Emanuel Lévinas
Emanuel Lévinas
Aquilo que somos e procuramos não encontramos, aquilo que encontramos não somos. –
há meio de formular a vida por palavras.
Este autor propõe-nos uma conversão o0ntológica da metafísica, isto é, não é um simples
processo de tradução. Traduzir é converter e converter é transformar. A proposta de
Heidegger é transformar a metafísica numa ontologia, porque Heidegger acredita e é por
isso que recorre à filosofia transcendental de Kant que o pensamento metafísico ocidental
tradicional fez tábua rasa da questão do ser e multiplicou a interpretação dos fenómenos
à custa das diversas atividades desenvolvidas pelos seres humanos. Uma dessas
atividades é a criação de Deus, da divindade que está presente em traços gerais na
introdução à metafísica esta tentativa de encontrar na região a grande explicação para o
ser. Ele quer sair desse fundo cultural, quer encontrar o fundamento para a questão do ser,
porque são criações, atividades e Heidegger tem uma visão negativa daquilo que é
diariamente enviado pelos seres, e é por isso, que ele é dos pensadores do século XX que
mais se importa com a questão tecnológica, precisamente porque a tecnologia é a grande
informação do humano. Heidegger diz que “só um Deus nos pode salvar.”- Heidegger tem
uma visão negativa, ele propõe como pergunta capital da metafisica uma articulação entre
o ente e o nada, portanto, Heidegger vê a metafísica como uma ontologia, ele acha que a
metafisica só encontra o seu verdadeiro fundamento se tiver a base de uma ontologia.
Estas bases da ontologia estão na base da pergunta que Heidegger lança na introdução da
metafísica. Heidegger refere-se ao ente como o ente pode ser explicado com outro ente,
isto é, um ente divino não pode explicar todos os entes, ou seja, deus não pode explicar a
existência de uma mesa, de uma pessoa, etc, isto é, nenhum ente pode explicar outro
entre. Deus também se encontra ancorado na pergunta porquê o ente e não simplesmente
nada, ou seja, encontra-se na mesma posição ontológica. Vimos, que Heidegger justifica
esta ideia de que tudo é ente, tudo é nada, e se é nada não é nada e se não é nada não é
ente. Na verdade, o ser humano é um pequeno ponto no universo. A única coisa que
poemos afirmar é que se há entes, a nossa pré- compreensão do mundo implica já o nada.
Todos nós vamos morrer, não vale a pena porque outras pessoas vão nascer e assim
sucessivamente durante milhões de anos. Se assim é, nós enquanto ente não podemos
fundar a compreensão da nossa existência, pois não somos nós. Nascer, crescer e morrer
aplica-se hoje e daqui a cem, trezentos anos, isto, é o que Heidegger nos quer dizer.
Segundo Heidegger, a razão tem de pré- existir, a razão do ser dos entes assinala uma pré-
existência, isto é, pré- existe, e daí, que só possa ser dada por uma pré- compreensão. A
verdadeira questão é a questão da pré- compreensão, ou seja, aquilo que se afirma na
nossa existência e que nos escapa. Para chegarmos a esta pré- compreensão temos de
pressupor o nada, e pressupor o nada nesta pré- compreensão é ainda não ter algo
entificado, ou seja, não ter algo enquanto ente. O ente só se compreende como ente
quando há um processo de pré- compressão que coloca em jogo esta diferença entre o0
ente e o nada. Só quando esta diferença é estabelecida é que se dá um processo de
entificação e consequentemente o aparecimento de um ente e não do nada. Esquecemos
por completo estas camadas semânticas que nós temos das coisas, dos objetos, das
ideias. Isto é fenomenologia moldado de um ponto de vista ontológico. Russel, diz-nos que
o regresso do objeto não nos está a pôr diante de nada como faz Heidegger, ou seja,
Heideggeer radicaliza o método fenomenológico do saber. Mas, dizer isto não é dizer nada,
impõem-se aprofundar este conceito de nada. Porquê?, como assim? A que se deve este
nada?
Em ser e tempo há uma expressão que recorre tudo à obra. O conceito de ser para a morte
é fundamental na filosofia de Heidegger.
Kant não quis encerrar a fundamentação ontológica, mas pelo contrário, quis abrir a
interpretação a vários significados. Heidegger, serve-se daquele que nós compreendemos
de fenómenos humanos, mas isto tem apenas uma função não apenas de pensar o homem
como nós somos. O ser reflexivo faz a pergunta que funda a filosofia Heideggeriana,
“porquê o ente e não o nada?” o nada e angústia equivalem-se e têm a possibilidade de
entender o ser, ou seja, da compreensão dos seres dos entes implica sempre o
pressuposto de um nada, e ele, ainda consegue ser mais radical na sua formulação. Só o
nada nos impede de continuar a questionar, ou seja, temos que sair e essa saída é
justamente a metafísica, portanto, temos que caminhar para junto do ser. Fazer este
percurso é o verdadeiro filosofar.
Heidegger está sempre a repetir a mesma pergunta ao longo da obra, com isto, ele quer
dizer que por um lado repetir a pergunta é instruir a própria perguntar, cria-se o hábito e o
hábito gera cegueira, por outro lado, Heidegger diz-nos que repete a pergunta porque a
pergunta está sempre em mim, ou seja, é uma pergunta imanente à minha forma de
pensar, é o motor do meu pensamento. Eu não digo outra coisa, mas eu por meio desta
pergunta digo aquilo que me permite questionar, ter pensamento- é a pergunta do ente e
do nada que funda a compreensão do ser. “Questionar é querer saber”. O movimento do
pensamento é trazer algo que se encontra num estado de imanência relativamente ao ente
em geral. Como é que se pode pressupor como algo que nos permite compreender, que
tem sentido, algo que não resulta das nossas atividades, criações, formas de estar no
mundo, como é que há alg0o qur escapa a isto tudo? E se escapa a tudo como é que é o
verdadeiro fundamento do pensamento? Como se impõem a verdade do nada? O nada é
nada, mas como se impõem esta verdade? A morte e a angústia encontram-se interligadas,
ele sugere que a ideia de n ada é já uma invocação de um sentimento relativo à angústia, à
morte, ou seja, que a angústia e a morte são manifestações desse nada, isto é, angústia e
a morte desocultação da verdade do nada e a verdade do nada é precisamente constituir
a forma como compreendemos e pensamos o mundo. Tem que haver um nada, pois se há
morte e angústia tem que haver o nada. E se há isto tudo há finitude. O ser ligado ao Dasein
é dado pela finitude, e a finitude reveste nestes sentimentos ligados à angústia, à morte ou
até mesmo à solidão. Heidegger transforma conceitos negativos em funções, ou seja, em
algo que deve alimentar o próprio pensamento. A própria finitude é aquilo que permite
proteger a nossa própria existência, que nos faz cuidar de nós próprio. Não é o cuidar do
outro, é um cuidar de mim próprio, é um cuidar da minha existência enquanto ente e não
enquanto nada, ou seja, aquilo que me permite estar no mundo. Cuidar no sentido de
Heidegger é um cuidar que é imposto pela minha finitude, ou seja, eu tenho que cuidar da
minha vida, isto é inscrito em mim por algo qur eu não posso cuidar, ou seja, é pré- inscrita.
Eu tenho que desocultar a minha própria morte e só quando eu faço isto é que começo a
viver e a cuidar de mim. O nada aparece alimentado pela ideia de morte, de angústia,
finitude.
Na última aula, vimos como Heidegger fazia a análise de uma obra de arte. Heidegger não
faz uma análise da pintura, mas a figura que está representada, mais especificamente, um
par de botas. O par de botas é o ente que está a ser interpretado. Heidegger na
interpretação desta figura, não faz considerações substantivas sobre a cor, a forma, a
intensidade do par de botas, mas faz, a interpretação que é enviada pelo poder evocativo
do par de botas, neste caso, o par de botas, pois este evoca o dia, a noite, o sol campestre.
A evocação provoca o movimento para fora, neste caso, o ente evoca algo que o
transcende da sua própria materialidade, da sua própria condição de existência. O
“GRUND” é utilizado por Heidegger numa dupla acessão- um fundo, que é também
fundamento. A figura fundo é uma linguagem pictórica. Há no pensamento metafísico um
registo imagético. Em Heidegger há precisamente este pensamento imagético, que serve
para tecer considerações sobre o ser. O ente não se torna ente por si só, mas só se torna
ente quando há o fundo que constitui o seu ser, que torna possível a sua entificação, ou
seja, a sua constituição como ente e não como nada. Sem o fundo só pode haver o nada,
pois o fundo é o ser. Ente não é sinónimo de objeto. Heidegger na análise da pintura de Van
Gogh vai à procura do fundo e esquece a beleza da pintura. Se os entes têm um fundo é
porque são desde logo marcados pela finitude. O ser na perspetiva ontológica de
Heidegger é de facto dado pela finitude. Em 1929, num livro(considerações de Kant na
“Introdução à metafísica”) importante Heidegger diz-nos “a existência como modo de
ser é em si mesma finitude e como tal só é possível com a compreensão do ser. Só
existe algo semelhante ao ser e deve existir onde a finitude se tornou existência”
somente porque a compreensão do ser encontra-se também encerrada na finitude. A
própria compreensão do ser é o mais finito no finito, ou seja, a chave da finitude deve abrir
as portas desta interpretação Heideggeriana, ou seja, na compreensão do ser expressa-se
a finitude, isto é, a compreensão é premiada pela finitude. Porquê a finitude, a razão?
Precisamente, porque a metafísica heideggariana encontra-se num horizonte de
totalidade, ou seja, o ser heideggariano expressa uma existência de tudo o que há para
existir, expressa uma existência dentro de uma moldura total, por outras palavras, a
compreensão é levada ao extremo para conseguir apagar a totalidade dos fenómenos. Há
uma totalidade que pode ser compreendida? Heidegger diz que sim, que há e que essa
totalidade decorre da finitude. O finito é uma temporalidade total. Estamos sempre
encerrados na temporalidade total dessa finitude. Se temos a marca genética dessa
finitude, então a nossa compreensão do ser é marcada por essa finitude. Segundo
Heidegger, nós não conseguimos fugir a esta finitude, pelo contrário, o ser coloca-nos esta
imposição de sair da finitude. A figura do par de botas do quadro de Van Gogh dá-nos um
fundo, uma totalidade, um dia, uma noite, uma totalidade do sol que envolve aquele ente.
O que isto significa? Que aquele ente é um ente que está ali e que não pode ser pensado
fora daquele lugar, não pode ser desterrado, está preso. O mesmo se passa com Heidegger
quando ele faz considerações sobre o humano. A ideia de ser humano é precisamente esta.
O homem é um ser no mundo- o que isto significa? Ser no mundo, é antes de tudo, uma
convicção da finitude. O registo heideggeriano vai ao encontro de uma linha de
pensamento alemão, ou seja, é marcada pela ideia de “FATUM” (destino)- esta ideia de que
não podemos sair, está na ideia de ser no mundo, temos um fundo ontológico, um ser que
provém deste testamento. Desolcultar o ser que nos preenche nesta finitude, desocultar
este destino ontológico que nos lança e nos apanha no mundo. Não temos controlo sobre
este destino, da mesma forma que o ser humano no mundo é um ser com Mitsein. “O ser
no mundo é um ser com”- Mitsein. Somos lançados no mundo e abre-se uma porta para a
dimensão social do ser a ponto de Heidegger dizer que ser e tempo, que o mundo de um
ser com é um mundo compartilhado, ou seja, é um “Mitwelt”. Isto significa, que Heidegger
conseguiu pensar numa ontologia do ser a dimensão social da existência? Se pensarmos
que o fundo do ser é algo que resulta de uma pré- compreensão, que é destinado, que não
pode ser controlado por nós, mas que se inscreve no ser humano na relação social entre
um eu e um tu deixa de haver possibilidade de uma dinâmica de autoridade, isto é, a
relação não acrescenta nada aquilo que eu sou, nem aquilo que o outro é. Na relação
social, neste mundo partilhado apenas há uma projeção daquilo que me torna ente para
mim mesmo, isto é, a consciência do ente que eu sou. A projeção mostra-nos um
movimento que não sugere alteridade, relação mútua, mas sugere uma projeção no qual
eu projeto no outro um ser que já está também no outro, tal como eu projeto em todos os
pares de botas dos camponeses o mesmo fundo ontológico. Não interessa a cor, a forma,
pois o fundo ontológico é o mesmo. Somos finitos, somos dados dentro de uma totalidade
e isto tudo já é determinação do nosso ser, já nos foi destinado. O que definimos como
relações socias deixam de ser determinantes, porque, antes de isto tudo já há esta
imposição/ determinação. O meu ser não está no ser do outro, o ser do outro não está no
meu ser. Onde está o ser? Na ontologia Heideggeriana, naquilo que Heidegger criou como
ontologia. O ser resulta da pré- compreensão da finitude, que constituía o ser? Há então
uma disposição universal que carateriza todos os seres humanos, mas que na verdade,
encerra-os na possibilidade ontológica de terem outra visão do mundo e outra visão de eles
próprios. Não é a criação que começa por constituir o ser humano. O que Heidegger diz é
que há já uma pré-compreensão ontológica que nos anuncia no mundo. Ser do mundo é
pertencer a uma inevitabilidade do mundo que é marcada pela finitude. O pensamento
mostra-nos como batemos contra a parede com a finitude, enquanto seres para a morte.
Heidegger não fala de seres para a vida, mas antes, fala-nos de seres para a morte.
Heidegger quer agarrar-se ao mundo, a algo inevitável, a algo total, colocar os pés na terra.
Pretende criar o efeito de função entre no fundo todos os entes humanos e não humanos.
Ora, associamos a ideia de cuidar dentro de um cuidado relacional, alguém que cuida de
alguém estamos a criar uma relação com outra pessoa. Na relação do cuidado há uma
mutualidade, ou seja, eu não cuido de uma pessoa da mesma forma que cuido do meu
automóvel. Não se cuida do objeto, pois cuidar implica criar uma relação. Heidegger utiliza
o conceito de cuidado de ser e tempo em vários parágrafos da obra, e muitas vezes, surge
uma visão errada do conceito de cuidado, pois Heidegger não se está a referir ao cuidado
enquanto à possibilidade de relação entre o eu e o tu. O cuidado em Heidegger significa em
traços gerais, proteger a vida da morte. Impedir que a morte ameasse a vida. O fundo
ontológico da finitude a marcar o ser do humano. O cuidar é um cuidar de mim mesmo. A
crítica à filosofia Heideggerina começa no polo positivo do ser que é o ente, o polo negativo
do ser é o nada. Ora, Heidegger está sempre a recorrer ao polo negativo do ser para
interpretar o polo positivo, é a morte, a finitude, a angústia, está sempre a justificar o polo
positivo por meio do polo negativo. Temos que partir do polo negativo para perceber o ser?
Será que a visão Heideggeriana só é visível em determinados cenários históricos? Porque
tenho que ser forçado a perceber a minha finitude enquanto ser para a morte? Fazemos
isto se estivermos em cenário de guerra. Se a nossa existência estiver a ser ameaçada
diariamente, aí sim, tudo isto se impõem como uma condição impenetrável, o polo
negativo do nada dita todas as dimensões do ser, e aí sim, encontramos lançado no mundo
e não podemos conduzir a nossa vontade, não podemos sair do fundo ontológico que
preenche o nosso ser, ou seja, não podemos imaginar sair do mundo. Eu tenho que cuidar
de mim, da vida perante a ameaça da minha morte, ou seja, o polo negativo inscreve-se no
polo positivo. Cuidar de mim implica o polo negativo, esta ameaça. Se eu estiver sempre
ameaçado por tudo, eu deixo de cuidar de mim. Não há razão nenhuma para que a
existência do outro possa ser também a minha. Se eu estiver num cenário de guerra, aí tudo
é ameaça. Heidegger coloca-nos a sua ontologia no limite, na ameaça, temos que pensar
que estamos encostados à parede, sentimo-nos angustiados. “A existência é em cada
caso minha, é a minha existência, a existência é ela mesma a partir da referência essencial
como ser. Ou seja, a existência do eu, nesse aspeto não se distingue da existência de uma
mesa ou de uma cadeira- neste sentido Heidegger põe o mesmo sentido ontológico de
todos os entes. Porque a minha existência tem que ser a minha existência? O modo de ser
da existência é o mesmo, ou seja, já está determinada, isto é, determinada pelo ser não
pela relação que pode ser estabelecida entre o Tiago e o João, entre o Tiago e um nós, uma
multidão. Como é que um “eu” tem a compreensão de uma existência? / como é que um
“eu” tem a compreensão de uma existência independentemente da existência de outros
eu? O ente é posto em questão na própria POSSIBILIDADE do não ser. O que significa
possibilidade? O polo negativo do nada a intervir na questão negativa do ser. Neste caso,
Heidegger pode imaginar e viver isto em determinados cenários, mas historicamente, as
primeiras décadas do século XX são marcadas pela guerra. O fundo que se vivia era este
que estava instalado na própria sociedade. Esta visão negativa quando é reproduzida e não
deixa lugar para outras visões pode ter consequências nefastas. Quando fechamos ou
tentamos fechar aquilo que entendemos pelo mundo com a impossibilidade de
ultrapassar esses limites, aí muito facilmente, todo este pensamento é transformado
segundo estes critérios, se pode transformar em ideologia. Porque o ente é arrancado na
possibilidade do não ser? Estamos sempre a ser confrontados com a nossa existência,
pois a existência só pode ser a minha existência, porque o nada é um universal aqui, ou
seja, o meu nada é o nada de todos, isto aplica-se a todos os entes. Não há nada que se
crie, se tenha desenvolvido por nós , é uma condição que nos é destinada, portanto, se há
esta inevitabilidade a minha existência começa a ser marcada pela minha existência e não
pela existência dos outros- este começa por ser o problema em Heidegger. A entificação é
um processo que coloca na compreensão do ser no mundo. A desentificação coloca de
fora. A minha entificação tem sempre a imanência do nada ela não se constitui acerca de
uma relação com um tu, com outra existência. Heidegger utiliza o nada para dizer o que é
o ser, mas não coloca a imanência do nada, e este, tem que ser pressuposto. O nada não
tem que ser um pressuposto, pode ser uma experiência vivida em determinadas situações,
como por exemplo, um cenário de guerra, ou seja, são experiências limite que nós não
controlamos. Transformar a nossa conceção da existência do mundo apenas por meio de
uma experiência limite é a mesma coisa que dizer que há sempre uma guerra permanente
entre os seres. “À existência pertence a compreensão do ser.” Realidade ontológica é
tão forte que nos está destinada, que nem o pensamento que se eleva a um nível tão
extremo, ou seja, metafísico (=último) não nos consegue afastar desta inevitabilidade
ontológica. Qual é o propósito de levar o pensamento à solução da negação do próprio
pensamento? Para que serve a metafísica na pergunta até onde pode ir o pensamento?
Para que serve isto, se for para dizer que o pensamento não pode implicar-se na existência
nossa e do mundo? Heidegger, diz que o pensamento torna-se impotente perante a
inevitabilidade ontológica do ser.
Eliminar a questionabilidade do ser, ou seja, no fundo é aquilo que temos tentado traduzir
nestas sessões, isto é, o ser é sempre um percurso feito graças à nossa capacidade de
interrogação daí a tal pergunta “porque o ente e não simplesmente o nada” - não há outra
forma de pôr em jogo, andamento a proposta Heideggariana não há outra forma, ela
implica uma forma de pensar que é a de Heidegger. Esta forma de pensar implica utilizar a
própria linguagem de uma maneira diferente. O fundamento é o fundo. A linguagem tem
um duplo registo, as palavras e o imagético, ou seja, a palavra remete para uma mensagem
que se pode ver, cheirar, tudo aquilo que não é discriminável, mas que está lá. No fundo
não se deixa quantificar, e por isso, é que nesse fundo de Heidegger que envolve as coisas,
o ente, há sempre a imanência do nada. Não sabemos os limites do fundo. É impossível
dizer que determinado fundo é constituído por certas substâncias, precisamente porque a
relação entre a figura e o fundo, não é, o que a figura e o fundo têm, mas sim a relação que
se estabelece como a relação entre o ente e o nada. É graças a este poder que Heidegger
tenta criar um imperativo metafísico. Vamos ver com Levinás que a ideia de imperativo
metafísico vai ser abandonada, pois ele vai propor uma outra conceção que é a de desejo
metafísico, ou seja, toda a nossa visão de metafísica vai-se alterar. De onde vem a ideia de
impetrativo metafísico(isto é, há uma imposição de pensar metafisicamente a realidade
segundo naturalmente uma ontologia do entre e do nada), mas porquê esta obrigação de
ser na metafísica? Isto não é impositivo. O pensamento não devia ter uma liberdade
ilimitada num domínio metafísico? Porque fazer da metafísica um dever, uma
necessidade? Hoje, volta-se a falar de geopolítica e geoestratégia. Anos 30 e Heidegger
escreve um conjunto de textos ensaísticos de metafísica e de repente vem com a questão
europeia, do poder, das grandes potências dos EUA e da Rússia, pelo facto de Alemanha
se encontrar ameaçada por essas duas potências. Heidegger diz que a Rússia e América
são a mesma coisa porque são potências tecnológicas, ou seja, fazem do homem … A
Alemanha sente-se encurralada pela Rússia e pelos EUA, segundo Heidegger. A Alemanha
nos anos 30 não era uma potência tecnológica? O que se vê nesta altura é que já há um
contexto a ser criado para a ocorrência da Segunda Mundial. Heidegger fez uma crítica
atual, que tudo é veloz, tudo é informação, isto tudo dentro de um contexto
tecnologicamente avançado na Alemanha que não acontecia noutras partes do mundo.
Crítica à sociedade “o declínio espiritual” feita por Heidegger. Heidegger não faz uma
crítica à civilização ocidental, ele faz uma critica à civilização ocidental para se vitimizar
pra dizer que esta civilização ocidental oprime o nosso povo alemão. Como se pode dizer
uma coisa dessas se Alemanha estava à contribuir para uma sociedade cada vez mais
socializada? Há aqui algo de tenebroso, e aqui sim, podemos criar pontos com certas
ideologias políticas de Heidegger. Qual a posição do ser? – perante esta ameaça
civilizacional constituída pelos EUA e pela Rússia, o povo, a cultura, a língua alemã deve
abraçar este imperativo metafísico. Só abraçando este imperativo metafísico é que poderá
manter a sua cultura espiritual. O que é a cultura espiritual? - é precisamente a cultura da
filosofia, da música, da literatura alemã, ou seja, Heidegger sentia-se ameaçado por uma
sociedade cada vez mais multicultural, por uma troca de mercadorias onde havia
influências culturais e Heidegger nesse aspeto tem uma visão conservadora, etnocêntrica
da cultura alemã. Foi um discurso utilizado por toda a europa. Era necessário dar um nome
para que as pessoas acreditassem que a cultura era só deles (neste caso, refere-se aos
alemães). Heidegger tem um discurso etnocêntrico. Este discurso foi utilizado por Hitler,
Franco, Mussolini, Salazar. Atualmente, este paradigma está novamente a ser construído
não só em Portugal, mas em outros países do mundo. Esta visão Heideggariana, na
verdade, era tudo menos alemã, e que tem a ver, naturalmente, com uma ideologia que era
tudo menos democrática. Heidegger cria este cenário para impor esta ideia de metafísica
que defende, ou seja, quando há um cenário de guerra, um cenário de destruição
permanente. A ideia de ser para a morte nos diz que a finitude tem esse primado dado pela
morte, todas essas ideias não são conceitos vazios, eles têm uma justificação ideológica,
ou seja, a forma como Heidegger avalia a sua posição política, onde diz que a sua
Alemanha está ameaçada. E, portanto, ao mesmo tempo é um discurso para dentro. Estes
escritos tiveram uma grande repercussão não apenas na academia alemã, mas também
em toda a elite. “Implicando toda a estranheza, obscuridade e incerteza que um
verdadeiro princípio traz consigo.”- atitude Nielista, que diz que estes valores têm que ser
postos em causa que perturbam a nossa cultura alemã. Eles não querem estes valores dos
EUA e da Rússia para a nossa Alemanha. Contudo, Heidegger relaciona-se com uma
ontologia gótica. Estas 3 palavras são precisamente tufo aquilo que advém da visão do
mundo romântico e gótico, ou seja, tudo aquilo que não se pode controlar. Isto é o
romantismo com vestes góticas. Tudo aquilo que não se consegue aceitar, mas que temos
que o fazer. O ser pode ser assustador, mas temos que ir procurar a nossa origem, a nossa
verdade. Quem é que aponta? No caso alemão quem apontou foi Hitler. Literariamente, o
romantismo é muito bonito, pode dar conforto, mas o problema surge quando se tenta
fazer disto um programa ideológico, político. Aqui não há uma ética, há apenas uma
ontologia do ser e do nada, mas que não têm um rosto, têm um programa espiritual que
pode ser aplicado a todos. Quem define o contudo desse programa? Não é Deus, segundo
Heidegger. Em última instância ficam os governante da Nação, são eles que decidem, os
homens da política. O perigo deste imperativo metafisico é quando ele começa a ser uma
resposta com orientações políticas a problemas que se julgam apenas de uma
determinada cultura, neste caso, a cultura alemã. São estratégias que quando são
utilizadas na politica, no governo de um Estado podem ter repercussões imagináveis.
“O anúncio do fim da metafisica é prematuro, este fim não é uma certeza além disso, a
metafísica (a relação com o ente que se realiza na ética). A metafísica precede a
compreensão do ser e sobrevive à ontologia.” Precede a compressão do ser proposta por
Heidegger na sua conversão ontológica da metafísica, a metafísica está na relação ética
com o outro para Levinás.
“A história da filosofa ocidental foi uma destruição da transcendência.” Diz isto, para trazer
a ideia de infinito, ele quer recuperar a ideia de infinito para poder criar esta relação ética
de alteridade com o outro. E pôr de parte a ideia ontológica da totalidade. A totalidade é a
negação dessa transcendia de infinito. A realidade não é absoluta, imutável. Quem define
a totalidade dos seres/ entes? Se parto do pressuposto que há uma totalidade tem que
haver alguém que o denuncie, que o revele, desoculte, mais concretamente, quem vai
fazer isso é Heidegger, pois este sabe o que é a totalidade.
A reflexão de Levinás é uma tentativa de colocar em cima da mesa filosófica aquilo que
temos por adquirido, ou que julgamos ter por adquirido. Quando ele fala do outro e faz toda
a sua filosofia, filosofia de alteridade, do outro, porque ele quer precisamente e sabe o que
está na base de estar no mundo com os outros. O que é que isto significa? O que possibilita,
permite isto? E consequentemente o que isso significa para o pensamento? O que isso
impõe ao pensamento, à filosofia?
Ainda no prefácio (página 14) da Totalidade e Infinito e contra as teses de Heidegger, diz-
nos Levinás contra Heidegger: “a consciência não consiste em igual o ser pela….” “A
consciência consiste em realizar acontecimentos cuja significação última não consegue
desvelar.” A totalidade ontológica não revela aquilo que a consciência é. O sentido destes
acontecimentos é impossível ser revelado pelo pensamento. Em Heidegger há uma pré-
compressão. Levinás não reduz a consciência à compressão, significação. Isto é
particularmente importante, porque Levinás é herdeiro da fenomenologia de Husserl.
Tenta encontrar outra explicação que não seja a significação. Isto quer dizer que
consciência é também quando interioriza a impossibilidade de um sentido ser atribuído
pelo pensamento. A consciência é mais do que o pensamento pode controlar. A questão
é pois esta- Qual é a base que sustenta estas formulações de Levinás? O que leva Levinás
a tecer estas condecorações? Qual é a forma? De onde parte Levinás para dizer que a
consciência ultrapassa os limites do nosso pensamento, ou seja, não se reduz a um cogito
cartesiano, isto é, a um “eu penso”. Estamos a fazer o percurso do MESMO. É aquele que
constrói a sua identidade à custa de um cogito cartesiano que controla a sua consciência
que é atribuída ao pensamento, ou seja, tem uma consciência plena do mundo. Levinás
não quer cair nesta lógica da identidade, a lógica de Levinás é a lógica da alteridade, o
outro. A lógica do outro não pode ser construída com os mesmos alicerces, com as pedras
que servem a construção da lógica do mesmo. Tem de haver outros princípios, outro ponto
de partida. Como é que tenho consciência do outro? Por meio do pensamento, pois este
consegue pensar o outro, colocar o outro perante mim e só nossa medida é que eu tenho
consciência dele, é disso que se trata? Como surge o outro? Tudo isto são interrogações
necessárias para perceber as respostas de Levinás.
“A verdadeira vida está ausente” - estas palavras aparecem entre aspas, porque é uma
citação de um poeta francês do século XIX- Rimbaud. A citação foi extraída do livro “Única
temporada do inferno” de Rimbaud. “Aquilo que somos e procuramos não encontramos”
- é o ser Heideggariano, o ser que Heidegger nos propõe. É uma essência absoluta. Há uma
totalidade que está escondida e que pode ser revelada, inspirada pelo romantismo
alemão. É curiosa que Levinás comece Totalidade e Infinito invocando também uma
referência poética. Rimbaud- “Je est un autre” = O eu é um outro. É por isso que Levinás
cita Rimbaud sem citar o nome dele. Não há EU. Há sempre um eu que é um outro. A
linguagem coloca-nos perante essa ilusão- eu fiz, eu disse, eu vou fazer, etc… a linguagem
transforma-nos em seres cartesianos, mas a linguagem não é tudo que forma a nossa
consciência. O outro não é um mero predicado, a alteridade não é uma predicação. Pelo
contrário, a alteridade é uma verdadeira constituição do que somos. É constitutiva pelo
que somos. Se o outro nos constitui nós deixamos de ter poder sobre o que ele é, o que ele
pode significar. Não há uma totalidade do outro, a verdadeira vida está ausente e “mas nós
estamos no mundo” - continuidade da primeira frase citada. O que significa estar no
mundo com a ausência da vida? A metafísica parte do mundo, mas leva-nos para fora do
mundo. Quem nos leva para fora do mundo é o outro. O outro leva-nos para fora do mundo,
isto é, a vida que está ausente não é propriamente a nossa vida, mas a vida do outro. É o
movimento metafísico traçado por Levinás. Tira-nos o mundo. Se assim é, estar fora do
mundo é reencontrar a verdadeira vida que está ausente do nosso mundo. Só saindo do
nosso mundo é que nós entramos em contacto com essa vida mais autêntica que é dada
pelo outro.
“Desejo Metafísico” - expressão escolhida por Levinás para nos mostrar como é possível a
saída do nosso mundo. Este mundo é a satisfação da necessidade. O desejo metafísico
não se alimenta deste pacto “necessidade de satisfação”, pois não seria metafísico. O
desejo metafísico ultrapassa este binómio. A proposta de Levinás é um desejo metafisico
e não um imperativo, pois o desejo não tem controlo, não há uma realidade totalizante
circunscrita. Aqui tudo nossa foge das mãos. Não há eu. O desejo metafísico tem uma
outra intenção. Está fora da lógica da necessidade da satisfação. Não é controlada,
ultrapassa-nos. Leva o eu para fora de si, ou seja, para um outro que não se controla, é um
estrangeiro. Nós queremos controlar tudo e batemos mal quando não controlamos.
Pensamos que não há outra força que nos lança no mundo, pensamos que estar no mundo
é uma tarefa de esforço controlado e fazemos de tudo para controlar tudo, mas há coisas
que não controlamos. Levinás quer desconstruir esta ideia que não controlamos tudo, pois
há outras dimensões que se impõem à nossa existência. Assumir que não temos controlo,
assumir que nós não somos definidos por alguma entidade que tendemos a contruir e que
é conhecida pelos outros. Há uma relação com o outro que permanece invisível. Levinás
está a argumentar utilizando conceitos espaciais, distância, espaçamento, exteriorização,
altura, elevação.
7) Expressão e exterioridade;
Relação social em Levinás, porque a relação social é a relação que assinala a entrada do
outro em cena. O outro entra em cena por meio da relação social. Vimos que Heidegger
pressupõe essa relação social com o ser com –“mitsein”. O ser do mundo é um ser que
esta em relação com outros seres. O problema em Heidegger é que ele não diferencia essa
dimensão do ser com outras dimensões ideológicas. Levinás assinala essas relações
sociais, este diz que essa relação começa por ser metafísica, porque só sendo metafísica
é que essa relação pode ser ética, ou seja, há aqui uma articulação entre aquilo que
designamos, o desejo metafísico e a responsabilidade ou o cuidado ético. Significa que a
entrada da cena do outro é a condição sine qua non para duplamente haver uma relação
especial e uma relação ética, ou seja, relação de cuidado e de hospitalidade. hospitalidade
é o cuidado ético para com o outro. Concentrados no conceito daquilo que as palavras
evidenciam, hospitalidade é no sentido de acolher o outro mesmo não sabendo quem é o
outro. Aqui há a dimensão do estrangeiro, que é sempre desconhecido. Apesar desse
desconhecido, ou seja, da ausência de conhecimento, contra Heidegger temos que saber
o que estamos a acolher. Acolher o outro, apesar da ausência de conhecimento sobre ele.
A ética vai preencher todos os passos, pontos ainda não preenchidos pelo conhecimento.
É nesse sentido que a relação em Levinás é a aparição, não é ontológica. Somos
surpreendidos pelo aparecimento do outro, que não é anunciado, não é revelado ou
desocultado como acontece em Heidegger. Somos surpreendidos, por isso é que é uma
aparição. Se é uma aparição a relação social que temos com o outro dá-se pela
hospitalidade. Não se tratando de um conhecimento epistemológico, a fórmula de acolher
o outro em Lévinas requer uma hospitalidade que é um acolhimento absoluto, no sentido,
em que nele não há espaços para preencher, não há dúvida. O outro é acolhido na sua
diferença. A sua diferença +e colocada a priori não resulta de um conhecimento.
Hospitalidade, é aqui, humanidade absoluta. O que permite essa hospitalidade? Levinás
inicia o seu primeiro capítulo que há outra vida, mas que ao mesmo tempo, nós estamos
no mundo. Tudo aquilo que faz de nós seres finitos, nós não sucumbimos pelo facto de
sermos seres para a morte. Nós conseguimos dar o salto metafísico e criar para nós um
mundo que não se reduz à modernidade, que é o mundo do desconhecido, da
hospitalidade, é o mundo onde não sabemos quais são as necessidades e como é que as
podemos satisfazer. Contudo, criamos outro mundo que é fruto do desejo metafísico.
“A ética é uma ótica espiritual” - aqui está o sensível iminentemente visual, a ética começa
com este registo, é o rosto. Aqui estamos a assumir a sensibilidade liberada pelo
imagético, pelo visual- isto tem a ver com o contexto histórico. A nossa sensibilidade vai-
se transformando, ela não é sempre igual. Levinás aponta para as dimensões estéticas da
ética. Levinás acusa Heidegger de impessoalidade, ou seja, a ontologia é um discurso
impessoal, ou seja, não tem rosto, não há pessoas. Heidegger leva-nos para um mundo
existencial. Levinás, pelo contrário, diz que temos que dar rosto às coisas, não podemos
cair na falácia da impessoalidade. Levinás diz que a religião não é religião sem a relação
com o outro. A peregrinação de que a vontade divina é autotélica, isto não existe, pois, o
divino nasce desta relação social e essa transcendência é trabalhada no mundo. Ao
contrário de Heidegger, a morte não é a assombração, tudo isto tem uma carga positiva e
não negativa tal como dizia Heidegger. A formalidade existe nas relações sociais, essa
formalidade é um obstáculo, porque, fica tudo igual, o mundo fica mais pesado, fica tudo
mais frio, a ameaça impõem-se. Mas que há mais para lá da formalidade, segundo Levinás.
A permanência da ética nas relações sociais implica sempre uma atualização do outro,
implica sempre tornar o rosto do outro visível, ou seja, é um atualização sensível do outro.
Esta atualização não é mais elaborada por meio de doutrinas, decretos, mandamentos,
etc.. esta atualização do outro por meio se relações sociais, implica uma atualização do
sensível, implica o frente a frente. A questão ética tem esse fundo estético, ou seja, sem
esta atualização sensível teremos sempre ideias vagas e corremos o risco de não
considerar o outro, uma moralidade abstrata, impessoal. O mundo que transcende este
mundo está sempre neste mundo, ou seja, este mundo para ser um mundo de
hospitalidade tem que apontar para outro mundo, mas ao mesmo tempo, o outro mundo
tem que retroagir neste mundo. Há uma retroação da transcendência, do infinito neste
mundo. Essa retroação implica uma retroação do rosto (que é o transporte do sensível do
social, não do objeto), porque a relação social não está no âmbito epistemológico, isto é,
eu não tenho poder. O poder transforma os seres em objetos. A questão ética afasta-se
das relações de poder, pois as relações sociais não são relações de poder- utopia de
Levinás, que aponta para o percurso da sociedade que não estava a ser traçado no seu
tempo. Mitsein nunca pode ser apenas um eu, já tem um outro na sua condição. Se somos
seres sociais não somos eus psíquicos no sentido psicológico. Um ser social é feito dos
problemas que ultrapassam a minha identidade e, portanto, criamos normas,
comportamentos baseados no eu. A nossa base é a base de alteridade. O cuidado
evidencia a relação de alteridade, ou seja, há uma relação em que as partes envolvidas se
alimentam umas às outras, há um intercâmbio, há uma relação de poder. As relações
sociais não podem ser entendidas como relações de poder, porque se forem de poder
colocam em causa as relações socias. As relações de poder são a negação das relações
sociais. Uma criança não entende uma relação de poder.
A ideia central em Totalidade e Infinito é o rosto e é o que nos permite perceber que o
pensamento metafísico põe em evidência no caso da filosofa de Levinás uma
fundamentação ética originária para as relações sociais. A metafísica desenvolvida por
Levinás traz à expressão essa relação ética nas relações sociais, ou seja, põe em evidência
uma evidencia meta -ética, isto é, no sentido em que opera como o fundamento da própria
ética, isto é, porque é que as relações sociais implicam a ética? O fundamento é baseado
na ideia de rosto, de exterioridade. Só há frente e frente se houver exterioridade, se o
indivíduo se abrir ao outro. A exterioridade é aquilo que eu não conheço, é aquilo que me
aparece, que me surpreende, “que me maravilha”, aquilo que não controlamos. Estamos
habituados a pensar a ética numa ideia de uma todo, ou seja, pensamos os valores como
aquilo que devem ser executados pelos indivíduos, aqui não é isso, trata-se de
fundamentar as ética como as relações sociais. Levinás diz que ela não aparece por uma
imposição de vontade divina, ela gera-se de forma espontânea mediada pelo rosto, numa
relação de frente a frente que não é um confronto. Um frente a frente é quando os seres se
expressam mutuamente, isto é, quando não há uma posição privilegiada na observação,
quando não há apenas um observador ou quando não há apenas um observado -> aqui
deixa de haver controlo. Aqui a exterioridade impõem-se ao meu eu. É nesta condição de
expressão que se gera a tal transcendência ante o aqui e o agora, que se gera o finito e o
infinito. No aqui, agora, há algo mais porque resulta dessa interação social, ou seja, a
interação social não esgota a possibilidade do finito, do material, do real, dos corpos. Essa
interação social que permite encontrar no finito, no terreno, no material, no físico, no
mortal, algo mais do que todos esses limites que nos são impostos. É essa interação social
que gera esse algo mais, não é um eu isolado. O não isolado não consegue acrescentar ao
finito ou ao infinito, o finito não se controla é fruta de uma criação. Não se pode colocar
limites ao infinito. Século XX, a filosofia começa a ser construída pela segunda guerra
mundial, pelo holocausto, pela ameaça da bomba atómica e que gerou em Heidegger uma
visão negativa da sociedade e do mundo em geral, e não é por acaso que aparece esta
proposta de Levinás que é utópica, extravagante. A preocupação principal é mostrar como
as relações sociais geram em rigor possibilidades positivas, esperança. Levinás tenta fazer
luz sobre essa criação das géneses da interação social. As relações sociais são
generativas, no sentido que geram algo mais do que aquilo que elas são, por meio delas
abrem-se novos horizontes. Compreendemos melhor isto, se utilizarmos a nossa
experiência, como é o caso, da pandemia.
O rosto é uma criação dessa interação e deixa de estar na minha cara e na cara do outro
eu. Na mediação não há um frente a frente, eu fecho uma janela, não há isto. Como é que
sei se estou a ser observado? O frente a frente faz parte da nossa condição mais humana,
no sentido em que, não a controlamos, é uma condição natural. O problema é quando nós
conseguimos fazer o oposto, isto é, pôr em causa as relações sociais, porque estamos a
negar aquilo que as suporta. A máscara é a negação das razões sociais. Durante o período
pandémico, não existiu sociedade, porque não havia relações sociais. A sociedade não é
uma lei, não é 2 metros de distância. A ideia de Levinás faz sentido. Esta ideia é
interessante porque põe em jogo esta dimensão relevante que é a do contacto, a da
fraqueza, a afirmação do sensível. Damos pouca atenção ao sensível para o domínio
habitual. Há um sensível que é criado, que pressupõe essa expressão original.
“Não diluição…”-> há sempre uma separação entre o mesmo e outro, ou seja, o mesmo e
outro nunca se confundem. A ideia de que o finito não se confunde está de acordo com
esta lógica da separação. Está-se a respeitar esta diferença, ao mesmo tempo que não se
está a perder a consciência do finito, precisamente porque este mundo é sempre o ponto
de partida do outro mundo, ou seja, do outro mundo que se eleva a partir do desejo
metafísico. O desejo metafísico não é um desejo despoletado por um eu, mas é um desejo
partilhado, isto é, criado nas relações sociais. Há aqui uma crítica implícita a Heidegger ->
ter bem os pés assentes na terra, não perder essa noção, mas ao mesmo tempo e ao
contrário de Heidegger tem a noção de que a terra não se impõe apenas como morte,
limite, finitude, é uma possibilidade, é um mundo de possibilidades que ela nos dá
também. E se é um mundo de possibilidades, estas possibilidades não se totalizam
(Heidegger), mas pelo contrário, abrem-se (Levinás). A transcendência é a abertura
máxima. O desejo infinito não encerra um sentimento negativo, uma afeção negativa, uma
angústia, pelo contrário, ele torna visíveis as fronteiras entre o finito e o infinito. Ele torna
visíveis os eventos que acrescentam novidade ao mundo, ao finito. E se torna visível é
porque há sempre essa separação latente, essa não diluição. Essa não diluição significa
que não vivemos no mito, a esfera mitológica é a esfera onde há uma osmose, uma diluição
e que através disso dá-se a impossibilidade de ter consciência. “Os indivíduos são
estranhos para si e para os outros”- …( ver autor).
“A expressão do rosto extravasa as imagens que eu consigo criar” -> reforça a ideia de que
o rosto não é uma reprodução intelectual que produz este rosto. O rosto é nesse aspeto
um arqui-fenómeno. Levinás utiliza a palavra bondade, do desejo infinito que é criado na
relação social e a bondade, a bondade aqui é precisamente o cuidado. Aqui o cuidado já
não está mais encerrado na ideia Heideggariana com a existência que é uma espécie de
existência. Aqui o cuidar é relacional, tem que ver com a relação que temos com os outros,
já está na exterioridade no domínio que me transcende, que está fora de mim. “O rosto
nunca se torna imagem ou intuição.” -> representação é a máscara. Toda a intuição
depende de uma significação irredutível à intuição. Esta ligação que Levinás estabelece
entre o rosto e a moralidade é aquilo que nutre primeiramente a significação, ou seja, o
sentido que damos às coisas e ao mundo, ou seja, o sentido que damos às coisas está fora,
não está no cogito cartesiano, na mente que pensa. Esta ideia de expressão é fundamental
para perceber todas as dinâmicas de interação que no mundo, mas que não são
verdadeiramente sociais, que acontecerem dentro de um contexto social, mas que não são
verdadeiramente socias. -> Levinás dá o exemplo de um operário- em que não há
expressão, frente a frente, precisamente porque é um ambiente construído artificialmente,
ou seja, este ambiente existe para gerar consumo, portanto, o operário é uma máscara, é
o mesmo, nunca tem a dimensão do outro. Só pode ser uma máquina, portanto, a partir do
momento em que a sociedade se torna industrializada nós fomos perdendo as nossas
dinâmicas da dimensão relacional que afirma o social, que afirma o outro. Nem tudo o que
acontece na sociedade é social. As relações sociais não acontecem por acaso, não estão
sempre a acontecer, tem que haver condições para que elas sejam possíveis. Percebemos
que já não há princípios éticos para gerir os comportamentos humanos. Isto é
consequência de muitos outros fenómenos. Levinás acusa Heidegger de não pensar o ser-
com / Mitsein a partir das relações sociais e de ter despersonalizado o ser-com, o ser
social, ou seja, a imagem neutra do ser social, isto é, sem rosto. E aqui nos últimos
parágrafos desta obra, Levinás reforça a ideia de que há uma tentativa de passar a
neutralidade, assumimos uma posição. Levinás acredita que esta visão neutra das coisas
conduz à própria morte do pensamento filosófico e à custa desta morte instaura-se o
pensamento político, o pensamento estratégico. Levinás diz que a filosofia pode ter outra
abordagem. É a metafísica concebida por Levinás que já tem o cunho da ética que abre as
novas propostas filosóficas. Faz uma crítica à tradição filosófica, ou seja, começa por dizer
que o idealismo dissolveu o indivíduo, descontextualizou os indivíduos, porque nunca
pensou os indivíduos segundo o outro. Depois, teceu uma crítica ao materialismo, pois na
obra de Levinás está a importância do sensível, como é o caso do sensível. O rosto é um
sensível absoluto que se impõe sem o nosso controlo. O rosto não é uma imagem, porque
uma imagem controla-se. O rosto é discutível, é algo que explode à nossa frente. O sensível
do materialismo é um sensível indiferente às sensações, não é relacional, mas é um
sensível puramente físico, orgânico. Esta obra de Levinás é bastante crítica no que diz
respeito à filosofia de Heidegger. Levinás diz que cada ente, indivíduo é importante, porque
cada indivíduo dá- se a partir da relação social. Não podemos anular o indivíduo, porque
se o anularmos estamos a anular as relações sociais. Em última instância fica a ideia de
Heidegger de que só um Deus nos pode salvar. Desejo este que é criado na relação social.
Criar este desejo que extravasa. Levinás diz que para haver ética tem que haver esta afeção
sensível que é dada por este frente a frente. Desejo não é uma necessidade, o desejo é o
desejo de infinito que nasce dessas relações sociais dadas entre seres finitos. A metafísica
está nesta criação. Podemos dizer que o pensamento metafísico do ponto de vista de
Levinás, é um pensamento que privem da alteridade, não é um pensamento do eu, é um
pensamento que resulta desta alteridade. É um pensamento do diálogo, do rosto, do frente
a frente. O frente a frente não é apenas uma dimensão, uma dualidade do ser, pelo
contrário, frente a frente é condição indispensável de todas as modalidades. Porquê o
frente a frente? Ou seja, não chagava apenas a comunicação, a informação? Não, não
chega, tem que haver sensível, perceção. A comunicação não garante por si só relações
sociais. A ética não pode ser desprovida desses princípios de sensibilidade que são
vinculados pela ideia de rosto, frente a frente. O eu constrói-se na própria exterioridade, o
eu regressa à sua própria consciência quando se exterioriza. É essa condição que a
consciência impõe. Não há consciência do eu sem exterioridade, sem relação social. A
linguagem é a grande manifestação da exterioridade. A linguagem joga-se na relação,
portanto, a consciência está sempre fora da consciência. E nesse sentido, é que ela pode
ser consciência do eu. É aqui que se entrelaçada a questão moral. Ter bondade é um
cuidado, é um cuidar originário. É um cuidar que não resulta de nenhum programa
normativo. Está lá a interação da relação com o outro. Está lá essa bondade quando há
verdadeiramente o outro. A transcendência que é gerada na alteridade impossibilita a
geração do aparecimento desses sistemas totalitários. Desses sistemas que impõem uma
vontade impessoal, alheia às relações sociais -> a crítica a Heidegger continua. Este juízo
está sempre fora de mim, porque é construído na alteridade, e por isso, é que é um juízo
forte, não é uma construção minha, é algo que tem a expressão do rosto. É algo que tem a
marca do sensível, que é sentido na realidade e, portanto, é um juízo que estabelece em
mim, no meu pensamento à própria edificação da ética, que já não é um juízo impessoal.
Não sou eu que tenho essa capacidade de criar juízos, esse juízo é criado no social, resulta
dessa interação, pois não sou eu sozinho que o elaboro, ele cresce na interação social. A
atitude heroica pressupõe o quê? Pressupõe o outro, a bondade, a alteridade? Se
perdermos o horizonte de infinito dado nas relações sociais, a forma errada de ele se
manifestar é em forma de heróis, mas isso é uma forma ilusória e também com
repercussões negativas de dar transcendência ao mundo, porque não é dada nas relações
sociais, é imposta por um indivíduo. O herói significa a lógica do poder que não nasce no
social. Mas que se impõem no social. A figura do herói é que suplanta o social, mas não é
disso que se trata. Trata.se de partir do social para voltar ao social, não é para negar.