


ou revisor-chefe. É importante termos em mente que, em qualquer circunstância, cada serviço
de revisão é único, complexo e irrepetível. Isso dificulta ainda mais o trabalho do gerente de
projetos, uma vez que, em todos os casos, esses fatores devem ser priorizados com base no
julgamento individual.208

O termo “gerente de projetos” pode ser considerado uma expressão guarda-chuva, já


que os gerentes de projetos no mercado de revisão têm que desempenhar vários papéis durante
o ciclo do serviço – eles são participantes com múltiplas funções. São líderes, linguistas,
arquitetos linguísticos, editores de publicação, agentes de TI, vendedores, gerentes de contato
com clientes, administradores; eles são responsáveis por digitadores, revisores, tradutores,
finanças, designers, paginadores, controle de qualidade, mas às vezes são professores e
psicólogos também.

206 Adaptado de (FÖLDES, 2016).


207 (GÖRÖG, 2008).
208 (KENNETH, MCKETHAN JR e WHITE, 2008) e (PMI, 2013) apud (FÖLDES, 2016).
9-273

É essencial para o sucesso do projeto que eles sejam capazes de acompanhar as


mudanças constantes durante a implementação e sejam capazes também de reagir,
reorganizando ou replanejando, sempre que necessário. Além de sua preparação profissional,
eles são bons comunicadores, são capazes de trabalhar precisamente em ambiente em constante
flutuação, são flexíveis tanto no manuseio e priorização de tarefas – desde a negociação com o
cliente, até a entrega do texto revisado, ou pronto para a impressão – e, por último, mas talvez
o mais importante, fazer o time pensar e agir como equipe, sempre assumindo a
responsabilidade por suas decisões, delegando toda vez que for possível, cobrando e
estimulando os colaboradores. A listagem está longe de ser completa, mas mostra claramente
que essa tarefa requer uma pessoa versátil.

Vamos introduzir as funções do gerente de projetos em diversas de suas vertentes,


abordando o assunto desde a implementação real e seguindo o ciclo de vida do projeto. No que
nos importa, cabe dizer que muitos dos gerentes em agências de revisão, e quase a totalidade
deles nas agências pequenas, são revisores de textos extrapolando as funções que seriam mais
características do ofício em direção ao hibridismo.

Como não existem agências de revisão que sejam empresas realmente grandes, quase
sempre, as funções que naquelas corresponderiam ao gerente de marketing, ou ao diretor de
marketing (chief marketing officer, ou CMO, em inglês), no caso de ele ser o executivo que
responde por todas as atividades relacionadas ao marketing. Cabe ao responsável pelos serviços
de marketing coordenar projetos de serviços, ações de venda e campanhas de publicidade e
propaganda, analisar propostas de mídia e editoração, preparando e selecionando matérias para
publicação e divulgação em diversas mídias, promover os serviços oferecidos pela empresa.

O marketing digital é cada vez maior e o número de empresas escrevendo bons


conteúdos cresce continuamente. Portanto, com mais informação circulando, é vital que o
CMO, ou quem lhe fizer as vezes, gerencie o conteúdo e imprima a marca da empresa em cada
material impresso ou post gerado. Dessa forma, a empresa pode se tornar referência no assunto
em que está escrevendo. Outra função muito importante é manter o ritmo nas postagens, para
acelerar os resultados do trabalho de marketing digital. Cabe aqui a observação de que essa
explosão de textos mercantis nas redes sociais cria uma demanda pelos serviços de revisão,
cabendo-nos aproveitá-la para oferecer nossos serviços.
9-274

Há duas vertentes do marketing que merecem nossa atenção, do ponto de vista do


gerenciamento da revisão, o marketing de conteúdo, cujo objetivo é oferecer informação
relevante ao cliente-leitor, podendo gerar resultados financeiros, e o marketing de atração
(inbound marketing), destinado diretamente a captar clientes. O marketing de atração inclui em
suas táticas elementos de SEO, mídias sociais, marketing de influência e outras formas de
comunicação de marca. Por essa senda, o gestor do serviço alcança os papéis de negociador e
vendedor (consultor técnico).

A maioria das tarefas linguísticas e não linguísticas no mercado dos textos começa pela
consulta do cliente face algum anúncio, por recomendação, ou como resultado de pesquisa na
internet. Posteriormente, o gerente de projetos faz o primeiro contato com o cliente,
respondendo a consulta e solicitando os dados (ou o texto) para o orçamento, bem como as
informações de preço e finalidade do documento. É de fundamental importância que a confiança
do cliente seja estabelecida antes do lançamento do projeto. O tom da resposta deve estar de
acordo com o cliente; eles têm que sentir nosso profissionalismo em nossas perguntas e nas
respostas que dermos, pois, assim como o preço e o prazo propostos, toda a negociação do
orçamento também influencia a decisão do cliente de fechar o contrato.

Após entender a tarefa, o colaborador da empresa de revisão avalia a viabilidade do


projeto e os recursos (a capacidade combinada de colegas internos e externos e recursos
técnicos). O próximo passo é enviar a oferta ao cliente com a descrição do conteúdo do serviço,
com relação às solicitações do cliente. Os preços podem ocorrer com base nos contratos
anteriores do cliente e do provedor de serviços ou com base em uma avaliação ad hoc. De
acordo com as práticas comuns, nacionais e internacionais, o preço dos serviços de textos é, na
maioria dos casos, calculado pelo número de laudas (configuradas segundo determinado
número de toques: caracteres e espaços) ou de palavras no arquivo original, para que o cliente
possa ver o preço final instantaneamente e não apenas uma estimativa preliminar. No caso de
outras tarefas linguísticas ou não diretamente linguísticas (como ilustrações, multimídia,
formatação ou edição de publicação), o custo do trabalho é determinado por horas de trabalho,
por elemento gráfico, por pesquisas necessárias, entre outros fatores. Claro, há alguns casos em
que oferecemos preço conjunto para todo o projeto devido a sua complexidade, mas entendemos
que orçamentos bem discriminados são mais convincentes e, mesmo que o custo global se torne
elevado, o cliente vai perceber melhor de onde surgiu aquele valor.
9-275

No início do atendimento, respondemos ao pedido do cliente com uma oferta comercial


e profissional, o orçamento apresenta a maior parte das condições a serem estabelecidas e pode
ser complementado com um contrato de prestação de serviços. Isso determinará o orçamento
do projeto, o valor pelo qual podemos trabalhar. Durante o planejamento orçamentário, além
do custo de mão de obra dos participantes, também temos que calcular os custos de manutenção
do escritório e a remuneração dos funcionários de manutenção – se esses custos não aparecerem
imediatamente na soma gasta durante a implantação do serviço. Tarefas financeiras também
surgem após o envio do trabalho concluído: a emissão de fatura e da nota fiscal ao cliente
também é tarefa do gerente de projetos em alguns provedores, assim como lhe cumpre atentar
às despesas contábeis e tributárias. Após aceitar a oferta, a função do linguista desempenha o
papel dominante.

Mesmo durante a elaboração da proposta orçamentária, é necessário considerar a qual


profissional o texto pode ser atribuído, já que essa é a única forma de planejar o uso dos recursos
humanos com antecedência. Por exemplo, no caso de um texto legal, o gerente de projetos
pergunta aos revisores (ou já sabe) sobre sua capacidade antecipadamente. No entanto, para
isso, o conhecimento linguístico e operacional de revisão é importante para determinar em quais
áreas jurídicas os revisores solicitados devem ser especializados.

Para a distribuição efetiva das tarefas, é essencial conhecer bem os revisores. A ordem
de serviço, a aceitação do orçamento pelo cliente, é seguida pelo estudo minucioso do escrito,
muitas vezes envolvendo os revisores. Para o planejamento, é necessário saber se as
terminologias devem ser harmonizadas com o cliente ou se o documento tem antecedente que
pode ou deve ser usado para a nova tarefa.

Além do campo profissional, as necessidades linguísticas especiais também devem ser


determinadas, por exemplo, qual variação regional da língua dada é exigida pelo cliente (por
exemplo, português brasileiro ou lusitano); ainda podemos ser mais específicos: as teses
jurídicas destinadas a instituições no Sul do Brasil requerem revisão rigorosa quanto a
construções que são consideradas gongorismo por lá, ao passo que são usuais nas regiões
Sudeste e Nordeste, por exemplo. Portanto, esclarecer questões sobre terminologia também é
tarefa do gerente de projetos, bem como decidir se o projeto requer a liderança de um revisor
sênior que esclareça as dúvidas linguísticas relativas à revisão com a equipe de revisores. A
próxima etapa é o planejamento da implementação técnica da revisão.
9-276

Em outra vertente, a da engenharia da linguagem, o pilar da parte tecnológica é a seleção


da ferramenta de assistência à revisão. Todas as agências de revisão, assim como os revisores
autônomos, usam software de editoração e de revisão para otimizar o progresso, uma vez que
tais ferramentas permitem trabalho mais rápido, eficiente e consistente. O uso dessas
ferramentas é sempre determinado pelo gerente de projetos. O processo antecedente ao projeto,
as definições de estratégia, marketing, política de venda do serviço, seleção de software e de
plataformas, desempenha papel importante em sua decisão, mas as preferências do revisor ou
do cliente também são levadas em consideração.

O gerente de projetos analisa o original usando a ferramenta para ser capaz de


determinar seu tamanho exato e até mesmo o grau de dificuldade do texto pode ser checado
com ferramentas eletrônicas. Também pode ser feita a revisão de dois ou três segmentos do
documento, como amostra para se estabelecer o grau de interferência que será necessário, para
enviar ao cliente, como demonstração do processo e para fornecer material capaz de subsidiar
instruções preliminares. Nesse ponto, o papel do gerente de projetos como editor e como revisor
começa a tomar o centro do palco, pois é necessário possuir habilidades básicas em relação a
formatos de arquivos menos comuns e ao uso de ferramentas de assistência de revisão.

No caso de tarefas tecnicamente complexas, envolvendo gerenciamento de documentos


(por exemplo, edição de publicação no InDesign ou FrameMaker, sistemas de gerenciamento
de conteúdo baseados em XML, arquivos de sistemas de suporte baseados em HTML), as
dificuldades não derivam de técnicas implementação, uma vez que essa tarefa é realizada por
colegas especialistas naqueles assuntos. No entanto, o desafio do gestor ou do revisor investido
da gestão é a harmonização e organização simultânea do trabalho dos participantes. Pedidos de
alteração de última hora, ou conjuntos de caracteres gráficos (fontes) ausentes, por exemplo,
podem comprometer o prazo e exigir ação imediata. Caberá obter o recurso demandado e dar
acesso a ele ao profissional a que competir.

Nem todos os arquivos vêm em formato editável. Por exemplo, em casos específicos,
recebe-se o material em formato Adobe, eventualmente em arquivo não editável, ou em
PageMaker (programa em completo desuso, mas – do nada – ressurge um arquivo editado nele
para ser atualizado!) e boa parte da equipe não tem os softwares ou não sabe editar nesses
programas, notadamente para a revisão de prova ou para uma nova edição de um texto já
publicado. Embora não seja papel do gerente de projetos tornar os originais editáveis para
processamento da revisão, na prática, muitas vezes acontece que, em provedores de revisão
9-277

menores, isso faz parte do trabalho cotidiano dele. As empresas de revisão, geralmente,
procuram revisores providos de softwares prontos para uso que contenham ferramentas de
assistência de revisão capazes de editar a maioria dos arquivos em voga, entretanto, se não
houver outro recurso interno disponível, o gerente de edição deve desempenhar o papel do
editor-chefe, distribuindo a messe entre os revisores usuários do hardware e do software mais
compatíveis com o projeto. Dependendo da situação, pode ser necessário contratar um serviço
externo que extraia o conteúdo ou o converta em formato editável.

Pode ocorrer que, antes de enviar a revisão, uma alteração feita durante a verificação de
qualidade altere a formatação, mas não há mais nenhuma oportunidade de pedir ajuda aos
colegas. Nesse caso, é necessária a intervenção imediata que também requer conhecimento
profissional específico. Ainda pode ocorrer que não possamos escolher os profissionais mais
adequados para um projeto de menor orçamento devido à alta remuneração dos revisores mais
qualificados. Para esse profissional com formação específica e larga experiência, devem ser
selecionados trabalhos em que o orçamento do produto também seja considerado e esteja
compatível.

Se houve projetos antecedentes relacionados, o primeiro contato é feito com os


profissionais que trabalharam neles. Às vezes, o cliente escolhe a equipe de revisores após uma
revisão de teste, isso deve ser considerado para que possamos planejar com base na
disponibilidade da equipe ou do linguista preferido pelo cliente. No entanto, no caso de assuntos
específicos ou gêneros menos comuns, os revisores envolvidos lidarão com aquelas
especificidades pela primeira vez, o que traz novos desafios. Se a cooperação com o profissional
ou time selecionado for nova, é tarefa do gerente de projetos negociar as condições contratuais
(remuneração incluída) e a supervisão que será exercida.

O gerente de projetos terá prazer em cooperar (no sentido mesmo de trabalhar junto) na
equipe – inclusive de revisores – que, além de suas habilidades profissionais e linguísticas,
sejam minuciosos, precisos, sigam instruções, além de serem proativos e disponíveis. A
confiabilidade do revisor também se manifesta em aceitar o trabalho apenas se ele puder ser
concluído realisticamente até o prazo final. Com esse revisor, uma relação de trabalho estável
se desenvolverá e eles serão procurados novamente pelo cliente que houver sido bem atendido,
mesmo que não tenham tempo para mais trabalho em outra oportunidade – cabendo, nesse caso,
outra escolha compatível. Isso será possível porque a agência de revisão sabe que age de forma
responsável para realizar trabalhos de alta qualidade. O revisor recém-recrutado, ainda que
9-278

profissional experiente e bem qualificado, nem sempre está familiarizado com a ferramenta de
RAC adotada, com as expectativas da agência (por exemplo, em relação ao controle de
alterações, às consultas ao cliente, ao fluxograma do serviço) ou com os padrões de editoração
internos, portanto, ele pode ter dificuldades em começar a trabalhar imediatamente com o
arquivo preparado, ou em atender à sequência do trabalho tal como proposta. Nesses casos, o
gerente de projetos operatório de TI ajuda a resolver os obstáculos.

Do mesmo modo, os revisores pedem frequentemente ajuda ao especialista em TI para


instalar ou usar softwares ou plataformas de trabalho coletivo. Nesses casos, o gerente de
projetos apoia o colega com conselhos e dicas práticas; às vezes, o pessoal de TI remove os
obstáculos técnicos à distância. Isso só pode ser feito se eles forem capazes de fornecer suporte
ao usuário confiante e treinado, preparado para responder a todas as perguntas possíveis. O uso
dessas ferramentas nem sempre é inequívoco para revisores iniciantes e, às vezes, até mesmo
para profissionais experientes essas questões podem constituir obstáculo. O apoio por parte do
gerente de projetos na solução dos casos ligados à TI pode ser fundamental para estabelecer a
cooperação e a relação de trabalho baseada na confiança. Nesse ponto, não apenas as
habilidades de TI, mas também a atitude didática é importante.

A importância da comunicação foi mencionada várias vezes ao longo dos capítulos


precedentes; ela é a finalidade da revisão em sentido abstrato. No entanto, do ponto de vista
gerencial, não basta reconhecer as situações e se comunicar adequadamente com cada membro
da equipe – o conteúdo da comunicação também é importante, assim como a inteligibilidade e
a clareza da explicação, apoiando a realização exata da tarefa desde o início. O gerente de
projetos deve dar instruções e enviar mensagens claras, não apenas para os membros da equipe
envolvida, mas também durante a consulta ao cliente; o profissional tem que se esforçar para
ter absoluta clareza quanto à descrição do processo, respondendo a perguntas e esclarecendo
questões terminológicas. Portanto, cabe ao gerente de projetos ser como um bom professor:
redige com precisão, instrui de forma inequívoca, informa adequadamente; ele ajuda, ensina e
explica paciente e eficientemente. Ele planeja o processo e pensa em cada etapa, antevê as
dificuldades, pondera em relação aos problemas potenciais e fornece sugestões de soluções,
incentiva; todavia, de forma alguma ele desempenha a tarefa no lugar dos integrantes da equipe
evolvidos no serviço.

De volta ao ciclo do projeto na agência de revisão: o pedido do cliente é sempre seguido


por um planejamento minucioso, circunspecto, pensado e responsável com a atribuição de
9-279

tarefas a cada membro da equipe. Após a recepção do texto, bem como em seguida à seleção
dos revisores e demais profissionais envolvidos, os subprocessos são constantemente
acompanhados. A revisão finalizada passa pela verificação de qualidade. Aqui o gerente de
projetos, mais uma vez, trabalha como linguista, ou como editor-chefe da publicação. Esse
subprocesso nunca deve ser omitido para garantir a alta qualidade do produto.

Além da viabilidade técnica de cada projeto de revisão, e do acesso aos recursos de


informática disponíveis (ferramentas de verificação incorporadas às ferramentas de RAC,
controle de alterações, comparações eletrônicas de textos), o conhecimento humano do revisor-
gerente desempenha novamente papel fundamental. Cumpre ao gerente de projetos verificar as
revisões e inclusive as formatações e composições gráficas, constatando se foram concluídas
em parâmetros adequados e que lhe sejam familiares – caso contrário, ele deve solicitar o apoio
de mais um colaborador.

Os nomes, números e referências também devem ser conferidos. Se um erro, dúvida ou


questionamento for encontrado pelo gestor, cabe pedir ajuda de um colega para verificar a
questão, outro revisor ou um linguista independente que esteja familiarizado com a linguagem,
o gênero e até mesmo o assunto do texto pode vir a ser necessário; felizmente, todos os
profissionais, inclusive os autônomos, costumamos ter ampla rede de colegas de trabalho a
quem recorremos em nossas dúvidas – e tantas vezes temos, nós todos, socorrido outros
profissionais em seus questionamentos.

Após a conclusão, ao temido fim do prazo, é hora da entrega do serviço ao contratante.


Nesse estágio, o revisor reassume o papel de gerente de atendimento ao cliente. Não se trata
apenas de entregar o trabalho, mas é o tempo de apresentar o trabalho feito, bem como de
solicitar ao cliente o feedback, questioná-lo sobre a satisfação obtida em relação a seus
propósitos; trata-se da preparação para o próximo projeto, de manter o cliente captado e de fazer
com que ele tenha uma boa imagem da agência e se sinta estimulado a indicar os serviços a
terceiros. Cabem, por exemplo, algumas palavras de acompanhamento ou uma conversa
telefônica curta. Isso aprofunda a confiança, garantindo uma relação de trabalho estável e futura
cooperação em novos projetos.

O feedback do cliente não sinaliza o fim do projeto, pois é seguido por avaliação interna:
o gerente de projetos envia a avaliação do revisor ao cliente ou do cliente para o revisor.
Transmitir a visão do cliente satisfeito é tão importante quanto transmitir possíveis pontos
9-280

negativos. Ambos são indicadores de cooperação e, portanto, são partes essenciais da


comunicação do cliente e da equipe do projeto. Essa é a maneira pela qual se pode criar boa
reputação, lidar com as partes desagradáveis envolvidas no trabalho em conjunto, mantendo a
estabilidade funcional e profissional. Assim, também, é que se pode manter o contínuo
aperfeiçoamento do pessoal da agência e aperfeiçoar o fluxo do trabalho. O projeto termina
com o arquivamento e a manutenção dos documentos do serviço, uma vez que a conclusão de
um mandado sinaliza a preparação para o próximo – além do mais, todo serviço arquivado é
fonte de estudo e de eventual consulta futura.

Podemos muito bem pensar que a administração seja fator secundário, muitas vezes ela
é confusa e amadorística em agências de revisão, e o gerente de projetos, fazendo malabarismo
com serviços paralelos, considera os processos de gestão um empecilho; é importante cuidar
que as rotinas estabelecidas abram vias para a tramitação sem constituírem, elas mesmas,
obstáculos ao melhor fluxo de trabalho. Para ser sempre capaz de reagir a tudo, é importante
acompanhar constantemente os passos específicos. O gestor acompanha as tarefas dadas em
algum sistema de gerenciamento de projetos, um software criado para este fim, ou acompanha
os eventos com seus próprios métodos, que podem variar de planilhas de fluxo a qualquer tipo
de registro, segundo o volume de informações a ser controlado.

Uma parte da administração também inclui algumas tarefas ligadas à área financeira e
outras à compreensão das características pessoais dos envolvidos. O gerente de projetos lida
com muitos de sujeitos (clientes e profissionais do texto), tarefas e problemas. Para lidar com
eles, uma chave para o sucesso deverá ser encontrada; as situações têm que ser tratadas ouvindo
o outro com empatia e abertura – o gerente de projetos procura ouvir como um psicólogo ou
um amigo, mas sempre com o viés profissional.

Nós, que trabalhamos principalmente com o público acadêmico, recebemos


frequentemente o estudante que está concluindo sua tese ou dissertação; sempre ouvimos a
narrativa das dificuldades do curso todo, os problemas familiares durante a pesquisa e a redação,
as tensões, o estresse da fase final de orientação, a quase inexorável corrida contra o calendário
às vésperas do depósito para a defesa do título. As dificuldades com as exigências do programa
de pós-graduação, as dúvidas quanto às normas, a preocupação com as despesas da revisão e
formatação são outros componentes do drama de um fim de mestrado ou doutoramento. Sempre
tivemos que ouvir essas histórias, muito similares geralmente, e nos coube tranquilizar o cliente,
transmitir a confiança em nosso trabalho, e, para isso mesmo, adotamos a política de enviar a
9-281

cada um, diariamente, o estado da arte de seu trabalho. Acreditamos que nosso procedimento
vá acalmando o cliente, na medida do possível, além de ter outros benefícios muito específicos.

Eventos e situações inesperadas podem ocorrer quando o “gerente de projetos-


psicólogo” precisa ajudar o revisor, o formatador ou outro envolvido em seus problemas
pessoais, usando toda a gama de recursos para lidar com o indivíduo, com a pessoa – o ser
humano que está, momentaneamente, convertido em profissional, mas que nunca, por nenhum
motivo, se despe de sua humanidade, de suas fraquezas, suas idiossincrasias; trata-se de não
pensar os membros do grupo como máquinas. Esse pode ser o papel mais difícil, porque o
gerente de projetos usa ferramentas que não foram aprendidas com livros, que não são inerentes
à formação linguística e que requerem dele o que ele tem em comum com as pessoas: a própria
humanidade. Quando desempenha a contento esse papel, o profissional sente também a
gratificação maior que é a de ter sido útil e construtivo para além do serviço sobre o texto.

O revisor autônomo, aquele que não atua para uma agência, ou que raramente o faz,
assume e encarna o papel do gerente de todos os projetos, “trocando continuamente de chapéu”,
desde gerenciando seu próprio marketing, até fazendo as vezes de psicólogo para seus clientes
e para si. Esse profissional não tem direito de passar por dias difíceis, de se sentir deprimido,
de ficar gripado… No limite, o revisor autônomo poderá ter um colega a quem repassar o
serviço, em caso de sobrevir alguma dessas calamidades privadas.

Podemos dizer que estamos lidando com um papel complexo quando nos referimos ao
gerente de projetos de revisão, mas sempre é muito desafiador quando tentamos descrever o
líder, o gestor de um serviço linguístico. Ele vai trabalhar como condutor em todas as situações,
frequentemente, estressado com a pressão de prazo ou com a falta de recursos e pessoal – e com
a universal responsabilidade de gerar receita, apresentando resultado satisfatório ao cliente.
Além disso, o gerente tomará muitas decisões de forma independente, responsiva, priorizando
adequada e constantemente, pensando com critérios voltados ao sucesso de cada empreitada.
Para isso, um pouco de humor é essencial, às vezes, ele vale mais que qualquer conhecimento
ou técnica de resolução de problemas. Se é necessário o universal bom senso, não se descarte o
senso de responsabilidade, o senso de humanidade e de companheirismo para com todos os
envolvidos em cada trabalho, sem julgamento das ideias e das opiniões, mas com serenidade e
consciência de que, depois de cada projeto, haverá mais outro – e é para isso que trabalhamos.209

209 Adaptado de (FÖLDES, 2016).


9-282

9.3 TAREFAS PREPARATÓRIAS

Os documentos a serem revisados podem chegar em muitos formatos diferentes e ele


precisam, com frequência, atender a uma série de critérios técnicos (codificação, tamanho,
referências, terminologia, conversões de unidades de medição, segmentos não revisáveis e
outros não traduzíveis, questões relacionadas à origem, condições de configuração). A
conversão de formato de arquivos, a extração de textos de imagens ou de programas obsoletos,
as traduções eletrônicas, as contínuas adaptações fazem dos escritos objetos de trabalho bem
mais complexo que o texto ideal, em formato digital, em Word, com um autor acessível. A
preparação de arquivos antes da revisão e as tarefas de reparação para a entrega do arquivo
revisado são partes indispensáveis do processo de revisão, não apenas para empresas de revisão,
mas também para revisores autônomos. Portanto, é essencial estar familiarizado com as
armadilhas e oportunidades de lidar com diferentes formatos de arquivo em um ambiente de
RAC. O objetivo aqui será definir tarefas e aspectos relacionados à preparação técnica e
linguística e pré- e pós-revisão do material na perspectiva de revisores profissionais.

No caso de haver arquivos de origem não editáveis, deve ser decidido primeiro se o
texto deve ser extraído em algum formato editável com a ajuda de um software de OCR ou se
ele deve ser revisado sem a ajuda da RAC. Se decidirmos extrair o texto, após o reconhecimento
do OCR, um formato editável deve ser criado que se assemelhe ao original, tanto quanto
possível, do ponto de vista editorial. É importante tal semelhança, porque os benefícios das
ferramentas de RAC podem ser explorados apenas se o original estiver em formato editável,
mas a disposição gráfica também é importante elemento da comunicação, principalmente se ela
for mantida na recomposição futura. Alguns aspectos a serem necessários para OCR:

• vale a pena trabalhar com software de OCR profissional, já que eles produzem
texto surpreendentemente de boa qualidade e editável (dependendo, claro da
qualidade da imagem do original);

• antes de remover as imagens e gráficos, vale a pena perguntar se o cliente os tem


em um formato editável (o chamado gráfico vetorial) ou no arquivo original em
que foram gerados (Excel, por exemplo);

• examinar cada página separadamente no software de OCR e fazer ajustes antes


de exportar.
9-283

Quadro 8 – Programas de OCR


Nome Licença Sistema Notas
Software de acesso web que traz todas as
Acesso
Google Drive Freeware funcionalidades do OCR e converte em vários
web
formatos.
Linux,
Também conhecido por JOCR. É utilizado por linha de
GOCR GPL Windows,
comando, sem interface gráfica.
OS/2
HOCR GPL Linux OCR Hebraico
Programa OCR para leitura de textos de imagens. Vem
SimpleOCR Freeware Windows também em formato ActiveX DLL para melhor
interoperabilidade entre componentes COM e afins.
Programa OCR para leitura de imagens. Possui
reconhecimento de texto em português, boa qualidade
TopOCR Freeware Windows
das ferramentas de edição para configuração da
leitura.
Freeware Windows,
OCR
e versões Mac OS X, Serviço de OCR baseado na web.
Terminal
comerciais Linux
Licença Utiliza o motor do Tesseract, suporta PDF e os
FreeOCR Apache Windows formatos mais comuns de imagem, a partir da versão
2.0 4.2 suporta reconhecimento em português.
Licença Windows,
Motor que permite o reconhecimento de textos em
Tesseract Apache Mac OS X,
imagens, suportando diferentes línguas.
2.0 Linux
Também é possível submeter arquivos em conversores on-line como o disponível no sítio do Google
Drive e no site do Free OCR (não confundir com o FreeOCR listado acima). Notar ainda que muitos
scanners dispõem de seus próprios programas de OCR; há múltiplas opções.

• Adobe Acrobat (Windows, macOS);


• BIT-Alpha (Windows);
• ABBYY FineReader (Unix, Windows, macOS);
• ExactScan Pro (macOS);
• OCRKit (macOS);
• Readiris (Unix, Windows, macOS);
• Nuance Omnipage (Windows);
• Nicomsoft OCR (Windows, Unix).

Quando se processa o documento na ferramenta de OCR, ela reconhece o texto a ser


revisado e executa um processo de segmentação que ocorre de acordo com certos sinais
definidos, os chamados determinantes do segmento (por exemplo, parada total no fim de uma
frase, limite gráfico, pontuação). As unidades segmentadas são inseridas na memória de revisão
(eletrônica), juntamente das partes de segmento revisadas. Isso vai ajudar o revisor quando cada
novo segmento for revisado, se há uma língua determinada como fonte para o processamento.
Portanto, é importante garantir que o arquivo seja cuidadosamente preparado, mesmo do ponto
de vista da segmentação (página, janela, quadro). É necessário prestar atenção a isso para que,
durante a preparação, haja correspondências úteis encontradas na memória de revisão, com cada
9-284

segmento parcial ou totalmente idêntico do já convertido em texto. A memória de revisão do


programa de OCR examina a fonte dos segmentos e, com base nesse processo, avalia a
porcentagem das correspondências.210

A recriação do formato original aproximado faz parte do OCR. As ferramentas de RAC


(e editoração) lidam com a formatação quase sem falhas, não há necessidade de incluir a
formatação do documento entre as tarefas pós-revisão caso a revisão esteja pressionada pelo
tempo e caso a formatação não faça parte do contrato. A revisão pode ser iniciada no formato
editado, independentemente de o cliente esperar que a revisão entregue esteja em Microsoft 365
ou outro formato de software.

Se a formatação for indicada no contrato, algumas recomendações superficiais incluem:

• usar estilo com máximo de três níveis numerados decimalmente;

• o sumário deve ser gerado com base no estilo;

• os índices (analítico, onomástico, toponímico, de autoridades) devem ser


gerados com a ajuda de campos definidos no estilo;

• notas de rodapé, cabeçalhos e rodapés devem ser definidos com a função


apropriada;

• criar hiperlinks adequados;

• aplicar qualquer formatação única incluída no original;

• usar fontes que sejam muito semelhantes ao original.

O revisor pode receber os originais diretamente em formato de software de publicação


de desktop. Os manuais do usuário são geralmente publicados no FrameMaker, enquanto
folhetos e catálogos coloridos são geralmente criados no formato InDesign. Pode haver
originais antigos preparados em QuarkXPress, PageMaker e InCopy, no entanto, eles não são
muito comuns – e, se esses programas não resistirão às décadas futuras, haverá outros melhores
a cada quadra, mas sempre haverá a necessidade de recuperar arquivos de décadas anteriores,
para atualização e nova edição.

210 Adaptado de (VARGA, 2016).


9-285

Todos esses formatos são editáveis, portanto, passíveis de revisão – em teoria. No


entanto, a abertura desses formatos de arquivo requer a compra de programas e conhecimentos
bastante caros para poder lidar com eles. Do ponto de vista da revisão, não é recomendável
fazer a revisão diretamente no software de publicação de desktop, mesmo que ele esteja
disponível para o revisor.

No caso dos editores de desktop mais populares, pode-se evitar o enorme investimento
de compra e, em seguida, aprender a usar o software ao importar um formato de arquivo
adequadamente convertido em sua ferramenta de RAC. Por um lado, a memória de revisão (se
houver uma) pode ser utilizada, por outro lado, a revisão pode ser feita no formato familiar e
na velocidade regular. Pode não haver sinais óbvios de que o material revisado esteja em
formato de publicação de desktop. Firmando nossa posição, não deve ser o revisor que se adapta
à necessidade da editoração, mas deve haver entendimento entre os especialistas envolvidos,
com a clareza de que, se o revisor se ajustar à demanda editorial, haverá perda qualitativa na
revisão, até o ponto de ela se tornar impraticável.

Quando a revisão estiver pronta, o arquivo deve ser exportado da ferramenta de revisão
eletrônica, e as conversões necessárias devem ser realizadas para que o documento possa ser
enviado de acordo com as solicitações do cliente. Se o arquivo de origem não pôde ser aberto
no software de publicação de desktop, mas o revisor poderia trabalhar com ele na ferramenta
de revisão, é muito importante garantir que haja um arquivo em formato portável (PDF –
portable document format) ou outra visualização para se monitorar o layout de todo o arquivo.

Recomenda-se deixar para o especialista a conversão e a importação para arquivo


editável, os arranjos de configuração individuais e a exportação do documento final. Atenção
especial deve ser dada aos documentos revisados em publicação de formato desktop, uma vez
que ele é bem pouco flexível, com o layout exato dos elementos gráficos e textos que mudarão
de aparência se a inscrição revisada for mais longa ou curta que o original. O técnico da
diagramação pode solicitar que certas partes sejam encurtadas, mas – normalmente – o inverso
é mais comum: os revisores aplicam o princípio da concisão e o produto revisado tende a ser
mais curto que o original; é a regra, mas sempre haverá exceções.

Em muitos casos, nem todo o material de origem deve ser revisado. Se houver
segmentos do documento tão claramente sem nexo textual, eles podem ser marcados como não
passíveis de revisão na ferramenta de RAC. Obviamente, alguns segmentos podem ser
9-286

removidos individualmente (e às vezes são mesmo expletivos – resquício de versão, fragmento


de ideia, frase irrelevante truncada), mas, nesses casos, o revisor deve prestar atenção para
reinseri-los durante as tarefas de pré-entrega, caso o autor reescreva o segmento a tempo.

No entanto, pode acontecer que haja um arquivo não editável contendo elemento gráfico
que deve ser alterado. Nesse caso, o revisor não só precisa extrair o texto, mas também deve
negociar com o cliente como inserir a revisão – se é tarefa do revisor colocá-lo no elemento
gráfico (por exemplo, em caixa de texto) ou ele deve ser enviado separadamente.

O revisor prestará atenção às capturas de tela. Pode-se presumir que o software a partir
do qual a imagem foi gerada já foi localizado, portanto, seria prático recompor a partir do
software original – quando possível. Se encontrar o arquivo original não for uma solução viável,
o procedimento escrito acima é aplicável – mas com muitas ressalvas quanto à qualidade da
imagem.

É comum nas planilhas do Excel que as diferentes folhas, colunas ou linhas devam ser
deixadas no original. Felizmente, existem soluções muito fáceis e confortáveis para isso,
também graças às ferramentas de RAC:

• as peças em questão podem ser ocultadas na página do Excel, portanto não serão
importadas para a ferramenta de revisão;

• pode-se definir as partes que não são revisáveis na ferramenta de revisão


eletrônica.

É regra geral usar a fonte gráfica da origem. No entanto, pode acontecer que o programa
de revisão não suporte a fonte do documento original – ou que aquela fonte comprometa a
legibilidade do revisor (questão mesmo de ergonomia visual). Nesse caso, outra fonte – com o
consentimento do cliente – será aplicada. Pode ser recomendado substituir fontes serifadas por
outras sem serifa para determinados textos – ou mesmo pode caber a conversão no sentido
contrário, dependendo do conforto visual do revisor. Caberá reconversão ao fim da revisão,
salvo orientação contrária.

No caso de revisão de segmento obtido por OCR, para espaços determinados,


formulários, legendas e outros campos desses tipos, deve-se dar ênfase especial à aplicação de
limites durante a fase de preparação. O revisor deve buscar a solução que mantenha o controle
automatizado do tamanho do texto. Se houver texto curto, uma fórmula de comprimento no
9-287

programa Excel poderia cuidar do problema, mas é bastante desconfortável revisar um


documento em Excel. As ferramentas de RAC também podem oferecer solução para esse
problema. Por exemplo, uma nota de comentários do Word pode especificar um limite de
caracteres e, durante a fase de controle de qualidade, verifica-se a conformidade e se emite um
sinal de alerta se o limite for excedido.

Processar e incorporar referências no contexto de revisão é parte essencial do processo


de preparação. Há um lado linguístico e outro técnico nisso. No caso do trabalho em equipe, o
gerente de projetos, o revisor e o formatador devem chegar a um acordo nessa fase. Referências
inseridas eletronicamente são de grande ajuda, mas os clientes tendem a enviar referências
lançadas manualmente. As referências eletrônicas, automáticas, não devem ser editadas pelo
revisor. Uma nota sobre problemas, por exemplo erros de digitação, deverá ser enviada ao autor,
pois o revisor não terá, eventualmente, acesso à base de dados que gerou a referência ou ao
software empregado (são incontáveis as alternativas de programas que fazem isso). No caso de
referências digitadas como texto, a interferência e a formatação devida podem, e entendemos
que devam, anteceder a revisão; assim, a revisão incidirá, inclusive, sobre a formatação
aplicada. O mesmo procedimento é aplicável a textos transpostos de arquivos de formatos
diferentes do programa usado durante a revisão (por OCR, ou compatibilização de originais).

Se houver intertexto ou paratexto que sirva de referência, citação, comparação ou nota,


ele pode ser facilmente incorporado ao ambiente de revisão, tornando-se disponível para o
revisor como parte do serviço inclusa na memória de revisão. Não ajuda muito se o segmento
de paratexto não puder ser editado. Nesses casos, deve ser avaliado quanto tempo levaria para
convertê-lo em formato editável e quão relevante ele é, sem se descartar a possibilidade de que
o fragmento seja, simplesmente, digitado.

Um dos melhores momentos de cooperação ocorre quando o cliente envia ao revisor um


glossário contendo a revisão esperada das palavras-chave. Qualquer lista pode ser facilmente
convertida em um formato de Excel e importada para a ferramenta de RAC. A partir desse
ponto, essas palavras devem ser usadas durante o processo de revisão, mas isso é tão raro que,
praticamente, não ocorre: os clientes desconhecem tal possibilidade, assim como a maioria dos
revisores.

Já que o cliente não fornecerá um glossário, mas devido à natureza do trabalho de


revisão a compilação ou a atualização de um glossário anterior é aconselhável, ele pode ser
9-288

preparado extraindo terminologia do documento em curso. Esse glossário pode ser feito das
seguintes maneiras:

• a revisão da terminologia deve ser selecionada a partir das referências


fornecidas;

• deixar a revisão da terminologia para o processo de revisão final, ou para o


controle de qualidade.

É aconselhável obter aprovação do cliente em relação ao glossário compilado pelo


revisor. Não se trata principalmente de questão técnica, no entanto, deve-se notar que, em caso
de discrepância entre a referência e o glossário recebido, o revisor deve buscar instrução do
cliente sobre a prioridade.

Graças aos modernos sistemas de gerenciamento de conteúdo, é cada vez mais comum
o revisor receber o arquivo de origem em linguagem de marcação (HTML, XML). No passado,
isso exigia assistência significativa do engenheiro de idiomas, entretanto, hoje em dia, esses
formatos de arquivo são bem suportados pelas ferramentas de RAC com diferentes
configurações e filtros, especialmente se o documento for um XML bem estruturado, padrão,
ou arquivo HTML.

A diferença entre revisar esses arquivos basicamente editáveis e um documento simples


do Word é que o primeiro contém uma série de informações e partes de documento, marcações
que não podem ser modificadas durante o processo de revisão.

Se revisarmos esses arquivos incorretamente (se qualquer uma dessas tags for
danificada), então, as informações de programação ou formatação inerentes ao arquivo também
serão danificadas. Vale a pena executar uma pré-revisão, depois exportar o documento e
verificar se o arquivo está totalmente funcional no formato final. De qualquer forma, não é
recomendável iniciar o trabalho de revisão nos arquivos originais; eles devem ser revisados
com ferramentas de RAC, mas, mesmo assim, deve-se prestar atenção cuidadosa aos detalhes
técnicos. No caso de o revisor encontrar problemas com as configurações padrão, recomenda-
se pedir ajuda a um especialista ou a um engenheiro de idiomas, ou ao técnico de TI do cliente,
se não houver um disponível na agência – o que é improvável que haja.

Uma série de intercorrências durante a redação ou durante a recuperação de textos de


diferentes formatos de origem, normalmente, gera infindável número de marcas, efeitos, macros
9-289

e tags nos arquivos. Esses registros, muitas vezes invisíveis à impressão ou à exibição em tela,
constituem problemas que devem ser eliminados do texto antes do processamento da revisão,
ou constituem marcações invisíveis à impressão que devem ser mantidas para não desfazer a
formatação.

Portanto, fazem-se necessários os procedimentos reconhecíveis como formatação


primária, que depuram os textos de todos os problemas desse tipo, quando couber. Essa
formatação primária faz parte de nossa rotina de pré-revisão na preparação dos documentos.
No quadro que se segue, apresentamos os principais eventos e os comandos para corrigi-los no
editor mais usado (Microsoft Word).

Quadro 9 – Rotina de pré-revisão


Ocorrência Justificativa Interferência
Salvar como (arquivo.txt) ou versão que
O cliente insere e retira
Macros e comandos exclua toda a formatação, macros e
constantemente comandos de seu
fantasma no comandos originais. Salvar como nota
arquivo, criando conflitos e
arquivo original. (Bloco de Notas) é o mais eficiente e
problemas.
completo.
Tentativa de formatar o
Substituir parágrafo duplo por simples.
Duplo parágrafo. parágrafo dando espaços, ao
Localizar [^p^p] e substituir por [^p].
invés de configurar o formato.
O cliente tenta formatar, erra na
Localizar e substituir espaços duplos [ ]
Múltiplos espaços digitação ou esquece espaços
por simples [ ]; repetir a operação até
entre as palavras. pela movimentação de palavras
zerar as substituições.
ou grupos.
Primária

Espaços antes ou
Mais comumente por erro de Localizar [ ^p] e [^p ]e substituir por
depois de marcas
digitação. [^p].
de parágrafo.
Rotina de Formatação

Espaços antes de
Mais comumente por erro de Localizar cada um deles, exemplo [ .] e
sinais de pontuação
digitação. substituir por [.].
[., ; : ! ? “].
Espaços depois e
antes de sinais de Mais comumente por erro de Localizar cada um deles, ( Exemplo ) e
parênteses ( digitação. substituir (Exemplo); [( ] por [(] etc.
Exemplo ).
O cliente costuma não conhecer
Uso de hífen [ - ]
o atalho para o travessão “n” [ – Localizar [ - ]e substituir [ – ] {Ctrl+-}.
entre as palavras.
].
Uso de reticências O cliente costuma não conhecer Localizar [...] (três pontos) e trocar por
[…]. o atalho para reticências […]. […] reticências {Ctrl+Alt+.}.
O destino do documento pode
Configuração de requerer configurações diferentes
Redimensionar os parâmetros.
página. das padronizadas pela norma
Secundária

indicada.
Caso não haja especificação, sempre
O texto revisado pode requerer
Fonte. que possível, usar a mesma fonte do
fonte determinada.
original.
Palavras destacadas
O cliente não usou o recurso de Usar negrito {Ctrl+n} ou sublinhado
EM CAIXA
destaque correto. por palavra {ctrl.+Shft+W}.
ALTA.
9-290

Palavras Provavelmente desconhecimento


Usar VERSALETE
desnecessariamente de VERSALETE ou outro recurso
{ctrl.+Shft+K}.
em CAIXA ALTA. de destaque.
Expressões O cliente pode não ter feito uso
Usar itálico {Ctrl+i}, verificando se o
estrangeiras no do itálico ou ele se perde no
termo já está dicionarizado.
texto. formato (.txt).
Dependendo do primeiro passo
Inseri-las em seu competente lugar no
Notas de rodapé. da formatação, as notas vão para
texto
o fim do arquivo.

Para efeito de acompanhamento e de controle de qualidade, eventualmente, usamos o


quadro que se segue, para cômputo dos eventos corrigidos. O quadro se presta, também, para
demonstração ao cliente dos problemas sanados.

Quadro 10 – Checagem de acompanhamento e controle


Intervenção
1 Salvar como (arquivo.txt)
Executar até zerar ocorrências: Número de ocorrências
Parágrafo duplo [^p^p].
Espaços entre palavras.
Espaços antes de [ ^p].
Lista de checagem: Rotina de Formatação

Espaços depois [^p ].


Espaços antes de [ .].
2 Excluir

Espaços antes de [ ,].


Espaços antes de [ ;].
Espaços antes de [ :].
Espaços antes de [ !].
Espaços antes de [ ?].
Espaços depois de [( ].
Espaços antes de [ )].
Uso de hífen [ - ].
3
Uso de reticências […].
4 Salvar como (.docx)
Configuração de página.
Fonte.
4 Formatar

CAIXA ALTA.
Nome de AUTOR
Expressões estrangeiras.
Notas de rodapé.
Formatador(a)
Cliente / data

9.4 PREPARAÇÃO DE TEXTOS

Para revisores modernos, o processo de revisão não começa com a leitura da primeira
frase a ser revisada. O texto a ser revisado pode chegar em diversos formatos, além disso, o
cliente pode dar instruções ao revisor ou ter expectativas específicas em relação ao formato do
documento enviado. Portanto, as tarefas de preparação antes da revisão e depois da revisão são
partes indispensáveis do serviço que requerem abordagem minuciosa. Essa fase é importante
9-291

no planejamento do projeto, o que significa que tempo e recursos devem ser alocados para
ela.211

Quando o documento a ser revisado é simples e bem editado, sem imagens ou gráficos
inseridos, essa fase permanece despercebida, e o cliente recebe o arquivo tecnicamente
impecável sem nenhuma tarefa especial preparatória antecedente à revisão ou pré-entrega. No
entanto, há arquivos originais mais complicados, mas ainda editáveis, ou absolutamente não
editáveis que o cliente pode enviar para revisão. Em qualquer dos casos, todos os diferentes
aspectos que são necessários para a revisão profissional devem ser levados em consideração de
acordo com as instruções do cliente (se há partes não revisáveis – por exemplo, transcrições de
depoimentos – como lidar com os gráficos, como revisar legendas para imagens, o que fazer
quando o texto não se encaixa na caixa de texto, se é necessário OCR para arquivos não
editáveis, se há referências – em que norma elas vêm, em que norma sairão, a formatação
indicada para o documento revisado).212

Hoje em dia, não há revisão profissional sem a aplicação de ferramentas RAC. Elas não
só tornam a tarefa de revisar mais fácil e uniforme, mas também oferecem ampla gama de novas
possibilidades (como o gerenciamento de referências, controle de alterações, comparação de
versões). É quase impossível imaginar a preparação técnica adequada de um texto sem
ferramentas eletrônicas de revisão. Na indústria de revisão, é rotina a preparação técnica,
importando o trabalho para ambiente amigável para as ferramentas eletrônicas de revisão e
edição dos técnicos e especialista em editoração (no sentido de desktop publishing – DTP).

Há diferença no que queremos dizer com DTP em design gráfico e na indústria editorial
em comparação com a indústria de revisão. Para designers gráficos, DTP significa claramente
publicação em desktop, projetar a publicação conforme o cliente solicita, preparar uma versão
pronta para imprimir do documento com a ajuda de um software de publicação em desktop.
Especialistas em DTP na área editorial e na indústria de revisão cumprem muitas tarefas
semelhantes, o que explica por que o mesmo nome é usado para o cargo. Em contraste com os
designers gráficos, o objetivo do DTP na revisão é a transformação do documento original, já
projetado e arranjado, em versão editável, de preferência, em formato que permita o controle
das alterações, seria o primeiro passo para a revisão.

211 (KENNETH, MCKETHAN JR e WHITE, 2008).


212 Adaptado de (VARGA, 2016).
9-292

Pode ocorrer que as referências recebidas devam ser processadas para que possam ser
utilizadas em ferramenta eletrônicas durante a revisão, de modo que, ao final do projeto, por
exemplo, o uso de referências possa ser adequando à norma pretendida. Pode haver instruções
que devam ser consistentemente cumpridas e é recomendável ter certas configurações
personalizadas ajustadas antes de começar a revisão (por exemplo, configurações regionais,
formato de data, segmentos em língua estrangeira, unidades de medida, citações e fontes,
normas da instituição ou publicação de destino).

Como regra geral, a revisão deve ser processada em documento no mesmo formato
gráfico que foi fornecido pelo cliente. Fontes, espaçamento, configurações de parágrafo e
página, estilos aplicados e versões de software também devem ser mantidos – sempre que não
houver recomendação contrária ou não tenha havido demanda de formatação que imponha
modificações. A regra é clara: só mudar o que for solicitado.

Além da formatação, o original pode incluir referências internas e externas (hiperlinks).


Se elas devem ser revisadas ou modificados está sujeito a acordo com o cliente, no entanto, as
referências devem ser mantidas como elemento funcional: são parte da malha textual e da base
de informações suprida pelo texto. Portanto, campos e referências não devem ser substituídos
manualmente, mas a edição especial deve ser aplicada para eles; cabe observar se as referências
(URLs) de links externos deverão figurar no arquivo final como texto, como hiperlink, ou se
deverão linkar algum termo, procedimento idêntico deve ser adotado em todos os casos, salvo
recomendação distinta.

Atenção especial deve ser dada às tags e metatags que incluem informações de
programação e formatação. Não apenas as linguagens de marcação (HTML, XML, SGML,
DTD), mas também os formatos da suíte Microsoft podem conter tags (estruturas de linguagem
de marcação que consistem em breves instruções, tendo uma marca de início e outra de fim)
que não devem ser revisadas – mesmo um espaço adicional (ou a supressão de um) pode ser
fatal em relação a determinada função; atenção também às tags de metadata (palavra-chave
relevante, ou termo associado à informação). É ainda mais complicado se a posição das tags de
formatação (por exemplo: âncoras de imagens) deve ser modificada durante a revisão. As
ferramentas de RAC, TAC e de DTP oferecem soluções convenientes para esses casos.

Pode ser fonte de frustração para revisores que desejam elaborar linguisticamente se a
extensão do documento revisado for limitada. Nas diferentes superfícies (site, folheto,
9-293

apresentação, software), edição e gráficos definem limitações ao comprimento do texto. Se


houver tal expectativa, ela deve ser levada em consideração pelo revisor que tenta ser sucinto
ou mais extenso durante a pós-edição. O cliente ou o paginador deve ser contatado sobre qual
solução é viável na situação que se apresentar.

Existem muitas tarefas manuais que podem ser automatizadas com a ajuda de
ferramentas de RAC (inclusive programas de correção ortográfica). Por exemplo, podemos
compilar uma lista de itens que não serão revisados, codificar a terminologia ou manter
configurações de formatação durante a revisão. Uma cooperação fluida e amigável será
estabelecida no projeto se as necessidades da ferramenta de RAC forem levadas em conta
mesmo durante a fase preparatória.

9.5 TAREFAS PÓS-REVISÃO

A execução da verificação de qualidade é elemento essencial da rotina de revisão


moderna, e marco importante na garantia de qualidade (QA – quality assurance) dos serviços
linguísticos. Ela permite a filtragem de falhas quase imperceptíveis, mas importantes, na
revisão. Nesta era de tecnologia, o software compara a grafia e os segmentos de texto com base
em algoritmo, fazendo busca de expressões tangíveis, possibilitando a uniformização da
terminologia, isso é possível em relação a elementos tais como:

• números, datas e unidades de medição;

• consistência (nos segmentos e terminologia);

• correspondência de tags;

• revisão omitida (por exemplo, um segmento que contém apenas uma marca de
nome);

• marcas de pontuação.

Os programas de correção ortográfica e de gramática nunca podem substituir, mas são


complementos relevantes da revisão, pois são incapazes de verificar o significado real, estilo,
gramática, consistência e coerência, porém fazem extensivamente verificações superficiais
9-294

suplementando longitudinalmente a verificação ortográfica e refinando a coesão e a


uniformidade da revisão.213

Em situação ideal, não é necessário verificar o formato nessa etapa de finalização, se a


revisão foi preparada minuciosamente e em programa confiável e se a formatação prévia foi
adequada. No entanto, ainda vale a pena fazer uma verificação detalhada da formatação original
e da formatação dos documentos de destino antes da entrega ao cliente:

• se os documentos tiveram que ser divididos por alguma razão, este é o momento
de reagrupá-los;

• a continuidade das numerações automáticas deve ser verificada;

• as imagens removidas temporariamente para reduzir o tamanho do arquivo


devem agora ser reinseridas;

• se revisarmos as legendas para as imagens, seu formato deve ser unificado com
base nas instruções recebidas;

• deve-se verificar se todas as notas de rodapé estão no devido lugar;

• deve ser verificado se há algum texto oculto que, acidentalmente, não tenha sido
revisado, se cabe manter, revisar ou excluir cada segmento desse tipo;

• devem ser verificados os metadados do arquivo, incluído neles o crédito da


revisão e eventualmente excluída a referência ao autor, no caso que requeira
sigilo autoral (avaliação cega entre pares, concursos, por exemplo).

Na fase de finalização do trabalho, a interface com o designer gráfico e com as tarefas


da programação visual com o revisor se torna mais importante, porque é quando o layout deve
ser atualizado ou aproximado do original, para as novas finalidades do texto (incluindo eventual
reedição).

Trata-se, agora, de implementar as interferências do revisor. A melhor das hipóteses, no


caso, é o programador visual usar o arquivo final da revisão, inserindo-o onde competir, com o
mínimo de risco possível de alterações (mas elas teimam em acontecer!). Se não ocorre a
imediata inserção do arquivo revisado, ou no caso de a revisão ter sido feita em papel, na
imagem ou na prova impressa, cabe ao digitador inserir as interferências do revisor no arquivo

213 Adaptado de (VARGA, 2016).


9-295

da edição ou da impressão. Quer a revisão tenha sido feita com controle das alterações
sugeridas, quer o revisor as tenha destacado em arquivo separado, o digitador deve copiar
manualmente todas as diferentes propostas de alteração aprovadas no arquivo que dará
sequência – isso causa tremendo atraso e pode resultar em novos problemas. Em muitos casos,
é assim que ainda é feito hoje. Além de demorado, há grande margem de erro, pois é fácil para
o técnico deixar de notar qualquer interferência e, até mesmo, cometer novos erros de digitação.

A revisão feita em programa de processamento de textos facilita o trabalho do digitador


(ou o suprime!), uma vez que o conteúdo do documento revisado é exportado da ferramenta de
revisão – após as conversões necessárias – idêntico para o software de publicação. Assim, não
há necessidade de digitação dos textos ou das interferências, apenas a extensão dos arquivos
deve ser verificada, os ajustes de campos e a diagramação profissional de todo o arquivo
formatado devem ser realizados.

Os clientes raramente solicitam aos revisores executar configuração de modelos, mas,


muitas vezes, pode acontecer que o arquivo PDF da composição final seja enviado de volta para
verificação, quase como uma revisão de prova. Dessa vez, pode ser detectado se há um caractere
faltando ou sobra espaço entre duas palavras, ou se as marcas de pontuação não estão no lugar
certo. Ao inserir comentários na versão PDF, o revisor informa ao digitador ou ao designer
sobre as correções adicionais a serem feitas.

No documento revisado, os seguintes elementos devem ser verificados quanto à


funcionalidade, dependendo do formato do arquivo:

• se os campos e os hiperlinks são funcionais e encaminham para o lugar certo;

• se o sumário e o índice analítico foram atualizados e têm o mesmo conteúdo e


formato do arquivo de origem, ou se suas alterações correspondem a
intervenções aprovadas;

• se os índices de ilustrações indicam a ordem correta das imagens, se as legendas


e as páginas mencionadas estão batendo;

• se a numeração das páginas se inicia no lugar devido, se não houve falhas na


sequenciação em virtude de quebras de seção.

A questão do aumento ou diminuição do volume de texto já foi referida. As seguintes


opções estão disponíveis para ajustar a formatação ao campo existente:
9-296

• ampliar o espaço designado (adicionando páginas ou caixas de texto);

• reduzir o tamanho da fonte, escala, espaçamento, kerning;

• reduzir o espaçamento da linha;

• alterar as configurações da página;

• reduzir o espaçamento da fonte.

A revisão deve ser submetida ao cliente no formato de arquivo acordado no lançamento


do projeto. Esse formato final pode ser aberto (editável) ou fechado, como Postscript ou PDF.
Os arquivos Postscript e PDF são fechados, documentos independentes que não podem ser
editados ou o podem apenas em extensão limitada. Constituem a versão eletrônica final da
publicação, possibilitando a aprovação do documento em formulário específico.

Nas agências de revisão, geralmente, é o gerente de projetos que gera o formato de


arquivo a ser entregue ao cliente. É tarefa do técnico do DTP gerar determinado formato a partir
de muitos arquivos ou imprimir um documento fechado a partir de um software de publicação
de desktop. Em situações do gênero, os revisores autônomos devem se informar sobre os
parâmetros técnicos e procurar ajuda profissional, se necessário.

Se a revisão for submetida em formato fechado para aprovação, pode acontecer que o
cliente ou o especialista em idiomas do cliente anote no arquivo que é enviado de volta ao
revisor ou agência de revisão. Nesse caso, o revisor ou a agência de revisão deve implementar
as modificações solicitadas em formato editável.

Acreditamos ter tratado de alguns universos inerentes à revisão, neste capítulo, que não
fazem parte do cotidiano da maioria dos revisores, mas são possibilidades e intercorrências com
as quais nos deparamos, eventualmente – para uns – e até mesmo frequentemente – para poucos.
O revisor deve estar preparado para essas situações, inclusive para ampliar suas opções no
mercado das letras e palavras, habilitando-se a receber e a processar material com o qual a
maioria não tem prática.214

214 (MOSSOP, 2014).


9-297

9.6 CONTROLE DE QUALIDADE DO TEXTO

A relação entre os processos de planejamento, produção (redação), e os de revisão e


controle de qualidade dos documentos produzidos é abordada por meio de diferentes métodos
(análise das etapas de processamento, comparação do manuscrito original com o texto revisado,
medição de impacto do estresse laboral e cognitivo) e de três questionamentos. O primeiro é
sobre o impacto desses dois processos inerentes à produção na qualidade dos escritos: devemos
planejar e revisar para produzir escritos admissíveis? A segunda questão é referente à
mobilização desses processos e à colaboração dos revisores para com os autores no incremento
de seu assessoramento durante a escrita. A terceira questão é o ajuste que os autores devem
fazer para “situar” sua atividade: os revisores têm a receita para aferir certos textos e não outros?
Os revisores se envolvem de forma diferente na tarefa de revisão, segundo o gênero do
documento? Como eles coordenam esses dois processos que permitem controles avançados de
planejamento, revisão e pós-revisão (controle de qualidade e revisão)? Certamente, algumas
formas de planejamento e revisão são mais eficazes que outras, além disso, dependendo do
contexto de produção, os revisores precisam fazer concessões entre a mobilização de recursos
do processo de revisão e o custo, o orçamento disponível para o projeto: deve-se fazer um
planejamento de produção e revisão compatíveis com as disponibilidades financeiras e que
maximizem qualitativamente os resultados para alcançar um produto próximo do ideal. Por fim,
é difícil especificar as dimensões linguísticas a serem levadas em conta na avaliação da
qualidade dos documentos e, em segundo lugar, desenvolver medidas objetivas que reflitam
melhor o trade-off entre o custo de revisão e a qualidade dos produtos textuais.215

Enfatizaremos a relação entre a mobilização dos processos de planejamento e revisão e


a qualidade do produto textual – que integra a mediação de que estamos também tratando. O
debate sobre a medição da qualidade dos textos passa pela importância da atividade de
planejamento entre os autores iniciantes e especialistas, e, por outro lado, a avaliação qualitativa
da revisão. Portanto, a avaliação qualitativa é inerente à mediação. Por fim, sobra sempre a
questão da gestão efetiva de todos os processos editoriais (da redação à editoração gráfica) ao
se produzir um escrito.

215 Adaptado de (OLIVE e PIOLAT, 2003).


9-298

Uma tarefa assustadora é medir a qualidade de um escrito.216 É fundamental, de fato,


descrever e quantificar os produtos para destacar as habilidades linguísticas dos editores (dos
autores aos gráficos) e estudar suas medições de acordo com contextos e modulações de
produção ou estratégias de composição.

As avaliações focadas no texto e em processos mediados pela revisão analisam mais


objetivamente certas propriedades da mídia textual e as avaliações focadas no leitor se
enquadram nos julgamentos feitos por indivíduos – especialistas ou não – para apreciar os
documentos escritos. Essas últimas, com foco no público-alvo e na decodificação da mensagem,
fornecem avaliações mais subjetivas que as primeiras, mesmo que os julgamentos de ambas
contenham ponderáveis graus de objetividade e subjetividade; desse modo, os julgamentos sob
o foco do leitor têm como objeto de análise a textualidade e comunicabilidade feitas
preferencialmente por um especialista em redação e interpretação. As medidas objetivas de
qualidade consistem em indexar certas características dos escritos (ortografia, repetições, vozes
verbais, coeficiente de palavras abstratas, extensão das sentenças, proporção de orações
passivas, tamanho relativo das palavras) a serem analisadas em correlação com a organização
textual (ordem sintática, coerência, coesão) ou a estrutura semântica do texto utilizando a
análise proposicional, cujo objetivo é identificar o universo de referências dos agentes sociais,
como e por meio de que estrutura argumentativa se exprimem as questões e as ações dos
agentes.217 Algumas dessas análises são agora automatizadas e vários softwares estão
disponíveis. A questão, então, diz respeito à relação entre a qualidade do escrito e esses índices,
especialmente quando sua variação, particularmente a complexidade sintática, é causada por
diferentes parâmetros da situação de produção ou público-alvo, dependendo da mensagem.218

A análise proposicional que estamos invocando, quantitativa (APQ), apresenta-se como


instrumento que combina os componentes da pesquisa qualitativa e da quantitativa. Ela
promove o cômputo de dados segmentados em textos revisados, não importa assunto,
possibilitando a quantificação de interferências e a atribuição de resultados (aspecto qualitativo)
e, de outro lado, permite, em virtude da consolidação de interferências recorrentes no material
explorado por categorias temáticas, que a APQ reduza possíveis distorções comumente
introduzidas na análise e interpretação de dados, ampliando a margem de segurança relacionada

216 (PIOLAT e PÉLISSIER, 1998)


217 (BARDIN, 2011).
218 (PIOLAT, 1995).
9-299

às inferências e suas tipologias.219 A segmentação dos dados para análise pode seguir diferentes
modelos, até mesmo a modelagem da produção oral, ou pela linha que dá ênfase às já
mencionadas características funcionais de planejamento e processo de revisão.

As medidas subjetivas dos textos, por outro lado, utilizam o método dos juízes. Dois
grupos de leitores, mais especializados ou menos, ou mais bem treinados, ou com menos
treinamento, de acordo com os experimentos, avalia o documento, apreendido como todo, ou
utilizando escalas que abrangem várias dimensões lidas. Por exemplo, a escala de qualidade de
seis subgrupos (SSQS) que consiste em nada menos que 13 escalas em 6 grupos (legibilidade,
qualidade da superfície, conteúdo, ajuste pretendido, organização, estilo). Parece bem evidente
que essa metodologia se aplicaria à análise comparativa entre o original e o texto revisado, o
que, além de apresentar diversos complicadores práticos, permite muitos desvios de
julgamento, pois as soluções apresentadas pelas interferências de revisão podem bem ser as
mais diversas, muitas das quais igualmente boas.

Os métodos utilizados para estimar a qualidade dos textos, tais como os dois
sumariamente apresentados nos parágrafos antecedentes, são bastante diversificados. No
entanto, poucos estudos têm sido realizados sobre benefícios e limitações dos processos de
avaliação em questão. A dificuldade metodológica mais evidente diz respeito à baixa correlação
observada entre os escores de diferentes avaliadores, sejam eles medidas subjetivas ou
objetivas. Essa falta de acordo entre juízes seria ainda mais comum quando os avaliadores são
obrigados a fornecer uma pontuação sobre a qualidade geral do escrito. Apesar dessas críticas,
e mesmo exatamente por causa delas, se dá mais crédito atualmente a procedimentos focados
no leitor, métodos amplamente utilizados na literatura que vinculam processos e produtos – no
caso, a revisão e o texto revisado.

A diversas propostas de análise de conteúdo, inclusive aquelas voltadas para a qualidade


do texto, sempre com diferenças substanciais entre elas, costumam ser baseadas em estudos
lexicais, fundamentadas na expectativa de que o léxico seja a unidade de conteúdo básica dos
discursos. Outras análises ainda menos contributivas para a avaliação qualitativa computam tão
somente interferências mecânicas no texto, justamente aquelas que – segundo nossa tese –
menos contribuiriam para um juízo da mediação. Entretanto, quando se trata da avaliação de
dados subjetivos, dois pontos de vista antagônicos podem se manifestar com exatamente o

219 (MADEIRA, LOPES, et al., 2011).


9-300

mesmo conteúdo lexical, sobretudo porque neles costumam ser desconsideradas as classes dos
advérbios, dos artigos e até dos adjetivos nesses estudos, privilegiando somente substantivos e,
em alguns casos, verbos. Mais, as escolhas lexicais variam muito de acordo com os
conhecimentos e as disposições dos sujeitos envolvidos, dificultando qualquer tentativa de
classificação e de comparação de resultados, inclusive as estatísticas e as análises
quantitativas.220

Outro problema frequentemente verificado nas propostas de análise de conteúdo é a


subjetividade do método, que dificulta (ou impossibilita) a replicação dos resultados de
pesquisa. A subjetividade é patente, em particular, nas etapas iniciais da análise, em que se
encontram comumente sugestões para uma leitura flutuante do texto, na expectativa de que,
com isso, os dados aflorem. Não vamos desconsiderar o fato de que podem surgir desse
procedimento inicial resultados importantes, mas estamos convictos de que será útil o
estabelecimento de uma técnica tão sistemática quanto possível de abordagem da mediação e
de suas avaliações.

Uma característica comum observada nos escritos é a recorrência de recursos advindos


da oralidade, fala espontânea, por exemplo, a repetição léxica, o abuso de artigos e pronomes
indefinidos, entre tantos outros; as pessoas voltam a dizer o mesmo que já disseram – por vezes
sob outra forma, por vezes literalmente – isso é outra característica da oralidade facilmente
transposta para os textos, até mesmo conscientemente, como recurso anafórico. Além disso, são
frequentemente intercalados na conversação conteúdos cuja temática é alheia ao fio condutor
da interação, que pode custar a ser retomado, o que se reflete no escrito pela intercalação de
orações e advérbios, desse modo, depois de longa sequência de interpolação, quando da
retomada do assunto principal, ele é frequentemente reintroduzido por uma repetição do que já
foi dito.

Textos analisados para fornecer dados a pesquisas qualitativas da mediação não fogem
à regra. As repetições, em particular, podem ter caráter enfático ou didático no discurso, a
repetição tem o propósito de que o conteúdo seja mais claramente fixado; as interpolações
podem ainda estar ligadas à fruição estética do escrito, marcar assuntos afetivamente
valorizados por quem tem a palavra, ou adiar o desfecho, como é comum em textos cômicos ou
de suspense.

220 (MADEIRA, LOPES, et al., 2011).


9-301

A sumarização é a redução sistemática da extensão da informação, idealmente realizada


sem prejuízo dos conteúdos relevantes; no nosso caso, ela se prenderá à tipificação das
interferências e dos juízos sobre elas. Essa etapa reduz a heterogeneidade expressiva e
compreensiva, preparando o material para a continuidade do tratamento da informação, com
vistas a sua conversão em categorias quantificáveis.

Os procedimentos de sumarização consistem na detecção e computação de


interferências, quer cumpram funções comunicacionais, léxicas, semânticas, sejam do tipo que
forem – interferências cuja proposta contribua na formação quantitativa do juízo subjetivo.221

Além disso, certas dimensões do texto poderiam determinar a qualidade do escrito por
si. O desenvolvimento de ideias, a organização, as estruturas de sentenças e a ortografia, em
pontuações subjetivas fornecidas por avaliadores, mostraram que avaliações de conteúdo e de
organização são os melhores preditores de senso de qualidade. Os escritos são avaliados de
forma diferente de acordo com a quantidade de ocorrências linguísticas de consistência,
coerência e coesão, enquanto o número de palavras ou o comprimento das frases têm impacto
na sensação de qualidade apenas em certas condições, como número muito baixo ou muito
grande de palavras longas, constituindo desvio do padrão preconizado para aquele gênero. O
método de avaliação focado no leitor é, portanto, para alguns analistas recentes, tão válido para
refletir a qualidade dos textos quanto a verificação das várias partes de que o escrito se compõe;
na verdade, estamos propensos a sintetizar que as duas correntes de análise são complementares
e não concorrentes; além disso, os dois critérios não apresentam, com frequência, resultados
tão díspares, conquanto existam desvios até mesmo em análises de mesma parametrização,
como já mencionamos.

Em suma, a qualidade dos textos é mal definida ou sua definição operacional é muito
contrastada. O procedimento de mediação tenta explicar o valor global do documento: sua
clareza, desenvolvimento coerente de ideias, capturando o interesse do leitor e oferecendo
características superficiais (pontuação, ortografia, gramática) relativamente corretas. Ter
critérios mais seguros e comprovados para medir a qualidade dos textos é essencial para o
progresso no estudo da atividade editorial. No entanto, essa questão ainda não foi
suficientemente estudada e não existem critérios universais tangíveis.

221 Adaptado de (MADEIRA, LOPES, et al., 2011).


9-302

Enquanto originalmente se distinguiam dois subprocessos (leitura e edição),222 a


especificação dos subprocessos de revisão evoluiu rapidamente,223 foi proposto o modelo de
vários subprocessos da leitura e edição (definição de tarefas, avaliação, seleção de estratégia,
modificação ou não) destacando o lado “compreensivo” e “produção”224 – essa complexa
atividade de controle, mediação e transformação estratégica do texto em produção e produto.
Mais recentemente, enfatizou-se o papel crucial que a leitura-crítica desempenha – diferente da
leitura-compreensão – uma vez que o revisor deve, além de ter a compreensão do que o autor
escreveu, avaliar seu texto.225 Essa leitura-crítica requer esforço cognitivo mais importante que
a leitura-compreensão.226 Também se integra a mediação da revisão nos processos gerais de
reflexão, interpretação e redação. Isso aciona a função de controlar a atividade descrita por
padrões de tarefas.227

Nesse ambiente de juízos inerente à mediação do controle de qualidade, surge uma


equação com duas variáveis: a experiência do autor e a maturidade do revisor. A grande
diferença entre escritores novatos e especialistas, quanto à qualidade de seus escritos
submetidos à revisão, é o número de interferências que são feitas em seus textos durante o
processo de revisão: os produtos de escritores menos experientes recebem mais interferências
durante a revisão. Qualitativamente, essa diferença das operações de revisão está relacionada à
textualidade. Os trabalhos dos revisores novatos constam de interferências principalmente na
superfície da formulação, principalmente quanto à gramática. As interferências deles pouco ou
nada alteram em termos de semântica ou de retórica. Autores experientes, por outro lado,
necessitam ter seus textos revisados da superfície ao fundo do escrito, demandando, portanto,
os melhores revisores, os mais maduros. Para explicar tal lacuna de desempenho, demonstrou-
se que revisores novatos detectam menos problemas que os linguistas amadurecidos, no que
tange a questões como coerência macrotextual, por exemplo,228 disso decorre a respectiva
menor interferência dos primeiros. O que dificulta a análise é que as variáveis se encontram nos
dois polos (autor e revisor) e são contínuas as variações.

222 (HAYES e FLOWER, 1980).


223 (PIOLAT, 1995).
224 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
225 (HAYES, 1996).
226 (PIOLAT, ROUSSEY e THUNIN, 1997), (OLIVE e PIOLAT, 2003),
227 (HAYES, 1996).
228 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).
9-303

Por tudo isso, nem sempre se consegue diagnosticar correta ou complemente cada
problema e processar a interferência eficaz, ou fazer um controle de qualidade plenamente
correspondente à realidade ou rigorosamente uniforme. A excelência da revisão é produto do
amadurecimento do revisor e da característica do original. A ineficiência ou ineficácia da
revisão decorre, certamente, da falta de habilidade linguística na detecção e tratamento das
dúvidas, quando não de elementos ambientais que desviem o foco do revisor – ou de problemas
autorais do escrito.

Eventual familiaridade com o tema do trabalho favorece a correção de erros


substantivos, pois permite a construção de maior número de inferências visando identificar mais
facilmente problemas de sentido. Finalmente, o revisor experiente muda sua perspectiva ao
avaliar o documento, quer ele detecte um autor experiente ou outro neófito: o revisor está tão
interessado na qualidade do escrito que lê quanto na leitura que o destinatário desse texto fará
dele, e está tão interessado na qualidade do produto que se empenhará em fazer transparecer
que o escritor menos experiente seja mais hábil.

Adquirir expertise para controlar a qualidade do texto é complexo, requer larga


informação linguística e capacidade de reconhecimento discursivo. Há também muitas
tentativas de intervenção e assistência, com impacto da revisão na qualidade do produto.

A maioria das pesquisas sobre revisão destina-se a permitir que se mobilizem


ativamente os processos de revisão para controlar o texto que autor e revisor estão compondo
ou o trabalho no qual problemas específicos foram detectados. O desempenho dos revisores é
então medido, computadas as boas respostas, dependendo se os diferentes níveis textuais
(ortografia, léxico, coesão, sintaxe ou coerência) foram transformados de acordo com as
expectativas dos autores e do leitor-alvo. Quando os estudos visam ajudar os revisores a
mobilizar o processo de revisão, por exemplo, pela orientação processual, o número de
interferências efetuadas será indício da qualidade e, por outro lado, da experiência em escrita
do autor que o redigiu.

Já está demonstrada a forte inter-relação entre o know-how específico do autor e as


habilidades linguísticas do revisor segundo o paradigma de conformidade.229 Nesse paradigma,
o conhecimento do revisor é direcionado e oferecido a escritores novatos e especialistas para
serem confrontados com a tarefa de redação que envolve implementá-lo. Assim, ao realizar a

229 (PIOLAT, ROUSSEY e THUNIN, 1997).


9-304

atividade de revisão, o know-how específico da revisão e o conhecimento linguístico, apoiam e


subsidiam os autores de quaisquer matizes na produção textual.

Também se destaca a importância do custo cognitivo das operações realizadas em toda


a mediação. Esse custo pode ser inferido a partir de indicadores como o tempo necessário para
concluir as interferências. Os revisores não experimentam a mesma dificuldade, dependendo
da interferência que fizeram. Eles demoram duas vezes mais tempo e são muito menos
eficientes na correção de problemas de consistência do que em erros ortográficos, com
problemas sintáticos sendo de dificuldade intermediária. Essa dificuldade também é
evidenciada pelo fato de que os desvios de consistência são revisados com pelo menos duas
releituras do documento, ao passo que os erros ortográficos são resolvidos em leitura única. A
estrutura das questões intermediárias, conhecimento estruturado na forma de regras processuais
(se tal problema… aplicar tal solução), torna mais fácil para os revisores transformar problemas
facilmente diagnosticados, como a ortografia, e mais difícil de lidar com problemas
aparentemente mais “abertos”, como coerência textual, para a qual as soluções não estejam
disponíveis.230 Além disso, a detecção da área problemática (que precisará sofrer interferência)
é ainda mais difícil de alcançar, uma vez que essa área envolva grande parte do trabalho, mesmo
que o revisor simplesmente tenha que introduzir ou mover um elemento único para melhorar a
redação.231

Assim, quando os linguistas revisam com o processador de textos, eles controlam


facilmente erros de superfície (ortografia, falta ou excesso de artigo) e problemas de coesão
(conectores e disjuntores) porque a área de idioma que eles envolvem está disponível na tela.
Por outro lado, problemas de consistência (conector remoto) que envolvem área relevante do
escrito, fora da tela não são tão bem detectados e revisados, dependem principalmente da
memória de trabalho do profissional (que tende a muita eficiência, com o tempo). Não se pense
que esse tipo de processamento é diferente na revisão em papel: somente a página em curso
está à vista, as intercorrências mais distantes estarão na memória. A mudança no ambiente de
escrita provocada pelo uso do processamento de palavras poderia dar esperança de que a
qualidade dos documentos produzidos dessa forma seria maior entre escritores novatos e entre
especialistas. Esse ambiente deve facilitar as operações de revisão graças às várias funções de
edição disponíveis (verificações longitudinais, pesquisas) e ajudas on-line (dicionário,

230 (HAYES, FLOWER, et al., 1987).


231 (PIOLAT, ROUSSEY e THUNIN, 1997).
9-305

verificação ortográfica e sintática, avaliação do tempo de sentenças). A partir do controle da


superfície do texto, os revisores devem, então, realizar melhor os tratamentos mais profundos
do documento. Todavia, o impacto dessa tecnologia não é tão positivo quanto se esperaria,
embora se revise quantitativamente mais com essa ferramenta, a qualidade final do texto
produzido não é necessariamente melhorada.232

Esses resultados diferentes mostram a dificuldade com que revisores experientes


conseguem revisar um texto com problemas. A linguagem ou o conhecimento temático são
apenas partes do problema. A qualidade de um texto está sujeita a muitas condições para o
processamento de informações textuais. Pode-se argumentar que, para escrever melhor, o autor
tem interesse em focar, durante fases composicionais distintamente dissociadas, tratamentos de
planejamento e revisão. A ativação desses dois processos é, muitas vezes, facilitada e seu custo
significativo é reduzido pelo uso de auxílios processuais, inclusive ferramentas de RAC. Para
escrever melhor, o autor também deve mobilizar, de forma recursiva e interativa, os diversos
procedimentos editoriais (planejamento, redação, edição ou revisão) ao longo de sua produção
intelectual e respectivo registro gráfico. Ele deve gerenciar estrategicamente a mobilização de
recursos (cognitivos e materiais) com base em seu custo e no alcance das metas editoriais. Trata-
se, então, da questão de o autor ou o revisor fazer malabarismos com os diversos recursos
editoriais, desejando ligá-los efetivamente e mobilizá-los nos momentos adequados de acordo
com sua competência.

232 (PIOLAT, ROUSSEY e THUNIN, 1997), (PIOLAT e PÉLISSIER, 1998).


10-306

10 MEDIAÇÃO LINGUÍSTICA

L’activité de révision est par essence vouée à une approche multidisciplinaire.


(PÉTILLON e GANIER, 2006)

Le 900 milliones de personas qui parla portugese, francese, espaniol, italiano,


romaniano, etc. e mesmo le parlantes de anglese comprende un texto technic
in Interlingua sin studio previe. Illo tamben es recognoscibile al parlantes de
linguas germanic (germano, per exemplo) e slave (como le russo).

10.1 EPÍTOME

1. Os parâmetros de revisão profissional são os situações em que a linguagem está “em questão”,
mesmos inicialmente ligados aos do processo de sob observação na interação e escrita por todos
leitura; envolvem uma multiplicidade de os sujeitos.
operações cognitivas. 8. A teoria da revisão apresenta reflexos sobre a
2. Na revisão, deve-se considerar o contexto de linguagem e seus usos e sobre situações de
enunciação, adaptando o vocabulário e, de forma mediação, pois pressupõe ponderação sobre os
geral, a linguagem às habilidades interpretativas escritos, sobre a natureza e legitimidade de sua
dos leitores ao tempo da leitura. interação, assim como sobre a materialidade de
suas trocas.
3. A revisão tem sido objeto de muito pouco
questionamento epistemológico por aqueles que 9. Os fatores extralinguísticos que influenciam a
exercem o ofício e quase nenhum por estranhos à revisão não se manifestam apenas na
atuação. interpretação e comunicação de sentido, mas
também no papel que o texto traduzido deve
4. A revisão de poesia (re)sugere pela tensão na desempenhar no leitor.
qual a criação, tanto poética quanto do trabalho
do revisor, é um dos polos. 10. Metáforas de circulação, da passagem, acentuam
a dimensão efêmera, quase mecânica da revisão
5. Durante séculos, o debate sobre a tradução foi em – prática esquiva, sorrelfa, a ponto de nos
torno da fidelidade, entendida como a tradução permitir falarmos de uma “caixa-preta”.
literal do texto original, e da traição como
qualquer tentativa de adaptar o texto ao novo 11. Para descrever o processo de revisão na mente do
leitor, tais problemas subsistem quanto à revisão. revisor, passamos para metáforas topológicas de
encruzilhadas que hoje estão muito presentes nos
6. Supondo que o texto seja considerado discursos sobre a pluralidade linguística.
satisfatório, a maioria dos artigos não pode
explicar a diversidade de seu contexto de escrita 12. A revisão é o campo de batalha em que as
que a obra de revisão deveria elucidar. questões linguísticas aparecem nas relações
interpessoais, não apenas no problema das
7. A revisão questiona os modelos de ciências da línguas dominantes e dominadas, mas também na
comunicação para reexaminar de forma ampla definição da ciência e do discurso científico.

10.2 INTERCESSÃO: FIDELIDADE E TRAIÇÃO

A questão entre fidelidade ou traição em relação ao trabalho revisor tem muitas nuances
assemelhadas ao mesmo questionamento em relação à tradução. Se, durante séculos, o debate
10-307

sobre a tradução foi em torno dessa dicotomia, sendo a fidelidade geralmente entendida como
a tradução literal do texto original e a traição como qualquer tentativa de adaptar o texto ao
novo leitor, às vezes, muito diferente do destinatário do original, tais problemas subsistem
quanto à revisão. É bem certo que os critérios nos quais tais julgamentos baseiam são, muitas
vezes, vagos e muito subjetivos, mas isso não afasta nem resolve a questão, pelo contrário,
apenas agudiza a querela. Esse conjunto de problemas passou a ser mais afeto à revisão, na
medida em que ela deixou de ser prática corretiva para se aproximar do processo de aferição de
textualidade que a caracteriza hoje, quando o revisor já deixou de ser o corretor tipográfico para
assumir o papel de mais um intercessor na polifonia da produção textual, e suas ações passaram
a ser efetivas interferências no texto. Nesse bojo, está toda a discussão entre o papel do
intercessor e a fidelidade, entre a interferência e a traição.233

Por quase meio século, a tradutologia desenvolveu conceitos teóricos e ferramentas que
permitiram superar essa visão dicotômica e simplista da atividade da tradução; quanto à revisão,
a abordagem é mais recente. Estudos sobre revisão, tanto como processo quanto como produto,
têm destacado a necessidade de considerar sua dimensão comunicativa e, em particular, o
contexto cultural em que ela se encaixa. Revisar é hoje visto como ato de mediação não entre
autor, texto e norma, mas, sobretudo, entre mensagem e público-alvo. Revisar passou a ser uma
série de procedimentos, de intervenções no original visando adequá-lo ao contexto de gênero
com diversos vieses, social, político e econômico, mercado, fins, e essa contextura de destino
do texto revisado tem forte influência nas estratégias procedimentais adotadas pelos revisores.
Contudo, a revisão também é vetor de facilitação da circulação de ideias, sistemas de valor,
expressões culturais. Revisão é o lugar da diferença, do questionamento prévio, da análise sobre
a mídia e da consideração sobre a mensagem. O revisor passa a ser um interventor no texto ao
assumir conscientemente a impossibilidade do perfeito distanciamento epistemológico de seu
objeto material de trabalho ou das ideias nele contidas. No entanto, alguns autores da
revisologia relutam em aceitar a diferença, a transformação do papel do revisor, os editores têm
pouca noção do novo quadro conceitual, mais grave, os autores nunca alcançam a mudança de
paradigma. As pessoas se sentem ameaçadas por tudo o que for novo, desconhecido, e tendem
a rejeitar o que pareça colocar em questão a ordem estabelecida. Se o antigo papel do revisor já
configurava uma “ameaça” aos demais atores, pelo “poder” que ele conferia sobre os escritos,
a nova posição lhes deve fazer ver o revisor como deus ex machina. Alguns autores têm

233 Adaptado de (REY, 2011).


10-308

denunciado revisões com maior grau de interferência, que chamam de revisão “errada” ou
excessiva, na qual o pretexto da comunicabilidade resulta em intercessão alegadamente abusiva,
há um movimento de negação sistemática da presença coautoral do revisor. Entretanto, a
essência da revisão é ser abertura propositiva, diálogo, cruzamento, descentralização. Revisão
é alteridade no sentido de que, necessariamente, deve ser feita por outra pessoa, mas também é
alteridade no sentido de que não se pode negar a presença do outro, o revisor é outra persona
na malha de intercessões que compõe o texto. Como diz Sylvie Durastanti: “Um país, uma
civilização, uma cultura, uma literatura, uma língua que não dá lugar ao Outro estão condenadas
a estagnar, a se repetir, à atrofia, à atrofia, à atrofia, à extinção.”234 Revisão é exotopia no sentido
de que é a participação que vem de outro lugar, é mais uma voz no coro das polifonias da
escritura, mas também é exotopia no sentido de que tem seu lugar que não é de qualquer outro
que não o revisor.

As diáforas que exercitamos continuamente, em termos de alteridade e exotopia,


constituem a relação dialógica a partir da forma pela qual um percebe, no que o outro vê, a
diferença de visão do segundo em relação ao ponto de vista que tinha o primeiro em relação a
si, o que significará acréscimo de consciência.235

A revisão está, entretanto, sujeita a duas forças contraditórias na mesma cultura literária,
por um lado, a tendência “naturalmente” conservadora e, por outro, a necessidade vital de
renovação. Para satisfazer essa dupla necessidade, o revisor tenta, de um lado, estabelecer
equivalências que permitam ao autor manter certas referências e, de outro, tornar visível a
diferença concebida como fonte de enriquecimento, considerando outros fatores
extralinguísticos, como o contexto em que cada original é recebido e as instruções dadas pelo
cliente. A discussão parte agora em direção aos obstáculos enfrentados pelo revisor, as
circunstâncias em que as escolhas devem ser feitas e os métodos usados para preservar a
fidelidade ao original, as características autorais e, mais importante: para não subverter as
intenções do autor. É isso que propomos discutir agora.

A linguagem não é apenas instrumento de comunicação. É também a ordem simbólica


na qual representações, valores e práticas sociais são fundamentados. Essas dimensões do plano
social não são desarticuladas; pelo contrário, elas se interpenetram profunda e dialogicamente.
As representações e os valores pelos quais a sociedade constrói sua visão do mundo e sua

234 (DURASTANTI, 2002, p. 132).


235 (MAGALHÃES-JÚNIOR, 2010, p. 17).
10-309

identidade residem essencialmente na linguagem; ela é o agente fundamental da socialização


do indivíduo e vetor de sua integração à cultura. Contudo, a cultura em si não está fora da ordem
do discurso: a linguagem não coloca apenas “nomes” em objetos físicos e culturais; ela é o
campo em que esses objetos são produzidos como representações sociais.

O estudo do processo de interpretação que gera tais representações tem sido abordado a
partir de diferentes perspectivas, sendo a mais interessante para a revisão, entre outras, os
espaços mentais, a semântica. Cabe atentar à complexidade da construção do sentido, assim
como à importância de aspectos relacionados aos elementos simbólicos e experiências coletivas
de determinado grupo linguístico.

O texto, como unidade comunicativa, não é redutível à soma das suas partes, pois a
complexidade inerente só pode ser apreendida se forem tidas em conta as relações entre os
elementos que intervêm e interagem no produto. Os escritos, devido à singularidade e à
especificidade das diferentes situações de comunicação, não podem ser analisados a partir de
leis gerais, portanto, tal complexidade deve ser considerada em suas relações subjetivas,
particulares e temporais. Além disso, a abordagem que parte do global (social) para o particular
(linguístico) – abordagem analítica, consoante os princípios da complexidade – depende das
propriedades, das adequações das situações com que se articulam e se produzem,
consequentemente, das escolhas individuais de cada produtor. Embora se distinga o texto do
contexto, um faz parte do outro, dado que a situação de ação de linguagem só se concretiza
pelas representações contextuais dos agentes. Se o texto, sempre como unidade comunicativa,
permanece irredutível à soma dos elementos que o integram, cabe considerar a totalidade desses
elementos em interação. Assim, nenhum dos elementos que intervêm na produção textual tem
necessária relação de semelhança, pertinência, continência ou dependência com o todo (o
documento), e, na outra via, são os múltiplos e heterogêneos elementos em interação que
constituem o texto.236

As cenas cognitivas, padrões de conhecimento em sentido geral, incluindo não apenas


cenas visuais, mas as transações e transições socioculturais, cenários padrão, layouts familiares,
estruturas institucionais, experiências ativas, imagens corporais, qualquer segmento coerente,
amplo ou pequeno, de crenças, ações, experiências ou imaginações humanas, atuam como
filtros respeitantes ao conjunto de conhecimentos, informações, saberes adquiridos que ilustram

236 (ROSA, 2020, p. 75)


10-310

em perspectiva tão importante quanto o código linguístico, mas são muito mais difíceis de
entender e de serem expressos em texto. De fato, do ponto de vista cognitivo, a revisão é
operação entre dois sistemas semióticos que consiste em gerenciar o material linguístico a fim
de estabelecer correspondências entre as representações geradas pelo original e aquelas que
serão codificadas no texto revisado.

A intervenção do revisor, portanto, visa essencialmente preencher lacunas


comunicacionais (vazios semânticos) e reunir duas visões de mundo – a do autor e a do público-
alvo, mesmo que a equivalência nem sempre possa ser garantida em todos os patamares.
Existem vazios semânticos de dois tipos: vazios linguísticos e vazios referenciais que, em traços
largos, correspondem, respectivamente, a lacunas catafóricas e anafóricas ou lacunas culturais.
De fato, esses dois fenômenos estão intimamente relacionados, pois a ausência de
correspondência linguística é a manifestação de diferentes processos cognitivos na forma pela
qual a realidade é percebida e representada.

No campo literário, vazios semânticos são comuns em textos intimamente relacionados


ao cotidiano e às instituições de cada cultura. Nesse caso, o papel do revisor como mediador é
evidente: intervém no texto e fornece ao leitor as informações necessárias para que ele possa
construir uma representação assemelhada à sugerida pelo texto original. Os processos de
inserção de suplementos culturais necessários à interpretação do texto variam e podem transitar
desde a inserção de um segmento entre parênteses, até a adição de uma nota de rodapé, ou
mesmo várias páginas de prólogo, se as informações fornecidas forem necessárias para se
entender todo o trabalho.

No entanto, essa explicação é processo difícil de aplicar quando as cenas e os quadros


sugeridos pelo texto devem ser capturados imediatamente, por exemplo, no caso de trocadilhos
ou metáforas. O trocadilho faz você sorrir porque, simultaneamente, desencadeia
representações em, pelo menos, dois sentidos diferentes de leitura. É a conexão de duas
estruturas esquemáticas associadas a áreas de experiência humana completamente estranhas
umas às outras que produzem o efeito lúdico e histriônico. Se o leitor constrói apenas uma
dessas representações e a outra deve ser explicada a ele, o efeito lúdico desaparece. Quanto à
metáfora, a falta de correspondência entre a fonte e a cultura receptora é o grande obstáculo,
pois a metáfora não é apenas figura de estilo, é também, e acima de tudo, ferramenta de
pensamento. Como a comparação, a metáfora é baseada em processo de analogia no qual a
estrutura esquemática imaginada a partir do domínio de origem é projetada para o domínio-
10-311

alvo; o mesmo se dá em todas as metonímias. Tal processo nos permite assimilar novos
conhecimentos com base no conhecimento preexistente. No entanto, quanto mais familiar a
estrutura esquemática do domínio de origem é para o leitor, mais poderosa é a metáfora ou a
metonímia. Autores de textos filosóficos ou científicos muitas vezes usam metáforas para
transmitir estruturas de conhecimento que o leitor apreenderá na forma de uma imagem.

Se a ausência da referência impossibilita a construção da representação, a duplicidade


ou a multiplicidade de referências é problema igualmente importante. As virtualidades
semânticas de certas unidades léxicas permitem jogar em ambiguidades ou duplos significados
que nem sempre podem ser transferidos ao público-alvo.

Até agora, analisamos casos em que a assimetria cultural força o revisor a assumir
plenamente seu papel como mediador. As modalidades de sua intervenção variam dependendo
da função e do grau de relevância das unidades léxicas passíveis de interpretação pelo leitor.
Mesmo que, em algumas situações, a solução envolva a supressão ou redução de certos efeitos
estilísticos, a intervenção não altera o “espírito” do texto. No entanto, esse não é o caso em
todos os casos.

Os fatores extralinguísticos que influenciam a revisão não se manifestam apenas na


interpretação e comunicação de sentido, mas também no papel que o texto revisado deve
desempenhar no leitor. De fato, a revisão é ato de reescrita e “manipulação” do texto original
que pode ser usada para vários propósitos.

Esse ato revisional de recriação está sujeito a fatores sociais, econômicos e políticos que
nem sempre o revisor é capaz de dominar. O primeiro desses fatores é a influência de formas
canônicas de diferentes gêneros textuais no leitor-alvo. Desse ponto de vista, subscrevemos
alguns dos princípios da teoria do polissistema aplicados ao estudo da literatura. O polissistema
refere-se ao conjunto heterogêneo e hierárquico de sistemas nos quais gêneros literários de
prestígio e grandes obras ocupam posição dominante, no centro da arena, enquanto obras
“secundárias” são relegadas à periferia. A peculiaridade desses sistemas sendo seu dinamismo,
esse equilíbrio de poder pode mudar porque as obras secundárias lutam para serem reconhecidas
e acessar o centro do sistema. As formas literárias “em primeiro lugar” tornam-se, portanto,
formas canônicas que regem a aceitabilidade do texto. Devido a seu status como texto sucessor,
na gênese da produção, a revisão está na periferia do sistema e tende a se conformar com as
convenções dos textos canônicos. Embora a teoria do polissistema tenha sido desenvolvida
10-312

principalmente no campo literário, consideramos que alguns de seus postulados são aplicáveis
a outros gêneros textuais, notadamente aqueles com os quais mais trabalhamos, as teses e
dissertações que intentam, quase a totalidade delas, aderir a cânones do gênero.

De fato, no campo científico, a análise de artigos de popularização revela importantes


diferenças na percepção da ciência pelos cientistas ou pelos leitores externos à comunidade
acadêmica. Nos textos de difusão do conhecimento, a introdução de elementos lúdicos é
frequentemente usada como mecanismo de cooptação para estabelecer conluio e catarse com o
leitor, tornando assuntos difíceis mais atraentes, quando possível. No entanto, nas teses e artigos
científicos, a ciência é vista como assunto extremamente sério e artigos desse setor adotam,
como regra, tom formal, canônico, didático que tende a excluir qualquer aspecto lúdico,
ademais da pretensão inalcançável de impessoalidade.

Existe a tendência de se omitir qualquer elemento que possa ser interpretado


negativamente na cultura receptora, visando garantir a melhor aceitação do texto e, em
perspectiva mercantilista, alcance maior de vendas. Nesse bojo, incluem-se as imposições da
escrita politicamente correta em voga. Não esqueçamos que revistas científicas, romances, são
produtos de mercado de varejo ou vaidades que, em princípio, devem gerar lucro – ainda que
ele não se expresse apenas em quantias. O aspecto econômico, ou de outra retribuição, portanto,
está longe de ser insignificante. Atualmente, pouquíssimos revisores realizam sua atividade
apenas por diletantismo e afinidade; revisões pro bono são exceções, as revisões são realizadas
para uma editora ou um contratante físico que paga pelo serviço. O cliente busca,
costumeiramente, um objetivo específico que ele acredita alcançar por meio da revisão, e ele
não hesita em dar instruções ao revisor nessa direção. Além da orientação do autor, em muitos
casos mercantis, foi acrescentada a intervenção do patrocinador sobre a intervenção do editor e
até precedendo-a.

Podemos falar de traição na revisão? Não esqueçamos que os textos publicados serão
protegidos por direitos autorais e que as condições para revisar e publicar um romance ou livro
de qualquer outro tipo estão estipuladas em contrato firmado após negociações entre editores e
autores ou seus representantes. Qualquer adaptação do texto que possa ser descrita como
censura por razões econômicas é intencional e faz parte da estratégia específica. No entanto, há
muitos casos em que o estudo dos textos originais e sua revisão revelam que os processos de
interferência implementados tendem a mitigar elementos que podem ser percebidos como
transgressores na cultura do leitor-alvo. É difícil dizer se tais mudanças foram feitas
10-313

conscientemente ou se são resultado da resposta de autocensura, essa reprovação de elementos


da vida cotidiana que as diversas autoridades da sociedade, ou a imagem que se faz delas, não
toleram, não admitem. Então, o revisor se submete às ordens do editor ou instruções do autor,
do produtor… ou, para não ter que frustrar suas próprias exigências, as inclina às expectativas
deles, o revisor pode avançar suas diretrizes vinculantes: a autocensura também é censura
preventiva.

Consciente ou inconscientemente, o revisor se submete aos requisitos de


“politicamente” ou “moralmente” correto. Essa censura ou autocensura afetam particularmente
o campo da gíria e do conteúdo religioso, étnico, erótico ou político.

Por razões da brevidade da exposição, separamos os componentes linguísticos da


revisão como mediação daqueles mais ideológicos, mas, na realidade, os dois são inseparáveis.
De fato, as formas linguísticas que usamos revelam nossa posição em relação ao mundo a nosso
redor. A revisão faz parte do contexto cultural, social e econômico que impõe restrições ao
revisor. É por isso que a atividade de revisar é sempre intervenção na mensagem, e decisões
sobre a escolha da estratégia de revisão na esfera macrotextual se manifestam no plano
microtextual, por certas escolhas léxicas ou sintáticas que geram representações específicas.
Em tal perspectiva, noções de fidelidade e traição deixam de ser as âncoras que sustentam a
crítica das revisões. O estudo da revisão deve, portanto, ser abordado a partir das noções de
intercessão e mediação do revisor e as causas e modalidades dessas intervenções devem ser
examinadas. Tal abordagem também nos permite alcançar a análise de textos literários e não
literários, pois, embora as revisões literária e acadêmica tenham especificidades relacionadas
às características formais dos textos, trata-se, no entanto, de atos de comunicação igualmente
sujeitos à influência de fatores extralinguísticos.

10.3 MEDIAÇÃO E (RE)CRIAÇÃO

Nas interações humanas, a questão da revisão ocupa lugar especial tanto como trabalho
específico sobre línguas como na situação reflexiva de comunicação. A teoria da revisão
apresenta reflexão e reflexos não só sobre a linguagem e seus usos, também sobre situações de
mediação, pois pressupõe ponderação sobre os escritos, sobre a natureza e a legitimidade de
sua interação, assim como sobre a materialidade de suas trocas. Consideramos a revisão com a
postura epistemológica que se engaja em pensar tanto a linguagem quanto os jogos da
linguagem, da materialidade do corpo e da representação escrita, como espaços específicos de
10-314

criação e recriação. Analisamos a revisão aqui em relação à prática linguística, política e poética
que diz respeito diretamente à pesquisa em linguística aplicada, ciência da informação e
comunicação.

A revisão é, ao mesmo tempo, criação e recriação, recuo e avanço crítico, intercessão e


mediação, tanto subjetiva, organizacional quanto politicamente. Vamos aproveitar nossa
experiência em revisão para analisar as questões, particularmente, a partir de situações
profissionais relacionadas a essas diferentes posições que nos levam a repensar nossa formação
de linguistas e avaliar seu escopo além da linguística aplicada e além da atividade profissional
de revisores.

Essa proposta é dupla: primeiro, (re)analisar as características da revisão no campo


teórico como exercício de mediação; nosso objeto está em domínio que tem características
interessantes. A primeira delas é o fato de a revisão ter sido objeto de muito pouco
questionamento epistemológico por aqueles que exercem o ofício e quase nenhum por estranhos
à atuação; a revisão é campo de investigação científica internacional, baseado em publicações
em inglês, francês, italiano… graças à presença de associações prestigiadas, que publicam os
procedimentos dos simpósios e das principais revistas do setor – mas a maior parte dos textos
entra no viés da revisão de traduções – quando não, no contexto do letramento, em que é quase
outra prática; nesse painel, é paupérrima a discussão em português, com contribuições recentes
e ainda bissextas. A segunda característica vem à tona quando a revisão questiona a ciência da
informação e da comunicação, em particular, a forma pela qual aqueles campos do
conhecimento veem a pesquisa linguística aplicada, a circulação de textos, a parte criativa da
pesquisa linguística e a própria atividade da revisão.237

Para fins de nossa análise, consideraremos a revisão baseada na linguística pragmática


e dialógica em interação, como temos postulado, e na mediação da experiência física e
interpessoal colocadas em contexto organizacional e político.

A revisão envolve uma parcela de ajuste e outra menor de criação (mas não menos
importante), um jogo de influências recíprocas, uma dialética de apropriação e mudança de
cenário. O documento revisado, necessariamente polifônico, compõe com o original e
(re)implanta mais eficientemente os dispositivos linguísticos. Uma reflexão mais semiológica
nos permitirá acompanhar essa negociação de significado. Assim, percorreremos

237 Adaptado de (GENTES, 2009).


10-315

transversalmente os principais ramos da pesquisa de revisão e da decorrente práxis do revisor,


pesquisas focadas no estudo de textos e na evolução das revisões (pesquisa orientada a
produtos). Também analisaremos as funções dessa revisão, en passant, no contexto do ensino
e da pesquisa.

Para os escritos, a preocupação com a divulgação é particularmente evidente. Revisar


significa ler, reler e tentar ser lido novamente. A suposição – implícita em cada documento –
de que ele seja produzido para leitura e divulgação é duplamente explícita na revisão, que
imediatamente inscreve o texto em múltiplas releituras críticas. Primeiro, o texto foi escrito e
reescrito, foi dado por concluído pelo autor, foi escolhido para ir à luz ou ao prelo, foi
selecionado, considerado digno de novo interesse. Então, ele é submetido à mediação do revisor
antes de ter circulação. A revisão consagra a escritura em processo de enunciação e anunciação
editorial, tanto prestando tributo àquele que a escreveu e quanto a quem a reconheceu e em
respeito àqueles que a lerão. A revisão é forma explícita de endereçamento para o leitor cujo
status evolui tanto nesse processo quanto o do autor.

O revisor desempenha múltiplos papéis na atualização dos documentos escritos. A


decisão de submeter um documento à revisão funciona, portanto, como um segundo filtro (a
decisão de publicar, primeiro e a decisão de arcar com os ônus da revisão, segundo) e, portanto,
como indicador da decisão de (re)investimento na obra. Revisão é parte concreta do processo
histórico da literatura como seleção, e divulgação de textos, atuando subsidiariamente na
hierarquia de autores.

Esse percurso e destino literários não estão livres de questões de poder. Revisar significa
reconhecer a existência do outro e estabelecer as bases para o diálogo; inclusive, trata-se de
subsidiar a comunicação escrita entre os sujeitos. É também a prática que pode tornar as línguas
violentas ou impor hegemonia e domesticá-las. Para uma instituição, a revisão se cruza com os
problemas de posicionamento e concorrência no mercado.238

A revisão é forma de metacomunicação. A revisão não é a garantia de paz e harmonia.


A revisão não apenas facilita o diálogo entre sujeitos, é ela que, muitas vezes, molda o diálogo.
Molda intermediando ideias, mas também transformando o contrato de comunicação que
envolve valores, posições, em processo de entendimento explícito e de metacomunicação que
substitui e requalifica as modalidades de interação entre leitor e autor. No entanto, essa

238 (CALVET, 2007).


10-316

estratégia de atores que competem pelo recrutamento dos melhores leitores enfrenta algumas
dificuldades.

Uma chave óbvia na escolha das palavras não é mais a revisão em si, mas a situação de
comunicação. Dependendo do público que abordamos, podemos apresentar o lado certo da
proposta: “mediação” ou “intervenção”. A revisão enfatiza, na prática, que, para descrever as
mesmas coisas, escolhem-se palavras, expressões, perífrases, específicas de acordo com as
suposições que fazemos do horizonte de expectativas dos interlocutores, em todas as
circunstâncias.

Temos que voltar aos diferentes aspectos dessa questão. O revisor é pego em um
contrato de legibilidade, com a responsabilidade de dar para ler um texto que não existirá de
outra forma para outros leitores. Nosso trabalho baseia-se na (re)escolha das melhores palavras,
das construções mais adequadas, da ordem mais fluida e de significados os mais exatos ou
ambíguos possíveis. A revisão é tomada pela comunicação no sentido de que deve considerar
o contexto de enunciação (especialmente quando o tempo entre a escrita da obra e sua revisão
é estendido, algumas vezes por décadas ou séculos), adaptando o vocabulário e, de forma geral,
a linguagem às habilidades interpretativas dos leitores ao tempo da leitura. Surge a noção de
horizonte de expectativas como é de interesse para a revisão de várias maneiras. Cada obra é
(re)interpretada, (re)avaliada, por meio de (re)leituras dos horizontes de expectativas dos
leitores – artistas e poetas. Agora, em vez da comunicação de significados, muitos autores
dizem equivalência funcional, dinâmica e proximal: a revisão (especialmente no caso de textos
com propósitos estéticos) deve produzir o mesmo efeito que o pretendido pelo original. Isso é
referido como valor de troca igualitário – no mínimo, correspondente, que se torna entidade
negociável.239

O paradigma do certo é questionado. O paradigma do erro foi destruído. Entre essas


duas balizas, antes seguras, agora estão liquefeitas, como apontam os pesquisadores de revisão,
a questão é menos encontrar a resposta única e perfeita para o problema de desvio normativo
que adaptar a questão à situação concreta da comunicação. Entende-se, assim, que o espaço de
revisão seja flexível, negociado entre os interlocutores. Trata-se de estabelecer o padrão de
relacionamento em que compete ao revisor encontrar a melhor opção por aproximação, mas
sem fórmula predefinida. Ao abandonar a ideia de fonte normativa em benefício da mediação

239 (ECO, 2003).


10-317

negociada entre o documento original e a situação concreta de sua disseminação, os revisores


também têm papel real de mediadores, pois não só se encarregam do original, mas se preocupam
com suas reapropriações sucessivas. As questões retóricas, não apenas linguísticas, das revisões
também são apontadas. Finalmente, entende-se que a revisão envolva um conjunto mediações
que permite essa margem de iniciativa por parte dos revisores. No entanto, as diferentes
qualidades da revisão tendem a desaparecer no mundo da pesquisa científica por pelo menos
duas razões que vamos abordar agora.

Ao empurrar a lógica de um fluxo internacional de ideias, específica para a pesquisa de


hoje, até o fim, estamos testemunhando a produção de soluções linguísticas que podem ser
exportadas sem transição. Essa estratégia de marcas “internacionais” é ainda mais perseguida
por práticas editoriais que restringem o papel da revisão. A seguir, vamos abordar dois aspectos
dessa mediação obliterada: a limitação da linguagem a ferramenta de circulação e submetê-la
às formas editoriais de pesquisa.

O uso do inglês como língua franca tem muitas implicações: reduz a prática daquela a
seu uso como ferramenta, constituindo a interlíngua por excelência – e aqui nos reportamos ao
“inglês instrumental”, uma realidade internacional, queiramos ou não. Usamos a palavra
ferramenta para distingui-la do que qualifica adequadamente a língua, a interlíngua é
ferramenta.

A disseminação de uma língua – e a do inglês hoje – pode parecer ameaçadora para a


sustentabilidade de outras línguas e culturas; o fenômeno é historicamente conhecido e
assemelhado a todos os imperialismos, da expansão macedônica (IV a.C.) e helenização
clássica, da romanização de toda a periferia mediterrânea (II a.C a VIII a.D.), da mongolização
eurasiana (XIII e XIV), da expansão islâmica (‫فتح‬, Fatah, a partir do VII) à dominação luso-
espanhola (XV a XVIII), até a hegemonia anglófona vitoriana que perdura a nossos dias, com
mudança de epicentro que não precisamos relatar. A superestratificação das línguas dos
dominantes e a substratificação das línguas dos dominados é quase fenômeno universal,
exceção aberta para o grego coiné, o dialeto helenístico subsistente a quase tudo. No entanto, o
problema não é, em termos absolutos, usar o inglês, o problema é usá-lo de forma
“transparente”. Considera-se, nesse uso, que a língua inglesa não tem especificidades e pode
literalmente suportar as formas de expressão de todas as outras línguas. O que é descartado
nesse uso simplista do inglês, assim como ocorreu, por exemplo, com o latim castrense, é a
ilusão sobre a própria natureza da língua, que perde toda sua materialidade. A revisão mecânica,
10-318

simplista, de base normativa e regulatória não está relacionada ao respeito pelo escrito original,
mas à instrumentalização da língua que se torna extensão indiferente do pensamento, fenômeno
de pasteurização. Essa revisão que repudiamos parece estar limitada à (re)codificação da
mensagem, a seu enquadramento, reduzindo o revisor ao papel de fiscal da novilíngua. Esse
modelo é particularmente proeminente no ambiente profissional que o associa ao modelo de
comunicação instrumental – no qual cabe ao revisor o papel reducionista de aplicar a desejada
instrumentalidade ao objeto, como é o caso dos textos procedimentais de caráter multinacional.

Esse modelo sub-retórico teve influência considerável nas representações de


comunicação, mas também na revisão. Trata-se de um cânone baseado no texto do matemático
Claude Shannon: “Uma teoria matemática da comunicação”, que foi publicado em 1948, na
revista Bell System Technical Journal. Esse artigo apresenta um modelo de comunicação no
modelo de telecomunicações que aborda o problema da qualidade do sinal durante a
transmissão e os diferentes métodos de modulação de frequência: PPM (pulse modulation
position) e PCM (pulse code modulation). Shannon deixa claro que seu ponto não é o
significado, que não é o problema de engenharia, ele diz, mas como o sistema funciona,
independentemente da mensagem.

Assim, a revisão poderia ser vista como mera coadjuvante da codificação-decodificação


em cadeia contínua, direta, sem qualquer intercessão, sem mediação, baseada em modelo
matemático, onde o sucesso depende da ausência de distorção do sinal. O papel da revisão
limita-se, nessa quadra, à busca por aperfeiçoamento do texto original, trivial aferição de norma
que, em tese, afastaria qualquer ruído.

A disparidade é óbvia, é clara, entre o escrito em inglês pelo anglo-saxão e o escrito por
pessoa de qualquer outra nacionalidade. No entanto, o esforço da revisão simplesmente não é
mencionado como tal naquela obra. Na maioria das vezes, não há menção do revisor por pelo
menos duas razões. Primeira, o texto é revisado, mas a revisão entra na categoria de “textos
industriais” e o contrato estipula o abandono da propriedade intelectual pelo revisor.240 Os
comitês editoriais pedem que os textos sejam “relidos” (não revisados) pelos falantes nativos
do inglês e minimizam ainda mais o trabalho de revisão. Supondo que o texto seja considerado
satisfatório, a maioria dos artigos não pode explicar a diversidade de seu contexto de escrita
que a obra de revisão deveria elucidar: “as notórias normas ou as poéticas específicas do gênero,

240 (FISCHBACH, 1992).


10-319

as relações implícitas que ligam o texto a obras conhecidas em seu contexto histórico e,
finalmente, a oposição entre ficção e realidade, função poética e função prática da
linguagem”.241 Na escrita e revisão de textos científicos, esse horizonte conceitual deve ser
explícito. No entanto, um texto pode ser escrito em inglês sem que as fontes sejam anglo-saxãs.
Assim, nas bibliografias, as referências podem estar além do alcance do leitor de língua inglesa,
porque em norueguês, dinamarquês ou português. O artigo pode, portanto, parecer
extremamente interessante, mas impossível de seguir, uma vez que o resto dos escritos não
estão disponíveis – e as cadeias de autoritas et auctoritates inerentes ao pensamento científico
se rompem. Ficamos como se estivéssemos na superfície do texto. Uma das consequências
editoriais e científicas do requisito de legibilidade aprofundada, no entanto, pode ser pior que o
mal. Por um lado, pode levar a sistematizar o uso da língua estrangeira, inclusive para pessoas
que falam a mesma língua que os autores. Por outro, pode levar os autores a citar apenas
referências na língua franca. Pesquisadores adotam um horizonte cultural demarcado como a
única garantia de publicação. Em outras palavras, textos do contexto anglo-saxão “estendido”
(ou subentendido) são procurados e citados para garantir que os leitores encontrem o que estão
acostumados e limitam dramaticamente as referências e a diversidade cultural.

Em segundo lugar, essa “tarefa” se funde com a de (re)projetar o texto original. Não é,
estritamente falando, caso de revisão, mas trata-se de autorrevisão – para não dizermos que é
autocensura. Em entrevistas com pesquisadores, essa restrição da linguagem é frequentemente
mal experimentada; na melhor das hipóteses, como fatalidade; na pior das hipóteses, como
desapropriação do pensamento; daí os repetidos pedidos de orçamento para revisões – e as
constantes denegações de ordens de serviço: os autores não se dispõem ao ônus por ignorarem
o bônus.

Em ambos os casos (releitura ou reescrita), o documento não mostra os passos como faz
um livro, que exibe e muitas vezes prioriza e hierarquiza as funções de autor e revisor,
colocando-os para um a primeira capa, para o outro dentro do livro, ou usando fontes de
diferentes tamanhos.

O uso muito particular do inglês por pessoas que não o falam como língua materna,
finalmente, moldou uma nova língua, uma novilíngua, e um tipo peculiar de situação de
comunicação. Não é o uso da língua inglesa – em toda a riqueza do inglês americano, britânico,

241 (ECO, 2003).


10-320

criações literárias em inglês da Irlanda, Caribe ou África… – que é fonte de empobrecimento


cultural, mas a importação internacional de inglês – da língua esterilizada, asséptica,
improfícua, usada em campos comerciais técnicos, que perdeu sua riqueza semântica e só pode
ser artificial.

A disseminação do inglês internacional ou instrumental é ferramenta de comunicação


profissional de áreas específicas e, portanto, orientada para a expressão dos dados que compõem
esses campos. Os termos que estão se espalhando pelo mundo científico: workpackage,
deliverable, kickoff meetings, proof of concept, show case, proofreading, bem como as formas
canônicas de artigos científicos, que padronizam e estruturam não só a expressão, mas também
a organização de projetos e, ao cabo, estandardizam (com o perdão do anglicismo – usado para
o efeito) os modos de pensar e de agir, transformando a retórica em cânone – no sentido
dogmático do termo. De fato, torna-se impossível em um projeto, por exemplo, não conter
workpackages (pacotes de trabalho – tarefas) que vão do state of the art (estado da arte) ao
show case (a demonstração). Na maioria dos casos, essa compartimentalização do raciocínio, e
essa expressão canônica, em princípio, colocam em pauta problemas concretos de organização,
especialmente quando se quer fazer várias iterações em um projeto.

A questão do inglês (instrumental) como língua científica não é, portanto, apenas


problema linguístico (ou político, ou cultural); sobretudo, trata-se de problema de redução da
prática linguística. A prática do inglês instrumental é controlada por hábitos profissionais e
mesmo rotinas de renderização da mensagem que tornam seu exercício complicado até mesmo
para um anglófono.

Do mesmo modo, a disparidade é óbvia, e igualmente clara, entre o escrito em português


por um lusófono, ou mesmo por algum falante das neolatinas, e um escrito na língua lusitana
por pessoa nativa de qualquer outro tronco linguístico. Claro que o português moderno não se
encontra na posição de língua franca, nem mesmo alcançou tal status no auge do Império
Português. Mas adaptações dos textos para edições de um lado para outro do Atlântico relegam
o esforço do revisor, que simplesmente não é mencionado como tal – quando existe! Na maioria
das vezes, não há menção de um revisor por pelo menos duas razões. Primeiro, o texto
raramente é revisado quando atravessa o oceano, mas – se o for – a revisão entra na categoria
de “ajustes” e o contrato estipula o abandono da propriedade intelectual pelo revisor.
10-321

A partir de nosso forte desejo, tanto teórico quanto metodológico, de redação e revisão
colaborativas e dialógicas, também nos deparamos com o tipo documento para conferência e
revista científica em questão que pode ilustrar o que vimos afirmando. Apesar da pretensão de
representação bastante ampla dos problemas (issues) globais e setoriais, o gênero esperado, em
um caso que elegemos para epígrafe, dentre muitos, era o de artigos de pesquisa no campo da
engenharia. Vimos os comentários de três revisores (peer review, refereeing) enviados por e-
mail demandando “ajustar” o artigo. Uma das observações em particular chamou a atenção.
“Eu recomendaria aos autores absterem-se do floreado da linguagem sobre as visitas ao museu
e focar mais no conteúdo técnico. Afinal, trata-se de publicação técnica em que o avanço dos
princípios da ciência e da engenharia é mais valorizado que a linguagem de alto nível.” O
revisor (peer reviewer) considera que a tecnologia seja definida apenas por características
funcionais, sem os componentes elementos culturais e sociais, e critica o mal posicionamento
do artigo nessa conferência. No entanto, o próprio julgamento não deixa de ser atingido pelos
juízos de valor sobre a forma escrita dos resultados da investigação. De fato, as críticas do
comentário não dizem respeito a problemas de sintaxe ou problemas de vocabulário
relacionados à revisão, mas ao próprio estilo de expressão. Tampouco, o comentário do revisor-
par (a tentativa de tradução literal ainda é mais desastrosa que o inglês instrumental) não se
atém ao comentário do conteúdo material (tecnicista) do artigo, ele foca aspectos linguísticos e
estéticos sobre os quais demonstra cabal despreparo.

Há várias teses subjacentes à questão: o gênero “científico” exigiria forma particular de


prosa cujo vocabulário é padronizado (cânone – na pior acepção possível) não apenas pela
especificidade do campo gnosiológico em tela, também pelo estilo sob o qual certas expressões
não podem ser utilizadas, sob o risco de deixar transparecer sua origem em outra comunidade.
Nossa crítica também se refere ao sistema de valores do revisor que pleiteia a limitação do
artigo aos fatos, à denotação, novamente com sua ideia muito precisa e preciosa do que seja
“fato” para ele. Também pode-se argumentar que a forma liminar com linguagem simples, não
pretensiosa e “transparente”, seja tomada em progressão amplamente continuada no mundo
acadêmico e tecnológico. A autoridade do “estilos simples” na escrita em inglês foi imposta ao
longo de vários séculos, como movimento histórico em direção à ortografia uniforme e
gramática, não idiossincrática, sem transição, propondo a eliminação de constrangimento
(politically correct), enfim, qualquer elemento que possa concentrar a atenção na própria
linguagem, como se ela fosse “mero” código, simplificável por um algoritmo à guisa de cânone
de forma que a qualificasse ao índex – para dele constar, ou para o expurgo. O caso é que esse
10-322

fenômeno, advindo da interlíngua anglo-saxônica, se impõe constantemente, até mesmo quando


escrevemos este parágrafo e o revisor do Word nos sugere substituir “idiossincrática” por
“peculiar” – impondo-nos o programa de origem norte-americana, ainda que em sua versão
brasileira, o emprego de uma palavra mais palatável, mais curta, menos erudita (no entender do
engenheiro de software que gerou os códigos que nos propuseram essa simplificação – ou de
algum linguista aderido a correntes que nem aventamos supor quais sejam). Trata-se, para
concluir o exemplo, do inglês instrumental tentando instrumentalizar a nossa expressão
linguageira por meio de um programa de editoração que é praticamente universal; podemos
estar certos de que o mesmo tipo de imposição (ou sugestão restritiva, como queiram) se aplique
em todas as versões do programa, em quaisquer das línguas para as quais a Microsoft já tenha
estendido os recursos de revisão eletrônica.

Se o inglês passou por grande transformação sob a influência combinada de poderes


científicos, econômicos e midiáticos, o domínio da transparência na revisão em todas as línguas
reflete tendências comparáveis em outras formas culturais, incluindo outras formas de escrita.
O poder econômico e político da pesquisa científica no XX, as inovações do pós-guerra, a
publicidade e a indústrias do entretenimento a apoiar a produção e circulação de produtos
primários (commodities) afetaram todos os meios de comunicação (mass media), valorizando o
uso instrumental da linguagem e, assim, enfatizando a inelegibilidade imediata e o
favorecimento da fatualidade.242

A revisão não é a única atividade a ser afetada pela uniformidade de linguagem que a
reduz a uma ferramenta, como as ferramentas de revisão do Word e outras mais do mesmo jaez
– todas são da mesma estirpe! Neste ponto, o Word recomendou trocar “jaez” por “gênero” –
ignorando a variação léxica e o sentido técnico que damos à alternativa que eles propõem.
Fascinante como, à medida que redigimos, as teses que apresentamos nos são provadas e
referendadas pelo uso que fazemos de uma ferramenta de matriz anglo-saxônica tentando nos
restringir o uso de matizes da flor do Lácio (essa última expressão é, intencionalmente, o ato de
rebeldia para encerrar o parágrafo).

Revisar é integrar os horizontes da língua, é mediar a relação dos sujeitos com o mundo
exterior sem consentir que uma vírgula separe os sujeitos dos predicados, é entrar na polifonia
entre os diversos agentes e pacientes. A língua desafia ideias preconcebidas sobre conversa

242 (VENUTI, 1995, p. 5).


10-323

justa, fala poética, expressão eficaz, comunicação por gestos e símbolos. A língua não só cresce
continuamente em expressões e representações, como sepulta ideias e palavras sem serventia,
diversificando as relações de seus usuários com o mundo. Portanto, a revisão é eminentemente
política, agindo no compartilhamento multissensorial. Existe uma estética na base da política…
É a (re)divisão do tempo e do espaço, do visível e do invisível, da fala e do ruído que define
tanto o lugar quanto a questão da política como forma de experiência. A política é sobre o que
vemos e o que dizemos sobre ela – sobre o mundo; quem tem a competência de ver e a qualidade
para dizer, sobre as propriedades dos espaços e as possibilidades de tempo, é o homem político
aristotélico. As revisões revelam o modo pelo qual as línguas dividem o contínuo da experiência
e, em contraste, refletem os silêncios das narrativas, suas histórias, seus valores.

A revisão consiste em brincar com a língua como mecanismo. Consiste em se aproximar


ludicamente do engenho e fazê-lo funcionar – de algum modo (mas que modo?). Aprendemos
a revisar de forma cada vez mais fina, mais diversificada, mais virtuosa. A revisão é, de fato, o
momento singular em que as línguas recuperam a espessura, a tessitura, a textura. A revisão
revela, no sentido fotográfico do termo, os acidentes das línguas e as práticas singulares dos
escritores. Mencionar o mecanismo da língua é invocar uma expressão com a qual é possível
pensar a metalinguagem como fato. Um mecanismo é mais que aparenta ser – os motores dos
carros ficam invisíveis para os passageiros. A linguagem faz parecer que a passagem de um
para o outro pelo contraste faz o indivíduo sentir formas muito diferentes de olhar. Essa prática
singular de leitura e escrita é, naturalmente, baseada nas regularidades das línguas, tanto
semânticas quanto sintáticas. A criatividade, consonante a linguagem, transpassa as restrições
morfológicas e sintáticas inevitáveis, os padrões coletivos que constituem restrições relativas e
as escolhas particulares de autores e revisores. Essas variáveis são contínuas, a ponto de ser
difícil saber quando nos movemos de um para outro ponto.

O substrato comum da língua franca bem como as inespecificidades dos autores são
questionados pela revisão. Uma das dificuldades é recontextualizar o discurso para questionar
a ordem compartilhada, o comum e o que está na altura da ruptura estilística e das
idiossincrasias (usamos novamente, por pirraça mesmo!) dos autores. Em outras palavras, a
revisão não se trata de usar dicionário e gramática, mas de elucidar contextos de enunciação.
Na prática, não há um texto ou dois, mas vários: não apenas rascunhos, mas diferentes
encarnações da escritura que constituem, naturalmente, uma história de revisões, mas também
a própria dinâmica do trabalho de revisão. De fato, o texto original não só é transformado, mas
10-324

é revisado para verificar a fluidez e as relações decorrentes. Posto isso, há vários momentos de
escrita, vários pré-textos que, embora emoldurados pela leitura do original, podem ser
consideravelmente emancipados dele. Estamos criando uma rede de textos. O conceito de
dialogismo está por trás dessa circulação, assim como os conceitos de mimese, de intercessão
e de mediação. A orientação dialógica é inerente a todo discurso. O discurso de um encontra o
discurso dos outros sobre todos os caminhos que levam a seu objeto e eles interagem. Por tudo
isso, a revisão é uma forma de diálogo ativo, voluntário e explícito.

Nesse movimento de comparação e contraste, nossa língua se torna estrangeira. A


revisão pragmática – em oposição à outra dialógica – leva a mudanças na língua, incluindo a
língua materna que é questionada, desnaturalizada. A revisão dialógica (re)descobre que a
linguagem não é apenas ferramenta de comunicação, é mecanismo que cria. Revisar também
significa mostrar que o mecanismo de que estamos falando aqui não é instrumento passivo nem
pacífico. Esse mecanismo não se compara à vontade, ele se (re)inventa e co-inventa, na ausência
de know-how (ops!) adequado, independentemente de sujeitos ou objetos, e desenvolve um
estado possível dessa correlação temporal, mundana. Ao revisar, estamos desestabilizados,
movemo-nos por território desconhecido em deslocamento infinito.

A revisão quebra os automatismos da linguagem, não é a imposição do sistema


normativo da linguagem materna, ou de qualquer variante de gênero nela. Ela toma emprestado
da enciclopédia (no sentido globalizado de tudo que é conhecido) os diferentes usos e sentidos
de palavras, expressões. Esse trabalho de interpretação é consistente com uma semiótica que
deve ser lembrada aqui.

Uma evolução recente da revisão considera hoje essa atividade tanto do ponto de vista
linguístico quanto do ponto de vista semiótico. “Um sinal ou representação é algo que ocorre
para alguém de alguma coisa em algum aspecto ou em alguma capacidade. É endereçado a
alguém, cria na mente dessa pessoa um sinal equivalente ou pode ser um sinal mais
desenvolvido. Esse sinal que ele cria, eu o chamo de interpretar o primeiro sinal. Esse signo é
o lugar de algo: de seu objeto”.243 Essa definição de como o sinal funciona introduz elementos
de estabilidade e dinâmica. A relação do representante com o objeto não é universal e
atemporal, mas histórica. Pierce fala da “fundação” do representamem (a forma do
representado). A fundação não se reinventa a cada segundo e é reconhecida entre diferentes

243 (PIERCE, 1978).


10-325

pessoas que entendem o que ela é, assim como permite, com o tempo, que um homem se lembre
do que estava pensando na medida em que o pensamento continua coerente durante o tempo,
com conteúdo preservado, sempre a mesma ideia não se torna uma nova ideia a cada instante.
A revisão baseia-se na estabilidade, mas também na manifestação viva, na experiência renovada
da vivacidade das relações de sentido. O sinal também é um elemento dinâmico porque não
para em um sentido, na única relação com o objeto, mas refere-se a outros sinais. O sinal é
definido pela sequência interpretativa, (re)interpretando-a, tornando-se um sinal novamente, ad
infinitum. A tarefa do revisor é justamente atravessar o espaço e o tempo semântico, explorar
essa suíte interpretativa e escolher uma estabilidade aparente, uma série de palavras ou uma
vírgula para que o leitor entenda a que se refere o autor. A revisão funciona na distância não só
entre o objeto e o representamem, mas também entre o representamem e o intérprete.

A questão toda é como revisar sem fazer uma explicação dos documentos. A exploração
completa do espaço semântico levaria a um texto com longas perífrases e didascálias para
explicar cada termo – como uma tradução em língua própria. Seja para romance, manual, artigo,
tese, poema, o revisor pretende contribuir para que o escrito produza, na medida do possível,
os mesmos efeitos à leitura, tanto estilísticos quanto culturais, independentemente da persona
do leitor. O revisor negocia constantemente perdas e acréscimos de significado: o que se perde
em uma sentença, pode ser compensado em outra.

10.4 REVISÃO COMO (RE)CRIAÇÃO

Essa riqueza semiótica (re)velada pelo processo de revisão assume dimensão especial
quando é interpretada por escritores que não pensam na revisão como espaço de transição sem
espessura, mas como ambiente a ser explorado. Se olharmos para poemas “revisados”, trata-se
tanto da questão de possibilitar ler com familiaridade, como forma de repetição de fórmulas, de
déjà vu, quanto da de deixar claro que algo foi retraído, transformado, um truque foi aplicado.
As revisões verdadeiras sublinham o jogo criativo inerente à prática linguística, mas também
específico para os jogos de línguas que trazem à tona a materialidade da revisão. Metáforas de
circulação, da passagem, que acentuam a dimensão efêmera, quase mecânica da revisão – trata-
se da prática esquiva, sorrelfa, fugidia da revisão, a ponto de nos permitir falarmos de uma
“caixa-preta” para descrever o processo de revisão na mente do revisor, passamos para
metáforas topológicas de encruzilhadas que hoje estão muito presentes nos discursos sobre a
pluralidade linguística.
10-326

A ideia de insubmissão à língua original se preocupa com as traições infligidas nos


originais. Além do debate sobre fidelidade ou infidelidades (re)criativas, o que nos impressiona
é a justaposição material de metáforas e mimeses que levam o escritor e o revisor a duvidarem
de sua própria unidade e coerência autoral, o primeiro, e de sua própria ambiguidade e coerência
mediativa, o segundo. O olhar do autor (re)surge estranhado do mecanismo escrito da lavra do
revisor: é um (re)escrito (re)nascido, tanto um processo resultado quanto um resultado de
processo, objeto e ação em que o autor encontra também estranheza de si mesmo.

O trabalho do revisor é, portanto, poético. É trabalho, mas também gera surpresa, gera
busca assim como oferta. O mecanismo revisado não é controlável – não houve controle do
processo pelo autor, o produto é um inédito, um filho sem pais e sem país, porém uma criatura
com um creador (sic) e um (re)criador. Uma forma (ou fôrma) de tecnicidade é a marca do
revisor, mas é uma produção que não é totalmente antecipada. Ao (re)colocar os textos em seu
papel, ou em seus papéis, justapondo autorias, propomos uma circulação limpa do olhar que
compara comprimentos, ortografias, estruturas que (re)criam significado não só a cada texto,
mas também entre eles.

Sempre se questiona o que caracteriza a poesia, e podemos situar a resposta na


experiência poética que une poetas e leitores. Parte-se da oposição clássica entre a anestesia
estética e a poiesis para distinguir o estudo dos sistemas de regras de escrita da poesia a fim de
nos situarmos como revisores diante da obra poética. Como se trata mais de partilha de
experiência, situamo-nos nesse campo, por excelência, como mediadores, despindo-nos de
outros focos, principalmente daqueles de remediadores.

Falando em estética, invocamos tudo relacionado ao estudo das sensações; mas, em


particular, as excitações e reações sensíveis que não têm papel fisiológico uniforme e bem
definido, mudanças (re)sensoriais que o ser vivo pode experimentar, cujo todo (que contém,
como raridades, as sensações indispensáveis ou utilizáveis) é nosso tesouro, sentimentos
particulares, distintos daqueles proporcionados pelas experiências da vida.

A arte poética reflete tudo relacionado à produção das obras, passando pela ideia geral
de ação humana completa, desde suas raízes psíquicas e fisiológicas, até seus compromissos
sobre matéria ou sobre indivíduos. Ela situa, primeiro, o estudo da invenção e da composição,
o papel do acaso, o da reflexão, o da imitação; depois, vêm a cultura e o ambiente; ao cabo, o
exame e a análise de técnicas, processos, instrumentos, materiais, meios e substitutos de ação.
10-327

Cabe ao revisor, de um lado, o (re)estudo da invenção e da composição, a (re)flexão do papel


do acaso, a imitação do imitador; cabe-nos emular e sublimar a cultura e o ambiente; proceder,
igualmente, o exame e a análise de técnicas, processos, instrumentos, materiais, meios e
substitutos de ação.

Importa primeiro o que na criação é interpretado pelo autor. Depois, a criação tem uma
parte descontrolada, que pega desprevenida e parece escapar de qualquer organização
consciente. Mas essa inspiração não é suficiente para fazer o poeta. O trabalho sobre palavras,
a busca de formas adequadas, a implementação do conhecimento técnico são o corolário
indispensável da visão poética, os meios de que o texto surge. O “estado poético”, quase
acidental, nos dá a sensação de ser capaz de reorganizar os elementos da realidade, perceber
correspondências, criar vínculos. Como no sonho, elementos dispersos fazem sentido em
configuração inesperada.

O estado e a emoção poética parecem consistir na percepção nascente, na tendência de


perceber um mundo, ou sistema completo de relações, em que há seres, coisas, eventos e atos,
e se cada um deles se assemelha a cada outro, aqueles que povoam e compõem o mundo
sensível, o mundo imediato, do qual são emprestados, estão em relação indefinível, mas
maravilhosamente justa e ajustada com as modas e leis de nossa sensibilidade geral. Então,
esses objetos e esses seres conhecidos, de alguma forma, mudam de valor. Eles são
musicalizados, imensuráveis, ressonantes um para o outro. O universo poético assim definido
apresenta grandes analogias com o universo dos sonhos. Por outro lado, sem técnica, a visão
permanece carta morta. Ele se concentra, portanto, no trabalho substantivo do poeta, em sua
técnica. Esse trabalho sobre palavras é assediador, verdadeira lágrima, na linguagem comum.
De fato, grande parte do problema do revisor nessa senda se concentra na diferença entre poesia
e comunicação. Comunicação é sobre compreensão. É a ferramenta da interação orientada ao
fim. O modelo de comunicação “estatístico” é prática que desaparece antes e através da ação.
A linguagem é usada como dinheiro que perdeu o valor impresso. Ela tinha valor de troca, mas
ele desaparece à frente do “bem” que permite obter. Já a poesia é forma de metalinguagem na
qual as palavras recuperam peso em si mesmas e não são mais consideradas de acordo com sua
utilidade atual de compreensão e ação, mas oferecem-se como experiência em seu próprio
direito, na metáfora da nota desmonetizada, a poesia a (re)insere no rol dos objetos de valor,
conferindo-lhe, pela raridade, valor de troca diferente da cifra estampada.
10-328

Em vez de (re)cair na oposição entre linguagem orientada à ação e linguagem poética,


a revisão de poesia (re)sugere pela tensão na qual a criação, tanto poética quanto do trabalho
do revisor, é um dos polos. Portanto, é essencial para as ciências da informação e comunicação
a apreensão da revisão como (re)criação. A linguagem poética é a (re)abertura do texto para a
experiência compartilhada e única de leitura e escrita, experiência na qual o leitor e o poeta
coproduzem a experiência poética, mas também deixam a nova forma acontecer; experiência
que pode ser (re)mediada pelo revisor. Para reformular seu propósito, a poesia é um meio
específico (uma mídia), não completamente técnico nem tomado em uso – trata-se de
comunicação “imperfeita”, dissociada dos algoritmos, mas estritamente midiática na forma que
propõe uma configuração semiótica que carrega significado e está aberta à (re)interpretação.

Para ir além do problema da revisão como comunicação de significado e transmissão de


mensagem, vamos falar da revisão como “forma” que diz respeito à relação entre as línguas e
seus propósitos.244 É nessa mesma oposição que a revisão (re)insere a possibilidade de revisar
criativamente, como mediação consciente. A linguagem poética multiplica os pontos de acesso
às coisas, ela abre constantemente novas formas de olhar para o mundo. É no movimento (não
mais processo!) da revisão como mediação que a linguagem poética (re)aparece em sua
incompletude e que seu enriquecimento estético (re)surge. A revisão é o momento, quase a
observação continuada, essa tarefa sem fim. Ele carrega consigo a admissão de seu caráter
histórico transitório.

A revisão da poesia afeta tanto o escrito original quanto o idioma. A revisão é o princípio
dessa dupla (r)evolução. Também se estabelece uma hierarquia entre textos que contêm a
revisão em seus corações e aqueles que são de menor interesse, cuja revisão foi apenas cerebral.
Nem todos os textos poéticos carregam em si suas revisões, nem todos têm potencial para
evoluir. Nenhuma revisão seria possível à poesia se sua essência final fosse desejar parecer,
manter, preservar, estabelecer um liame direto com o original. Em sua sobrevivência, essa
revisão não mereceria ser chamada assim, não sendo a mutação e a renovação dos textos vivos,
não sendo a mediação entre os originais e os sujeitos. Mesmo palavras bem definidas continuam
amadurecendo. O que, na época de um autor, pode ter sido tendência em sua linguagem literária
pode ser esgotado depois disso; tendências imanentes podem surgir em nova configuração
criada. A revisão, pela forma que adota, revela, mas também cria potenciais para a linguagem.
A “tarefa” do revisor é contribuir para a vivacidade da língua e assinar (e não assassinar) a

244 (BALLARD, 2007).


10-329

natureza efêmera dos textos que ela dá à luz. Não se trata de (re)escrever as palavras, mas de
ser fiel ao princípio dinâmico das línguas e, portanto, de (re)inventar o jogo. O jogo sobre
palavras, a permutação, a busca por raízes, a peça fundada em sons e ritmos, dando origem a
interpretações – no sentido dramatúrgico do termo. Não há, portanto, revisão perfeita para a
poesia, mas sim revisões que mudam, que envelhecem depois de atualizarem o poema original,
porque refletem o que parece relevante para a leitura contemporânea e não apenas em relação
ao contexto original. A exploração de possíveis significados, mundos vividos, comentários, não
só alimenta a interpretação, mas também (re)cria um universo que, de alguma forma,
(re)escreve o poema original.

A invenção técnica é também invenção da imaginação e corte da realidade não apenas


por seus efeitos práticos, também pelo que os revisores lembram como relevante para descrever
o que é essa tecnologia. O que caracteriza a ciência e as técnicas da informação e da
comunicação é que essa invenção é feita em um turbilhão de linguagens, em um constante
vaivém entre autorrevisão, reapropriação linguística, imaginação cultural e a poética de sons e
conceitos. É evidente que encontramos questões políticas como sempre, mas também estéticas,
pela experiência das palavras e sujeitos que coexistem. Parece-nos que a invenção linguística
que acompanha as inovações técnicas deve ser considerada como um caso específico.

A proliferação da invenção das palavras no setor de inovação tecnológica é proverbial.


São milhares de palavras que deram origem a dicionários que acompanham o marketing de
software e de ferramentas de rede. Esses dicionários buscam três missões: revisar termos,
explicar técnicas, padronizar práticas. Na verdade, esses dicionários não são apenas dicionários
de termos técnicos. Não se trata de lexicografia de registro ou thesaurus, mas de criar do zero
um campo semântico, o de computadores e redes.

Essa produção de palavras ocorre no contexto de uma anglicização da ciência que


evocamos e que produz circulações de palavras bastante originais, uma vez que as palavras
tenham sido criadas em inglês por uma comunidade científica internacional para descrever
tecnologias, e, em segundo lugar, tentamos aportuguesá-las ou as inserimos no léxico corrente
em sua forma original. Exemplos bem óbvios são o termo “e-mail” ou o termo “software”,
proposto por Philippe Renard.

Considerando a criação e a circulação de termos entre línguas, bem como seu respectivo
fluxo na própria língua ou através dos tempos e segundo o jogo de interesses, parece necessário
10-330

que as ciências da informação e comunicação, para garantir melhor a posição crítica, evoquem
tecnologias que lhes são inerentes ou, por outro lado, assumam posturas que lhes são intrínsecas
em relação à pesquisa nos campos científicos que atuam na linguagem. No primeiro ponto, um
elemento complementar será trazido ao debate, o conceito de interatividade. O debate sobre
interatividade passa pelo conjunto multidisciplinar de questões sobre escritos em tela no qual a
postura crítica afirmada desde o início é arguir termos que parecem autoevidentes, como o da
interatividade. Essa postura é explicada em relação à poética dos escritos em tela, cuja
proposição é que a eficácia retórica das expressões interação e interatividade se deve, de fato,
à ambiguidade e à reflexividade que lhe são inerentes, característica que se refere às
propriedades técnicas, de um lado, e à noção humana de ação, de outro, bem como às influências
recíprocas entre ambas. No entanto, nenhuma ação comunicativa é meramente gesto físico,
questão motora ou de ergonomia, é também implantação de energia e sinergia dotadas de
significado pelo sujeito em contexto social, histórico e cultural, portanto, a ação comunicacional
é questão de semiologia, sociologia e filosofia. Desse modo, é compreensível que não haja
interação possível entre o homem e a máquina no sentido adequado da palavra.
Inobstantemente, existe intensa interação entre os seres humanos e as máquinas constituídas
pelas linguagens. É assim que vale a pena perguntar por que os projetistas dos dispositivos
tecnológicos falam de interatividade e por que sugerem, como o termo deixa transparecer, que
a máquina tem capacidade de ação, força de vontade, capacidade de fazer sentido e, portanto,
de acessar a cultura.245

O termo interação é questionado – o que é exigível na análise de práticas emergentes –


mas o é a partir de sua circulação na mídia e a partir de seu uso por “engenheiros” de software
e por linguistas computacionais. Seu uso é imediatamente acusado de servir a interesses
comerciais e tecnocráticos. Uma dimensão importante ainda nos parece estar de fora da análise:
o nascimento e a disseminação desse termo nas condições de interlínguas específicas da área
tecnológica. Em todos os dicionários consultados, parece que o termo interação (e seus
correspondentes nas demais línguas), embora provável e bem estabelecido em português desde
1937, segundo Houaiss, todavia deve sua existência ao inglês. Apareceu no Littré em 1876,
após forte circulação científica inglesa já em 1832. O termo refere-se ao sistema de elementos
em que a ação de cada um tem um efeito sobre todos.

245 (JEANNERET e SOUCHIER, 1999).


10-331

A história desse termo mostra os aspectos mecânicos e dinâmicos: é a ação que ocorre
entre duas ou mais entidades quando a ação de uma delas provoca uma reação da outra ou das
restantes; por oposição à unidirecionalidade do conceito de causalidade, e subjacente
bidirecionalidade ou mesmo interatividade, inclusive com reflexionalidade. Houaiss nos aponta
alguns tipos de interação:246

• interação eletromagnética (física): processo de interação de partículas


elementares carregadas que pode ser atrativo ou repulsivo, e que resulta da
atuação de forças originadas pelo campo eletromagnético;

• interação forte (física nuclear): interação de alcance extremamente curto,


aprox. 10-15m, entre partículas elementares subatômicas denominadas hádrons e
que é responsável pela estabilidade do núcleo atômico; sua magnitude pode ser
caracterizada pela constante de acoplamento forte;

• interação fraca (física nuclear): interação entre partículas elementares


subatômicas denominadas léptons e presente no decaimento de hádrons, sendo
responsável pelo decaimento beta; sua magnitude é aproximadamente 10-12
vezes a da interação forte;

• interação gravitacional (física): força sempre atrativa e de longo alcance que


atua entre todos os corpos com massa, sendo a mais fraca das interações
fundamentais, aproximadamente 10-42 vezes a da interação forte;

• interação medicamentosa (bioquímica e farmacologia): modificação dos


efeitos habituais de um medicamento quando associado a outro(s)
medicamento(s) ou a dada substância;

• interações fundamentais (física): as quatro espécies de interação que ocorrem


na natureza entre as partículas: interação forte, interação fraca, interação
eletromagnética, interação gravitacional.

A isso se soma uma confusão adicional: a do uso da palavra interação pelas ciências
sociais. O conceito derivado da filosofia alemã é generalizado pela Escola de Chicago. A
psicologia social descreve as regras organizadoras das relações humanas e suas questões

246 (INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS, 2018).


10-332

sociais. Assim, a partir da década de 1970, o termo tende a abranger as atividades humanas
entre eles e não apenas as propriedades físicas ou químicas dos elementos:

• interação social, influência da sociedade no indivíduo;

• interação simbólica, uma das correntes de pensamento microssociológico;

• interação cultural, conceito histórico sobre as alterações socioeconômicas.

Simultaneamente, a década de 1970 viu o considerável feito de o computador migrar de


seu status técnico, reservado a especialistas, para firmar posição como objeto acessível aberto
a grandes públicos: textos eram legíveis, interpretáveis, disseminados por pessoas, mas também
computadores reagiam quase ao mesmo tempo que um corpo vivo faria. Disso decorre o
seguinte sentido:

• interação (ciência da computação): atividade de diálogo entre um indivíduo e


informações fornecidas por uma máquina, manipulando a imagem, agindo,
interagindo com a máquina sem ser um técnico de eletrônica ou programação,
este é um dos maiores problemas que os engenheiros buscam resolver.

A partir da década de 1970, o termo interação foi usado e disseminado para aplicar à
ciência da computação. Os vocábulos e conceitos desenvolvidos no contexto da eletricidade e
do eletromagnetismo são transpostos para a ciência da computação pelas mesmas sociedades
de eruditos e seus periódicos. Interação passa a descrever a troca de informações entre
computador e usuário.

Assim, o potencial retórico do termo, seu caráter “apropriadamente bastante vago”,


permite alinhar fenômenos físicos e fenômenos humanos e sociais. Não é sem interesse que a
ciência da computação seja o lugar dessa cristalização tanto linguística quanto conceitual.

Para os engenheiros pesquisadores envolvidos na internacionalização da pesquisa de


língua natural e outros paradigmas de inteligência artificial, a interação permite a síntese
criativa tanto linguística, tanto no que se refere à engenharia de software, quanto em relação às
disciplinas de ciências sociais. Primeiro, no contexto editorial e científico descrito acima, o
termo é usado sem “revisão” estritamente falando. Com interatividade e interação, nos
deparamos com os clássicos “falsos amigos”: eles são facilmente assimiláveis, como signos de
interlíngua, em diversas línguas e, portanto, o horizonte cultural desaparece para deixar espaço
10-333

apenas à (re)visão de superfície, inequívoca para aqueles que o usam no mesmo campo de
pesquisa, mas particularmente polissêmico assim que escapa a esse ambiente restrito. Na
engenharia, é relacionado à questão da velocidade, da coerência de um sistema técnico com seu
ambiente. Refere-se à noção de sistema que é técnico e social, particularmente com prevalência
na análise de sociedades e técnicas. Finalmente, a interação tem vínculo com as ciências sociais
para explicar a especificidade dessa tecnologia e inscrevê-la na sociedade. Com essas
expressões, vemos vários artifícios: aplicação interlinguística (ida e volta entre diversos
idiomas), intralinguística, mas multidisciplinar (entre ciências eletrônicas, ciência da
computação e ciências sociais), específica para a imaginação social do próprio “sistema”
extraído de um conjunto de disciplinas científicas.

O trabalho do revisor o leva a observar tanto a diversidade semântica quanto as


circulações de expressão e as transformações das línguas. Nosso trabalho também identifica o
modo pelo qual as soluções linguísticas originais podem superar rupturas linguísticas ou
disciplinares e, assim, reconhecer a capacidade poética da ciência e a necessidade de nossa
mediação intersemiótica.

10.5 CONTRIBUIÇÃO PARA A INVENÇÃO

Invenção da palavra, invenção da reinvenção, (re)interpretação de textos, (re)criação de


situações reflexivas de comunicação, (re)organização de destinos literários, (re)processamento
histórico de evolução das linguagens e relações entre elas. Também a mecânica de palavra por
palavra, (de)limitação (ou [re]limitação) da profundidade cultural, transparência que faz
violência aos revisores, ferramentas de revisão automática e estatística… A revisão é o campo
de batalha em que as questões linguísticas aparecem nas relações interpessoais, bem como nas
divisões geopolíticas, não apenas no problema das línguas dominantes e dominadas, mas
também na definição da ciência e do discurso científico. Ao implantar todas as questões da
revisão, não apenas o contexto institucional, mas o trabalho poético adequado, queríamos
enfatizar o que a revisão deve não só à genialidade das línguas, à capacidade de quebrar muitos
hábitos linguísticos, ao poder da transformação, mas também ao fato de que esse trabalho
(re)criativo é sempre (re)trabalho político. Uma teoria comunicacional de revisão explora,
assim, as dimensões mediadora, criativa e de poder de situações de comunicação interlinguística
e escritos mediados.
10-334

Não se trata apenas de dar uma “pincelada” comunicacional na revisão, mas também de
entender o que a (re)flexão sobre a revisão pode informar à pesquisa em ciências da informação
e comunicação, e é sobre esse último ponto que gostaríamos de concluir. Há quatro aspectos
que estão em foco.

Primeiro, a revisão reforça a atenção aos usos dos termos, à circulação de palavras no
contexto de internacionalização da pesquisa. O trabalho histórico precisa ser fortalecido por
estudos síncronos e transversais para a melhor base de posicionamento crítico.

Segundo, a revisão questiona os modelos de ciências da informação e comunicação, em


particular, para reexaminar amplamente situações em que a linguagem está “em questão”, sob
observação na interação e escrita por todos os sujeitos. A voz da revisão envolve a interação
dos sistemas de leitura, apropriação, doação, escuta e esforço da escrita conquanto know-how
reflexivo. Revisão é atividade que (re)cria as condições para a interação intersemiótica
orientada (como hipótese fundamental, mesmo que a realidade possa ser bem diferente), mas
parte do princípio oposto à experiência de comunicação escrita comum, a de escritos “de
ouvido” eivados de matizes da oralidade. Lemos os sinais de mal-entendido, usamos
habilidades de reformulação. A revisão nos apresenta o interesse da distância à base de qualquer
situação não trivial de comunicação e, em particular, à base das situações de investigações em
que o olhar e a escuta são mobilizados não apenas por parte do investigador, mas também, ainda
separadamente, por parte do entrevistado. Parece-nos que a revisão, como questão sobre a
produção de significado e trabalho sobre línguas, deve nos ajudar a analisar o que está em jogo
nas situações de investigações nas ciências humanas e sociais. Isso nos leva a redobrar nossa
atenção ao que acontece quando duas pessoas são conduzidas a considerar com alguma
retrospectiva a situação de comunicação que estão produzindo, e ambas têm que fazer certo
esforço (emissão ou recepção) para concretizar o processo.

Terceiro, a revisão também (re)toma a questão do autor e da obra. Os escritos em


etnologia enfatizam o papel da revisão, que introduz a distância crítica tanto para observadores
quanto para observados. A questão toda é que essa distância crítica não está sendo reduzida aos
interesses do observador. Assim, alguns etnólogos não apenas publicam suas análises de
situações, mas também exibem as palavras do revisor ou tradutor que lhes permitiu entender o
que tinham diante de seus olhos. O livro da etnologia não é, portanto, mais uma visão
estritamente do ponto de vista do pesquisador, mas expõe a polifonia e a politextualidade da
pesquisa em que cada autor e cada ator é identificado como sujeito de intercessão transversal.
10-335

Nessa escrita para vários, por vários, com vários, parece interessante não cairmos na dicotomia
entre autor e não autor. De fato, parece-nos que a escrita cinematográfica, ao atribuir
simbolicamente e legalmente o status de autor a vários sujeitos da produção, ao mesmo tempo
que prioriza e organiza suas contribuições, é uma metáfora a ser cavada para a escrita textual.
Cabe questionar a figura do autor solitário ainda muito proeminente nas mais diversas ciências
e mesmo no campo da literatura ficcional.

Quarto, a abordagem da criação na revisão alimenta a reflexão sobre a postura


epistemológica das humanidades e das ciências sociais. Para repetir mais uma vez as análises
dos etnólogos contemporâneos, devemos olhar para o que, nos documentos, está na ordem não
só da diversidade de vozes, mas também das transformações. Assim, sublinhamos essa
dimensão da criação e colocamos em questão a visão do texto como obra plúrima. Assim,
sublimamos essa dimensão da criação autoral personalista.

Trata-se de evitar considerar a escrita como ferramenta transparente. A escrita emerge


como meta-interação central. O fato de a revisão não ter sido suficientemente retratada ou
seriamente discutida reflete a persistência da ideologia que reivindica transparência de
representação e imediatismo da experiência. Redação reduzida ao método: manter boas notas
de campo, fazer mapas precisos, “escrever” resultados. Trata-se de se (re)considerar a espessura
da obra escrita e (re)definir o texto como ficção.

Os documentos acadêmicos não são afirmações ou proposições “simples, claras,


objetivas”, decorrentes diretamente da experiência, mas articulam os escritos dos sujeitos
referenciados, as emanações da metodologia eleita, sejam os discursos políticos amplamente
divulgados pela imprensa, os depoimentos das pessoas sobre as quais os pesquisadores
investigam ou as produções escritas que os entrevistados projetam e produzem. A hipótese
comunicacional na qual a revisão não separa a escrita da situação pessoal, social e política deve
permitir compreender melhor a dimensão poética da pesquisa, poética no sentido de produção
original, que cria um objeto e um espaço próprio, com suas diferenças, suas reconstruções, sua
capacidade de fazer sentido. Essa análise nos permitirá, então, entender melhor o motivo pelo
qual as ciências da informação e comunicação podem participar não apenas do processo de
análise dos fatos humanos, mas também do processo de (re)invenção das técnicas de
comunicação.
10-336

Para concluirmos essas passagens, fica nossa (re)missão: vamos nos remeter ao uso (e
abuso) do trocadilho e da ambiguidade do prefixo “re”, explorando a polissemia e a sonoridade,
a (re)ferência constante que invocamos ao ofício do (re)visor: nosso constante (re)torno à leitura
e (re)leitura, nossa (re)textualização, e também nossa (re)volta contra práticas e (re)usos que
repudiamos, requisitando para nós um papel, nossa reivindicação de presença naquilo que
revisamos, não só por (re)visar – endossando duplamente – mas também por (re-s)significar,
na tomada de tento que é pura (re)poiesis: (re)posição e (re)criação. Estamos jogando com
palavras, entretanto, antes e mais, estamos jogando com signos, jogando o jogo cujas regras são
de nosso domínio, cujo objeto é nosso conhecimento e cujas ações são nossas práxis.
337

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GLOSSÁRIO
análise proposicional quantitativa (APQ): procedimento metodológico que visa explicitar nas
entrevistas o seu conteúdo descritivo (também chamado “constativo”), tornando-o o mais
objetivo possível para os propósitos de um estudo quantitativo.

avaliação de qualidade: processo de monitoração voltado para acompanhamento do negócio


da revisão.

benchmark: –análise objetiva para aprimorar a revisão (processo, produto e serviços), gerando
mais qualidade e produtividade.

cláusula simplex: na linguística tradicional, processo único em deslocamento temporal.

complexo de cláusulas: na linguística clássica, relação lógica entre dois ou mais processos e,
portanto, é composta por duas ou mais cláusulas simplex.

contrato: acordo formal, tácito ou quirográfico, estipulando um serviço e suas condições


(preço, prazo, tipo de interferências, condições de pagamento); também se refere ao texto
contratado; mandado.

controle de qualidade textual: consiste em identificar problemas em uma ou mais passagens


selecionadas aleatoriamente no texto revisado para monitoramento da qualidade do serviço
oferecido.

cotejamento: é a revisão que envolve comparação paralela ao original, distinta da revisão que
não o faz.

escrita logográfica: representação direta, geralmente por uma imagem, frequentemente


estilizada, é um pictograma; o procedimento guarda algumas semelhanças ao uso moderno
dos emoticons.

ferramenta CAT (computer-assisted translation ou computer-aided translation) ou ferramenta


TAC: software para a tradução assistida por computador, visa facilitar e agilizar o processo de
revisão e tradução de documentos mediante o uso de memórias de tradução.

ferramenta de QA (quality assurance) ou ferramenta de controle da qualidade: instrumento de


apoio utilizado na revisão de um texto durante a fase de quality check, com o objetivo de
garantir o cumprimento das normas ortográficas, o uso uniformizado da terminologia imposta
e a formatação adequada. Por vezes, também se utiliza a expressão ferramenta de QC (quality
control), ainda que menos frequentemente.

garantia de qualidade: conjunto de procedimentos aplicados ao serviço de revisão como o


controle e a avaliação da qualidade, visando manutenção de padrões.

gestor de projetos (project manager): pessoa responsável pelo registro, processamento e


acompanhamento de um projeto de revisão ou tradução; funcionário que recebe os pedidos
dos clientes, adjudicando-os a tradutores e revisores.
346

incumbência: v. mandado.

intercessão: procedimento de revisão que considera haver parcial coautoria do revisor no


produto.

interferência alterna: revisão, atendido o preceito da exotopia.

interferência em textos próprios: reescrita, processo autoral.

interferência: procedimento de revisão, pode ter caráter resolutivo ou propositivo.

interlíngua: (i) para Larry Selinker (1972), estágio intermediário de um aluno que pretende
adquirir uma segunda língua. Não é mais L1 e também não é ainda L2, mas contém elementos
próprios das duas linguagens; (ii) língua auxiliar internacional, criada em 1951, baseada em
simplificações e termos comuns ao português, espanhol, italiano, francês e inglês, que serviria
como língua-ponte nas relações internacionais (UNION BRASILIAN PRO INTERLINGUA,
s.d.).

intervenção em textos alternos: é a revisão de textos, tal como a entendemos.

intervenção resolutiva: vide revisão resolutiva.

intervenção: cada uma das propostas de modificação ou sugestões feitas no texto pelo revisor.

kerning: ajuste do espaço usual entre dois caracteres que confere equilíbrio e legibilidade ao
texto do ponto de vista gráfico.

mandado: contrato, ordem de serviço, incumbência designada, texto a ser revisado ou etapas
da revisão a ser desempenhada.

mediação linguística: atividade comunicativa da revisão na qual o revisor desempenha o papel


de intermediário, mediador entre diferentes interlocutores que falam o mesmo idioma.

mediação: conjunto de procedimentos a que permeiam o ofício da revisão ou o definem como


prática.

ordem de serviço: v. mandado.

original, texto original, source text ou texto de partida: texto a revisar ou traduzir na forma e
condição em que é recebido para o serviço.

passagem: cada uma das leituras que o revisor faz do texto; em geral, constitui uma etapa da
revisão com foco específico, mas os aspectos adjacentes também costumam ser notados.

preparação de texto: etapa da editoração em que se confere ao texto uniformidade; a


abrangência não é bem definida e varia de uma para outra casa editora.
347

processamento de língua natural (PLN): subárea da ciência da computação, inteligência


artificial e da linguística que estuda os problemas da geração e compreensão automática de
línguas humanas naturais.

questionamento sistemático: estratégia de revisão que consiste na mecanização de questões a


serem colocadas às palavras, às orações e aos parágrafos.

reescrita: processo autoral de retomada do texto, transformação e aperfeiçoamento; totalmente


recorrente no processo de escrita, também é chamada de autorrevisão, termo que refutamos.

revisão acadêmica: revisão de documentos destinados ao mundo universitário, compreende


teses, dissertações, artigos, relatórios e outros documentos das mesmas matrizes de gênero;

revisão aleatória, verificação por amostragem, spot check: controle de qualidade de alguns
segmentos do texto revisados, escolhidos ao acaso pelo editor.

revisão colegiada: mais rara, envolve várias pessoas (revisores, autores, grupos de editores,
orientadores, consultores técnicos).

revisão de pares: processo editorial pelo qual, na edição de textos científicos, especialistas
opinam sobre a qualidade e validade do conhecimento no texto que lhes é submetido.

revisão de revisão: completa releitura da revisão, sendo que cada frase é comparada com a
parte correspondente do original.

revisão de tradução unilíngue e bilíngue: a revisão unilíngue envolve examinar apenas o


texto-alvo sem se referir ao texto-fonte ou referir-se a ele apenas se necessário, enquanto a
revisão bilíngue envolve uma comparação do texto-alvo com o texto-fonte.

revisão mecânica: revisão destinada a corrigir aspectos superficiais do texto sobre os quais
não há possibilidade de questionamento, por constituírem erros óbvios.

revisão monocrática: processo de revisão em que um profissional, isoladamente, arbitra todas


as questões, sem consulta aos autores, editores ou outros revisores.

revisão recíproca: sinônimo de interrevisão, a revisão recíproca refere-se à prática pela qual
dois autores se revisam, intercambiando a tarefa, leitura cruzada;

revisão resolutiva: aquela cujas interferências não são submetidas a terceiros, por constituírem
pontos pacíficos.

revisores do conteúdo: profissional cujo conhecimento técnico no objeto do texto lhe permite
considerações sobre a materialidade, validade e propriedade terminológica.

tag: estrutura de linguagem de marcação contendo instruções, e uma marca de início e outra
de fim, para que o navegador possa renderizar a página.

texto original: v. original.


348

texto revisado, target text ou texto de chegada: texto traduzido ou revisado, resultado do
processo de tradução e revisão; também é comum falar-se apenas em tradução ou revisão,
respetivamente.

texto-alvo: texto revisado ou traduzido.

texto-fonte: v. original.

verificação da qualidade (quality check): conjunto de operações finais a que um texto é sujeito
após a sua tradução ou revisão e antes da sua entrega, com o objetivo de garantir o
cumprimento das normas, o uso uniformizado da terminologia imposta e a formatação
adequada.

versão com marcas ou versão unclean: texto já revisado, mas no qual as alterações inseridas
pelo revisor estão claramente destacadas pelo uso de marcas de revisão.

versão limpa ou versão clean: texto já revisado, no qual as alterações inseridas pelo revisor
não são visíveis por já terem sido integradas ao texto.
349

ANEXO 1: O ESCRITOR LABIRÍNTICO


Felipe Hensil (MAGALHÃES, 2020).

A barra piscava na tela do computador, aguardando o comando, mas as palavras não


vinham. Estava preso àquele quarto, àquela história, havia mais de um mês. Escreveu um conto,
mas um conto sem fim. Ele não conseguia terminar aquilo. Sabia que, sem um final apropriado,
sua história causaria nada além de decepção. Como prosseguir? Ficar naquele quarto de hotel
era, de certa forma, um alívio, já que não precisava lidar com o mundo lá fora. Entretanto, a
ideia de que havia se trancado num inferno de incompletude o consumia cada vez mais. Era
preciso terminar aquela história.

Num suspiro se pôs de pé. Cansaço de nada. A escrivaninha ficava numa parede entre
duas portas, a do banheiro, à esquerda, e a porta que abriria assim que terminasse seu conto, à
direita. Era por esta porta que voltaria à realidade, à vida lá fora. Não havia muita coisa naquele
quarto. A cama ficava a três passos da mesa com o computador. Ao lado estava uma pequena
mesinha com um abajur e uma estatueta de bronze do Minotauro segurando um machado de
lâmina dupla. Era a única peça de decoração no ambiente. Dali até a janela na outra extremidade
eram sete passos. Cansou de fazer as contas, andando de lá para cá como que buscando
inspiração na dança. Acima da cama havia um velho relógio, que marcava, naquele momento,
5 horas e 15 minutos. Essa era sua morada. Nada novo. Decidiu dormir um pouco, desejando
acordar com algo para escrever.

Como estava quente! Abriu os olhos de relance, mexeu-se um pouco e viu o que parecia
ser uma sombra à porta à direita. Foi apenas por um instante. Deus sabe que um despertar como
aquele, num quarto quente e depois de semanas de solidão podem fazer um homem ver coisas
que não existem. Abriu os olhos um pouco mais a contragosto. O quarto permanecia como
estava, sem nenhuma presença indesejada, a não ser o bloqueio no qual o homem se encontrava.
Era hora de se levantar. Sentou-se na cama, limpou o suor do rosto com o lençol. Olhou para o
relógio: 6 horas e 30 minutos. O dia já estava escurecendo. Levantou-se, abriu a porta à
esquerda, urinou, lavou o rosto e permaneceu ali por um instante com as luzes apagadas. Olhou
seu reflexo no espelho, uma sombra pouco visível. Buscou na mente um sonho, uma lembrança,
algo para sua história, mas não encontrou. Tudo o que tinha era aquilo naquele quarto. Nada
mais.
350

Estava na janela, apoiado, recebendo um pouco da brisa da noite. A luz fraca do abajur
e da tela do computador iluminavam a escuridão. Olhou para baixo, viu algumas pessoas
caminhando. Talvez fosse hora de sair um pouco. Andou até a porta à direita, a saída. Ao abrir
a porta, a imagem que viu não fez sentido algum. A porta que o faria sair de seu quarto na
verdade o levou para dentro de outro quarto, aparentemente idêntico ao seu. Uma escrivaninha
com um computador, uma cama, um relógio, uma mesinha pequena com um abajur. Neste
quarto não havia estatueta. O relógio marcava 10 horas e 30 minutos. Ficou ali. Virou-se para
trás, e lá estava seu próprio quarto, exatamente como o deixou. Virou-se novamente e olhou
para o outro quarto para confirmar o que viu. Parcialmente ocultado pelas sombras, caído no
chão, havia um corpo ensanguentado. Alguém estava morto ali. Ameaçou entrar para ver mais
de perto, mas ação era um desejo distante. Ficou duro como pedra. Por instinto, num misto de
coragem e medo, deu um passo para trás, fechou a porta e a trancou. Retrocedeu até a cama,
olhos vidrados na porta, ainda confuso. A imagem do corpo sem vida presa à sua mente. O rosto
do morto era igual ao seu.

Aquilo não fazia o menor sentido. Estaria ficando louco? Ficou dias trancado naquele
quarto, sem contato com outras pessoas. Aquele homem no chão era ele mesmo? Um
pensamento crescia em sua mente, e a simples ideia de que estaria vendo seu próprio destino
lhe dava calafrios. Poderia ter visto o rosto de outro homem e achado que era o seu. Precisava
ter certeza. Olharia mais uma vez e então ligaria para a polícia. Precisava ter certeza de que não
estava ficando louco. Caminhou até a porta decidido, mas no meio do caminho perdeu a força.
O assassino ainda poderia estar no quarto ao lado. Agarrou a estatueta de bronze e se dirigiu à
porta. Destrancou a fechadura. Com toda a cautela, abriu a porta devagar. A estatueta firme nas
mãos. Para seu espanto, não havia corpo. Ainda era o mesmo quarto, idêntico ao seu. Alguém
dormia na cama. A pessoa se mexeu um pouco, e ele, com medo, voltou ao seu próprio quarto.
Trancou a porta mais uma vez e sentou-se ali mesmo. Os olhos fixos na figura do Minotauro.
Quase não respirava, tentando ouvir se o outro acordou. Estava enlouquecendo. Minutos antes
tinha visto um corpo atrás daquela porta, ele sabia disso. Mas os loucos talvez tivessem as
mesmas certezas que ele.

Poderia estar sonhando, ele pensou. Buscava qualquer explicação, qualquer artifício
para entender aquilo. Gostaria que tudo acabasse logo. Tudo o que queria naquele momento era
voltar para casa com seu conto não terminado. Duvidava de si mesmo mais a cada instante, e
aquele quarto parecia cada vez mais com um túmulo. O relógio acima da cama marcava 10
351

horas e 20 minutos. Um som anunciou uma presença do outro lado da porta. Alguém estava ali!
Poderia ser o assassino. No instante seguinte a maçaneta foi forçada, mas a porta estava
trancada. Estavam tentando entrar. Colocou-se de pé, agarrou-se à estatueta e ficou ao lado da
cama. Escutou o som da porta sendo destrancada. O assassino do outro lado tinha a chave!
Ficou gelado, tremia, e nem parecia que aquele lugar estava quente como o inferno. Iria lutar
por sua vida. Um homem abriu a porta do quarto de uma vez e entrou. Estava de costas. Ficou
ali por um tempo, talvez sem perceber que não estava sozinho. Ainda na mesma posição, jogou
um objeto para um canto do quarto. Era a estatueta do Minotauro, completamente
ensanguentada, assim como as mãos daquele sujeito. O outro, ainda ao lado da cama, buscou
coragem dentro de si e perguntou: “quem é você?!”. O invasor, assustando-se com a presença
do homem, virou-se e disse: “Não! Eu posso explicar!”, mas já era tarde. O homem não
planejava ouvir uma resposta. Ele correu até o invasor e o acertou na cabeça com a estatueta.
Um corpo caiu. O homem, ainda assustado, olhou nos olhos daquele de quem tirou a vida. O
horror. Era ele mesmo. Ele era o assassino e também a vítima. O homem estava morto no chão,
da mesma forma que viu antes. Olhou para o relógio, e sua suspeita se confirmou: 10 horas e
30 minutos. Ele havia presenciado sua própria morte. Um novo barulho na maçaneta da porta
o fez despertar. Alguém estava entrando. Escondeu-se na penumbra, aguardando o novo
visitante. Foi quando percebeu que sabia quem era aquela pessoa. Era ele mesmo, prestes a
encontrar o próprio corpo às 10 horas e 30 minutos. Tudo aconteceu como já havia acontecido.

Quando a porta se fechou e seu outro eu encontrava-se confuso do outro lado, o homem
pensou no que deveria fazer. Precisava ir embora. Correu até a porta que acabara de se fechar
e tentou abri-la. Estava trancada pelo outro lado. Ficaria preso ali? Vivo e morto ao mesmo
tempo naquela caixa de concreto? Viu a chave na porta e percebeu que como era a mesma
entrada para ambos os quartos, a chave então seria a mesma também. Girou a chave, abriu a
porta e entrou no outro cômodo. Não olhou para o corpo no chão antes de sair. Não era preciso.
A imagem daquele homem, a sua imagem, tinha ficado gravada em sua mente. Estava parado
em frente à porta. Era um assassino. A arma do crime ainda estava em suas mãos. Jogou a
maldita estatueta de lado. Ficou ali por um tempo, sem fazer nenhum som, apenas tentando
acordar daquilo que achava ser um sonho. “Quem é você?!”, ele escutou. E nesse instante, um
calafrio percorreu todo o seu corpo. Ele havia entendido seu destino. “Não! Eu posso explicar!”,
disse o homem antes de morrer, percebendo que estaria preso naquele quarto para sempre,
fadado a morrer pelas próprias mãos, numa história sem fim.
352

N.B.: a versão do conto acima é aquela que foi publicada na origem, sem quaisquer das
revisões que lhe foram impostas nesta obra.

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