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Invenção de Orfeu

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Invenção de Orfeu
Autor(es) Jorge de Lima
Idioma português
País  Brasil
Gênero Poesia épica
Editora Livros de Portugal
Lançamento 1952
Páginas 431
ISBN 978-85-5652-042-5

A Invenção de Orfeu é um livro de Jorge de Lima publicado em 1952. Descrita como a sua obra máxima, é marcada pela diversidade de formas, referências e extensão. Jorge de Lima procura uma nova forma de poesia em uma ilha utópica, onde propõe a superação do individualismo e hostilidade, abrindo espaço a uma nova ordem: mais solidária e sensível.[1] Nesse seu último livro antes de sua morte, o exercício poético se volta para o oceano íntimo, em busca da ilha essencial e inacessível aos poderes que governam o seu tempo e o seu mundo.[2]

Longe de qualquer linearidade, traça um percurso feito de ciclos que se enovelam em torno de alguns temas e imagens que se repetem.[2]Sua raiz parnasiana se manifesta pelo rigor métrico na quase totalidade dos versos do livro e pela grande presença de sonetos. Esse aparente paradoxo é um dos traços marcantes da obra no contexto do Modernismo e no Pós-Modernismo, no sentido de fundir o contemporâneo à tradição ao enquadrar uma linguagem semântica e sintaticamente difícil em uma fluência rítmica regular.[3]

O livro consiste na jornada do Poeta rumo à construção da obra, uma conquista da própria realização artística. Torna-se porta-voz super-humano, servindo por vezes a Deus e noutras a Orfeu. O poema a ser construído tem um objetivo artístico mas também um caráter de missão. O Poeta multiplica-se em vozes, pois essa é uma das características de sua tarefa. Faz também parte da missão o sacrifício: tornar-se porta-voz acarreta um grau de sofrimento pessoal.[3] Nesse livro, Lima arquiteta seu projeto mais ambicioso: interpretar as dores coletivas em uma biografia épico-lírica.[1]

O mito de Orfeu

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John William Waterhouse, Ninfas encontrando a cabeça de Orfeu, pintura de 1900.

Filho de Calíope, uma das noves musas criadoras da poesia lírica e épica, Orfeu é o músico de acordes que encantava a todos os ouvintes de modo arrebatador. Espalhava poesia por onde passava, versos que expressavam um amor devoto a sua amada, a mais desejada de todo universo: Eurídice. Envolto em tristeza por sua partida, disseminava conselhos amorosos, gemidos de lamento em canto triste declarando a sua inexistência frente a mulher amada.[4][5]

O pesquisador Junito Brandão diz que ao regressar da expedição dos Argonautas, Orfeu casou-se com a ninfa Eurídice, considerando-a como a metade de sua alma. A unificação das almas não apenas demonstra o alto teor romântico que envolve o casal, mas também da tom a dor sentida por Orfeu após a separação.[5]

Segundo Virgílio, da perseguição do apicultor Aristeu, Eurídice pisa em uma serpente e não resiste ao veneno, morre prematuramente. Ao saber da morte de sua musa e esposa, Orfeu se mantém em silêncio, largando sua lira. É apenas após um período emudecido que retoma seu potencial poético. Comovidos com a prova de amor, Plutão e Perséfone concordam em tirar Eurídice do inferno de Hades, devolvendo-lhe a vida.[5]

Porém, no acordo feito para o regate, Orfeu não poderia olhar para sua esposa até saírem totalmente de Hades. O olhar do músico à amada antes do portão da saída a leva para uma segunda morte e decreta a separação definitiva do casal. Após a separação do casal, as bacantes insistem em seduzir Orfeu. Com a recusa, despedaçam. Mesmo despedaçado, sua cabeça teria continuado a flutuar no oceano pronunciando versos à amada, Eurídice.[5]

Albrecht Dürer, A Morte de Orfeu, desenho produzido em 1494. Kunsthalle, Hamburgo, Alemanha. Seria uma reprodução de um original perdido do mestre italiano Andrea Mantegna.

Da antiguidade à modernidade

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O historiador de arte alemão, Aby Warburg acredita que algumas expressões emotivas da arte clássica migraram para a modernidade. Encara a Morte de Orfeu como um dos tesouros redescobertos reproduzido em larga escala. Em seu principal trabalho, o Atlas Mnemosyne, Warburg traça um paralelo das emoções básicas transportadas através do tempo pela civilização ocidental. Pathosformel é o nome dado por Warburg ao reavivamento da Antiguidade. Feitas de tempo, são cristais de memória histórica.[5]

Na obra de Albrecht Dürer, Orfeu se encontra encurralado diante do ataque de duas bacantes. Ajoelhado, com a mão direita apoiada no chão, mantém o braço esquerdo erguido em direção ao seu rosto, sinalizando uma tentativa de defesa. Seu rosto carrega a expressão de pavor diante da iminente morte.[5]

No canto esquerdo uma criatura pequena, que aparenta ser uma criança ou mensageiro, corre na direção oposta ao ataque. Com a cabeça voltada para trás, parece fugir da cena trágica. No fundo, há uma árvore com um livro aberto e apoiado em seu tronco, com uma bandeirola estendida com a descrição: Orfeu der erst puseran, Orfeu o primeiro pederasta. No chão, frente a Orfeu, sua lira.[5]

Esse mito órfico atravessa a Antiguidade clássica e suas reminiscências seguem à contemporaneidade, atingindo até a poesia brasileira modernista.[4]

Há quem se espante pelos vários nomes possíveis do livro de Jorge de Lima, o nome oficial, foi escolhido por Murilo Mendes, que hesitou entre: Cosmogonia, Canto geral ou Invenção de Orfeu, venceu o último. Mas mesmo assim, Jorge de Lima tratou de colocar subtítulos ao livro: Biografia Épica, Biografia Total e Não, Uma Simples Descrição de Viagem, Ou de Aventuras. Biografia com Sondagens; Relativo, Absoluto e Uno, Mesmo o Maior Canto é, Denominado - Biografia.[2]

Desde o título, a Invenção de Orfeu aborda o tema da criação: do cosmo, do indivíduo, da cultura, do Brasil e do próprio Poema. Jorge de Lima alterna seu foco entre diferentes tempos, lugares e referências. Num momento, estamos na origem do Brasil, noutro, na origem do mundo; por vezes o autor dialoga diretamente com Os Lusíadas, com Virgílio ou com a Bíblia.[3]

A ilha referida no título do primeiro canto é um exemplo de metáfora a múltiplos significados que nos posicionam frente à temática da criação. Ela pode aparecer como o Brasil, como o berço da civilização, ou como origem pessoal, a infância ou formação do indivíduo. Por exemplo, no segundo poema do Primeiro Canto, está claro a ilha ser uma metáfora para a formação do Brasil:[3]

2[6]

A ilha ninguém achou

porque todos a sabíamos

Mesmo nos olhos havia

uma clara geografia.

(...)

Indícios de canibais,

sinais de céu e sargaços

aqui um mundo escondido

geme num búzio perdido.


Rosa de ventos na testa,

maré rasa, aljofre, pérolas,

domingos de pascoelas.

E esse veleiro sem velas!


Afinal: ilha de praias.

Quereis outros achamentos

além dessas ventanias

tão tristes, tão alegrias?

Bem como grande parte de sua obra anterior, a Musa, figura central do poema, tem a função de guiar o Poeta pelas profundezas do universo imaginativo.

O livro representa uma tentativa do autor em criar um novo mundo verbal e um novo mundo real melhor e mais humanizado, uma ilha. Jorge de Lima, nessa ilha, se cerca no diálogo com obras da poética clássica: a Divina Comédia, de Dante, a Eneida e As Geórgicas de Virgílio, Os Lusíadas, de Camões, o Paraíso Perdido, de Milton. Além de obras e autores da poesia moderna, como Lautréamont, Rimbaud, Eliot e Pound.[1][3]

A linguagem de Invenção de Orfeu coloca o poeta e a sua poesia em linha direta com o Modernismo, não o brasileiro da fase de 22, mas o mundial.[3] Faz uso da montagem, da superposição de diferentes moldes poéticos: do alexandrino clássico, da redondilha popular, das sextilhas trovadorescas, do soneto, da estrofe única e longa. A ilha, criada por Jorge de Lima carrega um sentido utópico, já que propõe uma nova possibilidade para os seres humanos, entre elas a de superação do individualismo, da hostilidade, estabelecendo uma nova ordem, mais solidária e mais sensível, similar à da arte. Unindo as influências surrealistas que procuram uma nova forma à poesia, com os dogmas católicos que procuram a origem, a Invenção de Orfeu é composta.[1]

O próprio Jorge de Lima emprega no poema o termo palimpsesto (Canto I, poema XXIX) que pode ser usado para definir o processo de composição de Invenção de Orfeu. Como nos pergaminhos da antiguidade, Jorge de Lima escreve sobre as marcas não completamente apagadas de outros textos, de modo a deixar transparecer em seu poema a presença de obras anteriores. Não se limitando a citar as obras: ele as recria, modifica e reescreve.[7]  A leitura dos poemas resulta numa grande canção que despeja um universo de imagens construindo a trajetória do poeta no fazer poético.[3]

Modernização da epopeia

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A peculiaridade da forma em Invenção de Orfeu pode ser atribuída à maneira singular como Jorge de Lima mescla o lírico, o épico e também o dramático, o que constitui sua diferença em relação às outras obras, inclusive àquelas que lhe servem de modelo. Assim, o cruzamento das tradições que moldaram a face do Ocidente serve de base ao poema. Invenção de Orfeu acaba se tornando um catálogo de mitos e de formas.[8]

Jorge de Lima compreendeu que para modernizar a epopeia, seu livro fugiria da tradição estabelecida por Homero e descrita por Aristóteles. Por isso, integrou também ao texto uma reflexão metalinguística sobre a unidade poética que buscava. A modernização começa pela superfície do texto, Lima contraria a regularidade métrica característica do gênero épico. Subdivide o livro em Cantos, de variadas medidas, e altera tanto os versos quanto estrofes continuamente ao longo da obra.[8]

O livro é composto em dez cantos de formas poéticas múltiplas, mundos particulares e místicos, distribuídos por temas e motivos:

Cantos Versos Número total de Poemas Poemas de estrofes uniformes Poemas de estrofes combinadas (incluindo sonetos) Poemas de estrofes livres Poemas de estrofe única
I Fundação da Ilha 1.788 39 13 12 7 7
II Subsolo e supersolo 1.005 20 4* 10 3 3
III Poemas relativos 675 27 6 7 3 11
IV As aparições 984 28* 5 21 1 1
V Poemas da vicissitude 609 18 6 7 3 4
VI Canto da desaparição 552 11 1 4 3 3
VII Audição de Orfeu 659 14 3 7 4 0
VIII Biografia 2.286 1 1 0 0 0
IX Permanência de Inês 144 1 1 0 0 0
X Missão e promissão 1.335 20 7* 4 3 6
Total 10.037 179 50 67 27 35

Os asteriscos assinalam pequenas irregularidades na classificação.[3]

Com base na Tabela, seus dez cantos são constituídos de 10.037 versos. Dois dos Cantos, o VII e o IX, são compostos de um único poema. O poema intitulado Biografia, o mais longo da obra com 2.286 versos, é todo composto por sextilhas em decassílabos, sem rimas regulares. Já a poesia única do Canto IX, Permanência de Inês, tem 144 versos distribuídos em 18 estrofes com metro e estrutura de rimas idênticas aos de Os Lusíadas. Há um grande número de sonetos: 66, no total.[3]

Conforme os cantos avançam, a extensão dos poemas aumenta. O último Canto, Missão e promissão, por exemplo, apresenta o maior número de poemas longos. Esse desenvolvimento condiz com a tarefa do Poeta que já está consolidada pela sua jornada.[3]

Recepção Crítica

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Em comparação à fortuna crítica de outros poetas como, Drummond, Quintana, João Cabral e Bandeira, o disponível sobre Jorge de Lima é muito pequeno. Uma das razões possíveis para desatenção da crítica pode ser atribuída a um dos elementos chave da obra do poeta: a religiosidade.[3]

No século conhecido pelo avanço do materialismo e das grandes orientações filosóficas ao redor de Marx e Freud, as obras de Murilo Mendes e Jorge de Lima receberam pouca atenção. No entanto, não surpreende que num universo de orientação materialista o tema da religiosidade tenha sido tratado com desprezo ou como algo menor, posto de lado. Contudo, é importante ressaltar que a religiosidade não é o tema principal da obra, mas apenas um dos aspectos.[3]

A obra publicada em 1952, foi republicada em 1958, pela editora Aguilar, incluindo os ensaios da primeira edição: o de Murilo Mendes e de João Gaspar Simões, além dos novos de Euríalo Cannabrava e Waltensir Dutra. Os ensaios ressaltam o valor poético e a complexidade da obra, mas nenhum deles analisa o texto o detalhe.[3]

Coube a Mário Faustino, ainda nos anos 50, um estudo mais detalhado da obra de poesias, passando por todos os Cantos e analisando todo material poético. Porém, mesmo que declare que Invenção de Orfeu seja o maior livro de poesia brasileira escrito, não vê unidade temática no livro e atribui inúmeros excessos e falhas ao livro.[3]

O primeiro livro inteiramente dedicado ao poema é Leitura de 'Invenção de Orfeu' coordenado por Dirce Côrtes Riedel. Publicado em 1975, é o primeiro trabalho acadêmico sobre a obra, mostrando o descaso crítico e universitário em relação à obra e mesmo assim, trata-se de um livro de ensaios. O primeiro estudo extenso da obra aparece apenas em 1978, escrito por Luiz Busatto, Montagem em Invenção de Orfeu, analisa as inserções diretas e indiretas que Jorge de Lima extraiu de suas principais referências.[3]

Após o livro de Busatto, apenas em 1997 surge outro estudo, o livro O engenheiro noturno. De Fábio de Souza Andrade, é um estudo sobre a lírica final de Jorge de Lima, analisa seus dois últimos livros: o Livro dos Sonetos e a Invenção de Orfeu. O autor identifica na imagem e na metáfora a chave de compreensão da leitura:

Os catorze versos e a épica tradicional reaparecem no contexto do desenvolvimento de uma dicção nova, estranha e singular, em que as múltiplas referências de uma modalidade própria da imagem poética - ambígua, complexa - fundam uma segunda realidade, que pouco tem a ver com a representação de um ordenamento realístico do mundo.[3]

Em 2003, o livro de José Niraldo de Farias, O surrealismo na Poesia de Jorge de Lima aprofunda um tema até então apontado superficialmente. Nesse estudo, o autor fornece referências concretas para o estudo da relação do surrealismo com a poética do autor.[3]

A maior parte dos artigos, dissertações e teses sobre o livro foram publicados já no século XXI.[3]

A ausência de reedições

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A escassez de estudos específicos é seguida pela ausência de reedições. Depois da edição da Aguilar em 1958, a obra poética do autor só foi reeditada em 1980, nos dois volumes de Poesia Completa, pela Nova Fronteira. Invenção teve ainda outra edição pela Ediouro e outra pelo Círculo do Livro. É apenas na primeira década do século XXI que a obra poética de Jorge de Lima volta a ser reeditada. Em 2005, pela Editora Record sai uma nova edição de Invenção de Orfeu, com um prefácio de Claudio Murilo Leal.[3]

Em 2013, nos 50 anos de morte do autor, a Editora Cosac Naify iniciou a reedição de sua obra completa e publicou Invenção de Orfeu, com estabelecimento de texto e posfácio de Fábio de Souza Andrade, além da reedição do estudo de Mário Faustino.[3] Já em 2017, pelo selo Alfaguara, a Companhia das Letras publica uma nova edição, ainda com o estabelecimento do texto e posfácio de Fábio de Souza Andrade. Acrescenta três ensaios de Murilo Mendes e um excerto de José Guilherme Merquior.

  • Andrade, Fábio de Souza. O engenheiro noturno: a lírica final de Jorge de Lima. São Paulo: Edusp, 1997.
  • Busatto, Luiz. Montagem em Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural, 1978.  
  • Faustino, Mario. Revendo Jorge de Lima. In: ___. Poesia-experiência. São Paulo: Perspectiva, 1977.  
  • Lobo, Luiza. O clássico e o moderno em Invenção de Orfeu. In: Crítica sem juízo. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993.

Teses e dissertações

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Referências

  1. a b c d Cavalcanti, Luciano Marcos Dias. Invenção de Orfeu: a “utopia” poética na lírica de Jorge de Lima. São Paulo: Unicamp, 2007, Tese
  2. a b c Longo, Mirella Márcia. Sobre Invenção de Orfeu. Estudos Avançados, 2014.
  3. a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t Pianta, Carlo Machado. Representações do feminismo em Invenção de Orfeu: uma abordagem junguiana. Porto Alegre: UFRGS, 2014, Tese.
  4. a b Neves, Mauricélia Ferreira das. Compasso de Orfeu: a poesia de Vinicius de Moraes nos acordes do mito. Rio de Janeiro: UERJ, Dissertação, 2014.
  5. a b c d e f g Neves, Mauricélia Ferreiras das. Imagens de Orfeu na Poesia de Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes e Jorge de Lima. Rio de Janeiro: UFRJ, Tese, 2019
  6. Lima, Jorge de (2017). Invenção de Orfeu. Rio de Janeiro: Alfaguara. p. 16-7. ISBN 978-85-5652-042-5 
  7. Sá, Lúcia de. Invenção de Orfeu e o palimpesto indígena. Luso-Brazilian Review, 2000.
  8. a b Sterzi, Eduardo. Invenção de Orfeu: uma epopéia moderna? Organon, 2001

Ligações externas

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