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Definição tradicional de conhecimento

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A definição tradicional ou clássica ou tripartite de conhecimento surgiu com Platão, principalmente em seu diálogo Teeteto.[1] Essa definição percorreu toda a história da filosofia, só tendo sido relevantemente colocada em questão pelo assim chamado problema de Gettier em 1963.

Segundo a definição tradicional o conhecimento é crença verdadeira justificada. Isso parece intuitivo: uma pessoa A realmente sabe uma proposição p se: (i) p for uma proposição verdadeira. (Afinal, não podemos saber algo que é falso, como que a terra é plana); (ii) se A acreditar que p é uma proposição verdadeira. (Não faz sentido dizer: "sei que a terra é redonda, mas não acredito nisso"); (iii) se A tiver uma justificação para a verdade de sua crença (por exemplo: "Sei que a terra é redonda por causa das fotos tiradas por satélites").[2]

Embora cada uma das condições pertencentes à definição tradicional já tenham sido objetada, essas objeções nunca chegaram a ser convincentes. A objeção à definição de conhecimento que foi realmente eficaz e que moveu a comunidade filosófica foi a de Edmund Gettier (1963). Ela constitui-se de exemplos nos quais as três condições da definição tradicional são satisfeitas, mesmo assim não havendo conhecimento. Um contraexemplo do tipo Gettier:[3] uma pessoa liga a televisão a tempo de ver o final do campeonato brasileiro de futebol. Ela vê o Flamengo vencer. É verdade, o Flamengo acabou de vencer o campeonato deste ano. Ela acredita nisso. E ela possui uma justificação razoável. Pela definição tradicional a pessoa sabe que o Flamengo venceu o campeonato, mas a verdade é que ela não sabe. O canal que ela ligou não era o que estava passando o jogo atual do Flamengo, mas a final do jogo do campeonato brasileiro do ano passado, o qual também foi ganho pelo Flamengo.

O problema fundamental com esse e com outros exemplos do tipo Gettier é que a justificação apresentada por A não tem nada a ver com aquilo que torna a proposição p verdadeira. Defensores da definição tradicional de conhecimento procuraram então meios de associar a justificação com a verdade da proposição.

Uma primeira tentativa nesse sentido foi feita por R. F. Almeder.[4] Segundo esse autor a justificação adequada deve acarretar (entail) a verdade de p. Cedo foi percebido que essa tentativa era inadequada, uma vez que ela torna impossível a justificação de nosso conhecimento empírico. Nesse conhecimento as justificações são geralmente indutivas e não tem a força de acarretar (de garantir) a verdade de p.

Uma alternativa muito mais eficaz em defesa da definição tradicional foi sugerida em 1991 por Robert Fogelin.[5] De acordo com esse autor há sempre um avaliador da pretensão de conhecimento de A (que pode ser ele mesmo em um momento anterior), que sabe mais do que A e assim percebe que a justificação por ele fornecida é inadequada. Por exemplo, uma pessoa sabe que A tinha ligado o canal errado da televisão, que passava apenas um play-back da final do ano anterior. Essa pessoa poderá afirmar que A não sabe que p por perceber que a sua justificação não é suficiente para tornar a proposição p verdadeira. A definição tradicional pode assim ser complementada como: A sabe que p = (i) p é verdadeira; (ii) A acredita que p seja verdadeira; (iii) A possui uma justificação para p; (iv) a justificação apresentada por A estabelece a verdade de p para quem avalia a pretensão de conhecimento de a.

A sugestão de Fogelin pode ser precisada. A justificação apresentada por A deve poder ser considerada pelo avaliador da pretensão de conhecimento como sendo suficiente para tornar a proposição p verdadeira; além disso ela será dependente do tempo em que a avaliação for feita, posto que aquilo que o avaliador considera suficiente pode variar.[6] Seja como for, a espécie de refinamento proposta por Fogelin pode ser entendida como uma interpretação da definição tradicional de conhecimento na qual o conceito de justificação é entendido de maneira mais forte do que a de Gettier e mais fraca do que a de Almeder, o que em princípio salva a definição tradicional do problema de Gettier.

Referências

  1. Plato, (ed.) E. Hamilton, C. Huntington (1989). The Collected Dialogues of Plato. Princeton, N.J.: Princeton University Press. pp. 845–929 
  2. Williams, Michael (2001). Problems of Knowledge: A Critical Introduction to Epistemology. Oxford: Oxford University Press. p. 16 
  3. Dancy, Jonathan (1985). An Introduction to Contemporary Epistemology. Oxford: Blackwell. p. 25 
  4. Almeder, R. F. «"Truth and Evidence"». Philosophical Quarterly 24, 1974, pp. 365-368. 
  5. Fogelin, Robert (1991). Pirrhonian Reflections on Knowledge and Justification. Oxford: Oxford University Press. pp. Chap. 1 
  6. Costa, Claudio (2014). Lines of Thought: Rethinking Philosophical Assumptions. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing. pp. 113–134 
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