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Lusíadas

O documento resume a estrutura da epopeia "Os Lusíadas" de Camões. Apresenta os principais elementos formais da obra, incluindo a natureza narrativa extensa dividida em dez cantos em oitavas decassilábicas. Detalha também a estrutura interna com a proposição, invocação e dedicatória, além de quatro planos narrativos sobre a viagem, história de Portugal, mitologia e reflexões do poeta.

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Lusíadas

O documento resume a estrutura da epopeia "Os Lusíadas" de Camões. Apresenta os principais elementos formais da obra, incluindo a natureza narrativa extensa dividida em dez cantos em oitavas decassilábicas. Detalha também a estrutura interna com a proposição, invocação e dedicatória, além de quatro planos narrativos sobre a viagem, história de Portugal, mitologia e reflexões do poeta.

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Os Lusíadas

Epopeia:

Natureza:
•  Poema narrativo extenso:
•  retrata acontecimentos mitológicos, lendários ou históricos e
ações heroicas;
•  o protagonista da epopeia apresenta algumas afinidades com
os deuses ou os heróis mitológicos;
•  essencial recurso ao maravilhoso;
•  partes constituintes: Proposição, Invocação, Dedicatória
(opcional) e Narração in media res.
Estrutura da obra

•  Estrutura externa:
•  dez cantos;
•  estâncias (estrofes) – oitavas;
•  versos – decassilábicos (heroicos – acentuados na sexta e
décima sílabas);
•  esquema rimático – abababcc

•  Estrutura interna:
•  Proposição – estâncias 1-3 – o poeta explicita o que se propõe a cantar;
•  Invocação – estâncias 4-5 – o poeta pede inspiração às musas (Tágides)
para escrever a sua epopeia (outras invocações presentes na obra: C.III,
est.1-2 - Calíope; C.VII, est. 78-87 – ninfas do Tejo e do Mondego; C.X,
est. 8-9 – Calíope);
•  Dedicatória – estâncias 6-18 – o poeta dedica a obra a D. Sebastião;
•  Narração – a partir da estância 19 – a armada já se encontra no Canal de
Moçambique – narração in media res.
Estrutura da obra

•  Quatro planos:
•  Plano da Viagem – partida de Belém, paragem em Melinde,
chegada a Calecute e regresso a Portugal;

•  Plano da História de Portugal – surge encaixado no plano da


viagem. Momentos em que é narrada a história de Portugal;

•  Plano da Mitologia – surge interligado com o plano da viagem e


pontualmente com o da história de Portugal. Momentos em que os
deuses intervêm;

•  Plano da Reflexões do poeta – surge, normalmente, em final de


canto. Momentos de considerações de carácter didático e crítico do
poeta.
Visão Global
Canto I
– O poeta indica qual o assunto da obra (Proposição);
– Camões pede inspiração às Tágides (Invocação);
– O poeta dedica a obra a D. Sebastião (Dedicatória);
– Início da Narração:
– Consílio dos deuses no Olimpo a fim de decidirem o destino dos
portugueses;
– Baco opõe-se, mas Vénus e Marte apoiam a viagem dos portugueses;
– Profetiza-se a glória para os portugueses;
– As navegações chegam a Moçambique;
- Baco prepara uma armadilha, fornecendo aos portugueses um piloto que
os conduzirá ao porto de Quíloa;
– Intervenção de Vénus, que auxilia os portugueses a chegar a Mombaça;
– Final do canto – reflexão do poeta acerca dos perigos constantes que o
Homem enfrenta.
Proposição

Canto I, est. 1-3, o poeta propõe-se a “cantar” as glórias do povo português que
suplantou todos os outros heróis anteriores.

Parte obrigatória numa epopeia.

Proposição I Assonância – reforça a importância destes homens ilustres.

As armas, e os barões assinalados Todos os homens ilustres


Sinédoque – Que, saíram de Portugal
apresentar a Que, da Ocidental praia Lusitana,
parte pelo E foram por mares desconhecidos -
todo
Por mares nunca dantes navegados, navegadores

Mostra a bravura, Passaram além da já conhecida ilha de


Passaram ainda além da Taprobana, Ceilão
coragem, ousadia

Em perigos e guerras esforçados Enfrentaram perigos enormes,


Mesmo superiores ao seu estatuto de
H i p é r b o l e – Mais do que promeIa a força humana,
e x a g e r o d a ser humano – afasta-os do comum
realidade mortal
E entre gente remota edificaram
Construíram um novo império em
terras distantes. Um reino que
Novo Reino, que tanto sublimaram;
tanto desejaram
I n í c i o d a
miIficação
do herói A sinédoque e a hipérbole pretendem reforçar a grandiosidade e valor dos
portugueses perante a pequenez do país e do que se esperava deles – os
portugueses revelaram-se superiores a tudo e a todos.

ü O sujeito poéIco começa por apresentar os desInatários da epopeia, valorizando já os seus feitos e aproximando-os
de um estatuto acima do humano.
ü Fazem-se referências a factos históricos e locais concretos.
Gerúndio –
Enumeração – salienta a ação dos processo de
portugueses nos descobrimentos. conInuidade
II
E aqueles reis que esIveram
E também as memórias gloriosas envolvidos na reconquista
Conjunção Daqueles Reis que foram dilatando cristã
coordenaIva /nas cruzadas contra os
copulaIva – A Fé, o Império, e as terras viciosas mouros/infiéis em África e na
enumeração de Ásia
De África e de Ásia andaram devastando;
figuras a ser E aqueles que fazem obras com
exaltadas valor e que, por isso, não cairão
E aqueles que por obras valerosas
no esquecimento –
Se vão da lei da Morte libertando: imortalizam-se

-  Cantando espalharei por toda a parte.


Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.
MiIficação do herói – é
por obras gloriosas que O sujeito poéIco compromete-se a

os portugueses se exaltar, a louvar, a cantar os feitos


1ª pessoa do daqueles que enumerou anteriormente.
sublimam e se
singular –
superiorizam aos outros Usando a primeira pessoa – plano do
envolvimento do
poeta poeta.
Neptuno – deus do mar
III Marte – deus da guerra
Cessem do sábio Grego e do Troiano
Em tom imperaIvo,
As navegações grandes que fizeram; ordena que os
ImperaIvo
Cale-se de Alexandro e de Trajano clássicos suspendam
A fama das vitórias que Iveram; a sua fama, porque

Que eu canto o peito ilustre Lusitano, agora há um novo


Conjunção
subordinaIva A quem Neptuno e Marte obedeceram. povo que apresenta
causal (= porque)
feitos ainda mais
Apresenta a Cesse tudo o que a Musa anIga canta,
causa da valerosos.
desvalorização Que outro valor mais alto se alevanta.
Este é o povo a quem
dos clássicos
os próprios deuses
Os portugueses, PatrioIsmo, valores
1ª pessoa do obedeceram.
nacionais. – Perífrase; “peito” = alma,
singular –
envolvimento do coragem dos portugueses - Metonímia
poeta

ü  Para demonstrar a superioridade e a legiImidade da realização desta epopeia, o poeta compara


os feitos dos Portugueses aos de Ulisses, herói da Odisseia de Homero e aos de Eneias, o troiano
que, na Eneida de Virgílio, chegou ao Lácio e fundou Roma, ou seja compara o seu herói com os
heróis das epopeias de referência.
Proposição

• Canto I, est. 1-3,


• Camões proclama ir cantar as grandes vitórias e os homens ilustres – “as
armas e os barões assinalados”;

• •as conquistas e navegações no Oriente (reinados de D. Manuel e de D.


João III);

• •as vitórias em África e na Ásia desde D. João a D. Manuel, que dilataram “a


fé e o império”;

• e, por úlImo, todos aqueles que pelas suas obras valorosas “se vão da lei
da morte libertando”, todos aqueles que mereceram e merecem a
“imortalidade” na memória dos homens.
A proposição aponta também para os quatro planos da epopeia:

Plano da Viagem - celebração de uma viagem:


"...da Ocidental praia lusitana / Por mares nunca dantes navegados
/ Passaram além da Tapobrana...";

Plano da História - vai contar-se a história de um povo: "...o peito ilustre lusitano..."."...as
memórias gloriosas / Daqueles Reis que foram dilatando / A Fé, o império e as terras
viciosas / De África e de Ásia...";

Plano dos Deuses (ou da Mitologia) aos quais os Portugueses se equiparam:


"... esforçados / Mais do que promeFa a força humana..."."A quem Neptuno e Marte
obedeceram...";

Plano do Poeta - em que a voz do poeta se ergue, na primeira pessoa: "...Cantando


espalharei por toda a parte. / Se a tanto me ajudar o engenho e arte..."."...Que eu canto o
peito ilustre lusitano...".
Invocação
Canto I, est. 4-5, o poeta pede ajuda a enIdades mitológicas, chamadas musas,
neste caso, às ninfas do Tejo, as chamadas Tágides. Isso acontece várias vezes ao
longo do poema, sempre que o autor precisa de inspiração.

Invocações:

Tágides ou ninfas do Tejo (Canto I, est. 4-5);

Calíope - musa da eloquência e da poesia épica (Canto II, est. 1-2);


Ninfas do Tejo e do Mondego (Canto VII, est. 78-87);
Calíope (Canto X, est. 8-9);
Calíope (Canto X, est. 145).
Invocação estrofes 4-5
Função sintática – Vocativo
Invocar significa apelar, pedir, suplicar, por isso é
Figura de estilo - Apóstrofe
uIlizado o imperaGvo.
E vós, Tágides minhas, pois criado Nestas estrofes, Camões dirige-se às Tágides, as
Tendes em mi um novo engenho ardente ninfas do Tejo, pedindo-lhes que o ajudem a cantar
Se sempre, em verso humilde, celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente, os feitos dos portugueses de uma forma sublime.
Dai-me agora um som alto e sublimado Até aí apenas Inha usado a inspiração na humilde
Um esIlo grandíloco e corrente, lírica, mas agora precisa de uma inspiração superior.
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.
O esIlo da epopeia tem que ser:
Dai-me hua fúria grande e sonorosa, ü  “alto e sublimado”
E não de agreste avena ou frauta ruda,
ü  ”Um esIlo grandíloco e corrente.“
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda. ü  “fúria grande e sonorosa”
Dai-me igual canto aos feitos da famosa ü  “tuba canora e belicosa”
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no Universo
Se tão sublime preço cabe em verso.
Imperativo
Invocação estrofes 4-5
Anáfora - é uma figura de esIlo que consiste em repeIr a mesma
palavra ou expressão no início de frases ou versos sucessivos.

E vós, Tágides minhas, pois criado Esta anáfora, por estar a ser suportada através
Tendes em mi um novo engenho ardente
do imperativo, procura reforçar o apelo de
Se sempre, em verso humilde, celebrado
Foi de mi vosso rio alegremente, Camões às musas de modo a conseguir
Dai-me agora um som alto e sublimado escrever um “canto” que dignifique a glória dos
Um esIlo grandíloco e corrente, portugueses.
Por que de vossas águas Febo ordene
Que não tenham enveja às de Hipocrene.

Dai-me hua fúria grande e sonorosa,


E não de agreste avena ou frauta ruda,
ObjeGvo deste apelo:
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda. “Que se espalhe e se cante no Universo,/ Se
Dai-me igual canto aos feitos da famosa tão sublime preço cabe em verso”, ou seja,
Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no Universo Camões quer que a mensagem se espalhe e
Se tão sublime preço cabe em verso. que o o universo conheça os feitos dos
portugueses.
Sublimidade do canto:

•  Poema épico – estilo nobre e sublime (cf. Invocação, estr. 4-5);


•  pretende divulgar e valorizar os feitos dos portugueses, imortalizando os
seus heróis;

•  o canto celebra o homem, que vence os seus limites e os supera;

•  recurso a um registo lírico que melhor expressa os sentimentos em


episódios como o de Inês de Castro;

•  Camões acredita que a obra tem um caráter didático, por isso veicula
valores cívicos, éticos e culturais nas reflexões do poeta (tendo em conta
que o país já está em decadência).
Dedicatória
Canto I, est. 6-18, é o oferecimento do poema a D.
SebasIão, que encara toda a esperança do poeta,
que quer ver nele um monarca poderoso, capaz de
retomar “a dilatação da fé e do império” e de
ultrapassar a crise do momento.

Termina com uma exortação ao rei para que


também se torne digno de ser cantado,
prosseguindo as lutas contra os Mouros.

Exórdio (est. 6-8) - início do discurso;

Exposição (est. 9-11) - corpo do discurso;

Confirmação (est. 12-14) - onde são apresentados os exemplos;

Peroração (est. 15-17) - espécie de recapitulação ou remate;

Epílogo (est. 18) - conclusão.


Dedicatória estrofes 6-8

E vós, ó bem nascida segurança Apóstrofe


Da Lusitana anIga liberdade,
E não menos cerqssima esperança
De aumento da pequena Cristandade, Elogio a D.SebasIão
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade, D. SebasIão surge como a
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, esperança da conInuação da
Pera do mundo a Deus dar parte grande. dilatação do império português

Vós, tenro e novo ramo florecente,


De hua árvore, de Cristo mais amada PredesInação de Deus
Que nenhua nascida no Ocidente, para um futuro de glória
Cesária ou Cristianíssima chamada,
Vede-o no vosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele pera Si na Cruz tomou;

Vós, poderoso Rei, cujo alto Império


Sol, logo em nascendo, vê primeiro;
Vê-o também no meio do Hemisfério,
E, quando dece, o deixa derradeiro;
Vós, que esperamos jugo e vitupério Perífrase -
Do tope Ismaelita cavaleiro, turcos
Do Turco Oriental e do Gentio
Que inda bebe o licor do santo Rio:
9 ImperaIvo
Inclinai por pouco a majestade,
Que nesse tenro gesto vos contemplo,
Que já se mostra qual na inteira idade,
Quando subindo ireis ao eterno Templo; Pedido para que D. SebasIão olhe para
Os olhos da real benignidade estes versos e compreenda o amor à
Ponde no chão: vereis um novo exemplo pátria neles existente.
De amor dos pátrios feitos valerosos,
Em versos devulgado numerosos.

10
Vereis amor da pátria, não movido
De prémio vil, mas alto e quási eterno; A glorificação que Camões faz não se
Que não é prémio vil ser conhecido prende com ambições do “vil metal”, mas
Por um pregão do ninho meu paterno. sim com a vontade de sublimar a sua
Ouvi: vereis o nome engrandecido pátria (sendo que ser conhecido por isso
Daqueles de quem sois senhor superno, não é um “prémio vil”) – os portugueses
E julgareis qual é mais excelente, destacam-se de forma desinteressada.
Se ser do mundo Rei, se de tal gente.
A glorificação feita é verdadeira. Todos os
11
Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, feitos relatados são verídicos e, por isso,
Fantásticas, fingidas, mentirosas, são mais valerosos que outros já
Louvar os vossos, como nas estranhas sublimados.
Musas, de engrandecer-se desejosas:
As verdadeiras vossas são tamanhas
Que excedem as sonhadas, fabulosas, Elevação máxima dos portugueses – é
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro melhor ser rei do povo lusitano que ser rei
E Orlando, inda que fora verdadeiro.
do mundo.
12 •  D. Nuno Álvares Pereira
Por estes vos darei um Nuno fero, •  Egas Moniz
Que fez ao Rei e ao Reino tal serviço, •  D. Fuas Roupinho (ver lenda da Nazaré)
Um Egas e um Dom Fuas, que de Homero
•  Tropa pessoal do rei D. Carlos de França
A cítara par' eles só cobiço;
Pois polos Doze Pares dar-vos quero •  Alusão ao episódio narrado no canto VI
Os Doze de Inglaterra e o seu Magriço; •  Vasco da Gama
Dou-vos também aquele ilustre Gama, •  Eneias
Que para si de Eneias toma a fama.

13 •  Carlos Magno
Pois se a troco de Carlos, Rei de França, •  Júlio César
Ou de César, quereis igual memória, •  D. Afonso Henriques
Vede o primeiro Afonso, cuja lança
•  D. João I
Escura faz qualquer estranha glória;
E aquele que a seu Reino a segurança •  D. João II
Deixou, com a grande e próspera vitória;
Outro Joane, invicto cavaleiro;
O quarto e quinto Afonsos e o terceiro.

14
Nem deixarão meus versos esquecidos •  Aqueles que se notabilizaram nas guerras
Aqueles que nos Reinos lá da Aurora do Oriente
Se fizeram por armas tão subidos,
Vossa bandeira sempre vencedora: Nomeação de personalidades importantes
Um Pacheco fortíssimo e os temidos
Almeidas, por quem sempre o Tejo chora,
na construção de Portugal e dos seus
Albuquerque terríbil, Castro forte, ilustres feitos, o que reforça as qualidades
E outros em quem poder não teve a morte. dos portugueses
Apelo a D. SebasIão

15
E, enquanto eu estes canto – e a vós não
Se D. SebasIão “[tomar] as rédeas […] do Reino
posso,
vosso”, Camões terá matéria para um novo
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto –,
canto.
Tomai as rédeas vós do Reino vosso:
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Comecem a sentir o peso grosso
D. SebasIão deve expandir o império português
(Que polo mundo todo faça espanto)
por terra e por mar, expandindo a fé.
De exércitos e feitos singulares,
De África as terras e do Oriente os mares.

16
Em vós os olhos tem o Mouro frio, Estas conquistas garanIrão a fama do Rei.
Em quem vê seu exício afigurado;
Só com vos ver, o bárbaro Gentio
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tétis todo o cerúleo senhorio
Tem pera vós por dote aparelhado, Existe uma certa predesInação do nosso
Que, afeiçoada ao gesto belo e tenro, povo para o sucesso.
Deseja de comprar-vos pera genro.
17
Em vós se vêm, da Olímpica morada,
Dos dous avós as almas cá famosas;
Ũa, na paz angélica dourada, Passado de glória
Outra, pelas batalhas sanguinosas.
Em vós esperam ver-se renovada
Sua memória e obras valerosas;
As esperanças no futuro de Portugal
E lá vos têm lugar, no fim da idade,
recaem em D. Sebastião
No templo da suprema Eternidade.

18
Mas, enquanto este tempo passa lento
De regerdes os povos, que o desejam,
Dai vós favor ao novo atrevimento, D. SebasIão deve concordar com novas
Pera que estes meus versos vossos sejam, conquistas, de modo a ser possível
E vereis ir cortando o salso argento alcançar de novo a glória e assim será
Os vossos Argonautas, por que vejam invocado como um rei sublime.
Que são vistos de vós no mar irado,
E costumai-vos já a ser invocado.
Narração
Começa no Canto I, est. 19
• consItui a ação principal que, à maneira clássica, se inicia “in medias res”, isto é,
quando a viagem já vai a meio, “Já no largo oceano navegavam”, encontrando-se
já os portugueses em pleno Oceano Índico.

• Este início da ação central, a viagem da descoberta do caminho maríImo para a


Índia, quando os portugueses se encontram já a meio do percurso do canal de
Moçambique vai permiIr:
ü A narração do percurso até Melinde (narrador heterodiegéIco);

ü A narração da História de Portugal até à viagem (por Vasco da Gama);

ü A inclusão da narração da primeira parte da viagem;

ü A apresentação do úlImo troço da viagem (narrador heterodiegéIco).


Já no largo Oceano navegavam, A narração começa “in media res”, ou seja, a
As inquietas ondas apartando; meio da ação, da viagem – a frota portuguesa já
Os ventos brandamente respiravam, está no Oceano Índico.
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando A viagem atribulada já está ultrapassada.
As maríImas águas consagradas,
Que do gado de Próteu são cortadas,

A viagem corre bem, os portugueses mostram o


domínio dos mares e as correntes estão a
facilitar a viagem.
Episódio do Consílio dos Deuses Canto I, est. 20-41

Os Deuses reúnem-se para decidir se ajudam ou não os portugueses a aIngir o seu objeIvo - chegar
à Índia.
Júpiter preside esta reunião, estando todos os deuses presentes. O consílio termina com uma decisão
favorável.

J ú p i t e r B a c o , p e l o Vénus apoia Júpiter, pois vê Marte defende os lusitanos, não só


d e c i d e contrário, não refleIda nos portugueses a por reconhecer a bravura deste
a j u d a r o s quer que os f o r ç a e a c o r a g e m d o s povo, mas também pelo amor
portugueses, portugueses romanos. Vénus defende os anIgo que o liga a Vénus. Assim,
j á q u e o s a l c a n c e m a portugueses não só por se intercede junto de Júpiter no
c o n s i d e r a Índia, por ter tratar de uma gente muito senIdo de o convencer a não
d i g n o s d e m e d o d e semelhante à do seu amado abdicar da sua decisão – a glória
ajuda pelos perder a sua povo laIno e com uma língua dos portugueses na Índia. Pede a
seus feitos f a m a n o derivada do LaIm, como Mercúrio - o Deus mensageiro -
passados. Oriente. t a m b é m p o r t e r e m que colha informações sobre a
demonstrado grande valenIa Índia, pois começa a desconfiar da
no norte de África. posição tomada por Baco.
Texto expositivo-informativo

O “Consílio dos Deuses” é o episódio d’Os Lusíadas que retrata a


reunião convocada por Júpiter, tendo como objetivo determinar o destino dos
portugueses na viagem até à Índia.
Nesta assembleia, apesar de Júpiter ter tido uma primeira
intervenção a favor dos portugueses, as opiniões dividem-se. Assim, Baco
opõe-se ao sucesso dos Lusos, já que teme perder a sua influência no
Oriente, porém, Vénus, apoiada por Marte, defende “o peito ilustre lusitano”,
devido à sua semelhança com os romanos, não só ao nível do carácter, mas
também da língua. Após esta discussão, o pai dos deuses delibera o sucesso
do povo português.
A simples existência de uma reunião no Olimpo para decidir o futuro
dos lusitanos é, em si mesma, uma glorificação e engrandecimento destes
navegadores.
Consílio dos Deuses - plano mitológico Canto I – (19) 20-41

Conjunção subordinativa temporal – ações que


Quando os Deuses no Olimpo luminoso,
acontecem em simultâneo – os portugueses
Onde o governo está da humana gente,
navegam no “largo oceano” e os deuses reunem-
Se ajuntam em consílio glorioso, se no Olimpo.
Sobre as cousas futuras do Oriente.
Pisando o cristalino Céu fermoso, ObjeIvo da reunião – decisão sobre o futuro dos
Vêm pela Via Láctea juntamente, portugueses no Oriente.
Convocados, da parte de Tonante,
Pelo neto genIl do velho Atlante Deixam dos sete Céus o regimento,
Que do poder mais alto lhe foi dado,
Indicação da forma como os deuses foram Alto poder, que só co pensamento
convocados: foi Mercúrio que avisou todos
Governa o Céu, a Terra e o Mar irado. Norte
os deuses cumprindo a vontade de Júpiter.
Ali se acharam juntos num momento Sul
(Perífrase) Ocidente
Os que habitam o Arcturo congelado Oriente
E os que o Austro têm e as partes onde
Todos os deuses se reuniram neste
momento. Eles detêm todo o poder. A Aurora nasce e o claro Sol se esconde.
Descrição de Júpiter – um deus poderoso,
Estava o Padre ali, sublime e dino, soberano, severo.
Que vibra os feros raios de Vulcano,
Num assento de estrelas cristalino,
Com gesto alto, severo e soberano; AdjeIvação – reforça a sublimidade, o poder, a
Do rosto respirava um ar divino, magestade de Júpiter.
Que divino tornara um corpo humano;
Com ũa coroa e ceptro ruIlante, A caracterização da coroa e ceptro valorizam e
De outra pedra mais clara que diamante. intensificam o retrato que é feito a Júpiter.


Em luzentes assentos, marchetados Descrição de um local rico, luxuoso, sublime.
De ouro e de perlas, mais abaixo estavam
Os outros Deuses, todos assentados Hierarquia presente no Olimpo – Júpiter está ao
Como a Razão e a Ordem concertavam centro e acima de todos. Os “outros Deuses” têm o
(Precedem os anIgos, mais honrados, seu lugar segundo a anIguidade e importância.
Mais abaixo os menores se assentavam);
Quando Júpiter alto, assi dizendo,
Cum tom de voz começa grave e horrendo:

Introdução ao discurso de Júpiter – como pai dos deuses, é Júpiter quem inicia a
reunião tomando a palavra. O tom da sua voz revela o seu poder, severidade e
respeito que todos os outros lhe têm.
Apóstrofe – interpelação aos outros deuses de modo a que estes ouçam o que Júpiter irá dizer.

Perífrase – nomeação de todos os deuses.


– «Eternos moradores do luzente,
Estelífero Pólo e claro Assento:
Se do grande valor da forte gente Estes serão os destinatários do seu discurso
De Luso não perdeis o pensamento,
Deveis de ter sabido claramente
Júpiter começa o seu discurso por recordar que é
Como é dos Fados grandes certo intento
do conhecimento de todos que os “Fados” têm a
Que por ela se esqueçam os humanos
intenção de tornar o povo luso superior aos heróis
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos.
da anIguidade.


«Já lhe foi (bem o vistes) concedido,
Cum poder tão singelo e tão pequeno, Júpiter caracteriza o povo português como
Tomar ao Mouro forte e guarnecido “singelo” e “pequeno” (adjeIvação) o que valoriza
Toda a terra que rega o Tejo ameno. ainda mais os feitos que os lusos conseguiram
Pois contra o Castelhano tão temido alcançar, moIvo pelo qual são favorecidos pelo
Sempre alcançou favor do Céu sereno: “Céu sereno”
Assi que sempre, enfim, com fama e glória,
Teve os troféus pendentes da vitória.
Esta valorização é ainda mais elevada porque os
portugueses venceram inimigos muito temidos
(mouros e castelhanos).
Apóstrofe – interpela os outros deuses para que tomem atenção ao que está a dizer.

Deixo, Deuses, atrás a fama anIga,


Que co a gente de Rómulo alcançaram,
Júpiter conInua a relembrar as raízes do
Quando com Viriato, na inimiga
Guerra Romana, tanto se afamaram; povo português:
Também deixo a memória que os obriga . Guerra com os Romanos,
A grande nome, quando alevantaram . A importância e valor de Viriato,
Um por seu capitão, que, peregrino,
Fingiu na cerva espírito divino. . Lendas romanas.

«Agora vedes bem que, cometendo
O duvidoso mar num lenho leve, A c o r a g e m e d e t e r m i n a ç ã o d o s
Por vias nunca usadas, não temendo portugueses é visível através do facto
de Áfrico e Noto a força, a mais s'atreve: destes desbravarem mares “nunca de
Que, havendo tanto já que as partes vendo
Onde o dia é comprido e onde breve, antes navegados” em pequenos barcos, o
Inclinam seu propósito e perfia que prova a sua ousadia ao quererem
A ver os berços onde nasce o dia. vencer o desconhecido.

Perífrase – reforça o objetivo dos portugueses nesta viagem – atingir o oriente, a Índia.

Advérbio “agora” – depois de falar do passado, falará do presente


Perífrase - oriente

Júpiter reafirma que os Fados já determinaram a


PromeIdo lhe está do Fado eterno, glória dos portugueses.
Cuja alta lei não pode ser quebrada,
Que tenham longos tempos o governo
Do mar que vê do Sol a roxa entrada. Júpiter considera os portugueses são
Nas águas têm passado o duro Inverno; merecedores de algum reconforto, pois as
A gente vem perdida e trabalhada; tripulações estão cansadas. Apresenta, assim, a
Já parece bem feito que lhe seja sua posição pessoal
Mostrada a nova terra que deseja.

«E porque, como vistes, têm passados
Os portugueses têm enfrentado muitos perigos,
Na viagem tão ásperos perigos,
climas, intempéries…
Tantos climas e céus exprimentados,
Tanto furor de ventos inimigos,
Que sejam, determino, agasalhados
Nesta costa Africana como amigos; Júpiter mostra o seu apoio e determinação em
ajudar os portugueses, mostrando-lhes terra e
E, tendo guarnecido a lassa frota,
assegurando-lhes que serão bem “agasalhados”
Tornarão a seguir sua longa rota.»
para que depois possam seguir viagem.

Final do discurso de Júpiter


Estas palavras Júpiter dizia,
Após o discurso de Júpiter, gerou-se a
Quando os Deuses, por ordem respondendo,
Na sentença um do outro diferia, discussão e exposição de diferentes
Razões diversas dando e recebendo. pontos de vista.
O padre Baco ali não consenIa
No que Júpiter disse, conhecendo
Que esquecerão seus feitos no Oriente Baco, deus do vinho – o maior oponente dos
Se lá passar a Lusitana gente. portugueses

Ouvido Inha aos Fados que viria Receia que por causa dos portugueses os seus
Ũa gente forqssima de Espanha feitos sejam esquecidos.
Pelo mar alto, a qual sujeitaria
Da Índia tudo quanto Dóris banha,
E com novas vitórias venceria
A fama anIga, ou sua ou fosse estranha. Baco sabia da fama dos portugueses, por esse
moIvo é que receia a sua influência no Oriente.
Altamente lhe dói perder a glória
De que Nisa celebra inda a memória.
Perífrase – (poetas) reforça o receio de
Baco ser esquecido, inclusivamente, pelos
Vê que já teve o Indo sojugado
poetas que cantam os seus feitos
E nunca lhe Irou Fortuna ou caso
Por vencedor da Índia ser cantado
De quantos bebem a água de Parnaso.
Teme agora que seja sepultado Baco teme agora que o seu nome seja
Seu tão célebre nome em negro vaso votado ao esquecimento e à “morte” –
D' água do esquecimento, se lá chegam este medo reforça o valor dos lusos, pois
Os fortes Portugueses que navegam. são um poder fora de comum.

Sustentava contra ele Vénus bela,
Afeiçoada à gente Lusitana
Por quantas qualidades via nela Vénus defendia os portugueses:
Da anIga, tão amada, sua Romana; -Descendentes dos
Nos fortes corações, na grande estrela romanos;
Que mostraram na terra Tingitana, - coragem e força demonstrada;
E na língua, na qual quando imagina, -Uso da língua com origem laGna.
Com pouca corrupção crê que é a LaIna.

Estas causas moviam Citereia,
E mais, porque das Parcas claro entende Vénus defende os portugueses, pois sabe
Que há-de ser celebrada a clara Deia que se eles Gverem sucesso ela também
Onde a gente belígera se estende. será louvada.
Assi que, um, pela infâmia que arreceia,
E o outro, pelas honras que pretende, Enquanto Baco se opõe, porque não
Debatem, e na perfia permanecem; quer perder a fama, Vénus defendia, pois
A qualquer seus amigos favorecem. deseja ser louvada.

Qual Austro fero ou Bóreas na espessura
De silvestre arvoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata escura
A agitação dos ventos era grande,
Com impeto e braveza desmedida,
evidenciando a agitação da discussão
Brama toda montanha, o som murmura,
gerada no Olimpo.
Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
A natureza reflecte o humor dos deuses.
Tal andava o tumulto, levantado
Entre os Deuses, no Olimpo consagrado.

A agitação que existe no Olimpo é comparável à


agitação dos ventos.
Mas Marte, que da Deusa sustentava Conjunção coordenativa adversativa
Entre todos as partes em porfia,
Ou porque o amor anIgo o obrigava,
Marte, porque amava Vénus, ou porque a gente
Ou porque a gente forte o merecia,
De antre os Deuses em pé se levantava: lusa o merecia, tomou a palavra e uma posição.
Merencório no gesto parecia;
O forte escudo, ao colo pendurado,
Deitando pera trás, medonho e irado;

A viseira do elmo de diamante
Alevantando um pouco, mui seguro, Descrição de Marte – deus forte, decidido, duro.
Por dar seu parecer se pôs diante
Faz-se ouvir e respeitar.
De Júpiter, armado, forte e duro;
E dando ũa pancada penetrante
Co conto do bastão no sólio puro,
O Céu tremeu, e Apolo, de torvado,
Um pouco a luz perdeu, como enfiado;

Hipérbole – reforça o poder de Marte, a sua força.


E disse assi: – «Ó Padre, a cujo império Discurso de Marte
Tudo aquilo obedece que criaste: Relembra Júpiter do poder que tem e reforça-o:
Se esta gente que busca outro Hemisfério, •  Júpiter já Gnha mostrado a sua posição
Cuja valia e obras tanto amaste, anteriormente.
Não queres que padeçam vitupério, •  Júpiter é soberano e não deve ouvir as
Como há já tanto tempo que ordenaste, opiniões dos restantes deuses.
Não ouças mais, pois és juiz direito,
Razões de quem parece que é suspeito.

«Que, se aqui a razão se não mostrasse


Vencida do temor demasiado, Marte procura provar que a opinião de Baco
Bem fora que aqui Baco os sustentasse, é fundada na inveja.
Pois que de Luso vêm, seu tão privado;
Mas esta tenção sua agora passe,
Porque enfim vem de estâmago danado; Considera ainda que a inveja nunca poderá
Que nunca tirará alheia enveja roubar as glórias merecidas e oferecidas pelo
O bem que outrem merece e o Céu deseja. céu, como é o caso dos portugueses.

«E tu, Padre de grande fortaleza,
Marte refere que Júpiter não deve voltar
Da determinação que tens tomada
Não tornes por detrás, pois é fraqueza atrás com a palavra dada – estância 28 –
DesisIr-se da cousa começada. “Prometido lhe está do Fado eterno,/
Mercúrio, pois excede em ligeireza Cuja alta lei não pode ser quebrada/Que
Ao vento leve e à seta bem talhada,
Lhe vá mostrar a terra onde se informe tenham longos tempos o governo/Do
Da Índia, e onde a gente se reforme.» mar que vê do Sol a roxa entrada.”

Como isto disse, o Padre poderoso,
A cabeça inclinando, consenIu
No que disse Mavorte valeroso Marte termina o discurso dizendo a
E néctar sobre todos esparziu. Júpiter para este pedir a Mercúrio
Pelo caminho Lácteo glorioso (mensageiro dos deuses) para ir
Logo cada um dos Deuses se parIu,
Fazendo seus reais acatamentos, preparar o sucesso dos portugueses na
Pera os determinados apousentos. Índia.

Júpiter assentiu, ficando, assim, determinado o sucesso dos portugueses no


Oriente.
Lê a estrofe 28 do canto I d’Os Lusíadas.
PromeIdo lhe está do Fado eterno,
Cuja alta Lei não pode ser quebrada,
Que tenham longos tempos o governo
Do mar, que vê do Sol a roxa entrada.
Nas águas têm passado o duro inverno;
A gente vem perdida e trabalhada;
Já parece bem feito que lhe seja
Mostrada a nova terra, que deseja.

Escreve um texto exposiIvo, com um mínimo de 100 e um máximo de 140 palavras, no qual explicites o conteúdo
desta estância.
O teu texto deve incluir uma parte introdutória, uma parte de desenvolvimento e uma parte de conclusão. Organiza a
tua informação da forma que considerares mais perInente, tratando os tópicos a seguir apresentados:
•  Indicação do episódio e do Plano a que pertence a estrofe;
•  Referência à personagem que profere este discurso;
•  Explicitação dos desígnios de Portugal;
•  Referência ao significado da expressão “que vê do Sol a roxa entrada” (v.4);
•  Explicitação das caracterísIcas dos portugueses.

A estrofe vinte e oito do canto I d’Os Lusíadas pertence ao Consílio dos Deuses, inserindo-se, assim, no Plano
Mitológico.
É Júpiter quem toma a palavra no início da reunião (incluindo esta estrofe), proferindo um discurso favorável aos
portugueses, dizendo que os lusos devem ter durante muitos anos “o governo/do mar” e devem chegar à Índia, descrita
como “[...] a roxa entrada”.
Os portugueses são, neste discurso, caracterizados como um povo ajudado pelos deuses e predesInado a grandes
feitos (“PromeIdo lhe está do Fado eterno”), destemido, corajoso e com espírito de sacri‚cio, pois navega por mares
desconhecidos durante “o duro inverno”, enfrentando tempestades, moIvo pelo qual os nautas se sentem “[perdidos e
trabalhados]”, ou seja, cansados e merecem alcançar o seu objeIvo.
Concluindo, este episódio determina o sucesso dos portugueses no Oriente com o avale do pai dos deuses.
137 palavras
Reflexões do Poeta – C.I, est. 105-106

Reflexão suscitada pelos acontecimentos vividos em Mombaça:


•  Cilada preparada por Baco;
•  Falsa hospitalidade – ameaça aos portugueses.

105
O recado que trazem é de amigos, •  Alusão à cilada preparada por Baco em
M o m b a ç a – o “ r e c a d o ” q u e o s
Mas debaixo o veneno vem coberto;
marinheiros, vindos de terra, trazem é de
Que os pensamentos eram de inimigos,
amizade
Segundo foi o engano descoberto.
•  mas…
Oh! Grandes e gravíssimos perigos!
•  Na realidade, “debaixo” dessas palavras
Oh! Caminho de vida nunca certo:
exisIa o “veneno”, isto é, tudo não
Que aonde a gente põe sua esperança,
passava de dissimulação, menIra,
Tenha a vida tão pouca segurança!
falsidade

O homem nunca pode acreditar que está seguro, tudo é incerto, a esperança revela-se sempre
numa desilusão.
Reflexões do Poeta – C.I, est. 105-106

105
O recado que trazem é de amigos,
Mas debaixo o veneno vem coberto; Exclamações que expressam a
Que os pensamentos eram de inimigos, desilusão e angúsIa vividas neste
Segundo foi o engano descoberto. momento.
Oh! Grandes e gravíssimos perigos!
Oh! Caminho de vida nunca certo:
Insegurança da vida
Que aonde a gente põe sua esperança, Falta de confiança
Tenha a vida tão pouca segurança!

Hipérbole
EnfaIzam/Reforçam/Sublinham o
desencanto do sujeito poéIco.
Anáfora da interjeição
Reflexões do Poeta – C.I, est. 105-106

106
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
No mar há: Na terra há:
Tantas vezes a morte apercebida!
•  tempestades; •  guerras;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
•  danos; •  enganos;
Tanta necessidade aborrecida!
•  mortes •  falsidades;
Onde pode acolher-se um fraco humano,
•  aborrecimentos
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno Natureza
Contra um bicho da terra tão pequeno? Homem

O poeta mostra a desilusão, O ser humano é extremamente frágil – não


desânimo e tristeza face a encontra segurança nem na natureza nem
esta dura realidade. junto dos outros homens
Reflexões do Poeta – C.I, est. 105-106

106
No mar tanta tormenta, e tanto dano, Fragilidade da vida humana rodeada de
Tantas vezes a morte apercebida! perigos quer no mar, “tanta tormenta”,
Na terra tanta guerra, tanto engano, quer em terra, “tanta guerra, tanto
Tanta necessidade aborrecida! engano” – expressividade da repeIção
Onde pode acolher-se um fraco humano, do determinante indefinido, “tanta”, e
Onde terá segura a curta vida, do advérbio “onde”.
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Interrogação retórica sobre a possibilidade de “um bicho tão


pequeno” encontrar um porto de abrigo sem atentar contra a
Irania = reforça a perplexidade face à fragilidade do homem
comparaIvamente ao “Céu sereno”/às forças do universo.
Reflexões do Poeta – C.I, est. 105-106

106 Metáfora
No mar tanta tormenta, e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
“um bicho tão pequeno”
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano, Reforça a desproporção que existe
Onde terá segura a curta vida, entre o homem/herói e as
Que não se arme, e se indigne o Céu sereno dificuldades/obstáculos que tem
Contra um bicho da terra tão pequeno? de enfrentar para aIngir os seus
objeIvos.

Retrato de excecionalidade – MiIficação do herói


A pequenez humana face ao Universo e às adversidades por que passa é tremenda, tal como o
desIno cruel que lhe está traçado, apesar disso, os portugueses conseguem desvendar o
desconhecido, enfrentar perigos , desafiar a natureza e ultrapassar os limites da condição humana.
Visão Global
Canto II
– Influência de Baco:
Rei de Mombaça convida os portugueses a desembarcarem para os
destruir;
– Vasco da Gama aceita o convite julgando tratar-se de uma terra cristã;
– Vénus afasta as embarcações por saber da intervenção de Baco;
– Vasco da Gama percebe que correu perigo roga a Deus;
– Vénus solicita a proteção de Júpiter;
– Júpiter acede e profetiza o êxito para os portugueses;
– Mercúrio é enviado a terra e indica, através de sonhos, o caminho
até Melinde;
– Os portugueses são bem recebidos em Melinde;
– O rei de Melinde pede a Vasco da Gama que este lhe conte a história de
Portugal.
Visão Global
Canto III
– Invocação do Poeta a Calíope;
– Vasco da Gama começa a contar a história de Portugal ao rei de Melinde:
– Referência à situação geográfica do país;
– Lenda de Luso e Viriato;
– Formação da nacionalidade;
– Enumeração dos feitos dos Reis da 1ª Dinastia;
– Episódios de maior relevo:
– Egas Moniz e Batalha de Ourique – reinado de D. Afonso
Henriques;
– Formosíssima Maria, Batalha do Salado e Inês de Castro –
reinado de D. Afonso IV.
Pensamento sobre a força e os efeitos do amor.
Episódio de Inês de Castro - plano da História de Portugal Canto III – 118-135

D. Pedro Inês de Castro



•  Século XIV
•  D. Pedro, filho de D. Afonso IV
•  Casa com D. Constança (pertencente à nobreza de Castela).
•  D. Inês de Castro (galega), aia de D. Constança.
•  A sua beleza provocou o espanto na corte.
•  D. Pedro apaixonou-se por ela – o senImento foi mútuo.
•  Início da relação amorosa entre eles.
•  Vida adúltera em Coimbra.
•  Tiveram filhos.
•  O receio de que Inês colocasse em causa a independência de Portugal, faz com que o rei e
os seus conselheiros decidam matá-la.
•  D. Pedro nunca perdou o seu pai e quando foi aclamado rei, mandou matar os carrascos de
Inês (Irando-lhes os corações).
Estrofes que funcionam como introdução ao episódio

D. Afonso IV (1291-1357)
Batalha do Salado – 30 de outubro de 1340
Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana terra, Perífrase - Portugal
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste, e dino da memória Segundo a lenda, D. Pedro, quando subiu ao
Que do sepulcro os homens desenterra. trono, terá feito com que D. Inês fosse
Aconteceu da mísera e mesquinha desenterrada e aclamada rainha, obrigando os
Que despois de ser morta foi Rainha.
súbditos a beijar a mão putrefacta da sua amada.
Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Apóstrofe – reforça a poeIzação da morte, através da
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga. personificação do “Amor” que é o responsável pela
Se dizem, fero Amor, que a sede tua morte de Inês.
Nem com lágrimas tristes se miIga,
É porque queres, áspero e Irano,
Tuas aras banhar em sangue humano.
Mais do que ser víIma da políIca, D. Inês é víIma do
“fero Amor” com a sua “força crua” que com a sua
“[aspereza e Irania]” Ira a vida a quem se ama
verdadeiramente.
Apóstrofe – interpelação a Inês, salienta a sua beleza e o carinho do sujeito poéIco
relaIvamente a esta personagem histórica.

Estavas, linda Inês, posta em sossego, Inês vivia sossegadamente em Coimbra o seu amor por
De teus anos colhendo doce fruto, D. Pedro
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego, Inês vivia em plenitude este amor, contudo, este
De teus fermosos olhos nunca enxuto, senImento, por ser tão forte e puro, “[cega]” o
Aos montes ensinando e às ervinhas entendimento, sendo uma ilusão que o desIno não
O nome que no peito escrito Inhas. permiIrá “durar muito”.

Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam, O amor entre D. Pedro e D. Inês era puro e
Quando dos teus fermosos se apartavam; vivido intensamente. Quando ele não estava
De noite, em doces sonhos que menIam, presente, ela senIa saudades e pensava sempre
De dia, em pensamentos que voavam;
nele. Embora afastados fisicamente, os dois
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria. amantes estavam juntos em pensamento.
Todos os seus pensamentos lhe traziam alegria,
pois viviam felizes.
Animismo – reforça a velocidade e
intensidade dos pensamentos/
lembranças dos que se amam.
D. Pedro não Inha outra amante. Amava apenas D. Inês. Esta aItude não seria o mais
normal na época

De outras belas senhoras e Princesas


Os desejados tálamos enjeita, AdjeIvação expressiva – caracteriza o rei, pai de
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas D. Pedro, como um homem rígido, de convicções
Quando um gesto suave te sujeita. e conservador.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita O “murmurar do povo” é importante para o
O murmurar do povo e a fantasia reino, na medida em que havia o receio de que
Do filho, que casar-se não queria, D. Inês influenciasse D. Pedro e Portugal
perdesse a independência.
Tirar Inês ao mundo determina,
Decisão do rei – condenação à morte.
Por lhe Irar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte indina
Eufeminsmo – através da suavização da
Matar do firme amor o fogo aceso.
realidade, salienta a crueldade desta decisão.
Que furor consenIu que a espada fina
Que pôde sustentar o grande peso
O Rei e seus conselheiros acreditavam que este
Do furor Mauro, fosse alevantada
amor só terminaria com a morte de Inês.
Contra ua fraca dama delicada?

Interrogação retórica – reforça a incredulidade e espanto do narredor (Como é possível que um


rei tão corajoso contra os mouros possa cometer uma atrocidade destas com uma “fraca dama
delicada”? [adjeIvação expressiva que salienta a impossibilidade de defesa de D. Inês]).
Membros do conselho de D. Afonso IV que insisIram na necessidade de matar D. Inês –
Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Pacheco

Traziam-a os horríficos algozes


Ante o Rei, já movido a piedade; O Rei Inha algumas dúvidas relaIvamente a esta
Mas o povo, com falsas e ferozes decisão, porém, quer os conselheiros quer o povo
Razões, à morte crua o persuade. faziam pressão para que esta morte se concreIzasse.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade D. Inês foi levada à presença do rei de uma forma
Do seu Príncipe e filhos, que deixava, violenta – tratamento cruel e desumano - ,
Que mais que a própria morte a magoava, demonstrando não medo da morte, mas “mágoa
e saudade” por deixar aqueles que amava, moIvo
Pera o céu cristalino alevantando, pelo qual levanta os olhos para os céus, no
Com lágrimas, os olhos piedosos senIdo de conseguir uma ajuda divina.
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois nos mininos atentando, Versos parentéIcos – revelam um
Que tão queridos Inha e tão mimosos, pensamento mais pessoal, mais ínImo,
Cuja orfindade como mãe temia, uma reflexão, uma confissão, algo
Pera o avô cruel assi dizia:
D. Inês não Inha pensamentos egoistas, pelo
contrário, a sua preocupação era os filhos e D.
Início do discurso de D. Inês. Pedro.
Neste discurso suplicaIvo, Inês procura defender a vida e o amor, tentando demover o rei da sua decisão.

“Se já nas brutas feras, cuja mente Alusão ao reino animal, onde existe piedade:
Natura fez cruel de nascimento, •  “mãe de Nino” – Semíramis, lendária rainha
E nas aves agrestes, que somente da Assíria – abandonada num monte pela
Nas rapinas aéreas têm o intento, mãe, foi alimentada por pombas;
Com pequenas crianças viu a gente •  Rómulo e Remo – irmão gémeos que foram
Terem tão piadoso senImento alimentados por uma loba (mitologia).
Como co a mãe de Nino já mostraram,
E cos irmãos que Roma edificaram:

“Ó tu, que tens de humano o gesto e o peito Apóstrofe – reforça o apelo que irá ser feito ao
(Se de humano é matar ua donzela, rei.
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la), Versos parentéIcos – voz do poeta e de Inês
A estas criancinhas tem respeito, que se fundem, é um juízo de valor – mostra
Pois o não tens à morte escura dela; que é desumana a aItude do rei face a uma
Mova-te a piedade sua e minha, mulher “fraca e sem força” que apenas amou
Pois te não move a culpa que não Inha. quem conquistou o seu coração.

Depois de referir como em diversas situações os animais demonstraram piedade para com as
crianças, Inês apela para que o rei respeite “as criancinhas” ali presentes, os seus filhos com D.
Pedro, e que se deixe mover pela piedade e não a mate.
Tal como o Rei sabe dar a morte aos mouros na
“E se, vencendo a Maura resistência, guerra, já que é isso que eles merecem pelas suas
A morte sabes dar com fogo e ferro, ações, então, também deve saber dar a vida a
Sabe também dar vida com clemência quem não errou na vida, a quem não fez nada para
A quem pera perdê-la não fez erro.
aIngir ninguém.
Mas, se to assi merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na CíIa fria ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente. Inês suplica ao Rei para que este a mande para o
desterro (exílio), para terras muito quentes ou
“Põe-me onde se use toda a feridade, muito frias, ou mesmo para um ambiente em que
Entre liões e Igres, e verei a “feridade” exista, desde que ela possa conInuar
Se neles achar posso a piedade
a educar os seus filhos e a vê-los crescer.
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, co amor intrínseco e vontade
Naquele por quem mouro, criarei Inês finaliza o seu discurso, lembrando ao rei que o
Estas relíquias suas, que aqui viste,
seu grande objeIvo é criar os seus filhos.
Que refrigério sejam da mãe triste.”
O Rei queria perdoar Inês, querida voltar atrás com a sua decisão.

mas
O povo e os conselheiros não lho permiIram.
Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam; Ação dos carniceiros
Mas o perInaz povo e seu desIno
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Apóstrofe e interrogação retórica que
Os que por bom tal feito ali apregoam. pretendem reforçar a ideia de maldade destes
Contra uma dama, ó peitos carniceiros, homens que não senIram piedade de Inês e
Feros vos amostrais - e cavaleiros? que a mataram.

«Qual contra a linda moça Policena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena, Comparação com Policena (princesa troiana
Co ferro o duro Pirro se aparelha; que se enamorou de Aquiles durante a guerra
Mas ela, os olhos com que o ar serena entre os gregos e os troianos. Sacrificada
(Bem como paciente e mansa ovelha) sobre o túmulo de Aquiles)
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacri‚cio se oferece:

Expressão e verso parentéIcos – pensamentos mais ínImos do sujeito poéIco.


Tais contra Inês os brutos matadores, Assassinato de Inês e repercussão na natureza
No colo de alabastro, que susInha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando, e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas Inha,
Se encarniçavam, férvidos e irosos
No futuro casIgo não cuidosos. Episódio mitológico – a mulher de Atreu traía-o
com o seu irmão, Tiestes. Para se vingar, Atreu
Bem puderas, ó Sol, da vista destes, assassina os filhos do irmão e serve-os num
Teus raios apartar aquele dia, banquete. No final, mostra as cabeças das
Como da seva mesa de Tiestes, crianças a Tiestes. O Sol, por não querer
Quando os filhos por mão de Atreu comia! presenciar este horror, não surgiu naquele dia.
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repeIstes! O recurso a este episódio procura reforçar o
horror deste assassinato.
Comparação – constatação da morte injusta e prematura
de Inês – intensifica a injusIça e horror desta morte.

Assi como a bonina, que cortada Morte prematura de Inês – Inês é vista como uma
Antes do tempo foi, cândida e bela, flor que foi reIrada do seu habitat natural e que
Sendo das mãos lacivas maltratada morre prematuramente, que perde a sua beleza
Da minina que a trouxe na capela, natural e própria, “secas do rosto as rosas”.
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida Metáfora – reforça a beleza de Inês e a atrocidade
A branca e viva cor, co a doce vida. que foi comeIda.

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura A natureza sofre com a morte de Inês –
As lágrimas choradas transformaram. ainda hoje existe a Fonte dos Amores, na
O nome lhe puseram, que inda dura, Quinta das Lágrimas, que relembra este caso
Dos amores de Inês, que ali passaram. para todo o sempre.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores!

Síntese - Neste episódio, o amor é caracterizado como cruel e Irano, uma vez que, por ter
um imenso poder sobre os corações humanos, fá-los sofrer e não se contentando com as
lágrimas choradas, quer ver também o sangue derramado, revelando-se desta forma
insaciável.
Esquema síntese – Episódio de Inês de Castro (C.III, 118 – 135)

Inês de Castro «Que despois de ser morta foi Rainha»
â
Razão da sua morte «...puro amor...»
Vida de Inês e D. Pedro «Eram tudo memórias de alegria.»
â
D. Afonso IV determina persuadido pelos conselheiros «Tirar Inês ao mundo...»
para acabar com esse amor
«Crendo co sangue só da morte indina/Matar do firme amor o fogo aceso.»
â
Inês apela ao Rei
â
D. Afonso IV «Queria perdoar-lhe...» mas os conselheiros e povo não o deixaram
voltar atrás
â
Vingança de D. Pedro - Coroou Inês
Foi o Rei Cru ou JusIceiro
«Este casIgador foi rigoroso/De latrocínios, mortes e adultérios.»
Lê a estrofe 120 do canto III d’Os Lusíadas.
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito Inhas.

Escreve um texto exposiIvo, com um mínimo de 100 e um máximo de 140 palavras, no qual explicites o conteúdo
desta estância.
O teu texto deve incluir uma parte introdutória, uma parte de desenvolvimento e uma parte de conclusão. Organiza
a tua informação da forma que considerares mais perInente, tratando os tópicos a seguir apresentados:
• Indicação do episódio e do Plano a que pertence a estrofe
• Referência às personagens referidas nesta estância
• CaracterísIcas da personagem feminina;
• Referência ao significado da expressão “Naquele engano da alma, ledo e cego,/Que a fortuna não deixa durar
muito” (v.3-4);
• Explicitação da importância da uIlização dos adjeIvos “linda”, “doce”, “ledo” e “fermosos” para o momento da ação.


A estrofe cento e vinte do canto III d’Os Lusíadas pertence ao episódio de Inês de Castro, inserindo-se, assim, no
Plano da História de Portugal.
Nesta estância, faz-se referência à “linda”, jovem, “doce” e tranquila D. Inês que é caracterizada com adjeIvos de
conotação posiIva, pois, neste momento, ela vive feliz, acreditando na longevidade do seu amor por D. Pedro
(personagem igualmente referida na estrofe). O amor e as saudades que sente por ele, fazem-na nomeá-lo às
“ervinhas”, mostrando o seu caráter carinhoso e sensível. Todavia, este amor não lhe permiIa perceber os perigos
iminentes, moIvo pelo qual, os versos três e quatro anunciam uma tragédia, já que revelam que o desIno não irá
deixar que aquele amor dure muito.
Concluindo, esta estância é elucidaIva da situação em que vivia Inês de Castro e da forma como o seu amor se
desenrolaria.
Visão Global
Canto IV
– Continuação da narração de Vasco da Gama acerca da história de Portugal:
– História da 2ª Dinastia:
– Revolução de 1383-85:
– Batalha de Aljubarrota;
– Reinados de D. João I e D. João II:
– Expansão para África;
– Preparativos da viagem à Índia (desejo de D. João II, mas
realizado apenas por D. Manuel);
– Sonho profético de D. Manuel;
– Despedida das naus em Belém;
– Velho do Restelo (profecias pessimistas de um velho que se
encontrava a assistir à partida da Armada);
– Crítica à ganância e ao desejo desmedido de poder e fama.
Esquema síntese – Episódio da Batalha de Aljubarrota

«Deu o sinal a trombeta Castelhana/Horrendo, fero, ingente e temeroso»


Sinal do início da Batalha
â
1ª consequência
Agitação e sobressalto
«...nos perigos grandes, o temor/É maior muitas vezes que o perigo»
â
2ª consequência
Início da Batalha
«Começa-se a travar a incerta guerra»
â â

Portugueses à Castelhanos
Defesa da Pátria Desejo de conquista de
Portugal
Desânimo face às mortes dos â
seus combatentes. Apelo à coragem dos
D. Nuno Alvares Pereira e D. João I
«Ali perecem/Alguns dos seus, portugueses «a quem nenhum
que o ânimo valente/Perde a Figuras de destaque
virtude contra tanta gente» se iguala»
â
Fim da Batalha
â â â

Rei de Castela e guerreiros


D. João I D. Nuno Alvares Pereira
1.
«...o temor/lhe dá , não Glorifica os feitos dos
pés, mas asas à fugida» Agradeceu a Deus a
guerreiros
vitória fazendo ofertas e
romarias
Episódio da Despedida das Naus - plano da História de Portugal/Viagem Canto IV – 83-93

E já́ no porto da ínclita Ulisseia, SenImentos dos que partem


Cum alvoroço nobre e cum desejo
(Onde o licor mistura e branca areia Perífrase = Belém
Co salgado Neptuno o doce Tejo) Anqtese = “salgado”/”doce”
As naus prestes estão; e não refreia Metonímia = “Neptuno” – emprego de um termo
Temor nenhum o juvenil despejo, em vez de outro, havendo entre ambos estreita
Porque a gente maríIma e a de Marte afinidade ou relação de senIdo – “Neptuno” é o
Estão pera seguir-me a toda a parte. deus do mar e aqui está a ser uIlizado para nomear
o mar.
«Pelas praias vesIdos os soldados
De várias cores vêm e várias artes, Metáfora – navegadores e guerreiros
E não menos de esforço aparelhados
Pera buscar do mundo novas partes.
Vasco da Gama
Nas fortes naus os ventos sossegados Os navegadores e guerreiros
Ondeiam os aéreos estandartes; estão prontos para seguir
Elas prometem, vendo os mares largos, ObjeIvo Vasco da Gama nesta viagem
De ser no Olimpo estrelas, como a de Argos. – revela a lealdade destes
homens perante o seu
capitão.
As naus portuguesas pretendem ser igualadas à de
Argos – personagem mitológica (Minerva colocou-a
entre as constelações, valorizando-a).
As naus estão apetrechadas, preparadas
para a viagem – questões práIcas e
Despois de aparelhados, desta sorte, objeIvas da viagem
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhámos a alma pera a morte, Preparação espiritual que tem que ser feita
Que sempre aos nautas ante os olhos anda. antes da viagem – questões espirituais da
Pera o sumo Poder, que a etérea Corte viagem – os “nautas” pediram para que
Sustenta só́ co a vista veneranda, Deus os guiasse, sabendo que a morte
Implorámos favor que nos guiasse poderá ser uma certeza.
E que nossos começos aspirasse.

ParImo-nos assi do santo templo Pleonasmo = “santo templo”
Que nas praias do mar está assentado, Perífrase = Belém
Que o nome tem da terra, pera exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Apóstrofe = “ó Rei” – rei de Melinde
CerIfico-te, ó Rei, que, se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio, Vasco da Gama confessa o seu estado de
Que apenas nos meus olhos ponho o freio. espírito – o capitão parIu para esta viagem
com medo e com dúvidas em relação ao seu
desIno/futuro.

Metáfora – Vasco da Gama confessa a vontade que Inha de chorar e o esforço que fez para
que isso não acontecesse – enfaIza o seu estado de espírito na parIda para a Índia.
Expressão parentéIca – visão do autor

A gente da cidade, aquele dia,


(Uns por amigos, outros por parentes, Todos acorreram a esta despedida e vinham
Outros por ver somente) concorria, já com saudade e descontentamento
Saudosos na vista e descontentes
E nós, co a virtuosa companhia Procissão para as naus – os navegadores e
De mil religiosos diligentes, guerreiros foram acompanhados por “mil
Em procissão solene, a Deus orando, religiosos” (hipérbole), o que prova os
Pera os batéis viemos caminhando. receios que exisIam nesta jornada

Em tão longo caminho e duvidoso
A certeza de todos era que os navegadores
Por perdidos as gentes nos julgavam,
iriam morrer – desIno mais certo.
As mulheres cum choro piadoso
Os homens com suspiros que arrancavam.
Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrecentavam Enumeração – reforça não só a quanIdade
A desesperação e frio medo de pessoas que ficam a sofrer pelos que vão
De já́ nos não tornar a ver tão cedo. na viagem, como ilustra quem fica em terra
– as mulheres (sejam elas “mães, esposas
[ou] irmãs”).
Qual vai dizendo: - «Ó filho, a quem eu Inha
Só́ pera refrigério e doce emparo
Desta cansada já́ velhice minha, Discurso de uma mãe (exemplo de
Que em choro acabará, penoso e amaro todas as mães) que tem a certeza da
Porque me deixas, mísera e mesquinha? futura morte do filho e que quesIona
Porque de mi te vás, ó filho caro, esta viagem através da anáfora
A fazer o funéreo enterramento “porque”.
Onde sejas de pexes manImento?»

Qual em cabelo: - «Ó doce e amado esposo,
Discurso de uma esposa (exemplo de
Sem quem não quis Amor que viver possa,
todas as esposas) que sente que vai
Porque is aventurar ao mar airoso
perder o marido faz interrogações
Essa vida que é minha e não é vossa?
retóricas no senIdo de perceber os
Como, por um caminho duvidoso,
moIvos da viagem e de,
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
implicitamente, tentar demover o seu
Nosso amor, nosso vão contentamento,
amor de embarcar nesta viagem.
Quereis que com as velas leve o vento?»
Também a aliteração em “v” reforça a
ideia da vida que é “levada pelo
vento”.
Para além das mulheres, também os velhos e os filhos/crianças ficam em terra

Os que não têm capacidade ‚sica para ir na


Nestas e outras palavras que diziam, viagem ficam em terra.
De amor e de piadosa humanidade,
Os velhos e os mininos os seguiam, A natureza sofre com esta parIda – os montes
Em quem menos esforço põe a idade. ficam comovidos com a parIda das naus
Os montes de mais perto respondiam, (personificação).
Quási movidos de alta piedade;
A branca areia as lágrimas banhavam, Hipérbole = as lágrimas, fruto deste momento,
Que em mulIdão com elas se igualavam. “[banham]” a areia – intensifica o sofrimento de
todos os que estão envolvidos nesta viagem
«Nós outros, sem a vista alevantarmos
Nem a mãe, nem a esposa, neste estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos Os marinheiros nem olham para os familiares
Do propósito firme começado, com medo de mudarem de opinião e
Determinei de assi nos embarcarmos, resolverem ficar – prova que o medo era
Sem o despedimento costumado, muito grande e que a grande certeza que
Que, posto que é de amor usança boa, exisIam é que eles poderiam/iriam morrer.
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.
Esquema síntese Despedida das naus (C. IV, 83 – 93)
8 de Julho de 1497 – Belém
â
D. Manuel I
EsImula os guerreiros para a conquista
â
As naus estão prontas com «...gente maríIma e a de Marte»
â
ObjecIvo da viagem - «...buscar do mundo novas partes.»
â
Mas para isso «...aparelhámos a alma pera a morte»
(pediram proteção divina) «...a Deus orando...»
â
O senImento geral era de medo e de saudade
«A desesperação e frio medo/De já nos não tornar a ver tão cedo.»
Mar Português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele
É que espelhou o céu.

Fernando Pessoa

«E já no porto da ínclita Ulisseia,
Cum alvoroço nobre e cum desejo
(Onde o licor mistura e branca areia
Co salgado Neptuno o doce Tejo)
As naus prestes estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente maríIma e a de Marte
Estão pera seguir-me a toda a parte,
Escreve um texto exposiIvo, com um mínimo de 100 e um máximo de 140 palavras, no qual explicites
o conteúdo desta estância.
O teu texto deve incluir uma parte introdutória, uma parte de desenvolvimento e uma parte de
conclusão. Organiza a tua informação da forma que considerares mais perInente, tratando os tópicos
a seguir apresentados:
•  Indicação do episódio e do Plano a que pertence a estrofe;
•  Referência à personagem que profere este discurso;
•  Explicitação dos senImentos existentes;
•  Referência às personagens envolvidas na ação;
•  Expressividade dos versos parentéIcos.

A estrofe oitenta e quatro do canto IV d’Os Lusíadas pertence ao episódio das Despedidas em
Belém, inserindo-se, assim, no Plano da Viagem.
Vasco da Gama é o narrador deste episódio, relatando o ambiente vivido. Assim, segundo ele,
navegadores e guerreiros viviam uma grande ansiedade e entusiasmo para esta viagem, sendo que
estes senImentos conseguiam superar o medo.
“As naus prestes estão” na praia de Belém, localização percepqvel através dos versos parentéIcos,
em que se descreve o foz, na medida em que a água doce do rei se mistura com a água do mar.
Em suma, esta estância marca o início da viagem do caminho maríImo para a Índia.
Episódio do Velho do Restelo C-V 94-104

Mas um velho, d'aspeito venerando, « A que novos desastres determinas


Que ficava nas praias, entre a gente, De levar estes Reinos e esta gente?
Postos em nós os olhos, meneando Que perigos, que mortes lhe desInas,
Três vezes a cabeça, descontente, Debaixo dalgum nome preminente?
A voz pesada um pouco alevantando, Que promessas de reinos e de minas
Que nós no mar ouvimos claramente, D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Cum saber só d'experiências feito, Que famas lhe prometerás? Que histórias?
Tais palavras Irou do experto peito: Que triunfos? Que palmas? Que vitórias?

- «Ó glória de mandar, ó vã̃ cobiça «Mas, ó tu, geração daquele insano
Desta vaidade a quem chamamos Fama! Cujo pecado e desobediência
Ó fraudulento gosto, que se aIça Não somente do Reino soberano
Cüa aura popular, que honra se chama! Te pôs neste desterro e triste ausência,
Que casIgo tamanho e que jusIça Mas inda doutro estado mais que humano,
Fazes no peito vão que muito te ama! Da quieta e da simpres inocência,
Que mortes, que perigos, que tormentas, Idade d'ouro, tanto te privou,
Que crueldades neles experimentas! Que na de ferro e d'armas te deitou:

Dura inquietação d'alma e da vida «Já́ que nesta gostosa vaidade
Fonte de desemparos e adultérios, Tanto enlevas a leve fantasia,
Sagaz consumidora conhecida Já́ que à bruta crueza e feridade
De fazendas, de reinas e de impérios! Puseste nome, esforço e valenIa,
Chamam-te ilustre, chamam-te subida, Já que prezas em tanta quanIdade :
Sendo dina de infames vitupérios; O desprezo da vida, que devia
Chamam-te Fama e Glória soberana, De ser sempre esImada, pois que já
Nomes com quem se o povo néscio engana! Temeu tanto perdê-la Quem a dá:

«Não tens junto conIgo o Ismaelita,
Com quem sempre terás guerras sobejas?
Não segue ele do Arábio a lei maldita,
Se tu pola de Cristo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita, «Trouxe o filho de Jápeto do Céu
Se terras e riqueza mais desejas? O fogo que ajuntou ao peito humano,
Não é ele por armas esforçado, Fogo que o mundo em armas acendeu,
Se queres por vitórias ser louvado? Em mortes, em desonras (grande engano!).
Quanto milhor nos fora, Prometeu,
«Deixas criar às portas o inimigo, E quanto pera o mundo menos dano,
Por ires buscar outro de tão longe, Que a tua estátua ilustre não Ivera
Por quem se despovoe o Reino anIgo, Fogo de altos desejos, que a movera!
Se enfraqueça e se vá deitando a longe;
Buscas o incerto e incógnito perigo «Não cometera o moço miserando
Por que a Fama te exalte e te lisonje O carro alto do pai, nem o ar vazio
Chamando-te senhor, com larga cópia, O grande arquitector co filho, dando
Da Índia, Pérsia, Arábia e de EIópia. Um, nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum comeImento alto e nefando
«Oh, maldito o primeiro que, no mundo, Por fogo, ferro, água, calma e frio,
Nas ondas vela pôs em seco lenho! Deixa intentado a humana geração.
Dino da eterna pena do Profundo, Mísera sorte! Estranha condição!»
Se é justa a justa Lei que sigo e tenho!
Nunca juízo algum, alto e profundo,
Nem cítara sonora ou vivo engenho
Te dê por isso fama nem memória,
Mas conIgo se acabe o nome e glória!
Esquema síntese - Velho do Restelo (C.IV, 94 – 104)

Velho do Restelo
â
«aspeito venerando» e «voz pesada»
â
«saber só de experiências feito»
â
define os Descobrimentos portugueses
â â
«Glória de mandar «Mortes, perigos, tormentas, crueldades
Vã cobiça Inquietação, desemparos
Vaidade – Fama Adultérios
Glória ilustre» Engana o povo inocente»
â
resulta em mortes, perigos, promessas de «Reinos e minas de ouro»
â
Alusão a Adão e à Idade do Ouro (plenamente feliz) que descambou na
Idade do Ferro (cheia de calamidades)
â
Vaidade em contraponto com a fantasia
â
Desprezo da vida
â
Os Descobrimentos como um risco à independência de Portugal
«Deixas criar às portas o inimigo,/Por ires buscar outro tão longe»
â
Comparação com Prometeu e Ícaro que desrespeitaram as leis divinas
Visão Global
Canto V
– Continuação da narração da história de Portugal;
– Relato da viagem de Lisboa a Melinde:
– Grande aventura marítima;
– O Cruzeiro do Sul;
– Fogo de Santelmo;
- Tromba Marítima;
– Capacidade de ultrapassar grandes perigos e obstáculos:
– Hostilidade dos nativos – episódio de Fernão Veloso;
– A fúria de um monstro – episódio do Adamastor;
– A doença e a morte provocadas pelo escorbuto;
– Crítica do Poeta aos que desprezam a Arte e a Poesia. Apologia dos feitos
heroicos.
Episódio do Adamastor - plano da Viagem/Mitológico Canto V – 37-60

Passados cinco dias desde a parIda da Baía de


Porém já́ cinco Sóis eram passados Santa Helena (África do Sul).
Que dali nos parqramos, cortando
Os mares nunca d'outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando, Os portugueses desbravam novos desInos.
Quando üa noute, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando, A viagem corria bem, o vento estava a favor.
Hüa nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece. Os navegadores estavam “descuidados” e surgiu
uma nuvem que escureceu os céus.
Tão temerosa vinha e carregada,
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada, Essa nuvem provocou o medo e começou a
Como se desse em vão nalgum rochedo. ouvir-se o som do mar como se esIvesse a
- «Ó Potestade (disse) sublimada: bater num rochedo.
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?» Apelo a Deus (perífrase – “Protestade
sublimada”) – referência ao Deus cristão.
Colosso de Rodes – estátua com cerca de 30 metros de altura e 70 toneladas de peso, servia como porta de entrada
à Ilha de Rodes. Foi destruída por um terramoto. É considerada uma das sete maravilhas do mundo.

Não acabava, quando üa figura


Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos. Caracterização deste monstro através de
adjeIvações expressivas e comparações
Tão grande era de membros que bem posso
CerIficar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo! Estátua no miradouro de Santa Catarina - Lisboa

Este monstro era de tal modo assustador que todos os tripulantes ficaram aterrorizados.
Discurso aparentemente críIco
E disse: - «Ó gente ousada, mais que quantas
No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, na verdade
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar meus longos mares ousas, O Adamastor elogia os feitos dos
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
portugueses ao dizer que são:
Nunca arados d'estranho ou próprio lenho;
•  “gente ousada”;
Pois vens ver os segredos escondidos •  “cometeram grandes cousas”;
Da natureza e do húmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos •  “nunca repousas”;
De nobre ou de imortal merecimento, •  “navegar meus longos mares
Ouve os danos de mi que apercebidos
ousas”;
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo o largo mar e pola terra •  “ver os segredos[...] a nenhum
Que inda hás-de sojugar com dura guerra. grande humano concedidos”;
•  “atrevimento”
Assim, parece exisIr um
Pressagia desgraças para os portugueses
(exatamente por ser um povo com senImento de admiração.
qualidades ímpares).
O Adamastor tem preparados várias
desgraças para todas as naus
Sabe que quantas naus esta viagem portuguesas que tentarem passar o
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas, seu cabo.
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas;
E da primeira armada que passagem É tal o horror do que ele tem
Fizer por estas ondas insofridas, preparado que “o menor mal de
Eu farei de improviso tal casIgo todos” será a morte – os
Que seja mor o dano que o perigo! portugueses chegarão a desejar a
sua morte, tais são as desgraças.
Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança;
E não se acabará só́ nisto o dano Referência a Bartolomeu Dias
De vossa perInace confiança:
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!
E do primeiro Ilustre, que a ventura O Adamastor revela o que irá acontecer no futuro
Com fama alta fizer tocar os Céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá da Turca armada dura Referência a D. Francisco de Almeida (1510) –
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça primeiro vice-rei da Índia – quando regressava a
A destruída Quíloa com Mombaça.

Portugal, aportou perto deste Cabo, foi atacado por
Outro também virá, de honrada fama,
naIvos, morreu e foi sepultado nestas terras.
Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a fermosa dama
Que Amor por grão mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que, duro e irado,
Os deixará dum cru naufrágio vivos,
Pera verem trabalhos excessivos.

Verão morrer com fome os filhos caros,
Em tanto amor gerados e nacidos; Referência a Manuel de Sousa Sepúlveda (1552) –
Verão os Cafres, ásperos e avaros,
Tirar à linda dama seus vesIdos; naufragou perto deste Cabo com a esposa – não
Os cristalinos membros e perclaros
À calma, ao frio, ao ar, verão despidos,
morreram do naufrágio, mas sim em terra depois de
Despois de ter pisada, longamente,
Cos delicados pés a areia ardente.
muito sofrimento.

E verão mais os olhos que escaparem
De tanto mal, de tanta desventura,
Os dous amantes míseros ficarem
Na férvida, implacábil espessura.
Ali, despois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura, Eufemismo – pretende reforçar a forma românIca como
Abraçados, as almas soltarão
Da fermosa e misérrima prisão.»
este casal morreu.
Apesar do medo, Vasco da Gama
decidiu enfrentar o monstro com uma
simples pergunta e elogio.
Mais ia por diante o monstro horrendo,
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: - «Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo, certo me tem maravilhado!»
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:

«Eu sou aquele oculto e grande Cabo
Não estando habituado a que alguém
A quem chamais vós outros Tormentório,
lhe dirigisse a palavra, o Adamastor
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio,
esboça um esgar e começa a falar
Estrabo, Plínio e quantos passaram fui notório.
contando toda a sua história.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório,
Que pera o Pólo AntárIco se estende, A pergunta de Vasco da Gama
A quem vossa ousadia tanto ofende. humanizou o monstro.

O Discurso do Adamastou revela-se algo contraditório no que diz respeito aos senImentos que
transmite – odeia os portugueses, já que estes vêm desvendar os segredos do mar; todas as críIcas
revelam-se elogios aos lusos pela atrevimento, coragem, ousadia, audácia e determinação que
demonstram ter, provocando uma certa admiração neste monstro.
Fui dos filhos aspérrimos da Terra,
Qual Encélado, Egeu e o CenImano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano; Os gigantes lutaram contra os deuses.
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas, conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.

O Adamastor apaixona-se por TéIs e ainda
Amores da alta esposa de Peleu agora não há “cousa que mais queira”.
Me fizeram tomar tamanha empresa;
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das águas a Princesa. Como fosse impossíbil alcançá́-la,
Um dia a vi, co as filhas de Nereu, Pola grandeza feia de meu gesto,
Sair nua na praia e logo presa Determinei por armas de tomá-la
A vontade senI de tal maneira E a Dóris este caso manifesto.
Que inda não sinto cousa que mais queira. De medo a Deusa então por mi lhe fala;
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Respondeu: - «Qual será o amor bastante
O Adamastor julga não conseguir obter o seu amor De Ninfa, que sustente o dum Gigante?
livremente, assim, decide “tomá-la” “por armas”
Contudo, por livrarmos o Oceano
De tanta guerra, eu buscarei maneira
A deusa, inteligentemente quesIona-o no senIdo de Com que, com minha honra, escuse o dano.»
ele tomar consciência de que o amor de uma ninfa Tal resposta me torna a mensageira.
poderia não ser o suficiente para um gigante e Eu, que cair não pude neste engano
promete fazer de tudo para que não existam guerras. (Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças,
O peito de desejos e esperanças.
Já néscio, já́ da guerra desisIndo, Numa certa noite, o Adamastor julga ver TéIs que vinha
üa noite, de Dóris promeIda, ao seu encontro, como havia sido promeIdo, e corre
Me aparece de longe o gesto lindo para ela, acreditando poder viver o seu amor.
Da branca TéIs, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços pera aquela que era vida
Deste corpo, e começo os olhos belos Desilusão – o Adamastor fora enganado
A lhe beijar, as faces e os cabelos.

Oh que não sei de nojo como o conte!
Que, crendo ter nos braços quem amava,
Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano,
Abraçado me achei cum duro monte
Já que minha presença não te agrada,
De áspero mato e de espessura brava.
Que te custava ter-me neste engano,
Estando cum penedo fronte a fronte,
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?
Qu'eu polo rosto angélico apertava,
Daqui me parto, irado e quási insano
Não fiquei homem, não; mas mudo e quedo
Da mágoa e da desonra ali passada,
E, junto dum penedo, outro penedo!
A buscar outro mundo, onde não visse
Quem de meu pranto e de meu mal se risse.
Não podendo viver na ilusão, o Adamastor “irado
e quási insano” de sofrimento e de “desonra” não Eram já́ neste tempo meus Irmãos
Vencidos e em miséria extrema postos,
quer que se riam dele e desaparece. E, por mais segurar-se os Deuses vãos,
Alguns a vários montes sotopostos.
E, como contra o Céu não valem mãos,
Os gigantes perderam a guerra com os deuses. Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a senIr do Fado imigo,
Por meus atrevimentos, o casIgo.
Converte-se-me a carne em terra dura;
Em penedos os ossos se fizeram; Após ter passado por todo este sofrimento e ter
Estes membros que vês, e esta figura, perdido a guerra com Júpiter, os deuses
Por estas longas á́guas se estenderam. transformam Adamastor num penedo (o Cabo das
Enfim, minha grandíssima estatura Tormentas), tendo por casIgo ser banhado pelas
Neste remoto Cabo converteram águas do mar habitadas por TéIs.
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda TéIs cercando destas águas.» Fim do discurso de Adamastor.

Assi contava; e, cum medonho choro,
Súbito d'ante os olhos se apartou; O Adamastor desaparece, subitamente, chorando,
Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro humilhado pela recordação do seu sofrimento
Bramido muito longe o mar soou. amoroso que lhe mostra a sua fraqueza.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros Vasco da Gama suplica a Deus – maravilhoso
Casos, que Adamastor contou futuros. cristão.
Caracterização psicológica do Adamastor

•  O Adamastor aproxima-se do comum dos mortais. O gigante é um ser solitário que procura
esconder o seu fracasso e o seu sofrimento no isolamento total. Apesar de admirar quem
ousa enfrentá-lo, não esconde a sua fúria vingaIva por ver os seus domínios invadidos.
Acima de tudo, quer preservar os seus domínios, mas tendo sido descoberto, conta a sua
história e revela-se, então, como um ser que, essencialmente, foi vencido pelo amor. Mais
do que a rejeição da amada, dói-lhe a humilhação a que ela o sujeitou e dói-lhe, mais
ainda, ter perdido a capacidade de sonhar. Preferia ter conInuado na doce ilusão de um
dia conseguir o amor inalcançável de TéIs. O gigante é, afinal, um senImental, que tendo
perdido tudo, até a esperança, se refugia na solidão. O desvendar dos seus segredos vem
Irar-lhe o pouco que Inha, daí o terrível gigante reagir como qualquer humano em
desespero – desaparece para chorar sozinho as suas mágoas.

Simbologia do episódio do Adamastor

•  O Adamastor é a representação simbólica do maior de todos os perigos que o homem tem


de enfrentar – o medo do desconhecido. Perante o desconhecido, enfrentaram o terror e
ao desvendar os seus mistérios, o desconhecido deixou de o ser. Através do gigante,
representa-se a vitória sobre os perigos ignorados do mar e sobre o medo..
Esquema síntese – Episódio do Adamastor (C. V, 37 – 60)

Antes do aparecimento do Adamastor – cenário propício
«...cinco Sóis eram passados [...] Prosperamente os ventos assoprando»
â
Subitamente «Hua nuvem que os ares escurece»
â
Aparecimento do Adamastor
â
SenImento de medo entre os navegadores
«Arrepiam-se as carnes e o cabelo,/A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!»
â
O Adamastor faz elogios velados aos portugueses assumindo um tom de críIca
â
ProfeIza grandes tormentos para as navegações portuguesas
«Naufrágios, perdições de toda a sorte,/Que o menor mal de todos seja a morte!»
â
Gama pergunta-lhe quem ele é e o Adamastor diz-lhe que é o Cabo das Tormentas
â
Adamastor começa a falar sobre o seu desgosto a moroso, humaniza-se e parte
«Assi contava; e cum medonho choro,/Súbito de ante os olhos se apartou.»
â
Gama pede a Deus que remova as profecias/maldições que Adamastor proferira
O Mostrengo

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
que moro onde nunca ninguém me visse
e escorro os medos do mar sem fundo?»
e o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa
Reflexões do Poeta – C.V, est. 90 e 92
Reflexão suscitada pelo fim da narraIva de Vasco da Gama ao rei de Melinde.

90 Final do relato da história de Portugal – todos
Da boca do facundo Capitão estavam enlevados com a narração.
Pendendo estavam todos embebidos, O Rei de Melinde louva os reis portugueses e o seu
Quando deu fim à longa narração povo, reconhecendo a nobreza de carácter, força,
Dos altos feitos grandes e subidos. coragem, ousadia…
Louva o Rei o sublime coração
Dos Reis em tantas guerras conhecidos; O louvor e a glória são “[doces]” quando são
Da gente louva a anIga fortaleza, divulgados e merecidos.
A lealdade de ânimo e nobreza.
Quem quer ser relembrado, tem que trabalhar
[…]
muito, para superar os exemplos do passado.
92
Quão doce é o louvor e a justa glória A inveja dos feitos dos antepassados promove a sua
Dos próprios feitos, quando são soados! conInuação no presente (e para serem invejados,
Qualquer nobre trabalha que em memória têm de ser conhecidos…). O louvor vai ser um
Vença ou iguale os grandes já passados. incenIvo para quem quer e procura fazer obras
As invejas da ilustre e alheia história valorosas.
Fazem mil vezes feitos sublimados.
Vasco da Gama foi elogiado pelo rei de Melinde e
Quem valerosas obras exercita, Camões alegra-se com isso. Também Camões
Louvor alheio muito o esperta e incita. gostaria de ser louvado por escrever esta epopeia.

O canto, o louvor, incita à realização dos feitos


93 95
Não Inha em tanto os feitos gloriosos Dá a terra Lusitana Cipiões, Exemplos de
De Aquiles, Alexandro, na peleja, Césares, Alexandros, e dá Augustos; heróis que
Quanto de quem o canta os numerosos Mas não lhe dá contudo aqueles dões foram
Versos: isso só louva, isso deseja. Cuja falta os faz duros e robustos. celebrados
Os troféus de Milcíades, famosos, Octávio, entre as maiores opressões, pelos seus
Temístocles despertam só de enveja; Compunha versos doutos e venustos
feitos, mas
E diz que nada tanto o deleitava. (Não dirá Fúlvia, certo, que é menIra,
Como a voz que seus feitos celebrava. Quando a deixava António por Glafira). que também
Inham o
94 96 dom de
Trabalha por mostrar Vasco da Gama Vai César sojugando toda França escrever.
Que essas navegações que o mundo canta E as armas não lhe impedem a ciência;
Não merecem tamanha glória e fama Mas, nüa mão a pena e noutra a lança, A grande
Como a sua, que o Céu e a Terra espanta. Igualava de Cícero a eloquência.
críIca a
Si; mas aquele Herói que esIma e ama O que de Cipião se sabe e alcança
Com dões, mercês, favores e honra tanta É nas comédias grande experiência. Portugal e aos
A lira Mantuana, faz que soe Lia Alexandro a Homero de maneira portugueses é
Eneias, e a Romana glória voe. Que sempre se lhe sabe à cabeceira. que apesar de
exisIrem
grandes
O Poeta nomeia os feitos da anIguidade no senIdo de mostrar o emxemplo que
guerreiros,
se deve quere igualar ou superar – o exemplo origina a ação.

estes

O Poeta enaltece Vasco da Gama por este mostrar que a sua viagem merece mais
desvalorizam

glória que as célebres navegações de Ulisses e Eneias imortalizadas por Virgílio. a cultura,
sendo “duros

Quem imortaliza os feitos de Vasco da Gama é Camões e ninguém reconhece o seu e robustos”.

valor.


Exemplos de heróis cultos:
•  Octávio – imperador de Roma – escrevia belos versos (exemplo – poema dedicado a Fúlvia, depois
de Marco António a ter abandonado por Glafira);
•  César – fundador do império romano – Inha um esIlo erudito semelhante à eloquência de Cícero
(célebre orador romano);
•  Cipião – chefe da guerra romano – escreve comédias;
•  Alexandre Magno – heróis da AnIguidade – apreciava Homero, conbsiderando-o o seu poeta de
eleição.

97 Conector “Enfim”:
Enfim, não houve forte Capitão •  Após a enumeração de exemplos de homens que
Que não fosse também douto e ciente, se disInguiram pela sua força e destreza militar,
Da Lácia, Grega ou Bárbara nação, mas também pela sua dedicação às letras, o
Senão da Portuguesa tão somente. poeta conclui que existe uma clara diferença
Sem vergonha o não digo: que a razão entre os retratados e os líderes lusitanos que
De algum não ser por versos excelente não valorizam a arte.
É não se ver prezado o verso e rima,
Porque quem não sabe arte, não na esIma. Confissão e desencanto do poeta - o poeta sente
vergonha pelo facto de a nação portuguesa não ter
Quem não praIca a poesia não lhe “[capitães]” letrados, pois quem não sabe o que é
sabe dar o verdadeiro valor. arte, também não a sabe apreciar.

Não houve, no passado, entre os romanos, gregos, ou povos bárbaros, um grande guerreiro que não se
revelasse culto e interessado pela escrita, já os guerreiros portugueses desprezam a poesia e a cultura.
Como poeta que é, Camões sente-se desvalorizado pelo menosprezo dado à literatura e cultura em Portugal.

98 Face ao exposto, há uma conclusão que se


Por isso, e não por falta de natura, pode Irar…
Não há também Virgílios nem Homeros;
Nem haverá, se este costume dura,
Pios Eneias nem Aquiles feros. Sem culIvar as artes/a literatura não há
Mas o pior de tudo é que a ventura imortalização de heróis.
Tão ásperos os fez e tão austeros,
Tão rudos e de engenho tão remisso,
Que a muitos lhe dá pouco ou nada disso. Caracterização dos portugueses - a ventura
fez dos portugueses gente áspera, austera e
rude, sendo que poucos ou nenhuns há com
“engenho”. Assim, se a nação portuguesa
prosseguir no costume da ignorância, não
teremos nem homens ilustres nem corajosos.

CríIca – a caracterização dos heróis contemporâneos


portugueses mostra que são toscos, incultos e pouco
inteligentes, exatamente por isso é que nem percebem a sua
ignorância, o que os levará a nunca serem reconhecidos, pois
também eles não sabem valorizar o que os poderia glorificar.
99
Às Musas agardeça o nosso Gama A falta de cultura do povo português determina a
O muito amor da pátria, que as obriga desvalorização da criação arqsIca.
A dar aos seus, na lira, nome e fama
De toda a ilustre e bélica fadiga;
Que ele, nem quem na esIrpe seu se chama, Assim, esta reflexão do poeta é uma:
Calíope não tem por tão amiga
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
InveIva contra os seus contemporâneos que
As telas d'ouro fino e que o cantassem.
desprezam as letras;
100 •  a comparação entre os exemplos da
Porque o amor fraterno e puro gosto AnIguidade Clássica e os Portugueses serve
De dar a todo o Lusitano feito para acentuar a “pobreza” cultural existente
Seu louvor, é somente o pros[s]uposto
em Portugal;
Das Tágides genIs, e seu respeito.
Porém não deixe, enfim, de ter disposto •  o poeta pretende, com os seus argumentos,
Ninguém a grandes obras sempre o peito: alertar as consciências para a necessidade e
Que, por esta ou por outra qualquer via, para a urgência de se alterar o panorama do
Não perderá seu preço e sua valia. reino no que respeita à cultura e à instrução
dos seus súbditos, sob pena de não haver
Haverá sempre recompensa para quem
realize feitos valerosos – exortação final. uma real evolução se isso não acontecer.

Em poucas palavras – Esta reflexão mostra o desprezo das artes e das letras e a importância
do registo escrito de grandes façanhas como glorificação do povo português e incenIvo a
novos heróis.
Visão Global
Canto VI
– A Armada sai de Melinde com destino a Calecute;
– Baco pede auxílio a Neptuno para que os portugueses não cheguem à Índia;
– Neptuno, influenciado por Baco, convoca um Consílio dos Deuses
Marinhos:
– Éolo fica responsável por soltar os ventos e afundar a Armada
portuguesa;
– Os marinheiros ouvem despreocupadamente Fernão Veloso a contar o
episódio dos Doze de Inglaterra;
– Surge uma violenta tempestade:
– Vasco da Gama, apercebendo-se do perigo, invoca a proteção de Deus;
– Vénus ajuda os portugueses:
– As Ninfas seduzem os ventos a fim de dissipar a tempestade;
– As embarcações avistam Calecute;
– Vasco da Gama agradece a Deus;
- O Poeta reflete sobre o valor da fama e da glória conseguidas através de
grandes feitos – os meios para alcançar a fama.
Episódio da Tempestade - plano da Viagem e Mitológico Canto VI – 70-94

Mas neste passo, assi prontos estando, Transição da tranquilidade anterior dos marinheiros para a
Eis o mestre, que olhando os ares anda, movimentação desencadeada pelas ordens do mestre que é
O apito toca: acordam, despertando, o motor de toda a ação que se desenrola a bordo. (70-73)
Os marinheiros düa e doutra banda.
E, porque o vento vinha refrescando,
Os traquetes das gáveas tomar manda. Primeira aItude de alerta.
- «Alerta (disse) estai, que o vento crece
Daquela nuvem negra que aparece! »
Os marinheiros ficam de sobreaviso de que vai surgir uma
Não eram os traquetes bem tomados, tempestade.
Quando dá a grande e súbita procela.
- «Amaina (disse o mestre a grandes brados),
Amaina (disse), amaina a grande vela!»
Não esperam os ventos indinados Determinação do capitão que manda recolher a vela e aIrar
Que amainassem, mas, juntos dando nela,
a carga desnecessária ao mar.
Em pedaços a fazem cum ruído
Que o Mundo pareceu ser destruído!

O céu fere com gritos nisto a gente, Hipérbole – reforça o perigo e a desgraça desta tempestade
Cum súbito temor e desacordo;
Que, no romper da vela, a nau pendente
Toma grão suma d'água pelo bordo.
- «Alija (disse o mestre rijamente), Anáforas – reforçam a preocupação e azáfama vividas neste
Alija tudo ao mar, não falte acordo! momento.
Vão outros dar à bomba, não cessando;
À bomba, que nos imos alagando!»

Episódio da Tempestade - plano da Viagem e Mitológico Canto VI – 70-94

Mas neste passo, assi prontos estando,


Eis o mestre, que olhando os ares anda, Transição da tranquilidade anterior dos marinheiros para a
O apito toca: acordam, despertando,
Os marinheiros düa e doutra banda. movimentação desencadeada pelas ordens do mestre que é
E, porque o vento vinha refrescando, o motor de toda a ação que se desenrola a bordo. (70-73)
Os traquetes das gáveas tomar manda.
- «Alerta (disse) estai, que o vento crece
Daquela nuvem negra que aparece! »
Primeira aItude de alerta.
Não eram os traquetes bem tomados,
Quando dá a grande e súbita procela.
- «Amaina (disse o mestre a grandes brados),
Amaina (disse), amaina a grande vela!» Os marinheiros ficam de sobreaviso de que vai surgir uma
Não esperam os ventos indinados
Que amainassem, mas, juntos dando nela,
tempestade.
Em pedaços a fazem cum ruído
Que o Mundo pareceu ser destruído!

O céu fere com gritos nisto a gente,
Cum súbito temor e desacordo;
Determinação do capitão que manda recolher a vela e aIrar
Que, no romper da vela, a nau pendente a carga desnecessária ao mar.
Toma grão suma d'água pelo bordo.
- «Alija (disse o mestre rijamente),
Alija tudo ao mar, não falte acordo!
Vão outros dar à bomba, não cessando; Hipérbole – reforça o perigo e a desgraça desta tempestade
À bomba, que nos imos alagando!»

Correm logo os soldados animosos
A dar à bomba; e, tanto que chegaram,
Anáforas – reforçam a preocupação e azáfama vividas neste
Os balanços que os mares temerosos momento.
Deram à nau, num bordo os derribaram.
Três marinheiros, duros e forçosos,
A menear o leme não bastaram; A tempestade que se está a formar é muito grande – três
Talhas lhe punham, düa e doutra parte,
Sem aproveitar dos homens força e arte. homens “duros e forçosos” não chegam para “menear o
leme”
Desenrolar da tempestade vista do exterior das naus. (74-79)
Os ventos eram tais que não puderam
Mostrar mais força d' ímpeto cruel,
Se pera derribar então vieram Hipérbole – reforça a força dos ventos e o objeIvo que estes
A forqssima Torre de Babel, Inham de destruir a armada portuguesa.
Nos alqssimos mares, que creceram,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Os portugueses, embora sejam uma nação pequena,
Vendo que se sustém nas ondas tanto. mostram a sua “grandura” (anqtese), já que não se deixam
amedrontar com esta tempestade e conseguem mostrar a
A nau grande, em que vai Paulo da Gama, sua “possante nau”.
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio. Estragos visíveis na nau de Paulo da Gama.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento Perífrase – Jesus – o desespero é tal que os homens apelam a
Que primeiro amainou que desse o vento. Deus/Jesus.

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo; Estância exemplar no que concerne a figuras de esIlo. Todas
Agora a ver parece que deciam pretendem reforçar o poder da tempestade, a rapidez com
As íntimas entranhas do Profundo. que as ondas e os ventos se enfurecem e a necessidade dos
Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, queriam portugueses acreditarem em si, mesmo quando veem que a
Arruinar a máquina do Mundo; morte é o desIno mais certo: hipérbole; anqtese; anáfora;
A noite negra e feia se alumia eufemismo; enumeração e adjeIvação expressiva.
Cos raios em que o Pólo todo ardia!

Desenrolar da tempestade vista do exterior das naus. (74-79)
Os ventos eram tais que não puderam
Mostrar mais força d' ímpeto cruel,
Se pera derribar então vieram Hipérbole – reforça a força dos ventos e o objeIvo que estes
A forqssima Torre de Babel, Inham de destruir a armada portuguesa.
Nos alqssimos mares, que creceram,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Os portugueses, embora sejam uma nação pequena,
Vendo que se sustém nas ondas tanto. mostram a sua “grandura” (anqtese), já que não se deixam
amedrontar com esta tempestade e conseguem mostrar a
A nau grande, em que vai Paulo da Gama, sua “possante nau”.
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio. Estragos visíveis na nau de Paulo da Gama.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento Perífrase – Jesus – o desespero é tal que os homens apelam a
Que primeiro amainou que desse o vento. Deus/Jesus.

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo; Estância exemplar no que concerne a figuras de esIlo. Todas
Agora a ver parece que deciam pretendem reforçar o poder da tempestade, a rapidez com
As íntimas entranhas do Profundo. que as ondas e os ventos se enfurecem e a necessidade dos
Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, queriam portugueses acreditarem em si, mesmo quando veem que a
Arruinar a máquina do Mundo; morte é o desIno mais certo: hipérbole; anqtese; anáfora;
A noite negra e feia se alumia eufemismo; enumeração e adjeIvação expressiva.
Cos raios em que o Pólo todo ardia!

Desenrolar da tempestade vista do exterior das naus. (74-79)
Os ventos eram tais que não puderam
Mostrar mais força d' ímpeto cruel,
Se pera derribar então vieram Hipérbole – reforça a força dos ventos e o objeIvo que estes
A forqssima Torre de Babel, Inham de destruir a armada portuguesa.
Nos alqssimos mares, que creceram,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Os portugueses, embora sejam uma nação pequena,
Vendo que se sustém nas ondas tanto. mostram a sua “grandura” (anqtese), já que não se deixam
amedrontar com esta tempestade e conseguem mostrar a
A nau grande, em que vai Paulo da Gama, sua “possante nau”.
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio. Estragos visíveis na nau de Paulo da Gama.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento Perífrase – Jesus – o desespero é tal que os homens apelam a
Que primeiro amainou que desse o vento. Deus/Jesus.

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo; Estância exemplar no que concerne a figuras de esIlo. Todas
Agora a ver parece que deciam pretendem reforçar o poder da tempestade, a rapidez com
As íntimas entranhas do Profundo. que as ondas e os ventos se enfurecem e a necessidade dos
Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, queriam portugueses acreditarem em si, mesmo quando veem que a
Arruinar a máquina do Mundo; morte é o desIno mais certo: hipérbole; anetese; anáfora;
A noite negra e feia se alumia eufemismo; enumeração e adjeIvação expressiva.
Cos raios em que o Pólo todo ardia!

Desenrolar da tempestade vista do exterior das naus. (74-79)
Os ventos eram tais que não puderam
Mostrar mais força d' ímpeto cruel,
Se pera derribar então vieram Hipérbole – reforça a força dos ventos e o objeIvo que estes
A forqssima Torre de Babel, Inham de destruir a armada portuguesa.
Nos alqssimos mares, que creceram,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Os portugueses, embora sejam uma nação pequena,
Vendo que se sustém nas ondas tanto. mostram a sua “grandura” (anqtese), já que não se deixam
amedrontar com esta tempestade e conseguem mostrar a
A nau grande, em que vai Paulo da Gama, sua “possante nau”.
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio. Estragos visíveis na nau de Paulo da Gama.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento Perífrase – Jesus – o desespero é tal que os homens apelam a
Que primeiro amainou que desse o vento. Deus/Jesus.

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo; Estância exemplar no que concerne a figuras de esIlo. Todas
Agora a ver parece que deciam pretendem reforçar o poder da tempestade, a rapidez com
As íntimas entranhas do Profundo. que as ondas e os ventos se enfurecem e a necessidade dos
Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, queriam portugueses acreditarem em si, mesmo quando veem que a
Arruinar a máquina do Mundo; morte é o desIno mais certo: hipérbole; anetese; anáfora;
A noite negra e feia se alumia eufemismo; enumeração e adjeIvação expressiva.
Cos raios em que o Pólo todo ardia!

Desenrolar da tempestade vista do exterior das naus. (74-79)
Os ventos eram tais que não puderam
Mostrar mais força d' ímpeto cruel,
Se pera derribar então vieram Hipérbole – reforça a força dos ventos e o objeIvo que estes
A forqssima Torre de Babel, Inham de destruir a armada portuguesa.
Nos alqssimos mares, que creceram,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Os portugueses, embora sejam uma nação pequena,
Vendo que se sustém nas ondas tanto. mostram a sua “grandura” (anqtese), já que não se deixam
amedrontar com esta tempestade e conseguem mostrar a
A nau grande, em que vai Paulo da Gama, sua “possante nau”.
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio. Estragos visíveis na nau de Paulo da Gama.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento Perífrase – Jesus – o desespero é tal que os homens apelam a
Que primeiro amainou que desse o vento. Deus/Jesus.

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo; Estância exemplar no que concerne a figuras de esIlo. Todas
Agora a ver parece que deciam pretendem reforçar o poder da tempestade, a rapidez com
As íntimas entranhas do Profundo. que as ondas e os ventos se enfurecem e a necessidade dos
Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, queriam portugueses acreditarem em si, mesmo quando veem que a
Arruinar a máquina do Mundo; morte é o desIno mais certo: hipérbole; anetese; anáfora;
A noite negra e feia se alumia eufemismo; enumeração e adjeIvação expressiva.
Cos raios em que o Pólo todo ardia!

Desenrolar da tempestade vista do exterior das naus. (74-79)
Os ventos eram tais que não puderam
Mostrar mais força d' ímpeto cruel,
Se pera derribar então vieram Hipérbole – reforça a força dos ventos e o objeIvo que estes
A forqssima Torre de Babel, Inham de destruir a armada portuguesa.
Nos alqssimos mares, que creceram,
A pequena grandura dum batel
Mostra a possante nau, que move espanto,
Os portugueses, embora sejam uma nação pequena,
Vendo que se sustém nas ondas tanto. mostram a sua “grandura” (anqtese), já que não se deixam
amedrontar com esta tempestade e conseguem mostrar a
A nau grande, em que vai Paulo da Gama, sua “possante nau”.
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio. Estragos visíveis na nau de Paulo da Gama.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento Perífrase – Jesus – o desespero é tal que os homens apelam a
Que primeiro amainou que desse o vento. Deus/Jesus.

Agora sobre as nuvens os subiam
As ondas de Neptuno furibundo; Estância exemplar no que concerne a figuras de esIlo. Todas
Agora a ver parece que deciam pretendem reforçar o poder da tempestade, a rapidez com
As íntimas entranhas do Profundo. que as ondas e os ventos se enfurecem e a necessidade dos
Noto, Austro, Bóreas, Áquilo, queriam portugueses acreditarem em si, mesmo quando veem que a
Arruinar a máquina do Mundo; morte é o desIno mais certo: hipérbole; anetese; anáfora;
A noite negra e feia se alumia eufemismo; enumeração e adjeGvação expressiva.
Cos raios em que o Pólo todo ardia!


As Alciónias aves triste canto Nunca se vira uma tempestade desta dimensão:
Junto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto, •  As Alciónias – ave marinha (proveniente de
Que as furiosas águas lhe causaram. uma divindade – Alcione, filha de Éolo – que
Os delfins namorados, entretanto,
Lá nas covas maríImas entraram, após o desgosto pela morte do marido se
Fugindo à tempestade e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros.
aIrou ao mar, suicidando-se, e os deuses a
transformaram em ave) entoaram um “triste
Nunca tão vivos raios fabricou
Contra a fera soberba dos Gigantes canto” prevendo a desgraça que iria
O grão ferreiro sórdido que obrou acontecer;
Do enteado as armas radiantes;
Nem tanto o grão Tonante arremessou •  Os golfinhos esconderam-se da tempestade,
Relâmpados ao mundo, fulminantes,
No grão dilúvio donde sós viveram
tal era o medo;
Os dous que em gente as pedras converteram. •  Os raios e relâmpagos eram de tal forma que
Quantos montes, então, que derribaram nem no dilúvio preparado por Júpiter para
As ondas que batiam denodadas! exterminar a raça humana isso aconteceu;
Quantas árvores velhas arrancaram
Do vento bravo as fúrias indinadas! •  Os montes desmoronavam-se, as árvores
As forçosas raízes não cuidaram
Que nunca pera o céu fossem viradas
eram arrancadas com a força do vento;
Nem as fundas areias que pudessem •  A desgraça era imensa.
Tanto os mares que em cima as revolvessem.


As Alciónias aves triste canto Nunca se vira uma tempestade desta dimensão:
Junto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto, •  As Alciónias – ave marinha (proveniente de
Que as furiosas águas lhe causaram. uma divindade – Alcione, filha de Éolo – que
Os delfins namorados, entretanto,
Lá nas covas maríImas entraram, após o desgosto pela morte do marido se
Fugindo à tempestade e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros.
aIrou ao mar, suicidando-se, e os deuses a
transformaram em ave) entoaram um “triste
Nunca tão vivos raios fabricou
Contra a fera soberba dos Gigantes canto” prevendo a desgraça que iria
O grão ferreiro sórdido que obrou acontecer;
Do enteado as armas radiantes;
Nem tanto o grão Tonante arremessou •  Os golfinhos esconderam-se da tempestade,
Relâmpados ao mundo, fulminantes,
No grão dilúvio donde sós viveram
tal era o medo;
Os dous que em gente as pedras converteram. •  Os raios e relâmpagos eram de tal forma que
Quantos montes, então, que derribaram nem no dilúvio preparado por Júpiter para
As ondas que batiam denodadas! exterminar a raça humana isso aconteceu;
Quantas árvores velhas arrancaram
Do vento bravo as fúrias indinadas! •  Os montes desmoronavam-se, as árvores
As forçosas raízes não cuidaram
Que nunca pera o céu fossem viradas
eram arrancadas com a força do vento;
Nem as fundas areias que pudessem •  A desgraça era imensa.
Tanto os mares que em cima as revolvessem.


As Alciónias aves triste canto Nunca se vira uma tempestade desta dimensão:
Junto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto, •  As Alciónias – ave marinha (proveniente de
Que as furiosas águas lhe causaram. uma divindade – Alcione, filha de Éolo – que
Os delfins namorados, entretanto,
Lá nas covas maríImas entraram, após o desgosto pela morte do marido se
Fugindo à tempestade e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros.
aIrou ao mar, suicidando-se, e os deuses a
transformaram em ave) entoaram um “triste
Nunca tão vivos raios fabricou
Contra a fera soberba dos Gigantes canto” prevendo a desgraça que iria
O grão ferreiro sórdido que obrou acontecer;
Do enteado as armas radiantes;
Nem tanto o grão Tonante arremessou •  Os golfinhos esconderam-se da tempestade,
Relâmpados ao mundo, fulminantes,
No grão dilúvio donde sós viveram
tal era o medo;
Os dous que em gente as pedras converteram. •  Os raios e relâmpagos eram de tal forma que
Quantos montes, então, que derribaram nem no dilúvio preparado por Júpiter para
As ondas que batiam denodadas! exterminar a raça humana isso aconteceu;
Quantas árvores velhas arrancaram
Do vento bravo as fúrias indinadas! •  Os montes desmoronavam-se, as árvores
As forçosas raízes não cuidaram
Que nunca pera o céu fossem viradas
eram arrancadas com a força do vento;
Nem as fundas areias que pudessem •  A desgraça era imensa.
Tanto os mares que em cima as revolvessem.


As Alciónias aves triste canto Nunca se vira uma tempestade desta dimensão:
Junto da costa brava levantaram,
Lembrando-se de seu passado pranto, •  As Alciónias – ave marinha (proveniente de
Que as furiosas águas lhe causaram. uma divindade – Alcione, filha de Éolo – que
Os delfins namorados, entretanto,
Lá nas covas maríImas entraram, após o desgosto pela morte do marido se
Fugindo à tempestade e ventos duros,
Que nem no fundo os deixa estar seguros.
aIrou ao mar, suicidando-se, e os deuses a
transformaram em ave) entoaram um “triste
Nunca tão vivos raios fabricou
Contra a fera soberba dos Gigantes canto” prevendo a desgraça que iria
O grão ferreiro sórdido que obrou acontecer;
Do enteado as armas radiantes;
Nem tanto o grão Tonante arremessou •  Os golfinhos esconderam-se da tempestade,
Relâmpados ao mundo, fulminantes,
No grão dilúvio donde sós viveram
tal era o medo;
Os dous que em gente as pedras converteram. •  Os raios e relâmpagos eram de tal forma que
Quantos montes, então, que derribaram nem no dilúvio preparado por Júpiter para
As ondas que batiam denodadas! exterminar a raça humana isso aconteceu;
Quantas árvores velhas arrancaram
Do vento bravo as fúrias indinadas! •  Os montes desmoronavam-se, as árvores
As forçosas raízes não cuidaram
Que nunca pera o céu fossem viradas
eram arrancadas com a força do vento;
Nem as fundas areias que pudessem •  A desgraça era imensa.
Tanto os mares que em cima as revolvessem.

Vasco da Gama, temendo a destruição da armada, suplica a Deus. (80-83)
Vendo Vasco da Gama que tão perto
Do fim de seu desejo se perdia,
Vendo ora o mar até o Inferno aberto,
Ora com nova fúria ao Céu subia,
Vasco da Gama, ao ver a desgraça iminente, percebe
Confuso de temor, da vida incerto, que tem apenas uma solução – pedir a Deus o seu
Onde nenhum remédio lhe valia, auxílio, pois os homens já nada poderiam fazer.
Chama aquele remédio santo e forte
Que o impossíbil pode, desta sorte:

- «Divina Guarda, angélica, celeste,
Que os céus, o mar e terra senhoreias:
Na primeira parte do seu discurso, Vasco da Gama
Tu, que a todo Israel refúgio deste relembra Deus de alguns dos Seus feitos no que
Por metade das águas Eritreias; concerne à proteção de:
Tu, que livraste Paulo e defendeste
Das Sirtes arenosas e ondas feias, •  judeus no mar Vermelho (recolheu as suas águas
E, guardaste, cos filhos, o segundo para dar passagem aos homens);
Povoador do alagado e vácuo mundo:
•  S. Paulo nos golfos de perigosíssima navegação;
Se tenho novos medos perigosos •  Noé e filhos do dilúvio;
Doutra Cila e Caríbdis já passados,
Outras Sirtes e baxos arenosos, •  os próprios portugueses nesta viagem
Outros Acroceráunios infamados;
No fim de tantos casos trabalhosos,
Porque somos de Ti desempatados,
Se este nosso trabalho não te ofende,
Mas antes teu serviço só pretende?

Oh ditosos aqueles que puderam


Entre as agudas lanças Africanas
Morrer, enquanto fortes sustiveram
A santa Fé nas terras Mauritanas;
De quem feitos ilustres se souberam,
De quem ficam memórias soberanas,
De quem se ganha a vida com perdê-la,
Doce fazendo a morte as honras dela!»

Vasco da Gama, temendo a destruição da armada, suplica a Deus. (80-83)
Vendo Vasco da Gama que tão perto
Do fim de seu desejo se perdia,
Vendo ora o mar até o Inferno aberto, Vasco da Gama, ao ver a desgraça iminente, percebe
Ora com nova fúria ao Céu subia,
Confuso de temor, da vida incerto, que tem apenas uma solução – pedir a Deus o seu
Onde nenhum remédio lhe valia, auxílio, pois os homens já nada poderiam fazer. –
Chama aquele remédio santo e forte
Que o impossíbil pode, desta sorte:
maravilhoso cristão.

- «Divina Guarda, angélica, celeste,
Que os céus, o mar e terra senhoreias:
Na primeira parte do seu discurso, Vasco da Gama
Tu, que a todo Israel refúgio deste relembra Deus de alguns dos Seus feitos no que
Por metade das águas Eritreias; concerne à proteção de:
Tu, que livraste Paulo e defendeste
Das Sirtes arenosas e ondas feias, •  judeus no mar Vermelho (recolheu as suas águas
E, guardaste, cos filhos, o segundo para dar passagem aos homens);
Povoador do alagado e vácuo mundo:
•  S. Paulo nos golfos de perigosíssima navegação;
Se tenho novos medos perigosos •  Noé e filhos do dilúvio;
Doutra Cila e Caríbdis já passados,
Outras Sirtes e baxos arenosos, •  os próprios portugueses nesta viagem
Outros Acroceráunios infamados;
No fim de tantos casos trabalhosos,
Porque somos de Ti desempatados, Interrogação retórica – Vasco da Gama quesIona Deus,
Se este nosso trabalho não te ofende, no senIdo de perceber por que moIvo os portugueses
Mas antes teu serviço só pretende?
são, desta forma, abandonados no momento em que
Oh ditosos aqueles que puderam falta tão pouco para aIngir o objeIvo delineado.
Entre as agudas lanças Africanas
Morrer, enquanto fortes sustiveram
A santa Fé nas terras Mauritanas;
De quem feitos ilustres se souberam, Assim, teria sido preferível morrer em terra a combater
De quem ficam memórias soberanas, pela fé cristã, do que morrer num mar anónimo sem
De quem se ganha a vida com perdê-la,
Doce fazendo a morte as honras dela!» honras e sem glórias.

A tempestade conInua (84), mas Vénus vem socorrer os portugueses. (85-91)

Assi dizendo, os ventos, que lutam A tempestade conInua sendo os ventos comparados a
Como touros indómitos, bramando, “touros indómitos” (indomáveis), “relâmpagos
Mais e mais a tormenta acrecentavam, medonhos” e “trovões” que faziam crer estar a travar-
Pela miúda enxárcia assoviando. se uma guerra contra as naus portuguesas.
Relâmpados medonhos não cessavam,
Feros trovões, que vêm representando
Cair o Céu dos eixos sobre a Terra,
Conjunção coordenaIva adversaIva – anuncia que algo
Consigo os Elementos terem guerra.
contrário ao relatado vai acontecer – a tempestade terá

o seu fim.
Mas já a amorosa Estrela cinIlava
Diante do Sol claro, no horizonte,
Mensageira do dia, e visitava Vénus, ao aperceber-se da tempestade, decide
A terra e o largo mar, com leda fronte. auxiliar os portugueses.
A Deusa que nos Céus a governava, Vénus é uma personagem adjuvante dos lusos –
De quem foge o ensífero Orionte, no Consílio dos deuses, a deusa Inha mostrado a
Tanto que o mar e a cara armada vira, sua afeição pelos lusitanos, dizendo que
Tocada junto foi de medo e de ira. defendia o seu sucesso no Oriente.
- «Estas obras de Baco são, por certo
(Disse), mas não será que avante leve A deusa percebe imediatamente que esta
Tão danada tenção, que descoberto tempestade seria obra de Baco que se Inha
Me será sempre o mal a que se atreve.» manifestado contra o sucesso dos portugueses.
Isto dizendo, dece ao mar aberto,
No caminho gastando espaço breve,
Enquanto manda as Ninfas amorosas •  Vénus ordena às Ninfas para colocarem
Grinaldas nas cabeças pôr de rosas. grinaldas na cabeça e ficarem bonitas, de

Grinaldas manda pôr de várias cores modo a conseguirem seduzir os ventos.
Sobre cabelos louros a porfia. •  É a intervenção do maravilhoso pagão neste
Quem não dirá que nacem roxas flores
episódio.
Sobre ouro natural, que Amor enfia?
Abrandar determina, por amores, •  Vasco da Gama apela a Deus (maravilhoso
Dos ventos a nojosa companhia, cristão), mas é o maravilhoso pagão quem o
Mostrando-lhe as amadas Ninfas belas,
Que mais fermosas vinham que as estrelas. auxilia (caracterísIca e obrigatoriedade de
uma epopeia).
Assi foi; porque, tanto que chegaram
À vista delas, logo lhe falecem As ninfas começaram a seduzir os ventos e começou a
As forças com que dantes pelejaram, resultar.
E já como rendidos lhe obedecem;
Os pés e mãos parece que lhe ataram
O Amor (das Ninfas) vence a inveja (de Baco que
Os cabelos que os raios escurecem. preparou esta cilada).
A Bóreas, que do peito mais queria,
Assi disse a belíssima OriIa:

Hipérbole – ao referir que o louro dos cabelos das
- «Não creias, fero Bóreas, que te creio ninfas fez com que os raios do sol parecessem mais
Que me Iveste nunca amor constante, escuros, pretende reforçar o poder das ninfas.
Que brandura é de amor mais certo arreio
E não convém furor a firme amante.
Se já não pões a tanta insânia freio, OriIa (ninfa por quem Bóreas [vento do norte] se Inha
Não esperes de mi, daqui em diante, apaixonado) revela a Bóreas que o seu comportamento
Que possa mais amar-te, mas temer-te;
Que amor, conIgo, em medo se converte.» a inibe de conInuar a manter com ele uma relação
amistosa, já que com ele o amor “em medo se
Assi mesmo a fermosa Galateia converte”.
Dizia ao fero Noto, que bem sabe
Que dias há que em vê-la se recreia,
E bem crê que com ele tudo acabe.
Não sabe o bravo tanto bem se o creia, Galateia (nereida – ninfa do mar) uIliza a mesma
Que o coração no peito lhe não cabe; estratégia de OriIa com Noto (vento do sul)
De contente de ver que a dama o manda,
Pouco cuida que faz, se logo abranda.

Desta maneira as outras amansavam Através da sedução, as ninfas conseguem domar os


Subitamente os outros amadores;
E logo à linda Vénus se entregavam,
ventos e Vénus promete aos ventos que nunca lhes
Amansadas as iras e os furores. faltará o amor, porém, em compensação, eles terão que
Ela lhe prometeu, vendo que amavam, lhe ser leais e não perturbar mais a viagem dos
Sempiterno favor em seus amores,
Nas belas mãos tomando-lhe homenagem
portugueses.
De lhe serem leais esta viagem.

Já a manhã clara dava nos outeiros Chegada à Índia (92-94)
Por onde o Ganges murmurando soa,
Quando da celsa gávea os marinheiros
Enxergaram terra alta, pela proa. Metáfora (do peito voa) – os marinheiros
Já fora de tormenta e dos primeiros portugueses estão agora tranquilos, em paz, o medo
Mares, o temor vão do peito voa. desapareceu.
Disse alegre o piloto Melindano:
- «Terra é de Calecu, se não me engano.
Chegada à Índia – o objeIvo foi alcançado
«Esta é, por certo, a terra que buscais
Da verdadeira Índia, que aparece;
E se do mundo mais não desejais,
Vosso trabalho longo aqui fenece.»
Sofrer aqui não pôde o Gama mais,
De ledo em ver que a terra se conhece; •  Vasco da Gama ajoelha-se e agradece a Deus.
Os giolhos no chão, as mãos ao Céu, •  Fusão entre o maravilhoso cristão (Deus) e o
A mercê grande a Deus agardeceu. maravilhoso pagão (Vénus).

As graças a Deus dava, e razão Inha, •  É o maravilhoso pagão (deuses da AnIguidade
Que não somente a terra lhe mostrava Clássica – exigência das caracterísIcas da epopeia)
Que, com tanto temor, buscando vinha, quem auxilia os portugueses, mas o capitão faz o
Por quem tanto trabalho exprimentava,
Mas via -se livrado, tão asinha, seu apelo e agradece a Deus (Portugal é um país
Da morte, que no mar lhe aparelhava católico e existe a Inquisição à data de publicação
O vento duro, férvido e medonho, da obra. Camões Inha que se salvaguardar).
Como quem despertou de horrendo sonho.
Esquema síntese – Tempestade, Súplica de Gama,
Intervenção de Vénus e chegada a Calecute
(C. VI, 70 – 94)
Tempestade
O mestre «O apito toca» porque «...o vento crece/Daquela nuvem negra que aparece»
â
O mestre e marinheiros lutam contra a tempestade fazendo tudo o que está ao seu alcance. Mas as naus começam a ficar
alagadas e, inclusivamente, semi-destruídas
â
Tempestade composta de ondas destruidoras e de ventos muito fortes
â
Súplica de Vasco da Gama
â
Vasco da Gama pede auxílio à «Divina Guarda», a Deus
â
Primeiro faz um elogio e depois diz que estas navegações servem a Deus
â
Diz que os portugueses já morreram a difundir a Fé Cristã
â
Intervenção de Vénus
â
Manda as Ninfas amorosas seduzirem os ventos e o mar
â
«Desta maneira as outras amansavam/Subitamente os outros amadores»
â
Chegada a Calecute
â
Manhã clara - os navegadores estavam mais tranquilos quando o piloto Melindano avistou terra «Terra é de Calecu, se não
me engano»
â
Gama alegrou-se e agradeceu a Deus o facto de terem chegado ao seu desIno e terem passado ilesos por tantas tormentas
O Homem Do Leme Em dias cinzentos
Xutos & Pontapés descanso eterno
lá encontraram.
Sozinho na noite E mais que uma onda,
um barco ruma mais que uma maré...
para onde vai. Tentaram prendê-lo,
Uma luz no escuro impor-lhe uma fé...
brilha a direito Mas, vogando à vontade,
ofusca as demais. rompendo a saudade,
E mais que uma onda, vai quem já nada teme,
mais que uma maré... vai o homem do leme…
Tentaram prendê-lo E uma vontade de rir,
impor-lhe uma fé... nasce do fundo do ser.
Mas, vogando à vontade, E uma vontade de ir,
rompendo a saudade, correr o mundo e parIr,
vai quem já nada teme, a vida é sempre a perder...
vai o homem do leme… No fundo horizonte
E uma vontade de rir, sopra o murmúrio
nasce do fundo do ser. para onde vai.
E uma vontade de ir, No fundo do tempo
correr o mundo e parIr, foge o futuro, é tarde demais...
a vida é sempre a perder... E uma vontade de rir
No fundo do mar nasce do fundo do ser.
jazem os outros, E uma vontade de ir,
os que lá ficaram. correr o mundo e parIr,
a vida é sempre a perder...
Visão Global
Canto VII
– A Armada chega a Calecute;
– Elogio do Poeta à expansão portuguesa como evangelizadora:
– Crítica às nações que não seguem o exemplo português;
– Descrição da Índia;
– Primeiros contactos entre portugueses e indianos, através de um mensageiro;
O mouro Monçaide visita a nau de Vasco da Gama e descreve o Malabar;
– Os portugueses desembarcam:
– São recebidos pelo Catual e posteriormente por Samorim;
– O Catual visita a Armada;
– Pede a Paulo da Gama que lhe explique o significado da bandeira
nacional;
– Invocação às ninfas do Tejo e do Mondego;
– Louvor ao espírito de cruzada dos portugueses e crítica à desvalorização do
mérito e aos opressores e exploradores do povo;
Reflexões do Poeta – C.VII, est. 78-87

Reflexão suscitada pelo pedido do Catual a Paulo da Gama para que lhe explique o
significado das figuras desenhadas nas bandeiras da nau.
Conjunção coordenaIva adversaIva
Um ramo na mão Inha... Mas, ó cego!
O Poeta confessa que o seu “caminho”/
Eu, que cometo insano e temerário,
vida tem sido:
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego, •  muito di‚cil;
Por caminho tão árduo, longo e vário! •  cheio de adversidades e obstáculos a
Vosso favor invoco, que navego transpor;
Por alto mar, com vento tão contrário, •  Por isso:
•  teme pelo que lhe poderá
Que, se não me ajudais, hei grande medo
acontecer.
Que o meu fraco batel se alague cedo.

Pedido de auxílio, de inspiração.

Sente que é um náufrago, sem apoio, Metáfora de vida – reforça a


sem valorização. precaridade e a falta de valor que lhe
dão.

O facto de perceber que “navega” sozinho, ameaçado por “vento tão contrário”,
tendo uma tarefa “tão [árdua]” fá-lo senIr-se desanimado e triste.
79
Olhai que há tanto tempo que, cantando
Há muito que celebra em verso os portugueses.
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A fortuna mo traz peregrinando, O desIno não tem sido favorável, moIvo pelo
Novos trabalhos vendo, e novos danos: qual se sente um peregrino, sendo-lhe
Agora o mar, agora experimentando apresentados “novos trabalhos” e “novos danos”.
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Cánace, que à morte se condena, Vive constantemente em perigo, quer no mar,
Numa mão sempre a espada, e noutra a pena. quer na guerra.
80
Agora, com pobreza avorrecida, Simultaneamente escreve e luta – nunca desiste
Por hospícios alheios degradado; de escrever.
Agora, da esperança já adquirida,
De novo, mais que nunca, derribado; Esteve no exílio (fruto também da sua pobreza).
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado Qualquer esperança que possa ter Ido foi seguida
Que não menos milagre foi salvar-se de momentos de maior dor e abaImento.
Que para o Rei Judaico acrescentar-se.
81 Sente que viveu à beira da morte.
E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem, A sua vida resume-se ao infortúnio, agudizado pela
Senão que aqueles, que eu cantando andava falta de reconhecimento daqueles que ele louvou e
Tal prémio de meus versos me tornassem:
que nunca o recompensaram por tal feito (muito
A troco dos descansos que esperava,
pelo contrário) – Anqteses = sonho e realidade.
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram, RepeIção e anáfora que reforça a quanIdade
Com que em tão duro estado me deitaram. de infortúnios que lhe aconteceram.
82
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores Ironia – críIca do poeta a todos aqueles que não
O vosso Tejo cria valorosos, valorizam os poetas/escritores.
Que assim sabem prezar com tais favores
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores, Esta desvalorização não fomenta o aparecimento
Para espertar engenhos curiosos, de novos escritores, o que originará o
Para porem as coisas em memória, esquecimento dos heróis e um país sem cultura.
Que merecerem ter eterna glória!
83
O poeta compromete-se a nunca louvar aqueles
Pois logo em tantos males é forçado,
que não merecem:
Que só vosso favor me não faleça, •  os ambiciosos (colocam os seus interesses
Principalmente aqui, que sou chegado acima de tudo e desrespeitam Deus e o rei);
Onde feitos diversos engrandeça: •  os que abusam do poder (para proveito
Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
próprio);
Que não o empregue em quem o não mereça, •  os que exploram os mais fracos
Nem por lisonja louve algum subido,
Sob pena de não ser agradecido.
84 85
Nem creiais, Ninfas, não, que a fama desse Nenhum que use de seu poder bastante,
Para servir a seu desejo feio,
A quem ao bem comum e do seu Rei
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Antepuser seu próprio interesse,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Inimigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso, que quisesse Nem, Camenas, também cuideis que canto
Subir a grandes cargos, cantarei, Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar ao Rei no o‚cio novo,
Só por poder com torpes exercícios
A despir e roubar o pobre povo.
Usar mais largamente de seus vícios;
86
Nem quem acha que é justo e que é direito (cont.)
Guardar-se a lei do Rei severamente, •  poeta compromete-se a nunca louvar
E não acha que é justo e bom respeito, aqueles que não merecem:
Que se pague o suor da servil gente;
•  os que aplicam a lei de forma injusta;
Nem quem sempre, com pouco experto peito,
•  os que exploram os mais fracos;
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Para taxar, com mão rapace e escassa, •  os que roubam, enganam e escravizam o
Os trabalhos alheios, que não passa. povo, os que não têm experiência e não
valorizam o trabalho dos outros.
87
Aqueles sós direi, que aventuraram
Por seu Deus, por seu Rei, a amada vida, O Poeta só louvará aqueles que se
Onde, perdendo-a, em fama a dilataram, “[aventuram]”, lutam, sacrificam por Deus,
Tão bem de suas obras merecida. p el o Rei, p el a vi d a, sem med o de,
Apolo, e as Musas que me acompanharam, inclusivamente, morrer por uma boa causa.
Me dobrarão a fúria concedida,
Enquanto eu tomo alento descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.
Referência a Apolo, deus das Belas Artes, e às
Musas:
•  pede-lhes que o apoiem nesta tarefa tão
di‚cil (apesar de não esquecer todas as
adversidades anteriormente nomeadas).
Reflexão do Canto VII - Em poucas palavras

- Intervenção pedagógica;

- O povo português revela indiferença e insensibilidade face à cultura e literatura,


desprezando e não dando valor ao poeta;

- PerspeIva pessoal do desprezo que lhe é votado - lamento do poeta pelos


infortúnios sofridos e pelo não reconhecimento do seu mérito;

- O seu exemplo (o desprezo e falta de reconhecimento face ao seu esforço) é


inviabilizador do incenIvo a futuros escritores, nenhum escritor quererá louvar os
feitos dos portugueses;

- Os portugueses menosprezam a cultura e literatura, o que os poderá levar à


decadência;

- Denúncia dos abusos dos poderosos e das injusIças que aIngem o povo.
Visão Global
Canto VIII
– Paulo da Gama explica a bandeira ao Catual;
– Intervenção de Baco contra os portugueses:
– Aparece em sonhos a um sacerdote brâmane, convencendo-o que os
portugueses têm como objetivo o roubo;
– Samorim interroga Vasco da Gama que regressa às naus;
– Vasco da Gama retido por Catual:
– O Catual só permite que os portugueses partam após estes terem
entregue todas as fazendas que traziam;
– O Poeta reflete sobre o vil poder do ouro.
Reflexões do Poeta – C.VIII, est. 96-99
Reflexão suscitada pelas traições sofridas por Vasco da Gama em Calecute, nomeadamente o
seu sequestro, ultrapassadas pela entrega de valores materiais.
Tomada de consciência dos portugueses em
96 Nas naus estar se deixa vagaroso, relação à cobiça do Catual
Até ver o que o tempo lhe descobre:
Todas as classes sociais são subjugadas ao poder
Que não se fia já do cobiçoso
do dinheiro.
Regedor, corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso Recurso a personagens mitológicas a fim de
Quanto no rico, assim como no pobre, comprovar o poder do dinheiro.
Pode o vil interesse e sede inimiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga. •  Rei da Trácia – matou Polidoro, filho de
Príamo, pois queria o dinheiro que ele
transportava.
97 A Polidoro mata o Rei Treício, •  Acrísio - encerrou a filha numa torre, para a
Só por ficar senhor do grão tesouro; impedir de ter filhos e de cumpriri uma
Entra, pelo forqssimo edi‚cio, profecia, porém, Júpiter entra como chuva
Com a filha de Acriso a chuva d'ouro; de ouro e seduz a rapariga.
Pode tanto em Tarpeia avaro vício, •  Tarpeia – abriu as porta de Roma aos
Que, a troco do metal luzente e louro, inimigos Sabinos em troca de pulseiras de
Entrega aos inimigos a alta torre, ouro – foi esmagada pelos metais.
Do qual quase afogada em pago morre.
Referências ao dinheiro, esse “vil metal”
Perífrase e adjeIvação – intensifica o brilho do ouro, do dinheiro, causa da sedução
Reflexões do Poeta – C.VIII, est. 96-99
Referências ao dinheiro, esse “vil metal” –
pronome demonstraIvo – Anáfora –
98 amplificação do poder do dinheiro .-
Este rende munidas fortalezas, expressão da preversidade humana
Faz tredores e falsos os amigos:
Este a mais nobres faz fazer vilezas, O dinheiro:
E entrega Capitães aos inimigos; •  Derruba o que há de mais forte, faz
Este corrompe virginais purezas, traidores e inimigos;
Sem temer de honra ou fama alguns perigos: •  Traz maldade;
Este deprava às vezes as ciências, •  Corrompe;
Os juízos cegando e as consciências; •  Influencia/degrada o saber e tolda
o discernimento;
•  Degrada as leis e a jusIça;
•  Provoca ações desleais.
99
Este interpreta mais que suIlmente.
Os textos; este faz e desfaz leis; Anástrofe (inversão da ordem normal dos
Este causa os perjúrios entre a gente, elementos da frase) – Mil vezes ouvirieis que
E mil vezes Iranos torna os Reis. este encantadorn corrompe e ilude até os
Até os que só a Deus Onipotente que dedicam a vida a Deus omnipotente.
Se dedicam, mil vezes ouvireis Ironia; Hipérbole; Perífrase
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude.
A corrupção aIunge todas as classes sociais, mas o tom críIco é mais veemente em relação ao clero.
Reflexões do Poeta – C.VIII, est. 96-99

96 98
Nas naus estar se deixa vagaroso, Este rende munidas fortalezas,
Até ver o que o tempo lhe descobre: Faz tredores e falsos os amigos:
Que não se fia já do cobiçoso Este a mais nobres faz fazer vilezas,
Regedor, corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso
E entrega Capitães aos inimigos;
Quanto no rico, assim como no pobre, Este corrompe virginais purezas,
Pode o vil interesse e sede inimiga Sem temer de honra ou fama alguns perigos:
Do dinheiro, que a tudo nos obriga. Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências;
97 99
A Polidoro mata o Rei Treício, Este interpreta mais que suIlmente.
Só por ficar senhor do grão tesouro; Os textos; este faz e desfaz leis;
Entra, pelo forqssimo edi‚cio, Este causa os perjúrios entre a gente,
Com a filha de Acriso a chuva d'ouro; E mil vezes Iranos torna os Reis.
Pode tanto em Tarpeia avaro vício, Até os que só a Deus Onipotente
Que, a troco do metal luzente e louro, Se dedicam, mil vezes ouvireis
Entrega aos inimigos a alta torre, Que corrompe este encantador, e ilude;
Do qual quase afogada em pago morre. Mas não sem cor, contudo, de virtude.

Em poucas palavras - O poeta tece considerações sobre o poder corruptor do dinheiro, metal que
obriga à tomada de determinadas condutas indignas do ser humano. O dinheiro não é sinónimo
de virtude.
Nesta reflexão são postos em causa valores como a amizade, a dignidade, a jusIça, a honesIdade
e a lealdade, desta forma, o Poeta expressa indignação, perplexidade e surpresa.
Visão Global
Canto IX
– Os portugueses saem de Calecute, depois de vencerem algumas dificuldades;
– Início da viagem de regresso à pátria;
– Vénus prepara uma recompensa para os navegadores – Ilha dos Amores;
– A mando de Vénus, Cupido atinge as Ninfas para que estas recebam
amorosamente os portugueses;
– A Armada avista a Ilha dos Amores;
– Os navegadores desembarcam e encontram as Ninfas que se deixam
perseguir e seduzir;
– Tétis explica a Vasco da Gama o motivo daquele encontro;
– Vasco da Gama fica a conhecer as glórias futuras dos portugueses;
– Explicação da simbologia da Ilha;
– O Poeta reflete sobre a forma de alcançar a Fama.
Episódio da Ilha dos Amores- plano da Viagem e Mitológico

“Os navegadores, parFndo da Europa, Fnham cumprido o seu dever de rasgar o


caminho maríFmo para a Índia até a alcançar; Fnham contactado novas culturas e gentes;
Fnham celebrizado o nome do seu Rei e da sua Pátria: eram verdadeiros Heróis, apagando
de vez as celebridades anFgas, cantadas nas epopeias clássicas.
Merecem pois a honra e a glória de serem também celebrizados e imortalizados com o
nome gigante de “deuses”, porque necessariamente a memória das pessoas nunca mais os
irá esquecer.
O regresso prepara-lhes um lugar paradisíaco, onde a saFsfação e o descanso sejam
os seus pratos fortes.”
(José Oliveira Macêdo)
Episódio da Ilha dos Amores- plano da Viagem e Mitológico Canto IX – 18-29

Porém a Deusa Cípria, que ordenada


Era, pera favor dos Lusitanos, Vénus sempre apoiou os portugueses e pretendia
Do Padre Eterno, e por bom génio dada, dar-lhes uma alegria nesta viagem de regresso.
Que sempre os guia já de longos anos,
A glória por trabalhos alcançada, Depois de terem ultrapassado tantas adversidades
SaIsfação de bem sofridos danos, merecem “algum deleite”.
Lhe andava já ordenando, e pretendia
Dar-lhe nos mares tristes, alegria.

Despois de ter um pouco revolvido Recompensa dos heróis – só aqueles que se
Na mente o largo mar que navegaram,
superiorizam pelos seus atos heroicos merecem
Os trabalhos que pelo Deus nascido
Nas Anfiónias Tebas se causaram, uma recompensa – no caso dos portugueses, esta
Já trazia de longe no senIdo, recompensa será a miIficação do herói.
Pera prémio de quanto mal passaram,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso,
No Reino de cristal, líquido e manso;

Perífrase - mar
Algum repouso, enfim, com que pudesse
Refocilar a lassa humanidade
Dos navegantes seus, como interesse MiIficação do herói – deificação dos portugueses = esta
Do trabalho que encurta a breve idade.
Parece-lhe razão que conta desse recompensa permiIrá aos deuses descer ao plano terreno e
A seu filho, por cuja potestade
Os Deuses faz decer ao vil terreno
aos portugueses subir ao plano dos deuses, o que significa
E os humanos subir ao Céu sereno.
que os portugueses serão semi-deuses.

Isto bem revolvido, determina
De ter-lhe aparelhada, lá no meio
Das águas, algüa ínsula divina,
Ornada d'esmaltado e verde arreio; Vénus resolve prepara uma ilha no meio do Oceano para
Que muitas tem no reino que confina
Da primeira co terreno seio,
que os portugueses nela possam descansar e elevar-se ao
Afora as que possui soberanas
plano dos deuses.
Pera dentro das portas Herculanas.

Ali quer que as aquáIcas donzelas
Esperem os forqssimos barões
(Todas as que têm qtulo de belas, Nessa ilha estarão as nereidas (ninfas) que esperarão pelos
Glória dos olhos, dor dos corações)
Com danças e coreias, porque nelas marinheiros e para eles irão dançar. Criarão laços afeIvos e
Influirá secretas afeições,
Pera com mais vontade trabalharem relacionar-se-ão amorosamente com os lusitanos.
De contentar a quem se afeiçoarem.

Tal manha buscou já pera que aquele
Que de Anquises pariu, bem recebido
Fosse no campo que a bovina pele
Tomou de espaço, por suIl parIdo.
Seu filho vai buscar, porque só nele Vénus conta com o apoio de Cupido.
Tem todo seu poder, fero Cupido,
Que, assi como naquela empresa anIga
A ajudou já, nestoutra a ajude e siga.

No carro ajunta as aves que na vida
Vão da morte as exéquias celebrando, Vénus começa a preparar tudo e consegue influenciar
E aquelas em que já foi converIda todos à sua volta.
Perístera, as boninas apanhando;
Em derredor da Deusa, já parIda,
No ar lascivos beijos se vão dando;
Ela, por onde passa, o ar e o vento
Sereno faz. com brando movimento Quando encontra Cupido, seu filho, percebe que
também ele está a juntar um exército.
Já sobre os Idálios montes pende,
Onde o filho frecheiro estava então,
Ajuntando outros muitos, que pretende
Fazer üa famosa expedição
Contra o mundo revelde, por que emende
Erros grandes que há dias nele estão,
Amando cousas que nos foram dadas, Cupido mostra-se revoltado com a filosofia que
Não pera ser amadas, mas usadas. paira na terra – as pessoas estão preocupadas em
amar as coisas fúteis, aquilo que serve apenas para
Via Actéon na caça tão austero,
De cego na alegria bruta, insana, usar e que não tem qualquer importância e não
Que, por seguir um feio animal fero, amam o que devem. (Comparação com o caso do
Foge da gente e bela forma humana; caçador que estava tão apaixonado pela caça que
E por casIgo quer, doce e severo,
foi converIdo por Diana num veado e os cães que o
Mostrar-lhe a fermosura de Diana.
(E guarde-se não seja inda comido costumavam acompanhar comeram-no)
Desses cães que agora ama, e consumido).
E vê do mundo todo os principais
Que nenhum no bem púbrico imagina; O desespero e revolta de Cupido prendem-se com
Vê neles que não têm amor a mais
Que a si somente, e a quem Filáucia ensina; o facto dele olhar para a terra e ver que:
Vê que esses que frequentam os reais •  Os governantes não se preocupam com o bem
Paços, por verdadeira e sã doutrina
Vendem adulação, que mal consente público;
Mondar-se o novo trigo florecente. •  A vaidade é suprema nos homens;

Vê que aqueles que devem à pobreza •  Os que frequentam a corte a são aduladores
Amor divino, e ao povo caridade, para com o rei, quando na verdade isso só
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando jusIça e integridade; acontece por interesse;
Da feia Irania e de aspereza •  O clero que não se dedica ao povo nem faz um
Fazem direito e vã severidade;
Leis em favor do Rei se estabelecem, voto de pobreza, preferindo beneficiar-se a si e
As em favor do povo só perecem. não ao próximo;

Vê, enfim, que ninguém ama o que deve, •  A proclamação de leis que favorecem o rei e
Senão o que somente mal deseja. não o povo;
Não quer que tanto tempo se releve
O casIgo que duro e justo seja. •  As pessoas que não amam o que devem amar,
Seus ministros ajunta, por que leve preferindo o que é material ao espiritual.
Exércitos conformes à peleja
Que espera ter co a mal regida gente
Que lhe não for agora obediente.
E vê do mundo todo os principais
Que nenhum no bem púbrico imagina;
Vê neles que não têm amor a mais Através destas estrofes, é feita a críIca:
Que a si somente, e a quem Filáucia ensina; •  Aos governantes que não se preocupam com o
Vê que esses que frequentam os reais
bem comum e são egoístas e vaidosos (est.27,
Paços, por verdadeira e sã doutrina
Vendem adulação, que mal consente vv.1-4);
Mondar-se o novo trigo florecente.
•  Aos cortesãos aduladores que em nada
Vê que aqueles que devem à pobreza contribuem para que o jovem rei, D. SebasIão,
Amor divino, e ao povo caridade,
conheça a verdade e assim possa ser melhor
Amam somente mandos e riqueza,
Simulando jusIça e integridade; governante (est.27, vv.5-8);
Da feia Irania e de aspereza
Fazem direito e vã severidade; •  Aos membros do clero que em vez de amar o
Leis em favor do Rei se estabelecem, povo e a Deus amam o poder e a riqueza (est.
As em favor do povo só perecem.
28, vv.1-4);
Vê, enfim, que ninguém ama o que deve, •  Aos homens de lei que legislam somente em
Senão o que somente mal deseja.
favor dos poderosos esquecendo o povo (est.
Não quer que tanto tempo se releve
O casIgo que duro e justo seja. 28, vv.5-8);
Seus ministros ajunta, por que leve
Exércitos conformes à peleja •  Ao mundo que desconhece o amor nas suas
Que espera ter co a mal regida gente várias formas (est.29, vv.1-2).
Que lhe não for agora obediente.
Esquema síntese C.IX, est. 18-29
Lionardo persegue a ninfa Efire, a qual lhe foge, fazendo-se rogada (est. 75-76). Episódio da Ilha dos Amores – aventura de Lionardo - plano da Viagem e Mitológico Canto IX –
75-84

Caracterização de Lionardo:
Lionardo, soldado bem disposto, •  Boa figura;
Manhoso, cavaleiro e namorado, •  Esperto;
A quem Amor não dera um só desgosto •  Cavaleiro;
Mas sempre fora dele mal tratado, •  Apaixonado
E Inha já por firme pros[s]uposto •  Teve muitos desgostos amorosos;
Ser com amores mal afortunado, •  Acreditava que não teria sorte no amor;
Porém não que perdesse a esperança •  Apesar de querer ter esperança numa
De inda poder seu fado ter mudança, mudança no seu desIno

Quis aqui sua ventura que corria Lionardo teve que correr atrás da ninfa Efire que
Após Efire, exemplo de beleza, parecia mais esquiva que as outras.
Que mais caro que as outras dar queria
O que deu, pera dar-se, a natureza.
Já cansado, correndo, lhe dizia:
Lionardo começa a falar com ela no senIdo de a
- «Ó fermosura indina de aspereza,
demover de fugir. UIliza para isso uma anqtese
Pois desta vida te concedo a palma,
entre “fermosura”/”aspereza”, afirmando que
Espera um corpo de quem levas a alma!
beleza não combinava com crueldade. Afirma,
também, estar apaixonado por ela através da
metáfora “de quem levas a alma”.
Enquanto a persegue dirige-lhe palavras de amor e de desejo (est.76 [3 úlImos Lionardo:
Todas de correr cansam, Ninfa pura. •  está convencido que Efire só foge desta maneira porque se
Rendendo-se à vontade do inimigo; trata da sua má sorte (“ventura”), por isso quesIona
Tu só de mi só foges na espessura? “Quem te disse que eu era o que te sigo?”;
Quem te disse que eu era o que te sigo? •  pede-lhe para que ela quebre este seu desIno faqdico,
Se to tem dito já aquela ventura para que ela faça o que nenhum Imperador consegue –
Que em toda a parte sempre anda comigo, vencer o desIno;
Oh, não na creias, porque eu, quando a cria,
•  Diz-lhe que ela toma o parIdo dos mais fortes e quesIona-
Mil vezes cada hora me menIa.
a no senIdo de perceber se ela não tem remorsos por lhe

Não canses, que me cansas! E se queres levar o “coração”;
Fugir -me, por que não possa tocar-te, •  acredita que Efire pode mudar o seu desIno apaixonando-
Minha ventura é tal que, inda que esperes, se por ele.
Ela fará que não possa alcançar-te. Pões-te da parte da desdita minha?
Espera; quero ver, se tu quiseres, Fraqueza é dar ajuda ao mais potente.
Que suIl modo busca de escapar-te; Levas-me um coração que livre Inha?
E notarás, no fim deste sucesso, Solta-mo e correrás mais levemente.
Tra la spica e la man qual muro he messo*. Não te carrega essa alma tão mesquinha
*Entre a espiga e a mão levanta-se sempre um muro Que nesses fios de ouro reluzente
(Petrarca) Atada levas? Ou, despois de presa,
Oh! Não me fujas! Assi nunca o breve Lhe mudaste a ventura e menos pesa?
Tempo fuja de tua fermosura;
Que, só com refrear o passo leve, Nesta esperança só te vou seguindo:
Vencerás da fortuna a força dura. Que ou tu não sofrerás o peso dela,
Que Emperador, que exército se atreve Ou na virtude de teu gesto lindo
A quebrantar a fúria da ventura Lhe mudarás a triste e dura estrela.
Que, em quanto desejei, me vai seguindo, E se se lhe mudar, não vás fugindo,
versos] - 81.

O que tu só farás não me fugindo? Que Amor te ferirá, genIl donzela,


E tu me esperarás, se Amor te fere;
E se me esperas, não há mais que espere.»

Efire deixa-se alcançar e dá-se o casamento cósmico – desde a estância 82 (este

Já não fugia a bela Ninfa tanto,
é um episódio exemplo – todos o marinheiros viveram algo semelhante)

Por se dar cara ao triste que a seguia,


Como por ir ouvindo o doce canto, Dá-se a união entre as ninfas e os marinheiros,
As namoradas mágoas que dizia.
Volvendo o rosto, já sereno e santo,
o que permite a elevação dos lusos a semi-
Toda banhada em riso e alegria, deuses, dando-lhes a imortalidade.
Cair se deixa aos pés do vencedor,
Que todo se desfaz em puro amor.

Oh, que famintos beijos na floresta, Unindo-se às ninfas, num casamento simbólico,
E que mimoso choro que soava!
Que afagos tão suaves! Que ira honesta, os marinheiros recebem das suas mãos as
Que em risinhos alegres se tornava! coroas de louros que representam a
O que mais passam na manhã e na sesta,
Que Vénus com prazeres inflamava, imortalidade alcançada.
Milhor é exprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode exprimentá-lo.

Destarte, enfim, conformes já as fermosas Esta ilha pertence ao plano do sonho que dá
Ninfas cos seus amados navegantes,
senIdo à existência, o sonho pelo qual os
Os ornam de capelas deleitosas
De louro e de ouro e flores abundantes. nautas lutaram, arriscando a vida, o sonho que
As mãos alvas lhe davam como esposas; permite aIngir a plenitude da Beleza, do Amor
Com palavras formais e esIpulantes
Se prometem eterna companhia, e do Conhecimento.
Em vida e morte, de honra e alegria.

Esquemas síntese

Ilha dos Amores, Canto IX, estr. 52, 53, 66 a 95

«De longe a Ilha viram, fresca e bela,/Que Vénus


pelas ondas lha levava»
â â
A ilha era maravilhosa «Porque dos feitos grandes, da ousadia/Forte e
â famosa, o mundo está guardando/
Os marinheiros e guerreiros desceram das naus O prémio lá no fim, bem merecido,/Com fama
com as armas e partiram em busca de algo grande e nome alto e subido.»
â â
Até que «Dá Veloso, espantado, um grande grito:/ «Estes são os deleites desta Ilha»
“Senhores, caça estranha (disse) é esta! [...] â
Sigamos estas Deusas e vejamos/Se fantásticas «Pelo trabalho imenso que se chama/Caminho da
são, se verdadeiras”» virtude»
â â
«Acende-se o desejo, que se ceva/Nas alvas A ilha diviniza os portugueses «Divinos os
carnes, súbito mostradas» fizeram, sendo humanos»
â â
Lionardo conta as suas mágoas a uma Ninfa e ela Reflexão sobre a forma de alcançar a fama
«Cair se deixa aos pés do vencedor,/Que todo se â
desfaz em puro amor.» Despertar da preguiça, pôr cobro à cobiça, à
â ambição desmedida e à tirania, pois estas não
O Capitão teve uma Ninfa especial dão «Verdadeiro valor [...] à gente»
â â
A fama tem que se merecer e o facto dos
portugueses terem encontrado esta ilha é
sinónimo de imortalidade.
Reflexões do Poeta – C.IX, est. 52-53, 66-70 e 88-95

Reflexão suscitada pela explicação de TéIs a Vasco da Gama sobre o significado alegórico da
Ilha dos Amores.
52
De longe a Ilha viram fresca e bela, Anástrofe – alteração da ordem comum das
Que Vénus pelas ondas lha levava palavras na frase (anteposição do determinante
(Bem como o vento leva branca vela) ao determinado) – realça a distância com que a
Para onde a forte armada se enxergava; ilha foi observada pelos portugueses.
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Para onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo enfim podia. É Vénus quem coloca esta ilha no caminho dos
portugueses.
53
Mas firme a fez e imóvel, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada;
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada. A ilha apresenta-se numa “enseada/curva”.
Para lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia uma enseada
Curva e quieta, cuja branca areia,
Pintou de ruivas conchas Citereia.
Reflexões do Poeta – C.IX, est. 52-53, 66-70 e 88-95
66
69
Mas os fortes mancebos, que na praia
Dá Veloso espantado um grande grito:
Punham os pés, de terra cobiçosos, Discurso de
"Senhores, caça estranha, disse, é esta!
Que não há nenhum deles que não saia
Se ainda dura o GenIo anIgo rito, Veloso:
De acharem caça agreste desejosos, - Apercebe-se
A Deusas é sagrada esta floresta.
Não cuidam que, sem laço ou redes, caia de que se trata
Mais descobrimos do que humano espírito
Caça naqueles montes deleitosos,
Desejou nunca; e bem se manifesta de uma ilha de
Tão suave, domésIca e benigna,
Que são grandes as coisas e excelentes, deusas e
Qual ferida lha Inha já Ericina.
Que o mundo encobre aos homens imprudentes. sugere que as


67 sigam.
70
Alguns, que em espingardas e nas bestas,
"Sigamos estas Deusas, e vejamos
Para ferir os cervos se fiavam,
Se fantásIcas são, se verdadeiras."
Pelos sombrios matos e florestas
Isto dito, velozes mais que gamos, Comparação
Determinadamente se lançavam:
Se lançam a correr pelas ribeiras.
Outros, nas sombras, que de as altas sestas
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,
Defendem a verdura, passeavam Realçam a velocidade
Mas, mais industriosas que ligeiras,
Ao longo da água que, suave e queda,
Pouco e pouco sorrindo e gritos dando, com que os
Por alvas pedras corre à praia leda.
Se deixam ir dos galgos alcançando. navegadores tentaram

68 alcançar as Ninfas.
Começam de enxergar subitamente Metáfora
Por entre verdes ramos várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente Descrição da reação dos navegadores ao chegarem à ilha
Que não eram das rosas ou das flores, e dos seus intentos – descansar e caçar.
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas, “Subitamente” percebem que aquela não é uma ilha
Fazendo-se por arte mais formosas. qualquer.
Reflexões do Poeta – C.IX, est. 52-53, 66-70 e 88-95
88
Assim a formosa e a forte companhia
O dia quase todo estão passando, Após a realização de feitos grandiosos há a
Numa alma, doce, incógnita alegria, recompensa do herói.
Os trabalhos tão longos compensando.
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
MiIficação do herói.
O prémio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.
Excecionalidade dos portugueses
89
Que as Ninfas do Oceano tão formosas, Ilha dos Amores:
Tethys, e a ilha angélica pintada, •  Prémio;
Outra coisa não é que as deleitosas
•  Recompensa;
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas proeminências gloriosas, •  Fama;
Os triunfos, a fronte coroada •  Imortalidade;
De palma e louro, a glória e maravilha: •  MiIficação:
Estes são os deleites desta ilha. •  Os portugueses disInguiram-se
como heróis e forma coroados como
90 deuses – este é o reconhecimento
Que as imortalidades que fingia
dos que fizeram “mais do que
A anIguidade, que os ilustres ama,
Lá no estelante Olimpo, a quem subia promeIa a força humana”
Sobre as asas ínclitas da Fama,
Por obras valorosas que fazia, Personificação – nas asas da fama, a AnIguidade
Pelo trabalho imenso que se chama fazia subir os homens ilustres ao Olimpo.
Caminho da virtude alto e fragoso,
Mas no fim doce, alegre e deleitoso: AdjeIvação
Reflexões do Poeta – C.IX, est. 52-53, 66-70 e 88-95
91
Não eram senão prémios que reparte Após a realização de feitos grandiosos há a
Por feitos imortais e soberanos
recompensa do herói.
O mundo com os varões, que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos.
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte, Enumeração dos deuses que antes de o serem eram
Eneias e Quirino, e os dois Tebanos, humanos – confirma que a imortalidade é o prémio
Ceres, Palas e Juno, com Diana, dos que praIcam grandes ações.
Todos foram de fraca carne humana.

92 Para aIngir a fama/gória/recompensa
Mas a Fama, trombeta de obras tais, merecida é necessário trabalho, esforço e
Lhe deu no mundo nomes tão estranhos nunca cair no ócio.
De Deuses, Semideuses imortais,
Indígetes, Heróicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas esImais, Apóstrofe – dirigida àqueles que procuram a fama –
Se quiserdes no mundo ser tamanhos, incita-os à ação.
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo de livre faz escravo. Para aIngir a fama/gória/recompensa

merecida é necessário negar a cobiça e a
93
E ponde na cobiça um freio duro, ambição, pois estas levam à Irania.
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro É perferível/mais digno merecer ser
Vício da Irania infame e urgente; reconhecido e não o ser, do que ter
Porque essas honras vãs, esse ouro puro reconhecimento sem o merecer.
Verdadeiro valor não dão à gente:
Melhor é, merecê-los sem os ter,
Jogo quiásmico – sublinha a importância de merecer
Que possuí-los sem os merecer.
o que se possui.
Reflexões do Poeta – C.IX, est. 52-53, 66-70 e 88-95

94 Anqtese – enfaIza a exploração dos mais


Ou dai na paz as leis iguais, constantes, fracos pelos mais poderosos.
Que aos grandes não deem o dos pequenos;
Ou vos vesI nas armas ruIlantes, A jusIça e a honra existem quando há uma
Contra a lei dos inimigos Sarracenos: igualdade social – veia judicaIva de Camões e
Fareis os Reinos grandes e possantes, de defesa de questões sociais – Poderá haver:
E todos tereis mais, o nenhum menos; •  um reino maior e poderoso;
Possuireis riquezas merecidas, •  igualdade na distribuição dos bens;
Com as honras, que ilustram tanto as vidas. •  honra e fama para todos;

•  um rei mais ilustre e esclarecido, devido ao
95
apoio , aos conselhos sensatos e à lealdade
E fareis claro o Rei, que tanto amais,
Agora com os conselhos bem cuidados, dos que o rodeiam;
Agora com as espadas, que imortais •  imortalidade como os antepassados;
Vos farão, como os vossos já passados; •  eterno reconhecimento como heróis.
Impossibilidades não façais,
Que quem quis sempre pôde; e numerados
Sereis entre os Heróis esclarecidos, Não há limites para o ser humano. Quem
E nesta Ilha de Vénus recebidos. sempre quis, sempre conseguiu – com força de
vontade é possível alcançar a glória.

Quando as ações são corretas é possível Anáfora – realça o que deve ser feito para
aIngir a glória e o reconhecimento. aIngir a glória de uma forma honesta.
Reflexões do Poeta – C.IX, est. 52-53, 66-70 e 88-95

Em poucas palavras – Esta reflexão do poeta (est. 88-95) pretende:


•  esclarecer acerca do verdadeiro caminho para aIngir a fama:
•  alertar para o domínio do ócio e o refreio da cobiça e da ambição;
•  fomentar a aplicação de leis igualitárias e justas;
•  relembrar a necessária luta contra os mouros.

para isso

CriIca-se:
•  O ócio, a ambição, a Irania e a cobiça:
De modo a obter:
•  O reconhecimento, a honra, e glória através do esforço e da vontade.
Visão Global
Canto X
– Tétis e as Ninfas oferecem um banquete aos portugueses;
– O Poeta invoca Calíope;
– Uma Ninfa profetiza o futuro glorioso dos portugueses no Oriente;
– Tétis mostra a Máquina do Mundo a Vasco da Gama, indicando o futuro
alcance do Império Português;
– Despedida dos portugueses e regresso a Portugal;
– O Poeta termina esta epopeia, lamentando o seu destino de poeta infeliz e
incompreendido;
– Exortação ao rei D. Sebastião para continuar a glória dos portugueses.
Episódio da Ilha dos Amores - plano da Viagem e Mitológico Canto X – 142 – 144

«Até aqui, Portugueses, concedido


Vos é saberdes os futuros feitos Despedida de TéIs/Vénus
Que, pelo mar que já deixais sabido,
Virão fazer barões de fortes peitos.
Agora, pois que tendes aprendido Os portugueses Iveram conhecimento dos “futuros
Trabalhos que vos façam ser aceitos feitos” e da glória eterna que terão.
As eternas esposas e fermosas,
Que coroas vos tecem gloriosas,
O mar está favorável, assim como o vento para a
«Podeis -vos embarcar, que tendes vento viagem de regresso.
E mar tranquilo, pera a pátria amada.»
Assi lhe disse; e logo movimento
Fazem da Ilha alegre e namorada. As naus estão preparadas para a parIda.
Levam refresco e nobre manImento;
Levam a companhia desejada
Das Ninfas, que hão-de ter eternamente, Também as ninfas os acompanharão para sempre
Por mais tempo que o Sol o mundo aquente. em espírito.

Assi foram cortando o mar sereno, Chegada a Portugal
Com vento sempre manso e nunca irado,
Até que houveram vista do terreno
Em que naceram, sempre desejado. •  A viagem de regresso é contada numa estrofe, o
Entraram pela foz do Tejo ameno, que prova que esta foi pacífica, sem
E à sua pátria e Rei temido e amado adversidades, com “o mar sereno/Com vento
O prémio e glória dão por que mandou, sempre manso e nunca irado”.
E com qtulos novos se ilustrou. •  Todos foram glorificados neste regresso.

Esquemas síntese
A máquina do Mundo, Canto X, est. (75 – 91) 142-144
(Tethis conduz Vasco da Gama a um «monte espesso»,
a fim de ver «o que não pode a vã ciência/Dos errados e míseros mortais» ver.
â
Veem um «globo» translúcido «no ar», onde podem distinguir-se os contornos das onze esferas (Lua, Mercúrio, Vénus,
Sol, Marte, Júpiter, Saturno, Firmamento, Céu Áqueo ou Cristalino, Primeiro Móbil e Empíreo)
â
«Em pequeno volume, aqui te dou/Do Mundo aos olhos teus, para que vejas/Por onde vás e irás e o que desejas»
â
Explicação de Tethis acerca da «grande máquina do Mundo,/Etérea e elemental», incluindo todas as características do
globo terrestre, suas gentes e culturas.
â
Tethis clarifica Vasco da Gama acerca da constituição de todo o firmamento até chegar ao planeta terra, «pousada dos
humanos [...]/ ousados»)
â
Tethis anuncia feitos futuros «Até qui, Portugueses, concedido/Vos é saberdes os futuros feitos/Que,
pelo mar, que já deixais sabido,/Irão fazer barões de fortes peitos»
â
Esta ação de Tethis mostra que os portugueses são os eleitos para conhecer o que só os deuses
conheciam, existindo assim a mitificação do herói que já tinha sido divinizado na Ilha dos Amores.
â
Despedida aos portugueses «Podeis vos embarcar, que tendes vento/E mar tranquilo, pera a pátria
amada».
â
Regresso a Portugal «Entraram pela foz do Tejo ameno/[...]O prémio e glória dão por que mandou/E
com títulos novos se ilustrou».
Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe e o Sul sidério
‘Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada Inha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstracta linha.

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte-
Os beijos merecidos da Verdade.

Fernando Pessoa
A Ilha dos Amores simboliza:

•  o reconhecimento de Deus pelos feitos do povo português através de uma recompensa:


•  a celebração de uma casamento cósmico entre as ninfas e os portugueses,
através do qual Camões os eleva a um estatuto de divindades – é a dignificação/
mitificação do herói:
•  quem pratica feitos de tal magnitude merece a imortalidade própria da
condição divina «Por feitos imortais e soberanos/O mundo cos varões que
esforço e arte/Divinos os fizeram, sendo humanos».

•  com Vasco da Gama temos o reconhecimento do herói e a Ilha dos Amores é esse
reconhecimento:
•  a recompensa existe porque os portugueses foram capazes de ultrapassar os
seus medos e atingir o conhecimento ao passarem pelo Cabo das Tormentas;
•  Téthis revela a Vasco da Gama a Máquina do Mundo, o que possibilita a
mitificação do herói, o amor e o conhecimento – são estes últimos que
permitem a elevação do ser como pessoa e são o único caminho para o
futuro;
A Ilha dos Amores simboliza:

•  mais do que a exploração dos mares, exprime a passagem do desconhecido para


o conhecimento, não só a nível físico, mas também a nível espiritual/interior – o
mar é o caminho físico para a espiritualidade;

•  Jorge de Sena considera que estamos perante «a recolocação do Amor, do verdadeiro


Amor, como centro da Harmonia do Mundo. A Ilha é uma catarse total, não apenas de
todos os recalcamentos, mas das misérias da própria História, e das misérias da vida
no tempo de Camões e fora dele (...) Ao desmistificar os deuses, Camões faz-nos
assumir a fantasia como fantasia, dando aos homens a dignidade máxima de terem
sido humanos, do mesmo modo que aponta aos homens a maneira de se divinizarem».
Mitificação do herói:

•  Os portugueses conseguiram conquistar o mar e vencer as forças divinas;


a vontade de “ir mais alto” e “mais longe”, a ousadia, a coragem, o sacrifício e o
estudo permitiram ao povo português a superação de si próprio e “mais do que
prometia a força humana” atingir o seu objetivo;

•  A Ilha dos Amores surge como a recompensa pela superação de todos os


obstáculos e o alcance do “horizonte”, existindo, desta forma, a divinização
dos portugueses;

•  A viagem traduz-se na procura da verdade, na passagem do desconhecido


para o conhecido, das trevas para a luz, a capacidade de ultrapassar o medo
e atingir a verdade, sendo exemplo disso o episódio do Adamastor;

•  A Máquina do Mundo surge como uma nova época do conhecimento, o


alargamento de horizontes;

•  A suprema harmonia dá-se através da união dos homens com os deuses.


Reflexões do Poeta – C.X, est. 75-91
Reflexão suscitada pela apresentação da Máquina do Mundo a Vasco da Gama e
profecias de TéIs.

75
Despois que a corporal necessidade Os navegadores Iveram acesso ao
Se saIsfez do manImento nobre,
seu merecido prémio na Ilha dos
E na harmonia e doce suavidade
Viram os altos feitos que descobre, Amores
TéIs, de graça ornada e gravidade,
Pera que com mais alta glória dobre
As festas deste alegre e claro dia,
Pera o felice Gama assi dizia:

76
- "Faz-te mercê, barão, a Sapiência O convite de Tethys a Gama para ver
Suprema de, cos olhos corporais, “o que não pode a vã ciência / Dos
Veres o que não pode a vã ciência
errados e míseros mortais”
Dos errados e míseros mortais.
Sigue-me firme e forte, com prudência,
Por este monte espesso, tu cos mais."
Assi lhe diz e o guia por um mato
Árduo, di‚cil, duro a humano trato.

Reflexões do Poeta – C.X, est. 75-91
77
Não andam muito que no erguido cume
Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente,
Como a sua super‚cia, claramente.

78
Qual a matéria seja não se enxerga,
Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca s'ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Descrição do “globo”
Começa e acaba, enfim, por divina arte,

79
Uniforme, perfeito, em si susIdo,
Qual, enfim, o ArqueIpo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: — "O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas.

Reflexões do Poeta – C.X, est. 75-91
80
"Vês aqui a grande máquina do Mundo, Explicação sobre o significado da “grande máquina do
Etérea e elemental, que fabricada Mundo” e apresentação detalhada dos seus elementos
Assi foi do Saber, alto e profundo, consItuintes – est.81-91
Que é sem princípio e meta limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e sua super‚cia tão limada, Local onde se encontram as almas sem pecado.
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende. Apenas os deuses verdadeiros figuram na Máquina do Mundo.

81
"Este orbe que, primeiro, vai cercando
Os outros mais pequenos que em si tem,
Que está com luz tão clara radiando
Que a vista cega e a mente vil também,
Empíreo se nomeia, onde logrando
Puras almas estão daquele Bem
Tamanho, que ele só se entende e alcança,
De quem não há no mundo semelhança.

82
"Aqui, só verdadeiros, gloriosos
Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,
Júpiter, Juno, fomos fabulosos,
Fingidos de mortal e cego engano.
Só pera fazer versos deleitosos
Servimos; e, se mais o trato humano
Nos pode dar, é só que o nome nosso
Nestas estrelas pôs o engenho vosso.

Reflexões do Poeta – C.X, est. 75-91
83
"E também, porque a santa Providência, 86
Que em Júpiter aqui se representa, "Com este rapto e grande movimento
Por espíritos mil que têm prudência Vão todos os que dentro tem no seio;
Governa o Mundo todo que sustenta Por obra deste, o Sol, andando a tento,
(Ensina-lo a proféIca ciência, O dia e noite faz, com curso alheio.
Em muitos dos exemplos que apresenta); Debaxo deste leve, anda outro lento,
Os que são bons, guiando, favorecem, Tão lento e sojugado a duro freio,
Os maus, em quanto podem, nos empecem; Que enquanto Febo, de luz nunca escasso,
Duzentos cursos faz, dá ele um passo.
84
"Quer logo aqui a pintura que varia
Agora deleitando, ora ensinando, Júpiter é o responsável pelo mundo, é ele quem
Dar-lhe nomes que a anIga Poesia manda.
A seus Deuses já dera, fabulando;
Que os Anjos de celeste companhia
Deuses o sacro verso está chamando,
Nem nega que esse nome preminente
Também aos maus se dá, mas falsamente. Existem duas esferas. Uma maior e outra
mais pequena. Esta úlIma é a responsável
85
pela existência de dias e noites.
"Enfim que o Sumo Deus, que por segundas
Causas obra no Mundo, tudo manda.
E tornando a contar-te das profundas
Obras da Mão Divina veneranda,
Debaxo deste círculo onde as mundas
Almas divinas gozam, que não anda,
Outro corre, tão leve e tão ligeiro
Que não se enxerga: é o Móbile primeiro.

Reflexões do Poeta – C.X, est. 75-91
87
"Olha estoutro debaxo, que esmaltado
90
De corpos lisos anda e radiantes,
"Em todos estes orbes, diferente
Que também nele tem curso ordenado
Curso verás, nuns grave e noutros leve;
E nos seus axes correm cinIlantes.
Ora fogem do Centro longamente,
Bem vês como se veste e faz ornado
Ora da Terra estão caminho breve,
Co largo Cinto d, ouro, que estelantes
Bem como quis o Padre omnipotente,
Animais doze traz afigurados,
Que o fogo fez e o ar, o vento e neve,
Apousentos de Febo limitados.
Os quais verás que jazem mais a dentro

E tem co Mar a Terra por seu centro.
88

"Olha por outras partes a pintura
91
Que as Estrelas fulgentes vão fazendo:
"Neste centro, pousada dos humanos,
Olha a Carreta, atenta a Cinosura,
Que não somente, ousados, se contentam
Andrómeda e seu pai, e o Drago horrendo;
De sofrerem da terra firme os danos,
Vê de Cassiopeia a fermosura
Mas inda o mar instábil exprimentam,
E do Orionte o gesto turbulento;
Verás as várias partes, que os insanos
Olha o Cisne morrendo que suspira,
Mares dividem, onde se apousentam
A Lebre e os Cães, a Nau e a doce Lira.
Várias nações que mandam vários Reis,

Vários costumes seus e várias leis.
89
"Debaxo deste grande Firmamento,
Em poucas palavras – “A contemplação da máquina do
Vês o céu de Saturno, Deus anIgo;
Júpiter logo faz o movimento, mundo, que TéIs proporcionou a Vasco da Gama, tem
E Marte abaxo, bélico inimigo; algo de iniciação ao conhecimento do Universo, porque a
O claro Olho do céu, no quarto assento,
E Vénus, que os amores traz consigo; iniciação é a passagem do mundo profano, vulgar, para um
Mercúrio, de eloquência soberana; mundo sagrado, para um nível diferente.” (Silvério
Com três rostos, debaxo vai Diana. Benedito) = MiIficação do Herói
ÚlIma Reflexão do Poeta- plano das Considerações do Poeta
Canto X – 145-146 + 154 – 156
9ºano

ÚlIma Reflexão do Poeta- plano das Considerações do Poeta


Canto X – 145-156
10ºano
Reflexões do Poeta – C.X, est. 145-156
Reflexão suscitada pela chegada da armada de Vasco da Gama a Portugal, após a realização
de um feito imortal

145 VocaIvo – a quem se dirige o poeta


Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida, Metonímia/Metáfora – a “Lira” enquanto símbolo
E não do canto, mas de ver que venho da arte poéIca
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho
Camões sente-se desiludido e cansado não de
Não no dá a pátria, não, que está meIda
escrever, mas sim do Ipo de “público” que possui
No gosto da cobiça e na rudeza
– incultos, ignorantes, insensíveis.
Düa austera, apagada e vil tristeza.

O Poeta não pretende cantar mais, não O seu estado de espírito prende-se também com
pede mais inspiração, tal é o seu a constatação de que o país vive numa crise de
desencanto, desilusão, desânimo e valores e em decadência.
mágoa.

Em suma - Camões confessa-se cansado de “cantar a gente surda e endurecida” que não o sabe
apreciar, uma gente “meIda / no gosto da cobiça e na rudeza / Düa austera, apagada e vil tristeza”,
aliás é a imagem do Portugal de então, que ele apresenta com alguma mágoa e até sarcasmo e
azedume.
Reflexões do Poeta – C.X, est. 145-156
146
E não sei por que influxo de DesIno
Não tem um ledo orgulho e geral gosto, VocaIvo – a quem se dirige o poeta
Que os ânimos levanta de conIno
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós, ó Rei, que por divino UIlização do imperaIvo – apelo ao Rei para
Conselho estais no régio sólio posto, que ele observe os seus súbditos e perceba
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
que estes são os mais:
Senhor só de vassalos excelentes.
•  alegres;
147 •  bravos;
Olhai que ledos vão, por várias vias, •  esforçados;
Quais rompentes liões e bravos touros, •  corajosos;
Dando os corpos a fomes e vigias, •  destemidos;
A ferro, a fogo, a setas e pelouros, •  dedicados;
A quentes regiões, a plagas frias,
•  com espírito de sacri‚cio;
A golpes de Idolátras e de Mouros,
A perigos incógnitos do mundo, •  orgulhosos;
A naufrágios, a pexes, ao profundo. •  acedem a todos os desejos do monarca…

148
Por vos servir, a tudo aparelhados; Elogio máximo aos portugueses.
De vós tão longe, sempre obedientes;
A quaisquer vossos ásperos mandados,
Sem dar reposta, prontos e contentes.
Só com saber que são de vós olhados, Enumeração – reforça os traços caracterizadores
Demónios infernais, negros e ardentes, dos heróis da epopeia.
Cometerão convosco, e não duvido
Que vencedor vos façam, não vencido.

Reflexões do Poeta – C.X, est. 145-156
149
Favorecei-os logo, e alegrai-os Após ter tecido elogios aos portugueses nas estrofes
Com a presença e leda humanidade;
De rigorosas leis desalivai-os, anteriores, da estrofe 149 à 151, Camões apela ao Rei
Que assi se abre o caminho à sanIdade. para que este recompense os seus súbditos, apoiando-os
Os mais exprimentados levantai-os,
Se, com a experiência, têm bondade sem disInção, promovendo, simultaneamente, os mais
Pera vosso conselho, pois que sabem experientes e esImando os que dilatam a Fé e o Império
O como, o quando, e onde as cousas cabem.

sem temer os inimigos nem poupar esforços. O rei deve:
150 •  recompensá-los sendo humano e humilde;
Todos favorecei em seus o‚cios,
Segundo têm das vidas o talento;
•  reIrar-lhes as pesadas leis injustas;
Tenham Religiosos exercícios •  promover os que têm mais experiência de vida;
De rogarem, por vosso regimento,
•  reconhecer as competências de todos;
Com jejuns, disciplina, pelos vícios
Comuns; toda ambição terão por vento, •  exigir que o clero cumpra as suas funções religiosas;
Que o bom Religioso verdadeiro
•  esImar os guerreiros que expandem a fé cristã e o
Glória vã não pretende nem dinheiro.
império.
151
Os Cavaleiros tende em muita esIma,
Pois com seu sangue intrépido e fervente Valorização do conhecimento feito pela experiência e
Estendem não sòmente a Lei de cima,
pelo mérito.
Mas inda vosso Império preminente.
Pois aqueles que a tão remoto clima
Vos vão servir, com passo diligente, CríIca ao clero – classe que está corrompida pela
Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
ambição desmedida de glória e bens materiais.
E (o que é mais) os trabalhos excessivos.
Reflexões do Poeta – C.X, est. 145-156

152
Fazei, Senhor, que nunca os admirados O Poeta suplica ao Rei para que este não permita
Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
que os estrangeiros subjuguem os portugueses.
Possam dizer que são pera mandados,
Mais que pera mandar, os Portugueses.
Tomai conselho só d'exprimentados D. SebasIão tem que zelar pela autonomia de
Que viram largos anos, largos meses, Portugal face aos outros países.
Que, posto que em cientes muito cabe.
Mais em parIcular o experto sabe.
Anástrofe – “… que nunca os admirados/Alemães,
Galos, Ítalos e Ingleses,/Possam dizer que os
Portugueses são pera mandados...” – o facto de
“Portugueses” estar deslocado na frase reforça a
Camões pede a D. SebasIão para que sua supremacia face aos outros.
este se aconselhe com os mais
experientes e não com os teóricos.

A experiência de vida deve ser vista como fonte de conhecimento – apesar do letrado/
académico ter capacidades apuradas e intelectualmente acertadas, o que experiencia
conhece melhor as parIcularidades das coisas, sabe como tudo funciona e acontece –
o empirismo vence o livresco.
Reflexões do Poeta – C.X, est. 145-156
153
De Formião, filósofo elegante,
Vereis como Anibal escarnecia,
Quando das artes bélicas, diante
Dele, com larga voz tratava e lia. ConInuação do que foi dito nas estrofes 149-152 – exemplo
A disciplina militar prestante de Aníbal e da supremacia da experiência.
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

154 Conjunção coordenaIva adversaIva – mudança de assunto.
Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,
De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo, A parIr da estância 154, Camões centra o discurso
Que o louvor sai às vezes acabado.
sobre si:
Tem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado, •  revela-se indigno da atenção do Rei, que não o
Nem engenho, que aqui vereis presente,
conhece.
Cousas que juntas se acham raramente.
•  Porém, os “pequenos” são, por vezes, quem diz a
verdade.
•  Assim, com a sua experiência e “engenho”,
apresenta a sua vontade de servir D. SebasIão quer
pela escrita quer pelas armas.
Reflexões do Poeta – C.X, est. 145-156

155
Pera servir-vos, braço às armas feito, Camões está ao serviço do império português, quer
Pera cantar-vos, mente às Musas dada; pela escrita quer pela guerra – apresenta-se como
Só me falece ser a vós aceito, poeta e guerreiro.
De quem virtude deve ser prezada.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito
Dina empresa tomar de ser cantada,
Como a pres[s]aga mente vaIcina
D. SebasIão tem um futuro promissor
Olhando a vossa inclinação divina,

156
Ou fazendo que, mais que a de Medusa, Camões profeIza grandes feitos para D. SebasIão
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa no Norte de África.
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já esImada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Camões compromete-se a escrever as glórias de D.
Sem à dita de Aquiles ter enveja.
SebasIão, de tal modo que Alexandro o invejará.

A glória do passado é, no presente, um exemplo e moIvação para a construção do futuro, desta


forma, os heróis e as aventuras cantadas na epopeia funcionam como um esqmulo para uma ação
futura. Tal como acontece nesses feitos heroicos, também o Poeta é uma inspiração para outros
poetas e para os portugueses.
Reflexões do Poeta – C.X, est. 145-156
Em poucas palavras:

•  O poeta confessa-se cansado pela falta de reconhecimento pátrio – o país não reconhece nem se
orgulha dos letrados;
•  CríIca amarga ao estado de decadência moral do país;
•  O poeta dirige-se ao rei D. SebasIão, lembrando-lhe que tem “vassalos excelentes”, que
demonstram grande força e coragem, pois enfrentam perigos, obedecem às suas ordens com
pronIdão e alegria e farão dele sempre um vencedor e não um vencido;
•  IncenIva o rei para que seja um monarca digno da grandeza do nome de Portugal;
•  Manifesta a sua disponibilidade para servir o país pelas armas e pela escrita

Com base nestas intervenções, Os Lusíadas pode ser visto como uma obra didáIca, onde se
estabelece um modelo de valores que devem ser considerados como uma teoria e que define
normas morais a seguir.

É um texto que criIca os vícios que assolam a sociedade da época, propondo aos portugueses,
contemporâneos de Camões, que corrijam os seus vícios para aIngirem um nível superior de
humanidade.
Esquemas síntese

Chegada a Lisboa e Lamentações do poeta, Canto X, estr. 144 - 156


Chegada a Lisboa
«Assi foram cortando o mar sereno,/Com vento sempre manso e nunca irado,/Até que houveram vista
do terreno/Em que naceram, sempre desejado.»
â
Camões glorifica os feitos e elogia a experiência dos portugueses «A disciplina militar prestante/
Não se aprende, Senhor, na fantasia,/Sonhando, imaginando ou estudando,/
Senão vendo, tratando e pelejando.»
â
O poeta agradece a inspiração que a Musa lhe deu, mas confessa «que a Lira tenho/Destemperada e a
voz enrouquecida», não de ter feito esta Epopeia, mas porque «[vem]/ Cantar a gente surda e
endurecida
â
Crítica ao facto da pátria não reconhecer nem se orgulhar dos letrados, sendo incapaz de apreciar o seu
canto épico.
â
Elogio ao rei D. Sebastião e aos portugueses que por ele tudo fazem (os seus vassalos demonstram
grande força e coragem ao seu serviço; enfrentam perigos; obedecem às suas ordens com prontidão e
alegria, fazendo do rei um vencedor e «não vencido.»
Recursos expressivos mais utilizados:
•  a anáfora – repetição de uma palavra ou expressão no início de versos ou frases
sucessivos;
•  a anástrofe - inversão da ordem natural das palavras na frase;
•  a apóstrofe – chamamento a algo ou alguém;
•  a comparação – consiste na relação de semelhança entre duas ideias ou coisas,
através de uma palavra ou expressão comparativa ou de verbos a ela equivalentes
(parecer, lembrar, assemelhar-se, sugerir).
•  a enumeração - apresentação sucessiva de vários elementos.
•  a hipérbole – recurso ao exagero.
•  a interrogação retórica - questão retórica, isto é, não visa uma resposta, antes
procura dar ênfase e criar expectativa.
•  a metáfora - consiste em usar um termo ou uma ideia com o sentido de outro com o
qual mantém uma relação de semelhança (ex.: o fogo da paixão); representação
simbólica de algo.
•  a metonímia - emprego de um vocábulo por outro, com o qual estabelece uma relação
de contiguidade (o continente pelo conteúdo; o lugar pelo produto, o autor pela sua
obra, etc.)
•  a personificação - atribuição de qualidades ou comportamentos humanos a seres que
o não são.
A constituição da matéria épica:

Lusíadas – neologismo da época de Camões. Foi André de Resende


(1500-1573) quem a criou para se referir ao povo português. Camões recupera
o vocábulo e o seu sentido para o título da epopeia.

Os Lusíadas: matéria épica: feitos históricos e viagem:


•  comemora os grandes momentos da história de uma nação no período dos
Descobrimentos marítimos:
•  relato da viagem de Vasco da Gama à Índia é o assunto da ação
principal;
•  feitos heroicos anteriores expressam:
•  grandeza de caráter pelo serviço prestado à fé, à Pátria e à
cultura;
•  ao contrário das epopeias clássicas, o conteúdo d’Os Lusíadas é
verdadeiro.

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