Document (1) Civil
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Gustavo Tepedino
Professor titular de Direito Civil e Ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2018-9336.
E-mail: gt@tepedino.adv.br
Resumo: O artigo pretende oferecer análise sistemática das vicissitudes da inexecução das obrigações,
a partir de método indutivo e de pesquisa bibliográfica exploratória, de modo a distinguir os efeitos vin-
culados à não realização da prestação em si daqueles decorrentes da imputabilidade do devedor pelo
descumprimento. Partindo da distinção entre inexecução e inadimplemento e dos critérios para imputa-
ção do devedor, aborda-se o alargamento da impossibilidade liberatória, as peculiaridades da mora no
regime legal brasileiro, o tratamento conferido à execução por terceiro e ao desfazimento forçado, bem
como o regime aplicável aos juros e às perdas e danos no inadimplemento imputável a somente um dos
devedores solidários. Por fim, discute-se a repercussão da inexecução da obrigação sobre o contrato
sinalagmático como um todo.
Palavras-chave: Inadimplemento. Mora. Resolução. Contrato. Cláusula penal.
* Os autores agradecem ao Max Planck Institute für Ausländisches und Internationales Privatrecht Hamburg,
onde realizaram grande parte da pesquisa necessária ao presente artigo, bem como à professora Milena
Donato Oliva, pela leitura dos originais.
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Abstract: The article aims a systematic approach to the vicissitudes of non-performance, based on an
inductive method and exploratory bibliographical research, in order to distinguish the effects linked to
the non-performance itself from those arising from the debtor’s liability for non-compliance. Starting
from the distinction between non-execution and default, and the criteria for attributing responsibility to
the debtor, it addresses the extension of the liberatory impossibility, the peculiarities of default in the
Brazilian legal regime, the treatment given to execution by a third party and forced undoing, as well as
the applicable regime of interests and indemnity in default attributable to only one of the joint debtors.
Finally, the repercussion of non-performance of the obligation on the reciprocal contract as a whole is
discussed.
Keywords: Default. Non-performance. Rescission. Contract. Penalty clause.
Sumário: 1 Notas introdutivas – 2 Inexecução e inadimplemento. Critérios de imputabilidade do deve-
dor. A culpa e a difusão da imputabilidade objetiva – 3 Imputabilidade e impossibilidade superveniente.
Relatividade da impossibilidade liberatória – 4 Abrangência e peculiaridades da mora no ordenamento
brasileiro – 5 Releitura da execução por terceiro e do desfazimento forçado nas obrigações de fazer
e não fazer – 6 Fundamentos da distinção entre o regime das perdas e danos e dos juros pela ine-
xecução imputável a somente um dos codevedores solidários – 7 Projeções das vicissitudes da rela-
ção obrigacional sobre o contrato sinalagmático: exceção de contrato não cumprido e resolução – 8
Apontamentos conclusivos – Referências
1 Notas introdutivas
Ingrato o destino do vínculo obrigacional: desde o seu nascimento prepara-se
funcionalmente para a própria extinção. O pagamento, por sua vez, o modo natural
de extinção, apresenta incontornável paradoxo: quanto mais forte o vínculo obriga-
cional, mais efêmero ele se torna, com a liberação do devedor e a satisfação do
credor no tempo e modo pactuados. Diante desse inquietante cenário, o direito
obrigacional se dedica a debelar dois grandes riscos para o sistema: o risco do
inadimplemento e o risco da insolvência. Este último é contornado com a adoção
de garantias, reais ou fidejussórias, as quais, ao acostar ao patrimônio do devedor
determinados bens móveis ou imóveis (garantias reais) ou patrimônios distintos
(garantias fidejussórias), fortalecem a expectativa do credor quanto à satisfação
do crédito.
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BEVILAQUA, Clovis. Direito das obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1936. p. 93.
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LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Tradução de Jaime Santos Briz. Madrid: Revista de Derecho
Privado, 1958. t. I. p. 20 e ss. Na doutrina brasileira, cf. COUTO E SILVA, Clóvis do. A obrigação como
processo. reimpr. Rio de Janeiro: FGV, 2007. p. 19.
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PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 642-643.
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CC, art. 403. “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos
efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”
(grifos nossos).
4
CC, art. 253. “Se uma das duas prestações não puder ser objeto de obrigação ou se tornada inexeqüível,
subsistirá o débito quanto à outra” (grifos nossos); CC, art. 254. “Se, por culpa do devedor, não se puder
cumprir nenhuma das prestações, não competindo ao credor a escolha, ficará aquele obrigado a pagar o
valor da que por último se impossibilitou, mais as perdas e danos que o caso determinar” (grifos nossos).
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BETTI, Emilio. Teoria generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè, 1953. v. I. p. 107. Em tradução livre,
“ausência de cooperação” ou “cooperação fracassada”.
6
Extrai-se, curiosamente, o resquício de tal redução conceitual na própria linguagem do codificador. Cfr., v.g.,
o art. 408: “Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cum-
prir a obrigação ou se constitua em mora”. Mostra-se significativo que, no preceito equivalente do Código
Civil de 1916, não havia a referência à inculpação: art. 921. “Incorre de pleno direito o devedor na cláusula
penal, desde que se vença o prazo da obrigação, ou, se o não há, desde que se constitua em mora”.
7
Cfr. Lei nº 8.078/90, art. 12 e ss.
8
Cfr. art. 14, §1º, Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente.
9
Cfr., v.g., arts. 927, parágrafo único, 931 e 933, CC, in verbis: art. 927, parágrafo único: “Haverá obri-
gação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem”; art. 931. “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e
as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em
circulação”; art. 933. “As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja
culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.
10
CC, art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; art. 927. “Aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
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Sobre o ponto, por todos, TEPEDINO, Gustavo; TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio
da Cruz. Fundamentos do direito civil: responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. v. 4. p.
137 e ss.
12
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 11. ed. atual. por Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro:
Gen-Forense, 2016. p. 395.
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Enunciado nº 479 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “As instituições financeiras respondem obje-
tivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no
âmbito de operações bancárias”.
14
Por exemplo, ao devedor em mora o legislador aloca imperativamente os riscos pelo fortuito, como a seguir
analisado (art. 399 do Código Civil).
15
KONDER, Carlos Nelson; KONDER, Cíntia Muniz de Souza. A contratualização do fortuito: reflexões sobre a
alocação negocial do risco de força maior. In: TERRA, A. M. V.; GUEDES, G. S. C. (Coord.). Inexecução das
obrigações: pressupostos, evolução e remédios. Rio de Janeiro: Processo, 2021, p. 56-58. v. 2.
16
Sobre a imputabilidade, amplamente, Judith Martins-Costa sublinha a distinção da noção de imputação
daquela de inculpação: “imputar não é inculpar, não é atribuir culpa, é atribuir dever e responsabilidade.
Responsabilizar é imputar, não é necessariamente inculpar” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao
Novo Código Civil. Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2009.
v. V. t. II. p. 135).
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O inadimplemento ou descumprimento subordinado à imputabilidade é amplamente adotado no Código
Civil. Cfr. arts. 389, 390 e 391: art. 389. “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas
e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e
honorários de advogado”; art. 390. “Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde
o dia em que executou o ato de que se devia abster”; art. 391. Pelo inadimplemento das obrigações
respondem todos os bens do devedor” (grifos nossos).
18
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualização de Nelson Nery Junior
e Rosa Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. XXXIII. p. 185, §2.795.
19
Este aspecto é enfatizado por MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação de
Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2009. v. V. t. II. p. 384.
20
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualização de Nelson Nery Junior
e Rosa Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. XXXIII. p. 185, §2.795.
21
Conforme ressalta Pontes de Miranda, “A impossibilidade não se há de confundir com a difficultas, ou
seja, a impossibilidade subjetiva, ou seja a existência de obstáculos a que se preste” (PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualização de Nelson Nery Junior e Rosa Nery.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. XXXIII. p. 185). No mesmo sentido, Antunes Varela aparta a
impossibilidade da prestação da mera difficultas praestandi: “Para que a obrigação se extinga, é necessá-
rio, segundo a letra e o espírito da lei, que a prestação se tenha tornado verdadeiramente impossível, seja
por determinação da lei, seja por força da natureza (caso fortuito ou força maior) ou por ação do homem.
Não basta que a prestação se tenha tornado extraordinariamente onerosa ou excessivamente difícil para
o devedor, como pode suceder com frequência nos períodos de mais acentuada inflação monetária ou
de súbita valorização de certos produtos” (ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral.
reimpr. da 7. ed. Coimbra: Almedina, 2004. v. II. p. 68).
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Na síntese de Antunes Varela: “Tratando-se de prestação não fungível, ou seja, de prestação em que, pela
sua natureza intrínseca, pela estipulação das partes ou por disposição da lei, o devedor não possa ser
substituído por terceiro, basta a impossibilidade subjetiva para que a obrigação se extinga [...] A, artista
de variedades, obriga-se a participar num espetáculo em certa data. Adoece gravemente desse dia, fican-
do impossibilitado de cumpri: a obrigação extingue-se” (ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações
em geral. reimpr. da 7. ed. Coimbra: Almedina, 2004. v. II. p. 72).
23
OSTI, Giuseppe. Impossibilità sopravveniente. In: Novissimo digesto italiano, VIII. 3. ed. Torino: Utet,
1962. p. 289, para quem a impossibilidade da prestação inimputável é somente aquela “assoluta, insu-
perabile dalle forze umane, o superabile solo con un’attività illecita o con rischio per l’integrità fisica o per
un altro attributo della personalità del debitore” (em tradução livre, “absoluta, insuperável pelas forças
humanas, ou superável somente com uma atividade ilícita ou com risco para a integridade física ou para
um outro atributo da personalidade do devedor”).
24
BETTI, Emilio. Teoria generale delle obbligazioni. Milano: Giuffrè, 1953. v. I. p. 112: “l’impossibilità
giuridicamente rilevante in confronto del creditore è solo quella oggettiva; ma essa è anche essenzialmente
relativa al tipo di rapporto obbligatorio di cui si tratta. Non si deve infatti credere che i vari tipi di rapporti di
obbligazione governino uniformemente la condotta dovuta dal debitore: tali rapporti richiedono una intensità
di sforzo, di impegno, che varia secondo il tipo cui appartengono. È proprio in vista di rapporti per i quali è
richiesto il grado maggiore di intensità che – adoperando un concetto limite – si parla di impossibilità ‘assoluta’
(per esempio per le obbligazioni di genere)” (em tradução livre: “a impossibilidade juridicamente relevante
diante do credor é somente aquela objetiva; mas esta é também essencialmente relativa ao tipo de relação
obrigacional de que se trata. Não se deve, de fato, acreditar que os vários tipos de relação obrigacional
governam uniformemente a conduta devida pelo devedor: tais relações requerem uma intensidade de esforço,
de empenho, que varia segundo o tipo a que pertencem. É justamente tendo em vista relações para as quais
é necessário o maior grau de intensidade que – adotando um conceito limite – se fala de impossibilidade
‘absoluta’ (por exemplo, para as obrigações genéricas)”). Em critica direta a Osti, o autor acrescenta: “quando
si dice che il debitore è esonerato solo nel caso di impossibilità assoluta, si adopera un qualifica enfatica,
idonea solo ad ingenerare equivoci, perché in realtà si tratta solo di identificare un caso-limite di impossibilità
relativa” (em tradução livre: “quando se diz que o devedor fica exonerado somente no caso de impossibilidade
absoluta, se adota uma qualificação enfática, idônea apenas a gerar equívocos, porque, na realidade, se trata
somente de identificar um caso-limite de impossibilidade relativa”) (Ibid.).
25
CABELLA PISU, Luciana. Dell’impossibilità sopravvenuta (art. 1.463-1466). In: GALGANO, Francesco (A cura
di). Commentario del codice civile Scialoja-Branca Libro quarto – delle obbligazioni. Bologna-Roma: Zanichelli-
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Foro Italiano, 2002. p. 45. Para a autora, o acolhimento das observações críticas de Betti não significa “il
rigetto della nozione assoluta di impossibilità, mas solo la sua riformulazione: essa non veniva più circoscritta
agli impedimenti insuperabili con un sforzo esorbitante dall’ entità astrattamente considerata del vincolo
obbligatorio, mas ricomprendeva anche gli impedimenti insuperabili con i mezzi concretamente dedotti in
quel tipo di obbligazione” (em tradução livre: “a rejeição da noção absoluta de impossibilidade, mas somente
a sua reformulação: não mais limitada aos impedimentos insuperáveis com um esforço exorbitante por parte
da entidade abstratamente considerada do vínculo obrigacional, mas incluindo também os impedimentos
insuperáveis com
os meios concretamente deduzidos naquele tipo de obrigação”) (Ibid.).
26
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualização de Nelson Nery Junior e Rosa
Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. XXXIII. p. 185. O mesmo autor, para ilustrar a impossibilidade
objetiva, oferece o exemplo do transportador que “prometeu levar à montanha o material de construção; a
ponte sobre o rio caiu; para levá-lo até o lugar que se designou seria preciso dar a volta à montanha e entrar
por outro caminho, o que custaria muitíssimo mais do que o preço dos transportes” (ob. loc. cit.).
27
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira.
2. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2009. v. V. t. II. p. 385. Na mesma direção, MENEZES CORDEIRO,
Antonio. Tratado de direito civil. Direito das obrigações – Introdução sistema e direito europeu – Dogmática
geral. Coimbra: Almedina, 2012. v. VI. p. 103, para quem “a impossibilidade deve ser tomada em sentido
sócio-cultural: não físico ou naturalístico”.
28
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualização de Nelson Nery Junior
e Rosa Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. XXXIII. p. 185.
29
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira.
2. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2009. v. V. t. II. p. 386.
30
A tradução é de Menezes Cordeiro (Tratado de direito civil. Direito das obrigações – Introdução sistema
e direito europeu – Dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2012. v. VI. p. 89), que analisa a reforma
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legislativa alemã. Quanto à alteração das bases do negócio, a nova redação do 313(3), do BGB, dedicada
a interferências na base do negócio, preceitua que “Quando uma modificação do contrato não seja
possível ou surja inexigível para uma das partes, pode a parte prejudicada resolver o contrato”.
31
Tradução livre de “Der Schuldner kann die Leistung verweigern, soweit diese einen Aufwand erfordert, der
unter Beachtung des Inhalts des Schuldverhältnisses und der Gebote von Treu und Glauben in einem groben
Missverhältnis zu dem Leistungsinteresse des Gläubigers steht. Bei der Bestimmung der dem Schuldner
zuzumutenden Anstrengungen ist auch zu berücksichtigen, ob der Schuldner das Leistungshindernis zu
vertreten hat”.
32
Tradução livre de “Der Schuldner kann die Leistung ferner verweigern, wenn er die Leistung persönlich zu
erbringen hat und sie ihm unter Abwägung des seiner Leistung entgegenstehenden Hindernisses mit dem
Leistungsinteresse des Gläubigers nicht zugemutet werden kann”.
33
MENEZES CORDEIRO, Antonio. Tratado de direito civil. Direito das obrigações – Introdução sistema e
direito europeu – Dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2012. v. VI. p. 103.
34
MENEZES CORDEIRO, Antonio. Tratado de direito civil. Direito das obrigações – Introdução sistema e
direito europeu – Dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2012. v. VI. p. 103. O exemplo é também referido
por MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação de Sálvio de Figueiredo
Teixeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2009. v. V. t. II. p. 384.
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mesma linha se situaria o segundo exemplo, ainda mais emblemático, “da canto-
ra que se recusa a atuar no espetáculo para estar à cabeceira do filho, gravemen-
te doente”: a reforma assinalaria, na arguta percepção de Menezes Cordeiro, o
“alargamento” da noção de impossibilidade.35
No direito italiano, percebeu-se igualmente tal ampliação da noção de
impossibilidade,36 já tendo sido reconhecida, pela Corte Constitucional, nos anos
90 do século passado, a inexigibilidade de prestação por motivo existencial super-
veniente. Sustenta-se, nessa linha de entendimento, a necessidade de sopesar
os interesses do credor e do devedor, para verificar a razoabilidade da exigibili-
dade da execução diante de dificuldades supervenientes justificáveis. Na aludida
decisão, em particular, admitiu-se como justificável o descumprimento de obriga-
ção exigida pela legislação especial de Bozzano, que vinculava os benefícios do
recebimento de mútuo subsidiado para a aquisição de moradia à efetiva ocupação
e permanência no imóvel, sem qualquer interrupção, por 10 anos. No caso, a mu-
dança de domicílio e de cidade pelo mutuário deveu-se à necessidade de assistên-
cia ao genitor idoso e incapaz de vida autônoma. Ou seja, considerou-se inexigível
e, portanto, hipótese de impossibilidade superveniente liberatória, sob pena de in-
constitucionalidade da lei regional, a execução da obrigação pelo locatário diante
da necessidade existencial merecedora de tutela prevalente.37
35
MENEZES CORDEIRO, Antonio. Tratado de direito civil. Direito das obrigações – Introdução sistema e
direito europeu – Dogmática geral. Coimbra: Almedina, 2012. v. VI. p. 103-104.
36
Sobre o ponto, observa Mauro Paladini: “Assiste-se, assim, a um fenômeno que se poderia definir como
expansão da extinção das obrigações sem adimplemento que, no plano exclusivamente sistemático,
representa uma contratendência em relação ao sensível estreitamento da categoria operada pelo
codificador de 1942. No original: “Si assiste, così, a un fenomeno che si potrebbe definire di ‘espansione’
dell’estinzione dell’obbligazione senza adempimento che, sul piano esclusivamente sistematico,
rappresenta una controtendenza rispetto al sensibile snellimento della categoria operata dal codificatore del
1942” (PALADINI, Mauro. L’estinzione dell’obbligazione negli incerti confini tra doverosità dell’adempimento
e inesigibilità della prestazione. In: PALADINI, Mauro (Coord.). L’estinzione dell’obbligazione senza
adempimento. Torino: Utet, 2010. Introduzione, p. XII).
37
Sentenza di 3.2.1994, n. 19, in Giur. Cost. 1994, 136. No texto da decisão, ressaltou-se: “non v’è dubbio
che il caso di una persona, che non può assolvere alla condizione posta dalla legge per continuare a
beneficiare del contributo pubblico sul mutuo edilizio, consistente nell’occupazione effettiva, continuativa e
stabile della propria abitazione, a causa dell’esigenza di assistere in altra città il proprio padre gravemente
ammalato e incapace di una vita autonoma, rientri fra le ipotesi di contemperamento con un superiore
dovere di solidarietà sociale, qualificato come «inderogabile» dagli artt. 2 e 29 Cost., in grado di costituire
uma ragionevole giustificazione d’ll’inadempimento del predetto onere” (em tradução livre, “não há dúvida
de que o caso de uma pessoa que não possa preencher a condição legal para continuar a beneficiar-se
da contribuição pública sobre o financiamento imobiliário, consistente na ocupação efetiva, continuada
e estável da sua habitação, em virtude da necessidade de assistir o pai gravemente doente em outra
cidade e incapaz de uma vida autônoma, enquadra-se na hipótese de ponderação com um dever superior
de solidariedade social, qualificado como ‘inderrogável’ pelos artigos 2º e 29 da Constituição, capaz
de constituir uma justificativa razoável para o descumprimento do referido ônus”). Do ponto de vista
metodológico, a Corte discordou do magistrado, que circunscrevia a aplicação dos princípios constitucionais
às relações do cidadão para com o Poder Público alcançando, por extensão, o mútuo subsidiado pelo
Estado – para firmar posição quanto à vinculação direta de todo o direito obrigacional aos princípios
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constitucionais. É ver-se: “Contrariamente a quanto mostra di ritenere il giudice a quo, il principio appena
ricordato non è applicabile soltanto nell’ambito dell’ordinamento giuridico statale. Coinvolgendo categorie
e valori di rilevanza costituzionale e trattandosi di un principio generale concernente i rapporti obbligatori
come tali, esso deve avere applicazione universale nell’ordinamento giuridico e non può, dunque, essere
trascurato neppure nell’interpretazione della legge della Provincia autonoma di Bolzano oggetto di
contestazione nel presente giudizio. Quest’ultima, anzi, solo se interpretata in armonia con il ricordato
principio, evita di comportare il contrasto con il principio costituzionale di eguaglianza prospettato dal
giudice a quo” (em tradução livre, “Ao contrário do que o juízo a quo demonstra acreditar, o princípio que
acabamos de mencionar não é aplicável apenas no âmbito do ordenamento jurídico estatal. Envolvendo
categorias e valores de significado constitucional e tratando-se de um princípio geral concernente às
relações obrigacionais enquanto tais, ele deve ter aplicação universal no ordenamento jurídico e não pode,
portanto, ser negligenciado nem mesmo na interpretação da lei da Província Autônoma de Bolzano objeto
de contestação neste julgamento. Esta lei, ao contrário, somente se interpretada em harmonia com o
referido princípio, deixa de entrar em conflito com o princípio constitucional da igualdade proposto pelo
tribunal de primeira instância”).
38
PASSARO, Emanuele. L’impossibilità sopravvenuta della prestazione. In: PALADINI, Mauro (Coord.).
L’estinzione dell’obbligazione senza adempimento. Torino: Utet, 2010. p. 407. No original: “il riferimento
alla buona fede, proprio in termine di inesigibilità, potrà esse recuperato, al più, a latere creditoris, valendo
come criterio di giudizio della sua condotta da escludere, in particolare, che possa considerarsi conforme a
diritto – ossia non abusiva – la pretesa di adempimento”. O autor acrescenta, ainda: “a inevitabilidade do
evento impeditivo deve ser valorada em relação à diligência do devedor (geral ou específica), na medida em
que varia o conteúdo da relação obrigatória”. No original: “L’inevitabilità dell’evento impeditivo [...] debba
essere valutata alla stregua della diligenza del debitore (generica o specifica), al variare del contenuto del
rapporto obbligatorio” (ibid.).
39
Em tal direção, Umberto Breccia (Diligenza e buona fede nell’atuazione del rapporto obbligatorio. Milano:
Giuffrè, 1968. p. 55-56) afirma que o critério da boa-fé como medida da prestação permite não somente
superar a noção de impossibilidade como absoluta, como considerar o devedor liberado nas hipóteses
em que, para alcançar o resultado fosse necessário desempenhar atividade considerada estranha ao
conteúdo da obrigação (“isto é, um esforço tal que o devedor não possa considerar-se, segundo boa-fé,
empenhado ao seu emprego”). No original: “cioè uno sforzo tale che il debitore non possa ritenersi, se-
condo buona fede, impegnato al sua impiego”.
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40
CABELLA PISU, Luciana. Dell’impossibilità sopravvenuta (art. 1.463-1466). In: GALGANO, Francesco (A
cura di). Commentario del codice civile Scialoja-Branca Libro quarto – delle obbligazioni. Bologna-Roma:
Zanichelli-Foro Italiano, 2002. p. 49-50.
41
CCp, art. 804º, 2. “O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável,
a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido” (grifos nossos). Conforme João de
Matos Antunes Varela, “A mora do devedor (mora solvendi) é o atraso (demora ou dilatação) culposo no
cumprimento da obrigação” (ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral. reimpr. da 7.
ed. Coimbra: Almedina, 2004. v. II. p. 113-114 – grifos no original).
42
BGB, §286 (redação original). “(1) Der Schuldner hat dem Gläubiger den durch den Verzug entstehenden
Schaden zu ersetzen”. Em tradução livre: “(1) O devedor deverá indenizar o credor pelos danos causados
pelo atraso” (grifos nossos).
43
Nos termos de Clovis Bevilaqua, “Mora é o retardamento na execução da obrigação” (Direito das
obrigações. Rio de Janeiro: Rio, 1982. p. 110 – grifos no original).
44
CC, art. 395. “Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos
valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”.
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45
CC, art. 399: “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibili-
dade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isen-
ção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”.
46
COs, art. 103. “Le débiteur en demeure doit des dommages-intérêts pour cause d’exécution tardive et
répond même du cas fortuit. 2 Il peut se soustraire à cette responsabilité en prouvant qu’il s’est trouvé
en demeure sans aucune faute de sa part ou que le cas fortuit aurait atteint la chose due, au détriment
du créancier, même si l’exécution avait eu lieu à temps”. Em tradução livre: “O devedor em mora deve
perdas e danos por atraso no cumprimento e responde mesmo por casos fortuitos. 2 Ele pode se exonerar
desta responsabilidade provando que não teve culpa no atraso ou que o caso fortuito teria atingido a coisa
devida, em detrimento do credor, ainda que a execução tivesse ocorrido oportunamente”.
47
A conexão entre a exceção do art. 103 e a presunção do art. 97 pode ser encontrada na doutrina suíça
clássica (FUNK, Fritz. Commentaire du Code Fédéral des obligations. Genève: Delachaux & Niestlé, 1930.
p. 87) e contemporânea (THÉVENOZ, Luc; WERRO, Franz (Coord.). Commentaire Romand – Code des
obligations I. Genève: Helbing & Lichtenhahn, 2003. p. 617).
48
Explica Andreas Von Tuhr: “S’il a encouru la demeure par sa propre faute, il répond même de la perte
ou détérioration fortuite de la chose, art. 103. Cette responsabilité pour le casus mixtus découle des
principes généraux relatifs au rapport de causalité. Le cas fortuit est bien un événement imprévisible,
mais il est aussi une conséquence indirecte de la demeure, car il ne se serait pas produit si le débiteur
avait exécuté son obligation à temps” (VON TUHR, Andreas. Partir générale du Code fédéral des Obliations.
Lausanne: G. Vaney-Burnier, 1929. v. 1. p. 542 – em tradução livre: “Se ele incorreu em mora por culpa
própria, responde ainda pela perda ou deterioração fortuita da coisa, art. 103. Esta responsabilidade
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pelo casus mixtus decorre dos princípios gerais relativos ao nexo de causalidade. O caso fortuito é sim
um evento imprevisível, mas é também uma consequência indireta da mora, pois não teria ocorrido se o
devedor tivesse cumprido sua obrigação oportunamente”).
49
A expressão é de Carvalho Santos: “[...] é preciso convir que é defeituoso o Código ao admittir a allegação
desse facto, que constituiria defesa opportuna para negar a propria mora, quando presuppõe esta já
evidenciada, não mais podendo ser contestada, o que se percebe claramente quando dispõe o texto
supra, de início: o devedor em mora... Ora, si a mora presuppõe a culpa, não se pode em devedor em mora
sem que tenha culpa. Logo, admittida a móra, não se concebe possa livrar-se dos riscos com prova de
isenção de culpa, mesmo porque, como é evidente, si elle não tinha culpa não era um devedor em mora”
(CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil interpretado principalmente do ponto de vista prático. Rio de
Janeiro: Calvino Filho, 1936. p. 326).
50
Na visão de Judith Martins-Costa (Comentários ao Novo Código Civil. Coordenação de Sálvio de Figueiredo
Teixeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2009. v. V. t. II. p. 418-419), o codificador pretendeu
estabelecer “exceção ao rigor da regra” da imputabilidade, criando de fato o benefício ao devedor de se
exonerar com a demonstração de ausência de culpa, para afastar a imputabilidade da responsabilidade
civil. Para a conceituada professora, “Tratando-se de uma exceção à regra de o moroso responder, a
demonstração da inexistência de culpa é um plus, um ônus imposto ao moroso”.
174 Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023
51
BGB, §287. “Verantwortlichkeit während des Verzugs. Der Schuldner hat während des Verzugs jede
Fahrlässigkeit zu vertreten. Er haftet wegen der Leistung auch für Zufall, es sei denn, dass der Schaden
auch bei rechtzeitiger Leistung eingetreten sein würde”.
52
CCi, art. 1221. “Effetti della mora sul rischio. Il debitore che è in mora non è liberato per la sopravvenuta
impossibilità della prestazione derivante da causa a lui non imputabile, se non prova che l’oggetto della
prestazione sarebbe ugualmente perito presso il creditore. [...]”. Em tradução livre: “Efeitos da mora sobre
o risco. O devedor em mora não se exonera pela impossibilidade superveniente da prestação decorrente
de causa que não lhe seja imputável, se não provar que o objeto da prestação teria perecido igualmente
com o credor. [...]”. Explica Pietro Perlingieri: “L’effetto liberatorio si può produrre soltanto per le prestazio-
ni aventi ad oggetto una cosa determinata, qualora, il debitore provi che la cosa sarebbe egualmente perita
presso il creditore” (PERLINGIERI, Pietro. Manuale di diritto civile. 5. ed. Napoli: ESI, 2005. p. 279-280).
53
CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. p. 250.
54
CC, art. 400. “A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da
coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela
estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e
o da sua efetivação”. Cuida-se de política legislativa destinada a tutelar as vítimas de dano injusto e, por
essa razão, doutrina e jurisprudência, com a ampliação dos fatores de imputação da responsabilidade
pelo dano injusto, estendem a solução legislativa para as hipóteses de responsabilidade extracontratual
objetiva. Em se tratando de dano injusto, a sua verificação deflagra, assim, os juros moratórios em favor
da vítima.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023 175
55
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. São Paulo: Saraiva, 1972. p.
110-111. Na mesma direção, anotou-se em outra sede: “Aplica-se aqui analogicamente, em favor do
credor, a norma contida no art. 400, Código Civil, que autoriza ao devedor, diante da mora do credor,
a receber o bem pela estimação que lhe for mais favorável, se o valor oscilar entre o dia estabelecido
para pagamento e o da sua efetivação” (TEPEDINO, Gustavo. O conceito de parte contratual em face
dos princípios da obrigatoriedade dos pactos e da função social dos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo.
Opiniões doutrinárias: novos problemas de direito privado. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. v.
III. p. 229).
56
CC, art. 398. “Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o
praticou”.
57
CC, art. 390. “Nas obrigações negativas o devedor é havido por inadimplente desde o dia em que execu-
tou o ato de que se devia abster”. A mora, neste caso, se transforma em inadimplemento absoluto se,
pela natureza da obrigação e circunstâncias do negócio jurídico, as consequências da execução do ato
não puderem mais ser desfeitas, perdendo o credor o interesse útil à abstenção do devedor. O Código de
Processo Civil prevê que o juiz possa, a pedido do credor, determinar prazo para o desfazimento do ato
pelo devedor (CPC, art. 822), sendo possível, ainda, a cominação de astreintes (CPC, arts. 536 e 814).
No caso de recusa ou mora, o credor poderá requerer ao juiz o desfazimento do ato à custa do devedor,
impondo-lhe ainda perdas e danos. Se impossível o desfazimento, há inadimplemento absoluto, extinguin-
do-se a obrigação com perdas e danos (CC, art. 825).
176 Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023
58
Sobre o tema, entre outros, TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Fundamentos do direito civil:
obrigações. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023. v. 2. p. 89-90.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023 177
impontual que resiste a purgar a mora com presteza. Para debelar a incerteza des-
sa hipótese, o direito alemão59 prevê a prerrogativa do credor de estipular prazo
razoável para que o devedor purgue a sua mora (o chamado “prazo de cura” ou
“período de graça”, em tradução de Nachfrist), findo o qual, não realizada a pres-
tação, lhe é facultada a resolução extrajudicial do contrato.60
Para ambos os cenários – seja mora ou inadimplemento absoluto – podem
as partes precaverem-se com o recurso à cláusula penal. Trata-se de efeito asso-
ciado, necessariamente, à inexecução imputável ao devedor. De fato, o art. 408,
que inaugura o capítulo sobre cláusula penal do Código Civil, diferentemente da
codificação anterior, prevê expressamente que somente incorre na pena conven-
cional o devedor que não cumprir sua obrigação culposamente.61 Associou-se, de
forma essencial, o surgimento da obrigação prevista na multa convencional ao
inadimplemento da obrigação à qual ela acede. A expressão “culposamente” ado-
tada no aludido art. 408, assim como na redação do art. 399, acima examinada,
59
BGB, §323. “Rücktritt wegen nicht oder nicht vertragsgemäß erbrachter Leistung. (1) Erbringt bei einem
gegenseitigen Vertrag der Schuldner eine fällige Leistung nicht oder nicht vertragsgemäß, so kann der
Gläubiger, wenn er dem Schuldner erfolglos eine angemessene Frist zur Leistung oder Nacherfüllung
bestimmt hat, vom Vertrag zurücktreten. [...]”. Em tradução livre: “Resolução por incumprimento ou por
cumprimento não conforme com o contrato (1) Se, no caso de um contrato sinalagmático, o devedor não
cumprir ou não cumprir em conformidade com o contrato, o credor pode rescindir o contrato se tiver fixado
ao devedor, sem sucesso, um prazo razoável para o cumprimento ou cumprimento posterior”. Destaca-se
que, a partir da reforma, se não houver impossibilidade, a mora só permite a resolução se decorrido o prazo
fixado pelo credor para o cumprimento (EHMANN, Horst; SUSTSCHET, Holger. La reforma del BGB. Tradução
de Claudia López Díaz e Ute Salach. Colombia: Universidad Externado de Colombia, 2006. p. 55).
60
A figura foi incluída também em instrumentos internacionais, como a CISG, e é referida no direito italiano
como diffida ad adempiere. O direito francês parece ter tomado rumo similar com a recente reforma: CCf,
art. 1226 (modifié par Ordonnance nº2016-131 du 10 février 2016 – art. 2): “Le créancier peut, à ses
risques et périls, résoudre le contrat par voie de notification. Sauf urgence, il doit préalablement mettre
en demeure le débiteur défaillant de satisfaire à son engagement dans un délai raisonnable. La mise en
demeure mentionne expressément qu’à défaut pour le débiteur de satisfaire à son obligation, le créancier
sera en droit de résoudre le contrat. Lorsque l’inexécution persiste, le créancier notifie au débiteur la
résolution du contrat et les raisons qui la motivent. Le débiteur peut à tout moment saisir le juge pour
contester la résolution. Le créancier doit alors prouver la gravité de l’inexécution”. Em tradução livre: “O
credor pode, por sua conta e risco, rescindir o contrato mediante pré-aviso. Exceto em caso de urgência,
o credor deve notificar previamente o devedor em mora para que este cumpra a sua obrigação num prazo
razoável. A notificação deve indicar expressamente que, se o devedor não cumprir a sua obrigação, o
credor tem o direito de resolver o contrato. Se o incumprimento persistir, o credor notificará o devedor
da resolução do contrato e das razões que a motivam. O devedor pode, a qualquer momento, recorrer à
justiça para contestar a resolução. O credor deverá então provar a gravidade do incumprimento”. Afirma-
se, assim, que a reforma mudou o sistema pelo qual a resolução exigia decisão judicial: o credor vítima
do inadimplemento pode resolver o contrato com base não somente em cláusula resolutiva expressa,
mas também por notificação fundada em inexecução suficientemente grave, devendo, salvo em caso de
urgência, conceder ao devedor prazo razoável para purgar a mora (MALAURIE, Philippe; AYNÈS, Laurent.
Droit des obligation. 10. ed. Paris: L.G.D.J., 2018. p. 513). Sobre o tema, na experiência brasileira, cf.
SOUZA, Amanda Guimarães Cordeiro de. Período de graça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2018).
61
CC, art. 408. “Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de
cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.
178 Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023
62
Este último entendimento é sustentado por MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil.
Coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Gen-Forense, 2009. v. V. t. II. p. 634-
635.
63
TEPEDINO, Gustavo et alli. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2014. v. 1. p. 750. Na mesma direção, admite-se a previsão de cláusula penal também
para “hipóteses em que o inadimplemento independe de culpa, pois basta a constatação objetiva do
descumprimento da obrigação”, quando a expressão culposamente “deve ser havida como noção de mera
imputação” (BDINE JR., Hamid Charaf. Código Civil comentado. Coordenação de Cesar Peluso. 13. ed. São
Paulo: Manole, 2019. p. 413).
64
CC, art. 415. “Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que
a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação”.
65
CC, 414. “Sendo indivisível a obrigação, todos os devedores, caindo em falta um deles, incorrerão na
pena; mas esta só se poderá demandar integralmente do culpado, respondendo cada um dos outros so-
mente pela sua quota. Parágrafo único. Aos não culpados fica reservada a ação regressiva contra aquele
que deu causa à aplicação da pena”.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023 179
66
Conforme registrado por João Luiz Alves, o projeto final do Código Civil “firmou o princípio de que os
devedores não culpados só respondem pela sua parte proporcional no valor da cláusula penal”. Além
disso, “suprimiu também o texto a restritiva final do al. 1º do Projeto Clovis Bevilaqua, por desnecessária,
desde que, sendo solidária a obrigação da cláusula penal, será ela regida pelos dispositivos dos arts.
904 e seguintes” (ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil anotado.
Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia Editores-Livreiros, 1926). A incisiva resposta de Clovis merece trans-
crição: “A contravenção de um só, quando a obrigação é indivisível, determina a cominação da pena a
todos. Qualquer que seja a função da pena quando a obrigação indivisível se converte na indenização de
prejuízos, torna-se, em regra, divisível, porque a indeminização se fará, ordinariamente, em dinheiro ou
quantidade. Sendo divisível a obrigação de indemnizar, cada um dos co-devedores responde pela sua
quota, e, assim, cada um dos herdeiros. Mas, se a pena for indivisível, se consistir na perda de uma coisa
determinada, indivisível, todos os co-obrigados a devem integralmente. O mesmo se dirá, quando a pena
for estipulada com solidariedade. Por isso dizia o Projecto primitivo que, em regra, a pena só ao culpado
podia ser pedida integralmente, ressalvando o caso da indivisibilidade, e o da solidariedade. Pareceram
essas ressalvas ociosas a João Luiz Alves; mas a omissão delas é que poderia suscitar as dúvidas, que
ele imaginou, se a doutrina e a jurisprudência não completarem o dispositivo” (BEVILAQUA, Clovis. Código
Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Alves, 1934. v. IV. p. 77).
67
CC, art. 416, caput: “Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo”.
68
PINTO MONTEIRO, Antonio. Responsabilidade contratual: cláusula penal e comportamento abusivo do
credor. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 7, n. 26, 2004. p. 170.
69
SEABRA, André Silva. Limitação e redução da cláusula penal. São Paulo: Almedina, 2022. p. 79.
180 Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023
70
Sobre o tema, seja consentido remeter a TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson. Apontamentos
sobre a cláusula penal a partir da superação da tese da dupla função. Revista Brasileira de Direito Civil,
Rio de Janeiro, v. 31, 2023. p. 363-364.
71
CC, art. 416. “[...] Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o
credor exigir indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como
mínimo da indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente”.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023 181
72
A regra encontrava-se expressamente prevista no Código Civil francês (CCf), art. 1142. “Toute obligation
de faire ou de ne pas faire se résout en dommages et intérêts en cas d’inexécution de la part du débiteur”
(em tradução livre: “Toda obrigação de fazer ou não fazer resolve-se em perdas e danos em caso de
inexecução por parte do devedor”) – mas desde o início do século passado é objeto de crítica na própria
doutrina francesa: “On voit qu’en définitive le législateur eût mieux fait de ne pas écrire la disposition
de l’art. 1142. Si on la prend à la lettre, on lui attribue une portée qui est incompatible avec le respect
dû aux conventions. Si on pénètre son esprit, on arrive à cette conclusion qu’elle est à peu près inutile,
car, pratiquement, elle se résume en cette constatation que le créancier doit se contenter de dommages-
intérêts quand il lui est impossible d’obtenir l’exécution en nature” (BAUDRY-LACANTINERIE, G.; BARDE,
L. Traité théorique et pratique de droit civil, XII, Des obligations. 3. ed. Paris: Sirey, 1906. t. I. p. 473
– em tradução livre: “Vemos que, definitivamente, o legislador teria feito melhor em não escrever o
disposto no art. 1142. Tomado ao pé da letra, atribui-se a ele um alcance incompatível com o respeito
devido às convenções. Penetrando em seu espírito, chega-se à conclusão de que ele é quase inútil, pois,
praticamente, se resume à observação de que o credor deve contentar-se com a indenização quando lhe
for impossível obter a prestação em espécie”).
73
CPC1973 (Lei nº 5.869/1973), art. 466-B. “Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não
cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma
sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado” (incluído pela Lei nº 11.232, de 2005).
74
Sobre o tema, seja consentido remeter a TEPEDINO, Gustavo; KONDER, Carlos Nelson. Qualificação e
disciplina do contrato preliminar no Código Civil brasileiro. In: BARBOSA, H.; SILVA, J. C. F. (Coord.). A
evolução do direito empresarial e obrigacional: 18 anos do Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2021.
v. 2. p. 28.
75
Afirmava Tito Fulgêncio: “Quer na primeira, quer na segunda hypothese não se attenta contra a regra –
nemo potest praecise cogi ad factum, em nenhuma ha coacção directa à pessôa do devedor para fazer;
na primeira, mandando fazer o trabalho por outro, arreda a pessôa do devedor, e obtem o cumprimento
perfeito da obrigação; na segunda, o constrangimento recae sobre os bens, não sobre a pessôa do
devedor” (FULGÊNCIO, Tito. Das modalidades das obrigações. In: LACERDA, Paulo de (Coord.). Manual do
Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: São José, 1927. v. X. p. 127).
182 Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023
76
CPC1973, art. 634. “Se o fato puder ser prestado por terceiro, o juiz, a requerimento do credor, poderá
decidir que aquele o realize à custa do devedor. §1º O juiz nomeará um perito que avaliará o custo da
prestação do fato, mandando em seguida expedir editais de concorrência pública, com o prazo máximo de
trinta (30) dias. §2º As propostas serão acompanhadas de prova do depósito da importância, que o juiz
estabelecerá a título de caução. §3º No dia, lugar e hora designados, abertas as propostas, escolherá o
juiz a mais vantajosa. §4º Se o credor não exercer a preferência a que se refere o art. 637, o concorrente,
cuja proposta foi aceita, obrigar-se-á, dentro de cinco (5) dias, por termo nos autos, a prestar o fato sob
pena de perder a quantia caucionada. §5º Ao assinar o termo, o contratante fará nova caução de vinte
por cento (20%) sobre o valor do contrato. §6º No caso de descumprimento da obrigação assumida pelo
concorrente ou pelo contratante, a caução, referida nos §§4º e 5º, reverterá em benefício do credor. §7º
O exeqüente adiantará ao contratante as quantias estabelecidas na proposta aceita”. Nesse contexto,
destacava Humberto Theodoro Jr.: “Esse quadro normativo frustrava praticamente o direito de o credor
tomar a iniciativa de levar adiante a obra inadimplida pelo executado, tal como lhe faculta o direito material
(Código Civil, art. 249)” (THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 52. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2019. v. III. §312 – recurso eletrônico).
77
CPC, art. 817. “Se a obrigação puder ser satisfeita por terceiro, é lícito ao juiz autorizar, a requerimento
do exequente, que aquele a satisfaça à custa do executado. Parágrafo único. O exequente adiantará as
quantias previstas na proposta que, ouvidas as partes, o juiz houver aprovado”.
78
Carvalho de Mendonça ilustrava com os exemplos do locatário que abate do aluguel os custos com a
remoção de árvore que fora prometida e não cumprida pelo locador e do dono da obra que desconta de
parcela ainda pendente da empreitada os gastos com parte da reforma prometida e não cumprida pelo
empreiteiro (MENDONÇA, Manoel Ignacio Carvalho de. Doutrina e prática das obrigações. 2. ed. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1911. p. 214-215).
79
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. n. 227.2, recurso
eletrônico.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023 183
80
Previam originalmente os arts. 1143 e 1144 do CCf: art. 1143. “Néanmoins, le créancier a le droit de
demander que ce qui aurait été fait par contravention à l’engagement soit détruit; et il peut se faire
autoriser à le détruire aux dépens du débiteur, sans préjudice des dommages et intérêts s’il y a lieu”; art.
1144. “Le créancier peut aussi, en cas d’inexécution, être autorisé à faire exécuter lui-même l’obligation
aux dépens du débiteur”. Em tradução livre: “Art. 1143. Não obstante, o credor tem o direito de exigir
que seja destruído o que teria sido feito pelo descumprimento do compromisso; e poderá ser autorizado
a destruí-lo às expensas do devedor, sem prejuízo de indenização e juros, se houver. Art. 1.144. O credor
também pode, em caso de inadimplemento, ser autorizado a fazer ele mesmo cumprir a obrigação às
expensas do devedor”.
81
Loi nº 91-650 du 9 juillet 1991.
82
CCf, art. 1222. “Après mise en demeure, le créancier peut aussi, dans un délai et à un coût raisonnables,
faire exécuter lui-même l’obligation ou, sur autorisation préalable du juge, détruire ce qui a été fait en
violation de celle-ci. Il peut demander au débiteur le remboursement des sommes engagées à cette fin. Il
peut aussi demander en justice que le débiteur avance les sommes nécessaires à cette exécution ou à
cette destruction”. Em tradução livre: “Depois da constituição em mora, o credor poderá ainda, em prazo e
a custo razoáveis, executar ele próprio a obrigação ou, com prévia autorização do juiz, destruir o que tiver
feito em desacordo com ela. Pode pedir ao devedor o reembolso das quantias empenhadas para o efeito.
Pode ainda requerer judicialmente que o devedor adiante as quantias necessárias a esta execução ou a
esta destruição”.
83
Destacava Denis Mazeaud sobre o projeto de reforma: “[...] Dans le code actuel, le créancier d’une obligation
de faire peut, à condition d’obtenir l’autorisation préalable du juge, faire exécuter par un tiers l’obligation
souscrite par le débiteur défaillant, aux frais de ce dernier. L’ordonnance modifie très sensiblement le
mécanisme puisque, dans ce même cas de figure, le créancier insatisfait peut procéder de la même
façon, mais sans demander une autorisation préalable au juge. Aussi, la faculté de remplacement sera-
t-elle désormais unilatérale, du moins pour les obligations de faire” (MAZEAUD, Denis. Les sanctions de
inexécution. In: BROS, Sarah (Coord.). Les innovations de la réforme du droit des contrats. Paris: Institut
Universitaire Varenne, 2018. p. 92 – em tradução livre: “No código atual, o credor de obrigação de fazer
pode, desde que obtenha autorização prévia do juiz, mandar executar por terceiro a obrigação contraída
pelo devedor inadimplente, a expensas deste. A ordonnance modifica significativamente o mecanismo,
pois, nesse mesmo cenário, o credor insatisfeito pode proceder da mesma forma, mas sem solicitar
autorização prévia do juiz. Além disso, a opção de substituição passará a ser unilateral, pelo menos para
as obrigações de fazer”).
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84
A despeito do silêncio do legislador, indica-se na doutrina processualista a conveniência de o magistrado,
após a aprovação da proposta de contratação do terceiro, antes de demandar ao credor o adiantamento
das quantias, intimar o devedor a realizar o pagamento em juízo do valor devido ao terceiro: MARINONI,
Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
p. 335; DIDIER JR., Fredie et al. Curso de direito processual civil. Execução. 7. ed. Salvador: JusPodivm,
2017. v. 5. p. 1050.
85
Na doutrina processualista, é comum encontrar a referência à execução por transformação (entre outros,
ASSIS, Araken de. Manual da execução. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. §58, recurso
eletrônico).
86
Entre outros, NANNI, Giovanni Ettore. Comentários ao Código Civil: direito privado contemporâneo. São
Paulo: Saraiva, [s.d.]. p. 405. Em sentido contrário, afirmava Tito Fulgêncio: “É direito de todo o credor
obter a execução in natura, o cumprimento exacto da obrigação, seja positiva, seja negativa. Na primeira, a
execução consiste na pratica do acto positivo que o devedor prometeu; na segunda, na pratica tambem do
acto prometido, mas, como este era uma abstenção e não foi praticada, a execução em natureza remata-
se no desfazimento do acto feito em contravenção a promessa” (FULGÊNCIO, Tito. Das modalidades das
obrigações. In: LACERDA, Paulo de (Coord.). Manual do Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: São José,
1927. v. X. p. 132).
87
CHONE-GRIMALDI, Anne-Sophie. Art. 1222. In: DOUVILLE, T. (Dir.). La réforme du droit des contrats.
Issy-les-Moulineaux: Gualino, 2016. p. 225. Afirmam Philippe Malaurie e Laurent Aynès: “C’est une
mesure d’exécution; elle s’impose même si aucun préjudice ne résulte de l’inexécution, sous réserve
que le coût de la mesure ne soit pas manifestement disproportionné à son intérêt pour le créancier qui
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que o inadimplemento não configura, por si só, um dano, seria possível conceber
que a violação do dever de abstenção, mesmo gerando o resultado material a ser
desfeito, pode não configurar prejuízo atual ao credor. Basta imaginar o exemplo
recorrente do vizinho que constrói bloqueando a vista que prometera ao seu confi-
nante. Se o credor ainda estava construindo um edifício no seu terreno, a violação
da obrigação negativa pelo vizinho que bloqueia a vista ainda não chegou a preju-
dicá-lo, já que a obra ainda não está pronta. Todavia, encontra-se já legitimado a
pretender o desfazimento forçado, com base no descumprimento da obrigação de
não construir. Ou seja, tanto a execução por terceiro como o desfazimento forçado
parecem ser remédios ensejados imediatamente pelo inadimplemento, ainda que
não se tenha produzido dano ao credor.88
A imputabilidade do devedor, por outro lado, costuma ser tida como requisito
para essas medidas. Para o desfazimento forçado o legislador refere-se expres-
samente apenas à prática do ato cuja abstenção se esperava, mas se reconhece
que, se essa prática não lhe é imputável – como a imposição do fazer por fato do
príncipe – sequer poderá lhe ser imposta a obrigação de desfazer. Já no tocante à
execução por terceiro, o dispositivo faz expressa referência à recusa ou mora do
devedor, a sugerir que a imputabilidade do devedor seria requisito para a adoção
desse remédio.
A questão acaba por recair na fungibilidade ou infungibilidade da prestação.
Com efeito, a execução por terceiro é remédio tradicionalmente limitado à inexecu-
ção de obrigações de fazer fungíveis, embora a qualificação da obrigação quanto
à fungibilidade não seja elemento ontológico da sua estrutura, senão reflexo da
composição de interesses a que ela atende. Por esse motivo, a classificação exi-
ge a análise da obrigação sob perfil dinâmico e funcional. Dessa forma, é possível
que o transcorrer do tempo, especialmente se atrasado o cumprimento, permita
reputar fungível a obrigação originalmente infungível, em vista do interesse do
credor.89 Basta imaginar a peça teatral cuja abertura precisa ser postergada por
la réclame, comme en dispose l’article 1221 à titre général” (MALAURIE, Philippe; AYNÈS, Laurent. Droit
des obligation. 10. ed. Paris: L.G.D.J., 2018. p. 503 – em tradução livre: “É uma medida de execução;
ela se impõe mesmo se nenhum prejuízo resultar da inexecução, desde que o custo da medida não seja
manifestamente desproporcional ao seu interesse para o credor que a reclama, conforme previsto no
artigo 1221 de forma geral”).
88
Na doutrina processual, afirma Luiz Guilherme Marinoni: “a tutela que determina o desfazimento do que
não deveria ter sido feito faz valer a obrigação de não-fazer, estabelecendo o seu adimplemento. Quem
é obrigado a desfazer o que não deveria ter feito e obrigado a adimplir a obrigação de não-fazer e não a
reparar um dano” (MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 290).
89
A predominância do interesse do credor na avaliação de fungibilidade da prestação sobressai na disposição
portuguesa, segundo a qual a infungibilidade decorre de acordo entre as partes ou de prejuízo ao credor:
Código Civil português (CCp), art. 767º, 2. “O credor não pode, todavia, ser constrangido a receber de
terceiro a prestação, quando se tenha acordado expressamente em que esta deve ser feita pelo devedor,
ou quando a substituição o prejudique”.
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problema de saúde do ator principal, mas a demora no seu tratamento acaba por
fazer o diretor preferir contratar outro ator para protagonizar o espetáculo; ou o pa-
ciente que prefere adiar a cirurgia para fazê-la com seu médico de confiança, que
se viu impedido de chegar por problemas de transporte; e, posteriormente, opta
por outro médico ao perceber que o retorno do cirurgião anteriormente eleito le-
varia mais tempo do que imaginado. Nesses casos, a impossibilidade temporária
relativa à pessoa do devedor, que inviabilizava o cumprimento de forma absoluta e
inimputável em razão da infungibilidade, coloca-se sob nova qualificação por conta
do efeito da passagem do tempo sobre o interesse do credor, de modo a autorizar
no caso concreto o remédio da execução por terceiro.90
90
Como explica Antunes Varela: “A fungibilidade da prestação interessa ainda à questão de saber quando é
que a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa, por equiparação à impossibilidade objectiva,
a extinção da obrigação (art. 791º). A equiparação só se dá quando o devedor se não possa fazer substituir
por terceiro no cumprimento da obrigação” (ANTUNES VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral.
10. ed. Coimbra: Almedina, 2000. v. I. p. 99).
91
CC, art. 279. “Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para
todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado”. Para uma
análise do conceito de “equivalente”, v. NUNES DE SOUZA, Eduardo. O equivalente no direito das obriga-
ções: uma proposta hermenêutica. Civilistica.com, Rio de Janeiro, ano 12, n. 1, p. 1-69, 2023.
92
CC, art. 280. “Todos os devedores respondem pelos juros da mora, ainda que a ação tenha sido proposta
somente contra um; mas o culpado responde aos outros pela obrigação acrescida”.
Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil | Belo Horizonte, v. 32, n. 3, p. 159-200, jul./set. 2023 187
93
Segundo Tito Fulgêncio: “O preço da coisa ou aestimatio rei, o equivalente do nosso texto, bem como o
damnum, perdas e damnos do texto, representam o interesse que o credor tinha na execução da obriga-
ção, e, portanto, para ser completamente representado esse interesse, cumpre que um e outros se ajun-
tem. Nada justifica a diversidade da solução para os dois elementos” (FULGÊNCIO, Tito. Das modalidades
das obrigações. In: LACERDA, Paulo de (Coord.). Manual do Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: São
José, 1927. v. X. p. 306).
94
Explica Carvalho de Mendonça: “Essa distinção entre o preço da cousa ou o equivalente da prestação e
indemnização de perdas e damnos, na solidariedade, é relativamente recente. [...] Tal disposição teve sua
origem histórica na tentativa de conciliação de textos romanos entre si contradictorios. Entendiam uns
que os effeitos da culpa dos correi debendi se estendia a todos: outros estabeleciam principio contrario.
Desde os glozadores até os precursores do Codigo Civil Francez, diversas tentativas foram feitas para
operar a conciliação e a ultima entrou no domínio da lei franceza” (MENDONÇA, Manoel Ignacio Carvalho
de. Doutrina e prática das obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1911. p. 355-356).
95
CCf, art. 1205 (revogado). “Si la chose due a péri par la faute ou pendant la demeure de l’un ou de plusieurs
des débiteurs solidaires, les autres codébiteurs ne sont point déchargés de l’obligation de payer le prix de
la chose; mais ceux-ci ne sont point tenus des dommages et intérêts. Le créancier peut seulement répéter
les dommages et intérêts tant contre les débiteurs par la faute desquels la chose a péri, que contre ceux
qui étaient en demeure”. Em tradução livre: “Se a coisa devida tiver perecido por culpa ou durante a mora
de um ou mais dos devedores solidários, os outros codevedores não se eximem da obrigação de pagar
o preço da coisa; mas estes não são responsáveis por perdas e danos. O credor só pode demandar as
perdas e danos tanto contra os devedores culpados pelo perecimento ou que estavam em mora”.
96
CCi, art. 1307. “(Inadempimento). Se l’adempimento dell’obbligazione è divenuto impossibile per
causa imputabile a uno o più condebitori, gli altri condebitori non sono liberati dall’obbligo solidale di
corrispondere il valore della prestazione dovuta. Il creditore può chiedere il risarcimento del danno ulteriore
al condebitore o a ciascuno dei condebitori inadempienti”. Em tradução livre: “(Inadimplemento). Se o
cumprimento da obrigação se tornar impossível por causa imputável a um ou mais codevedores, os outros
codevedores não se exoneram da obrigação solidária de pagar o valor da prestação devida. O credor pode
pedir a reparação dos danos ulteriores ao codevedor ou a cada um dos codevedores inadimplentes”.
97
CCp, art. 520º. “(Impossibilidade da prestação) Se a prestação se tornar impossível por facto imputável
a um dos devedores, todos eles são solidariamente responsáveis pelo seu valor; mas só o devedor a
quem o facto é imputável responde pela reparação dos danos que excedam esse valor, e, sendo vários, é
solidária a sua responsabilidade”.
98
Segundo Baudry-Lacantinerie e Barde, “Cette disposition est critiquée para beaucoup d’auteurs, et, nous
le reconnaissons, la distinction qu’elle établit ne peut, au point de vue de la logique, se justifier. [...]
Pourquoi la solution ne serait-elle pas la même pour les deux éléments? [...] Les rédacteurs du Code,
trouvant dans Pothier la distinction entre le prix de la chose périe et les dommages-intérêts, ont cru devoir
la reproduire. Telle est l’origine de la disposition de l’art. 1205. Beaucoup d’auteurs, nous l’avons dit,
considèrent cette disposition comme illogique. Mais si, au point de vue des principes, leur appréciation
est fondée, la décision du Code peut se justifier au point de vue de l’équité: Ne serait-il pas dur de faire
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Talvez por conta das controvérsias, o dispositivo francês foi revogado pela
recente reforma das obrigações, instituindo-se regra geral segundo a qual todos
os devedores solidários respondem pelos efeitos da inexecução, ainda que, ao fi-
nal, nas relações internas, o encargo recaia somente sobre o culpado.99 Essa foi
a orientação também no novo Código Civil argentino100 e que já era a linha adotada
pelo direito espanhol,101 no qual se fala de forma geral de “comunicação da culpa”
em razão da solidariedade.102
A dificuldade se intensifica no ordenamento brasileiro justamente pela previ-
são do art. 280 do Código Civil (art. 909 da legislação anterior) de que os juros da
mora, ao contrário, podem ser exigidos de qualquer devedor solidário, ainda que o
atraso seja imputável a somente um deles. O Código Civil francês, em sua redação
retomber intégralement sur les débiteurs innocents les conséquences de la faute de leur codébiteur?”
(BAUDRY-LACANTINERIE, G.; BARDE, L. Traité théorique et pratique de droit civil, XII, Des obligations. 3. ed.
Paris: Sirey, 1906. t. I. p. 337-338 – em tradução livre: “Esta disposição é criticada por muitos autores e,
reconhecemos, a distinção que ela estabelece não pode, do ponto de vista da lógica, justificar-se. [...] Por que
a solução não seria a mesma para os dois elementos? [...] Os redatores do Código, encontrando em Pothier
a distinção entre o preço da coisa perecida e as perdas e danos, julgaram necessário reproduzi-la. Esta é
a origem da disposição do art. 1205. Muitos autores, como dissemos, consideram esta disposição ilógica.
Mas se, do ponto de vista dos princípios, a sua apreciação for fundamentada, a decisão do Código pode
justificar-se do ponto de vista da equidade: Não seria difícil impor inteiramente aos devedores inocentes as
consequências da culpa do seu codevedor”). No mesmo sentido, mais recentemente destacam os Mazeaud:
“Cette restriction a été inspirée aux rédacteurs du Code civil para des considérations d’équité; ils n’ont
pas voulu que les codébiteurs aient à supporter les conséquences d’une exécution tardive, alors qu’ils
n’avaient par été mis en demeure d’exécuter. Elle est, d’ailleurs, conforme a l’idée dégagée par Doumoulin:
la représentation ne doit pas avoir pour résultat d’augmenter la dette de chacun” (MAZEAUD, Henri et al.
Leçons de droit civil. Obligations: théorie générale. 9. ed. Paris: Montchrestien, 1998. v. 1. t. II. p. 1110 – em
tradução livre: “Essa restrição foi inspirada nos redatores do Código Civil por considerações de equidade;
eles não queriam que os codevedores tivessem que arcar com as consequências do cumprimento tardio,
quando não haviam sido notificados para cumprir. Coaduna-se, aliás, com a ideia expressa por Doumoulin:
a representação não deve resultar no aumento da dívida de cada um”).
99
CCf, art. 1319. “Les codébiteurs solidaires répondent solidairement de l’inexécution de l’obligation.
La charge en incombe à titre définitif à ceux auxquels l’inexécution est imputable”. Em tradução livre:
“Os devedores solidários respondem solidariamente pelo inadimplemento da obrigação. O ônus recai
definitivamente sobre aqueles a quem o inadimplemento é imputável”.
100
CCarg, art. 838. “Responsabilidad. La mora de uno de los deudores solidarios perjudica a los demás. Si
el cumplimiento se hace imposible por causas imputables a un codeudor, los demás responden por el
equivalente de la prestación debida y la indemnización de daños y perjuicios. Las consecuencias propias
del incumplimiento doloso de uno de los deudores no son soportadas por los otros”. Em tradução livre:
“Responsabilidade. A mora de um dos devedores solidários prejudica os demais. Se o cumprimento for
impossibilitado por fato imputável a um codevedor, os demais respondem pelo equivalente à prestação
devida e pela indenização dos danos e prejuízos. As consequências da violação dolosa de um dos
devedores não são suportadas pelos outros”.
101
CCe, art. 1147. “Si la cosa hubiese perecido o la prestación se hubiese hecho imposible sin culpa de los
deudores solidarios, la obligación quedará extinguida. Si hubiese mediado culpa de parte de cualquiera
de ellos, todos serán responsables, para con el acreedor, del precio y de la indemnización de daños y
abono de intereses, sin perjuicio de su acción contra el culpable o negligente”. Em tradução livre: “Se a
coisa pereceu ou a prestação se tornou impossível sem culpa dos devedores solidários, extingue-se a
obrigação. Se houve culpa de algum deles, todos responderão, perante o credor, pelo preço e indenização
por perdas e danos e abono de interesses, sem prejuízo da sua ação contra o culpado ou negligente”.
102
DÍEZ-PICAZO, Luis; GULLÓN, Antonio. Sistema de derecho civil. 11. ed. Madrid: Tecnos, 2016. v. II. t. I. p. 122.
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103
Trata-se do antigo art. 1207, atual art. 1314: “La demande d’intérêts formée contre l’un des débiteurs
solidaires fait courir les intérêts à l’égard de tous”. Em tradução livre: “A demanda de juros formulada
contra um dos devedores solidários faz correr juros ante todos”.
104
Tal é a justificativa de Clovis Bevilaqua, para quem “as perdas e danos, porém, já são um acréscimo à
obrigação estipulada. É justo que recaiam, comente, sobre aquele que lhe deu causa” (BEVILAQUA, Clovis.
Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 11. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1958. v. IV, art.
908, p. 60).
105
Explicam Planiol e Ripert: “Le Code a attribué à la solidarité un effet nouveau qu’elle ne produisait pas dans
l’ancien droit. La demande d’intérêts formée contre l’un des codébiteurs les fait courir contre tous (art.
1207). Pothier décidait justement le contraire par application de l’idée de Dumoulin qu’il n’y a que celui
qui est en demeure qui soit tenu des dommages dus en raison de son retard; son opinion était suivi para
Bourjon et la plupart des autres. Les rédacteurs du Code ont ici abandonné l’opinion dominante pour suivre
une opinion à peu prés isolée émise par Henrys et approuvé para Bretonnier et par Ferrière. Les auteurs
modernes expliquent que cette solution est conforme à l’idée d’un mandat donné ad conservandum sed
non ad augendam obligationem. Ils disent que le cours des intérêts n’augmente pas la charge des autres
codébiteurs, car si celui d’entre eux qui a été poursuivi le premier avait payé aussitôt le créancier, les
intérêts couraient à son profit; dès lors qu’importe à ses codébiteurs de payer ces intérêts à lui ou au
créancier ? Si cette charge leur semble trop onéreuse, ils ont un moyen d’y mettre un terme en payant eux-
mêmes le créancier puisque la dette est échue. C’est une explication très ingénieuse mais à laquelle les
auteurs du Code n’ont certainement pas songé. Ils ont voulu tout simplement augmenter les avantages de
la solidarité en permettant au créancier d’obtenir par une poursuite unique le même résultat que par des
actions multiples” (PLANIOL, Marcel; RIPERT, Georges. Traité pratique de droit civil français – Obligations.
2. partie. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1952. t. VII. p. 457-458 – em tradução livre: “O Código deu à solidariedade
um novo efeito que não produzia na antiga lei. A demanda de juros feita contra um dos codevedores faz
com que estes corram contra todos (art. 1207). Pothier decidiu exatamente o contrário, aplicando a ideia
de Dumoulin de que somente aquele que está inadimplente é responsável pelos danos devidos em razão
de seu atraso; sua opinião foi seguida por Bourjon e pela maioria dos outros. Os redatores do Código
abandonaram aqui a opinião predominante para seguir uma opinião mais ou menos isolada expressa
por Henrys e aprovada por Bretonnier e por Ferrière. Autores modernos explicam que esta solução é
consistente com a ideia de um mandato dado ad conservandum sed non ad augendam bonds. Dizem
que o curso dos juros não aumenta o ônus dos demais codevedores, pois se aquele dentre eles que
foi demandado primeiro tivesse pago imediatamente ao credor, os juros correriam para seu benefício;
portanto, o que importa aos seus codevedores pagar esses juros a ele ou ao credor? Se essa cobrança
lhes parece muito onerosa, eles têm um meio de acabar com ela pagando eles mesmos ao credor, pois a
dívida é devida. Esta é uma explicação muito engenhosa, mas na qual os autores do Código certamente
não pensaram. Eles simplesmente queriam aumentar as vantagens da solidariedade, permitindo ao credor
obter por uma única ação o mesmo resultado que por múltiplas ações”).
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poderiam ter sido evitados pelo codevedor solidário inocente, razão pela qual ele
responderia pelo acréscimo perante o credor.106 O debate foi permeado pela ideia
de que a solidariedade criaria sistema de representação recíproca, compreensão
que hoje é reputada “mais engenhosa do que precisa”.107
Prevaleceu, assim, na reforma do direito obrigacional francês, a responsabi-
lidade de todos pelos efeitos da inexecução, como observado.108 Pesou para a al-
teração legislativa a reiterada crítica à incoerência do regime das perdas e danos:
se o objetivo era reforçar a posição do credor, permitindo-lhe haver de qualquer
devedor os efeitos da inexecução, que seriam imputados, em última instância,
somente ao culpado, não se justificaria não permitir também demandar de qual-
quer deles o ressarcimento pelas perdas e danos.109 A crítica parte da premissa
106
FULGÊNCIO, Tito. Das modalidades das obrigações. In: LACERDA, Paulo de (Coord.). Manual do Código
Civil brasileiro. Rio de Janeiro: São José, 1927. v. X. p. 312; RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral
das obrigações. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 1997 v. 2. p. 79.
107
MALAURIE, Philippe; AYNÈS, Laurent. Droit des obligation. 10. ed. Paris: L.G.D.J., 2018. p. 760.
108
MALAURIE, Philippe; AYNÈS, Laurent. Droit des obligation. 10. ed. Paris: L.G.D.J., 2018. p. 761.
109
Assim explicam Baudry-Lacantinerie e Barde: “Plusieurs auteurs pensent même qu’on peut justifier au point
de vue juridique la disposition de l’art. 1207, alors même qu’on fait dériver la représentation réciproque des
codébiteurs d’un mandat qu’ils sont réputés s’être donné ad pertuandam, non ad augendam obligationem.
Ils raisonnent ainsi: D’abord, du moment que le législateur règle à forfait les dommages-intérêts qui seront
dus pour le retard dans l’exécution des obligations de sommes d’argent, on peut dire que les débiteurs
solidaires ont consenti, par une clause pénale tacite, à devoir les intérêts par cela seul que ceux-ci auront
été demandés à l’un d’entre eux. Ainsi, dès le moment où nait l’obligation, elle comprend éventuellement
la dette d’intérêts. C’est, d’ailleurs, nécessaire pour que la solidarité atteigne son but, car ce but est de
permettre au créancier d’obtenir, en agissant contre un seul codébiteur, les mêmes résultats que s’il
agissant contre tous. Mais, à notre avis, la disposition de l’art. 1207 ne concorde pas avec celle de l’art.
1205. Les intérêts moratoires ne sont pas autre chose que des dommages-intérêts alloués à raison du
retard apporté à l’exécution de l’obligation. Dans le cas de l’art. 1205, les dommages-intérêts ne sont
pas à la charge des codébiteurs qui n’ont pas été mis en demeure. Logiquement, il devrait en être de
même dans l’hypothèse prévue para l’art. 1207. Si, dans le premier cas, le législateur s’est prononcé
comme il l’a fait, c’est parce que la demeure de l’un des coobligés ne doit pas augmenter l’obligation à
l’égard des autres. Le même motif devair le conduire à décider que le débiteur en demeure serait seul
tenu des intérêts moratoires. On dit que la disposition de l’art. 1207 est nécessaire pour que la solidarité
atteigne son but, qui est de permettre au créancier d’obtenir, en poursuivant un seul des codébiteurs, les
mêmes résultats que s’il agissait contre tous. Mais la disposition de l’art. 1205 suppose qu’en matière
de dommages-intérêts, le législateur n’a pas admis ce point de vue. Donc, si l’on rapproche l’une de
l’autre les dispositions des art. 1205 et 1207, on doit reconnaître qu’elles sont disparates” (BAUDRY-
LACANTINERIE, G.; BARDE, L. Traité théorique et pratique de droit civil, XII, Des obligations. 3. ed. Paris:
Sirey, 1906. t. I. p. 342-343 – em tradução livre: “Vários autores chegam a pensar que é possível justificar
do ponto de vista jurídico a previsão do art. 1.207, ainda que a representação recíproca dos codevedores
decorra de mandato que se presume terem-se dado ad pertuandam, e não ad augendam obligationem.
Assim raciocinam: Em primeiro lugar, desde que o legislador pague as indenizações que serão devidas
pela mora no cumprimento das obrigações de quantias em dinheiro, pode dizer-se que os devedores
solidários consentiram, por tácita sanção cláusula, a dever os juros pelo simples fato de estes terem sido
solicitados a um deles. Assim, a partir do momento em que surge a obrigação, esta pode incluir os juros da
dívida. Isto é, de resto, necessário para que a solidariedade alcance o seu fim, porque esse fim é permitir
ao credor obter, agindo contra um único codevedor, os mesmos resultados que teria se atuasse contra
todos. Mas, a nosso ver, o disposto no art. 1207 é incompatível com o do art. 1.205. Os juros de mora
nada mais são do que a indenização concedida pelo atraso no cumprimento da obrigação. No caso do art.
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de que, tanto as perdas e danos como os juros teriam papel indenizatório, o que
contrastaria com a distinção de regimes.
A perspectiva funcional mostra-se, com efeito, a mais apropriada para avalia-
ção da distinção normativa. Embora seja incontroversa a função essencialmente
indenizatória das perdas e danos, o mesmo não se pode afirmar no que tange aos
juros moratórios. Discute-se em doutrina se os juros moratórios servem somente
a indenizar o credor pela privação injustificada de sua prestação ou se desempe-
nhariam ainda papel coercitivo, de modo a compelir o devedor a cumprir e sancio-
nar eventual enriquecimento sem causa decorrente da retenção da prestação.110
Dessa forma, não sendo da essência dos juros moratórios a função indenizatória
própria das perdas e danos, a distinção de regime poderia justificar-se.
Essa abordagem permite igualmente compreender porque, mesmo sem ex-
pressa previsão legal, a doutrina brasileira costuma reconhecer que todos os de-
vedores solidários respondem pela cláusula penal, ainda que a inexecução seja
imputável somente a um deles.111 A cláusula penal, dessa forma, segue o mesmo
regime dos juros moratórios, em lugar do regime aplicável às perdas e danos, por-
que, ainda que possa vir a desempenhar função indenizatória, esta não é da sua es-
sência, já que o regime normativo aplicável à multa contratual no Brasil compreende
tanto as cláusulas com função indenizatória como aquelas com função coercitiva.
1.205, a indenização não é devida pelos devedores que não tenham sido inadimplentes. Logicamente,
o mesmo deveria ocorrer na hipótese prevista no art. 1.207. Se, no primeiro caso, o legislador assim se
pronunciou, é porque a residência de um dos coobrigados não deveria aumentar a obrigação em relação
aos demais. A mesma razão deveria levá-lo a decidir que o devedor faltoso seria o único responsável
pelos juros de mora. Diz-se que o disposto no art. 1.207 é necessário para que a solidariedade alcance
seu objetivo, que é permitir que o credor obtenha, processando apenas um dos codevedores, os mesmos
resultados como se estivesse agindo contra todos eles. Mas a disposição do art. 1205 assume que o
Parlamento não aceitou esta visão em danos. Portanto, se lermos juntas as disposições dos ss. 1205 e
1207, devemos reconhecer que são díspares”).
110
TEPEDINO, Gustavo; VIÉGAS, Francisco. Notas sobre o termo inicial dos juros de mora e o artigo 407 do
Código Civil. Scientia Iuris, Londrina, v. 21, n. 1, p. 59-60, mar. 2017.
111
Entre tantos, FULGÊNCIO, Tito. Das modalidades das obrigações. In: LACERDA, Paulo de (Coord.). Manual
do Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: São José, 1927. v. X. p. 308; SILVA PEREIRA, Caio Mário.
Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. II. p. 157.
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112
Ilustrativamente, BGB, §§323 e 324, CCf, art. 1224 e ss.
113
Art. 476. “Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode
exigir o implemento da do outro”.
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114
ROPPO, Vincenzo. Il contratto. Milano: Giuffré, 2001. p. 986.
115
Explica Pontes de Miranda: “[...] nem todas as dívidas e obrigações que se originam dos contratos bila-
terais são dívidas e obrigações bilaterais, em sentido estrito, isto é, em relação de reciprocidade. A con-
traprestação do locatário é o aluguel; porém não há sinalagma no dever de devolução do bem locado, ao
cessar a locação, nem na dívida do locatário por indenização de danos à coisa, ou na dívida do locador por
despesas feitas pelo locatário. A bilateralidade – prestação, contraprestação – faz ser bilateral o contrato;
mas o ser bilateral o contrato não implica que todas as dívidas e obrigações que dele se irradiam sejam
bilaterais” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Atualização de Nelson
Nery Junior e Rosa Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. XXXIII. p. 206).
116
Destaca Miguel Maria de Serpa Lopes: “A circunstância de ter ou não havido culpa ou dolo por parte do
autor exceto, é indiferente, pois que o dolo ou a culpa não são elementos essenciais à sua arguição.
Tudo quanto se requer é o fato de ter o autor acionado a outra parte contratante sem, preliminarmente,
haver realizado a prestação que concomitantemente lhe cumpria efetuar” (SERPA LOPES, Miguel Maria de.
Exceções substanciais: exceção de contrato não cumprido. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. p. 284).
117
Tal perspectiva é desenvolvida por AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento
do devedor – Resolução. 2. ed. 2. tir. Rio de Janeiro: Aide, 2004, ao longo da obra, apresentando a
resolução como consequência de fato superveniente à celebração do contrato, com efeito extintivo sobre
a relação bilateral.
118
Tal o pensamento extraído de Pontes de Miranda, com as referências aos artigos do Código Civil anterior,
equivalentes aos preceitos atuais do Código Civil de 2002, assim redigido: “há, nos contratos bilaterais, a)
a pretensão à prestação devida mais a pretensão às perdas e danos pela mora (art. 956); b) a pretensão à
indenização total (falta da prestação mais perdas e danos pela mora), que o credor, se não tem interesse
na prestação (art. 956, parágrafo único, verbis ‘se tornar inútil ao credor’), pode preferir; ou, sempre, por
em alternativa a favor do devedor; c) exercível a seu libito, a pretensão à resolução do contrato bilateral
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(art. 1.092, parágrafo único)” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado.
Atualização de Nelson Nery Junior e Rosa Nery. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. XXXIII. p. 261).
119
Tal era o pensamento de BESSONE, Darcy. Do contrato. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 117. A crítica
à sua concepção é atribuída a “dois equívocos que andam juntos: a confusão entre os suportes fáticos
que ensejam a execução específica e a resolução, e a questionável interpretação da expressão “preferir
exigir-lhe o cumprimento” (TERRA, Aline de Miranda Valverde. Execução pelo equivalente como alternativa
à resolução: repercussões sobre a responsabilidade civil. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil,
Belo Horizonte, v. 18, out./dez. 2018. p. 51-52).
120
Em crítica à associação, afirma Menezes Cordeiro: “A ideia de que, havendo resolução, não faria sentido
optar pelo interesse positivo ou do cumprimento... por se ter desistido do contrato é puramente formal
e conceitual. Com efeito, o incumprimento acarreta danos. Perante eles, há que prever uma indenização
integral. A pessoa que resolva o contrato apenas tenciona libertar-se da prestação principal que lhe in-
cumba: não pretende, minimamente, desistir da indenização a que tenha direito. A regra é, pois, sempre
a mesma, simples e justa: o incumprimento, que se presume culposo, obriga a indemnizar por todos os
danos causados. Ficarão envolvidos os danos negativos ou de confiança e danos positivos ou de cumpri-
mento, cabendo, caso a caso, verificar até onde vão uns e outros” (MENEZES CORDEIRO, Antonio. Tratado
de direito civil. Direito das obrigações – Introdução sistema e direito europeu – Dogmática geral. Coimbra:
Almedina, 2012. v. VI. p. 163).
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art. 475 espectro de incidência mais tímido que aquele que lhe tem sido atribuído,
ou seja, o dispositivo limita-se a estabelecer o direito potestativo à escolha, pelo
contratante, do mecanismo extintivo – resolutório ou com a execução pelo valor
equivalente à prestação inadimplida, sem que tivesse pretendido o codificador, no
mesmo preceito, definir, para cada uma das opções de extinção, as formas inde-
nizatórias pelo interesse positivo e negativo. Tal definição, muito provavelmente,
como tem se orientado a jurisprudência, subordina-se ao material probatório dis-
ponível no caso concreto, sendo induvidosamente mais fácil, e por isso mais fre-
quente, a comprovação dos interesses negativos do que dos interesses positivos
a que necessariamente faria jus o contratante com a extinção do contrato. Em par-
ticular, havendo previsão de cláusula penal compensatória, deve-se ter em vista o
cenário ao qual ela se destina (no mais das vezes subordinado à resolução), sob
pena de a sobreposição de planos conturbar os resultados obtidos, ensejando in-
quietante acumulação dos efeitos da execução integral do contrato com a respon-
sabilidade por sua extinção.
8 Apontamentos conclusivos
O aprofundamento setorizado nos efeitos da inexecução da obrigação não
pode prescindir do constante olhar do estudioso para o sistema como um todo,
de modo a assegurar harmonia e coerência nas escolhas legislativas e interpreta-
tivas. O sistema brasileiro relativo à patologia das relações obrigacionais parte da
distinção entre os efeitos decorrentes da inexecução da prestação e aqueles as-
sociados à imputabilidade do devedor, mesmo diante do alargamento desse nexo
de atribuição pelo processo de objetivação da responsabilidade civil. Nesta seara,
abordou-se a excludente de responsabilidade por caso fortuito, temperada pela in-
ternalização dos riscos intrínsecos à atividade do devedor, bem como a liberação
do devedor pela impossibilidade, conceito relativizado pela boa-fé para incorporar
a proporcionalidade dos esforços para o cumprimento da prestação.
Associados à imputabilidade do devedor, encontram-se os efeitos da mora,
na acepção peculiar empregada pelo legislador brasileiro, que compreende a exe-
cução inexata da obrigação. Nesse âmbito, a liberação da responsabilidade pela
prestação, a despeito da tumultuada redação do dispositivo legal, associa-se so-
mente à difícil prova da causa virtual, eis que se inimputável sequer estaria o cre-
dor em mora. Da mesma forma, a perda do interesse que converte a mora em
inadimplemento absoluto deve ser interpretada com atenção, de modo a equilibrar
o risco de extinção arbitrária da obrigação pelo credor em virtude de atraso pouco
significativo com a liberação do credor do vínculo com o devedor impontual que
resiste a purgar a mora.
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