Artigo ICOMOS 2018
Artigo ICOMOS 2018
RESUMO
Através do Decreto nº 3.551 de 2000, que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial, incorporou-se a categoria Lugar como uma classificação de bens culturais. Esse registro se
fará no Livro de Registro dos Lugares, onde poderão ser inscritos mercados, feiras, santuários,
praças e demais espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. Lugares são
espaços físicos imbuídos de significação cultural, acrescidos de valores e sentidos. Para tanto, a
utilização desta categoria requer uma compreensão da unidade que agrega os referenciais culturais
em suas diversas dimensões, como histórica e identitária dos espaços socioambientais dos principais
elementos atribuído a esses bens. Considerando a abrangência da noção de Patrimônio Cultural
Imaterial e os potenciais impactos ambientais causados por empreendimentos lineares, emerge a
demanda por uma postura mais participativa da sociedade sobre as questões ligadas à concepção de
meio ambiente, em especial, através dos processos de licenciamento ambiental. Empreendimentos
lineares são segmentos de redes ou malhas dos projetos de infraestrutura, tais como, ferrovias,
rodovias, gasodutos, oleodutos e linhas de transmissão. São estruturas de ocupação que se
estendem por grandes áreas de extensão, ligando alguns pólos ou estações, que afetam diretamente
diferentes compartimentos ambientais, por apresentarem caracterizações definidas e pontuais no
espaço, devido aos seus traçados e determinação geográfica de instalação e operação. Desta forma,
uma questão que se coloca é como a categoria de Lugar pode ser compreendida como ferramenta
estratégica de reconhecimento de um bem cultural imaterial, contemplada e inserida como
instrumento de verificação e análise dos potenciais impactos decorrentes de empreendimentos
lineares em processo de licenciamento ambiental sobre o Patrimônio Cultural Imaterial. A ampliação
desta discussão pode contribuir para que os estudos e relatórios de avaliação de impactos
apresentem a categoria de Lugar como recurso metodológico a ser utilizado, inclusive, para
proposição de medidas de salvaguarda frente aos impactos causados por esses empreendimentos.
De acordo com Abreu (2007, p. 267), o atual sentido de Patrimônio Cultural está relacionado
a um “bem coletivo, um legado ou uma herança artística e cultural por meio dos quais um
grupo social pode reconhecer enquanto tal”. Antes sinônimo de arte e erudição, a cultura
agora transcende sua definição para o universo das práticas locais de simbolização e
experimentação da realidade.
Arantes (2008) faz referência ao Patrimônio Cultural Imaterial enquanto política de Estado,
que é a atribuição de valor patrimonial a determinado artefato ou prática cultural feita em
nome do interesse público, fundamentando-se no conhecimento acadêmico e obedecendo a
preceitos jurídicos e administrativos específicos. Neste sentido, os instrumentos de proteção
ao Patrimônio Cultural Imaterial devem mostrar-se aptos a assegurar a sua tutela, mesmo
que, por vezes, este processo se mostre complexo e trabalhoso, tendo em vista a natureza
singular de seus bens (Aguinaga, 2006).
Com a aprovação do Decreto Federal nº 3.551, que instituiu o registro de bens culturais de
natureza imaterial que constituem Patrimônio Cultural e cria o Programa Nacional do
Patrimônio Imaterial (PNPI), descortinou-se, assim, um novo panorama que alterou
radicalmente a visão sobre as bases legais no campo do Patrimônio Cultural do país. A
criação do PNPI, segundo Abreu (2007), institui dois mecanismos de valorização dos
chamados aspectos imateriais do Patrimônio Cultural: o inventário dos bens culturais
imateriais e o registro daqueles considerados merecedores de uma distinção por parte do
Estado. O parágrafo 2 º do Artigo 1º do referido Decreto menciona que a inscrição num dos
livros de registro – quais sejam: Livro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de
Expressão e dos Lugares – terá sempre como referência a continuidade histórica do bem e
sua relevância nacional para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira.
Destaca-se que foi através do Decreto Federal nº 3.551, que incorporou-se a categoria
Lugar como uma classificação de bens culturais. Esse registro se fará no Livro de Registro
de mesmo nome, onde poderão ser inscritos mercados, feiras, santuários, praças e demais
espaços onde se concentram e reproduzem práticas culturais coletivas. Ademais, segundo
Teixeira (2015), um elemento importante para a compreensão da categoria diz respeito a
sua unidade (sem necessariamente haver uma contiguidade espacial).
Segundo Teixeira (2015), Lugares são espaços físicos imbuídos de significação cultural,
acrescidos de valores e sentidos. Para tanto, a utilização desta categoria requer uma
Um lugar como bem cultural deve ser caracterizado por sua dimensão física e social, já que,
segundo Nór (2013), há que se considerar as pessoas e os seus modos de vida. Além deste
aspecto, o lugar está intimamente associado ao mundo dos valores, mesmo que imaginários
e simbólicos, sendo um elemento constitutivo dos grupos sociais, desempenhando um papel
na estrutura dos indivíduos (NÓR, 2013). "Guardamos os lugares em nossas lembranças e
emoções, podemos identificá-los com afetos e experiências de vida, o que faz com que os
lugares compareçam na formação complexa das personalidades humanas" (NÓR, 2013).
Deste modo, de acordo com Nór (2013), a identidade dos lugares remete a dois aspectos
importantes: está vinculada ao sujeito, às suas memórias, concepções, interpretações, às
suas ideias e a seus afetos, sendo capaz de trazer sentimentos de segurança e bem-estar
ao indivíduo; e, pode emanar do próprio lugar, que se manifesta como seu “espírito”, sendo
possível reconhecê-lo e vivenciá-lo.
Fica evidente que a dimensão histórica e identitária dos espaços naturais e sociais são os
principais elementos de atribuição de valor. Por outro lado, os elementos materiais que os
compõem, as pedras e lajes, as barracas da feira, o artesanato e o gado ocupam um lugar
central no valor atribuído a esses bens. A espacialização opera como uma unidade que
agrega os referenciais tangíveis e intangíveis e estes existem de determinado modo porque
se realizam naquele espaço. Por fim, segundo Teixeira (2015) essa é a dimensão múltipla
que a categoria de Lugar procura abranger.
A Resolução CONAMA nº 001 de 1986 traz um rol das atividades em que são obrigatórias a
apresentação do Estudo do Impacto Ambiental - EIA e seu respectivo Relatório de Impacto
Ambiental - RIMA, sendo algumas delas: extração e tratamento de minerais; obras civis;
transporte, terminais e depósitos; incluindo os empreendimentos tipo lineares, melhor
descritos a seguir.
“Entretanto, apesar da expressa previsão legal, percebe-se que na maioria das vezes os
estudos de impacto ambiental negligenciam a análise dos impactos negativos causados aos
De acordo com a Instrução Normativa n° 001 de 2015, cabe ao IPHAN dar parecer em
relação a intervenção em bem cultural acautelado em âmbito federal, considerando a área
de influência direta - AID da atividade ou do empreendimento, para os fins da análise de
processos de licenciamento ambiental, aqueles registrados, nos termos do Decreto n°3.551,
de 4 de agosto de 2000.
Desta forma, uma questão que se coloca é como a categoria de Lugar pode ser
compreendida como ferramenta estratégica de reconhecimento de um bem cultural
imaterial, contemplada e inserida como instrumento de verificação e análise dos potenciais
impactos decorrentes de empreendimentos lineares em processo de licenciamento
ambiental sobre o Patrimônio Cultural Imaterial.
Neste contexto, seria uma ferramenta já que agrega a dimensão múltipla do bem cultural de
natureza imaterial, dando sentido e agregando a completude do bem no seu ambiente, já
que "deslocado" do seu lugar perde o seu valor total. Ademais, não é a condição física stritu,
mas o que este "onde" representa e significa para quem pratica, para a coletividade, para a
política pública e instrumentos de preservação do patrimônio cultural imaterial brasileiro,
mas para a sociedade e gerações futuras como um todo.
Surge então a importância dos trabalhos de campo e verificação in loco dos traçados destes
tipos de empreendimentos lineares e não apenas na observação e definição cartográfica e
geométrico (linear) e por imagens de satélite (j´s q possuem grandes extensões), mas pela
busca acurada junto aos detentores sobre estes "Lugares". A partir de uma perspectiva
etnográfica, buscar o conhecimento e caracterização das práticas culturais a partir de
estudos acerca deles, mas, principalmente, pelos discursos de autorreconhecimento dos
detentores inseridos nos contextos sociais e culturais. O intuito é evidenciar visões e pontos
de vista dos detentores mesmo que, em alguns casos, eles não soubessem especificar de
Considerações Finais
Para Fonseca (2009), não basta uma revisão dos critérios adotados pelas instituições que
têm o dever de fazer com que a lei seja aplicada. É necessária uma mudança de
procedimentos, com o propósito de abrir espaços para maior participação da sociedade no
processo de construção e de apropriação de seus bens culturais.
A ampliação desta discussão pode contribuir para que os estudos e relatórios de avaliação
de impactos apresentem a categoria de Lugar como recurso metodológico a ser utilizado,
inclusive, para proposição de medidas de salvaguarda frente aos impactos causados por
esses empreendimentos.
Neste sentido, em especial com base no conceito e delineamentos que a categoria de Lugar
fornece, acredita-se que o uso de um método mais espontâneo a partir do conhecimento
empírico da equipe técnica no assunto, pode proporcionar uma avaliação de impactos de
forma simples, objetiva e de maneira dissertativa. Ademais, uma matriz de avaliação de
impactos, pode ser um método não aplicável e coerente para avaliação de bens de natureza
imaterial.
A escuta apurada da fala dos entrevistados sobre as dinâmicas dos bens culturais
acautelados pelo IPHAN, registrados ou em processo de registro, é essencial para avaliar o
grau de impacto em relação ao empreendimento. Cumpre ressaltar, também, os fatos e
situações não ditas pelos detentores, mas captadas pelo pesquisador durante as
Referências Bibliográficas
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