Tarairiu
Tarairiu
Clara D. F. Santos1
Izabela P. de Lima2
Henry L. Sullasi3
Lucas A. Rocha4
RESUMO
ABSTRACT
The conservation of material heritage requires a series of skills and knowledge that allow us to understand
the vestige and avoid the risks of its disappearance, guaranteeing its testimony for future generations, and the
reference of its technical and social representation for the advancement of ethnocultural knowledge. Within
this bias, the study of human remains in Archeology provides important information about the lifestyle of past
communities, and their recognition, preservation and study over time is of great importance. In view of this,
in this work we present the dynamics of the conservation status of Sítio Furna dos Ossos, based on technical
visits carried out by our team in the years 2013 to 2020, bringing through a bibliographic, environmental
and archaeological survey, data regarding its current state of conservation and the importance of preserving
it. In this sense, this article provides a brief description of the bones found on the surface, based on in situ
identification and images analyzed in the laboratory, their morphological characteristics, the presence of
burning and/or pigmentation, as well as a profile comparison between the amounts of bone material on the
surface found during visits over time, as a serious indication of the loss of information that is faced with a
recurrent anthropic use of the area.
INTRODUÇÃO
A partir de uma ótica patrimonial, de acordo com a Carta de Lausanne ICOMOS/ICAHM (Internacional
Committee of Monuments and Sites) da UNESCO em 1990, todos os vestígios da existência humana e todos
os lugares onde há indícios de atividades humanas, não importando quais sejam elas, estando ou não na
superfície, testemunham a história de grupos humanos e devem ser tratados como objetos de proteção pelo
Estado por seu valor cultural. No Brasil, isso decorre conforme a Lei Federal 3.924, que rege o patrimônio
arqueológico nacional, dentre os quais, estão inseridos os remanescentes ósseos humanos. Tais vestígios
arqueológicos de natureza funerária, são evidências materiais, indícios que representam uma parcela do
universo cultural dos grupos humanos, e tal como o restante do sítio arqueológico em que estão inseridos,
estando geralmente associados ao ritual funerário, devem ser lidos de modo a que se distinga pelo menos
três tipos de eventos ou processos: os processos pós-deposicionais, deposicionais, e os processos prévios aos
funerais, ou à deposição da evidência (SOUZA, 2019).
Esses tipos de processos exigem modelos comparativos que ainda são escassos, e a maior parte
dos achados permanece na etapa prévia simples e descritiva, no entanto, estes desempenham um papel
crítico no estudo e preservação de contextos arqueológicos. É neste sentido que este trabalho foi pautado,
considerando a limitação de uma análise in situ, e a importância de salientar a preservação destes espaços
e o potencial para escavações e pesquisas futuras, uma vez que as evidências funerárias são um substrato
que formam o espaço arqueológico, marcadores culturais, de tempo, subsistência e de originalidade, além
de serem poderosos indicadores da intervenção antrópica ocorridas no sítio ao longo do tempo (CASTRO,
2018; SILVA, 2014).
O sítio Furna dos Ossos, está localizado na cidade de Vertentes no agreste do estado de Pernambuco
a uma altitude de 401 metros (PCV, 2023). Esta cidade, surgiu em 1750 em decorrência de uma doação de
terras da Coroa Portuguesa para Dona Maria Ferraz de Brito, que abrangia “desde um conjunto de terras do
Rio Capibaribe até os limites com o Estado da Paraíba”, onde hoje se encontra a Serra de Taquaritinga do
Norte (MELLO, 2012). O nome da cidade foi em decorrência da existência das vertentes de água advindas da
Serra de Taquaritinga, muito rica em águas cristalinas e possuidora de um clima úmido e solo férteis (IBGE,
2018). Trata-se de uma região detentora de um patrimônio multicomponencial, de uma história oral muito
importante para o reconhecimento do potencial arqueológico da região. Um importante exemplo é a capela
popularmente conhecida como “igrejinha dos escravos” no bairro da Goiabeira, cuja tradição oral, apresenta
a narrativa de que após a evasão dos nativos para o sertão pernambucano durante o período colonial,
foi necessário que a mão de obra africana fosse trazida a cidade, os quais sob influência da catequização,
construíram uma igrejinha com as pedras que os padres da confraria de São Felipe Néri deixavam ali ao
passar, como um sinal de orientação para que os próximos padres não se perdessem (ALMEIDA, 2022).
Considerando a importância do património desta região e especialmente do Sítio Furna dos Ossos, este
trabalho apresenta as visitas realizadas por pesquisadores da UFPE, nos anos 2013 e 2020, como uma forma
de documentação, para preservar as informações obtidas em cada visita, e expor um perfil comparativo a fim
de avaliar a dinâmica do estado de conservação deste Sítio.
O sítio popularmente conhecido por Furna dos Ossos está constituído por um abrigo sob rocha, com
duas aberturas: uma voltada para o norte e outra voltada para o sul, rodeado de uma vegetação rica de
brejos de altitude. A área em que está situado corresponde à Mesorregião do Agreste Pernambucano e
Microrregião do Alto Capibaribe, (ver figura 02), e corresponde as seguintes coordenadas: 7,9163891170174
LAT e 36,0034539643675 LONG, sendo caracterizada por uma a vegetação fechada arbustiva, caatinga xerófila
e hiperxerófila predominantemente, com um clima bastante úmido e seco (SILVA, 1987).
As duas aberturas do abrigo estão dispostas na figura 03, cuja seta em amarelo aponta para abertura em
que estão situados os vestígios ósseos a serem apresentados (abertura voltada para o Sul). Um diferencial,
é que este não possui a presença de pinturas rupestres, um elemento muito característico dos sítios
arqueológicos da Serra de Taquaritinga do Norte.
FIGURA 3: FIGURA 03: DISPOSIÇÃO DO ABRIGO E ORIENTAÇÃO DO SÍTIO FURNA DOS OSSOS.
A vegetação arbustiva, clima úmido e seco, solo rico em matéria orgânica e minerais, facilmente propenso
ao plantio de árvores frutíferas, flores e raízes, são condizentes às intensas atividades de plantio do café e do
fumo na região. Por se tratar de um brejo de altitude, o clima ameno favorece o plantio, bem como, seu relevo
íngreme torna dificultoso as atividades agrícolas e consequentemente a prospecção arqueológica. Todavia,
tem sido o seu difícil um fator determinante no atraso no desaparecimento total do sítio. Sua abertura para
o sul está situada na direção contrária do sol, do vento e da chuva, e também tem favorecido a preservação
do espaço com o tempo, que, no entanto, tem diminuído nos últimos anos com a falta do reconhecimento
do poder público sobre o espaço. Com a falta de políticas públicas preservacionistas, o sítio tem sofrido
constantes perdas frente aos atos de vandalismo, que somados aos processos de bioturbação, tem acelerado
dramaticamente a descaracterização do contexto arqueológico.
Em 2012, o pesquisador Audemário Prazeres fez uma visita ao sítio na busca por registros rupestres
e notificou ao IPHAN/PE a existência do mesmo. Nesta ocasião, apontou o potencial do sítio, e registrou a
ocorrência em superfície de diversos fragmentos ósseos (ver figura 04) aos quais associou a um “cemitério
clandestino de negros escravizados durante a colonização do espaço e surgimento da cidade a partir do
século XVIII” (PRAZERES, 2012).
FIGURA 04: (A) FRAGMENTO DE MANDÍBULA; (B) O PESQUISADOR ALDEMÁRIO PRAZERES E O GUIA LOCAL SR. ARNALDO
VITORINO; (C) IDENTIFICAÇÃO DE UM CRÂNIO; (D) DISPOSIÇÃO DE UM ACUMULADO DE OSSOS ENTRE AS ROCHAS.
Já em 2013 foi realizada uma visita a este sítio pela pesquisadora Clara Santos, integrante do Laboratório
de Estudos Arqueométricos LEARQ-UFPE, no intuito de realizar um relatório e entregar ao IPHAN/PE para
avaliação de impacto cultural, potencial arqueológico, estado de conservação e medidas de preservação
para o local, o qual foi entregue no mesmo ano. Nesta ocasião, foi encontrado um contexto em superfície
ainda mais danificado que o exposto pelo pesquisador Audemário Prazeres. Em aspectos gerais, o percurso
até o sítio já era bastante dificultoso, quase inexistente, a vegetação arbustiva fechada dificulta ainda mais
o processo. No entanto, no contexto do sítio, em frente a abertura da furna em questão, foi observado
uma importante espécie arbustiva conhecida popularmente na região Nordeste do Brasil por “barriguda”,
ou “baobá”, uma árvore da família Malvaceae e gênero Ceiba, ver figura 05 (a/ b), originária do continente
africano, que pode chegar até 30 metros de altura e viver centenas de anos (WALDMAN, 2012).
FIGURA 05: (A, B) CONTEXTO AMBIENTAL DO SÍTIO FURNA DOS OSSOS; (A) BAOBÁ A ESQUERDA
Em consonância com a história oral a respeito da Igrejinha da Goiabeira e com o exposto por Audemário
Prazeres, esta árvore pode trazer informações relevantes no contexto do sítio Furna dos Ossos, uma vez que,
é considerada um dos símbolos fundamentais de algumas culturas africanas, como por exemplo, a tradição
Yorubá que têm na sua simbologia esta árvore como um de seus temas recorrentes. Na cosmogonia Yorubá, a
árvore surge como o princípio da conexão entre o mundo sobrenatural e o mundo material, estando associada
a “ìgbá ì wà ñû” que significa “uma época em que o homem adorava árvores”, outra versão é através do “Òpó-
orun-oún-àiyé” que significa “o pilar que une o mundo transcendente ao imanente”. Este pilar simbolizado
pela árvore ou por seu tronco é um signo que se refere ao princípio de todas as coisas, elemento de conexão
entre a multiplicidade dos “mundos”. Junto a suas gigantescas raízes expostas, geralmente são colocadas
oferendas como alimentos, recipientes com água, sacrifícios votivos, e outros elementos que oferecem ao
sagrado (WALDMAN, 2012).
Defronte o baobá está o sítio, cuja composição é uma mescla de estruturas de fogueiras, algumas com
cinzas recentes, sedimento solto, de granulometria fina e de coloração marrom claro que difere da cor do
solo ao redor do sítio, blocos graníticos fruto do desplacamento do suporte rochosos, e diversos fragmentos
de ossos que foram identificados como: sacros, ossos frontais, (incluindo o que possivelmente seria de uma
criança), vários fragmentos de tíbias, fêmur, maxilar, mandíbula, calcâneo, falanges, e até mesmo um dente
(ver figuras 06 a 10).
FIGURA 08: (A) OSSO FRONTAL APARENTEMENTE DE UMA CRIANÇA; (B) FÊMUR COM PRESENÇA DE PIGMENTO
FIGURA 09: CONTEXTO GERAL DENTRO DA FURNA VOLTADA PARA O NORTE ONDE OS OSSOS
ESTÃO DISPOSTOS EM SUA MAIORIA
FIGURA 10: (A) E (B) SEDIMENTO FINO, ARENOSO E DE COLORAÇÃO MARROM EM CONTEXTO FUNERÁRIO DOS OSSOS.
A forma como os ossos estão dispersos em superfície, bem como, os sinais de vandalismo na superfície
rochosa, na mata e no lixo jogado nos arredores, já indicava em 2013, as constantes visitações depreciativas
que o sítio recebia (ver figura 11 e 12).
FIGURA 11: OSSOS ESPALHADOS NO ENTORNO DO SÍTIO; (A) VÉRTEBRAS E OUTROS FRAGMENTOS ÓSSEOS;
(B) COSTELAS, FÍBULAS E OUTROS FRAGMENTOS
Sabemos que existem distintos modos mediante os quais as sociedades humanas do passado se
ocuparam de seus mortos, incluindo uma ampla variedade de práticas funerárias, com numerosos modos
de tratamento e deposição dos cadáveres, determinada por múltiplas dimensões, como as ambientais,
sociais, culturais, econômicas, religiosas e ideológicas. Nesse contexto, estão inseridas as práticas mortuárias
envolvendo procedimentos que podem deixar sinais detectáveis nos ossos, com o objetivo, ou não, de
acelerar o processo de decomposição do corpo (SOLARI e SILVA, 2017).
Nesse sentido, foram observadas algumas marcas importantes já em 2013, como a presença de
pigmentação sobre os ossos em uma coloração avermelhada, indicando enterramentos secundários e
até mesmo terciários (ver figura 13), além de marcas de queima em alguns fragmentos, como é o caso do
apresentado na figura 14.
FIGURA 13: PIGMENTO VERMELHO SOBRE CUMPRIMENTO DE FÊMUR
Esse contexto demonstrou-se muito similar ao evidenciado no sítio Morro dos Ossos no Piauí, estudado
pelos pesquisadores Luis Cavalcanti, Conceição Lage e José Fabris em 2004, onde foram encontrados ossos
pigmentados em superfície. Este sítio é um pequeno abrigo sob rocha, também localizado em alto de vertente,
onde foi possível observar ossadas humanas pintadas em vermelho pertencentes a vários indivíduos. Dentre
os ossos observado,s verificou-se a presença de mandíbulas, fêmur, tíbias, patela e vértebras (CAVALCANTE,
LAGE , et al., 2005), de forma muito similar ao sítio estudado neste trabalho (ver figura 16).
No entanto, diferente do sítio Furna dos Ossos, a parede do abrigo do sítio Morro dos Ossos apresenta
um painel pintado em vermelho com representações de segmentos paralelos de reta, pouco elaborados,
sugerindo a utilização de ocre na forma de bastonete. Ainda neste estudo, foi feita uma análise química do
pigmento sobre os ossos, sugerindo que o vermelho é constituído de um pigmento mineral composto de Fe.
O resultado da Difração de Raios-X revelou apenas uma fase cristalina, a hidroxiapatita, (CAVALCANTE, LAGE
e FABRIS, 2008).
No Brasil, há referências de vários sítios onde foi comprovado o uso de pigmentos em enterramentos
pré-históricos. Em Pernambuco, convém mencionar os sítios Pedra do Alexandre, onde os ossos pintados em
vermelho e cobertos de pigmento finamente peneirado pertenciam especialmente a crianças; e a Gruta do
Padre, onde fragmentos de ocre foram encontrados junto à nuca e ao ventre de alguns esqueletos (MARTIN,
1998).
Já as evidências de cremações têm sido pouco estudadas nos sítios arqueológicos brasileiros,
principalmente com vistas à descrição sistemática. Alguns trabalhos suprem dados para o conhecimento
desta prática, suas variações e suas relações com outros procedimentos funerários ou relacionados à morte
(SOUZA, LIMA e CARVALHO, 1998; ULGUIM, 2016) o que ressalta a importância de publicar os achados do
sítio Furna dos Ossos. Para Pernambuco estão publicados os achados de cremações em abrigos como o da
Pedra do Caboclo, no município de Bom Jardim, sítio Alcobaça, no município de Buíque o do cemitério do
Caboclo, município de venturosa (MARTIN, 1998).
Segundo Souza, Lima e Carvalho (1998), os ossos queimados apresentam sua queima em graus variados,
e esta variação pode ser observada através da sua coloração que vai desde o marrom escuro até o branco,
mediante as diferentes temperaturas a que foram submetidos. A distribuição da coloração/intensidade de
queima também apresenta uma correspondência anatômica, mostrando distribuição em gradiente não
apenas em fragmentos de um mesmo osso, mas também em segmentos anatômicos próximos. Desta forma,
conforme mais clara for à coloração da queima, menor terá sido a temperatura. Quando estas características
são observadas em vestígios ósseos provenientes de estruturas funerárias, normalmente apresentam-se
associadas a estruturas de combustão, como por exemplo, é o caso das fogueiras (SOUZA, LIMA e CARVALHO,
1998). Um estudo de caso que mostra bem essas deformações e possibilitou a realização de uma comparação
com os vestígios queimados do sítio Furna dos Ossos, foi o elaborado pelo pesquisador Andrés Strauss, o
qual demonstra com clareza as marcas causadas pela queima intensiva (STRAUSS, 2016) (ver figura 17).
FIGURA 16: PADRÃO DE SEPULTAMENTO DA LAPA DO SANTO; OSSOS ISOLADOS, CORTADOS E QUEIMADOS. (A) EXTREMIDADE
DISTAL DE UM FÊMUR ESQUERDO (B) EXTREMIDADE PROXIMAL DE UM ÚMERO DIREITO
No caso do material encontrado em Furna dos Ossos, in situ apenas foi possível observar casos em que
a queima se apresentou de forma superficial, não causando deformações na estrutura óssea, assim como,
foi possível perceber que não estavam associadas a qualquer estrutura de combustão ainda presente no
contexto da área funerária, como por exemplo, mostra a figura 17.
FIGURA 17: ARRANJOS DE PEDRA SIMILARES A ESTRUTURAS DE QUEIMA QUE PODEM TER SIDO UTILIZADOS NA
ATUALIDADE; EM ALGUNS PONTOS APRESENTAM CINZAS E FULIGEM.
O contexto em que os fragmentos ósseos foram encontrados em 2013, se repete em 2018, expondo
ainda mais a situação de revolvimento do solo com o afloramento exacerbado de vestígios conforme
demonstram as figuras 18 e 22. Sua coloração diferente, abre a possibilidade de que estes vestígios tenham
sido removidos de sua cova por um processo antrópico, cujo contato direto com a água da chuva que escorre
a meia vertente, acelerou o processo de desarticulação, quebra e perda de ossos com o tempo. Nesse mesmo
ano, foi possível perceber novos pontos de vandalismo e bioturbação, ver figura 19, 20 e 21.
FIGURA 18: AFLORAMENTO DE VESTÍGIOS EM SUPERFÍCIE, TANTO INTERNA, QUANTO EXTERNA A FURNA
Em 2020, a situação foi ainda pior, uma vez que se evidenciou a perda de material em superfície, ver
figura 23, onde é possível perceber a ausência do material encontrado nos anos anteriores.
FIGURA 23: COMPARATIVO ENTRE AS QUANTIDADES DO MATERIAL EM SUPERFÍCIE ENTRE OS ANOS DE 2018 E 2020.
presentes; e em alguns outros bastante fragmentados, possuindo às vezes, apenas a diáfise, e/ou uma das
epífises.
Assim sendo, todo o procedimento foi realizado in situ, em que, os ossos encontrados foram fotografados
e registrados, cujas imagens foram analisadas em laboratório a fim de identificar e quantificar nas três visitas
realizadas ao sítio, quais os elementos ainda permanecem e quais já foram perdidos com o tempo. Como
produto, foi elaborado um quadro que permitisse acompanhar a dinâmica do estado de preservação do sítio,
ver quadro 01.
patrimônio, como a desarticulação e desestruturação das covas. É necessário salientar também, a emergente
carência de diálogo com a comunidade como uma ação preventiva, tendo em vista que atribuem valor e
tradição oral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos finalmente, que a relevância deste trabalho consistiu no registro dos espécimes que já
que se perderam com o tempo, e na importância de buscar novas formas de preservação, salientando a
importância da região. Apesar dos ossos estarem expostos ao ar livre, depositados diretamente no solo
rochoso sem a proteção de uma urna funerária, os remanescentes estão bem preservados em justaposição
ao clima úmido dos brejos de altitude, extremamente propensos a ação direta de microrganismos.
Como perspectivas futuras, consideramos imprescindível realizar a coleta emergencial destes materiais
e poder realizar o estudo aprofundado a respeito dos comportamentos mortuários, da possibilidade dos
acompanhamentos funerários, dos processos de queima e pigmentação eventuais, das mortalidades,
patologias e anomalias, assim como, a respeito da dieta e dos indicadores de saúde desses indivíduos, isto é,
do modo de vida, o comportamento humano dos grupos que ali viveram. Esperando ainda que a cronologia
para o sítio seja determinada, por ser fundamental para entender a sequência de eventos ao longo do
tempo. Sendo assim, recomendamos a aplicação de duas técnicas de datação já consolidada: a datação por
radiocarbono usando AMS (C-14/AMS), método de datação direta dos ossos; e a datação por Luminescência
Opticamente Estimulada (LOE), método a ser aplicado nos sedimentos constituintes da estratigrafia do sítio.
Com o objetivo de obter informações aprofundadas sobre os vestígios ósseos, sua composição,
estrutura e características físicas, recomenda-se o uso de técnicas de microscopia e espectrometria, vindas
da Arqueometria. Exemplos desta abordagem foram os estudos de recristalização da apatita, descritos por
Reiche et al. (2002) e Chadefaux et al. (2009), que utilizaram o mesmo tipo de microscopia combinado
com FTIR (Transformada de Fourier por Infravermelho) para analisar a estrutura e diferenciação dos ossos
queimados. Ou exemplo é o estudo de Yoneda (2006), que revisou as metodologias principais de estudo da
química óssea, objetivando o uso das análises dos isótopos de carbono e nitrogênio como fonte de estudos
de dieta e estrutura social. No estudo da diagênese, podemos citar Rogers et al. (2010), que buscou avaliar
o comportamento da cristalinidade de ossos queimados e não queimados através da difração de Raios-X.
Além destas abordagens, outras técnicas poderiam ser utilizadas, como Espectroscopia de Fluorescência de
Raios-X (XRF), espectrometria de Massa com Plasma Indutivamente Acoplado (ICP-MS), Análise de Isótopos
Estáveis, Análise de DNA Antigo, entre outras.
Estas variáveis, vão permitir uma compreensão mais abrangente da vida e das práticas destes indivíduos.
No entanto, considera-se por fim, que o “básico” é “muito” e salientamos a necessidade da realização da
coleta desse material, de sua salvaguarda em laboratório, e de um diálogo mais efetivo com a comunidade,
de modo que, práticas conservacionistas possam ser elaboradas para o patrimônio arqueológico da região.
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