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Sleepy

Conto autoral Ana Clara Grangeiro

Enviado por

Rildenice Santos
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Depois que entrou no ensino médio, Jim nunca mais teve uma noite de sono decente.

Sempre muito ansioso, dormia todas as noites de cabeça cheia, acordava de madrugada com
uma sensação de estar sendo observado, mas sempre afastou esses pensamentos nebulosos
da cabeça. Até conseguia dormir novamente, mas só acabava acordando ainda mais cansado
na manhã seguinte. Assistia a vários vídeos de meditação e até começou a tomar remédios,
mas nada adiantava.

Tinha vários pesadelos com um homem que possuía uma boca costurada em um
sorriso macabro que sangrava e manchava seu queixo e roupas. Na maioria das vezes, era só
um coadjuvante, mas ele sempre aparecia. Talvez isso fosse o motivo de ele passar as noites
em claro.

Certo dia, Jim estava conversando com seus melhores amigos quando seu celular
vibrou no seu bolso. Nada de mais. Um spam, como muitos outros. Guardou o celular e voltou
a falar com eles. O aparelho, então, vibrou de novo.

De novo.

E de novo.

Até que Jim ligou seu celular. Só havia o mesmo spam, mas parecia mais brilhante.
Maior. A mensagem dizia: “A insônia te deixou cansado? Sleepy te ajuda a sair desse estado”

— Como ele sabia o que eu estava precisando? — Jim quase sussurrou, vidrado na
mensagem.
— Os celulares estão cada vez mais espertos — disse um de seus amigos.

Ele clicou. O celular tinha antivírus, então não tinha nenhum problema.

O site possuía cores claras: azul, branco e amarelo. Era de poucas palavras: “Sua
insônia se dissolve e para os sonhos você se move. Clique aqui para o Sleepy sorrir.” Ah! Como
ele gostaria que fosse tão fácil! Apertar um botão e todos os seus problemas sumirem seria
realmente um sonho!

Mesmo que nada acontecesse, ele apertou um botão, só por brincadeira. Talvez isso
até ajudasse, num efeito placebo.

As cores do site mudaram. Lentamente, a cor vermelha foi se espalhando por todo o
celular, como algo viscoso escorrendo. As letras sumiram e a tela ficou totalmente vermelha.

E depois, apagou.

No reflexo do celular, viu seu sorriso se alargando, mas ele não estava sorrindo. Muito
pelo contrário. Quanto mais o sorriso do reflexo aumentava, mais a ruga entre suas
sobrancelhas afundava. O celular começou a ficar quente, quase a ponto de pegar fogo. O
garoto soltou o celular no chão. Não conseguiu aguentar. Estava queimando suas mãos. Só
poderia ser um vírus. Maldita hora em que clicou naquele botão!

— O que houve, cara?


— Nada — Verificou suas mãos. Não havia nenhum sinal de queimaduras. Não estavam
nem vermelhas.
Jim apanhou o celular do chão e o ligou. Estava normal. Talvez ele estivesse mesmo
precisando dormir um pouco. Saiu logo do site e abriu o antivírus só para prevenir.
A noite chegou depois de um longo dia. Jim tomou seu remédio e deitou. Fechou os
olhos... Virou para um lado, suspirou. Talvez o efeito placebo não tivesse dado certo. Virou para
o outro lado, mas nada do sono. Ligou a TV e colocou um documentário. A voz lenta e grave
dos narradores tornavam o documentário tão tedioso que não demorou muito para que pegasse
no sono.
Sem ter acordado na madrugada, Jim começou seu dia com o pé direito. Diferente das
outras noites, não teve sonhos. Talvez tivesse sido esse o motivo para que tivesse dormido tão
bem. Olhou no espelho, suas olheiras haviam clareado e sua pele quase brilhava junto ao sol da
manhã. Estava radiante. Vestiu a farda, tomou café e foi à escola. Seus amigos o elogiaram,
dizendo que ele parecia bem melhor que no dia anterior. E ele realmente estava. Tinha a energia
de um guepardo e finalmente conseguiu se concentrar na aula de geografia e nas conversas dos
colegas.
Após a educação física, no intervalo entre a segunda e a terceira aula do dia, foi ao
banheiro lavar o rosto. Tentou ligar a luz, mas parecia estar queimada. Enxaguou o rosto e
olhou-se no espelho. Mesmo sem luz, seu rosto quase brilhava no reflexo do espelho. Uma das
cabines abriu a porta e algum cara encapuzado saiu dela e ficou imóvel atrás de Jim,
observando-o pelo reflexo do espelho. Sua pele por debaixo do capuz era tão clara que quase
brilhava. Ele não sabia quem o encapuzado era, mas era tão familiar...
A luz começou a piscar. Jim mexeu no interruptor e a lâmpada pipocou, fazendo com
que vários cacos de vidro voassem pelo banheiro.
— Que ótimo.
A escola toda estava sem energia. Os estudantes, então, passaram o resto do dia na
biblioteca, onde era mais claro e arejado. Uns estudando, outros, à toa. Poderiam até ter
supervisão, mas os professores não estavam nem aí para o que os alunos faziam ou não fora da
aula deles.
— Vocês dormiram bem noite passada? — indagou Jim aos seus amigos. Alguns
menearam a cabeça, outros, nem se deram ao trabalho de responder. Era comum estudantes
priorizarem suas revisões e deixar o descanso de lado.
— E você, Jim?
Ele assentiu prontamente, com um sorriso largo que contraía todos os músculos de sua
face.
— Não podia ter dormido melhor.
Seus amigos entreolharam-se, surpresos com essa resposta inesperada.
— Como? — perguntaram em uníssono.
— Acho que aquele site fez mesmo um milagre.
— Sleepy — alguém disse no pé do seu ouvido, quase como um suspiro. Um calafrio
percorreu sua espinha, mas ele não ligou.
— Esse mesmo.
Os amigos se entreolharam novamente. Talvez Jim precisasse mesmo fazer uma visita a
psicóloga da escola. Já foi estranho “Jim Zumbi” ter uma noite de sono decente e agora começar
a falar sozinho?
O sinal tocou e todos foram para casa ou para seus dormitórios. Jim tomou seus
remédios, ligou num documentário qualquer e deitou-se na cama. Dessa vez, não demorou
muito para que pegasse no sono.
Não teve sonhos completos. Mas, diferente da noite anterior, teve alguns vislumbres de
sonhos e pesadelos variados, onde ele era coadjuvante.
Acordou muito bem, no outro dia. Olhou-se no espelho depois de se vestir e percebeu
que estava mais bonito. Aquelas noites estavam-no fazendo bem. Parecia quase irreal. Ele tocou
em seu rosto e sua pele estava tão macia quanto algodões. Suas olheiras haviam sumido
completamente. Estava mais pálido, mas, de alguma forma, combinou com o resto do visual.
Apesar de ter dormido bem, Jim andava muito desastrado. Pegava os objetos, mas eles
viviam escorregando de sua mão, mesmo ele tendo certeza de ter segurado bem sua agenda, ela
caiu no chão segundos depois. Seus amigos ficaram chamando Jim de “mão furada” o dia todo.
A sensação que Jim sentia era exatamente essa.
Na aula de ciências, ele pegou seu celular para checar a hora e percebeu que estava sem
bateria. Na tela escura do celular, pôde ver-se. Apesar das marcas de dedo que manchavam o
celular, seu reflexo era nítido.
— Sleepy — O nome foi sussurrado novamente em seu ouvido. Ele olhou para os lados,
mas todos estavam concentrados demais na aula.
Quando voltou seus olhos para o celular, não estava igual ao celular de 5 segundos atrás.
Estava arranhado. Os arranhões pareciam aleatórios, mas, se prestasse atenção, formava uma
palavra.
— Jim...? — sussurrou Jim, tão baixo, que o barulho não passou de um suspiro.
Com os olhos arregalados, Jim percebeu o reflexo da tela do celular mudar. O sorriso do
reflexo começou a se alargar, da mesma maneira de quando ele clicou naquele site. O desespero
subia pela garganta. Levantou-se da cadeira. Precisava de um ar.
— Professor...
Onde estava o professor? A sala de aula estava vazia. Todas as 42 cadeiras estavam
vazias. O quadro e as paredes estavam rabiscados com tinta vermelha de forma agressiva o
nome “Sleepy” repetidas vezes. A energia caiu e nenhum feixe de luz se atrevia a entrar na sala.
O chão começou a ficar pegajoso e a sala tinha um cheiro metálico forte.
— Isso não pode ser verdade... Eu só posso estar sonhando...
Uma luz chamou sua atenção. Um rosto brilhava por baixo de um capuz. Ele estava do
outro lado da sala, observando Jim.
— Quem é você? — Jim gritou, tentando parecer intimidador, mas só conseguiu o efeito
contrário.
O encapuzado não abriu a boca, mas Jim escutou. Sussurros simultâneos ficando cada
vez mais altos até se tornarem gritos agonizantes de pessoas que ele conhecia bem. Amigos,
família, colegas...
sleepysleepySleepySLeepySLEepySLEEpySLEEPySLEEPY
— Sleepy...!
— O que você quer?! — ele gritou de novo.
O encapuzado tirou o capuz do rosto, revelando sua identidade. Era igual a Jim, mas a
boca era costurada num sorriso macabro. Havia sangue escorrendo por sua boca, sujando o
queixo e roupas. Ele parecia não piscar, sempre com os olhos arregalados.
Os sussurros no seu ouvido aumentaram.
vocêvocêvocêVocêVOcêVOCêVOCÊ
— Você.
O encapuzado tirou uma agulha e linha do seu bolso e começou a andar lentamente em
direção a ele. Sussurros, agora gritos, invadiam a cabeça do garoto. Ele tapou os ouvidos, mas
isso parecia vir de dentro da cabeça dele.
Jim atravessou a sala num pulo. Ele chegou até a porta, mas suas mãos atravessavam a
maçaneta todas as vezes que ele tentava segurá-la. Sleepy não tinha pressa de costurar a boca e
os olhos de Jim, mas agora ele estava perto. Bem perto.
Uma ideia surgiu como uma faísca.
Uma esperança.
Jim atravessou a porta e correu o mais rápido que conseguiu pelo corredor escuro.
Precisava sair dali o mais rápido possível. Não importava se, supostamente, ele estava
atravessando paredes. Ele queria viver! Ele precisava viver.
Correu até o pátio. Mas não era o pátio.
A sala era cheia de espelhos, mas nenhum refletia o rosto de Jim. Não. Os espelhos
refletiam um rosto costurado com olhos esbugalhados e sorriso macabro.
Ele tentou passar pelos espelhos, assim como fez com a porta, mas só conseguiu cair no
chão molhado. Olhou para suas mãos e elas estavam vermelhas. O chão todo estava vermelho.
Sleepy se aproximava. Com as mãos pingando sangue que seguravam uma linha e uma
agulha. Os espelhos explodiram. Os sussurros voltaram.
Tentou se mexer, mas não conseguia. Estava paralisado. De medo e do sangue em suas
pernas que estava se solidificando
Amarrado em uma cadeira, Jim só conseguia observar o sorriso costurado do Sleepy
quando ele desfrutava do momento em que passava a linha na agulha.
nãotemcomoescaparnaotemcomoescaparnaotemcomoescapar.
— Não tem como escapar.
Leitor, se algum dia vir alguém estranho em seus sonhos, não fale com ele, não interaja
com ele, e, de maneira alguma, clique em sites que leiam seus pensamentos. Essa foi a história
de Jim, que me contaram há algum tempo, mas que ainda martela no meu inconsciente. Alguns
dizem que é mentira, outros, dizem que já o viram em seus sonhos, mas foram sensatos em não
reagir. Eu não sei em quem acreditar, mas acho melhor não arriscar.
Tenha bons sonhos!

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