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Somente Voce e Eu Rafaelabush

A fanfiction 'Somente você e eu' narra a história de Anahí, que é sequestrada e vive oito anos em cativeiro, enquanto Alfonso Herrera, seu amor, tenta seguir em frente com sua vida. Quando Anahí é finalmente resgatada, ela enfrenta o desafio de se reintegrar a um mundo que seguiu sem ela, enquanto Poncho lida com a dor da perda e a nova realidade de sua vida. A narrativa explora temas de amor, trauma e a luta para reencontrar a identidade após experiências devastadoras.

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Marcela6Nayara
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Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Somente Voce e Eu Rafaelabush

A fanfiction 'Somente você e eu' narra a história de Anahí, que é sequestrada e vive oito anos em cativeiro, enquanto Alfonso Herrera, seu amor, tenta seguir em frente com sua vida. Quando Anahí é finalmente resgatada, ela enfrenta o desafio de se reintegrar a um mundo que seguiu sem ela, enquanto Poncho lida com a dor da perda e a nova realidade de sua vida. A narrativa explora temas de amor, trauma e a luta para reencontrar a identidade após experiências devastadoras.

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Somente você e eu by rafaelabush

Category: Fanfiction
Genre: aya, bushfer, fanfic, manerroni, slexie
Language: Português
Status: Completed
Published: 2017-10-09
Updated: 2021-02-01
Packaged: 2023-05-03 11:47:46
Chapters: 99
Words: 481,304
Publisher: www.wattpad.com
Summary: "A vida, os sonhos e os projetos de Anahí foram interrompidos
com seu sequestro. Uma vida parada no botão pause, sem previsão de volta.
Anahí vive oito anos no cativeiro, onde seu único contato com o mundo se
dá através de seu sequestrador, Tobias Menzies. A visão que ela tem desse
mundo exterior do qual não faz mais parte acontece somente quando Tobias
quer. É uma janela que está ali, mas permanece trancada a maior parte do
tempo. Com a janela fechada não se entra luz. Sem luz não há vida. Anahí
não lembra mais quem é. Do lado de fora do cativeiro o mundo não parou.
Alfonso Herrera, pessoalmente, tem uma vida que continuou. Num
determinado momento ele precisou guardar a dor pela perda do grande
amor de sua vida num cativeiro tal como ela está e igualmente fechou a
janela, se permitindo seguir em frente. Poncho se casou, teve um filho,
construiu uma carreira, mas por vezes bate um vento e a janela reabre,
deixando aquele sentimento até então trancafiado fugir e voltar a tomar
dele. É quando ele deixa de ser o Poncho escritor, casado e com uma
família para voltar a ser o Poncho cuja vida foi interrompida pelo sumiço de
Anahí. Mas a vida continuou, é o que ele sempre pensa cada vez que se
lembra dela. A mensagem é clara: Anahí está morta e ele precisa seguir em
frente. O único problema é que ela não está. Viva e descoberta Anahí volta
e ela não é a única libertada daquele cativeiro: junto com ela sai também o
sentimento que, por anos, Poncho tentou ignorar. Agora ele precisa decidir
se sua vida continua do ponto onde está ou se está disposto a, em nome
daquele antigo amor, voltar no tempo atrás de tudo o que deixou de viver ao
lado dela." Escrita por Rafaela Bush. Todos os direitos reservados.
Language: Português
Read Count: 274,652
Apresentação

Para as minhas Pudins: Jade, Lelly, Erika e Pri: eu amo vocês

"É melhor amar e perder do que nunca ter amado"


(This is us)

Nova York, 2010. Recém-formada em Direito em Georgetown, Anahí tem


capacidade para conquistar e abraçar o mundo. No fundo, ela não tem uma
pretensão tão grande: só quer mudar o seu próprio mundo. Trabalhar com
mulheres vítimas de violência doméstica, ante a estatística de crescimento
no Estado de Nova York, é a grande pretensão da garota. Mesmo não tendo
sido aquela a razão de ela ter entrado na faculdade de Direito, esse acabou
se tornando o seu plano no fim das contas. Anahí tem uma grande sede de
fazer a diferença, nada vai impedi-la.

O lado profissional de Anahí, inspirado e guerreiro, é um pouco diferente


da garota doce e meiga que ela é o restante do tempo. Criada com
dificuldade unicamente por uma mãe, com algum apoio e estrutura dos pais,
ela quer fazer diferente. Anahí admira Karen e se espelha na mãe, em sua
força e em sua garra, no fato de ela nunca ter tido vergonha de ter tido a
filha sozinha, de não tê-la abortado e dos sacrifícios que fez para cria-la
sem um pai. Aquilo alimenta em Anahí um orgulho da determinação da
mulher que a gerou e, ao mesmo tempo, uma vontade determinante de não
seguir o mesmo caminho. Anahí nunca escondeu de Karen que não era
aquela vida que ela queria para si, que não queria que seus filhos a vissem
batalhar sozinha e viver solitária.

No fim das contas, Anahí acabou nunca sonhando em se casar. Nunca foi
um plano, uma meta de vida. Mas é claro que as coisas mudam quando ela
conhece Alfonso Herrera. Poncho é um dos amigos que ela faz no novo
colégio, assim que entra no colegial. Ele é especial, tem um sorriso
acolhedor, a encarava de um modo diferente. O que era admiração vira
carinho, o carinho vira amizade, a amizade se transforma em um amor forte
demais para guardar no peito. Então Anahí acaba abandonando algumas das
convicções de ontem porque a paixão que sente por Poncho se torna
correspondida. Ele a ama como ela ama. Era injusto para todos os lados não
viver aquele sentimento.

A vida de Poncho foi mais tranquila que a de Anahí. Ele foi criado num
casamento tradicional e tranquilo, com uma irmã mais nova com quem era
completamente ligado. Poncho diferentemente de Anahí é completamente
romântico, mas nunca forçou qualquer tipo de relacionamento, acreditando
que quando fosse pra ser, seria. E foi. Enquanto Anahí demora a se
entregar, Poncho se apaixona desde o primeiro minuto, mas respeita o
momento dela. Ele acaba se tornando a pessoa que sempre está lá, e aos
poucos o sentimento vai se tornando recíproco. Anahí se apaixona de uma
forma completamente fulminante, a mesma forma que Poncho já tinha se
apaixonado.

O destino parecia claro que Anahí e Poncho era algo para ser, para a vida
inteira. Foi aí que veio a surpresa.

Tobias Menzies era cliente da Karen's Café desde que Anahí se lembrava
em sua adolescência. Era um homem que ela sabia apenas o primeiro nome,
nada além disso. Não sabia onde morava, com o que trabalhava, que espécie
de vida fora a que ele tinha fora dali. Nada além de que ele sempre estava lá
no horário que ela chegava do colégio. Um contraste com o que o próprio
Tobias sabia dela... Tobias observava cada mínimo detalhe de Anahí. Como
gostava como o cabelo dela ficava penteado, como ela ficava bonita vestida
num uniforme de líder de torcida, e como ele gostava mais dela sem aquele
namorado que, desde que ela fizera dezessete, simplesmente não saía de
perto.

Foi aos vinte e quatro anos que a vida de Anahí foi interrompida. Em 2010,
em Nova York. Logo depois de ela se formar. Porque um homem obcecado
que prestava atenção nela há dez anos decidiu que as coisas não poderiam
ser mais assim. Foi assim que Tobias Menzies deu um ponto final na vida
de Anahí, sem explicar se era ponto final, ponto de interrogação,
reticências... ninguém soube dizer.

Poncho estava prestes a pedir Anahí em casamento quando ela voltou. Era o
momento perfeito: os dois estavam finalmente morando no mesmo lugar,
tinham comprado um apartamento no Brooklyn para viverem juntos, ela
tinha uma proposta de emprego em uma ONG com a qual sempre desejou
trabalhar. Poncho tinha se formado em Literatura em Stanford, estava
trabalhando como free lancer em um jornal local em Nova York com
pequenas crônicas e já trabalhava em seu primeiro manuscrito. Tudo tinha
como dar perfeitamente certo.

E daria, se Tobias não tivesse apertado o pause na vida de Anahí.

Pause, porque dentro de um cativeiro, sem contato com o mundo exterior,


estuprada e abusada, agredida física e constantemente, ela viveu e
sobreviveu. O preço foi deixar de ser quem era. O preço foi esquecer quem
era, esquecer quem era a Anahí dos sonhos, das ambições, dos planos, a
Anahí do Poncho. Parte daquela Anahí se foi. Se ela um dia saísse daquele
cativeiro, ficaria ali para sempre.

Pause, não stop. A vida de Poncho ficou pausada durante algum tempo, e
não apenas a dele. Maite Perroni, a melhor amiga de Anahí, simplesmente
não aceitava que ela tinha desaparecido. Quando a polícia desistiu das
buscas, reputando que Anahí provavelmente tinha morrido, Maite não
aceitou. Ela passaria cada dia lutando pela volta de sua melhor amiga, não
importava quem dissesse que deveria seguir em frente.

O tal "seguir em frente" era o pesadelo de Poncho. Como seguir uma vida
se a pessoa que ele tinha projetado ao seu lado não estava ali? Se ao menos
houvesse uma certeza... se houvesse um corpo para ser velado, um túmulo
para que ele levasse flores, mas não havia nada. Nada além das lembranças,
do sentimento de culpa cada vez que cogitava que deveria viver sua vida...
foi preciso terapia e tempo para Poncho minimamente se conformar e
deixar a vida seguir.

Do velho grupo de amigos, apenas Maite mantinha acesa a velha ideia de


que Anahí estava viva. Todos os demais – Sophia, Jesse, Lexie, Mane e até
Christian – já tinham aceitado que ela não iria voltar, quer estivesse morta,
quer não. O fato de alguns dos amigos aceitarem e até incentivarem Poncho
a levar a vida para frente fez com que um racha natural acontecesse. Maite
simplesmente se revoltou com aquela possibilidade. Ver Poncho cruzar os
braços e se entregar a uma depressão e, após sair dela, apenas procurar
conhecer outra pessoa e viver como se Anahí nunca tivesse existido a
magoava de um modo como ela não poderia imaginar. Então era uma
batalha que ela acabou escolhendo viver sozinha.

Poncho conheceu Diana quase dois anos depois de Anahí desaparecer. Ela
trabalhava na editora que dá a Poncho a primeira chance como escritor, era
quem acreditou de verdade no potencial dele e o enxergou. Diana ela
engravidou seis meses após os dois saírem juntos pela primeira vez. Diana
não era o sonho de vida de Poncho, mas de alguma maneira a notícia
daquela gravidez fez um sorriso de verdade brotou no rosto dele, algo que
ele estava desacostumado a acontecer. Poncho fez as coisas da maneira que
acreditava ser correta: foi morar com Diana, se casou com ela, e quando
Daniel nasceu, ele prometeu a si mesmo que tentaria formar uma família e
ser feliz com a nova chance que a vida tinha lhe dado. Mesmo que não
fosse como ele queria vivê-la, era honestamente o que estava em suas mãos
naquele momento. Foi aí que Poncho se tornou um homem de família,
tentando ser o melhor marido para Diana e o melhor pai para Daniel.

Foi justamente aí que a carreira dele começou a decolar, sempre escrevendo


sobre os amores perdidos, sobre as coisas que eram para ser e não eram.
Qualquer semelhança com sua vida real e com os sentimentos não era mera
coincidência. As palavras se tornaram uma válvula de escape para Poncho
canalizar os sentimentos que tinha que aprisionar o coração. Seus
personagens eram versões do que ele gostaria de ter vivido com Anahí e
não era capaz de confessar, ele não podia. Cada livro era uma versão do
amor que sentia por ela, uma forma de viver um final feliz, cada mulher na
vida daqueles homens que ele criava era um aspecto da personalidade
daquela que, por mais que ele lutasse contra, sempre seria o grande amor de
sua vida.

Algumas das pessoas do velho convívio de Poncho não lidaram tão bem
com aquela história. Christian e Maite não aceitavam Diana tão bem assim,
Lexie ficava em cima do muro, procurando não se meter, enquanto Sophia,
Mane e Jesse eram os que apoiavam Poncho a não deixar mais sua vida
parada. O grupo estava rachado, a amizade e a união de outrora não
existiam mais. Era como se Anahí, mesmo não estando ali, continuasse
marcando a vida de todos. Como se ela, sem querer, destruísse coisas que
somente a sua presença eram capazes de consertar.

Curiosamente Karen, a mãe de Anahí, era uma das pessoas que acabou
aceitando o casamento de Poncho. Por mais que lhe doesse a ideia de que
aquele menino que tinha como uma espécie de filho seguisse em frente sem
Anahí, ela respeitava e acompanhava de perto. Por vezes Poncho levava
Daniel ao Karen's Café apenas para que a própria Karen o visse. Ela acabou
nutrindo um grande carinho por aquele menino, sempre perdendo para sua
imaginação a luta de imaginar como seria se Daniel fosse seu neto, se
Anahí estivesse viva e fosse a mãe dele. Algo que, eu seu coração triste e já
conformado, jamais iria acontecer.

Karen não era a única. Por vezes Poncho se perdia nesses devaneios: e se
tudo fosse diferente? E se ela nunca tivesse sumido? Pior... e se ela
aparecesse e bagunçasse tudo? Na maioria das vezes, para não dizer em
todas, ele balançava a cabeça e pensava que era uma bobagem pensar
daquela forma. Anahí não iria voltar, era melhor que ele se conformasse e
vivesse não a vida que sonhou, mas a que estava à sua disposição. Anahí
não iria voltar.

E a vida seguiu o seu ritmo normal, até voltarmos ao pause. Não era stop,
você se lembra? Porque em um sótão numa casa de subúrbio no Queens,
Anahí estava viva. E numa operação para apreensão de drogas, a casa de
Tobias Menzies foi invadida. E Anahí foi encontrada.

E a vida dela saiu do pause. A vida dela voltou a andar. Só que tinha ficado
parada por oito anos, enquanto de seus amigos, de sua família, de seu amor
tinha seguido.

Nova York, 2018. Temos então uma Anahí que não lembra mais quem era.
Uma Anahí marcada pelo trauma de viver trancafiada por oito anos, de ser
estuprada, espancada e abusada de todas as maneiras. Uma Anahí cuja
única referência do mundo exterior foi um homem que tirou sua vida, que a
tirou da vida que ela conhecia. Essa Anahí poderia lidar com o fato de que
os amigos viveram, que sua mãe e seus avós viveram... mas como lidar com
a ideia de que Poncho não está mais de casamento marcado com ela? Como
recuperar as feridas quando Poncho tem outros braços para esquentar-lhe de
noite, que não será ele a secar suas lágrimas já que agora tem uma família?

O modo como uma pessoa vai reaprender a viver depois que se esqueceu do
que era ter uma vida é a história condutora de "Somente você e eu". São
histórias sobre se ter o amor e se perder, seja porque ele escapou de suas
mãos sem perceber, seja porque você nunca o teve, seja ainda por tê-lo
deixado escapar.

Em 2018.
Data de estreia

Nos vemos dia 29/03, aqui no Wattpad.

Posts segundas e quintas.

Até lá 😉
Capítulo 1 - Eight years

A todas as mulheres que de alguma maneira foram violadas: sou eu por


vocês.

Quando uma pessoa é marcada por algo muito doloroso no passado, leva
tempo até que os sentimentos reencontrem o seu lugar. Isto é, se eles voltam
para o lugar. Por vezes essas dores ficam em espaços esquecidos da mente,
como se tivessem sido superadas. E num dia, num momento, mediante uma
lembrança, um acontecimento qualquer, ela volta. O sentimento se alastra
do peito pelo resto do corpo. A dor é praticamente física. Importante dizer:
ela é real.

Essa era uma daquelas noites para Alfonso Herrera. Uma noite que ele tinha
rido, que tinha se divertido, tinha esquecido que lá no fundo de seu peito, no
fundo de sua mente, certas lembranças lhe doíam, certos sentimentos
ficavam aprisionados e esquecidos. Uma noite como outra qualquer, que
seria como qualquer outro dia de sua vida. Uma vida tranquila, sem
preocupações, sem grandes sacolejos. Dia comum de uma vida comum que
tinha tudo para virar uma lembrança de cinco segundos e passar
completamente batido como vários outros dias dentre os quais ele já tinha
vivido... se ele não tivesse lembrado dela.

Começou bem antes. A memória foi construída com antecedência, ao longo


do dia, um longo dia. Era sobre esse dia, mais especificamente sobre essa
noite, que Poncho conversava com sua esposa, Diana, assim que os dois
chegaram juntos em casa. Ele tentava convencer a esposa de um certo ponto
que, caso ela não desse o braço a torcer, seria um problema e tanto. Diana
parecia irredutível em sua opinião e ele não poderia culpa-la, porque dentro
de seu peito, guardado no fundo dos seus sentimentos, ele não pensava tão
diferente.

Muitas coisas ficavam aprisionadas no fundo do peito de Poncho...


— Você não gostou nem um pouco dela? Nem um pouquinho? – Poncho
perguntou cruzando os braços e se encostando no portal do banheiro do
quarto deles. Diana tinha no rosto uma careta que era simplesmente
impagável.

— Como eu posso dizer...? – ela suspirou longamente – Ela é... não sei
Poncho. Forçada? Enjoada?

— Eu jurava que vocês estavam se dando super bem – ele negou com a
cabeça incrédulo – Porque era o que parecia. Conversaram a noite inteira...!

— Por conversaram, você tem que entender que ela falava noventa por
cento do tempo e eu falava dez – Diana observou – Que nesses dez por
cento eu era completamente monossilábica. Acho que a maior palavra que
eu disse foi "entendi". Porque quando eu pensava em dizer algo mais
consistente, a garota emendava em outro assunto, outra história maravilhosa
sobre a vida maravilhosa dela e nossa senhora, eu só pensava "meu Deus do
céu, quando essa Lindsey vai calar a boca?"

— Diana... – Poncho a repreendeu.

— Me julgue! – ela resmungou – Eu sou TeamSophia!

— Você acha que eu não sou? – Poncho cruzou os braços – Sophia é minha
melhor amiga, junto com o Jesse. Eu não gostei de quando eles terminaram,
eu fiz de tudo pra que eles percebessem que estavam fazendo uma burrada,
mas cadê que qualquer um dos dois me ouviu? Você lembra disso!

— É, eu lembro – Diana suspirou se sentando na cama – Eu também falei


com ela, mas sinceramente Poncho? O Jesse foi um idiota. Ele é seu melhor
amigo... mas ele foi um idiota com ela. Eu não a culpo por ter terminado
tudo.

— É, nem eu – Poncho confessou.

— Mas o Jesse, eu culpo muito – Diana respondeu rindo – Principalmente


por ter começado a namorar com a Lindsey-papagaio-falante-Morgan!
— Olhe, veja bem, nós temos que fazer um esforço com a Lindsey, é
importante pro Jesse – Poncho ressaltou – E Jesse é...

— Seu melhor amigo – ela completou – Eu sei. Eu lembro que era ele que
estava do seu lado no nosso casamento e foi ele quem guardou as alianças
pra que você não as perdesse na despedida de solteiro.

— O melhor padrinho do mundo – Poncho riu com a lembrança.

— E pensar que nós sempre achamos que seria o mesmo no casamento dele
com a Soph – Diana suspirou – Nem tudo é como a gente quer, não é?

Foi nesse momento. O primeiro momento que a lembrança veio, que ela
tentou abala-lo, derruba-lo, e Poncho teve que se prender a algo que nem
sabia ao certo o que era para não desmontar. Ele simplesmente não podia se
deixar levar. Não podia começar a chorar sem motivo algum, deitar no chão
do quarto, no chão do banheiro... Diana estava ali, ele precisava parecer
estar bem. Então, antes que a lembrança dolorosa o invadisse, ele a repeliu,
fazendo uma careta e balançando a cabeça. De repente se deu conta que ela
já falava há algum tempo e ele, perdido nas próprias memórias, acabou não
prestando atenção alguma.

— Desculpe... o que você disse? – Poncho franziu a testa – Eu me distraí.

— Estava dizendo que você pode ficar tranquilo que eu não irei tratar a
Lindsey mal – Diana repetiu – Não apenas por você, pelo Jesse e pela
amizade de vocês dois... mas porque eu bem sei o quanto é complicado
quando você é a novata num grupo de amigos.

— Ah Diana... – Poncho murmurou, sentindo ser atingido em cheio pela


situação da qual tentou inutilmente fugir.

— Tudo bem, está tudo bem, é apenas um comentário – Diana levantou os


braços cortando a situação – Eu entendo seus amigos de verdade. Ninguém
é obrigado a gostar de mim, eu estou bem com isso. É só que... eu não
quero ser com a Lindsey o que foram comigo, não seria justo.

— Eu sinto muito – Poncho respondeu. Era tudo o que conseguia dizer.


— Não sinta – Diana respondeu – Escuta, o Dani dormiu e a Bea foi
embora. Nós podemos aproveitar e terminar essa noite de outra maneira, o
que você acha...?

Parecia uma ótima ideia. Parecia.

A maneira perfeita de fugir da realidade, de fugir da dor, era se jogar na


única coisa que trazia algum alívio, alguma felicidade. Existiam coisas
dentro de Poncho que estavam acabadas, por mais que ele quisesse que
tivessem um fim diferente, simplesmente era impossível voltar atrás e
terminar e de um outro modo. E essa não era uma daquelas
impossibilidades nas quais as pessoas não voltam porque não querem. Ele
queria. Ele queria poder. Mas não podia.

Ela não estava mais lá. Ela não estava em lugar nenhum, nem embaixo das
pedras, nem em qualquer dos infinitos lugares onde foi procurada.
Inalcançável para a polícia, para investigadores, para qualquer um que
tentou incessantemente encontra-la. Com uma coisa por acabar. Por mais
que a última vez que Poncho esteve com ela, os dois tenham tido uma cena
gostosa de se lembrar... por mais que seu último momento ao lado dela não
tenha sido algo do qual fosse se arrepender, sempre ficaria aquele vazio,
porque mesmo sete anos com ela parecia pouco em vista da vida inteira que
ele tinha projetado. Sete anos era nada comparado com os últimos oito anos
que ele já não lembrava tão bem da voz dela, de seu rosto, já começara a
esquecer alguns dos muitos momentos que eles tinham vivido juntos.

E se ele simplesmente se esquecesse de vez? E se ele não conseguisse mais


lembrar de mais nada, como não lembrava mais o som de sua risada, o
cheiro de sua pele e de seu cabelo, como seria? A ideia doía só dele pensar.
Ele não teria acesso a novos momentos com ela, não teria uma última vez.
Tal como ela tinha sido arrancada sem aviso prévio de sua vida, as coisas
que eles viveram juntos aos poucos estavam saindo da memória dele,
deixando-o, indo para um lado da mente ao qual ele não tinha acesso.

E aí batia o sentimento de culpa. Poncho continuava vivendo em função de


um fantasma. Não aproveitava o casamento maravilhoso que tinha, a
família que construiu. Diana, sua esposa, era incrível com ele. Ela
respeitava suas dores, seu luto que parecia não ter fim, sequer tocava no
assunto. Daniel, o filho deles, não fazia ideia das cicatrizes que habitavam o
coração do pai e acabava por preenchê-lo por ignorar esses limites. E a
mesma analogia que Diana usou para descrever sua primeira conversa com
Lindsey, a nova namorada de Jesse, servia perfeitamente bem para o que ele
sentia: noventa por cento feliz... feliz por uma boa esposa, um bom filho,
uma boa vida. Dez por cento amargurado e triste... por algo que estava tão
inalcançável quanto poderia estar.

Depois que Diana dormiu, Poncho deixou a esposa sozinha na cama,


desistindo de pegar no sono. Ele há muito tinha descoberto a maneira certa
de canalizar aqueles sentimentos. Ficava em outro cômodo do quarto, um
cômodo pequeno e simpático, onde cabia apenas ele e todas as ideias do
mundo. O único lugar onde ele podia deixar aqueles sentimentos
extravasarem. Se sentando em sua escrivaninha, colocando os óculos de
leitura e ligando imediatamente o computador, ele viu a página de word
aberta em sua frente e a imagem mental dela se formando em sua cabeça.

Era a hora que as palavras começavam a acontecer. Com a imagem mental


do sorriso de Anahí e tentando se lembrar do gosto da boca dela, Poncho
digitou o que pensou. "Ele sempre seria um cara solitário. Se ele não a
tivesse, ele nunca seria completo. Não enquanto não a tivesse".

Era inevitável. Ela vivia em seus personagens, em seus pensamentos, em


sua inspiração. Anahí nunca estaria totalmente morta, não dentro dele. E
não no mundo de fora que ele a liberava para viver.

xxx

Lexie Grey mal teve tempo de vestir o jaleco na chegada ao hospital. Eram
somente oito horas da manhã e ela teve que cancelar urgentemente a ronda
de internos daquela manhã e jogar a escala de residentes para o lado quando
o bipe começou a tocar descontroladamente. De nada adiantou chegar cedo
naquela manhã no New York General Hospital, acreditando
verdadeiramente que seria um dia tranquilo, que ela conseguiria acumular
as cirurgias, os pacientes chegando, os pós-operatórios da neurocirurgia e a
burocracia de residente-chefe. Ledo engano. Ninguém conseguia acumular
tantas funções assim quando era a residente favorita de Amelia Shepherd.

Com o bipe tocando com insistência, Lexie prendeu o cabelo de qualquer


jeito, rezando para que a maldita franja que finalmente estava crescendo
não mais a atrapalhasse, colocou o jaleco de qualquer jeito, deu um bocejo
para não chegar com cara de morta-viva e pegou o elevador tão rápido
quanto podia. Ao entrar nele, viu uma mensagem de Jackson Avery, seu
namorado, dando bom dia e dizendo que não conseguiu vê-la quando
chegou no hospital porque estava cuidando de um pós-operatório
complicado que Mark havia lhe passado. Mark, o sempre maldito Mark.
Lexie ignorou a informação, guardou o celular tão logo se deu conta que
tinha finalmente chegado ao térreo do hospital e seguiu para a sala de
trauma 2 da emergência, o local onde Amelia estava e para onde ela havia
sido chamada.

É claro que a sala estava um pandemônio. Médicos demais, enfermeiros


demais, confusão demais, e para variar, uma briga que era praticamente um
clássico naquele hospital.

— Derek, essa é minha paciente...

— Amelia, eu estava de plantão na emergência hoje, então tecnicamente...

— Tecnicamente quando ela chegou, era eu que estava na porta da


emergência recebendo-a!

— Roubando uma paciente – Derek devolveu – Não é porque você é chefe


do departamento que...

— Sim, é porque eu sou chefe do departamento sim! – Amelia retrucou –


Eu sou a chefe da neurocirurgia, eu recebi a paciente, o caso é meu.

Todos os outros médicos que estavam ali acompanhavam a disputa entre os


irmãos Shepherd que já era tão comum e ninguém entendia como ambos
saíam com todos os membros do corpo. Lexie passou os olhos pela sala,
imaginando que, pela quantidade de cirurgiões presentes, provavelmente se
tratava de um caso grave. Com um olho no paciente e outra na briga dos
neurocirurgiões Shepherd estavam Callie Torres, cirurgiã ortopédica;
Arizona Robbins, cirurgia fetal e ginecológica; Owen Hunt, cirurgião de
trauma; sua irmã Meredith Grey, cirurgiã geral e é claro, Mark Sloan,
cirurgião plástico.

Quando Lexie cruzou o olhar reparou que Mark a encarava. Ele


imediatamente desviou ao perceber que tinha sido descoberto, voltando-se
para a paciente na maca. Amelia e Derek continuavam brigando como se
não houvesse amanhã e ela precisava saber de qual caso se tratava.

— O que temos? – Lexie perguntou a Owen Hunt, que tratava a paciente


ignorando a disputa dos irmãos.

— Mulher, aparentemente 30 anos, desconhecida... vários cortes, indícios


de abusos físicos e sexuais, ossos quebrados, possível lesão na coluna e
eventuais hemorragias internas...

— Little Grey, não toque nessa paciente...! – Derek ordenou, fazendo Lexie
levantar o olhar com violência.

Little Grey. Como Lexie odiava ser chamada daquela forma. Derek sabia.
Aquele apelido a lembrava outro médico que estava presente no recinto, um
médico que ela não podia encarar, não podia sequer pensar.

— Ei, você não dá ordens na minha residente – Amelia respondeu com a


mesma agressividade. Derek parecia ultrajado.

— Sua residente? Sua residente...? – Derek cruzou os braços – Se você quer


saber, eu treinei a Lexie. Ela não estaria na neuro se não fosse por mim.

— O que você quer, um diploma?

— Ai pelo amor de Deus, já chega vocês dois – Callie Torres pediu, quase
ordenou, revirando os olhos.

— Ok, é o suficiente – Mark disse entrando no meio – Temos uma paciente


e um neurocirurgião é o bastante. Decidam-se.

— É minha paciente – Amelia insistiu – Assunto encerrado.


Pelo visto Derek Shepherd teria que se conformar.

— Eu fiz um ultrassom – Meredith Grey anunciou – Pra verificar se


realmente existe hemorragia interna, se havia necessidade de uma
laparotomia, mas não, não há, então no meu caso...

— De um jeito ou de outro eu vou leva-la pra cirurgia porque preciso


realinhar a coluna – foi Amelia quem disse.

— Antes eu preciso fazer umas imagens de raio-X – Callie explicou – Essa


garota passou por muitas coisas onde estava... ela está completamente
marcada.

— Onde mesmo ela foi encontrada? – Mark perguntou.

— Um porão de uma casa no Queens – foi Owen quem respondeu – Uma


batida policial pra encontrar drogas, o cara foi preso, vasculharam a casa
inteira... e a encontraram no porão. Sabe-se lá há quanto tempo...

— Hunt, por que você me bipou? Ela está grávida? – Arizona questionou.

— Indícios de estupro, seria bom você dar uma examinada.

— Pelas imagens da tomografia dará pra ter uma visualização melhor, mas
de antemão eu já posso imaginar que... – Callie começou a falar.

— Ai meu Deus.

Todos os olhos naquela sala se voltaram para Lexie Grey. Ela tinha ambas
as mãos tampando a boca e os olhos repletos de lágrimas; simplesmente
tremia. Ninguém tinha entendido aquela reação repentina, Lexie estava bem
até logo antes... que diabos tinha acontecido?

— Grey? – Amelia chamou.

— Lexie? – foi Meredith quem chamou dessa vez. Lexie continuava atônita
e congelada.
Ninguém falou mais nada. Mark foi o primeiro a notar, ela olhava
diretamente para o rosto da paciente, e era daí que vinha aquela emoção
toda. Aparentemente Lexie havia reconhecido a moça que estava
desacordada naquela maca, e de alguma forma aquilo mexia completamente
com ela.

— Grey, que diabos... – Callie voltou a chamar, mas Mark a interrompeu.

— Lexie, você conhece a paciente? – ele perguntou.

E ela levantou o rosto, ainda com as mãos na boca, tremendo sem parar.

— Eu... eu achei que ela estava morta, todos... todos acharam que ela tinha
morrido, eu... eu...

Lexie não parava de tremer. De repente a sala de trauma se tornou um


túmulo, todos se calaram, ninguém movia um músculo. O único que teve
reação foi Mark, caminhando decisivamente para Lexie e a abraçando. O
que se viu foi a residente, que até então estava tranquila e com a frieza
habitual que se espera de uma cirurgiã ao receber um trauma, simplesmente
desabar de lágrimas nos braços do ex-namorado. Os demais se entreolharam
sem entender e continuaria assim se Owen Hunt não tomasse a dianteira.

— Certo, não podemos ficar parados – ele anunciou – Alguém bipe algum
interno para levar a paciente pra cirurgia.

— Não a deixem sozinha, por favor, não – Lexie murmurou ainda agoniada,
tentando se soltar dos braços de Mark – Eu vou com ela, eu...

— Ei... não – Amelia segurou o braço dela, impedindo-a – Eu mesma a


levo. Não vou sair do lado dela Grey, eu te garanto.

— Nós vamos cuidar bem dela – foi Arizona quem disse dessa vez – Você
não precisa se preocupar.

Claro que ninguém havia entendido nada, e demorou até que Lexie
finalmente parasse de chorar, ainda amparada por Mark, e conseguisse
minimamente recuperar a si própria. Somente Meredith, Derek e o próprio
Mark tinham ficado ali. Lexie ainda soluçava, um interno a levou um copo
de água, ela estava sentada numa maca numa sala anexa à que a
desconhecida havia sido atendida. Os três tentavam entender o que
exatamente tinha acontecido ali, embora algo ficasse claro, quem sabe
subentendido: quem quer que fosse aquela paciente, Lexie a conhecia.

— Você ta mais calma? – Derek perguntou delicadamente a uma Lexie que


fungava.

— Um pouco – ela respirou fundo – Me desculpem, eu não fui nem um


pouco profissional, a Dra. Shepherd deve estar furiosa comigo, é só que...

— Shhhh, Amelia não é uma preocupação agora – Mark disse fazendo-a se


sentar novamente e a fez soltar uma careta.

— Lexie, a polícia já foi chamada, mas você conhece a garota? – Meredith


perguntou.

— Sim – Lexie confirmou – Ela está diferente... faz oito anos, mas é ela, eu
sei que é ela...

— Vamos com calma – Derek pediu – Quem é a garota? De onde vocês se


conhecem?

— O nome dela é Anahí – Lexie falou mordendo os lábios, sentindo novas


lágrimas virem – Anahí Portilla. Ela estudou comigo no colegial. Era uma
das minhas melhores amigas. Ela desapareceu há oito anos. Nós achávamos
que ela estava morta, eu achava isso, até... dez minutos atrás...

— Se faz oito anos, como você tem tanta certeza que é ela? – Meredith
questionou.

— Meredith, eu apenas sei – Lexie disse já levantando – Eu vou ligar pra


mãe dela.

— Ei, ei, ei, você não vai a lugar nenhum – Mark voltou a impedi-la –
Lexie, a polícia está cuidando disso, você não pode simplesmente sair
ligando pra família dela sem ter certeza...
— Mark, eu tenho certeza – ela garantiu – É ela! Eu não iria me enganar!

— Ei, Grey – Owen Hunt, na porta da sala de trauma, chamou Lexie, sendo
que ela e Meredith levantaram os rostos ao mesmo tempo – Não Meredith,
Lexie. A polícia está aí e quer falar com você. Será que você está em
condições?

— Estou, é claro que estou – ela levantou na mesma hora – Onde eles
estão?

— Te esperando na recepção.

— Você tem certeza que está bem...? – Mark perguntou passando a mão
pelo ombro dela, dando-lhe algum conforto. Lexie ou ele não viram, mas
Meredith e Derek trocaram um discreto olhar a partir disso.

— Eu... eu vou ficar...

Mark sequer teve a chance de oferecer qualquer apoio maior. Antes que
Lexie pudesse sair dali, Jackson Avery entrou a passos largos na sala, em
direção a sua namorada. Foi a hora que Mark teve que se recolher, dando
espaço para o homem que tinha o verdadeiro direito de estar ao lado dela
apoiando-a. O homem que não era mais ele...

— Eu acabei de saber – Jackson disse à Lexie, abraçando-a – Está tudo


bem?

— Eu... eu não sei – Lexie suspirou – Tenho que ir falar com a polícia.

— Eu vou com você. Não se preocupe, amor. Você não ta sozinha.

E Lexie foi. A polícia, como Owen Hunt dissera, estava à sua espera na
recepção da emergência do New York General Hospital. Ela era a única
pessoa que sabia informações mais precisas daquela mulher desconhecida.
Graças a Lexie Grey, se aquela mulher desconhecida realmente fosse Anahí
Portilla, sua família não demoraria nada a estar ao lado dela novamente.

Finalmente.
xxx

Jesse Lee Soffer estava acordando em sua cama com uma claridade para lá
de incômoda batendo em seus olhos. Ele sentia as pálpebras mais pesadas
do que gostaria e, a julgar pelo cansaço, imaginou que ainda deveria ser sete
horas da manhã. Ao olhar o relógio, percebeu que já passava – e muito –
das nove. Não era, no entanto, a claridade, ou qualquer outro fator que o
despertava naquela manhã. Era o celular, na mesa de cabeceira, que não
parava de tocar.

— Jesse...! – Lindsey resmungou ao lado dele – Atende logo essa merda!

Jesse bufou. Ele também não estava gostando do barulho inconveniente, e


revirou os olhos, bufando e se levantando. Pegou o aparelho na mesa de
cabeceira, esfregando os olhos cambaleou a caminho da sala, ainda
bocejando, e finalmente olhou para quem lhe ligava. A pessoa desistiu
naquele meio tempo, e ele franziu a testa, estreitando os olhos para enxergar
a tela do aparelho. Era Lexie. E aquela era a quarta chamada não-atendida.

De imediato Jesse voltou a encarar o relógio e viu a hora. Nove e meia. Se


Lexie estava ligando, era do hospital, ela certamente já estava lá. Ou seja,
era algo sério. Ela não era de telefonar sem motivo. Exatamente por isso
Jesse não demorou a retornar, colocando o celular no ouvido com certa
ansiedade, temendo não ter acontecido nada com Sam, Torrey ou Sophia...

— Jesse? – Lexie o chamou do outro lado da linha – Graças a Deus! Eu


estava agoniada...!

— Desculpe, eu estava dormindo – ele esfregou o olho – O que aconteceu?

— Eu preciso que você fale com todos... Maite, Sophia, Poncho... eu não
consegui falar com ninguém! Jesse, aconteceu algo...

— O que aconteceu, Lexie? – Jesse perguntou mais nervoso do que antes. A


voz de Lexie estava agitada e aquilo não parecia bom. Que diabos ela iria
querer que ele avisasse a todos os amigos?
— Anahí apareceu – Lexie anunciou – Ela está aqui, no hospital.

Será que ele tinha ouvido direito? Porque simplesmente não era possível...

— Lexie, Lexie, o que? – Jesse questionou – Você... você disse o quê?

— Eu sei, parece inacreditável, eu sei – Lexie suspirou – Eu mesma não


acreditei quando vi, mas é ela, Jesse. É a Any. Você precisa avisar o
Poncho, precisa avisar a Maite...

— Lex, espera, você precisa me explicar que história é essa, eu preciso


entender antes de sair avisando – ele disse ao mesmo tempo que sentia uma
onda de ceticismo passar por seu corpo – Anahí está morta.

— Eu também achava isso! – ela retrucou – Eu achava, até essa manhã! Até
ela aparecer bem na minha frente... com sinais de tortura, machucada,
desacordada... Jesse... eu acho que ela estava sequestrada esse tempo todo.

— Puta merda... – Jesse resmungou.

— Eu tentei ligar pro Poncho, mas ele não me atende, ninguém me atende,
nem Mane, nem Maite, nem Christian... – ela suspirou – Eu estava
agoniada, só consegui falar com você. Vá até o Poncho. Traga ele aqui.
Quando ela acordar ela vai precisar dele...

— Mas a Diana... – Jesse começou a falar, mas Lexie o cortou de imediato.

— FODA-SE A DIANA! – Lexie gritou – A DIANA É O QUE MENOS


IMPORTA AGORA!

— Ok – Jesse respondeu decidido – Eu vou achar o Poncho, não se


preocupe. Eu vou encontra-lo.

Mas antes de encontrar Poncho, Jesse tinha uma pessoa que precisava saber
daquela notícia por ele. Por ninguém mais.

xxx
— Sophia? – Lívia a chamou colocando a cabeça dentro da cozinha da
confeitaria – O ruivo está aqui de novo.

— Ótimo – Sophia disse sorrindo e rapidamente ficando em alerta – Volta


pra lá. Fala pra Torrey ir pro caixa.

— É pra já...!

Já havia algum tempo que Sophia tinha entrado em um acordo com sua
funcionária, Lívia, para uma missão cupido na qual pretendia unir sua sócia
com um cliente. Ali estava ela em sua confeitaria, a Sophia's, na qual
Torrey – tal como Jesse – era sócia. Lívia era a funcionária que ficava no
caixa e por vezes servia os clientes, já que o local não era gigantesco.
Torrey, nos dias que Sophia se aventurava em ir para a cozinha preparar
novas receitas, ia para lá e ajudava no balcão. Tudo normal, se não fosse o
horário que o homem ruivo que não tirava os olhos dela chegar ali para
tomar café, e deixar Sophia, bem como Lívia, completamente incendiadas
em fazer aquele romance acontecer.

— Ei Torrey – Lívia a chamou com ar de quem não queria nada – Você


pode ficar no caixa...?

— Eu não acredito que vocês vão tentar isso de novo – Torrey revirou os
olhos.

— Tentar o quê...? – a garota se fez de desentendida – Eu só preciso ir ao


banheiro.

— Ah sim, claro – Torrey fingiu acreditar, caminhando até onde Lívia


estava logo antes e parando no caixa exatamente quando o ruivo em questão
chegou e abriu um sorriso imenso.

Antes de ir para o banheiro e cumprir o "álibi", Lívia bateu na mão de


Sophia, demonstrando a clara parceria. Torrey quase as fuzilou com os
olhos, mas não teve opção: o ruivo estava ali e ela tinha que atendê-lo.

Uma vez aquela etapa da missão cupido cumprida, Sophia voltou para a
cozinha. Além dos pedidos tradicionais que deveriam ser feitos naquela
manhã, ela estava testando uma nova receita de cheesecake com creme de
avelã e nozes. Estava quase pronto, na verdade, meia hora depois – logo
que Torrey saiu dali depois de resmungar pela milésima vez as tentativas
delas de juntá-la com o ruivo – Sophia já cortava o primeiro pedaço para
enfim provar o doce e verificar se estava mesmo tão bom assim.

Quando ela passava o primeiro garfo e provava do primeiro pedaço, Jesse


entrou na cozinha como um foguete. Ela quase deu um pulo, não esperava
por uma presença invadindo o espaço daquele jeito e muito menos ele.

— Jesse! – ela resmungou – Você quer me matar de susto...?

— Não, mas você não atende esse maldito celular...! – Jesse resmungou de
volta.

— Eu não atendo quando estou cozinhando – Sophia explicou – Falando


nisso, abra a boca.

Antes que Jesse pudesse processar a pergunta, ela já tinha passado o garfo
no pedaço de cheesecake em seu prato e estava prestes a colocar na boca
dele.

— Sophia...

— Anda Jesse, quero que você prove.

— Sophia...

— Vamos logo com isso! Pare de resistir!

— Sophia...

— Que é que custa?

— Está bem...! – Jesse se deu por vencido e, tão logo abriu a boca, Sophia
colocou o garfo dentro da boca dele. A irritação estava latente por ela não
deixa-lo falar, mas assim que sentiu aquele sabor... – Deus, isso está divino!

— Está vendo...? – ela se gabou – Você deveria acreditar mais em mim!


— Eu acredito – Jesse disse ao engolir, tirando o prato e o garfo da mão
dela e segurando o rosto de Sophia para fazê-la encara-lo – Me escute, pelo
amor de Deus, é sério...

— O que aconteceu Jesse? Por que esse nervosismo todo?

— Lexie me ligou essa manhã, ela te ligou também, mas você estava
ocupada e não atendeu... – Jesse suspirou – Vai parecer chocante e eu não
sei muito o que te dizer. Por isso respire, fique calma e não surte ok?

— Surtar mais do que já estou prestes a surtar com o seu suspense? –


Sophia reclamou.

— Sim, porque você ainda não viu nada – ele respirou – Vamos lá... uma
paciente vítima de estupro e de sequestro chegou no hospital hoje e Lexie
foi uma das médicas que a atendeu. Parece... pode ser que... enfim... talvez
possa ser a Anahí.

Jesse tinha razão... nada prepararia Sophia para o choque daquela notícia.

— Jesse, que brincadeira é essa? – ela perguntou nervosa, os olhos


marejados de lágrimas – Isso não tem graça...!

— Você acha que Lexie brincaria com algo assim? – Jesse questionou –
Acha que eu brincaria...?

— É que... eu não entendo... – as lágrimas de Sophia começaram a cair –


Não pode ser Jesse, ela estava... eu achava que...

— Sim, sim... – Jesse a abraçou, afagando os cabelos de Sophia com


carinho e visivelmente consolando-a – Eu sei, eu sei.

É claro que Sophia chorou. Era nervosismo, era choque, a ficha precisava
cair. Assim que conseguiu se acalmar, Jesse, ainda abraçado nela, passou
todas as informações que tinha, todas as que Lexie havia lhe dito. A cabeça
de Sophia estava a mil, eram muitas perguntas e poucas respostas, coisa
demais para se pensar... mas tinha uma pergunta, uma que era inevitável não
fazer. Dentre tudo o que ela não sabia, parecia ser das mais importantes.
— Poncho já sabe? – ela perguntou a Jesse. Isso ele sabia dizer.

— Não – Jesse respondeu – E eu preciso que você venha comigo contar.

Parecia que toda aquela angústia, toda aquela dor, saudade, aquele vazio de
longos oito anos finalmente iria acabar.

ESTAMOS DE VOLTAAAAAA!

Esse é o grito mais libertador de quem começa uma web nova no Wattpad,
porque é sempre gostoso esse momento inicial, eu formigando de ansiedade
pra saber se vocês gostaram, de quem gostaram, o que acharam e vocês
doidas pra saber como é a história, porque por mais que eu poste spoilers na
página e coloque a sinopse aqui, nunca é como estrear, verdade?

Pois bem, já to escrevendo a SVE há meses e definitivamente, após mais de


11 anos postando web, eu nunca senti tanto prazer em escrever uma web
quanto sinto com essa. Ela é realmente deliciosa e me agrada muito e eu
espero que vocês sintam o impacto dela como eu sinto quando tenho as
ideias!

Peço desde já que vocês se livrem de quaisquer implicâncias e se entreguem


à história, dando chance pra qualquer personagem (porque pelas minhas
contas mentais tem apenas uns três que realmente são detestáveis, mas não
direi quais pra não influenciar rs), porque a grossa maioria aqui é bem legal
e eu sei que vocês vão se surpreender muito. Por isso não odeiem a Diana,
não odeiem a Pia, nem mais ninguém a não ser os que não dá mesmo pra
não odiar (que eu acho que vocês saberão quem é conforme for hahahaha).

A web é bem ambígua, não tem aquilo de mocinhos e vilões, tirando uns
dois machos bemmmm escrotos e uma personagem mt pé no saco, todo
mundo aqui é bom e ruim, tem defeitos e qualidades e eu imagino que
dividirão opiniões. Mas são coisas que saberemos conforme a web se
desenvolver.
O que eu quero saber são as OPINIÕES! O que acharam? Gostaram? De
quem e do que gostaram? Eu quero saber tudooooo!

Ah, e uma última coisa: diferentemente do ano passado quando eu postava


na IC, eu estou trabalhando e minha rotina é bemmmm cansativa. Pensei
em postar somente 1x por semana mas acabei desistindo pela agonia que eu
sentiria de só postar de novo sete dias depois hahahaha meninas mtmtmt
ansiosas! Então, como eu to sem tempo, eu não responderei todos os
comentários que fizerem. Vou tentar responder todo mundo, mas não tudo o
que comentar, deixando alguns comentários que são reações/emojis/berros
sem resposta porque se não eu não dou conta.

Lembrando as regrinhas de sempre: machismo nos comentários = delete!


Quaisquer formas de preconceito idem :)

Espero que vocês gostem da web como eu gosto (eu amo, fica a dica!)

Nos vemos segunda (posts segundas e quintas, a partir das 20:30h porque
sabe Deus a hora que eu chego em casa rs)

Beijos,

Rafa
Capítulo 2 - My heart says it's her

A rotina de Poncho para escrever era não ter rotina. Como Diana tinha um
emprego fixo na editora de sua família – a mesma editora que publicava os
livros de seu marido – era ele quem ficava com as questões domésticas e
relativas ao filho do casal, Daniel. Poncho levava Dani para a escola,
cuidava das refeições e da limpeza da casa deles e, nos intervalos, saía para
escrever. Não era sempre que Poncho tinha inspiração dentro de casa,
geralmente ali rolava um bloqueio enorme por questões muito simples: a
casa era onde ele vivia com a sua família; o mundo dos livros, por sua vez,
era onde ele deixava Anahí viver. Não dava para misturar.

Então, não era a toa que Lexie achava que não seria fácil encontrar Poncho.
Ele poderia estar em qualquer lugar da cidade, haja visto que parava
geralmente nos lugares que o inspiravam. Para Sophia e Jesse, que
conheciam o amigo melhor do que a cirurgiã, parecia um pouco mais
simples. Quantas vezes um dos dois foi até Poncho por um motivo
qualquer? Inúmeras. Eles tinham ideia de onde Poncho costumava parar, já
que os lugares não variavam tanto assim, e foram indo de um a um. Neste
caso, Poncho estava na terceira parada – uma Starbucks no Brooklyn,
próxima à casa onde ele morava com Diana.

Em Sophia bateu um certo nervosismo ao encontrar o amigo e se dar conta


que Jesse e ela teriam que dar aquela notícia para ele. Certamente o baque
para Poncho seria muitíssimo maior do que o que ela sentiu, e ela bem sabia
o quanto a notícia, a mera possibilidade de Anahí viva, tinha abalado suas
estruturas. Sophia se perguntava como seria a reação do principal
interessado – Poncho, a pessoa cuja vida ficou realmente devastada com o
desaparecimento dela.

Poncho estava sentado em uma mesa externa do Starbucks, bebendo o


mesmo café de sempre, com o laptop sobre a mesa, quando viu Sophia e
Jesse se aproximando dele. Jesse tentava disfarçar, mas na expressão de
Sophia estava impressa a agonia que ela estava sentindo. Isso deixou
Poncho alerta – que diabos tinha acontecido para ela estar com uma cara
daquelas? Obviamente as possibilidades que passaram pela cabeça dele
estavam bem distantes do que eles realmente queria falar. Afinal, quando
Poncho poderia supor que uma visita inesperada de seus dois melhores
amigos na cafeteria na qual ele costumava escrever significaria o
reaparecimento de sua ex-namorada da juventude que havia sido
sequestrada. Poncho supôs o óbvio: que algo tinha acontecido com eles e
por isso foram ali, juntos, contar. Sophia e Jesse eram sócios e ex-
namorados, não eram amigos. Para estarem juntos, a coisa devia ser séria.

— A que devo a honra...? – Poncho perguntou franzindo a testa sem


entender – Vocês aqui, juntos, uma hora dessas... não deveriam estar na
confeitaria?

— Sim, eu estava – Sophia disse soltando a apreensão em cada letra – É


que... viemos aqui porque queríamos falar com você.

— Exato – Jesse confirmou, se sentando ao lado dela e em frente a um


Poncho que começou a ficar nervoso por aquele mistério.

— Certo, eu estou apreensivo – ele disse fechando o laptop.

— Digamos que não tem um jeito fácil de dizer isso – Jesse começou a falar
e Poncho arqueou as sobrancelhas.

— Vocês voltaram...? – Poncho arriscou o óbvio. A primeira reação de


Sophia foi sentir o rosto queimar e ficar tão vermelha quanto a natureza
permitia.

— Quê? Claro que não...! – ela negou com a cabeça fechando os olhos.

— Desculpe Soph, os dois aqui juntos, uma hora dessas... – Poncho deu de
ombros – O que eu poderia pensar? Espera... aconteceu alguma coisa com a
Sam? Com o Dani...? Aconteceu algo com o meu filho, Jesse, ou com a
Diana?

— Não – Jesse negou de pronto – Sophia, eu vou falar de uma vez, porque
ele não vai parar de pensar besteiras...
— Sim, fale – Sophia concordou. O rosto de Poncho estava mais agoniado
do que nunca.

— Certo... – Jesse suspirou antes de soltar a bomba – Lexie me ligou essa


manhã e bem... entrou uma paciente no hospital que... pode ser a Anahí.

Sophia estava certa. Poncho ficou completamente paralisado ao ouvir


aquilo.

— O quê...? – ele perguntou incrédulo. É claro que Jesse teria que dar mais
informações para conseguir convencê-lo.

— Ninguém tem certeza disso – Sophia olhou para Jesse, que com gestos a
incentivava a continuar – A própria Lexie não tem. A polícia está lá
tentando averiguar a situação...

— Mas a mesma polícia sempre disse que ela estava morta – Poncho
murmurou. Era óbvio: ele ainda estava muito cético. Precisava ter certeza
antes de se entregar para aquela realidade.

— Por isso nós dissemos que não sabemos ao certo... – Jesse ponderou – Só
que enfim, você precisava saber. Se eles tiverem certeza, vão chamar a
Karen...

— Então vamos pra lá – Poncho disse enquanto se levantava e guardava o


laptop, olhando os amigos ainda estáticos no mesmo lugar – O que foi...?
Estão parados aí por quê?

— Você ouviu a parte que dissemos que pode não ser ela, não é? – Sophia
repetiu – Quer dizer, a Lexie podia estar nervosa e ter se confundido, fazem
muitos anos desde que a Anahí...

— Sophia, se puder ser a Anahí, eu quero estar lá – Poncho devolveu –


Porque se for ela, se realmente for ela... Deus, eu tenho que estar do lado
dela.

Nem Jesse nem Sophia responderam. Poncho, por outro lado, estava
praticamente com ambos os pés fora da Starbucks.
— Bom, eu estou indo – ele anunciou – Vocês vêm?

Nenhum dos dois continuou onde estava. Se entreolhando, eles levantaram


com velocidade para acompanhar a pressa de Poncho. Na cabeça de Jesse
só passava uma única coisa: bem que Lexie tinha dito que Diana que se
danasse. Poncho sequer cogitou lembrar da esposa, pensar nela, se
preocupar com o que ela diria ou pensaria, tampouco informa-la. A única
preocupação era saber se aquela mulher que dera entrada com tantas lesões
no New York General Hospital era realmente Anahí. Porque se fosse, ela,
Anahí, seria tudo o que importaria para ele.

xxx

Mane De La Parra estava no meio de um treino do time de basquete que


comandava quando recebeu um recado da secretaria do colégio informando
que havia uma ligação urgente para ele atender. Ao pegar seu celular,
diversas chamadas não atendidas, de Lexie e de Christian, e uma única
mensagem de sua mãe, Jade, falando o horóscopo do dia. Com exceção
dessa mensagem, Mane esteve certo que algo muito estranho estava
acontecendo. Nem Christian nem Lexie tinham o hábito de ligar de manhã
naquela quantidade de vezes. Se tinha acontecido, o motivo certamente era
forte.

Mesmo apreensivo, Mane não retornou nenhuma das ligações. Ele deixou o
time treinando com seu assistente e caminhou para a secretaria, repassando
mentalmente quais situações tinham gerado aquela necessidade repentina
dos amigos de falarem com ele de uma hora para a outra. Ao chegar na
secretaria, a funcionária que o mandou chamar tinha o telefone em mãos e
uma careta nos lábios, estendendo o aparelho para ele.

— É pra você Mane – ela estendeu – Sinto muito atrapalhar o treino, mas
parece que é urgente.

— Obrigado Tara – Mane disse colocando o telefone no ouvido antes de


respirar fundo – Aqui é Mane De La Parra.
— Sou eu, Christian – o amigo rapidamente se identificou – Desculpe te
ligar desse jeito e atrapalhar o teu trabalho, eu não faria se fosse urgente, eu
te garanto...

— Tudo bem Christian – Mane o tranquilizou – O que aconteceu?

— Você está sentado? – Christian perguntou – Se não estiver, sente. É uma


história e tanto.

Por sorte Mane seguiu o conselho. Ele chegou a sentir as pernas bambearem
com a notícia de Christian. O choque não poderia ter sido maior: como
assim Anahí poderia estar viva? Poncho, se àquela altura soubesse daquela
possibilidade, provavelmente estava pirando. Mas a primeira coisa na qual
Mane pensava – não era algo que ele conseguia evitar – é claro, era em
Maite. Mane se lembrou de repente de toda a ansiedade, toda a luta, toda a
esperança que Maite colocou na busca pela melhor amiga ao longo de todos
aqueles anos. Será que era melhor esperar que tivessem certeza que era
Anahí realmente antes de avisar Maite, e evitar uma decepção enorme na
esperança que aquilo iria gerar nela? Ou será que era melhor dizer logo e
dar a oportunidade que ela procurasse a amiga e estivesse ao seu lado desde
o início?

A julgar pelo tanto que Mane conhecia Maite, ele achava que era melhor
dizer de uma vez.

— Eu estava a caminho do hospital, mas então lembrei da Maite... –


Christian começou a falar – Tenho que voltar, ela precisa saber, pra ela esse
não é o tipo de notícia que se dê por telefone...

— Não se preocupe Christian, vá pro hospital – Mane garantiu – Eu vou até


a Maite e falo com ela... assim que ela se tranquilizar depois do baque da
notícia, eu a levo.

— Eu imaginei que você fosse oferecer isso – Christian respondeu franco


dando uma risadinha – Mas você tem certeza de que pode lidar com isso?
Quer dizer, ela vai ficar bem abalada...
— Sim, eu tenho – Mane insistiu – Vá e me mantenha informado. Assim
que puder eu estarei lá, ou melhor, estaremos.

Christian tinha certeza que Mane iria optar por estar ao lado de Maite
naquele momento. Para nenhum dos amigos era segredo o quanto Mane era
apaixonado por ela desde sempre, somente um tabu: ninguém falava, era
um assunto no qual ninguém ousava tocar, em especial porque Maite
parecia ser a única que não se dava conta do sentimento que o amigo nutria
por ela. Se ela não percebia e Mane mantinha aquilo como uma espécie de
segredo, ninguém ousava falar. Mas era óbvio, tão óbvio que, quando
Christian discou para o colégio de Mane e começou a falar com ele, ao
tocar no nome de Maite ele já sabia que o amigo se ofereceria para dar a
notícia para ela e acompanha-la ao New York General Hospital visitar
Anahí. Não apenas pela proximidade geográfica – Mane e Maite
trabalhavam próximos – mas porque ele não iria querer que qualquer outra
pessoa a apoiasse num momento daqueles se não ele próprio.

O que Mane fez, a partir do momento em que Christian desligou, foi


conversar rapidamente com a diretora do colégio – que prontamente o
dispensou – e depois, com o próprio time, que imediatamente apoiou a
decisão dele de sair dali às pressas. Dez minutos depois da conversa ele
estava no próprio carro, à caminho do Brooklyn. A caminho de Maite.

xxx

— Me digam tudo – Lexie pediu – Eu quero saber tudo.

Miranda Bailey, a chefe de cirurgia do New York General Hospital, após se


interar do caso da paciente que podia ser Anahí Portilla, liberou Lexie das
funções de residente-chefe por aquele dia, deixando claro que ela estava
agitada demais para trabalhar. Lexie então permaneceu no hospital, mas
como amiga de Anahí, sedenta à espera de notícias. Ela estava na porta da
sala de cirurgia na qual Anahí tinha entrado horas e horas antes com Callie
Torres e sua chefe, Amelia Shepherd. Jackson não estava mais ao seu lado,
ele ao contrário da namorada tinha sido chamado para os próprios casos, de
modo que Lexie ficou acompanhada somente da própria aflição. Quando
Callie e Amelia saíram juntas da cirurgia, Lexie, que estava sentada no chão
abraçada nas próprias pernas na espera eterna, deu um pulo dali,
demonstrando toda a apreensão que guardou até ali.

— Grey, se acalme – Amelia recomendou – Respire.

— Me digam que ela está viva – Lexie implorou – Por favor, por favor, me
digam...

— Ela está – Callie se adiantou – Mas é um caso delicado, eu não vou


mentir pra você.

— Ela acordou logo antes da cirurgia, estava desorientada, não parecia


saber onde estava e chamava por Tobias o tempo inteiro – Amelia explicou
calmamente – Eu suponho que esse possa ser o nome do sequestrador. Nós
tentamos chama-la pelo nome, mas ela não respondia por Anahí. Dizia que
seu nome era Any.

— Nós avaliamos que poderia ser um sequestro pela quantidade e o tipo de


lesões que ela tinha – Callie continuou – Ela tinha marcas nos pulsos e nos
tornozelos indicando que passou algum tempo amordaçada, presa. Marcas
de corda e de algemas. Os raio-X indicaram que há uma série de fraturas
antigas que calcificaram e não sararam direito... e talvez sejam necessárias
outras cirurgias, porque essas lesões precisam ser reparadas, mas era muita
coisa pra fazer de uma vez.

— Por ora nós nos preocupamos em estabilizar a coluna dela, porque nessa
última agressão aparentemente ela levou alguns chutes nas costas e Callie e
eu temíamos que isso tivesse lesionado a coluna – Amelia explicou e, ao
ver a expressão de pânico de Lexie, tratou de fazer uma observação – O que
foi descartado. Mas eu ainda terei que fazer um exame neurológico quando
ela acordar, pra ver o quão bem ela vai estar, se essa confusão mental foi
temporária ou não...

— Eu posso acompanha-la, não é? – Lexie pediu – Vocês precisam me


deixar...
— Você vai estar lá – Amelia respondeu – Mas não como médica dela. E eu
não vou aceitar questionamentos em relação às minhas decisões como
médica. Você não é minha residente nesse caso.

— Sem questionamentos – Lexie levantou ambas as mãos.

— Arizona vai fazer um exame pélvico nela depois que acordar, pra avaliar
a questão do estupro – Callie explicou – Fique forte, Lexie. Sua amiga
precisa de você firme.

Disso ela tinha certeza.

Lexie estava lá quando, duas horas depois, com um tubo na garganta ainda
entubada, Anahí despertou. Exatamente como Amelia havia descrito, ela
acordou agitada e com os olhos balançando sem parar. Lexie gritou para a
enfermeira, que imediatamente bipou Amelia, e um minuto depois a
neurocirurgiã estava ali acalmando sua paciente e estava desentubando-a.
Lexie aproveitou para observa-la, ela tinha certeza que era Anahí ali –
mesmo machucada, mesmo depois de tanto tempo e com evidentes
mudanças na fisionomia, ela a reconheceria em qualquer lugar.

— Pupilas ok, sistema motor ok, sistema sensorial ok... – Amelia disse
examinando-a – Anahí? Você consegue me ouvir? Você sabe onde está?

— Parece um hospital – ela murmurou – Onde está o Tobias...?

— Ele não está aqui agora, mas nós vamos cuidar bem de você – Amelia
disse encarando-a – Você sabe em que ano nós estamos?

— Não – Anahí respondeu de pronto.

— Estamos em 2018, Anahí – Amelia anunciou encarando Lexie – Fale


com ela. Veja se ela te reconhece.

Mordendo os lábios, Lexie se aproximou, segurando a mão de Anahí e


tentando a todo custo conter a própria emoção. Estava difícil. De imediato
ela viu os enormes e familiares olhos azuis de Anahí se virarem para ela e
acariciou seus cabelos com delicadeza.
— Oi Any – Lexie murmurou – Lembra de mim?

— Lexie... – Anahí respondeu fraca – Quanto tempo...

— Sim – Lexie respondeu se prendendo o quanto podia, mas sentindo uma


emoção indescritível tomar todo o próprio corpo – Como você está
sentindo? Alguma dor?

— Eu... minha cabeça ta doendo – Anahí se queixou – To com sede.

— Enfermeira, traga um pouco de água, por favor, e bipe a chief Bailey –


Amelia pediu, virando-se para Lexie – Eu vou falar com a chefe e depois
conversar com os policiais. Se ela te reconheceu... é porque realmente é ela.

E a esperança tinha se tornado real.

xxx

Mane não demorou nada até chegar onde Maite trabalhava. Ela era
professora infantil de uma das melhores escolas primárias públicas do
Brooklyn, sendo certo que muitos pais procuravam se mudar para aquela
localidade para permitir que seus filhos estudassem ali. Maite tinha muito
orgulho do próprio emprego, ela tinha batalhado para chegar até ali e sabia
que só tinha conseguido pelo empenho que dedicou em todos aqueles anos
à própria carreira e à verdadeira vocação que tinha para lecionar para
crianças. Eram ingredientes que faziam Mane ter certeza de que ela
certamente estava naquela manhã em sala de aula, empenhada como
sempre, exatamente como ele estava até receber a ligação de Christian.

Porque é claro, depois daquela notícia, não havia qualquer trabalho que os
segurasse. Se foi assim com ele, certamente seria com Maite também.

Maite passou os últimos oito anos se recusando a aceitar que Anahí poderia
ter morrido. A falta de um corpo para ser velado e enterrado gerou nela a
certeza de que a amiga estava viva em algum lugar. Ela se negou a
compactuar com aquilo, o que abalou sua relação com quase todos os
amigos, que, na ausência do que fazer, acabaram entregando os pontos e se
dando por vencidos. Mane entendia o lado de Maite, ela precisava acreditar
que Anahí estava em algum lugar, precisava manter a chama da esperança
pela amiga viva. Mas ao mesmo tempo, ele entendia o lado dos amigos que
não poderiam ficar eternamente esperando por algo que talvez nunca viesse,
Poncho principalmente. Ninguém poderia parar a vida por uma mera
expectativa. O que Maite se recusava a entender era que Anahí preenchia
papeis diferentes na vida dela e do ex-namorado. Se ele ficasse esperando,
como ela ficava, simplesmente não voltaria a viver. Ela, bem ou mal, seguia
com a própria vida, tinha relacionamentos, seu emprego... com Poncho tudo
girava em torno da vida que ele teria com Anahí. Se ele mantivesse as
mesmas certezas que Maite, não daria qualquer passo em qualquer direção.

Mas isso não foi suficiente para que a morena aceitasse aquela
possibilidade. Para Maite, Poncho se casar com Diana era quase uma
traição à Anahí, era aceitar que ela tinha morrido, o que para ela era
indiscutivelmente um absurdo. No fim das contas isso só serviu para afasta-
la dos amigos, já que o antigo grupo tão unido se rachou entre quem
apoiava o casamento de Poncho e quem o rechaçava – no primeiro se
incluíam Jesse e Sophia, no segundo Christian e Maite, enquanto Mane e
Lexie, por sua vez, ficavam perdidos no meio do caminho. E Mane sabia
perfeitamente bem que a única razão para ele não discordar totalmente da
opinião daquela morena geniosa era o fato de que ela ainda era a única
mulher que fazia seu coração bater forte.

Por tudo isso Mane fez questão de ser ele a dar a notícia, de ir até lá,
pessoalmente. Ele viu de longe Maite entregar os alunos aos pais, falar com
alguns deles, com o sorriso tranquilo de sempre. Mesmo teimosa, ela era
encantadora e ele admirava isso. Esperou que ela estivesse totalmente livre
para se aproximar, e imediatamente viu no olhar dela a estranheza por sua
presença. Nada de novo por ali.

— Eu combinei algo com você e esqueci? – Maite perguntou ao se


aproximar dele – Ou...

— Não – Mane deu um sorriso – Eu vim por que... Christian pediu que eu
te contasse uma coisa.
— Me contasse algo? – ela fez uma careta – E por que ele próprio não veio
aqui contar o que quer que seja?

Maite era arisca até naqueles momentos... Mane apenas suspirou, sem se
deixar desanimar, e deu continuidade.

— Eu me ofereci pra vir, não é algo específico sobre o Christian – Mane


respondeu suspirando – Maite, eu não vou enrolar. Foi encontrada uma
garota em Manhattan, no hospital que a Lexie trabalha que tem todo o perfil
da Anahí.

— Ah meu Deus... – Maite murmurou trêmula – Mane, isso é sério?

— Sim – ele respondeu de imediato – Ninguém sabe se é ela, a polícia


ainda está tentando averiguar, Karen ainda não foi avisada, por isso não se
nutra de esperanças, mas mesmo assim...

As palavras dele foram interrompidas por um abraço repentino de Maite,


que pegou Mane completamente de surpresa. Ainda meio sem reação, Mane
devolveu, abraçando-a, sentindo as lágrimas dela em seu ombro,
percebendo de longe o quanto ela estava emocionada. Parecia que ele tinha
feito o certo indo ali contar.

— É ela – Maite disse com convicção – Eu sei que é, meu coração diz que
é.

— Maite... – Mane disse soltando-a e segurando o seu rosto – Por favor,


não coloque expectativa demais nisso. A Lexie pode ter errado, pode ter
sido no impulso. Nós não sabemos se...

— Eu acreditei desde o início, fui a única, não é agora que vou voltar atrás
com isso – ela respondeu ainda mais certa do que dizia – Nós vamos pra lá,
não é? Eu quero vê-la, eu preciso vê-la Mane...

— Sim, é claro que vamos – Mane respondeu – Eu vim aqui exatamente pra
te levar.

— Me dê cinco minutos pra acertar umas coisas aqui e eu te acompanho.


Mane sempre se chocaria com toda a fé que Maite tinha em relação ao
retorno de Anahí. de fato, ela era a única que nunca duvidou, que depositou
toda a esperança do mundo no retorno da melhor amiga, enquanto os outros
preferiram desacreditar para não se ferirem mais. Mane tinha medo de
Maite estar no fim das contas fazendo isso e aquela se revelar mais uma
decepção, mas no fundo, lá no fundo, talvez ela estivesse certa ao menos
daquela vez. Talvez a paciente do hospital de Lexie realmente fosse Anahí...
talvez tivesse valido a pena para Maite criar aquela expectativa toda e, no
fim, ela seria recompensada tendo finalmente a amiga de volta e aquele
maldito pesadelo iria definitivamente acabar.

xxx

Karen Scott tinha acordado naquele dia bem, era uma surpresa depois de
uma infinidade de dias deprimentes e silenciosos. Ela apenas abriu os olhos
naquela manhã e teve uma sensação boa. "Hoje é um dia diferente", foi
basicamente esse o pensamento. Ela não sabia dizer se tinha a ver com o
tempo, se era algum programa que ela tinha marcado e se esqueceu mas
que, de alguma maneira, estava ali iluminando seu peito... só sabia que
estava bem. Feliz era uma palavra forte demais, Karen preferia usar alegre.
Era suficiente para definir seu estado de espírito, ao menos parecia ser.

Keith tinha notado aquela diferença no humor da esposa e não tinha sido o
único. Sua mãe, Ellie, no café, também percebeu a diferença no sorriso do
canto da boca da filha. Ficou prestando atenção em cada detalhe da
expressão ela, vendo se tinha algo de diferente, se Karen diria algo, mas
ficou com o silêncio. Karen agia como se nada tivesse mudado, ao mesmo
tempo que tinha alguma coisa nela que Ellie e todos os outros notavam, mas
não eram capazes de definir. Era no mínimo estranho.

— Ande, vamos, que diabos aconteceu com você...? – Ellie perguntou


curiosa. Karen revirou os olhos, cansada de ouvir o dia inteiro a mesma
pergunta e ter que dar a mesma resposta.

— Meu Deus, nada! – ela suspirou – Nada de diferente, nada novo. Estou
exatamente igual a todos os outros dias.
— Não é verdade – Ellie rebateu – Você normalmente não sorri assim.

— Eu estou apenas... – Karen pensou na palavra feliz, era inevitável, mas


não era a melhor definição – Bem. Quem sabe... melhor.

Ellie sabia a que a filha se referia. Karen certa vez disse que jamais
conseguiria se definir como feliz novamente, não desde que a filha
desapareceu. Ela jamais seria feliz outra vez, já que felicidade era uma
constante, uma soma de dias. Atualmente Karen sorria por coisas boas e
localizadas que aconteciam em sua vida, não mais por tudo o que via pela
frente. Ela não acordava com vontade de sorrir para tudo, de levantar e de
viver a vida, as coisas eram feitas na base da obrigação. Nem mesmo uma
vida amorosa realizada a fazia tão melhor assim, era apenas uma parte de
sua vida que tinha se resolvido, a mais importante ainda faltava e ela sentia
aquela ausência, sofria por aquele buraco. Mas de alguma maneira aquela
manhã não parecia tão nebulosa quanto todas as outras. De alguma maneira,
Karen estava um pouco melhor, mas não sabia dizer por que, por mais que
lhe perguntassem sem parar.

Era uma sensação... que horas mais tarde se materializou com a visita de
dois policiais ao Karen's Café. Imediatamente, a própria Karen, tal como
Ellie, se assustou. Que diabos tinha acontecido...?

— Posso ajuda-los com algo? – Karen perguntou apreensiva.

— Karen Portilla...? – um dos policiais perguntou.

— Scott – ela o corrigiu – Karen Scott. Mas sim, sou eu.

— Você é a mãe de Anahí Portilla, não é?

Bastou para o coração de Karen se apertar, diminuir para depois crescer. O


que a polícia poderia querer em relação à Anahí, oito anos depois?

— Sim sou eu – Karen suspirou – O que aconteceu?

— Encontraram a sua filha – o outro policial afirmou – Nos acompanhe até


o New York General Hospital, por favor.
Estava explicado. Não era um dia comum. Era um dia em que o alegre
voltava a ser feliz. O dia que Karen voltaria a viver.

xxx

A única preocupação de Poncho no caminho para o New York General


Hospital foi ligar para Erendira, sua irmã caçula, e pedir que ela buscasse
Daniel na escola para ele. Obviamente Erendira não entendeu nada, tentou
questionar, mas não recebeu qualquer informação do irmão. Poncho não
queria dizer nada, não queria dar notícias precipitadas antes de confirma-
las, e ele sabia que a confirmação real só viria quando ele visse Anahí.
Quando seus olhos e seus sentidos a reconhecessem, independentemente do
que qualquer outra pessoa dissesse.

O que ele não conseguia não pensar era no que aconteceria se não fosse ela.
Porque é claro, havia a chance de não ser... por mais que ele quisesse
acreditar com todo o coração que era, não podia descartar aquela
possibilidade. E ele já tinha nutrido tanta esperança no peito naqueles
breves minutos, sua mente estava incansavelmente trabalhando numa cena
de reencontro dos dois, na qual ele a abraçava e dizia o quanto sentira sua
falta, pediria perdão por não ter acreditado que ela poderia estar viva, por
não tê-la procurado... e se fosse tudo uma ilusão? Como voltar para a
realidade de antes? Se não fosse dessa vez... Poncho não queria nem pensar.

— Você quer conversar? – Sophia disse segurando a mão dele – Você ta


quieto demais.

— Pensando demais – Poncho confessou. Como sempre: poucas palavras,


muitos pensamentos, a cabeça quase explodindo...

Lexie estava na entrada da emergência do hospital, uma pilha como sempre,


quando o táxi deles parou bem ali. Ela os esperava porque Sophia já havia
lhe dito que os três estavam a caminho, e ela tinha novidades. Assim que o
carro parou Sophia desceu dele calmamente, Jesse estava preocupado em
pagar o motorista, mas a reação mais marcante sem a menor dúvida era a de
Poncho, que deu um pulo para fora do veículo e caminhou a passos largos e
pesados para a amiga com os olhos pesados pelas dúvidas e o coração
cambaleando mais do que nunca.

— Lexie... – Poncho quase arfava – Como ela está? Ela está bem? Como...
Lexie, você tem certeza que...

— Sim, Poncho, eu tenho – Lexie disse colocando as mãos no ombro dele –


É ela. Eu sei que é.

A essa altura, Sophia e Jesse já os tinham alcançado, ambos apreensivos e


temendo pelas mesmas coisas que amedrontavam Poncho. Era evidente, os
fantasmas de um eram os fantasmas de todos.

— Como você sabe? – Jesse perguntou, de longe o mais cético e o que mais
tinha receio de um eventual engano e de seus respectivos estragos.

— Eu falei com ela, ela está consciente... – Lexie respondeu voltando o


olhar para Poncho – Ela me reconheceu. É ela. É a Any.

O mix de emoção por dentro do peito de Poncho transbordava a descrição


em palavras. Ele estava feliz e triste, agoniado e aliviado, sentindo tantas
coisas que os olhos queimavam pela vontade de chorar. Era difícil lembrar
que tinha acordado naquele mesmo dia como se fosse outro qualquer. Era
difícil lembrar da hora em que sua vida percorria o percurso pacato e
tranquilo de sempre, sem nem suspeitar que ele levaria o maior sacolejo de
todos, que ela estaria de volta e acabaria com a calma e a suposta paz que
ele levou oito anos para adquirir.

Como ele reagiria quando estivesse frente a frente com ela? Qual seria sua
reação? Poncho não conseguia parar de pensar. Era diferente o plano das
ideias com a realidade, só o que ele sentia ali já era diverso de tudo o que
imaginou sentir em todos aqueles anos caso o impossível acontecesse e ela
voltasse. O impossível naquele dia se tornava realidade, e Poncho
finalmente saberia como seria estar frente a frente com ela de novo.

— Eu quero vê-la – Poncho implorou – Me leve pra vê-la, Lexie, por


favor...
— Ela está confusa – Lexie alertou – Eu tenho que falar com a Dra.
Shepherd, ela está meio reticente quanto à visitação, não sabe se seria bom
para ela muita agit...

— Lexie, pelo amor de Deus, eu preciso vê-la – Poncho grunhiu – Sinto


muito pela sua chefe, mas ela não vai me impedir.

— Ta na cara que você não conhece Amelia Shepherd – Lexie suspirou –


Eu vou falar com ela. Eu vou tentar.

Obviamente Amelia achou aquela uma péssima ideia. Como Lexie previu,
emoções demais. Se era para Anahí ficar mexida com a visita de velhos
conhecidos, que fosse pela mãe, que evidentemente teria prioridade. Por
mais que profissionalmente Lexie concordasse com a mentora,
pessoalmente seu coração sentia um buraco pela agonia de Poncho. Por isso
ela insistiu, e insistiu, e insistiu. Ficou meia hora andando atrás de Amelia
pelo hospital inteiro, argumentando sem parar, contando histórias sobre o
amor épico de Anahí e Poncho, sobre a perda de uma vida, a dificuldade de
seguir em frente que Poncho sentiu ao longo daqueles anos, a agonia que
Lexie viu estampada no rosto dele. Lexie não se deu por vencida, e por
mais insistente e convicta que Amelia fosse de que aquele não era um bom
caminho a se seguir, ela não tinha coração de pedra. O que significou que
ela acabou concordando.

Diversas foram as recomendações. Amelia estava parada na porta do quarto


do início ao fim daquela visita que ela determinou que seria breve, e ainda
incumbiu Lexie de acompanhar a situação, como uma forma de avaliar se
ela realmente cumpriria suas recomendações. Era o que se dizia, grandes
poderes exigem grandes responsabilidades. E aquelas eram imensas.

O nervosismo de Poncho era palpável no caminho até o andar da UTI Pós-


Operatória. Com olhos de águia, ele identificou o quarto onde Anahí estava
por ver o modo como Amelia Shepherd o analisava. Lexie fez as
apresentações antes deles entrarem e, depois, indicou a Poncho que ele
poderia entrar.

— Você deve ser breve – ela indicou ao amigo – Ela não pode se exaltar.
— Eu não vou demorar, prometo – Poncho garantiu – Só preciso... ter
certeza que ela está bem.

Depois disso ele caminhou para dentro do quarto, abrindo a porta


delicadamente. Lexie ficou ali, logo na entrada. Poncho a cada passo sentia
o coração bater extremamente rápido e a emoção formar um bolo em sua
garganta. Ela estava acordada. Ela estava ali. Se a visse a quilômetros,
saberia reconhecê-la. Mas nada foi como quando ela virou o rosto na
direção dele e o viu. Foi aí que o coração dele transbordou, ante a certeza de
que anos poderiam passar, ele poderia envelhecer e ela também, qualquer
coisa poderia mudar e eles poderiam ficar o quão afastados fosse... mas
aquele olhar continuava o mesmo. O único olhar que o fazia sair totalmente
do eixo. O olhar que o esquentava e o congelava, tudo ao mesmo tempo.
Que fez brotar um sorriso de seu rosto, que ele teve a certeza que não nascia
ali há oito anos.

— Poncho... – ela murmurou.

Bastou. Poncho andou a passos lentos controlando a ansiedade e se sentou


na beira da cama dela, sentindo o sofrimento pesar. Ela estava mudada,
mais velha e machucada, mas era ela. Era a sua Anahí. A que só existia em
seus sonhos, em sua imaginação e lembranças... ali, viva. Nem parecia real.
Parecia que a ficha teimava em não cair.

— Oi meu amor – Poncho disse acariciando o rosto dela – Eu to aqui...


shhhh, eu to aqui...

— Eu senti a sua falta – Anahí falou fraca, com um sorriso no canto do


rosto.

— Eu também – ele disse segurando-a pela bochecha – Eu só senti a sua


falta.

E Poncho sentia a falta dela, como ele sentia! Esse era o momento que tinha
certeza, que se perguntava como conseguiu viver oito anos distante dela,
como tinha conseguido levantar da cama e fingir que um dia talvez voltasse
a ser completo quando era óbvio que sem Anahí isso não iria acontecer, não
sem ela. Era como se algo dentro dele tivesse ficado perdido por muito
tempo e agora sem cerimônias estava ali. Ele encostou a cabeça no peito
dela, sem jogar o peso em seu corpo, sorrindo aliviado e tentando
administrar toda a felicidade e a expectativa, sentindo uma das mãos dela
acariciar seus cabelos, pensando somente no quanto sentira sua falta. No
quanto não sabia como tinha vivido por tanto tempo sem ela, e certo que
não saberia mais viver assim, definitivamente não.

Nada mais importava. O que tinha acontecido até ali, o que ele tinha
vivido... vê-la machucada daquele jeito fazia Poncho querer estar com ela
cada minuto, cada segundo, protegê-la incessantemente e impedir que
qualquer outra coisa lhe acontecesse. Claro que não poderia ser assim, mas
a impotência nunca foi tão grande, por oito anos ela esteve sabe-se lá em
que situação, passando por diversos traumas, o fazia perceber que as
cicatrizes dele não eram nada em vista de tudo o que Anahí teria vivido.
Mas era passado. Agora o passado era novo, não era mais o que eles tinham
vivido juntos, mas o que ela deixou pra trás naquele período separados. A
única certeza de Poncho, inflamado no calor do momento e finalmente
reunido com seu grande amor, era que faria qualquer coisa para impedir que
ela sofresse novamente. Ele ficaria ali, o dia inteiro, dia após dia,
garantindo que tudo ficaria bem.

Ao menos era o que ele queria.

Olar meus amores, tudo bom?

Eu queria começar dizendo que to muito feliz por toda a repercussão


positiva do primeiro capítulo, não dava pra esperar menos de vocês!
Inclusive li comentários de várias carinhas novas, desde já lhes dou boas
vindas e adianto que será um prazer tê-las aqui na SVE :) E pras das
antigas, que amor revê-las! Tava com saudade.

O capítulo de hoje é grandinho (apesar que nunca tão ser tão grandinho a
ponto de saciar vocês rs) e vocês nele são apresentadas a vários
personagens que ainda não conheciam. Temos aqui a Maite - que é a
personagem que eu mais quero saber se vocês gostarão nos próximos
capítulos ou não (porque tenho uma forte intuição que vocês terão uma
relação de amor e ódio com ela rs), o Mane (que por sua vez é um docinho
de coco) e uma parte do núcleo da família da Anahí, a mãe e a avó.
Também temos o Christian, que esse sim eu sei que será unanimidade!
Única certeza da vida hahahahah

To no aguardo das posições quanto ao que aconteceu por aqui, mas é óbvio
que todo mundo vai gostar porque esse momento AyA foi realmente de
derreter o coração né? <3

Nos vemos quinta!

beijos,

Rafa
Capítulo 3 - Butterfly

Poncho não teve tanto tempo assim de ficar na UTI Neurocirúrgica, Amelia
Shepherd logo deu por encerrada a breve visita e restringiu a entrada de
familiares e médicos para ver Anahí. Já era o suficiente, considerando que
os batimentos cardíacos dela subiram consideravelmente, Anahí tinha
ficado inegavelmente agitada com a presença do ex-namorado e Amelia
queria garantir que ela estaria bem quando sua mãe chegasse ao hospital.
Poncho não estava diferente, ele brincou com Lexie antes de abraçar
aliviada a amiga que, se os seus próprios batimentos também estivessem
sendo medidos, estariam ainda mais agitados dos que os de Anahí.

O reencontro deles foi repleto de emoção. Poncho percebeu que ela estava
confusa, mas Anahí sabia quem ele era, se lembrava dele e, pelo visto, do
que os dois tinham vivido. Era o suficiente. Ele ainda estava com os nervos
à flor da pele, não sabia direito o que deveria dizer a ela, se deveria tocar no
assunto de seu desaparecimento, no que tinha acontecido naqueles oito anos
que os dois estiveram separados, tanto para ela quanto para ele. O estado de
Anahí dizia por si, ela estava machucada, confusa, com marcas de quem
permaneceu amordaçada e em cativeiro por anos, enquanto ele tinha se
casado com outra mulher que não ela, tinha tido um filho, uma vida inteira,
uma vida tranquila.

Era inevitável para Poncho não se sentir um pouco engasgado sobre isso.
Enquanto ele aceitou que ela provavelmente estava morta e seguiu a vida
como uma forma de não morrer junto, ela estava presa e provavelmente
sendo espancada e estuprada enquanto ele decorava uma casa e vivia com
outra pessoa a vida que deveria ter sido com ela. E agora, como ele diria
aquilo para ela? Como contaria a Anahí que ele não estava livre para ela
como ela evidentemente estaria para ele?

Era complexo demais.

Poncho refletia sobre todas essas coisas enquanto sentia aos poucos o
sangue esfriar e as lembranças de dor de vê-la naquele estado, de supor tudo
o que ela tinha passado. Ele agora estava sentado na sala de espera do
hospital, Sophia e Jesse ainda estavam ali um ao lado do outro, mas de certa
forma Poncho estava sozinho porque a cadeira que ele escolheu sentar era
distante, não queria estar exatamente colado aos amigos porque precisava
de algum tempo para refletir, para se perder nos próprios pensamentos.
Toda essa história de Anahí reaparecer e nunca ter morrido – muito pelo
contrário – tinha mexido um tanto com todos, mas eles sabiam que ninguém
experimentaria uma dose de culpa como a de Poncho, considerando que o
papel que ela preenchia na vida dele não era como na de mais ninguém. O
modo como ele tinha seguido em frente o faria ter que escolher entre Diana
e Anahí, entre o presente e o passado. Nenhuma outra pessoa teria que abrir
mão do que viveu nos últimos anos para tê-la de volta em sua vida...
somente ele. Era natural, assim, que para Poncho fosse ser muito mais
difícil que qualquer outro.

Os pensamentos durariam um dia, quem sabe no plural, ele tinha muito o


que decidir. Precisaria de muito mais tempo do que o que realmente tinha, o
hospital estava um caos e Poncho não podia subir e ficar com ela e nem
voltar para casa daquele jeito. De certa forma foi bom, porque quando
Karen chegou ali, completamente agitada e seguida de perto por sua mãe,
Ellie, Poncho estava presente. Os olhos de Karen focalizaram o ex-genro
antes de qualquer outra coisa e o olhar que os dois trocaram foi
extremamente significativo, como se vissem um ao outro em frente a um
espelho, já que ambos tinham nos rostos a mesmíssima expressão. Sem
hesitar Karen caminhou a passos decisivos para Poncho já prendendo as
lágrimas, mas ao vê-lo se levantar e envolvê-la num abraço, ela não
conseguiu mais segurar a emoção que a dominava desde que tinha recebido
a notícia sobre a filha e simplesmente caiu num choro copioso nos braços
dele.

— Karen, shhhh, ela está bem... – Poncho disse consolando-a – Eu a vi. Ela
está bem.

— É... é realmente ela? – Karen perguntou em meio a um soluço – Você


tem certeza...?

— Sim, realmente é ela, você pode acreditar dessa vez – Poncho disse com
um sorriso acolhedor enxugando as lágrimas dela – Eu tenho certeza disso,
eu falei com ela, ela me reconheceu, então você pode ficar tranquila...

— O que aconteceu? – Karen enxugou os olhos – Eu não estou entendendo


nada...

— Lexie me contou por alto, os médicos dela vão saber te explicar melhor –
ele murmurou – Seja forte Karen, a Any precisa que você seja, que todos
nós sejamos.

— Eu fui forte nos últimos oito anos – Karen deu um sorriso amargo – Para
não desabar. Porque essa era a minha vontade todo esse tempo, era deitar na
cama e não levantar mais, era não precisar andar. Só que... – ela disse
enquanto voltava a enxugar o rosto – Dessa vez ela está aqui. E... será que
agora eu posso chorar tudo o que não chorei? Agora eu devo sofrer tudo o
que evitei sofrer...?

— Ah Karen... – Poncho disse voltando a abraça-la.

— Eu sabia que vocês dois juntos seria muita emoção... – Ellie disse se
aproximando deles e colocando a mão no ombro de Poncho, evidentemente
sorrindo para ele – Você a viu, querido? Como ela está?

— Eu não vou mentir pra vocês, porque seria um choque vê-la daquele jeito
– Poncho suspirou – Anahí está machucada, com sinais de quem foi
torturada, a coisa não é nada boa. Mas está sendo bem cuidada. Eu
conversei com a neurocirurgiã que a operou, ela vai saber explicar melhor a
situação. Keith não veio com vocês?

— Ele foi viajar hoje cedo – Karen respondeu – Eu não... consegui falar
com ele ainda. Não consegui ligar, não sabia que palavras usar...

— Eu posso dar a notícia – Poncho se ofereceu – Você deve subir e vê-la,


falar com os médicos. Ela está sendo poupada exatamente pra te ver, Karen.
Vocês duas merecem isso.

— Sim, eu... eu farei isso, preciso apenas me preparar.


— Vou dizer algo honesto: você nunca vai estar preparada – Poncho sorriu
sincero – Mas é maravilhoso de todo jeito.

A mais pura verdade.

Amelia Shepherd, junto com Callie Torres, acabaram descendo e indo


pessoalmente conversar com Karen. Foi mais ou menos na hora que
Christian chegou, afobado, sendo rapidamente informado pelos amigos que
era Anahí. No fim ele se juntou a Poncho, tal como Jesse, Sophia e Lexie,
ao redor de Karen e das cirurgiãs que informavam os detalhes do estado de
saúde de Anahí. Todos estavam curiosos para saber tudo relacionado a ela:
como ela tinha chegado ali, como estava, quanto tempo ela passaria ali, e
principalmente: o que tinha acontecido naqueles oito anos que ela se tornou
uma interrogação.

— Nós devemos prepara-la, Sra. Scott, para o modo como vai ver a sua
filha – Amelia Shepherd falava calmamente para Karen, que estava abalada,
de braços dados com a mãe e amparada por Poncho – Ela não está da forma
que a senhora a viu pela última vez.

— Ela está viva – Karen disse com a voz embargada pela emoção – É mais
do que eu poderia esperar, Dra. Shepherd.

— Sim, está... mas está machucada – Callie Torres começou a falar – Com
ferimentos, escoriações em todo o corpo, ossos quebrados...

— Ela está confusa – Amelia completou – E não para de falar do


sequestrador, de perguntar por ele. Quer dizer... nós supomos que é ele...
Tobias...

— Tobias...? – o rosto de Karen rapidamente empalideceu – Você tem


certeza...?

— É um nome pouco comum – Callie respondeu – A senhora não...

— Tobias é um cliente do meu café – Karen murmurou sem voz. Poncho a


sentia tremer – Ele... não é possível que...
— Querida, pode ser uma coincidência – Ellie disse à filha alisando o rosto
de Karen tentando tranquiliza-la.

— Mas pode não ser – Karen já quase soluçava, virando-se para as cirurgiãs
de imediato – Eu preciso vê-la. Por favor, me deixem vê-la, eu imploro...

— É claro – Amelia disse de pronto – Nós a acompanhamos.

As visitas estavam, evidentemente, restritas a Karen. Ela era a mãe de


Anahí, e não era bom que ela recebesse mais visitas do que o recomendado,
por isso apenas Karen foi, nem sequer Ellie se arriscou a pretender ir, por
mais ansiosa que estivesse para ver a neta. A conclusão é que o grupo se
formou ao redor de Ellie para saber informações do tal de Tobias. Afinal,
aquela sensação de Karen que o homem que ela conhecia e o sequestrador
de Anahí eram a mesma pessoa geraram um burburinho e tanto.

— Eu não sei se a Karen está apenas cismada – Ellie explicou – É um


choque muito grande... nós nunca podíamos imaginar que a Any estivesse
viva... como eu disse, pode ser apenas uma grande coincidência.

— Quem é o Tobias que vocês conhecem...? – Poncho perguntou com a voz


fria.

— Um cliente do café, cliente antigo – Ellie suspirou – A Any chegou a


conhecê-lo. Mas ele é um rapaz tão doce, tão gentil, eu não conseguiria
acreditar que...

— Então não é impossível Ellie – Jesse quem respondeu – Geralmente


essas são as últimas pessoas que se desconfiam.

— Eu sou capaz de matar o infeliz que a fez passar por isso – Poncho
murmurou com os olhos fechados e a voz repleta de raiva.

— Não pense nisso querido – Ellie passou a mão pelo rosto dele como fazia
da filha – O que importa é que ela voltou para nós. Não seja rancoroso.

— Ele a tirou por oito anos de nós, Ellie – Poncho respondeu. Antes que a
avó de Anahí tivesse a oportunidade de responder, Lexie interrompeu.
— Ellie? A polícia quer falar com você – a cirurgiã explicou – Já que a
Karen subiu... o sequestrador está preso e eles querem falar disso.

— Muito bem – Ellie suspirou. Ela estava muito mais tranquila que se
poderia esperar – Me deem licença queridos...

Restava esperar.

xxx

Oito anos. Karen deixava a mente vagar enquanto subia pelo elevador, mal
ouvindo o que as duas médicas que cuidavam de sua filha dizer o que quer
que fosse... oito anos. Tantas coisas tinham mudado na vida dela... o que
teria mudado na vida de Anahí? O que a filha tinha passado em todo aquele
tempo? O que ela tinha vivido e o quanto tudo o que vivera a tinha
mudado? Certamente Anahí não era mais a moca que Karen se lembrava. É
lógico que ela sempre amaria a filha e tê-la de volta era um presente que
jamais esperou receber, mas como seria lidar com uma pessoa que
provavelmente deixou de ser a que ela conhecia?

Callie falava sem parar com Amelia, que seguia silenciosa, observando a
mulher que as acompanhava. Logo a neurocirurgiã teve que dar um cutucão
na amiga para fazê-la se calar e, de certa forma, respeitar o momento difícil
que Karen Scott vivia: rever uma filha que considerava morta, uma filha
cuja vida tinha ficado parada no tempo enquanto a dela continuou.
Enquanto a de todo o resto continuou.

— Ela vai se lembrar de mim...? – Karen perguntou à Amelia, mordendo os


lábios. Era uma das coisas que aterrorizavam sua mente.

— Ela se lembrou da Lexie – Amelia respondeu calmamente – E do ex-


namorado. Então por enquanto não há qualquer razão para acreditarmos que
a memória dela tenha sido afetada.

Karen ficou pouco aliviada com a notícia. Ainda tinha muitas coisas que
assombravam seus pensamentos, muitas coisas que ela se perguntava
quando deveria contar à filha, se deveria contar, misturados aos sentimentos
bagunçados de uma mulher que reveria sua menina depois de tanto tempo.
Amelia deu ainda algumas instruções sobre como ela deveria se portar
perante a filha. Karen ouviu atentamente cada uma das palavras que a
médica disse, seguindo para Anahí em seguida. Para o momento que ela
não sabia que tinha esperado oito anos para viver, mas acabava de
descobrir.

Enquanto Karen entrava, enquanto Callie e Amelia estavam paradas


próximas à porta do quarto, Arizona Robbins, cirurgiã obstétrica, tinha
acabado de parar ali ao lado das duas.

— É a mãe da paciente? – Arizona perguntou e a concordância foi imediata


– Que bom que ela está aqui, porque eu fiz o exame pélvico e bem...

— O que foi? – Callie franziu a testa – É sobre o estupro?

— Aquela mulher vai precisar ser forte – Arizona suspirou, estendendo uma
série de imagens de raio-X para a esposa que as pegou de imediato.

A simples expressão que Callie Torres fez logo em seguida dizia por si.
Karen precisaria ser forte, Anahí precisaria... não era uma situação nada
fácil.

xxx

Anahí estava de costas para a porta quando ela se abriu, não vendo Karen se
aproximar. Ela não tinha como supor que a mãe apareceria ali, não estava
olhando para onde ela caminhava e estava livre de todo um mar de emoções
no peito. Karen não. Os olhos dela marejaram simplesmente de olhar a filha
ali, viva. O cabelo diferente, definitivamente mais magra... Karen sentia
como se, mesmo sem olhar, Anahí fosse tão frágil deitada daquela forma
que voltara a ser sua menina como quando criança. Ela era uma mulher
agora, tinha vivido naquele tempo coisas que a mãe sequer conseguia
imaginar, e sobrava em Karen a vontade de acolhê-la e protegê-la, bem
como a culpa por tê-la deixado exposta àquele homem. Tobias. Se ela
tivesse percebido algo... se tivesse feito algo diferente...

Se para Poncho tinha sido extasiante rever Anahí, o que se poderia falar de
sua mãe? Karen provavelmente tinha o coração mais dolorido de todos.
Anahí era sua única filha, tinha sido um golpe muito duro o seu
desaparecimento. Karen não tinha há muito tempo esperanças de conseguir
reencontra-la, e por isso vivia há muito uma vida vazia, incompleta, seu
copo nunca estava meio cheio e não mais estaria. Não até ali. não até ver,
com seus próprios olhos, que ela estava ali, estava de volta. E mesmo que
não estivesse bem, estava viva. Bem, ela poderia ficar.

Como ela deveria chama-la? Filha? Pelo nome...? Karen petrificou ao


entrar no quarto. As lágrimas invadiam seu rosto, inundavam seus olhos,
seu corpo transbordava a emoção que nunca achou que iria sentir, vivendo o
momento que acreditava que jamais iria viver. Ela não tinha se preparado,
nunca tinha ensaiado, e embora ao longo daqueles anos sua mente por vezes
ousasse imaginar como seria a emoção de reencontrar Anahí, nada era
como a realidade.

Talvez fosse melhor chama-la por um velho apelido.

— Ei butterfly...

Anahí olhou de primeira, num movimento brusco e assustado. Quando a


filha lhe encarou os olhos de Karen já estavam encharcados e um sorriso de
alívio. Era como se agora ela conseguisse acreditar. No olhar de Anahí, uma
súplica pela mãe. Nenhuma das duas conseguia dizer nada, mas Karen
reconheceu no rosto da filha o velho pedido de sempre, que ela costumava
fazer quando criança: Anahí tinha o olhar de quando pedia que a mãe
deitasse com ela em sua cama e ficasse ali até que ela adormecesse, eis que
tinha medo de fazê-lo sozinha. Karen não hesitou, caminhando a passos
largos, deitando-se ao lado dela e abraçando-a com o carinho que tinha
acumulado no corpo por todos aqueles anos.

— Eu não acredito que você voltou pra mim... – ela disse já


indiscutivelmente chorando e abraçando a filha ao mesmo tempo que
passava a mão em seus cabelos – Eu nunca mais vou deixar de te proteger...
não vou deixar... nunca mais vou deixar que ninguém te machuque, meu
amor...

— Mãe... – Anahí murmurou fraca – É melhor você ir... se ele aparecer... se


ele te ver... eu não quero que ele te machuque.

— Ninguém vai se machucar meu amor, nem você nem eu – Karen beijou a
testa dela, tentando prender as lágrimas que mais pareciam ter vida própria
– Ele foi preso. Ele não pode fazer nada mais contra você, contra ninguém.

— Ele foi preso...? – Anahí perguntou assustada – Tobias... Tobias foi


preso?

— Sim – Karen confirmou envolvendo a filha em seus braços – Você não


precisa se preocupar com ele, porque não é mais um problema, um perigo.
A polícia está cuidando de tudo, e eu... eu não vou sair de perto de você,
minha butterfly. Eu não vou deixar que nada aconteça com você nunca mais
Any, eu te prometo.

Karen ficou algum tempo abraçada na filha, depois de parar com aquelas
promessas começou a dizer várias coisas, falar sobre o quanto seus avós
sentiam sua falta, da cafeteria, da casa delas e que o quarto de Anahí da
adolescência permanecia intacto, coisas que a fizessem se sentir
familiarizada, quem sabe mais confortável com aquela situação, mas Anahí
pouco respondia, estava calada, monossilábica. Karen não viu espaço para
mencionar Keith, achou melhor deixar isso para outro momento, Anahí
estava visivelmente frágil, qualquer mínimo barulho no corredor lhe
causava um imenso susto, gerava arrepios, ela nem parecia a mulher forte e
destemida de quem Karen se lembrava. Mas isso não importava, o que
importava realmente era que ela estava de volta. Pouco a pouco as coisas
voltariam para o seu lugar e ela teria a filha novamente. Talvez Anahí nunca
mais voltasse a ser quem era antes, ela tinha passado por coisas
inimagináveis naqueles anos, mas provavelmente ela arranjaria um jeito de
se reencontrar e buscaria um caminho para viver. Tudo ficaria bem.

Eram essas coisas inimagináveis que tiravam o sossego da situação da


cabeça de Karen. Ela estava feliz e aliviada por ter Anahí em seus braços,
por rever a filha quando já não achava que era possível, mas tinha medo de
sequer pensar no que ela tinha vivido em cativeiro. Sem que Anahí
percebesse ela via seu braço engessado, marcas nos pulsos, nos tornozelos,
escoriações pelo corpo... as médicas bem haviam avisado que seria algo
forte. Karen não sabia se era o melhor momento para tocar no assunto, mas
não mais conseguiu se controlar. Talvez a filha precisasse de alguém para
conversar. E quem melhor do que ela própria, sua mãe...? Antes do
sequestro elas eram próximas, eram amigas e confidentes uma da outra.
Talvez isso, ao menos, não tivesse mudado...

Valia a pena arriscar.

— Você quer falar sobre... – Karen tentava procurar a melhor palavra –


Ele...?

— Tobias? – Anahí perguntou. O olhar dela não encarava o da mãe.

— Sim – ela confirmou – Sobre o que... aconteceu... Eu não sei como


perguntar. Quem sabe... como ele encontrou você? Você foi até ele ou...

— Eu estava na casa dele – Anahí respondeu meio seca – No porão. Ele


dizia que me amava, mas me batia. Me forçava. Socava e me chutava
quando eu não fingia que estava gostando... e quando isso acontecia, me
prendia. Às vezes amarrava... pra eu não fugir...

— Ah meu Deus... – Karen mordeu os lábios, prendendo ao máximo a


vontade de chorar – Mas como... como você foi parar lá...?

— Eu... – Anahí franziu a testa – Eu não lembro.

— Ele te tirou de casa? – Karen insistiu – Você entrou no carro dele? Algo
assim? Eu não vou ficar brava com você, meu amor. Apenas me diga.

— Eu não consigo me lembrar – Anahí respondeu – Eu só lembro... só


lembro de estar lá. Não sei como cheguei.

Com isso Karen não sabia lidar.

Uma batalha se firmava do lado de fora do quarto. Uma policial queria


entrar de qualquer maneira, a psiquiatra discutia veementemente com
Amelia Shepherd, Arizona Robbins continuava esperando que Karen saísse
dali para falar sobre detalhes do caso de Anahí... estava complexo. Para
completar, o hospital parecia uma zona de guerra: o desaparecimento de
Anahí, que tinha sido destaque na mídia na época do desaparecimento,
voltou à tona com sua descoberta. Tinha dezenas de repórteres na porta do
hospital, um caos para entrar, a chefe de cirurgia cogitava marcar uma
coletiva, a assessoria de imprensa do hospital recomendava isso, mas nada
poderia ser resolvido sem os médicos terem um parecer técnico, qualquer
coisa concreta para ser anunciada, e isso não iria acontecer enquanto a
psiquiatria e a cirurgia não conseguissem entrar num acordo. O único
consenso era que a polícia não deveria interrogar Anahí, não até que
houvesse qualquer certeza de que ela tinha condições mentais para ser
perguntada sobre os estupros, abusos e violências que viveu naqueles oito
anos nas mãos de Tobias Menzies.

A policial em questão queria, a todo custo, interrogar Anahí. Dizia que era
extremamente necessário, que a instrução policial dependia disso. Tobias
seguia preso, o delegado mandara os policiais ali para verificar a situação,
mas para isso era preciso falar com Anahí e os médicos estavam reticentes
quanto àquilo. Sequer conseguiam chegar a um consenso quanto à
abordagem que deveria ser feita sobre Anahí naquele momento, qual equipe
deveria dar a palavra final... o resto era o resto.

— Dra. Shepherd, com todo o respeito, quem tem autoridade para falar
nesses casos é a Psiquiatria – a Dra. Caitriona Balfe, psiquiatra, falava de
modo firme com uma Amelia que parecia não lhe dar tanto crédito assim –
Eu respeito o seu conhecimento na área neurocirúrgica, mas a senhora não
tem competência para definir se a paciente deveria ou não receber visitas.
Agora ela está com a mãe, e já esteve com o noivo...!

— O que a senhora queria, Dra. Balfe? – Amelia cruzou os braços com tom
de ironia – Que eu deixasse os dois morrendo de saudade da garota? Depois
de oito anos...?

— Nossa paciente é Anahí, não os familiares dela – a médica insistiu.


Quando Amelia estava prestes a rebater, foi interrompida.
— Ok, ok, é o suficiente – Miranda Bailey, chefe de cirurgia,
imediatamente falou – A partir de agora precisamos que as nossas equipes
trabalhem integradas, está bem?

— Eu preciso falar com a mãe da paciente – Arizona Robbins anunciou –


Eu vi pelas imagens de raio-X algumas anormalidades consideráveis na
pélvis da paciente, uma fratura bem delineada, e a julgar pelo exame
pélvico que eu fiz para verificar o estupro, receio que...

— Ela não lembra de nada.

Não era nenhuma das médicas que estava naquela roda que dizia aquilo –
era Karen, a mãe de Anahí. Ela tinha a aparência assustada, como quem
estava falando algo que lhe doía completamente. Sobretudo, parecia meio
confusa, um tanto esgotada. Todas as médicas olharam para ela no
momento em que ouviram a frase. Todas pareciam ter o mesmo interesse:
entender exatamente a que ela se referia.

— Sra. Scott, eu sou a Dra. Balfe, a psiquiatra que cuidará do caso da sua
filha – a médica se apresentou estendendo a mão – Eu gostaria que nós
conversássemos sobre a sua visita a ela.

— Como assim ela não lembra...? – foi Amelia quem perguntou,


interrompendo a psiquiatra.

— Exatamente isso – Karen confirmou – Ela lembra de algumas coisas que


aconteceu, mas do início... como foi sequestrada, como foi parar na casa
daquele... ela não lembra. E eu não sei o que fazer. Eu não sei como vocês
podem ajuda-la.

Um silêncio da parte das médicas indicou que aquela não era uma resposta
fácil.

xxx
Mesmo com a chuva de repórteres do lado de fora, Maite Perroni não era o
tipo de pessoa que desistia. Mane bem que tentou dissuadi-la a desistir, a
entrarem sem ela, mas ninguém dizia não para Maite quando ela decidia
que iria conseguir algo. De alguma maneira ela conseguiu furar aquele
bloqueio e entrar na marra, e tudo o que Mane fez foi segui-la como pôde,
quase perdendo a si mesmo no caminho. No final, o que importava é que
eles tinham conseguido – talvez o mais propício fosse dizer que Maite
conseguira – e os dois estavam juntos dentro do New York General
Hospital.

Logo na recepção, Maite percebeu que Mane e ela tinham sido os últimos a
chegarem. Já estavam ali, sentados próximos e numa conversa restrita,
Christian, Lexie, Jesse, Sophia e é claro, Poncho. Só ela e Mane não tinham
chegado, o que já gerou em Maite uma certa irritação, já que ela detestava
ser a última, detestava ficar de fora. Se para Mane já estava difícil
acompanhar o passo dela, se tornou impossível quando eles finalmente
pisaram no hospital. Maite caminhou a passos largos para onde o grupo
estava, se dirigindo a Poncho assim que entrou.

— Vocês a viram? É realmente ela...? – ela perguntou de imediato. Poncho


confirmou na mesma hora.

— Sim Maite – Poncho disse com um sorriso caloroso – É realmente ela.

— Ah meu Deus... – Maite disse sentindo as pernas bambas e os olhos se


encherem de lágrimas.

A relação de Poncho e Maite – bem como a de Maite com quase todos os


amigos – não era nem de longe as melhores. Se eles eram melhores amigos
antes do sumiço de Anahí, a decisão de Poncho de seguir em frente tinha
desestabilizado tudo. Maite não perdoou Poncho ter se envolvido com
Diana, se casado e tido um filho com ela, para ela era uma traição a Anahí.
Poncho sentiu raiva no início da reação dela, mas depois de muita terapia,
conseguiu entender que aquela era a forma de Maite manifestar seu luto
pela perda de Anahí. De certa forma, ele torcia para que, algum dia, sua
relação com ela voltasse a ser a mesma de antes, ou ao menos deixasse de
ser tão ruim quanto já era. Qualquer coisa estava valendo. E agora, com o
reaparecimento de Anahí, a esperança se tornava mais forte;
— Eu quero vê-la – Maite murmurou, enquanto Mane a apoiava pelas
costas – Lexie? Como eu faço para...

— As visitas estão suspensas Maite – Lexie explicou – A Dra. Shepherd


achou que seria emoção demais pra Any receber muita gente e... só a Karen
subiu.

— Mas... eu achei que... – Maite murmurou desapontada, logo antes de


encarar Poncho – Espera, você a viu. Como...

— Poncho é Poncho – Sophia constatou dando de ombros – Nós somos


reles mortais e teremos que esperar.

Sophia não tinha qualquer má intenção dizendo aquilo. Na verdade, ela


dissera porque não passava da mais pura verdade: fora exatamente o fato de
Poncho ser Poncho que fez o coração de Amelia falar mais alto que a razão
médica e a neurocirurgiã ceder aos apelos de Lexie e aceitar a visita do
antigo namorado de sua paciente. Sophia não queria diminuir ninguém, só
que ela não tinha chegado com a expectativa de conseguir ver Anahí. Ela,
tal como os outros, só queria estar ali para saber as coisas de Anahí, para
apoiar Poncho e Karen no que fosse necessário.

Mas com Maite a coisa era diferente. O luto dela tinha sido enorme, e a
expectativa para reencontrar a melhor amiga estava na mesma proporção.
Chegar ali e receber a notícia de que não veria Anahí quando nutrira a
expectativa do extremo contrário era ruim... mas saber que Poncho tinha
visto Anahí e ela não? Poncho, que desistiu dela há tanto tempo? Era pior.

— Ah – Maite murmurou com o tom irônico. Ela já era capaz de ver Lexie
e Christian trocando olhares preocupados – Você aviu...?

— Eu não entendi a sua ironia – Poncho cruzou os braços enfrentando-a.


Logo todos viram o confronto se formar.

— É que eu acho engraçado que a cirurgiã da Anahí tenha deixado você


entrar pra visita-la – Maite cruzou os braços – Porque vejam só, será que ela
deixou achando que você ficou esperando por ela esses oito anos? Será que
ela sabe que você se casou com outra mulher e teve um filho inclusive?
— Isso muda o modo como eu me sinto em relação a ela? – Poncho
resmungou – Muda o quanto eu sofri...?

— Vocês não vão brigar aqui por causa disso, não é? – Sophia perguntou, e
eis que Maite resolveu direcionar para ela a sua agressividade.

— E você, vai dizer que ta sofrendo? Que ta emocionada? – Maite cruzou


os braços – Vamos ver o que a Anahí vai achar quando souber que você foi
dama de honra do casamento do namorado dela com outra mulher...!

— Você achava que ele deveria ter esperado para sempre? – foi Jesse quem
perguntou – Pelo amor de Deus Maite, todos nós amamos a Any. Todos nós
estamos felizes por ela ter reaparecido, não é só você!

— Ah, defendendo seu amorzinho Jesse? – Maite zombou – Desse jeito


nem parece que a trocou pela Lindsey.

Aquilo atingiu Sophia em cheio, muito mais do que qualquer outra coisa.
Ela sentiu o rosto esquentar e sequer conseguiu olhar para os outros. Mane
tentava impedi-la, mas foi Christian que levantou para fazer a amiga se
calar, após Sophia sair dali tão rápido quanto conseguiu, evidentemente
querendo ficar sozinha. Mane tentava, mas no fim só Christian era capaz de
realmente controlar Maite. Sempre tinha sido assim, e agora não seria
diferente.

— Maite... – Christian parou na frente dela bem firme segurando seus


ombros – Já chega.

— Vai me dizer que você...

— Chega.

Pelo visto o retorno de Anahí traria também uma série de cicatrizes e brigas
que estavam enterradas. Era somente o começo de uma longa história que
muitas pessoas precisavam resolver.

Olá pessoaaaaal! Tudo bem? Felizes com o capítulo? Espero que sim!
Novamente gostaria de agradecer à todo o feedback que eu tenho recebido
aqui na SVE! É muito bom ver pessoas novas chegando e gostando da
história, ver as antigas igualmente se emocionando, me deixa muito feliz.
De modo geral tenho sentido a vibração positiva e percebido que a emoção
que eu tento passar na escrita tem sido sentida por vocês. E olha que só é o
terceiro capítulo que eu posto!

Esse capítulo é importante por três motivos: primeiro, temos o emocionante


encontro da Anahí com a mãe, uma cena que deixou meu coração de
manteiga mais mole que o normal ao escrever. Karen é um amor - na
verdade toda a família da Anahí é - e ela merece muito esse momento ao
lado da filha depois de tanto tempo separadas de uma maneira tão cruel e
injusta.

Segundo, vemos aqui que a Anahí não lembra de alguns fatos que
aconteceram no cativeiro. Eu lembro de ter lido ao menos um comentário
que comemorava exatamente o fato de ela não ter perdido a memória.
Digamos que seja uma amnésia temporária e parcial em virtude de coisas
que aconteceram no cativeiro e que vão desencadear outras coisas que irão
acontecer ao longo da web. Anahí lembra tudo o que aconteceu na vida dela
antes (ou quase tudo, mas deixa quieto). Lembra das pessoas, das
experiências, dos planos, mas o cativeiro ta um branco e ela não sabe como
foi parar lá, entre outras coisas. Eu não posso falar muito agora, só adianto
que sim, ela vai lembrar de tudo, e que ta tudo encadeado, eu sei bem o que
to fazendo e os motivos. No próximo, salvo engano, já teremos uma
explicação psiquiátrica bem detalhada sobre isso que ta rolando com ela
quando a figura da médica responsável pela terapia aparecer.

Terceiro, vemos o reverso da Maite nesse capítulo. A Maite é uma


personagem difícil, porque ao mesmo tempo que ela é amada e venerada
(por vocês risos) por ter sido a única que acreditou que a Anahí tava viva,
ela também desconta a raiva dela em pessoas que não tem nada a ver. Como
o Jesse e o Poncho não dão muita aba, a Sophia acaba sendo quem sofre
com isso. Maite x Sophia vai ser tipo Poncho x Lexie na IC, ou seja, vocês
vão passar a web inteira me perguntando quando elas farão as pazes
hahahaha mas esse rancor tem nuances. Veremos mais pra frente.
Sei que vocês provavelmente têm dificuldade de não terem pensamentos
binários, mas já adianto: gostar da Maite não é não gosta da Sophia nem
vice-versa, torcer pela Anahí não implica em odiar a Diana e gostar da
Diana não significa não torcer pela Anahí. Eu entendo que cada leitora vai
se identificar mais ou menos com um personagem, só que eu sou a mãe
criadora de todos e vou defender todos (salvo uns três ou quatro embustes
que eu acho que devem ser xingados mesmo, exceto se o xingamento for
sexista) e vou argumentar em defesa de todos eles, desde Anahí a Diana,
passando por Maite, Sophia e todos os outros. Ninguém aqui é perfeito, eu
procuro fazer os personagens humanos e o que quero despertar em vocês é
que todos eles vão causar raiva e empatia e alegria ao mesmo tempo. Terão
horas que vocês vão amar um personagem e depois vai despertar um revirar
de olhos, porque a vida não é assim, ninguém é totalmente bom nem
totalmente ruim, lembrem-se disso ao lerem :)

No mais, respondo individualmente conforme for.

Beijos e bom fds, nos vemos segunda!

Rafa
Capítulo 4 - Is it still love?

O casamento de Diana e Poncho era ditado por uma rotina que não
costumava ter exceções. Diana estava acostumada a ir trabalhar todas as
manhãs e deixar a maior parte das tarefas diárias – inclusive a respeito do
filho dos dois, Daniel. Era sempre Poncho quem levava e buscava o filho na
escola e cuidava de suas necessidades básicas. Como a editora que Diana
trabalhava era de sua família, ela precisava dar o sangue – o que significava
que, em sua casa, ela era a pessoa que saía para trabalhar e o marido ficava
para trás, dada a flexibilidade de seu emprego. Poncho só costumava sair
quando precisava de inspiração para escrever, e já tinha algum tempo que
essa estava cada vez mais escassa. Ele trabalhava num novo livro, mas
quando aquele manuscrito sairia era um mistério. Por isso Poncho se
ocupava cada vez mais dos cuidados de Daniel, já que Diana tinha uma
editora para comandar e ele era o pai do menino, afinal.

Não era nenhuma surpresa se dizer que Poncho era um ótimo pai, Diana
não tinha o que reclamar. Ele não tinha qualquer incômodo por sua família
seguir os papeis invertidos em relação ao que era comum e tradicional, não
lhe incomodava cuidar de Daniel enquanto a esposa trabalhava fora, não ter
uma rotina de se fechar em um local todos os dias, ele gostava da vida que
levava. Diana também gostava, ela tinha a tranquilidade para trabalhar
sabendo que o filho estava bem, sem precisar, na maior parte do tempo, de
uma babá. Os dias dela só não eram serenos porque o trabalho lhe exigia
muito e ela tinha que resolver todos os problemas que ali apareciam – mas
ao menos o que sobrava na editora faltava em casa. Ela saía todas as
manhãs tendo a certeza de que tudo correria bem e que voltaria à noite
recebendo o filho alimentado, de banho tomado e com o dever de casa feito.
Melhor impossível.

Dado este cenário, pode-se imaginar a surpresa que Diana teve naquela
manhã que até então parecia completamente comum quando leu uma
mensagem do marido dizendo que tinha acontecido um imprevisto e
Erendira, sua irmã, era quem buscaria Daniel naquele dia.
Um imprevisto? Diana não estava acostumada com aquilo. A rotina deles
era tão certa, previsível e metódica que isso gerou um estranhamento, uma
preocupação, a fez acreditar que tinha algo errado. Poncho não costumava
abrir mão de buscar Daniel, não gostava de delegar as próprias tarefas, o
filho sempre era uma prioridade... a não ser que estivessem falando de
algum problema. Que problema poderia ter acontecido...? Diana não
conseguia entender, sequer imaginar. Por mais que ela quisesse ter a
segurança de sempre de deixar de pensar naquilo e deixar de lado, algo a
deixou em alerta e tirou sua paz. Ela acabou se dando por vencida, se
convencendo de que não sossegaria até saber que diabos tinha acontecido.

Depois de um dia inteiro esperando Poncho não mandar mensagem alguma,


Diana acabou cansando. Ela não costumava ter aquele comportamento
inseguro e pegajoso, mas precisava saber o que estava acontecendo. Por
isso ligou para o marido, se perguntando novamente – tal como tinha feito
ao longo do dia – o que tinha acontecido com ele. Será que era algo grave?
Será que ele não queria dizer para não preocupa-la? Diana não sabia o que
pensar. Ela apenas resolveu ligar de uma vez e encerrar esse mistério, antes
que sua mente continuasse imaginando qualquer bobagem que fosse.

Ela nunca, nunca conseguiria sequer cogitar o que realmente tinha feito seu
marido largar o dia metódico e rotineiro deles sem mais nem menos.

— Poncho? – Diana perguntou ainda nervosa – Desculpe se eu estou te


atrapalhando, eu imagino que você esteja ocupado, é só que...

— Não, eu que peço desculpas – Poncho respondeu do outro lado da linha –


A coisa toda foi tão corrida que eu sequer te expliquei...

— Eu fiquei preocupada – ela suspirou – Você nunca deixa de buscar o


Dani na escola. O que aconteceu? É algo grave? Você quer que eu vá te
encontrar?

— É melhor não, está uma confusão enorme – Poncho suspirou de volta –


Eu não sei bem como te dizer isso.

— Apenas diga, o que quer que seja é melhor do que ficar pensando as
besteiras que eu estou...
— Anahí está viva – Poncho disse sem qualquer preparo – É isso.

Será que realmente as bobagens da cabeça de Diana eram piores do que


aquilo...?

— Anahí? – Diana perguntou chocada – A sua Anahí? Quer dizer... sua ex-
namorada? Aquela que...

— Sim – Poncho respondeu completamente impactado pelo modo como a


esposa se referia à ex dele – Sim, ela mesma. Ela... ela ta no hospital que a
Lexie trabalha. E eu... desculpe Diana, mas eu tive que vir.

— É claro que teve – ela deu razão na mesma hora – Nossa, eu... eu não sei
o que dizer.

— Foi tudo muito corrido, eu estava na Starbucks tentando escrever, de


repente Sophia e Jesse apareceram lá com essa história toda de que ela
estava viva e no hospital, e... eu não sei, minha mente apagou – Poncho
tentava se explicar. Por seu tom de voz, a esposa notava que ele estava
completamente atordoado – Eu lembrei que tinha que buscar o Dani na
escola, então pedi à Erendira que fizesse isso pra mim porque ela está na
cidade esses dias. Só consegui te mandar uma mensagem depois e... eu
deveria ter ligado ao longo do dia e explicado, mas é que...

— Poncho, se acalme – Diana respondeu tranquilizando-o – A última coisa


que você pensaria nesse momento é em mim. Não se preocupe.

— Você não está chateada? – ele perguntou. Obviamente aquela era uma
preocupação.

— É claro que não – Diana falou sincera – Eu sei da importância dela na


sua vida, eu não poderia... não é meu direito. Mas se ela está no hospital,
quer dizer, como ela está? Como a encontraram?

Poncho então fez um breve relato da descoberta de Anahí, do sequestro, o


parecer dos médicos que a atenderam naquele dia, que Karen estava lá...
Diana ouviu tudo, calada e atenta, prestando atenção em cada detalhe. Era
óbvio que Poncho se envolveria, como ela própria constatou Anahí tinha
uma imensa importância na vida dele e Diana sempre soube disso, ele
nunca escondeu nada da esposa. Ela não era o tipo de mulher pegajosa e
ciumenta que daria um ataque de ciúmes ou que correria para aquele
hospital para estar ao lado dele como pretexto para marcar terreno frente à
Anahí. Não era aquilo que importava naquele momento. O que Diana queria
saber era o que tinha acontecido para fazer Poncho sumir sem mais nem
menos sem grandes explicações. Agora ela sabia e era suficiente.

Diana não tinha muito mais o que fazer no trabalho. Aquela história tinha
seu impacto e tirou a concentração dela, por isso ela resolveu encerrar o
trabalho mais cedo que o comum e seguir para o Brooklyn para buscar
Daniel no apartamento da irmã de Poncho, Erendira. Ao menos estar do
lado do filho a acalmaria, a daria outras coisas para pensar.

Ou nem tanto.

Daniel correu para os braços da mãe assim que ela entrou no apartamento
da tia. A primeira pergunta que ele fez, por óbvio, foi onde estava seu pai.
Dani passava o dia com Poncho, foi estranho para ele ver Erendira na porta
da escola para busca-lo e não o pai. Naturalmente, assim que ele encontrou
a mãe, a dúvida tinha que ser tirada.

— Seu pai está resolvendo uns problemas e vai chegar em casa de noite –
Diana disse acariciando o cabelo do filho, tentando passar o máximo de
naturalidade possível – Não se preocupe ok?

— Tem certeza? – Dani perguntou receoso – Não aconteceu nada com o


papai...?

— Não, seu pai está bem – Diana garantiu – Amanhã ele te explica ok?
Pode ser que ele chegue tarde, mas você não precisa se preocupar, ele vai
voltar pra casa.

Era uma certeza.

— Agora vai brincar um pouquinho enquanto eu falo com a sua tia, pode
ser?
— Pode – Dani disse voltando para os brinquedos de antes.

Evidentemente Erendira encarava a cunhada com a mesma expressão de


interrogação que o sobrinho fizera logo antes. Era óbvio, Dani não era o
único que não estava entendendo nada do que acontecia ali. Erendira não
passava tanto tempo assim em Nova York, ela era comissária de bordo da
American Airlines e passava metade do mês viajando de um país para o
outro, mas mesmo não ficando na cidade ela sabia que Poncho era o pai
mais zeloso do mundo e que, para ele pedir a ela – mesmo sendo uma
pessoa de sua extrema confiança – para buscar seu filho na escola, é porque
algo definitivamente estava errado.

— Pra mim você pode dizer o que está acontecendo...? – ela perguntou
encarando Diana de braços cruzados – Porque olha, eu conheço o meu
irmão. Poncho não é de pedir pra ninguém cuidar do filho dele, quem quer
que seja. Em especial sumir o dia inteiro sem hora pra voltar. Ele nem me
ligou! Não me atendeu...!

— Eu não sei como ele me atendeu – Diana suspirou – Mas eu falei com ele
e realmente está tudo bem... com ele.

— Diana, sem rodeios, eu estou nervosa – Erendira pediu num gemido – O


que houve...?

— Anahí está viva – tal como Poncho anunciou, Diana falou de uma vez,
sem enrolações.

A reação de Erendira obviamente foi arregalar os olhos ao limite. A


princípio a informação fazia bater um choque, Diana sabia por que ela tinha
sentido, mas se tinha sido assim com ela certamente a cunhada sentiria
muito mais forte, afinal Erendira conheceu Anahí, ela acompanhou o
relacionamento do irmão com a então falecida. Certamente teria muito a
dizer, uma opinião concreta que ia muito além dos meros achismos da
cabeça de Diana.

— Puta merda – Erendira murmurou colocando a mão na boca – Não a toa


ele simplesmente desapareceu...
— Sim, eu sei – Diana suspirou – Ele não sabia ao certo como me dizer,
acho que estava com medo de eu ter um ataque de ciúmes, me sentir
ameaçada, qualquer coisa do tipo.

Diana esperava que Erendira dissesse que era óbvio que ela não precisava
ter ciúmes, fosse porque Poncho a amava, fosse porque ele e Anahí estavam
separados a muito tempo... mas nada veio. Pelo contrário, ela reagiu de
modo como se concordasse com o pensamento do irmão, como se, em seu
lugar, fosse raciocinar da mesmíssima forma. E foi aí que ela começou a
estranhar a situação.

— Você acha que eu devo me sentir ameaçada...? – Diana perguntou


cruzando os braços, sentindo um certo frio na espinha.

— Olhe, não misturemos as coisas – Erendira levantou ambas as mãos – Eu


não sei o que ta se passando na cabeça e no coração do meu irmão nesse
momento. A única coisa que eu tenho certeza é que ele deve estar muito
mexido e muito afetado... isso independentemente de você. Ele tinha
certeza que ela tinha morrido. Isso fode com a cabeça de qualquer um.

— Ta fodendo com a minha cabeça, imagina a dele – Diana suspirou,


atraindo um olhar curioso da cunhada e rapidamente se explicando – É
que... eu sempre percebi a ligação dele com essa história, com esse passado,
sabe? Só que... como eu iria sentir ciúmes disso? Como eu me sentiria
ameaçada por uma pessoa que nem estava aqui...? Só que...

— Agora ela está – Erendira concluiu, vendo Diana confirmar – Sim, foi
isso o que eu pensei. Como eu disse, não posso falar pelo que ele ta
sentindo agora. Tem muito tempo que o Poncho e eu não conversamos a
respeito da Anahí, ele simplesmente não toca mais no assunto, nem comigo,
nem com meus pais... nem sei se com o Jesse ele fala disso.

— Eu não faço ideia – Diana murmurou – Ele nunca fala dela, e bem, eu
respeito não é? Seria estranho se nós conversássemos sobre a falecida ex.

— O que eu posso te dizer é que eles se amaram muito – Erendira ressaltou


– Não estou comparando com o que ele tem com você... mas... ele era
loucamente apaixonado por ela, Diana. E eu bem conheço o meu irmão, ele
deve estar uma confusão de sentimentos nesse momento.

— Eu sei que ele a amou – Diana observou – Mas a pergunta é: ele ainda a
ama?

— Eu não posso dizer por ele – Erendira negou.

— Tudo bem, mas eu quero saber o que você acha – Diana insistiu – Porque
eu sei que ele sente algo forte pela Anahí. Eu sei que ele guarda um
sentimento por ela, eu... eu só preciso saber o que é. Preciso saber se é
suficiente pra ele me deixar, pra ele acabar com o que nós temos.

— A única coisa que eu tenho certeza é que, se ela nunca tivesse


desaparecido, você não teria a menor chance – Erendira deu de ombros –
Eu não estou dizendo que torço contra você, pelo amor de Deus, não me
entenda mal...!

— Não estou entendendo mal Erendira. Não pise em ovos, diga o que você
pensa.

— Qualquer pessoa que os conheceu na época, que viu os dois juntos,


olhava pra eles e sabia que seria endgame, sabe? – ela explicou – E
qualquer pessoa que viu a depressão que ele enfrentou quando ela sumiu
sem deixar rastro... eu não acreditei que ele fosse seguir em frente. Ele
realmente deve amar você pra ter se permitido dessa forma.

— Eu sei que ele me ama Erendira – Diana observou – Eu... só não sei se
ele me ama o suficiente.

— Como eu disse, se você tivesse aparecido contra a Anahí, naquele


momento, você não teria chances, ele nem olharia pro lado – Erendira
repetiu – Porque ele não olhava. Não foram poucas as mulheres que
tentaram, como não foram poucos os caras que tentaram com ela... mas ela
sumiu, você apareceu, ele casou com você, teve um filho com você. Meu
irmão leva os compromissos dele a sério, ele não é leviano com nada. Se ele
casou com você é porque ele te ama. Mas nesse momento, o confronto
desses dois sentimentos... desculpe Diana, mas eu não tenho ideia do que
ele vai escolher.

— Eu estou me preocupando a toa – Diana suspirou longamente, fechando


os olhos por breves segundos e abrindo-os logo em seguida – Talvez ela
nem o queira mais.

— Eu não sei, realmente não sei – Erendira respondeu – Que tal você tentar
não pensar demais nisso e deixar as coisas acontecerem? Quando a poeira
baixar, você e ele conversam e acertam tudo. Eu acho realmente melhor.

— Sim, você está certa – Diana sorriu concordando – Eu vou dar tempo ao
tempo, e principalmente, vou dar tempo pra ele. A minha insegurança não
pode sufoca-lo. Seja como for, ela foi e ainda é importante pra ele. E eu não
tenho o direito de exigir que ele escolha.

A questão ali é que Erendira pensava muito mais do que realmente falava.
Ela não queria encher a cabeça da cunhada de fantasmas, fazer Diana ficar
insegura por meras suposições... afinal, talvez ela estivesse errada. Talvez
suas suspeitas guardadas no fundo da mente, no que conhecia o irmão,
fossem equivocadas. Mas ela não conseguia não pensar para si que era
praticamente impossível Anahí não querer mais Poncho. Elas estavam,
afinal, falando de uma mulher que passou os oito últimos anos presa num
cativeiro com um sequestrador que a espancava e a estuprava.
Provavelmente passou aquele tempo pensando no que seria, no e se ao lado
do homem que realmente amava, o homem com quem tinha projetado uma
vida que nunca aconteceu. Erendira conheceu bem Anahí e lembrava da
mulher que ela era... se a Anahí que voltou ainda fosse, de alguma forma, a
velha Anahí, ela tal como Diana deixaria Poncho livre para fazer o que
quisesse e não iria pressiona-lo a nada. Mas, se ele ainda a quisesse, ela
tinha certeza que sua antiga cunhada de modo algum iria recusa-lo. E
ninguém seria capaz de impedi-los de viverem a história que tinha sido
interrompida.

xxx
As palavras de Maite tinham conseguido realmente ferir Sophia. Christian,
o único do grupo que conseguia controlar a morena quando ela passava dos
limites, ainda estava lá, no mesmo lugar de antes, cobrindo-a de esporros e
dizendo tudo o que os outros não conseguiam – fosse porque ela rebatia,
fosse porque não tinham coragem, caso de Mane – dizer para ela. Ele fazia
de forma ainda mais dura que o normal um velho monólogo, puxando a
orelha dela categoricamente por ser tão dura com todos os outros. Em
especial porque bastou para Christian olhar o modo como Sophia saiu dali
para saber que, daquela vez, Maite pegou realmente pesado e atingiu fundo
a amiga. E o pior é que ela fez aquilo com a intenção de machucar.

O problema não era falar de Anahí ou de qualquer outra pessoa, mas sim
Maite ter tocado no ponto fraco de Sophia: o fim de seu relacionamento
com Jesse. Era o problema de se envolver com seu melhor amigo: Sophia
estava fadada a continuar convivendo com ele, a sempre vê-lo, fosse porque
eles estavam no mesmo ciclo de amizade, fosse porque eram sócios. O pior
de tudo não era ver Jesse ainda amando-o com todo o coração, o pior era
saber que ele estava com Lindsey agora. Que os beijos que antes eram dela,
os olhares, as intimidades, os momentos, as noites dele agora pertenciam à
outra mulher. Quando Maite disse isso, ela colocou o dedo na ferida de
Sophia com vontade. E não lhe deixou qualquer opção senão sumir dali,
porque ela não aguentaria que todos vissem o quão patético era ela seguir
apaixonada por um homem que não a valorizou e, além de tudo, já tinha
seguido em frente.

Talvez fosse melhor para Sophia fazer o mesmo que Jesse. Talvez ela
deveria realizar a profecia que ele criou e ficar com Chad, afinal de contas.
Mas no fim ela seria infiel a si mesma. Por mais que Jesse achasse que
Chad era apaixonado por ela e que Sophia lhe dava corda demais, ela sabia
que as coisas não eram assim. Ela não podia fazer algo somente para
revidar o que Jesse a fazia sofrer, em especial porque mexia com os
sentimentos de outra pessoa. Na hora certa ela seguiria em frente e
encontraria alguém que a merecesse, ou simplesmente aprenderia a ficar
feliz sozinha.

Pensando nisso tudo Sophia saiu do banheiro, enxugou as lágrimas, se


certificou que a cara de choro tinha saído de seu rosto e saiu. Não foi
nenhuma surpresa se deparar com Jesse bem na porta do banheiro.

— O que foi...? – ela perguntou se fazendo de desentendida. Era óbvio que


Sophia sabia bem o que ele fazia ali.

— Eu vim ver como você estava – Jesse respondeu visivelmente deslocado


– Eu sinto muito pelo que a Maite...

— Deixe pra lá – Sophia deu um imenso sorriso falso – Ela me deixou


chateada, mas... eu não posso deixar isso acontecer, não é?

— Soph, eu não te troqu...

— Jesse, por favor, não – ela disse estendendo a mão e interrompendo-o –


Nós temos um acordo. Nada de falar disso. Em nome dessa relação de
trabalho que a gente quer manter.

— Nós não estamos aqui como sócios – Jesse lembrou – Eu to aqui como
seu amigo. As coisas não precisam ser assim, eu realmente acho que a gente
precisa conversar sobre isso...

— Não, não precisamos, porque não temos mais nada – Sophia lembrou
dura – Não temos que discutir uma relação que não existe. Então é melhor
que você fique na sua e eu fique na minha. Jesse, eu não preciso que você
venha me consolar pelas verdades que a Maite fala. Eu sou grandinha e esse
não é mais o seu papel.

— Mas não era uma verdade – Jesse insistiu – Por isso mesmo eu vim até
aqui: pra te dizer que eu nunca te troquei pela...

— Chega – Sophia voltou a interrompê-lo – Eu não to aqui por isso. Eu to


pela Anahí. Porque a Maite pode dizer o que for, mas eu me importo. Anahí
é minha amiga, eu a amo e eu quero saber como ela está. Nós dois só
estamos aqui por ela e pra apoiar o Poncho. Não tem nada a ver com o fato
de nós já termos sido um casal. Nós não somos mais. Você quis assim,
então pare de se comportar como se nada tivesse acontecido porque você
sabe que aconteceu.
Dentro do coração Sophia remoia uma série de coisas. Ela estava sedenta de
vontade de falar tudo o que pensava, o que a machucava ainda, mesmo
depois de tantos meses que eles não estavam mais juntos. Sobrava o
desespero de jogar na cara de Jesse suas mágoas quanto ao término deles,
de dizer o quanto ainda a feria os motivos pelos quais ele resolveu encerrar
sua relação com ela, e o quanto a destruía vê-lo com Lindsey. O quanto
Sophia sentia como se o que eles tiveram parecesse não ter nenhuma
importância, ou talvez de fato não tivesse tido. Tinha coisa demais presa na
garganta dela, mas ela não queria falar, por um simples motivo: dizer
aquelas coisas não mudariam o fato de que Jesse a tinha perdido. E que as
coisas entre eles foram tão longe e ficaram tão ruins que ela sabia que,
mesmo dizendo tudo, mesmo que ele tentasse resolver as coisas, Jesse tinha
se tornado um estranho para ela. Não era mais o homem por quem ela tinha
se apaixonado... e talvez Sophia não quisesse mais voltar a ser a mulher que
ele tinha amado um dia.

xxx

No andar do CTI Neurocirúrgico Anahí seguia internada e mais observada


do que nunca. O comentário de Karen sobre a falta de memória da filha, o
fato de ela não lembrar como e sob que circunstâncias tinha sido
sequestrada, deixou tanto Amelia Shepherd quanto Caitriona Balfe com a
pulga atrás da orelha. Enquanto a psiquiatra se ocupou de fazer a primeira
visita a sua paciente, Amelia chamou seu irmão, Derek Shepherd, e é claro,
Lexie Grey, sua residente favorita, para analisarem as tomografias de Anahí
e debaterem a questão. Afinal, três mentes trabalhavam melhor do que
apenas uma.

As tomografias de Anahí estavam limpas, então a discussão dos três


cirurgiões se deu muito mais a respeito dos sintomas apresentados por
Anahí do que qualquer outra coisa. No fim o trabalho em equipe que tinha
sido pedido pela Dra. Bailey acabou de fato acontecendo – após conversar
com Anahí a Dra. Balfe se juntou aos três e todos debateram juntos a
questão. Não demorou a chegarem a uma conclusão, um diagnóstico, com
base em todas as percepções e nas informações que já tinham.
— Nós acreditamos que ela pode ter amnésia dissociativa – a Dra. Balfe
explicou a Karen, que abraçava os próprios braços mordendo os lábios,
evidentemente apreensiva – Cheguei a cogitar uma fuga dissociativa, mas
não faria sentido considerando que ela se lembra da maior parte da
identidade pessoal e das pessoas que conheceu antes de ser sequestrada...

— Os exames de imagem não mostraram nada – foi Amelia quem disse


naquele momento – É um problema psiquiátrico.

— Exatamente – Derek complementou a fala da irmã – Nós procuramos


alguma coisa na tomografia pra ver se indicava que ela tinha caído, que
tinha qualquer lesão, um tumor quem sabe, pra justificar... mas não. Então,
considerando que ela passou por um sequestro, nós podemos supor algum
trauma muito forte que tenha bloqueado a memória dela.

— E o que pode ser feito quanto a isso...? – Karen finalmente perguntou.

— Eu acho que é algo que ela vai acabar se lembrando conforme as sessões
de terapia acontecerem – foi a Dra. Balfe quem respondeu – Porque nós não
sabemos o que ela teve. Não é algo que eu possa fazê-la se lembrar, ao
menos guia-la para isso. Estamos tão no escuro quanto a Anahí. Mas a
minha experiência com casos similares diz que as memórias podem voltar
ao longo do tempo, nós só temos que ser pacientes.

— Eu acho que eu posso ter uma ideia do que esteja por trás disso... que
não nos deixe tão no escuro assim – Arizona Robbins interrompeu a
conversa, chamando a atenção dos outros.

— É sobre o raio-X que você fez...? – Amelia perguntou.

— Sim – Arizona confirmou – São suspeitas por enquanto, mas, se se


confirmarem... Sra. Scott, eu preciso que a senhora seja forte.

Karen precisava. Mais do que nunca.

xxx
Lexie estava mental e fisicamente exausta no fim do dia. Amelia e a Dra.
Balfe acharam melhor que ela não visitasse Anahí novamente para se
despedir. Anahí também teve um dia cheio, emoções demais, ela precisava
de sossego e descanso. Lexie chegou a descer para ver se alguns dos amigos
ainda estavam ali, mas não encontrou nenhum deles – Poncho esperara
Karen junto com Ellie e a acompanhou até sua casa. Christian e Mane
tinham convencido Maite a ir embora, Sophia e Jesse provavelmente
também tinham feito o mesmo. Só restou ela, já que Lexie era a única que
estava no andar de cima ajudando Karen a lidar com as chocantes
possibilidades do que Anahí poderia ter sofrido naquele maldito cativeiro.

Ela não queria ter que pensar no que tinha ouvido, no que Arizona disse,
mas era difícil. Lexie precisava de qualquer maneira tirar aquilo da cabeça,
em especial porque Amelia fora incisiva em dizer que ela estava ali como
médica e aquilo entrava no sigilo do caso da paciente, não poderia ser dito
aos amigos. Lexie não poderia desabafar com nenhum dos amigos, e era
óbvio que não tinha como tocar no assunto com Karen, ela já tinha ficado
abalada o suficiente com as possibilidades levantadas. Foi quando Lexie
pensou em Jackson – seu namorado não era da equipe, mas também não era
do ciclo de Anahí. Com ele ela poderia falar. Com ele, ela poderia se abrir...

O único problema, que Lexie descobriu assim que telefonou para Jackson, é
que ele já tinha ido embora há muito tempo. Jackson falava com voz de
sono, ele teria um procedimento no dia seguinte e tinha ido cedo para casa
para descansar. Ao ouvi-lo perguntar o que era, Lexie desanimou. O clima
se foi, ela não tinha, de uma hora para outra, vontade de desabafar. Ao
menos não com ele.

Para completar, os jornalistas ainda estavam firmes e fortes na porta do


hospital, esperando qualquer um que lhes desse qualquer informação sobre
o caso de Anahí. Lexie sabia que seria reconhecida, sabia que qualquer um
ali a sugaria se ela passasse por aquelas portas, mas ela não tinha nenhuma
ideia melhor. Ficar no hospital não era uma opção – ela queria esquecer o
que tinha ouvido naquelas paredes, e não conseguiria permanecendo dentro
delas. Talvez se ela se disfarçasse eles não a percebessem. Por que não
arriscar...?
Quando Lexie tomou coragem para colocar o plano em prática, algo a
impediu. O algo em questão se materializava numa mão segurando firme
seu braço e impedindo-a de sair. Quando ela se virou para reclamar com
quem quer que fosse, viu que não era qualquer mão... era de Mark.

Um toque que ela conhecia muito bem. Um toque que ela não sentia há
muito tempo...

— Você ta louca...? – Mark perguntou arregalado – Quer ser engolida por


aqueles abutres?

— Não, você está louco por me segurar desse jeito – Lexie disse puxando o
braço e vendo-o soltá-la.

— Eu apenas estava impedindo que você fizesse uma besteira – Mark


respondeu – Sair por aí com todos esses repórteres... eles sabem quem é
você, Lexie. Eles sabem que você é a amiga da Anahí.

— Ah merda... – Lexie fechou os olhos, sentindo a cabeça encher pelo


inferno que isso representaria em sua vida.

— Vamos, eu tiro você daqui – Mark ofereceu – Meu carro está no


estacionamento. Eles sequer nos verão sair.

— Não – Lexie negou de imediato – Não, definitivamente nã...

— Você prefere sair corajosamente enfrentando todos? – ele cruzou os


braços desafiando-a – Acha que isso é uma boa ideia?

Pensando bem... pelo visto ela não teria escolha.

Assim que se sentou no banco do carona do carro de Mark, Lexie se sentiu


arrependida. Aquilo não tinha como ser uma boa ideia. Ele simplesmente
fechando a porta e deixando-a dez segundos sozinha no carro dele já fora
suficiente para lhe causar centenas de arrepios por reconhecer o cheiro do
perfume de Mark no ar. Lexie tinha os olhos fechados tentando raciocinar e
mordia os lábios até vê-lo abrindo a porta do motorista e se sentando ao seu
lado, dando partida no carro logo em seguida. Ela tinha aceitado e tinha que
ir até o final. Era isso ou ser estraçalhada por jornalistas sedentos.

Deu certo. Mark tinha razão, o carro dele saiu pelo outro lado do hospital,
ninguém sequer percebeu que Lexie estava ali. E ela suspirou aliviada ao se
dar conta disso. No fim das contas ele tinha razão, ela não admitiu em voz
alta, mas era verdade. Era curioso Mark lhe salvar, Mark estar preocupado
com ela... eles não tinham mais nada e Lexie fazia questão de se manter o
mais distante possível. Só que no fim, nas coisas que era para Jackson estar
ao lado dela, ele não estava. Era Mark ali. Mark dando o abraço que ela
precisava quando reconheceu Anahí. Mark consolando-a. E Mark ajudando-
a a sair do hospital.

E quando Lexie deu por si, era com Mark que ela estava desabafando.

— É tudo difícil demais pra mim, essa história toda... – Lexie suspirou – A
Anahí não está bem. Ela está viva, mas... nossa Mark, foram tantas coisas
que ela passou. Oito anos. Eu terminei a faculdade, fiz minha residência
nesse tempo todo, e ela... ela estava lá com aquele homem fazendo... eu não
consigo nem falar.

— Ei... eu sei que é complicado – Mark disse olhando-a carinhosamente –


Se recupere disso tudo enquanto der, porque depois ela vai precisar de
apoio. Vai precisar que você seja forte e passe a sua força pra ela.

— Não é só isso – ela continuou – Minhas amigas... eu estou no meio do


fogo cruzado. Maite era a melhor amiga da Anahí, ela simplesmente não
perdoa que o Poncho tenha se casado, não perdoa a Sophia por não tê-lo
condenado... e hoje ela foi tão dura com a Soph...

— Eles não tinham como saber que ela está viva – Mark ressaltou. Lexie
concordou, mas continuou falando em seguida.

— Mas ao mesmo tempo... – Lexie suspirou – Como a Anahí vai reagir


quando descobrir que ele casou e teve um filho? Ela vai se magoar. Uma
hora alguém vai ter que contar.
— Lex... – Mark a chamou e a encarou enquanto paravam num sinal – Dê
um passo de cada vez. Você está quase correndo nos seus pensamentos.
Tudo é muito difícil e sem dúvidas é uma barra e ela precisará ser forte...
mas não vai adiantar nada você se desesperar. Ela precisa se recuperar das
lesões físicas por enquanto, fazer terapia, se lembrar de tudo. A Torres e a
Amelia são boas cirurgiãs, ela vai ficar bem.

— Será que vai, Mark...? – Lexie questionou – Ela perdeu oito anos da
vida. O amor da vida dela ta casado com outra pessoa. Tudo andou desde
que ela saiu, ela sequer se lembra como chegou naquele cativeiro.

— Nada pode ser feito em relação ao que já foi – Mark observou – Mas ela
tem uma longa vida pela frente. E recebeu uma segunda chance. Eu tenho
certeza que, se ela ganhou essa nova chance, é porque algo bom está
reservado para ela.

Era a primeira vez que Lexie teve vontade de sorrir em todo aquele dia. A
primeira vez que ela não se sentia abalada, que não se trancava para chorar
sozinha pelo peso de toda a história de Anahí, que não parecia ter o peso do
mundo em suas costas. O sinal abriu e Mark voltou sua atenção para o
trânsito, mas Lexie se sentiu incrivelmente feliz por ter aceitado a carona
dele. Ela estava sendo dura demais com o ex. Talvez as coisas não fossem
tão preto-no-branco quanto pareciam. Talvez ele fosse uma boa companhia
e lhe fizesse bem, não fosse preciso afasta-lo tanto. Podia ter sobrado algo
de bom de tudo o que eles viveram. Que valesse a pena continuar. Talvez
desse certo e ela soubesse separar as coisas e não deixar seu coração se
acelerar cada vez que Mark se aproximasse.

— Eu senti a sua falta – Lexie murmurou – Eu... não queria ter me afastado.

— Então... – Mark respondeu sorrindo – Não se afaste.

Talvez eles pudessem ser amigos... Só talvez...

Olá pessoinhasssss! Que boa maneira de começar a semana, com post né?
Certeza que vocês me acompanham nisso :)
No capítulo de hoje damos um passo na história em que finalmente vemos a
Diana descobrindo da Anahí. Podemos ver que ela age de uma maneira bem
madura, que é a linha dela durante toda a web. Importante ressaltar que a
Diana é uma mulher normal gente. Vocês talvez estejam criando umas
visões muito 8 ou 80 dela: ou que ela será o pior ser humano apenas por
estar no caminho de AyA, ou que vai ser a fada madrinha dos dois e sair da
frente apenas pela Anahí aparecer. Não será nem uma coisa nem a outra! A
Diana vai ser o que uma mulher madura é - vai lutar pelo Poncho sem
desrespeita-lo nem ser inimiga da Anahí. Ela vai deixar claro que quer ficar
com ele, mas disposta a aceitar caso ele não queira mais. Agora cabe ao
Poncho decidir! Vamos ver como vai ser quando o outro lado da verdade
aparecer, ou seja, a Anahí descobrir da família dele.

Também vemos hoje que a Erendira apareceu, e pessoalmente ela é uma das
personagens que eu maaaaais gosto na história. Ela é franca, direta e diz o
que precisa ser dito, embora se preocupe com os sentimentos das pessoas ao
ouvir as suas verdades. Teremos uma versão Erendira sem filtro quando
conhecermos a mamãe Herrera, mas isso é papo pra daqui uns caps!

Por fim, temos passos com Slexie e Bushfer. Enquanto Slexie começa a se
aproximar, Bushfer mostra um pouco dos motivos que os fizeram terminar e
mostram que estão com um abismo separando-os. Difícil né? Pra mim
também, porque enquanto Mark é um deus, Jesse é um bocó...

Por último, gostaria de fazer um comentário sobre a polêmica Maite x


Sophia e Poncho. Eu perguntei no último capítulo sobre como vocês se
posicionavam em relação à Maite e a maioria que ficou do lado dela o fez
mais por tomar as dores da Anahí em relação ao casamento do Poncho do
que pelo que a Maite realmente faz. Eu não tenho a mínima intenção de
dizer que vocês têm que ficar do lado de A ou B, só gostaria de deixar
registrada uma coisa: o problema da Maite é COM O PONCHO, de modo
que não é justo que ela desconte na Sophia, em especial da forma como
descontou, usando o fim do namoro com o Jesse que machuca muito a Soph
ainda (como vimos no cap de hoje). Imaginem que uma pessoa que um dia
foi amiga de vocês pega o que mais te faz sofrer e usa pra te machucar
ainda mais. É muito escroto. O Poncho já aprendeu a lidar com esse
desprezo da Maite, mas a Sophia é muito sensível e convenhamos que ela
não cometeu nenhum crime ficando ao lado dele. Poncho e Sophia são
amigos e tudo o que ela fez foi abrir espaço para a namorada (e depois
esposa) dele porque não achava justo a Diana ser destratada apenas por não
ser a Anahí. Eu super concordo que a Maite está sofrendo o luto dela e que
cada pessoa sofre de um jeito, mas o sofrimento dela não dá o direito de
fazer o que quer e maltratar outras pessoas - nem dela, nem de ninguém. No
fim vai restar pra super Anahí resolver essa treta entre as amigas, porque é
peso demais pro Christian e pra Lexie continuarem carregando.

Enfim, espero que estejam gostando da história! Obrigada pelas estrelinhas


e comentários, continuem dando :)

E só pra deixar vocês felizes: quinta tem Portirroni e AyA! Seria o cap que
vocês queriam? hahahaha <3

Beijos com carinho e até quinta!

Rafa
Capítulo 5 - One day at time

Poncho ficou no hospital naquele dia o quanto pôde. Uma hora Karen
desceu, após ver Anahí, completamente abalada. Tanto ele quanto Ellie
estavam à sua espera, porque sabiam que, como quer que Anahí estivesse,
Karen certamente voltaria não exatamente bem. E foi exatamente assim que
ela apareceu ali: em choque. Karen estava estática, silenciosa pelo que quer
que tivesse visto ou ouvido da filha, e definitivamente não queria tocar no
assunto. Ela seguiu silenciosa pelo caminho, em especial porque Ellie
decidiu lhe dar a privacidade que reputava que ela precisava, não fazendo
perguntas antes do tempo certo das respostas virem. Poncho teve que se
conformar e fazer o mesmo, ainda que tivesse uma enorme curiosidade de
saber o que tinha acontecido andares acima de onde ele estava e
principalmente, por que Karen preferia se manter em silêncio.

Depois de acompanhar as duas até em casa, Poncho seguiu para a própria


realidade. Foi quando ele se lembrou, de verdade, de sua família pela
primeira vez em todo o dia. Fechando os olhos, ele se deu conta de que
Diana não tinha passado pela sua cabeça por todo o dia voluntariamente,
que ele só não apagou a esposa da mente porque ela lhe telefonou, o que de
certa forma o obrigou a se posicionar e explicar os motivos daquele
comportamento impulsivo. Voltar para casa significava sobretudo lembrar
que ele tinha uma família, que Diana e Daniel esperariam por ele, e que
apesar de Anahí estar de volta em sua vida, não havia qualquer semelhança
entre o antes e depois: agora ele era comprometido.

Não era preciso dizer que Poncho estava completamente desgastado e


confuso depois daquele dia pesado. Rever Anahí, saber que ela estava viva,
lidar com tudo – desde consolar Karen até a explosão de Maite – tinha sido
pesado demais para o que ele planejou. Mas ele sabia que a pior parte ainda
estava por vir: chegar em casa e encontrar a esposa, o confronto da fantasia
e da realidade. Porque, se no hospital Poncho vivia como se ainda estivesse
livre para ficar com seu antigo amor, como se pudesse estar ali todos os dias
inteiros ao lado de Anahí, era retornar para sua casa que se lembrava que
havia alguém lhe esperando, que ele já dividia a cama com outra pessoa.

Diana não estava muito diferente. Ela colocou com dificuldade Daniel na
cama, o menino queria porque queria esperar pelo pai, e ela o venceu pelo
cansaço literalmente. Mas não havia cansaço que a derrubasse. Deitada na
cama com o abajur ligado e esperando Poncho chegar, Diana refletia sobre
as palavras de Erendira, que eram como fantasmas em sua cabeça. Não
conseguia parar de sentir a ameaça de que seu casamento poderia estar para
acabar. Ela nunca teve ciúme de Anahí, nunca se sentiu ameaçada ou teve
qualquer intuito de limitar o luto de Poncho, pelo contrário, sempre deixou
que ele o vivesse da maneira que preferia. Porque luto significava que
aquela mulher que fora o grande amor dele estava morta, e ele poderia amar
uma morta e ela simultaneamente com tranquilidade. O problema era a
morta em questão estar viva. O problema eram as palavras de sua cunhada
que diziam que, se Anahí nunca tivesse sumido, Diana não estaria ali.

Mas Anahí sumiu. Diana casou com Poncho. E agora as duas estavam na
vida dele, as duas reclamariam o mesmo espaço... quem iria ganhar? Diana
deveria confiar que a mente do marido que a cunhada reputava como nem
um pouco leviana faria o compromisso dos dois vencer um amor
interrompido e reprimido como o que ele tinha por Anahí? Difícil...

Quando Diana ouviu o barulho da porta se abrindo ela ficou em alerta.


Desistiu de vez de ler aquela revista, ajeitou os cabelos nervosa e ouviu os
passos de Poncho se aproximarem. Viu quando os olhos dele correram pelo
quarto procurando por ela, provavelmente tirando a dúvida se ela estava
dormindo ou não. E o olhar dos dois se encontrou. Poncho enxergou
insegurança nela num sorriso amarelo, Diana viu nele uma apreensão que
nunca tinha visto antes. Provavelmente, ela pensou, porque a mulher que
um dia ele amou até então estava morta...

— Eu não consegui voltar antes – Poncho murmurou – Eu sinto muito...

— Não sinta – ela sorriu, pensando em quais eram as melhores palavras


para serem ditas naquele momento – Dani sofreu mais do que eu. Tive que
bota-lo pra dormir na marra.
— Ele não ta acostumado a dormir sem eu estar em casa – ele bufou – Eu
gostaria de ter chegado mais cedo, mas... Karen estava... eu precisei deixa-
la em casa com a Ellie.

— Como ela está?

— Karen ou... – Poncho murmurou sem dizer o nome da ex.

— As duas – Diana respondeu.

— Eu não vi a Anahí depois que falei com você – Poncho explicou sem
encarar a esposa. Diana, por outro lado, procurava ler cada linha do rosto
dele – A Karen... ela ta abalada. Algo aconteceu que ela não quis dizer pra
mim e pra Ellie. Não sei, elas se viram, ou foi algo na visita ou algo que os
médicos disseram, eu não faço ideia.

— Não deve estar sendo nada fácil pra ela – Diana suspirou constatando –
Imagine achar que a sua filha está morta e de repente...

— Ela foi sequestrada – Poncho murmurou. Ele precisava desabafar – Ela


estava aqui, em Nova York, o tempo todo. A poucos quilômetros. Perto de
mim, de nós, o tempo todo.

Diana rapidamente entendeu que o nós não a incluía, não se referia a ela.
Poncho falava de Karen, dos amigos, dele próprio... não dela. Não como
costumava ser, já que na vida deles o "nós" se referia aos três, a sua família.

— Sim, eu vi na TV – ela respondeu – Passou isso a noite inteira, tive que


lutar pro Dani não ver, porque você sabe como ele é... não paravam de falar
dela... eu fiquei, caramba, nós nunca conhecemos esses casos na vida real.

— Os próximos dias não vão ser fáceis, mas eu não vou deixar que isso
afete vocês – Poncho garantiu – Farei o que for possível, isso não tem a ver
com você e muito menos com o Dani, então...

— Eu não vou trabalhar amanhã – Diana respondeu interrompendo-o – E


não vou mandar o Dani pra escola. É melhor nós dois ficarmos mais
resguardados ao menos por uns dias.
— Eu sinto muito por vocês terem que passar por isso – Poncho bufou
estressado, se sentando na cama cansado. Ela não demorou a se aproximar
dele, acariciando seu rosto e seus cabelos.

— Não se preocupe, você não tinha como imaginar que isso iria acontecer –
ela sorriu lhe passando segurança – Você vai passar por isso, todos vocês
vão. Ela vai ficar bem, vai se recuperar e vai voltar para a própria vida e as
coisas vão encontrar o seu lugar, eu te garanto.

Diana falava cada palavra maquinada, deixando claro que apoiaria Poncho,
que estaria ao lado dele, mas de certa forma tinha uma mensagem embutida
nisso, ela frisava que não o abandonaria, que não abriria mão dele. Diana
realmente acreditava nisso, ela se sentia aliviada ao abraçar Poncho e vê-lo
corresponder e se deixar ser consolado por ela, pensando que fora tola em
achar que ele desapareceria sem mais nem menos. Por mais que Anahí
tivesse voltado, era ela quem ocupava aquele papel na vida dele e, enquanto
ele a quisesse, permaneceria ali, ao lado dele. Diana não iria obrigar Poncho
a deixar a ex de lado, ela sabia da importância de Anahí na vida dele e seria
egoísta pensar somente em si e ignorar aquele detalhe. Então ela respeitaria
aquele momento e aguardaria o seu. Aguardaria Anahí se recuperar e, como
ela própria disse, encontrar seu lugar.

O único problema é que o lugar de Anahí, o lugar que ela procuraria


naturalmente, estava ocupado por outra mulher. E só havia espaço para uma
ali.

xxx

Anahí foi acordada bem cedo para exames laboratoriais e de rotina na


manhã seguinte. Uma nuvem de médicos entrava e saía de seu quarto sem
parar, ela mal conseguia gravar os rostos. A única que conseguia identificar
era a simpática e ao mesmo tempo irônica neurocirurgiã que trabalhava com
Lexie. Nem a outra, que cuidava da parte ortopédica, Anahí gravava o
nome. Médicos demais, enfermeiros demais, exames demais, muita coisa
para alguém que estava voltando a um ritmo de uma vida normal. Uma vida
não vivida há oito anos.
Logo a presença de uma nova médica chamou a atenção dela porque
definitivamente era aquela que a tiraria de sua recém-conquistada zona de
conforto. A Dra. Caitriona Balfe se apresentou naquela manhã bem cedo
como a psiquiatra que cuidaria do caso de Anahí, dizendo que dali a pouco
voltaria para que as duas conversassem. Ela entrou ali com Lexie, a única
pessoa que Anahí conhecia. Lexie naquela manhã tinha voltado às suas
funções no hospital, tanto de cirurgiã quanto de residente-chefe, estava
sobrecarregada, mas ao mesmo tempo completamente disposta a passar
qualquer tempo que fosse com a amiga, em especial agora que a Dra. Balfe
tinha identificado-a como um fator positivo na recuperação de Anahí e
liberado que ela acompanhasse seu tratamento.

Lexie via que Anahí estava mais comunicativa do que no dia anterior.
Ainda falava pouco, e Lexie nem se arriscava a perguntar sobre o tempo
que ela passou sequestrada. Preferia preencher o assunto de coisas mais
agradáveis, então foi com um sorriso no rosto que ela reagiu quando Anahí
perguntou de sua vida.

— Eu vim trabalhar aqui porque minha irmã também trabalha – Lexie


explicou e viu Anahí franzir a testa.

— Molly...? – ela perguntou.

— Meredith – Lexie respondeu – Sim, eu tenho outra irmã além da Molly.


Ela é filha do primeiro casamento do meu pai, no início a convivência foi
difícil, mas hoje nós somos muito próximas.

— Eu sumo e você descobre uma irmã – Anahí riu – E a sua vida amorosa?
Continua destruindo corações?

— Ah, eu estou namorando... – Lexie deu um sorriso fosco – O nome dele é


Jackson e é cirurgião plástico.

— Espero que pessoalmente você pareça mais empolgada do que ta


parecendo agora – Anahí fez uma careta e Lexie arregalou os olhos.

— Não é assim...! – ela negou envergonhada – Eu estou apenas... cansada.


— Quanto tempo eu perdi Lexie? – Anahí perguntou encarando a amiga –
Eu perdi a noção do tempo trancada naquele lugar. Não sei se sumi por
quatro ou quinze anos.

— Oito – Lexie respondeu apertando a mão de Anahí ao ver a expressão de


dor no rosto dela – Mas não vamos pensar nisso, ok? Tem tantas coisas que
você precisa saber, que eu preciso te contar...

— Eu quero ver meus avós – Anahí manifestou – Quero ver a minha mãe
de novo... a Maite... ela não veio me ver?

— Ah, é claro que ela veio – Lexie riu negando com a cabeça – É que a
Dra. Balfe e a Dra. Shepherd acharam melhor que você recebesse poucas
visitas por enquanto, elas queriam avaliar o seu quadro clínico antes. Eu só
estou aqui porque trabalho no hospital, se não... estaria enlouquecendo de
saudade.

— Me conte o que eu perdi – Anahí pediu.

— Donald Trump é nosso presidente – Lexie fez uma careta gigantesca.

— Aquele Trump? O apresentador de reality show...? – Anahí arregalou os


olhos – Que estava mais preocupado com o namoro do Robert Pattinson do
que qualquer outra coisa? Eu não acredito!

— Eu queria não acreditar – ela deu de ombros – Ah... Jesse teve uma filha.
Ela é linda e se chama Samantha.

— Quem é a mãe?

— Uma amiga colorida que ele tinha – Lexie respondeu – Foi logo antes de
ele começar a namorar adivinhe quem? Sophia.

— Ah, eu sempre soube! Sempre soube desse amor! – Anahí disse em tom
de comemoração – Eles estão o que, casados a essa altura, não é?

— Não, eles terminaram – Lexie disse com pesar. Mais parecia que todas as
histórias que ela contava tinham finais infelizes, incluindo a própria e,
evidentemente, a de Anahí – Infelizmente.
— E Mane? Já se declarou para a Maite...? – Anahí perguntou curiosa. Era
outra história de amor que ela tinha, de certa forma, profetizado.

— Não – Lexie negou – Ela até hoje não notou que ele é apaixonado por
ela.

— Por Deus, em oito anos nada evoluiu...? – Anahí suspirou negando com a
cabeça. Como Lexie não deu qualquer resposta, ela acabou fazendo a
pergunta que queria fazer o tempo inteiro – Lexie... e... e o Poncho? Ele... o
que ele fez esses anos todos?

Evidentemente o pânico nadou no corpo de Lexie. Ela sabia que uma hora
essa questão entraria em pauta, que Anahí iria querer saber de Poncho, do
que ele tinha acontecido. Não era possível que todas as vidas tinham andado
naquele longo período do sumiço dela, menos a dele. Mas Lexie não sabia o
que dizer. Não sabia se deveria mentir, se era saudável para Anahí saber da
verdade naquele susto, se, mesmo que fosse, ela era quem deveria dizer...
nada tinha sido decidido, sequer cogitado. Mas agora Lexie tinha que tomar
uma decisão rápida, e o que quer que falasse seria como pisar em ovos,
tinha muito mais chance de sair errado do que de dar certo.

— Dra. Grey? – a voz as interrompeu e, ao Lexie olhar para o lado,


enxergou a Dra. Balfe ali. Salva pelo gongo – Pode me dar algum tempo
com a minha paciente?

Lexie respirou aliviada. Ela nunca pensou que ser interrompida por uma
psiquiatra fosse causar tanto alívio.

— Claro – ela sorriu se levantando – Eu tenho que ir trabalhar de qualquer


forma. Any... eu volto mais tarde.

Anahí não ficou irritada pelo silêncio de Lexie porque sequer cogitou que
ele fosse intencional e que a amiga lutava para esconder algo. Nem passava
pela cabeça dela o modo como Poncho vinha levando a vida, se ele tinha
outra pessoa ou não, ela simplesmente não conseguia pensar e sequer se
sentia no direito de exigir o que quer que fosse. Ficava apenas a
curiosidade, e de certa forma, o medo de ele ter seguido em frente e a
esquecido.
Só que ela não tinha qualquer tempo de ter devaneios sobre seu antigo
namorado. Com a saída de Lexie do quarto a Dra. Balfe entrou com um
sorriso simpático de quem queria conquistar o terreno. Anahí rapidamente
se acuou – ela sabia que aquela médica era psiquiatra e sabia exatamente o
que um médico daquela especialidade significava em um caso como o seu.
E o simples pensar em tudo o que viveu já revirava o seu estômago, era
algo que ela queria evitar... como seria ter que falar?

— Olá Anahí – a Dra. Balfe sorriu para ela – Eu sou a Dra. Caitriona Balfe,
mas você pode me chamar de Cait se quiser.

— É mais fácil – Anahí franziu a testa – Seu nome é... diferente.

— Foi o mesmo que o meu marido disse quando nos conhecemos. Eu


sempre fui Caitriona e de repente aquele escocês loiro com sotaque forte
começou a me chamar de Cait. O resultado? Não consigo mais atender
naturalmente pelo meu nome. Sempre parece que estão brigando comigo.

— Bom, de Caitriona pra Cait tem uma distância – Anahí murmurou ainda
um pouco distante.

— Cait pra você então. Eu sei que o Sam não vai se importar – ela sorriu –
Posso te chamar de Any?

— Não – Anahí negou de cara, se retraindo. Deu pra ver que a reação dela
foi imediata.

— Algum problema? – a médica perguntou, observando a reação dela.

— Any era como minha avó me chamava quando eu era criança, como ela
me chamou a vida inteira... – Anahí murmurou com o olhar vago. Ela não
encarava a Dra. Balfe – E era como ele me chamava. Ele ouviu a minha avó
se referir a mim assim por anos e... quando eu ouvi você me chamar...

— Por ele eu entendo que você se refira ao seu sequestrador, certo? – a Dra.
Balfe perguntou – Qual é o nome dele?
— Tobias – Anahí respondeu finalmente encarando-a. Ela mordia os lábios,
era claro o quanto estava engessada com o assunto – Eu não quero falar
sobre ele.

— Tudo bem – a médica sorriu tranquila – Sobre o que você quer falar
então?

— Eu não sei – Anahí murmurou desconfortável.

— Eu imagino que esse homem não te traga boas lembranças, é evidente –


ela respondeu – E eu não te culpo por isso. Ninguém te culpa. Mas é
importante que nós tracemos o modo como você foi parar lá. A polícia
precisa saber pra investigação e eu imagino que você queira colaborar.

— Eu não lembro – Anahí suspirou tremendo – Eu não consigo me


lembrar... eu tentei, mas... a minha cabeça dói quando eu...

— Tudo bem, nós teremos tempo – ela cortou – Ok, o Tobias não te traz
nada de bom e eu definitivamente não quero forçar a situação já que você
está afetada, nós teremos um longo tratamento pra isso. Que tal falarmos
sobre algo ou alguém que te deixe bem, que te deixe feliz? Quando eu falo
isso... qual é a primeira pessoa que te vem em mente?

Essa era fácil. A constatação em pensamentos fez a expressão de Anahí


rapidamente se afrouxar. A Dra. Balfe gostou daquele aspecto dela, daquela
leveza que via em seu rosto. Quem quer que fosse que ela pensava era
alguém que deveria ficar por perto, porque pelo modo como Anahí parecia
bem, definitivamente ajudaria um tanto em seu tratamento.

O nome veio rapidamente.

— Poncho – Anahí disse sorrindo, respirando aliviada e parecendo


tranquila. Pela primeira vez em muito tempo... algo que parecia ser
felicidade nadava livre por seu corpo.

— Parece ser alguém de quem você realmente gosta – a Dra. Balfe sorriu –
Quem é Poncho?
— Ele era meu namorado antes de eu... – ela interrompeu a si mesma,
mudando o rumo da frase, ao se dar conta do que diria – Eu por vezes me
peguei pensando em como ele estaria. Divagando sobre a vida que nós
teríamos se nada tivesse acontecido, pensando em como ele estava vivendo,
se ainda pensava em mim, se ele ainda lembrava de mim. Eu não achei que
fosse acordar e horas depois ele fosse estar aqui. No rosto dele eu via a
minha emoção refletida. Foi... bom.

— Você achava que ele tinha te esquecido?

— Eu perdi a noção do tempo... lá – Anahí respondeu – Eu não sabia em


que ano estávamos. O Tobias não me deixava fazer nada, e eu não consigo
lembrar de muita coisa, eu... mas eu lembro dele. Eu lembro que eu o
amava, e eu achava que tinha esquecido, é confuso eu sei... mas quando ele
sorriu pra mim daquele jeito quando entrou aqui... tudo voltou. Como se
sempre estivesse aqui.

— E você quer vê-lo? – a médica perguntou – Vai te fazer bem ver o


Poncho?

— Maravilhosamente bem – ela confessou – Mas eu não sei como me


portar em relação a ele. Quer dizer, ele é meu namorado ainda? Se for ele
espera que eu faça algo, não é? Porque... eu não sei como fazer. Eu... eu
tenho medo só de pensar em...

— Anahí, dê seu tempo – ela aconselhou – Ele não vai te cobrar nada, não
se te ama como você parece ama-lo. Faça apenas o que quiser fazer.

Anahí pareceu considerar. Enquanto refletia sobre aquilo, a médica tinha


outra pergunta.

— O que você acha de ver outras pessoas? Sua família, seus amigos...?

— Sim – Anahí respirou tranquila – Eu... eu quero, eu... eu posso? Se não


tiver problema, é claro... porque se tiver eu entendo que...

— O que você quiser – ela respondeu – Se vai te fazer bem, eu vou liberar
algumas visitas. Mas por favor, não se force ok? Se você não estiver se
sentindo bem ou quiser conversar a hora que for...

O critério da Dra. Balfe era bem simples: talvez a presença das pessoas
querida deixaria Anahí mais relaxada e a faria estar mais próxima do que
ela costumava ser antes de todos os horrores que tinha vivido no cativeiro.
Tinha alguma trava que impedia Anahí de lembrar o momento do sequestro,
onde era trancada e outros detalhes que sua psiquiatra já tivera acesso. Mas
estava nítido para ela que evitar o choque era permitir que Anahí lembrasse
por conta própria. Então ela tinha que identificar e testar diversas formas de
fazê-la chegar até o ponto. Quem sabe trazê-la ao convívio dos seus poderia
ajudar, da forma que fosse.

Lexie foi autorizada a avisar os amigos que Anahí estava liberada para vê-
los. Antes que qualquer um chegasse foi dada uma certa prioridade para que
Karen acompanhasse os pais reverem a neta. O momento foi de completa
emoção. Tanto Ellie quanto Arthur, o avô de Anahí, estavam
completamente tocados em vê-la novamente. A própria Anahí chorou
bastante abraçada com a avó, enquanto sentia o avô acariciar seus cabelos,
sentindo o peso da cena que eles nunca acharam que iriam viver. Karen
observava do canto do quarto o momento dos três, feliz por ver sua filha
recebendo o carinho dos avós novamente, sabendo o quanto ela sempre
tinha sido ligada com eles... mas ao mesmo tempo, agoniada com o peso de
uma omissão que ainda tinha. Um detalhe que não tinha mencionado para
Anahí, e que se perguntava qual seria a hora certa de falar. Keith.

Nem Ellie nem Arthur quiseram ficar lá tanto tempo assim, eles sabiam que
Anahí tinha outras pessoas queridas, os amigos de uma vida, que estavam
igualmente ansiosos em vê-la. Quando os três saíram Sophia e Christian já
estavam lá, Maite ainda estava a caminho certamente ansiosa. Lexie avisou
Anahí antes dos amigos entrarem que Mane e Jesse não teriam como
aparecer naquele dia, mas que o restante viria, chegando a hora que
tivessem que chegar. Assim que Sophia colocou os pés no quarto e olhou
Anahí os olhos dela se encheram de lágrimas, Christian quase teve que
deixar de abraçar a amiga para consolar a outra, e no fim os três se
abraçaram juntos, lágrimas para todos os lados, com Lexie sorrindo
encostada na porta com a sensação de quem sabia exatamente o que era
passar por aquilo.
— Desculpe, era pra eu te consolar e estou aqui chorando – Sophia disse
enxugando o olho.

— Não precisa me consolar porque eu não to triste – Anahí disse segurando


as mãos dela – Muito pelo contrário... estar aqui, com vocês...

— O tempo passa e você continua uma tampinha que dá vontade de guardar


num potinho e proteger – Christian disse afagando a cabeça dela, sorrindo
carinhoso – Eu... eu nem tenho palavras pra dizer o quanto eu senti a sua
falta, garota.

— Eu estou na mesma – Anahí suspirou – Mas chega desse papo porque ta


me deprimindo. Fiquei sabendo que uma certa garota que eu costumava
conhecer estava namorando o seu melhor amigo, é verdade...?

Sophia riu. E quem ouviu seu relato e sabia de toda a sua história com Jesse
e o término ainda doloroso demais, se não conhecesse a história, nem
acreditaria se lhe dissessem que ela ainda estava completamente machucada
com o modo como as coisas acabaram. Ela falava com animação, sorriso na
boca e brilho nos olhos do tempo que esteve com ele, de sua relação com a
enteada – a filha de Jesse de quem Lexie tinha falado, Samantha – e
deixava claro por seu relato que, independentemente de como tudo tinha
ficado, ela ainda guardava sentimentos consideravelmente bons e fortes
pelo ex-namorado. Para Anahí, que era extremamente perceptiva, ficou
nítido.

A história e as provocações sobre Sophia acabaram sobrando para


Christian, só que Anahí percebeu que o amigo não tinha mudado em nada e
que ele continuava tão descompromissado como sempre tinha sido na época
em que conviviam. Ele deu um relato completo dos últimos dez homens
com quem tinha saído e Anahí acabou se cansando e mandando-o falar de
outras coisas. Christian então disse da própria carreira, da vida badalada em
Manhattan, mencionou a confeitaria de Sophia da qual ela também falava
com muito orgulho e não deixou de alfinetar a amiga ao mencionar que ela
podia não estar mais com Jesse, mas continuava trabalhando com ele –
como disse, ligados de uma forma ou de outra.
— Engraçado que você ficou sabendo de quase tudo das nossas vidas por
conta de uma certa médica que certamente não contou os próprios podres –
Christian alfinetou – Não é Lexie...?

— Ela falou sobre um cirurgião plástico... – Anahí começou a falar, mas


Christian arregalou os olhos na direção da cirurgiã.

— Mentira que você contou do Mark Sloan...! – ele colocou ambas as mãos
na boca – Então você admite que ainda ama aquele homão...?

— Christian...! – Lexie murmurou vermelha ao limite – Não! Cala essa


boca!

— Ela falou de um tal de Jackson, não Mark – Anahí respondeu olhando de


Christian pra Lexie – Espera, tem dois cirurgiões plásticos?

— Isso você não conta né Lexie? – Christian provocou virando-se para


Anahí – Lexie primeiro pegou o criador e depois a criatura. Ela finge pra si
própria que a criatura é melhor, mas a mim não engana, porque olha meu
amor, Mark Sloan...

— Christian, você ta no mesmo hospital que eu trabalho – a voz de Lexie


saía em súplica – Que eles trabalham...

— Ok – Christian imitou um zíper na boca – Mas que é, é. Você não acha


Soph?

— Desculpe Lexie, sou obrigada a concordar... – Sophia deu de ombros.

— Eu to feita com vocês dois...!

— E eu quero saber tudo sobre Mark e Jackson e todos os rolos possíveis.

Mas não houve como contar. Além de Lexie censurar sem parar os relatos,
morrendo de medo de qualquer pessoa ouvir mais do que deveria, eles
foram interrompidos por uma batida na porta com uma pessoa entrando.
Para o alívio de Lexie não era ninguém do hospital, mas sim Maite. Uma
ansiosa e apreensiva Maite, cujas mãos suavam ante a perspectiva de rever
sua melhor amiga.
Maite não era uma pessoa que gostava de ser melosa. Ela censurava a si
mesma quando ficava emotiva demais, embora fosse uma manteiga por
dentro. Mas rever Anahí depois de oito anos, depois de toda a luta que
havia sido para reencontra-la, quando ela tinha sido a única que acreditava
que a amiga ainda estava viva...? Nesse caso não haveria censura. Então,
assim que as duas se encararam, tal como tinha sido com Sophia, com
Karen, os olhos de Maite se encharcaram. Não melhorou quando Anahí
estendeu os braços sorrindo e chamando-a para um abraço.

— Vem cá sua bandida – Anahí murmurou – Não me deixe mais nem um


minuto com saudade de você.

Mordendo os lábios mais do que nunca, mas não resistindo à imensa


vontade de chorar causada pela emoção que recheava seu corpo, Maite
ignorou todo o resto e abraçou Anahí assim que parou na frente dela. As
duas logo em seguida estavam chorando como duas meninas, ao mesmo
tempo que sorriam. Parecia uma chuva que gerava um arco-íris logo em
seguida. Elas ficaram alguns minutos daquela forma, até Lexie censurar
dizendo que Anahí não podia ficar por tanto tempo assim naquela posição
dada à cirurgia do dia anterior. Mas Maite não soltou as mãos dela, nem
tirou o sorriso emocionado dos lábios.

Rapidamente Sophia se sentiu desconfortável com a situação. Ela e Maite


provavelmente não podiam mais ser chamadas de amigas, tinham sido
tantas brigas, tantas mágoas e tudo tão mal resolvido... talvez Maite
quisesse um momento à sós com Anahí. Ao pensar isso ela fez menção a
levantar, mas sua cadeira estava próxima demais à cama de Anahí e a amiga
mostrou que seus reflexos estavam intactos ao segurá-la pelo braço
impedindo-a. Sophia franziu a testa, até a própria Maite o fez, mas Anahí
rapidamente explicou.

— É melhor dar um tempinho pra vocês ficarem a sós... – Sophia


murmurou, mas viu Anahí negar com a cabeça.

— Eu queria todos vocês juntos – ela pediu – Vocês se importam?

Antes podia até ser que eles se importassem... mas agora, diante de Anahí,
todos poderiam fazer um esforço.
Chegava a ser inacreditável que todos eles estivessem reunidos novamente
no mesmo quarto rindo como faziam anos antes. Lexie não pôde ficar o
tempo todo porque foi bipada, mas no tempo que esteve ali se sentiu feliz e
grata porque não se lembrava da última vez que esteve ao lado daqueles
quatro naquela paz. Mais de oito anos. Agora não parecia que Sophia e
Maite estavam brigadas, não parecia que em todo aquele tempo que se
passou Anahí não esteve ali, mais parecia que eles tinham vinte e poucos
anos novamente, que estavam no fim da faculdade, começando a vida em
Nova York. Era como se o tempo nunca tivesse passado.

Quando Poncho chegou e parou na porta do quarto ele teve a mesma


sensação de nostalgia que Lexie sentiu, a qual Maite, Christian e Sophia
sequer conseguiam notar, já que estavam, com Anahí, mergulhados naquele
ambiente gostoso. Poncho gostou de ver aquilo, mas, sobretudo, de ver
Anahí bem e sorridente, muito mais leve do que a garota amedrontada que
ele encontrou no dia anterior. Ele viu a Anahí que ele conhecia antes. Viu a
mulher que ele costumava amar, se dando conta que ela ainda estava viva
dentro da que estava ali em sua frente.

Anahí mudou depois que Poncho chegou. Ela ficou mais reticente, menos
natural, totalmente nervosa. Um a um os amigos foram saindo dali.
Primeiro Sophia, depois Christian, e ele voltou logo em seguida para
arrastar Maite ao se dar conta que ela não deixaria Anahí sozinha com o
antigo namorado. Com muito custo a morena se despediu de Anahí, um
abraço longo que ela não percebeu, mas que a amiga correspondeu
encarando Poncho diretamente. Esperando pelo momento que eles
finalmente ficariam sozinhos.

E o momento chegou.

— Você ta melhor – Poncho constatou sorrindo e se aproximando, sentando


na cadeira que antes estava Sophia – To vendo pelo seu sorriso.

— Recebi boas visitas – Anahí respondeu mordendo os lábios.

— E pelo visto te fizeram muito bem – ele segurou as mãos dela encarando-
a – Se soubesse disso deixaria pra vir em outro momento, pra quem sabe
renovar esse seu sorriso quando você estiver mais sozinha.
— Não, eu... eu gostei de você ter vindo.

Dois corações confusos. Anahí não sabia como agir, tinha medo de pisar em
falso, ela não sabia mais estar em um relacionamento. Poncho sabia
exatamente como deveria reagir – provavelmente como seu coração
mandava... ele só não sabia se deveria.

Na dúvida, sempre vai o sim. O talvez de Poncho não teve tanto espaço,
porque ele, próximo a Anahí e fazendo carinho em seu rosto, não esperava
que ela tomasse qualquer iniciativa. A própria Anahí não sabia ao certo o
que fazer, ela ainda tinha medo demais, ainda sentia as dores das cicatrizes
mais vivas do que nunca, só que algo dentro dela a empurrava para fazer
aquilo, ela queria, precisava. E faria.

Devagar, dando todo o tempo do mundo para a falta de coragem a impedir –


o que não aconteceu – Anahí se aproximou do rosto de Poncho e entortou o
seu, fechando os olhos. Ela não o viu fugir. Não o viu se afastar. Pelo
contrário, enquanto sentia o coração bater tão rápido quanto conseguia, ela
sentiu seus lábios se encostarem no dele, fazendo a única coisa que sabia
que era certa em sua vida.

Diana no fim tinha razão... algumas coisas realmente estavam encontrando


o seu lugar.

Enfimmmmmmmm AyA e Portirroni! Era o que vocês queriam? Espero


estar à altura das enormes expectativas que vejo nos comentários daqui!

Provavelmente vocês não esperavam que a Anahí tomasse a iniciativa de


beijar o Poncho, ainda mais tão rápido. Ela fez algo de maneira impulsiva,
porque não sabe que ele ta casado e porque de certa forma a conversa com a
Cait dá uma "carta branca" pros sentimentos dela. A descoberta da Diana e
do Dani ta vindo, ta bem próxima, e é claro que vai ser difícil pra Anahí,
mas ao mesmo tempo vai ser uma escalada porque não é nem de longe o
golpe mais duro que ela vai sofrer na web (tendo em vista inclusive as
coisas que ela já sofreu e não lembra).
Queria agradecer a todo o carinho que venho recebido nos comentários e
dizer que to mt feliz com o modo como vcs estão encarando a história e
principalmente, encarando a Diana. A ideia era fazer uma personagem que
vcs gostassem porque sem isso ninguém iria entender o dilema do Poncho
de ter que escolher entre as duas mulheres que ele ama e amou. Repito o
que eu disse: Diana não é uma vilã, ela é uma personagem boa e legal e se
fosse a má, abusiva e pegajosa, a história ficaria menos interessante a meu
ver, porque tornaria tudo mt fácil pra AyA hahahaha.

No capítulo de hoje já vimos a Anahí mais ambientada entre os amigos.


Aos poucos ela vai saber sobre as histórias da Lexie, da Sophia e da Maite e
isso vai dar a oportunidade de vocês saberem também e de entenderem
melhor cada uma das personagens.

Nos vemos na segunda!

Beijos,

Rafa

P.S.: vejo vocês nas estrelinhas e nos comentários! <3


Capítulo 6 - Inevitable

Entre a teoria e prática existe uma vida no meio, quase literalmente falando.
As ideias estão ali praticamente concretas até efetivamente se
concretizarem. A experiência diz que o que se pensa não é o que acontece,
mas isso não impede ninguém de fantasiar. Não impede ninguém de criar
expectativas sobre coisas que eventualmente jamais vão acontecer.

Só que algumas vezes elas aconteciam.

Sentir Anahí tocando seus lábios com os dele foi como um bálsamo que
Poncho nunca mais esperou sentir, mas não faltaram as cenas em sua mente,
sempre em seus sonhos, acordado ou dormindo, onde aquilo acontecia. Ele
se acostumou em reviver Anahí nas lembranças e dar continuidade nos
pensamentos, em áreas que ela não existia, mas agora ela estava ali,
materializada em sua frente, beijando-o da forma que ele nunca mais
esperou ser beijado.

Anahí era delicada e, sobretudo, estava traumatizada, ela não daria um beijo
avassalador em Poncho porque tremia da cabeça aos pés em pensar em um
contato mais íntimo, qualquer que fosse, minimamente intenso. Mas ela
sentia falta dos beijos dele, sentia falta da conexão que sentia quando o
beijava. Por isso ela procurou os lábios dele, primeiro roçando com os seus
e depois, efetivamente beijando-o e esperando ser beijada de volta. Poncho
primeiro sentiu um choque, eles tinham se reencontrado, mas ele estava tão
estático com as emoções e o frenesi de tê-la de volta em sua vida, de ela
estar viva e de imaginar tudo o que Anahí poderia ter passado, que ainda
não tinha cogitado nada íntimo daquele jeito, nada que os botasse no
patamar que estavam antes dela desaparecer. Então ele não se preparou para
uma Anahí que se aproximou, segurou a nuca dele com sutileza e uniu a
boca à sua.

Mesmo sem preparação, os sentidos de Poncho acordaram naquele


momento. Suas mãos ganharam vida. Foi como se algo adormecido dentro
dele há muito, muito tempo, acordasse de repente. Era brusco. Aquele frio
na barriga, aquele arrepio na pele, ele não tinha há muito tempo. Anahí não
tinha mais o cheiro de antes, pudera, ela estava num hospital agora... mas o
calor de seu hálito, o toque gentil, a velha mania dos dedos enroscarem no
cabelo dele, a textura da pele, todo o resto era igual, assim como a velha
sensação que ele despertava nela. Poncho não escolheu corresponder ao
beijo dela, ele simplesmente correspondeu. Não foi algo pensado ou
maquinado, tudo o que aconteceu foi que ele a trouxe para si preenchendo o
que faltava de espaço entre eles e intensificou aquele beijo, deixando claro
que podia ter passado quanto tempo fosse, mas eles continuariam sendo
eles.

— Ah Poncho...

Anahí falar aquilo foi a rendição de Poncho. Ele segurou a nuca dela sem
força, porque sabia que não podia ser feroz demais com ela, mas não tinha
como não ser intenso como eles costumavam ser. Sentiu Anahí desmanchar
em seus braços conforme sua língua roçava na dela. Seu coração batia tão
forte que parecia que iria pular para fora do peito, e de repente ele percebeu
o que tinha faltado em sua vida naqueles oito anos: aqueles sentimentos,
aquele beijo, aquele amor, aquela mulher...

Eles só não continuaram porque a paixão falou mais alto que a razão e
Poncho apertou Anahí demais em seus braços, de modo que ela se esquivou
num susto. Foi o que o acordou para a nova realidade: Anahí não era mais a
mulher que ele prensava contra uma parede do box, não era mais a garota
que ficava marcada depois de uma noite selvagem de sexo, e provavelmente
nunca mais seria. Nem ele era o mesmo. Tinha coisas que os separavam e
ela sequer sabia disso...

— Desculpe... – Poncho murmurou vendo o medo nadar pelos olhos azuis


dela – Me desculpe, eu... eu não...

— A culpa é minha – ela imediatamente falou, pálida como a neve – Eu não


deveria...

— Shhhhh – Poncho a abraçou beijando a sua testa – Você não é culpada de


nada. Pelo contrário, o errado sou eu. Eu deveria ter cuidado de você. Eu
nunca deveria ter parado de te procurar.
— Você não tinha como saber – Anahí respondeu, mas ainda estava
trêmula. Foi ao senti-la assim que Poncho segurou suas bochechas e o fez
encarar.

— Olhe pra mim – ele pediu, fazendo-a encara-lo – Eu não sou ele. Eu
nunca vou te machucar.

— Eu sei – Anahí murmurou – Mas os meus sentidos não sabem.

— Eu vou proteger você – Poncho garantiu – Eu não vou deixar que nada te
aconteça. Eu prometo...

Em outros tempos, ele bem sabia, Anahí devolveria aquilo com uma
resposta à altura. Diria, com certo tom de sarcasmo, que ela não precisava
que ninguém cuidasse dela. Aquela resposta não viria, como também não
vinha de dentro dela a força que ele estava acostumado a perceber. Pelo
contrário, Anahí apenas deixou entrar no abraço dele, respirando ainda
entrecortado, enquanto ele acariciava o cabelo dela sentindo um imenso
aperto no peito de quem faria qualquer coisa para tirar todos os traumas que
ela tinha vivido, livra-la os fantasmas que a assombravam pelos oito anos
que aquele maldito homem tinha destruído a vida dela.

Se a Anahí de antes visse a de hoje daquela forma, ficaria irritada por se


sentir fraca e impotente. Mas Poncho sabia que não era uma questão de
fraqueza, ela era apenas frágil. Tinha passado por momentos difíceis, mas
se fosse fraca como antes certamente julgaria não teria sobrevivido. E ela
estava ali, viva e, apesar de ainda em pedaços, em algum ponto de vista
inteira. Ele iria ajuda-la a recolar cada um daqueles pedaços e buscar por si
mesma. Talvez nunca voltasse a ser a mulher que um dia fora, já que aquela
Anahí do passado não tinha sido estuprada, espancada e deixada em
cativeiro por anos a fio. Mas de alguma maneira Poncho estava disposto a
fazê-la lembrar e reencontrar a força que tinha dentro de si. De alguma
maneira, como uma fênix nascida das cinzas, Anahí encontraria um modo
sobrevivente de ser e tiraria algo positivo daquilo. Ela seria ainda mais forte
e mais lutadora do que era antes. Ela era uma vencedora, e ele ajudaria a
enxergar aquilo na hora certa, não importava quanto tempo demorasse.
Só tinha uma falha no plano: a aliança que estava dentro do bolso dele, que
ele convenientemente guardou porque não era hora de dizer que o passado
era passado e que agora ele era casado.

Poncho sabia que cedo ou tarde teria que contar a verdade a ela, falar de
Diana e Daniel, mas não sabia qual era o melhor momento. Ele não entrou
no quarto sem aliança pretendendo beija-la, apenas não deixa-la descobrir
da pior maneira possível, num momento em que ainda estivesse frágil
demais. Provavelmente conversaria com os médicos, quem sabe com
Karen, e encontraria o melhor momento. Treinaria as palavras mil vezes,
certamente, mesmo sabendo que na hora sairia tudo fora dos planos. Ele
não tinha como adivinhar que Anahí o beijaria daquela forma. Ele esqueceu
que, para ela, as coisas permaneciam meio inalteradas, que ele não tinha lhe
dito que não a esperou e que ela achava que poderia beija-lo sem qualquer
critério.

Sem querer, pretendendo acertar, Poncho conseguiu deixar tudo


completamente ainda mais bagunçado do que antes.

Para completar, Maite estava lá. Se Anahí não tinha percebido a questão da
aliança, é lógico que sua melhor amiga não iria deixar passar.

Poncho se aproximou dela disposto a uma bandeira branca. Só Deus sabia o


quanto era difícil cogitar entrar em um período de trégua com Maite – ele
ainda estava rancoroso pelo modo como ela o tratou e o julgou em todos
aqueles anos – mas Anahí valia o esforço, ela precisava que todos eles
estivessem unidos em favor dela, ajudando-a em sua recuperação. Focando
nisso Poncho caminhou até a morena, mas ela tinha os braços cruzados e
um sorriso irônico no rosto.

— Olhe, eu realmente queria conversar com você sobre a An... – Poncho


começou a falar, mas bastou abrir a boca para Maite corta-lo com a rapidez
habitual.

— Sua esposa sabe que você anda tirando a aliança pra visitar a sua ex...? –
ela ironizou.
Imediatamente Poncho perdeu a fala, esquecendo completamente o que iria
falar. É óbvio, o rancor que ele lutava para controlar voltou com força total.

— Maite, você não tem nada com a minha vida – Poncho devolveu
grosseiro. Ela arqueou as sobrancelhas.

— Não quero ter a ver, querido – ela grunhiu – A sua vidinha perfeita, feliz
e plena pouco me importa. Eu me preocupo com a minha amiga, com o fato
de você estar iludindo-a e pelo visto não ter dito que tudo o que planejou
fazer com ela, fez com outra.

— Eu só vim aqui falar do bem estar da Anahí, porque eu imagino que isso
te interesse – Poncho respondeu – Mas pelo visto não dá pra ter uma
conversa civilizada com você.

— E te interessa por um acaso...? – Maite voltou a ironizar – Imagine o


quão bem ela vai ficar quando souber do seu projeto perfeito de família feliz
com a querida Diana...!

— Não que eu te deva satisfações, mas eu só não disse pra ela porque não
quero deixa-la abalada – ele bem que tentou se defender, mas era óbvio que
ela não iria aceitar.

— Realmente, quando você engravidar de novo sua esposinha amada e


querida e a Anahí estiver supostamente recuperada vai adorar saber disso!

Poncho e Maite eram duas frentes se colidindo e tinha muito ressentimento


envolvido naquela história. Ela sempre seria contra o modo como ele
escolheu seguir a vida, se já era assim antes o reaparecimento de Anahí só
fez tudo piorar. Por sua vez, aquela reprovação de Maite fazia nascer em
Poncho um enorme rancor, nutrido por anos e que agora explodia. Eles
teriam brigado eternamente, ela jogando na cara dele seu casamento, ele
devolvendo com a mesma agressividade. Teriam, se o celular de Poncho
não tivesse tocado e, no calor da briga, ele atendesse sem sequer olhar o
visor.

— Alô? – Poncho perguntou nervoso, fechando os olhos para não ver a cara
de deboche de Maite e se enfurecer ainda mais.
— Poncho? – a voz de Diana falou – Você ta podendo falar?

— Sim Diana, eu posso – Poncho respondeu – O que aconteceu?

A ligação de Diana foi a gota d'água para Maite. Sem se preocupar se


Poncho estava no telefone com a esposa – pelo contrário, usando aquilo a
seu favor – ela continuou a falar, quem sabe para fazer com que a outra
ouvisse.

— Ah, é a Diana...? – ela perguntou desdenhando – Anda, diz pra ela! Diz
que a sua aliança fica no bolso quando você entra no quarto da Anah...

— Maite, cala essa boca – Poncho resmungou caminhando em passos


largos, se afastando tanto quanto podia.

— Quem ta falando aí? – Diana franziu a testa – Eu ouvi meu nome, mas
não entendi nada.

— Maite – Poncho explicou bufando – Ela ta irritada. Que seja. O que


aconteceu?

— É que... – ela suspirou – O Dani ta com febre. E ele ta pedindo por você.
Eu não queria ter que te chamar, eu não quero te atrapalhar, mas eu liguei
pra pediatra e ela disse que provavelmente é emocional. Ele ta com saudade
de você, perguntou por você o dia todo... não ta entendendo porque não foi
pra escola, porque eu não fui trabalhar e porque você não ta aqui.

Era óbvio. Dani era completamente agarrado ao pai, completamente


apegado a Poncho, era com ele a sua rotina diária. Dois dias de ausência e
essa rotina completamente modificada, Diana em casa e não Poncho, era
suficiente para bagunçar a cabeça do menino. Poncho rapidamente fechou
os olhos repleto de culpa. Enquanto ele se preocupava em ajudar Anahí, seu
filho sentia sua falta. Ele imaginava o quão confuso Dani não devia estar, o
que andou pensando. Provavelmente imaginou que algo acontecia entre os
pais, talvez que eles fossem separar e o pai não fosse estar ali. Olhando ao
redor, Poncho se deu conta que, por mais que Anahí precisasse dele,
naquele instante seu filho precisava ainda mais e era a isso que ele deveria
dar prioridade. Anahí, de toda forma, tinha Maite, tinha Karen, tinha todos
os amigos dele. Por outro lado, Poncho era o único pai que Dani tinha. Era
o seu dever.

— Não se preocupe – Poncho respondeu com firmeza – Eu estou indo pra


casa.

xxx

Daniel estava com o corpo molinho e um tanto dengoso quando o pai


chegou, se sentando ao seu lado na beira da cama. Diana como sempre
ficava quando o filho ficava doente, parecia nervosa e consternada, andando
de um lado para o outro. Ela só se acalmou quando o marido apareceu ali
com um sorriso cansado e o filho se aconchegou em seus braços. De
repente não parecia mais que todo o peso do mundo estava em suas costas,
Poncho estava ali para que eles dividissem.

— Oh meu amor, o que você tem...? – Poncho perguntou carinhoso


acariciando a cabeça do filho – Está tudo bem Dani. Eu estou aqui.

— Eu tava com saudade – o menino explicou encostando a cabecinha no


ombro do pai enquanto o abraçava – Tava com medo de você não voltar pra
casa. De você não me amar mais.

— É claro que eu voltaria – Poncho o tranquilizou – Eu sempre vou amar


você Dani.

— É que... – Dani esfregou o olho – Ontem quando eu fui dormir você não
tinha chegado. E hoje eu acordei e você já tinha saído. Eu não fui pra
escola, a mamãe não me deixou ver TV, você não chegava...

— Shhh, está tudo bem – Poncho beijou a testa dele – É que... eu tenho uma
amiga que está muito doente. Você não a conhece. Ela está no hospital com
problemas, e eu estou tentando ajudar.

— Mas eu to dodói também – Dani fez um bico ao falar – De mim você vai
cuidar?
— Claro que sim – Poncho garantiu – Eu sempre cuido de você. Dessa vez
não vai ser diferente.

Poncho rapidamente percebeu que teria que dar um jeito de conciliar as


coisas. Anahí era tremendamente importante em sua vida e ele daria todo o
seu tempo para ela, mas não podia esquecer que Dani era seu filho. Sua
ausência estava machucando o menino. Enquanto o colocou no colo e após
dar um antitérmico, acompanhando pelo termômetro a febre baixar, ele
deixou o filho se escorar em seu corpo e leu um capítulo de um livro que
tinha começado alguns dias antes. Dani não demorou muito a dormir,
Poncho ficou ali ainda algum tempo acariciando os cabelos dele e velando
seu sono, pensando que, no dia seguinte, não poderia simplesmente sair de
casa de manhã sem mais nem menos. Ele passaria algum tempo com o
filho. Não queria dar a ele a impressão errada de que iria abandonar sua
família. Porque, mesmo com a chegada de Anahí, não era algo que ele
pretendia fazer.

Diana estava à sua espera, tal como na noite anterior, quando ele voltou.
Com Dani dormindo e a temperatura baixando, ela ficava mais tranquila.
Estava passando um creme nas pernas quando Poncho entrou no quarto com
a mesma aparência de cansaço de um dia atrás. Para completar, a expressão
no rosto dele não a enganava: Poncho estava repleto de culpa.

— Você não tinha como adivinhar – Diana disse encarando-o – A febre


dele. A culpa não é sua.

— De certa forma é – Poncho bufou sentando na cama e passando a mão


nos cabelos – Se eu estivesse em casa, ele não estaria assim.

— Mas se você estivesse a sua cabeça estaria lá o tempo todo – ela


respondeu compreensiva, colocando a mão sobre a dele e acariciando – Está
tudo bem. Dani é criança, por isso ele não entende, mas agora ela precisa de
você. Aos poucos as coisas vão voltar ao normal.

Isso era para aliviar Poncho, mas apenas o fez se sentir ainda mais culpado.
Diana não sabia do beijo entre ele e Anahí e dava todo o apoio possível para
o marido continuar dando suporte à ex. E ele não podia simplesmente dizer
a verdade para ela, não quando seus sentimentos ainda estavam confusos e
daquela confissão viriam perguntas para as quais ele não tinha as respostas.
Poncho pretendia sim, contar a Diana o que aconteceu entre ele e Anahí,
mas quando ele soubesse exatamente o que fazer, quando conseguisse tomar
uma decisão entre a ex e a esposa. A confissão viria acompanhada do
comunicado a respeito do que ele tinha decidido para guiar sua vida. Ele
contaria a verdade daquela noite dizendo, em definitivo, se ficaria com ela
ou se voltaria para Anahí. E não teria volta.

Só que havia algo que ele podia falar.

— Eu não contei de você e do Dani para a Anahí – Poncho revelou, fazendo


Diana arregalar os olhos.

— Não...? – foi tudo o que ela conseguiu perguntar. Não sabia exatamente
como reagir, muito menos como se sentir diante do que ele disse.

— Não – Poncho respondeu – E era isso que a Maite estava gritando na


hora que você ligou. Ela viu que eu entrei no quarto da Anahí sem aliança e
ficou furiosa.

— Você não quer que ela saiba que eu existo...? – Diana parecia um tanto
estupefata.

— Eu não sei se é o melhor momento para contar – ele explicou – Ela está
muito abalada ainda. Eu não sei exatamente o que ela viveu dentro daquele
cativeiro, e bem... vão ser muitas mudanças. Karen também não contou do
Keith ainda. Nós estamos dando tempo ao tempo.

— O que isso significa? – ela perguntou, respirando pesadamente – Você


pretende contar?

— É claro que sim – Poncho respondeu de imediato – Eu... eu ainda não


encontrei o momento ideal. E se eu entrasse de aliança no quarto, ela veria
tudo e concluiria. Não sei se essa é a melhor maneira de descobrir.

Diana realmente naquele momento poderia criar uma crise sem precedentes,
mas agora que Poncho se explicava tudo o que ela conseguia pensar não era
na própria situação e sim na de Anahí. Ela se colocava no lugar daquela
mulher, colocada em cativeiro por oito anos, abusada sexualmente por um
homem, e agora chegava a um hospital sem lembrar direito o que aconteceu
e descobrindo bruscamente que o homem que amava estava casado com
outra mulher, não estava mais livre para ela. Seria um choque e tanto. Para
ela era impossível não ter um pingo de empatia. Só de pensar no que Anahí
não tinha sofrido deixava sua boca seca. Ela não podia ser egoísta de achar
que Anahí deveria saber dela e de Dani apenas para marcar terreno sobre
Poncho. Definitivamente havia coisas mais importantes naquela história.

— Você sabe que uma hora ou outra ela vai ter que saber, não é? – Diana
perguntou num suspiro – Vai ser difícil quando acontecer, de um jeito ou de
outro.

— Eu sei – Poncho confirmou – Eu apenas quero que ela esteja mais


estável. Você entende?

— Sim, entendo – ela concordou – Realmente entendo. É só que... eu não


consigo sugerir algo que não a deixe completamente machucada. Não sei o
que te dizer.

— Tudo bem, não precisa – Poncho a abraçou de lado – Obrigado por ser
compreensiva. E desculpe a ausência.

— Olha, eu não quero atrapalhar essa recuperação da sua ex-namorada,


mas... desculpa Poncho, o Dani é nosso filho – Diana suspirou – Eu jamais
o usaria para prender você. É só que... eu realmente fiquei preocupada hoje.

— É claro – Poncho segurou as mãos dela – Não se preocupe. Eu não vou


desaparecer de novo. Vou conciliar tudo isso. Amanhã eu não vou pro
hospital. Eu vou ficar com ele o dia todo, porque se eu sair de casa de novo
ele já vai pensar bobagens outra vez.

— Me desculpe por ter que pedir isso...

— Você não está pedindo nada de mais – Poncho garantiu sorrindo – Como
você disse, ele é nosso filho. Ele é prioridade.
O filho sempre acabava sendo mais importante, sempre acabava passando
na frente nas necessidades dos pais... até mesmo quando essa necessidade
de seu pai era estar ao lado de uma mulher que ainda mexia com ele muito
mais do que poderia mensurar.

xxx

Lexie já tinha convencionado naquelas manhãs de Anahí no hospital que,


antes de resolver suas burocracias como residente-chefe e as atividades
costumeiras de cirurgiã no último ano da residência, ela passaria ao menos
meia hora no quarto de Anahí. Naquela manhã levava revistas para a amiga
se distrair, já que, na noite anterior, a Dra. Balfe havia autorizado. Era uma
tentativa de fazer Anahí reencontrar a si mesma, de deixa-la distraída e não
dependendo exclusivamente das visitas para ter o que pensar.

Já fazia dois dias desde que Anahí beijara Poncho. Desde então ele não
voltou a visita-la. Anahí confidenciou aquilo no dia seguinte à Lexie,
revelando que achava que ele talvez fosse tentar lhe dar espaço. Disse
também que estava tentando mentalizar que ele não era Tobias, que ela não
tinha por que reagir daquele jeito a qualquer movimento mais brusco, e que
estava ansiosa pela próxima visita. Só que essa visita em questão não veio.
Lexie não sabia se isso era bom ou ruim, via Anahí ansiar pela chegada do
ex e ele não aparecer, e com isso dois dias haviam se passado e ela só sabia
ficar mais confusa sem entender a razão de ser daquele sumiço repentino.

Através de Sophia, Lexie descobriu que Dani era o motivo por trás do
sumiço de Poncho. Depois da febre emocional, o menino acabou pegando
um resfriado de verdade e isso atarefou seu pai, que não teve coragem de
deixa-lo. O problema é que ninguém podia dizer a verdade para Anahí.
Lexie e Sophia trataram de enrolar a situação dizendo que provavelmente
ele estava tentando dar espaço a ela, sob o olhar reprovador de uma Maite
que, se dependesse unicamente da própria vontade, já teria dito a verdade
para a amiga. Como era voto vencido ela apenas se calava, olhando torto
para as outras duas. Lexie resolveu dar fim àquilo e usou as revistas como
uma forma de fazer os pensamentos de Anahí rumarem para outra direção
que não fosse Poncho.
Por isso, naquela manhã, mais uma vez ela chegou cedo, trocou de roupa e
rumou para o quarto da amiga munida pelas revistas, colocando o bipe no
bolso. Mas eis sua surpresa quando, ao chegar no quarto, se deparou com
Callie prestes a entrar nele. Nenhum problema haveria, se ela não estivesse
acompanhada de Mark Sloan.

Ops...

— O que vocês estão fazendo aqui...? – ela perguntou franzindo a testa sem
entender.

— Grey, eu sou cirurgiã da sua amiga, esqueceu? – Callie disse com ar de


riso – Vim examina-la porque pretendo fazer a cirurgia de realinhamento da
perna amanhã, caso ela e a família estejam de acordo.

— E eu resolvi auxiliar a Torres pra garantir que a Anahí não tenha uma
cicatriz horrorosa na perna – Mark disse encarando Lexie diretamente –
Afinal, não queremos que a moça fique ainda mais traumatizada, não é?

— Ah – Lexie disse ainda encarando o ex, sem entender.

— Mark está profundamente preocupado com o bem estar da sua amiga –


Callie murmurou irônica – E eu não consigo entender por quê...!

O sarcasmo na voz de Callie era gritante, Lexie entendeu exatamente o que


ela quis dizer. Certamente para ela tinha ficado nítido que o interesse de
Mark em participar daquela cirurgia era somente se aproximar de Lexie.
Não era de se estranhar, considerando o modo que o cirurgião plástico a
encarava naquele momento, como se fosse quase perfura-la de tanto
interesse. Em outros tempos Lexie se incomodaria com aquele olhar tão
intimidador, mas agora simplesmente não ligava. Mark tinha sido bom com
ela dias antes, atencioso de uma forma que ela não poderia esperar. A fez
perceber que ela não precisava temer uma proximidade dele. Os dois
estavam bem um com o outro e ela acabou percebendo que, mesmo não
querendo se envolver com ele novamente, de alguma forma ela sentia falta
de sua presença. E não era ela quem iria cortar dessa vez.
— Eu vou entrando pra adiantar o assunto com Anahí e a mãe dela – Callie
disse adentrando o quarto – Grey, você pode ir passando os detalhes do caso
pro Mark, não é?

— Você vai operar com ele, então eu pensei que... – Lexie começou a falar,
mas Callie não lhe deu chances de recusar.

— Ande, vamos lá – Callie riu – Ninguém nesse hospital sabe os detalhes


desse caso mais do que você.

Lexie honrava o apelido Lexipedia naquele ponto. Ela riu da observação de


Callie e Mark riu junto. Do lado de fora do quarto, após uma breve troca de
olhares entre ela e Mark, ela assumiu o lado profissional e explicou o caso.
O viu fazendo o mesmo, ficando sério e sugando cada detalhe do que ela
dizia. Era bom trabalhar com Mark novamente, era algo que ela sentia falta,
de aprender com ele, de ver seu talento na plástica... talvez aquela
reaproximação que Anahí sem querer tinha proporcionado aos dois viesse a
calhar para muito mais do que ela poderia esperar.

Do lado de dentro, Callie não teve problemas em convencer mãe e filha


daquela cirurgia. Seria no dia seguinte, já que a agenda da cirurgiã
ortopédica estava lotada. Anahí estava ansiosa para fazê-la, eis que a parte
ortopédica era o que a prendia no hospital. Meredith, a irmã de Lexie, já a
liberara de eventuais riscos de hemorragias; Amelia idem, e o tratamento
psiquiátrico com a Dra. Balfe independia da internação e continuaria por
muito tempo. Uma vez aquele realinhamento sendo realizado e Anahí se
recuperando, ela voltaria para casa... e finalmente conseguiria seguir com a
própria vida.

No fim das contas, logo depois de atualiza-lo dos casos, Lexie entrou com
Mark no quarto e o apresentou a Anahí. Mark como de costume se gabou e
se exibiu, não percebendo, contudo, o olhar de análise de Anahí de quem
apenas dava rosto ao nome que já conhecia. Logo os dois saíram, Karen foi
tomar café enquanto Lexie estava ali, e enquanto a cirurgiã entregava à
amiga as revistas que comprou para ela, Anahí aproveitou para perguntar o
que realmente queria saber.

— O Poncho... – ela começou a falar – Você sabe dele?


— Ah... não – Lexie franziu a testa disfarçando o nervosismo – Eu não falei
com ele esses dias. Ontem saí daqui tarde porque estava em cirurgia com a
Dra. Shepherd e hoje tudo o que fiz foi ir à banca de jornal comprar as suas
revistas. Sequer tive tempo!

Com Lexie não tinha funcionado, mas Anahí não desistiu. Havia uma
promessa de visitas naquele dia. Além de Sophia, a primeira a chegar, quem
apareceu ali foi Mane, que não tinha treino naquela tarde e aproveitou para
dar uma passada no hospital. Ele e Anahí, que nutriam um carinho muito
grande um pelo outro, deram um abraço forte e saudoso.

— Quer dizer que você ainda não se declarou para a Maite...? – Anahí
disparou e viu Mane arregalar os olhos – Mane, são oito anos...!

— Ela não quer saber de mim – ele deu de ombros – Ta em outra, ainda ta...
e eu prefiro ser amigo a não ser nada.

— Que outra? – ela perguntou olhando para ele e, depois, para Sophia.

— Ela vai ter a chance de te explicar com calma depois – Sophia disse
piscando.

— Hum, entendi, é que... ela não falou nada – Anahí suspirou virando-se
para Mane novamente – Mas se ela não tem namorado, você não tem
desculpa! Mane, ela precisa saber. Vai viver a vida inteira guardando isso?
Não pode! Uma hora explode...!

— Anahí... – Mane riu negando com a cabeça – Você não mudou nada.

Ela tinha mudado, em muitas coisas, mas aquele bom humor, aquela
lealdade aos amigos de querer ajudar em tudo de toda forma, permanecia
intacta, ela tinha acabado de descobrir. Ela ficou ali ouvindo Mane falar do
trabalho como técnico da escola no Queens, do apoio que dava a aqueles
adolescentes da periferia, e só sabia se orgulhar. O sorriso a denunciava.
Eles perderam a noção do tempo, tanto que não demorou até que o "turno",
por assim dizer, foi trocado – Sophia permaneceu ali, mas Mane saiu e, em
seu lugar, Jesse apareceu.
Ele não estava sozinho: tinha uma criança de cinco anos em seu colo com
um olhar completamente travesso observando todo o ambiente.

— Já não era sem tempo né Jesse...? – Anahí perguntou sorrindo para Jesse
e recebendo o olhar mais carinhoso possível em resposta.

— Desculpe a demora... eu tive um... contratempo – ele respondeu se


referindo à menina em seus braços.

— Ah papai, ela nem ta tão acabada – a menina resmungou e Anahí


gargalhou, ao mesmo tempo que Jesse arregalou os olhos.

— Samantha...! – ele resmungou colocando-a no chão envergonhado com a


situação. A menina, contudo, não se intimidou, se aproximando da cama de
Anahí com um ar de superioridade invejável, como se fosse uma pequena
adulta.

— Oi tia, eu sou a Samantha, mas você pode me chamar de Sam – ela


explicou e Anahí a encarava com um misto de curiosidade e interesse – É
como meus amigos chamam, e papai disse que você é amiga dele e da tia
Soso, então é minha amiga também.

— Prazer Sam – Anahí disse apertando a mão dela – Meu nome é Anahí.

— Muito difícil – Sam franziu a testa – Pode ser Any?

Não era fácil para Anahí ser chamada por aquele apelido. Antes isso a
lembrava seus avós, agora lembrava Tobias. Ela se arrepiava só de ouvir a
pronúncia, conseguia ouvir o timbre da voz dele chamando-a assim
enquanto a violentava, como um maníaco. Mas após o lapso da lembrança,
ela piscou os olhos e voltou a ver a pequena Samantha ali. Era apenas uma
memória, de algo que não voltaria a acontecer. Ela ressignificar o apelido
era, provavelmente, o primeiro passo para superar.

— Sim, pode ser – Anahí disse sorrindo para ela.

— Ei, e comigo? – Sophia chamou a menina – Você não fala mais...?


— Tia Soso! – Sam correu para a direção dela e a abraçou – Eu não te vi! É
que o papai deu taaaaantas recomendações sobre a amiga dele que eu tinha
que seguir tudo, né?

— Sim, você tinha – Sophia disse beijando a bochecha de Sam e olhando


Jesse de rabo de olho, que revirava os olhos de vergonha – Eu tava com
saudade, pestinha.

— Mamãe ta doente, então o papai teve que me trazer – Sam explicou –


Mas ele disse que daqui nós vamos pra confeitaria. Faz aquele bolo de
chocolate pra mim?

— Tudo o que você quiser!

Dava pra ver que Sophia e Samantha juntas ficavam numa bolha. Jesse
sabia que seria assim, era uma boa forma dele rever Anahí sem deixar a
filha de lado, já que Torrey não acordara bem naquela manhã. Aquele tinha
sido o pequeno contratempo ao qual ele se referiu, quando finalmente
chegou o dia que conseguiu parar para visitar a amiga, a ex lhe telefonou
pedindo que ficasse com Samantha porque ela mal conseguia levantar da
cama. Não teve jeito, ele teve que levar a menina consigo para o hospital e
o caminho de sua casa até ali foi repleto de uma série de recomendações
sobre os cuidados com Anahí, que ela estava doente e sensível. É claro que
Samantha só cumpriu a parte física – tato não era o forte dela.

— Minha filha e Sophia são meio ligadas – Jesse confidenciou para Anahí
rindo – Eu não tenho chance contra as duas unidas. Perco fácil.

— Sophia tem cara de quem faz todas as vontades dela... – Anahí comentou
observando as duas.

— Ela faz – Jesse bufou – Só aceitou vir porque eu disse que a Soph estaria
aqui.

— Deve estar sendo estranho pra ela ver vocês dois separados – Anahí
franziu a testa – Não é?
— Bastante – ele respondeu – A Sam nunca viu a mãe e eu juntos. Eu
namorei a Sophia por três anos, desde que ela era bem pequena. Agora que
nós terminamos e eu estou com outra pessoa... – ele suspirou longamente –
Não ta sendo fácil pra ela aceitar.

— É como se vocês fossem os pais se separando – Anahí deu de ombros –


O que aconteceu entre vocês Jesse? Você não a ama mais?

— Aqui não é o local propício pra falar disso – Jesse murmurou entre os
dentes – Enfim, muita coisa.

— Cedo ou tarde eu vou te cobrar disso – Anahí retrucou – Mas tem uma
chance de você se livrar dessa pergunta, se responder a outra que eu fizer.

— Pergunte e eu respondo – Jesse sorriu satisfeito dela parar de perguntar


sobre ele e Sophia.

— Onde o Poncho ta? – Anahí perguntou – Eu perguntei a todos e ninguém


soube me dizer, mas você é o melhor amigo dele...

Sophia ouviu a pergunta. Ela imediatamente levantou o rosto, desviando a


atenção de Samantha em seu colo jogando em seu celular, e estava com a
boca aberta para desviar novamente o assunto quando Jesse foi mais rápido
e respondeu.

— Ah, ele deve estar em casa com o Dani, quer dizer, ele está doente... –
Jesse deu de ombros.

Anahí franziu a testa rapidamente. Quem era Dani?

Sophia, por sua vez, suspirou longamente olhando de Anahí para Jesse sem
saber o que dizer ou fazer. Jesse provavelmente não sabia que Poncho tinha
optado por não dizer a Anahí, ao menos de cara, sobre sua família. E
acabou respondendo aquilo ignorando aquele pequeno detalhe.

Aquele pequeno detalhe que fazia toda a diferença do mundo. Que estava
na exata fronteira da mentira e da verdade.

~
Helooooo everyone! Que maneira boa de começar a semana, né non?

Como podemos ver no capítulo AyA foram do céu ao inferno. É claro que
iria dar merda nesse sentido na hora que a Anahí descobrisse. Poncho
estava evitando contar 50% pra poupa-la e 50% por covardia mesmo pra
poder viver no mundo paralelo por mais um tempo, um mundo que ele não
precisa escolher. Como ele opta por isso, a Anahí acaba descobrindo da pior
forma e óbvio, é pior pros dois. Na quinta vocês conferem isso.

Eu to impressionada (positivamente é claro) de como vocês estão lidando


com o dilema Diana/Anahí. Tinha a esperança de que a Diana fosse agradar,
no máximo que não fosse ser odiada, mas nem nos meus melhores sonhos
veria uma boa gama de leitoras torcendo por ela hahahaha. Isso me deixa
feliz porque as duas não precisam ser (e não serão) inimigas, a questão é
que o Poncho realmente precisa sair de cima do muro e decidir o que ele
quer de modo que nenhuma das duas fiquem magoadas.

Nesse capítulo também vemos uma fagulha de Slexie. Quanto tempo até
começar a pegar fogo? Boa pergunta rs! Hahahaha. Sobre Bushfer a fagulha
vem na quinta, porque o que tivemos hoje foi a rainhazinha Samantha, filha
do Jesse. Gostaram dela?

Boa semana bebês, não deixem de dar estrelinhas e comentar :)

Beijos,

Rafa
Capítulo 7 - We've found our lives been changed

Estar em casa com o Dani.

— Quem é Dani, Jesse? – ela perguntou.

Anahí não era idiota de acreditar que "Dani" era um animal de estimação,
um cachorro ou um gato, que fizesse Poncho sumir por dois dias inteiros a
ponto de não visita-la mais. Jesse falara de estar em casa, ou seja, quem
quer que Dani fosse, ele estava na casa de seu ex-namorado, sob os seus
cuidados. Ela sabia que Dani não tinha como ser um sobrinho dado o fato
que Erendira nunca pretendeu ser mãe e ela sabia daquilo. Também não
poderia ser o filho de um dos amigos já que Jesse era o único que era pai e
Anahí já conhecera sua filha Samantha. Logo, não era preciso ser
inteligente ou articulado demais para juntar as peças, não quando elas
estavam tão óbvias bem em sua frente. Era evidente, Dani era uma criança.
Dani era filho de Poncho. E era pelo filho que ele teve naquele tempo em
que ela esteve sequestrada que ele tinha simplesmente desaparecido dali.

O que isso significava? Que Poncho tinha seguido em frente? Ele não
estava livre para ela? Poncho era casado ou simplesmente teve uma
aventura qualquer como parecia ser o caso de Jesse e dali tinha nascido
Dani? Ou será que ele realmente tinha uma mulher em sua vida? Em todo o
caso, a pergunta que a deixava mais contundida, sem dúvidas, era: por que
Poncho tinha omitido o fato de que tivera um filho?

Isso só podia significar uma coisa...

— Ninguém vai me responder? – Anahí perguntou, olhando de Jesse para


Sophia, e depois dela para ele novamente.
Samantha foi a primeira a reagir. Perspicaz como sempre, ela colocou
ambas as mãos no ouvido da tia, sussurrando imediatamente.

— Eu posso dizer quem é o Dani...? – a menina perguntou rapidamente se


voluntariando – Porque eu sei quem ele é.

— Não – Sophia disse arregalando os olhos.

— Ei Anahí – a voz vindo da porta chamou a atenção dela. Era Callie


Torres novamente – Essa é a Dra. Jo Wilson. Ela vai te levar pra fazer
alguns exames pra cirurgia de amanhã.

— Agora...? – Anahí perguntou sentindo certo desespero ao se dar conta


que perderia a oportunidade certeira de ter a pergunta respondida.

— Sim, agora – a Dra. Wilson disse se aproximando dela com uma cadeira
de rodas e ajudando-a a se levantar – Eu prometo que não vai demorar.

Não importava se demoraria ou não. O momento era oportuno e talvez Jesse


e Sophia nem estariam mais ali quando ela voltasse. Bufando com
indignação, Anahí se deu por vencida, descendo da cama hospitalar e
sentando na cadeira de rodas, sendo guiada por uma Dra. Wilson que
parecia feliz em tira-la dali sem sequer imaginar que, de certo ponto de
vista, estava atrapalhando muito mais do que ajudando.

Salvos pelo gongo.

Assim que teve certeza de que estava sozinha com Jesse e com Sam, que
Anahí estava longe dali, Sophia reagiu. Deixando a menina sentada sozinha
na poltrona, ela disse que tinha que falar "um minuto a sós" com seu pai.
Deixou seu celular na mão dela, certa de que ela iria se ocupar jogando e
não prestaria atenção na conversa deles. Ledo engano. Samantha tinha
todos os alertas ligados quando se referia ao pai e sua ex-namorada. Tanto
que ela estava com a tela virada para seu rosto, fingia mexer, mas a atenção
estava no canto do quarto, na discussão que ela observava silenciosa dos
dois, a qual torcia fervorosamente para que o passado se repetisse e eles
acabassem nos braços um do outro, como costumava acontecer tempos
atrás.
Na prática, ao menos de cara, não foi bem assim.

— O que você queria que eu dissesse...? – Jesse se defendia em sussurros –


Eu não tinha como saber que...

— Era só você ser cuidadoso – Sophia disse segurando a testa – Sim, você
não tinha como saber, mas mesmo assim, você poderia imaginar que esse é
o tipo da coisa que não se fala, mesmo que ela soubesse!

— Porra, mas por que o Poncho não disse a verdade? – Jesse cruzou os
braços – Ele acha o quê? Que ela nunca vai descobrir?

— Não interessa! – Sophia defendeu – Isso é problema dele, não seu!

— Você está sugerindo que eu fiz isso de propósito Sophia? – Jesse cruzou
os braços realmente irritado – O que eu ganharia com isso? Eu iria
prejudicar a Anahí? Ou o Poncho? Ele é meu melhor amigo!

— Eu sei, eu sei! – Sophia grunhiu – Só que porra, você precisa prestar


atenção nas coisas! Você precisa ter tato com as pessoas Jesse, elas têm
sentimentos!

Exatamente como Samantha esperava, a própria Sophia ficou com a


impressão de que o passado se repetiria. Ela lembrava exatamente quantas
discussões com Jesse se encerraram com beijos intensos, com um sexo mais
gostoso do que ela poderia imaginar que seria, e do qual sentia saudade com
a mera menção. E pela expressão de Jesse, ele também lembrava da mesma
coisa. Tanto que os dois pararam de se falar, e ficaram apenas se encarando.
O olhar de Jesse era suficiente para Sophia tremer da cabeça aos pés, sentir
cada grama de seu corpo se entorpecer de tanta saudade. Ela apenas o
queria de volta, embora soubesse que, mesmo que isso fosse possível,
mesmo que ele estivesse livre de novo, naquelas condições era
completamente impossível.

Mas vontade não faltava.

Aquela troca de olhares deixava evidente o magnetismo entre eles, o que


sempre foi forte e determinante na relação dos dois: o fato de nenhum deles,
desde o momento que ficou escancarado o quanto estavam apaixonados um
pelo outro, serem capazes de resistir. Jesse e Sophia não eram os únicos que
notavam aquilo, Samantha no canto do quarto já observava o pai e a "tia"
com rabo de olho ansiosa por uma chama aparecer entre eles e o fogo
acontecer novamente. E pegava. Incendiava. A troca de olhares tão intensa
quanto antes, como se nada nunca tivesse acontecido...

Só que aconteceu. E se materializou, apagando a chama tão rápido quanto


ela tinha sido acesa: o celular de Sophia tocou e ela atendeu. Ao dizer o
nome da pessoa do outro lado da linha, foi suficiente.

— Oi Chad – ela disse ao colocar o aparelho no ouvido – Sim, eu posso


falar.

— Claro que pode – Jesse murmurou entre os dentes, sentindo o ciúme


possuí-lo com toda a força com a qual estava habituado.

— Tinha que ser o encosto – Samantha murmurou revirando os olhos no


canto do quarto, vendo a expressão de desconforto do pai e Sophia saindo
dele e se afastando, geográfica e emocionalmente.

Eram assim as coisas entre eles: para cada passo dado para frente, três eram
dados para trás, e não havia a mínima expectativa de melhora.

xxx

Mane não conseguiu, durante todo o dia, tirar da cabeça a sugestão sutil de
Anahí sobre ele e Maite. A pergunta que a amiga tinha feito era tão óbvia e
tão escancarada que ele se perguntava por que tinha fugido dela por tanto
tempo: quando ele iria se declarar para a morena que há mais de dez anos
simplesmente não saía de seu coração?

Era uma paixão antiga, de adolescência. Maite nunca notou os sentimentos


que Mane fez questão de guardar. Ela nunca demonstrou qualquer interesse,
de sua parte não havia reciprocidade, eles eram somente amigos, bons
amigos, não tão próximos assim. Mane viu Maite sair com diversos caras e
falar tudo na frente dele, sem perceber – ou quem sabe ignorando, para não
dar tanto trabalho – os olhares de constrangimento que a maioria deles
trocava, em especial Lexie e Anahí, que se perguntavam em silêncio
quando a amiga se daria conta que estava falando demais na frente da
pessoa errada.

Todos ali respeitavam o silêncio de Mane e ele próprio respeitava o fato de


que Maite não o via, quem sabe nunca o veria, como mais do que somente
um bom amigo e ponto. Ninguém o obrigava a dizer o que sentia, como se
sabia também que ninguém forçaria Maite a ficar com ele somente porque
era uma ótima pessoa que gostava dela mais do que era capaz de
demonstrar. Mane era péssimo em matéria de demonstrar seus sentimentos,
Maite não era a pessoa mais atenta do mundo, o resultado disso era que os
dois seguiam em caminhos bem opostos. Mane com isso viu Maite se
envolver em relacionamentos com pessoas que não gostavam tanto assim
dela, a viu se casar, se divorciar e não moveu um dedo, respeitando as
escolhas dela e não forçando, não ficando com um pingo de raiva por ela
não querer se relacionar com ele, não nota-lo. Se ele tinha escolhido
guardar seus sentimentos para si, não podia exigir dela que os enxergasse de
qualquer modo e muito menos se sentir obrigada a ficar com ele somente
porque Mane estava ali. Não era justo.

Mas ao mesmo tempo, era o que Anahí disse: já tinha se passado tempo
demais em que ele deixava as coisas simplesmente acontecerem. E cada vez
mais rolava o sussurro em seu ouvido sugerindo o quanto as coisas teriam
sido diferentes se Mane não fosse covarde, se não pesasse demais as
consequências, e simplesmente deixasse claro para ela que a amava e que
poderia fazer diferente se ela quisesse. Daria a Maite a chance de querer,
coisa que ela nunca teve.

Só que não dava para mudar o passado, somente o futuro.

Com as palavras de Anahí na cabeça, Mane resolveu ir ao apartamento de


Maite. Ela o dividia com Christian, mas Mane sabia que ele não estaria em
casa naquela noite, Christian iria para uma festa pronto para fisgar o "crush
da semana", um rapaz que ele tinha certeza ser gay e estava determinado a
conquistar. Ou seja, Maite estava sozinha. Era o momento ideal para Mane
se aproximar. Ele tinha certeza que ela estava precisando de algum apoio
por conta daquela montanha-russa de emoções pelo reaparecimento de
Anahí e que ninguém tinha especificamente se preocupado com ela. Bom...
Mane tinha.

Perfumado, bem vestido e sorridente, sobretudo nervoso, Mane tocou a


campainha de Maite. Não demorou nada para vê-la do outro lado da porta,
com uma roupa de academia, o cabelo bagunçado e o rosto corado.
Sobretudo, a expressão de quem não esperava vê-lo ali.

— Mane? – ela franziu a testa ao abrir a porta – Você veio procurar o


Christian ou...

— Não, na verdade... eu vim ver você.

Maite sempre ficava surpresa quando um dos amigos batiam na porta e


procuravam por ela e não por Christian. Ela era um tanto antissocial e, com
o sumiço de Anahí, o único amigo que ainda a procurava e a olhava com
carinho era justamente o que dividia o apartamento com ela, as outras
amizades ela tinha minado pelas desavenças de opinião sobre Anahí e
Poncho ter se casado com Diana. Com Lexie ela se dava minimamente
bem, mas a cirurgiã tinha uma rotina corrida e elas mal se viam; Sophia,
Jesse e Poncho era autoexplicativo... mas por Mane Maite sentia um
carinho especial. Mesmo sendo amigo de Poncho e apoiando-o, ele nunca
virou as costas para ela, nunca a destratou por não desistir de Anahí e não
apoiar Diana. Ela não entendia exatamente o porquê daquilo, sabia que seu
temperamento não era fácil, mas Mane aceitá-la mesmo assim e não se
afastar a fazia gostar dele gratuitamente.

— Me ver...? – Maite franziu a testa abrindo espaço para que ele entrasse e
imediatamente se preocupando – Ai meu Deus, aconteceu alguma coisa
com a Anahí não é...?

— Não, não aconteceu nada – Mane a tranquilizou enquanto entrava – Eu a


vi hoje, inclusive. Fui visita-la, e como você não foi eu fiquei... preocupado,
não sei.

— Ah, não se preocupe, está tudo bem – o sorriso de Maite saiu frouxo – A
escola me sugou o dia todo e eu não consegui dar um passo sequer pro
hospital. Depois fui pra academia e bem, ta tarde já. Amanhã eu passo lá
pra vê-la.

— Ela vai fazer a cirurgia amanhã – Mane explicou – Talvez você queira
estar lá antes ou depois.

— Ah, realmente seria ótimo, obrigada Mane – ela sorriu mais ainda – Eu
vou tomar um banho pra te dar alguma atenção, só que não tem nada pra
comer. Você quer, sei lá, pedir uma pizza?

— Você chegou da academia e ta querendo pedir pizza? – ele riu de volta.


Maite deu de ombros com ar de riso.

— Um vinho então? Eu não sei.

— Vinho, ótima ideia – Mane disse já pegando o celular – Eu peço algo pra
gente jantar, não se preocupe.

Enquanto Maite seguia para o banho Mane ligou para um restaurante


próximo dali e pediu a comida, com um sorriso no canto da boca. Ele
amava estar perto dela. Talvez estivesse sendo um tolo em investir seu
tempo em uma mulher que não lhe dava a mínima, mas não importava, era
o que ele queria fazer, era o que faria. Após pedir e abrir uma garrafa de
vinho, já começando a beber, Mane circulou pela sala. Não demorou até
sentar na mesa e ver o computador dela ligado e aberto. Quando deu por si
seus olhos tinham caído na tela e ele via o que ela tinha acabado de
pesquisar em seu Facebook.

Era uma foto de Koko com uma mulher, bonita, loira e curvilínea. A página
aberta era do Facebook dele, e Mane já podia notar que ele e Maite não
estavam adicionados, mas mesmo assim ela conseguia ver a foto dele com a
mulher em questão. Os dois estavam abraçados em um bar e a legenda dizia
"noite inesquecível". Pelo modo como Koko a abraçava era fácil supor que
os dois tinham algum envolvimento. Mane estranhou a foto, no pouco
tempo que conviveu com Koko teve a impressão que ele não era um homem
que costumava ir a baladas, mas ali estava. Se ele tinha conseguido
perceber que Koko e a moça da foto estavam juntos, Maite também
percebeu. E ela provavelmente estava um tanto machucada com aquela
constatação.

Koko e Maite namoraram por três anos e foram casados por sete meses.
Para ela era o conto de fadas, o primeiro homem que a levou a sério, que
não a magoou, que ela achava que não magoaria. Ledo engano. Sete meses
depois do casamento conto de fadas, Koko pediu o divórcio. Toda a
insegurança emocional de Maite que ele um dia tinha ajudado a minar,
agora era ele próprio quem causava. E desde então, Maite tinha vivido à
sombra daquele relacionamento. Não que ela nunca mais tivesse tido mais
ninguém, mas não com a entrega dada a seu casamento. E é claro, sempre
de olho em como ele estava vivendo, com quem estava, se recusando a
seguir em frente mesmo sendo evidente que o ex-marido já o fizera. Aquela
tela era a materialização disso.

A decepção de Mane era inevitável e evidente. Ele esperava outra coisa, de


alguma maneira tinha criado a ilusão de que Maite estava ao menos
disposta a superar o fracasso do próprio casamento e desapegar de Koko,
mas não, ela seguia procurando notícias do ex-marido, procurando saber
dele... Mane até cogitou fingir um compromisso e ir embora dali, mas
desistiu assim que se lembrou do sorriso de Maite ao vê-lo ali.

Ele a amava. Isso significava que ele não deveria estar ali somente para
caso ela quisesse estar com ele de volta, aquilo seria completamente
antiquado e babaca de sua parte. Maite precisava do apoio dele, e Mane não
queria ser amigo dela somente esperando que ela se interessasse, ele não
queria ter o comportamento do homem na friendzone. Mesmo que Maite
nunca o correspondesse do modo como gostaria, ainda assim ele a apoiaria,
porque o que lhe importava era estar ao lado dela, apoia-la e vê-la bem. Por
isso ele iria ficar.

Maite voltou com os cabelos molhados, o rosto sem maquiagem e uma


roupa confortável. Ele gemeu silencioso ao se dar conta do quão linda ela
ficava quando estava confortável. Encheu uma taça de vinho e lhe estendeu.
Logo os dois estavam no sofá assistindo um filme e, somente quando
terminou, Maite começou a falar de Anahí.
— Você deve estar muito bagunçada com essa história toda – Mane
murmurou – Eu fiquei preocupado.

— Eu to com um mix de sensações – ela confirmou num suspiro,


bebericando o vinho – Eu to completamente feliz por ela estar viva, mas
ainda tem tanta coisa que vai precisar passar, fora isso do Poncho mentindo
pra ela que me deixa simplesmente puta da vida... eu queria proteger a Any,
queria ser uma leoa que não deixa nada acontecer com ela, queria que ela
não se machucasse mais...

— O Poncho não vai machuca-la, Maite – Mane respondeu, mas ela revirou
os olhos.

— Esqueci com quem eu tava falando – Maite bufou – Olha, mesmo que
ele pedisse o divórcio e largasse a Diana por ela nesse instante, ainda assim
ela vai ficar destruída quando descobrir que ele desistiu dela, que casou
com outra, que teve um filho. Como se descobrir não fosse suficiente, ele
ainda ta mentindo. Imagina como vai ser quando ela souber...!

— Nesse ponto eu também não concordo – ele ressaltou – Eu não vou


defender o Poncho porque não quero te deixar irritada, apenas não me peça
pra ficar totalmente contra porque ele é meu amigo assim como a Anahí é
sua amiga, ok?

— Eu não te pediria isso – Maite sorriu – Você respeita o meu sentimento,


eu vou respeitar o seu. É só que... tudo isso me deixa irritada, me tira do
sério.

— Você precisa não trazer isso tanto pra si, não sofrer desse jeito – Mane
aconselhou – Eu sei que você se preocupa com a Anahí e ninguém quer que
ela sofra ainda mais, mas não dá pra protegê-la o tempo todo, Mai. Não se
esqueça de si própria nisso tudo, ok? Não sofra demais por algo que não é
seu.

— Por que você se preocupa tanto comigo? – ela franziu a testa voltando a
beber o vinho – Ninguém se importa como você se importa.
— Porque da mesma maneira que você se preocupa com ela, eu me
preocupo com você – Mane respondeu – Promete que vai se cuidar? Que
não vai se afetar demais e não vai se esquecer de você mesma?

— Sim – Maite confirmou com certa empolgação – Eu prometo.

Seria perfeito se eles se vissem do mesmo jeito... mas enquanto Mane


fizesse silêncio sobre seus sentimentos e Maite vivesse com os pés no chão
e a cabeça nas nuvens, seria completamente impossível.

xxx

Daniel ficou melhor do resfriado naquela tarde. Já não estava mais febril ou
resfriado como antes, pelo contrário, passou a tarde brincando com o pai.
No fim do dia a mãe chegou, Diana acreditava que eles teriam um momento
em família, mas no fim Poncho acabou tomando outro rumo: disse a ela que
iria ao hospital porque tinha dias que não aparecia por lá. Desapontada,
porém não surpresa, Diana sequer se sentia no direito de reclamar – ela dera
a ele aquela liberdade, agora ele estava exercendo-a.

Poncho não esperava pelo que viria naquela noite. Ele encontrou Lexie que
estava terminando seu turno não muito humorada e definitivamente exausta,
mas que encontrou algum tempo mínimo para dar alguns detalhes da
cirurgia de Anahí no dia seguinte a qual ela assistiria. Lexie explicou que
Anahí tinha feito exames pedidos pela Dra. Torres naquela tarde, que
recebera as visitas de Sophia, Mane e Jesse acompanhado de Sam, e que
agora estava sozinha no quarto, era Ellie quem passaria a noite com ela,
mas ainda não tinha chegado. Era o momento certo para Poncho se
aproximar e ele não iria perder a oportunidade.

Anahí, por sua vez, não tinha encontrado ninguém que lhe explicasse quem
era o tal Dani de quem Poncho estava cuidando. Quando voltou dos exames
pedidos por sua cirurgiã, Jesse não estava mais ali e nem Sophia, eles
apenas deixaram uma mensagem por escrito dizendo que ela estava
demorando e que eles precisaram ir. Anahí sabia que era balela, que era
uma desculpa qualquer para fugirem dela e não darem as respostas que ela
estava pedindo, por isso ficou mais irritada e, sobretudo, mais convicta das
próprias suspeitas. Lhe parecia um fato que Poncho tinha tido um filho, mas
quanto mais ele tinha seguido com a própria vida enquanto ela estava
desaparecida?

Mais do que o que ele supostamente viveu, o que lhe incomodava era a
mentira. Era o fato de ele tê-la permitido que o beijasse, algo que Anahí
jamais faria se soubesse que... ela não gostava nem de pensar.

— Oi – Poncho murmurou da porta sorrindo no canto da boca – Eu posso


entrar?

Anahí assentiu, embora em seu rosto estivesse nítido o próprio mau humor.
Poncho caminhando e sentando na beira da cama atribuiu aquilo ao próprio
sumiço e rapidamente se pôs a se explicar. Não fazia ideia que o motivo era
bem diferente daquilo.

— Eu sei que eu desapareci, mas posso exp...

— Quem é Dani? – Anahí perguntou de cara um tanto séria – Quem é o


Dani de quem você cuidou esses dias, Poncho?

Obviamente Poncho ficou estático com a pergunta. A primeira coisa que


pensou foi "como...?" Como ela sabia? Quem havia contado? Mas não
adiantava pensar nisso agora, ele tinha que dar uma resposta e o rosto dela
ficava mais duro a cada minuto que a explicação não vinha.

— Anahí, eu... – ele começou a falar, perdendo as palavras em seguida. Ela,


por outro lado tinha de sobra.

— Você tem um filho, não é? – Anahí perguntou prestando atenção em cada


milímetro da expressão dele para perceber o modo como reagiria – Você
teve um filho e não me contou...

— Eu ia contar...

A expectativa dela era ele desmentir, um delírio que somente a exceção em


seu corpo pensava, na qual sua parca esperança se prendia. Mas de nada
adiantou se prender naquilo, no fim das contas ela estava certa o tempo
todo. A expressão de vergonha de Poncho denunciou aquilo, e Anahí nunca
sentiu uma decepção tão grande como naquele momento.

— Eu não consigo acreditar – Anahí murmurou tremendo de vontade de


chorar. Ela não queria chorar na frente dele, não queria se mostrar tão
vulnerável quanto de fato estava, mas seria difícil.

— Eu não achava que você estava viva – Poncho tentou começar a se


explicar – Eu achava que... nós tínhamos perdido as esperanças. Você não
estava em mais lugar algum, as buscas foram encerradas, a polícia arquivou
o caso... sua mãe... todos... é claro que não havia um corpo, mas... eu
comecei a fazer terapia, a psiquiatra me indicou remédios pra dormir. Eu
não consegui mais pisar no nosso apartamento, tive que ficar com a
Erendira. Foi uma época muito confusa. A psiquiatra disse que eu deveria
tentar seguir em frente, foi quando eu conheci a Diana...

— A mãe do seu filho – Anahí constatou amarga, sem pensar que havia
mais.

— Não era nada sério no começo, eu a conheci porque ela foi a primeira a
me dar uma chance pra publicar os meus livros – ele contou – Só que... ela
ficou grávida. Eu não achava certo simplesmente virar as costas, talvez
fosse um recado da vida, eu não sei. Nós fomos morar juntos...

— Morar juntos...? – Anahí perguntou perplexa – Morar juntos? Você...


você casou com ela?

— Era o correto a se fazer... – ele se defendeu, mas a raiva da ex-namorada


estava explodindo-a.

— O correto? – a voz de Anahí soou irônica – Realmente, o correto era


você ficar fodendo o seu novo amor enquanto eu era agredida e estuprada, é
claro que era!

Forte. Poncho sentiu a pancada no fundo do coração e ficou estático, sequer


conseguindo responder. Seus lábios tremiam, enquanto Anahí se sentia
furiosa, querendo despejar toda a raiva que sentia nele. Era estranho,
Poncho esperava por uma Anahí acuada e subjugada, como imaginava que
ela tinha sido em todo aquele tempo, não a mulher furiosa que passava por
cima dele como um trator, que jogava sobre ele todas as frustrações que
sentia ao se deparar com o fato de que ele não esperou por ela naqueles oito
anos. Anahí colocava em palavras a culpa abstrata que Poncho sentia e isso
deixava seu coração em frangalhos. Sequer conseguia rebatê-la, já que, no
fundo do peito, ele sabia que ela estava certa.

— Não foi assim – Poncho murmurou – Se eu tivesse uma mínima ideia do


que você estava vivendo...

— Você desistiu de me procurar, você mesmo disse – Anahí acusou –


Porque apareceu algo melhor pra você. Um projeto de família, não é? Algo
que você tinha planejado comigo, mas que não hesitou em me substituir na
primeira oportunidade...!

— Você não sabe do que ta falando – a voz de Poncho saía magoada – Não
tem nada que eu queria mais na minha vida do que ter vivido tudo isso com
você. Foi com você, Anahí, que eu planejei a minha vida!

— Mas não foi comigo que você viveu – ela devolveu – Você se casou,
Poncho! Você teve um filho...! Eu queria ter me casado com você, queria ter
formado uma família contigo, mas eu estava ocupada demais apanhando de
um homem, trancada por anos sem ver a luz do dia, enquanto você estava
com outra mulher...!

— Mas a culpa disso não é minha!

Com a frase com a qual buscava se defender, a postura de Poncho foi mais
agressiva: ele se levantou e engrossou o tom de voz. Foi brusco,
completamente emocional e impulsivo, agindo na reação, como alguém que
parecia farto de ser acusado. Afinal, as cobranças de Anahí vinham de
encontro com tantas outras que ele ouviu ao longo dos anos, de Maite
especialmente. Pior, eram as cobranças que ele fazia para si mesmo, que seu
coração fazia para sua razão, cada vez que ele comparava o presente ao lado
da esposa e do filho com algo imaginário, que nunca viveria. Sempre
pensava em como seria descobrir que Anahí estava viva, como lidar com o
remorso de não ter esperado por ela. Agora aquele remorso era real, e
duelava com a raiva que ele tinha de só ter seguido em frente como uma
forma de sobreviver. Diana e Daniel eram boias nas quais Poncho se
segurou para não se afogar, e ele não queria se sentir um ser humano
terrível por isso. Por mais que não se arrependesse da própria família, não
tinha discussão entre escolher por uma coisa e outra. Ele queria parar de ser
acusado por aquilo o tempo inteiro, por isso levantou bruscamente, por isso
falou em tom mais alto, por isso soou bruto daquele jeito.

Mas Anahí não reagiu bem.

Estamos falando de uma Anahí que passou oito anos levando um tapa por
cada grito que deu. Isso a tornou agressiva mas, ao mesmo tempo,
amedrontada de cada uma das reações. Quem apanha demais aprende a
bater, mas não deixa de ter medo dos tapas. E era exatamente assim que ela
reagia naquele momento. Assim que ouviu Poncho gritar, assim que o viu
levantar abruptamente, ela se encolheu na cama tanto quanto podia,
tremendo da cabeça aos pés. Em sua mente, a lembrança de um homem lhe
dando um tapa, um soco, jogando-a no chão e chutando-a em seguida,
puxando seus cabelos e amordaçando-a, e depois lhe obrigando a fingir que
gostava de um sexo que só fazia porque era obrigada, para não sofrer ainda
mais. Escolher sofrer ou sofrer. Era disso que Anahí lembrava com gritos e
movimentos bruscos. Era nisso que ela pensava quando desistiu de fingir
não ser frágil e logo se viu às lágrimas, quando teve que se libertar da
emoção das lembranças do passado ao perceber que Poncho não era Tobias
e que ele não iria espanca-la apenas por ela ter levantado a voz e o colocado
contra a parede.

Era fácil em teoria saber que o passado não voltaria, mas ele estava tatuado
nas lembranças de Anahí, nas feridas que não cicatrizaram, nos anos que ela
deixou de viver, na vida que teve que abrir mão.

Poncho sentiu o choque da reação dela e imediatamente se arrependeu com


cada milímetro do corpo. Quis voltar atrás, jamais pensou que iria assusta-la
e que veria Anahí amedrontada daquele jeito, percebeu que teria que ter tato
com ela. Por isso se sentou na cama e a puxou para perto de si, querendo
consola-la a todo custo, desesperado por lhe dar ainda mais traumas. Não
era assim que ele queria que as coisas ficassem, mas parecia que, quanto
mais tentava corrigir seus erros, mais estragos fazia. E não sabia quanto
mais Anahí aguentaria ficar estragada.

— Eu sinto muito – Poncho disse tentando abraça-la – Eu sinto muito, eu...


eu não queria... Anahí...

— Vai embora – Anahí pediu, quase implorou – Pelo amor de Deus, me


deixa sozinha.

— Eu não... – Poncho tentou dissuadi-la, mas o olhar de Anahí era uma


súplica.

— Por favor... por favor...

Ela tinha passado tempo demais sendo desrespeitada, vendo seu


consentimento ser deixado de lado. Era importante que sua vontade
prevalecesse, Poncho logo pensou. Chegando a tal conclusão, ele se deu por
vencido e levantou-se da cama, fechando os olhos com pesar ao sair do
quarto. O peito doía porque queria beijar a testa dela, envolvê-la em seus
braços, garantir que tudo ficaria bem, mas seriam promessas em vão. No
fim do dia ele não estaria ali, teria que voltar para sua casa, sua família, e a
deixaria sozinha. No fim das contas, por mais que não quisesse admitir,
Poncho sabia que ao se casar com Diana e permanecer ao seu lado, ele tinha
feito uma escolha, e sair de perto de Anahí era a consequência natural dela.
Era o tipo de consequência com a qual ele teria que arcar dali pra frente.

Quinta chegoooooou! E com ela passos importantes na web. Vemos aqui


duas coisas bemmm decisivas: Manerroni e AyA. Vamos por partes então.

Sobre Manerroni, deu pra entender bastante sobre a história da Maite e por
que ela anda tão infeliz nesse momento da web. Por mais que ela tenha uma
família que a ame e um emprego que a satisfaça, os golpes do fim do
casamento e da perda da melhor amiga foram muito difíceis pra Maite. Ela
é uma personagem bem ambígua (algo que vocês verão bem no capítulo da
alta da Anahí), mas essa amargura e infelicidade que vocês veem hoje não é
o que ela é e sim o que ela está. Eu tenho grandes planos pra menina Maite,
disso vcs podem ter certeza.

Sobre ela e o Mane, é importante não culpa-la por não ter enxergado os
sentimentos dele. Oh, mas como assim, como ela nunca viu que ele gostava
dela em oito anos? Gente, convenhamos, em oito anos o Mane também
nunca fez questão de se declarar, mesmo notando claramente que ela não
enxergava o que rolava entre eles. Eu não acho justo colocar tudo na conta
dela quando ele ficou de braços cruzados vendo tudo acontecer. Então
vamos ver daqui pra frente quanto tempo mais vai demorar até que essa
situação se modifique.

Sobre AyA, eu to honestamente surpresa porque nunca vi tanta opinião


diversa numa web hahahaha. O caso é, respondendo de modo geral as
dúvidas e comentários, que o Poncho ficou um pouco preocupado com a
reação da Anahí ao saber que ele tinha uma família e não pensou em como
seria muito pior se ela descobrisse por outra pessoa que não ele. Fora que
boa parte dos motivos pelos quais ele tomou essa decisão foi o medo de ela
afasta-lo de vez - e no fim acaba acontecendo isso e de uma maneira muito
pior. Agora temos AyA de lados opostos, Anahí tentando por um tempo
colar os pedaços dela sozinha... o que será que o futuro reserva pra esses
dois? Cenas dos próximos capítulos!

Espero que tenham gostado dos capítulos e não deixem de dar suas
estrelinhas e/ou comentários :)

Beijos e bom fds! Até segunda

Rafa
Capítulo 8 - Move on

Feliz aniversário Lets! Felicidades <3

Como Ellie tinha ido passar a noite com Anahí, Karen fechava o café
depois de um longo dia de expediente. Ela estava acostumada a lidar com o
negócio sozinha, afinal sua mãe já era uma senhora idosa e não deveria
arcar com o peso de uma cafeteria que dava mais trabalho do que deveria. O
negócio era de Karen, era ela quem iria leva-lo à frente. Sempre tinha sido
assim, ela criou uma filha daquela forma, não era com o sumiço de Anahí
que as coisas seriam diferentes.

Só que Karen não estava mais sozinha. Naquela semana em especial, o


turbilhão de notícias e de acontecimentos gerados pelo reaparecimento de
Anahí fez com que sua vida ficasse um inferno. Era uma raridade aquele
café estar vazio àquela hora, Karen recebeu jornalistas e fotógrafos a
semana inteira querendo um furo de notícia, uma entrevista em primeira
mão da mãe da mulher que ficou oito anos presa em um cativeiro, sua
experiência, dor e expectativas. Karen estava tão acostumada, mesmo com
poucos dias, àquele insistente assédio, que quando a porta do café fez
barulho se abrindo, ela já levantou a cabeça com certa violência pronta para
revidar com toda a força possível.

Mas não foi preciso. Porque, quando os sentidos voltaram à Karen, ela
percebeu que não era nenhum jornalista intrometido. Era somente Keith.

— Ei, calma – ele levantou ambas as mãos em sinal de paz – Sou eu.

O suspiro de alívio foi imediato. Karen imediatamente largou o que fazia,


saindo do outro lado do balcão, caminhando a passos largos direto para o
abraço de seu marido. Sim, Karen tinha se casado com Keith, uma realidade
completamente diferente do que Anahí conheceu antes de seu sequestro, já
que ela deixou uma mãe que era solteira e a criou sozinha e agora voltava
para uma mulher que se casou com o único homem que amou de verdade
em toda a vida: o pai de sua filha.

Karen amava os pais. Arthur e Ellie eram seus amigos, seus companheiros,
toda a rede de apoio que ela enfrentou a vida inteira e que nunca a julgaram
por, no meio de uma cidade pequena do interior, aos dezessete anos,
engravidou de um homem que sequer era seu namorado. Pelo contrário, os
dois ofereceram todo o suporte que Karen precisou para enfrentar a situação
de cabeça erguida, permitindo que a família se mudasse e recomeçasse
longe dali, onde ela teria dignidade. A relação dos três era maravilhosa e
isso se repetia na deles com Anahí, eram uma família no melhor sentido do
termo. Mas nem no abraço da mãe Karen sentia tanto alívio como nos
braços de Keith. Talvez porque o marido era a única pessoa no mundo que
sabia exatamente a dor que ela estava sentindo. Talvez uma dor até mais
espinhosa, não maior, apenas diferente, já que Keith jamais teve a
oportunidade de conhecer a filha que eles tiveram juntos e que o conjunto
do acaso fez com que ela criasse sozinha.

Até ali. Até ele, numa viagem de trabalho, receber dela a ligação que
mudaria sua vida até mais do que já tinha mudado... dizendo que Anahí
tinha voltado, estava viva, que nada era como parecia.

Segundas chances existiam.

— Desculpe – ela murmurou – É que... tem sido uma loucura. Nada fácil.

— Achei que você estivesse no hospital – ele explicou abraçando-a – Seu


pai me disse que te encontraria aqui.

— Minha mãe queria passar uma noite com ela – Karen explicou – Eu
fiquei pra trás, mas minha cabeça não sai de lá.

— Como... – Keith começou a perguntar, mas não sabia nem por onde
começar – O que aconteceu com ela? Ela está bem...?

— Nem me fale nisso – Karen negou com a cabeça – Foi horrível vê-la
daquele jeito, Keith. Anahí estava tão machucada, tão flagelada... não
parecia com a minha menina. E as coisas que os médicos disseram sobre... o
que ela viveu naquele cativeiro...

— O que disseram? – ele franziu a testa.

— Eu não sei se consigo falar sobre isso, não agora – Karen mordeu os
lábios, ainda mexida demais – Eu não sei como estou conseguindo trabalhar
nesse café, sinceramente. Porque se eu não tivesse isso aqui, nada teria
acontecido. Foi aqui que ele a conheceu, sabia? O sequestrador, Tobias... ele
é meu cliente há anos. Ele a descobriu aqui, bem debaixo do meu nariz, e
continuou aparecendo em todos esses anos... há um mês ele estava aqui! E
eu não fazia a menor ideia...

— Karen... – Keith segurou-a pelo rosto – Você não tinha como saber...

— Isso não me faz menos culpada – ela murmurou com os olhos marejados
– Eu sou a mãe dela, Keith. Eu deveria protegê-la.

— Eu sei, mas... eu gosto de pensar que certas coisas têm uma razão de ser
para acontecer – Keith disse segurando as bochechas dela com carinho –
Não que o desaparecimento da nossa filha seja algo bom, mas isso me uniu
a você. Eu nunca teria sabido que nós tivemos uma filha se o sequestro dela
não tivesse ido pras manchetes. Eu me achava um canalha por me sentir um
pouco feliz por ter te reencontrado e tido uma chance com você quando o
preço por isso era nós não termos qualquer tempo com a Anahí, um preço
caro demais. Até trocaria o tempo que tinha com você se pudesse estar do
lado dela. Mas...

— Eu sei – Karen sorriu pela primeira vez – Ela voltou.

— Anahí deve ter passado por coisas horríveis naquele cativeiro e eu daria
a minha vida para evitar que ela vivesse essas coisas – ele suspirou
mordendo os lábios – Mas já que não posso fazer isso, prefiro tentar ajuda-
la a superar. Não vai ser fácil, mas eu tenho a minha família de volta, algo
que eu nunca tive. Pensei por tanto tempo que nós a tínhamos perdido que
agora sinto como se esse retorno fosse uma grata surpresa, um presente. E
acho que devemos aproveitar.
Karen estava pronta para responder o marido quando a porta do café se
abriu. Ela estava com a frase do "estamos fechados" na ponta da língua
quando se deparou de quem era: dois velhos clientes que ela não poderia
simplesmente recusar. Ed e Barbara Mitchel frequentavam aquela cafeteria
desde a época que se casaram e sempre estavam ali com os dois filhos.
Karen queria dizer que não iria atendê-los, mas ela bem se lembrava de
épocas em que o negócio não ia tão bem assim e ela precisou que alguns
clientes fiéis se mantivessem. Barbara foi uma delas. Era uma questão de
dever servir aquela mulher com alguma dose de boa vontade mesmo fora do
horário de expediente.

— Desculpe Karen – Barbara já entrou revirando os olhos – Eu realmente


preciso de um café. Será que você tem algum? Essa aqui me irritou o dia
inteiro.

Foi Keith quem revirou o olhar para procurar pela pessoa a quem aquela
mulher se referia. Era uma criança, pequena e desconfiada, que olhava para
a mãe de rabo de olho e um bico nos lábios. Sua expressão era de tristeza
pelo modo como a mulher se referia a ela, mas aparentemente parecia um
tanto acostumada com isso. Keith olhou da criança para a mulher, depois
para a Karen, vendo a esposa se contorcer no rosto pela cena mas ainda
assim engolindo em seco e procurando se manter cordial.

— Sim Barbara, eu passo um café agora mesmo – Karen garantiu.

— Obrigada, só você mesmo para salvar o meu dia, porque essa peste
conseguiu torrar todo o meu humor – ela resmungou novamente se
referindo à filha e Karen viu no rosto de Keith a força do autocontrole para
não responder – Eu não sei por que resolvi ter filhos.

— Ora vamos, não é tanto assim – Karen disse forçando um sorriso – Onde
está o Mike?

— No carro com Ed – Barbara bufou – Sobrou pra mim cuidar dessa


monstrinha, nem aqui posso ter um momento de paz, beber um café e ser
gente por cinco minutos, nem isso o Ed me permite.
Keith estava se controlando o quanto podia por ver a reação da criança ao
ouvir a própria mãe se referir a ela daquela forma. Era difícil para ele, pois,
já que Karen não reagia, ele não podia mover um dedo sequer. A vontade
era de dar uma verdadeira lavada naquela mulher, mas se sua esposa se
calava diante da cliente, o que ele poderia fazer? Mas ficar de braços
cruzados numa situação dessas não era o que ele gostava de fazer. por isso,
enquanto a tal Barbara continuava enumerando as reclamações diante de
Karen, ele se abaixou com um sorriso frouxo até a altura da menina,
aproveitando-se da distração de sua mãe, e resolveu aliviar de alguma
maneira o imenso peso que ela carregava nas costas.

— Qual o seu nome, pequena?

— Missy – a menina sussurrou.

— Oi Missy, meu nome é Keith – ele sorriu para ela, bastando aquelas
pequenas palavras e um gesto de carinho para arrancar-lhe um pequeno
sorriso – Não fique chateada por sua mãe estar zangada, ok? Adultos
conseguem ser bem chatos às vezes.

— Mas ela ta sempre zangada – a menina disse agarrando ainda mais o


ursinho que carregava nos braços.

— Eu sinto muito querida – Keith afagou os cabelos dela – Um dia você


não vai mais precisar ouvir nada disso, ok? Mas não acredite nela. Você não
é uma monstrinha, pelo contrário... eu tenho certeza que é muito especial.

Karen observava a cena no meio do falatório de Barbara Mitchel, sorrindo


no canto da boca enquanto servia o café percebendo o quanto Keith era bom
com crianças. Doía-lhe nunca ter dado a ele a chance de ser o pai que Anahí
poderia ter tido, certamente os dois teriam uma relação maravilhosa se
tivessem tido a chance... mas não adiantava se lamentar. Assim que Barbara
percebeu que a filha já sorria com aquele estranho, terminou seu café, o
pagou e levantou de pronto, puxando-a pelo braço.

— Ande, vamos Missy – ela disse puxando a menina com violência – Ande,
vamos logo...!
— Mamãe, meu ursinho...

— Deixa essa merda pra lá! Você tem muitos brinquedos! Ande, vamos!

O ursinho que Missy abraçava com força tinha ficado caído no chão da
cafeteria. A mãe não se importou, puxou a menina com força e Keith sentiu
o coração doer. Uma criança sendo maltratada daquele jeito o fazia pensar
em quanta violência tantos inocentes vivenciavam todos os dias. E
inevitavelmente, em quanta violência Anahí devia ter vivido nos últimos
oito anos naquele cativeiro. Ele balançou a cabeça sentindo a dor de ver a
pequena Missy saindo daquele jeito do café sem que ele pudesse fazer nada
por ela. Uma criança entregue a pais relapsos que evidentemente a
maltratavam, sem qualquer chance.

Ela não tinha chance. Mas Anahí tinha. Uma segunda chance. Keith iria
aproveitar. Ele não tinha sido pai de Anahí nos primeiros vinte e quatro
anos de sua vida, não teve a chance... mas agora ele iria aproveitar.

xxx

No dia seguinte seria a cirurgia de Anahí e não era preciso dizer que Lexie
estava uma pilha logo pela manhã. Callie a tranquilizou antes do turno, lhe
informou sobre os exames que Anahí tinha feito na tarde anterior, que não
havia qualquer risco, mas isso não a deixou menos nervosa. Na sala dos
residentes ao trocar de roupa e vestir o jaleco Lexie sentia a agonia lhe
dominar, como se fosse uma esponja e pegasse todo o estresse da situação
para si. Terminou de se arrumar, pronta para a ronda com os internos, mas
ao fechar o armário, se deparou com alguém que não esperava encontrar.
Não ali.

— Jackson! – Lexie resmungou colocando a mão no peito pelo susto – Você


quer me matar...?

— Bom te ver aqui Lexie – Jackson murmurou irônico – Eu não tenho


conseguido te encontrar ultimamente em casa.
— Eu continuo dormindo na mesma cama que você – ela retrucou.

— Você sai e eu estou dormindo, você chega e eu estou dormindo...

— Você dorme demais – ela deu de ombros, já se preparando para desvia-lo


quando Jackson segurou seu braço.

— Por que você está me evitando? – Jackson perguntou de cara, fazendo


Lexie encara-lo com uma imensa interrogação – Por que você não me
chamou pro caso da sua amiga...? Eu poderia fazer o que o Sloan está
fazendo.

— Eu não sei se você sabe, mas eu não sou a atendente do caso – Lexie
retrucou – Não sou nem a residente. A Dra. Shepherd não me deu chance de
participar, estou apenas como amiga da Anahí.

Jackson ignorou completamente a fala de Lexie. O que ele respondeu logo


em seguida seria o mesmo que diria caso ela nada tivesse dito.

— Eu poderia participar da cirurgia dela – Jackson voltou a ponderar – Isso


que o Sloan está fazendo com a Callie, eu poderia fazer. Eu também sou
cirurgião plástico.

— Eu não convidei o Mark pra entrar nisso, ele é seu chefe, resolva-se com
ele e para com essa disputa ridícula de macho querendo aparecer – Lexie
revirou os olhos completamente irritada.

— Disputa de macho...? – Jackson cruzou os braços furioso – Você não


acha que isso é por sua causa, não é?

— É claro que não é – ela rebateu – Inclusive, se fosse por minha causa,
você teria ido ver a Anahí por conta própria. Isso é você querendo fazer o
seu nome, como sempre. Ta sempre pensando em si, pensando no seu nome
nas capas de jornal como o cirurgião dela, uma fama que você não
conseguiu pela sua família e sim por si. Você não ta nem aí pra pessoa que
está lá dentro, pro fato daquela pessoa ser minha amiga e de eu ter passado
oito anos achando que ela estava morta. Você dorme na mesma cama que eu
e sabe que eu tenho vindo mais cedo pro hospital a semana inteira pra
passar algum tempo com ela, confortando-a, e não teve a coragem de ir lá
um dia sequer ver como ela está. Por que importante é entrar na cirurgia,
não é Jackson? Importante é ser como o Mark, ser melhor que ele, não é?

— Não tem nada a ver com o...

— Talvez não tenha mesmo a ver com o Mark, mas a certeza é que tem
tudo a ver com o fato de você girar apenas na própria órbita – Lexie acusou
já caminhando – Com licença, eu tenho que ver a minha amiga e tenho que
trabalhar.

Um desabafo daqueles de Lexie, e dia que começava de uma forma nada


fácil para ser Jackson.

Lexie conseguiu sentir como se aquela briga com o namorado às sete da


manhã tivesse minado todo o seu humor. Ela caminhou firme para o
corredor do hospital e pegou o primeiro elevador que abriu em sua frente
pronta para ir para o quarto de Anahí, mas querendo desesperadamente se
deparar com algo que tirasse a carranca de sua cara, já que era uma certeza
que a amiga perguntaria o porquê de seu mau humor e ela não teria como
responder de forma sincera. Curiosamente, aquele pedido se materializou
com a porta do elevador se abrindo no primeiro andar no qual foi parado...
quando ela se deparou com Mark entrando dentro dele.

— Ei – Mark disse sorrindo sincero – Bom dia. Café?

Mark estendia um dos dois copos de café que ele tinha em mãos. Era óbvio
que somente um era para ele, e que ele tinha lido na expressão de Lexie o
quanto ela precisava do outro – que evidentemente não tinha sido comprado
para ela. Lexie não se importou. Em outros tempos ela queimaria de ciúmes
pensando em quem ele teria comprado, se era alguma mulher. Atualmente
ela não se importava, se limitava a ficar feliz por Mark ter se importado e
lhe oferecido um café.

— Deus, eu realmente estava precisando disso – Lexie murmurou com os


olhos fechados e, quando abriu, viu Mark sorrindo imensamente para ela –
Quem era o dono ou dona do café? Espero que não seja o Derek, se não ele
vai me infernizar...
— Não era – Mark riu – Era da Torres. Ela aceitou que eu participasse da
cirurgia, eu iria agradecer um café.

— Nossa, espero que ela não me mate por roubar sua cafeína matinal...

— Na verdade não roubou – Mark confessou – Eu vou dar o meu café pra
ela. Assim tudo certo.

— Ah Mark... – Lexie arregalou os olhos – Você não precisa...

— Shhhhh – ele negou com a cabeça cortando-a – Você é quem precisa. Ta


nervosa pela cirurgia da Anahí, né? Ta escrito na sua cara.

Tinha isso, mas muito mais. Tinha a briga com Jackson. Tinha que seu
namorado se importava menos com sua amiga do que seu ex... mas nem
tudo poderia ser dito, não é?

— Sim, eu estou – ela confessou.

— Então eu digo que você não precisa estar – Mark disse encarando-a no
fundo dos olhos – A Callie é uma excelente cirurgiã. Anahí está nas
melhores mãos possíveis. As mãos nas quais eu confio a minha filha.

— Eu sei, eu confio nela – Lexie confirmou.

— E no mais... – Mark ressaltou – Eu vou estar lá pra caso seja necessário.


E você deve confiar nas minhas mãos também...

Lexie tremeu da cabeça aos pés com aquela fala. Ela conhecia bem demais
aquelas mãos e era inevitável, com aquela menção, não lembrar o quanto
elas também conheciam consideravelmente todo o seu corpo. Com aquele
flerte descarado com Mark ela quase sentiu as pernas fraquejarem. Palavras
faltaram, tanto que não vieram, eles apenas se olhavam. Continuariam se
olhando se o elevador não parasse, suas portas se abrissem e uma voz
cortasse aquela conexão.

— Eu iria perguntar se atrapalho se não tivesse certeza que to


atrapalhando...!
Maldita Amelia Shepherd!

— Dra. Shepherd – Lexie disse virando-se para ela com a leveza de quem
não tinha acabado de flertar descaradamente com seu ex-namorado, no
mesmo prédio em que o atual trabalhava – Bom dia!

— Bom dia Grey – Amelia respondeu com o mesmo nível de cinismo –


Mark...

— Amelia – Mark disse cumprimentando-a – Lexie, eu te vejo na ronda no


quarto da Anahí.

— Sim, nos vemos lá – Lexie disse saindo pelo elevador no mesmo andar
que Amelia entrou, deixando sua mentora e o ex sozinhos no elevador.

Mark poderia ter a ilusão de que Amelia deixaria a cena que presenciou – e
interrompeu – passar batida, mas é claro que um Shepherd jamais teria uma
atitude dessas. Se Derek não faria isso, o que dizer de sua irmã caçula cuja
língua era mais afiada que qualquer outra que ele tinha visto na vida?

— Você não perde uma oportunidade mesmo de fazer uma graça com uma
cirurgiã comprometida com um amigo seu – Amelia alfinetou – Primeiro
Addison, depois a Grey... onde você vai parar, Mark Sloan...?

— Amelia... – Mark disse pronunciando cada sílaba e bufando longamente


– Não compare o que você não sabe.

— Se eu não sei, me conte – Amelia se virou curiosa e interessada – Porque


da Addison eu já sei pelas horas e horas de lamentação do Derek no meu
ouvido, mas da Grey? Estou curiosíssima.

— Nós já tivemos... algo – Mark explicou tentando explicar em poucas


palavras – Ok, algo é pouco. Seu irmão e eu trocamos socos em nome disso,
não é apenas algo.

— Você trocou socos com Derek...? – Amelia perguntou estupefata – Derek


não te bateu quando você dormiu com a Addison, mas te bateu quando você
dormiu com a cunhada dele?
— Digamos que sim – Mark mordeu os lábios – Ele pediu que eu não
ficasse com ela, mas isso não era uma opção.

— E se Jackson pedir que você se afaste da namorada dele, digamos que


posso esperar uma nova briga de testosterona nesse hospital? – Amelia
perguntou com ar de riso.

Mark não respondeu. E não é a toa que dizem por aí que quem cala
consente.

xxx

Anahí não sabia o que a magoava mais: a conversa com Poncho em si ou o


fato de ele ter novamente sumido, exatamente no dia que ela faria mais uma
cirurgia. Com as óbvias exceções de Karen e Ellie, que estavam ali ao lado
dela o dia inteiro, somente Lexie tinha aparecido dentre seus amigos. Maite
viria, mas só depois da cirurgia; o restante, é claro, tinha suas próprias vidas
e ela tinha que entender. Tinha mais médicos naquele quarto que pessoas de
seu convívio. Era sobre ter gente ao redor, mas se sentir sozinha.

Karen não demorou a notar o desânimo estampado no rosto da filha. Ela


imediatamente se preocupou com aquela situação, não achava bom que
Anahí entrasse em cirurgia com um mal estar como o que aparentava, ela
não tinha se animado nem mesmo com o prognóstico de recuperação da
Dra. Torres, algo estava muito errado ali. Karen então esperou ficar sozinha
com a filha para esclarecer a situação. Tinha muito para ser dito naquela
conversa, ela tinha certeza.

— Então, será que você vai me dizer o que está acontecendo? – Karen
perguntou ao se sentar em frente à filha e segurar as suas mãos.

— Por que estaria acontecendo algo? – Anahí perguntou sem encara-la.

— Porque além desse olhar vazio, você não está me encarando – Karen
sorriu e viu a filha lhe dirigir o olhar – E eu te conheço Anahí. Você pode
não lembrar, mas eu sempre sabia que você estava mentindo quando não
olhava nos meus olhos. Vamos, me conte. O que está te chateando? É algo
que você consegue falar? É sobre... sobre o seu sequestro?

Assunto delicado, mas, curiosamente, não tinha nada a ver com aquilo. Não
dessa vez. Anahí suspirou aliviada ao se dar conta disso, que provavelmente
aquela era a primeira vez que algo a deixava triste e não era sobre Tobias e
a vida que ele lhe havia roubado. Suspirando e encarando a mãe, de repente
pareceu fácil falar sobre o que a machucava, considerando que tinha coisas
muito mais difíceis de serem colocadas em palavras e traduzidas em
sentimentos.

— Poncho – Anahí murmurou mordendo os lábios, as sensações voltando –


Ele casou. Ele teve um filho.

— Sim, ele teve – Karen confirmou, sem fazer qualquer juízo de valor.

— E todo mundo sabia e ninguém me contou...

— Não era um direito nosso contar, butterfly – Karen respondeu sucinta – É


a vida do Poncho, é a vida de vocês. Era ele quem deveria te falar, na hora
certa.

— Nossa vida, mamãe...? – Anahí murmurou com amargura – Não existe


nossa vida. Ele simplesmente minou quando seguiu a vida dele com outra.
Quando fez a família dele sem mim. Agora ele tem uma esposa, tem um
filho, e eu... eu tenho oito anos perdidos.

— Isso é algo que você deve conversar com a Dra Balfe.

— A Dra. Balfe só me responde com perguntas mamãe – Anahí revirou os


olhos – Eu quero respostas. Porque eu estou brava, eu estou magoada. No
final do dia ele volta pra casa dele e eu fico aqui. Eu queria que ele ficasse
comigo, mas pra mim só restaram as migalhas.

— Querida... – Karen suspirou longamente – Esses anos não foram fáceis


pro Poncho...
— Eu imagino mamãe – Anahí ironizou – Os meus foram maravilhosos
também.

— Anahí, não me ironize – Karen quase ordenou – Não foi fácil viver sem
você. Pra ninguém. Só que eu arrisco dizer que pro Poncho e pra mim foi
pior. Não estou maximizando o meu sofrimento, mas... não tem como dizer
diferente.

Anahí nada respondeu, ficou somente aguardando o que a mãe queria lhe
dizer – e veio.

— Seis meses depois de você sumir... eu tentava me apoiar a qualquer risco


de esperança que você estava viva – Karen explicou – Mesmo que
dissessem que você poderia estar morta e que eu deveria me preparar para
isso, sem um corpo eu não iria acreditar. Poncho não estava diferente. Ele
estava esgotado. E continuou assim um ano depois, um ano e meio depois...
ele escrevia e aquilo tinha virado uma obsessão porque, mesmo que não
admitisse, qualquer um que lesse via você viva nas páginas dele. Os pais
dele achavam que ele iria enlouquecer. A depressão estava evidente, nós
tínhamos medo de ele fazer uma besteira, não havia nada que pudéssemos
fazer pra ajudar. Tente entender butterfly, seus amigos puderam sofrer a dor
da sua perda sem deixar de continuar as vidas. Ninguém julgou o Jesse por
ter uma filha. Ninguém condenou Sophia por namora-lo, Christian por ter
seus relacionamentos, Maite por continuar fazendo faculdade em Harvard...
e nem a mim por, apesar de tudo, continuar trabalhando, me levantando,
vivendo.

As informações eram processadas. Mas ainda havia mais.

— Mas Poncho? Se ele seguisse em frente, era a prova que tinha desistido
de você – Karen explicou – Você sabe que eu gosto dele como se fosse um
filho, como a mãe dele gostava de você. Eu não queria perder outro filho.
Eu queria que ele fosse feliz mesmo que dentro de mim aquela voz dissesse
que ele deveria esperar porque você iria aparecer. Diana foi a única pessoa
que não inibiu o Poncho pelo modo como ele deixava os sentimentos por
você extravasarem através dos livros. Não só isso, ela acreditou nele.
Publicou seus livros. Ela foi a única com quem ele se envolveu. E de
alguma maneira, aquele menino, Daniel... a notícia de que ele estava a
caminho foi o que fez o Poncho voltar a sorrir. Eu não podia ser egoísta de
dizer a ele que deveria abrir mão de continuar vivendo só porque a sua vida
tinha sido interrompida.

— Isso significa o quê...? – Anahí perguntou sombria – Que eu sou egoísta?

— Não – Karen se apressou em responder – Porque você está sofrendo tudo


isso. Você voltou pra sua vida e ela não está mais aqui. O homem que você
ama não está mais disponível pra você, e é claro que isso vai doer. Então eu
recomendo que você deixe que doa. Que você passe por tudo isso, sinta a
raiva, a mágoa, a decepção... que você sinta a falta dele, a falta de tudo o
que vocês não viveram. Mas quando tudo isso passar... perdoe. Ele sofreu
por você. E eu tenho certeza que ele ainda sofre por ter que escolher um
lado nesse momento e não poder simplesmente abandonar a família e ficar
do seu lado.

— Eu vou pensar, está bem? Eu não prometo nada – ela murmurou.

— Tudo bem – foi a vez de Karen sorrir – Você vai fazer uma cirurgia e tem
um longo caminho pela frente. A vida te reserva boas coisas, meu amor. Se
não fosse isso, eu tenho certeza que não teria por que ela ter te mandado de
volta pra nós.

Disso Anahí tinha certeza. A vida lhe reservava algo. Ela sempre achou que
era o que nunca tinha chegado a viver ao lado de Poncho, mas pelo visto
havia mais. Ele tinha seguido e era a vez dela seguir e procurar o que quer
que fosse, buscar algo que não sabia o que era. Algo que a esperava. Algo
pelo qual ela teria que trilhar.

~N

Hellooooo galera? Como estão? Espero que bem.

Hoje temos um capítulo mais tranquilo que o anterior, até porque depois
daquele turbilhão de emoções a gente precisava dar uma desacelerada né?
Então nesse cap mais calminho temos a Karen conversando com a Anahí e
apresentando um lado diferente do que ela ta conseguindo enxergar.
E sobre isso eu aproveito pra mencionar que quem ficou muito
abalada/chocada com a reação da Anahí ao fato do Poncho ser casado e ter
um filho, não se assustem. Ela ficou mt magoada pela mentira do Poncho,
por ter descoberto pela boca do Jesse, por os amigos terem visivelmente
feito um esforço pra esconder tudo.. convenhamos que quando ela acordou
não era a melhor ideia ele contar de cara, mas daí se passaram dias com ela
criando a expectativa deles juntos, tanto que ela se perguntou como seria, o
beijou e o Poncho tu tu tu. O que eu deixo claro é que o sentimento de AyA
é algo forte e bonito, e as coisas assim prevalecem. Tenham paciência!

Também temos aqui aquela fagulha de Slexie mais viva do que nunca e a
Amelia dando aquela alfinetada do jeito que a gente gosta hahahahaha e
vocês enfim são apresentadas a um dos meus personagens favoritos da
história, o Keith <3 Gostaram do papai da Anahí? Como será a reação dela
ao conhecê-lo? Saberemos daqui alguns caps.

To no aguardo das opiniões e dos votinhos :)

Beijos e boa semana pra todo mundo! Durante a semana eu termino de


responder os comentários porque hoje é feriado aqui no meu país RJ e eu to
naqueeeela moleza hahahahaha

Beijos,

Rafa
Capítulo 9 - Memories

A cirurgia de realinhamento da perna esquerda de Anahí foi no dia seguinte,


com Mark e Callie operando-a. Não havia nenhum risco fora dos que são
normais para aquele tipo de cirurgia, e como Callie era extremamente
competente, foi um sucesso. Mark completou o sucesso da colega fazendo a
sutura de modo que Anahí não iria ficar com nenhuma cicatriz. Um
problema a menos.

Maite, Lexie, Christian, Karen e Ellie estavam no hospital até Callie e Mark
saírem juntos do centro cirúrgico e irem informá-los. Karen e Ellie estavam
ali somente para saber se tudo tinha corrido bem e foram falar com Anahí
depois da cirurgia. À pedido da própria, Maite era quem ficaria no hospital
com Anahí aquela noite, já que ela estava morrendo de saudade de ter o
mais próximo de uma noite do pijama com sua melhor amiga depois de oito
anos sem nada parecido. Karen não conseguiu recusar. Os demais estavam
ali para ver como ela estava, para garantir que tudo ficaria bem.

Então, quando Anahí acordou, tinha cinco rostos sorridentes para ela,
animados com o fato de ela parecer bem no pós-cirúrgico e, sobretudo,
ansiosos para saber como ela estava.

— Hum... – Anahí franziu a testa levemente confusa – Olá?

— Como você está se sentindo? – Lexie perguntou de imediato – Posso


chamar a Dra. Torres se for necessário...

— Estou bem, só... – ela bocejou – Um pouco zonza, acho que é a


anestesia.

— Sim, certamente é – Lexie confirmou.

— Você vai se recuperar querida – Karen passou a mão por cima da perna
da filha, coberta por um lençol – A cirurgiã disse que tudo correu bem, foi
um sucesso.
— Sim, você vai andar bem melhor depois de algum tempo, só precisa de
um pouco de fisioterapia – Christian quem disse dessa vez – To até me
sentindo médico depois disso.

— Quase dá pra convencer – Anahí riu.

As preocupações com ela eram imensas até acordar e todos verificarem que
ela estava bem. Passada uma hora da cirurgia Anahí já estava sentada,
bebendo líquidos, reclamando de estar com fome, fazendo Karen e Ellie
respirarem aliviadas. Elas foram embora dali depois que Anahí insistiu que
ficaria bem com Maite, após telefonar para o avô e ouvir o boa noite que se
lembrou que gostava demais. As duas até perguntaram a Christian se ele as
acompanharia, mas estava um pouco óbvio que ele queria ficar ali para ter
um momento à sós com suas três melhores amigas – algo que não acontecia
há tempo demais para não sentir saudade.

— Sua mãe foi embora, então você já pode dizer se não estiver se sentindo
bem porque ta livre das paranoias – Christian alfinetou a amiga que riu.

— A mãe biológica se foi, mas a mãezona Maite ficou, preciso me


resguardar – ela riu abafadamente.

— Que blasfêmia! – Maite reclamou arqueando as sobrancelhas.

— Tem algo que eu quero dizer – Anahí disse encarando Lexie – Eu


conheci o seu cirurgião plástico... e tenho que dizer... uau, que homem!

— Jackson veio aqui? – Lexie franziu a testa surpresa. Ela não esperava por
aquilo, será que era um resultado da briga de mais cedo? Mas não era aquilo
que Anahí falava.

— Jackson? – ela fez uma careta – Não. Eu tava falando do Dr. Sloan.

Lexie fechou os olhos sentindo seu rosto pegar fogo. Ela sabia que
Christian não iria perdoar.

— Ah, você gostou do cirurgião plástico dela...? – Maite foi a primeira a


caçoar.
— Eu disse, eu sempre disse! – foi a vez de Christian, que batia palminhas
– Lexie foi uma besta de trocar o produto original pelo pirata! Um homão
daqueles...

— Mas então, o que você achou? – Maite perguntou à Anahí.

— Muito educado, atencioso, excelente cirurgião... completamente


cuidadoso... – Anahí enumerou – E gato demais, não é? O namorado, o tal
do Jackson... não vi nem sombra. Enquanto o Dr. Sloan, por outro lado,
fazia de tudo para que eu me sentisse confortável, talvez porque eu sou
amiga de uma certa residente...

— Eu sempre soube disso – Christian parecia deliciado – Ta vendo como


ele ainda gosta dela? Ah se fosse comigo!

— Pelo amor de Deus, eu estou aqui! – Lexie resmungou virando-se para


Anahí. Se Christian e Maite eram casos perdidos para convencer do que
quer que fosse, com a amiga ela ainda tinha esperanças – Mark e eu fomos
namorados e ele é uma ótima pessoa, um excelente cirurgião, mas hoje
somos apenas colegas de trabalho. Ele é chefe do Jackson, é mentor dele.

— Jackson é seu namorado fantasma não é? – Anahí confirmou e viu Lexie


revirar os olhos.

— Por Deus, não se junte a esses dois! Você não...!

— Desculpe Lexie – ela deu de ombros – Mas é que é tão nítido o quanto
ele parece querer ser visível pra você... o que aconteceu entre vocês? Por
que não deu certo?

— Ih more, senta que lá vem história – Christian murmurou rindo.

— Ele e eu estamos em momentos diferentes das nossas vidas, só


demoramos a perceber isso – ela começou a enumerar – Eu sou... fui...
muito apaixonada por ele, mas... ele é mais velho, é atendente, queria
formar uma família e eu não estava pronta, queria terminar a residência, me
tornar atendente, ganhar alguma estabilidade. Então o deixei livre pra viver
o que ele queria. Duas vezes.
— E ele teve essa família...? – Anahí perguntou procurando a resposta no
rosto dela e vendo Lexie se enrolar para responder – Ele se casou, algo do
tipo?

— Ele teve uma filha com a melhor amiga – Lexie respondeu – Sua outra
cirurgiã, a Dra. Torres. E estava namorando com uma oftalmologista de
outro hospital, mas eu não sei por que acabou, parecia que seria algo que
iria pra frente... eu ouvi Derek e ele conversando uma vez e ele disse que os
dois iriam morar juntos...

— Talvez tenha acabado porque não tinha amor – Maite cantarolou. Lexie
fez uma careta imensa.

— Ele vai continuar querendo coisas que eu não quero – Lexie se defendia
como podia – Não tem o que fazer com relação ao Mark e eu. E olhem, eu
estou bem, ok? Eu estou feliz com o Jackson, eu já superei o Mark...
Christian que fica insistindo nisso!

— Ok superada, eu não vou dizer mais nada! – Christian fez uma careta.

— Certo, chega de atormentar a vida amorosa da Lexie – Anahí cortou –


Agora eu quero falar da vida da Maite!

— Minha vida amorosa...? – a morena fez uma careta apreensiva – Eu não


tenho absolutamente nada pra dizer!

— Não é possível que você tenha ficado parada no tempo esses anos todos
– Anahí franziu a testa.

— Antes tivesse – Maite suspirou com certa amargura.

— Você não quer falar sobre...? – Anahí perguntou, percebendo a agonia da


amiga. Ela bem sabia o quanto era ruim ser pressionada a dizer algo do qual
não queria falar.

— Não, eu posso falar – ela balançou a cabeça, tentando disfarçar como


pôde, mas ainda deixando claro seu incômodo – Eu namorei vários idiotas
desde que você... – ela não completou a frase – E me casei com um deles. É
óbvio que não tinha como dar certo.

— E por que não deu certo? – Anahí perguntou buscando o olhar dela. Ela
sempre enxergava as verdades nos olhos de Maite.

— Eu... eu não sei.

O assunto não voltou. Nem Anahí insistiu nele, e muito menos Christian e
Lexie retomaram o ponto. Eles conheciam a história e não precisavam que
Maite a repetisse, em especial porque sabiam o nível do desconforto dela ao
mencionar o assunto na frente de todos. Não tardou para que os dois
resolvessem ir embora, Lexie iria fechar seu turno e ir pra casa e Christian
trabalharia no dia seguinte, nenhum deles queria dormir tarde. E eles irem
embora era uma oportunidade de Maite ficar sozinha com Anahí, porque
frente a frente com a melhor amiga ela certamente iria desabafar.

— Me desculpe se eu te pressionei aquela hora – Anahí murmurou


novamente procurando pelo olhar dela.

— Você me pressionou...? – Maite franziu a testa.

— Quando eu perguntei sobre a sua vida amorosa – ela explicou – Estava


nítido que o que quer que você não estivesse falando, não queria falar sobre.
Eu nem sei se a Lexie e o Christian sabem a respeito, pela sua cara me
arrependi de ter tocado no assunto.

— Eles sabem – Maite revelou – Todo mundo viu tudo acontecer. É que...
eu não gosto de tocar no assunto.

— Você não precisa contar – Anahí ressaltou, mas Maite levantou a mão
impedindo-a de continuar.

— Você é minha melhor amiga – Maite ressaltou – O nome dele é Koko.


Ele é o idiota com quem eu me casei.

— E o idiota de quem você se divorciou, não é? – Anahí perguntou, mas a


resposta ficou implícita.
— Eu o conheci aqui no Brooklyn, ele é fotógrafo e tem um talento
extraordinário, uma visão muito clínica, uma sensibilidade imensa – Maite
suspirou – O que eu posso dizer? O interesse foi imediato. Eu tinha acabado
de sair de um relacionamento bem ruim com um cara bem abusivo, tava
decidida a virar a página e bem... lá estava ele. Ele também se interessou
por mim, nós começamos a sair, transamos algumas vezes, começamos a
namorar, e quando eu vi estávamos morando juntos e fazendo os planos pro
casamento, parecia que realmente dessa vez era pra ser, sabe? Que ele
realmente iria interromper o ciclo de casos ruins da minha vida e que eu
finalmente teria alguém do meu lado que me faria me sentir bem de
verdade.

— Mas não foi nada disso – Anahí constatou.

— No início foi – a morena deu de ombros – Só que, quando estávamos


casados há sete meses, um dia eu cheguei em casa do trabalho e ele estava
com as malas prontas. Ele queria o divórcio. Não estava feliz.

— Aconteceu alguma coisa entre vocês?

— Eu não sei por que ele não estava – Maite suspirou – Eu acho que eu
estava tão presa no meu mundinho paralelo que esqueci de ver se ele estava
feliz, sabe? Porque eu estava. Eu estava realizada, Any. E de repente eu
esqueci que tinha outra pessoa nesse casamento e que eu não podia fazer
tudo sozinha, sabe?

— Maite... – Anahí suspirou – Você não pode se culpar.

— Não é questão de me culpar, é só que... se eu soubesse que ele estava


infeliz, talvez eu poderia fazer algo sobre, sabe? – Maite suspirou
mordendo os lábios – Se eu tivesse percebido talvez a coisa não teria ido
tão longe, eu poderia mudar alguma coisa entre nós pra que ele ficasse feliz,
só que... quando eu me dei conta ele estava indo embora e não havia nada
que eu pudesse fazer. Não adiantava mais lutar pelo Koko porque eu já o
tinha perdido.

— Eu sinto muito Mai – Anahí segurou a mão da amiga numa tentativa de


consolo por algo que, mesmo já tendo acontecido há muito tempo, pelo
visto ainda machucava bastante – Eu queria ter estado ao seu lado pra te
ajudar a passar por isso...

— Está tudo bem – Maite imediatamente agiu como se estivessem falando


de algo que não tinha a menor importância – Já passou.

— É o que a sua voz diz, mas não é o que parece – Anahí rebateu, mas
Maite voltou a fugir dos assuntos.

— É sério, eu não penso mais nisso.

— E como foram os seus relacionamentos depois disso? – Anahí perguntou.


Sua língua coçava para perguntar de Mane, mas pelo visto ele, tal como no
passado, não tinha demonstrado minimamente o quanto era apaixonado por
ela. Maite não devia fazer a menor ideia daqueles sentimentos dele.

— Relacionamentos? – Maite riu irônica – Eu mal transo, se você quer


saber. Os homens não prestam, Any. Não confio em nenhum.

— Nem todos são assim – Anahí considerou – Quer dizer... não que eu
possa falar tanto disso. Minhas experiências também não foram exatamente
as melhores.

— Você passou os últimos oito anos com um monstro, me faz sentir que o
Koko não foi tão ruim assim – Maite ponderou, mas não era a isso que a
amiga se referia.

— Eu estava falando do Poncho...

— Ah... – bastou que ela a encarasse para entender exatamente o que tinha
acontecido – Você já sabe.

— Eu tive que descobrir sozinha – Anahí falou, demonstrando a mágoa na


voz e encarando a amiga de maneira dura – Porque ninguém teve a
consideração de me contar.

— Não é assim – Maite se defendeu – Eu não tinha o direito de te contar.


Vontade não faltou... mas todo o resto parecia achar que você era de cristal
e iria quebrar quando soubesse da verdade, então a única solução que eu
encontrei foi pressionar o próprio pra te dizer de uma vez. Foi o que ele fez,
não é?

— Na verdade não – Anahí corrigiu – Jesse, no dia que veio aqui, disse um
tanto sem querer que o Poncho estava sumido porque estava "cuidando do
Dani". Eu não sou idiota, Dani não podia ser um cachorro doente ou
qualquer coisa do tipo... e como nem ele disse e nem a Sophia, eu
confrontei o Poncho quando ele apareceu e ele não teve alternativa além de
me contar a verdade.

— Então você já sabe da Diana? – Maite perguntou vendo Anahí assentir


amarga – E como foi essa conversa de vocês?

— Ele tentou colocar mil desculpas na situação, e eu entendo, eu


racionalmente entendo, mas é que... – Anahí mordeu os lábios deixando
clara a mágoa que a habitava – Eu realmente achei que ele fosse me esperar
Mai. Eu passei os últimos oito anos tentando não esquecer dele. Eu achei
que nunca mais o veria, e quando vi... eu pensei que era a nossa segunda
chance. Mas não. Essa chance não existe. Eu me senti uma idiota por achar
que em oito anos ele não teria seguido em frente. Será que eu sou egoísta de
pensar assim? De pensar que ele deveria ter parado a vida por minha causa?
Porque estou me sentindo péssima com isso. A minha mãe conversou
comigo e tentou me fazer ver as coisas de outra maneira, mas eu
simplesmente não consigo...

— Se você for egoísta nós somos – Maite observou – Porque eu estou há


quase seis anos condenando o Poncho pela Diana. Não pelo Daniel, porque
filho não se renega... mas casar com ela? Viver a vida que ele planejou com
você? Nossa... eu jamais aplaudiria isso.

— Então vocês deixaram de ser amigos? – Anahí franziu a testa.

— Mais ou menos isso – Maite suspirou – Eu acho que você percebeu que
eu procuro não ficar próxima ao Jesse e a Sophia. Nós seguimos caminhos
diferentes, eu não conseguia ser conivente com essa palhaçada como eles
são.

— Coniventes...? – Anahí arqueou a sobrancelha. Ela não esperava por isso.


— Ah, você sabe como são Jesse e Poncho, a merda e a fralda, um apoia o
outro em todo, justificam os erros um do outro... e a Sophia e o Jesse
estavam mais colados do que nunca naquela época, um tempo depois da
Diana eles começaram a namorar, ficaram juntos por uns anos. Dani é da
idade da filha do Jesse. Os quatro viraram um grupinho, acredita? Diana e
Sophia se adoram. Sophia foi dama de honra do casamento deles...!

— Eles sempre se deram bem – Anahí constatou perdida nas lembranças –


Poncho e Soph. Assim como ele e o Jesse...

— Ele tentou fazer isso com todo mundo, fazer com que nós a amássemos,
que entendêssemos que a Diana não tinha culpa, e realmente não tem, o
culpado é ele – Maite condenou com raiva – Eu não tenho nada contra ela, é
ela como poderia ser qualquer outra, o que me deixa puta é o modo como
ele simplesmente jogou a toalha, desistiu de você, simplesmente aceitou
aquela balela de que você estava morta como desculpa pra casar com outra.
E Jesse e Sophia foram coniventes com isso! É uma traição! Eu nunca iria
aceitar.

— Você realmente comprou a minha "briga" – Anahí fez sinal de aspas,


realmente admirada.

— Eu mais do que ninguém – Maite deu de ombros orgulhosa – Christian


também não morre de amores pela Diana. Lexie e Mane não se
posicionaram, nem pra um lado nem pro outro, agora eu... eu não consigo
mais olhar pra cara de nenhum dos três. Nem Poncho, nem Jesse e nem
Sophia.

— Você e Sophia eram amigas – Anahí lembrou – Vocês eram próximas.

— Éramos – Maite observou – Não somos mais.

— Mas e se eu não voltasse? – Anahí perguntou – Você ficaria eternamente


procurando por mim...?

— Anahí... – Maite deu uma risada irônica – Há dois meses atrás eu paguei
pra sair uma foto sua nos classificados do Post como desaparecida. Eu
nunca desisti de te encontrar. Eu nunca desistiria.
— Ai meu Deus... – Anahí murmurou admirada – O que mais você fez...?

— Imprimia cartazes com fotos suas e espalhava pela cidade – Maite deu de
ombros – Eu contratei um detetive particular há alguns anos, pra ver se ele
descobria alguma coisa, mas não deu em nada. Eu ainda não tinha arranjado
dinheiro suficiente pra conseguir outro, todas as minhas economias foram
embora nisso...

— Eu não acredito – Anahí negou com a cabeça.

— Me chamam de teimosa, mas eu nunca desisti de te encontrar – Maite


segurou as mãos dela dando um sorriso sincero – E seja como for, isso deu
certo. Porque eu mantive essa chama acesa dentro de mim e olha só, você
está aqui! Eu não vou mais passar por nenhum tipo de decepção sem que
você esteja do meu lado. E vou estar do seu nisso tudo. Nós não vamos
viver mais nada separadas, eu te prometo.

Era como se fosse um pacto selado, o pacto do reencontro. Anahí não


exatamente concordava com o modo como Maite tinha levado a situação
naquele tempo todo, ela não achava que a amiga deveria ter sido tão dura
nem com Poncho e muito menos com Sophia e Jesse, já que eles estavam
sendo para Poncho os bons amigos que Maite tentou ser para Anahí mesmo
em sua ausência, não desistindo de encontra-la. Cada pessoa tinha uma
maneira de lidar com a perda e tudo aquilo só mostrava a forma de Maite
ser, ela era leal, era fiel até a morte e não desistia dos amigos.

Mas Anahí ficava triste pela quantidade de estragos que sua ausência tinha
causado. Graças a ela Sophia e Jesse não eram mais amigos de Maite, nem
Poncho; agora eles estavam de um lado, Maite e Christian de outro, Lexie e
Mane ficavam no meio do caminho, eles não eram mais os amigos que
tinham sido um dia, o grupo unido do qual ela se lembrava antes de seu
desaparecimento. Anahí sentia uma certa culpa por aquilo tudo, entendia
Maite condenar Poncho mas no fundo não aceitava que ela e Sophia não
fossem mais amigas, as duas eram tão próximas no passado, aquilo lhe
doía. Por isso Anahí jurou para si mesma que, agora que estava de volta,
tentaria consertar as coisas. Ela tentaria fazer Sophia e Maite voltarem a ser
amigas, faria a reconciliação acontecer. Se Maite sabia ser teimosa, ela
devia lembrar que Anahí sabia ser mais ainda.
A noite serviu para amenizar um pouco das dores de Anahí, porque nos dias
que se seguiram as coisas voltaram a não ser nada fáceis. Ela ainda
esperava que Poncho aparecesse de uma hora para a outra, por vezes
esquecia que ela própria o havia mandado embora. Por outro lado, o
ressentimento por ele não estar mais livre para ela, por todos os sonhos que
ela ainda nutria até pouco tempo atrás simplesmente não serem mais
possíveis, ainda estava ali. Maite tinha razão, Diana não tinha culpa. Ela
tinha feito bem a Poncho, se aproximou de um homem que estava
supostamente livre, construiu uma vida com ele e lhe deu um filho. Anahí
jurou para si mesma que não iria trata-la nem sequer mentalmente como
inimiga, elas não iriam rivalizar e lutar pelo amor dele como se aquela fosse
uma história novelesca, Poncho tinha feito uma escolha e ela iria respeitar.

Racionalmente, ela sequer sentia que deveria sentir raiva dele. Será que em
seu lugar ela teria feito diferente? Será que ela o teria procurado, será que o
teria esperado? E por quanto tempo? Não tinha resposta para nada daquilo.
Ela sabia que aquela tristeza era puramente emocional, que quando
conseguisse superar e começar a seguir em frente com a sua vida as coisas
iriam mudar, talvez ela conseguisse perdoa-lo. Talvez ela encontrasse outra
pessoa que a fizesse querer sair daquilo também, ter uma família quem
sabe. Isso lhe causou uma dor no peito, pensar em ter uma intimidade com
alguém, só vinha lembranças em sua mente. Lembranças de seu corpo
violado, de mãos fortes segurando seus pulsos, um corpo masculino se
forçando contra o seu, dedos puxando seus cabelos, olhos que a
amedrontavam... aqueles olhos...

Tudo o que ela não queria lembrar voltando a sua mente.

Então era mais fácil pensar em Poncho, questionar as escolhas dele, tentar
imaginar no escuro como era a vida dele, se era feliz, se amava a esposa,
como era ele enquanto pai de Daniel... todas essas coisas pareciam simples
e menos dolorosas, as cenas imaginárias da família dele, do que as coisas
reais que sua mente ainda conseguia lembrar do cativeiro. Que ainda estava
dentro dela.

Anahí não tinha para quem perguntar aquilo além de Lexie. Dava para ver
que a versão de Maite era parcial demais, e talvez a de Sophia também
fosse. A cirurgiã era a pessoa que mais via Anahí além de sua família e dos
médicos, e acabou sendo a pessoa eleita para tirar todas aquelas dúvidas.

— Então... – Anahí perguntou depois de ensaiar mentalmente pela milésima


vez – Como é a Diana?

— Diana...? – Lexie franziu a testa – A esposa do Poncho?

— Sim.

— Você realmente quer conversar sobre isso?

— Vamos lá Lex, se eu perguntei – Anahí bufou impaciente por não querer


demonstrar demais as próprias inseguranças.

— Ah, Diana e eu não somos exatamente próximas – Lexie suspirou – Eu


quase não convivo com ela. Não fui ao casamento deles, estava ocupada
com a prova do fim do primeiro ano de internato...

— Foi um casamento grande? – Anahí perguntou curiosa – Os votos...


foram bonitos?

— Foi simples, mas não sei dos votos, a Maite censurou a Sophia para não
falar nada. Só ela, Jesse e Mane foram. Christian se recusou, e a Maite...
bem, você a conhece.

— Ok, mas você não disse como a Diana é.

— Bom, ela é... loira, bonita, inteligente... – Lexie começou a enumerar –


Ela trabalha numa editora que foi criada pelo pai dela, ele ainda manda no
negócio, ela é o braço direito dele, é quem faz a seleção dos livros. Foi
assim que o Poncho e ela se conheceram. Ela é uma boa pessoa Any. Ela
nem sequer detesta a Maite e o Christian por não a aceitarem. Ela parece...
aceitar. Entender, sabe? E é boa mãe.

— Ela o ama? – Anahí finalmente perguntou o que queria – O faz feliz?

— Sim – Lexie confirmou – Ele não é realizado, eu duvido que seja,


embora não conversemos sobre isso. Mas feliz, parece que sim. Eles têm
uma família. O Dani é tudo na vida dos dois. Poncho realmente ama ser pai.

— Ele deve amar sim – Anahí se viu dando um sorriso bobo – Ele sempre
sonhou em ser pai.

— Foi por ele que o Poncho se casou – Lexie observou – Não que ele
detestasse a Diana e fizesse algo obrigado, só que eu acho que não teria ido
pra frente se ela não tivesse engravidado, entende? Um filho fez o Poncho
dar a chance de seguir em frente. Ele nunca teria feito isso sem o Dani.

— Se ela não tivesse engravidado, será que ele teria me esperado? – Anahí
perguntou pensativa. Era algo que não saía da cabeça dela.

— Any, se você ficar pensando nos "se's" nunca vai ter paz – Lexie abriu
um meio sorriso – O que eu posso te dizer com toda a certeza do mundo é
que não foi nada fácil pro Poncho decidir tudo isso. Ele sentia o tempo todo
que estava traindo você. Se me permite dar a minha opinião honesta, eu
acho que ele sente isso até hoje... Maite que não me ouça, porque ela diria
um daqueles "eu acho é pouco".

Anahí riu. Ela acreditava em Lexie, não porque era o que o seu coração
queria acreditar, mas sim porque conhecia Poncho. E aquele Poncho do qual
Lexie falava era como Anahí sabia que ele era. O coração até doía menos
por saber que ainda era ele ali.

Dois dias depois daquela conversa a Dra. Caitriona Balfe encerrou a sessão
de terapia com Anahí com uma – ou melhor, duas – notícias que ela não
esperava.

— Você vai ter alta da cirurgia nessa semana – ela mencionou – O nosso
tratamento, é claro, vai continuar... mas por não haverem mais riscos físicos
e por eu concordar com a equipe de cirurgia que você está um pouco
melhor, a polícia quer falar com você.

— Falar comigo...? – Anahí perguntou sentindo a garganta secar.

— Sim – a médica explicou calmamente – Eu sei que você ainda não se


sente confortável em falar nada do que você viveu naquele cativeiro, mas...
a polícia precisa falar com você sobre aquilo. O seu sequestrador está preso
e eles precisam montar um caso pra promotoria conseguir condena-lo. E só
é possível se você aceitar colaborar. Eu estarei presente o tempo todo, mas
eu imagino que seja do seu interesse que ele seja condenado.

— Sim – Anahí murmurou insegura – É.

— Muito bem – a Dra. Balfe se levantou – Eu vou chamar o policial.

Evidentemente Anahí estava nervosa. Como a psiquiatra dissera, falar de


Tobias não era confortável. A menção ao nome a fazia lembrar do rosto
dele, da voz e do timbre. Fechar os olhos e ter em sua mente a visão dos
olhos daquele homem a apavorava. E quando ela abriu, tinha outro homem
ali, em sua frente. Com uma jaqueta, calça e um distintivo preso no cinto, o
homem forte e loiro, sobretudo sério, parecia querer demonstrar ser
confiável e receptivo para ela. Como Anahí não o conhecia, ela se sentia
intimidada, lembrando-se das palavras de Maite de que homens não eram
confiáveis. Tobias a traumatizava e a fazia se sentir fraca, e ela só sabia
odia-lo por isso, assim como odiar a si mesma por parecer tão pequena
numa situação banal como conversar com um policial que muito
provavelmente só queria ajuda-la.

— Olá Anahí – o policial falou com ela e ela assentiu com a cabeça – Meu
nome é Nick Durant. Eu sou chefe da Inteligência da Polícia de Nova York
e sou o responsável pelo seu caso. Nós podemos conversar?

— Uhum... – Anahí deu um sorriso fraco, sem encarar o homem que ainda
a intimidava.

— Como você sabe o Sr. Menzies está preso pelo seu sequestro – Nick
Durant explicou calmamente – Mas não foi por isso que nós invadimos a
casa dele. Houve uma denúncia anônima de que ele portava na residência
uma grande quantidade de cocaína, e por isso foi expedido um mandado
para que nós fôssemos até lá e verificássemos se era verdade. Nós
invadimos a casa, encontramos a droga e, enquanto revistamos, invadimos o
porão e encontramos você. A defesa vem alegando que ele não traficava e,
como ainda não existe um depoimento oficial seu sobre a questão do
sequestro, do cativeiro e de eventuais violências sexuais e agressões,
somente a questão das drogas que vem mantendo-o na prisão. Nós
precisamos da sua colaboração, Anahí. Do contrário, o Sr. Menzies pode ser
solto.

— Eu não sei se ele traficava – Anahí abaixou a cabeça – Eu não lembro do


resto da casa, só... só do porão...

— Mas você lembra das agressões – Durant mencionou – Só há provas de


como você chegou aqui, não do que aconteceu anos antes. É tudo muito
circunstancial. Você precisa nos ajudar a mantê-lo preso. Um psicopata
daqueles não pode ser solto.

— Eu não lembro de como fui parar lá – Anahí demonstrou todo o


nervosismo.

— Anahí, você precisa lembrar – Durant pressionou – É muito importante


que...

— Ok, acho que já é o suficiente – a Dra. Balfe interrompeu se levantando,


vendo o policial bufar.

— Dra Balfe, eu realmente preciso...

— Nós vamos ter tempo para isso, Sr. Durant – ela esclareceu – Eu sei o
que o senhor precisa, mas a saúde e a tranquilidade da minha paciente vêm
em primeiro lugar.

— Tudo bem – ele se deu por vencido – Eu volto em outro momento.

Anahí sabia que ele voltaria. Sabia que aquele tormento ainda duraria, que
ela seria obrigada a lembrar, a falar, que as imagens voltariam a sua mente e
ela reconstruiria as cenas, as reviveria em suas palavras colocadas em
palavras. A impressão que lhe dava é que nunca estaria livre, que aquele
passado sempre a marcaria, sempre a definiria e diria tudo sobre ela. Ela
podia ter saído daquele cativeiro e Tobias podia estar preso, mas sempre
tinha alguém que a arrastava de volta, mesmo que figurativamente. A
sensação de Anahí é que ela não apenas nunca mais teria a vida de antes,
mas na verdade, ela nunca mais teria vida nenhuma.
~

Oi galera, tudo bem com vocês? Espero que sim!

Então, esse é mais um capítulo de transição em que descobrimos algumas


coisas - como o que aconteceu pra Slexie acabar (e não, a culpa não é do
Mark rs) e Anahí tomando conhecimento da história da Maite no tempo que
ela ficou desaparecida. Tanto esse capítulo quanto o de segunda tem várias
coisas que parecem triviais, mas que serão extremamente importantes mais
pra frente no desenvolvimento da web, em especial essas sessões de terapia
da Anahí e o modo como ela fala com a polícia.

Algumas ficaram com dúvida no último capítulo sobre o Keith e sim, ele é
pai da Anahí, mas ele nunca ficou sabendo dela e só descobriu com o
sequestro que tinha uma filha. A história do Keith e da Karen vai ser
explicada melhor nos próximos capítulos, quando a Anahí tiver alta do
hospital e "voltar pra vida dela". Disse isso entre aspas porque sabemos que
a vida da Anahí como ela a conhecia se foi né? De qualquer maneira,
teremos uma festa de boas vindas e bem.. o resto vocês descobrem na
segunda!

Espero que gostem e nos vemos semana que vem! Deem estrelinhas e
deixem seus comentários :)

Beijos e bom fds (que é fim de semana viu @ Luana hahahahaha)

Rafa
Capítulo 10 - Surprise

Era uma manhã de quinta-feira quando Callie Torres anunciou em definitivo


que Anahí teria alta. Lexie, é claro, já sabia, porque Callie já tinha
mencionado para Mark e evidentemente o cirurgião plástico correu para
passar a notícia em primeira mão para a ex-namorada, arrancando da boca
dela o sorriso de alívio e felicidade que esperava arrancar.

Como Lexie sabia com antecedência, ela passou a notícia para os amigos e
surgiu em Maite uma ideia de organizar uma festa surpresa para Anahí, uma
espécie de boas vindas. Imediatamente Karen foi informada e ficou
acordado entre as duas que seria no café, era um lugar que Anahí conhecia,
ficaria tranquilo. Karen então anunciou que, naquela quinta o café, na parte
da tarde, ficaria fechado para uma comemoração restrita e pessoal. Ela tinha
trabalhado sete dias por semana nos últimos oito anos, tinha direito a um
dia de folga, seus clientes teriam que aceitar.

O primeiro problema a ser solucionado foi a imprensa que não parava de


perseguir a família. Mas isso acabou sendo solucionado com a ideia da
chefe de cirurgia, Miranda Bailey, de soltar um boato de que Anahí teria
alta dali uma semana. Deu certo. Não havia sombra de repórteres nem na
porta do hospital nem no café. Anahí conseguiria ao menos alguma paz em
sua alta.

Logo que Christian ficou sabendo da festa de boas vindas que Maite estava
organizando já percebeu a quantidade de problemas que aquilo acarretaria.
Maite só tinha convidado ele, Mane e Lexie, excluindo Jesse e Sophia da
comemoração e, principalmente, Poncho. Se quanto o ex-namorado de
Anahí era um tanto uníssono que talvez fosse melhor que ele realmente não
fosse convidado, o mesmo não se podia dizer dos amigos. Christian então
teve uma ideia: pedir a Lexie que entrasse na organização daquilo junto
com Maite. A cirurgiã não viu opção se não aceitar e aproveitou-se que
aquele dia seria sua folga. Tal como sugerido por Christian, ela fez questão
de falar com Sophia e Jesse, já que sabia que Anahí ficaria feliz com a
presença deles.

Christian não tinha virado as costas para nenhum dos amigos, até com
Poncho ele mantinha alguma relação, apenas não era próximo de Diana
porque não conseguia tolerar o relacionamento deles. De Sophia e de Jesse
ele continuava amigo, não era tão radical quanto a morena, sabia que da
mesma maneira que ele comprou a briga de Anahí, os outros poderiam fazer
o mesmo com Poncho. Mas uma coisa eram Sophia e Jesse, outra era o
próprio Poncho. Anahí estava irritada com ele ainda, não era uma boa ideia
que ele fosse convidado, ninguém sabia como ela reagiria e poderia colocar
tudo a perder. Até Karen concordou que era melhor não, foi uma decisão
unânime e melhor para todo. Ninguém queria estragar a comemoração de
Anahí, afinal.

Só havia um problema: o combinado foi entre Karen, Lexie, Christian e


Maite. Ninguém avisou Arthur Portilla daquilo.

— Então meu filho, os meninos e a Karen estão planejando uma recepção


para a Anahí, para os mais íntimos, nós adoraríamos que você viesse –
Arthur disse ao telefone para um Poncho que, do outro lado da linha, se
sentia receoso.

— Você tem certeza Arthur? – ele perguntou – Eu não sei se ela vai gostar
de me ver.

— Bobagem – Arthur murmurou confiante – Ela sempre amou você,


Poncho. O que quer que haja entre vocês dois tem que ser resolvido. Vocês
tiveram uma história bonita, não podem simplesmente jogar tudo no lixo.
Acerte isso com ela.

— Eu sei, mas... eu entendo o sentimento dela – Poncho respondeu – Eu me


casei. Não tenho o direito de aparecer, de exigir nada dela...

— Olhe, eu não vou dizer a você que fiquei feliz por você ter se casado de
novo, não fiquei... – Arthur suspirou longamente – Mas nada muda a
história que você e a minha Any tiveram. Você foi importante na vida dela e
vocês não podem deixar isso simplesmente ir embora. Venha.
— Eu realmente devo ir?

— Ora vamos Poncho, você quer que eu implore? – Arthur deu uma risada
debochada – Eu quero que você venha. Irei te esperar.

Tanto Arthur quanto Ellie eram entusiastas de Poncho. Na verdade toda a


família de Anahí gostava de seu ex-namorado, tinha sido com pesar que
eles descobriram que a vida iria continuar para Poncho e que ele seguiria
em frente com Diana, construindo a família que todos esperavam que
construísse com Anahí. Depois de um tempo Karen foi quem aceitou
melhor, Arthur foi o que mais demorou a aprender a lidar com aquilo, mas o
carinho por Poncho prevaleceu, falou mais alto, Arthur acabou deixando
tudo de lado.

É claro que nem ele, nem Ellie e muito menos Karen esperavam que
Poncho simplesmente deixasse Diana por Anahí ter aparecido. Mas de
alguma maneira, ele e Anahí se darem bem, ela ter Poncho por perto
naquele retorno, na readaptação a uma vida normal, seria importante.
Machucava Arthur a ideia de que Anahí virasse as costas para Poncho e os
dois agissem um com o outro como se fossem estranhos, alheios ao amor
forte e intenso que os tinha unido um dia. Ele queria que os dois ao menos
mantivessem uma amizade, uma convivência, e faria o possível para que
aquilo se tornasse realidade.

Assim sendo, Poncho iria.

Anahí obviamente não fazia a menor ideia que seu avô tinha ligado para o
seu ex-namorado com quem ela brigou recentemente e o convidado para ir
em sua casa e participar de sua festa surpresa. Na verdade, como a festa era
surpresa, ela não fazia ideia sequer que aconteceria. Na mesma
tranquilidade de sempre, a manhã de Anahí estava abalada pela
possibilidade de voltar pra casa ou não. Maite não estava no hospital com
ela, eis que preparava os detalhes da festa; Lexie, por sua vez, ficou para
trás junto com Karen cuidando da alta de Anahí e pronta para acompanha-la
até o café, onde seria a festa que ela não sabia que iria acontecer.

Maite tinha dado aula pela manhã e teve a tarde livre para cuidar de tudo o
que estava relacionado à festa de boas vindas de Anahí. quando saiu da
escola ela procurou ir direto para uma loja especializada em produtos
daquele tipo e comprou uma faixa de boas vindas, balões coloridos e
diversos itens de decoração que a velha Anahí certamente gostaria, uma
forma de fazê-la lembrar de quem costumava ser, como se fosse um
incentivo para buscar aquela pessoa novamente dentro de si. Maite queria,
em uma comunhão de esforços, que Anahí voltasse a ver a sua casa, o café,
como um lar. Um lugar onde poderia se sentir segura. E ela não iria medir
esforços para que isso fosse realmente possível.

Só que uma Maite que sempre contava que tudo saísse de forma
completamente perfeita nem imaginou os furos naqueles planos
supostamente maravilhosos. E nem era a presença de Poncho nesse caso.

— O que você está fazendo aqui? – Maite perguntou em alto e bom som
assim que entrou na cozinha do Karen's Café e deu de cara com Sophia
decorando um bolo.

— Lexie me convidou – Sophia respondeu sem delongas e sem tirar os


olhos do que fazia – E bolos sempre animaram a Any, então eu pensei...

— Se passaram oito anos, eu não sei se você reparou.

— Sim Maite, eu reparei – Sophia respondeu grosseira, encarando a morena


com os olhos estreitos finalmente – Olhe, você não precisa me aturar. Não
precisa nem olhar na minha cara, é um direito seu. Mas a Anahí também é
minha amiga e você goste ou não, eu vou estar aqui ao lado dela. E você vai
ter que tolerar isso.

Maite não tinha qualquer resposta para dar, porque embora estivesse um
tanto contrariada, ela sabia que Sophia estava certa. Que direito ela tinha de
impedir Sophia de estar ali? Nenhum. Em especial quando Karen telefonou
e falou com a garota, e logo Ellie chegou ali, ambas agindo como se Sophia
tivesse todo o direito do mundo de estar ali. Maite cansou de fazer queda de
braço e se preocupou em ocupar-se com outros detalhes da festa. Pronta
para voltar ao espaço principal do café, ela teve uma grande surpresa
quando viu outra presença nem um pouco esperada, tampouco desejada
bem ali, à frente de tudo.
— Isso deve ser brincadeira comigo – a morena falou consigo mesma.

Ninguém menos que Lindsey Morgan estava organizando toda a decoração


do lugar. Lindsey e Maite mal tinham se visto, mas ela sabia exatamente
quem aquela garota era: a namorada que Jesse arrumou pouco tempo depois
de terminar com Sophia, a mesma que ela usou para debochar da ex-amiga
no dia que Anahí reapareceu no hospital. Maite fechou os olhos de raiva,
por Jesse ter levado a namorada ali, por ele ter tido a coragem de aparecer,
por aquela garota estar simplesmente tomando a frente de tudo como se
fosse sobre ela... não tinha como não dar um ataque daqueles.

— Ei – Maite disse andando a largos passos e fulminando Lindsey com o


olhar... e Jesse junto – O que você pensa que está fazendo...?

— Ah – Lindsey disse soltando os balões de gás que prendia e virando-se


com aquele sorriso gigantesco para a morena – Você deve ser a Maite,
certo? Eu sou Lindsey, namorada do Jesse! Eu esperei tanto para te con...

— Eu sei quem você é – Maite respondeu com rispidez – Não foi isso que
eu perguntei. Quero saber que diabos você está fazendo.

— Bom, Jesse disse que vocês fariam uma festa de boas-vindas para a
Anahí e eu achei que seria uma excelente ideia aparecer aqui e dar uma
mãozinha!

— Da próxima vez não ache – Maite cortou – Da próxima vez pergunte.


Pode ficar tranquila, nós não precisamos de ajuda alguma.

— Mas eu pensei...

— Pensou errado – ela disse tomando a faixa de Lindsey na mesma hora e


virando-se gélida para Jesse – Você... aqui comigo. Agora.

É claro que Jesse não estava nem um pouco feliz pelo modo como Maite
tinha acabado de tratar sua namorada, mas ele não conseguia estar mais
irritado com a morena do que ela estava com ele. O olhar que Maite lhe
destinava era como se pudesse queima-lo sem sequer tocar. E antes que
Jesse pudesse reclamar da fala dela com Lindsey, Maite já tinha na ponta da
língua todos os desaforos que pensou de uma única vez.

— Que diabos você tem nessa merda de cabeça...?

— Você nem comece – Jesse retrucou de volta – Eu não tenho o direito de


estar aqui...? Anahí é minha amiga também!

— Sua amiga, não amiga daquela ameba que você chama de namorada! –
Maite resmungou – Você sabe quem está dentro daquela cozinha decorando
um bolo pra Anahí? Sophia! Por um acaso você não pensa nela, Jesse?
Como você acha que ela iria se sentir se saísse daqui e visse a Lindsey
decorando a festa da Anahí como se tivesse algum direito de estar aqui?

— Ah, agora você se preocupa com a Sophia...? – Jesse ironizou.

— Pelo visto qualquer um se preocupa mais do que você – ela devolveu


colocando a mão no rosto.

— Ela e eu não temos mais nada, foi ela quem terminou – Jesse acusou –
Eu tenho o direito de seguir com a minha vida!

— Mas não tem o direito de desrespeita-la! Aqui é o terreno dela, Jesse. É a


festa da amiga dela. Anahí só é sua amiga porque ela namorava o seu
amigo, pelo amor de Deus, encare os fatos!

— Eu não vou fazer a minha namorada ir embora, Maite, é minha palavra


final – Jesse determinou – Se a Sophia não quer mais estar comigo, ela não
pode reclamar de eu estar com outra pessoa. Você não pode expulsar a
Lindsey daqui, não pode e não vai.

— Realmente eu não posso, infelizmente – Maite concordou irônica – Mas


ela não vai organizar nada. Não vai pendurar uma faixa, nenhum balão.
Você me entendeu?

Pelo visto, mesmo não se considerando e nem se comportando como amiga


de Sophia, ainda existia alguma faísca no coração de Maite daquela velha
relação, mesmo que ela jamais fosse admitir. Maite de alguma maneira se
importava, muito mais do que provavelmente gostaria.

Dentro do hospital, a alta de Anahí seguia uma rotina completamente


diferente.

— A Dra. Torres assinou a sua alta – Lexie explicou rapidamente – Mas ela
disse que você precisa fazer fisioterapia. Como você é minha amiga, ela
deve te ver durante as sessões...

— Hum, entendi – Anahí murmurou – O seu médico bonitão veio ver as


minhas suturas.

— Ele não é meu médico bonitão – Lexie revirou os olhos – Mas que seja,
Mark é muito atencioso com os pacientes dele. Principalmente as pacientes.
Eu não duvidaria que ele esteja dando mole pra você.

— E eu não ficaria surpresa se constatasse que você está morrendo de


ciúmes – Anahí fez uma careta irônica.

— Anahí! Pare com isso...!

— Ok, não está mais aqui quem falou!

Tudo correu completamente bem. Callie Torres assinou a alta de Anahí, deu
algumas recomendações e saiu dali antes de Karen e Lexie levarem-na.
Antes de as três efetivamente saírem do hospital, tanto Amelia quanto Mark
apareceram para se despedirem de Anahí – mas ela estava muito mais
preocupada em observar a reação da amiga frente ao ex-namorado. No fim
das contas Mark ficou para trás, porque Lexie seguiu com Anahí para onde
elas iriam. Assim que entraram no táxi, essa foi a primeira pergunta de
Anahí.

— Para onde nós vamos? – ela franziu a testa encarando a mãe – Para
casa...?

— Pro café – Karen disse – Sua avó está nos esperando lá.
Anahí imediatamente se sentiu desconfortável. O café não era mais o lugar
do qual ela se lembrava. Não era mais o negócio de sua mãe, sendo
reduzido ao lugar que ela conheceu Tobias.

Pensando bem, o mundo não parecia mais tão seguro quanto antes...

Mas como dizer isso a uma Karen entusiasmada e sorridente, cujo rosto
sorria por pensar que estava levando a filha de volta para a própria vida?
Anahí tinha na ponta da língua que preferia ir de volta para a própria casa, o
quarto no qual dormiu a vida inteira, que era o seu quarto antes da
faculdade, antes de decidir dividir um apartamento com Poncho, mas sabia
que decepcionaria a mãe, talvez os avós também. Acabou se forçando a
ficar no silêncio mais uma vez e fingir que estava tudo bem, tentando
repetir na própria mente que tudo ficaria bem, que Tobias estava preso e
nada iria acontecer dessa vez.

Anahí não esperava descer do táxi com alguma dificuldade, chegar no café
que estava escuro e, após a mãe abrir a porta do lugar e acender as luzes,
ver várias pessoas conhecidas, vários rostos familiares – alguns deles que
ela nem sequer tinha revisto no hospital – lhe gritarem um animado
surpresa! Ela abriu um sorriso nervoso, com um certo susto, reconhecendo
os amigos no meio da multidão, entre outros, e assim que o susto passou, se
dando conta que talvez toda aquela bagunça viria a calhar, porque pelo
menos com muita gente teria muita distração e ela quase não pensaria nas
lembranças que aquele lugar ainda era capaz de lhe despertar.

O Karen's Café, visualmente, não era mais como estava nas lembranças de
Anahí. Karen, junto com Ellie, tinha modernizado o lugar, a decoração
estava diferente. Foi com alívio que Anahí se deu conta daquilo. Não deu
tanto tempo mais de pensar em muitas coisas: ela estava em uma cadeira de
rodas pela perna imobilizada, mas tinha tanta gente vindo falar com ela que
parecia difícil administrar. Christian estava ali, Mane estava, bem como as
famílias de ambos, as mães de Sophia e Maite, e várias outras pessoas que
Anahí não reconhecia de rosto, mas rapidamente reputava como conhecidos
próximos dos amigos, a quem ela certamente logo viria a ser apresentada.

Uma dessas desconhecidas se tornou assunto.


— Que diabos a Lindsey está fazendo aqui...? – Lexie sussurrou para Maite
e Christian assim que os encontrou. De um lado do evento estavam Jesse
com a namorada e Mane; do outro, Sophia acompanhada de ninguém
menos que Samantha, a filha de seu ex-namorado. Entre eles, um clima
mais desagradável que o previsto.

— Ah, ela é a entrona né? – Maite revirou os olhos – Eu desci o cacete de


esporro no Jesse, mas se mancar não é o forte dele, não a toa é bff de quem
é.

— Você brigou com Jesse por causa da Lindsey? – Christian franziu a testa.

— É no mínimo desnecessário ele trazê-la com a Sophia aqui, não é? – a


morena deu de ombros.

— Olha ela defendendo a Sophia – Christian provocou, recebendo um olhar


gélido da amiga em resposta.

— Eu apenas não gostaria que qualquer ex meu fizesse a mesma coisa.

Lindsey realmente nem cogitou ir embora. Ela não era inocente a ponto de
achar que a própria presença não incomodava, sabia que Jesse e Maite
tinham brigado mais cedo por causa dela, mas como o namorado fincou o
pé que ela ficaria, apenas sentiu o ego crescer pela situação e sorriu
vitoriosa. Agora o sabor da vitória não era mais tão grande assim, já que ela
olhava para frente e via Sophia brincando com a criança que agora era sua
enteada. Samantha não dava qualquer espaço para a nova madrasta, ficava o
tempo inteiro com sua tia So e era aquilo até o fim. Jesse a tranquilizava
dizendo que Samantha ainda não estava acostumada com a situação, mas
que era questão de tempo. O problema é que Lindsey não era paciente. Ela
não estava disposta a esperar.

A nova namorada de Jesse não era a única pessoa nova ali. Um pouco
depois do início da festa, Lexie se surpreendeu ao ser cutucada por
Christian e, quando olhou na direção que a cabeça do amigo apontava, viu
Jackson entrando no café e sorrindo para ela, caminhando em sua direção.
Ela imediatamente arqueou as sobrancelhas completamente surpresa.
Depois de tanto tempo demonstrando o mais absoluto desinteresse pelo
estado de sua amiga, Lexie realmente não esperava ver o namorado ali.

— O que foi? – ele perguntou vendo a reação dela – Eu fiz mal em ter
vindo?

— Não, é só que... eu não esperava – ela deu um sorriso sem graça,


sentindo-o beija-la nos lábios – Como você sabia...

— Que você estava aqui? – Jackson perguntou – Sloan me disse. Ele falou
que você comentou com a Amelia da festa surpresa, e disse que eu deveria
aparecer.

— E você decidiu vir – Lexie completou mais surpresa ainda.

— Eu estava em dívida com você – Jackson constatou – Você tinha razão,


Lexie. Eu fui um idiota, pensei demais em mim e te negligenciei. Você não
merece isso e não é justo com a sua amiga. Eu quero conhecê-la, quero
estar próximo. Se é importante para você, é importante pra mim também.

Lexie assentiu imediatamente, ainda confusa, sentindo Jackson abraça-la e


em seguida beija-la no rosto. Ela não estava estranhando tanto a fala dele
em si, não era nada daquilo. A questão não era a última frase que Jackson
tinha dito, mas sim a anterior: ele falar que Mark fora quem sugerira sua
presença ali naquela tarde. Não era apenas constatar que Mark tentou ajudar
seu pupilo em seu relacionamento com sua ex-namorada... era perceber que,
se ele estava fazendo isso, provavelmente queria que os dois ficassem bem.
O que significava que ele provavelmente não se importava se eles estavam
bem.

A questão era que Lexie não sabia se ficava feliz ou não pela reação de
Mark. Ela não sabia se estava pronta para perceber que ele provavelmente
não sentia mais nada por ela.

xxx
Anahí de repente se viu presa no meio de um papo materno. Há muito
tempo as mães de seus amigos tinham criado para si uma amizade e não era
nenhuma surpresa ver Olívia – a mãe de Sophia, Victoria – a mãe de Maite,
e Priscila e Jade – as mães de Mane (porque ele era fruto de um casamento
lésbico) todas juntas no mesmo lugar. Não era de se surpreender que Karen
não tinha apenas convidado as amigas da filha para aquela comemoração,
mas também suas mães e que todas elas em um dado momento fizessem um
círculo em sua volta e começassem a falar do quanto sua presença ali era
algo realmente maravilhoso.

Ao menos era assim no começo. Logo Anahí se viu às voltas em assuntos


completamente diferentes.

— Eu realmente achava que Sophia casaria com o Jesse e agora eu já seria


avó – Olívia resmungava visivelmente – Tudo bem que eu nem sou tão
velha assim, mas com a idade dela já tinha uma filha de sete anos.
Realmente acreditei que seria avó!

— Com a Maite eu nem tento – Victoria riu – Ela me dá um fora antes


mesmo de eu abrir a boca.

— Nem vou falar nada sobre o Mane – Jade suspirou longamente – Até
porque pra ele me dar um neto, teria que arrumar uma namorada antes, se
casar com ela, e do jeito que ele não é capaz de mostrar pra mulher que
gost...

— Jade, shiu – Priscila recomendou. Anahí já ria porque sabia exatamente


do que elas estavam falando.

— Ah é, nós estamos te constrangendo não é Any? – Jade suspirou se


sentindo culpada, na verdade disfarçando – Ok, vamos falar de outra coisa.
Já sei, signos! Victoria, que horas a Maite nasceu?

— Por que a pergunta? – Victoria franziu a testa.

— Pro mapa astral, querida – Jade deu um sorriso amarelo – Na verdade eu


poderia fazer o da Sophia também, vai que ela tem compatibilidade com o
do Jesse?
— E da Maite seria para que exatamente? – Victoria franziu a testa ainda
sem entender.

— Provavelmente para ver com quem ela combina – Karen respondeu já


rindo.

No fim das contas Anahí tinha razão: aquela história de ter gente demais ali
a faria se distrair facilmente.

Mas era fácil ter os pensamentos desviados quando se está fora de uma
realidade. Para Anahí não durou tanto tempo assim. Ela conseguia enquanto
estava ouvindo a conversa da mãe com suas amigas, as mães de Sophia e de
Mane reclamarem que queriam netos, a mãe de Maite sem perceber que
Jade sugeria o tempo todo que o filho era apaixonado pela filha dela, todas
compararem sem parar como as coisas eram em seus próprios tempos de
juventude com o mundo atual. Ela realmente era capaz de se distrair ali.
Mas bastou que a porta do café se abrisse e uma figura conhecida demais
por todos eles – principalmente, por ela – aparecesse e sugasse para si todas
as atenções.

Poncho.

Assim que ele entrou, curiosamente não foi Anahí a primeira a notar. Ela o
viu depois que o vulto apressado de Samantha cortou o grupo no qual ela
estava inserida, das mães que queriam se tornar avós, na direção da porta
para abraçar o tio Poncho. Ele era o padrinho da menina, imediatamente ela
ficou feliz com sua presença, com a novidade daquele evento um pouco
entediante para uma criança de cinco anos. Anahí levantou o olhar para ver
para onde, na verdade para quem Samantha corria, e foi com a mais
absoluta surpresa que ela viu o ex-namorado parado bem ali.

Que diabos ele fazia ali? Ela não tinha sido suficientemente clara ao dizer
que ele deveria se manter longe?

Mas o olhar de Anahí se manteve fixo nele, bem como na conversa que ele
começou a ter com Samantha, ainda na porta do café.
— Que bom que você chegou tio – a menina disse abraçando-o pelas
pernas, tendo os cabelos acariciados pelo padrinho – O Dani veio com
você?

— Não, ele não veio princesa – Poncho fez uma cara de poucos amigos.

— Ah, que droga...! – Samantha cruzou os braços e armou um bico – Essa


festa ta muito chata.

— Tudo bem, eu vou falar com uma amiga e depois venho brincar com
você, ok?

A amiga em questão, evidentemente, era Anahí. Poncho sabia que


provavelmente não seria bem vindo, mas como Arthur o tinha convidado,
isso serviu como uma chama de algum tipo de esperança de que a ex ao
menos não o rejeitaria. Só que ele não chegou até ela, em especial porque
Lexie se desvencilhou de Jackson e chegou nele antes dele chegar em
Anahí, junto com Sophia, ambas com olhares estreitos de quem estava
prestes a mata-lo por sua simples presença.

— O que você veio fazer aqui...? – foi Sophia quem perguntou. No fundo
dela, Poncho era capaz de ver Maite de braços cruzados, fuzilando-o com o
olhar.

— Arthur me convidou – Poncho tratou de explicar de cara – Eu não vim na


cara dura.

— Você não deveria ter vindo assim mesmo – Lexie ralhou – Arthur é um
velhinho emotivo, não é uma opinião que deve ser levada em conta.

— Ora ora Lexie, eu fico ofendido assim – Arthur surgiu atrás delas com
um sorriso travesso – Vamos, não briguem com o Poncho. Eu o convidei.
Está na hora dele e da minha Any se resolverem de uma vez.

— Se você acha isso Arthur, eu não irei discutir – Sophia disse num suspiro
– Ei Sam, vamos voltar pra onde estávamos?
— Nessa festa chata...? – Samantha revirou os olhos, vendo a tia estreitar os
olhos para ela – Ta bom, ta bom...!

Poncho e Anahí passaram o evento inteiro se encarando de rabo de olho.


Ela não era capaz de falar com ele, e nem ele com ela. Evidentemente o
grupo de amigos se dividiu, apenas Jesse e Mane ficavam próximos dele,
Sophia se manteve afastada porque Lindsey estava ali e ela não era capaz de
aguentar. Maite não sabia o que a irritava mais: Poncho estar ali ou Jesse
manter a namorada para provocar a ex. Ela estava tão incomodada com isso
que sequer percebeu sua melhor amiga ainda afetada pela presença do ex,
ainda se sentindo triste por tudo o que tinha acontecido, mas sem conseguir
evitar estar afetada pelo fato de tê-lo visto de novo.

Só que não era nem de longe esse o fato que realmente tinha mexido com
Anahí. Depois do bolo e de todos aos poucos começarem a se despedir e ir
embora, ela finalmente respirou aliviada acreditando que teria um momento
de paz. As pessoas tinham saído, ela poderia ir para casa – que ficava quase
ao lado do café – e finalmente sentir algum tipo de refúgio e tranquilidade
que tanto estava buscando. Ela não pensaria nos próprios traumas, não
pensaria em Poncho, apenas colocaria a cabeça no velho travesseiro no qual
costumava dormir há tanto tempo que parecia outra vida e ao menos fingiria
para si mesma que tudo ficaria bem e que o dia seguinte seria um novo dia.

Até que uma surpresa aconteceu.

Um dos rostos desconhecidos que habitavam a festa, notados por Anahí,


permaneceu ali. Ela estava guardando as coisas quando viu o homem em
questão dentro de sua casa. Não sabia quem ele era e, sobretudo, o que fazia
ali. Tanto Ellie quanto Arthur naquele momento pareceram apreensivos e
Karen mais ainda. Anahí, por sua vez, não entendia nada. Alguém tinha
esquecido de lhe dizer algo? O que estava faltando ser falado?

O estranho era que o homem em questão tinha algo de familiar. Ela não
sabia dizer o que, mas que tinha, tinha.

Logo ela descobriu.


— Olá Anahí – o homem em questão murmurou com um sorriso carinhoso
– Eu estava ansioso para te ver.

— Quem é você? Nós nos conhecemos? – Anahí perguntou com a testa


franzida.

— Eu te conhecia, mas você não... – ele suspirou calmamente – Meu nome


é Keith Scott.

— Prazer – Anahí estendeu a mão e ele a apertou – Você é...?

— Querida... – Karen interviu na situação, parando ao lado de Keith e


olhando a filha com receio, torcendo silenciosamente para que a sua reação
fosse a melhor possível – Tem algo que eu preciso te dizer.

— Eu não estou entendendo – Anahí permaneceu com a testa franzida, mais


confusa do que nunca e, sobretudo, estranhando consideravelmente a
familiaridade que estava sendo criada entre sua mãe e aquele tal de Keith.

— Keith é meu marido – Karen rapidamente explicou e não viu grandes


choques no rosto de Anahí... porque a informação não estava completa –
Ele... ele é seu pai.

Agora sim estava explicado.

Hellooooo pessoal! Como estão? Nível de 0 a 10 do quanto to sendo


xingada por parar na melhor parte? Curiosidade hahahaha

Finalmente temos aqui a alta da Anahí tão esperada e seu retorno pro
mundo real. Bombado, né? A família e os amigos resolvem fazer uma festa
surpresa e o que não faltam realmente são surpresas: o Poncho presente, a
Maite defendendo a Sophia e o Keith no final. Até a Lexie recebeu a
surpresa da presença do Jackson... uma noite e tanto, não é?

Sobre a Maite, eu tenho visto opiniões bem diversas e, embora não tenha
respondido ainda os comentários (porque to mais enrolada do que sei lá o
que), estou ligada que ao mesmo tempo que ela é intensamente amada, é
também intensamente odiada rs. Maite é uma personagem bem ambígua e
eu sabia que ela despertaria paixões e emoções bem opostas, não esperava
reação menor de vocês. Eu gosto que um personagem desperte coisas
diferentes mesmo porque na vida é assim, tem gente que nos ama e tem
gente que nos odeia. O caso é que eu pretendo que, ao final, fujamos um
pouco da vida e todas vocês a amem hahahahaha. Ela é uma personagem
difícil, com uma personalidade bem temperamental, mas como eu disse, ela
é ambígua e nesse capítulo a ambiguidade dá as caras. Maite no fundooooo
não sente tanta raiva da Sophia assim e é uma boa leoa para protegê-la
também, a amizade ta guardada bem lá no fundo e querendo aparecer, ela só
tem um orgulho imenso e dificuldade de dar o braço a torcer. Na hora que
ela vê o Jesse levando a Lindsey joga toda a antipatia criada no ralo e quase
bate nele porque sabe o que a Sophia vai sentir quando ver a nova
namorada do ex ali causando (Lindsey é um saco e Jesse não ajuda,
complicado né). Não vai ser a primeira vez que isso vai acontecer e logo
veremos uma certa @ que vai perceber isso e levemente incentivar as
amiguinhas a se reconciliarem. Sei que vocês vão gostar e que vocês vão
confiar em mim, eu sei sim :)

Boa semana pra todo mundo e bom feriado, já adiantando que na quinta tem
uma ceninha AyA!

Beijos,

Rafa
Capítulo 11 - Immutable truth

Determinadas verdades são construídas por tanto tempo que acabam se


tornando quase imutáveis. Passa-se tanto tempo acreditando nelas que se
torna completamente difícil pensar de maneira contrária. Está enraizado,
acimentado, não tem como simplesmente retirar dali. Não é possível
desfazer. Simples assim.

Era exatamente essa a definição da situação entre Anahí, Karen e aquele


homem que ela tinha acabado de ser apresentada: Keith. Seu pai.

— Ele o quê? – Anahí perguntou completamente perplexa.

Anahí olhava da mãe para os avós. Os três tinham a mesma sombra no


rosto, o medo no olhar, como se temessem a reação dela. Provavelmente o
mesmo tipo de reação que ela tinha naquele momento. Mas o que
esperavam que acontecesse? Anahí estava chegando em sua casa, que era o
seu refúgio, o espaço onde ela esperava encontrar segurança e tranquilidade,
e se deparava com um homem que nunca tinha visto antes se apresentando
como seu pai. E pelo visto, pelo modo como todos ali se comportavam,
quando ela reapareceu as coisas já estavam daquele jeito e ninguém se
importou de lhe avisar. Novamente.

Quantas outras mentiras estavam lhe contando? O que mais estava sendo
escondido? O que mais faltava descobrir nos piores momentos possíveis?

— Anahí, eu posso explicar – Keith murmurou, mas claramente a filha não


lhe dava a mínima atenção.

— Desculpe senhor, mas pra mim, você é um desconhecido – Anahí


respondeu ríspida e um tanto seca – Eu quero uma explicação sim, mas da
minha mãe.

— Muitas coisas aconteceram desde que você desapareceu querida... –


Karen começou a falar, mas a filha sequer lhe deu a chance.
— Sim, pelo visto houveram muitos casamentos por aqui – Anahí disparou
– Poncho, você... quem mais casou e não fez questão de me contar?

— Não misture as coisas – Karen pediu – Meu caso é totalmente diferente


do Poncho. Eu reencontrei Keith depois que você sumiu, ele me ajudou a
superar a dor que eu sentia porque era a única pessoa que também a tinha.

— Que dor? A dor de perder um filho? – Anahí devolveu – Como ele pode
ter sentido essa dor se nunca teve uma filha...?

— As coisas não são como você pensa Anahí – Keith falou, mas não teve
qualquer chance contra ela.

— Ah, não são? – Anahí cruzou os braços – Olhem, eu não me lembro de


quando ou como fui sequestrada. Não me lembro como fui parar naquela
casa, mas me lembro perfeitamente bem cada dia da minha vida em que
você não esteve aqui. Me lembro de cada barra que a minha mãe segurou
sozinha, de cada sacrifício que ela teve que fazer por mim por eu não ter um
pai, me lembro que quem a apoiou foram os meus avós, enquanto você
provavelmente curtia a sua liberdade. Eu lembro dela chorando por ter que
enfrentar tudo sozinha, então por favor, não me venha com essa de que você
sofreu o mesmo que ela! Você nem me conhece...!

— Tudo bem – Keith entregou os pontos – Você está certa. eu não sofri o
que a sua mãe sofreu. Eu não te conhecia, na verdade eu não te conheço. E
é exatamente por isso que eu senti tudo aquilo. Foi exatamente essa a razão
de eu ter um buraco enorme no peito: eu descobri a oito anos que tinha
perdido uma filha que nunca tive a chance de ter.

— Nunca teve a chance...? – Anahí quase gritou – Você a abandonou!


Abandonou nós duas!

— Não! Eu não abandonei! Eu nunca soube que a Karen estava grávida! –


ele se defendeu – Como eu disse, tem uma parte da história que você não
conhece. Que a sua mãe só conheceu quando você não estava mais aqui pra
ouvir. E se você me der a chance de te contar...
— Chance? – Anahí desdenhou, já saindo dali – Eu não quero nem olhar
pra sua cara.

— Querida... – foi Arthur quem falou dessa vez – Fique. Por favor. Eu
garanto a você que vai valer a pena.

— Difícil acreditar que até vocês mentiram pra mim – ela murmurou
magoada – Meu Deus, será que alguém não mentiu desde que eu voltei?

Anahí saiu da sala disparada. Sua intenção era sair de casa – já que ali
dentro já não conseguia se sentir mais confortável, por motivos óbvios –
mas para onde ir? Qualquer lugar fora daquele espaço era inseguro. Depois
de oito anos presa no mesmo lugar, mais nenhum poderia ser adequado.
Qualquer lugar ela era refém, estava vulnerável e não dava mais para se
sujeitar a uma vida como aquela. Anahí acabou voltando para o café, ainda
bagunçado pelo pós-festa, mas ao menos vazio, onde ela poderia ficar
acompanhada apenas dos próprios pensamentos.

Tudo aquilo era difícil para todos os lados. Os ângulos eram oblíquos na
história, não tinha certos e errados. Anahí não teve conhecimento do que
separou seus pais, ela só conhecia a própria versão daquilo tudo. O que ela
tinha vivido ao lado da mãe era a sua própria verdade. E o que Anahí viveu
foi uma vida difícil e de sacrifícios e abstenções. Karen não fez faculdade,
trabalhou bastante até juntar dinheiro para ter o próprio negócio. Arthur e
Ellie a ajudavam como podiam, por vezes seguraram a barra e hipotecaram
a própria casa para que a filha pudesse abrir o café. Foram dias e dias,
noites e noites de trabalho árduo, sem alguém ao seu lado para dividir os
problemas, as dívidas e a rotina de mãe. Karen cuidou da filha sozinha,
garantiu a melhor educação possível para Anahí, poupando dinheiro mesmo
após o negócio se estabilizar para permitir que a filha fosse para a faculdade
e se realizasse da maneira que ela nunca pôde. Tanto sacrifício para Anahí
acabar sequestrada e com a vida interrompida.

Era óbvio que Anahí sequer tinha cogitado que, ao voltar para casa,
encontraria um homem se dizendo seu pai. No meio da própria luta para
viver cada dia ela ouvia os parcos relatos da mãe sobre Keith. Ela sabia o
nome dele, sabia seu sobrenome e sabia a história exata, a mesma que sua
mãe lhe contou quando ela era ainda uma menina pela primeira vez e
repetiu apenas adicionando detalhes conforme o tempo passou. Karen
namorava Dan, o irmão de Keith, que terminou com ela ao ir para a
faculdade. Keith e ela se davam bem, ele sempre tinha demonstrado algum
interesse nela e os dois se aproximaram no mesmo verão que Dan foi
embora. Se comunicaram por cartas por um ano, até o verão seguinte,
quando Keith voltou à cidade onde ela morava e os dois se envolveram.

Disso nasceu Anahí, meses depois.

Karen sempre achou que o ex sabia da filha e o rejeitou. Afinal, ela disse a
Royal e Meg, os pais de Keith, que estava grávida dele. Enviou dezenas de
cartas, sem nenhuma resposta. Como ela poderia pensar que ele estava
fugindo das próprias responsabilidades? Como era uma cidade pequena, a
notícia se espalhou. As portas se fecharam diante de Karen, as poucas
oportunidades sumiram, ela perdeu até mesmo o emprego que tinha como
vendedora. Logo Arthur deu um ponto final na história, decidindo com Ellie
se mudar para Nova York, onde a família dele morava. Lá eles teriam a
chance de recomeçar sem o peso do passado. A família Portilla seguiu para
o Brooklyn com Karen ainda grávida e começou a reconstruir sua história a
partir daí.

Então não era preciso dizer que Anahí não iria aceitar de maneira fácil que
havia outro lado naquela história toda, e que esse lado agora estava
materializado em sua casa, exigindo a oportunidade de contar sua versão. O
pior de tudo é que sempre tinham sido Karen e ela, e agora ela notava, ante
o silêncio da mãe, que passaram a ser Karen e Keith. Anahí nunca se sentiu
tão sozinha. Não era assim que ela achava que as coisas seriam quando ela
voltasse para casa.

Só que Anahí não estava tão sozinha assim, ao menos não geograficamente
falando. Encostada no sofá que ficava no canto do Karen's Café, ela viu um
vulto conhecido se aproximar da porta do lado de fora e abri-la, procurando
algo e, a princípio, sem nota-la. Anahí chegou a se perguntar se conseguiria
escapulir dali. Ao se dar conta que não, não era, suspirou desapontada.

Poncho estava exatamente com a mesma roupa de mais cedo. Pelo andar da
hora, ele não devia estar muito longe dali quando resolveu voltar. Anahí
estava curiosa para saber o que ele tinha ido fazer, mas não sabia se era uma
boa ideia falar com ela ou não. Mas pelo visto Poncho não tinha opção.

— Eu... esqueci o celular – ele rapidamente justificou a própria presença


ali, rapidamente se preocupando em qual seria a reação dela ao vê-lo,
principalmente por estar sozinha.

— Se minha mãe não mudou tanto assim nos últimos oito anos, ta do lado
do caixa – Anahí disse sem encara-lo, mordendo os lábios.

— Exatamente aqui – Poncho constatou pegando o aparelho e olhando para


ela sorrindo, à espera de uma reação, qualquer que fosse. Mas essa não veio
em um olhar, mas sim numa frase.

— Ao menos isso não mudou esse tempo todo.

Poncho obviamente não sabia que Anahí tinha acabado de descobrir, da pior
maneira possível, que Keith não apenas era seu pai, mas que sua mãe tinha
se casado com ele e deixado para lhe dizer somente quando ela voltou para
casa. Não sabia que isso tinha agravado a sensação de solidão dela, que
tinha lhe tirado a sensação do único lugar que lhe parecia um lar. Então
naturalmente ele achou que Anahí se referia à ele. Achou que aquela reação
era uma rejeição a não apenas a sua presença na festa, mas também àquele
retorno inesperado. Que era uma indireta, uma piada.

Ele até pensou em reagir. Em ficar na defensiva, em devolver com algum


tipo de agressividade, lembrando que estava cansado de ser acusado o
tempo inteiro. Mas a razão foi mais rápida que a emoção. Poncho
rapidamente pensou que, se ele estava farto daquela situação, Anahí mais
ainda. Ela não merecia ser ainda mais agredida do que já tinha sido
naqueles últimos oito anos. Bastava. Ele tinha que ter paciência. Tinha que
ser carinhoso. Nem que passasse os próximos oito anos tentando fazê-la
entender, ele passaria.

Foi assim que Poncho caminhou lentamente na direção dela, se sentou com
calma ao seu lado e, com um sorriso no canto da boca um tanto sem graça,
se pôs a falar.
— Eu sinto muito.

Anahí não respondeu. Ela continuou olhando na direção contrária, o olhar


perdido, como se não tivesse nada a dizer. Porque ela pensava em Keith, em
Karen, não em Poncho. Como ele não sabia, não parou por aí.

— Eu queria ter esperado você – ele respondeu, finalmente trazendo uma


real atenção de Anahí para si – Não teve um dia em todos esses anos que eu
não pensei em você, que eu não senti a sua falta. Eu sei que isso não muda
nada. Eu sei que parece hipócrita porque na maior parte desses dias eu tinha
outra pessoa do meu lado e ela não era você. Mas foi exatamente assim que
eu me senti, de verdade.

Mas a resposta de Anahí não era algo que Poncho estava esperando.

— Você achou que eu estava falando de você...? – ela franziu a testa


honestamente confusa, gerando nele uma igual confusão.

— Você não estava...?

— Não – Anahí negou na mesma hora, sentindo uma súbita vontade de rir –
Olha a minha cara de quem manda indiretinha.

— Se você não estava falando de mim exatamente quando eu cheguei aqui,


de quem...

— Ah, do meu papai – ela imediatamente debochou – Keith.

— Ah – Poncho murmurou franzindo a testa – Karen não conversou com


você sobre ele?

— Você conversou comigosobre a sua esposa? – ela devolveu com a ironia


palpável.

Pelo visto algumas coisas da velha Anahí permaneciam mais imutáveis do


que nunca...

— Ok, eu não vou me defender, nem defender a sua mãe, mas são situações
completamente diferentes... – Poncho começou a argumentar.
— Curiosamente foi o mesmo que ela disse – Anahí suspirou – Vocês
ensaiaram?

— Não – ele riu – Estou dizendo isso porque eu estava aqui quando Keith
apareceu. E eu vi o quanto ela resistiu. Como vocês duas se parecem, não
me surpreende nem um pouco que você esteja rejeitando-o de cara também.

— O que eu deveria fazer...? – Anahí bufou longamente revirando os olhos


– O cara ignorou a minha existência por vinte e três anos e agora espera que
eu acredite nesse papo de papai que sempre sonhou em conhecer a
filhinha...?

— Como você pode ter tanta certeza que ele ignorou? – Poncho questionou
– Any, quantas vezes eu te disse isso? Quantas vezes nós conversamos e eu
falei pra você que talvez as coisas não fossem assim?

— Muitas, mas daí a realmente ser...

— A questão é que era – Poncho retrucou – Quando o Keith apareceu, ele


não perguntou pra Karen era se você era filha dele. Porque ele tinha certeza
que você era.

— É claro que eu era filha dele...! Ele acha que a minha mãe era o quê? –
Anahí se rebelou mais ainda – Acha que ela transava com todo mundo...?

— Deus, você é impossível – Poncho riu negando com a cabeça – Sempre


tem um argumento na ponta da língua.

— Fiz faculdade de Direito Poncho – ela deu de ombros, usando o mesmo


argumento de uma década atrás, quando já o vencia em qualquer discussão.

— Keith nunca soube de você – Poncho explicou – Os pais dele nunca


disseram, porque não queriam que ele largasse a faculdade pra casar com a
sua mãe e te assumir, que é o que ele teria feito se soubesse.

— Ah claro, porque você já o conhece o suficiente pra dizer o que ele teria
feito...
— Eu o conheço há oito anos – Poncho devolveu – Você o conhece a o que,
dez minutos? Realmente é você que ta certa né Anahí?

E parecia que Poncho tinha marcado seu primeiro ponto no placar.

— Keith nunca se casou – Poncho continuou – Nunca teve filhos. Ele era
apaixonado pela sua mãe desde que ela namorava o irmão dele... e ela ter
ido embora partiu o coração dele. Ele se tornou bem sucedido, mas
ninguém na cidade os conhecia, ninguém sabia pra onde eles tinham ido
porque Arthur e Ellie esconderam de todos. Ele só ficou sabendo de você
porque, quando você sumiu, a história toda saiu nos jornais... e ele viu. Ele
reconheceu a Karen, viu a sua foto, viu em você a mãe dele. Pela foto que
ele mostrou, você é idêntica a ela. Então ele apareceu mais para confirmar
tudo do que qualquer outra coisa.

— E por que diabos ele não voltou pra maldita terra dele assim que
confirmou e a deixou em paz? – Anahí cruzou os braços injuriada.

— Porque ele tinha acabado de descobrir que tinha uma filha de vinte e três
anos que desapareceu sem mais nem menos e que a mulher que ele sempre
amou achava que ele a tinha abandonado grávida – Poncho disparou – Ele é
um homem de verdade. Ele nunca a abandonaria.

— Abandonou uma vez.

— Certo, é o que você quer acreditar...

— Eu vivi essa verdade Poncho – Anahí suspirou – Eu vi cada choro da


minha mãe por causa dele. Escondida, mas vi. Eu vi os sacrifícios dela, o
sofrimento, tudo o que ela abdicou pra mim, e ele poderia estar ao lado
dela, batalhando com ela, mas não...

— Ele não sabia...

— É o que ele diz!

— Tudo bem – Poncho respondeu dando-se por vencido – É difícil pra você
acreditar. Mas eu conheço você. A Anahí que eu conheço tem um coração
enorme, embora também tenha uma grande cabeça-dura. Eu sei que uma
hora esse coração vai falar mais alto que essa teimosia imensa.

— Eu não sou a minha mãe – Anahí ressaltou – Eu não vou aceitar esse
cara.

— Dê tempo ao tempo – Poncho aconselhou – Não diga nunca.

Poncho sentia que já tinha feito mais do que tinha ido até ali fazer. Era
simplesmente uma volta rápida, o plano era simples: pegar o celular e ir
embora. Diana o esperava, Daniel o esperava. Agora já tinha escurecido e
ele estava ali, sentado no café ao lado de Anahí, conversando com ela com
a mesma franqueza de anos antes. Nem quando eles tinham se beijado ele
se sentia tão próximo do passado quanto naquele momento. Desde o
reaparecimento dela os dois não tinham tido uma conversa tão franca, que
os fizesse parecer tanto com o casal que tinham sido um dia. Era inevitável
não comparar. Poncho sentia na pele aquele contraste, o impacto era forte.

— Eu preciso ir – ele disse levantando – Você ta bem? Vai voltar pra


casa...?

— Eu... eu devo né? – Anahí perguntou encarando-o, como se esperasse


nele uma resposta – Não queria, mas... não me sinto segura aqui.

— Eu acho que seria importante você voltar – Poncho aconselhou se


abaixando e ficando na altura dela – Sua mãe vai te respeitar, todos vão.
Eles sabem que você precisa desse momento.

— É que... sair daqui assim...

— Vamos lá, eu levo você – Poncho disse estendendo a mão para ela –
Ande, não é tão longe assim, você não precisa me aturar muito.

Anahí riu.

— Tudo bem – ela disfarçou – Mas só porque não é tão longe.

E agora sim Anahí sabia que Poncho dizia isso, de certa forma, por sua
própria causa. Ele estava dando o momento dela, o tempo que ela precisava
para se acostumar com aquela nova realidade. Porque afinal, em outros
tempos, Poncho não se despediria. Disso Anahí se lembrava: noites e noites
debatendo coisas no café fechado, às escuras... ele a acompanhava até em
casa, por vezes nem esperando ser convidado para ficar, mas quando via ele
já estava aos beijos com ela entrando em seu quarto em passos que
tentavam que fossem silenciosos para sua mãe não ouvir. Se se calasse,
Anahí conseguiria se lembrar dos gemidos dele no ouvido dela enquanto a
penetrava.

Nem parecia que uma vida tinha se passado desde então.

— Por que você veio? – Anahí perguntou enquanto os dois caminhavam


para fora do café – Eu não esperava pela festa, mas esperava menos ainda
você nela.

— Seu avô me convidou – ele respondeu – Eu sei que eu não deveria ter
vindo... mas eu não senti que não conseguiria.

Anahí não respondeu. Ela não queria concretizar em palavras o que


pensava. Não estava pronta para perdoa-lo e para esquecer a mágoa que
ainda estava em seu coração por ele ter se casado, por ter mentido. Não
podia dar a entender algo diferente daquilo... e talvez por isso fosse melhor
ficar mesmo em silêncio. Assim, não era preciso dizer o que aquele seu
coração teimoso estava sussurrando. Que, embora magoada, ainda ferida e
mais confusa do que nunca, ela tinha adorado vê-lo mais uma vez.

xxx

A noite custou a passar para Sophia. Quando ela chegou na cafeteria, era
como se não tivesse dormido. Ela sabia a razão de ser disso: pensamentos
demais. Muitos fantasmas habitando uma mesma cabeça e lhe tirando o
sono. Apertos no peito, dores que nem eram físicas, a faziam ficar acordada
até tarde. o despertador não costumava ser piedoso. Às oito, lá estava ela.
Por sorte, Torrey cumpria o protocolo e a Sophia's, a confeitaria da qual
eram sócias-proprietárias, estava aberta com a mesma regularidade de
sempre.
— Nossa, senti a sua animação pelo seu simples olhar – Torrey comentou
encarando-a, tentando buscar um significado naquele olhar – Ta tudo bem,
Soph?

— Uhum – Sophia mentiu, entrando para dentro da cozinha e colocando o


avental na expectativa de fugir da amiga e de suas perguntas habituais.

Ledo engano. Torrey a seguiu, sem lhe dar tantas alternativas assim.

— Eu vou fingir que acredito – Torrey cruzou os braços encarando-a com


uma careta – Porque a Sam me contou o que houve ontem.

— O que exatamente ela te disse? – a voz de Sophia já parecia mais


apreensiva.

— Que o divino do papai dela fez o favor de levar a Lindsey pra festa
surpresa da Anahí mesmo sabendo que você estaria lá.

— Ah, isso? – Sophia fingiu não ter importância – Torrey, eu sei que Jesse
ta namorando. É algo que eu tenho que me acostumar.

— Você ter que se acostumar e ele ficar esfregando a garota na sua cara são
duas coisas bem diferentes – Torrey ressaltou – Olha, eu to com um
problema nisso tudo. Eu tenho uma filha que odeia a namorada do pai e eu
não consigo dizer pra ela que tem que gostar da Lindsey e ser legal com ela
sem ser completamente falsa.

— Mas ela tem que ser legal com a Lindsey – Sophia ponderou – Você ta
ensinando a Sam a fazer o certo, mesmo não gostando.

— Eu sei! Mas eu penso como ela – Torrey resmungou – Eu preferia você!


Sam preferia você. A mãe do Jesse preferia você, todo mundo preferia você
Soph!

— Nem todo mundo – Sophia corrigiu – Jesse pelo visto não.

— Foi você quem terminou.


— Porque ele foi um babaca – Sophia devolveu – Você me deu razão na
época Torrey. Mudou de opinião?

— É claro que não! – Torrey bufou longamente – É só que...

— Tooooooorreeeeeeey – Lívia disse invadindo a cozinha com aquele


sorriso malicioso que fazia a chefe saber exatamente o que ela tinha ido
fazer ali – Adivinha quem está aqui fora querendo ser atendido
especialmente por você...?

— O ruivo...? – a luz voltou ao rosto de Sophia. Ela nem parecia mais a


desanimada de antes.

— Ele mesmo! – Lívia confirmou saltitante. Sophia ficou do mesmo jeito.

— Vocês nunca vão desistir, não é? – Torrey revirou os olhos.

— Talvez uma hora nós consigamos fazer você entender que não se deixa
um gato daqueles passar despercebido – Lívia disse – Anda vai! Dê uma
chance pro ruivo! Se quer saber eu já levantei todas as informações
importantes sobre ele pra você.

— Que informações...? – Torrey arregalou os olhos. Sophia, por sua vez,


estava deliciada.

— Ta curiosa né? – Lívia provocou – Muito bem, o nome dele é Nick


Gehlfuss, ele é arquiteto urbanista, trabalha no Metrô de Nova York, está
trabalhando num projeto de modernização de algumas estações e é
divorciado e tem um cachorro.

— Deus do céu, vocês duas quando querem algo, conseguem – Torrey


negou com a cabeça rindo – Vamos atender o arquiteto do metrô então.

— Ela finge que não gosta, mas eu não acredito, e você? – Sophia
perguntou olhando para funcionária rindo.

— Nem um pouco!
O ruivo em questão não era a única novidade – embora não fosse tão novo
assim – na confeitaria. Jesse novamente apareceu acompanhado de Lindsey
e, tal como na tarde anterior, a garota fez toda a questão do mundo de
mostrar serviço e tentar ajudar no "negócio do namorado", mesmo com
Torrey e Lívia deixando claro que não era preciso qualquer ajuda. Não
adiantou, Lindsey queria ter motivos para estar ali e não abriria mão da
chance que estava alcançando. Se Lívia não podia fazer nada para evitar a
situação, se limitando a apenas revirar os olhos pela presença inconveniente
da namorada de Jesse, Torrey já estava pronta para puxar Jesse para o canto
e quase cortar o pescoço dele pela situação.

Só que não foi preciso... porque o universo deu o troco. Na forma de Chad
Michael Murray chegando ali.

— Boa tarde Lívia – Chad disse da forma cortês de sempre – A Sophia


está?

Lívia não gostava de Chad, assim como não gostava de Lindsey. Ela sabia
que um tinha sido a causa do fim do namoro de seus chefes, e a outra
acabou por afasta-los ainda mais e aumentar a mágoa. Mas a diferença era
que Sophia não impunha e forçava a presença do amigo que era detestado
por seu ex como ele fazia com a atual namorada. Chad nesse momento
parecia um remédio ruim, necessário tomar para se curar. Talvez ele viesse
a calhar para dar a Jesse uma lição que ele estava precisando aprender.

— Sim, ela está – Lívia disse vitoriosa – Sophiiiiiaaaaaa! Adivinha quem


está aqui? Chad ta a sua espera!

Jesse não tinha notado a presença do rival, mas levantou a cabeça de onde
estava ao ouvir seu nome. Chad sequer o notava, apenas tinha os olhos fixos
na porta da cozinha de onde Sophia saiu. Não era apenas ele que a
procurava com os olhos. Jesse agora encarava a ex-namorada procurando a
reação dela ao ver o "amigo". E não era nenhuma surpresa quando ele viu
Sophia saindo dali e abrindo um enorme sorriso ao ver Chad. Um sorriso
que foi como uma faca em seu coração, que despertou todo o seu ciúme,
todo o seu rancor, e uma mágoa que ele ainda não tinha sido capaz de
superar. Mágoa por um sentimento que ele podia tentar sufocar, mas ainda
estava ali.
Ele podia colocar Lindsey naquela cafeteria, nas rodas de seus amigos, em
sua casa e em sua cama, onde fosse, mas o lugar mais importante ela ainda
não tinha tomado. Dentro do coração de Jesse havia somente Sophia. O
único problema era que as atitudes dele o faziam perder cada vez mais
espaço dentro do dela. Por sua vez, Chad estava ali disposto a conquistar
aquele terreno.

Só não se sabia se ele iria conseguir.

~
Olarrrr mores! Como estão?

Espero que role um certo alívio depois desde capítulo a julgar pelo quão
nervousas vocês estavam com a ida do Poncho pra festa da Anahi. Eu só
coloquei a ida dele porque queria muito essa cena dele e da Anahi falando
do Keith, já que eles têm um contraponto bem interessante e fica evidente o
quanto os dois se conhecem bem e sabem lidar um com o outro.

Agora vocês sabem também a história da Karen e do Keith e sabem que a


Anahi não ta naaaada feliz com esse papai. Uma pena né? Keith é um
bolinho

E no final vemos o Chad (zzzzzzz) começando a aparecer e botar as asinhas


pra fora. De certo ponto bem feito pro Jesse né? Ele ta merecendo
hahahahaha vamos ver no que isso vai dar!

Bom fds pra todas!

Beijos

Rafa
Capítulo 12 - I think you will lose

O dia seguinte era fim de semana, um sábado, pedia um almoço mais


calmo, um dia mais tranquilo e fora da rotina. Era o que Diana esperava,
pelo menos. Daniel não iria para a escola naquele dia, sábados não
costumavam ser dias que Poncho saía para escrever; pelo contrário, ele
costumava se manter em casa ou os três saíam em família. Claro que as
rotinas poderiam ser alteradas com todo aquele furacao causado pelo
retorno de Anahí, mas ainda assim, Diana se esforçou para acreditar que ao
menos aquele dia seguiria o ritmo normal e ela conseguiria se lembra de
como era sua vida antes daquela confusão toda.

Ledo engano.

Poncho preparava o almoço, Diana o ajudava, Daniel brincava no corredor


próximo à cozinha quando a campainha tocou. Antes que os pais pudessem
cogitar quem fosse, o menino já corria a plenos pulmões para a porta. Diana
e Poncho se entreolharam preocupados, evidentemente os dois tinham
pensado o mesmo: aquela história toda de Anahí tinha tido muita
repercussão na imprensa e eles temiam que isso respingasse em Daniel. Por
isso Diana tentou caminhar para a porta para alcançar o filho, só que não
precisou. No meio do caminho a pequena voz do menino anunciou quem
estava ali. E não era nenhum jornalista em busca de um furo de notícia.

— Vovô e vovó estão aqui!

É claro que Poncho e Diana não sabiam quem eram os avós a quem o filho
se referia, já que tanto os pais dela quanto os dele eram vivos. No fim Diana
acabou chegando na sala e se deparando com a possibilidade mais remota:
eram seus sogros que estavam ali. E, para completar, Erendira, sua cunhada,
estava com eles.

— Surpresaaaa – Erendira disse irônica encarando a cunhada com uma


careta que indicava que ela não tinha sido a responsável por aquela visita
inesperada.
— Vocês não disseram que viriam... – Diana constatou com a testa
enrugada vendo o filho pular nas pernas do avô e nas da tia e Evelyn fazer
aquela expressão de que ela não deveria se preocupar.

— Nós decidimos ontem à noite e bem, por que não fazer uma surpresa? –
ela disse já abrindo os braços para receber a nora sorridente – Desculpe
querida, estamos atrapalhando?

— Não, é claro que não – Diana negou de pronto – Pareceu?

— Eu não te culparia se parecesse nem se de fato fosse, porque esses dois


velhos esqueceram que é falta de educação aparecer na casa dos outros
assim, sem mais nem menos – Erendira revirava os olhos enquanto
cumprimentava a cunhada.

— Ah, eu não posso fazer uma surpresa pra família do meu próprio filho? –
Robert resmungou – Aposto que o Dani adorou.

— Esteja certo – Diana sorriu sem graça.

— Papai? Mamãe? – Poncho franziu a testa ao chegar na sala e ver os pais


– Erendira...?

— Não me olhe assim, eu fiquei tão surpresa quanto você quando cheguei
em casa depois de cinco dias trabalhando e esses dois estavam assistindo
TV na minha sala me esperando. Uma dica pros dois... nunca deixem chave
reserva com o porteiro.

— Garoto, ignore a sua irmã rabugenta e venha dar um abraço na sua mãe –
Evelyn pediu abrindo os braços para Poncho, que ali entrou.

— Vovó, vovô, vocês trouxeram presentes? – Dani perguntou animado


batendo palminhas, fazendo a mãe ficar escarlate.

— Dani, quantas vezes eu disse que é falta de educação pedir presentes? –


Diana cruzou os braços olhando firme para o filho.

— Mas eu não to pedindo, eu to perguntando se eles trouxeram – Daniel


deu de ombros vendo uma óbvia diferença. Tanto Poncho quanto Erendira
tiveram que morder os lábios para não rir e acabar tirando a moral da mãe
do menino.

— Ande Diana, me deixe mimar o garoto, é meu único neto – Robert


reclamou com a nora que revirou os olhos.

Diana acabou por supervisionar as malas dos sogros sendo abertas e Daniel
recebendo mais presentes do que ela e Poncho costumavam achar
necessários. Pelo tipo de embrulho já tinha notado que Robert e Evelyn
decidiram a viagem às pressas e comprado qualquer coisa para o neto no
caminho apenas para não chegarem de mãos abanando. Nem ela nem
Poncho achavam aquela a melhor maneira de criar Daniel, dando presentes
desnecessários, brinquedos que ele já tinha, mas não tinha como frear os
pais do marido tal como já acontecia com os pais dela. Tudo o que Diana se
limitava a fazer era ficar por perto enquanto o filho abria os novos
brinquedos, obrigando-o a catar o papel de presente que rasgava e ficaria no
chão e a agradecer zilhões de vezes por tudo o que tinha ganhado.

Como já conhecia o rito entre sua esposa, filho e seus pais, Poncho
aproveitou o momento e puxou Erendira num canto. Os pais não
costumavam aparecer sem mais nem menos, eles sempre avisavam e não
eram as pessoas que pegavam um avião de Chicago para Nova York sem
que houvesse um motivo aparente. Normalmente Evelyn e Robert só iam
visitar os filhos nos aniversários, Natais e Thanksgiving, mesmo assim era
sempre algo planejado e avisado, e não era nenhum dos casos. Poncho não
estava entendendo nada, e tinha certeza que a irmã o ajudaria a
compreender que diabos estava acontecendo ali.

— Ah, você jura que nem passa pela sua cabeça o que os dois vieram fazer
em Nova York? – Erendira fazia uma enorme cara de irritação para o irmão
enquanto cruzava os braços com uma careta – Poncho, eles vieram ver a
Anahí.

— Deus do céu... – ele tampou os olhos com as mãos. Mais essa agora.

— Mamãe ama a Anahí e você sabe – Erendira completou – Eles me


perguntaram essa semana se eu iria visita-la, eu disse que sim, que iria hoje
porque só hoje chegaria na cidade, e quanto cheguei em casa pensando em
dormir algumas boas horas antes de aparecer, tcharam, os dois já estavam
me esperando!

— Eu imagino – Poncho murmurou.

— Como a Diana ta lidando com tudo isso?

— Bem até – ele deu de ombros – Ela tem sido compreensiva. Tem me
dado espaço. Disse que vocês conversaram sobre...

— É, ela me encheu de perguntas – Erendira disse encarando o irmão,


tentando a todo custo ler cada linha da expressão dele – Queria saber o
quanto eu sabia dos seus sentimentos.

— E você...?

— Eu disse que tinha tempo que nós não conversávamos a respeito, o que
não é nenhuma mentira – ela ressaltou – E que precisava ser resolvido.

— O que precisa ser resolvido...? – Poncho perguntou cruzando os braços,


gerando na irmã uma imensa vontade de lhe dar um tapa caso estivesse se
fazendo de desentendido.

— Você precisa sentar comigo, ou se quiser ficar em pé mesmo, fique a


vontade... – Erendira riu – Mas de qualquer forma, você tem que me contar
como está se sentindo com tudo isso da Anahí. Não tente fugir. Eu sou sua
irmã, você me deve essa conversa.

— Tudo bem – Poncho assentiu – Mais tarde nos falamos sobre isso.

Erendira jamais deixaria o irmão esquecer aquele pedido.

O almoço que era para três se tornou para seis, mas logo Robert e Evelyn se
integraram na preparação, enquanto Erendira ficou brincando na sala com o
sobrinho. A mesa foi posta para toda a família e os seis sentaram juntos,
Evelyn babando o neto o tempo inteiro o quanto podia junto com Robert,
Diana e Poncho felizes ante isso... por algumas horas ninguém se lembrou
que Anahí tinha voltado e que somente ali dentro, naquela bolha, as coisas
continuavam intactas.
Mas isso durou apenas até o fim do almoço.

Erendira seguiu com Daniel para o quarto do menino e os dois brincaram


com um jogo que os avós tinham dado para ele. Poncho e o pai saíram para
dar uma caminhada, era algo que Robert gostava de fazer quando ia a Nova
York: andar pelo Brooklyn Bridge Park. Isso fez com que Diana ficasse
sozinha com a sogra.

Não que elas não se dessem bem: Evelyn sempre tratou a nora com o maior
dos carinhos. Gostar de Anahí, para ela, não era sinônimo de odiar Diana;
pelo contrário, Evelyn apoiou a decisão do filho de seguir em frente, de se
casar com aquela que seria a mãe de seu filho. As duas secavam juntas a
louca do almoço e Diana estava calada, com o pensamento longe, nem
passando perto de Anahí. Foi a sogra que trouxe o assunto à tona, porque a
verdade é que guardar aquilo estava incomodando-a mais do que poderia
suportar.

— Eu preciso dizer algo que, se eu continuar guardando, vai acabar me


fazendo mal – Evelyn murmurou tensa e Diana rapidamente levantou os
olhos para encara-la.

— Aconteceu algo...?

— Eu vim à Nova York para visitar a Anahí – Evelyn disparou sincera,


vendo a nora mal reagir à sua fala – Espero que você não fique chateada,
mas... eu realmente sempre me dei bem com ela e com a família. Falo com
a mãe e os avós dela até hoje. Não conseguiria não vir.

— Eu não estou chateada, você está no seu direito – Diana respondeu


diplomática – Não se preocupe quanto a mim Evelyn. Eu não estou sendo
um empecilho pro Poncho nisso tudo, não é pra vocês que eu seria.

— Sim, eu percebi isso, é até por isso que Robert e eu quisemos vir até aqui
antes de ir até lá – ela explicou – Eu queria ver como as coisas estavam
correndo por aqui, como você e o Poncho estavam.

— Nós estamos bem – Diana constatou sorrindo – Você não tem o que se
preocupar.
— Ora querida, mas eu não estou preocupada – Evelyn entregou – Você é
quem deveria estar.

— Eu deveria...? – foi a primeira reação de surpresa que Diana demonstrou.

— Eu acho que sim – a sogra insistiu – Não se surpreenda querida. Você


deveria saber mais do que ninguém que o meu filho nutre sentimentos bem
fortes por essa garota.

Dessa vez Diana simplesmente não conseguiu falar nada. Ao mesmo tempo
que encarava a sogra completamente estática, Erendira chegou até a
cozinha, caminhando até a geladeira e se servindo com um copo de água.
Não demorou até se interar sobre o assunto que sua mãe e a esposa de seu
irmão estavam conversando.

— Eles tiveram uma história bonita e importante para o Poncho, mas a


esposa dele sou eu – Diana ressaltou – Eu não vou desistir dele.

— Eu admiro a sua tranquilidade nisso tudo, porque eu no seu lugar


provavelmente não estaria assim – Evelyn confessou – Porque veja bem
querida, você sabe que tem grandes chances de no final disso tudo ele
deixar você, não é?

Erendira deu um salto quando ouviu a frase da boca da mãe, virando-se


para ela o mais rápido que conseguiu com os olhos arregalados e
rapidamente vendo que a reação da cunhada não era tão diferente assim.

— Mamãe...!

— Desculpe, vocês sabem que eu sou sincera – Evelyn deu de ombros.

— Sincera e mal educada são duas coisas bem diferentes! – Erendira


ralhou.

— Diana querida, desculpe... não me leve a mal, eu não tenho nada contra
você, eu nunca tive – Evelyn ressaltou sem olhar para a filha. Seus olhos
estavam fixos na nora que, por sua vez, não movia um músculo – Mas eu
conheço o meu filho. Ele sempre amou essa garota. Então saia dessa de que
você é a esposa dele, não se monte no fato de que vocês têm um filho,
porque sim, o Poncho te ama, ele realmente ama, mas ele também a ama e
se tiver que escolher... eu acho que você vai perder.

— MAMÃE! – Erendira berrou mais alto ainda.

— Olha Evelyn, se o Poncho quiser ficar com a Anahí eu não vou ser um
empecilho entre eles – Diana deixou claro – Se ele disser pra mim que quer
voltar pra ela e que a ama... eu não vou ser a pessoa que vai tentar separa-
los, longe de mim. Mas eu o amo. E eu vou deixar isso claro. Eu vou lutar
por ele, eu vou dar motivos a ele pra ficar comigo. Se ele não ficar será
escolha dele. Se ele quiser manter a relação que nós construímos até hoje...
eu estarei aqui. Não vou desistir.

— Pois eu te desejo sorte – Evelyn disse sincera – Você vai precisar.

Pelo visto, toda a sinceridade que Diana queria que Erendira lhe
demonstrasse naquela conversa das duas tinha sido despejada por Evelyn.
Por mais pesada que a conversa tivesse sido, por mais doloroso que tivesse
sido para ela ouvir aquelas palavras da sogra, Diana preferia assim. Ao
menos ela sabia o tipo de situação que estava enfrentando. Ela sabia que
tinha reais chances de perder, mas nem por isso estava disposta a desistir.
Diana amava Poncho, e sem sombra de dúvidas iria até o final.

xxx

O sábado não tinha sido de almoço em família somente para Poncho. Mane
também gostava de passar ao menos um dos dias do fim de semana ao lado
de suas duas mães. Ele definitivamente era quem tinha a família com mais
diversidade entre todos os seus amigos. Normalmente o amigo filho de uma
mãe solteira ou de pais separados é o diferente na roda; nesse caso não era,
não no grupo deles, porque esse era Mane.

Mane tinha sido gerado por Jade com o material genético de Priscila e o
sêmen de um doador. O contrário tinha acontecido quase quinze anos
depois, quando as duas cismaram de serem mães novamente e nasceu a
filha caçula, Kamilla. Era uma produção conjunta, nenhuma delas era
menos mãe e nenhum dos filhos era menos feliz. Só era realmente diferente,
porque ele nunca conseguiu se referir a ninguém como "minha mãe", já que
tinha duas. Era sempre Jade quando se referia à mãe que trabalhava com
assessoria de marketing e era esotérica, sonhadora e ligada com astros; era
sempre Priscila quando falava da mãe pé no chão que era dona de um salão
de beleza. Os amigos com o tempo aprenderam a distinguir e ninguém
julgava Mane por aquela situação, muito pelo contrário, era a definição de
que ser incomum não tinha nada de anormal.

Um outro detalhe sobre as mães de Mane e o que as diferenciava era o


modo como elas tratavam sua vida amorosa. Enquanto Priscila estava
tranquila com os rumos que ambos os filhos davam para seus romances,
Jade não conseguia não se meter nas decisões dos namoros de Mane. Era
simples: ela sabia de certos sentimentos que o filho nutria. E é claro que,
devido às suas fortes opiniões, nunca deixava aquele assunto morrer.

— Ah, que bom que você chegou! – Jade exclamou assim que viu o filho
entrando pela porta – Eu estava mesmo falando de você!

— Prepara o ouvido Mane e boa sorte – Kamilla disse beijando a bochecha


do irmão e escapulindo pra fora dali tão logo conseguiu.

— Oi tampinha – ele disse beijando a irmã de volta, e logo em seguida


fazendo o mesmo com a mãe – Oi mamãe. Tudo bem?

— Tudo ótimo, porque adivinha o que eu descobri? – Jade quase batia


palminhas – A hora do nascimento da Maite...!

— E isso significa...?

— Você não sabe? – Priscila riu entrando na cozinha com um copo nas
mãos e uma risada abafada – Estamos falando das duas palavras favoritas
da sua mãe.

— Mapa astral – Mane constatou rindo junto, sentindo a outra mãe lhe dar
outro beijo carinhoso.
— Você precisa me ouvir – Jade parou na frente do filho, que lhe encarava
divertido – Eu descobri a hora. Eu fiz o mapa! Eu não te disse, não te falei,
olha só isso, feitos um para o outro. Fora o fato que Peixes e Capricórnio
serem super compatíveis astrologicamente vocês, vocês dois ainda possuem
Vênus em signo de Terra, e você sabe que Vênus rege o amor, ou seja...
vocês dois são compromissados, fieis, apaixonados, mas demoram a se
entregar e a perceber o sentimento. Como eu vivo dizendo!

— Mamãe... – Mane riu negando com a cabeça, mas nada era capaz de
deter Jade De La Parra.

— Está tudo explicado agora – ela disse – Está nas estrelas...!

— Só falta ela aprender a ler essas estrelas e saber das coisas – Mane
suspirou – Maite nem sabe que eu existo.

— Você também não facilita né capricornianozinho? – Jade revirou os olhos


– Tem que aprender a demonstrar seus sentimentos! Garoto, eu te criei
direito! Qual a dificuldade?

— Ela é minha amiga, eu não quero perder a amizade...

— Pripripripropropro – Kamilla debochou do irmão e Mane quase tacou


uma caneca na direção dela – Para de mimimi e se declara pra ela de uma
vez!

— Vocês são radicais demais – Priscila alertou – Deixem o menino dar um


passo de cada vez, não o taquem do precipício. Querido, faça algo pequeno.
Algo que você teria coragem com ela. O que seria...?

— Por que você não a leva num jogo do seu time? – Kamilla sugeriu – Aí
ela ficaria babando em cima de você todo treinador-que-muda-vidas-e-
ainda-é-gostosão!

— Tirando essa parte final não é má ideia – Mane considerou.

— Está combinado então! – Jade comemorou – Faça o favor de agarrar essa


garota no vestiário ou eu te deserdo!
— Mãe, eu sou treinador e não atleta do time!

Mas não adiantava falar, não quando se tratava de uma ansiedade que Mane
não conseguiria diminuir. Sua mãe sempre soube, desde o início, de seu
sentimento por Maite e sempre o impulsionou para frente, em especial por
notar que desde a adolescência ele continuava nutrindo a mesma paixão
pela amiga. Mane já não tinha mais esperanças de que Maite o olharia de
uma maneira diferente, mas volta e meia a mãe lhe dava razoes para
acreditar e dessa vez seria o mesmo. Logo ele se via com o celular nas
mãos, os dedos tremendo por ter que digitar aquela mensagem, mas se
obrigando a enviar antes que fosse tarde demais. Antes que seu medo e sua
maldita insegurança o impedissem mais uma vez.

"Tem um jogo do meu time na terça à noite. Eu gostaria que você fosse".

Aquele "eu gostaria que você fosse" já tinha sido "apareça" e também
"você poderia ir lá, não é?" antes que Mane digitasse e ficasse na versão
final. Enviou antes de acabar apagando tudo e desistindo de vez.

Aí começou o martírio. Olhar o celular cinquenta vezes por minuto, e a


cada um que passava se perguntar se tinha feito o certo, se ela iria, se o
acharia um idiota, se não estava se expondo demais. Chegou a quase se
arrepender e, quando já digitava um imenso pedido de desculpas se
culpando a cada linha... a resposta chegou.

"É claro que vou. Que horas?"

Parecia que, quinze anos depois, o avanço entre Mane e Maite finalmente
iria acontecer.

xxx

Poncho não fazia a menor ideia da conversa – para não dizer o desabafo
recíproco – entre sua mãe e sua esposa. Quando chegou da saída com o pai,
não demorou muito para reparar que Evelyn estava em um lado da casa e
Diana, do outro. Ele não sabia que elas tinham debatido os sentimentos dele
por Anahí, não tinha como saber. Mas parecia evidente que algo tinha
acontecido ali.

Só que no fim das contas o assunto acabou vindo, não da maneira esperada,
mas de outra. Poncho sabia que devia uma conversa a Erendira e conhecia a
irmã o suficiente para ter certeza de que não adiantava fugir, ela o
alcançaria. Dessa forma, ele nem tentou. Apenas a procurou com o olhar
que a fazia entender que estava disposta a falar do que quer que ela quisesse
e tudo o que Erendira fez depois disso foi caminhar com ele para a varanda
de seu apartamento e aproveitar que os dois estavam finalmente sozinhos e
poderiam dizer o que fosse.

Mas Erendira não começou falando o que o irmão esperava que ela
dissesse.

— Mamãe e Diana tiveram uma conversa daquelas enquanto vocês


saíram...

— O que aconteceu? – Poncho franziu a testa preocupado.

— Eu peguei pelo meio, bem na parte em que a mamãe dizia que a Diana
tinha que se preparar porque você amava a Anahí e tinha grandes chances
de acabar voltando pra ela – Erendira deu de ombros vendo o irmão
arregalar os olhos.

— Eu não acredito...

— Pode acreditar – ela suspirou – Mas então Diana respondeu dizendo que
não vai desistir de você, que confia nos seus sentimentos por ela. E aí, quem
tem razão?

— Erendira... – Poncho colocou as mãos nos olhos demonstrando o quanto


estava completamente confuso com aquilo tudo. Estava escrito no rosto dele
e, como a irmã o conhecia bem demais, nem precisava perguntar.

— A volta dela mexeu demais com você, não é? – ela perguntou cruzando
os braços. Os olhos de Poncho voltaram a se abrir com a pergunta. Ele não
demorou nada a responder.
— Um lado meu sempre vai ama-la – Poncho constatou – Só que esse lado
estava adormecido, sufocado, trancado nos meus livros, eu só abria quando
queria, quando estava longe da minha vida, da minha realidade, da minha
família. Porque quando eu dava vazão a esses sentimentos... eu sentia que
tava traindo a Diana, que tava sendo egoísta. Só que eu conseguia trancar.
Eu podia trancar. Agora eu não posso mais.

— E se antes você já se sentia culpado como se estivesse traindo-a, agora...

— Agora eu saio deixando uma parte de mim aqui, e volto e sinto como se
tivesse deixado outra parte lá fora – Poncho colocou as mãos nos cabelos –
Eu... eu não sei o que fazer.

— Você ainda a ama – Erendira constatou – Mas ama a Diana também. São
sentimentos diferentes.

— Eu sei – ele mordeu os lábios – Eu demorei a me entregar pra Diana


sabe? Eu... eu resisti. Porque eu amava a Anahí de todo o meu coração, e
mesmo depois de ter um filho, de ter uma família, de me casar e realmente
ser feliz com a minha esposa... eu ainda assim continuo amando-a com a
mesma sensação de antes de como o meu peito rasgasse por causa dela.

— Exatamente como antes.

— Sim. Exatamente.

— Diana não sabe disso – Erendira voltou a concluir – Ela sabe que você
sente algo, mas está confiante, segura. Eu te disse mais cedo que ela veio
conversar comigo, me perguntar o que você sentia, e eu... eu não podia
dizer pra ela o que eu realmente pensava, não é?

— E o que você realmente pensava...? – Poncho perguntou.

— Tudo isso o que você disse – ela explicou – Que você ama as duas.
Embora eu tenha uma suspeita de quem você vai escolher no final.

— Anahí – ele arriscou – Por que você acha isso?


— Porque com a Diana você sabe como é o meio e o fim... com a Anahí
sempre seria um "e se...?" – ela disse – E eu sei que você pode ter sido feliz
até hoje achando que ela realmente estava morta, mas vai ser praticamente
impossível seguir em frente sabendo que ela ta aqui longe dos seus braços.
Que você ta vivendo outra vida e ignorando-a.

— Eu não to ignorando-a – Poncho suspirou – Eu... eu nem sei se ela ainda


quer algo comigo. Ela ta magoada.

— Mágoas passam – Erendira suspirou – Ela te ama como você a ama. E


vai te perdoar como você a perdoaria, porque no fim das contas o
sentimento bom acaba falando mais alto. Mas você precisa se decidir,
precisa saber o que quer, porque não são apenas você e a Anahí nessa
história Poncho. Tem a Diana, tem o Daniel. Você não tem que fazer nada
por ela, tem que fazer pela sua família e por você mesmo. Porque você
precisa ser honesto nisso tudo, por si e por eles.

A conversa com Erendira seguia a linha de sempre: parecia que clarearia a


mente de Poncho, mas o deixava mais confuso, mais culpado e mais
perdido do que nunca. Ele só tinha consciência de uma coisa: falar com
todas as letras sobre seu sentimento por Anahí fazia a coisa se tornar
concreta. Ao menos agora ele não seria mais capaz de negar para si mesmo
o quanto a ex-namorada ainda mexia com ele.

Oláááá pessoal, tudo bem com vocês? Espero que sim!

To muito curiosa pra saber o que vocês acharam da mamai Herrera


hahahahaha. Não entendam mal a Evelyn, ela é apenas sem noção como
toda boa mãe kkkkkkkkk ela gosta da Diana mas fala exatamente o que
pensa e é isso o que acontece, fazendo sua filha Erendira morrer de
vergonha em todos os sentidos. Por outro lado vemos uma Diana que ta
firme e forte e sobretudo vivíssima e um Poncho mais dividido do que
Angélica em Dos Hogares... situação só complica né? rs

O bom dessas cenas da família Herrera é uma das partes que eu mais gosto
na web que é Poncho + Erendira. Ela é a pessoa pra quem ele mais se
mostra, até mais do que pros amigos. No próximo cap veremos o papo
franco que a hermanita vai ter com a ex-cunhada quando os papais forem
visita-la.

Também vemos aqui o Mane e o núcleo da família dele, uma parte bem leve
e cômica da história hahaha. Aquele leve empurrãozinho da mamai e da
irmãzinha faz ele tentar um passo com a Maite... será que vai pra
Manerroni? Em breve saberemos!

Beijos e boa semana!

Rafa
Capítulo 13 - Heartiness, jealous and blood

Erendira não estava exatamente feliz com a mãe porque, embora


concordasse com ela na teoria, nem de longe achava certo o modo franco
como Evelyn falara com Diana sobre os sentimentos de Poncho por Anahí.
Ela achava que a mãe não deveria se meter, e não apenas ela, Robert
concordava. Mas no fim eles eram uma família e, como uma, iriam juntos
visitar Anahí no fim daquela tarde de sábado. Afinal, por mais contrariada
que estivesse, Erendira sabia que Anahí não tinha nada a ver com aquela
história. De um jeito ou de outro, eram oito anos de saudade que
precisavam ser matados.

O clima na casa dos Portilla não estava dos melhores. Anahí estava
repousando porque Ellie fazia questão que a neta se recolhesse já que mal
tinha tido alta do hospital e já tinha sido banhada por uma nova onda de
fortes emoções. Anahí não reclamou, ficar no quarto descansando era uma
ótima maneira de não se deparar com Keith em todos os cantos da casa.
Como ela tinha que ficar na casa da mãe, era melhor ficar refugiada no
próprio quarto, o único lugar onde ele claramente não era bem vindo.

Karen não sabia como se portar com relação à filha. Ela estava receosa.
Anahí e ela tinham a melhor relação do mundo. Karen tinha orgulho de
dizer que tinha conseguido repetir com a filha todo o carinho e
companheirismo que teve com seus próprios pais. E exatamente por isso lhe
doeu tanto ter que esconder a existência de Keith da filha desde que Anahí
reapareceu. Era uma orientação da Dra. Balfe, não dizer a Anahí tudo de
uma vez, dar tempo ao tempo... Karen esperava estar fazendo o melhor para
a filha, porque, afinal de contas, aquele não era o único segredo que ela
passou a ter com Anahí.

Se Karen, Keith e Anahí pisavam em ovos, Ellie e Arthur estavam


inconformados com aquele cenário de guerra. Eles amavam a filha,
amavam a neta, passaram a amar o genro, isso sem falar em Poncho.
Odiavam o fato de que Anahí estar de volta não significava união na
família; pelo contrário, todos estavam tão brigados quanto poderiam e
Anahí se sentia magoada com todos os envolvidos. Eles não sabiam por
onde começar, queriam que Anahí entendesse o lado de Poncho, o de
Karen, desse uma chance a Keith, mas parecia tão distante quanto um dia a
ideia dela voltar pra casa tinha sido.

Ninguém esperava a visita dos Herrera's, de modo que, quando a campainha


tocou e Ellie viu Evelyn do outro lado da porta, foi com uma absoluta e
genuína surpresa que ela reagiu.

— Evelyn...? – Ellie abriu a boca com uma completa surpresa, exatamente


por não saber se aquele era o melhor momento para a mãe de Anahí
aparecer ali – Oh meu Deus...!

— Desculpe Ellie, nós chegamos em uma hora ruim? – Evelyn perguntou


sem nenhum tipo de ressentimento ou ironia na voz. Ela realmente se
preocupou, pela reação da avó de sua ex-nora, em estar sendo um pouco,
quem sabe muito, inconveniente em aparecer sem ser convidada.

— Não, é claro que não – Ellie negou abraçando a mãe de Alfonso – Eu


apenas não esperava.

— Porque nós não marcamos – Erendira completou – Falta de educação


nossa.

— Erendira ultimamente anda a paladina da educação – Evelyn revirou os


olhos – Como se eu não tivesse dado.

— Eu tenho. Você por outro lado mamãe... – a filha disse entre os dentes e
quase sentiu o pai cutucando-a.

— Tem certeza que não é uma hora ruim Ellie? – Robert perguntou para
cortar a filha – Podemos voltar em outro momento...

— Vocês vieram de Chicago e se eu bem imagino, Erendira não está


descansando do trabalho para estar aqui – Ellie disse abrindo espaço para
que os três entrassem – Andem, vamos... Anahí vai ficar feliz em vê-los.
Ellie confiava nisso. A neta não misturaria as coisas, não trataria a família
de Alfonso mal apenas porque as coisas ainda estavam mal resolvidas entre
os dois. Pelo contrário, quando namorou Alfonso, Anahí se dava totalmente
bem com a família dele, recíproca esta que era verdadeira, já que ele
também se sentia em casa perante a mãe e os avós dela. Por isso sua avó
confiou que a neta ao menos teria o bom senso de recebê-los bem e não
deixar que o clima ruim que tinha deixado com o ex-namorado fluísse a
pessoas que não tinham nada a ver com isso. Afinal, por mais que Evelyn,
Robert e Erendira gostassem de Diana e se dessem bem com ela, Alfonso
tinha decidido pelo casamento sozinho. Ninguém merecia pagar pelas
escolhas dele.

Mas mesmo assim, Ellie estava receosa. Por isso foi com passos delicados
ao quarto da neta e bateu somente após pensar duas vezes. Ouviu a voz dela
cabisbaixa que já lhe indicou que ela pensou que era a mãe ou o "pai".
Ficou mais segura ao abrir a porta e ver a surpresa entrar no rosto dela ao
constatar que era a avó. Talvez a expectativa ruim fizesse a realidade não
ser das piores.

— Querida, desculpe atrapalhar você... e eu sei que não é a melhor hora... –


Ellie suspirou antes de dizer de uma vez – Mas é que... os pais do Poncho
estão aqui. Com a Erendira. E eles queriam ver você.

Anahí ficou completamente surpresa com aquela notícia. Era um furacão de


novas informações tamanho, e principalmente pelo fato de Alfonso agora
ser casado com outra mulher e ter com ela construído uma família, ela
jamais cogitou que a família dele iria visita-la. E agora que acontecia, se
sentia completamente burra por não ter cogitado aquela possibilidade. Sua
vontade imediata foi sorrir, deixando vir à mente várias lembranças de
encontros com os pais dele e a irmã, do quanto ela fugia da regra da nora
que não era inimiga da sogra, pelo contrário. Não tinha como não ficar feliz
de perceber que algumas coisas não tinham mudado, ao menos no que se
referia ao carinho que os três tinham por ela.

— Eu devo dizer que eles voltem outra hora? – Ellie perguntou ainda
receosa – Ou que nem voltem? Eles irão entender...
— Não vovó – Anahí disse se levantando e prendendo o cabelo com um
elástico que estava no pulso – Eu vou recebê-los, é claro que vou.

— Ah, que bom – Ellie sorriu – Eu fico feliz por isso.

E por mais que por vezes a Anahí de antes parecesse ter sumido do mapa,
em outros ela demonstrava que talvez nunca tivesse saído dali.

Erendira estava protocolar sentada ao lado dos pais vendo como eles
questionavam desde uma cruzada de pernas até o modo como olhavam para
os lados. A casa de Anahí estava silenciosa e sua ex-cunhada temia o modo
como sua mãe abordaria a ex-nora. Ela não precisava pensar ou imaginar
demais para supor que Anahí certamente estava frágil. Ela tinha sido
sequestrada. Tinha perdido oito anos de sua vida. E, ao voltar para essa
vida, ela não era a mesma de antes. Não era mais tão segura. O homem que
ela amava era o marido de outra mulher, o pai de um filho que não tinha
nascido dela.

Todas essas constatações faziam a irmã de Alfonso se preocupar muito mais


com o modo como os pais se comportariam do que com qualquer outra
coisa. Ela não descartava a possibilidade de Evelyn iniciar mais uma rodada
de inconveniências com a ex-nora como já tinha feito com Diana. Erendira
tinha noção de que Anahí estaria muito mais sensível a qualquer coisa do
que Diana estava, que qualquer coisa dita a ela teria um potencial muito
mais corrosivo. O problema é que não deu tempo de frear Evelyn antes dela
chegar. Quando Erendira pensou em dar um pequeno toque na mãe sobre o
que não deveria ser dito em hipótese alguma, viu Anahí entrando na sala em
passos curtos e olhar apreensivo. Tarde demais.

— Ah querida... – Evelyn murmurou emocionada abrindo os braços – Você


está tão linda...!

É claro que Evelyn diria aquilo. Anahí era bonita como sempre, mas
Erendira admitia no silêncio de seus pensamentos guardados que aquela era
uma sombra da mulher que conheceu um dia. Sem maquiagem e
evidentemente abatida, os cabelos não tinham mais um corte e ela era muito
mais magra do que já tinha sido um dia. Dava um certo choque rever Anahí
daquela forma, diferente ao extremo da mulher deslumbrante da qual eles se
lembravam... muito embora a certeza era que o que realmente importava era
que Anahí estava bem. Ela estava viva. o resto teria seu jeito.

— Desculpem, eu... não esperava a visita de vocês...

— Oh minha filha, você não tem o que se desculpar – Robert disse


envolvendo Anahí num abraço – Nós sentimos tanto a sua falta...

— Perdoe por não avisarmos, mas assim que soubemos que você, bem... –
Evelyn pisava em ovos enquanto falava – Acabamos vindo sem mais nem
menos.

— Eu estava prestes a embarcar quando o Poncho me disse – Erendira se


justificou – Só voltei hoje.

— Erendira agora é comissária de bordo da American Airlines – Evelyn


explicou um tanto orgulhosa. Anahí apenas sorriu.

— Eu não esperava menos – ela respondeu carinhosa na direção da ex-


cunhada.

A própria Erendira imaginou que aquela visita seria um tanto


constrangedora. Afinal de contas, o que seus pais e ela conversariam com
Anahí, quando desde sempre o elo em comum entre os quatro tinha sido um
Poncho que não estava ali e uma relação entre ele e Anahí que não mais
existia? Ela não conseguia imaginar uma solução para aquilo e tinha
vergonha só de imaginar os pais falando mais do que deveriam e tornando
tudo aquilo desconfortável para ambos.

Aquilo, na verdade, não se concretizou. O que se viu foi o assunto


surpreendentemente não caindo em nenhum ponto que causasse algum
clima ruim. Evelyn pouco falou do filho, da esposa dele ou do neto. Na
verdade ela mencionava os negócios da família – Robert e ela eram donos
de uma loja de antiguidades – o clima sempre frio de Chicago, as brigas que
ela e Robert costumavam ter pelas mais absurdas bobagens... nada que
remetesse a algo que fosse deixar Anahí completamente sem graça. E ela
surpreendentemente ria de tudo aquilo. Acabou com Arthur e Ellie se
sentando ao lado daquele inusitado grupo e os quatro falando muito mais
entre si. Não demorou para que Anahí e Erendira sobrassem. Quando a irmã
de Poncho percebeu a ex-cunhada saindo dali e indo na direção da cozinha,
aproveitou que os pais estavam completamente distraídos na conversa com
os anfitriões para disfarçadamente desaparecer.

Afinal, com Anahí ela poderia falar do que fosse de uma forma que não
terminasse por mata-la de vergonha.

— Você tem uns minutos? – Erendira perguntou entrando na cozinha e


vendo Anahí beber um copo de água.

— Você veio defender o seu irmão – Anahí murmurou e viu a ex-cunhada


não rebater, confirmando suas suspeitas – Eu sabia. Você continua unha e
carne com ele.

— Nós sobrevivemos à infância com aquele casal de velhos excêntricos


tendo que nos unir – ela deu de ombros – Antes de qualquer coisa eu queria
saber como você está. Eu sei que o que ta passando pela sua cabeça agora é
um "ela é idiota? É claro que eu não estou bem!", mas mesmo assim...

— É confuso – Anahí suspirou – Na última vez que eu vi seus pais, seu


irmão e eu os levamos pro nosso apartamento no Village. Você lembra?

— É claro que eu lembro – Erendira suspirou – Fui eu que tive que


devolver aquele apartamento.

— Poncho devolveu...? – ela arqueou as sobrancelhas. Não esperava por


aquilo.

— Ele não conseguia entrar lá – Erendira suspirou – Nós achamos que


mantê-lo seria pior, podia trazer algum tipo de esperança de que, não sei...

— De que eu estava viva – a voz de Anahí saiu amarga – De que eu iria


voltar. Esperança que ele não nutriu tanto assim.

— Nós queríamos vê-lo bem – Erendira se defendeu – Não foi fácil. Todos
nós sentíamos a sua falta, mas ninguém queria que ele continuasse
sofrendo. Ele é meu irmão, Anahí. É a pessoa que eu mais amo no mundo.
Vê-lo definhar daquele jeito estava me matando.

— Está tudo bem – Anahí abaixou a cabeça – É que... dói, sabe?

— Ele ter se casado? – ela perguntou.

— Nós não termos tido uma chance – Anahí confirmou. Era quase a mesma
coisa.

— Você ficaria com ele caso Poncho estivesse livre...? – Erendira


perguntou.

— Eu o beijei – Anahí confessou sem deixar de encarar Erendira – Acho


que isso responde a sua pergunta.

Anahí continuou falando para uma Erendira completamente atônita sobre


aquele beijo. As palavras dela serviam para descrever a intensidade daquele
momento, o quanto Anahí parecia arrepiada com a simples lembrança de
estar nos braços do ex-namorado novamente, sem dúvidas a nostalgia
estava tatuada em sua pele. Anahí fechava os olhos revivendo o momento,
Erendira não deixou de notar o sorriso no canto da boca dela, trocado pela
expressão de decepção que entrou em seu lugar quando Anahí falou da
descoberta de Diana e do filho dos dois. Do quanto Anahí ficou magoada
até mais do que por Poncho ter seguido em frente, mas de ele ter deixado,
após o seu retorno, que ela nutrisse esperanças de que ainda haveria algo
entre os dois.

— E vocês voltaram a se ver depois disso tudo? – Erendira perguntou


curiosa, querendo sugar todos os detalhes possíveis da perspectiva de
Anahí.

— Ele esteve aqui ontem, na festa de boas vindas que a minha mãe fez pra
mim – Anahí suspirou – Meu avô o convidou. Você conhece o Sr. Arthur,
ele tem coração de manteiga.

— Ele, Ellie e sua mãe sempre amaram o Poncho – Erendira entregou –


Como nós sempre amamos você também. Ninguém quer que vocês
continuem brigados.

— Não é tão simples – Anahí murmurou – Eu... não consigo ficar perto dele
sem sentir raiva. Mas ao mesmo tempo sinto outras coisas... coisas que não
deveriam sentir.

— Então você ainda o ama? – ela perguntou, sendo direta pela primeira vez.
Estava ensaiando aquela pergunta desde que a conversa tinha começado.
Ansiava consideravelmente pela resposta.

— Eu vivi a antítese do que nós tínhamos por oito anos – Anahí mordeu os
lábios. Doía lembrar... – Pensar nele me manteve viva.

Estava claro, mais do que claro. Anahí não sabia que uma boa parte de
Poncho correspondia os seus sentimentos, que a outra parte lutava contra
aquele amor que insistia em permanecer dentro dele, mas Erendira sabia.
Naquela conversa ela tinha muitas confirmações. Sabia que dependia muito
mais de seu irmão do que da ex-namorada dele a decisão de os dois ficarem
juntos ou não. Provavelmente ela era a primeira pessoa com quem Anahí
conversava sobre aquilo, o que era uma surpresa, já que, por ser irmã de
Poncho, Erendira não esperava que fosse ela a pessoa com quem Anahí
abriria os seus sentimentos.

Só que alguns fatos poderiam ser extraídos daquilo. Anahí estava magoada
com Poncho, mas diferentemente dele, ela não parecia lutar contra o que
sentia. Poncho, por sua vez, admitia que era feliz com Diana, se apegava à
família que tinha construído com a esposa... mas ao mesmo tempo, não
negava que Anahí ainda mexia com ele. Se a mágoa de Anahí não durasse
tanto, talvez ela continuasse apaixonada por ele. Talvez ela começasse a
quebrar uma a uma as paredes de resistência que ele construía para mantê-la
afastada, paredes essas que eram a única coisa que mantinham seu
casamento a salvo. Talvez na hora que Poncho se libertasse da ideia do
próprio compromisso e percebesse que amava Anahí mais do que era capaz
de admitir, nada seria capaz de segura-los. Porque, para Erendira, algo era
claro: Anahí continuaria ali, à espera dele, porque talvez Poncho fosse o
único a quem ela daria a mão para sair do poço do qual ainda não tinha
conseguido sair.
Eles só não sabiam disso. E a irmã dele não sabia se isso realmente iria
acontecer.

xxx

A segunda-feira chegou e Lexie estava com uma enorme carga para aquela
nova semana: os novos internos chegariam ao hospital naquela manhã e ela,
como residente-chefe, era a responsável por fazer a primeira ronda e lhes
apresentar ao hospital e à sua nova rotina. Por sorte o fim de semana tinha
sido tranquilo. Como Jackson resolveu mudar a estratégia e ir à festa de
Anahí, os dois realmente tinham feito as pazes e ficado bem. Lexie
amansou naquela história toda e o namoro deles parecia ter encontrado um
denominador comum. Aquele fim de semana foi o primeiro em muito
tempo que Lexie não pensou em Mark Sloan nem um minuto sequer.

Mas é claro que não iria durar muito tempo.

Lexie nem em sonho pensou que Mark assaltaria seus pensamentos naquela
manhã. Ela se lembrava perfeitamente bem de quando ainda era uma
interna, de seu primeiro dia no New York General Hospital, de como sua
então residente fez a primeira ronda apresentando as suas cinco regras de
uma forma completamente rude. Lexie não queria ser assim, pelo contrário;
ela tinha tudo na ponta da língua, uma forma completa de marcar os cinco
anos da residência daqueles novos médicos, de fazer com que eles se
tornassem profissionais completos e sensíveis aos próprios pacientes. Lexie
os tocaria, ensinaria de uma forma humana e no final eles seriam gratos a
ela.

Era um grupo grande. Quase vinte novos internos, divididos entre cinco
residentes. Lexie não ficaria pessoalmente responsável por nenhum deles,
ela apenas supervisionaria tanto os próprios internos quanto os residentes
que o guiariam naquele primeiro ano. Mas a primeira ronda agora lhe cabia.
Apresentar o hospital, dizer onde ficava cada coisa, dar o tom de como tudo
funcionava ali.

E é claro, ditar as regras.


— Eu sou Lexie Grey – ela se apresentou mantendo a formalidade – Sou a
residente-chefe do New York General Hospital. E eu tenho cinco regras...

Um clássico.

Lexie percorreu com quase vinte pessoas andando acompanhando-a num


ritmo quase alucinado, alguns anotando cada palavra do que ela dizia,
outros gravando, quase toda a extensão do hospital. A UTI, as salas de
cirurgia, o tomógrafo, o raio-X, o laboratório... em suma, tudo o que deveria
ser mostrado. O último momento foi exatamente de onde saíram, a
emergência. Enquanto via April Kepner atendendo um sangrento trauma
que tinha acabado de chegar em uma ambulância e os olhos dos novatos
arregalados testemunhando a cena, Lexie explicava como a rotina da
emergência fluía, quem fazia o que e principalmente, o que eles fariam ali.

Ela só não contava com uma presença completamente inesperada brotando


bem em sua frente.

— Ei! – aquela voz grossa e meio rouca de Mark irrompeu o ambiente e


Lexie se virou na mesma hora, certa que ele falava com ela. Acertou –
Ronda de internos...? Você tem uma cirurgia comigo hoje...!

— Mais tarde – Lexie observou erguendo a sobrancelha – Vou passar os


filhotes pros respectivos guardiões e depois vou preparar o paciente.

— Achei que você fosse furar comigo – Mark deu um ar de riso em sua
expressão sempre confiante.

— Você sabe que eu não furo com você.

Entre eles sempre havia um flerte descarado. Sempre olhares constantes e


intensos que causavam, um no outro, sorrisos nos cantos da boca. Não era
visível para todo mundo, afinal Mark era um galanteador nato. Ele tinha um
jeito sedutor que não conseguia evitar. Apenas quem conhecia aquela sua
história com Lexie sabia que aquela atitude era exclusiva com ela, o modo
como ele a tratava era totalmente entre eles.

Mas obviamente as novas internas não sabiam de nada...


— Quem é ele...? – Lexie ouviu no meio de um cochicho logo atrás – É
muito gato...!

— Eu também achei – outra interna respondeu – Hm, será que é solteiro?

— Ei, eu vi primeiro! – a primeira retrucou.

— Ele é Mark Sloan – Lexie disse se virando séria e encarando as duas de


imediato, vendo dois pares de olhos arregalados em sua direção – Chefe de
cirurgia plástica.

— Nunca ouvi falar, mas nem precisa né? – a garota se abanou e Lexie
revirou os olhos.

— Pois deveria, Dra... – ela olhou para o jaleco, vendo o nome da médica
impresso – Dra. Cocatti. O Dr. Sloan escreveu um artigo conhecido sobre
enxertos de pele em casos de queimaduras de terceiro grau. Indispensável
pra qualquer um que queira ter qualquer mínimo conhecimento em cirurgia
plástica.

— E pra ter conhecimento no cirurgião plástico, o que eu preciso ler? – a


Dra. Cocatti respondeu de pronto e Lexie sentiu o corpo inteiro
simplesmente incendiar.

Ela mal conseguia acreditar. As internas de modo geral cochichavam...


sobre Mark. Ela virou as costas resmungando uma bronca sobre
profissionalismo e outras coisas, mas se sentindo uma completa hipócrita
por aquele sermão, já que anos antes ela tinha sido uma interna que dormiu
com aquele mesmo atendente por quem agora as novatas suspiravam. Lexie
era uma nerd nata, mas tinha que admitir que sabia daquele artigo escrito
por Mark porque eles moravam juntos quando ele escreveu. Ela estava
deitada sem roupa na cama dos dois quando ele o digitava. E agora era
provável que outro corpo nu estivesse ao lado dele quando os novos artigos
fossem sendo escritos... ela não queria nem pensar na possibilidade de Mark
começar a ensinar demais outras internas como tinha feito com ela.

Tinha um nome para esse sentimento. Lexie Grey apenas não queria
admitir.
xxx

A conversa com Erendira trouxe os sentimentos que Anahí tentava camuflar


à tona. Deitada na cama horas depois, lidando com o silêncio de uma casa
que já não podia chamar de lar, ela agora não estava preocupada com as
mentiras de sua mãe, que escondeu um pai por dias a fio, deixando para
contar no último momento possível. Era como se um sentimento mal
resolvido desse lugar a outro. A mágoa por Karen e Keith fez a por Poncho
se acalmar, e agora os sentidos de Anahí voltavam a ficar bagunçados pelo
ex-namorado. Uma verdadeira montanha-russa.

Anahí se recusava a admitir que ainda sentia muitas coisas por Poncho. Era
engraçado ter voltado a pensar nele, porque durante anos ela não conseguia
pensar nele. O ex-namorado tinha sido uma lembrança constante nos
primeiros anos de cativeiro, mas depois tudo se dissipou. Ela simplesmente
não conseguia mais lembrar das coisas que eles tinham vivido... até abrir os
olhos no hospital, no dia que tinha sido resgatada, e se deparar com ele.
Aquele "meu amor" que ele tinha usado para se referir a ela ainda estava
marcado em seus pensamentos, em seus sentidos. E ajudou a trazer tudo de
volta, acabando naquele fim de tarde onde ela acabou falando para Erendira
o que sentia na velocidade que constatava, descobrindo junto com a ex-
cunhada que ainda sentia coisas demais pelo irmão dela.

Deitada naquela cama de sua adolescência as lembranças voltavam para


Anahí. Ali tinha sido a primeira vez dela e Poncho. A segunda foi na cama
dele. A terceira, a quarta, ela já não lembrava exatamente. Depois das duas
primeiras transas as demais tinham ficado embaralhadas em sua mente.
Anahí lembrava da última noite que passou com ele antes de ir pra
faculdade, de quando ela o visitou em Stanford, quando ele a visitou em
Georgetown... e como foi assim até se formarem. Quatro anos sobrevivendo
à distância porque a saudade e a vontade de estarem juntos, de fazer dar
certo, conseguia ser mais forte e gritar mais alto.

Foi assim que eles acabaram alugando juntos um apartamento em Nova


York. Poncho estava voltando a se estabelecer na cidade, mandando
currículos, escrevendo como free lancer para o Post. Anahí tinha recebido
uma carta com a oferta do emprego de seus sonhos. Poncho fez o depósito
do apartamento no mesmo dia que ela anunciou que a ONG a contratara.
Ela ainda se lembrava dos dois transando naquele chuveiro que ainda nem
tinha um vidro de box, de como tiveram que ficar esperando os corpos
naturalmente secarem porque sequer havia uma toalha ali.

Será que ele ainda lembrava daquelas coisas todas? Se lembrava, como
administrava isso com o fato de ter outra mulher dormindo a seu lado e
sendo a nova pessoa de quem ele arrancava gemidos?

No meio daquilo tudo Anahí precisou de mais. E quando ela deu por si,
estava ligando seu velho computador em busca das respostas para as
perguntas que sua mente criava, abrindo a escrivaninha à procura de um
caderno com senhas de redes sociais. Seu Facebook ainda estava ali e ela o
abriu. Enquanto a sua conta parecia ter parado no tempo, nem mesmo o
design do site era o mesmo. Ela estranhou tudo, mas rapidamente notou que
algumas coisas ainda permaneciam no lugar. Bastava digitar na barra de
pesquisa o nome dele, e as lacunas rapidamente seriam preenchidas.

Alfonso Herrera. O perfil dele rapidamente apareceu, não com a foto do


garoto de vinte e dois que Poncho era oito anos antes, mas a versão atual:
mais velho, com partes da barba e do cabelo grisalhos, o rosto mais homem
do que nunca. Não era apenas a foto de perfil que chamava a atenção de
Anahí. Na pesquisa não havia apenas um perfil pessoal, mas também uma
página comercial com milhares de seguidores. O Alfonso Herrera pessoa,
ex-namorado dela, e o Alfonso Herrera escritor, uma figura conhecida. Mais
do que ela tinha conhecido um dia, já que ele apenas escrevia, ainda sem
chances de publicar, seus livros na época que namoravam.

O perfil pessoal era recheado do que ela queria ver. Fotos da vida de
Poncho: seu último aniversário ao lado dos pais, uma foto abraçado com
Erendira... e então o que ela queria ver, o que ela procurava: a esposa dele.
Diana. E então Anahí viu o rosto que sua mente tentou imaginar sem
sucesso, já que ela era totalmente diferente do que sua cabeça tinha
montado. Loira, bonita e com um sorriso discreto... Diana era irritantemente
bonita. E mais irritante ainda e, sobretudo, desagradável era o sorriso que
ele tinha abraçado com ela.
Anahí não quis mais ver nada daquilo. Ela apertou o botão para desligar o
computador, voltando para a cama sem conseguir tirar aquela foto da
cabeça, a imagem de seus pensamentos. Deitada, fechou os olhos
procurando apagar tudo dali, querendo não ter sido curiosa, nunca ter visto
nada. Mas era tarde demais. No esforço para fugir da visão da felicidade de
Poncho, de como ele parecia bem em ter seguido em frente sem ela, outro
pensamento veio à tona em sua cabeça. Ela estava naquela mesma posição,
deitada abraçando o corpo, os joelhos, num colchão. Mas chorava. Ouvia o
som do próprio choro no meio de um silêncio ensurdecedor como o que
estava em sua casa agora. Não era apenas isso. O choro não era por uma
lembrança ou por algo que ela tentava evitar. Era de dor. Anahí lembrava de
sentir uma dor forte, de chorar por ela.

Agora ela tinha os olhos fechados, mas na lembrança Anahí os abria. E


agora ela sabia o que via. Anahí via sangue, e não em qualquer lugar. Ele
escorria de suas pernas.

Todo mundo vivo depois desse final? Hahahaha porque eu imagino que eu
to morta em muitos pensamentos KKKKKKKKKKKKK

O título do capítulo, não sei se vocês perceberam, contém as palavras que


definem as três cenas que nele estão: o heartiness representa a sinceridade
da conversa da Erendira e da Anahí, o jealous é o ciúme que a Lexie sente
de ver uma interna interessada no Mark e o blood é o sangue do qual a
Anahí se lembra? O que será que esse sangue significa? O que será essa
lembrança? Será que tem algo a ver com o que a Arizona viu naquele raio-
X? Cenas para os próximos capítulosssssss!

Eu sei que to atrasadíssima nos comentários, mas perdoem a escritora que ta


estudando mt, trabalhando mt e escrevendo pouco hahahahaha um dia eu
chego lá!

No mais, quero agradecer por termos chegado aos 10K de visualizações! To


muito feliz e devo isso a vocês! Agora rumo aos 20K!

Deixem suas estrelinhas e comentários pra eu saber que vcs estão lendo!
Beijos e até segunda!

Rafa
Capítulo 14 - More than a lifetime

Quando Diana Vasquez assumiu a filial de Nova York da Planet, a editora


de seu pai, se tornando o braço direito dele, ela rapidamente sentiu a
necessidade de ter um braço direito em quem pudesse confiar. O negócio
estava crescendo e tinha saído de Boston, onde sua família vivia; no
entanto, ainda não era grande o suficiente e ela queria conquistar a
confiança do pai. Queria fazer a editora crescer, descobrir algum novo
talento que fizesse o próprio nome, se firmar naquele segmento.

Seis anos depois Diana tinha conseguido e, de certa forma, tinha sido graças
a Alfonso. Antes dos dois se envolverem, a relação era puramente
profissional e ela se aproximou dele por ter se fascinado por sua escrita.
Alfonso já tinha batido em cinco editoras e Diana era sua cartada final. Foi
a melhor aposta que ela poderia ter feito.

Mas Alfonso não foi a única aposta. Um pouco antes dele o braço direito de
Diana veio na forma de Erika. Uma garota recém-formada que estava
batalhando para começar uma carreira em Nova York após se formar em
Literatura pela NYU e precisava de qualquer tipo de oportunidade bateu à
porta dela. Diana a chamou para um estágio, mas o útil e o agradável se
uniram e Erika acabou sendo exatamente o que ela precisava quando o
primeiro livro de Alfonso chegou e restou à ela fazer a correção ortográfica
do texto e ajudar a enxuga-lo. Erika e Alfonso se deram bem de cara. Ela
não apenas revisou o primeiro livro dele, como os outros dois que a Planet
publicou logo em seguida, e estava desde já ansiosa pelo quarto que ele já
começara a rascunhar. Erika não era apenas o braço direito de Diana, mas
também se encaixava perfeitamente bem com Alfonso; ele gostava do
trabalho dela e ela amava editar os livros dele, tudo funcionava
perfeitamente bem.

Só que não acabou aí.

O sucesso de Alfonso trouxe visibilidade para a Planet. Ele era um best


seller nacional e estava começando a vender internacionalmente. Na Europa
seus livros já eram comercializados e a tendência era se espalhar para o
resto do mundo. Isso fez a editora crescer e, consequentemente, para Diana
enquanto a chefe da filial de Nova York. O escritório se tornou maior, a
equipe idem, mas Erika continuou sendo o braço direito dela. E tal como
Diana tinha descoberto aquele best seller que viria a ser seu marido, havia
todo um incentivo para que Erika também encontrasse o novo Alfonso.
Alguém que se tornasse um estouro. Alguém que a fizesse se tornar a nova
Diana.

Erika vinha a um ano perseguindo aquele objetivo, procurando um novo


talento debaixo de pedras, sem sucesso. Ela fazia uma seleção minuciosa
dentre os novos manuscritos que chegavam, mas nada lhe enchia os olhos.
Então já tinha alguns meses que ela adotou uma nova estratégia: procurar
pessoas com histórias impactantes que poderiam se tornar livros. Talvez
fosse mais fácil encontrar uma autobiografia que estourasse do que histórias
ficcionais.

Depois de muito tempo procurando, Erika abriu a internet com uma história
interessante. Uma mulher encontrada depois de oito anos presa num
cativeiro. Anahí Portilla. O que será que ela tinha a dizer sobre aquela
experiência? Que tipo de cicatrizes aquela mulher carregava? Parecia ser
uma história e tanto, e Erika estava disposta a persegui-la até o fim.

Aquele furo prometia.

xxx

Lexie Grey não teve grandes dificuldades de se livrar dos novos internos.
Com a planilha que já estava feita há quase uma semana, ela distribuiu cada
um dos novos médicos entre os residentes da casa e, uma vez resolvido –
ignorando todas as reclamações que advieram de suas escolhas – ela seguiu
para a preparação do paciente da cirurgia que faria... como residente de
Mark Sloan.

O que Lexie não esperava era que, ao entrar na cirurgia para se paramentar,
Amelia estivesse na sala de escovação ao lado de um Mark que já se
preparava. Ela chegou exatamente na hora certa para ouvir a conversa entre
a mentora e seu ex-namorado, em especial porque Amelia não parou de
falar nada quando notou a presença dela. Mark, por sua vez, tentou cortar.
Não que adiantasse a longo prazo.

— Você não foi pra cirurgia solo do novo interno...? – ele perguntou
franzindo a testa.

— Meredith foi. Eu disse que não furaria – Lexie sorriu já começando a


esfregar os braços – Hoje sou sua assistente.

— Obrigado, porque seu namorado foi resolver o que quer que seja na
emergência e eu realmente preciso de alguém que entenda o procedimento –
Mark sorriu galante – Achei que fosse me trocar pelos novos internos.

Amelia observava como uma expectadora o flerte descarado entre eles.


Mark já tinha terminado de se lavar, ela sabia disso, mas ele continuava ali,
arrumando o que fazer, para continuar falando com Lexie, mesmo se
sabendo que àquela altura já deveria estar dentro da sala de cirurgia tendo
as mãos enxugadas e colocando as luvas e o restante da roupagem cirúrgica.
Eram meras desculpas para permanecer ao lado dela antes de precisar
focalizar totalmente os cuidados com o paciente que operariam juntos.
Amelia queria rir do modo bobo e apaixonado como Mark seguia
encarando a ex-namorada, mas nem sequer podia soltar uma piada como
gostaria, já que Lexie estava namorando Jackson Avery, subalterno e ex-
aluno de Mark.

Mas havia uma forma de alfinetar a situação sem parecer tão descarada
assim.

— Falando em novos internos, o boato que circula no hospital é que você


foi a sensação entre as internas – Amelia alfinetou – O que acha disso
Mark...?

A atenção de Amelia estavam em Mark, mas o canto do olho observava


Lexie. Ela notou quando sua aluna corou com o comentário, revirando os
olhos nervosa e tentando se concentrar ainda mais na escovação. Quis rir
novamente. Estava dando certo. Voltando-se para Mark, ele deu um ar de
riso que não indicava malícia. Pelo contrário, o cirurgião plástico achava
graça do comentário da amiga.

— O que eu acho...? – ele perguntou rindo – Parece que seu irmão não é
mais o... como o chamam...? Ah... o McDreamy daqui.

— É, Derek foi destronado – Amelia riu – Mas não me surpreende nem um


pouco o frenesi que você causa. Afinal de contas você sempre fez sucesso
entre as internas, não é?

Lexie achou que fosse morrer com o comentário de Amelia. Agradeceu aos
céus pelo fato de ter para onde olhar naquele momento. Provavelmente a
pele clara de seu rosto já denunciava todo o seu rubor, a julgar pelo calor
que sentia nas bochechas.

— Não exagere – Mark negou – Elas estão apenas empolgadas com o


hospital, não vai durar.

— Ora Mark, não seja modesto, todo mundo aqui conhece os seus atributos
– Amelia comentou quase gargalhando vendo Mark sorrir amarelo e
sabendo, pelo modo como o olhar dele alcançava Lexie ao fundo, que
estava atingindo o objetivo em cheio – E quando eu digo todo mundo, é
todo mundo mesmo...!

— Ok Amelia, eu preciso operar – Mark disse já virando as costas,


deixando as duas neurocirurgiãs sozinhas.

— Eu não dou duas semanas pra ele começar a ensinar uma dessas novas
garotas – Amelia alfinetou se fazendo de desentendida – Você concorda...?

— Ahn? – Lexie quase engasgou – Er, eu? Quer dizer... – ela balançou a
cabeça – Ah, eu não sei. Talvez não. Não seria muito... profissional.

— Grey, nós estamos falando de Mark Sloan – Amelia lembrou cruzando os


braços – Você sabe muito bem como ele é, porque eu também sei. E ele está
sozinho... livre, desimpedido... as internas que se preparem.
Não só as internas. Lexie também tinha que se preparar para ver Mark
ensinando por aí. E sobretudo, que ela nunca mais seria sua aluna, ao
menos não naquele sentido.

xxx

Maite tinha aceitado, naquela noite, o convite de Mane para assistir o jogo
de seu time. A verdade é que ela não tinha entendido a razão de ser do
convite em si. Mane e ela eram amigos desde sempre, mas nunca tinham
sido próximos, não como ela era com Anahí, Christian e Lexie e como ele
sempre tinha sido com Poncho e Jesse. Maite mal sabia com o que Mane
trabalhava, muito mais por ver publicações a respeito nas redes sociais dele
e os comentários nas rodas de amigos – quando estas aconteciam – do que
qualquer outra coisa. E agora Mane a convidava para assistir um daqueles
jogos. Não tinha como não se surpreender.

O pouco que Maite sabia sobre a vida profissional de Mane já denunciava o


quanto ele levava a sério o que fazia. Tal como era com ela e como Anahí
teria sido se sua vida não tivesse sido interrompida, para Mane treinar
aquele time não era apenas um trabalho, era sua vida, quase uma missão.
Mane lidava com a juventude de vários garotos da periferia, a maioria
negros, que não teriam qualquer chance de futuro se não fosse ali, naquele
campo. Ele os apoiava, os fazia acreditar que podiam, investindo no esporte
e incentivando-os a estudar. Mane não usava somente o talento como
critério para selecionar seus jogadores, ele exigia frequência e boas notas
como requisitos, uma forma de fazê-los se manterem na escola e estudando.
Já tinha feito uma primeira leva mandando alguns garotos para a faculdade
e era apenas o começo, já que ainda tinham muitos olheiros que poderiam ir
para o Queens descobri-los e mudar aquelas vidas. Para Mane era apenas o
começo.

Aquela perseverança dele encantava Maite. Ela era professora e também


acreditava na educação como o caminho, trabalhava por isso, mas via Mane
fazer de uma forma mais intensa. Foi isso o que a motivou a visita-lo na
escola para assistir o jogo. Maite não fazia a menor ideia dos sentimentos
de Mane, depois de muito pensar chegou à conclusão que ele apenas queria
aproxima-la depois da bandeira branca estendida entre os dois após o
reaparecimento de Anahí. Ela que nunca tinha cogitado uma relação mais
próxima entre os dois achou uma boa ideia, sem fazer ideia que Mane
pretendia leva-la para sair, somente os dois, no fim do jogo. O primeiro
passo que Mane já demorava quase quinze anos para tomar, mas que, pelo
visto, finalmente iria acontecer.

Ou não.

Quando estava quase saindo da escola, já pedindo um Uber para o colégio


onde Mane trabalhava, Maite foi surpreendida por uma colega de trabalho
que vinha com um convite inusitado.

— Ei Maite! – Pia disse com um sorriso largo para a morena se


aproximando – Vai fazer algo hoje à noite? Eu queria tomar uns drinques,
mas to sem companhia.

— Na verdade sim – Maite respondeu – Vou a um jogo de futebol de


colegial.

— Sério...? – Pia franziu a testa sem entender.

— Um convite de um amigo – Maite respondeu – Mane. Ele treina esse


time.

— Mane por um acaso é aquele moreno forte e gostoso que veio te buscar
no outro dia...? – o sorriso de Pia já cresceu – Nossa, que pedaço de mau
caminho aquele homem...! Vocês estão juntos?

— Não – Maite negou balançando a cabeça e afastando a ideia tão rápido


quanto pôde – Não, claro que não, Mane é meu amigo desde sempre...

— Ah Maite, que pecado – Pia suspirou se abanando – Um homem


daqueles não nasceu pra ser recusado.

— Nem pra ser cogitado – Maite ressaltou – Somos apenas amigos.

— Cem por cento amigos? – Pia perguntou vendo a amiga confirmar –


Então... já que é assim... você poderia me apresentar a ele.
— Você quer? – Maite perguntou vendo-a assentir muito mais animada do
que antes – Bom... não posso prometer nada... mas você pode vir ao jogo
comigo.

— Ah, sério? – ela bateu palminhas – Se nos casarmos você será a dama de
honra...!

— Ai Pia, quem ta falando em casamento? – Maite revirou os olhos.

Maite não era, há muito tempo, a mulher que saía para encontros suspirando
e fazendo planos para o futuro. Se o homem em questão não resultasse
numa grande decepção, aquele primeiro encontro resultasse em outros três
que significasse um bom sexo, já seria de bom tamanho. Ela tinha desistido
de criar expectativas depois de um casamento fracassado. Afinal de contas,
não havia segurança em achar que as histórias durariam para sempre, já que
ela e Koko sequer duraram um ano.

Não adiantava, Maite seguia se culpando pelo fracasso do próprio


casamento. Ela não parava de pensar que tudo poderia ter sido muito
diferente se ela tivesse percebido desde o inicio o que estava acontecendo
com Koko. No táxi que pegou com Pia, enquanto a amiga falava sem parar
de Mane, Maite fingia estar prestando atenção quando buscou, na pesquisa
do Facebook, o perfil do ex-marido. A última foto postada era com uma
mulher que ela não fazia ideia quem era. Provavelmente a mulher da
semana, do mês. A raiva se apoderou dela com um piscar de olhos. Maite
odiava-se por ainda se sentir assim, por se importar tanto. Ela dava tudo
para ser indiferente, mas infelizmente ainda estava longe demais daquilo.

Depois de tanto tempo tentando sair daquela fundo do poço que se tornou
sua vida amorosa, Maite acreditava que provavelmente aquele cenário
nunca iria mudar.

Mane estava com o time montado no campo preparado para o grande jogo.
As líderes de torcida animavam o público. Foi com alívio que Maite saiu do
táxi e caminhou junto com Pia para a arquibancada, afinal ainda não tinha
começado. Mane estava concentrado com os jogadores, mas Pia notou
quando sussurraram no ouvido dele algo que o fez olhar para onde elas
estavam. Ele abriu um sorriso após o que quer que tenha ouvido e procurou
pela arquibancada, avistando Maite e sorrindo mais ainda. Ela acenou
quando o olhar dos dois se encontraram... mas ao notar que Maite estava
acompanhada, Mane franziu a testa. Pelo visto ele não tinha entendido. Pia,
por sua vez, não sabia se entendeu o certo.

Era melhor não pensar demais. Pia esperou, mas Maite não demonstrou
qualquer confusão mental pelo que tinha acabado de acontecer. Talvez fosse
melhor simplesmente ignorar.

O jogo terminou horas depois e Maite caminhou para a parte inferior do


campo ao lado de Pia, rasgando elogios para Mane o tempo inteiro. Assim
que ele se desocupou foi na direção da amiga com o maior sorriso do
mundo e a recebeu com o abraço mais caloroso possível. Pia se sentiu
sobrando, mas decidiu pôr a culpa no fato de ele não conhecê-la. Tudo
estava para mudar nos próximos minutos.

— To feliz que você veio – Mane disse radiante sem tirar os olhos dela –
Me espera? Quero te levar pra comer alguma coisa...

— É claro que espero... ou melhor, esperamos – Maite ressaltou – Essa é a


Pia. É minha amiga e estava louca pra te conhecer.

Mane sentiu algo dentro de si explodir e murchar ao mesmo tempo. Ele


ficou estático com a informação, piscando sem parar e olhando para Maite e
depois para Pia sem entender. A moça ao lado dela, sua amiga, era uma
loira alta e bonita, que sem a menor dúvida tinha uma beleza que lhe
chamaria a atenção se ele não estivesse completamente vidrado na morena
que a acompanhava. Pelo visto era algo notório para todos, menos para a
própria Maite, que seguia avoada na situação... tanto que levou outra
mulher para acompanha-los em uma saída que era apenas para os dois. Ou
ao menos deveria ser.

Administrando a situação, Mane resolveu disfarçar. Afinal de contas, a tal


Pia não tinha culpa por ter uma amiga que simplesmente não enxergava um
palmo a sua frente e definitivamente não se dava conta do óbvio.

— Ah, claro... muito prazer Pia – Mane disse apertando a mão dela e
cumprimentando-a – Espero que tenha gostado do jogo.
— Gostei sim, principalmente do treinador.

O que faltava de atitude em Maite sobrava em Pia. Mane ficou


completamente surpreso com a ousadia da moça e não conseguiu não sorrir.
Maite, à sua frente, fez o mesmo, indicando o quanto "abençoava" a
situação. Mane voltou a pedir alguns minutos para organizar o vestiário do
pós-jogo e saiu dali, deixando as duas sozinhas. Ele de certa forma usaria
aquele tempo para pensar, para colocar a cabeça no lugar e aprender a lidar
com aquela nova realidade que era bem diferente de sua expectativa. Afinal,
se ele esperava sair com Maite sozinho e finalmente começar a ter coragem
para indicar de modo mais ostensivo o quanto estava interessado nela,
parecia que agora ela tinha deixado a fila andar e perdido sua vez.

Pia, por sua vez, não pretendia perder a própria chance. Ao menos era o que
parecia.

xxx

— Tem certeza que não quer que eu entre com você...? – Karen perguntou a
uma Anahí que permanecia tão séria e seca com ela quanto possível. E pelo
visto, não iria mudar.

— Uhum – ela respondeu sem sequer encarar a mãe.

— Vai continuar nessa guerra de silêncio?

— Você vai continuar mentindo pra mim? – Anahí rebateu com mais uma
pergunta, que muito mais soava como uma acusação. Karen apenas
suspirou.

— Não estou mentindo pra você – ela se limitou a dizer – É só que... você
precisa entender que as coisas mudaram enquanto você não estava aqui.

— Você o aceitou na sua vida, você fique com ele – Anahí disse já soltando
o cinto de segurança – Eu não sou obrigada.
— Anahí...

— Eu tenho uma consulta, com licença.

Anahí oscilava os dois lados de sua personalidade com frequência. Tinha


suas horas de leoa e outros momentos de gatinho assustado. Frente a
situações em que se sentia traída, era o lado leoa que se manifestava. Ela
rugia nesses momentos. Em geral, eles eram destinados a Alfonso e agora,
sua mãe e Keith tinham sido inseridos naquele seleto grupo.

Só que, caminhando para dentro do Manhattan General Hospital, a outra


metade de gatinho amedrontado dava as suas caras. Anahí tinha ido até ali
sob uma mentira, como se tivesse uma consulta marcada com a Dra.
Caitriona Balfe, porque se dissesse a Karen a verdadeira razão para estar
ali, teria que admitir coisas que sequer conseguia pensar. Anahí não tinha
conseguido dormir naquela noite, já que toda vez que fechava os olhos
voltavam em sua mente a imagem – provavelmente uma lembrança – de seu
corpo convulsionando de dor e um sangue estranho aparecendo, escorrendo
por suas pernas.

O que aquilo significava? Era de fato uma lembrança? Se sim, o que tinha
acontecido? Eram perguntas que a Dra. Balfe teria que ajuda-la a encontrar
as respostas.

Caminhando para o elevador, para a sua surpresa, Anahí viu um rosto


conhecido chamando-lhe com um sorriso animado.

— Ei Anahí! – o homem grisalho e sorridente acenava para mim. Era Mark


Sloan – Tudo bem com você? Não sei se lembra de mim... eu sou...

— Dr. Sloan – ela disse sorrindo de volta – Ex-nam... quer dizer, colega da
Lexie.

— Sim – Mark abriu um sorriso discreto no canto da boca pela associação


que ela fez – Ela sabe que você está aqui?

— Eu não avisei que viria – Anahí respondeu entrando no elevador cujas


portas tinham acabado de abrir. Mark veio logo atrás dela – Tenho uma
consulta com a Dra. Balfe.

— Ah sim... e você quer que eu a avise? Ela está saindo de uma cirurgia
com a Shepherd.

— Não precisa, eu não quero atrapalhar – ela dispensou.

O que aconteceu dentro do elevador, por sua vez, foi algo que Mark achou
que seria bom Lexie saber. Simplesmente ele e Anahí foram os primeiros a
entrar, de modo que ficaram nos fundos. Dia de hospital cheio, logo pela
manhã, o elevador rapidamente lotou. Quando as portas fecharam, ficou
evidente que Anahí se sentiu acuada. Ela estava indo para um dos últimos
andares e não demorou nada para que a respiração dela ficasse mais pesada.
Quando Mark estava prestes a perguntar novamente se estava tudo bem
com ela, a resposta ficou evidente em sua reação. Anahí olhava para os
lados, nervosa, os olhos virando sem parar e apertou o braço dele. Ela
estava tendo um ataque de pânico, provavelmente. A mente de Mark não
demorou a perceber a razão de ser daquele nervosismo todo: uma vítima de
sequestro, que ficou presa por oito anos em um cativeiro, não tinha como
reagir bem ao estar trancada num ambiente fechado e acuado.

Por sorte a porta do elevador se abriu logo em seguida. Dessa vez os


reflexos de Mark foram rápidos; seu raciocínio, mais ainda.

— Vamos de escada até a Psiquiatria – ele disse conduzindo-a pela cintura –


Eu te acompanho.

O olhar de Anahí, ainda nervoso, agradeceu por sua voz. Mark a segurou
pelo braço com toda a delicadeza que uma mulher na situação dela
precisava e a tirou dali, pedindo licença para todos os que estavam em sua
frente e saindo antes que a porta do elevador se fechasse. Rapidamente ele
caminhou a passos largos pelo corredor e levou Anahí até a escada, pouco
frequentada no hospital. Dois lances depois os dois estavam onde ela queria
chegar: o andar onde a Psiquiatria funcionava, onde ficava o consultório da
Dra. Balfe.

— Eu... obrigada – Anahí disse ainda agitada. Mark sorriu.


— Tem certeza que não quer que eu chame a Lexie? – Mark insistiu – Eu
sei que ela não se incomodaria em te acompanhar.

— Eu realmente não quero incomoda-la – Anahí dispensou – E gostaria que


você não comentasse nada disso com ela. Não quero que ela nem ninguém
se preocupe.

— Tudo bem – Mark deu de ombros – Se cuide, ok? Qualquer coisa que
precisar, você sabe onde encontrar.

Assentindo e sorrindo em agradecimento mais uma vez, Anahí virou as


costas caminhando para a sala onde sua psiquiatra consultava. Mark
continuou observando-a de longe, garantindo que ela realmente entrou ali.
Após se certificar, ele virou as costas voltando para o elevador do qual tinha
saído há pouco, apertando o botão do andar da cirurgia ao entrar. Ao sair,
apenas olhou para o quadro para saber em que sala Amelia Shepherd –
acompanhada de Lexie – estava operando. Anahí tinha pedido sigilo e
discrição, mas uma pessoa que sofria de transtorno pós-traumático não
sabia o que dizia. É claro que Lexie iria saber. É claro que Mark iria contar.

xxx

A Dra. Caitriona Balfe percebeu o nervosismo de Anahí assim que abriu a


porta. Por sorte ela não estava atendendo ninguém e sua experiência clínica
a fez notar em segundos que a paciente não estava nada bem e precisava ser
consultada naquele mesmo minuto. Abriu espaço, trancou a porta, pediu
que Anahí se sentasse e lhe serviu um copo d'água. Pelo visto elas teriam
muito o que conversar.

Anahí não mentiu sobre o que tinha acabado de acontecer. Ela descreveu a
situação em detalhes, o pânico de estar trancada no elevador, pouco espaço,
pouco ar, muita gente... as lembranças que isso trazia. Ela estava acuada,
nervosa, provavelmente demonstrando o pós-trauma de tudo o que viveu. E
a Dra. Balfe estava atenta a cada detalhe do que ela dava, anotando as
informações em um bloco e esperando que a paciente estivesse calma para
dizer qualquer outra coisa. Não demorou até ela notar que havia mais a ser
dito ali.

— Mas não foi por isso que você veio – a psiquiatra observou. Anahí calada
não respondeu, mas ela tinha mais a dizer – Você sentiu isso quando já
estava aqui, contou porque eu abri a porta quando tinha acabado de
acontecer... só que nós não tínhamos uma consulta marcada. Você veio por
outra razão.

— Sim – Anahí confessou – É que... aconteceu algo ontem.

— O que aconteceu?

— Eu... acho que lembrei de algo – Anahí respondeu – De quando estava...


lá.

— No cativeiro...?

— Sim.

— O que você lembrou?

— Eu não sei bem se é uma lembrança – ela ressaltou – Eu estava ontem


em casa. Eu... é difícil falar sobre isso, mas eu abri o meu Facebook depois
de anos. E eu pesquisei sobre o Poncho. Eu queria ver quem era a mulher
dele, como ela era, como era o filho deles. Queria ver se era bonita, se ele
parecia feliz.

— E por que você fez isso? – a Dra. Balfe perguntou, analisando cada traço
da expressão de sua paciente.

— Os pais dele e a irmã foram me visitar – Anahí explicou – A irmã dele,


Erendira... ela e eu sempre nos demos muito bem. Ele sempre foi próximo
dela... e os dois conversaram sobre mim. Inevitavelmente ela acabou
falando sobre isso comigo também.

— Continue.
— Eu disse a ela que eu ainda o amava – Anahí ressaltou – E depois eu
fiquei pensando nisso... que é estúpido que eu continue pensando num cara
que obviamente me esqueceu.

— É um pouco complexo que você diga que ele te esqueceu e ponto – a


Dra. Balfe respondeu – Nem todas as coisas são preto-no-branco... os
sentimentos, sobretudo, são dúbios. Amor nem sempre é só amor, ódio nem
sempre é só ódio...

— Ele é feliz com a esposa... – Anahí lembrou.

— Ninguém é feliz cem por cento do tempo – ela retrucou – Como


ninguém é triste o tempo inteiro também. Veja você, por exemplo... chega
aqui completamente devastada, mas eu tenho certeza que, desde a última
vez que nos vimos, você teve algum bom momento. Ele pode ser feliz com
a esposa, mas pode ser que em algum momento não seja tanto assim.
Felicidade e escolhas às vezes são questões de sobrevivência. Não seja tão
dura com ele.

— Que seja – Anahí suspirou – Nas fotos ele parecia feliz. Estava sorrindo,
abraçado a ela. Duas fotos foram suficientes pra eu querer parar de olhar,
pra fechar aquilo, desligar o computador e deitar na cama de novo. E foi aí
que aconteceu.

— O que aconteceu?

— A lembrança – Anahí continuou – Ou o que quer que seja... foi aí que eu


lembrei. Eu deitei na cama, fechei os olhos e... eu me vi nessa mesma
posição. Lá. E saía sangue pelas minhas pernas.

— E você lembrou como estava quando isso aconteceu?

— Não – Anahí mordeu os lábios, os olhos se inundando de lágrimas – Eu


não consigo lembrar e... não consegui mais dormir. Porque no final de todos
os sonhos... era disso que eu lembrava.

— Tudo bem, é suficiente, se acalme – a médica disse puxando a cadeira


para perto dela, até as duas ficarem frente a frente – Nós podemos tentar
algo que te ajude a lembrar. Não vai ser fácil e talvez não dê certo de cara...
mas é uma tentativa. Só que você precisa se acalmar e se concentrar.

— Como...? – Anahí perguntou mordendo os lábios.

— Se chama regressão de memória – a Dra. Balfe explicou – Você fecha os


olhos, esvazia a mente e se concentra no que eu estou te dizendo. Não pensa
em mais nada, deixa as suas emoções de lado, o seu nervosismo... vai
apenas onde eu te disser.

— Eu não sei se consigo...

— Que tal nós tentarmos? Não vamos perder nada...

A Dra. Balfe sabia que Anahí tinha um pouco a perder. A regressão era um
procedimento um pouco pesado e não conseguir gerava uma boa dose de
frustração no paciente. Até mesmo se ela lembrasse, seria difícil, pesado. A
psiquiatra sabia de coisas de Anahí que a paciente não tinha ideia, mas
havia muitas lacunas. Sobretudo, para que aquelas coisas das quais tinha
conhecimento fossem passadas para ela, era necessário que a própria Anahí
se lembrasse. A regressão era um primeiro passo. Uma forma de Anahí
começar a solucionar o problema. O trauma não sairia dela enquanto ela
não soubesse exatamente o que teria que enfrentar.

Mesmo insegura, Anahí confiava na Dra. Balfe, tanto que era para ela que
tinha corrido quando as coisas pareceram difíceis. Ela estava disposta a
arriscar. Por isso fechou os olhos e mordeu os lábios, decidida a se deixar
guiar. Não sabia no que aquilo daria, onde iria chegar... mas iria tentar.

— Vamos lá... eu quero que você se deite exatamente na mesma posição


que estava deitada ontem – a médica pediu – E depois disso, quero que você
relaxe. Não quero que você pense em nada. Eu vou esperar até você
conseguir.

Caitriona esperou até que Anahí parecesse estar pronta. Até ver a
serenidade tomar seu rosto, não sentir que o medo ou a aflição do que tinha
sentido no elevador ainda influenciasse Anahí. Somente quando viu seu
corpo e seu rosto relaxados ela começou. Demorou algum tempo, mas a
psiquiatra sabia que era essencial que Anahí estivesse totalmente liberta
para que tudo desse certo. Sem isso, não tinha como dar certo.

— Agora eu quero que você apenas ouça a minha voz – ela continuou –
Você está lá, Anahí. Naquele lugar de sempre. Deitada onde você
costumava deitar, vestida como costumava se vestir. O que você sente...?

— Frio – Anahí descreveu – Cheira a cigarro. Ele fuma.

Ele era Tobias. O algoz, o sequestrador. A lembrança do cheiro era sinal de


que Anahí tinha conseguido se transportar. Era sinal de que estava
funcionando.

— Muito bem – a Dra. Balfe prosseguiu – Você disse que estava com dor. O
que aconteceu? Ele te bateu? Ele te machucou, ou apenas... apenas começou
a doer...?

A concentração de Anahí estava afinada. Ela estava leve. Rapidamente


conseguiu se transportar. A sensação em seu corpo era de proteção. Ela
precisava se proteger. Sentia uma energia muito grande vinda de dentro para
fora, do centro de seu corpo. A voz masculina que escutava era nervosa. Ele
estava irritado, dava para perceber em seu timbre. E toda aquela irritação,
aquela raiva, era descontada nela. Mas Anahí abraçava a barriga, tentando
se proteger. Tentando proteger algo. Como se não fosse apenas a si mesma.

A ficha caía aos poucos...

— Ele está bravo... está nervoso... – o olhar dela parecia agitado – Eu to


com medo...

— Por que ele está nervoso?

— Ele não pode me machucar... não... o meu bebê não...

Aí estava. A Dra. Balfe sabia que, nesse momento, Anahí tinha chegado no
ponto certo.

Dentro de seus pensamentos reais, seus sonhos, ou melhor, pesadelos, ela


revivia o passado. Estava abraçada em si mesma, chorando, rezando para
que Tobias a poupasse ao menos naquele momento. Ouvia a voz dele e não
apenas a dele, mas a sua própria voz também, como se ela fosse uma
terceira pessoa se reconhecendo naquele diálogo. A Anahí do passado, se
abraçando, pedia para ser poupada. Não exatamente ela, mas o bebê que
carregava no ventre. Tobias não era misericordioso, ela logo entendeu a
razão de ser daquela fúria toda: ele estava irritadíssimo pela gestação dela.
Aparentemente acabara de descobrir. A Anahí do passado pedia, implorava
para ele não machuca-la na barriga. Pedia que ele poupasse a criança, que
deixasse a gravidez prosseguir até o final. Não precisava pensar muito para
saber o final da história.

A Anahí dali, por sua vez, quase sentia a dor novamente. Ouvia sua própria
súplica que um dia tinha acontecido e estava atormentada pela lembrança.
Via a raiva nos olhos dele quando ela pediu que deixasse a criança para
Poncho cuidar. Foi como despertar todo o ódio do mundo em Tobias. O
estopim para que as agressões partissem para o plano real. A barriga que ela
tentava poupar foi exatamente o que ele golpeou. A chutes irritados com um
sapato duro demais, causando-lhe lágrimas de dor, de desespero, de perda.
A tirando da única coisa real e boa que tinha lhe restado.

Essa Anahí do presente acordou às lágrimas ao reviver aquela cena.


Trêmula, ela chorava sem parar, talvez pela lembrança que agora era
evidente, talvez pela constatação do que tinha acabado de descobrir. Sem
dúvidas, se perguntando como tinha sido capaz de esquecer. A Dra. Balfe se
levantou de sua poltrona e sentou-se ao lado dela, deitando-lhe em seu
ombro num consolo. Não era fácil viver aquele momento, nem um pouco.
Não quando as lembranças de Anahí eram completas e a faziam reviver
aquele inferno de antes. Não quando ela mais uma vez se sentia impotente
frente a uma verdade: ela tinha engravidado no passado. Ela chegou àquele
cativeiro grávida.

A lembrança dizia tudo: Tobias Menzies tinha lhe tirado mais do que uma
vida, uma liberdade... ele tirou também o filho que ela teria com Alfonso.

~
Todo mundo vivo? Hahahahaha. Antes que comecem a me xingar já aviso
que a cena acabou!!! Acalmem esses corações ok?
Mas eu perguntei se ta todo mundo vivo porque esse final foi pesado. Eu
sei, eu sei! Sei que dói em vcs ver a Anahi sofrer (ainda mais), e sinto em
dizer que ainda vem mais sofrimento por aí

Li várias teorias sobre o final do cap anterior e não confirmei nem desmenti
nenhuma. Quero saber agora o que vcs estão pensando! Dúvidas sanadas...
ou não? Hahahaha. Me contem!!!

E me contem sobre as outras coisas também, to curiosa pra tudo. E fica a


grande pergunta: como o Poncho vai reagir quando descobrir?

Cenas para os próximos capítulosssssss

Boa semana!

Beijos,

Rafa
Capítulo 15 - A devastating memory

Feliz aniversário pra Lud, a maior rasgadora de vestes das minhas fics <3

Anahí abriu os olhos ofegante depois daquela regressão. Seus lábios


tremiam quando ela voltou a si. O ímpeto natural, obviamente, foi olhar
para o meio das pernas e confirmar se havia sangue ali. Se certificar que
aquele pesadelo era somente uma lembrança ou se estava acontecendo
naquele momento. Constatar que estava totalmente seca e, em tese, segura
não acalmou Anahí. Provavelmente nada acalmaria.

A Dra. Balfe estava bem ali, abraçando-a, controlando o seu choro. Metade
das lágrimas eram pelo susto e a outra metade, pela angustia. Aos poucos
ela tinha voltado para a realidade e se dado conta que aquilo não estava
mais acontecendo. O problema é que tinha acontecido um dia.

— Tudo bem – a psiquiatra murmurou – Já passou...

— Não, não passou – Anahí disse como pôde – Era meu filho...

Agora ela lembrava de tudo.

Alfonso e ela tinham alugado um apartamento no Brooklyn e estavam


começando a fazer a mudança quando Anahí se deu conta que sua
menstruação estava atrasada. Ela não acreditava que aquilo era possível
porque ela sempre tinha se protegido, nunca fora seu projeto engravidar de
surpresa como tinha sido com sua mãe, por isso Anahí tomava todo o
cuidado possível. A questão é que não tinha tanto tempo que ela tinha
voltado da faculdade e durante aqueles anos ela tinha suspendido a injeção
anticoncepcional porque só se encontrava com Poncho raramente e fazia
mais sentido os dois se protegerem com a camisinha. Quando Anahí
reencontrou de vez o namorado eles acabaram esquecendo a camisinha uma
vez antes de ela retomar as injeções. Uma única vez. Pelo visto, o
suficiente.

Anahí não tinha certeza. Ela decidiu, dentro de si, que só falaria com ele
quando aquela possibilidade se tornasse algo mais concreto. Mas dentro de
si havia todo um mundo que sacolejava. Ela não queria repetir a história da
mãe, tinha toda uma jornada que queria viver antes de ter um filho, mas era
óbvio que a distância entre a sua vida e a de Karen era imensa. Para começo
de conversa Anahí tinha Poncho e a certeza de que ele seria o pai incrível e
presente que ela nunca teve. Aquele bebê teria uma família. Então por mais
temerosa que ela ficasse com aquela história toda, era certo que a vida que
construía ao lado dele tinha uma diferença gritante para a que ela tinha
vivido. Aquele bebê não nasceria vendo a mãe sofrer por um homem
ausente. O filho dela não repetiria os seus traumas, definitivamente não.

Só que Alfonso nunca ficou sabendo que seria pai, porque no fim das
contas ele nunca chegou a ser. Ela não teve a certeza porque foi sequestrada
antes da confirmação. E dentro do cativeiro, mais do que se preocupar
consigo mesma, Anahí decidiu proteger o bebê que tinha dentro de si. Não
adiantou. Tobias foi mais cruel do que nunca. Pelo visto ele não estava
satisfeito em tirar sua vida, sua liberdade... ele também tinha que tirar seu
filho. A julgar pela descoberta tardia, ele lhe tirou até mesmo as lembranças
de que tudo aquilo tinha acontecido.

— Como eu pude esquecer isso...? – Anahí negava com a cabeça totalmente


incrédula – Cait, era o meu bebê...

— Como eu suspeitava, você tem amnésia disassociativa – a Dra. Balfe


explicou – Os traumas que você viveu naquele cativeiro te fizeram esquecer
parte do que viveu lá. Isso explica por que você não lembra como chegou. E
eu suspeito que ainda há mais coisas a serem lembradas... coisas que ficarão
claras conforme fizermos novas sessões de regressão.

— Não, eu não quero – Anahí negou – Eu não posso...

— Anahí, é a única maneira...


— Você não entende? O que eu ganho com isso? – e o rosto dela estava
banhado em lágrimas – Eu acabei de me lembrar que eu perdi o meu filho!
Eu... isso doeu demais!

— Você precisa conhecer a sua história – Caitriona observou – Não vai


supera-la enquanto não conhecê-la. Talvez você não esteja pronta agora,
não esteja pronta ainda, mas é necessário. Eu não te darei alta enquanto não
resolvermos isso. Quanto mais você resistir, menos vai adiantar. Não é algo
contra o qual se possa lutar.

xxx

Amelia Shepherd já tinha terminado sua cirurgia e estava fazendo algumas


observações com Lexie Grey antes de liberar a sala que usavam quando a
porta da mesma se abriu de forma totalmente abrupta e por ela entrou um
Mark Sloan completamente ofegante e agitado. Nenhuma das duas entendia
o que estava acontecendo ali, muito menos por que Mark invadiu a sala
daquela forma quando ele não era esse tipo de pessoa, mas o que elas
viriam a descobrir é que as razões da interrupção não demorariam a ficar
claras.

— Shepherd – a voz grave de Mark entoou o ambiente. As duas olhavam


para ele sem entenderem absolutamente nada – Será que você pode me
emprestar a Grey por alguns minutos?

Imediatamente Amelia olhou de Mark para Lexie, que seguia mais confusa
do que nunca. Por óbvio, a resposta estava na ponta de sua língua.

— Fique à vontade – a neurocirurgiã deu de ombros – Ela é praticamente


sua mesmo...!

Lexie sentiu parte do corpo morrer ao falar aquilo. Ela olhou para a mentora
recriminando, mas Amelia seguia encarando-a como se dissesse a maior
verdade da face da Terra. Era difícil escolher ficar ali sendo encarada pela
chefe ou marchar na direção de Mark e cortar aquela situação, mas ter que
igualmente encara-lo. No fim ela acabou escolhendo a segunda opção,
embora escolher não fosse a melhor palavra porque Lexie não acreditava
que fazia algo por querer e sim porque não tinha jeito.

Mark, por sua vez, não estava preocupado com o que Amelia tinha dito,
com nenhuma provocação da amiga, muito menos com a reação de Lexie.
Ela não tinha como saber, mas o motivo que o fazia interromper sua
conversa profissional com Amelia era muito mais grave do que Lexie
poderia imaginar. Lexie sequer poderia supor que era completamente
necessária naquele momento e que Mark não a chamava por qualquer
interesse seu, mas por algo que dizia respeito somente a ela. E exatamente
por se tratar de um assunto grave ele decidiu que não deveria falar no meio
do corredor ou numa sala de cirurgia. Mark caminhou até a mesma escada
onde logo antes ele acompanhava Anahí em direção ao andar da Psiquiatria.
Lexie, sem saber o que era, não teve opção se não segui-lo.

— Olhe, a Dra. Shepherd fala cada coisa que... – uma Lexie bastante
envergonhada começou a falar sem saber ao certo onde iria chegar, apenas
querendo se livrar do constrangimento de minutos antes. Mas Mark nem
ouviu.

— Anahí está aqui – ele a interrompeu vendo Lexie arquear as sobrancelhas


– E ela não está bem.

— O quê...? – e Lexie simplesmente esqueceu o que tinha acabado de


acontecer. Esqueceu que Amelia Shepherd fez uma piada sobre ela e Mark.
Esqueceu até mesmo o que estava prestes a falar. Porque a apreensão dele
dizia por si – Como... como você...

— Eu a encontrei no térreo, subi no elevador com ela, só que... o elevador


encheu e ela teve uma crise claustrofóbica, eu não sei dizer bem – Mark
coçou a cabeça – Eu saí do elevador com ela, subimos de escada até a
Psiquiatria, ela estava completamente alterada mas não quer que você saiba.
E eu acho que você deve saber, porque ela precisa de alguém estável nesse
momento.

— Sim, ela precisa – Lexie suspirou longamente – Mark... obrigada.

— Você não precisa me agradecer Lex...


— Sim, eu preciso – Lexie confessou – Porque eu estava prestes a fazer um
escândalo pelas alfinetadas da Amelia que não são sua culpa. Eu iria
reclamar por você me trazer pro meio do nada sem nem dizer do que se
trata e... no fim das contas você queria apenas me dar uma notícia
complicada num lugar onde houvesse mais privacidade. Você ta sempre
pensando em mim... ta sempre se preocupando comigo, mesmo não tendo
por que.

— Eu tenho por que – Mark disse passando a mecha do cabelo dela para
trás da orelha – Eu quero que você fique bem. E desde o dia que a Anahí
apareceu na Emergência eu sei que você estar bem, em parte, é ela estar
também.

— É que é muita coisa ao mesmo tempo – Lexie respirou pesado.

— Olhe, daqui a cinco minutos você sobe pra Psiquiatria, finge que estava
lá visitando um paciente e anotando um prontuário até a Anahí aparecer... –
Mark sugeriu – Mas daqui a cinco minutos. Agora você esvazia a cabeça de
todos esses pensamentos. Tira o peso do mundo das costas Lex. Nem que
seja por ao menos cinco minutos.

Lexie se perguntava sem parar como afinal ela faria aquilo quando o mundo
simplesmente não parava de girar. Ela de fato se sentia exatamente como
Mark falava, como se tentasse abraçar absolutamente tudo... estava no
último ano da residência e um dia antes guiava os internos novos por ser
residente-chefe... seu namoro com Jackson não estava em seus melhores
momentos, a briga entre Maite e Sophia a afetava demais, o reaparecimento
de Anahí tinha mexido um tanto com ela, isso sem falar nos sentimentos
oblíquos que o próprio Mark despertava nela. Era coisa demais.

Só que até para isso Mark tinha a resposta. Ele apenas acolheu Lexie em
seus braços e a confortou em seu abraço, simples assim. Lexie sentiu
apenas o corpo de Mark encontrar o seu e seu rosto, como se estivesse
magnetizado, encostar no peito dele. Não foi nada pensado, Mark oferecia
seu abraço como uma maneira de apoia-la e Lexie aceitou de bom grado,
envolvendo os braços em torno do pescoço dele e relaxando pela primeira
vez em séculos. Lexie nunca pensou que fosse encontrar qualquer tipo de
afago em seu ex-namorado que não tivesse qualquer cunho sexual, mas ali
estava, sentindo os problemas rolarem para fora dos pesados ombros que o
carregavam e em seu lugar entrar todo o apoio possível vindo de Mark,
justo de Mark.

— Você não tem que carregar esse peso todo Lex – Mark disse segurando o
rosto dela com carinho enquanto sorria no canto da boca – Você já tem um
cargo de residente-chefe, uma residência pra terminar... apoie a Anahí mas
não seja uma esponja dos problemas dela.

— Você tem razão – Lexie admitiu sorrindo de volta – Obrigada.

Mark tinha feito um bem inimaginável para Lexie. Ele simplesmente foi
capaz de recarregar as energias dela, há muito tempo gastas. E tudo isso se
deu apenas com um abraço. Ele podia acreditar que tinha conseguido
renova-la somente por ter lhe dado cinco minutos para parar, ainda que
obrigada, mas Lexie sabia que não era nada daquilo. Ela tinha certeza, na
verdade, que se fosse qualquer outra pessoa aquela corrente elétrica que
tinha atravessado seu corpo, bem como a súbita vontade de sorrir
aparentemente sem motivo, não eram coisas que ela estaria sentindo.

Só que tinha alguém que sabia.

Do alto da escada, sem poder ser vista, Catherine Avery – a mãe de Jackson
– observava a nora abraçada no ex-namorado e sendo consolada por ele.
Não apenas vendo, mas entendendo o que estava acontecendo ali. E por
óbvio, não gostando nem um pouco.

xxx

Uma vez voltando ao normal e recuperando o controle de si mesma, Lexie


seguiu o conselho exato de Mark e rumou para o andar da Psiquiatria. Ficou
parada num balcão próximo à sala que a Dra. Caitriona Balfe atendia seus
pacientes, fazendo anotações num prontuário que na verdade servia de
desculpa para ela estar ali. Para todos os efeitos, ela estava atendendo uma
paciente que, tal como Anahí já tinha sido, era da Psiquiatria e da Cirurgia.
A única coisa para a qual ela rezava era para não ser bipada naquele
momento porque nesse caso, tudo seria perdido.

Por sorte, o universo acabou conspirando e Anahí saiu da sala da


psiquiatria não muito tempo depois, com os olhos vermelhos e inchados por
motivos que a amiga não fazia ideia do que se tratava. Lexie caprichou na
atuação, continuando a anotar no prontuário fingindo que não a via. Era um
risco, já que Anahí poderia perfeitamente fingir que não a via e seguir
direto, mas ela não podia colocar tudo a perder correndo o risco de Anahí
notar que ela estava ali propositalmente. Para todos os efeitos, aquela não
passava de uma mera coincidência.

Obviamente Anahí não pensou assim. Ela não ignorou Lexie, até porque
seu sangue quente de ver a amiga ali e ir tirar satisfações foi mais forte.
Ainda que abalada, em alguns bons pontos Anahí continuava sendo Anahí.

— Mark Sloan te contou – ela disse parando na frente de Lexie com os


braços cruzados e parecendo mais furiosa do que nunca.

— O quê? – Lexie fingiu – Any! O que você...

— Ele te contou que eu estava aqui – ela acusou – Por isso você ta aqui.

— Eu to aqui porque tenho pacientes nesse andar, eu trabalho nesse hospital


– Lexie dispensou disfarçando – Eu nem vi o Mark hoje. Você, pelo visto,
viu.

— Eu o encontrei no elevador, mas pedi pra ele não falar que eu estava aqui
porque eu não queria que ninguém me cercasse...

— Eu jamais te cercaria – Lexie sorriu mentindo mais do que nunca – Ta


tudo bem?

— Sim – era a vez de Anahí mentir – É só... terapia. Você sabe.

— Sim, eu sei – Lexie sorriu de volta – Mas já que você ta aqui, quer tomar
um café?
— Na verdade... – Anahí suspirou longamente – Eu precisava ver o
Christian. Você sabe se ele ta ocupado? Sabe se ele trabalha, com o que
trabalha...? Eu não faço a menor ideia...

— Christian é modelo fotográfico – Lexie explicou sorrindo – Eu posso


ligar e ver se ele ta disponível, perguntar se ele poderia vir aqui te encontrar.

— Você não vai ficar chateada por eu não te dizer nada e querer falar com
ele, não é? – uma receosa Anahí perguntou buscando toda a reação no rosto
de Lexie.

— É claro que não – Lexie sorriu carinhosa – Você pode falar com quem
quiser. Não vou ficar chateada.

Era verdade. Lexie, assim como Karen e os amigos de Anahí, tinha sido
orientada a respeitar toda e qualquer decisão vinda dela. Anahí passou oito
anos da vida sendo violada das mais diferentes maneiras possíveis e não
podendo decidir nada sobre si. Agora ela estava reaprendendo a tomar as
próprias decisões e a ser dona de sua vida novamente, de modo que parecia
essencial que todos respeitassem os rumos que ela escolhesse. É claro que
Lexie estava ali para ouvi-la e apoia-la, mas se ela preferia se abrir com
Christian, não seria a cirurgiã a dizer que ela estava errada. Pelo contrário, o
importante era Anahí se abrir com alguém. Ninguém queria que ela se
fechasse numa bolha que ninguém pudesse imergir. E de qualquer forma, a
qualquer momento Lexie podia ser chamada por alguma emergência ou
algum problema com os residentes. Anahí naquele momento precisava de
alguém que estivesse cem por cento disponível.

Dessa forma, Lexie ligou para Christian. Novamente o universo fez a sua
parte e ele estava totalmente livre e ainda por cima próximo ao hospital, de
forma que não demorou nada a chegar até ali. Lexie desceu com Anahí
pelas escadas falando sem parar para distraí-la e, quando chegaram na sala
de espera da Emergência, Christian já estava lá sorridente e de bom humor
como sempre. Lexie relaxou exatamente por ver que ela estava em boas
mãos. O que quer que fosse, Christian iria resolver.

— Posso deixa-la com você, não é? – Lexie perguntou já pegando o bipe


que tocava. Demorava, mas não tardava.
— Deixa-la comigo é como deixa-la com Deus – Christian se gabou
sorrindo imensamente – Não se preocupe Lexie, pode ir trabalhar tranquila.

— Só vou tranquila porque é você – Lexie respondeu vendo o amigo rir. Em


seguida, virou-se pra Anahí – Fique bem, ok? Assim que eu puder apareço.

— Não se preocupa Lexie – Anahí sorriu – Eu vou ficar bem.

Anahí não dizia aquilo com nenhuma convicção pessoal, apenas queria
deixar Lexie sair sem se sentir culpada por deixa-la. Tanto ela quanto
Christian viram a cirurgiã se afastar dali tranquila e ficaram sozinhos. de
certa forma Anahí ficava aliviada. Ela realmente queria desabafar e se abrir
sobre tudo aquilo que pesava a sua cabeça, mas era somente com ele,
Christian, que ela estava disposta a fazer isso.

— Então preciosa – Christian disse virando para a direção da saída do


hospital quando os dois finalmente estavam sozinhos – Quer que eu te leve
pra casa?

— Na verdade eu queria ir pra sua casa – Anahí suspirou – Eu queria


conversar.

Sem Anahí saber havia um consenso entre os amigos que todos procurariam
estar o mais disponível para ela quanto possível. Era um acordo geral, que
ia de Maite a Jesse, passando, por óbvio, por Sophia, Lexie, Christian e
Mane. Todos eles colocaram, pela primeira vez, as diferenças de lado em
prol do que realmente importava: Anahí estar bem e poder contar com todos
sem sobrecarregar ninguém, sempre tendo ao menos um deles ao seu lado.
Naquele momento ela pedira por Christian e ele obviamente atendeu, sendo
que se fosse qualquer outra pessoa certamente recusaria. Por isso, um
pedido para ir a qualquer lugar para desabafar não seria negado. Christian
iria com Anahí a qualquer lugar que ela se sentisse confortável para falar, já
que não podiam desperdiçar um momento em que ela se abriria com alguém
gratuita e voluntariamente.

Só que Anahí não falou até eles chegarem lá. Christian dividia um
apartamento com Maite no Brooklyn, por isso um táxi os levou até lá. Ele
observava a amiga com rabo de olho esperando que ela dissesse algo,
qualquer coisa, mas Anahí se mantinha em silêncio. Somente depois que os
dois tinham se sentado no sofá do apartamento dele foi que ela disse alguma
coisa.

— Bonito apartamento – ela disse olhando ao redor.

— Obrigado – ele sorriu – Maite e eu disputamos quem decora mais.

— Alguém vai chegar...? – Anahí perguntou um tanto preocupada.

— Não, somos só nós – Christian se apressou em responder – A Mai só


chega mais tarde e mais ninguém entra aqui a não ser conosco. Você não
tem que se preocupar. Eu não te traria se tivesse a chance de vir outra
pessoa Any.

— Desculpe te atrapalhar – ela murmurou nervosa colocando uma mecha


atrás da orelha – É que...

— Ei, sem culpa – Christian cortou se levantando da poltrona e sentando ao


lado dela no sofá – Você pode tudo, aproveite. Agora me conte o que houve.
Eu to apreensivo desde que a Lexie ligou. E não consigo entender porque
você me chamou. Eu achava que em qualquer caso mais grave a Maite seria
chamada, sabe?

— Você é meu amigo mais sensato, mais equilibrado – Anahí se explicou –


Você sabe separar o que eu preciso ouvir do que você realmente acha. E
hoje eu... eu realmente preciso de alguém assim.

— Ok Any, me diga de uma vez pra que eu pare de pensar bobagens...

— Eu fiz uma regressão na terapia hoje – Anahí começou a explicar – Com


a ajuda da minha psiquiatra. Ela... decidiu fazer isso depois que eu lembrei
de ter sangrado... lá. Isso me ajudaria a lembrar, porque a única coisa que eu
lembrava era da imagem em si, as pernas sujas, a dor... mas não sabia o que
tinha acontecido. Por isso a regressão.

— E você lembrou...? – Christian perguntou já bastante apreensivo.

— Sim – ela confirmou mordendo os lábios – Eu sofri um aborto.


— Ah Any... – e o coração dele estava partido – Aquele... aquele
desgraçado engravidou você...? Ah meu Deus, não acredito...

— O bebê era do Poncho – o fio de voz de Anahí murmurou – Eu estava


grávida quando Tobias me... me...

O fio de voz em questão sumiu. Ela não conseguiu finalizar a frase.

Christian quando deu por si já estava consolando uma Anahí que,


surpreenda-se, ainda tinha lágrimas depois daquela tarde de choro. Parecia
que agora era mais por estar dolorida pela lembrança do que pelo choque
que tinha batido antes. Eram dores diferentes em momentos diferentes. Ele
colocava a amiga debruçada sobre seu peito fazendo carinho em seu cabelo
quase sentindo o aperto que ela tinha dentro de si, já que uma situação
daquelas era capaz de destruir qualquer um. Ele mesmo fechava os olhos
enquanto ela desabava em seu colo, pensando no quão triste uma história de
amor como aquela ter um final daqueles. Anahí e Alfonso se amavam
profundamente e no fim não apenas tinham ficado separados por longos
oito anos de uma maneira trágica, sendo praticamente obrigados a seguirem
caminhos distintos. Não era suficiente... agora ainda descobriam que
poderiam ter tido um filho se não fosse por aquele sequestro.

Teriam uma história completa se não fosse pelo sequestro. Teriam um filho.
Teriam uma vida. Se não fosse por Tobias Menzies...

Christian não disse nada enquanto Anahí não parou de chorar. Ele estava ali
para consola-la e faria isso. Enquanto houvessem lágrimas haveriam dor
dela, e ele não queria obriga-la a parar de sentir essa dor enquanto ela
estivesse ali. Pacientemente Christian esperou que Anahí colocasse tudo
para ela, e só voltou a encara-la depois que Anahí tinha parado de chorar.
Depois que ela tinha usado uma caixinha de lenços de papel que ele tinha
ali para enxugar os olhos, assoar o nariz e já respirava com mais calma.

— Eu imagino o quanto você deva estar destruída com tudo isso – ele
voltou a acariciar os cabelos dela – Uma lembrança dessas... mais isso...

— Foi... difícil – Anahí suspirou, tentando não voltar a chorar – Mas eu


precisava decidir algo. Por isso pedi que você me encontrasse.
— Sou todo ouvidos.

— Meu coração me manda chamar o Poncho agora e contar isso pra ele –
Anahí explicou já começando a se justificar em seguida – Quer dizer, ele
era o pai desse bebê e não é justo que eu saiba e ele não... e além disso, eu
realmente acho que ele mereça viver esse luto do que continuar achando
que...

— Any, Any, ei... – Christian a interrompeu – Você não precisa se justificar


pra mim. O que você decidir, o que seu coração mandar, é o que deve fazer.
Não há certos e errados nessa história.

— Maite não concordaria – ela mordeu os lábios.

— A vida é sua, não da Maite – Christian observou – Ela tem a dose de


erros dela e nós não jogamos na cara, por mais que a língua coce. E
acredite, não coça pouco.

— Eu imagino – Anahí riu pela primeira vez em muito tempo.

— Olhe, eu não assino embaixo de muitas decisões que o Poncho toma –


Christian ressaltou – Não aplaudi quando ele decidiu se casar. Não sou fã da
esposa dele, nunca consegui participar das coisas que eles faziam, agir
como se estivesse tudo bem porque pra mim não estava. Eu entendi que ele
precisou seguir em frente, mas ir lá e agir como se tudo estivesse no lugar...
seria falsidade da minha parte. Eu respeitei, mas me afastei porque eu sou
desses. Só que você não precisa se vincular ao que eu decido. Você deve
fazer o que sente que deve e ponto final, não importa o que Maite pensa, o
que eu penso, o que Jesse ou Soph, Mane ou Lexie pensam.

— Não é isso...

— É isso sim – Christian segurou as mãos dela fazendo Anahí encara-lo –


Você não teve as suas decisões respeitadas por tempo demais pra agora
conseguir decidir sozinha. Eu acho que você deve agora fazer exatamente o
que a voz aí dentro de você diz pra fazer. E se ela diz que você deve dividir
isso com o Poncho, não importa o que o resto do mundo pensa a respeito.
Ele era o pai desse bebê, só ele vai saber sentir o que você ta sentindo nesse
momento.

De repente Anahí se lembrou das palavras da mãe. Karen dissera


exatamente isso sobre ela e Keith, sobre os dois sentirem o mesmo pela
"perda" de Anahí – ou ao menos o que eles achavam que era a perda na
época. Anahí ignorou naquele momento porque Keith não podia sentir o
mesmo que Karen quando ele nunca tinha sido seu pai como ela foi sua
mãe. Ela continuava ignorando, ao menos queria continuar... mas era difícil
não lembrar.

— E convenhamos... – Christian continuou falando agora rindo – Os braços


do Poncho são muito mais aconchegantes que os meus, não é? Apenas se
entregue a isso, meu amor. Encontre a sua redenção. Se você tiver que
perdoa-lo e recomeçar, mesmo que vocês não fiquem juntos... perdoe.
Apenas faça o que for melhor pra você, porque o que importa de verdade
pra todos nós é que você esteja bem. Porque só o fato de você estar aqui já é
divino. Você estar bem é uma sorte grande.

E era isso.

Olaaar minha gente! Como vcs estão? Vivas depois do cap? Eu espero que
sim.

Fiquei feliz pela repercussão do último cap, reparei que vcs sofreram
bastante (não as culpo por isso hahahaha) e sei que ainda vão sofrer um
pouco, tanto hj quanto quinta, porque estamos vendo a Anahi sofrendo
ainda e veremos o Poncho também, já que es decidiu nesse fim contar pra
ele.

Mas queria responder de modo geral uma pergunta que tenho lido bastante:
"mas até quando a Anahi vai sofrer?" Gentee, a Anahi foi sequestrada,
perdeu 8 anos da vida, voltou e a mãe tava casada com um pai que ela não
conhece, o namorado casado com outra, claro que ela ainda vai sofrer
bastante. Ela perdeu tudo e ta tentando se encontrar e isso leva tempo.
Sejam pacientes e lembrem-se que ainda estamos no cap 15!!!
"Ah mas por que vc faz a Anahi sofrer?" Eu que faço não, Tobias que fez
hahahaha brinks! Na vdd eu faço porque mulheres sofrem. Mulheres são
estupradas, agredidas e presas todos os dias. E nós temos que ler as
cicatrizes dessas mulheres pra não naturalizarmos isso, não as culparmos,
nos solidarizarmos, apertarmos os botõezinhos da sororidade e
principalmente, não passarmos a mão nas cabeças dos nossos
filhos/sobrinhos/irmãos etc pra que eles não sejam novos Tobias. Eu quero
que vcs tenham em mente que Tobias não é doente, ele fez tudo o que fez
por essa ideia dos homens de que podem fazer o que quiserem conosco. Por
isso temos que nos unir como Anahi se unirá com as mulheres da vida dela
e por todas as outras

Bom fds e espero que gostem do cap! To no aguardo das e dos hahaha

Beijos,

Rafa
Capítulo 16 - Landslide

— Eu devo mesmo amar muito você pra isso Alfonso – Diana rolava os
olhos conforme falava – Muito mesmo...!

— Eu imagino mesmo que ame – Poncho retrucou rindo – Afinal você


casou comigo, Diana...

— Ok, eu casei com você, eu disse aqueles votos, mas eu lembro que era na
alegria na tristeza, na saúde e na pobreza, não tinha nada sobre "num
almoço na casa do Jesse com a enjoada da namorada dele" – Diana
respondeu fazendo uma expressão de enjoo. O marido riu.

— Mas dizia "por todos os dias da minha vida" – ele lembrou – Inclusive o
dia que eu tenho que ser legal com o meu melhor amigo e ir almoçar com
ele e com a namorada.

— Já não fizemos isso outro dia? – ela suspirou cansada – Saímos com eles,
jantamos os quatro. Ela torrou minha paciência o suficiente por um ano
inteiro.

— Dessa vez a Lindsey quer cozinhar – Poncho explicou – Foi ela quem
teve a ideia do almoço, Jesse não tem nada a ver com isso.

— Eu retiro o que disse – os olhos de Diana estavam mais estreitos do que


nunca – Eu odeio você e o Jesse!

— Você odeia o papai, mamãe?

E eis que, no banco traseiro do carro, o pequeno Daniel lembrou Diana de


sua própria existência, fazendo a mãe fechar os olhos se condenando pela
gafe que tinha acabado de cometer, sem ver que Poncho a olhou rindo
esperando que ela saísse da enrascada na qual tinha colocado a si mesma.
— Não meu amor – Diana disse abrindo os olhos novamente e se virando
para o filho com um sorriso dócil – Eu amo o papai.

— Então por que disse que odeia o papai e o tio Jesse? – Daniel continuava
olhando a mãe mortificado.

— Era uma brincadeira, mas eu não odeio nenhum dos dois – ela
respondeu, virando-se para frente somente quando tinha convencido o
menino de sua versão.

Menos mal.

Daniel não tinha pais que costumavam brigar, mas mesmo assim, a cada
sinal de crise entre Diana e Alfonso, o menino tremia na base. Era como se
ele fosse traumatizado só que sem existir um trauma sequer – ele nunca
presenciou uma discussão sequer dos dois, já que seus pais tinham toda uma
preocupação em manter os problemas longe de seus olhos de criança, já que
era óbvio que ele não iria entender.

Da mesma maneira que não entendia ironias... que era o caso nesse
momento.

O que Diana dizia ser a maior prova de amor possível por Alfonso era na
verdade um almoço na casa de Jesse, na qual a namorada dele, Lindsey, iria
cozinhar, conforme ela já sabia e sentia náuseas só de pensar. O problema
era que Diana conviveu com Sophia durante quase todo o relacionamento
dela e de Jesse. Eles eram quatro. Sophia e Jesse foram os amigos de
Poncho que melhor a aceitaram, então não foi difícil criar uma rotina de
saídas à quatro. O filho deles, Daniel, era amiguinho de Samantha, filha de
Jesse. E agora ela sentia que traía Sophia substituindo-a por Lindsey e indo
num almoço como se fosse a coisa mais comum a nova namorada de Jesse
estar ali entre eles.

Mas de certa forma, Diana, com essa situação, acabava entendendo os


outros amigos do marido, principalmente Maite e Christian, que por serem
os mais próximos à Anahí, foram os que menos a aceitaram quando ela e
Poncho começaram a ter algo. Diana agora conseguia compreender como
era difícil ver uma pessoa de fora tomar o lugar de alguém que ela
considerava, e olha que Sophia nem sequer estava supostamente morta
como Anahí tinha estado um dia...

A única pessoa que estava menos feliz que a esposa de Alfonso era uma
criança de cinco anos de idade e geniosa demais para o seu pouco tamanho.

— Eu tenho mesmo que ficar...? – Samantha perguntou à mãe, em frente à


casa do pai, com a expressão de quem era quase torturada. Torrey revirou os
olhos com o pequeno drama da filha.

— Sim Sam – ela lembrou – Nós conversamos. Você vai deixar o papai
chateado.

— Ele também me deixa chateada namorando a chata da Lindsey –


Samantha resmungou pela milésima vez, mas não mudou em nada a postura
da mãe.

Pelo contrário, Torrey continuou firme e forte parada ali e rapidamente


tocou a campainha. Ela esperava que Jesse abrisse a porta e os dois
pudessem trocar uma ideia – ou melhor, ela tivesse a chance de alertar pela
milésima vez – o quanto sua filha e seu gênio indomável não estavam
dispostos a aceitar Lindsey de forma alguma. Mas para contrariar as
expectativas, quem abriu a porta não foi o pai da menina, e sim sua nova
namorada.

— Aaaaaah Sam, você chegou...! – Lindsey disse com o tom de voz como
sempre exagerado – Eu estava tão ansiosa...

— Tchau mamãe – Samantha disse ignorando a madrasta e virando-se pra


mãe.

— Oi Torrey, tudo bem? – Lindsey sorriu imensamente para a mãe da


enteada, que respondeu com um aceno com a cabeça. Hora de voltar sua
atenção para a criança... – Então Sam, qual sobremesa você mais gosta? Eu
posso fazer pra você!

— Bolo de chocolate – Samantha disse confiante, vendo um lampejo no


rosto da enteada antes de apaga-lo de vez – Mas eu só gosto do que a tia
Soso faz... então nem se incomode.

Um balde de água fria daqueles.

— Sam, comporte-se! – Torrey recomendou antes de perder a filha de vista


– Lindsey... será que o Jesse está aí? Eu precisava trocar uma palavrinha
com ele.

— Nada que pode ser dito pra mim...?

— Você não é o pai da minha filha – Torrey bufou impaciente – Chama o


Jesse, por favor.

Obviamente Lindsey não gostou nada da resposta. Ela tentava, a todo custo
e por todos os lados, se aproximar da rotina de Jesse, das pessoas próximas
a ele e nenhum avanço parecia acontecer. Com Poncho não ia para frente
porque Diana se esquivava dela, com Torrey idem, com Samantha era um
fracasso total. Aquela negativa da ex dele era apenas mais uma prova de
que ainda havia um longo caminho a ser percorrido e, com aquela
estratégia, a tendência era dar avançar um passo e retroceder três.

Torrey, por sua vez, já batia o pé impaciente quando Jesse finalmente


apareceu. Ele nem se arriscou em reclamar com a mãe de sua filha por ela
ter insistido em conversar com ele e não com sua namorada. Mal apareceu e
ela já começou dando o recado.

— Eu vou falar de uma vez só pra ver se você entende – Torrey disse assim
que ele pôs os pés ali – Samantha não gosta da Lindsey, e eu estou cansada
de obriga-la a vir pra cá e se sujeitar a isso. Sim, eu sei que ela é sua filha,
mas é minha filha também, e sou eu que tenho que trazê-la cada vez que
você inventa de fazer um almoço ou jantar com uma pessoa que ela
obviamente não suporta. Deus sabe que eu não posso enfiar juízo na sua
cabeça pra te fazer largar essa garota e voltar pra Sophia, mas...

— Sophia fez a escolha dela Torrey – Jesse disse amargo – Eu estou


fazendo a minha.
— Então deixe a nossa filha fazer a dela – Torrey alertou – Se ela não gosta
da Lindsey, é problema seu. Você tem o direito de namorar quem quiser,
mas não de obriga-la a tolerar isso. Eu trouxe a Sam hoje, mas é a última
vez Jesse. Você está avisado.

Era o início de um dia nada bom para Jesse.

A única coisa que animou Samantha naquele dia foi estar na companhia de
Daniel. Os dois tinham a mesma idade e gostavam imensamente de brincar
juntos, já que desde sempre tinham sido próximos. Jesse era padrinho de
Dani e Alfonso era padrinho de Sam, por óbvio as duas crianças eram
amiguinhas desde o berço e tinham uma afinidade imensa.

Só eram completamente diferentes. Samantha era o que se podia definir


como espaçosa: claramente a dona do espaço, ela falava demais, sentia
demais, agia demais e tinha opinião formada sobre tudo, opiniões sempre
fortes, diga-se de passagem. Era ela quem dava respostas azedas quando
não gostava de algo e, em contrapartida, tinha a reação mais explosiva de
todas quando estava feliz. Daniel era o extremo oposto. O menino era
calado e introspectivo, de reações mais contidas, só se abria com quem
conhecia e confiava. O verso e o reverso de uma moeda, que de alguma
maneira se completavam.

Mas Samantha não era a única que não estava exatamente feliz por estar ali.
Diana também tinha no rosto o maior dos sorrisos amarelos do mundo. Ela
chegou com uma sobremesa e se deparou com um banquete que Lindsey
tinha preparado, provavelmente para impressionar o melhor amigo de seu
namorado e sua esposa. Ela não gostava muito de Lindsey e estava ali
claramente forçada, fazendo todo o esforço do mundo para que a tarde
parecesse menos desagradável e o tempo passasse rápido. Incompatíveis,
Diana acabou se sentando no chão para brincar com as crianças e a
namorada de Jesse foi deixada de lado.

Ele não demorou a reparar aquilo. Pensou em se calar e simplesmente


ignorar a situação... mas Poncho o trouxe de volta à realidade.

— Eu não vou mentir pra você – Poncho disse em sussurros, temendo ser
ouvida por qualquer das duas mulheres – Tive que quase implorar pra Diana
me acompanhar hoje. Se você surgir com outro programa desses, eu acho
que ela me mata.

— Qual o problema? – Jesse franziu a testa.

— Não é óbvio...? – Poncho bufou negando com a cabeça – A Lindsey e ela


se detestam. Quer dizer... ok, Diana a detesta. Sente que ta traindo a Sophia.

— Deus, Sophia e eu terminamos – Jesse revirou os olhos – O que eu faço


pro mundo entender...?

— Jesse, nós somos amigos, mas se vir aqui causar problemas em casa...
fica complicado – Poncho franziu a testa. Ao ver o amigo permanecer com
a expressão desanimada, ele viu que tinha algo mais ali – O que foi...?

— Samantha não gosta da Lindsey, Torrey não gosta da Lindsey, minha


mãe também não... vocês não gostam... porque Poncho, eu sei que você
também não gosta dela, eu te conheço – Jesse acusou e Poncho não ousou
rebater – Me diga, o que eu faço?

— O que importa é se você gosta dela – Poncho finalizou – O resto do


mundo... é apenas o resto. Agora, se você concorda com esse resto quando
dizem que você fica melhor com a Soph... aí cabe a você mudar as coisas.

— Sophia não quer nada comigo e você sabe disso...

— Pelo que você era antes sim, pelo que você ainda é... – ele completou –
Mas será que vale a pena continuar sendo assim sem ela? Será que esquecê-
la dói menos que mudar Jesse? Eu acho que você deve pensar nisso, antes
que seja tarde demais.

Jesse ainda teria que refletir muito para ter todas aquelas respostas.

E não seria ali que ele pensaria. Não com Samantha em pé de guerra com a
madrasta, não com Diana disfarçadamente revirando os olhos a cada fala de
Lindsey e Jesse ali percebendo tudo, mas incapaz de tomar qualquer
decisão. Aqueles momentos de desconforto, junto com a percepção nítida –
que antes ele tinha negado veementemente e agora não tinha mais como
evitar – de que aquele almoço resultara em um grande fiasco. Jesse só
conseguia lembrar de como sua vida com Sophia era fácil e leve, ao menos
antes de os problemas que os separaram começarem. E ele não pensava isso
por sua filha ama-la como se Sophia fosse sua mãe ou por ela se encaixar
em seu grupo de amigos... mas porque ele sentia que, diferentemente do
sentimento por Lindsey, se fosse por Sophia ele toleraria qualquer pessoa
não aprovando o relacionamento deles.

A conclusão parecia óbvia, mas a ficha de Jesse demorava a cair.

O almoço não foi dos melhores. Todos comeram sentados à mesa, com
Samantha sendo difícil como sempre, Jesse brigando com a filha, Lindsey
tentando agradar e não conseguindo... o roteiro de sempre. Depois que
todos comeram a sobremesa os homens tiraram a mesa e lavaram a louça,
as mulheres seguiram para a sala, as crianças voltaram a brincar. Poncho
pensava se era uma boa ideia iniciar uma nova rodada de conversas com
Jesse a respeito do mesmíssimo assunto, ignorando que o amigo parecia
emburrado e provavelmente já refletia sobre o que ele dizia.

Mas uma mensagem no próprio celular interrompeu todos os pensamentos


de Poncho. Ele sentiu o aparelho vibrar no bolso e o pegou despretensioso,
sem a menor expectativa de que seria de quem era, muito menos o assunto.
Os olhos arregalaram quando ele constatou que era uma mensagem de
Anahí. E que parecia urgente e sério.

"Eu preciso muito de você nesse momento."

A mente de Poncho imediatamente ferveu, indo de norte a sul na tentativa


de imaginar o que Anahí queria com ele. Definitivamente ele não estava
esperando aquele contato, tanto que sequer conseguia supor o que a fazia
lhe mandar uma mensagem. Como Anahí tinha seu número? Quem tinha
lhe dado e sob que pretexto? Ele ofereceu ajuda várias vezes mas nunca
achou que ela de fato iria aceitar. Já tinha se acostumado com a ideia de que
Anahí se manteria distante e que a relação deles seria fria, os dois
certamente seguiriam caminhos separados a partir dali... não era o que
parecia, não por aquela mensagem.
E para completar, segundos depois o complemento veio, quebrando os
pensamentos de Poncho mais uma vez.

"Nós precisamos conversar. Será que você pode vir aqui na minha mãe? Ou
eu te atrapalho...?"

E a última mensagem, de certa forma, antecipou a resposta que Poncho teria


que dar.

"Eu não pediria se não fosse sério".

Ele não tinha qualquer opção.

Poncho deu uma desculpa esfarrapada para Jesse que não foi engolida pelo
amigo, obviamente. Para Jesse ficou claro que Poncho tinha recebido
alguma mensagem que o fizera resolver sair sem mais nem menos e,
considerando que seus pais tinham voltado para Chicago, que Erendira não
tinha esse efeito e que sua esposa e filho estavam ali, ele sabia
perfeitamente bem a única pessoa que fazia Poncho decidir sair de um lugar
sem mais nem menos. Mas Jesse preferiu não falar nada, não adiantava dar
sermões quando sua vida estava uma igual bagunça. Ele preferiu se calar e
resolver a própria situação com Lindsey e Sophia. Depois que tudo voltasse
ao seu lugar e ele soubesse o que realmente queria, aí sim Poncho iria lhe
ouvir.

Por sua vez, Poncho não sabia o que pretendia para a própria vida a longo
prazo, mas tinha como certeza que precisava ver Anahí naquele momento.
Ele não gostava de não saber o que estava acontecendo com ela mas
conhecia Anahí e se ela continuava sendo a mesma, ele tinha a certeza que
ela não era o tipo de pessoa que mandava mensagens ambíguas deixando
um rastro de dúvidas. Certamente era algo que não podia ser dito por
mensagem, e o que quer que fosse, ele queria estar ao lado dela para apoia-
la, exatamente como ele disse que faria quando ela apareceu viva sem mais
nem menos.

O problema era o que o esperava na sala: uma Diana que não iria
compreender aquela necessidade. O filho dos dois que inocentemente
brincava com a amiguinha sem saber o quanto seu pai precisava estar longe
dali.

— Diana...? – Poncho disse se ajoelhando ao lado da esposa que montava


legos – Eu vou precisar sair. Você prefere ficar aqui com o Dani ou...

Era óbvio o que Diana preferia. Ela na mesma hora deu um sorriso de alívio
e no minuto seguinte já dizia que tinha acontecido um imprevisto e catava
as coisas de Dani, mandava o filho se despedir de Sam e cinco minutos
depois cruzava a porta do apartamento de Jesse antes que Lindsey pudesse
inventar o que fosse para impedi-los. Logo em seguida estavam no carro,
ela ajeitando o menino na cadeirinha, mas antes de dar a volta e ir para o
banco do carona, abriu um sorriso para o marido que, ao contrário dela,
estava visivelmente tenso.

— Obrigada por esse compromisso de última hora – Diana riu – Eu nunca


achei que você conseguiria improvisar para nos tirar de um lugar assim,
mas tenho que dizer que me surpreendeu...

Poncho então franziu a testa. Diana achava que ele estava mentindo...? Isso
complicaria bastante as coisas.

— Querida, eu... – ele respirou fundo – Eu não estava improvisando. Eu


realmente preciso fazer algo com o qual não estava contando.

Durante breves cinco segundos Diana não entendeu. Foram cinco segundos
até sua ficha cair, até ela se dar conta de qual era a única coisa que faria
Poncho sair daquele jeito sem mais nem menos. A única pessoa para quem
ele poderia ir.

— Ah... – ela murmurou amarga – É ela, não é?

Bem que Poncho tentou dizer qualquer coisa, mas a esposa prontamente o
ignorou, não lhe dando chance para qualquer explicação que fosse. Afinal,
o que deveria ser explicado? Que Anahí precisava dele? Ou que ele
simplesmente não podia não ir até ela? O que quer que fosse, Diana não
estava disposta a ouvir. Ela estava confusa, definitivamente magoada, sem
saber se tinha o direito de se sentir assim ou não. Talvez estivesse sendo
egoísta de querer Poncho somente para si, talvez não... Anahí precisava dele
e racionalmente Diana entendia, mas a verdade é que ela estava cansada de
dividir alguém que, para começo de conversa, estava livre e desimpedido
quando ela o conheceu.

Diana não tinha quebrado uma regra sequer ao se envolver com Poncho.
Fizera tudo certo. Mas de alguma maneira agora era punida como se tivesse
infringido a pior das regras, como se o tivesse tomado de alguém e nunca
tivesse sido realmente seu.

— Eu volto assim que puder – Poncho disse ao parar o carro em frente à


casa deles, olhando para a esposa buscando qualquer rastro de aprovação...
e não encontrando.

— Que seja – Diana respondeu entre os dentes – Dá tchau pro papai Dani.

— Tchau papai – Dani acenou – Volta logo!

O problema era que aquela cena dava à Diana a impressão de que, dali para
frente, sempre seria assim. Que ela estava condenada a ver Poncho somente
como o pai de seu filho, que se eles tivessem um programa seria com Dani.
Talvez eles não se separassem, mas ainda assim a verdade é que era pouco
provável que as coisas voltariam a ser como eram antes, já que a qualquer
momento Anahí poderia ligar, mandar uma mensagem pelo motivo que
fosse... e sem se importar com o motivo, Poncho iria. E os deixaria.

Egoísta ou não, ao ficar sozinha em seu quarto Diana chorou. E fez algo
que não pensou naquelas semanas que faria... ela desejou que Anahí nunca
tivesse reaparecido.

xxx

Ouça Landslide –

Fletwoock Mac

Anahí não estava exatamente confortável em ter que tirar Poncho de sua
própria vida para ir conversar com ela sem mais nem menos,
principalmente porque ela tinha aberto a distância entre eles e agora a
eliminava, detonando qualquer critério. Ela não gostava de mandar
mensagens em aberto dizendo que queria falar sem deixar claro o que era,
só que aquele era o tipo do assunto que não podia ser resumido ou
adiantado em uma mensagem de texto. Poncho teria que ir ali e ela iria se
abrir para ele. Ela iria revelar sua dor para provavelmente dividi-la com ele.
Certamente ele entenderia quando finalmente ouvisse o que ela tinha para
lhe dizer.

Poncho chegou quase uma hora depois da primeira mensagem que Anahí
mandou. Foi Karen quem abriu a porta e reagiu com uma imensa surpresa
ao ver o ex-genro ali, em especial quando ele lhe disse que fora Anahí quem
o chamara. Por essa ela não esperava, e não conseguiu mais tirar um sorriso
dos lábios ao pensar que, talvez, as coisas entre aqueles dois não estivessem
tão perdidas assim.

Anahí rabiscava num papel quando bateram na porta de seu quarto.


Murmurou um desinteressado "entra" sem nem olhar para quem de fato
entrou. Foi com surpresa que ela levantou o rosto apenas para responder
que não queria ser incomodada e se deparou com a silhueta dele ali. Isso
derrubou suas defesas. Tinha mandado a mensagem, mas Poncho não tinha
respondido, o que ela poderia supor? Talvez ele não tivesse visto, talvez
tivesse ignorado e pedido silenciosamente que ela não o importunasse...
sempre existia a possibilidade da esposa dele ter visto e apagado... mas
contrariando tudo, ele estava ali.

E ela teria que falar.

I took my love and I took it down

Eu levei meu amor e o destruí

I climbed a mountain and I turned around

Eu escalei uma montanha e voltei

And I saw my reflection in the snow covered hills


E eu vi meu reflexo nas colinas cobertas de neve

Till the landslide brought me down

E a avalanche me derrubou

— Você veio... – Anahí constatou admirada piscando para ele.

— Você me chamou – ele deu de ombros, como se fosse óbvio. Então era
assim? Se ela o chamasse, ele iria...? Era no mínimo uma surpresa, havendo
ou não motivo para ser.

— Eu não queria atrapalhar, eu juro – Anahí suspirou, estendendo a mão


para ele – Senta aqui.

Poncho estava curioso para saber o que estava acontecendo com ela. Anahí
se tornou uma caixinha de surpresas, ele não sabia mais o que esperar dela.
Talvez fosse apenas aquele momento e algo tivesse acontecido que a fizesse
chama-lo, ou talvez Anahí tivesse voltado atrás e pensado que valia a pena
mantê-lo em sua vida da forma mínima que fosse, uma forma que não era a
que tinha sido traçada originalmente mas que não o descartaria mais. eram
constatações que, para que ele tivesse, precisava esperar que ela falasse o
que diabos tinha acontecido de uma vez.

— Como estão as coisas aqui? – Poncho disse se sentando ao lado dela em


sua cama.

— Aqui você diz comigo ou nessa casa? – Anahí perguntou e a expressão


dele dizia que Poncho se referira a ambas – Eu me sinto numa prisão.
Quando vou na sala, ele está, na cozinha idem... venho pra minha própria
casa e me sinto num cativeiro. Outro, né?

— Você sabe que não precisa ser assim...

— Não vai começar a me julgar né? – Anahí revirou os olhos – Guarda o


TeamKeith pra você. Não foi pra isso que eu te chamei aqui.

Oh, mirror in the sky, what is love?


Oh, espelho no céu, o que é amor?

Can the child within my heart rise above?

Pode a criança no meu coração crescer mais?

Can I sail through the changing ocean tides?

Posso navegar através da transformação da onda do oceano?

Can I handle the seasons of my life?

Posso lidar com as estações da minha vida?

— Então pra que me chamou? – Poncho perguntou feliz por terem chegado
ao ponto sem grandes esforços – Me desculpe Anahí, mas eu fiquei confuso
com a sua mensagem. Eu achei... que você não me queria por perto.

— Eu ainda não superei a ideia de você ter casado, então eu preciso te


afastar porque... preciso respeitar as suas decisões – ela explicou
calmamente – E nem sempre os meus instintos respeitam as minhas.

Obviamente Poncho engoliu em seco com aquela afirmação dela.

— Eu precisava te contar algo e só dava para ser pessoalmente – Anahí


explicou calmamente, encarando-o e buscando os reflexos das reações dele
em seu rosto – Não era algo que dava pra adiantar na mensagem.

— Estou ouvindo... – Poncho respondeu. Ele estava sedento pelo que quer
que fosse.

— Christian me convenceu a te dizer – ela ressaltou – Eu não sabia se era


uma boa ideia... estava insegura...

— Anahí, você pode me dizer o que for a hora que for – Poncho sorriu
carinhoso.

— Ok, lá vai – Anahí respirou fundo. Não era preciso explicar por que
aquele assunto a deixava tensa e afetada – Eu fiz uma sessão de terapia com
a Dra. Balfe depois de lembrar de algo que não entendia. Algo que
aconteceu enquanto eu estava... lá. E eu lembrei mais do que gostaria, mais
do que eu conseguia lidar.

— Quando você diz lembrar, ta falando de algo que não queria pensar...? –
Poncho franziu a testa.

Oh, mirror in the sky, what is love?

Oh, espelho no céu, o que é amor?

Can the child within my heart rise above?

Pode a criança no meu coração crescer mais?

Can I sail through the changing ocean tides?

Posso navegar através da transformação da onda do oceano?

Can I handle the seasons of my life?

Posso lidar com as estações da minha vida?

— Não – Anahí confessou – Eu to falando de algo que eu nem sabia que


tinha acontecido, não mais. Não entendo nada de doenças da mente, ela
disse que é amnésia disassociativa, eu realmente não sei. Só que eu percebi
que ter sido sequestrada fez com que eu perdesse partes da minha vida em
todos os sentidos. Eu não lembro tudo o que aconteceu comigo. O trauma
pelo visto me fez esquecer coisas que tinham acontecido antes, coisas que
começaram aqui fora e terminaram lá.

— Eu não sei se to entendendo – a testa de Poncho franziu mais ainda. Era


hora de ir ao ponto.

— Depois da formatura você me levou naquele apartamento que nós só


chegamos a viver por dois meses, lembra? – Anahí lembrou sorrindo.
Poncho concordou, igualmente sorrindo pela lembrança, era algo bom de
recordar – Nós levamos as coisas pra lá, começamos a ajeitar a vida que
viveríamos aqui na cidade, eu arrumei um emprego na ONG, tudo parecia
estar no lugar. E aí... uma semana antes do sequestro... eu descobri que
estava grávida.

Definitivamente Poncho não esperava por aquilo. A expressão congelada


tomou seu rosto e o choque parecia não querer sair dali. Anahí sabia o que
ele estava sentindo, porque a perplexidade também a dominou com a
lembrança. E ela ainda nem tinha chegado na pior parte.

Well, I've been afraid of changing

Bem, eu tive medo de mudar

Cause I've built my life around you

Porque construí minha vida ao seu redor

But time makes you bolder even children get older

Mas o tempo traz coragem, até mesmo as crianças envelhecem

I'm getting older too

E eu envelheço também

— Grávida...? – Poncho perguntou e ela assentiu – Any, você estava... esse


bebê, ele era...

— Sim, era nosso – ela confirmou e viu o pesar tomar o rosto dele. Poncho
tinha suposto o resto da história – Você vai perguntar porque eu não disse
nada, e bem... eu não contei pra ninguém porque fiquei em pânico. Lembrei
da minha mãe grávida com dezessete, de como isso sacolejou a vida dela,
como mudou tudo... eu tinha jurado pra mim mesma que não faria isso
comigo, que iria me cuidar, me proteger... só que quando nós nos
reencontramos na cidade, na noite do apartamento, eu não sabia que você
estava aqui e eu não estava tomando o remédio. Lá, no apartamento, nós
transamos sem camisinha. E no dia seguinte depois de todo aquele
champagne eu estava de ressaca, tomei um analgésico e esqueci da pílula do
dia seguinte. Dois meses depois...
— Eu não consigo acreditar – Poncho murmurou pesaroso, tomado pela
vontade de abraça-la.

— Eu não contei nem pra Maite, porque ela já estava animada planejando
mentalmente um casamento nosso que nem iria acontecer naquele
momento, imagina se eu dissesse que nós seríamos pais – Anahí riu com
certa amargura – Pra Soph e pra Lex, nem se fala. Foi o meu segredo de
uma semana. Não disse pra minha mãe, nem pra ninguém, eu queria me
acostumar com a ideia, parar de surtar, e aos poucos eu consegui, começar a
encarar como uma coisa boa. Lembrei que eu estava formada e você
também, que nós tínhamos um ao outro e eu não estava sozinha como
minha mãe esteve. Aquele bebê não seria como eu.

Well, I've been afraid of changing

Bem, eu tive medo de mudar

Cause I've built my life around you

Porque construí minha vida ao seu redor

But time makes you bolder even children get older

Mas o tempo traz coragem, até mesmo as crianças envelhecem

I'm getting older too

E eu envelheço também

Poncho sequer conseguia responder. Anahí contava a história livremente,


deixando as palavras e os sentimentos fluírem. Ele, por outro lado, estava
empacado. A dor das constatações que vinham à sua mente deixava a
garganta apertava, as palavras fugiam. Não havia nada para ser dito.

— Não houve tempo de contar pra ninguém – Anahí respondeu seca – Hoje
eu me dou conta que o tempo é irrecuperável, a gente deixa algumas coisas
pro amanhã e não se dá conta que o amanhã pode não estar lá. E eu acabei
esperando tanto pra estar pronta que quando eu aceitei aquele bebê, eu
estava perdendo-o. Eu implorei pra ele poupa-lo, ao menos isso... nem
racionalizei aquele pedido, mas... eu estava agindo no instinto. Não
adiantou, por óbvio. Eu lembrei da dor, do sangue, e fui até a Dra. Balfe. Na
regressão... tudo voltou. Ela acha que o trauma do aborto me fez esquecer
que estava grávida.

— Any, eu... eu... – a voz de Poncho saía completamente embargada –


Merda, era pra eu te consolar...

— Tudo bem – Anahí disse se aproximando até ficar do lado dele,


prontamente acariciando o rosto de Poncho – Você era o pai desse bebê e...
bem, eu já soltei as minhas lágrimas...

— Mesmo assim...

— Shhhhh – Anahí disse roçando o nariz na bochecha dele – Chega de ser


forte por mim... agora eu vou ser a forte por você.

Oh, take my love, take it down

Pegue esse amor e leve-o

Oh, climb a mountain and turn around

Se você subir uma montanha e voltar

And if you see my reflection in the snow covered hills

E você verá meu reflexo nas colinas cobertas de neve

Well, the landslide will bring you down

Bem, a avalanche o trará para baixo

Anahí sabia exatamente o tipo de dor que ele sentia. Ela viveu a dor duas
vezes: quando perdeu a criança e quando se lembrou disso. De certa forma,
aquilo a calibrara para viver aquela situação, na qual Poncho se mostrava
completamente destruído ao descobrir que os dois quase tiveram um filho e
o modo violento como aquele bebê lhes foi tirado. E como Anahí sabia o
que era viver aquele luto, ela lhe daria a mão para tira-lo dali.
E Anahí sabia como fazer aquilo. Ela abraçou Poncho, sentindo dentro de si
que queria pegar todos os seus pedaços quebrados e juntá-los. Talvez ela
fosse capaz por identificar tão bem a dor dele. Ela o abraçava enquanto
acariciava suas bochechas com as pontas dos dedos, sentindo seu rosto
molhar com as lágrimas quentes que banhavam o dele. E Anahí ficou
pacientemente ali, consolando-o, esperando que a dor dele passasse para
que os dois conseguissem sair juntos daquela escuridão que os envolvia.

Só que Anahí não era de ferro. Ela estava ali abraçada a Poncho, sentindo
tão bem o cheiro dele, a textura da sua pele... os sentimentos não
demoraram a se confundir. Ela sentia a proximidade dos dois e a respiração
pesada dele pelo choro e se condenava por estar desejando-o num momento
como aquele. Logo a respiração dela que mudou, obedecendo ao seu
coração que começou a bater mais rápido, sendo que este por sua vez
obedecia a todos os sentidos dela que eram incapazes de não reagir a
Poncho. A pele de Anahí estava completamente arrepiada naquilo tudo. Ela
sabia que não resistiria por muito tempo.

E se ela sabia que entregar era questão de tempo, por que não fazê-lo de
uma vez?

Deixando a razão de lado junto com todos os motivos pelos quais aquilo
seria um erro de lado, Anahí deixou todas as partes do corpo falarem mais
alto. Se aproximou de vez de Poncho e roçou os lábios nos dele, se
deixando descobrir – e ensinar – que havia uma maneira muito melhor de
dar fim à toda aquela dor. E que era somente um no outro que eles achariam
aquela cura.

And if you see my reflection in the snow covered hills

E você verá meu reflexo nas colinas cobertas de neve

Well, the landslide will bring you down

Bem, a avalanche o trará para baixo

Oh, the landslide will bring you down


A avalanche o trará para baixo

Enfimmmmm depois de uma hora tentando postar eu consegui!!! A internet


resolveu tirar mttt com a minha cara hoje, mas como detesto cancelar post,
fiquei aqui tentando até conseguir porque eu sou dessas rs

Que cap cheio de emoções (e prováveis xingamentos porque eu ~como


sempre~ parei na melhor parte) hahahahaha né? Eu amo esse cap porque
vemos o momento que AyA voltam a ter um ponto em comum e o Poncho
novamente fraqueja. Eu entendo vcs ficarem com raiva dele (lembrando que
Poncho é macho e faz machice), só espero não ler comentários furiosos
contra a Diana porque ela não merece ok? Ela ta sofrendo e eu sei que a
maioria aqui não seria tão madura quanto ela é (eu me incluo)

Também vemos aqui a Samantha dando aquelas alfinetadas maneiras na


Lindsey e o Jesse tomando um olé daqueles do bff. Seria um empurrãozinho
que Bushfer tava precisando?

Espero que vcs tenham gostado!

Não deixem de ouvir a música do capítulo. E aproveito pra avisar que tem
uma playlist da web no Spotify, chamada Somente você e eu- SVE pra
quem quiser ler ouvindo. 😉

Até quinta!

Beijos

Rafa
Capítulo 17 - Just friends...?

Quando recebeu a mensagem de Anahí naquele mesmo dia, Alfonso


definitivamente não esperava terminar a visita sendo beijado por ela. A dor
pela ideia da perda de um filho que ele nunca sequer soubera da existência
– somada pela ideia da violência crua e desnecessária que Anahí sofreu e
culminou no aborto – o cegava a ponto de não conseguir sequer deseja-la
por estar tão perto assim. O toque de Anahí sempre foi confortável e sempre
despertou em Alfonso o desejo de trazê-la mais para perto, mas não era isso
que acontecia ali. A Anahí que o consolava não era a mulher por quem ele
um dia se apaixonou, mas a mãe daquela criança que um dia tinha vivido
dentro dela e que, mesmo só sabendo agora, Alfonso tinha junto com ela
perdido.

Só que dizem que para toda dor há a cura. Alfonso nem sabia que essa cura
existiria e estava ali bem do seu lado. Quando os lábios de Anahí tocaram
os seus ele não pensou, apenas os reconheceu. Não era um beijo planejado
ou cogitado, mas foi um beijo bem vindo, porque a sensação que se
espalhou pelo corpo dele ao senti-la daquela forma o tirou da imensidão de
dor na qual estava imergido e fez todo o sentimento mudar como um
furacão.

Alfonso não se esquivou daquele beijo, pelo contrário, ele o correspondeu


com muita paixão. Muito mais paixão do que tinha colocado o beijo que ela
igualmente lhe dera no hospital quando ainda estava internada. Porque se
aquele beijo foi dominado pelo choque, pelo fato de Anahí naquele
momento não saber que ele tinha se casado, agora era recheado de desejo,
de tesão.

Tesão, porque os sentidos de Alfonso funcionavam muito bem e o sangue


corria quente em suas veias. Tanto que ele passou os dedos pelo cabelo de
Anahí por trás da orelha e a puxou para si, envolvendo sua cintura com o
braço livre sem soltar a boca dela. Sua língua buscava a dela com violência,
era um beijo quente. Mesmo estando colados os dois sentiam necessidade
de se aproximarem ainda mais e não demorou até que ele a puxou para seu
colo, tudo isso sem que eles deixassem de se beijar em momento algum.
Anahí abriu as pernas em automático ao se sentar no colo de Alfonso. Era
como se ela pertencesse àquele lugar, como se aquele sempre tivesse sido o
seu lugar. Não tinha nenhum tipo de estranhamento, nem mesmo pelos
traumas que ainda estavam tatuados na pele dela. Ela se agarrava a Poncho
como se sua sobrevivência dependesse daquilo. Não que realmente
dependesse, mas sem dúvidas seria difícil achar outros braços nos quais ela
se sentisse confortável, considerando que aquele tinha sido o único abraço
no qual ela realmente tinha se encaixado em toda uma vida.

Só que Alfonso não tinha em mente a racionalidade de que Anahí ainda


estava quebrada. Ele não racionalizava o fato de que precisava ir com
calma, era instinto puro. E em algum momento a familiaridade do beijo dos
dois inevitavelmente tocaria nas feridas ainda abertas dela. Foi exatamente
quando Poncho passou a mão por dentro da blusa larga que Anahí usava.
Ele fez isso por ser instinto puro. E ela imediatamente sentiu aquilo e, por
ser igualmente sensação, igualmente não racionalizou o fato de ser o
homem no qual ela confiava tocando em sua pele nua. Anahí se esquivou
assustada, se odiando e se culpando no minuto seguinte por mais uma vez
agir como um bichinho acuado. Alfonso também se culpou, ainda não por
corresponder um beijo dela... mas por esquecer que oito anos tinham se
passado.

— Me desculpe – ele pediu encarando os olhos dela que se reviravam


nervosos – Eu não deveria...

— A culpa é minha. Eu que te beijei.

— E eu correspondi – ela lembrou – Eu deveria ter pensado...

— Nós dois deveríamos – foi a vez dele lembrar – Não se culpe ok? Você
viveu coisas demais, terríveis demais, que te fizeram mudar da pior
maneira. Nada é culpa sua.

— Só que eu preciso entender que você também não tem culpa – Anahí
observou – E que você esperou por mim, mas não podia esperar pra sempre.
E você casou... e isso me faz não poder te beijar a hora que eu bem
entender.
— Como eu disse, fui eu quem correspondi.

Estava muito claro. Poncho era razão ao não beija-la, mas emoção pura ao
não conseguir não continuar beijando-a quando ela o fazia.

— Eu quero ser sua amiga – Anahí disse – Ensaiei isso mil vezes. E foi por
isso que eu te chamei, por isso também... não foi pra te beijar, eu juro!

— Eu acredito – Poncho riu – Mas você acha que isso funcionaria? Nós
dois amigos?

— Nós éramos antes de namorarmos...

— Mas eu desejava você o tempo todo...

— O que não vai acontecer mais, porque agora você sabe que tem uma
família e que quer continuar nela – Anahí disse – Nós podemos tentar. Eu
não quero não te ter na minha vida. Você é um capítulo especial dela. Nós
quase nos casamos, nós iríamos ter um filho. Acho que nos gostamos o
suficiente pra ao menos darmos continuidade a isso.

A questão era saber se isso seria suficiente...

— Então, amigos? – Anahí disse estendendo a mão.

Poncho também não a queria longe. Oito anos tinham sido o bastante. Ele
queira Anahí em sua vida. Eles iriam tentar. Eles iriam conseguir.

— Amigos – Poncho disse apertando a mão dela.

Somente amigos...?

xxx

No dia seguinte, em mais uma manhã de trabalho normal para Maite, na


qual ela estava soterrada até o último fio de cabelo de estresses dos mais
diferentes tipos. A escola era o único lugar onde ela se sentia tranquila, já
que sua vida pessoal parecia mais confusa do que nunca. Trabalhar deixava
de ser o lugar dos problemas e se tornava o refúgio, porque era com seus
alunos que Maite conseguia esquecer todos os problemas do resto de seus
dias.

Para começar, Anahí há dias parecia estar evitando-a, sem que Maite
conseguisse cogitar o que poderia estar por trás daquele comportamento
estranho. Ela só sabia que sua melhor amiga a respondia de forma
monossilábica e vaga, o que não era típico dela. Entre eles, Maite tinha
combinado com Lexie, Mane e Christian que eles teriam um cuidado
especial com Anahí, evitando que ela ficasse sozinha. Ela tinha certeza que
qualquer um dos três incluíra Sophia e Jesse naquele trato. Era por isso que
Maite sempre mandava mensagens e procurava saber como ela estava, mas
não havia entusiasmo nas respostas. Que diabos estava acontecendo?

Para completar, uma última constatação acabou dilacerando o coração da


morena: Koko estava em um relacionamento sério pela primeira vez desde
o divórcio. E parecia realmente sério, a julgar pelo que ele e a mulher em
questão, Jessy, postavam em suas redes sociais... ao que tudo indicava eles
estavam morando juntos. Significava que Koko tinha superado o fim do
casamento deles e que Maite não podia mais se deixar levar pela ideia de
que ele talvez fosse avesso a compromissos e que isso significasse que a
culpa do fracasso dos dois era compartilhada. Se ele se mostrasse disposto a
fazer o namoro com aquela mulher funcionar, ficaria nítido que o problema
não era Koko e sim Maite. Ela não teria mais para onde fugir.

Com uma amiga que fugia dela e um ex-marido que seguia a vida de uma
maneira que ela não tinha aprendido, definitivamente uma criança de seis
anos com dificuldades de leitura não podia ser considerado um problema.

E no meio daquilo tudo, Maite acabou se deparando com a presença de


alguém, no meio do corredor da escola, com quem queria mesmo falar.

— Pia...! – ela chamou sorrindo e a loira correspondeu – Eu estava mesmo


querendo te encontrar! Como foi com o Mane?

— Ah – Pia sorriu – O que eu posso dizer? Ele é maravilhoso! Super


agradável, educado, tem um papo maravilhoso, isso sem falar na beleza né?
— Ah, que incrível – Maite sorriu verdadeira – Então já posso me
considerar o cupido de vocês?

— Maite... eu realmente gostei dele – Pia respondeu deixando o sorriso


murchar um pouco – Mas tem algo que eu preciso perguntar antes. Você...
tem certeza que não é de você que o Mane gosta?

A pergunta fez Maite ficar com uma pulga atrás da orelha. De onde Pia
tinha tirado aquela ideia absurda?

A própria Pia, por sua vez, falava com uma propriedade invejável. Ela era
muito pé no chão e tinha se encantado com Mane desde que colocou os
olhos nele, quando ele foi até a escola onde ela e Maite trabalhavam para
encontrar a amiga. Sabia que Mane sequer a conhecia e que era um pouco
arriscado de sua parte aparecer no jogo do time que ele treinava de surpresa,
em especial quando apenas Maite tinha sido convidada. O que Pia não
poderia esperar era que Mane ficasse com a expressão de quem tinha
acabado de ser esbofeteado quando Maite deu uma desculpa qualquer para
não sair e comemorar com eles a vitória do time, deixando-os sozinhos.

Segura de si como era, Pia achou que talvez Mane tinha ficado chocado por
a amiga lhe arrumar um encontro às escuras na cara de pau, ignorando o
quanto o olhar dele acompanhou a morena até que ela sumisse de vista.
Mane conseguiu contornar a situação e realmente saiu com Pia, só que a
noite não terminou com beijos quentes ou um sexo no apartamento dela ou
no dele, muito pelo contrário... fora que Mane falou demais da amiga a
noite inteira. Muito para quem se considera apenas amigo, ou quem está
desprovido de qualquer interesse. Demais para quem quer continuar apenas
no campo da amizade.

— Eu não to entendendo – Maite franziu a testa – De onde você tirou


isso...?

— Do olhar dele – Pia entregou – A forma como ele falava de você, como
ele ficou meio idiota quando percebeu que você não sairia conosco... eu não
sei Mai, eu posso estar enganada, mas eu não quero entrar nisso com um
cara que ta em outra, entende? Se é pra ficar comigo, que seja cem por
cento meu. E o Mane não era nem cinquenta por cento.
— Nem no fim da noite...?

— Ele nem me deu um beijo de boa noite, um selinho que fosse, e eu que
achava que iria rolar sexo, tava preocupada com a minha calcinha não ser
tão sexy assim – Pia deu uma risada amarga – Não sei se devo ficar feliz ou
decepcionada.

— Talvez ele tenha ficado meio surpreso por não esperar que eu te levasse,
está certo, mas interessado em mim? – Maite negou – Não, definitivamente
não. O Mane e eu somos amigos desde sempre, se ele sentisse algo além de
amizade eu acho que já teria demonstrado, não é? Nós nos conhecemos
desde que éramos duas crianças...

— Eu não sei, foi essa a impressão – Pia suspirou – Mas de qualquer forma,
mesmo que ele não esteja interessado em você... em mim, pelo menos, ele
não ta.

— Valeu a tentativa – Maite fez uma careta.

Era o tipo de coisa que Maite precisava para deixar o seu dia animado.
Inconformada com a ideia, ela resolveu mexer os pauzinhos. Se sentia uma
adolescente novamente, como quando fazia planos para unir Anahí e
Poncho, os velhos tempos... quando deu por si já tinha discado o número de
Mane e torcia para que ele atendesse logo, porque esperar não era o forte de
Maite Perroni.

Mane estava em seu escritório assistindo um jogo de um time de outro


colégio, fazendo anotações e traçando estratégias, quando o celular tocou.
Normalmente ele não interrompia o trabalho para mensagens pessoais,
exceto para emergências, mas ali se tratava de um terceiro caso: era Maite.
O que quer que ela quisesse lhe falar, ele estava disposto a ouvir. Por isso,
sem hesitar, apertou o pause no vídeo e atendeu com um inconfundível
sorriso nos lábios.

— Oi Mai – Mane disse com uma expressão de bobo inconfundível de


quem falava com a mulher por quem era apaixonado. Pena que ela não
podia vê-lo...
— Eu não acredito que você não deu um beijinho sequer nela...!

Era pra isso que ela estava ligando? A frustração bateu forte, como um
balde de gelo bem em sua cabeça. Mane fechou os olhos sentindo a alegria
causada pela ligação dela se esvair rapidamente.

— Estamos falando da Pia? – Mane perguntou num suspiro, embora


soubesse perfeitamente bem qual seria a resposta.

— É claro que estamos – ela resmungou frustrada – Se você não queria sair
com ela era só ter dito.

— Eu... – Mane pensou muito bem as palavras que usaria – Maite, você me
pegou de surpresa naquele dia. Eu não esperava...

— O que foi? Você não gostou dela? – ela questionou – Seja honesto
comigo.

— Eu gostei, é só que... eu não acho que vá funcionar.

— Por quê? Ta interessado em outra pessoa, é isso?

Mane congelou com aquela pergunta. A resposta estava na ponta da língua


e continha apenas duas palavras: em você. Era tão óbvio e escancarado – em
especial porque àquela altura todas as pessoas que Mane conhecia, até os
garotos do time, sabiam de seus sentimentos – que ele não conseguia
entender como Maite não tinha se dado conta. Não era possível que todos
ao redor deles fossem capazes de enxergar os sentimentos que Mane nutria
há anos, enquanto a única pessoa que realmente importava – e precisava –
sabê-los não fazia a menor ideia.

— Não Maite – Mane respondeu suspirando pesadamente – Não tem outra


pessoa.

Porque, se fosse analisar a verdade, realmente não tinha. Não enquanto ela
simplesmente não conseguia sequer enxergar os sentimentos dele. Do que
adiantava Mane dizer que havia sim, mesmo sem assumir que era ela, e
Maite continuar distante, ele seguir sem ter coragem para assumir seus
sentimentos?

— Dê mais uma chance pra ela – Maite insistiu – Eu acho que vocês
formariam um casal maravilhoso. Pia é uma mulher incrível e eu tenho
certeza que você não vai se arrepender de seguir o meu conselho.

Suspirando, Mane se deu por vencido. Talvez ela tivesse razão, afinal nem
todas as histórias de amor deveriam ser concretizadas. Maite não fazia a
menor ideia do quanto Mane gostava dela, ainda estava presa demais ao seu
casamento que tinha acabado e ela parecia não se dar conta. Enquanto ele
esperava por algo que provavelmente não via, as Pia's passavam por sua
vida sem que ele se desse a chance. Mane acreditava que fosse melhor
deixa-la seguir o seu caminho e ter o tempo certo para se dar conta que
precisava desapegar de Koko, sentindo apenas a dor da conclusão óbvia: ele
certamente não estaria mais ali quando ela finalmente estivesse pronta.

Não se podia vencer todas.

— Tudo bem – Mane bufou – Me passa o número dela então.

Talvez não fosse para vencer nenhuma...

xxx

Dentro da cozinha do Sophia's, a dona da confeitaria preparava croissants


doces contando com uma presença ilustre e especial para avaliar a
qualidade dos produtos...

— Eu gosto mais do de chocolate do que do de doce de leite, tia Soso –


Samantha disse com a testa franzida e a firmeza de sempre na voz.

— É mesmo...? – Sophia disse achando graça – Não me surpreende nem um


pouco, sendo você uma viciadinha em chocolate.

— Você acredita que a Lindsey fez um bolo de chocolate pra mim...? –


Samantha comentou com uma careta imensa revirando os olhos.
— É verdade? – Sophia perguntou receosa da resposta à pergunta que faria
– E estava gostoso?

— Não sei – a menina deu de ombros – Eu nem comi...

— Sam...

— Ah tia, nem começa – a careta de Samantha aumentou – Mamãe me


disse que nem tudo pode ser como eu quero, que você e o papai não querem
mais ficar juntos blá blá blá. Mas nem tudo pode ser como o papai quer, e
eu não gosto da Lindsey. Ele tem que aceitar também né?

— Ai que menina encrenqueira... – Sophia negou com a cabeça rindo e se


abaixando na frente da menina, para ficar da altura dela – Você sabe que eu
sempre vou gostar do seu pai, não é? Nós somos amigos há muito tempo.
Ele é especial pra mim.

— Mas gostar não é o suficiente pra você voltar a dormir na cama dele né?
– Samantha perguntou capciosa – Nem pra dar um daqueles beijões...?

— Não, infelizmente não – Sophia negou prendendo o riso.

— "Infelizmente" quer dizer que você queria dar uns beijões nele? –
Samantha perguntou e agora via a tia arregalar os olhos.

— Sam... – Sophia acabou rindo, de nervoso é claro – As coisas de adulto


são complicadas demais pra você entender.

— Porque vocês adultos complicam tudo – Samantha revirou os olhos


novamente – Tia, olha só, é bem simples... você gosta do meu papai, meu
papai gosta de você... você manda o encosto embora, ele manda a chata da
Lindsey embora, vocês se casam e eu levo as alianças na igreja.
Tchaaaaraaaaam!

— Eu queria que fosse simples do jeito que você pensa, mas não é – Sophia
beijou a testa dela – Seu pai ta namorando a Lindsey e a escolha de
continuar é deles, não sua. E como assim "mandar o encosto embora"?

— O Chad – Samantha deu de ombros – A culpa é toda dele mesmo.


A culpa não era de Chad exatamente. Estava certo que ele fora o estopim do
fim do relacionamento de Jesse e Sophia, mas ela sempre teve como certo
que o que fez o namoro acabar foram os machismos e a insegurança de
Jesse. Sophia acreditava que, mesmo que Chad tivesse segundas intenções
com ela, era algo que ela própria deveria frear, e que o respeito devido ao
relacionamento deles estava ele aceitar as decisões dela. O que não
aconteceu.

Para Sophia, Jesse tinha sido completamente abusivo com o término do


namoro deles, quando não lhe deu opção: era Chad ou ele. Sophia não
escolheu Chad, ela simplesmente descartou a possibilidade de ficar com
uma pessoa que fazia uma chantagem e a colocava contra a parede, que
condicionava o relacionamento às amizades que ela escolhia ter. Afinal,
Jesse não levava em conta que ela passou todos aqueles anos como sócia da
mãe da filha dele, com quem ele dormiu por anos a fio, e que ela em
momento algum teve qualquer tipo de crise de ciúme pela forma como ele
se relacionava com Torrey. Tanto ela quanto qualquer outra amiga ou ex
dele.

No fim quem acabou fazendo uma escolha foi o próprio Jesse: escolheu
perder Sophia a continuar com ela.

Mas para Jesse, não era tarde demais. A conversa que teve com Poncho no
dia anterior não saiu de sua mente. Agora ele sabia por Lívia que Sophia
estava na confeitaria trabalhando como o que se esperava de uma tarde de
segunda. Para completar, Samantha estava com ela, já que Torrey tinha uma
reunião com fornecedores. As mãos de Jesse formigavam, os pensamentos
dele estavam a mil, porque ele sabia que precisava tomar uma decisão,
decidir de vez o que queria fazer.

Jesse lembrava do tempo que viveu com Sophia com todo o carinho do
mundo, foi o momento que ele estava deixando de ser um moleque para se
tornar um homem. Quando os dois ficaram juntos Samantha tinha acabado
de completar um ano e foi o momento de maior responsabilidade da vida
dele, Jesse tinha acabado de terminar a faculdade, eles estavam abrindo a
confeitaria... foi ao lado de Sophia que ele transitou para o fim daquele
período de crise e aprendeu a ser pai. Foi com ela ao seu lado que Jesse
percebeu que poderia ser um bom pai para Samantha e que aquilo poderia
resultar em algo diferente de um desastre.

O problema era que aquela vida bagunçada e caótica como pai de sua filha
era algo que ele gostava de viver ao lado dela. Uma vida que ele sentiu
ameaçada com a presença de Chad, que ele erroneamente entendeu que
Sophia deveria resolver e no fim acabou perdendo-a. Egoísta, Jesse achou
que a ex tinha mais a perder do que ele, se enchendo dessa convicção,
sobretudo quando começou a namorar Lindsey mesmo não estando
apaixonado por ela. No fim ele não sabia se Sophia estava sofrendo. O que
ele tinha certeza é que, certas ou não as suas escolhas, ele não estava feliz.

E, como Samantha estava com a sua "tia Soso" naquela tarde, ao menos
uma desculpa para aparecer na confeitaria Jesse tinha.

— Oi Lívia – Jesse disse chegando ao balcão, encarando a funcionária que


trocava notas no caixa.

— Oi chefinho – ela respondeu olhando ao redor dele – Sozinho hoje?


Hm...

— É, sim – Jesse pigarreou – Escuta, a Sophia está aqui?

— Ah, ela está, com a Sam lá na cozinha – Lívia disse prendendo o riso –
Agora eu entendi a solidão.

— O quê? – Jesse perguntou sem saber se tinha entendido direito.

— Nada, eu disse que é só você entrar porque as duas estão lá.

Jesse se condenou em silêncio, pelo visto ele estava transparente demais ao


ver que até mesmo a funcionária deles percebia seus estridentes e ainda
presentes sentimentos por Sophia. Ele parou na porta da cozinha, olhando
pela fresta sua filha sentada na cadeira e a ex em pé, preparando uma massa
enquanto a menina falava alguma coisa que a fazia rir. Ficou por alguns
segundos ali admirando as duas, vendo o quanto elas eram naturais uma
com a outra, o quanto Sophia sorria com Samantha e arrancava dela
algumas boas risadas. Elas pareciam mãe e filha e de certa forma, eram.
Aquilo só lhe deu mais certeza de algo que já suspeitava bem no fundo de
seu peito.

Como não dava para ficar ali parado eternamente, Jesse resolveu entrar.
Afinal, se Lívia o visse ali, cedo ou tarde ela iria berrar a plenos pulmões o
quanto ele estava se valendo da presença da filha para admirar a ex à
distância.

— Ei – Jesse disse entreabrindo a porta e cortando as risadas das duas –


Posso entrar...?

— Tem que botar uma toquinha papai – Samantha repreendeu – Arruma


uma pra ele, tia Soso?

— Arrumo sim – Sophia disse largando a massa, limpando as mãos e


abrindo a gaveta para dali tirar uma touca de cabelo.

— Ah, eu nem tenho tanto cabelo assim – Jesse riu abobado vendo Sophia
se aproximar.

— Regras são regras, papai – Sophia disse estendendo a touca para ele.

— Não vai botar nele, tia Soso? – Samantha disse encarando os dois – Você
botou em mim.

— Você é criança – Sophia retrucou.

— Mas meu papai não faz algumas coisas direito – Samantha quase
cantarolava – Mamãe sempre diz que ele às vezes age como se tivesse a
minha idade.

Sophia teve que prender o riso para não soltar uma imensa gargalhada e dar
mais confiança à Samantha do que ela deveria receber, mas era difícil. Ela
imediatamente encarou Jesse que estava vermelho pela clara provocação de
sua filha de cinco anos. Dito isso ela nem quis continuar rebatendo a
criança, apenas abriu a touca e ajeitou no cabelo dele. Nas costas dos dois
Samantha abria um sorriso travesso e estava atenta à cena, feliz por ter
alcançado o resultado que queria: aproximar seu pai e sua "tia", ao menos o
suficiente.

Bem suficiente. Enquanto ajeitava a touca no cabelo de Jesse, por trás das
orelhas dele, Sophia percebia os olhos claros do ex quase queimando-a.
Logo aqueles olhares se encontraram e ela sentiu um calor em alguma parte
do corpo que há muito tempo não sentia, bem como a boca que ficou
imediatamente seca. Jesse estava claramente aproveitando a oportunidade
que a filha os colocou. Ele não era muito bom com palavras, mas
permanecia implacável nos gestos. Era seu olhar que, mais uma vez,
deixava claro o quanto ele ainda a desejava.

— Obrigado – ele disse sorrindo e sussurrando, ainda olhando nos olhos


dela – Devo ter ficado uma gracinha.

— Você realmente não tem tanto cabelo, mas temos que ensinar dando
exemplo – Sophia sussurrou piscando.

— Eu tenho sorte de ter você aqui por perto ensinando-a junto comigo...

E mais uma vez, Sophia engoliu em seco, rapidamente virando as costas e


voltando para o que fazia. Estar perto demais de Jesse tinha seus problemas.
Talvez fosse melhor se afastar...

— Ei pestinha – Jesse disse se ajoelhando na frente da filha – Achei o fone


de ouvido que você queria.

— O rosa gigante? – os pequenos olhos de Samantha imediatamente


brilharam ao ver o pai tirando um fone realmente imenso e de um tom de
rosa berrante de seu bolso – Ai papai, você é o melhor!

— Mereço um abraço então? – Jesse perguntou logo antes de ver a filha


pulando em cima dele com todo o entusiasmo do mundo.

— Agora me empresta o seu Spotify? – Samantha voltou a ter expressão de


pidona.

— Vai encher minhas playlists de Beyoncé? – Jesse fez uma careta.


— Eu quero ouvir Formation – Samantha retrucou dando de ombros.

Claramente Jesse não tinha como competir.

Aquilo teve lá seu lado bom. Samantha colocou os olhos no iPhone do pai,
abriu o Spotify, conectou o aparelho em seu enorme fone de ouvido novo e
rosa e segundos depois já estava com a cabeça balançando ao som de sua
cantora favorita. O pai ria da reação dela, balançando a cabeça e
observando para ver a reação de Sophia. Ela não estava diferente dele,
achava muita graça em como a menina estava. Era o momento perfeito para
Jesse se aproximar.

— Se eu tiver outra filha um dia... – Jesse disse encostando na mesa e


suspirando – Imagine duas ouvindo Beyoncé...

— Não se pode dizer que terão mal gosto – Sophia deu de ombros – Se
conviverem demais comigo vão ouvir Ed Sheeran também. E Adele,
obviamente.

Jesse guardou para si a informação de que pretendia que aquelas futuras


crianças, os filhos que ele ainda queria ter, teriam, de acordo com seus
planos, toda a convivência do mundo com Sophia... mas aquela era
informação para outra hora.

— Muito bem, digital influencer – Jesse riu e ela riu junto – Sabe quem eu
encontrei hoje? Paddy.

— Paddy? – Sophia franziu a testa surpresa – Patrick...?

— Ele mesmo – Jesse confirmou – Adivinhe? Vanessa está grávida.

— Eu não acredito...! – Sophia disse jogando a massa de volta na mesa – A


bandida não me disse nada! Você ficou sabendo antes de mim...!

— Ei, não fique brava, ele tinha acabado de descobrir, ninguém sabe,
certeza que ela vai correr pra te contar – Jesse disse com ar de riso – Ele
disse pra marcarmos algo, nós quatro, como nos velhos tempos... e eu
resolvi passar aqui pra te falar...
Paddy e Vanessa eram um casal de amigos de Jesse e Sophia dos tempos
que eles começaram a namorar. Vanessa era amiga de faculdade de Sophia e
agora era chef de um restaurante em Manhattan. Paddy, por sua vez, era
amigo de infância de Jesse. Quando os dois namoravam tanto Paddy quanto
Vanessa tinham saído de relacionamentos ruins e partiu de Sophia a missão
cupido para apresentar os dois. Jesse teve certa resistência a princípio mas
acabou sendo convencido pela namorada e ficou completamente surpreso
quando deu tudo certo. No fim eles tinham terminado e o outro casal
alavancou de vez. Agora moravam juntos e estavam à espera de um filho. E
evidentemente, queriam reencontrar os amigos.

— Nós quatro? – Sophia perguntou encarando Jesse receosa. Ele insistiu.

— Como nós velhos tempos... – repetiu.

— Jesse, as coisas não são como nos velhos tempos e você sabe – ela
observou.

— Seria uma saída de amigos – Jesse retrucou vendo-a morder os lábios –


Eles também eram apenas amigos quando começamos a sair os quatro.

— A gente pretendia que eles se pegassem – Sophia ressaltou – Sua


namorada sabe disso? Ou melhor, eles sabem que você tem uma namorada?

— Paddy sabe – Jesse tratou de dizer – E Lindsey é minha namorada, não é


minha dona. Nós dois sempre fomos amigos e eu sinto a sua falta. Minha
filha te ama tanto quanto ama a mãe dela e a nossa distância a machuca. E
bem... eu conversei com o Poncho e ele disse que ele e a Anahí acertaram
uma amizade também, mesmo depois de tudo... ela deu uma chance pros
dois continuarem sendo próximos. Se eles conseguem, eu acho que nós dois
podemos conseguir também, não é? O que você me diz, Soph?

Era difícil argumentar num caso desses, em que eles estavam tão próximos,
tão bem um com o outro, em que Sophia percebia que sentia tanta falta de
Jesse quanto ele dela. Era difícil olhar nos olhos dele como ele fazia e dizer
que não, não podia dar outra chance pros dois. Não diante da comparação
que ele fez, afinal se Anahí perdoou Poncho ela era capaz de deixar as
mágoas de lado e tentar ser amiga de Jesse. Ao menos tentar.
Porque conseguir, afinal de contas, eram outros quinhentos. Afinal tinha
diferenças gritantes naquela comparação toda: Poncho pretendia continuar
ao lado de Diana, o que não era bem o caso para Jesse. Aquele era apenas o
primeiro passo dele para reconquistar Sophia. Ele não queria apenas ser
amigo dela... ele queria mais, queria absolutamente tudo que envolvesse os
dois.

Helloooooo pessoas amadas! Tudo bem com vcs? Espero que sim!

O capítulo de hoje é definido bem pelo título: "apenas amigos?". Serve pra
todas as partes que foram postadas... pro Jesse e Sophia que tiveram uma
boa dose aqui (quem ta amando Samantha ainda mais depois de hoje?
hahahahah), pra Maite e pro Mane (sei que o tanto que vcs amam Samantha
é o quanto querem matar a Maite kkkkk) e é claro, pra AyA! Será que essa
~amizade~ vai dar certo? Façam suas apostas!

Queria deixar claro que tenho lido todos os comentários mas não to
conseguindo tempo pra responder. Na vdd não tem dado tempo nem de
escrever. Em suma, ta foda!

Espero que gostem do capítulo.

Beijos e nos vemos segunda!

Rafa
Capítulo 18 - Deleted scene

Do ponto de vista de sua saúde física, Anahí estava tendo uma lenta e
gradual recuperação, que era vista a cada sessão de fisioterapia. Afinal, ela
tinha tido a coluna e a perna operadas, mas um mês após a alta no hospital
já tinha tirado o gesso e os movimentos estavam quase normais, ela
caminhava praticamente sem nenhuma dificuldade. O mesmo não poderia
ser dito dos traumas psicológicos – seus fantasmas ainda estavam intactos e
longe de serem exorcizados.

Era simples: a lembrança do próprio aborto doeu em Anahí, a feriu. Ela se


perguntava dentro de si se era melhor que aquilo tivesse ficado no
esquecimento ou não, porque nesse caso, ela não teria que viver o luto que
vivia, simplesmente não saberia que tinha acontecido aquilo. E agora não
conseguia se livrar das imagens mentais do que lembrou, das ideias vagas
de como teria sido a vida com aquela criança, como tudo poderia ter sido
diferente se ela nunca tivesse sido sequestrada e se aquele bebê fosse criado
por ela e por Poncho.

A ideia mental de ser mãe mexia com Anahí, porque não era algo que ela
conseguia se enxergar fazendo dali para frente. Ela lembrava do beijo com
Poncho, na cama dela no dia que contou do filho que eles tinham perdido.
Ela a princípio se entregou, esvaziou a mente, mas bastou um toque dele
mais lascivo para travar e encerrar tudo. Como uma vida poderia ser
construída se nem o homem em que ela mais confiou na vida, o único
homem a quem ela tinha se entregado sem ser violada, podia toca-la sem
que aquilo lhe gerasse uma reação dominada pelo mais absoluto pânico.
Não tinha como seguir em frente daquela forma, formar uma família, nada.
Tobias não tinha simplesmente lhe tomado oito anos de sua vida... ele
também parecia condenar todos os seguintes.

Era por tudo isso que Anahí não queria lembrar de mais nada. Parecia ser o
suficiente o que já tinha saído. O que aconteceu naquele cativeiro que lhe
traria de bom recordar? Seriam apenas lágrimas e mais cicatrizes de
momentos que em nada lhe acrescentariam. Então, mesmo diante da
recomendação da Dra. Caitriona Balfe de que Anahí deveria prosseguir com
as regressões durante as sessões de terapia, o que aconteceu foi que ela se
recusou. E a terapeuta, por óbvio, acabou percebendo que insistir naquele
momento era em vão. Ela tinha dentro de si uma forte percepção que Anahí
acabaria voltando atrás na hora certa, quando tivesse motivos para tal.
Bastava esperar a hora chegar, mesmo que demorasse.

Só que havia outras coisas na vida de Anahí que a perturbavam. Ela sentia
cada vez mais o desconforto de continuar na casa de Karen ante a presença
de Keith. Durante os primeiros dias Anahí realmente achou que a mãe
optaria por ela e não pelo marido, que veria o modo como Anahí não estava
se adaptando àquilo e daria o seu jeito, mas não foi isso que aconteceu. Pelo
contrário, Karen achava que Anahí deveria dar uma chance ao pai e não via
o quão óbvio era que isso jamais iria acontecer. Anahí permanecia
irredutível, e cada vez se sentindo mais sem espaço naquela casa. Ela já não
sabia o que fazer.

Ir para a casa dos avós não era uma opção, aquela nunca foi a sua casa.
Permanecer ali também não era. O ideal seria ficar com Poncho, que
sempre foi seu porto seguro, mas ele tinha uma nova vida agora e ela se
obrigava a respeitar. Não tinha outra opção. E para completar, a questão do
que fazer com todo aquele tempo livre... na adolescência Anahí ajudava a
mãe no Karen's Café, mas como trabalhar num lugar que tinha sido um dia
o espaço onde ela conheceu seu algoz a fazia se sentir totalmente
desprotegida? Segurança era sem dúvidas um fator essencial naquele
momento.

Curiosamente a solução para aquilo veio da maneira mais inesperada


possível. Anahí estava no café ao lado de sua avó, cuja presença era das
poucas que não a deixava na defensiva. Enquanto Ellie folheava uma
revista ela tentava mexer num celular que o avô lhe deu e se acostumar com
aquela tecnologia toda. Foi quando o espectro de uma mulher pairou bem
em sua frente. Antes que Anahí pudesse se assustar efetivamente, ela viu
uma moça loira e totalmente sorridente bem ali.
— Você é a Anahí, não é? – a garota perguntou. Os olhos de Anahí
perguntaram arregalados.

— Quem é você? – a voz dela pareceu assustada – Como sabe o meu nome?

— Ah, todo mundo sabe o seu nome – a garota permanecia sorridente, mas
ao reparar que Anahí estava acuada, mudou a abordagem – Ok, desculpe, eu
não pretendia assusta-la. Meu nome é Erika Vianna. Eu sou agente literária.

— Agente literária...? – Anahí franziu a testa ainda sem entender.

— Trabalho numa editora – Erika continuou explicando – E eu queria muito


conversar com você sobre a sua história.

Ao se apresentar, Erika de alguma maneira suavizou a expressão dura e


apavorada que Anahí tinha logo antes. Essa foi a deixa para que Ellie saísse
dali e ficasse do balcão do café de olho na situação, observando tudo como
uma águia, certa de que, se acontecesse algo, ela perceberia. Ellie estava ali
vendo a moça se sentar na frente de Anahí e tentar conquistar sua
confiança, procurando passar credibilidade. Só não estava perto o suficiente
para ouvir a conversa.

— Eu trabalho na Editora Planet – Erika prosseguiu – E minha chefe


começou a alavancar a carreira dela quando encontrou o primeiro grande
sucesso literário por conta própria. Ela deixou claro quando me contratou
que eu seria promovida se conseguisse o mesmo. Só que eu não quero
qualquer história. Eu quero algo que tenha significado, que seja diferente,
que não exista no mercado literário que já é cheio de mais do mesmo,
entende? E eu acho que você seja esse diferencial.

— Eu nunca escrevi na vida – Anahí disse piscando sem parar – Eu...

— Você tem uma história – Erika prosseguiu – Uma história forte,


pulsante... impactante, que tem muito pra ensinar. Você pode tentar escrever
a sua autobiografia ou apenas vender os direitos pra gente e nós achamos
quem poderia escrevê-la... com a sua participação e aprovação, é claro. O
que você me diz?
— Eu... – Anahí suspirou – É informação demais.

— Que tal marcarmos uma reunião com a minha chefe? – Erika sugeriu –
Assim você poderia conhecê-la, ela explicaria melhor as coisas, até lá você
pensa com calma. Eu acho que isso é uma grande oportunidade pra todos
nós, Anahí. Todos temos a ganhar, você principalmente.

Pensando bem, era algo no qual Anahí poderia investir. Quando aquela
moça se despediu, marcando desde já uma data e deixando com ela seu
cartão, Anahí levantou seu olhar e enxergou a avó observando, acenando
para Erika que saía e voltando para a mesa com a neta. Ela sabia que a avó
somente tinha uma preocupação com ela, que Ellie não sabia em quem
confiar dado o que aconteceu com a neta e que era uma preocupação válida
e normal. Só que Anahí não queria se sentir assim. Já bastava o seu próprio
medo, ter que sentir os outros lhe encarando daquela maneira era demais.
Ela queria tanto uma chance de ver a própria vida guinando, ela pediu
silenciosamente por isso.

Parecia que tinha chegado.

O que Anahí não sabia era que a Editora Planet pertencia à família
Vázquez, que era o sobrenome de solteira de Diana Herrera. Seu pai, Jimmy
Vázquez, vivia em Boston comandando a sede e passou a filial para a sua
filha. No terceiro ano na cidade, ela conheceu Alfonso e o transformou em
fenômeno literário, seu primeiro. Não apenas isso – Alfonso se tornou
também o marido de Diana, o pai de seu filho, sua família. Erika Vianna já
trabalhava na editora naquele momento, ela e Diana eram as únicas
funcionárias num primeiro momento e Erika realizou a diagramação e toda
a parte revisional do primeiro livro de Alfonso, bem como a dos demais que
foram publicados nos anos seguintes.

Uma imensa coincidência, porque Erika sabia da história de Anahí, sabia


que ela teve um ex-namorado antes de ser sequestrada, mas sequer
imaginava que era o marido de sua chefe, o autor dos livros que ela ajudou
a editar. O romance antigo de Anahí e Alfonso não tinha ido para as bancas
em tabloides e revistas de fofoca, ao menos ainda não tinha chamado a
atenção da imprensa, que se ocupava com os detalhes do caso policial em si
naquele primeiro momento. Erika apenas viu em Anahí o potencial de uma
história poderosa e empoderadora, uma história que o país precisava ler.
Como Diana sempre tinha sido discreta quanto à sua vida pessoal, sua
funcionária não tinha material para ligar os pontos.

Só que, sem querer, ela acabou marcando um encontro entre duas mulheres
que, embora muito tivessem ouvido falar uma da outra, ainda não se
conheciam pessoalmente. Duas mulheres que amavam o mesmo homem...

xxx

Anahí e Poncho vinham lidando de formas bem parecidas com o luto pela
perda de um filho que, embora tivesse acontecido há oito anos, era sentida
agora, ao ser descoberta: ambos se isolaram para viver a dor na solidão,
mesmo que por motivos um tanto diferentes. Enquanto Anahí não fazia a
mínima questão de se abrir com a própria família e ainda não sentia
confiança suficiente para se abrir com qualquer dos amigos além de
Christian, que já sabia, para Poncho o problema era outro.

Como ele iria chorar na frente de Diana? Como iria contar para a esposa
que estava sofrendo por um filho que ele teria antes dela, por uma vida que
praticamente não existia mais? De certa forma Poncho sofria por uma vida
que nunca de fato existiu, já que a família que ele formaria com Anahí e
aquela criança não chegou a se materializar. Por mais que ele soubesse que
a esposa entenderia o seu lado, ainda assim ele não via qualquer clima para
se abrir.

Quem acabou secando suas lágrimas foi Erendira. O esperado era Poncho
procurar por Jesse, Sophia ou Mane, seus amigos mais próximos, mas ele
acabou com os olhos inchados e o peito quase explodindo na porta da irmã,
a quem não disse nada até passar quinze minutos chorando copiosamente.
Erendira teve que esperar pacientemente o primeiro momento de agonia
total do irmão passar para ter uma mínima explicação do que estava
acontecendo com ele e entendeu exatamente o quão devastado ele estava e
seus motivos assim que Poncho começou a dizer o que o fazia chorar
copiosamente daquela forma.

Não era por menos, ela rapidamente constatou. A última vez que Erendira
vira o irmão assim foi na "morte" de Anahí. Nem quando ele decidiu seguir
em frente tinha sofrido tanto quanto. Ela achava que jamais o veria assim de
novo, ainda mais considerando primeiro que ele tinha formado uma família
e segundo, mais tarde, que Anahí tinha voltado e estava bem. Mas ela
estava enganada. Por óbvio, Erendira consolou o irmão e foi o seu ombro
amigo naquele mar de lágrimas, aconselhando no fim da conversa, logo
antes dele ir embora, que ele deveria contar para Diana.

Mas ele não contou. Assim como não contou que beijou Anahí, ou melhor,
que correspondeu ao beijo que a ex tinha lhe dado.

— Ela te beijou? – Erendira perguntou com os braços cruzados e a cara de


quem estava perplexa. Ela não esperava.

— Sim – Poncho mordeu os lábios se sentindo culpado ao confirmar.

— Ok, feche essa porta e volte porque a conversa não acabou – ela quase
ordenou e viu o irmão abrir um ar de riso antes de obedecer e acompanha-la
de volta ao sofá – Poncho, a Anahí te beijou? E você...

— Eu a beijei de volta – Poncho ressaltou – Eu não tinha emocional pra


recusa-la Erendira.

— Em algum momento você tem? – ela ironizou – Diana sabe disso?

— Diana não sabe de nada – Poncho suspirou – Eu não consegui dizer pra
ela nem do bebê, imagine... porque uma coisa não justifica a outra, entende?
É só que... eu sinto algo muito forte pela Anahí ainda. E ela estava ali,
frágil, junto comigo... só ela sente essa dor que eu to sentindo.

— Você tem razão – Erendira confirmou – Nas duas coisas. No fato de que
ela entende a sua dor... mas também que isso não justifica. Porque você é
casado, você escolheu continuar casado quando a Anahí voltou e você não
deixou a Diana por ela. E isso causou na sua esposa uma expectativa de que
as coisas não vão mudar. O que significa que, por mais forte que seja esse
seu sentimento pela sua ex-namorada, você precisa se decidir.

— Anahí e eu seguiremos como amigos – Poncho rapidamente observou –


Nós decidimos isso... e eu acho que é o melhor.
— Você realmente acha que isso vai dar certo...? – Erendira, por sua vez,
parecia um tanto cética.

— Eu tenho outra opção...?

— Que tal admitir que isso muito forte que você sente pela Anahí pode
arruinar o seu casamento e decidir de uma forma justa que não magoe nem
você, nem nenhuma das duas? – Erendira cobrou – Porque quer saber o que
eu acho Poncho? Eu acho que você até gosta da Diana... e ta escolhendo-a
porque é a única maneira de não perdê-la. Porque sendo amigo da Anahí e
marido dela, você tem as duas na sua vida. Só que esse sentimento forte e
irresistível que você tem pela Anahí, na minha humilde opinião, se chama
amor. Você nunca deixou de ama-la... e eu não acho que ser amigo dela seja
o suficiente pra você. Pra nenhum dos dois, na verdade.

Enquanto Erendira jogava para o irmão algumas verdades que ele não
queria encarar, Diana seguia no escuro. Ela não era burra a ponto de não
perceber que estava acontecendo algo com seu marido e queria saber o que
era, mas ao mesmo tempo não encontrava uma abordagem que fizesse
Poncho se abrir com ela. Cada vez ela via o marido mais calado e
introspectivo e tinha uma voz em sua cabeça que pensava que isso tinha a
ver com Anahí, mas não parecia suficiente. Ela sabia que tinha acontecido
alguma coisa, algo novo, e não conseguia imaginar o que pudesse ser.
Poncho estava há uma semana no silêncio, calado, apenas brincando com
Dani e por vezes abraçando o filho e parecendo com o olhar ainda mais
doído. Aquela reação estranha começou depois do almoço no apartamento
de Jesse, quando ele saiu para uma emergência que a esposa imaginou que
tinha a ver com Anahí, mas ao contrário da expectativa dela, ele não disse
nada e pelo visto nem diria.

Rapidamente Diana começou a sentir medo do que poderia vir. Ela


detestava se sentir insegura daquele jeito, nunca tinha sido o tipo de mulher
pegajosa, mas agora não conseguia mais ter paz. Como perguntar para
Poncho não parecia uma boa opção, ela logo acabou arranjando um plano
B.

— Então... – Diana perguntou – Como é a Anahí?


Sophia estava numa tarde normal comandando a cozinha da confeitaria
quando Diana apareceu de surpresa acompanhada de Daniel. Por sorte
Samantha estava lá e logo os dois estavam em uma mesa comendo bolo de
chocolate e dividindo o fone de ouvido enquanto ouviam Spotify, deixando
as "mães" livres para conversarem. Sophia ganhou alguns minutos livres e
se sentou na mesa servindo a Diana um doce que tinha feito naquela mesma
tarde. Ela esperava muitas coisas daquela visita, mas não aquela pergunta.

— O quê? – Sophia perguntou arregalando os olhos, claramente surpresa.

— Eu nem te preparo pra um papo desses né? – Diana suspirou, fechando


os olhos se sentindo culpada – É que... ah, eu precisava falar disso com
alguém... e com o Poncho não dá pra ser. A gente já teve essa conversa no
início do nosso namoro, e eu achava que ela estava morta. Foi outro tom,
outro momento...

— Realmente – Sophia concordou meio desconfortável – Mas o que você


quer saber?

— Eu não sei – Diana suspirou – Como ela é fisicamente eu sei... eu vi


fotos. Antigas, mas vi. E ela estava no noticiário. É só que... eu não consigo
imagina-la enquanto pessoa. E essas coisas têm perturbado a minha mente...
quer dizer, todo mundo gosta dela...

— Bem, ela é uma ótima amiga – Sophia respondeu pensativa – Ela sempre
esteve presente por todos nós, em todos os momentos. Quando nós éramos
próximas ela sabia que eu gostava do Jesse e era ela que segurava minha
mão cada vez que o Poncho vinha até nós e contava que ele estava com
outra garota. Ela fazia isso sem ser perceptível sabe? Apenas segurava a
minha mão, me lançava um olhar de consolo e bastava pra que eu soubesse
que ela estava ali. E não era assim só pra mim... com a Maite, com a Lexie,
com o Christian... ela era assim com todos. Nós éramos um grupo muito
unido.

— Algo que eu nem consigo imaginar – Diana divagou.

— É realmente difícil, parece outra vida – a voz de Sophia saiu amarga –


Mas era assim. Parecia que ela era o elo que unia todos nós, porque se
saíssemos Jesse, Poncho, ela e eu, a coisa funcionava... e se estávamos só as
meninas, também funcionava. Ela se dava bem com todos, era querida por
todos... por isso... talvez seja por isso que tenha sido tão duro quando ela
não estava mais.

— Eu imagino – Diana mordeu os lábios – E ela e o Poncho juntos?


Como...

— Você tem certeza que quer saber disso? – Sophia perguntou temerosa –
Porque antes era diferente, a Any não estava aqui e era só uma lembrança.

— Sophia, eu preciso – Diana insistiu – Ele era muito apaixonado por ela?
Eles eram felizes?

— Eram – Sophia respondeu sem rodeios – Muito. Eles tinham uma vida
planejada, e todo mundo tinha medo de não dar certo porque a gente sabia
que eles sairiam destruídos nesse caso. Eles eram os únicos que namoravam
no colegial e continuaram juntos durante toda a faculdade. E bem... Jesse
sempre contava da quantidade de mulheres que se arrastavam pro Poncho
em Stanford, nós sabíamos a quantidade de homens que paqueravam a Any
em Georgetown, mas eles sempre se mantiveram fiéis. Ela juntava dinheiro
e o visitava na Califórnia, ele ia pra Washington vê-la também sempre que
podia, nas férias os dois passavam os verões juntos e assim foi durante
quatro anos, até eles se formarem.

— Ou seja, eles eram felizes – Diana constatou.

— Mais do que isso... eles eram feitos um pro outro – Sophia completou –
Ou pareciam ser.

— Aí eu apareci e destruí tudo – ela tampou os olhos nervosa, mas logo que
os abriu novamente viu a amiga negar.

— Tobias Menzies veio e destruiu tudo – Sophia a corrigiu – Você salvou o


Poncho depois disso. Você deu esperanças e um propósito pra ele quando
ninguém mais sabia o que fazer. Foi o Dani que tirou o Poncho daquele
buraco, Diana. Não se culpe.
— É que... algo aconteceu com ele esses dias – ela explicou – Eu não sei o
que é, tem quase uma semana que ele ta estranho, e ele esteve com ela. Não
sei mais o que supor.

— Eu também não sei – Sophia respondeu – De verdade. Eu vi pouco a


Anahí essa semana, mas ela não me disse nada.

— Eu estou me sentindo horrível Soph – Diana mordeu os lábios culpada –


Na semana passada nós estávamos no apartamento do Jesse e Poncho
mudou de uma hora pra outra, quis sair... ele não me disse o que era nem
pra onde iria, apenas nos deixou em casa, e eu sabia que ele iria ficar com
ela. E eu... eu mesma que disse pra ele que não iria me colocar entre os
dois, entende? Eles têm uma história juntos... só que vê-lo se distanciando
de mim assim... ver que mesmo sem querer ela se coloca entre nós, cria um
abismo no meu casamento... quando eu dei por mim estava pensando coisas
horríveis. Eu desejei que ela nunca tivesse aparecido.

Sophia nada respondeu, apenas mordeu os lábios sentindo a tensão de


Diana totalmente palpável e se solidarizando. Ainda não tinha acabado.

— Mesmo sabendo o que ela passou, mesmo sabendo que ela não estava
viajando por aí depois de tê-lo largado – Diana passou a mão no rosto
agoniada – Essa mulher foi sequestrada e estuprada por anos, mantida num
cativeiro, tirada da própria vida, da própria família... acharam que ela estava
morta... e por algum milagre ela sobrevive, é encontrada, e eu... eu desejo
que ela ainda estivesse lá apenas porque ta causando problemas pro meu
casamento. Você entende? Eu sou um monstro...!

— Não, não é – Sophia segurou a mão dela – Eu sei que você não desejou
isso de verdade, foi só um momento de dor.

— Sim, foi, mas mesmo assim... – ela mordeu os lábios – Um minuto


depois e eu estava chorando, com raiva de mim, com raiva do Poncho...
porque ele me botou nisso, eu não pedi pra entrar, era apenas um
relacionamento sem compromisso, uma gravidez acidental, eu não sabia de
nada... eu não exigi nada, quando eu descobri tudo sobre ela eu nem queria
continuar... ele que insistiu... será que eu fiz bem? Eu nunca parei pra
pensar nisso, mas...
— Você não poderia imaginar que a Anahí voltaria – Sophia a tranquilizou
– Nenhum de nós pensava, nem o Poncho. Ele fez isso porque queria dar
uma família de verdade pro Dani e no fim vocês construíram algo juntos,
ele ama você Diana.

— Eu sei que ama, eu tenho certeza – ela observou – Mas antes éramos
dois, e agora tem ela também. E eu não posso ser egoísta, não posso querer
que ele a mantenha longe porque nenhum dos dois tem culpa, mas... eu
também não tenho. E eu não sei se é isso que eu quero pro meu casamento.

— Olhe... – Sophia voltou a falar – Se tem algo que eu tenho certeza, é que
Anahí não vai se colocar propositalmente entre você e o Poncho. Como
você disse, eles têm uma história juntos, e precisam acerta-la porque muita
coisa aconteceu. É óbvio que ele vai querer apoia-la até tudo voltar pro
lugar, ou encontrar um novo lugar, eu não sei... mas se o Poncho disse que
quer ficar com você, ele vai ficar. E ela vai respeitar. Você apenas precisa
encontrar uma maneira de ficar bem com o fato de que agora ela existe. Eu
sei que as coisas vão se acertar. E uma hora vocês duas vão acabar se
conhecendo. E se eu bem as conheço... vocês vão se dar bem.

Isso era algo que Diana não tinha como saber, muito menos como apostar.

Ao menos não naquele momento.

Porque, depois de pensar longamente durante todo um fim de semana, na


noite de domingo Anahí tomou uma decisão. Ela se materializou com uma
ligação para a mulher com quem conversou no café, a agente literária, Erika
Vianna. A resposta era positiva: Anahí estava disposta a conversar sobre
vender a própria história. Ela pensou aquilo depois de chegar à conclusão
de que ficar de braços cruzados esperando a vida passar de nada adiantaria.
Talvez fosse melhor arriscar um pouco, mesmo que fosse um possível passo
em falso. Anahí queria uma ocupação, alguma coisa que a mantivesse fora
dali e ao mesmo tempo lhe desse algum tipo de segurança. E aquela oferta
daquela mulher parecia o ideal.

Erika deu saltos de alegria ao receber a resposta de Anahí. Ela marcou para
a manhã seguinte e, na segunda feira bem cedo, após ser deixada pelo avô,
Arthur, Anahí estava na porta da Editora Planet. A moça a recebeu com um
sorriso e um abraço confortável e logo a encaminhou para o escritório onde
trabalhava.

— Minha chefe já vai chegar, mas você pode esperar na sala dela – Erika
disse abrindo a porta – Senta aí, eu vou espera-la e já adiantar tudo.

— Ela sabe que eu venho, não é? – Anahí perguntou receosa.

— Sabe sim, não se preocupe.

E Anahí se sentou na mesa em questão, vendo Erika fechar a porta e deixa-


la sozinha na sala. Rapidamente seus olhos correram pela decoração bonita
e sóbria do escritório, que era todo branco com móveis escuros e alguns
quadros na parede. Muitos livros nas prateleiras, todos publicados pela
própria editora, como era de se esperar. E alguns porta-retratos também, de
uma mulher loira com um casal de idosos, um menino de aparentemente
cinco anos sozinho e sorridente, e um último daquela mulher, aquele
menino e um homem. Homem esse que Anahí conhecia.

Alfonso.

E quando ela olhou bem, ela reconheceu a mulher da foto. A foto do


Facebook dele. Do dia da lembrança. Ela estava no escritório de Diana. A
chefe de Erika, a responsável pela editora... era a esposa de Alfonso.

Do lado de fora, outra mulher chegava no trabalho sem fazer ideia do que a
esperava dentro de sua sala. Ela só sabia que sua funcionária estava
eufórica.

— Você vai ficar orgulhosa de mim, eu sei – Erika disse batendo palminhas
enquanto Diana andava sorrindo – Por que afinal de contas, quem arruma
um futuro best seller desses e marca uma reunião em menos de uma
semana? Quem? Quem?

— Pelo visto você – ela riu – Vamos, me fale da moça. Eu preciso saber o
que esperar antes de conversar com ela.
— Bem, você se lembra daquela garota que passou oito anos em um
cativeiro e acabou de ser encontrada...?

Não era possível...

— Foi um custo enorme arranjar o endereço do café que a família dela tem,
mas eu consegui e bem... ela está aqui. Ela quer conversar sobre escrever a
história, ou no mínimo vender os direitos de publicação, não é
maravilhoso...?

Não, não era... provavelmente era uma coincidência. Tinha que ser.

— Erika... como você disse que a moça se chamava mesmo?

— Ah Diana, vai me dizer que você não soube dela pelos jornais? – Erika
negou com a cabeça rindo – Anahí. Anahí Portilla. E ande, vamos, ela está
te esperando!

Pelo visto, coincidências não existiam.

Hellooooo pessoal, como estão?

Esse capítulo termina do babado né? O começo dele já dá o tom do que vai
vir, que é a Erika finalmente chegando até a Anahí, mas provavelmente
vocês não esperavam que a Diana a encontrasse tão rápido, acertei? Como
será que vai ser o encontro das duas mulheres por quem o Poncho ta tãoooo
dividido?

Falando em Poncho, acho que essa chamada que a Erendira deu nele foi o
que todas aqui queriam dar né? Hahahahaha. Ele precisa sair de cima do
muro, eu sei, mas o Poncho é todo politicamente correto e vai manter o
casamento com a Diana a todo custo. Vamos ver como vai ser ela com a
Anahí!

Falando na Diana, espero que quem a julgou pela cena que ela pensa mal da
Anahí reveja os conceitos depois da conversa dela com a Sophia. Mas eu to
com a maioria (ao menos a que comenta): Diana aqui é vítima e Poncho
tem que se decidir!

Por fim: sigo atrasadíssima nos comentários! Vou tentar começar a


responder essa semana.

E finalmente uma notícia não tão boa: não teremos post quinta! Eu vou
viajar, então só retorno na segunda.

Tentem não me matar pela curiosidade que vai acumular kkkkk

Beijos e até lá!

Rafa
Capítulo 19 - The past and the present

Perplexa. Era exatamente assim que Diana se sentia com aquela situação.
Seu corpo estava completamente engessado com aquela descoberta, sem
conseguir dar um passo sequer, fosse para frente ou para trás. Ela se
perguntava como fazer dali para frente, como reagir, porque era óbvio que
estava impossível. Diana sabia que não poderia simplesmente largar Anahí
dentro de sua sala, mas a pergunta principal era: como iria encara-la?

Afinal, se não estava sendo fácil para ela, como seria para Anahí? Diana era
a personificação dos sonhos dela que não se realizariam. Era a mulher que
tirou Poncho do caminho onde ele esperaria eternamente pela volta dela,
com quem ele formou uma família. Ocupava o espaço que, de acordo com
certa linha de raciocínio, Anahí iria ocupar, deixando-a em frangalhos.
Afinal, aquela mulher foi libertada de um cativeiro, depois de tanto tempo
presa, passando por tantas coisas e, quando finalmente estava livre...
descobria que tinha outra em seu lugar.

E agora essa outra estaria ali, frente a frente.

— Ah Erika... – Diana fechou os olhos agoniada com a situação.

— O que foi? – a garota franziu a testa – Eu fiz algo de errado?

— Você não faz ideia de quem seja essa garota, não é?

— Claro que faço – Erika encarou Diana como se dissesse o óbvio – Já te


disse, Anahí Portilla, apareceu em todos os jornais e notic...

— Ela é ex-namorada do Alfonso – Diana interrompeu fazendo a


funcionária esbugalhar os olhos – A namorada que ele teve antes de mim,
da juventude. Com quem ele quase se casou.

— Ela não estava morta? – Erika se limitou a perguntar.

— Todos achavam que estava – Diana respondeu – Até descobrirem que ela
esteve oito anos sequestrada numa casa no Queens.
— Não é possível que seja a mesma pessoa – a garota murmurou – Diana...
você não disse nada...

— Eu sou discreta com a minha vida, Alfonso também, você sabe disso... é
pessoal – Diana suspirou totalmente desconfortável. Ela adorava Erika, mas
jamais dividiria com a funcionária as inseguranças pela volta de Anahí e
seu significado na vida do marido.

— Eu entendo – agora era Erika quem tampava os olhos – Eu te botei na


pior situação da face da Terra.

— Sim – Diana respirou fundo – Você não tinha como saber... mas sim.

— O que você vai fazer? Quer que eu dê uma desculpa qualquer e mande-a
embora? Não seria difícil.

— Não, eu não sou covarde – ela respondeu decidida – Uma hora eu teria
que conhecê-la. Parece que a hora chegou.

Dentro da sala, a ficha de Anahí já tinha caído e ela olhava assombrada


aquelas fotos. Não eram muitas, Diana não parecia ser o tipo de mulher que
estamparia a própria vida pessoal no escritório, mas definitivamente
também não era aquela que fingia que não tinha uma família feliz. E ela
tinha. Anahí analisou demoradamente a foto dos três juntos... eles ficavam
bem, combinavam, eram irritantemente bonitos juntos. E a criança... na foto
que estava somente ele no painel dava para ver melhor, foi para ela que
Anahí olhou.

Daniel era um menino bonito e saudável para a sua idade. Parecia muito
mais com a mãe do que com o pai, mas Anahí, como uma profunda e eterna
admiradora da beleza de Alfonso, reconhecia os traços dele em seu filho.
Aquela criança parecia dócil demais e Anahí, mesmo perturbada por estar
onde estava, se encantou com a expressão dele na foto. Era capaz de
imaginar o amor que o ex sentia pelo menino apenas por olhar seu pequeno
sorriso. Ao mesmo tempo, uma pontada de dor invadiu seu peito ao se
colocar naquele lugar. Ao imaginar o sorriso de outra criança, uma criança
que nunca nasceu e nem nasceria... a dela. A deles.
Foi inevitável não fechar os olhos e se colocar na ONG na qual sempre
sonhou em trabalhar, mudando a vida de tantas mulheres vítimas de
violência doméstica. Ela teria uma sala como aquela de Diana, um lugar
onde aquelas mulheres se sentiriam seguras. Um lugar que seria também
um refúgio para ela em seus dias cansados, onde poderia tomar um café
quente, se aconchegar na cadeira e olhar um porta-retrato tal como aqueles
que encarava. Uma foto de seu filho, uma foto dela e de Alfonso abraçados,
daquelas que qualquer pessoa que observasse sem pedir licença veria e diria
o quanto eles eram bons juntos, sentiria a conexão de longe. Como ela se
sentia quando via Alfonso e Diana juntos. Como se a intrusa fosse ela.

Aquela família de sua imaginação nunca aconteceria. Seu filho estava


morto e ela, em frangalhos. Alfonso tinha seguido em frente e Anahí estava
ali, na sala da esposa dele. Talvez fosse melhor dar uma desculpa qualquer e
ir embora antes que Diana resolvesse aparecer e não tivesse mais jeito.

Só que, quando Anahí tomou coragem e levantou, virando-se para a porta, a


mulher do porta-retrato estava parada bem ali, em carne e osso, de pé. Tarde
demais.

Uma encarava a outra, uma analisava a outra. Eram as duas mulheres da


vida de um mesmo homem, uma do passado e outra do presente. Se
analisassem realmente bem veriam que eram quase o espelho uma da outra,
dado o fato de que não se tratava somente da inevitável semelhança pelo
sentimento que nutriam por Alfonso... também tinham o fato de que ambas
estavam tão desconfortáveis com aquela situação quanto se podia estar.

— Eu juro que não sabia que era você – foi Diana quem quebrou o silêncio
– Acabei de descobrir... eu jamais te colocaria nessa situação.

— Eu entendo – Anahí disse mordendo os lábios – Uma coincidência e


tanto.

— Uma surpresa – ela disse caminhando até a outra e estendendo a mão –


Diana. Eu ouvi muito falar de você.

— Anahí – ela respondeu apertando a mão de Diana – Pode-se dizer que...


eu também.
— Já que estamos aqui... podemos... conversar – Diana propôs, indo para o
outro lado da mesa e colocando a bolsa ao lado após se sentar – Sei que não
temos exatamente um assunto... mas eu não consigo simplesmente dizer
que está tudo bem e pedir à Erika que te leve embora quando foi ela que te
trouxe.

— Eu sabia que o Poncho tinha se casado com a editora dele, mas nunca,
em nenhuma hipótese... – Anahí se justificou – Ela não disse o seu nome
em momento algum.

— Por favor, perdoe a Erika – Diana pediu – Ela não sabe nada da minha
vida pessoal. Nosso contato é profissional somente, é uma excelente
funcionária, estava empolgada em buscar um novo sucesso literário... não
tínhamos como imaginar. E bem... quantas editoras existem em Manhattan?

— Muitas – Anahí disse abaixando o olhar.

— Eu vi fotos suas, mas poucas e eram antigas – Diana respondeu sorrindo


de leve. Era assim que ela estava quando Anahí voltou a encara-la – É bom
dar um rosto real a um nome.

— Você não tem visto os noticiários? – ela perguntou com o tom pesado –
Eles não cansam de mim pelo visto.

— Eu tenho evitado porque tenho um filho de cinco anos que não faz ideia
do que aconteceu com o pai antes de me conhecer – Diana respondeu franca
– Não leve a mal, eu apenas queria poupa-lo.

— Você faz bem – Anahí concordou – Crianças não merecem essa sujeira
toda.

— Realmente não – Diana respondeu, logo resolvendo ir além – Anahí, eu


sinto muito por tudo o que aconteceu com você. Não pense que eu sou o
tipo de mulher que agradece aos céus pelo que você passou apenas pra ter
conhecido o Poncho. As coisas não foram assim...

— Você não precisa se desculpar por nada – Anahí sorriu de leve – Você o
fez feliz, lhe deu uma família, um filho. Eu deveria estar te agradecendo.
Ele está bem, é o suficiente.

— Eu... eu não quero ser um empecilho – Diana ressaltou – Eu nunca o


impedi de nada, não tenho impedido que ele te veja, nem nada do tipo...

— Não se preocupe – Anahí riu – Se você se sentir incomodada com a


minha presença, eu não vou te culpar. Ele é seu marido.

— Mas você é alguém importante na vida dele, fez parte da história dele e
isso nunca poderia ser apagado – Diana frisou – E eu... eu não quero ser sua
inimiga. Eu não quero te encarar como uma rival, eu não gosto disso, nunca
fui assim e nem quero ser. Não sei o que você sente por ele nem nada do
tipo, é só que... nós não precisamos nos encarar como se nos odiássemos,
porque a verdade é que... eu nem sequer conheço você. E tudo o que ouvi
falar de você sempre foi tão bom que nem que eu me esforçasse eu
conseguiria te odiar.

— Poncho... falou bem de mim? – ela perguntou receosa.

— Não apenas ele – Diana sorriu – Sophia principalmente. E Jesse, Mane...


todos eles sentiram muito a sua falta. Sophia está radiante pela sua volta.
Não pense pelo fato de nós sermos amigas que ela era desleal a você,
porque não é assim.

— Eu nunca pensei assim – Anahí negou.

— Bom, Maite pensa – Diana deu de ombros. Foi a vez de Anahí rir.

— Maite é radical demais e sempre foi – ela soltou uma careta – Sophia é
uma amiga maravilhosa e ela sempre foi próxima ao Poncho. Eu fico feliz
que ela tenha dado uma chance a você.

— Eu também fico – Diana confirmou – Eu não vou mais tomar o seu


tempo. De qualquer forma, só gostaria de dizer que a oferta da Erika está de
pé. Eu acho que somos maduras o suficiente pra saber lidar com as...
complicações dessa situação toda. Então, se você quiser publicar com a
Planet, a porta estará aberta. Se quiser vender os direitos idem. A escolha é
sua. Pense com carinho.
— Eu pensarei – Anahí disse se levantando – Obrigada Diana.

— Eu que agradeço – Diana disse apertando a mão dela – E me desculpe


mais uma vez.

— Não precisa se desculpar.

Elas não seriam amigas, mas também não se odiariam. Era um pacto de
respeito mútuo, uma bandeira branca por assim dizer. Tanto Anahí quanto
Diana sabiam que ocupavam lugares diferentes na vida e no coração de
Poncho, mas também sabiam que podiam coexistir. Elas não travariam uma
batalha para disputa-lo... com aquele aperto de mão, deixavam claro que
seguiriam e deixariam a escolha – se é que havia uma – a quem realmente
cabia: a ele, é claro.

xxx

Lexie Grey estava se perguntando onde tinha ido parar toda a segurança que
ela adquiriu nas últimas semanas. Seu relacionamento com Jackson Avery
estava bem, estava ótimo, e ela realmente achava que enfim tinha adquirido
uma tranquilidade com ele e que sua vida seria calma dali para frente. Ledo
engano. Mais uma vez tudo ruiu e ela não se sentia nem um pouco surpresa
ao dar um nome para o causador de todo aquele furacão que, mais uma vez,
destruía tudo o que ela tinha pacientemente construído.

O pior era que a culpa direta daquela vez nem era de Mark Sloan. Talvez
fosse do fato de ele ser tão galanteador, sorridente, bonito demais para a
sanidade das mulheres daquele hospital. O sorriso sedutor de Mark tinha
encantado uma das novas internas e agora onde Lexie aparecia, ela via a
garota tentando chamar a atenção dele de qualquer maneira. E aquilo a
enervava de uma maneira inesperada, uma maneira forte e incômoda grande
demais para quem dizia ser totalmente indiferente.

E naquela manhã, o inferno conseguiu piorar.


— Eu? Com uma turma de residentes...? – Lexie perguntou totalmente
perplexa à Dra. Miranda Bailey, chefe de cirurgia, que a encarava sem
muita paciência.

— Olhe Grey, com a saída do Dr. Warren, eu tenho internos sobrando –


Bailey explicou – E a única residente sem internos é você.

— Porque eu sou residente-chefe – Lexie lembrou, sem ter qualquer efeito


sobre a chefe.

— Posso passar o cargo pra outra pessoa se você achar que é pesado
demais.

— Não, não, está tudo bem – Lexie suspirou desgostosa – Onde estão os
internos?

Bailey apenas virou as costas, fez um pequeno gesto com os dedos e


aqueles quatro internos apareceram bem em sua frente. E para o desespero
de Lexie, a garota das risadinhas que parecia se incendiar cada vez que um
certo cirurgião plástico aparecia em sua frente, estava exatamente naquele
grupo. Isso mesmo: a Dra. Brenda Cocatti era sua interna. E Lexie teria que
aturar aqueles suspiros todos os dias da semana.

Nada bom.

Como não sabia que ganharia aquele presente de grego, Lexie não tinha
nada programado para os novatos, que acabaram por seguir o curso do que
sua residente faria – para variar, a ronda da neurocirurgia com a Dra.
Amelia Shepherd. Diga-se de passagem, Amelia viu sua aluna chegar com
quatro internos em seu encalço e franziu a testa, ela também não esperava,
mas tampouco disse nada, a expressão irritada de Lexie falava por si. Ela
deixou que tudo fluísse, prometendo a si mesma que iria se controlar para
não provocar... mas Amelia não podia garantir... afinal, ela era ela.

E a primeira oportunidade chegou exatamente quando saíam do quarto do


segundo paciente, em direção ao terceiro.
— Olha o seu cirurgião plástico...! – a outra interna disse à Dra. Brenda e
ambas deram risadas estridentes. Lexie revirou os olhos, mordendo a língua
para não revidar por aquele "seu" da frase.

— Você não sabe o que eu descobri – Brenda disse – Uma das enfermeiras
me disse que ele tem um histórico de relacionamento com internas. Você
acredita...? Parece que eu tenho chances!

— Vocês vieram aqui pra trabalhar ou pra... – Lexie censurou vendo as duas
garotas arregalarem os olhos ao serem pegas no flagra. Mas, por sua vez,
ela também acabou interrompida.

— Ora, vamos lá Grey – Amelia riu – Elas estão falando alguma mentira? É
Mark Sloan. Ele tem uma fama, é alguma mentira?

— Então a fama é real Dra. Shepherd? – Brenda se apressou em perguntar –


Ele realmente...

— Digamos que ele não está preocupado em nega-la, não é mesmo? –


Amelia soltou quase cantarolando – Enfim, vamos ao próximo paciente...!

Parecia que Amelia tinha desistido do plano de se controlar. Que sua


alfinetada serviu para incentivar ainda mais aquela jovem interna, que, pelo
visto, investiria mais forte em Mark Sloan. A manhã dos sonhos de Lexie,
definitivamente, tinha ido para os ares.

xxx

Anahí voltou para casa ainda atordoada com todas as informações daquela
manhã. Estava certo que ela já sabia que Diana existia, ouvira os relatos de
Lexie sobre ela, vira as fotos de Poncho com a esposa em suas redes
sociais... mas nada era como vê-la pessoalmente. A impressão que Diana
lhe passou ficou marcada porque ela era sem dúvidas uma mulher marcante.
Tinha postura, segurança, falava firme e definitivamente sabia a que vinha.
O impacto não era pequeno, Poncho definitivamente tinha se casado com
uma mulher firme.
Mas era coisa demais pra pensar. A conversa, as fotos, o impacto de tudo
aquilo pesava na cabeça de Anahí, que sentia que precisava de algo para se
distrair. Difícil, considerando que estava em uma casa na qual não
conseguia mais enxergar como um lar. Cada vez que ela via Karen
lembrava a mágoa pela mentira da mãe. Ver Keith a fazia se sentir de fora
daquela bolha. Anahí estava péssima naquilo tudo, mal queria sair do
quarto. O aconchego de antes se fora. Era como se ela tivesse saído de um
cativeiro e entrado em outro, pois não era mais como o pássaro livre que
tinha sido um dia, num passado distante. Agora era como se ela sempre
estivesse presa à gaiola.

Coisa demais para pensar. Diana e a família de Poncho. O peso de seu


próprio lar. No fim, uma alternativa surgiu. Quando Anahí entrou em casa,
Christian estava ali.

— Até que enfim! – ele exclamou tão-logo ela apareceu – Eu estava me


perguntando onde você tinha se enfiado!

— Longa história – Anahí riu de nervoso pensando na cara que o amigo


faria quando ela contasse onde estava – E você? Não ta trabalhando?

— Hoje eu não tenho nenhum ensaio e aí estava pensando... por que não
levar a Anahí pro salão pra dar um trato naquele cabelo? Ótima ideia...!

— Christian... – Anahí fez uma careta de reprovação – Eu não...

— Ande, vamos – ele insistiu – Eu estou paquerando o cabeleireiro e seria


uma ótima oportunidade de me apresentar. Não estraga o meu barato!

— Ok – Anahí suspirou – Tem certeza que isso é uma boa ideia?

— Meu amor, eu não tenho a menor dúvida...!

Christian não queria falar para Anahí o quanto ela estava precisando
daquele trato no visual. Ela estava com a aparência maltratada, resultado de
oito anos de abuso e negligência. Aquilo não era por questões de vaidade e
sim para que ela pudesse voltar a se olhar no espelho e ver a si mesma.
Talvez aquela renovada a ajudasse a deixar as marcas do que tinha vivido
pouco a pouco para trás e encontrar um novo jeito de viver.

Christian não esperava que Anahí tivesse uma daquelas transformações de


filmes que fariam com que toda a sua vida mudasse, ele sabia que não seria
assim. Ainda levaria tempo para que ela se reencontrasse, para que deixasse
de ter medo de tudo e conseguisse voltar ao mais próximo de algo
considerado normal. Ela ainda tinha suas cicatrizes, seus traumas e levaria
tempo até se recuperar... mas eles precisavam começar de algum lugar e ali
seria. Por isso ele a levou até o salão em questão. Talvez Anahí se sentiria
de alguma maneira renovada e isso resultaria em algo bom. Na pior das
possibilidades, seria ao menos um dia em que ela estaria fora de casa,
distraída, com a leve sensação de que tinha mais na vida para ela.

Eles ficaram horas naquele salão. Christian flertava com o cabeleireiro


desde a hora que ele decidia o que fazer com o cabelo da amiga até o final.
Anahí em si não sabia o que decidir e acabou deixando nas mãos dos dois,
que optaram por um alisamento com uma técnica chamada ombre hair,
deixando a raiz dos cabelos dela num tom castanho claro próximo da cor
natural e as pontas loiras.

O cabelo não foi tudo, Anahí também fez a sobrancelha, depilação e as


unhas. Ao final da tarde ela se olhava no espelho e mal se reconhecia. Ao
mesmo tempo que não via nada do que se acostumou a ver em si mesma,
ela parecia admirada. Também não era quem ela lembrava de ter sido.
Como se tivesse nascido uma nova Anahí, ao menos a casca dela. Faltava o
interior.

Christian parecia satisfeito com o resultado final. Ele via o brilho nos olhos
da amiga e sabia que era um começo, um passo tinha sido dado. Já era o
suficiente por um dia, o restante viria com o tempo, com fé e perseverança
que ele, os amigos e a família dela tinham de sobra.

— Isso que eu chamo de dois em um, você saiu plena do salão e eu arranjei
um boy pra mim – Christian batia palminhas.

— Estou me sentindo usada – Anahí acusou negando e viu o amigo negar


também.
— Ora, vamos... pare! Eu não te usei, meu amor. Foi apenas unir o útil ao
agradável.

— Certo – Anahí suspirou – Christian, eu não queria ir pra casa. Você se


importa se...

— Fôssemos pra minha casa? Perfeito! – Christian exclamou – Maite deve


estar lá. Vamos pedir uma pizza e botar a fofoca em dia.

Maite de fato estava em casa, afinal era o final de um longo dia de trabalho.
A morena estava saindo do banho quando se deparou com seus dois
melhores amigos do lado de fora. Ela estava justamente pensando em abrir
uma garrafa de vinho para relaxar do cansaço que abatia seu corpo, pelo
visto não a beberia sozinha. Só que mais do que a presença dos dois, o que
lhe chamou mesmo a atenção foi Anahí e seu novo visual.

— Algo errado...? – ela perguntou franzindo a testa.

— Não, algo muito certo... – Maite sorriu.

Foi quando Anahí percebeu que, no fim, aquilo não poderia ser tão ruim
assim.

Os três terminaram, de fato, bebendo vinho juntos e comendo a pizza que


Christian tinha planejado mais cedo. Ele e Maite eram mais fortes para
bebida do que Anahí, que nunca tinha sido exatamente resistente, imagine
depois de oito anos sem beber nada. Era a primeira vez que ela ingeria
álcool desde a sua "volta" e isso causava algumas risadas mais exageradas
que o normal. E consequentemente, uma língua mais solta. Língua essa que
não demorou a dar as caras.

— Eu conheci a Diana hoje – Anahí respondeu pegando uma fatia.

Silêncio sepulcral, seguido por exclamações desesperadas que se


interrompiam entre si.

— Você o quê? – Maite foi a primeira a falar. Mas Christian veio logo em
seguida.
— Você passou a tarde inteira comigo e só diz isso agora...?

— Me diz que o imbecil do Poncho não te levou pra dentro do antro da


família perfeita dele – Maite fechou os olhos consumida pela raiva – Eu
seria capaz de mata-lo se ele forçasse uma barra dessas, ah eu seria...!

— Deixe-o vivo, ele não tem culpa, acredite – Anahí sorriu dando de
ombros – Foi uma imensa coincidência. Digamos que eu tenha ido até a
editora da Diana por uma proposta de uma funcionária dela e quando
cheguei lá descobri que a dona em questão era ela.

— Eu não consigo acreditar – Christian murmurou perplexo.

— Nem eu na hora – Anahí suspirou – Vocês não vão perguntar como foi?

— Deve ter sido estranho não é? – Maite disse com uma careta – Estar na
sala da mulher que roubou o homem que você ama...

— Ela não o roubou, ela achou que era dela – Anahí suspirou – Achado não
é roubado, é o que dizem né?

— Anahí eu to nervoso, me conta logo como foi – Christian ordenou, ou


implorou, a amiga não sabia identificar.

— Ah, ela é legal.

— Você ta curtindo com a minha cara – Maite revirou os olhos.

— O quê? É verdade – Anahí riu – Ela é... bem, é diferente do que eu


pensava. Não sou briguenta como você, Mai. Diana é uma boa pessoa, essa
é a verdade, goste eu ou não.

— Como assim "goste eu ou não"? – Christian franziu a testa.

— É que... – Anahí bufou – Eu deveria odia-la, né? Deveria culpa-la, não


pelo que eu vivi, mas por ter saído disso tudo e não poder ter o Poncho
comigo. Por ela ter formado uma família malditamente bonita e perfeita
com ele e isso fazê-lo pensar duas vezes antes de desistir, hesitar... mas a
verdade é que eu não consigo. Ela realmente é legal. E eu realmente me
sentiria muito mal e seria desleal a mim mesma se deixasse me levar, seria
implicância.

— Eu não consigo acreditar que nem você me acompanha na vibe de


detestar a Diana – Maite resmungou.

— Você não gosta porque é mais fácil do que admitir que ela não tem culpa
de nada – Anahí alfinetou – Birrenta como sempre...!

— Seria falsidade da minha parte simplesmente fingir que nada ta


acontecendo – Maite voltou a resmungar – Que nada aconteceu. Porra, era
pra ser o Poncho fazendo tudo o que eu fiz pra te achar, e eu formando a
família perfeita. Era pra ele te esperar...!

— A dor dele o machucava muito mais do que a você, eu já te disse isso –


Christian explicou vendo a amiga fazer uma careta por já conhecer seus
argumentos bem demais – Não que eu seja TeamDiana, mas... é complicado
e você sabe disso Maite.

— Eu não vejo nada de complicado nisso, pelo contrário, vejo muito


simples – Maite acusou – Eu era a maior fã do mundo dos dois. Eu estava
planejando, mesmo que mentalmente, um casamento muito maravilhoso pra
eles, e o Poncho uma vez me disse sobre o que queria escrever nos votos... e
cara, aquilo era pra vida inteira! Como que ele desiste tão fácil assim do que
chamava de a melhor coisa da vida dele? Pelo visto não era tão grande
assim...!

— É claro que era – Anahí ponderou – Ninguém sabe o tamanho disso


melhor do que eu, que vivi.

— Trabalhamos com verdades! – Christian comemorou.

— É sério – Anahí mordeu os lábios – Sempre foi forte, foi intenso, foi
grande demais para colocar dentro de uma caixa de lembranças e ainda é.
Nós nos beijamos.

— Vocês o quê? – Maite arregalou os olhos.


— Ei, pera, isso você não me contou...! – Christian protestou.

— Como assim "isso"? – foi a vez de Maite protestar – O que mais eu não
to sabendo...? Vocês dois estão de segredinhos comigo, é? Eu não acredito!

— Não é isso – Anahí parecia tensa – O Christian me ajudou num momento


difícil, mas eu iria te contar. Maite... eu sofri um aborto enquanto estava...
bem, lá.

— Any... – Maite parecia petrificada.

— Esse bebê era do Poncho – a voz de Anahí saía pesada – Por isso nós nos
encontramos, eu tinha que contar tudo pra ele. E bem... por isso eu o beijei.

Lágrimas. Nesse momento não importava mais se Anahí tinha beijado


Poncho, se Maite era contra ou a favor dele por suas escolhas... não era o
importante. Maite limitou-se a consolar a melhor amiga, abraçando Anahí e
dando todo o seu apoio naquela confissão difícil. Estava claro que Anahí
poderia parecer melhor por não estar chorando e apenas dar sorrisos foscos,
mas obviamente não era daquela maneira. Anahí sentiria sempre o peso
daquela perda, aquele luto, por mais recuperada que estivesse. E Maite
estaria ali para ela, quantas vezes fosse necessário.

Só que é claro que a empatia eterna de Maite não duraria tanto tempo assim.
Durou até bastante... até o momento que Christian fez uma pergunta que fez
os três voltarem à estaca zero.

— Esse beijo significa que você ainda ama o Poncho?

A pergunta era de Christian para Anahí. Maite abriu a boca para um novo
protesto antes que a amiga pudesse processar... só que Anahí acabou sendo
mais rápida, no fim das contas.

— Sim Christian – ela confirmou – Eu ainda amo o Poncho.

— Eu não acredito – Maite murmurou completamente perplexa.

— Tanto quanto antes...? – Christian perguntou ignorando Maite.


— Acho que ainda mais – Anahí sorriu sentindo as bochechas esquentarem
– E sim, eu sei que to toda errada. Que ele é casado com uma pessoa que,
caramba, é super legal! Mas... eu não consigo evitar. Ele mexe com todos os
meus sentidos. Ele é a lembrança viva de tudo o que poderia ter sido, dos
melhores anos da minha vida. Eu não consigo evitar, então desisti de lutar
contra. O Poncho é o grande amor da minha vida, essa é a minha verdade.

— Anahí... – Maite suspirou longamente tampando os olhos – Você ta


apegada ao passado, é isso. Porque essas verdades não existem mais.

— Olha Mai, talvez nós nunca fiquemos juntos, talvez o nosso tempo tenha
acabado, e eu irei respeitar se ele decidir assim – Anahí sorriu serena – Mas
por que eu tenho que lutar contra o melhor sentimento que eu já nutri...? Por
que eu não posso simplesmente ama-lo na minha? Não to fazendo mal pra
ninguém, e isso me faz bem.

— Porque isso nunca vai acontecer – Maite decretou – Você vai ficar se
prendendo por causa de algo que já acabou? Que não deu certo?

— Mas não deu errado – Anahí revidou – Apenas aconteceu uma fuga no
percurso. Ele não tem culpa. E nem eu. Eu não vou mais sufocar mais os
meus sentimentos. Eu o amo e pelo menos pra mim tenho que admitir. E pra
vocês também.

— Eu ainda acho que... – Maite estava prestes a continuar quando Christian


interrompeu.

— Maite, chega pelo amor de Deus! – ele ordenou – Deixa a Any! Ela tem
razão, não faz mal pra ninguém. Ela o ama e ta no direito dela, já basta os
dois não terem a chance de ficarem juntos... ela já perdeu coisa demais, ao
menos isso ninguém vai tirar dela. Nem você, nem eu, nem Diana, nem
ninguém.

Porque essa era a pura verdade: Tobias tinha lhe tirado uma vida, um futuro,
um filho, até uma chance... mas ele não fora capaz de mudar o sentimento
que Anahí tinha por Poncho. Continuava tão forte e intenso quanto antes, e
dentro dela, por mais que ainda não estivesse pronta para admitir, ainda
parecia como se não tivesse um ponto final.
~

Olaaaar pessoal! Sentiram saudades? Espero que sim!

Todo mundo esperou muito por esse primeiro encontro Diana e Anahí e eu
espero ter feito jus à toda a espera. Cada vez que lia um comentário pedindo
que as duas se dessem bem e não fossem inimigas sorria por dentro por
saber que estava prestes a satisfazê-las. A quem queria o contrário... sorry,
você ta na web errada. A sororidade berrou forte aqui e definitivamente elas
podem não ser bffs, afinal amam o mesmo homem né... mas se respeitam e
saberão continuar assim. Mulherões são tudo né mores?

E no final do capítulo vemos a Anahí reforçar ainda mais esse sentimento


pelo Poncho, só que não só isso... ela reforça também que vai manter a
promessa deles serem amigos. Será que isso vai funcionar?

Por fim, vemos a Lexie caminhando pro precipício com todo esse ciúme do
Mark e da interna. Onde isso vai dar? De um jeito ou de outro, sabemos que
a Amelia ta jogando forte contra a nossa Little Grey... ou seria a favor?

Nos vemos quinta e espero que tenham gostado :)

Beijos e boa semana!

Rafa
Capítulo 20 - Maybe one day

No fim, Sophia tinha aceitado o convite de Jesse e, naquele dia, os dois


almoçaram junto com os amigos que eles tornaram um casal – Paddy e
Vanessa. Foi sem a menor dúvida horas agradáveis, que Sophia se desligou
do fato de Jesse e ela não estarem mais juntos e sentiu como se tivessem
voltando no tempo, porque realmente parecia assim. Ela deu todas as
risadas que costumava dar antes e só se lembrou da existência de Lindsey
ao final, quando foi ao banheiro com Vanessa e ouviu da amiga que Jesse e
ela nem pareciam mais que não eram um casal.

Por mais que a afirmação da amiga tenha levado Sophia de volta à


realidade, ela preferiu ignora-la, certa de que merecia algum descanso.
Depois de se despedirem dos amigos Jesse e ela permaneceram naquela
bolha, e no táxi que os levou do restaurante onde Vanessa trabalhava – que
era onde eles tinham almoçado – de volta à confeitaria, eles riam e se
olhavam como se ainda estivessem juntos, como se tivessem voltado um
ano no tempo. A única coisa que não parecia em nada é que ambos sabiam
que, se fosse um ano atrás, eles já estariam se beijando e muito.

Tirando esse detalhe, o almoço parecia ter funcionado como uma trégua
entre os dois. Sophia estava surpresa porque há muito ela não se sentia
próxima e conectada a Jesse como aconteceu naquele momento,
considerando o quão afastados os dois ficaram depois do término. Não era
uma distância física porque eles eram sócios, era emocional, como se um
muro os separasse. Sophia sabia perfeitamente bem que essa distância tinha
sido causada não pelo namoro dele e de Lindsey, mas pelo fato de Jesse não
ter aceitado o fim do namoro e sua amizade com Chad. Ela tentava não
pensar em como seria quando eles se deparassem novamente com aqueles
obstáculos, porque era realmente bom acreditar, nem que fosse por alguns
dias, que havia alguma chance de ela ser próxima de Jesse de novo...
mesmo que não fosse, nem de longe, do modo como ela realmente sonhava.
O problema daquelas fantasias é que ver Vanessa grávida de Paddy lembrou
à Sophia o quanto ela sempre quis ter um filho com Jesse. Esse desejo
nasceu da convivência com Samantha e do fato de que Jesse poderia ser o
que for, mas sem dúvidas era um ótimo pai para a menina. Como Sophia
sempre quis ser mãe e era muito apegada à enteada, ela sempre planejou o
filho que eles teriam juntos. Um irmão para Sam, um filho para ela, a
chance de Jesse criar uma criança integralmente... algo que nunca
aconteceria. E algo que agora lhe causava uma sensação no corpo que ela
bem que queria, mas não conseguia ignorar.

— Quer dizer, estou me sentindo velho – Jesse disse segurando a porta do


táxi para ela sair rindo – Paddy vai ser pai. Pai...!

— Vocês têm a mesma idade e você é pai há cinco anos, Jesse – Sophia
comentou franzindo a testa, segurando a mão dele ao sair do veículo e
vendo Jesse fechar a porta e passar duas notas ao motorista – Não to
entendendo essa "velhice".

— É que a distância emocional sempre foi enorme, ele nunca fez planos de
ser um cara de família e agora... – Jesse suspirou – Veja só como as coisas
são.

— Ele nunca tinha ficado com a pessoa certa, ao menos esperou e não
engravidou a "amiga com benefícios" como foi com você – ela alfinetou,
vendo o ex arquear as sobrancelhas.

— Eu não acredito que passamos todo esse tempo sem você dizer que eu
sou um completo irresponsável – Jesse negou com a cabeça rindo e a fez rir
de volta.

— Você pagar de moço adulto a essa altura do campeonato mesmo sabendo


que a Sam não foi nada planejada é muito forçado né – Sophia fez uma
careta – Você fala como se tivesse organizado, ainda que tardiamente, a sua
vida como ele fez. Que casou com a mulher que ama, vai ter um filho desse
casamento, tudo isso com uma carreira em crescimento.

— Bom... – Jesse coçou a testa – Não vou dizer que eu nunca cheguei a
planejar isso, né? Só não seria meu primeiro filho.
Sophia quase caiu ao sentir o impacto do que ele dizia. Os olhos dos dois se
encontraram. Ela captou a mensagem... Jesse falava deles. Ele pensava o
mesmo que ela. Ela não era a única que se sentia nostálgica.

— Bom... talvez um dia – ela deu de ombros entrando na confeitaria.

— Ah sim, definitivamente.

Quem sabe os planos do destino, afinal?

Quis o destino também que Sophia e Jesse chegassem à confeitaria


justamente naquele momento. Lívia avistou os chefes entrando juntos aos
risos, a conexão dos olhares deles, rapidamente estranhou. Tanto que os
dois chegaram à frente dela naquele clima inexplicavelmente novo e ela mal
soube responder à pergunta que ambos fizeram.

— Onde está a Torrey, Lívia? – Jesse repetiu ao ver a garota piscar sem
parar.

— Ah – Lívia balançou a cabeça voltando a si – Eu não sei. Tava aqui no


caixa e ela sumiu. Deve estar na cozinha ou no escritório.

— No escritório – Sophia e Jesse disseram juntos. Eles conheciam Torrey o


suficiente para terem certeza que ela jamais passaria perto da cozinha da
confeitaria, a julgar pelo quanto era avessa a cozinhar.

— Eu vou procura-la, você vem So? – Jesse a chamou.

— So...? – foi Lívia quem disse encarando-os perplexa – Que bicho mordeu
vocês dois? Flecha de cupido?

— Lívia...! – Sophia resmungou sentindo o rosto esquentar – Sim Jesse, eu


vou.

Constrangidos, os dois seguiram para o escritório, dessa vez sem trocar


olhares, risadas, nem mesmo palavras. Ambos pensavam sobre o que estava
acontecendo, aquela aproximação súbita desde que Jesse encontrou Paddy.
Ele sabia por que estava se aproximando mas Sophia não, ela não fazia
ideia da conversa que o ex teve com Poncho que o fez rever suas decisões,
seus sentimentos por ela. Por isso Sophia estava balançada e Jesse de certa
forma usava aquilo como uma maneira de saber o que realmente queria. E
ele estava cada vez mais certo e próximo do que deveria decidir.

Mas quando os dois abriram a porta do escritório qualquer sentimento ou


confusão ficou de fora com a cena que presenciaram. Ali estavam Torrey
com ninguém menos que o ruivo para quem Sophia, junto com Lívia, tanto
a empurrou, aos beijos. Com a porta aberta e sendo "descoberta" Torrey
soltou do ruivo e os quatro ficaram se encarando, provavelmente esperando
quem diria primeiro a respeito daquele flagra.

— Eu... eu posso explicar – Torrey começou a murmurar.

— Tudo bem, não é como se eu fosse seu pai ou nada do tipo – Jesse
levantou as mãos com ar de riso, estendendo a mão para o homem em
questão – Sou Jesse.

— Nick Gehlfuss – o ruivo o cumprimentou – Torrey, eu... acho melhor eu


ir. Nos vemos mais tarde ok? – ele deu um beijo na bochecha dela antes de
sair.

Obviamente em Torrey sobrava constrangimento. Em Sophia, por outro


lado, nadava o entusiasmo.

— Há quanto tempo...? – Sophia não hesitou em perguntar.

— Umas semanas – Torrey confessou – Eu iria contar...

– Torrey, é sua vida – Jesse a tranquilizou – Quer que eu fique com a Sam
hoje? Veja bem, ele disse "nos vemos mais tarde"...

— Ai Jesse – Torrey fechou os olhos morta de vergonha – Não diga nada!

— Ninguém vai dizer nada, você é quem tem que dizer! – Sophia protestou
– Eu quero saber tu-do!

Torrey acabou contando realmente tudo. Ela estava saindo com o ruivo,
Nick, há algumas semanas, mas esperava que a coisa estivesse mais séria
para contar para eles. Agora que todos sabiam estava disposta a dizer a
Sam, mesmo sabendo que a filha provavelmente adoraria aquela história.

Jesse acabou descendo e deixando as duas conversarem a sós, ele não se


entrosava quando o assunto era a vida sexual das suas duas ex. Torrey
obviamente percebeu a troca de olhares e o clima entre ele e Sophia e,
quando as duas ficaram sozinhas, questionou com a mesma veemência com
a qual era questionada. Sophia então dividiu com a amiga os fatos do dia,
como ela e Jesse estiveram próximos no almoço e como ele vinha olhando-
a novamente. Era o jogo virando: agora Torrey era quem tinha em mãos a
chance de fazer os dois voltarem às boas. E ela começou ali mesmo,
tentando convencer Sophia a ter uma conversa com ele e acertar os
ponteiros. Talvez seria o primeiro passo.

Só que os passos a frente que Torrey incentivava no escritório, sem seu


conhecimento, retrocediam do lado de fora. Lindsey chegou como sempre
sem aviso prévio e abraçou Jesse com entusiasmo, beijando o namorado.
Antes que ele pudesse se desvencilhar dela Sophia e Torrey saíram do
escritório e viram aquele abraço, aquele beijo. E tudo foi posto abaixo.

Sophia rapidamente percebeu que Jesse poderia até saber o que queria, mas
não lutava por isso. Pelo contrário, ele demonstrava interesse nela, mas
sequer começava a fazer o certo terminando aquele namoro. Lindsey estava
ali, na vida e no negócio dele, marcando presença e fincando seu território.
Isso machucava Sophia e ela estava farta de sofrer por aquilo. Estava na
hora de dar outro rumo na vida, mesmo que fosse dando o troco.

xxx

Os dias de Anahí eram tranquilos, mas as noites... ela não gostava sequer de
dormir. Os pesadelos estavam ficando mais frequentes, mais intensos e mais
pesados. Ela sequer se sentia a vontade de confidenciar aquelas coisas com
a Dra. Balfe em uma sessão de terapia porque sabia perfeitamente bem a
resposta que ouviria: era necessário voltar às regressões.

A questão era que Anahí negando o que viveu no cativeiro, fugindo das
lembranças atuais e das que viria a ter, fugia também da única maneira de
descobrir o que tinha acontecido entre aquelas quatro paredes.
Pessoalmente ela não via grandes problemas naquilo, mas a polícia via. A
Promotoria de Nova York, idem. Ambos os órgãos queriam investigar e ir a
fundo do caso para conseguir condenar Tobias, mas esbarravam no fato de
que o testemunho de Anahí era a prova mais concreta que se poderia ter.

E para Anahí testemunhar, ela precisava lembrar.

Naquela manhã, em sua casa, Anahí acabou recebendo uma visita que não
esperava. Era Nick Durant, acompanhado de uma mulher que ela não
conhecia e não fazia a menor ideia de quem poderia ser. Anahí não gostou
quando Ellie lhe disse que o chefe de polícia estava ali para conversar com
ela. Ela não sabia ao certo, mas tinha uma intuição sobre o que ele queria
dizer. E não era bom.

— Olá Anahí – Nick Durant estendeu a mão – Acho que você lembra de
mim. Sou chefe da Inteligência da Polícia e estou à frente do seu caso.

— Sim, eu lembro – Anahí murmurou desconfortável, olhando do homem


para a mulher que estava ao lado dele.

— Essa é minha esposa, Emily Byrne – Nick apresentou e a mulher


estendeu a mão para Anahí.

— Eu sou procuradora-adjunta e estou à frente da acusação do caso contra o


Sr. Menzies – Emily explicou obviamente se referindo a Tobias – Gostaria
de conversar com você Anahí.

— Eu sei o que vocês vão dizer – ela retrucou direta – Que eu preciso
lembrar. Que sem o meu testemunho nada é possível, mas me disseram que
ele tinha sido preso por drogas, não por minha causa.

— Realmente – Emily concordou – Só que a investigação concluiu que as


drogas foram plantadas no jardim dele. O seu sequestro se tornou o foco
principal para mantê-lo na cadeia, mas eu não irei te enganar... nós temos
um caso fraco.

— Foram plantadas...? – Anahí arqueou as sobrancelhas. Aquilo não era


bom.
— A ligação que a polícia recebeu era anônima – Nick Durant explicou –
De que o Sr. Menzies tinha uma grande quantidade de drogas escondidas no
jardim e possivelmente dentro da casa também... inclusive no porão. As
drogas de fato foram encontradas no jardim, só que dentro da casa não
havia nada além de você. E não foi encontrado pela perícia nenhum
resquício de droga, seja para uso próprio ou fabricação, dentro da casa, o
que torna a questão das drogas completamente frágil e o seu sequestro o
nosso único viés. A defesa está tentando usar isso para tira-lo da cadeia e
fazer que o juiz arbitre uma fiança e Tobias Menzies responda em liberdade.

— Isso significa que ele vai ser solto? – Karen interrompeu – Ela fui
encontrada dentro da casa dele, machucada, ferida... isso não parece
suficiente...?

— Sra. Scott, a Anahí não se lembra como foi parar lá – Emily Byrne
continuou – Ela não estava acorrentada ou amarrada na hora que nós
chegamos. É tudo muito circunstancial. Se ela não se lembrar, é pouco
provável que até isso não seja rebatido.

— Mas como ela iria lembrar...? – Karen indagou – Como uma pessoa pode
simplesmente forçar lembrar algo que esqueceu? Eu não consigo
imaginar...

Isso era algo que nem Emily Byrne nem Nick Durant sabiam responder...
Karen olhava para o policial e a procuradora à espera de qualquer coisa que
eles dissessem, sem se dar conta que para eles também eram perguntas,
também havia dúvidas. Mas Anahí secretamente sabia a resposta. Ela sabia
exatamente como lembrar daquilo. E se antes sobravam motivos para não se
submeter àquela terapia de regressão, agora ela também se dava conta que
era a única maneira de manter Tobias na cadeia.

Afinal, se ela tinha fortes pesadelos com ele preso, imagine o que seria se
ele estivesse solto...

xxx

A conversa com o policial e a procuradora acabou gerando a Anahí algumas


situações que ela não estava esperando. Se num minuto ela estava tensa se
perguntando se enfrentar aquela terapia de regressão valia ou não a pena, no
outro ela viu um debate bem à sua frente.

— Acho que deveríamos contratar um advogado – Keith sugeriu à Karen,


chamando a atenção de Anahí que agora saía dos próprios pensamentos –
Para nos orientar melhor nessa situação toda, dizer como deveríamos agir...

— A procuradoria está à frente do caso e está contra ele Keith – Karen


lembrou.

— Espere, por que você diz "nos orientar"...? – Anahí franziu a testa
cruzando os braços – Por que você ta se comportando como se fizesse parte
disso?

— Porque eu faço – Keith disse longe de estar na defensiva – Goste você ou


não Anahí, eu faço. Eu sou seu pai.

— Não, você não é – Anahí levantou revoltada – Você apenas doou o


material genético, mas é bem diferente. Você não esteve aqui nem quando
eu nasci nem em momento algum depois disso.

— Eu estou tentando compensar o tempo perdido...

— Não tente compensar algo que você perdeu porque quis – ela acusou –
Olha, eu via como o Poncho era com o Robert e aquilo era um pai. Ele se
endividou pra colocar os filhos na faculdade, ele esteve ao lado do Poncho
em todos os momentos que ele precisou, era só o Poncho piscar que ele
estava ali e a Erendira idem. Eu sei o que é ter um pai mesmo nunca tendo
tido, e você definitivamente não é um.

— Você nunca vai me perdoar por algo que eu não tive culpa, não é? – ele
perguntou – Quer que eu vá embora, que eu me afaste?

— Por favor – Anahí ironizou – Eu me sinto numa prisão com você aqui
dentro. Essa costumava ser a minha casa. Eu me sentia segura aqui, e tudo
o que eu estou precisando é disso, um lar. E com você eu não consigo.

— Anahí... – Karen gemeu.


— Tudo bem, é a sua casa – Keith suspirou abaixando a cabeça – Eu não
serei um peso pra você.

O objetivo de Anahí não era expulsar Keith, mas dava para ver que ela
estava bem próxima do limite. Anahí se sentia sufocada, em especial por ter
saído de um cativeiro, ela realmente precisava de um espaço no qual se
sentisse confortável e segura que simplesmente não tinha ali. Karen se
sentia com o coração despedaçado ao ver a filha contra o pai que ela sabia
que fizera alguma falta em sua vida, a julgar pela mágoa que Anahí
guardava, mas ao mesmo tempo sabia que não tinha nada para ser feito. De
certa forma Karen se sentia culpada, porque ela ajudou a criar a imagem de
monstro de Keith na filha e agora que sabia a verdade, sabia também que
ele nunca tinha feito jus àquele papel. Só que convencer Anahí eram outros
quinhentos.

O olhar que Keith lançou a Karen a fez pensar... Anahí condenava o pai e o
acusava de não ser um pai de verdade, mas o que aquele gesto significava
então? Ele estava disposto a sair da própria casa e deixar a esposa por causa
dela. Era o tipo de coisa que Karen faria por Anahí enquanto mãe. Se isso
não queria dizer nada, ela não sabia o que diria então.

xxx

O restante do dia de Sophia foi longe de ser um mar de rosas. Depois de um


almoço maravilhoso com Jesse e um início de tarde repleto de fantasias
mentais de como eles poderiam simplesmente ficar bem um com o outro ao
contrário de tudo o que tinha sido até ali, depois ela teve que se deparar
com Lindsey surgindo na confeitaria sem mais nem menos sem que ela,
Sophia, pudesse mover um dedo para impedir. A pior parte não foi isso, e
sim ver Jesse deixando a namorada entrar no espaço como se não tivesse
passado boas horas do dia – e de outros dias antes desse – flertando
descaradamente com a ex.

Sophia não conseguia se abalar numa situação dessas, já que sentia ter
subido um degrau enorme e agora o tombo era inevitável e doloroso.
Qualquer dia que Lindsey aparecesse ali doeria, mas não tanto quanto
estava doendo. O problema foram as imensas expectativas que ela criou
pela reaproximação com o ex-namorado, expectativas essas criadas pela
súbita reaproximação dele, a volta dos olhares que eles trocavam, o modo
como Jesse começou a trata-la diferente.

E essa nova dor conseguia ser pior do que a do término, de alguma maneira.
Sophia estava tão mal que terminou o expediente, fechou a cafeteria e foi
para casa se encher de sorvete às lágrimas. Seus olhos estavam inchados ao
fim daquilo e, quando a campainha tocou, ela pensou que era o pior
momento possível para qualquer tipo de visita. Sophia hesitou, não atendeu
a campainha, mas acabou recebendo uma mensagem de texto no celular que
a deixou sem opções.

"O porteiro disse que você estava aí. Eu não vou parar de tocar até você
abrir".

Não era Jesse. Era Chad. Não que Sophia achasse que o ex a procuraria...
no fim, era bom abrir. Ela teria com quem desabafar afinal.

— Eu não queria ver ninguém – Sophia se justificou, esfregando o olho


para tentar disfarçar os olhos completamente inchados.

— Que bom que eu vim então – Chad constatou franzindo a testa – O que
aconteceu Sophia? Por que você ta assim?

— Eu... não quero falar sobre isso – Sophia suspirou abrindo espaço para
que Chad entrasse – Não podemos falar sobre outra coisa? Qualquer coisa?

— Podemos, mas o que devemos é enfrentar o que quer que esteja te


fazendo chorar – Chad retrucou – Embora eu tenha uma leve suspeita que
tem a ver com o seu ex-namoradinho.

— Como você sabe...? – Sophia entregou.

— Digamos que não seja difícil de imaginar e não seria a primeira vez que
aquele bastardo te fez chorar – Chad disse abraçando-a – Ande, vamos
sentar ali e você me conta tudo.
Sophia contou, obviamente, sem qualquer filtro. Desde o dia que ela estava
na cozinha da confeitaria com Samantha e Jesse chegou com uma
abordagem, um jeito de trata-la, totalmente diferente do que ela tinha se
habituado desde que eles tinham terminado... mais carinhoso, atencioso,
como ele era quando os dois eram um casal. O convite para saírem a quatro
com Paddy e Vanessa soou inesperado para Sophia, mais ainda a percepção
nítida de que eles tinham voltado a ser eles e que nem parecia que não eram
mais um casal.

A frase de Vanessa no banheiro corroborou com isso, e ganhou ainda mais


força quando Jesse reforçou a ideia ao dizer dos filhos que tinha planejado
com uma mulher que amava. Ela sabia que era ela porque Sophia tinha sido
sua única namorada séria na vida e eles ficaram juntos por três anos, não era
pouca coisa. Tudo isso junto a fez criar imensas expectativas, Torrey a
incentivou a investir nos dois novamente, e tudo foi quebrado quando ela
viu Lindsey ali e Jesse voltando a ser o homem frio e passivo de antes,
aquele que não se importava. No fim do relato a Chad, Sophia já estava
com os olhos cheios de lágrimas novamente, e pelo visto ela ainda iria
sofrer muito com aquela história.

— Esse cara não te merece – Chad constatou – Ele não merece as suas
lágrimas.

— Eu sei que não, mas as minhas lágrimas ainda são dele – Sophia suspirou
– Muito de mim ainda é dele...

— Mas não pode ser mais assim, porque isso te fere – Chad ponderou –
Olhe, eu acho que ele está precisando e por que não dizer, merecendo que
você dê uma espécie de troco.

— Como assim? – Sophia franziu a testa sem entender.

— Será que ele soubesse que você ta com outra pessoa não iria mudar um
pouco a postura e aprender uma lição...?

— Só que eu não to com outra pessoa – Sophia lembrou.

O que ela não esperava era que Chad tivesse a solução.


— Basta que ele pense que você está...

— Com quem...? – ela perguntou incrédula. Ainda não tinha juntado as


peças.

— Comigo.

A princípio Sophia não sentia que aquela era a melhor ideia do mundo.

— Chad... – ela negou com a cabeça – Eu acho melhor não.

— Soph, ele me odeia – Chad enumerou – E terminou com você por aquela
ideia maluca de que eu estaria interessado em você. Foi um babaca com
você, arrumou essa namorada, enfiou-a na sua vida e fica esfregando-a na
sua cara o tempo inteiro, sem dó. Você não acha que ele merece o mesmo?
Se ele nos visse juntos, se achasse que nós dois estamos juntos... iria doer
nele como ta doendo em você.

— Mas não seria real – Sophia lembrou. De fato não seria, mas...

— A dor que ele sentiria seria real – Chad finalizou – E ele merece sofrer
essa dor.

Continuava não parecendo uma boa ideia, mas Sophia estava machucada,
magoada, tudo junto. Ela estava cansada de ser boa e sentir a pessoa que
mais amava apunhala-la nas costas. Fingir um relacionamento com um
amigo, uma coisa que definitivamente não era verdadeira, não era de seu
feitio... mas ela estava exausta. Talvez fosse necessária uma mudança, e
uma dose de maldade viesse a calhar.

— Eu topo – Sophia decretou fazendo sorrir – Vamos fazer isso.

E ela estava disposta a ir até o fim.

xxx

Três dias depois.


O aniversário de Lexie era numa sexta que ela estava lotada num plantão
infinito, tentando administrar as funções de residente-chefe, seus novos
internos que davam mais trabalho do que se poderia imaginar e as cirurgias
que já teria que fazer. Ela nem pensava em comemorar o aniversário, estava
sendo o dia cheio e talvez o fim do dia seria somente de um banho relaxante
e uma garrafa de vinho a ser aberta. Parecia o suficiente.

Só que, anos atrás, Lexie deu a ideia de uma festa surpresa para Arizona,
que na época morava junto com Callie no apartamento em frente ao que
Lexie vivia com Mark. Naquele momento Lexie deu a entender a Callie e
Mark que amava festas surpresa de aniversário desde os sete anos de idade,
quando os pais montaram uma. E obviamente, quando Callie ficou sabendo
que o aniversário da morena se aproximava, procurou Jackson e perguntou
se algo seria feito, já que Lexie, pelo visto, amava comemorar o aniversário.

Obviamente Jackson não sabia desse gosto da namorada. Eles estavam


juntos há menos de um ano desde que voltaram a namorar e não tinham
passado por um aniversário dela, era o primeiro. Mas com a pergunta de
Callie ele imediatamente trouxe para si toda a responsabilidade para as
próprias costas e se cobrou a fazer um aniversário memorável, daqueles que
Lexie olharia e lembraria dele, de seu esforço e se daria conta do quanto o
namorado tinha pensado nela.

Jackson não economizou em nada. A primeira coisa que ele pensou foi no
local e logo ficou decidido que seria na casa de Meredith, que era irmã dela.
Seria de fato uma festa surpresa e Meredith ficou encarregada da maior
parte, embora fosse péssima com festas. Jackson cuidou de pagar tudo,
comidas e bebidas, além da decoração, e convidou todas as pessoas que
sabia que a namorada gostava.

Essa lista de convidados era extensa e foi desde os amigos pessoais de


Lexie à sua família e colegas de trabalho. Quando era noite ela ainda estava
presa no hospital, mas já estavam lá Anahí, Maite, Christian e é claro, Jesse
com Lindsey, faltando apenas Mane, Sophia e Poncho que levaria Diana.
Do outro, Mark acompanhado de Arizona, Callie e a filha deles, Sofia, além
de Amelia, April, Alex Karev e sua namorada Jo Wilson, além de outros
vários médicos, incluindo, curiosamente, o novo grupo de internos que
Lexie estava comandando.
E dentro desse grupo, estava Brenda, a interna que não parava de olhar para
Mark. Nem naquela festa. Principalmente ali, na verdade, se levado em
consideração que era o primeiro ambiente fora do hospital que ela via o
cirurgião plástico e poderia, sem censura, demonstrar seu interesse.

— A interna não tira os olhos de você – Arizona comentou com o amigo


quase cantarolando.

— Que bom que a aniversariante não está aqui, ela se roeria de ciúmes –
Callie cantarolou de volta. Mark franziu a testa.

— Não diga bobagens Torres – ele revirou os olhos, mas sentindo algo
dentro do corpo esquentar.

— Não estou dizendo – ela deu de ombros – Mas tanto quanto dá pra
perceber que essa garota quer você, se percebe que a Grey ta se roendo por
causa disso.

— Ela está com o Avery – Mark disse. O relacionamento de Lexie e


Jackson estava engasgado ainda, mas ele procurava respeitar, afinal ele era
mentor de Jackson... e tinha prometido um dia ficar fora do caminho de
Lexie. Ele estava cumprindo a promessa, ao menos lutando para cumprir.

— Ela pode estar com Deus e continua sendo sua – Callie finalizou com um
sorriso irônico.

— Se você continua sendo dela também, é bom cortar as asinhas da interna,


porque ela está com aquela cara de confiança que é melhor ser cortada –
Arizona sugeriu – Vá antes que a Lexie chegue.

Não fazia mal, né? Mark não deu grandes ouvidos e se afastou das amigas,
indo até a cozinha pegar uma bebida. Estava enchendo a própria taça de
champagne quando a garota em questão apareceu. Ela estava bonita, com
um vestido atrativo e ele tinha certeza que em outros tempos, outras
circunstâncias, certamente a moça acabaria em sua cama. Só que não ali.
Não agora.
A questão era que Jackson e Lexie terminaram quando Mark estava com
outra mulher, uma cirurgiã oftamologista chamada Julia, que trabalhava em
outro hospital. Ele realmente pensava em dar um passo e tornar o namoro
mais sério, indo morar com ela, quem sabe formando uma família, quando
Lexie voltou para Jackson e Mark se deu conta do quanto aquilo o abalou.
O que Callie dissera valia ao contrário, ele poderia estar com qualquer uma
e ainda amaria Lexie. Então Mark foi homem o suficiente para terminar
com Julia antes que ela se machucasse achando que ele poderia dar mais do
que realmente estava disposto a dar.

Agora ele sabia que talvez fosse melhor estar sozinho já que não era
possível estar com quem realmente queria. E se isso valia para Julia, varia
para qualquer outra, Brenda inclusive.

— Olá Dr. Sloan – Brenda disse dengosa – Eu vi sua mastectomia hoje da


galeria e tenho que dizer que fiquei... inspirada.

— Dra. Cocatti, eu não quero ser rude, mas... – Mark suspirou – Eu não
estou interessado.

— Eu... eu não... – a garota imediatamente ficou sem graça, fazendo-o se


sentir péssimo. Mas era melhor cortar antes que ficasse grande demais.

— Eu amo outra mulher – ele completou – Não é por você, é por mim. Eu
sinto muito.

— Está tudo bem – a garota deu um sorriso sem graça e se afastou.

Um problema a menos, para uma noite que seria repleta de problemas.


Afinal, teria Mane surgindo com Pia para a surpresa dos amigos, Poncho ao
lado de Diana na primeira vez que Anahí veria os dois juntos, e para
completar, Sophia acompanhada de Chad para a surpresa maior ainda de
todos.

Sem contar na cereja do bolo da noite, um papo para o fim dessa. Que seja
dada a largada.

~
Jesse dando um passo pra frente e três pra trás, Anahí encontrando motivos
pra tentar lembrar do que aconteceu no cativeiro e cada vez mais brigada
com o Keith, Chad aproveitando os retrocessos do Jesse pra avançar umas
peças no jogo, Mark dando um fora na interna e essa festa da Lexie que
promete!!! Muitos acontecimentos pra um só capítulo, e o próximo tem
maisss! Quem ta ansiosa?

De pouquinho em pouquinho eu vou att os comentários, tomara que eu


continue conseguindo!

E aí, o que estão achando da web? Me contem tudo!

Beijos e até segunda :)

Rafa
Capítulo 21 - So far so close

Lexie Grey não fazia a menor ideia do motivo pelo qual sua irmã Meredith
resolveu fazer um jantar de aniversário para ela. Ao menos era isso que ela
achava. Lexie estava acompanhada do namorado Jackson e, após um dia
inteiro de plantão exaustivo, por mais que amasse a irmã, o cunhado e os
sobrinhos, sua ideia de fim de dia independia de aniversários e
comemorações e ela só queria descansar e esperar que o dia seguinte
chegasse, já que seria um sábado de plantão no hospital.

Ledo engano.

Foi com a mais absoluta surpresa que Lexie entrou na casa de Meredith e,
após vê-la abrindo a porta com um sorriso misterioso, se deparou com luzes
acendendo e todos os amigos e conhecidos dela gritando um "surpresa!"
que ela definitivamente não poderia esperar. Lexie correu os olhos
atordoada pelo ambiente com um sorriso de choque sem acreditar que
aquilo era verdade. Sequer teve tempo de reagir, porque todos começaram a
abraça-la continuamente e ela mal conseguiu acreditar que um dia tinha
sido animada para festas de aniversário assim. Parecia que tinha sido em
outra vida. O que fizeram com essa Lexie de antes?

Meredith foi a primeira a perceber – ou a primeira a não ignorar – que a


irmã não estava exatamente radiante. Abraçou Lexie com um sorriso no
canto dos lábios e a puxou para um canto, sussurrando imediatamente o que
queria dizer.

— Você odiou, não é? – ela perguntou direta.

— Não, eu apenas... não esperava.

— É coisa do Jackson, eu não tenho nada a ver com isso – Meredith deu de
ombros – Eu queria te contar algo, na verdade, que eu acho que é um
presente de aniversário bem mais ao meu estilo do que uma festa surpresa.

— O quê?
— Eu estou grávida – Meredith abriu um sorriso discreto – Você vai ser tia
de novo. Ou madrinha, se aceitar o convite...

Curiosamente Meredith estava certa, aquele era o tipo de presente que fazia
muito mais bem para Lexie do que aquela festa. Logo o que quem as
observava viu foi Lexie ficar radiante – agora sim – e abraçar a irmã na
mesma hora. Quando Derek apareceu atrás delas Lexie deu o mesmíssimo
abraço nele e os sorrisos dos três estavam imensos. Seria o terceiro filho
dos dois e se Lexie já era completamente agarrada a Zola e Bailey, o que
diria de mais uma criança?

Depois daquela novidade e de sabe-se lá mais quantas pessoas indo abraça-


la, Lexie enfim conseguiu respirar. Ela tinha que dizer que estava sorrindo
mais no automático do que gostaria e não reagindo em nada como sempre
achou que reagiria caso seu namorado armasse uma festa de aniversário
surpresa. Lexie não conseguiu entender, era pra ela estar feliz, se sentindo
completamente plena, mas de alguma maneira tudo o que ela queria era
fingir estar passando mal e fugir dali.

Claro que não era o que ela faria, afinal todos os seus amigos estavam ali,
até mesmo Anahí, que pelo visto tinha engolido a dificuldade de sair à noite
para ir ao aniversário dela. Fora que Lexie via Jackson se esforçando para
agrada-la e ser um bom anfitrião e quase se sentia culpada por não estar tão
feliz quanto em tese deveria. No fim ela acabou seguindo para a cozinha e
pegou uma bebida, engolindo rápido para o efeito do álcool provavelmente
deixa-la mais animada e fazer com que a noite fluísse melhor.

O que Lexie não esperava era, enquanto ela enchia o copo novamente logo
antes de sair da cozinha, ouvisse duas vozes conhecidas entrando ali e
falando de algo que lhe chamava a atenção. Algo que ela não esperava
ouvir.

— Eu não acredito que você chegou no Dr. Sloan...!

A reação imediata de Lexie foi se virar após reconhecer as vozes. Suas duas
internas, Brenda e a outra que ela não tinha decorado o nome ainda – talvez
fosse Stacey ou algo do tipo – estavam aos risos como duas adolescentes.
Foi uma surpresa para elas também entrarem ali e encontrarem sua
residente, mesmo que estivessem na festa de aniversário dela. Lexie estava
perplexa com o que tinha ouvido, ela queria acreditar que era mesmo real.

— O que vocês duas estão fazendo aqui? – Lexie perguntou cruzando os


braços sentindo o rosto pegar fogo.

— Oi Dra Grey – Brenda sorriu acenando – Feliz aniversário!

— O Dr. Avery nos convidou – a outra interna se referiu a Jackson – Feliz


aniversário! Divirta-se!

E tinha como...?

Quando Lexie saiu avoada da cozinha ela viu Mark do outro lado da sala da
casa de Meredith com Sofia, sua filha com Callie, nos braços, conversando
com Arizona. Ele ria. Ela sentiu raiva. Sentiu ciúme. Estava óbvio o que
acontecia: Brenda já tinha avançado sobre Mark e certamente ele tinha
adorado e marcado algo com ela. Era de se surpreender que ele ainda
estivesse ali, que não tivesse rumado para a casa dele ou para qualquer
quarto daquela casa, até mesmo o banheiro... Lexie estava com raiva. Raiva
da interna estar na sua festa de aniversário, de Mark por despertar aquilo
nas mulheres, por despertar aquilo nela. A noite nem tinha começado, mas
o humor estava acabado.

E Lexie nem sabia tudo o que estava por vir...

xxx

Poncho estava consideravelmente nervoso sendo aquela a primeira vez que


Diana e Anahí estariam frente a frente... ao menos era o que ele pensava.
Tudo em sua vida estava confuso naquele momento: o luto pelo filho que
ele nem sabia que existia e tinha descoberto, o beijo com Anahí, as palavras
de Erendira... ele não sabia bem o que pensar. Diana vinha cercando-o e
definitivamente confirmou sua presença no aniversário de Lexie naquela
noite. Quando Poncho descobriu por Sophia que Anahí também iria,
começou o seu tormento.
Curiosamente, ele não teria que esperar até a festa para que aquilo acabasse.

— Eu conheci a Anahí outro dia – Diana disse recebendo o olhar mais


surpreso e perplexo possível do marido – Não tinha dito nada porque não
sabia como dizer... você anda muito fechado... mas agora to vendo que ta
apavorado e nervoso e eu não quero prolongar isso ainda mais.

— Como vocês... – ele começou a perguntar, mas nem precisou terminar a


frase.

— Erika arranjou uma candidata a best seller e a levou à Planet – Diana riu
com ironia – E quando eu cheguei lá, era a moça sequestrada há oito anos.

— Candidata a best seller...? – Poncho franziu o cenho – Anahí nem


escreve!

— Eu sei, ela queria convencê-la a escrever uma autobiografia ou vender os


direitos pra nós – Diana deu de ombros – O caso é que bastou que a Erika
dissesse do que se tratava e eu sabia que era ela. E bem, eu não iria ignora-
la, não é?

— Eu... não sei o que dizer – Poncho respirou pesadamente.

— Não precisa dizer nada, querido – Diana sorriu no canto da boca – O que
eu posso dizer? Ela é incrível. Não é a toa que você foi tão apaixonado por
ela.

Foi.

— Posso presumir que vocês se deram bem? – Poncho colocou as mãos nos
bolsos. Ele seguia desconfortável.

— Eu não vou dizer que seremos amigas íntimas porque seria estranho, mas
por que não poderíamos nos dar bem...? – Diana sorriu tranquila – Acho
que é bom para todos os lados. Nós não temos que ser rivais, inimigas.

— Eu fico feliz por isso – Poncho completou – Porque eu realmente não


gostaria de excluí-la da minha vida, mas ao mesmo tempo não sabia como
colocar isso pra você sem que te deixasse desconfortável.
— Você pode falar comigo, vamos lá, eu sou compreensiva – Diana se
aproximou acariciando o rosto dele totalmente carinhosa – Poncho, o que ta
acontecendo com você? Eu te sinto distante e não sei o que pensar... tem a
ver com ela? Com a Anahí? Foi desde aquele dia na casa do Jesse que você
ficou assim, e eu sei que você esteve com ela.

— Sim, eu estive, e não é exatamente sobre ela, ao mesmo tempo que é –


ele suspirou fundo – Anahí me chamou naquele dia porque ela queria contar
algo que envolvia nós dois. Algo que ela lembrou agora, e por isso eu não
sabia antes. Ela... estava grávida quando foi sequestrada. E sofreu um
aborto no cativeiro... enquanto era agredida por aquele... aquele bastardo.

— Eu não acredito – Diana murmurou sentindo a perplexidade tomar seu


corpo.

— Me perdoe por só falar agora – Poncho abaixou a cabeça – Era meu


filho, e mesmo nunca tendo conhecido, só ter descoberto oito anos depois...
doeu da mesma forma.

Diana sabia. Não era preciso grandes explicações. Pelo modo como amava
Daniel, ela conseguia imaginar o quão destruídos Poncho e Anahí tinham
ficado com a perda daquele filho, mesmo depois de tanto tempo. Era difícil
de imaginar aquilo e Diana pela expressão de pesar tatuada no rosto do
marido notava o luto dele. E isso porque Poncho não tinha lhe contado a
verdade quando a descobriu...

— É claro que doeu – Diana o abraçou – Se está doendo em mim...

— Eu sinto muito por ter me afastado.

— Não sinta – ela o soltou, voltando a acariciar seu rosto – Apenas saiba
que o que quer que aconteça, caso ela descubra algo mais... você tem
alguém pra dividir. A hora que for.

E parecia que a paz estava selada na casa dos Herrera.

xxx
Ouça "Ships in the night"

Mat Kearley

Enquanto Poncho e Diana terminavam de se arrumar para irem para a festa


de Lexie – mesmo chegando depois da anfitriã que não exatamente feliz –
eles não sabiam ideia de que, já no local, eram assunto numa certa roda de
conversa...

— Ele vai mesmo trazer a esposa? – Maite resmungou vendo Anahí revirar
os olhos.

— Mai, a Diana é esposa dele – ela retrucou – Se eu estou me esforçando


para superar isso você bem que poderia tentar também, não é? Não venha
dizer que é mais difícil pra você do que pra mim...!

— Mal começamos a noite e já temos pisões? – Christian provocou cheio


de entusiasmo – Adoro!

— Não é questão de superar – Maite retrucou ofendida – Eu não sou


obrigada a gostar dela ok? Você é toda molenga e babona pelo Poncho, eu
não sou.

— É sério, ela precisa de alguém pra dar – Christian revirou os olhos –


Anahí pode me ajudar na missão cupido.

— Você ta querendo dizer que o meu mau humor é falta de macho? – Maite
cruzou os braços mais ofendida ainda.

— Eu to querendo dizer, marrenta, que sexo cura qualquer cara feia, até
mais do que a fome – ele piscou – Nada como um pau bem grande na sua
boceta pra você perceber que nem o Poncho é capaz de te irritar tanto
assim.

— Christian nós estamos numa festa – Anahí murmurou prendendo o riso.


— É sério, vamos ver, vamos pensar num cara com quem você possa ficar
que esteja solteiro... – Christian disse falsamente pensativo – Já sei! O
Mane...!

— Por que vocês cismaram com o Mane...? – Maite revirou os olhos – Ele
não ta solteiro.

— Não está? – Anahí franziu a testa.

— Eu não "cismei com o Mane", só que vocês já se conhecem há tanto


tempo e ele é o único solteiro e hétero do grupo, porque eu gosto da mesma
fruta que você, Poncho ta casado, Jesse ta com a azeda... – Christian
enumerou – Meu amor, se ele fosse gay eu já teria pegado.

— Isso de relacionamentos entre amigos não dá certo, olhem Jesse e


Sophia, olhem Poncho e Anahí – Maite rebateu.

— Poncho e eu não demos certo porque eu fui sequestrada – Anahí


ressaltou – Você acha que eu o teria perdido se não fosse por isso?

— Que seja, olhem Jesse e Sophia – Maite insistiu – Literalmente falando.


Ela pra um lado, ele para o outro e uma torta de climão no meio.

Like ships in the night

Como navios na noite

You keep passing me by

Você continua passando por mim

We're just wasting time

Nós estamos apenas desperdiçando tempo

Trying to prove who's right

Tentando provar quem está certo


And if it all goes crashing into the sea

E se tudo batesse no mar

If its just you and me trying to find the light

Se fosse apenas você e eu tentando encontrar a luz

Christian e Anahí fizeram o que Maite indicava, realmente olharam e viram


a que ela se referia. Jesse e Sophia estavam de lados opostos da festa e mal
se olhavam. Na verdade, Sophia mal olhava Jesse: ele estava acompanhado
de Lindsey, mas cada vez que tinha uma oportunidade desviava sua atenção
para onde quer que a ex-namorada estivesse, quase que tomando conta dela.
Sophia, por sua vez, o ignorava totalmente. No rosto dela estava desenhada
a mágoa pelas recentes atitudes dele. Estava claro que ela não estaria tão
cedo disposta a perdoar.

Ao menos como o cenário das coisas estava.

Nenhum deles – nem Christian, nem Anahí e muito menos Maite – esperava
pelo que Sophia preparou para aquela noite. A grande surpresa dela ainda
não tinha chegado. E como Anahí não fazia ideia, ela resolveu se adiantar
para resolver aquela incômoda situação.

— Eu vou chamar a Soph pra ficar conosco – ela anunciou, e quando Maite
ousou abrir a boca para reclamar, Anahí já tinha a resposta – Nem comece.
Ela é minha amiga e você precisa respeitar. Fiquei tempo demais sem as
duas, não vou perder nem um segundo a mais.

Contra esse argumento Maite nem tinha o que dizer. Assim como ela não
teve chance contra Anahí decidindo que Sophia ficaria ali com elas, a
própria também não teve como negar. Quando deram por si, estavam ali os
quatro – Christian e Anahí no meio, estando ele ao lado de Maite e ela ao
lado de Sophia, ambos falando sem parar e as duas mal trocando palavras.
Como deveria ser.

Like ships in the night


Como navios na noite

Letting cannon balls flying

Deixando balas de canhão voarem

Say what you mean

Diga o que quer dizer

And turns to a fight and

E se transforma em uma luta

First fly from my mouth

Primeiro voa da minha boca

It turns south your down the driveway

Vai para o sul, na direção da entrada

And i'm on the couch

E eu estou no sofá

Quando Poncho chegou com Diana eles preferiram, para evitar


desconfortos, apenas acenar para aquele grupo. Sophia rolou os olhos para
observar a reação de Anahí e acabou descobrindo que não era a única,
Christian e Maite fizeram o mesmo. Obviamente Anahí se comportou
devidamente, devolveu o aceno e procurou conversar com os amigos e
evitar a situação. Não durou muito tempo, não mais que cinco minutos.
Logo ela estava procurando Poncho disfarçadamente com os olhos, por
vezes sem sequer notar que estava fazendo e em alguns momentos até se
sentindo culpada ao se dar conta e perceber que não conseguia evitar.

Poncho bem que tentou fazer daquele um reencontro comum e casual, em


especial porque estava ao lado de Diana e seria extremamente
desconfortável para a esposa se ele não tirasse os olhos de Anahí. Ele tinha
treinado mentalmente para isso e achava que conseguiria, mas quando a viu
toda a tentativa e insistência virou pó. Não era pela simples presença de
Anahí, era pela mudança de aparência dela. Ela já era bonita, mas antes
estava com todo o desgaste e o trauma do cativeiro impressos em si. Mas
ela tinha mudado o cabelo, estava maquiada, com uma roupa diferente.
Agora ela era um retrato não de uma mulher recém-saída de um cativeiro,
mas de como a Anahí de antes seria quando ficasse mais velha. Capaz de
abalar completamente as estruturas de seu ex-namorado.

Foi necessário para Poncho se prender a cada grama de seu autocontrole


para não externalizar aquilo que pulsava por baixo de sua pele. Era como se
o sangue corresse quente e cheio de velocidade, e seu coração batalhava
para acompanhar aquela emoção toda. Ele não podia ficar olhando para
Anahí, por isso a observou do canto do olho, gravando a imagem nova dela
e substituindo a anterior, vendo que aos poucos ela deixava de ser a Anahí
frágil que tinha voltado para a vida dele e lembrando cada vez mais a Anahí
de sempre. A Anahí que ele tinha conhecido, aquela por quem ele tinha se
apaixonado... e não exatamente esquecido.

Para completar, ele não foi o único a reparar naquela mudança de aparência.

Chasing dreams

Perseguindo sonhos

Since the violent 5th grade

Desde a violenta 5ª série

Trying to believe in your silent own way

Tentando acreditar no seu próprio caminho silencioso

'Cause well be ok, I'm not going away

Porque tudo está bem, eu não irei embora

Like you watching at fourteen as it went down the drain


Como você assistindo aos quatorze, uma vez que foi por água abaixo

— Anahí mudou o cabelo, você reparou? – Diana perguntou – Ela ta bonita.

— Sim, reparei – Poncho murmurou secando a garganta.

Era tudo o que ele conseguiria dizer. Agradecia mental e silenciosamente


pela esposa não ter questionado a opinião dele, porque isso era demais para
Poncho. Ele não conseguiria disfarçar o quanto ela estava de fato bonita,
mas sobretudo o quanto a beleza de Anahí era capaz de mexer com ele.
Agora nadava em culpa por não conseguir evitar deseja-la mesmo com sua
esposa do lado. Ele sempre tinha lidado bem com a confusão de seus
sentimentos e pelo fato de amar duas mulheres, mas era mais fácil quando
achava que uma delas estava morta. Agora as duas estavam ali e ele se
sentia pressionado a escolher.

A questão principal não era quem ele escolheria, era Poncho saber que,
mesmo seu casamento com Diana e o que construiu com ela ser algo bom
que lhe fazia bem, ele não conseguia não sentir falta de Anahí. Mas será
que se voltasse com a ex, ele igualmente pensaria na esposa?

Só que aquela noite não era de poucas surpresas, muito pelo contrário... a
primeira delas surgiu justamente quando Mane chegou na festa,
acompanhado de ninguém menos que Pia. A única que sorriu com aquela
presença foi Maite, satisfeita com o amigo ter ouvido seu conselho e dado
mais uma chance à amiga dela. Todos os outros pareciam ter sido
esbofeteados, em especial porque Maite disse em alto e bom som que Pia
era sua amiga e que ela tinha apresentado os dois, nas suas palavras, "feita a
operação cupido".

Sophia era uma das que não conseguia acreditar. Quando ficou sozinha ao
lado de Anahí e Christian, os três acompanhando com os olhos Maite indo
cumprimentar Pia e Mane não conseguindo evitar o olhar correr sobre ela,
ela não conseguiu não esbravejar.

— Vocês conseguem acreditar nisso...? – Sophia perguntou tampando o


rosto – Ela apresentou uma amiga a ele. Ela. Ao Mane...!
— Eu estou tão perplexo quanto você Soph – Christian disse com uma
careta tomando sua bebida calmamente.

— Se ela não estivesse tão preocupada em tomar conta da vida da Anahí,


quem sabe perceberia que ele é apaixonado por ela – Sophia revirou os
olhos.

— Pior que ela não percebe mesmo – Anahí constatou – Christian acabou
de falar sobre isso, que Mane estava disponível e ela nos encarou como se
ele dissesse o maior absurdo da face da Terra.

And pops stayed the same

E papai permaneceu o mesmo

And your moms moved away

E sua mãe se mudou

How many of our parents seemed

Quantos de nossos pais pareciam

To make it anyway

Fazê-lo de qualquer maneira

We're just fumbling through the grey

Estamos apenas tateando pela escuridão

Trying find a heart that's not walking away

Tentando achar um coração que não esteja indo embora

— A culpa disso é mais do Mane do que dela – Christian observou – Maite


ta traumatizada por causa de vocês duas. Ela tem um histórico de
relacionamentos ruins e nunca vai investir num amigo quando não tem cem
por cento de certeza que ele gosta dela. Mane é covarde e também não
admite os sentimentos pra ela por medo da rejeição, tudo o que ele faz é
ambíguo, ela fica na eterna dúvida e prefere no fim acreditar que não tem
nada a ver. Nunca irá pra frente assim.

— Vai ter um dia que eu não vou aguentar e jogarei toda a merda no
ventilador – Sophia prometeu – Ah eu vou.

Se Sophia faria aquilo ou não eles não chegaram a saber, até porque cinco
minutos depois a situação tinha se invertido. A cena estava péssima quando
Maite resolveu apresentar Pia à Anahí e Christian como uma amiga que
tinha apresentado a Mane, e os dois acabaram ficando ali na roda com os
três e com Sophia. Ou seja, ela estava bem ali quando o seu acompanhante
chegou na festa.

Chad entrou pela porta e, ao receber um olhar de interrogação, informou a


quem estava próximo que era namorado de Sophia. Jesse não estava tão
distante assim e ouviu aquela frase, levantando a cabeça na mesma hora
porque era óbvio que aquilo chamara a sua atenção. O sangue de Jesse
entrou em ebulição e ele ficou congelado, os olhos observando o andar
arrogante do rival indo sorridente até ela. Jesse em seguida procurou por
Sophia, viu que ela também sorria e sentiu algo dentro de si morrer. Não era
possível. Aquilo não podia ser verdade.

I turn the lights down low

Eu viro a intensidade das luzes

Walk these halls alone

Ando por essas salas sozinho

We can feel so far from so close

Nós podemos nos sentir tão longe tão próximos

Sophia sabia que não sorria para Chad por fingimento, ela estava feliz por
ele estar ali. Durante cinco segundos até esqueceu o plano que os dois
armaram para provocar Jesse, algo que só lhe foi lembrado quando Chad
parou em sua frente e lhe deu um carinhoso beijo nos lábios. Beijo esse que
foi suficiente para calar o assunto que tinha naquela roda. Anahí não
entendeu o porquê do silêncio, para ela que não sabia da história toda
aquele era um homem qualquer com quem Sophia estava saindo, mas Maite
e Christian sabiam quem era Chad, sabiam o papel dele no fim do
relacionamento de Sophia com Jesse e já imaginaram de cara que ele estaria
desabando por dentro. E não evitaram olhar para o próprio e conferir sua
reação.

Se Jesse já estava destruído ao ver o selinho que Chad deu em Sophia, pior
foi quando percebeu que os outros estavam olhando-o. Se sentindo pegar
fogo, Jesse saiu dali na mesma hora, deixando uma Lindsey que nada
entendia – tal como Anahí – sozinha sem mais nem menos, sequer uma
explicação. Lindsey achava que aquela era apenas a externalização dos
ciúmes dele sobre Sophia. Ela não sabia que Chad tinha sido o pivô do
término de seu namorado com a ex, não fazia a menor ideia que para Jesse
o pior golpe possível era perceber que estava certo e que Sophia e Chad
poderiam de fato vir a ter alguma coisa.

— Any, você não conhece o Chad – Sophia disse após senti-lo envolvendo
sua cintura – Nós... estamos juntos.

— Prazer – Anahí estendeu a mão de Chad e a apertou.

— O prazer é meu Anahí.

— Ta de sacanagem com a minha cara – Christian murmurou consigo


mesmo para, em seguida, pigarrear.

— Nós vamos cumprimentar a Lexie – Sophia disse de mãos dadas com


Chad.

— Por que vocês estão com essas caras...? – Anahí perguntou na mesma
hora.

— Eu não sei se to feliz ou revoltada – Maite disse negando com a cabeça –


Feliz porque o Jesse merece um tombo desses ou revoltada porque sei que
ela ta fazendo uma merda suprema.
Like ships in the night

Como navios na noite

You keep passing me by

Você continua passando por mim

Were just wasting time

Nós estamos apenas desperdiçando tempo

Trying to prove who's right

Tentando provar quem está certo

And if it all goes crashing into the sea

E se tudo batesse no mar

If its just you and me trying to find the light

Se fosse apenas você e eu tentando encontrar a luz

— Eu me limito a ficar sem entender o que está acontecendo – Mane


continuou encarando Anahí – Ele é o cara que causou o fim do namoro do
Jesse e da Soph.

— Não, Jesse é o cara que causou o fim do namoro dele próprio com a
Sophia quando resolveu ser extremamente abusivo e dizer pra ela que teria
que escolher entre ele e o amigo – Maite deu de ombros rindo – Ele merece
se ferrar agora.

— Então por que você estaria revoltada com ela? – Anahí franziu a testa.

— Porque eu não confio nesse cara – Maite fez uma careta – Eu realmente
acho que ele não tem boas intenções com ela. Não justifica o que o Jesse
fez, mas...
— Se eu to vivo é pra ver a Maite toda preocupadinha com a Soph –
Christian bateu palminhas.

— Os sessenta segundos de sororidade acabaram Christian – Maite voltou


com a careta – Pode parando.

Ninguém achava que aquela festa achava que ainda tinha espaço para o que
quer que fosse, qualquer surpresa mais. Lexie, a anfitriã, procurava dar
atenção a todos, mas a verdade é que ela estava com um olho em quem
estava em seu lado e outro em Mark estar ou não com a interna. Ela já tinha
ingerido uma boa quantidade de álcool que a ajudasse a levar aquela noite e
suas situações, a não ter um ataque de fúria ou sentar no chão do banheiro
chorando. Lexie não estava bêbada, mas também não estava sóbria.

Talvez se ela estivesse sóbria não fosse se levar tanto pela emoção em
relação aos fatos daquela noite. Lexie estaria mais no próprio controle, não
estaria à flor da pele. Ponderaria mais. Não aconteceu.

Like ships in the night

Como navios na noite

You keep passing me by

Você continua passando por mim

You keep passing me by

Você continua passando por mim

Like ships in the night

Como navios na noite

— Um minuto da atenção de todos, por favor – Jackson pediu no centro da


sala com um sorriso nos lábios – Lexie meu amor, venha aqui por favor.

Lexie não estava entendendo nada, se limitando a ficar preocupada se


conseguiria caminhar até o namorado sem tropeçar no salto dado o nível da
bebida. Felizmente ela conseguia disfarçar bem e apenas quem a conhecia a
fundo sabia que ela não estava nem um pouco sóbria, tanto por seu
caminhar quanto pelo sorriso meio frouxo. Mas não importava, Jackson não
se preocupava com o teor alcoólico do sangue de sua namorada. Ele só
queria saber outra coisa.

— Hoje é aniversário dessa mulher incrível que eu tenho a felicidade de


chamar de minha namorada – Jackson disse sorrindo e a embriaguez de
Lexie a fez sorrir largamente – Só que ultimamente isso tem se tornado
pouco em vista de todo o sentimento que eu nutro por ela. Nós dividimos
uma rotina enlouquecedora num hospital e eu percebo que não é a única
coisa que eu quero dividir com ela. Por isso Lexie... – Jackson disse virando
de frente para ela e se ajoelhando, vendo-a arregalar os olhos – Meu amor,
você quer se casar comigo?

E o ambiente emudeceu.

Como tinha sido dito, se ela estivesse sóbria...

Mais álcool, mais emoções. Ciúmes no início de uma festa, cansaço de todo
um dia, estômago vazio... Lexie via em sua frente o que ela precisava. O
que ela deveria querer. Exatamente no dia que tinha descoberto que o que
ela realmente queria não estava nem um pouco disponível, nem mesmo
interessado. Talvez aquele fosse um sinal. Talvez aquele devesse ser o
caminho dela. Era nisso que ela pensava quando respondeu.

— Sim.

Se formos contar percebemos que havia ali um corpo meio embriagado ali,
um sorriso aliviado e um coração destruído.

Lexie. Jackson. Mark. Respectivamente.

And I'm gonna find my way back to your side

E eu acharei meu caminho de volta pro seu lado

And I'm gonna find my way back to your side


E eu acharei meu caminho de volta pro seu lado

Olaaaaa galera! Tudo bom?

Não sei se cheguei a falar no post de quinta que esse capítulo era um tanto
agitado. Tudo acontece no aniversário da Lexie, ele é o divisor de águas pra
muita gente no capítulo, a começar pela própria aniversariante que é pedida
em casamento desse jeito totalmente inesperado. O sim dela foi um tombo
né? E dessa vez vcs NEM PODEM RECLAMAR QUE EU PAREI NA
MELHOR PARTE pq pelo menos vcs sabem qual foi a resposta!!!! (to
falando isso mas sei que teremos reclamações de novo, c'est la vie)

Aqui vemos Poncho sendo 50% honesto com a Diana (100% ainda vai
demorar alguns caps, não exijam demais, a web tem que render e macho
sendo macho tem que ter tb) e vemos sobretudo Jesse tendo que encarar a
Sophia com o Chad. Dia nada fácil pra ser o menino Soffer né?

Também temos Maite demonstrando aquele 1% (bem significativo) do


quanto se importa com a Sophia e por outro lado, temos essa mesma Sophia
cada vez mais impaciente com a Maite... vai dar merda ou não?

Será que eu esqueci alguma coisa? Hahahaha. Como eu disse, a festa é


longa e ainda não terminou. Quinta tem mais.

Até lá!

Beijos,

Rafa
Capítulo 22 - Promise

Feliz aniversário pra irmãzinha do Mane kamillakvetiki

Quando um vidro quebra, os cacos se estilhaçam e caem para todos os


lados. Calce seus sapatos para evitar se cortar...

Depois do sim, ainda havia muita água para rolar.

A começar porque havia uma irmã daquela que seria a noivaque não estava
exatamente feliz.

— Eu não acredito que ele se aproveitou de mim...! – Meredith grunhiu.

Lexie estava sentada na beira da cama da irmã, em seu quarto, encarando-a


ao mesmo tempo que olhava o cunhado, Derek, tentar acalmar a esposa
mesmo sem ter a melhor das expressões no rosto. Poucas vezes ela viu
Meredith irritada daquele jeito, e olha que a irmã não era a pessoa mais
positiva e sorridente que ela poderia dizer que conhecia...

A questão é que havia um motivo bem específico para aquela reação.

— Se aproveitar de você? – Lexie franziu a testa.

— Jackson disse que queria fazer uma festa de aniversário – Meredith


apontou – Não falou nada sobre pedido de casamento em público.

— Provavelmente porque era surpresa – a morena deu de ombros.

— Ele me usou – Meredith acusou – Usou a festa e a minha casa para fazer
um pedido na frente de todos e não te dar qualquer chance de dizer não. Ele
sabia que, se me dissesse, eu não iria concordar...!

— Mas eu iria dizer sim de um jeito ou de outro – Lexie bocejou.


— Ela não disse sim por ser em público, disse por estar bêbada – Derek
ponderou com uma careta.

— Eu não estou bêbada – Lexie se defendeu parecendo ofendida – Eu bebi


apenas alguns copos...

— De estômago vazio – ele completou.

— Olhem, eu estou feliz – ela deu um sorriso no canto da boca – Jackson é


um bom homem, esse é um bom caminho, eu tenho certeza que teremos
uma vida longa e tranquila juntos.

— Você não o ama! – Meredith lembrou como se dissesse a coisa mais


óbvia do mundo.

— Eu sei – Lexie deu de ombros – Mas ele me faz bem. Ele me faz feliz e
às vezes é melhor você ser feliz ao invés de procurar uma plenitude que é
inalcançável. Ele tem a mesma idade que eu, está no mesmo momento que
eu, quer as mesmas coisas que eu quero... ele não me machuca. Amar
demais machuca Meredith, e eu não quero mais me ferir nessa história toda.

Derek pessoalmente não conseguiu dizer mais nada porque ele sabia
exatamente a que Lexie se referia com aquelas palavras. Era claro para ele
que a cunhada fazia uma nítida comparação entre Jackson e Mark, a julgar
pelos parâmetros que usava – a idade, os objetivos de vida e a intensidade
do sentimento. Lexie gostava de Jackson, mas amava Mark, só que tinham
sido duas tentativas e em ambas ela saiu flagelada. Lexie estava cansada.
Parecia que, mesmo bêbada e mesmo sendo em público aquele pedido, ela
iria aceitar de qualquer forma. Parecia que era a forma dela de dar um ponto
final em qualquer chance de uma história sua com Mark.

É claro, Meredith e Derek não faziam ideia que, dentro da cabeça de Lexie,
Mark estava claramente envolvido – ou prestes a se envolver – com a nova
interna que não parava de lhe paquerar. Eles não tinham como saber o
quanto achar que Mark sempre seria o mesmo e que ela tinha se tornado
mais uma com quem ele flertava tinha influenciado naquela decisão.
— Eu amo você Lexie, eu sou sua irmã – Meredith suspirou longamente –
Eu vou apoiar qualquer decisão que você tomar, mas saiba... eu não
concordo com isso. Não mesmo.

— Tudo bem – Lexie deu um sorriso leve – Apenas esteja lá como minha
dama de honra.

— Eu estarei.

Na sala da casa, havia definitivamente um coração partido.

Mark não conseguiu ficar no olho do furacão. Os médicos presentes tinham


ido cumprimentar Jackson e ele soaria falso demais se ficasse ali e
abraçasse o pupilo parabenizando-o pelo noivado que tinha acabado de
acontecer. Ele preferiu aproveitar o movimento para sutilmente sair dali.
Mark estava na cozinha, colocando um copo de whisky garganta abaixo e
mordendo os lábios, pensando no que poderia ter feito para evitar que os
fatos daquela noite tivesse terminado daquela maneira.

As situações se enumeravam na mente de Mark, pensando nas duas vezes


em que ele perdeu Lexie e como simplesmente acabou deixando que a vida
dos dois seguisse e nunca mais lutou. Essa parecia ser a terceira, muito
embora eles nem estivessem juntos. Por mais que soubesse que aquela falta
de luta, na verdade, um sinal de respeito às decisões que ela tinha tomado
para a própria vida – afinal Mark não podia simplesmente passar por cima
de Lexie – ele agora se sentia impotente percebendo que, ao deixar que ela
guiasse a própria vida, acabou perdendo a voz e não deixando claro que
aquela vida poderia ter sido ao lado dele.

E isso era destruidor.

Callie Torres rapidamente percebeu que seu melhor amigo tinha escapulido
da situação e não estava mais ali, não hesitando em ir atrás dele. Ela deixou
a filha Sofia com Arizona e caminhou discretamente pela casa procurando-
o até encontrar Mark bebendo sozinho na cozinha com a expressão mais
desolada possível e, após uma simples troca de olhares, perceber que era
mais seguro tira-lo dali imediatamente.
— Eu recusei dormir com uma interna hoje – Mark murmurou – Por ela. E
agora...

— Você fez bem – Callie respondeu – Não seria uma boa ideia Mark,
convenhamos.

— Não seria? – ele arqueou as sobrancelhas – Que mal haveria? No fim ela
aceitou o pedido dele Torres. Ela vai se casar com ele. Ela vai ter com ele o
que eu sempre quis que ela tivesse comigo.

— Eu sei – Callie passou as mãos nos ombros dele – Mas não meta os pés
pelas mãos. Não faça nada do qual você pode se arrepender depois.

— Eu estou arrependido de não ter lutado por ela – Mark retrucou antes de
dar uma golada no próprio copo – To arrependido de não ter dado motivos
pra ela dizer que não.

— Pra mim ela só aceitou porque estava bêbada e em público – Callie


ressaltou – Mas é a decisão dela. Talvez não seja pra ser Mark. Talvez seja
melhor você não se divertir com internas, mas sim procurar alguém para
dividir a vida como ela procurou. Como ela encontrou.

Não era nem de longe o que Mark queria fazer. A resposta estava na ponta
da língua: era com Lexie que ele queria dividir a vida e ela agora estava tão
inalcançável quanto possível. Mas se nem mesmo Callie estava lhe dando
algum apoio naquilo, talvez fosse melhor desistir e seguir em frente.

xxx

Depois que Callie conseguiu tirar Mark dali e os dois foram embora, a
cozinha estava vazia novamente quando Anahí chegou ali. No meio do
próprio furacão entre o mal estar causado por Maite e Sophia na mesma
roda, por Sophia ter levado Chad, por Maite se recusar a ver o quanto Mane
e Pia não funcionavam juntos, Anahí precisava ficar sozinha. Já bastava o
fato de que ela não conseguia ver Poncho sem seus olhos serem atraídos
magneticamente para ele, ainda tinha todo o resto. Um pouco de solidão
não faria mal, e exatamente por isso ela escapuliu para a cozinha e agora
bebia um drink não alcoólico.
Não demorou para que ela fosse encontrada, é lógico. Anahí sabia que o
faro de Christian e o de Maite não deixaria que eles demorassem a notar
que ela tinha saído debaixo da asa deles. Mas quando ela ouviu passos na
direção da cozinha se surpreendeu com o fato de que quem apareceu ali não
era nenhum de seus amigos, e sim Diana.

— Graças a Deus você está aqui – ela parecia desesperada – Finja que está
conversando comigo.

— O quê? – Anahí franziu a testa sem entender nada.

— Apenas finja – Diana quase implorou – Pra ver se a Lindsey sai do meu
pé. Por favor!

— Quem é Lindsey?

— A carrapato da namorada do Jesse – ela explicou – Vou ter que implorar?

— Não... hm, puxe um assunto então – Anahí disse.

— Eu... deixe-me ver... – Diana tinha a testa consideravelmente franzida –


Eu odeio as meias que o Poncho usa até o tornozelo. São horrorosas.

Anahí prendeu a vontade de rir. Entre tantos assuntos que Diana poderia
puxar...

— Ele ainda usa? – Anahí tinha a sobrancelha erguida, fazendo a outra ter a
mesma reação.

— Ele já usava...? – Diana retrucou com outra pergunta. Quando viram, as


duas estavam rindo.

— Deus... certas coisas nunca mudam mesmo – Anahí negou com a cabeça
incrédula sem acreditar – Ele ainda assiste mais jogos de futebol europeu do
que qualquer outra coisa?

— Alucinadamente – Diana lançou outra careta – Não apenas futebol,


qualquer outro esporte. E o meu filho está indo pelo mesmo caminho, olhe
que maravilha.
— Não nega o sangue – Anahí riu – Eu não sei como ele não acabou se
tornando técnico de basquete, baseball ou qualquer coisa desse tipo. Sempre
vi o Poncho fazendo isso e não o Mane.

— Bom, isso eu não posso dizer – ela deu de ombros – Eu já o conheci


escrevendo até dizer chega. Passava uma borboleta na frente e ele sentia
inspiração. Já teve vezes de eu dormir com ele escrevendo e acordar com
ele escrevendo, você consegue imaginar?

— É, por isso eu também já passei...

Elas eram mesmo tão parecidas assim?

— Então você está fugindo da namorada do Jesse – Anahí concluiu. Diana


fez aquela cara de quem faz a coisa mais óbvia e certa do mundo.

— Pense na pessoa mais forçada do mundo – Diana sugeriu – Ela é pior.


Quer dizer... você nunca chegou a ver Jesse e Sophia juntos, e olha... eles
eram o casal mais incrível possível. Pensa quando você encontra um pote
sem tampa e uma tampa sem pote e de repente você acha a tampa que
encaixa naquele pote. Consegue entender o meu exemplo de dona-de-casa?
Eles eram o encaixe um do outro, depois de tanto tempo dela dando murros
em facas com namoros ruins e ele forçando com a Torrey...

— É, os namoros ruins da Soph eu me lembro – Anahí respondeu.

— Quando eles terminaram, nossa, Poncho e eu sentimos como se tivesse


realmente algo a ver com a gente – Diana completou – Sophia ficou
arrasada, Jesse foi um idiota, o Poncho não sabia o que fazer porque o
melhor amigo dele estava errando e ao mesmo tempo o Jesse sempre foi a
pessoa que esteve ao lado dele, você entende? Foi difícil. E aí ele me
aparece com essa garota que resolve ser a nova Sophia e cisma que eu tenho
que ser a bff dela, eu não tenho paciência.

— Nem tem como ter – Anahí riu.

— Diana? – a voz de Poncho chamou – Sua amiguinha está te procur... ops.


Desculpem.
Poncho esperava encontrar a esposa literalmente se escondendo da
namorada de seu melhor amigo, jamais entrar naquela cozinha e encontra-la
batendo um papo enorme com sua ex-namorada. Tanto que quando parou na
porta e viu as duas conversando animadamente ele parou e ficou estático.
Diana virou as costas vendo o marido completamente assombrado e
entendeu a razão de ser daqueles olhos esbugalhados dele.

— Estou indo querido – Diana deu um ar de riso virando-se para Anahí –


Foi uma boa conversa. Obrigada por me livrar da Lindsey.

— Não há de quê – Anahí sorriu de volta.

Claro que Poncho deixou para comentar sua absoluta estranheza do que
tinha acabado de testemunhar quando eles já estavam longe o suficiente
para Anahí não ouvir...

— Eu não sabia que vocês estão se tornando amigas...

— Você esperava que nós brigássemos por você? – Diana debochou –


Apostou nas mulheres erradas, querido.

Isso respondia tudo.

xxx

A última surpresa que a noite reservava começou com uma ligação para o
celular de Jesse. Era da casa de Torrey, onde ele sabia que quem estava no
comando naquela noite era Bea, a babá que ele e Poncho compartilhavam
para cuidar de Samantha e Daniel. Naquela noite Bea estava com as duas
crianças, já que tanto Diana e Poncho quanto Jesse estavam na festa de
Lexie e Torrey tinha saído para algum lugar que ele não sabia qual era.

Jesse estranhou quando o celular tocou porque Bea não costumava ligar
dizendo nada, em especial quando ela estava no apartamento de Torrey.
Mas não custava atender, não é verdade? Ele aproveitou o fato de que
Lindsey não estava por perto – provavelmente ainda à caça de Diana – e
que ele estava num grupo cercado somente por Mane, Pia e Poncho, para
pedir licença e se afastar. Rapidamente atendeu, porque uma ligação
daquelas àquela hora só podia significar que Samantha estava dando
problemas à babá.

— Oi Bea – Jesse disse – Algum problema?

— Me desculpe ligar a essa hora Jesse – Bea sussurrou – É que... eu não


sabia o que fazer.

— O que a Sam arrumou? – a voz dele saiu impaciente.

— Sam? Não, ela ta dormindo, os dois estão – Bea explicou e Jesse franziu
a testa. Se não era aquilo, então... – É que... acabaram de ligar pra cá.
Parece que a Torrey... ela sofreu um acidente. Ela ta no hospital, e eu não
sabia o que fazer...

— Que hospital Bea?

— No Mount Sinai Hospital – Bea explicou – Eles não quiseram me


explicar nada Jesse. Eu fiquei nervosa, mas não podia deixar as crianças
sozinhas.

— Não se preocupe, eu resolvo isso e te mantenho avisada. Tchau.

Era irônico que ele dissesse à babá de sua filha que ela não deveria se
preocupar, quando ele se sentia no mar da preocupação...

Jesse queria estar se sentindo otimista, mas era inevitável, o peito tinha
apertado e ele mal conseguia respirar. Ele tinha que ir ao Mount Sinai
Hospital o mais rápido possível, era a única coisa que tinha em mente. Sorte
que a irmã de Lexie morava em Manhattan, ele não estava tão longe assim
do hospital. Imagens ruins passavam por sua cabeça e o deixavam
totalmente desconfortável e pessimista. Ele queria pensar que não era
aquilo, queria se convencer que estava sofrendo por antecipação, mas de
alguma maneira simplesmente não conseguia.

E de repente, Jesse ouviu uma risada do outro lado da sala que chamou sua
atenção. A risada de Sophia. Ele imediatamente percebeu que precisava
dela ao seu lado. Se fosse qualquer outra coisa ele jamais pensaria em
chama-la, em pedir que o acompanhasse. Afinal, Sophia estava com Chad, a
mensagem não poderia ser mais clara. Só que aquele caso era especial.
Jesse tinha certeza que Sophia entenderia. Ele caminhou decidido para ela,
deixando de lado os problemas dos dois, Chad e Lindsey e qualquer mágoa
que tivesse ficado no caminho.

— Soph? Eu preciso falar com você – ele pediu.

Pelo tom de voz e a expressão engessada que via no rosto do ex, Sophia já
era capaz de perceber que o que quer que fosse, era sério. Ela deu um passo
a frente sem nem pensar, pronta para ir com Jesse e ouvir. Só que
rapidamente sentiu algo impedindo-a: a mão de Chad segurando o seu
braço.

— Quer que eu vá com você, querida? – Chad perguntou claramente se


impondo. Jesse suspirou, certo de que aquele não era o momento ideal para
brigas.

— Não precisa – Sophia dispensou.

Chad não gostou nem um pouco da reação da "namorada", mas respeitou,


deixando-a ir. Jesse e ela deram alguns passos e foram para um dos cantos
da sala que estavam vazios, sem perceberem que o outro os observava de
longe tentando a todo custo descobrir do que se tratava. Jesse não se
importava, ele apenas precisava resolver aquilo com Sophia. Quem sabe
falando em voz alta um pouco daquele peso não aliviava...

— Então...? – Sophia perguntou.

— A Bea me ligou, disse que ligaram pro apartamento da Torrey e... – Jesse
murmurou agoniado – Ela sofreu um acidente e ta no hospital.

— Ai meu Deus – Sophia imediatamente arregalou os olhos.

— Vá comigo – Jesse pediu – Por favor Soph. Não importa o que aconteceu
entre nós, eu... eu preciso de você do meu lado nesse momento.
— É claro que sim – rapidamente Sophia entrelaçou os dedos com os dele –
Não pense no pior. Talvez seja algo simples e tenham simplesmente
avisado.

— Eu... eu to com uma sensação horrível – Jesse confessou fechando os


olhos. Ele estava de fato agoniado, Sophia nunca o vira assim.

— Não vamos pensar em nada agora – Sophia disse acariciando o rosto dele
– Ok? Me dê apenas um minuto pra... pra eu...

— Não se preocupe, tenha o seu tempo.

O minuto em questão era para ela dar uma satisfação a Chad, que para todos
os efeitos estava ali como seu acompanhante. Jesse entendeu, embora não
estivesse satisfeito, se encontrava numa posição que não podia exigir nada
dela. Sophia ao sair da frente dele já percebeu que Chad os observava sem a
mínima intenção de disfarçar e ela sabia exatamente porque. Caminhou até
ele pronta para dar uma explicação, embora não tivesse muita certeza que
ele iria aceitar as suas desculpas.

— Chad, eu...

— Ele já te levou na conversa de novo, não é? – ele acusou. Sophia ergueu


as sobrancelhas.

— Olha, eu vim te dar uma satisfação, apesar de não precisar porque afinal
de contas nós não temos nada que seja real – Sophia disparou – Talvez você
esteja confundindo as coisas e isso não tenha sido uma boa ideia. Nós
falamos disso depois, porque agora eu realmente preciso sair.

— Eu vou com você.

— Não, não vai – ela o impediu – Não é hora nem momento por isso. Eu te
ligo depois.

Parecia que o namoro de mentira não iria durar tanto assim...

xxx
Se Jesse já estava nervoso na festa de Lexie, parecia muito pior quando o
táxi no qual ele e Sophia estavam parou bem na frente do Mount Sinai
Hospital. Não era o hospital que Lexie trabalhava, por isso eles não
conheciam ninguém. Talvez isso deixasse Jesse mais nervoso e agoniado,
porque quando Sophia terminou de pagar o táxi e se virou para falar com
ele, viu que o ex já tinha sumido dali. Ela saiu caminhando para a
emergência e logo viu Jesse nervoso com o olhar fixo na enfermeira que
fazia a triagem. A expressão da moça quando voltou os olhos para Jesse não
foi das melhores, o que trouxe à tona o pessimismo em seu peito.

— Vou chamar o Dr. Hawkins para falar com o senhor, com licença...

Sophia sabia que, se a enfermeira estava chamando o médico, a notícia não


era boa. A vontade de chorar percorreu seu corpo, mas de alguma maneira
ela conseguiu prendê-la. Agora ela precisava apoiar Jesse, porque por mais
que Torrey fosse sua amiga, ela era a mãe da filha dele.

— Não é boa coisa – Jesse murmurou mordendo os lábios – Você sabe


disso, não sabe?

— Eu to com medo de admitir – Sophia entregou.

Ela sabia que ele morder os lábios daquele jeito era prender o choro. Seu
primeiro ímpeto foi abraçar Jesse, dar algum conforto. Ela sabia que os
problemas que houveram entre eles não foram capazes de mudar algumas
coisas e essa era uma delas: os dois ainda encontravam uma espécie de lar
nos braços um do outro. Por pior que fosse ali, eles ainda teriam um ao
outro. Ela estaria ali para Jesse.

— Boa noite Sr. Soffer, Conrad Hawkins – o médico loiro estendeu a mão e
cumprimentou um Jesse que parecia um tanto atordoado – Eu sou o médico
da Emergência que atendeu a Sra. DeVitto e o Sr. Gehlfuss quando
chegaram ao hospital.

— Como ela está? – Jesse perguntou de cara.

— Ela foi operada e, apesar de ainda estar em estado grave, está estável no
momento – o Dr. Hawkins explicou fazendo Jesse soltar o suspiro de mais
alívio possível – Mas infelizmente não pudemos fazer nada sobre o Sr.
Gelhfuss. Ele faleceu ainda na ambulância.

— Meu Deus – Sophia murmurou perplexa.

— O que aconteceu com eles? – Jesse perguntou.

— Pelo que as testemunhas disseram para os paramédicos, foi um assalto e


ele reagiu – o médico continuou – E resolveram atingi-la também pra ser
uma queima de arquivo.

— Inacreditável – Jesse se limitou a dizer.

— Nós podemos vê-la? – Sophia pediu.

— Sim, mas sejam breves, ela deve descansar.

Obviamente Jesse entrou primeiro no quarto. Como Torrey precisava de


repouso, ele e Sophia decidiram que a visitariam em turnos. Enquanto ele
conversava com a mãe de sua filha, Sophia estava do lado de fora, no
telefone primeiro com Bea e depois com Poncho, explicando o que tinha
acontecido e o estado de saúde de Torrey. Do lado de dentro a conversa era
séria.

— Você quase me matou do coração – um Jesse ainda meio agoniado


confessou – Eu fiquei o caminho inteiro pensando como diria pra nossa
filha que a mãe dela... se Sophia não estivesse comigo...

— Você sempre precisa dela por perto pra te manter calmo – Torrey
constatou – Me prometa que não vai perdê-la de novo.

— Eu não a tenho – Jesse lembrou.

— Então reconquiste-a – Torrey recomendou – Me promete que não vai


desistir dela.

— Pare de falar nesse tom mórbido – Jesse fez uma careta incomodado.
— Quando nós estávamos juntos era cômodo pra você porque eu estava ali,
não tinha nenhum tipo de esforço – Torrey respondeu mordendo os lábios –
Agora é diferente. Você nunca olhou pra mim como olha pra ela. Eu nunca
fui capaz de te acalmar como ela consegue. Você não pode simplesmente
desperdiçar isso.

— Eu queria que fosse simples...

— Descomplique, dê o seu jeito – Torrey ordenou – Me prometa Jesse.

— Você quer parar com isso? – ele revirou os olhos – Ok. Eu prometo.

Agora ele não podia mais voltar atrás.

— Obrigada – Torrey fez uma careta – Seu teimoso...!

— Olha quem fala – ele ironizou – Quer que eu traga a Sam aqui pra te ver?

— Eu quero que ela lembre de mim bem – ela ressaltou – E não machucada
desse jeito.

— Vou ignorar esse seu papo horroroso e pensar apenas que não seria bom
pra ela te ver machucada. Ok?

Com Sophia o tom da conversa minutos depois não foi tão diferente. Ela
não tinha qualquer vergonha de se mostrar emotiva e sensível e segurava as
mãos da amiga com um sorriso tranquilo nos lábios. Parecia sentir um
alívio imenso por Torrey estar viva e aparentemente bem. Só que, tal como
Jesse, não gostou muito do modo como ela começou a falar...

— Nick está morto não é? – ela perguntou. Sophia ficou nervosa, ela não
tinha se preparado para responder aquilo tão rápido.

— Eu sinto muito Torrey – ela respondeu mordendo os lábios.

— Ele não merecia isso – Torrey suspirou longamente – Mas tudo bem. Eu
logo irei encontra-lo.
— Pare de falar isso pelo amor de Deus – Sophia se continha para não
chorar – Que coisa mais mórbida...!

— Eu quero que você me prometa que vai cuidar da Sam quando eu não
estiver mais aqui – Torrey pediu – Eu preciso que você esteja com ela e
com o Jesse, porque vai ser duro.

— Torrey pare com isso pelo amor de Deus – Sophia quase implorava.

— Eu não tenho muito tempo, eu estou fraca – ela disse apertando a mão da
amiga – Jesse não poderia ter achado uma mãe melhor pra nossa filha que
você. Eu vou tranquila porque sei que você vai cuidar bem dela.

— Torrey...

— Eu sei que vocês vão superar toda essa bobagem e vão ficar bem – ela
continuou, ignorando a súplica de Sophia para parar – Dê um beijo nela por
mim. Conte aquela história que ela gosta de ouvir antes de dormir e fale de
mim quando ela não lembrar mais. Doeria pensar que ela pode acabar me
esquecendo.

— Ela nunca esqueceria você – Sophia já estava com os olhos marejados –


Eu não deixaria. Jesse muito menos.

— Eu sei que não – ela sorriu.

— Vamos parar com isso ok? – Sophia suspirou longamente – Ande, você
ta bem. Você vai sair disso, nós vamos rir disso juntas.

Isso Torrey não respondeu. Sophia continuou divagando sobre um futuro


imaginário que, aos olhos da amiga, parecia distante. Torrey ouviu, é claro,
ela parecia calma. Logo o médico de antes recomendou que ela saísse para
deixar que Torrey descansasse, afinal havia sido uma cirurgia delicada e
uma lenta recuperação. Sophia saiu dali segura ao se lembrar das palavras
do médico antes, repetindo mentalmente que ele garantira que Torrey estava
bem. Não havia com o que se preocupar. Ao menos era o que ela queria
acreditar.
— Ela se despediu de você também? – a insegurança dela estava latente na
voz.

— Sim – Jesse fez uma careta – É exagero dela, logo a Torrey vai estar
bem.

— Por que eu não consigo me convencer?

— Porque você ta assustada – Jesse disse abraçando-a – Relaxe.

— Eu não consigo.

— Tenho que ir no apartamento dela liberar a Bea, esperar o Poncho e


passar a noite com a Sam – Jesse disse encarando-a – Você quer uma
carona? Eu posso te deixar em casa pra você não precisar sozinha.

— Eu não sou nenhuma mocinha indefesa Jesse – ela deu um sorriso de


canto de boca, no fundo amando ele estar preocupado com ela, mas ao
mesmo tempo se fazendo de forte.

— A ex-namorada do meu melhor amigo foi sequestrada por um cara que


frequentava o café da família e ficou oito anos desaparecida – Jesse
ressaltou – A mãe da minha filha acabou de levar um tiro e ser operada às
pressas. Eu não posso suportar que algo aconteça com você também.

Parecia o suficiente. Sophia definitivamente tinha sentido o impacto das


palavras dele.

— Tudo bem – ela mordeu os lábios sentindo as bochechas quentes – Se


importa se eu for com você? Queria estar com a Sam quando você falar
com ela.

— Eu agradeceria – Jesse sorriu.

Mas antes que eles pudessem virar as costas e ir embora, um sinal parecido
com alarme tocou da porta do quarto de Torrey. Sophia e Jesse se viraram
ao mesmo tempo, vendo o médico que os recebeu junto com a enfermeira
da triagem, correndo de volta para lá. O ímpeto natural de Jesse foi entrar
no quarto mas Sophia o segurou. Ela estava branca como um papel, mas
agora sabia o que estava para acontecer. No fim Torrey estava certa pelo
visto.

Os médicos a levaram para a cirurgia novamente, parecia que Torrey estava


com uma falta de ar fora do comum. Jesse ouviu um deles falar em uma
embolia pulmonar e não entendeu exatamente do que se tratava. Ele só viu
os lábios dela roxos e a maca correr pelo corredor afora, entrando no
elevador. Inevitavelmente, pensando se era a última vez que a veria.

Os dois, ele e Sophia, ficaram parados naquele corredor de mãos dadas


esperando a ordem das coisas acontecer. A ordem natural. Esperando por
uma notícia sem ter certeza se queriam ouvi-la, já que lhes interessava
somente uma opção. A outra, se fosse pra ser, talvez fosse melhor não ser
dita. Mas a vida não dá muita opção. É do jeito que tem que ser. Foi o que
Sophia pensou quando viu o Dr. Hawkins sair do elevador com aspecto
derrotado. Ela já sentia os lábios tremerem e Jesse abraça-la com tanta força
que parecia que iria esmaga-la. Não pior do que a dor que estava sentindo
no peito.

— Eu sinto muito – ela ouviu o médico dizer – Nós fizemos tudo o que
pudemos...

Tinha um coágulo formado no meio da cirurgia. Um coágulo que passeou


pelo corpo dela pela corrente sanguínea e foi parar nos pulmões, causando a
tal embolia que eles tinham ouvido. Encerrando a linha da vida dela por ali.

Realmente ela estava certa... em saber que deveria se despedir, em dizer o


que importava nos minutos finais. Faltava apenas que aquelas palavras
saíssem dos meros conselhos e seguissem para a realidade, de modo que
aquele último esforço, que aqueles momentos finais ao lado dos amigos,
não se tornassem em vão.

~
Helloooooo galera!

E aí? Surpresas com esse capítulo? Hahahaha como eu disse o aniversário


da Lexie ainda duraria mais um pouco. Vimos Meredith puta com o pedido
de casamento surpresa que a irmã recebeu, bem como os motivos que
fizeram a Lexie aceitar. Ninguém se chocou né? rs NEM ELA!

Tivemos também a conversa Diana e Anahí que pisou totalmente no


Poncho, porque fadas pisam com vontade né? Hahahaha

Por fim (ou por meio porque durou meio capítulo), o acidente da Torrey que
culmina na morte dela. Nem um pouco esperado por ninguém! Será que o
Jesse cumpre a promessa que fez pra amiga no leito de morte dela? Como
vai ser o processo dele sendo pai solteiro? Vem a tão sonhada maturidade?

Vamos aguardar!

Espero que tenham gostado do capítulo

Beijos,

Rafa
Capítulo 23 - Maternal bond

Bea, a babá conjunta de Daniel e Samantha, recebeu meia hora depois da


morte de Torrey a ligação que não esperava com a notícia. Por sorte as
crianças estavam dormindo e não a viram chorando na sala pelo choque da
situação, já que pouco antes Jesse tinha feito outra ligação tranquilizando-a,
dizendo que tudo ficaria bem, que Torrey estava bem e que ele estava indo
ficar com as crianças. Tudo mudou num curto espaço de tempo. A vida
muda e às vezes se vai em questão de minutos, estava claro.

No fim não foi Jesse quem foi render a babá e sim Poncho e Diana. Sophia
ligou para o amigo aos prantos dando a notícia e lhe deixou completamente
chocado, fazendo-o sair com a esposa o mais rápido possível da festa de
Lexie para ficar com o filho e a afilhada. Afinal, Sophia e Jesse ainda
demorariam muito mais. Tinha uma infinidade de burocracias para serem
resolvidas e os dois estavam completamente abalados. Pelo visto, um teria
que apoiar o outro naquele momento delicado.

Quando estava indo para o apartamento de Torrey, no meio da madrugada,


Jesse pegou o próprio celular e se deparou com uma série de ligações
perdidas e mensagens malcriadas de Lindsey. Foi quando ele se deu conta
que tinha simplesmente esquecido a namorada na festa. Não era algo que
podia esperar. Jesse esfregou o rosto se sentindo culpado e ao mesmo tempo
se desculpando mentalmente pensando que não tinha ido embora ficar com
Sophia, que era algo grave e ele não teve cabeça. Mas ao mesmo tempo se
deparava com a prioridade da ex em relação à atual, já que sua primeira
reação ao descobrir o acidente da mãe de sua filha foi procurar Sophia, não
Lindsey, para acompanha-lo.

Jesse se limitou a mandar uma mensagem para a namorada se desculpando,


dizendo que estava com problemas e que falaria com ela quando
amanhecesse. Obviamente ele não perguntou à Sophia se ela o
acompanharia até o apartamento de Torrey, somente supôs que ela o faria e
seguiu com isso. Pela expressão dela, ele estava certo: Sophia em momento
algum tentou se desvencilhar daquela ideia. Ela iria com Jesse e ponto.
Tanto Diana quanto Poncho estavam acordados quando os dois chegaram;
as crianças, é claro, estavam dormindo. O olhar de Poncho para os amigos
quando os dois chegaram foi repleto de dor e foi no abraço dele que Sophia
caiu num choro copioso, tendo o cabelo acariciando por Diana enquanto ela
via o marido dizer algumas palavras para consola-la. Ambos viam
claramente que Jesse estava igualmente destruído, mas ele se continha,
guardando a dor para si. Porque estava claro que ele tinha que prender o
sofrimento porque alguém que amava precisaria de todo o apoio do mundo
naquela história toda. E nesse caso nem era Sophia.

— Você está bem? – Diana perguntou a ele um tanto preocupada.

— Eu tenho como estar? – Jesse murmurou totalmente franco – Eu perdi


minha amiga. Amanhã quando a minha filha acordar, tenho que dizer a ela
que a mãe dela... eu não sei como vou fazer isso.

— Você sabe que pode contar conosco – Poncho respondeu apertando o


ombro do amigo – A hora que for.

— Quando souber os detalhes do funeral nos avise – Diana disse dando um


sorriso de canto.

Nem Sophia nem Jesse conseguiram pregar o olho naquela noite. Afinal,
eram quase quatro da manhã quando os dois tinham tomado um banho e
agora descansavam. Eles sequer conseguiam conversar, por mais que
houvesse muito a ser dito. Sophia vestiu uma roupa de Torrey, Jesse ficou
com a mesma roupa de antes, ele sentado numa poltrona que tinha na sala,
ela recostada no sofá com um olhar vago. Jesse viu Sophia chorando em
silêncio e quis se aproximar, não sabendo se deveria. Acabou vendo o sono
dela vencê-la mas não conseguiu se entregar. Depois que Sophia cochilou
foi quando Jesse se sentiu completamente à vontade para finalmente chorar.

Ele já estava meio recuperado quando o dia amanheceu. Preparou um café


forte para si, bebeu, arrumou a mesa do café da manhã e aguardou para ver
qual das duas despertaria primeiro. O cansaço realmente tinha batido forte
em Sophia, ela ainda estava apagada no sofá quando Jesse ouviu o guincho
da porta do quarto da filha indicando que Samantha tinha acordado. Se os
passos da menina esfregando o olho foram silenciosos, foi um contraste
com os gritos que ela deu quando viu quem dormia no sofá de sua casa.

— Tia Soso! Você ta aqui! Você ta aqui!

Sophia obviamente acordou no susto. Jesse não conseguiu não rir, mas não
durou tanto tempo assim. Talvez fosse melhor se Sophia não estivesse ali
num primeiro momento, porque agora ele vi que a presença dela gerara uma
reação esfuziante em Samantha. Seria muito pior tirar isso dela, porque eles
não podiam simplesmente não dar a notícia ruim...

— Oi bebê – Sophia disse bocejando e abraçando-a – Bom dia.

— Você ta aqui! – Samantha repetia sem parar – Na minha casa! Quer dizer
que você e meu papai voltaram? Diz que sim!

— Sam... – Jesse disse se aproximando e se sentando no chão na altura da


menina – Nós precisamos falar com você.

— Conversa de gente grande? – Samantha perguntou franzindo a testa –


Não to gostando. Você não vai casar com a Lindsey não, né?

— Não, eu não vou – Jesse suspirou longamente – Senta aqui no meu colo.

A reação natural de Sophia foi levantar do sofá e sentar de frente para Jesse,
o mais perto possível dele e de Samantha. Ela sabia que a menina precisaria
de todo o apoio do mundo naquele momento, então era melhor que
estivesse o mais aconchegada possível. Samantha reparou naquilo e dessa
vez não comemorou. Pelo contrário, a menina estava com a testa franzida e
olhava do pai para a "tia" esperando um tanto apreensiva pelo que estava
por vir.

— Aconteceu um acidente com a sua mãe Sam – Jesse começou a falar as


palavras difíceis. Sophia percebeu o quanto ele estava tenso pelo timbre de
sua voz e imaginou que ele provavelmente tinha passado a noite inteira
pensando nas palavras que usaria para dar a notícia à filha – Ela foi pro
hospital e os médicos cuidaram dela...
— Ela ta bem? – Samantha perguntou nervosa – Eu posso ir vê-la?

— Sam... – Jesse disse acariciando o rosto da filha com o olhar repleto de


dor – Ela morreu. O corpo dela ficou muito machucado com tudo e... agora
ela está com os anjinhos.

— Não – a menina negou – Mamãe me prometeu que nunca iria me deixar


sozinha. Você ta mentindo.

— Mas você não ta sozinha – foi a vez de Sophia falar sorridente, embora
destruída por dentro – Ela jamais deixaria você sozinha... nós estamos aqui,
seu pai e eu. Nós sempre vamos estar com você Sam.

— Eu quero a minha mamãe – Samantha repetiu já começando a chorar –


Me leva pra vê-la papai, por favor...

— Sam, eu sinto muito meu amor – Jesse disse envolvendo a filha que
agora não parava de chorar – Eu infelizmente não posso.

Não estava sendo fácil, nem um pouco. A própria Sophia sentia as lágrimas
quentes escorrerem por seu rosto, mesmo lutando para que elas não
saíssem, ao ver Samantha aninhada no colo de Jesse chorando sem parar.
Seu ímpeto natural foi se aproximar deles e acariciar as costas da menina,
sentindo que daria qualquer coisa para tirar aquele sofrimento dela, que
morreria no lugar de Torrey para não deixar que a menina passasse por
aquela dor – mesmo havendo uma mensagem clara em sua mente que
Samantha não reagiria muito diferente se fosse ela morta no lugar de sua
mãe.

A questão é que o título de mãe fazia diferença para a menina, não para ela.
Sophia há muito sentia como se Sam também fosse sua filha. Ela amava
aquela criança como se tivesse saído dela e percebia que esse tipo de amor
não dependia que uma criança crescesse em seu útero. Ela agora notava
aquilo mais claro do que nunca quando se dava conta que trocaria a própria
vida pela de Torrey se isso significasse que Samantha não iria mais sofrer.

Vendo Jesse trazê-la para perto e aninhando as duas, sabendo que ele ficaria
daquela forma o tempo necessário para a dor da filha diminuir um mínimo
que fosse, ela se lembrou da promessa que Torrey a obrigou a fazer pouco
antes de morrer. Não que fosse necessário para Sophia prometer que
cuidaria de Samantha... mas o que a impressionava era que Torrey sabia que
sua filha precisaria de uma mãe. Sabia que era em Sophia que ela
encontraria essa mãe. E desde aquele momento a promessa mudou. Sophia
não prometia mais para a falecida amiga, mas para si mesma. Ela estaria ali
para Samantha. Ela seria o tampão daquele buraco para a menina e daria a
ela todo o amor que certamente precisaria em seu momento mais difícil.

xxx

Anahí só descobriu que a filha de Jesse tinha perdido a mãe no dia seguinte,
quando já estava em casa há muito e a festa de Lexie estava mais do que
encerrada. Ela descobriu quando Christian lhe enviou uma mensagem
dizendo o motivo pelo qual Jesse e Sophia tinham saído daquela forma
abrupta da festa. Christian tinha descoberto por Mane, que tinha sido
avisado por Poncho. Ele se preocupou em avisar a Anahí porque ela era das
poucas que mantinha uma boa relação com todos os amigos e certamente
desejaria apoiar Jesse e Sophia no pior momento deles, em especial porque
não pôde fazê-lo em nenhum outro antes.

Só que a notícia daquela morte abalou Anahí de uma forma que ela não
esperava. Anahí sentia por Jesse, por Sophia, que tinham perdido a amiga,
mas quem realmente habitou seus pensamentos foi Samantha. Ela se
lembrava da filha de Jesse das duas únicas vezes que a tinha visto – quando
ela foi com o pai visita-la no hospital e depois, em sua festa de boas vindas
ao ter alta. Samantha era uma criança alegre e comunicativa e doía em
Anahí a ideia de que uma criança tão pequena teria que enfrentar uma dor
tão devastadora e inevitável.

Mas logo Anahí se deu conta que o que a machucava de verdade era a ideia
de perder a própria mãe. Samantha ainda tinha Jesse, mas Anahí cresceu
somente com a mãe e os avós, aterrorizada pela ideia de algo acontecer a
Karen durante boa parte da infância. Anahí era completamente agarrada
quando menina com Ellie e Arthur, isso não tinha mudado com o passar dos
anos, mas ela sabia que sua mãe era sua mãe. Pensar naquela ideia que
estava afastada, quem sabe enterrada, há tanto tempo, um medo de criança,
a fez refletir sobre o seu presente: o quanto estava afastada da pessoa que
tanto temeu perder.

Logo outra ideia esbofeteou Anahí: ela teve medo de perder Karen e no fim
fora a mãe quem a tinha perdido. E se lhe doía pensar na morte da mãe,
conseguia sentir a exata dimensão de como tinha sido para Karen achar que
ela estava morta, algo que violava a ordem natural das coisas de ver uma
mãe ter que enterrar a filha. Só que Anahí nem sequer tinha deixado um
corpo de consolo para sua mãe. Karen há oito anos não tinha como
imaginar que Anahí ressurgiria viva, mesmo machucada e totalmente
traumatizada, que haveria uma nova chance. Ela pensou na mãe lidando
com seu desaparecimento, nutrindo esperanças de que ela voltaria...
esperanças essas que pouco a pouco devem ter ido morrendo junto com a
Anahí que ela achava que estava morta, até ela ser obrigada a jogar a toalha
para não sofrer mais. Ou, quem sabe, trocar o sofrimento: deixar de
acreditar que a filha vivia para aceitar o luto. Difícil saber o que escolher.

Pensando assim Anahí até entendia o que aproximou Karen de Keith. O


desaparecimento dela tinha trazido seu pai de volta junto com a verdade, o
fim da mágoa de uma vida inteira. Uma segunda chance. Anahí não estava
disposta a perdoar o pai nem a iniciar um relacionamento com ele, mas se
pensasse bem o que acontecia naquele momento é que ela perdoava Karen.
Perdoava a mãe por ter perdoado Keith e por ter se dado aquela chance. Se
Anahí sofria na teoria, conseguia se condoer por alguém que sofrera na
realidade e ainda por cima por oito anos.

Todas aquelas constatações geraram em Anahí a vontade enorme de ir falar


com a mãe. Ela se arrumou o mais rápido que pôde e encontrou o avô em
casa, constatando que a família estava unida em não deixa-la sozinha.
Arthur ficou feliz em acompanha-la até o café, inclusive surpreso. Quando
chegaram lá Karen estava na cozinha e obviamente Ellie ajudou o marido a
deixar a neta e a filha terem aquele momento de privacidade. Eles sabiam o
quanto aquilo era necessário.

— Oi – Anahí disse meio acuada entrando na cozinha, recebendo um


significativo olhar de surpresa da mãe.
— Oi butterfly – Karen se sentiu à vontade para usar o velho apelido – Você
está bem? Eu não esperava...

— Eu recebi uma notícia que me deixou meio chocada – Anahí explicou –


A mãe da filha do Jesse morreu essa noite depois de um assalto.

— Meu Deus – Karen murmurou assombrada – Deus do céu, Samantha


deve estar arrasada... e Sophia...

— Sim – Anahí mordeu os lábios se sentando numa cadeira que estava no


canto – Deve estar sendo difícil pra eles. Christian foi quem me disse.

— Eu... – Karen disse negando com a cabeça já tirando o avental – Nossa,


eu acho que vou ligar pra Sophia, pra Olivia, ver se está tudo bem, se elas
estão precisando de algo... é óbvio que bem não estão, não é?

— Mãe... – Anahí chamou interrompendo-a – Pode ser daqui a pouco? Você


não teria uns minutos pra mim?

— Meu amor... – Karen sorriu completamente surpresa – Eu tenho todos os


minutos pra você.

Foi o momento que Karen não achou que seria ainda mais pega de surpresa
do que já estava sendo. Mas foi, algo que se deu conta somente quando a
filha a abraçou sem qualquer aviso prévio. O choque dominou o corpo dela,
em especial quando Karen percebeu que Anahí chorava. Não demorou mais
a reagir, abraçando-a de volta sentindo que queria passar todo o conforto e
carinho do mundo naquele abraço. Afinal, desde que descobriu sobre Keith
Anahí se afastou da mãe e manteve uma relação distante e gélida com ela.
Agora ela gratuita e voluntariamente abaixava a guarda. Karen tinha que
aproveitar aquela oportunidade.

— Eu amo você – Anahí confessou – Eu senti tanto a sua falta quando


estava lá...

— Eu também meu amor – Karen disse acariciando os cabelos dela – Não


teve um dia que eu não tenha sentido a sua falta. Eu acho que nunca mais
sorri de verdade até você voltar pra mim.
— Eu sinto muito – Anahí enxugou o rosto ao sair do abraço – Por tudo.

— Você não tem que se desculpar – Karen secou as lágrimas da filha – Eu é


que deveria... eu nunca imaginei que as coisas seriam desse jeito. Eu não
sabia que a presença do Keith te machucaria tanto. Apenas... eu não sabia
como contar, sabia que seria difícil... mas...

— Eu não quero falar dele agora – Anahí disse suspirando longamente –


Tem algo que eu preciso te contar.

— Aconteceu alguma coisa? – Karen franziu a testa.

— Aconteceu há oito anos – Anahí mordeu os lábios – Eu lembrei. Eu


estava grávida do Poncho quando fui sequestrada. Eu perdi o bebê no meio
disso tudo. O Tobias...

— Ai Any... – Karen disse mortificada.

Era óbvio que isso desencadearia uma dor em Karen como se fosse ela que
tivesse machucada. Logo as duas se sentaram frente a frente e Anahí contou
que, no dia que mãe e filha estavam praticamente sem se falar, quando
Karen a deixou no hospital, fora a manhã seguinte que ela se lembrou do
próprio aborto. Anahí não chorava mais, porque de certa forma ela tinha se
acostumado com a dor, e Karen lutava para não fazê-lo, porque a notícia era
nova, ela estava abalada. Ela contou da regressão, da dor de reviver aquilo,
de como contou para Poncho e como eles inevitavelmente se beijaram.
Disse que eles vinham tentando ser amigos, mas que não era algo fácil. Não
que Karen precisasse ouvir aquilo para ter essa constatação.

— Seria mais fácil se a Diana fosse uma chata pegajosa – Anahí murmurou
rindo um tanto amarga – Porque aí eu conseguiria odia-la. Eu deveria odia-
la, porque ela ta tendo a vida que era pra ser minha. Ela é mãe da criança
que poderia ser o meu filho. Meu bebê seria até mais velho, ele teria quase
oito. Talvez tivesse irmãos.

— Não pense nisso – Karen recomendou – Vai doer mais se você ficar
presa no que poderia ter sido.
— Eu sei, mas... – Anahí suspirou antes de continuar – Eu ainda amo tanto
o Poncho... e eu sei que ele me ama também. Eu sinto isso no olhar dele,
nas palavras, no beijo... só que ele também a ama. E poxa, ela é tão legal...!
Eu nem posso pedir que ele largue tudo porque a Diana é uma mulher
incrível, e eles têm aquela família de comercial de margarina... é só que...
eu não sei como tira-lo de mim. Eu não sei como seguir em frente, porque
eu tenho pânico só de pensar em estar com outro homem. Eu acho que ele é
o único com quem eu conseguiria.

— Deixe que ele saia de você aos poucos, não tente arranca-lo – Karen
sugeriu – E não aja como se você tivesse ficado inapta pro amor, butterfly.
Pode ser que você encontre alguém no seu caminho que te faça perder o
medo aos poucos. A terapia pode te ajudar com isso. Você tem conversado
com a Dra. Balfe?

— Ela quer que eu faça regressão e... eu não sei se eu to pronta – Anahí
confessou – Eu tenho medo do que mais pode estar reservado pra mim. Do
que mais eu posso ter esquecido, da dor que seria lembrar do que quer que
seja...

— Mas é algo pelo qual você precisa passar – Karen apertou as mãos dela –
A mentira bonita é pior do que a verdade feia. Você precisa saber pra
conseguir superar. Os medos não vão passar enquanto você não encarar os
seus fantasmas.

— É verdade – Anahí concordou.

— Talvez isso te ajude mais pra frente – Karen insistiu – Talvez, depois que
você lembrar, você comece a realmente perder esses medos. E consiga
seguir em frente como tanto quer.

Aquele incentivo era realmente decisivo para Anahí. Ela se forçava a pensar
no que a mãe dissera, que talvez houvesse uma luz no fim daquele túnel
escuro e imenso, uma esperança no final daquela história toda. Talvez
Poncho não fosse a história de amor de sua vida, talvez não a única, e
houvesse algo que a esperava, um novo capítulo. Alguém que a faria
superar e seguir em frente, como ele tinha seguido.
Ela podia estar perto disso, mas pra isso precisava se abrir. E pelo visto,
Karen estava certa... era na terapia que Anahí encontraria o seu caminho. E
era lá que ela iria procura-lo.

xxx

O funeral de Torrey foi carregado com toda a dor que um funeral pode ter.
Um padre dava o tom da cerimônia no enterro e Jesse, sentado ao lado da
filha, estava próximo aos pais da falecida ex, sentados na primeira filha
mais próximos ao caixão. Do outro lado de Samantha não estava nenhuma
de suas duas avós e sim Sophia. A menina fazia questão que a tia estivesse
ao seu lado e não aceitou nenhuma outra possibilidade. Desse modo, todo o
funeral Sophia esteve de um lado da menina e Jesse do outro. Um prelúdio
para o que provavelmente iria acontecer dali para a frente na vida dela.

Sophia bem que preferia não estar ali. Ela tinha oferecido a Sam que as
duas não fossem ao funeral, mas a menina fez questão de estar presente no
último momento da mãe. Nem ela, nem Jesse e muito menos a família se
opôs àquele pedido. Sophia queria poupar Sam de ver os avós às lágrimas
se despedindo da filha, mas aos poucos se deu conta que aquele momento
pertencia à ela também. Afinal, era seu adeus à própria mãe. Samantha
bateu o martelo que queria ir e que queria estar entre o pai e a tia durante o
funeral. E assim foi.

Mas nem todos os presentes estavam felizes com o modo como as coisas
tinham se configurado. Se Sophia tinha evitado maiores problemas
simplesmente proibindo a presença de Chad ali – algo que ele não gostou
muito, mas foi obrigado a aceitar – o mesmo não foi possível com relação a
Lindsey. Afinal, ela era ainda a namorada de Jesse, obviamente ela ainda
estaria ali, em especial porque Jenna e Shayne, as irmãs dele, apoiavam
incondicionalmente aquele namoro apenas porque seguiam ressentidas por
Sophia ter terminado com ele e continuado amiga de Chad.

Como as cunhadas estariam presentes no funeral, Lindsey realmente achou


que teria todo o destaque para si. Chegou completamente arrumada no
cemitério pronta para dar o braço para Jesse e assumir o papel de namorada
dele e de madrasta de Samantha que agora se comportaria como mãe.
Certamente era o que todos esperavam dela. Só que foi com uma imensa
surpresa que Lindsey chegou ao cemitério e se deparou com Sophia
voluntariamente fazendo tudo o que ela achava que faria. Que ela pretendia
fazer... mas que agora já estava feito.

Lindsey teve que se conformar em ficar ao lado das irmãs de Jesse e de Jill,
sua mãe, enquanto lançava olhares completamente invejosos para uma
Sophia que, diferentemente dela, apenas cumpria um papel que lhe restou.
Ela estava ao lado de Samantha consolando a menina como faria mesmo
que não tivesse prometido nada à sua falecida mãe. Além disso, dado o
abalo emocional de Jesse e dos pais de Torrey, ela quem organizou o funeral
e a recepção depois dele. Sophia não queria mostrar qualquer coisa com
tudo aquilo, ela apenas fazia o que deveria ser feito e ponto. E ainda fazia
enquanto estava sofrendo por ver a amiga ser enterrada, por ver aquela
criança perder a mãe, por ver o sofrimento estampado e contido na
expressão de Jesse. Diferentemente de Lindsey que, num recalque imenso,
não sofria nada.

Depois do funeral Samantha só aceitou se separar da tia quando encontrou


Dani acompanhando os pais e ficou próximo a ele. Foi no carro de Poncho
que a menina foi do cemitério para o local onde a recepção aconteceria. Foi
o momento que também serviu para mostrar que Jesse e Sophia só ficaram
próximos no funeral por Samantha, já que, quando a menina saiu, Sophia
seguiu para ficar próxima aos amigos e foi com Anahí e Karen que ela foi
para a recepção. O momento que Jesse ficou sem ela, enquanto
cumprimentava os presentes, foi o que Lindsey achou apropriado para
aborda-lo.

— Até que enfim – ela murmurou para o namorado num tom irônico que o
fez franzir a testa.

— Até que enfim o quê? – Jesse questionou franzindo a testa.

— Até que enfim você lembrou que tem namorada – Lindsey acusou – Quer
dizer, lembrou não né? Porque se eu não tivesse vindo até você...

— Lindsey, você por um acaso percebeu o local onde está? O que ta


acontecendo nele...?
— O que eu percebi é que... – ela começou a reclamar mas Jesse a
interrompeu.

— A mãe da minha filha morreu – Jesse lembrou – Ela era minha amiga.
Era alguém importante pra mim. Eu senti que morria por dentro quando tive
que contar pra minha menina de cinco anos que a mãe dela estava morta.
Então me perdoe se a minha prioridade não é você. Estou ocupado demais
cuidando de mim mesmo e da Samantha nesse momento.

— Pois não parece – Lindsey voltou a acusar – Porque eu só vejo você


colado na Sophia.

— Eu não estou colado na Sophia – Jesse bufou longamente – A Sam pediu


pela presença dela. Elas são próximas, o que você quer que eu faça...?

— Você dormiu com ela na noite que a Torrey morreu!

— Eu dormi na mesma casa que ela – Jesse corrigiu – Olha, isso é ridículo.
Sophia era amiga da Torrey também. Ela está sofrendo como eu estou e ta
me dando uma força incrível nisso tudo, a força que a Samantha precisa...

— Eu daria essa força à ela se você permitisse...

— Ela não gosta de você! – Jesse disparou engrossando a voz – E eu não


vou obriga-la a nada, nem agora nem em momento algum. Se for necessário
que a Sophia fique vinte e quatro horas do lado da minha filha e ela
concordar em ficar... não é você gostar ou não que vai impedir isso Lindsey.

— Você não tem um pingo de respeito por mim – a garota resmungou.

— Você não tem um pingo de respeito pelo meu luto – Jesse a acusou – Pelo
fato de eu ter perdido a minha melhor amiga, pela minha filha ter perdido a
mãe dela. Você ta com esse ciúme patético da Sophia e eu sinto muito por
você Lindsey, mas eu não vou me afastar dela. Não vou mesmo...!

— Aonde você vai? – ela perguntou vendo-o se afastar.

— Pra recepção, ora – Jesse resmungou.


— Eu vou com você...

— Não – Jesse impediu – Por favor, não apareça lá. Eu não to com cabeça
pra isso agora. Eu... eu preciso botar tudo no lugar. Seja madura e sensata
por um minuto que seja, eu não tenho tempo pra lidar com essa sua crise. A
minha filha precisa de mim. Ela é a prioridade agora.

Lindsey obviamente não gostou nem um pouco, afinal ela era a namorada
de Jesse, era pra ela estar naquele lugar que Sophia ocupava sem fazer
qualquer esforço. Ela não gostava nem um pouco daquela situação, mas
logo viu que não tinha nada a ganhar forçando ainda mais a barra. Jesse
estava decidido a afasta-la ao menos naquele momento e ela, mesmo
morrendo de raiva, sabia admitir a derrota da batalha para não terminar
perdendo a guerra. Ela daria um passo para trás disposta a voltar o mais
rápido possível, porque não iria perder o namorado de forma alguma.

Mas essa não era a questão para Jesse. Ele não pensava em Sophia como
mulher naquele momento, e sim no modo como ela se comportava com
relação à sua filha. Parecia que a morte de Torrey tinha servido para colocar
as coisas em seus respectivos lugares e trazer a lucidez dele à tona. Se
Sophia importava para Samantha e ajudaria a filha a sofrer um pouco
menos naquele processo todo, então ele abriria as portas da sua vida de
volta para a ex e a receberia de braços abertos, enterrando de vez o passado
entre eles. Pouco importava os motivos do término dos dois, se Sophia
estava com Chad, se ele estava com Lindsey. Tudo o que importava agora
era se Samantha ficaria bem. E para que isso acontecesse, Jesse faria o que
for.

Parecia que a morte de Torrey trazia algumas coisas de volta ao lugar e


definitivamente, outras a pontos que não se esperava: a maturidade para
Jesse enfim estava chegando.

~
Acho que vcs não esperavam que a maturidade do Jesse viesse tão rápido
assim né? Hahahahaha. Se não, espero que a surpresa tenha batido
positivamente. Tem coisas que demoram a chegar, mas quando chegam é no
vrau.
Todo mundo aqui queria botar Samantha num potinho, acertei?

Podem ficar tranquilas: a morte da Torrey não será em vão. E eu não digo
isso apenas para o núcleo Sophia/Jesse/Samantha, mas a própria Anahí
sentiu o impacto dos acontecimentos e decidiu colocar as coisas no lugar e
ajeitar a relação com a mamai. Como não amar Karen e sua butterfly?

E quem ta com saudade dos nossos protagonistas? Na quinta veremos os


dois sendo amiguinhos. Será que vai dar certo?

Estou cerca de 10/11 caps na frente das postagens e digo a vocês que to
sedimentando tudo o que preciso pra trama engatar num ritmo muito bom.
Por volta do 36 coisas muito intensas começam a acontecer e acho que aí
não paramos mais hahahahah. Ansiosas?

Beijos e boa semana 😚

Rafa
Capítulo 24 - Other day

Feliz aniversário Adriana

No caminho para a recepção depois do funeral de Torrey, Diana teve um


imprevisto que interrompeu o caminho. Houve um problema na impressão
de uma remessa de livros e isso exigia sua presença na Planet. Isso
significou que Poncho teve que desviar o caminho, ir para Manhattan e
deixar a esposa na porta do trabalho, seguindo sozinho com as duas crianças
no banco de trás conversando nem tão animadas quanto de costume.

Poncho se acostumou em ver o filho e a afilhada interagindo, sempre com


Samantha animada e falante e Daniel mais calado e introspectivo. Como a
menina daquela vez estava obviamente cabisbaixa, o amiguinho se
esforçava em consolar. Era como se os dois tivessem trocado os papeis.
Poncho observava tudo curioso, sem dizer nada, porque era óbvio que as
palavras doces e inocentes de Dani eram muito melhores para consolar Sam
do que qualquer coisa que ele dissesse.

— Não fica triste Sam – Daniel disse – Sua mamãe agora é uma estrela lá
no céu.

— Papai disse que ela agora é um anjo que cuida de mim – a menina
murmurou – Mas eu queria que ela tivesse aqui comigo.

— Mas você não ta sozinha – ele insistiu – Tia Soph e tio Jesse vão cuidar
de você. E eu sou seu amigo. Não gosto de você triste.

— Obrigada Dani – Sam agradeceu – Mas eu to triste mesmo assim.

Era de partir o coração.

Havia outras crianças na recepção. Todos os amigos e conhecidos de Torrey


que tinham filhos resolveram leva-los na tentativa de distrair Samantha.
Quando Poncho chegou com os dois já tinha todo um grupo reunido e ele
viu seu filho de mãos dadas com Sam leva-la e insistir que ela se distraísse
e ficasse menos cabisbaixa. Poncho sorriu orgulhoso, Daniel era como ele,
não gostava que ninguém que amava ficasse triste.

— Ele é completamente igual a você.

Um arrepio passou por Poncho quando se virou para trás e viu Anahí parada
logo atrás dele. Ela usava um comportado tubinho preto e o cabelo estava
preso num coque bem feito. Formal e delicada como costumava ser.
Estonteante como ele se lembrava.

Não adiantava. Qualquer distância entre eles era colocada a pó quando


Anahí se aproximava. Poncho suspirou lutando para as pernas não
fraquejarem, sentindo algo no corpo se remoer pelo que ela causava nele,
sem saber dizer onde ou o que era. Ele sabia que Anahí não se aproximava
com qualquer segunda intenção, mas, mesmo despretenciosa, ela mexia
com ele. Não era algo com o qual ele podia lidar.

— Você acha? – ele sorriu orgulhoso – Eu também acho, mas muita gente
diz que ele é a cara da Diana. Intriga da oposição, eu diria.

— Ele lembra a Diana também – Anahí constatou – Mas os seus detalhes


estão nele. Agora eu consigo ver bem... o modo de andar, de se mexer... é
você todinho.

— Fico feliz que alguém concorde comigo!

— E a Diana? Eu pensei tê-la visto no funeral com você.

Anahí não pensou, ela viu. Mas não queria passar para Poncho a impressão
que os observou demais, mesmo tendo sido exatamente assim.

— Ela teve uma emergência de trabalho – Poncho explicou – Coisas da


editora. Eu a deixei lá e vim pra cá porque Deus sabe o quanto a Sam ta
precisando do Dani.
— É bom que eles são bem próximos – ela sorriu constatando – Cresceram
juntos. Todo mundo deveria ter uma amizade assim.

— Nós quase tivemos – Poncho riu sentindo o rosto esquentar – Só que


acabamos desvirtuando um pouco.

— Continuamos amigos – Anahí deu de ombros – Estamos aqui como


amigos, não é? Sinal de que não conseguimos desvirtuar tanto assim.

Amigos que sentiam o que eles sentiam um pelo outro podem realmente ser
chamados assim...?

Enquanto a pergunta pairava na cabeça de Poncho, vendo a expressão de


Anahí indicar que aquela dúvida que o assombrava nem passava pela sua
cabeça, Daniel se aproximou observador. Ele via a troca de olhares do pai
com a desconhecida e sentia algo no ar. Obviamente se aproximou para tirar
a história à limpo.

— Papai...

— Vem cá Dani – Poncho disse pegando o menino nos braços e levando-o à


altura de Anahí – Lembra que eu disse que tinha uma amiga que estava
doente, que você não conhecia? Então... essa é a Anahí.

— Oi – Dani respondeu sorridente, mas ainda desconfiado – Eu sou o Dani.


Eu tenho cinco. Faço seis no mês que vem.

— Oi Dani – Anahí sorriu derretida pelo menino – Tudo bem com você?
Você é igualzinho o seu pai.

— Você acha? – o menino franziu a testa.

— Todo mundo deveria achar – Poncho resmungou rindo e colocou o


menino no chão – Ande, vá brincar. Não deixe a Sam sozinha.

Daniel não precisou de mais argumento algum para deixar o pai sozinho
com a amiga. Ele estava ferrenho na missão de consolar Samantha a todo
custo, então baixou que Poncho dissesse para ele voltar e o menino
obedeceu. Se antes Anahí tinha nos lábios um sorriso bobo ao ver o filho do
ex-namorado ali, aumentou depois que o menino se afastou.

— Eu acho que to apaixonada – ela não evitou comentar. Poncho riu.

— Pelo meu filho...? – ele ergueu as sobrancelhas – Acho que você é a


primeira pessoa nesse mundo que acha o Dani tão parecido assim comigo.

— É inevitável – Anahí confessou – Eu não consigo não olhar pra ele e não
imaginar o nosso filho.

A resposta dela deixou a boca de Poncho completamente seca. Ele


simplesmente não sabia o que dizer, embora mil coisas passassem pela sua
cabeça naquele momento. Ele entendia e sentia completamente a dor dela,
mas de certa forma, ao mesmo tempo que eram muito iguais, eram
totalmente diferentes. Porque, afinal, Poncho tinha vivido o luto da perda
daquele filho que ele nunca soube que estava à caminho, mas ainda assim
ele tinha outro, em carne e osso, pronto para receber todo o seu carinho.
Anahí não.

De certa forma Poncho até evitava pensar naquela criança, já que um


mecanismo na cabeça dele, uma linha lógica quem sabe, deixava claro que,
se o filho que ele teria com Anahí viesse a nascer, Dani nunca teria existido.
Pensar nisso o levava à ideia de que ele só tinha o filho que tanto amava
porque ela foi sequestrada. E escolher entre aquelas duas hipóteses sufocava
Poncho, já que ele amava Anahí mas também amava o que tinha construído
com Diana. E por mais que lhe causasse um aperto no peito a ideia do que
poderia ter sido, ele não podia dizer que se arrependia de ter construído uma
família que o fez – e ainda o fazia – um tanto feliz.

Como ele iria consola-la então? Como ele dizia que sentia muito, quando na
verdade ele voltava para casa e colocava Daniel na cama enquanto Anahí
seguia sozinha, sem ele e sem a criança que os dois perderam? Era difícil.
Por isso ele pensava demais e não conseguia dizer nada, porque a verdade
era que nada do que Poncho dissesse seria suficiente.

— Vamos lá, você não precisa ficar assim – Anahí sorriu – Eu estou
superando. Aos poucos, mas estou.
— É que é difícil pensar nisso – Poncho mordeu os lábios – Porque depois
que começou a parar de doer... na verdade, só começou a parar quando eu
comecei a imaginar como ele... ou ela... como essa criança seria.

— E como ele ou ela é na sua imaginação? – a voz de Anahí saiu muito


curiosa – Porque na minha cabeça só passa um vazio.

— Eu não sei por que, mas... na minha mente é ela – Poncho respondeu não
conseguindo não sorrir – Talvez seja porque eu já tenho um menino em
casa. Então... ela tem os cabelos castanho claros como os seus são
naturalmente... tem os olhos verdes como os meus, as bochechas redondas e
um ar de menina doce. Ela é fácil de lidar, é carinhosa e compreensiva... é
uma criança encantadora.

— Fácil de lidar, bem sua filha – Anahí sorriu – Você imagina uma criança
à sua imagem e semelhança, assim é mole!

— Não, a parte de "carinhosa e compreensiva e ar de menina doce" é você


todinha – Poncho respondeu encarando-a com todo o carinho do mundo –
Eu não consigo imaginar um filho nosso sem parecer demais com você
Any.

Anahí bem que queria ter uma resposta para aquilo, mas ela estava ocupada
demais tentando não fazer seu rosto denunciar o quanto estava derretida por
dentro. Poncho lhe encarava com ternura, tinha um sorriso mágico no canto
da boca dele, seus olhos brilhavam. E ela, ao mesmo tempo que estava feliz,
sentia uma dorzinha no coração com aquelas palavras, já que retratavam
apenas sonhos. Aquela criança imaginária nunca seria real, considerando
que eles jamais ficariam juntos novamente.

— Você e sua mãe fizeram as pazes né? – Poncho perguntou depois de um


tempo de silêncio entre os dois.

— Como você sabia...

— Que vocês estavam brigadas? – ele riu – Dava pra enxergar da outra
esquina...
— Ai idiota – Anahí revirou os olhos – Eu não aguentava mais ficar brigada
com ela.

— Isso quer dizer que você aceitou o Keith?

— Quer dizer que eu e ela não vamos mais brigar por causa dele – Anahí
corrigiu – Nem de nada.

— Eu acho de bom tamanho – Poncho observou – Sei que aos poucos você
vai acabar aceitando-o, porque vá por mim... é impossível haver um ser
humano que não goste do Keith. Todo mundo gosta dele.

— Já dizia minha mãe, eu não sou todo mundo – Anahí deu de ombros.

— Ai Anahí – Poncho fechou os olhos e negou com a cabeça, pensando no


quanto ela seguia impossível com aquelas respostas na ponta da língua – Se
dê a chance de conhecê-lo, mesmo que seja pouco a pouco. Você vai ver o
ser humano incrível que o Keith é.

— Por que você paga tanto pau pra ele...? – Anahí estreitou os olhos.

— Porque eu testemunhei o quanto ele salvou a sua mãe depois que você
desapareceu – Poncho confessou – Ele cuidou dela, a tratou como a coisa
mais importante do mundo pra ele, o que não é só ela, você também é. E
sinceramente... Keith é um cara incrível. Você sabe com o que ele trabalha?

— Com o quê? – ela fez uma careta – Pelo que eu vi ele tem dinheiro, então
deve ser um empresário de sucesso, arquiteto, ou daqueles advogados
babacas que foram meus professores em Georgetown, acertei?

— Errou – ele disse com prazer – Ele trabalha com jovens em depressão.
Faz palestras motivacionais contra suicídio. Tem livros publicados. Por isso
ele tem dinheiro. Ele é conhecido internacionalmente, rodou a Europa
inteira salvando adolescentes.

Finalmente Poncho disse algo que deixou Anahí realmente surpresa. Por
isso ela não esperava.
— Tudo começou quando ele salvou um garoto de se matar na frente dele,
na cidade onde a sua mãe morava, há muitos anos – Poncho continuou
contando, mesmo com Anahí fingindo que não se importava – Ele ainda
vivia uma vida comum naquela época, era professor. Ele ajudou o garoto,
Jimmy Edwards, a enfrentar a depressão e encontrar um caminho como
locutor esportivo. E desde então ele trabalha com isso.

— Como você sabe tantos detalhes? – Anahí torceu o nariz – É preciso


saber disso tudo pra entrar no fã-clube do Keith?

— Debochada – ele desdenhou – Eu li os livros dele, o primeiro conta essa


história e Jimmy Edwards escreveu o prefácio. E não só isso... ele já fez
uma palestra na escola onde o Mane trabalha. E ele me disse que a Maite
estava vendo há um tempo atrás se ele não podia conversar com os alunos
dela também, numa aula especial, mesmo eles sendo crianças. Porque o
índice de crianças em depressão, que aos dez, onze anos se suicidam por
bullying, é enorme. Até a Maite gosta dele, Anahí... você não pode se fazer
de difícil.

— Eu não estou me fazendo de difícil – ela revirou os olhos – Nenhum de


vocês viveu vinte e poucos anos da vida a minha história pra saber.

— Realmente – Poncho concordou – Por isso eu disse: dê tempo ao tempo.


Deixe que ele se aproxime e te conquiste. Eu tenho certeza que ele vai
conseguir.

Anahí não apenas não tinha certeza, como estava disposta a lutar totalmente
contra aquela história toda. Por mais bonita que fosse a história de Keith,
por mais admiração que ela tivesse pelo que Poncho acabara de lhe contar –
embora não admitisse – isso não mudava nada. Keith continuava sendo o
pai ausente da vida inteira dela, o culpado pelas lágrimas de Karen, por
Anahí se sentir mal e por vezes sozinha. Isso não era algo que se esquecia
fácil assim. Ela podia perdoar a mãe, podia aceitar o casamento dos dois,
mas perdoar o pai... isso eram outros quinhentos.

xxx
Mane não pôde ir ao funeral de Torrey. Era dia do treino do time dele, havia
um jogo muito importante no dia seguinte, ele simplesmente não podia
faltar. Naquela manhã ele fez uma ligação para Jesse, se desculpando com o
amigo pela ausência e obviamente obtendo sua compreensão. Para Sophia
Mane mandou uma mensagem consideravelmente carinhosa como sabia
que a amiga merecia indicando seu pesar pela situação e oferecendo seu
apoio. Tal como o ex-namorado, Sophia respondeu de forma feliz e
agradecida e assim a história se encerrou.

Só que aquela era uma terça à noite, e de algo Mane simplesmente não
podia fugir: o jantar semanal de família na casa de suas mães. Entre elas
Priscila gostava de cozinhar e Jade de comer com a família reunida na
mesa, por isso as terças eram os dias fixos dos quatro se encontrarem e
Mane por isso evitava marcar compromissos para garantir que estaria lá.
Naquela tarde, assim que o treino terminou, ele saiu direto do trabalho para
a casa de suas mães, acreditando que aquela seria uma noite tranquila e que
ele iria desabafar sobre a semana difícil e conversar sobre a situação
complicada que Jesse e Sophia certamente viviam pela perda de Torrey.

Ao menos era o que ele achava.

Assim que Mane pôs os pés dentro da casa, sua irmã Kamilla já estava a
postos com o ar de veneno de sempre. Boa coisa não era.

— Chegou o pescoço mais valioso da noite – ela debochou – Hoje aqui


você vale mais morto do que vivo, porque a mamãe quer te matar.

— Qual delas? – Mane perguntou no automático.

— Jade – Kamilla revelou.

— O que foi que eu fiz...? – ele perguntou novamente franzindo a testa, mas
não chegou a ouvir a resposta.

— Ah, aí está você! – ele ouviu a voz da mãe acusando e olhou para cima,
vendo Jade descer as escadas com a expressão de revolta no rosto e Priscila
logo atrás com uma careta – O traidor...!
— Oi mamãe – Mane disse se referindo a Jade que parecia revoltada com
ele, logo se virando para a outra mãe que também estava ali – Oi mãe...

— Nem adianta vir todo carneirinho porque eu já estou sabendo de tudo –


Jade resmungou – Como você pôde Mane...? Eu pensei que tinha te criado
direitinho!

— O que eu fiz afinal? – Mane arregalou os olhos.

— Começou a namorar uma mulher que não é a Maite – Priscila soltou


entre os dentes. E Mane entendeu tudo.

— Estragou o plano astral perfeito da mamãe – Kamilla completou.

— E me deixou descobrir através de terceiros! – Jade disse puxando a


orelha dele – Seu peste...!

— Mãe, não é um namoro, Pia e eu estamos apenas saindo, nos


conhecendo...

— Pia – Jade debochou – Isso lá é nome? Presente do indicativo do verbo


"piar"! Eu não te ensinei nada? Indico a namorada perfeita pra você, com
aquele mapa astral de felizes para sempre e você fica com a garota que só
tira selfie na academia e posta stories indicando uma nova publicação...!

— E sim Mane, a mamãe já stalkeou o Instagram da garota – Kamilla abriu


um imenso sorriso debochado.

— Mãe, ela é legal – Mane disse forçando um pouco.

— Por que você ta com essa cara de que comeu e não gostou? – Priscila
perguntou cruzando os braços.

— Talvez ele tenha comido de fato e não gostado – Kamilla deu de ombros.

— Garota cala essa boca – Mane resmungou quase tacando a irmã longe –
É que... sim, ela é legal, é divertida, é incrível. Mas ela não é a Maite.
— Então podemos resolver isso de uma forma mais fácil do que eu pensava
– Jade continuou vendo uma careta do filho se formando – E nem adianta
fazer essa cara! Você sabe que tudo poderia se resolver de uma forma bem
simples: com você deixando de ser covarde e se declarando pra ela...!

— Como que eu vou me declarar se ela mesma que apresentou a Pia pra
mim depois que eu a chamei pra ir no jogo e insistiu que eu desse uma
chance...? – Mane questionou cruzando os braços com ar de cansado.

— Nem passa pela sua cabeça que ela pode fazer isso tudo porque não faz
ideia do que você sente por ela? – Priscila perguntou.

— É glaucoma que chama? – Kamilla franziu a testa pensativa.

— Ela é traumatizada mãe – Mane suspirou ignorando a irmã – Um


casamento traumático daqueles... eu não quero machuca-la mais, deixa-la
mais confusa...

— Você não vai machuca-la caramba, você vai facilitar a vida dela! – Jade
revirou os olhos – Olha Mane, se você continuar nesse lenga-lenga o único
a perder é você mesmo, de verdade. Porque se não for fiel a si mesmo e não
escutar seu coração... meu filho, você vai estar condenado a ficar
eternamente com a garota que é boa, divertida e o que for, mas que não é a
que você que você ama.

Contra isso Mane não tinha o que falar.

xxx

Havia dias que não importava o quanto se tinha feito, se muito ou pouco, o
cansaço ao fim não era físico, era emocional. Era o desgaste. Aquele era um
dia exatamente assim, só que o cansaço era em dobro. Quando Sophia
chegou no próprio apartamento ela mal sentia os próprios pés. A noite
anterior àquela ela praticamente não tinha dormido porque, com Jesse
lidando com Samantha e os pais de Torrey em frangalhos, coube a ela
cuidar de todos os detalhes do funeral.
E não tinham sido poucos detalhes. Embora fosse uma recepção pequena,
Sophia com sua mania de perfeição ficou completamente exausta. Isso fora
a situação em si, lidar com toda aquela gente, e depois fechar a confeitaria
para a recepção, servir a comida, ser atenciosa com os familiares e amigos
de Torrey... era o suficiente. Isso porque Sophia não teve que passar o dia
com Samantha, porque bastava olhar nos olhos da menina e ver seu
sofrimento para o coração dela estar completamente destruído.

Ao menos a noite finalmente tinha chegado e ela poderia descansar, embora


aquilo fosse mais com relação à questão física do que nos seus
pensamentos. A cabeça de Sophia simplesmente não parava e ela tinha
certeza que, se dormisse, seria somente porque o sono trataria de lhe apagar.
Ela tinha medo do tipo de coisa que sonharia. Certamente seriam pesadelos.

Só que Sophia nem chegou a deitar na cama antes da campainha tocar. Ela
tinha acabado de vestir um pijama após sair do banho e calçar uma pantufa
quando ouviu o barulho. Sophia ao fim daquele dia esperava que fosse
Chad do outro lado da porta lhe cobrando explicações que ela sabia que não
devia, afinal eles no fundo não tinham nada. Mas não era ele, não era
nenhuma das pessoas que ela poderia cogitar embora não o tivesse feito.
Quando Sophia abriu a porta, ela viu Jesse de mãos dadas com Samantha,
ambos ainda com a roupa do funeral e a menina com uma mochila nas
costas e os olhos vermelhos de provavelmente ter chorado de novo.

— Me desculpe Soph – Jesse pediu exausto – Mas eu não consegui não


convencê-la a não vir... eu sei que já abusei demais da sua boa vontade por
um dia, mas...

— Não briga com o papai, tia Soso – Samantha disse com a voz embargada
se agarrando nas pernas da tia no segundo seguinte – Eu não queria ir pra
casa... eu queria você...

— Eu não vou brigar – Sophia disse se abaixando e pegando a menina nos


braços.

— Nós... podemos ficar? Ao menos um pouco? – um receoso Jesse


perguntou. Antes que ela pudesse responder, Samantha retrucou.
— Um pouco não, eu quero dormir aqui – ela resmungou chorosa – Eu não
quero ir pra casa...

— Filha... – Jesse cansado respondeu – Nós não pod...

— Jesse, tudo bem – Sophia sorriu de canto sentindo Samantha envolver


seu pescoço – É claro que vocês podem ficar.

— Eu prometo que não vamos incomodar – Jesse se apressou em dizer –


Amanhã mesmo...

— Amanhã nada papai, a gente vai ficar – Samantha resmungou decidida.

E ponto.

Sophia obviamente voltou todas as atenções que tinha para a menina. Ela
deu um banho em Samantha, vestiu a menina com o pijama que estava
dentro da mochila enquanto ouvia Jesse contar que tinham colocado os pés
em casa e a filha fez um escândalo chorando querendo ir para a casa da tia.
Em outros tempos Samantha rebateria e ironizaria o pai, mas naquele
momento ela ficava calada. Era a prova de que ela não estava bem, que os
dois tinham que relevar e fazer as vontades dela, porque não eram frescuras
ou sinais de que era uma criança mimada exigindo atenção, ela realmente
estava sofrendo.

Jesse continuou contando que a única coisa que deu tempo foi de pegar uma
muda de roupas da filha e sair o mais rápido possível. As roupas dele
acabaram sendo esquecidas e agora ele resmungava sem parar que não teria
nem mesmo o que vestir para dormir. Samantha continuava calada, mas foi
então que Sophia deu uma solução que nem pai nem filha esperavam.

— Acho que ainda tem algumas roupas suas aqui – Sophia murmurou –
Olha naquela gaveta que você costumava deixar.

A frase pegou Jesse de surpresa. Ele saiu do banheiro e foi para o quarto
dela, abrindo a gaveta em questão. De fato havia sim, duas ou três camisas,
um short de dormir, algumas cuecas, literalmente uma muda de roupas. Não
era muito, mas era o suficiente, bastava por aquela noite e no dia seguinte,
se houvesse necessidade, ele voltaria em casa nem que fosse sozinho e
pegaria outras coisas. O que o deixava feliz era que Sophia tinha mantido as
coisas dele ali, nem devolvido nem jogado fora, eram as poucas peças que
ele tinha deixado para trás e que restaram no apartamento dela. Como se
estivessem esperando por ele.

E ainda melhorou... quando Jesse pegou a camisa ele se surpreendeu ao


sentir, mesmo que de longe, o cheiro de Sophia ali. Primeiro ele achou que
só poderia se tratar de um engano, até levar a roupa no nariz e cheirar, e
realmente identificar o cheiro dela. Não do perfume, da pele de Sophia, um
cheiro que ele conhecia depois de dormir abraçado com ela por muito
tempo. O cheiro que as roupas com as quais ela dormia tinham, que o lençol
da cama que eles dividiam tinha. Era sinal de que ela andou usando aquela
camisa, e se isso não queria dizer nada, ele não saberia mais o que pensar.

Quando Jesse voltou ao banheiro Samantha já tinha terminado o banho e


Sophia penteava o cabelo da menina. Ele tomou o seu, lento e demorado,
porque afinal o dia não tinha sido exaustivo somente para as duas, mas para
ele também. E era apenas o primeiro dia do resto de suas vidas, porque
Torrey não voltaria, ele não sabia quando ou se Samantha ficaria bem
novamente agora sem a mãe e não sabia se poderia contar com Sophia
eternamente. Jesse não fazia ideia da promessa que ela fez para Torrey e
nem mesmo do fato de que cumpriria mesmo se nunca tivesse prometido.
Ele sabia que Sophia amava Samantha como se ela fosse sua filha, mas
também sabia que não podia exigir nada dela. Ela tinha sua vida e na cabeça
dele, ela tinha Chad. Sophia estava fazendo demais e, uma hora ou outra,
Jesse teria que seguir seu rumo com a filha sem ela.

Só que, ao sair do banho vestindo a roupa que estava na gaveta, Jesse se


deparou com Sophia e Samantha deitadas juntas na cama assistindo um
desenho infantil. Ele esperava que a filha já tivesse dormido, mas a julgar
pela atenção dela olhando para a TV, estava longe.

— Soph? – Jesse chamou – Eu preciso de um lençol e um travesseiro. Pro


sofá.

— Não papai, dorme aqui com a gente – Samantha disse levantando e


puxando o pai pela mão – Anda, vem.
— Não filha, eu vou dormir na sala – Jesse disse acariciando os cabelos
dela – O certo seria você dormir também, mas nada te arranca daqui,
então...

— Papai, tem espaço pra nós três – Samantha insistiu – A tia Soso não se
importa.

— Samantha... – Jesse ralhou.

— Jesse – Sophia chamou e ele imediatamente a encarou – Fica.

— Soph, não precisa...

— Precisa sim – Sophia repetiu – Ela precisa de nós dois agora. Realmente
tem espaço.

É claro que tinha. Aquela cama tinha sido comprada pensando em três,
porque era nela que os três dormiram juntos várias vezes anos antes, nas
vezes que Samantha dormia no apartamento que o pai dividia com Sophia.
Agora era como se eles voltassem àquele tempo, com a menina abraçada
com Sophia e Jesse observando-as discreto e admirado com o tanto que elas
se amavam mesmo não tendo o sangue uma da outra.

Agora era um pouco diferente, ele olhava confiante e temeroso ao mesmo


tempo. Confiante porque ele sabia que Samantha estava em boas mãos e
seria amada, e temeroso porque não sabia quanto tempo aquilo iria durar.
Mas no fundo, a esperança vencia o medo e Jesse queria – e conseguia –
acreditar que Sophia deixaria tudo de lado e seria uma mãe para Samantha
mesmo com o que tinha acontecido com eles. E por ela, por elas, Jesse faria
o mesmo. Ele deixaria o passado para trás. Ele iria recomeçar do zero e iria
passar pelo que fosse para que a filha ficasse bem e Sophia ficasse ao lado
deles. E, mesmo que ele e ela nunca mais ficassem juntos, da forma mais
torta e imprevisível do mundo eles aprenderiam a ser uma família.

Olá meuzamô, tudo bom?


Estou muito irritada com o Wattpad que não notificou ninguémmmmm do
último capítulo grrrrrr nem dá ânimo de postar com um app merda desses
😩

Me contem, o que acharam do capítulo? Quero saber tudo!

Hoje não to mt inspirada pra falar mt porque to cansada e estressada! Então


vou deixar a falação por vcs rs

Beijos e até segunda!

Rafa
Capítulo 25 - The ugly truth

Feliz aniversário pra linda da Edieny

A notícia do noivado de Lexie Grey e Jackson Avery tinha voado com toda
a velocidade possível nos corredores do New York General Hospital. Nos
dias que se seguiram uma Lexie que já não estava tão inflamada na bebida
assim em consequentemente, parecia muito mais discreta, mas todas as
pessoas que cruzavam com ela a parabenizavam, pediam para ver seu anel,
perguntavam se já havia uma data. Lexie estava exausta com toda aquela
atenção. Ela rezava para deixar de ser notícia o mais breve possível e
pararem de falar dela, quem sabe fingirem que nada estava acontecendo.
Mas a verdade é que somente uma pessoa estava fingindo. Não era preciso
imaginar demais para supor quem era essa pessoa.

Mark Sloan.

Jackson obviamente não era idiota. Naquele dia em especial era um


domingo e ele estava no hospital somente para confirmar os detalhes de um
pós-operatório que Mark, que estava de plantão, acompanharia durante o
dia. Dali, Jackson seguiria para um almoço com Lexie na casa de um casal
de amigos dela. Quando ele encontrou o chefe, veio a lembrança do dia de
seu noivado. Jackson estava com uma pulga atrás da orelha desde aquela
noite e ali teve o momento perfeito para tirar a dúvida.

— Eu ainda estou esperando os seus parabéns pelo meu noivado – Jackson


alfinetou encarando Mark e vendo o mentor ficar desconcertado.

— Ah – Mark murmurou – Parabéns Avery. Naquele dia eu... ficou uma


confusão... eu não estava me sentindo bem...

— Não se preocupe – Jackson negou com a cabeça – De qualquer forma, eu


gostaria de te fazer um convite. Eu quero que você seja o meu padrinho.
Mark quase engasgou com a própria respiração. Ele não podia estar falando
sério...

— Eu...? – ele arregalou os olhos – Avery...

— Você é meu mentor, é meu amigo – Jackson enumerou – Se não fosse


por você ter me incentivado a ficar na Cirurgia Plástica, a permanecer no
hospital no fim da residência, eu não teria voltado com a Lexie e não
estaríamos noivos. Eu não consigo pensar em escolha melhor.

Obviamente Mark se sentia esbofeteado, tanto pela frase recém-dita pelo


pupilo quanto pela mensagem no quadro geral. Estava claro: se Lexie e
Jackson estavam juntos, era por causa dele, fosse na ação ou na omissão...
aquilo já era demais.

— Eu não posso aceitar – Mark respondeu, vendo as sobrancelhas de


Jackson se arquearem pela surpresa.

— Não pode ou não quer?

— Não posso e não quero – Mark não deixou de encara-lo – Não pegaria
bem. A Lexie é minha ex-namorada, seria muito constrangedor.

— Só seria se você ainda nutrisse algum sentimento por ela – Jackson


afirmou encarando Mark firme – E eu não acho que o meu chefe, meu
amigo, sentiria alguma coisa pela minha noiva. Não é verdade Sloan?

— Sendo assim... – Mark encarou Jackson de volta – É melhor mesmo que


você faça o convite pra outra pessoa.

Agora quem parecia ter sido esbofeteado era Jackson. Mark não apenas
estava confirmando suas suspeitas de que nunca tinha deixado de amar
Lexie, ainda fazia isso na sua cara, sem o mínimo pudor. Ele não fazia
muita questão de disfarçar.

— Obrigado pela honestidade – Jackson murmurou sério – Eu preciso ir,


Lexie está me esperando. Com licença.
Pelo visto, a relação de trabalho entre Mark e Jackson poderia durar
eternamente, mas sua amizade tinha acabado de encontrar o seu fim. Afinal,
Jackson jamais conseguiria continuar encarando Mark como seu amigo
quando ele tinha acabado de confessar implicitamente seus sentimentos por
Lexie. Em especial porque, no fundo do peito, ele queria acreditar de
qualquer forma que sua noiva, diferentemente do ex, não sentia nada por
ninguém que não fosse ele.

Ao menos era o que Jackson Avery queria acreditar...

xxx

O almoço no qual Jackson acompanharia Lexie era na casa de Poncho e de


Diana. Uma semana após a morte de Torrey, Poncho resolveu que seria uma
boa ideia reunir os amigos em sua casa para acalmar os ânimos e deixar
Samantha cercada de gente para distrai-la. Tanto ele quanto Diana vinham
acompanhando os relatos de Jesse de que a menina estava tendo pesadelos,
dificuldade para dormir e só apagava quando o sono a derrubada e mesmo
assim, somente colada em Sophia.

Isso gerou em todas as pessoas próximas a necessidade de tentar ajudar


Samantha de alguma maneira. Uma semana depois da morte de sua mãe se
via que a menina estava completamente frágil e Sophia e Jesse, por sua vez,
esgotados pela rotina exaustiva de sempre da confeitaria somado a todo o
cuidado que vinham tendo para que a menina ficasse distraída cem por
cento do tempo. Era nisso que Poncho estava pensando quando propôs
aquele encontro: um dia no qual Samantha brincaria com Daniel e deixaria
o pai e a tia entre adultos, bebendo um bom vinho e se aliviando de todo o
desgaste que vinha lhes abatendo.

O curioso do encontro começou quando Diana teve a brilhante ideia de


convidar Anahí. Ela era amiga de Poncho e afinal de contas, por que não?
Sophia aplaudiu a iniciativa e Poncho também se perguntou se haveriam
motivos para impedir aquele convite, e acabou aceitando-o. Partiu dele
próprio a formalização, e antes que Anahí pudesse pensar em negar, Sophia
já insistia sem parar que ela aceitasse, em êxtase pela possibilidade daquele
grupo dividido finalmente voltar a se reunir.
Aquela ideia do grupo reunido não animou somente Sophia, mas a própria
Anahí. Contagiada, ela resolveu puxar para si a responsabilidade de tudo
aquilo, já que sabia que boa parte daquela desunião tinha sido causada por
seu desaparecimento. Se ela ajudou a separar, ajudaria a reunir, era bem
simples. Com isso Anahí perguntou a Poncho se ele se incomodaria se
Christian e Maite também fossem. Ela bem viu a careta no canto da boca do
ex com a pergunta, tal como percebeu que ele fez um esforço real em dizer
que ela era livre para convidar os amigos. E foi exatamente o que Anahí
fez.

Christian não foi difícil de convencer. Apesar de não morrer de amores por
Diana, bastou Anahí argumentar por dois minutos e ele se deu por vencido e
confirmou presença. O mais complexo, é lógico, era Maite. Ela negou a
primeira tentativa, a segunda, a terceira e somente na quarta deu alguma
chance de ouvir os motivos de Anahí, mesmo assim com uma careta
enorme e toda a resistência do mundo. Acabou aceitando somente porque
foi literalmente vencida por sua melhor amiga que não pararia de insistir
naquilo enquanto não ouvisse o que queria ouvir. Maite sentia que iria se
arrepender, já que metade do seu discurso anti-Poncho perdia a validade
quando ela iria confraternizar na casa dele e de sua esposa... mas o que ela
não fazia por Anahí?

Aquela não era a única gafe do dia. Pior do que tinha sido para Anahí
convencer Maite a ir, foi Sophia convencendo Chad a não ir.

— Eu pensei que nós estávamos fingindo um namoro – Chad ponderou


completamente irritado encarando-a – Você me barrou no funeral da sua
amiga, vem me ignorando a uma semana...

— A minha prioridade não tem sido essa, você não percebeu...? – Sophia
murmurou verdadeiramente exausta – Chad, a Sam precisa de mim.

— Isso só te aproxima ainda mais do pai dela, será que você não percebe...?

— Muito bem, como eu vou dizer isso? – Sophia respirou fundo – Ok...
foda-se.

— Desculpe...? – Chad arqueou as sobrancelhas, vermelho de raiva.


— Foda-se se isso me aproxima do Jesse, foda-se se você não gosta, foda-
se se ele e eu tivemos uma história e isso vai passar qualquer impressão que
seja – ela despejou – Eu to pouco me lixando pra tudo isso. Aquela criança
é tudo pra mim Chad, eu faria qualquer coisa pra vê-la bem, qualquer coisa
mesmo. Agora o menos importante é o que o Jesse pensa ou o Jesse sente,
eu só quero ver a filha dele bem, e se ela precisa que nós nos aproximemos
pra estar bem, então eu vou me aproximar, ponto.

— Então é assim...? – Chad cruzou os braços – Eu fico com um papel de


idiota nessa história toda né? Porque todo mundo pensa que nós estamos
juntos e de repente você ta dormindo na mesma cama que o seu ex...

— Eu estou dormindo do lado da filha dele que eu amo como se fosse


minha filha – Sophia ressaltou – E você jura que ta preocupado com o
modo como os meus amigos veem você? Eles nem gostam de você Chad.

— Dá pra imaginar por que – ele voltou a ironizar.

— Olha só, eu pensei que tudo isso fosse por mim, por decisão minha, e
não por você – Sophia acusou – Agora a minha prioridade é outra. Eu
coloquei algo na minha vida acima do que eu tive e tenho com o Jesse. E eu
vou levar isso até o final, goste você ou não. E se você não gosta, é você
que não tem mais espaço na minha vida.

— Então as coisas vão ser assim?

— Sim, as coisas vão ser assim – Sophia confirmou – Você não vai comigo.
Eu sinto muito.

Mas a verdade é que Sophia não sentia. Ela pouco se importava se Chad
estava irritado ou não. A única coisa com a qual ela se importava realmente
era se Samantha estava bem. O que aconteceria entre ela, Jesse e Chad no
meio do percurso era pura consequência.

xxx

Diana com o seu excesso de perfeccionismo de sempre estava cuidando de


tudo nos mínimos detalhes para que aquele almoço ficasse maravilhoso.
Tanto Lexie quanto Sophia chegaram cedo e ajudaram a preparar as coisas,
de modo que os demais convidados, que trouxeram alguns pratos,
apareceram quando tudo já estava engatilhado. Samantha não estava nem de
longe em seus dias mais animados, mas conseguiu dar um sorriso quando
Daniel a abraçou e os dois correram para jogar videogame na sala, sob os
olhares felizes e aliviados de uma Sophia e um Jesse que fizeram um
caminho silencioso no qual compartilhavam a mesma preocupação: se
aquilo tudo serviria para deixar a menina melhor.

Pelo visto estava servindo...

Quando Sophia chegou, Lexie já estava lá com Jackson. Enquanto o


namorado bebia uma taça de vinho acompanhando Poncho – mesmo os dois
não tendo nenhuma afinidade – a cirurgiã aproveitou a chegada da amiga
para dizer algo que fazia sua língua coçar.

— Anahí vem e vai trazer Maite e Christian – Lexie confidenciou vendo


Sophia arregalar os olhos.

— De quem foi essa ideia...? – Sophia perguntou visivelmente preocupada


– Porque isso não me parece ter como dar certo...!

— Da própria Anahí – Lexie ressaltou – Mas relaxe. Diana e Poncho sabem


e estão bem com isso.

— É que Maite e Diana no mesmo lugar não me parece a receita perfeita do


sucesso – Sophia fez uma careta.

— Diana e Anahí, Maite e a garota com quem o Mane está saindo – Lexie
acrescentou – Porque sim, ele vai trazê-la.

— Baixou a falta de noção nesse povo...? – Sophia negou com a cabeça sem
acreditar – O objetivo desse almoço era fazer algo que deixasse a Sam mais
tranquila, e não iniciar a crise da década que culmina na Terceira Guerra
Mundial!

— Eu estou estranhamente otimista se você quer saber – Lexie disse antes


de bebericar o vinho – Eu não sei por que, mas estou com uma sensação
que a Anahí vai finalmente conseguir colocar tudo de volta nos trilhos.

— Eu queria ser esperançosa como você é – Sophia suspirou – Vamos ver


como vai ser.

Eles veriam.

A própria Anahí não estava tão otimista assim. Afinal, no caminho da casa
de Poncho no Uber Maite não parava de resmungar dizendo que aquela era
uma péssima ideia, que não tinha como dar certo, que era esforço demais
ela passar o dia inteiro não podendo ironizar Poncho e Diana, que ela iria
acabar explodindo. Christian mexia no celular sem parar porque estava
combinando de sair no final da tarde com seu novo affair e insistia em dizer
que o grande problema de Maite era a falta de sexo, o que deixava a morena
ainda mais irritada. No fim a discussão dos dois acabou sendo quebrada
com uma fala de Anahí que disse por si.

— A culpa disso tudo é minha – Anahí disse chamando a atenção dos dois –
Eu fui sequestrada e vocês brigaram com todo mundo. Vocês viraram vocês
e fizeram com que eles se tornassem eles, quando antes de eu sumir todos
éramos nós.

— Você não tem culpa de ter sido sequestrada – Maite ressaltou com um
tom meio irônico, mas sua melhor amiga tinha a resposta na ponta da
língua.

— Então a culpa é de vocês mesmo – ela devolveu vendo a morena


arregalar os olhos. Antes que ela pudesse retrucar, Anahí continuou –
Olhem, ninguém é obrigado a gostar da Diana, mas vocês não deram a
mínima chance pra ela. E o Poncho era amigo de vocês, dos dois. Ele esteve
com vocês quando vocês precisaram e vocês simplesmente viraram as
costas no momento mais difícil pra ele apenas porque ele não tomou a
decisão que vocês aprovaram. E isso tudo só trouxe merda depois. Sophia
se separou do Jesse e provavelmente precisou de um ombro amigo pra
chorar e só teve a Lexie, porque eu estava sequestrada e você, Maite, estava
contra ela. Engraçado porque eu lembro da Sophia te apoiando quando você
brigava com os carinhas com quem namorava no colegial. Também lembro
dela e do Poncho apoiando você, Christian, quando você se assumiu gay e
virou chacota na escola, você se lembra? Será que a Diana é tão ruim assim
a ponto de ter feito vocês dois terem crise de amnésia?

— Você por um acaso acha que foi fácil? – Maite perguntou com o rancor
de sempre estampado na voz – Eu estava lá lutando pra te achar e de
repente ele não estava mais porque tinha "seguido em frente". Ele desistiu
de você Any, ele me deixou sozinha naquilo...!

— Mai, eu poderia nunca ter aparecido – Anahí lembrou – Eu entendo a sua


mágoa, mas já se passaram mais de seis anos disso. Olha só a razão de ser
desse almoço: tem uma menina de cinco anos que acabou de perder a mãe e
a Sophia ta fazendo de tudo pra amenizar essa dor. A Samantha é o que
você foi um dia, só que sem esperanças porque a mãe dela não vai voltar. E
a Diana e o Poncho estão se esforçando nisso também, e isso é bonito. A
vida é muito curta Maite, e ela não espera nada. Eu estava no melhor
momento da minha, estava morando com o homem que eu amava,
preparando o modo perfeito de dizer a ele que nós teríamos um filho juntos,
tinha voltado pra minha cidade, num apartamento incrível, no emprego dos
meus sonhos... e num piscar de olhos isso foi tirado de mim e agora eu to
aqui sem nem saber como recomeçar. Será que não ta na hora de deixar
tudo isso pra trás? Será que vale a pena brigar por tão pouco com pessoas
que você amava tanto?

— Eu brigava por você – Maite devolveu – Você se considera pouco?

— Você brigava pra me ter de volta – Anahí observou – Eu voltei. Não


precisa brigar mais.

Pelo silêncio de Maite, a persuasão de Anahí tinha vencido aquela


discussão. E se Maite tinha se dado por vencida, Christian não se sentia no
direito de ser ele quem continuaria aquela queda de braço.

— Tudo bem – Maite murmurou – Eu vou dar uma chance pra eles. Todos
eles. Jesse, Sophia, Poncho e Diana.

— Christian? – Anahí perguntou chamando o amigo pra se manifestar.


— Se a Rainha Maite de Copas cedeu, quem sou eu pra resistir? – ele deu
de ombros – Você é do babado Anahí.

E pelo visto, graças à Anahí, aquele seria o dia que a bandeira branca seria
hasteada.

xxx

Como Jesse e Sophia tinham sido os primeiros a chegar à casa de Diana,


não demorou nada para que ela se sentasse ao chão com as crianças e
começasse a brincar. Não houve nenhum tipo de surpresa nessa atitude,
todos ali sabiam que Sophia amava crianças e que ela ficava muito mais à
vontade com os pequenos do que cozinhando entre os adultos. Só que no
fim o que se viu em dado momento foi Sophia com Samantha em uma de
suas pernas e Daniel na outra, ambos assistindo juntos um vídeo no celular
da tia. Um momento tão singelo que acabou registrado por um Jesse
sorridente e derretido, que não se limitou a tirar aquela foto – também a
postou em seu stories do Instagram. Para todos os seus seguidores verem.

Pois bem... Lindsey viu.

Desde antes da morte de Torrey Lindsey já se sentia negligenciada por


Jesse, aquilo apenas piorou a situação. A perda da mãe da amiga fez com
que ele se voltasse exclusivamente para a filha, e como Samantha era
agarrada com Sophia e detestava a namorada do pai, não era preciso pensar
demais para saber como Jesse vinha se portando. A filha obviamente era a
prioridade... e como estar perto de Sophia fazia Samantha se sentir um
pouco melhor, Jesse estava muito mais próximo da ex do que da atual, a
quem acabava afastando ainda mais.

A irritação de Lindsey já estava latente, mas aquele stories foi a gota


d'água. Ela percebeu que Sophia e Jesse estavam juntos com Samantha na
casa de Poncho, já que o fundo era facilmente reconhecível e Daniel estava
no colo de Sophia na foto. Lindsey rapidamente juntou as peças e percebeu
que um encontro acontecia e que ela não havia sido convidada, fosse porque
Samantha a rejeitava, fosse porque Diana sutilmente já tinha demonstrado o
quanto não gostava dela... o caso era que ela estava sendo preterida em
relação à Sophia. E Lindsey não seria Lindsey se deixasse tudo continuar
correndo daquela forma.

Logo, uma hora depois da postagem, a campainha tocou e era Lindsey. O


clima morreu quando Poncho se deparou com a namorada de Jesse do outro
lado da porta e mais ainda quando ele se viu sem jeito e, não querendo
armar uma cena na frente da filha, sutilmente saiu dali para resolver a
situação longe dos olhos de Samantha. Mas não dos de Sophia, que
conseguiu enxergar a outra aparecendo ali mesmo sem ser convidada, o que
funcionou como um lembrete de que, por mais que estivesse próxima à
Samantha, ela jamais ocuparia o papel de mulher na vida de Jesse
novamente.

A reunião dos fatos, em especial por não ter visto como a conversa entre
Lindsey e Jesse se deu, fez com que a tarde perdesse boa parte da graça
para Sophia. Mas os efeitos disso só seriam vistos no final.

Christian, Maite e Anahí chegaram enquanto Jesse estava a alguma


distância da frente da casa de Poncho com Lindsey. Ele sequer notou a
chegada dos três, já que estava absorto naquilo que eles não faziam ideia
que era uma discussão. Maite tinha em mãos uma sobremesa, Christian uma
garrafa de vinho. Anahí bateu na porta e quem abriu foi Diana. E, por mais
que a esposa de Poncho soubesse que aqueles que um dia tinham sido
amigos dele tinham sido convidados, ela não conseguiu não ficar surpresa
por eles terem de fato ido. A surpresa não foi apenas dela, já que a reação
que Diana teve não era algo que Maite ou Christian poderiam esperar.

— Olá queridos, sejam bem vindos – Diana disse sorridente e abrindo


espaço pra eles – O Poncho está na cozinha, mas fiquem à vontade. Eu sei
que vocês nunca vieram aqui, mas... bem, não tem como se perder. Se for o
caso perguntem às crianças, eles conhecem a casa melhor do que nós.

Obviamente Christian e Maite se entreolharam surpresos com a boa


recepção que receberam logo de cara. Enquanto Anahí agia como se não
houvesse nada de surpreendente no modo como Diana os recebeu, eles
definitivamente achavam que não seria assim. Não que esperassem que ela
os tratasse mal, já que Diana era um tanto diplomática, mas aquela
cordialidade toda? Não estava nos planos.
— Eu achava que ela iria me expulsar quando eu chegasse – Maite
sussurrou para Christian e Anahí quando os dois começaram a entrar na
casa – Era o que eu faria se ela fosse num almoço oferecido por mim!

— Ela ta dando a trégua, seja legal e aceite – Anahí recomendou.

Tão logo os dois entraram, viram Lexie encostada numa parede e ela
imediatamente se juntou aos dois. Christian e a cirurgiã imediatamente
trocaram informações sobre Sophia estar evidentemente cabisbaixa no chão
com Daniel e Samantha e Jesse estar fora conversando com Lindsey. Foi
quando uma ameaça foi rapidamente feita.

— Sophia está sensível Maite – Christian avisou olhando sério para a amiga
– Não a provoque hoje. Não desdenhe dela. Ela não merece isso, apenas
hoje.

— Tudo bem – Maite deu de ombros – Ela já é apaixonada pelo bocó do


Jesse, é castigo suficiente por uma vida. Vou me controlar.

O último a chegar foi Mane. Ele estava acompanhado de Pia, é claro, já que
por insistência de Maite tinha dado outra chance à loira. A própria Maite,
diga-se de passagem, comemorou quando viu os dois chegando juntos, sem
ver que Lexie, Anahí e Christian se entreolharam com a situação sem
precisarem que uma palavra sequer fosse dita, já que era óbvio: parecia
completamente absurdo que Maite não percebesse os sentimentos de Mane
e mesmo assim ele continuasse incapaz de dizer a ela como se sentia.

A mesa do almoço só demorou a ser composta porque Jesse não voltou


rápido para dentro da casa. Obviamente, o que discutia com Lindsey do
lado de fora não era algo fácil, muito pelo contrário...

— Eu to cansada disso, to cansada mesmo! – ela acusou – A sua namorada


sou eu Jesse. Era pra eu estar aqui, não a Sophia...!

— Lindsey, pelo amor de Deus – Jesse fechou os olhos – Será que você não
entendeu nada do que eu disse há uma semana...?
— Ah, que a sua filha ama a Sophia? Que você está escolhendo a Samantha
e não a sua ex? Blá blá blá Jesse – ela debochou – Sua filha pode gostar de
mim, mas você prefere continuar deixando que ela domine e decida sobre a
sua vida...

— Eu tentei que a Sam gostasse de você, você sabe disso – Jesse disse
calmamente com os olhos consideravelmente estreitos – Só que não se pode
obrigar ninguém a gostar de outra pessoa, é algo que deve fluir
naturalmente. E se eu não a obriguei antes, não é agora que vou fazer.

— Ah claro, porque a morte da mãe dá licença pra que ela faça o que
quiser...!

— Nós estamos falando de uma criança de cinco anos de idade que dorme
mal há uma semana com pesadelos – ele devolveu – Eu não vou obriga-la a
isso. A Sophia faz bem pra minha filha, eu não vou cortar esse vínculo só
porque você não está de acordo.

— Você ta dormindo na casa dela Jesse! – Lindsey resmungou – Isso é um


absurdo!

— Lindsey, um absurdo é você estar me cobrando tudo isso quando sabe


que eu só to fazendo isso pela minha filha!

— Pois eu acho que não – ela insistiu – Eu acho que você ta se


aproveitando disso tudo, se aproveitando pra se aproximar da Sophia como
você não podia fazer antes. Mas eu to cansada disso Jesse, eu me recuso a
continuar prestando esse papel ridículo. Você vai ter que escolher: é a
Sophia ou eu.

E de repente a vida girava com gosto, fazendo Jesse ser a vítima de uma
ameaça, idêntica a que ele tinha feito tempos antes. Há mais de um ano,
enquanto ainda namorava Sophia, ele a colocou contra a parede: era Chad
ou ele. Sophia disse que não escolheria Jesse jamais, não por não ama-lo ou
preferir o amigo, mas porque ela não poderia continuar com alguém que a
obrigava a fazer aquele tipo de escolha. E se um dia era ele quem colocava
uma pessoa na berlinda, ele agora era colocado.
Agora ele entendia o quão ridícula era aquela chantagem travestida de
escolha. Ele conseguia, pela primeira vez, realmente entender por que
Sophia tinha terminado com ele. Entendia que a culpa era sua. Da mesma
maneira que, mais do que nunca, entendia que a culpada era Lindsey pelo
que ele estava prestes a fazer.

— Sophia – Jesse respondeu completamente seguro.

E Lindsey desmontou.

— É o quê?

— Isso mesmo que você ouviu – Jesse repetiu mais confiante ainda – Eu
escolho a Sophia.

— Se você fizer isso...

— O que, você termina comigo? – ele riu – Não se preocupe, eu te poupo


disso. Acabou Lindsey. Eu estou terminando com você.

— Você não pode fazer isso... – a voz de Lindsey saía completamente


ameaça.

— Eu posso, eu quero e eu vou.

— Você ta fazendo isso pela sua filha ou pela sua ex? Admita pra mim...!

— Pelas duas – Jesse confirmou – E por mim também. Eu não amo você. É
melhor pra nós dois terminarmos aqui, assim ninguém se machuca. Se ta
tão insuportável pra você que eu conviva tanto com a minha ex, então é
melhor pararmos por aqui... porque eu já cometi uma vez o erro de tirar a
Sophia da minha vida. Eu não vou errar de novo.

— Jesse, você não pode fazer isso comigo...

— Adeus Lindsey.

E estava terminado.
Só que Sophia, do lado de dentro da casa, não fazia a menor ideia. Jesse
demorou tempo suficiente para que ela imaginasse milhões de coisas e
criasse várias paranoias na cabeça, todas elas nada boas. Quando ele voltou
todos os amigos já estavam lá de, o almoço estava quase sendo servido e
como a maioria se concentrava em colocar a mesa ou dar atenção às
crianças, nenhum deles viu Jesse se afastar com Poncho e Mane para contar
o que tinha acontecido logo antes do lado de fora.

— Eu terminei com ela – Jesse confidenciou – Não dava mais.

— Quando foi que deu...? – Poncho perguntou meio irônico, mas


definitivamente satisfeito.

— É por causa da Sophia? – Mane perguntou. Jesse respondeu rindo e


negando com a cabeça.

— Lindsey não aceitava a Sam não gostar dela, gostar da Soph, eu jamais
poderia forçar algo pra minha filha num momento desses – ele explicou – E
ela me mandou escolher entre a Soph e ela. Achava realmente que eu iria
escolhê-la?

A satisfação de Poncho ficou mais evidente ainda. Ele sabia o que estava
por trás daquela decisão. Talvez Jesse não se lembrasse de outro almoço
que eles tiveram tempos antes no qual Poncho tinha exposto os sentimentos
dele e deixado claro que sabia que ele gostava de Sophia e que deveria
pensar naquilo, pensar se não era o que ele queria. Provavelmente aquela
era uma das razões do término e a morte de Torrey, junto com a reação que
isso desencadeou em Samantha, fossem somente o estopim para algo que já
estava de certa forma acabado. Fosse como fosse, Poncho se sentia
orgulhoso de seu melhor amigo. Jesse parecia estar finalmente seguindo
para o caminho certo, amadurecendo e tomando as decisões corretas. Era
um começo. Faltava apenas reconquistar Sophia.

Só que Sophia, alheia àquilo, estava muda e agoniada por dentro. Mesmo
Lindsey não entrando na casa, ela achava que isso se dava porque Diana a
detestava e Jesse queria poupar. As amigas tinham percebido que ela estava
estranha e Lexie, Anahí e Diana tentaram iniciar uma conversa, mas Sophia
se fechou numa bolha onde somente as crianças entravam e isso só teria a
piorar, como se viu mais tarde.

Antes da explosão o almoço aconteceu e foi um sucesso. Nunca tanta gente


brigada tinha sentado junta numa mesa. Mane e Lexie, os elos daquele
grupo, estavam na parte central. Sophia e Jesse mais próximos aos
anfitriões, Poncho e Diana, enquanto Anahí, Christian e Maite ocupavam a
outra ponta da mesma. Mas não havia clima ruim, nem alfinetadas ou
mesmo caretas. Pelo contrário, tinha muita risada. Não era o som que se
esperava dali, mas no fim era o que estava acontecendo.

A começar por Maite. A morena não esperava estar se divertindo


espontaneamente, mas mesmo assim era o que estava acontecendo. Como
as crianças foram as primeiras a terminarem de comer e voltaram para o
videogame, o assunto seguiu com os adultos e Lexie contava alguns casos
engraçados no hospital que fazia todos rirem. Maite sempre achou que
Diana era forçada e inconveniente, mas via a esposa de Poncho se portar
completamente bem, rir das piadas que os amigos dele faziam e de repente
ela própria se viu rindo de algo que aquela mulher falou. A ficha demorou a
cair, só aconteceu depois que Poncho estava tirando a mesa com a esposa,
que foi quando ela puxou Christian e Anahí num canto e confidenciou o que
estava acontecendo.

— Pode ser que eu estivesse julgando-a mal, sabem – Maite confessou


dando de ombros – Ela não é tão ruim assim.

— Quem, Diana? – Christian perguntou rindo – Você ta mesmo dando o


braço a torcer...? Quem é você e o que fez com Maite Perroni?

— Eu disse a você que ela era legal – Anahí riu – Você continuaria com
essa implicância por tempos sem motivo algum.

— Não vou dizer que não é estranho estar na casa do Poncho rindo da piada
da mulher dele, mas é um começo né? – Maite fez uma careta – Eu não
acredito que vou dizer isso, mas a Diana não é tão ruim quanto eu pensava.

Só que Sophia ouviu. Uma Sophia que não estava bem... não tão centrada e
controlada como poderia ser. Não tinha como dar certo.
— Ah, então a implicância acabou? – ela perguntou interrompendo a
conversa assim que a ouviu – O ódio gratuito enfim teve seu fim? Será que
eu sou a próxima da fila que você vai perdoar mesmo nunca tendo cometido
um crime sequer Maite?

— Ai meu Deus, eu não consigo parar de ter ranço porque as pessoas não
deixam – a morena revirou os olhos sem responder diretamente, mas logo
em seguida encarando a ex-amiga – Sophia, não se mete nisso. Não tem
nada a ver com você.

— É claro que tem – Sophia insistiu cruzando os braços. Christian e Anahí,


a essa altura, já se entreolhavam preocupados – Você vem me ignorando por
anos. Quando eu dei uma chance pra Diana provar que era legal, você me
condenou. E agora vejam só, você mesma dá essa chance!

— Ta criticando? – Maite ironizou – Eu posso pensar melhor e revogar essa


chance que mal começou.

— Eu quero saber qual o seu problema comigo Maite – Sophia elevou o


tom de voz sendo mais ríspida ainda – Eu juro que quero saber!

A discussão que era no círculo que os quatro estavam tomou proporções


maiores. Poncho Diana, na cozinha, ouviram as vozes. Mane e Pia que
estavam na sala, idem. Lexie, que reconheceu a voz de Sophia e sabia que
ela falava com Maite, se aproximou receosa ao se dar conta do confronto.
Os únicos que não perceberam foram as crianças, que àquela altura tinham
largado o videogame e ido para o andar de cima brincar no quarto de
Daniel. Felizmente.

— Nós éramos amigas – a voz de Sophia estava repleta de mágoa – Como


você consegue jogar uma amizade supostamente tão importante no lixo
como se não fosse nada?

— Olha Sophia, não dá pra ser amiga de uma pessoa quando você tem
vontade de dar na cara dela o tempo inteiro, em especial pelas merdas que
ela faz com a própria vida – Maite acusou – Em especial as merdas que
você faz com a sua vida. Porque você no aniversário da Lexie apareceu com
aquele babaca do Chad que você sabe que não pode ter somente intenções
de passear com você no bosque.

— Maite... – Lexie começou a murmurar, mas logo viu que Maite e Sophia
enxergavam somente uma à outra. Não tinha mais como impedir.

— Porra, por que você é tão preocupada com a minha vida? – Sophia
atacou – Por que você não olha pra sua própria vida e esquece de mim, do
Jesse, da Anahí e do Poncho?

— Eu cuido muito bem da minha vida, muito obrigada – Maite rolou os


olhos.

— Não cuida merda nenhuma! – Sophia continuou. Estava longe de acabar


– Você ta tão preocupada em dizer como a Anahí tem que viver a vida dela,
em me dizer com quem eu tenho que ficar, que não se olha no espelho e
percebe o quanto você é completamente infeliz! Que é amargurada e azeda
porque não consegue desapegar de um relacionamento que já acabou...!

— Sophia...! – era a voz de Poncho que chamava a atenção da amiga dessa


vez. Ele a via perder completamente os limites ao reparar como Maite
estava vermelha pela exposição. Só que era tarde demais.

— E você também não enxerga que tem uma pessoa do seu lado que daria
tudo pra estar com você! – Sophia acusou já gritando um tanto alto – Ao
invés disso você fica tacando outra pessoa pra cima dele, uma amiga sua,
porque não enxerga que é você que ele quer!

— Do que você ta falando...? – Maite perguntou com os olhos arregalados,


embora soubesse no fundo exatamente a que a outra se referia.

— DO MANE! – Sophia berrou – VOCÊ NÃO ENXERGA QUE ELE É


COMPLETAMENTE APAIXONADO POR VOCÊ?

Todos os amigos fecharam os olhos. Mane, que estava ali, sentiu parte do
corpo morrer. E o silêncio se fez, mas se quebrou cinco segundo depois,
com um copo caindo das mãos de Diana e pelo choque e quebrando. Tal
como a paz recém-conquistada daquele almoço tinha sido quebrada com os
gritos de Sophia revelando um segredo que todos já sabiam menos a
principal interessada: Maite.

Bom, agora até ela sabia.

SATISFEITAS? Espero que sim!!!

O cap de hoje atende duas demandas bem pedidas - Jesse terminando com a
Lindsey e Maite descobrindo que o Mane gosta dela.

Sobre o Jesse é o famoso até que enfim combinado com não fez mais do
que a obrigação né? E sobre a Maite, a Sophia já tinha cantado a pedra de
que iria jogar a merda no ventilador... enfim rolou!

Quais serão as consequências desses momentos babadeiros? Fiquem no


aguardo!

Amores, obrigada pelo retorno de sempre! Amo muito os comentários,


mesmo demorando uma vida pra responder hahahaha não deixem de dar as

Boa semana!

Beijos,

Rafa
Capítulo 26 - You're the inspiration

Muitas coisas aconteceram ao mesmo tempo...

Diana tinha acabado de quebrar um copo pelo susto que levou ao ouvir
Sophia gritar a plenos pulmões que Mane era apaixonado por Maite.
Naturalmente a esposa de Poncho arregalou os olhos ao notar a própria
reação involuntária e correu para procurar uma vassoura e uma pá de lixo e
resolver antes que as crianças voltassem e acabassem se machucando com
os cacos de vidro.

Lexie, Anahí, Christian e Poncho não sabiam se olhavam para Maite ou


para Mane. O único que não encarava qualquer dos dois era Jesse, que
observava Sophia pensando no quanto a ex estava inflamada e precisava ser
tirada dali. Ele só não sabia como.

A única pessoa que não olhava para ninguém era Pia. Completamente
constrangida, a loira sentia o rosto queimar e sentiu imediatamente que não
tinha qualquer alternativa... ela levantou sem mais nem menos para fugir
dali o mais rápido que pôde. Mane bem que tentou impedi-la, mas não
conseguiu... e de certa forma era até bom. Pia estava envergonhada o
suficiente, o que ela ganharia ficando ali?

A questão não era nenhuma daquelas pessoas na verdade e sim a própria


Maite. Ela própria não sabia nem um pouco como reagir. Olhar para Mane?
Tampar os olhos? Continuar ali como se nada importasse? Ou quem sabe
fazer como Pia tinha acabado de fazer e sumir dali o mais rápido possível?

De repente, a resposta para as perguntas de Maite acabou surgindo de uma


frase que ouviu atrás dela.

— Eu acho que é melhor darmos um minuto pra ela – Poncho disse num
sussurro que ela não sabia exatamente para quem era.

Maite sabia exatamente que resposta dar. A frase dele serviu para acorda-la
daquele transe.
— Não precisa – Maite disse virando-se de costas e encarando Poncho de
frente. Pela primeira vez em seis anos, não tinha nenhuma mágoa naquele
olhar – Obrigada, mas... eu acho melhor que eu vá embora.

— Você quer que eu vá com você? – foi Christian quem perguntou dessa
vez. Ele obviamente estava preocupado.

— Eu acho que preciso ficar sozinha agora – a morena disse já começando


a andar.

— Maite... – Mane murmurou enquanto ela passou na frente dele.

— Mane, nós... nós conversamos depois.

Era óbvio: informação demais para digerir. Maite estava confusa, uma
bomba tinha sido jogada em cima dela e era óbvio que ela era orgulhosa
demais para ficar vulnerável na frente de todas aquelas pessoas, ainda mais
quando ela não se dava bem com metade delas. Por isso ela saía dali o mais
rápido possível, deixando sobretudo Anahí e Christian apreensivos, já que
ao se entreolharem notavam que ambos tinham percebidos o quanto Maite
ficou desconfortável com tudo aquilo. Mas ela saiu sozinha, antes que os
dois pudessem lhe dizer qualquer coisa, e pelo visto não a encontrariam
para falar sobre aquilo tão cedo.

Mas Maite não era a única afetada. Mane estava ali, tão exposto quanto ela,
sem saber ao certo o que fazer. Por certo ele deveria ir atrás de Pia, já que a
garota o acompanhava e não tinha culpa daquela explosão de Sophia que
respingou na confissão dos sentimentos platônicos que o amigo nutria há
anos. De alguma maneira Mane continuava pregado ali como se nada
acontecesse, provavelmente procurando como reagir, o que pensar. Do lado
de fora do interior dele as coisas continuavam acontecendo.

— Você, comigo, agora – Jesse disse antes de puxar Sophia para os fundos
da casa e os dois desaparecerem dali.

Não foi a única reação.


— Poncho... – Diana disse para o marido com os olhos arregalados – Vai
falar alguma coisa com ele...!

— Falar o quê? – Poncho dizia em sussurros.

— Eu sei lá, qualquer coisa – Diana insistiu, olhando Christian em seguida


– Você... vai também. Ofereçam apoio. Andem!

— São dois patetas – Anahí disse revirando os olhos – Eu vou.

— Estão vendo...? – Diana murmurou como se falasse o óbvio.

— Vocês não precisam dizer nada – Mane disse se esquivando – Uma hora,
cedo ou tarde, ela iria saber.

— Só que teria sido melhor se fosse pela sua boca, não é? – Anahí alfinetou
cruzando os braços e encarando o amigo.

Mane ficou arregalado diante da frase da amiga, e tudo o que eles ouviram
foi uma risada imensa da boca de Diana.

— O que foi? – ela perguntou olhando para os outros como se fizesse o


óbvio. Lexie começou a rir de nervoso em seguida.

— Você acha que eu devo procura-la? – Mane perguntou olhando para


Anahí.

— Não, definitivamente não – ela respondeu.

— Deixe a poeira baixar – Lexie aconselhou – Se eu bem conheço a Maite,


ela vai colocar todos os pensamentos em ordem antes de qualquer coisa.

— Eu acho melhor nós irmos embora – Anahí disse encarando Christian –


O clima pro almoço acabou.

— Nós vamos ver se a Maite está bem – Christian disse como uma saidera.

— É uma pena que tudo tenha acabado assim – Poncho disse cruzando os
braços numa clara lamentação, mas olhando mais para Anahí do que para
Christian – Era boa essa ideia de trégua.

— Ela não precisa acabar aqui – Christian deu de ombros, estendendo a


mão para Poncho, que logo em seguida a apertou – Só depende da gente.

— Depende da Maite também – Poncho fez uma careta – E por mais


inacreditável que possa parecer... da Sophia.

— Vamos lá, foi um começo – Anahí riu e Poncho olhou para ela carinhoso,
sorrindo também.

Eles estavam certos. Era apenas o primeiro passo, e por mais que
soubessem que aquela seria uma longa caminhada, ao menos tinha
começado.

xxx

Jesse tinha levado Sophia à uma área da casa que ele sabia que conseguiria
falar com ela sem que ninguém ouvisse. A Sophia que ele via em sua frente
era uma versão mais transtornada e descontrolada da mulher por quem ele
nutria sentimentos, como se ela tivesse deixado vazar algo que estava
prendendo há muito tempo. Jesse não reconhecia Sophia, não estava
entendendo nada do que acontecia ali e, sobretudo, não fazia a menor ideia
do quanto aquela explosão tinha a ver com ele.

— Que diabos deu em você...? – ele perguntou honestamente curioso e


preocupado.

— Jesse isso não é problema seu – Sophia tentou se desvencilhar dele mas
não teve o mínimo sucesso.

— Sophia, você não é assim – Jesse disse ainda encarando-a – Diga o que
quiser, mas você não faz isso, você não fala esse tipo de coisa! Você estava
fazendo com a Maite exatamente o que ela sempre fez com você, o que
tanto te machucou...!

— Parece que tanto apanhar a gente aprende a bater – ela deu de ombros.
— Mas você não bateu apenas nela, bateu no Mane também, na moça que
estava com ele e ela não tem culpa – Jesse lembrou – Por que você fez isso?

— Porque eu não aguentava mais!

— Isso não é desculpa – Jesse rebateu – Ta acontecendo alguma coisa e eu


adoraria que você me contasse.

— Você não é ninguém pra me pedir explicações, eu não devo satisfações


da minha vida pra você Jesse – Sophia acusou. Quando viu a expressão de
Jesse demonstrar que ele estava ofendido com o que tinha acabado de ouvir,
ela decidiu que era pouco – Eu não sou mais a sua namorada! Você tem a
vida da Lindsey pra cuidar agora...!

Então era isso. Ela o viu saindo para falar com Lindsey e entendeu tudo
errado, acabou descontando em Maite como uma forma, mesmo
inconsciente, de descontar na ex-amiga da mesma maneira que sempre
recebeu dela. Jesse em outros tempos ficaria feliz e se gabando por perceber
que Sophia estava com ciúmes dele, mas isso era definitivamente coisa do
passado. Agora ele se dava conta que não era algo bom, porque não era
preciso conhecer Sophia demais para perceber que ela estava sofrendo.

Talvez fosse sinal de que ele estava amadurecendo, porque não tinha
nenhum tipo de prazer da parte dele em ver Sophia daquele jeito. Pelo
contrário, Jesse até se sentia culpado. Ele sabia que tinha causado aquela
atitude nela, que Sophia racionalmente jamais berraria aos quatro ventos os
sentimentos de Mane e iria expor Maite daquela forma. Ela fez isso porque
estava afetada e ela estava afetada por causa dele. Jesse sabia também que
Sophia iria se arrepender quando o sangue esfriasse e amargar uma dor de
consciência por conta daquela impulsividade. Por tudo isso ele se lamentou,
desejando ter sido claro desde o início sobre aquele assunto e evitar que ela
fizesse a besteira que tinha feito.

— Não, eu não tenho – Jesse começou a ponderar.

— Jesse – Sophia revirou os olhos totalmente impaciente – Você não tem


que...
— Eu terminei com ela – ele revelou.

Foi a hora que Sophia paralisou. E piscou, sem conseguir acreditar no que
tinha acabado de ouvir.

— Você... – ela murmurou, sem conseguir terminar a frase. Jesse sorriu.

— Terminei com ela – Jesse mordeu os lábios se sentindo seguro. Com


aquela reação ele estava feliz – Já tinha passado da hora.

— Por que você fez isso?

— A causa é o fato de que eu não a amava – Jesse explicou calmamente, se


focando no verde dos olhos dela para terminar a explicação – O estopim foi
o fato de ela ter tentado me obrigar a escolher entre ela e você. E bem... a
minha recusa, de certa forma, foi uma escolha.

— Você... – Sophia estava atônita – Você me escolheu...

— É claro que sim.

Aquilo conseguiu confundir ainda mais os sentimentos de Sophia. Era


muita coisa ao mesmo tempo... fingir namoro com Chad para chamar a
atenção de Jesse, conseguir aquela atenção, a morte de Torrey, o sofrimento
de Samantha, a sensação de impotência que bateu nela, ela tentar suprir o
luto daquela criança e acabar se reaproximando do ex-namorado, e agora
ele dizer que tinha terminado com Lindsey por causa dela.

Mas não era apenas isso, tinha o plano geral das coisas, Sophia já tinha
estado naquela mesma situação que Jesse se encontrava e não tinha feito o
mesmo, ela não escolheu nem ele nem Chad, ela se escolheu. E agora Jesse
fazia algo diferente, Jesse terminava com Lindsey e escolhia ela, será que
isso significava que Sophia tinha errado quando terminou com ele? Ela já
não sabia mais o que pensar...

Jesse viu a confusão de sentimentos no rosto de Sophia, mas ele a conhecia


bem demais e sabia exatamente o tipo de fantasmas que agora assombravam
a sua cabeça. Por isso ele decidiu afasta-los um a um, antes que
começassem a construir um muro entre eles e fosse mais um obstáculo a ser
superado.

— Eu fui um idiota com você – Jesse disse acariciando a bochecha dela –


Eu nunca deveria ter te feito escolher. Só que eu demorei a me dar conta
disso, só percebi hoje quando me vi nessa mesma posição que eu te
coloquei e odiei estar nela...

— Porque você não queria ter terminado com ela? – Sophia perguntou
ainda insegura.

— Eu não sei se você ouviu quando eu disse, mas eu não terminei com a
Lindsey porque ela me fez escolher, isso só me fez perceber que eu já
deveria ter terminado – Jesse insistiu – Eu terminei com ela porque eu não a
amo. Porque eu amo outra pessoa. Ainda amo.

— Jesse... – Sophia murmurou sentindo as pernas balançarem.

— Shhhh... – ele se aproximou mais ainda, levando a outra mão ao encontro


do rosto dela – Eu vou te dar o tempo que você precisar, não importa
quanto. Não vou te pressionar a nada, eu não to fazendo isso esperando uma
resposta sua. Fiz porque eu deveria fazer, era o certo, e to te dizendo porque
eu não quero que você meta os pés pelas mãos por não saber o que eu sinto.
E Soph... eu sinto o mesmo de sempre. Eu sinto mais até... só que de uma
forma mais honesta e mais correta do que antes. A morte da Torrey mudou
muita coisa.

— Pra mim também – Sophia respondeu mordendo os lábios – Pra Sam


principalmente.

— Ela tem sido a minha prioridade e eu acho que você entende – ele sorriu
e ela assentiu concordando – Ela precisa de mim, precisa de nós dois, e eu
acho que nos envolvermos agora seria confundir tudo. Mas eu sei que tudo
isso acaba aproximando nós dois e dormir do seu lado com a minha filha no
meio só faz eu ter mais certeza do que eu quero. E na hora certa... eu vou
lutar pelo que eu quero. E só vou parar de lutar se você não quiser de volta.

Recado mais bem dado que aquele era impossível.


— Eu... não sei o que pensar – Sophia balbuciou totalmente confusa.

— Como eu disse, eu vou te dar todo o tempo do mundo – Jesse continuou


– Vou te deixar pensar com calma e vou cuidar da minha filha agora porque
ela precisa de mim. Mas uma hora a Sam vai estar recuperada e eu vou estar
pronto pra você. E se você ainda me quiser... não tem nada que vá nos
impedir.

Sophia tinha certeza daquilo.

— Eu só peço que você não se afaste da Sam porque ela realmente precisa
de você agora – Jesse disse soltando o rosto dela e uma das mãos entrelaçou
os dedos de Sophia – Eu juro que não vou me aproveitar de nada...

— Não precisa jurar – Sophia sorriu assentindo – Eu conheço você. Eu


confio em você. E eu jamais vou abandonar a Sam. Eu amo sua filha como
se fosse minha Jesse.

— Ela é um pouco sua também – Jesse disse trazendo Sophia para dentro
do seu abraço – Até a Torrey sabia disso.

Era isso... a mesma coisa que os unia de certa forma era o que os separava,
ao menos naquele momento. Mas talvez fosse algo bom para os dois. Talvez
a necessidade de priorizarem Samantha viesse a calhar. Porque quando a
menina finalmente estivesse recuperada da perda da mãe, talvez seu pai
estivesse maduro o suficiente para ser o homem que Sophia merecia. Talvez
eles finalmente estivessem prontos um para o outro.

xxx

Aquele almoço na casa de Alfonso e todas as revelações que vieram nele


deixaram a cabeça de Maite definitivamente confusa e pesada. Coisa
demais para ela pensar.

Maite nunca tinha sido uma boa pessoa para lidar e encarar os próprios
sentimentos. Ela vivia num universo alternativo e por vezes se deparava
com o fato de que nem sempre enxergava as coisas como ela realmente
eram. Sempre lhe batia um choque cada vez que a verdade sobre algo se
colocava na frente dela, e aquela vez não era diferente. Os sentimentos de
Mane. Quantas vezes ela tinha sido alertada sobre aquilo? Ela nunca levou a
sério todos os momentos que os amigos tinham insinuado ou alfinetado. E
agora tudo estava tão escancarado de uma maneira que ela não conseguia
acreditar.

É claro que ela se sentia péssima em vários aspectos naquela situação.


Sophia a expôs de uma maneira que Maite não estava acostumada, e ela até
pensaria no quanto tinha feito o mesmo em outros momentos com a ex-
amiga se não tivesse que processar o fato de que sua ficha sobre Mane tinha
acabado de cair, finalmente. Mane era apaixonado por ela e dessa vez não
era Christian fazendo piadas, Lexie dizendo em sussurros ou Pia tentando
abrir seus olhos. Era Maite finalmente aceitando e juntando as peças de algo
que supostamente sempre esteve na cara mas somente agora ela conseguia
finalmente aceitar e principalmente acreditar.

De repente vinha na mente dela todo o cuidado que Mane tinha com ela, o
fato de ele ter sido o único que não era duro com ela pelo modo como ela
vinha se portando há anos quanto à Jesse, Poncho e Sophia. Mane sempre
estava por perto, era carinhoso, prestativo, procurava ouvi-la e consola-la.
Maite até poderia acreditar que ele só fazia aquilo para cobrar dela em
algum momento que eles ficassem juntos mas pensando bem, se fosse
assim, aquela "dívida" já estava enorme, dado o fato de que Mane sempre
se comportou com Maite do mesmo jeito, o que evidenciava que
provavelmente ele sempre tinha sido apaixonado secretamente por ela.

E a ideia de Mane gostar dela agradava à Maite. É claro, era complicado


porque tinha Pia naquele xadrez todo e ela só estava naquela posição
porque a própria Maite a colocou, era algo que ela teria que resolver... mas
pensar que alguém a amou em silêncio por mais de quinze anos fazia o
corpo da morena entrar em rebuliço. Mas se aquilo lhe dava uma sensação
boa, por que Maite não estava de frente para Mane tirando satisfações e
colocando as chances deles no devido lugar e sim parada de frente para uma
porta de um apartamento no Upper West Side no meio daquela tarde de
domingo?

Simples... porque os sentimentos de Mane serem expostos também


deixaram expostas as suas cicatrizes. Elas ainda existiam e as feridas ainda
doíam...

— Maite...? – o homem do outro lado da porta perguntou sem nada


entender.

— Oi Koko – Maite sorriu no canto da boca – Será que a gente pode


conversar?

Koko Stambuk vivia da mesma maneira desde que seu casamento com
Maite tinha acabado. Ele morava no mesmo apartamento que tinha dividido
por quase três anos com a ex, tanto no namoro quanto nos sete parcos meses
nos quais eles foram casados. Maite tinha saído dali numa tentativa
desesperada de fugir da ideia do fim deles quando viu Koko numa tarde
como aquela com as malas prontas, mas de nada adiantou, porque os dois só
se viram de novo para assinar os papeis do divórcio. Naquelas três ocasiões
nada tinha mudado. Se ela teve esperanças de que a distância o faria mudar
de ideia, essa se fora há muito tempo.

— Sim, é claro – um Koko confuso respondeu sem saber bem o que dizer –
Você... quer entrar...?

— Obrigada – Maite disse caminhando para dentro do apartamento dele.

É claro que a decoração não tinha mudado, continuava tudo quase do


mesmo jeito que Maite deixou. Aquilo lhe deu uma pontada de dor e ela
sabia que, em outros momentos, a constatação que nenhuma mulher mexera
no apartamento que tinha sido deles e que ela cuidou de cada detalhe lhe
satisfaria. Agora Maite sentia tantas outras coisas que não conseguia se ater
àquilo em especial. Ela sentava no sofá no qual tinha transado com Koko
diversas vezes sem o pensamento de quem mais tinha dormido com ele ali.
Sua cabeça estava em outro lugar: nas mágoas.

— Eu não esperava a sua visita – Koko confessou – Você quer um café, ou


um chá? Outra bebida...?

— Eu não planejei vir, se você quer saber – Maite murmurou – Eu não


quero nada. Só queria conversar, não vai demorar mais do que dez minutos.
— Sobre o quê? – Koko perguntou – Eu não sei se ainda temos algo pra
conversar Maite. Não quero ser rude, mas... eu não faço ideia do que você
possa querer comigo.

— Você pensa assim porque acha que deixou as coisas muito bem
resolvidas entre a gente, mas a verdade é que não foi assim – Maite
suspirou e, quando deu por si, já tinha se tornado um livro aberto na frente
dele – Eu acompanhei toda a sua vida desde que nós dois terminamos e eu
fui embora daqui. Todas as mulheres com quem você saiu, eu sempre dei
um jeito de procurar saber. Me chame de maluca, obcecada, o que você
quiser... mas eu precisava, sabe? Eu queria saber, eu precisava ver não iria
durar, pra ter dentro de mim a certeza de que o problema não era eu, era
você.

— Você não precisa de prova nenhuma, o problema realmente sou eu –


Koko confirmou – Maite... eu não quero que você se sinta culpada pelo fim
do nosso casamento, porque a culpa realmente não é sua. De verdade. Eu
não disse isso pra terminar de uma forma bonita sem te machucar, eu disse
porque realmente era assim que eu me sentia.

— Você não precisa me fazer me sentir bem Koko...

— Maite, você é uma mulher realmente incrível e eu realmente amava você


– Koko esclareceu segurando as mãos dela de uma forma muito carinhosa –
A questão é que eu não queria estar casado com ninguém. E de alguma
forma, essa aversão à compromisso me fez ficar infeliz e estragar o que nós
tínhamos juntos. Como você pode achar que isso pode ser culpa sua...?

— Eu não vi o que estava acontecendo – Maite suspirou mordendo os


lábios – Se eu tivesse percebido o que você sentia...

— Se você tivesse percebido nem sequer teria dito sim quando eu propus
que nos casássemos – Koko ressaltou – Você teria visto que não daria certo
e se pouparia desse desgaste. Eu sabia que era assim e não aceitava, achava
que com você seria diferente e não foi. Não tem como ser culpa sua, a culpa
é minha por ter precisado te magoar para ver que nada sério funcionaria
comigo.
Maite ainda não estava totalmente convencida. Ela mordia os lábios,
encarando Koko com certa resistência. Era como se aquela verdade – que
agora ela se dava conta que era uma mentira – fosse algo que durasse tanto
tempo em sua vida que não a permitia enxergar uma versão diferente como
aquela que lhe era apresentada. Era difícil ver tudo com outros olhos, difícil
conseguir se acostumar que aquele peso que ela tinha em suas costas era um
fardo grande demais e que não lhe pertencia mais, não deveria pertencer.

— Se eu não fosse assim... – Koko negava com a cabeça – Eu seria o cara


mais feliz do mundo com você. Maite, você era uma esposa incrível, é uma
mulher maravilhosa, e o cara que te amar, que você deixar te amar, se ele te
merecer... vocês serão incríveis juntos. Apenas não se prenda aos nossos
cacos, não tente colar nada ou tirar uma lição dessa história toda ou tentar
consertar algo que simplesmente não tem solução. Você merece ser feliz.

— Você acredita nisso de verdade? – ela colocou o dedo em um dos olhos


que queria liberar uma lágrima.

— Eu tenho certeza disso – Koko suspirou – Eu sou um infeliz por não ter
te merecido, mas eu não sou o único homem do planeta. Eu tenho certeza
que tem alguém que vai te merecer. Eu não devo ser a sua história inteira,
eu sou um capítulo que você deve superar. Eu tenho certeza que você ainda
tem muito o que viver.

E pela primeira vez as palavras a alcançaram, pela primeira vez a


mensagem realmente penetrou em Maite e ela conseguiu entender o real
significado. Como se antes tivesse sido dito de uma maneira diferente, uma
língua que ela não entendia. Talvez ela não estivesse pronta. Agora Maite
estava.

— Obrigada Koko – Maite mordeu os lábios, não evitando chorar dessa


vez.

— Não me agradeça, apenas me perdoe – ele pediu abraçando-a – Seja


feliz.

O capítulo nebuloso parecia enfim ter encontrado o seu final.


xxx

Anahí tinha ido com Christian para o apartamento do amigo na expectativa


de encontrar Maite. Os dois, como os melhores amigos dela, acreditavam
verdadeiramente que a morena tinha se trancado dentro do próprio quarto e
se escondido do mundo ante aquela situação que vivia. Ledo engano. O
porteiro do prédio avisou a Christian que Maite não tinha aparecido lá
desde que os dois saíram juntos em direção à casa de Poncho, o que pegou
tanto ele quanto Anahí desprevenidos, já que, se ela não estava ali, eles nem
sabiam onde começar a procurar.

Nem era uma boa ideia ligar para Victoria Perroni e perguntar a ela e a
Javier se Maite tinha ido para a casa dos pais em Connecticut, já que eles
iriam imediatamente querer saber o motivo pelo qual a filha tinha sumido
sem avisar ao seu colega de apartamento e Christian não tinha o que dizer
além da verdade, que não era uma opção.

Só que no fim a ausência de Maite viria a calhar, porque se havia uma coisa
que Christian queria fazer e não tinha a menor condição de ser com ela
presente.

— Eu vi que você e Poncho não paravam de se olhar – Christian observou


quase cantarolando. Ele sabia que Anahí não teria pra onde correr.

— Coisas da sua cabeça...

— Da minha cabeça? – Christian fez um olhar debochado – Só se for dos


meus olhos. Ou melhor, dos seus. Que não desgrudam dos dele.

— Christian...

— Ok, mas os dele também não saem de você...

— Não fala isso – Anahí pediu – Ele é casado.

— Eu sei o estado civil dele, mas não se manda no coração Anahí –


Christian suspirou encarando-a e logo viu que ela estava à espera de ele
dizer algo mais – Olhe... Poncho é muito fiel às coisas. Ele demorou a
desapegar de você. Pra falar a verdade ele nunca desapegou.

— Ele casou – Anahí continuou dizendo como se fosse óbvio.

— Não é sobre a Diana que ele escreve bebê – Christian retrucou, se


levantando e pegando um livro na estante de seu quarto. Logo em seguida
ele estendeu à Anahí – Ande, leia.

— O que é isso? – ela perguntou franzindo a testa olhando aquela capa.

— O primeiro livro dele – Christian disse com um sorriso no canto da boca


– Abra uma página qualquer e leia.

Mesmo que Christian não tivesse mandado que Anahí fizesse aquilo, ela
faria. A curiosidade a corroia. Imediatamente ela abriu o livro numa página
qualquer e sentiu os olhos caindo na primeira frase que viu. Não poderia ser
mais oportuna.

"Ele poderia esquecer o padrão da voz dela, o sorriso, o cheiro da pele,


poderia esquecer o calor de seu toque, até mesmo sua textura. Mas as
lembranças... essas eram dele. Isso ninguém nunca conseguiria tirar. Nem
mesmo o tempo".

Anahí se sentiu arfar com aquilo. As lágrimas vieram quentes para seus
olhos, fazendo-a morder os lábios. O rosto estava quente. Aquele livro
parecia ser a prova dos sentimentos escondidos e enterrados de Poncho. Era
algo que ela precisava ler.

Foi quando ela olhou a capa, o título... "Enquanto eu não esquecer você".
De certa forma, dizia tudo.

— Eu... posso ficar com esse livro? – Anahí perguntou – Emprestado.

— Pode ficar pra você se quiser – Christian deu de ombros com um ar de


riso – De repente isso clareia as coisas pra você.

— Eu sei o que vai clarear as coisas pra mim Christian – Anahí suspirou
longamente – Eu vou voltar pra terapia. Pra regressão.
— Mesmo depois do que você se lembrou...? – ele perguntou claramente se
referindo ao aborto que ela tinha sofrido no cativeiro. O principal motivo
para Anahí não querer mais passar por aquelas sessões.

— Eu tenho medo do que está por vir – Anahí confessou – Eu não faço
ideia de tudo o que passei lá. Eu não sei nem como fui parar... mas... eu
acho que é pior não saber. Eu quero passar tudo a limpo, eu preciso. Eu
acho que... enquanto eu não enfrentar isso, eu não consigo seguir em frente.

— Eu acho que você ta certa – Christian disse parando bem na frente dela
segurando suas mãos – E eu to orgulhoso. Você é forte, é corajosa... você é
realmente incrível Any.

Era assim que ela queria pensar. Que seria difícil, doloroso... mas no fim
valeria a pena. No fim ela iria conhecer a sua história e iria encontrar nela
forças para superar.

Anahí apenas não tinha ideia do quanto estava prestes a descobrir. E do


quanto seu passado seria capaz de mudar todo o seu futuro.

Eeeeee quinta chegoooooou!

Quanta informação né galera? Hoje vimos a paz ser selada de vez entre
Poncho e Christian, Bushfer ficar na cara do gol, Maite fazer as pazes com
o passado e finalmente, Anahí mais balançada do que nunca pelo passado
que ela nunca viveu... como lidaaaar.

Falando nesse quase passado da Anahí, embora eu não esteja em dia com os
comentários sempre leio tudo o que vocês colocam e eu gostaria de deixar
um aviso bem simples: não vai ter AyA agora.

Motivos: eles não estão prontos pra estarem juntos. Eu quero colocar outras
coisas pros dois antes deles tentarem. Tenho um planejamento minucioso
pra todos os casais e eu sei mais ou menos quantos capítulos preciso pra
isso, e ainda não chegou (ao menos aqui na postagem) no ponto pra isso.
Por isso eu aproveito pra desenvolver outros casais e outras tramas
enquanto isso.

Como eu sempre digo: a web não é exclusivamente sobre AyA. Tem outros
três casais e de vez em quando uns se apagam pra outros aparecerem. Eu
gosto de escrever assim e fico feliz de agradar algumas pessoas, mas
sempre foi desse jeito porque sempre foi essa a maneira como eu gostei de
escrever, vai continuar sendo desse jeito.

Dessa forma e sobretudo pelo fato de eu estar postando o 26 enquanto


escrevo o 37, não adianta comentarem querendo algo porque o que vem na
segunda já ta escrito há mais de um mês. Tenham paciência porque quando
tiver AyA vai ter muitoooo AyA, mas até lá vai ter Bushfer, vai ter
Manerroni, vai ter Slexie e também vai ter os amigos e as famílias e os
traumas da Anahí.

Eu espero de coração ser entendida porque já bati nessa tecla umas 90


vezes. Não quero ser grossa, apenas estou sendo repetitiva.

Obrigada a todos os carinhos de quem faz questão de estar aqui! Amo vcs

Beijos

Rafa
Capítulo 27 - Fresh start

Maite só chegou ao apartamento quando já era noite. Ela não esperava


encontrar Christian ali porque aquele era um dos típicos dias em que ele
costumava se esgueirar pelos bares de Manhattan flertando com os caras
solteiros que estavam à procura. A morena realmente se preparou para
chegar ali e encontrar o apartamento vazio, deitar em sua cama e deixar
todos os acontecimentos do dia penetrarem sua pele, pensar um pouco em
tudo. Ela não esperava abrir a porta e encontrar não apenas Christian, mas
Anahí ao seu lado juntos assistindo TV. E pelas reações, apenas esperando
por ela.

— Até que enfim...! – Christian resmungou ao ver a amiga entrar no


apartamento – Já estava achando que tinha que ligar pra polícia ir atrás de
você!

— Imagina se você não é exagerado – Maite fez uma careta rindo, mas
fitando Anahí – E você, sua louca? O que ta fazendo aqui?

— Te esperando...? – Anahí respondeu com aquela pergunta como uma


forma de ironia, já que dizia o óbvio – Onde você estava?

— Eu precisava espairecer – Maite respondeu tirando a jaqueta – Absorver


tudo.

— Sobre o Mane? – Christian perguntou direto.

— Uhum – ela confirmou.

— Eu espero que você não esteja com raiva dele e nem da Sophia – Anahí
disse procurando ver os sentimentos de Maite estampados em seu rosto. Ela
costumava ser bem expressiva e transparente.

— Olhem, a Sophia foi a última coisa na qual eu pensei – Maite entregou –


Depois que eu colocar todo o resto em ordem eu tento chegar a alguma
conclusão de como resolver tudo isso com ela. Porque todo o resto ta me
bagunçando toda e eu to ocupada demais tentando me entender.

— Certo, então diga o que ta te bagunçando pra ver se bate com tudo o que
a gente pensa – Christian disse se sentando no sofá novamente conforme
viu Maite se aproximando e se aconchegando na poltrona em frente.

— É que... – Maite coçou o queixo – Eu não consigo entender... como eu


nunca percebi?

— Do Mane? – Christian riu – Meu amor, isso a gente não pode responder,
porque nunca entendemos também.

— Christian! – Anahí disse beliscando o amigo.

— Au! – ele resmungou – É alguma mentira?

— Vocês me disseram, ou ao menos tentaram dizer, eu lembro disso –


Maite continuou – Mas eu nunca acreditei, nunca levei a sério... eu nem
cogitava. Era como se eu não quisesse acreditar.

— Eu acho que você tava tão traumatizada com o seu histórico ruim de
relacionamentos e com o modo como Poncho e eu acabamos, como a Soph
e o Jesse não deram certo, que simplesmente eliminou qualquer
possibilidade entre você e o Mane – Anahí observou – Só que eu não acho
que amor seja essa fórmula matemática.

— Any, é que... – Maite suspirou antes de prosseguir – O Mane é incrível


comigo. Ele tem uma paciência eterna pras minhas complicações, ele não
me julga pelo que eu sou, eu sinto que posso ser eu mesma com ele, sabe? E
eu fico com medo de perder isso caso a gente tente algo e não dê certo.

— Eu acho que o que você deveria temer é acabar perdendo a chance da sua
vida apenas por puro medo mesmo – Christian deu um sorriso irônico.

— Mas eu nem falo tanto pela Anahí e pelo Poncho porque foram as
circunstâncias do sequestro que os separaram, eu tenho certeza que se a
Anahí não tivesse sido sequestrada eles estariam juntos até hoje – Maite
ponderou – Mas olha a Sophia e o Jesse...!

— Mai, a Soph e o Jesse se amam – Anahí lembrou – Eu vejo o modo como


eles se olham, o sentimento ainda transborda. E posso estar errada, mas eu
acho que não é o fim da linha pra eles.

— E Mane não é o Jesse – Christian continuou – Mane ama você há mais


de quinze anos, eu tenho as minhas dúvidas que ele simplesmente jogaria
tudo fora como o Jesse fez.

— Maite, se você não tivesse visto como a Sophia e o Jesse e o Poncho e eu


terminamos, qual seria a chance de dar uma chance pro Mane? – Anahí
perguntou – Você realmente quer isso? Porque você sabe que não é
obrigada apenas porque ele gosta de você.

— Sim, eu sei – Maite mordeu os lábios – Eu também me perguntei isso. E


por isso hoje eu fui atrás do Koko.

— DE QUEM? – Christian quase deu um pulo do sofá – O QUE VOCÊ


FOI FAZER ATRÁS DAQUELE CANALHA...?

— Eu esqueci de contar Anahí – Maite deu um ar de riso enorme – Sabe eu


com você e Poncho? É Christian comigo e com o Koko.

— É claro que sim...! E com motivos justos! – Christian defendeu – Eu


lembro de como você estava um caco quando ele te largou. Eu tive que te
ajudar a recolher cada pedacinho, e você nem entendia o que estava
acontecendo. E diga o que quiser Maite, mas eu sei o quanto isso ainda te
afeta e te limita. É a única razão pra você não ter dado ainda pra todos os
gostosos disponíveis dessa cidade, Mane inclusive.

Maite riu, embora devesse ficar séria. Anahí mordia os lábios olhando de
um para o outro.

— Sim, ainda me afeta – Maite admitiu – É libertador dizer isso, mas hoje...
hoje todas as vezes que eu pensava "por que não...?" quando encarava essa
situação com o Mane... era o Koko que vinha na minha mente. Quando eu
pisquei eu estava lá, na porta do nosso antigo apartamento.

— E como foi? – Anahí perguntou curiosa.

— Bom, ele me deu a chance de entrar, e eu saí vomitando todas as minhas


mágoas, o quanto não entendia tudo o que tinha acontecido, pra ele me
dizer que realmente não tinha um motivo, ele apenas queria algo totalmente
diferente de mim e não era minha culpa não ter dado certo – ela deu de
ombros.

— Ah, você foi lá pra ele te dizer que você não tem culpa e que o culpado é
ele...? – Christian revirou os olhos – Porra Maite, nada de novo sob o sol,
tudo o que eu sempre te disse! Por que quando sai pela minha boca você
não acredita?

— O que importa é: você acreditou nisso? – Anahí perguntou segurando a


vontade de rir pela indignação de Christian.

— Por mais surpreendente que possa parecer... sim – Maite suspirou – Eu


precisava disso. Depois que saí de lá... a única coisa que eu conseguia
pensar é que deveria ter ido antes.

— E você chegou a alguma conclusão nisso tudo? – Anahí conduzia


claramente. Ela sabia o que Maite tinha pensado. Conhecia a amiga bem
demais para saber disso.

— Eu quero deixar isso pra trás – Maite respondeu com firmeza – Eu vou
deixar. Eu pensei em procurar o Mane amanhã e... não sei, quem sabe como
eu vou me sentir? Acho que vou me deixar levar por tudo, o que me deixa
completamente assustada porque eu não to nada acostumada a ser assim,
mas... pra tudo tem a primeira vez.

— Procure-o sim – Christian incentivou – Se eu bem conheço o Mane ele


deve estar subindo pelas paredes de agonia pra saber como você está.

— Mas eu não to fazendo isso pelo Mane, eu to fazendo por mim – Maite
ressaltou – Se eu não quisesse absolutamente nada com ele, eu o procuraria
hoje mesmo e diria "não, obrigada". Mas a questão é que... Deus, eu posso
estar fazendo a pior escolha do mundo, eu posso me arrepender
profundamente... mas a única coisa que eu consigo pensar é "por que não?"

Dentro de Anahí pelo menos, a única coisa que se passava era uma
sensação: de que, nem de longe, aquela era a pior decisão possível que
Maite iria tomar.

xxx

No dia seguinte Anahí resolveu concretizar o que tinha falado com


Christian. Ela estava na terapia bem cedo, Karen a tinha levado. Antes
mesmo da Dra. Balfe chegar ao Manhattan Medical Center Anahí já estava
sentada no corredor numa das cadeiras à sua espera e foi com surpresa que
a psiquiatra a encontrou ali à sua espera.

— Nós não temos uma sessão marcada pra hoje – a médica murmurou ao
observa-la, embora soubesse bem o que trouxera Anahí ali.

— Eu esperava que você pudesse me dar um encaixe – Anahí murmurou –


Meia hora que fosse... mesmo que eu tenha que ficar o dia inteiro...

— Não é preciso – Caitriona sorriu – Eu tenho meia hora agora.

E Anahí sorriu de volta, levantando-se de imediato e acompanhando a


psiquiatra o mais rápido possível.

— Confesso que não esperava te ver tão cedo, na verdade não sei nem se
esperava te ver – a psiquiatra comentou se sentando em sua tradicional
poltrona e pegando seu bloco de anotações, vendo uma não tão confortável
Anahí se acomodar no sofá à sua frente.

— Eu estava com medo – Anahí respondeu com certa vergonha – Ainda


estou, na verdade.

— A regressão não é fácil e eu sei que tudo o que você lembrar vai ser
difícil de superar, mas sei também que, a longo prazo, vai ser o melhor pra
você – Caitriona explicou – O que te fez mudar de ideia?
— A ideia da mentira bonita – Anahí deu de ombros – Bonita ou feia, no
fim continua sendo mentira. E eu não quero mais viver de mentiras. Eu
sempre fui corajosa sabe? Eu sinto falta de ser assim. Não quero mais sentir
medo.

— Medo você sempre vai sentir, todo mundo sente – a médica completou –
Mas só de você estar aqui já é sinal de que está enfrentando-os e é
exatamente isso que eu quero.

— Eu não sei se sou forte o bastante pra lidar com tudo o que eu vou
lembrar – Anahí mordeu os lábios – Deve ter acontecido algo muito difícil
lá pra eu ter esquecido tudo.

— Tudo você não vai lembrar – Caitriona observou – Porque tudo ninguém
lembra. Eu não lembro de absolutamente tudo o que aconteceu nos últimos
oito anos da minha vida. O importante Anahí, e é o que eu busco... é que
você se lembre do que é essencial.

— E como eu vou saber o que é essencial...?

— Não se preocupe com isso, eu vou buscar essa resposta pra você –
Caitriona a tranquilizou – Confie em mim. Eu sei que chegaremos ao ponto
certo quando isso for o gatilho pra tudo o que você esqueceu pelo trauma e
não pelo decurso do tempo. Você só precisa confiar Anahí.

— Eu... eu confio – ela disse mesmo que com certo receio.

— Ótimo – a médica sorriu – Pronta pra começar?

— Sim.

Anahí não estava. Provavelmente ela nunca estaria, mas aquilo era
exatamente sobre enfrentar o medo e ela sabia que se negar a prosseguir
com aquilo seria pior a longo prazo. Por mais que parecesse confortável a
posição na qual ela se encontrava naquele momento, Anahí tinha dentro de
si a certeza de que só seria capaz de realmente seguir em frente com a
própria vida quando deixasse para trás essa vida que tinha esquecido. A
vida que viveu por oito anos quando a sua foi interrompida.
Por mais que doesse, parecia ser a hora de começar a lembrar.

— Feche os olhos – Caitriona determinou e Anahí prontamente obedeceu –


Você está no cativeiro de novo. O que você vê...?

A mente de Anahí trabalhou rapidamente. O silêncio no ambiente


colaborava para que ela conseguisse sair da esfera onde seu corpo físico se
encontrava – o Manhattan Medical Center, o consultório da Dra. Balfe – e
se transportasse de volta ao apertado porão onde ficou trancafiada por anos.
As reações de Anahí já eram capazes de indicar que a regressão tinha
começado bem e que ela estava de volta àquele lugar. A pele dela parecia
arrepiada e seus olhos estavam agitados. A lembrança a deixava nervosa.
Ela tinha voltado.

— Me diga o que você vê Anahí – Caitriona pediu.

— Tem uma luz nova – Anahí murmurou – Ele colocou porque eu pedi, eu
estava no escuro há dias, só com uma fresta do basculhante que ficava no
alto...

— Você está feliz? Está... contente pelo menos?

— Eu to com medo – Anahí respondeu – Eu sei que ele quer algo em troca.

— E o que ele quer?

— Ele chegou – ela rapidamente se apressou em dizer num sussurro


provavelmente tentando que Tobias não ouvisse. Anahí estava tão imersa na
regressão que não percebia que fisicamente não estava mais no cativeiro –
Ele... ele ta se aproximando de mim e... eu não gosto desse olhar.

— Anahí? O que ele está fazendo...?

— Não, não, eu não quero – ela gemia enquanto falava – Não, não, não...

Caitriona ficou em silêncio observando as reações de Anahí. Ela não estava


mais ali, estava lá, no cativeiro, se lembrando de tudo. Era melhor ficar
calada e observar, porque o modo como Anahí gemia e se portava dizia por
si. Era como se realmente seu sequestrador tivesse entrado ali e começado a
abusar dela. Ela gemia, chorava e dizia aquele insistente "não" o tempo
inteiro, por vezes um "não quero", reproduzia as palavras e murmúrios que
sua psiquiatra sabia que tinham sido reais quando aquela lembrança de fato
aconteceu.

A médica deixou que tudo corresse o seu ciclo até o final sem interrupções.
Por mais doloroso que fosse assistir – algo que sem dúvidas não se
comparava a viver – ela sabia que Anahí precisava levar o ciclo até o final.
Não adiantava nada ter ido tão longe para parar no meio do caminho. Então
tudo o que Caitriona fez foi esperar que aquele ciclo de Anahí terminasse e,
quando finalmente aconteceu, quando a paciente despertou do transe, ela
estava a postos para consola-la como podia.

Quando voltou ao consultório e ao presente, Anahí chorou. As emoções


mais do que nunca estavam à flor da pele e as lembranças vívidas em sua
mente, como se tivessem acabado de acontecer. De certa forma era assim.
Caitriona precisou esperar sua paciente se acalmar para começar a dizer.
Porque o importante daquele momento não era a percepção externa que ela
teve de observar as reações da paciente, mas sim o que Anahí tinha a dizer
sobre o que se lembrou.

— Anahí... – Caitriona começou a falar com ela segurando suas mãos – A


hora que você quiser, que estiver pronta pra falar...

— Foi a primeira vez que ele abusou de mim – Anahí disparou. Não tinha
um lastro de luz em seus olhos – Eu estava ansiosa porque nada acontecia.
Já tinha semanas do aborto, ao menos dentro do que eu contava, eu ainda
tinha alguma noção do tempo e... e eu me perguntava o que ele iria fazer,
porque não era possível que iria me deixar trancada ali apenas por trancar,
era óbvio que ele faria alguma coisa. E acho que tudo foi de propósito.

— Como assim de propósito...?

— Pra me deixar ansiosa – a voz dela saiu com nojo – Como se eu ansiasse
ir pra cama com ele.

— Compreendo – foi tudo o que a psiquiatra disse – E como foi quando


aconteceu?
— Ele... tentou fazer um jogo psicológico pra me confundir, pra me fazer
acreditar que eu queria aquilo, que eu estava gostando. Que eu o desejava
como ele dizia me desejar. E no início eu dizia que "não". Não era pra ele,
era para mim mesma. Pra que eu lembrasse que eu não queria, que eu não
consentia e que eu jamais seria dele de verdade, não importava quantas
vezes ele me violaria. Só que... no fim não adiantou nada. Eu acabei
esquecendo de toda forma.

— Eu acho que isso você não esqueceu – a médica disse sorridente – No


fundo você sempre soube que não era dele e que não queria aquilo, mesmo
que tenha esquecido as memórias em si.

— Você acha? – Anahí perguntou enxugando os olhos. Ela sentia as


olheiras arderem.

— Eu tenho certeza – Caitriona confirmou – Acho que é muito por um dia.


Nós avançamos bastante e você já tem o suficiente pra lidar. Vá pra casa e
descanse. E lembre-se que você é forte e que é capaz de lidar com o que
quer que venha a se lembrar.

Caitriona Balfe dizia aquilo porque ela sabia perfeitamente bem que ainda
tinha algo muito mais complexo do qual Anahí não fazia ideia.

xxx

Maite deixou aqueles dias correrem e com eles virem algumas respostas. A
mente dela ainda estava bagunçada com os recentes acontecimentos e não
era simples tomar uma decisão. Qualquer pessoa demoraria séculos
pensando no que fazer, no que era melhor, mas Maite não, ela era objetiva
ao extremo e sabia exatamente o que queria naquele momento. Ela só
precisava resolver algumas coisas antes de correr atrás do que queria.

E a primeira coisa era Pia.

A loira vinha evitando Maite e não precisava pensar muito para entender os
motivos. Maite imaginava que Pia estava com raiva dela, no mínimo com
vergonha. Pudera, a situação que elas tinham vivido na casa de Poncho
tinha sido suficientemente embaraçosa. Mas exatamente por isso Maite
sentiu que devia explicações à amiga. E como sabia que ela não iria
procura-la, decidiu dar a cara à tapa e fazer aquilo, encerrando de uma vez
aquele esconde-esconde que as duas acabaram travando, já que parecia
nítido o quanto vinham evitando uma a outra.

Pia estava também no final de seu dia de trabalho, totalmente distraída,


quando Maite entrou em sua sala. Ela não viu a morena aparecendo, de
modo que não teve como se esquivar ou fugir – quando deu por si Maite já
estava ali, Pia a encarou sabendo que por mais que quisesse não poderia
simplesmente virar as costas e sumir. Era a hora de encarar e as duas terem
a conversa que tanto postergaram.

— Então... – Maite mordeu os lábios – Eu acho que nós devemos resolver


isso de uma vez.

— Não tem nada pra ser resolvido Maite – Pia disse séria, já dando o tom
do modo como via aquela situação, fazendo a morena suspirar.

— É claro que temos, eu te devo desculpas – Maite já disparou.

— Desculpas pelo quê? – Pia riu de nervoso – Por ele ser apaixonado por
você...? Você não tem culpa disso, ninguém tem. Eu no fundo sabia e fiquei
fingindo que não via...

— Pois é, e eu acho que eu também – Maite confessou – Então devo te


pedir desculpas por ter te envolvido nisso. Mas de qualquer forma Pia, você
precisa saber que eu não vou me meter entre o Mane e você. Eu não sou
desleal, eu respeito o relacionamento de vocês, até porque fui eu quem os
apresentou e...

— Maite... – Pia a interrompeu levantado a mão – Não existe


relacionamento. Mane e eu terminamos.

— Isso é sério? – Maite arregalou os olhos.

— Deus, você é mais cega que parece – Pia negou com a cabeça – Você por
um acaso ouviu o que foi falado naquele dia? Ele ama você, Maite. Você.
Não tinha como continuar assim.
— Então você terminou com ele? – Maite perguntou sentindo o próprio
coração acelerar, embora não conseguisse entender exatamente por que
estava reagindo daquela forma. Só que em sua mente só havia uma
pergunta: então Mane estava livre?

— Foi de comum acordo – Pia respondeu franca – No dia seguinte ele me


procurou, eu perguntei se aquilo era verdade, embora fosse óbvio que era, e
ele confirmou. Nós dois concordamos que era melhor que cada um seguisse
o seu caminho.

— Entendo... – Maite murmurou sentindo um mar de sentimentos nadar


dentro dela.

— E Maite? – Pia voltou a chama-la – Eu disse ao Mane que ele deveria


lutar por você. É claro que ele não vai fazer isso porque você não deu
nenhum tipo de sinal verde que o deixasse mais seguro... então, se é o que
você também quer... lute você.

— Obrigada Pia – Maite respondeu sincera – Por... por tudo.

— Você me colocou entre vocês, mas eu jamais me manteria – Pia piscou.

Agora bastava que Maite de fato lutasse por Mane.

Bastava saber se ela queria, e aquela sensação que ela teve dentro de si na
conversa com Pia parecia responder a dúvida. Maite estava
consideravelmente bem com aquela ideia de Mane e ela terem algo, era uma
ideia que ela nunca sequer tinha cogitado – e devidamente combatido cada
vez que era sugerida sutilmente pelos amigos. O que tinha mudado? Por que
algo a empurrava para aceitar arriscar daquela vez?

Maite sempre se cercava de desculpas, para os outros e para si mesma, não


só quanto a Mane, mas com relação a qualquer tentativa de um novo
relacionamento sério. Ela dizia que não estava pronta, que não tinha
interesse, que não confiava. Quando o assunto era Mane, ela culpava o
fracasso de Sophia e de Jesse, quando sabia que no fundo aquilo
influenciava, mas não era determinante, tanto que não estava sendo daquela
vez. A questão era que Maite tinha conseguido enfrentar seu passado, olhar
na cara de Koko e questionar realmente o motivo de seu divórcio. Maite
agora conseguia se olhar no espelho sem sentir dentro de si o peso da culpa
por não ter dado certo entre eles. Ela finalmente se sentia pronta para algo
mais, para o próximo passo, sem ter medo do que poderia dar errado por
saber que poderia vir algo melhor e mais bonito naquilo tudo.

A verdade era que Maite concretizava aquela frase de que alguém só pode
estar com outra pessoa se está bem consigo mesma. E ela finalmente se
sentia bem em seu interior para enfim seguir em frente e dar uma chance ao
amor.

É claro que ela ainda tinha questões a ser resolvidas, a briga com Sophia
que se estendia por tempos – e que agora a morena via que tinha chegado
longe demais – e Maite ainda não sabia ao certo o que pensar sobre Alfonso
e Diana. Mas cada coisa tinha o seu tempo e ao menos naquele momento,
ela sentia que precisava dar um certo espaço para o próprio coração. A
intuição dizia que o restante se ajeitaria na hora certa, com uma boa dose de
boa vontade sua. Ela tinha de sobra.

Por isso naquela noite Maite mandou uma mensagem para Kamilla, a irmã
de Mane, perguntando se ela sabia que ele tinha treino. Mane era muito
conectado com as mães e irmã, os quatro sempre sabiam demais da vida um
do outro; logo, se ele tivesse treino naquela noite Kamilla saberia.

Dito e feito. A garota respondeu a mensagem de Maite na velocidade da luz,


dizendo que sim, Mane iria treinar o time para um jogo dali a dois dias e
sim, ele provavelmente adoraria encontra-la lá. Essa parte não era algo que
Maite tinha perguntado, ela riu e percebeu que provavelmente não eram só
os amigos que notavam o interesse de Mane há quilômetros de distância,
sua família seguia no mesmo caminho. Maite decidiu não mais perder
tempo, ela estava disposta a realmente se deixar levar, se seu coração
quisesse Mane ela iria tentar.

O ginásio do colégio estava um verdadeiro caos. Era o último treino antes


de um jogo importante, então muitos alunos tinham ido assistir, as líderes
de torcida estavam ali, Maite encontrou um lugar para se sentar com alguma
dificuldade. Ela não demorou a avistar Mane, ele estava supervisionando os
armadores do time treinando lances livres, e estava realmente concentrado e
ajudando até um dos jogadores lhe dar um cutucão e apontar exatamente
para onde ela estava.

A expressão de Mane quando seus olhos encontraram Maite na


arquibancada mudou total. O sorriso bobo que a boca dele abriu a derreteu.
Ele deu um aceno sutil, demonstrando estar feliz por vê-la ali, mas ao
mesmo tempo parecia desconcertado e sem entender. Talvez entendesse
demais, só não queria acreditar. Ela continuou olhando para ele,
observando-o nos mínimos detalhes, e o que viu foi Mane deixar a
concentração de antes se esvair com muita facilidade e de repente não
conseguir mais controlar qualquer coisa que fosse no próprio time.

Por vezes Mane olhava de volta para a arquibancada, quem sabe para vê-la
de novo, quem sabe para conferir se ela ainda estava ali, e se desconcertava
cada vez que notava o olhar de Maite fixo nele, não era algo que ele
esperava. Maite teve ali todas as suas respostas. Ela não precisava que
ninguém insistisse dizendo que Mane era apaixonado por ela, a confirmação
estava em seu olhar, em seu sorriso bobo, no modo como ele não conseguiu
mais focar no próprio trabalho depois de vê-la. O treino do time dada a
dispersão evidente de seu treinador foi um verdadeiro desastre. Mane não
conseguia perceber os erros, nem os acertos, nem corrigir nada. Era como
se eles tivessem perdendo tempo ali.

Rapidamente todos perceberam que a vitória no jogo dali a dois dias


dependia de um novo treino no dia seguinte. Maite ao final estava descendo
as escadas da arquibancada com um sorriso sem graça porque não sabia
bem o que diria a Mane depois de ver o desastre que tinha sido a atuação de
seu time. Curiosamente, antes de ela chegar até ele, um dos jogadores que
estava no banco de reservas chegou até ela... e com uma mensagem
categoricamente decidida.

— Maite, não é? – ele perguntou e ela assentiu com os olhos arregalados


sem esperar por aquilo – Sei que você não deve ter tido a intenção e tudo
mais... mas por favor, não volte.

— Eu... – Maite respondeu desconcertada – Me desculpe...


— Tudo bem – o garoto deu de ombros – É só que... ele perde a
concentração perto de você. Deu pra ver, não é? E nós realmente queremos
ganhar o Campeonato Estadual esse ano.

— Não se preocupe – ela riu sentindo as bochechas esquentarem – No que


depender de mim, é de vocês.

E seria mesmo. Maite não pretendia aparecer mais ali... porque o que ela
tinha ido fazer seria resolvido naquela mesma noite.

Ela esperou paciente por Mane terminar tudo. Estava encostada na parede
do ginásio, despojada com os cabelos presos num rabo-de-cavalo, mexendo
no celular distraída. Trocava mensagens com Anahí exatamente quando ele
apareceu, só notando Mane em sua frente quando ele estava parado bem
próximo observando-a. Maite então guardou o celular e deu um sorriso no
canto da boca se sentindo nervosa como uma adolescente. Era bom sentir
aquela sensação depois de tanto tempo sem se permitir.

— Oi – ela murmurou observando cada linha da expressão dele.

— Oi... Então... eu não esperava te ver por aqui – Mane respondeu sem
graça.

— Eu percebi – Maite riu.

Se ela tinha realmente percebido o que ele pensava... bom, era impossível
que não se tratasse dos sentimentos dele não é? Sophia os havia literalmente
gritado... Maite já sabia de tudo e se ela estava ali, isso significava algo.
Mane torcia apenas para que significasse o que ele tanto queria, que fosse
algo bom afinal.

Ou talvez não fosse. Talvez Maite tivesse ido ali para dizer que Mane não
deveria nutrir novas esperanças e que ela nunca sentiria o mesmo do que
ele. Quem sabe já notava os sentimentos dele há muito tempo e apenas os
ignorava para não criar problemas na amizade, mas agora, dada a explosão
de Sophia, ela tinha que corta-los de uma vez. Mane se arrepiava com a
simples possibilidade, mas ele sabia que teria que aceitar o que ela decidisse
e jamais poderia ficar com raiva de Maite por não correspondê-lo. Mas que
doía, doía...

E num universo repleto de talvez, a única certeza era que aquelas dúvidas
todas precisavam ser sanadas de uma vez.

— Eu acho que nós precisamos conversar... – Mane murmurou inseguro até


o último fio de cabelo.

— É, digamos que eu tenha vindo pra isso – Maite sorriu no canto da boca
novamente. Ela estava mais charmosa do que nunca – Eu pensei, quem
sabe, num jantar? Com um bom vinho...?

— Ah vai – Mane riu – Eu sei que o que você quer mesmo é uma boa pizza.
Te conheço.

— Sim – Maite confirmou – Me conhece. Vamos então?

— Claro – ele confirmou – Vamos.

Se restava ainda uma sombra de dúvidas, ela começou a se dissipar quando


eles começaram a caminhar para sair do ginásio e Maite pegou Mane pelo
braço, segurando-o por ali. Não eram mãos dadas, não era um sinal de
compromisso... mas era uma proximidade. Era ela trazendo-o para perto. E
como Mane estava cansado de perder tempo, ele passou o braço livre pela
cintura dela e a segurou. Como resposta, Maite não o afastou, pelo
contrário, parecendo confortável ali com ele.

Era sem dúvidas um começo... ou melhor, era o começo. O começo deles.

Oi pessoinhas, tudo bom?

Depois da deliciosa vitória pros mexicanos pocs que estão espumando até
agora (menos meu fav amadurecido que cumpriu aposta, um orgulhinho
desses), chegamos na minha hora fav de segunda e quinta, que é ficar att o
aplicativo pra ver os comentários de vcs!
Como prometido, os casais coadjuvantes sendo desenvolvidos e Maite
tomando a frente da situação com o Mane! Vcs esperavam por isso e em
especial, que fosse tão rápido? Porque eu aposto que não! Hahahahaha.

Temos também a parte triste do cap que foi mais uma lembrança dolorosa
do passado da Anahí Sei que dói em todas vê-la desse jeito e em mim
também, mas to caminhando com calma com a superação dela. A Anahí de
daqui a 10 caps ta lutando pra superar alguns de seus traumas, mas essas
coisas vêm aos poucos mesmo, até pra serem verossímeis.

Espero que gostem do cap! E já sabem: e/ou ✍ ok?

Ah, e eu JURO que vou me atualizar nos comentários! To lendo tudo mas
Copa + trabalho + estudos + escrever me esgotaaaaa! Me entendam plis

Beijos

Rafa
Capítulo 28 - All of me

Lexie Grey ainda não tinha realizado o que era estar noiva de Jackson
Avery. Seria apenas um noivado comum entre uma residente-chefe e um
atendente de um hospital nos Estados Unidos. Seria, se Jackson não fosse
um Avery.

Ser um Avery não era qualquer coisa. Havia uma fundação em nome da
família de Jackson, mais especificamente em nome de seu avô, que mesmo
falecido continuava sendo o grande nome da medicina do país. Para
completar, Harper Avery levava ainda o nome de um prêmio da Medicina
que dez a cada dez médicos queriam ganhar dado o nível da consagração
que significava, como um Oscar naquele meio. Dados esses fatos era muita
inocência achar que a futura esposa de um Avery não seria
consideravelmente pressionada. Ou seja... Lexie era realmente inocente.

Mas aquela inocência acabou naquela noite de segunda. Quando Catherine


Avery apareceu ali... a mãe de Jackson.

Lexie sabia que a sogra estava no hospital naquele dia porque a presença de
Catherine, por mais que se queira, nunca é possível de ser ignorada. Aquela
mulher era praticamente onipresente e conseguia ser notada em todos os
momentos. Lexie sabia ainda que Catherine estava ali por causa dela e
tentava cerca-la de todas as maneiras, e naquele dia ptareceu uma boa ideia
se valer do sempre cansaço e desgaste de suas imensas e duradouras
funções de residente-chefe e de quem estava à procura de uma vaga como
neurocirurgiã no hospital. Ou seja, Lexie passou o dia entrando em todas as
cirurgias que pôde, acolhendo traumas, fazendo escalas dos residentes,
orientando os próprios internos, se ocupando de todas as maneiras para
fugir como podia da mama Avery.

Quando o dia acabou e ela achou que a busca da sogra também tinha
acabado, Catherine enfim a encurralou.
— Lexie... – o sorriso pretensioso de Catherine se abriu imediatamente – Eu
passei o dia inteiro esperando para falar com você...!

Ela sabia. Exatamente por isso se manteve todo o dia ocupada.

— Olá Catherine – Lexie sorriu de volta – Eu passei o dia realmente


ocupada.

— Sim, a Bailey me falou que você está com burocracias até o pescoço por
conta da residência e do cargo de chefia, sem falar nos internos... – ela deu
um suspiro inquieto – É algo que vem me deixando preocupada.

— E por que deixaria...?

— Ora, porque agora as coisas não são mais como eram antes Lexie –
Catherine falava como se dissesse o óbvio – Agora você vai se casar.

— E...? – Lexie não estar entendendo o ponto estava realmente irritando


Catherine.

— Digamos que nós precisamos de tempo para cuidar de todos os detalhes


que precisam ser cuidados – ela lembrou – Tem uma cerimônia que vai
acontecer, é claro que eu posso cuidar da maior parte dos detalhes, mas eu
não quero fazer algo que seja a minha cara e não a sua.

— Eu pretendo colaborar como puder – Lexie deu um sorriso amarelo –


Dentro dos limites de tempo, acho que você entende.

— Fico feliz que você já esteja no final da residência, pois após o primeiro
ano da especialização já poderei contar com a sua presença ativa na
fundação.

Opa... aí era outra história.

— Com a minha presença ativa...? – Lexie arregalou os olhos.

— É claro que sim querida – Catherine voltou a usar aquele tom de voz
sugestivo que era totalmente irritante – Você vai ser uma Avery, não se
esqueça disso. Eu também fiquei assustada a princípio quando entrei na
família, mas vejam só, hoje eu sou mais Avery do que o pai do Jackson.
Quem sabe esse possa ser o seu destino também, guiar aquele que vai ser
patrimônio dos seus filhos.

Filhos? Lexie não pensava em filhos, não cogitava nada daquilo. Ela queria
apenas terminar a residência, se especializar em neurocirurgia, construir
uma carreira tal como Jackson estava construindo. Por que de repente todo
aquele peso tinha sido colocado em suas costas? Por que Catherine resolveu
procura-la trazendo toda aquela lista de novas responsabilidades às quais
ela não fazia a menor ideia que teria? Lexie começava a se dar conta que
tinha apenas aceitado um pedido de casamento, não assinado um contrato
de ser uma Avery. Ao menos era o que ela achava.

Parecia que o peso não estava nas costas, mas sim numa pedra encontrada
em seu dedo anelar direito...

— Ok Catherine, é informação demais – Lexie se esquivou – Vamos ficar


apenas com o casamento por enquanto, ok?

— Claro, claro – Catherine sorriu satisfeita – Eu apenas queria deixa-la...


ciente. Vou contratar uma organizadora para o casamento, se você não se
importar, e ela resolve as coisas e apenas te comunica. Não vai te atrapalhar
em nada.

— Melhor assim.

O problema é que o tom daquela conversa indicava exatamente o


contrário... denotava que já estava atrapalhando. E que era apenas o
começo.

xxx

O desgaste de Lexie com aquela conversa sobre ser uma Avery foi tão
grande que ela decidiu sair para beber. Só que Amélia já tinha ido embora,
Meredith estava enjoada pela gravidez e por óbvio estava se privando de
seus habituais shots de tequila e Jackson decidiu não acompanhar a noiva
para descansar para uma cirurgia que teria na manhã seguinte bem cedo.
Lexie estava mais estressada do que nunca e evidentemente, sem
companhia.

Logo ela viu que precisava lugar para o plano B.

— Não vai tia Soso... – Samantha implorava agarrada às pernas da tia,


tentando impedi-la como poderia – Por favor, fica comigo...!

— Sam... – Sophia se abaixou até ficar da altura da menina – Eu fico com


você toda noite, bebê. Hoje a Lexie precisa que eu saia com ela.

— Precisa nada – a menina esfregou o olho irritadiça – Eu preciso mais!

— Filha, eu vou estar aqui com você... – Jesse disse tentando argumentar...
em vão.

— Eu quero a tia Soso...

— Eu danço Just Dance com você – Jesse argumentou – As músicas que


você quiser.

— Até Beyoncé e Katy Perry?

— As que você quiser – Jesse entregou.

— Hum... ta bom – Samantha se deu por vencida, virando-se para Sophia


logo em seguida – Mas você volta né tia?

— Volto – Sophia garantiu, finalmente arrancando um sorriso ainda que


mínimo.

— Soph, você não precisa... – Jesse disse num sussurro sendo prontamente
interrompido pela filha.

— Papai, não se mete...! – a menina revirou os olhos.

— Samantha, me respeite – ele se impôs – Vai lá no seu quarto um minuto


pra eu falar com a Sophia.
Contrariada, Samantha foi revirando os olhos. Por sua vez, o olhar de
Sophia a acompanhou. Ela conseguiu esperar até a menina sumir para
finalmente soltar a risada presa pelas coisas que ela dizia.

— So, eu sei que as suas intenções são as melhores, mas a sua dedicação já
é imensa e muito além do que eu posso agradecer – Jesse confessou
carinhoso – Você não é mãe dela. Você não é obrigação.

— Errado – Sophia ressaltou – Eu não tenho obrigação... mas Jesse, eu sou


mãe dela sim.

— Você entendeu o que eu quis dizer...

— E você entendeu o que eu quis dizer também – Sophia voltou a observar


– É assim que eu me sinto. E não é porque a Torrey me fez prometer
que ficaria por perto... é porque eu sei que ela jamais precisaria me pedir
nada, é o que eu faria de qualquer forma.

— Torrey também te fez fazer uma promessa...? – Jesse franziu a testa.

— Eu não queria contar porque você poderia achar que eu só to fazendo


tudo o que to fazendo e me mantendo por perto de vocês por causa dela...

— Eu jamais pensaria isso – Jesse respondeu – Eu sei que você ama a Sam,
eu só não quero que você perca a sua vida por conta disso. Não quero que
nós sejamos um peso nas suas costas. Você é livre pra fazer o que quiser,
Soph.

— Então estou exercendo essa liberdade indo agora, mas também estarei
quando voltar pra cá mais tarde – Sophia disse sorrindo e arrancou um
sorriso maior ainda de Jesse – Só uma coisa... você perguntou se a Torrey
também tinha me feito fazer uma promessa... ela te fez fazer uma?

— Ah... bem... – Jesse coçou o queixo desconcertado – Sim...

— Qual foi a promessa Jesse?

— Que eu lutaria por você – ele entregou – E te reconquistaria de volta.


Era como se o coração de Sophia pulasse para fora. O olhar de Jesse estava
definitivamente fixo pela porque ele queria captar toda a sua mínima
reação. Então ele provavelmente era capaz de perceber o quanto aquela
confissão a tinha acertado em cheio, já que o rosto de Sophia
provavelmente enrubesceu a julgar pelo quanto as suas bochechas ficaram
quentes, e a boca dela abriu e fechou diversas vezes. Jesse sorriu ao notar
aquelas reações, passando a mão livre pelo rosto dela. Eles estavam mais
próximos do que nunca.

— Eu não sei o quanto é bom você se manter tão por perto – Jesse disse
aproximando a testa da dela – Não sei o quanto ainda sou capaz de resistir...

— Jesse... – o nome dele saiu da boca dela quase como um gemido sôfrego.

— Eu to louco pra te beijar – Jesse confessou – To me prendendo a cada fio


de racionalidade pra não te beijar agora.

— Eu... eu tenho que ir – Sophia disse se afastando dele – Eu serei racional


por nós dois.

— Tudo bem – ele abaixou o rosto, sentindo o corpo pegar fogo.

— Mas eu volto – ela garantiu antes de sair.

Jesse realmente estava se prendendo ao concreto, à promessa que fizera a si


mesmo e à Sophia também, de que iria esperar o momento certo, até
Samantha estar mais segura e recuperada da morte da mãe. Afinal seria um
baque para a menina se um envolvimento dele e de Sophia não desse certo,
os dois temiam pela menina, tudo poderia acabar ainda pior do que antes...
mas resistir estava cada vez mais difícil. Vendo Sophia sair Jesse só torcia
para ser forte e continuar sendo racional, ou contar que ela fosse, porque
cada dia de fato se tornava mais difícil. A cada dia eles estavam mais
próximos por Samantha e Jesse queria somente acabar com a distância que
realmente o machucava.

xxx

Ouça "All of me"


John Legend

Mane conhecia Maite perfeitamente bem para saber que um jantar num
restaurante elegante jamais a satisfaria. Maite era aquela mulher que comia
doces, pizza e hambúrguer e ninguém sabia para onde ia tudo aquilo, já que
ela simplesmente não engordava. Trocava o jantar que fosse por um
cachorro-quente num trailer de rua, Mane já tinha visto isso tantas vezes
que nem sabia mais contar. Então não foi com nenhuma surpresa que ele
viu Maite saltitar de felicidade quando ele sugeriu que eles fossem para
uma pizzaria naquela noite.

Não era qualquer pizzaria, era simplesmente a pizzaria favorita de Maite.


Outro acerto de um homem que passou os últimos quinze anos notando
absolutamente todos os detalhes sobre ela. Mane sabia quais eram os
hobbys de Maite, todos os seus gostos, o tipo de filme que ela gostava de
assistir, até as piadas que sabia que a fariam rir. E estava na hora de mostrar
para ela que tinha guardado todas essas percepções por tempo demais, que
estava no momento de enfim soltá-las. Finalmente.

— Como você sabe que eu gosto tanto daqui...? – Maite perguntou


franzindo a testa assim que eles pararam na frente do restaurante. No fundo
ela sabia a resposta, mas o que pensava não era o que veio.

— Eu já vim aqui algumas vezes com você, esqueceu? – Mane riu abrindo a
porta para os dois entrarem – Pizza de pepperoni?

— Acertou em cheio – Maite sorriu orgulhosa – Apimentada como eu.

— Exótica como você – Mane corrigiu.

E Mane já dava o tom desde o início.

What would I do without your smart mouth

O que eu faria sem a sua boca inteligente

Drawing me in, and you kicking me out

Me atraindo, e você me afastando


Got my head spinning, no kidding, I can't pin you down

Minha cabeça está girando, sério, eu não consigo te decifrar

What's going on in that beautiful mind?

O que está acontecendo nessa mente linda?

I'm on your magical mystery ride

Estou em sua jornada mágica e misteriosa

And I'm so dizzy, don't know what hit me, but I'll be alright

E eu estou tão tonto, não sei o que me atingiu, mas eu ficarei bem

Nenhum dos dois sabia como começar o assunto. Eles sabiam que
precisavam conversar, que tudo precisava ficar em pratos limpos, que já
tinha sido por tempo demais um ignorando aquela situação e o outro
fingindo que não existia. Maite agora notava os olhares de Mane, os
sorrisos no canto da boca dele enquanto a observava. Os olhos dele
realmente brilhavam quando a encaravam, ele ficava como um bobo vendo
Maite falar e gesticular e ela teve a certeza que Mane poderia ficar o dia
inteiro apenas notando-a sem reclamar.

Como ela pôde não reparar...? Na verdade, como Maite conseguiu ignorar
todos os chamados, todas as maneiras que o mundo inteiro tentou lhe
chamar a atenção? Ela não sabia.

Talvez antes ela não estivesse pronta para encarar os sentimentos de Mane,
porque provavelmente o magoaria deixando-o de lado. Só que agora ela
estava. Não pronta para correspondê-los ainda, isso era algo que viria com o
tempo. Só que era bom sentir vontade de estar com alguém de novo, era
bom se sentir livre para um novo relacionamento. Livre de todo o estigma e
o peso do fracasso de seu casamento. Livre para saber que, mesmo que não
desse certo com Mane, ela iria se reerguer, superar e seguir em frente,
porque afinal já tinha sobrevivido a coisas piores.
Naquela noite Maite não tocou no nome de Koko, foi como se ela nunca
tivesse sido casada. Ela e Mane também não falaram de Pia, era assunto
para outro momento, não cabia. Na verdade era como um encontro, eles
conversavam animados, eram só sorrisos, Maite inicialmente contou de seu
dia e das pérolas de seus alunos, Mane começou a falar dos adolescentes
que ele treinava que ele dizia não serem tão mais maduros assim e terminou
com ela debochando dele pela derrota no treino, com Mane rindo meio
envergonhado pensando se ela sabia o verdadeiro motivo para toda a sua
desconcentração que resultou naquele resultado ruim. Mane não tinha como
saber, mas Maite sabia. Ela mordia os lábios pois agora percebia todas as
reações dele. Agora ela não iria mais perder nada.

'Cause all of me

Porque tudo de mim

Loves all of you

Ama tudo de você

Love your curves and all your edges

Ama as suas curvas e seus contornos

All your perfect imperfections

Todas as suas imperfeições perfeitas

Give your all to me

Me dê tudo de você

I'll give my all to you

Eu darei tudo de mim para você

You're my end and my beginning

Você é o meu fim e o meu começo


Even when I lose I'm winning

Mesmo quando eu perco estou ganhando

'Cause I give you all of me

Porque eu te dou tudo de mim

And you give me all of you

E você me dá tudo de você

A noite não terminou com a clássica disputa de quem pagaria a conta


porque novamente, Mane conhecia Maite o bastante para saber que não
tinha chances de ganhar qualquer queda de braço, muito menos aquela.
Mane propôs que eles dividissem a conta, não forçou dizendo que não se
incomodava que Maite pagasse tudo mesmo sabendo que ela pagaria feliz,
já que dizia que quem convida paga. Mas aquela sugestão já deixou Maite
mais tranquila e suficientemente satisfeita, já que ela tinha se armado para
uma guerra ela mera possibilidade da discussão e Mane não lhe deu chance
porque estava longe de ir para uma batalha.

Talvez o relacionamento deles não fosse uma batalha, mas Maite não sabia
o que era não ir direto para a briga. Parecia que Mane iria lhe ensinar.

— Nós podemos alternar as contas da próxima vez – Mane sugeriu quando


os dois saíam do restaurante – Sabe, eu pago uma, você paga a outra...

— O que isso significa? – Maite disse colocando as mãos no bolso e


franzindo a testa – Vão ter outras vezes...?

Parecia que eles estavam finalmente chegando no ponto.

— Não sei – Mane desconversou – Se você convidar... ou quem sabe


aceitar...

— Se você tiver coragem suficiente de convidar – Maite alfinetou.

— Talvez agora eu tenha.


How many times do I have to tell you

Quantas vezes eu tenho que te dizer

Even when you're crying you're beautiful too

Mesmo chorando você é linda também

The world is beating you down, I'm around through every mood

O mundo está te castigando, eu estou por perto acompanhando tudo

You're my downfall, you're my muse

Você é minha ruína, você é minha musa

My worst distraction, my rhythm and blues

Minha pior distração, meu ritmo e minha melodia

I can't stop singing, it's ringing, in my head for you

Eu não posso parar de cantar, está tocando, em minha mente para você

— Nós precisamos ir pra casa agora? – ela perguntou. Como suas mãos
estavam no bolso pelo ar gelado que batia, eles não estavam mais de braços
dados. Caminhavam lado a lado como dois amigos que ainda eram.

— A noite é uma criança, é o que dizem – Mane respondeu rindo – E eu


não to com pressa.

— Eu tenho que trabalhar amanhã cedo, mas nada que uma boa maquiagem
não resolva as olheiras – ela continuou e, ao vê-lo abrir a boca para retrucar,
se apressou – Nem comece ok?

— Começar o quê? – Mane arregalou os olhos.

— Dizer que eu não preciso de maquiagem, porque meus alunos são


crianças mas notam cada centímetro de mim – Maite observou e o viu negar
com a cabeça.

— Eu não posso culpa-los...

Parecia que o que ele tanto tentou esconder agora estava escancarado.

— Como foi que eu nunca percebi? – Maite perguntou parando no meio da


rua de frente para ele, encarando-o com a franqueza que nunca foi capaz –
Como eu fechei os meus olhos por tanto tempo...?

— Eu fingi por muito tempo também – Mane confessou mordendo os


lábios. Ele não sabia de onde vinha a coragem para dizer tudo aquilo – Eu
sinto muito por você ter descoberto através dos berros da Sophia.

— No fundo eu já sabia, eu só não queria... admitir – Maite mordeu os


lábios – Então digamos que eu tenha precisado dos berros da Sophia pra
sair dessa inércia toda. Não era justo com ninguém... nem com você, nem
com a Pia e muito menos comigo mesma.

My head's under water

Minha cabeça está debaixo de água

But I'm breathing fine

Mas eu estou respirando bem

You're crazy and I'm out of my mind

Você está louca e eu estou fora de mim

— A Pia...

— Eu conversei com ela – ela se limitou a dizer – Basicamente ela só faltou


me empurrar pra você.

— Maite, eu quis te sacudir quando você nos apresentou – Mane finalmente


confessou – Eu tentava pensar que você só podia não me querer pra fazer
algo assim.
— Eu não queria ninguém – Maite abaixou a cabeça – Eu não estava
pronta.

— Agora você está...?

— Eu... eu não quero mais ter medo.

— Você não precisa ter medo – Mane disse se aproximando e segurando-a


pelas bochechas – Maite, eu não vou te machucar. Eu vou aceitar o que
você quiser. Tem gente que nesses momentos diz que tem sentimentos
grandes demais pra apenas uma amizade, mas se você quiser nós seremos
só amigos. Eu comecei te amando como amiga, nunca deixaria de te amar
assim.

Comecei amando. Aquilo era significativo, era forte. Tudo era um passo
grande, Maite não queria sentir medo, mas sentia. Medo de não conseguir
se entregar, nem para Mane nem para ninguém, e se sentir eternamente
limitada. Mas de alguma maneira naquele sorriso dele ela sentia vontade de
pelo menos tentar. De deixar aquele medo de lado e ao menos fazer com
que ele fosse diminuindo aos poucos. Era um começo.

Acabou que a resposta de Maite foi totalmente diversa ao que Mane tinha
acabado de falar.

— A lua está bonita hoje – ela disse olhando para o céu atrás dele.

Mane rapidamente procurou pela lua no céu. Realmente estava bonita,


iluminada e deslumbrante naquela fase cheia. Quando ele voltou seu olhar
para Maite viu que ela sorria boba com o astro, os olhos meio hipnotizados.
Rapidamente ele soube exatamente o que deveria falar.

'Cause all of me

Porque tudo de mim

Loves all of you

Ama tudo de você


Love your curves and all your edges

Ama as suas curvas e seus contornos

All your perfect imperfections

Todas as suas imperfeições perfeitas

Give your all to me

Me dê tudo de você

I'll give my all to you

Eu darei tudo de mim para você

You're my end and my beginning

Você é o meu fim e o meu começo

Even when I lose I'm winning

Mesmo quando eu perco estou ganhando

'Cause I give you all of me

Porque eu te dou tudo de mim

And you give me all of you

E você me dá tudo de você

— Ela é como você – Mane murmurou – Sabe... combina com você. Porque
a lua é cheia de fases... hoje por exemplo é noite de lua cheia e ela está
deslumbrante... mas mesmo quando você não a vê por inteiro, você sabe
que vai continuar sendo maravilhosa.

— É realmente assim que você me vê? – ela perguntou franca.


— É assim que eu sei que você é – Mane disse se aproximando dela – Se
você não quiser tudo bem... mas se quiser... você é leve, Luna. Você voa.
Me deixa te trazer de volta pro chão.

— Luna – Maite disse se aproximando dele – Eu meio que gostei disso.

Maite sabia que Mane não agiria, não porque não tinha atitude – ao menos
não dessa vez – mas porque ele queria respeita-la, não queria avançar com
pressa um sinal que não sabia se estava ou não aberto. Ele iria respeitar o
tempo dela, ainda mais agora que Maite sabia claramente quais eram os
seus sentimentos, restava somente que ela se decidisse sobre querer ou não
algo a mais.

Só que, por mais que o sussurro em seu ouvido fosse um não, por mais que
toda a sua racionalidade a empurrasse para não arriscar, ela via em sua
frente mil motivos para um sim. Agora que estava frente a frente com Mane
Maite percebia que seu grande medo era de perdê-lo caso não desse certo.
Mesmo assim, ela não conseguia imaginar aquela possibilidade. Mane era
um homem maduro que deixava claro que saberia lidar até mesmo com uma
rejeição dela. Talvez ele soubesse lidar com um término também.

E de repente ela se perguntou: por que deveria viver a vida pensando no que
poderia não dar certo? Por que não pensar que eles poderiam ser felizes e
poderiam se amar? Aquela história poderia ter um final feliz. A vida já era
triste demais. Já tinha não's demais.

Eles não seriam Sophia e Jesse. Não seriam Anahí e Alfonso. Seriam
apenas eles.

Cards on the table, we're both showing hearts

Cartas na mesa, nós dois estamos mostrando corações

Risking it all, though it's hard

Arriscando tudo, embora seja difícil


Então Maite deu a carta branca para a sua tentativa, que quem sabe um dia
poderia ser sua felicidade. Ela segurou o rosto de Mane e o beijou. Sem
esperar que ele respondesse, que ele raciocinasse. Mane demorou
milésimos, quase literalmente, para corresponder e beija-la de volta. Não
que ele esperasse ser beijado naquele momento – Mane achava que Maite
racionalizaria a situação até o limite do absurdo – mas mesmo assim, ele
viu a oportunidade bem ali, ao alcance de seus braços no sentido literal da
expressão, e simplesmente a agarrou.

O beijo de Maite era muito diferente do que ele poderia imaginar e não
parecia em nada com os que Mane tinha trocado com outras mulheres ao
longo da vida. Mane se acostumou com garotas tímidas e de pouca atitude,
as que ele saía antes não lembravam Maite em aspecto algum. Ele não
costumava ser beijado por uma mulher, muito menos uma que o segurava
pela nuca como Maite fazia agora. Como ele tinha nutrido quinze anos de
expectativas por aquele momento, Mane era pura explosão. O momento era
muito melhor do que ele imaginou que seria, sobretudo porque era real.

Maite deixou parte do medo ir embora naquele beijo. Ela não se sentiu
segura nos braços de Mane, ela se sentiu segura consigo mesma por ter feito
o que queria e não se deixar levar pelos receios. Enquanto o sentia envolvê-
la, ela não pensou em nada exceto no fato de que o toque dele era firme,
seus lábios eram macios e que era extremamente bom estar nos braços de
Mane. Ela merecia aquela chance de transformar a ansiedade em felicidade,
a dúvida em concretude. Talvez fosse a hora de realmente deixar a
insegurança para trás, em especial quando estava beijando alguém que
nutria há muito os sentimentos mais nobres por ela e não teria coragem de
machuca-la.

'Cause all of me

Porque tudo de mim

Loves all of you

Ama tudo de você

Love your curves and all your edges


Ama as suas curvas e seus contornos

All your perfect imperfections

Todas as suas imperfeições perfeitas

Give your all to me

Me dê tudo de você

I'll give my all to you

Eu darei tudo de mim para você

You're my end and my beginning

Você é o meu fim e o meu começo

Even when I lose I'm winning

Mesmo quando eu perco estou ganhando

'Cause I give you all of me

Porque eu te dou tudo de mim

And you give me all of you

E você me dá tudo de você

Ao final do beijo Mane abraçou Maite, sentindo o corpo dela se encaixar no


seu. Ele sorriu ao vê-la encostando a cabeça em seu peito, rapidamente
acariciando a cabeça dela e se dar conta que queria fazer aquilo por muito,
muito tempo. A diferença para o que tinham antes é que agora ele vivia
aquele tempo, agora ele o vislumbrava e sabia que era palpável e real.
Maite, por sua vez, se sentia acolhida naquele abraço carinhoso. A boca
dela pinicava pelo contato com a barba dele logo antes e isso lhe dava uma
vontade genuína de sorrir. Ela estava feliz com aquela escolha, não estava
apaixonada porque era cedo para isso, mas definitivamente era bom se
sentir assim de novo.

— Ande, vamos – Mane sussurrou fazendo-a sair dali – Está tarde. Eu te


deixo em casa.

Se ao saírem do ginásio Maite envolvera o braço de Mane e ao sair da


pizzaria ela sequer tocou nele, preferindo levar as mãos ao bolso, agora a
mão dela naturalmente procurou a sua. Mane olhou para baixo vendo Maite
dar a mão para ele e a segurou firme, trocando um olhar repleto de certezas.
Ele sabia que ela não estava tão certa quanto ele, via o mar de dúvidas em
seu olhar, em sua expressão, mas ao mesmo tempo estava disposto a
concretizar e acabar com aquela incerteza dia após dia. Ele iria mostrar a
Maite que podia fazê-la feliz, porque sabia que agora não tinha outra
maneira melhor de fazê-lo senão, de fato, fazendo-a feliz.

Era só o começo.

I give you all of me

Eu lhe dou tudo de mim

And you give me all, all of you, ohh

E você me dá tudo, tudo

xxx

Sophia não foi a única vítima do plano de Lexie de sair para beber em plena
segunda-feira, Anahí também foi arrastada para aquele programa
inesperado e, quem sabe, até inadequado. Ela ainda estava com certo receio
de sair à noite daquela forma, mas se era com as amigas, acabou
convencendo a si mesma que não tinha motivo para ficar insegura. Não iria
acontecer nada.

Sophia escolheu um restaurante no Harlem e acompanhou Anahí de táxi, as


duas encontraram Lexie lá. A neurocirurgiã já estava sentada na área do bar
e tinha dois bancos vagos ao seu lado reservados para as duas amigas, que
se entreolharam ao perceber que ela já estava bebendo. Aquilo não poderia
ser um bom sinal.

Quando as duas se sentaram – uma a cada lado de Lexie – e a cirurgiã


começou a falar, elas rapidamente começaram a entender...

— Quer dizer, me casar com o Jackson significa ser uma Avery? – Lexie
falava totalmente inconformada – Eu tenho que ficar sendo a esposa pra ele
mostrar? Não foi pra isso que eu aceitei casar com ele.

— Pra que foi? – Anahí perguntou vendo o olhar confuso de Lexie e o


arregalado de Sophia partirem em sua direção – Desculpe, eu perguntei algo
de errado?

— Anahí... – Sophia murmurou, mas era impossível conter a amiga naquele


momento.

— É que eu até agora não entendi o motivo pelo qual você aceitou aquele
pedido – Anahí confessou – Foi por que você estava bêbada? Por que ele
pediu em público...?

— Por que todo mundo cismou com isso? – Lexie bufou novamente –
Meredith também cismou com isso!

— Porque você obviamente não estava feliz com ele – Anahí insistiu – Não
feliz a ponto de casar. E agora você veio beber porque a mãe dele está te
infernizando, e eu entendo o ponto, é só que... estou confusa Lexie. Você
não ta me convencendo.

— Desculpe mas eu não tenho que convencer, eu estou feliz sim – Lexie
insistiu – Eu vim beber por causa da Catherine, não do Jackson. Ele me faz
feliz. É com ele que eu vou me casar.

Lexie parecia muito certa do que dizia. Sophia não era o tipo de pessoa que
diria que a amiga não estava seguindo o caminho certo, ela simplesmente
não se metia, ainda mais depois de ter acabado falando demais sobre Maite,
talvez fosse melhor se conter. A vontade que tinha era de sumir enquanto
Anahí insistia com Lexie que talvez aquele casamento precipitado não fosse
a melhor ideia. Tentando se desvencilhar, Sophia olhou para trás distraída e
de repente viu algo que lhe chamou a atenção: tinha um homem bonito, de
cabelo escuro e barba, que não tirava os olhos de onde elas estavam.

Imediatamente Sophia franziu a testa e disfarçou para que o homem em


questão não percebesse que tinha sido flagrado. Mas com isso ela acabou
percebendo que, embora ele olhasse na direção das três, não era nela que
ele tinha o olhar fixo. Rapidamente a curiosidade a tomou e Sophia
observou com certa discrição, acompanhando para onde os olhos dele iam,
e foi com uma imensa surpresa que ela percebeu que era para Anahí.

Talvez fosse melhor parar de falar dos Avery um pouco.

— Anahí... – Sophia chamou cortando a discussão das duas – Tem um cara


ali atrás que não tira os olhos de você.

— Quê? – Anahí arregalou os olhos – Você surtou.

— Não surtei não – Sophia insistiu – Eu percebi que ele ta olhando pra cá e
é pra você.

— Como você tem tanta certeza que não é pra Lexie? – ela indagou.

— Porque era você se mexer e ele movia o olhar e sorria meio bobo –
Sophia disse sorrindo largamente.

— Bobagem – Anahí revirou os olhos ignorando e voltando pra conversa.

Bem que ela tentou ignorar, mas Sophia continuou observando e viu que o
homem em questão seguia com o olhar fixo em Anahí. Ela sequer cogitou a
possibilidade, rebateu quando a amiga disse e tirou o assunto da cabeça,
mas isso não foi capaz de ilidir a pretensão do homem. Sophia acabou
tentando se distrair daquilo porque viu que Anahí não apenas não estava
interessada como também parecia não estar disposta a dar qualquer chance
à situação. Resolveu voltar para a conversa também, talvez Lexie precisasse
de ajuda para fugir do assunto. Quando Sophia estava prestes a mudar o
rumo dele, elas foram magicamente interrompidas por uma voz forte,
sedutora e masculina bem atrás.
— Com licença senhoritas – o homem em questão falava com as três, mas
olhava diretamente para Anahí – Atrapalharia se eu oferecesse um drink
para a moça?

Parecia que, dali em diante, Anahí não poderia mais dizer que aquele olhar
daquele sujeito era diretamente para ela. Não com ele parado em sua frente
lhe encarando, não com ele lhe oferecendo uma bebida... não com ele
deixando claro o quanto estava interessado.

Só restava saber se o interesse seria recíproco.

ENFIMMMMM MANERRONI! Demora mas chega e sempre vale a pena,


eu vos digo!

E esse final com um novo boy na vida da Anahí hein? O que será que
podemos esperar disso? E será que uns e outros vão gostar? Hahahahaha

Não to mt falante pelo sono e porque quase esqueci de postar e agora posto
com um olho aberto e outro fechado kkkkkk

Espero que gostem!

Beijos,

Rafa
Capítulo 29 - Explosion of feelings

Quando Milo Ventimiglia estava sentado naquela mesa do restaurante


lotado vendo três mulheres sentadas no bar tendo algum tipo de discussão,
ele via três, mas só enxergava uma. Exatamente a mulher que mais se
destacava entre elas, fosse porque no debate que elas verdadeiramente
travavam ela era a mais enfática ao falar e gesticular, fosse porque mais
parecia ter luz própria.

Quando Milo gostava de uma mulher ele gostava de verdade. Poucas


costumavam chamar tanto a sua atenção. Aquela em especial tinha algo
familiar, que lhe lembrava alguém, havia uma sensação de que ele a
conhecia de algum lugar, mas não sabia de onde, evidentemente. Tudo o
que ele sabia é que ela era bonita e atrativa o suficiente para ele não ser
capaz de tirar os olhos dela o resto da noite.

Curiosamente uma das amigas que a acompanhava foi a primeira a


perceber. Era a de cabelos mais claros, que estava sentada na ponta. Ela
olhou para trás distraída, percebeu Milo encarando sua amiga, sussurrou
algo e ele observou a cena esperando a reação da desconhecida. Sorriu
quando ela simplesmente ignorou aquele aviso e continuou falando como se
de nada soubesse. Apenas deu mais vontade dele de insistir naquilo, haja
visto que agora tinha certeza de que ela valia a pena.

Foi o que fez Milo levantar e caminhar até as três moças. E, embora falasse
com as três, evidentemente só encarava uma. A que lhe interessava, é claro.

— Com licença senhoritas – ele disse – Atrapalharia se eu oferecesse um


drink para a moça?

Se Anahí não tinha acreditado na indicação de Sophia quando a amiga o


fez, agora era impossível ignorar. Ela sequer procurou por ele quando a
amiga disse que ele as encarava, e agora o homem em questão estava bem à
sua frente. Anahí o observou estática, era um homem bonito. Aparentava ter
a mesma idade que ela, tinha a pele alva, os cabelos e a barba escuros e
estava bem vestido e apresentado. Ela simplesmente não sabia lidar.

— Tem muito tempo que eu não bebo – Anahí respondeu de imediato – Não
sei se é uma boa ideia.

— Ande, vamos lá – Milo insistiu – Uma gim com tônica. É leve.

Anahí mordeu os lábios considerando. A insegurança nadava leve por seu


corpo. Lexie e Sophia ao lado dela mal respiravam esperando por sua
reação. Não era algo que elas achavam que iria acontecer.

— É melhor não – ela dispensou.

— Uma dança então...? – o homem insistiu – Se nem a dança puder ser, eu


realmente desisto.

Curiosamente foi naquela frase que Milo ganhou. Ele deixou claro que não
forçaria algo que ela não queria e isso surpreendeu Anahí. Ela estava se
sentindo acuada e pressionada, dado o seu histórico. Não conseguia sentar
em um bar e encarar um flerte de um homem como as amigas fariam
porque ela estava machucada demais pelos traumas dos últimos oito anos.
Só que aquele homem já deixava claro desde o início que respeitava o não
dela, algo que não aconteceu durante o período do sequestro. Foi o que fez
Anahí considerar.

— Você não dança também? – ele riu.

— Não danço há muito tempo – Anahí disse colocando a bolsa no balcão –


Mas nesse caso eu acho que posso reaprender.

Tanto Lexie quando Sophia ficaram igualmente estáticas quando viram


Anahí segurar a mão do homem em questão e caminhar para um espaço
onde vários casais dançavam. As duas se encararam perplexas ao se darem
conta que Anahí, aquela Anahí que tinha sido sequestrada, estuprada,
mantida em cativeiro e roubada da própria vida, estava caminhando de
mãos dadas com um homem que ela sequer sabia o nome numa pista de
dança de um restaurante que elas nunca tinham entrado antes. Nenhuma das
duas sabia o que esperar, Sophia apenas mantinha em mente que Anahí não
sairia de sua vista, porque os olhos de Lexie já não estavam tão confiáveis
assim dado o nível do teor alcoólico em seu sangue.

Nem a própria Anahí entendia bem a sua reação, ela esperava estar nadando
num medo, mas a verdade é que aquele era um receio que ela sentia quando
era adolescente e começou a dar os primeiros beijos ainda no colegial.
Quando o homem chegou com ela na pista ele a segurou na cintura e ela
rapidamente recuou, mantendo certa distância. Eram duas Anahí's duelando
dentro dela, logo deu pra perceber: a que se mantinha reticente e a que
queria avançar. A que lembrava o tempo inteiro o quanto ainda estava
traumatizada e a que queria provar algo para si mesma, de que era capaz de
seguir com a própria vida e ter seus casos, seus amores, se sentir amada.

— Nós nos conhecemos de algum lugar? – Milo perguntou curioso


enquanto eles dançavam. A mão direita dele estava firme nas costas dela e
seus olhos, fixos nas reações de Anahí.

— Eu não estive em muitos lugares nos últimos anos...

— Fora do país? – ele voltou a perguntar.

— Não exatamente.

— Meu nome é Milo – ele respondeu – O seu...?

— Nome diferente – ela comentou – Anahí.

— Dois nomes diferentes pelo visto – Milo observou rindo – Eu estive te


observando a noite inteira Anahí. Sua amiga notou antes de você.

— Digamos que eu vim pra um bar conversar com as minhas amigas, não
pra ser paquerada – ela devolveu fazendo-o arquear as sobrancelhas, mas ao
mesmo tempo sabendo exatamente como rebater.

— Então aparentemente essa dança será uma surpresa agradável pra você –
Milo finalizou.
Dessa vez Anahí não respondeu. Na verdade ela não sabia o que dizer,
somente deu um sorriso enigmático de quem tinha sido pega desprevenida.
Eles continuariam dançando por mais alguns minutos, olhos nos olhos, se
tudo não tivesse dado errado. Talvez teria sido melhor se Milo soubesse de
onde conhecia Anahí, assim aquele passo em falso não seria dado.

Como ele não sabia que a conhecia por fotos suas publicadas no jornal no
ato de seu reaparecimento – quando ela ainda era uma sombra despenteada,
abatida, mais magra e sem maquiagem do que a mulher estonteante que ele
tinha em seus braços naquele momento – não sabia também que precisava
ser cuidadoso e ter tato com aquela mulher. Milo continuou dançando com
ela e fez com Anahí o que faria com qualquer mulher naquela situação: a
puxou mais para perto, colando a sua cintura com a dela. O que faria uma
mulher envolvida suspirar, quem sabe sorrir, mas não se assustar. Porque
qualquer mulher não tinha sido violada de todas as maneiras por oito longos
anos como Anahí tinha sido.

E diferentemente do modo como todas as outras reagiriam em seu lugar,


Anahí trocou o olhar de quem estava se deixando envolver pelo mais
absoluto medo. Em sua mente vieram lembranças de quando era puxada
contra o corpo de um homem. Como essas lembranças lhe remetiam a
pânico, não era preciso dizer que o dono do corpo não era Alfonso e sim
Tobias. O homem que a estuprava. O homem que a fazia sentir medo de
todos os outros homens, mesmo que eles começassem bem a avançar sobre
ela... qualquer toque mais lascivo e apertado já a fazia voltar ao passado. E
a fazia querer fugir.

Sem que Milo conseguisse entender Anahí se desnorteou no meio da dança


e saiu dos braços dele. Ela fez força sem encontrar qualquer resistência,
diferentemente do que teria sido se estivesse com seu algoz. Anahí nem
nesse momento conseguiu ser racional e olhar ao seu redor, especialmente
para frente, para se dar conta de que aquele homem não parecia e nada com
o que ainda vivia em seus pesadelos e lembranças. Ela não viu em volta que
estava em um restaurante com as amigas, que era 2018 e que Milo pararia
quando ela quisesse. Ela agiu como ele da forma como nunca pôde agir
com Tobias, saindo dali e correndo para o mais longe que podia.
Milo ficou na pista com o olhar confuso, sem entender. Viu apenas uma das
amigas dela, a que viu quando ele encarava Anahí, sair correndo atrás dela
sem aviso prévio. A outra, a morena de cabelos escuros, disse que não havia
tempo para explicar, colocou algumas notas sobre o balcão e saiu às pressas
atrás dela. Sem explicação, ele ficou perdido no meio da pista de dança,
sem saber que oito anos atrás tinha começado um inferno na vida daquela
mulher e isso a colocava a um hemisfério de distância tanto dele quanto de
qualquer outro.

Sophia foi quem alcançou Anahí na calçada do restaurante. Ela teve que
correr, mesmo de salto e desengonçada, mas conseguiu chegar até ela e
segura-la. Anahí já chorava àquela altura, de raiva e de dor pelas
lembranças que tudo aquilo lhe trouxera. Pelas lembranças era óbvio, mas a
raiva era causada pelo fato de estar, querendo ou não, eternamente limitada
e completamente impotente de continuar sendo feliz, de reencontrar seu
caminho. Tobias estava preso mas ela também estava... presa em si mesma,
presa no passado, sem saber como se soltar.

— Any, Any, ei... – Sophia disse abraçando a amiga e tentando a todo custo
enxugar suas lágrimas – Tudo bem, eu to aqui, eu to...

— Eu quero ir pra casa Soph – Anahí suspirou fundo – Eu to tão exausta...

— Eu te levo pra casa, não se preocupe... – ela tranquilizou a amiga – Vai


ficar tudo bem, eu prometo.

— Eu recebi um chamado do hospital, uma emergência – Lexie disse assim


que parou na frente delas – Eu preciso voltar pra lá.

— Tudo bem – Sophia respondeu tomando o controle da situação – Lex,


não se preocupa. Eu levo a Any pra casa. Vai ficar tudo bem.

Sophia repetia aquilo sem parar, mas a verdade é que ela não sabia se
realmente ficaria tudo bem. Quem sabe repetindo tanto ela acreditasse,
porque se fosse julgar pelo modo como as coisas estavam... era bem difícil.

xxx
Antes mesmo de chegar ao Manhattan Medical Center Lexie já tinha
percebido que não tinha a mínima condição de clinicar naquela noite, não
considerando todo o álcool que tinha ingerido. Quando ela entrou na
Emergência trocando as pernas foi que se deu conta que talvez tivesse sido
melhor nem ter ido, porque a chance de o hospital inteiro falar que a
residente-chefe de cirurgia tinha chegado para atender um chamado médico
totalmente embriagada se espalhar era praticamente total.

Só que Lexie já estava ali, tentando se fazer de sóbria mas incapaz de andar
numa linha reta, ela caminhou fingindo demência pela porta da Emergência.
Sorte que o local estava um caos. A única pessoa que notou sua presença foi
justamente aquela que mais parecia ser a bússola enquanto ela era o norte:
Mark Sloan, obviamente. Como se a vida fosse uma imensa coincidência e
ele sempre acabasse nos mesmos lugares que ela, como se ele sempre
tivesse dentro de si um alerta para ter a atenção chamada quando ela
chegasse... realmente uma atração forte, que era a única explicação, mesmo
não sendo racional, do motivo pelo qual ele levantou a cabeça quando a viu
andando bêbada bem ali.

Como Mark e Lexie tinham tido um relacionamento que durou um bom


tempo, ele só de olhar para o rosto dela corado já era capaz de perceber seus
dias de bebedeira. Lexie tinha um sorriso de quem tinha bebido demais,
andava indicando isso, ele não precisava ser muito inteligente. Era óbvio
que ela estava ali pelo trauma que tinha chegado e, para o seu próprio bem,
talvez fosse melhor que os médicos da Emergência nem a vissem daquela
forma. Só que ele sabia que só havia uma forma de fazer isso sem que
Lexie relutasse e chamasse ainda mais atenção para si: mentindo para ela.

— Ei, que bom que você chegou – Mark disse puxando-a pelo braço –
Ande, vamos.

— Foi você quem me bipou...?

— Não temos tempo a perder – ele respondeu saindo com ela dali, sem
dizer que sim ou que não.

Lexie se deixou levar, andando no mesmo passe que Mark até um quarto
totalmente vazio num dos andares de cima do hospital. Não era um quarto
dos plantonistas e sim um que qualquer paciente poderia ficar, com maca e
toda o aparelhamento médico. Lexie pareceu confusa, estava esperando que
os dois fossem até um pós-operatório, quem sabe direto para a sala de
cirurgia, não para um quarto vazio.

— Cadê o paciente...? – Lexie perguntou confusa, franzindo a testa.

— Hoje a paciente é você – Mark respondeu com uma careta – Vou te botar
no soro até curar essa bebedeira.

— Eu fui chamada aqui pra isso? – a careta dela foi idêntica – Eu não
acredito!

— Não, você foi chamada pra atender o paciente do trauma que está pra
chegar, mas alguns dos internos estão lá embaixo e eu imagino que você
não queira que eles vejam o quão bêbada você está.

— Não estou tão bêbada assim...

— Você está – Mark insistiu – Eu te conheço. Senta aí, vamos furar esse
bracinho.

Aquele "eu te conheço" calou Lexie. Ela se sentou na maca, estendeu o


braço e minutos depois o soro estava pingando para dentro de sua veia.
Mark administrou uma medicação que garantiria que horas depois ela
estivesse em melhor estado do que estava agora. Quando terminou viu que
com dificuldade ela tentava mandar uma mensagem no celular digitando
com uma única mão, algo que só de olhar ele já sentia que era quase
impossível.

— Ta avisando ao Avery que você está aqui? – ele perguntou.

— Sim – Lexie suspirou – Pra ele dormir tranquilo tendo a certeza que o
futuro da fundação está são e salvo no hospital.

— Do que você...

— Catherine me abordou para me conscientizar do meu certeiro papel na


fundação, seja trabalhando lá, seja garantindo que terei filhos que vão
assumir a presidência um dia – ela deu de ombros injuriada – Porque afinal,
o filho dela me perguntar se eu quero ter filhos... nunca aconteceu...

— Você não quer...? – Mark perguntou quase pisando em ovos. Afinal,


aquele assunto já tinha sido colocado em pauta uma vez, entre eles. Ele não
esperava que Lexie o puxasse falando dela e de Jackson.

— Quero – Lexie entregou – Mas quando eu quiser ter, não para a


Catherine ser avó. Você sabe que eu quero ter, mas Jackson não sabe e
nunca se deu o trabalho de me perguntar, ele simplesmente dá carta branca
pra mãe se meter no nosso relacionamento e dar os rumos dele, no
casamento e na vida que nós vamos ter juntos, como se ela fizesse parte
disso...!

— Avery não deve estar nem sabendo que a mãe foi falar com você – Mark
defendeu, mesmo sabendo que o seu pupilo não merecia tanto assim.

— Ela só é assim porque ele dá liberdade, não impõe um limite – Lexie


acusou – Eu não quero que seja assim. Eu quero ter filhos pra mim, na hora
que eu quiser ter, não pra darem prosseguimento a uma fundação que eu
nem participei da criação. Se eu não tive filhos com você assim, não é com
ele que eu vou ter...!

Mark estava com os olhos arregalados com o grau de sinceridade que Lexie
colocava naquela conversa, com tudo o que era possível de ler nas
entrelinhas. Ele tinha certeza que tudo o que ela revelava era fruto do álcool
no sangue, mas ao mesmo tempo se perguntava se dava para interpretar
pelo que ela dizia. Se ela estava sendo tão sincera assim e se realmente
estava comparando o relacionamento antigo deles com seu noivado com
Jackson. Porque se Mark estivesse certo no que pensava... queria dizer
muita coisa...

— Lex... – Mark disse se aproximando carinhosamente – Relaxe. Vai acabar


tudo bem. Eu vejo um futuro maravilhoso pra você.

— Você vê...?
— Claro que sim – ele riu – Você vai ser uma cirurgiã brilhante. Vai se
casar, e vai ter uns três filhos... dois meninos e uma menina. E vai ser muito
feliz, eu tenho certeza disso. Mas pra isso, você precisa sobreviver a isso
agora. Porque veja como as coisas são... você e o Avery estão predestinados
a ficar juntos. Vai dar tudo certo.

Reconhece esse plano de futuro? Lexie reconhecia. Não era com Jackson
que ela tinha imaginado aquela vida. Era com o homem à sua frente que ela
tinha projetado. Um projeto antigo e mental, que ela fez quando ainda
estava no início da residência. Era bem futuro, ela colocava seu sucesso
profissional à frente daqueles planos, mas eles estavam ali... e teria sido
assim se Mark não tivesse engravidado Callie, se Lexie não enxergasse
aquilo como a quebra no pacto deles de esperar pelo momento dela, se ela
não tivesse visto tudo de outra maneira... aqueles planos poderiam ainda ser
futuros, mas seriam reais, porque seriam com ele.

A bebida colocou Lexie fechada com Mark naquela noite, naquele quarto, e
não atendendo o trauma para o qual foi chamada. A colocou frente a frente
para ele, falando mais do que deveria, confessando sentimentos que não
admitia nem para si. E agora terminava lhe dando coragem para fazer algo
que definitivamente não faria se estivesse sóbria.

Ignorando que estava com um soro na veia, ignorando que estava noiva de
outro homem e que ele não era Mark, Lexie se levantou dali e se encostou
em Mark, procurando a boca dele com desespero. Com saudade.
Encerrando um hiatus enorme entre a última vez que sentiu os lábios dele
nos seus, o calor de seu hálito, as mãos pesadas de Mark envolvendo-a.
Encerrando tudo.

Mark foi pego totalmente de surpresa e deveria tê-la afastado, se valendo


dos centímetros a mais que tinha em relação a Lexie. Ele conseguiria
segurá-la pelos pulsos e fazê-la voltar à razão, e não perder junto com ela.
Mas Mark não a beijava desde a manhã do dia que ela descobriu que Callie
estava grávida dele. Mark não lembrava mais do gosto da boca de Lexie.
Ele precisava senti-lo, mesmo que fosse para esquecer tempos depois. Mark
ao sentir Lexie beijando-o conseguiu ficar mais embriagado do que ela. Ele
não foi racional, não foi um cavalheiro, ignorou completamente o
relacionamento dela e de Jackson e beijou Lexie de volta com toda a paixão
que guardou dentro do fundo do peito.

Era incrível como o tempo não parecia ter passado para eles. Mark envolvia
Lexie da mesma maneira que antes, ela se moldava ao corpo dele como se
nunca tivessem se separado. Lexie ainda segurava a nuca dele como
costumava fazer, enquanto as mãos de Mark pareciam ágeis, indo da cintura
para as pernas dela, procurando qualquer rastro de sua pele nua. O beijo só
terminava para a boca dele procurar o pescoço dela, seu colo, as cinturas
dos dois se grudarem e, ao se encontrarem, ela começar a responder à
excitação que já sentia roçando contra o corpo dele. Mark por sua vez
segurava Lexie pelos cabelos como costumava fazer no passado, sem
qualquer freio, sem encontrar limite porque quem sabe, não o procurava.

Mas ele existia. E se materializou com Lexie sentindo uma dor ao perder a
veia do soro. Um gemido de dor que saiu involuntariamente de sua boca e
os interrompeu... e fez Mark enxergar onde estavam. Dentro de um quarto
no qual ela se recuperava de uma bebedeira, ignorando um mundo lá fora
onde ela estava noiva de um cirurgião do qual ele tinha sido mentor e que
antes o considerava seu amigo. Não era a maneira correta de agir. Se ela o
tinha punido por ter engravidado Callie, por ter sido essa a sua escolha, era
a vez de Lexie arcar com as consequências de ter aceitado se casar com
Jackson.

Considerando tudo isso, Mark não tinha opção senão se afastar.

— Eu vou deixar que você descanse e se recupere – ele disse virando as


costas e mal olhando-a, saindo dali o mais rápido que poderia.

Ele nem conseguia, nem deveria fazer menção ao beijo dos dois. Não era o
correto. Eles tinham sido impulsivos, tinham pensado somente em si
mesmos e ignorado que não eram apenas eles. Mark agora os trazia de
volta ao campo racional, se afastava, fazia o que considerava correto. Só
que, se já estava difícil antes para os dois evitarem os flertes e as trocas de
olhares, não tinha como melhorar agora que eles se lembravam exatamente
qual era o gosto da boca um do outro.

Pelo contrário, a tendência era piorar e muito.


xxx

Para Anahí estava muito difícil dormir naquela noite. Ela estava deitada em
sua velha cama, virando de um lado para o outro, sem que o sono fosse
mais forte que os pensamentos que perturbavam sua mente. A cabeça nunca
tinha estado tão pesada, as lembranças poucas vezes foram tão vívidas e
nítidas como estavam sendo naquele momento. Era aquele o medo que ela
tinha quando começou a fazer a regressão e o motivo pelo qual tanto
resistiu ao tratamento. Agora não dava mais tempo de voltar atrás.

Do lado de fora do quarto Karen também não conseguiu pegar no sono. Ela
dormia há sete anos ao lado de Keith e agora que o marido tinha se mudado
para outro lugar para respeitar o espaço da filha, simplesmente sentia falta
de alguém do outro lado da cama, que ficou grande demais somente para
ela. Naquela madrugada em especial Karen desistiu de tentar pegar no sono
novamente. Ela bebia um leite quente sentada no sofá e estava lá quando
Anahí abriu a porta do quarto e caminhou pelo corredor, chegando ao
cômodo.

— Falta de sono? – Karen perguntou sorrindo pra filha.

— Pensamentos demais – Anahí suspirou se sentando ao lado dela – E


você?

— Cama grande demais só pra mim – Karen deu de ombros – Quer que eu
faça um leite quente pra você?

— Não precisa – Anahí mordeu os lábios – Você sente falta dele, não é?

— Eu não vou mentir pra você – ela respondeu – Mas isso não importa.
Minha prioridade nesse momento é a minha butterfly. Quando você estiver
com as suas asas recuperadas pra voar, eu ajeito a minha vida, Keith vai me
esperar.

— Pra quem esperou a vida inteira... – Anahí suspirou.

— Eu adoraria que você desse uma chance pra ele – Karen murmurou –
Mas não vou insistir nisso agora.
— Eu não to pronta pra isso, não consigo – Anahí confessou – E a minha
vida ta uma bagunça, mãe. Essa regressão... são lembranças demais.

— Você sabe que pode conversar comigo a hora que quiser, não é? –
enquanto falava, Karen procurava a mão dela e a segurava em sinal de
apoio – Eu estou aqui pra você meu amor. Sempre, a qualquer minuto...

— É que... tem algo que eu tenho pensado e queria fazer, mas não queria te
deixar chateada – Anahí começou a dizer e a expressão de Karen a
encorajou a continuar – Eu... queria sair daqui. Eu queria ir morar em outro
lugar.

— Sozinha...? – Karen pareceu receosa com aquela possibilidade. E logo


viu que não apenas ela, Anahí fez uma careta assim que cogitou.

— Não – ela negou – Não me sinto segura pra isso, nem sei se um dia vou
sentir. Mas o apartamento do Christian e da Maite é grande, tem três
quartos, talvez... talvez eles me aceitariam lá. Eu não quero ficar aqui sendo
um peso pra você, te deixando longe do seu marido...

— Anahí... – Karen sorriu para ela apertando sua mão – Você não é nem
nunca foi um peso pra mim. Você é minha filha, minha única filha.

— Mas eu deixo a sua cama vazia e isso te faz perder o sono – Anahí
insistiu – E... eu sinto que eu preciso sair daqui, tentar viver a minha vida,
começar por algum lugar. E eu não consigo morar sozinha ainda, então
pensei, com a Mai e o Christian...

— Longe de mim tentar te impedir de tentar voar – Karen se virou para ela
confiante – Mas tem certeza de que é isso que você quer? Não quero que
você faça por mim.

— Eu to fazendo por mim também – Anahí garantiu – Você não fica


chateada?

— O que for melhor pra você é o melhor pra mim – Karen a abraçou – Mas
se sinta livre pra voltar a hora que quiser, ok? Essa sempre vai ser a sua
casa.
No abraço da mãe, Anahí se sentiu mais confiante de dar aquele passo.
Ainda tinha que ter a conversa com os amigos para saber se eles aceitavam
aquela ideia ou se era tudo precipitado demais, afinal ela poderia estar
sendo impulsiva... mas era uma sensação boa. A sensação de que ela talvez
não conseguisse naquele momento voar sozinha... mas estava começando a
tentar.

xxx

Dois dias depois da noite da saída com as amigas, Sophia tinha uma tarde
atípica na confeitaria. Poncho tinha levado Dani para passar algumas horas
com Samantha depois da escola e, quem sabe, distrair a menina, que
obviamente não estava recuperada da morte da mãe. Ele aproveitava aquele
tempo também para conversar com os amigos, sempre tinha o que
conversar com Sophia e Jesse, aquele não seria um dia diferente.

A questão era que Samantha estava tão grudada em Sophia que a conversa
entre os adultos acabou ficando só entre Jesse e Poncho, enquanto ela
estava sentada em uma das mesas da confeitaria brincando com as duas
crianças de um jogo. Os dois amigos apenas observavam-na com os dois,
Samantha no colo da tia mais dengosa do que nunca.

— Ela ficou nervosa porque a Soph saiu no outro dia, ficou com medo dela
não voltar como a Torrey não voltou naquela noite – Jesse explicou a
Poncho pesaroso – Eu queria tirar isso dela, mas não sei se há o que fazer.

— Leve-a num psiquiatra infantil, acho que vai fazer bem – Poncho sugeriu
– Hm, Jesse? Sophia e você estão...

— Juntos? Não.

— Eu iria falar "morando juntos"...

— Ela passa metade do tempo no meu apartamento e quando volta pro dela,
a Samantha me enlouquece até eu desistir e ir pra lá – Jesse deu de ombros.

— Então Lindsey e você acabou de vez não é? – Poncho confirmou vendo


Jesse assentir em resposta.
— Eu ouvi tudo o que você falou daquela vez na sua casa – Jesse explicou
– A morte da Torrey me mostrou muita coisa. Eu vi que continuava
apaixonado por ela, só que eu perdi tempo, ela começou a sair com aquele
babaca e eu honestamente não sei como as coisas estão.

— Considerando que ela não sai do seu apartamento e nem você do dela,
não deve andar bem...

— Ela nunca mais disse nada e eu não sei como perguntar – Jesse deu de
ombros.

Curiosamente ao mesmo tempo que ele dizia aquilo um homem entrou na


confeitaria e foi até o balcão. Sophia, sentada com as crianças, reconheceu o
homem e se levantou com pressa, indo até ele. Ela mal podia acreditar
naquela coincidência: era Milo Ventimiglia, o homem que tinha dançado
com Anahí no restaurante de segunda à noite.

— Nova York é mesmo muito pequena – Sophia murmurou sorrindo,


vendo-o virar-se com surpresa ao reconhecê-la.

— Eu lembro de você – Milo respondeu sem acreditar – A amiga daquela


garota do bar. Anahí, não é?

— Isso mesmo – ela riu – Sophia, a propósito.

— Milo – ele se apresentou – Você trabalha aqui?

— Eu sou a dona do lugar – Sophia sorriu orgulhosa.

— Inacreditável – Milo balançou a cabeça rindo – Mas me diga, o que a sua


amiga teve? Ela desapareceu sem mais nem menos... será que eu disse algo
que...

— Ela tem problemas demais – Sophia ressaltou – Você deve ter visto nos
jornais. A moça que ficou oito anos sequestrada... é ela.

— Deus do céu – Milo balançou a cabeça negando – Eu sabia que a


conhecia de algum lugar.
— Ela ainda ta muito machucada por tudo o que sofreu, tem que ir com
calma com ela – Sophia suspirou – Mas quem sabe se vocês não se
esbarram por aqui... pode ser que ela reconsidere.

— Eu espero, porque ela era encantadora – ele sorriu ligeiramente


enfeitiçado – Bom, eu não vou te atrapalhar mais. Será que pode me servir
um café e um bolo?

— É um prazer.

Jesse acompanhou toda a conversa intimista de Sophia com aquele


desconhecido, obviamente se ardendo de ciúmes. Ele falava logo antes que
não sabia como ela estava com Chad e no fim aparecia outro homem? Era
demais. Claro que ele não a fez passar nenhuma vergonha, ficou na mesa se
roendo observando os dois sem fazer a mínima questão de disfarçar.
Obviamente Sophia percebeu e voltou à mesa dos dois assim que Milo saiu
da confeitaria.

— Muito bem, o que foi? – ela perguntou, impaciente ao mesmo tempo que
achava graça.

— Nada – Jesse respondeu nitidamente fingindo que não se importava.

— Ah, nada – Sophia resmungou – Eu vi como por nada você não tirava o
olho.

— É que eu nunca vi você sendo tão atenciosa com um cliente antes.

Poncho prendia o riso pelo ciúme do amigo. Ele só não esperava o que
estava por vir.

— Se você quer saber, não é nada do que ta pensando – Sophia disse com ar
de riso cruzando os braços – Eu conheci esse cara no bar que fui com a
Lexie e a Any na segunda... ele não tirava os olhos de nós...

— Deu pra reparar Sophia – a voz de Jesse saía mais ciumenta do que
nunca.
— Mas quando se aproximou, confirmou o que eu já suspeitava desde o
início: que era a Anahí que ele queria.

E a graça toda que Poncho achava simplesmente desapareceu...

— Inclusive eles dançaram juntos – Sophia sorriu deliciada – Estávamos lá,


falando dela. Olhem só como as coisas são, ele nem sabia que eu trabalhava
aqui e onde vem tomar café essa tarde? Não seria obra do destino?

Se fosse realmente obra desse, era sinal de que esse destino não estava
jogando no time de Poncho. Porque se antes ele ria de Jesse... agora era ele
que estava cheio de ciúme.

Boa noite de muitaaaa informação por aqui! Hahahahahaha

O bonitão na vida da Anahí que vocês já tinham conhecido no capítulo


passado dá oficialmente as caras. Tirando a parte que ela acaba se
assustando com o rumo das coisas, deu pra ver que rolou um bommmmm
clima entre a Anahí e o Milo né? Inclusive podem procurar o nome no
Google e me contar as impressões!

E todo mundo esperando Anahí avançar e eis que a menina Lexie passa na
frente e os gorós que a fizeram dizer sim pro Jackson agora a fazem avançar
a largos passos pro Mark. OPAAAA! Hahahahahaha 😏

Anahí deu um passo na vida amorosa e não se contentou, decidindo sair de


casa também pra longe da zona de proteção da família. Ela é corajosa ela
né!

E por fim, mal o Milo chega e já pousa nos ouvidos de um Poncho muuuuy
celoso! Hahahahahahaha por essa o Poncho não esperava mesmo!!!

Próximo capítulo tem ceninha de um c e r t o casal muito amado por aqui!

E sobre AyA podem ficar tranquilas que eles estão vindo! E quando
vierem...
Boa semana!

Beijos,

Rafa
Capítulo 30 - To good to say goodbye

A noite do dia em que Poncho foi à cafeteria de Sophia para levar Dani para
ver Samantha foi a que Anahí foi até o apartamento de Christian querendo
ter uma conversa com ele e Maite. Tinha que ser à noite, porque os dois
amigos trabalharam durante o dia e Anahí tinha certeza que passaria o dia
inteiro lá esperando e nada deles. Arthur deixou a neta de carro na porta do
prédio e Christian a encontrou bem na porta. Ficou combinado que Anahí
dormiria lá, o que deixou Arthur aliviado e seguro de voltar para casa com a
certeza que de que a neta ficaria segura e com boas companhias.

— A Maite já chegou? – Anahí perguntou ao amigo enquanto entravam no


elevador.

— Sim, ta sentada no sofá com a cara enfiada no celular – Christian fez


uma careta – Tem alguma coisa acontecendo com ela, mas quem disse que a
danada quer me contar...?

— E o que estaria acontecendo? – Anahí franziu a testa.

— Eu não sei, mas quem sabe com você aqui ela resolve abrir o bico –
Christian suspirou esperançoso.

Maite de fato andava misteriosa e nem cogitava dizer a Christian, nem a


nenhum dos amigos, o motivo daquele comportamento diferente. Ela tinha
chegado do trabalho e comido, tomado um bom banho e agora estava
acomodada na poltrona da sala fazendo algo que já tinha feito durante todo
o dia e também no anterior: trocando mensagens com Mane.

Eles não tinham se visto depois do dia que se beijaram, Maite queria
processar as informações, os sentimentos, era tudo muito novo, muita coisa
nova em pouco tempo. Mane estava dando aquele tempo para ela, indo
devagar, porque afinal eles nunca tinham tido nada, ele já tinha esperado
tempo demais, o que era alguns dias ou semanas? Mesmo assim Maite não
se manteve fria ou distante; pelo contrário, o procurou logo na manhã
seguinte e vinha sendo assim desde então. Christian notou aquela mudança,
sabia que Maite tinha saído na segunda à noite, mas ela não falou nem com
quem, nem para onde e ele se corroia de curiosidade, principalmente porque
desde então ela não desgrudava do celular, vivia falando com alguém e por
vezes parecia meio abobada e sorridente.

Ninguém cogitaria Mane, é claro que não. Maite passou tempo demais
ignorando os sentimentos do amigo, mesmo com todos os sinais de que ele
sentia algo por ela... tempo suficiente para que ali, mesmo que Sophia
tivesse exposto os sentimentos dele, ninguém fosse levar fé que Maite daria
uma chance. O fato é que ela tinha dado e não tinha se arrependido. Era
exagero dizer que Maite estava feliz, que ela tinha se apaixonado, mas a
verdade é que Mane estava lhe fazendo bem, lhe arrancando sorrisos. Ela
definitivamente estava bem. Só não estava no momento de dividir isso com
ninguém... o que, é claro, corroia Christian por inteiro.

— Olha ali, não te falei – ele disse abrindo a porta e espaço para Anahí
entrar e apontando para Maite, que levantou o olhar ao ouvir a voz dele –
Não solta desse celular...!

— Ih, começou o fiscal da minha vida – Maite disse fazendo uma careta,
terminando de digitar a mensagem, bloqueando o aparelho e deixando-o de
lado para falar com Anahí – Oi amiga. Ta tudo bem?

— Ta sim, eu só queria conversar com vocês – Anahí disse com um sorriso


no canto da boca.

— Eu sou todo ouvidos – Maite disse apontando o sofá para que ela
sentasse.

— Será que dá pra Maite contar antes que é que ta rolando na vida dela? –
Christian perguntou ansioso – Quer dizer, pra aproveitar a visita da Anahí
na nossa humilde residência...

— Christian vê se me erra – Maite revirou os olhos.

— Eu to curioso! Isso não se faz!


— Curiosidades à parte – Anahí interrompeu rindo – Vocês podem dizer
que não ok? É só que... eu queria sair da casa da minha mãe. Eu to me
sentindo um pouco presa lá, não sei se é porque eu to impedindo-a de viver
com o Keith, ou porque nem era pra eu morar lá a essa altura da vida... eu
não sei. Só que ir morar sozinha é um passo muito grande, então eu pensei...

— Você é totalmente bem vinda aqui – Maite disse aconchegante – Aliás, se


você viesse aqui dizer que iria pra qualquer outro lugar me deixaria
ofendidíssima.

— A não ser que fosse pra cama do Poncho – Christian alfinetou – Ops...

— Poncho é casado, eu não sei se você lembra – Maite fez uma careta.

— Ai Maite, não custa sonhar né – Christian fez uma careta maior ainda –
Dentro do meu coração meu casal segue vivíssimo e ninguém poderá me
julgar.

— Mas na realidade ta mais morto do que sei lá o quê – Anahí suspirou –


Eu não sei se to pronta pra ter alguém agora, não sei se um dia estarei
porque o Poncho não ta disponível e é complicado recomeçar com outra
pessoa, eu... eu honestamente tenho muito medo – ela mordeu os lábios –
Eu conheci um cara na segunda, fui num bar com as garotas e...

— Você foi num bar com as garotas e não nos chamou...? – Christian
perguntou estupefato – Agora moradia você vem procurar aqui, né traidora?

— Você tava transando até onde me consta – Anahí estreitou os olhos – E a


Maite não me atendeu.

— Maite tava fazendo algo escondido e não quer me contar – Christian


acusou – Duas traidoras cheias de segredinho! Eu achei que nós fôssemos
bffs...!

— Enfim – Anahí cortou – Eu conheci um cara. Eu dancei com ele. Mas na


hora que ele me pegou na cintura, eu... eu não consegui. A Soph me levou
pra casa. Eu fiquei completamente atordoada, não consegui dormir, a Dra.
Balfe teve que me receitar alguns remédios porque estava ficando difícil.
— E mesmo nisso tudo você acha que a melhor ideia é vir pra cá? – Maite
perguntou – Porque Any, pra mim seria a melhor coisa do mundo te ter
aqui, mas é o melhor pra você?

— Mai, eu não sei... mas eu to cansada de ser um passarinho assustado – ela


confessou – E com vocês eu me sinto em casa. Só tem outros dois lugares
onde eu me sentiria assim, um deles eu tentei e no outro não dá. Então...

— Então você vai se sentir assim aqui – Christian sentou do lado dela e a
abraçou – Bem vinda ao lar, bebê.

— Obrigada – Anahí sorriu se sentindo acolhida – Algo me dizia que eu


poderia contar com vocês.

— Sempre poderá – Maite confirmou.

— O que nos leva a outro ponto – Anahí encarou Maite diretamente – E


dessa vez tem a ver com você. É sobre a Sophia.

— Ai Deus – Maite suspirou longamente fechando os olhos. Ela sabia que


cedo ou tarde teria que resolver aquilo.

— Mai, já está na hora de vocês duas resolverem isso – Anahí começou a


bronca – Já passou da hora inclusive.

— Obrigado Anahí, fale mais – e Christian botou pilha – Eu venho falando


há anos e a cabeçuda não quer saber de me ouvir.

— O que você quer que eu faça? Que eu vire amiga dela como se nada
tivesse acontecido...? – Maite perguntou mordendo os lábios. Ela parecia
sincera.

— Eu posso responder essa? – Christian perguntou ansioso e já começando


sem esperar a resposta – Não sei a Any, mas eu quero que você pare de
fingir que não se importa com a Sophia e dê o braço a torcer. Mai, você
brigou com o Jesse quando ele levou a Lindsey pra festa de boas vindas da
Any, e no aniversário da Lexie estava lá toda apreensiva porque a Sophia
apareceu com o Chad, dizendo que não confiava nele. A quem você quer
enganar, meu bem? Nós sabemos que lá no fundo aquela sementinha da
amizade entre vocês duas vive.

— Ela não vai querer a minha amizade mais – Maite deu de ombros.

— Mai, nós literalmente vimos a Sophia gritando pela sua amizade – Anahí
completou – Ela ta passando por um momento bem difícil agora... a morte
da Torrey a abalou muito e ela ta dedicando 110% do tempo à Samantha.
Ela precisa de bons amigos do lado dela e eu sei por experiência própria
que, quando você quer ser uma boa amiga, você é ótima. A melhor.

— Mesmo guardando segredinhos dos amigos – Christian voltou a alfinetar.

— Ai Christian – Maite resmungou tacando a almofada nele – Troca o


disco...!

Ele não trocou. Pelo contrário, Christian a cada cinco minuto de conversa
tocava naquele ponto novamente, insistindo que Maite não iria engana-lo e
que cedo ou tarde ela teria que ceder. No fim teve, não porque ele a venceu
pelo cansaço, mas porque bateram na porta e, quando ela abriu, foi com
surpresa que viu Mane do outro lado da porta.

— Eu... não sabia que você estava acompanhada hoje – ele sussurrou vendo
Maite dar um passo para fora e encostar a porta – Queria fazer uma
surpresa, mas acho que não foi uma boa ideia.

— Quer saber? – Maite disse convicta – Foi uma boa ideia sim.

Mane não esperava ver Maite ficando na ponta dos pés, sorrindo com a
alma daquele jeito e envolvendo-o pelo pescoço e o beijando. Foi
espontâneo, bonito e natural, como se aquilo fosse um hábito. Ele gostou
daquilo, de ser beijado daquela forma, como se fosse uma rotina ele deixa-
la na porta de casa com um beijo de despedida. E acabou que o sorriso que
Maite tinha antes acabou ficando nos lábios dele também.

— Eu gosto disso sabe? Você me beijar – Mane murmurou sorrindo como


nunca – Mas desse jeito vou nos acostumar mal. Acho que temos que
mudar um pouco isso.
Maite sequer teve tempo de perguntar por que, porque dessa vez foi Mane
quem a beijou. A primeira vez que ele a beijava. E foi diferente daquele
beijo que ela tinha acabado de lhe dar, porque se o de Maite foi de boas
vindas, o dele foi de fincar território. Mane a beijou com paixão, segurando-
a pela nuca e sentindo a respiração dos dois mudar. Maite ainda tinha os
olhos fechados quando ele separou sua boca da dela. Podia sentir que ela
estava ofegante.

— Pronto – ele murmurou – Já valeu pela noite inteira.

— Você... – Maite enfim abriu os olhos – Quer entrar...?

— Você não se importa?

— Eu prefiro – ela completou, pegando-o pela mão.

Nem Anahí nem Christian sabia quem estava do lado de fora e com quem
Maite falava, achavam que era um vizinho ou um entregador de comida.
Definitivamente não esperavam quando a porta rangeu Maite entrar com
Mane de mãos dadas com ela. Anahí foi a primeira a perceber os dois juntos
ali e entender o significado daquilo. Christian descobriu pela reação dela,
correndo os olhos para a cena e arregalando-os em seguida. Era aquilo
mesmo que eles estavam entendendo?

— Pronto, acabou o segredo – Maite anunciou sentindo Mane abraça-la por


trás e envolver seus braços – Esse era o segredo. Ta feliz Christian?

— Puta que pariu...! – Christian deu um pulo do sofá – Eu não to


acreditando!

— Isso é sério? – Anahí perguntou sentindo a ficha cair – Vocês dois...?

— Se ela ta me levando tão a sério quanto eu estou levando-a, acho que é


muito sério sim, Any – Mane completou beijando Maite pela bochecha com
todo o carinho possível.

Christian ficou evidentemente eufórico ao ver Mane e Maite juntos, ele


realmente não esperava e estava perplexo de não ter juntado as peças.
Obviamente ele fez os dois se sentarem e praticamente os obrigou a dar
uma ficha técnica desde o primeiro beijo até ali, nenhum dos dois estava
exatamente interessado em dar muitos detalhes e falaram somente em linhas
gerais, com Mane sentado no sofá e Maite recostada nele, sentindo seu
braço envolvê-la.

Anahí por sua vez apenas olhava com encantamento os dois amigos, mas
mais do que isso, ela via o sorriso genuíno nos lábios de Maite e se ficou
satisfeita ao ver a amiga enfim se permitindo. Sabia que ainda havia um
longo caminho para Maite ser feliz de verdade, que Mane não era a solução
mágica para todos os problemas dela e que Maite tinha que fazer as pazes
com Poncho e Sophia ainda, mas aquele era um começo. A sensação em
Anahí era como ver a luz do fim do túnel havia esperança.

xxx

Se a primeira conversa que Jesse teve com Poncho o fez repensar o modo
como levava sua relação com Sophia, aquela segunda conversa – em
especial o fato de ver seu melhor amigo com ciúmes da ex-namorada e
diante da iminente possibilidade de perdê-la – foi o que faltava para fazê-lo
perceber que precisava tomar uma decisão para não perder Sophia.

É claro, havia Chad. E só de pensar nisso Jesse já fazia uma careta


acompanhada de um revirar de olhos. A ideia de que Sophia poderia estar
tendo alguma coisa com aquele cara simplesmente o enervava, mas também
ajudava a lembrar que a culpa de tudo era dele. Que Sophia só tinha ficado
com Chad porque ele, Jesse, a tinha perdido. Então era simples: ele iria
perguntar se os dois estavam juntos e daria o próximo passo.

Então Jesse passou o dia inteiro procurando a oportunidade perfeita, só que


ela simplesmente não chegava. Aquele acabou sendo um dia de movimento
na confeitaria e Jesse viu Sophia se redobrando de trabalho, no primeiro dia
que ficou evidente o quanto era difícil tudo aquilo sem Torrey. Quando
finalmente o dia acabou e eles fecharam a rotina que tinham firmado se
repetiu e Sophia foi para o apartamento dele com uma Samantha que
parecia mais animada do que nos dias anteriores, mas sem dúvidas sugando
a atenção da tia mais do que nunca e não dando qualquer espaço para que
Jesse se aproximasse.
E no fim da noite, quando ele bocejava bebendo sozinho uma taça de vinho
na sala, Sophia apareceu finalmente sozinha.

Ouça "To good to say goodbye" –

Bruno Marz

I've made mistakes

Eu cometi erros

I could have treated you better

Eu poderia ter te tratado melhor

I let you get away

Eu deixei você fugir

There goes my happily ever after

Lá se vai o meu felizes para sempre

— Ela ta cada dia mais dura na queda – ela comentou rindo e suspirando –
Só dormiu depois que eu cantei a discografia inteira da Beyoncé.

— Cada dia mais viciada em música pop – Jesse fez uma careta rindo,
estendendo uma taça pra ela – Toma um pouco, foi um longo dia.

— Sim, foi – Sophia disse se sentando ao lado dele e bebericando o vinho.

— Eu já disse, mas não custa repetir, você não tem obrigação e isso ta te
cansando demais – Jesse insistiu, mas Sophia fez uma careta imediatamente
negando.

— Sua filha é a coisa que menos me cansa, na verdade ela me revigora –


ela confessou sorrindo – Trabalhar, isso sim me cansa. E sem a Torrey ta me
cansando o dobro. Nós precisamos no mínimo contratar alguém pro lugar
dela.
— Sim, precisamos – Jesse concordou, mas ele não poderia perder a
oportunidade que tinha acabado de cair em suas mãos – Mas é sério.
Estamos tomando o seu tempo. Você sequer tem tempo pro seu namorado.

Foi a hora que Sophia ergueu as sobrancelhas.

— Meu namorado...?

— Sim – a careta de Jesse era gigante – Chad. Vocês não estão juntos? Ele
foi com você na festa da Lexie.

— Ah – Sophia murmurou surpresa e tomada pela vontade de rir – Bem...


como eu vou dizer isso...?

— Eu sei, eu sei – Jesse bufou tomado pelo ciúme – Eu não tenho direito
nenhum de te pedir nada. Inclusive não tinha o direito de tentar avançar
com você, eu fiz isso porque esqueci completamente daquele... daquele
idiota. Mas se você estiver com ele eu tenho que respeitar, porque afinal de
contas a culpa é minha né? Eu te entreguei de bandeja e não posso esperar
que você esteja aqui pra mim de volta...

Tell me why, why can't we try and start again?

Diga-me por que, por que não podemos tentar e começar de novo?

This can't be how our story ends

Isso não pode ser como a nossa história termina

You're more than my girl, you're my best friend

Você é mais do que a minha menina, você é minha melhor amiga

Tell me you remember when

Diga-me se lembra quando

Oooh, I was your man and you were my girl


Oooh, eu era o seu homem e você era minha garota

It was you and me against the world

Era eu e você contra o mundo

Sophia bem que pensou em apenas dizer que não, ela e Chad não estavam
juntos e ponto, apenas para deixar claro para Jesse que as coisas entre eles
dependia apenas deles próprios e de ninguém mais. Só que vê-lo agindo
daquela forma honesta e admitindo os próprios erros a fez reconsiderar.
Talvez fosse justo que ela também fosse honesta e dissesse a verdade.
Assim eles poderiam realmente recomeçar, sem mentiras, sem
desconfianças, um respeitando o outro. Uma relação cem por cento nova.

— Jesse, o Chad e eu nunca estivemos juntos – Sophia esclareceu – Sempre


foi só amizade, sempre mesmo.

— Mas... – Jesse franziu a testa um tanto confuso – Na festa da Lexie...

— Eu queria chamar a sua atenção – ela explicou totalmente franca –


Queria te fazer sofrer, te afetar... que você sentisse me vendo com ele o que
eu sentia te vendo com a Lindsey. Imaturo, eu sei... mas eu não pensei.

— Bom... – Jesse franziu a testa mas rapidamente se aproximou dela – Se


quer saber... você conseguiu. Já que estamos sendo honestos... eu senti
ciúme até o último fio de cabelo quando te vi com ele. Achei que eu tinha te
perdido de vez.

— Só depende de você mesmo me ter de volta – Sophia respondeu olhando


no fundo dos olhos dele – Depende de você querer. De você me merecer.

— Eu vou passar cada dia da minha vida tentando te merecer de novo Soph
– ele segurou o rosto dela colando seus narizes – Eu te prometo.

— Então... que tal começar agora? – Sophia propôs.

Se Jesse estava desesperado esperando por uma oportunidade, é claro que


ele não iria perdê-la quando estava ali, literalmente ao alcance dos seus
braços. Quando Jesse se deu conta ele já tinha avançado sobre Sophia e
beijava sua boca com paixão. A saudade dos lábios dela era tão grande que
doía, e eles ainda eram tão macios e convidativos quanto Jesse se lembrava.
Sophia continuava recebendo-o como antes e as sensações pareciam mais
intensas e vívidas do que nunca, provavelmente pelo tanto que ele sentiu
falta de estar com ela.

Baby, ain't nobody gonna love me like the way you do

Amor, ninguém vai me amar como você

And you ain't never gonna find a love like mine

E você nunca vai encontrar um amor como o meu

Tell me what can I do to make it up to you?

Diga-me o que eu posso fazer para compensar

'Cause what we got's too good to say goodbye, goodbye

Porque o que temos é muito bom para dizer adeus, adeus

Sophia não demorou nada para avançar de volta para Jesse. Ele a tinha
beijado, a segurava pela nuca para não dar qualquer chance dos dois se
soltarem e ela simplesmente correspondia com todo o calor que emanava de
seu corpo. Logo ela empurrou Jesse de volta para o sofá e sentou no colo
dele, passando a perna para o outro lado e sentindo as mãos dele
percorrerem suas costas, ao mesmo tempo que a boca dele enfim soltava da
sua. Sophia sequer teve tempo de pensar, sentindo a boca de Jesse roçar por
seu pescoço e suas mãos chegarem às pernas dela e sua bunda. Estava claro
até onde eles iriam, se Sophia quisesse... e estava mais do que claro que ela
queria.

— Jesse... – ela murmurou como pôde. Parecia que de sua boca só sairiam
gemidos de prazer – Nós não podemos... ficar aqui... se a Sam...

— Vamos pro meu quarto então.


Com um braço Jesse a suspendeu e a apoiou, voltando a beija-la. Ele não
olhava para o caminho e nem precisava, Sophia tinha a certeza de que ele
sabia de cor como chegar até o quarto já que tinha feito aquele percurso
tantas vezes naquela mesma posição: ela nos braços dele, beijando-o e
impedindo sua visão. Só que agora ela estava ainda mais necessitada de
Jesse do que tinha sido um dia. Ela estava quente só de ser beijada por ele
daquela forma, quente de sentir a pele dele na sua, quente na parte inferior
de seu corpo, cujo calor se espalhava pelo resto até pegar fogo por
completo.

Só Jesse era capaz de despertar aquele lado mulher dela. Com nenhum
outro era como era entre eles, Sophia tinha certeza daquilo, e
provavelmente com Jesse não era muito diferente. Tinha química envolvida
entre eles. Seus corpos se encaixavam, agora Sophia envolvia a cintura de
Jesse com as pernas e foi assim que ela ficou até ele fechar a porta do
quarto. Ela viu Jesse sequer prestando atenção se fechava direito ou não, se
fazia barulho, e sabia exatamente por que ele estava assim. Dava para sentir
contra sua intimidade que ele estava tão excitado quanto ela. Era algo que
os dois queriam.

Yeah, I'm still in love with you darlin'

Sim, eu ainda estou apaixonado por você querida

I know you feel the same

Eu sei que você sente o mesmo

Oh, what's the point of us both being broken hearted?

Oh, qual é o ponto de nós dois estarmos com o coração partido?

I pray it's never too late

Eu oro para que nunca seja tarde demais

— Eu estou com saudade, então saiba que não vou ser delicado – Jesse
confessou colocando-a sobre a cama e tirando a blusa de Sophia, sequer
dando tempo dela respirar antes de colocar aos mãos no fecho de seu sutiã
de renda – Dá pra gente fazer amor devagar depois de tudo, quem sabe
amanhã de manhã bem cedo, mas agora eu preciso muito, muito foder você.

— Eu não quero que você seja calmo – a voz de Sophia saiu mais rouca do
que nunca, ela estava embriagada de tesão – Eu quero que você me foda. Eu
sinto falta de você me comendo com força.

— Eu vou te comer com muita força Soph – Jesse prometeu arrancando o


sutiã dela e vendo-a fechar os olhos e jogar a cabeça para trás quando ele
passou a língua em seus seios – Pra você sentir na pele o quanto eu senti a
sua falta.

Sophia já sentia. Disso ela tinha certeza. E outra certeza era que nem se a
pele dela queimasse ela tiraria a própria roupa como Jesse estava fazendo.
Ele em dez segundos a deixou sem uma peça sequer, não hesitando em
toca-la por inteiro com as mãos, com a boca, com todas as partes do próprio
corpo. Não se tratava apenas de tirar a roupa dela, Jesse estava se despindo
também com toda a velocidade do mundo. Sophia gostava da pressa dele,
gostava do modo necessitado como ele tocava, mas de certa forma não
entendia por que ele parecia tão agoniado.

— Ei – ela disse segurando o rosto dele, fazendo Jesse encara-la – Olha pra
mim... nós não precisamos correr.

— É que... – ele suspirou, tirando uma mecha do olho dela – Eu tenho medo
que você racionalize tudo e acabe desistindo.

Tell me why, why can't we try and start again?

Diga-me por que, por que não podemos tentar e começar de novo?

This can't be how our story ends

Isso não pode ser como a nossa história termina

You're more than my girl, you're my best friend

Você é mais do que a minha menina, você é minha melhor amiga


Tell me you remember when

Diga-me se lembra quando

Oooh, I was your man and you were my girl

Oooh, eu era o seu homem e você era minha garota

It was you and me against the world

Era eu e você contra o mundo

Estava mais do que claro... ele achava que aquilo tudo era emoção, era
tesão. Não que não fosse, não que grande parte não se referisse ao sangue
quente dos dois.. mas Sophia que havia mais, muito mais.

— Eu não vou racionalizar nada Jesse – ela sorriu – O meu racional


também quer você. Eu não vou a lugar algum.

Era o suficiente para Jesse. Aquelas palavras dela, especialmente pelo fato
de terem sido ditas olhos nos olhos, o convenceram. Ele não sentia mais
medo, então dali em diante começou a agir somente pelo prazer de tê-la em
seus braços, algo que algum tempo atrás achava que nunca mais
aconteceria. Ele queria sentir Sophia, e foi isso que fez. Passando o nariz
pela pele dela sentia de volta seu cheiro do qual sentiu tanta falta. As mãos
corriam livres pelo seu corpo, era como se a pele dela tivesse sido feita pra
ele. E ele sabia exatamente como fazê-la gemer, conhecia cada pontinho do
corpo de Sophia que lhe despertava o maior dos prazeres, e estava ali mais
uma vez disposto a explorar cada um deles.

A começar pelo fato de que ele sempre soube que Sophia amava receber um
oral.

Tell me why, why can't we try and start again?

Diga-me por que, por que não podemos tentar e começar de novo?

This can't be how our story ends


Isso não pode ser como a nossa história termina

You're more than my girl, you're my best friend

Você é mais do que a minha menina, você é minha melhor amiga

Tell me you remember when

Diga-me se lembra quando

Oooh, I was your man and you were my girl

Oooh, eu era o seu homem e você era minha garota

It was you and me against the world

Era eu e você contra o mundo

Quando Sophia sentiu a língua de Jesse tocando em sua boceta ela sabia que
aquele seria o seu fim. Ela sentiu o corpo desmanchar e seus olhos
imediatamente fecharam e se abriram de volta. O calor que já tomava conta
de Sophia parecia estar prestes a explodi-la. Ia da boceta para o resto do
corpo, incendiando-a. Jesse sabia disso e queria leva-la exatamente àquele
incêndio que amava causar nela.

Ele delicadamente deitou Sophia na cama e passou a língua por toda a


extensão dos lábios vaginais nela, intensificando as chupadas em seu
clitóris – o qual ele envolvia com a boca – conforme sentia que ela arfava
mais. Ele não demorou sequer três minutos para fazê-la gozar, sorrindo com
satisfação ao senti-la tremer e chupando todo o gozo dela. O corpo de
Sophia relaxou completamente na cama e Jesse aos poucos foi subindo
sobre ela e lhe deu o beijo mais lascivo possível. Ele sabia que tudo o que
ela precisava agora era de um minuto antes de um sexo visceral que
provasse que eles continuavam sendo eles. E era isso que ele iria lhe dar.

— Você tem camisinha, não é? – Sophia perguntou já pensando que não


aguentaria caso ele tivesse que sair e comprar, mesmo sabendo que havia
uma farmácia perto dali.
— É claro que sim – Jesse disse se sentando na cama e abrindo a mesa de
cabeceira, pegando o preservativo na gaveta – Não seria a melhor hora pra
uma criança. Tudo a seu tempo.

— Sim, nós... nós vamos ter tempo pra tudo.

Baby, ain't nobody gonna love me like the way you do

Amor, ninguém vai me amar como você

And you ain't never gonna find a love like mine

E você nunca vai encontrar um amor como o meu

Tell me what can I do to make it up to you?

Diga-me o que eu posso fazer para compensar

'Cause what we got's too good to say goodbye, goodbye

Porque o que temos é muito bom para dizer adeus, adeus

A resposta dela era uma confirmação do que Jesse queria ouvir. Sabendo
disso, ele botou a camisinha e puxou a mão de Sophia para si. A viu com o
corpo mole e a expressão relaxada se levantando e sentando sobre ele,
procurando o melhor encaixe dos dois, que não demorou a acontecer. Jesse
segurou a base do pau, ajeitou sobre ela e deixou que os corpos dos dois
fizessem o resto. Estar dentro dela novamente era o paraíso, melhor que da
primeira e da última vez, como se nunca estivesse estado. Só que ele esteve,
ele sabia o que era achar que nunca mais estariam assim e estava disposto a
não deixar mais aquilo se repetir.

Sophia sentiu uma pequena pontada de dor ao sentir Jesse entrando dentro
dela. Por mais excitada que estivesse era tempo demais sem ninguém e
além disso, ele era enorme. Jesse pareceu perceber isso e a princípio foi
com calma, segurando-a pela nuca e pelas costas, mas logo em seguida
colocando ambas as mãos na bunda dela e, de certa forma, conduzindo os
movimentos. Foi assim que ele foi colocando aos poucos mais velocidade,
se mexendo com mais força, mais precisão, saboreando a visão que era ela
fechar os olhos cada vez que o sentia penetrar.

Bonito era ver os seios dela balançando enquanto ele a fodia, ver o prazer
tomar conta do rosto de Sophia. Bonito era ver como a expressão dela se
comprimiu quando gozou, enquanto Jesse também sentia a boceta dela fazer
o mesmo lá embaixo. Nesse momento ele parou de investir contra o corpo
dela e deixou Sophia aproveitando as sensações do seu orgasmo, voltando a
segurá-la pela nuca e pelas costas porque ela parecia tão leve que
provavelmente cairia para trás. Só depois ele voltou a se movimentar dentro
dela, até gozar. Até encostar o nariz no pescoço dela sentindo gozar em
jatos murmurando sôfrego o nome dela, certo de que nenhuma mulher era
capaz de lhe fazer se sentir tão completo quanto Sophia fazia.

(Oh, don't you give up)

(Oh, você não desista)

Girl won't you listen?

Garota, você não vai ouvir?

(Oh, don't you give up)

(Oh, você não desista)

It's you that I'm missin'

É você que estou perdendo

(Oh, don't you give up)

(Oh, você não desista)

Take my hand, I wanna go, I wanna go

Pegue minha mão, eu quero ir, eu quero ir

(All the way)


(Todo o caminho)

If we're gonna fight this fight for better days

Se vamos lutar nesta luta por dias melhores

I know we're gonna make it

Eu sei que vamos fazer isso

This is the chance, let's take it

Esta é a oportunidade, vamos levá-la

Ele sabia que tinha feito uma promessa para Torrey, mas deixou de ser
sobre isso. Tinha a ver com o fato de que, depois que tirou a camisinha,
Sophia se aconchegou nos braços dele da mesma maneira que fazia no
passado. A maneira que ele sentiu tanta falta, fazendo-o se perguntar como
tinha se acostumado a ficar sem isso. Tudo era sobre o fato de que Jesse
agora sentia Sophia cair no sono em seu peito murmurando que não queria
estar em qualquer outro lugar e ter a certeza de que nunca tinha deixado de
ama-la. E que se antes ele era um idiota que tinha colocado aquilo a perder,
os erros tinham ficado para trás.

Jesse tinha lutado por um recomeço e agora não iria desperdiçar. Ele tinha
Sophia de novo, e a certeza é que não iria nunca mais perdê-la. Afinal, o
que eles tinham era bom demais para simplesmente acabar.

ENFIM BUSHFER

Vcs devem estar até estranhando né? Os casais demoram uma vida pra
ficarem juntos e quando um anda todos os outros saem correndo tb
kkkkkkkk ~menos os protagonistas~ hahahahahahahaha

Espero que vcs tenham entendido a importância da franqueza da Soph nesse


cap de dizer a verdade pro Jesse sobre ela e Chad. E Jesse valeu a pena
mudar né? Agora ai dele se perdê-la de novo!
E por fim vemos o trio Portichaverroni acertando morarem juntinhos feat
Manerroni se assumindo pros amiguinhos! Como não amar?

Ja digo que to ansiosa pra segunda porque o capítulo termina do ba-ba-do!

Beijos e bom fds!

Rafa
Capítulo 31 - New home

Karen já sabia que Anahí pretendia sair de casa, tinha tido uma conversa
com a filha e ouvido da própria boca dela. Ela só não esperava que as coisas
fossem acontecer tão rápido. Que Anahí fosse conversar com seus melhores
amigos de uma hora pra outra e resolver com eles que se mudaria para lá.
Agora ela estava sentada ao lado da filha vendo-a decidir quais coisas
levaria para aquele novo momento e simplesmente não sabia bem como
reagir.

— Você tem certeza que isso não é muito precipitado? – Karen perguntou
totalmente insegura – Quer dizer, não precisa ser corrido assim, dá pra se
planejar com calma...

— Mãe... – Anahí suspirou – A minha experiência diz que esperar e


planejar pode não ser a melhor ideia do mundo. Ninguém garante que o
amanhã vai estar lá.

— Não gosto quando você fala assim – ela mordeu os lábios.

— Eu sei, é duro – Anahí observou – Mas é a verdade. É o que eu vivi, e o


que eu aprendi. Eu tive tempo demais pra pensar que poderia ter sido
impulsiva com as coisas e agora eu vou ser. Eu sei que dá medo, só que... eu
não sei, não consigo mais ser como era antes.

— É que eu tenho medo de não conseguir te proteger com você não estando
mais aqui – Karen confessou. Então era isso.

— Mãe, ninguém conseguiu me proteger da última vez – num suspiro


Anahí admitiu aquela verdade dura – Nem você, nem meus avós, nem
Poncho e nem eu mesma. Eu percebi que não posso deixar de viver por
medo. Eu já sinto medo demais.

— Você tem razão – Karen se levantou abraçando-a de lado – Mas medo de


quê?
— De nunca mais me reencontrar – ela respondeu – Eu sei que nunca mais
vou voltar a ser a mesma, eu vivi coisa demais pra simplesmente apertar o
reset, mas eu queria conseguir andar sem esse peso todo nas costas, como
uma pessoa normal. E a questão é que eu vivo lembrando de coisas sofridas
que vivi, tenho pesadelos, preciso dormir à base de remédios e tenho a
sensação que nunca mais vou conseguir ter um homem na vida.

— É claro que vai – Karen a tranquilizou – Só precisa ter paciência e saber


que suas pernas vão dar um passo de cada vez. Você nasceu com asas
grandes e bonitas, butterfly. Não vai viver num casulo para sempre.

Era isso que Anahí esperava.

Karen logo percebeu que não adiantaria nada lutar contra essa vontade de
Anahí de se mudar. E como já tinha vivido oito anos de saudade da filha –
sem falar nas semanas que a relação delas ficou estremecida pela rejeição
de Anahí à Keith – ela percebeu que a melhor maneira de não afasta-la era
apoiando-a. Era uma garantia de que Anahí deixaria que ela se mantivesse
por perto. Pensando nisso Karen apenas sorriu, ajudando a Anahí a
empacotar seus pertences e já começando a preparar as caixas para leva-las
a seu carro e posteriormente deixa-las no apartamento de Christian.

As duas passaram boas horas naquilo, empacotando as coisas e a cada


pertence encontrado algumas lembranças. Anahí de repente se viu sentada
na cama ao lado da mãe vendo seu anuário da escola, surpreendentemente
aquelas fotos não a deixaram triste, pelo contrário. Ela ria de sua aparência,
da dos amigos, de como todos tinham mudado, segundo ela pra melhor. Era
uma lembrança que ela gostava de levar, em especial porque tinha uma foto
dela com as amigas juntas, ela ao lado de Maite, Sophia e Lexie. Como o
grupo ainda estava consideravelmente fragmentado aquela era a melhor
lembrança de que um dia elas tinham sido quatro.

Karen e Anahí teriam passado ainda mais tempo se não tivessem sido
interrompidas por Ellie. Por um motivo mais do que justo, é claro.

— Keith está no café esperando você – ela disse à filha.


Anahí rapidamente percebeu uma mudança no humor de Karen quando
ouviu da avó que Keith estava ali. Ela percebeu a mãe mais sorridente e viu
que seu rosto brilhava. Karen, é claro, parecia preocupada se a filha ficaria
chateada por ela sair sem mais nem menos para encontrar o marido, mas
Anahí fez um sinal liberando-a. Num mundo perfeito, Karen pensou, a filha
iria com ela, eles iriam como uma família. Mas aquele não era um mundo
perfeito.

Só que não era tão imperfeito assim.

Depois de alguns minutos da saída de Karen, a pensativa Anahí se viu


caminhando para fora da casa e na direção do café. Ela estava confusa e
com sentimentos misturados, mas aquele bolo no peito andava tão comum
que já tinha se acostumado. De longe e sem ser notada, Anahí observou a
mãe conversar com aquele que agora sabia que era seu pai. E percebeu algo
que ela poderia até não gostar, mas seu racional tinha que admitir: não era
apenas Karen que mudava na frente de Keith... ele também passava a girar
seu mundo ao redor da esposa quando estava na frente dela.

Era uma surpresa para Anahí, sem dúvidas, mas ela reconhecia o olhar que
Keith dedicava à sua mãe. Ela já tinha recebido aquele olhar e sabia
exatamente o que ele significava. Keith segurava as mãos de Karen com
carinho enquanto os dois conversavam, ela ria de algo que ele falava, ele
sorria por fazê-la rir. Dava para ver que ali havia um sentimento genuíno,
algo muito especial e que, como ela não estava ali para ver começando,
simplesmente não conseguia acreditar.

Mas era real. Isso ela não poderia jamais negar.

E ela não fazia ideia que Karen e Keith falavam justamente dela.

— Ela realmente está determinada com essa mudança, e eu não vou dizer
que não estou com medo, mas acho que ela precisa disso sabe...? – Karen
comentou vendo o marido assentir – Então eu estava lá, ajudando-a a
guardar as coisas em caixas, com o coração apertado, mas tentando pensar
que qualquer momento com ela é melhor do que não ter um momento.
— Você quer participar de qualquer coisa, eu entendo – Keith assentiu – Ela
vai ficar bem Karen. Não vai ser agora nem tão cedo, mas eu realmente
acredito nisso.

— Tem horas que parece impossível acreditar...

— Nós nunca acreditamos que ela voltaria e veja só – ele comentou rindo –
E ela vai ficar com Christian e Maite. Os dois vão apoia-la. É importante
deixa-la ir pra que ela sempre queira voltar. Prendê-la é pior, ela já ficou
presa por tempo demais, nunca vai reaprender a viver se ficar nessas
paredes.

— Você tem razão – ela comentou – Mas tem outra coisa que eu queria
falar. Sobre você, nós dois... porque com isso você pode voltar pra cá.
Quando quiser.

— Você não acha melhor darmos um tempo antes por causa dela...?

— Não, a Any não se importa – ela ressaltou – Está se esforçando por isso.

— Tem algumas coisas que precisamos resolver antes disso – Keith


ressaltou – Eu fiz algumas coisas porque estava no meu apartamento que...
– e de repente ele parou de falar, encarando uma situação
consideravelmente chamativa ao fundo de sua visão – Anahí está aqui. E
tem um homem falando com ela.

— Um homem...? – Karen se virou pra trás na mesma hora.

— Você sabe quem é? – ele perguntou.

Karen não sabia. De certa forma aquele "não saber" era um bom sinal. Sinal
de que não era Tobias Menzies.

Sim, ele estava preso... mas o medo é um fator que desconhece


racionalidades.

Anahí estava encostada no balcão do café observando os pis conversando


quando um homem se aproximou e a cumprimentou sem que ela pudesse
esperar.
— Olá – ele murmurou – Eu estive mesmo procurando você.

Era Milo. O homem do bar de segunda à noite.

— Como você... – ela começou a frase atônita, rapidamente se sentindo


acuada. Não por menos.

— Sua amiga Sophia me passou o endereço daqui – ele ressaltou – Ela não
fez por mal. Eu apenas queria ver e dizer que sinto muito. Não tive a
intenção de te assustar, nem naquele dia nem hoje.

— Não é sua culpa – ela respondeu.

— Eu sabia que te conhecia de algum lugar, mas só depois lembrei – Milo


continuou – Eu não entenderia aquela sua "fuga" se fosse qualquer outra
mulher, mas considerando tudo o que você passou... eu só queria dizer que
realmente sinto muito. E não se preocupe, eu vim apenas dizer isso. Não
sou um perseguidor, não vou ficar aparecendo.

Não era algo com o qual ela estava contando. Não era algo que Anahí
esperava. Pelo contrário, ela tinha a sobrancelha arqueada de quem tinha
sido pega de surpresa, quem sabe pelo fato de que todas as pessoas ao seu
redor faziam uma grande questão de cerca-la, talvez ainda porque a última
referência de um homem em sua vida foi justamente aquele que a deixou
sem vida. Ela esperava por homens insistentes e perseguidores, e agora
tinha em sua frente um homem que respeitava seu espaço e suas decisões. E
não poderia estar mais surpresa.

E foi exatamente o que motivou Anahí a dizer o que veio em seguida.

— Espera – ela segurou o barco de Milo quando ele estava prestes a sair –
Você não quer... não sei... tomar um café...?

— Tem certeza? – Milo perguntou meio receoso, como se pedisse


permissão.

— Claro – Anahí deu de ombros – Que mal um café faria?

De fato, mal algum.


Karen, uma vez alertada por Keith de que havia um homem desconhecido
ao lado de Anahí, imediatamente ligou um alerta dentro de si. Ela se
levantou, ficando no meio do caminho esperando para avançar. Keith estava
na retaguarda dela, igualmente preocupado mas hesitando em seguir com
ela. Afinal, Anahí não o aceitava tão bem ainda... ele não sabia o quanto
deveria se meter. Mas ele estava ali a postos, pronto para caso a esposa ou a
filha precisassem dele. Se não fosse o caso Keith estava bem com o papel
de coadjuvante.

Só que no fim nem mesmo Karen precisou interferir. Anahí viu a mãe se
aproximando receosa e lhe lançou um olhar para tranquiliza-la. Como as
duas se conheciam há muito tempo, um mero olhar bastava. E aquele olhar
realmente acalmou Karen. Era o olhar de Anahí indicando que estava bem...
e que fazia sua mãe acreditar. Indicava que ela não precisava intervir... e era
isso que Karen iria fazer.

Talvez Karen estivesse errada, mas a verdade é que ela há muito tempo não
recebia qualquer indício de que Anahí estava ou poderia estar bem. E
aquele poderia ser um sinal de que as coisas poderiam encontrar o seu
lugar... mesmo que demorasse, iria acontecer.

xxx

A mente de Alfonso não estava exatamente em paz. Ele passou o dia inteiro
com os pensamentos longe. O notebook que o acompanhou no trajeto de
sempre à Starbucks para escrever permaneceu ligado, com o Word aberto
em sua frente, sem que Poncho conseguisse escrever mais de três linhas.
Porque sua mente não estava em seus personagens, mas na mulher que tinha
sido a origem da inspiração não apenas daquela história, mas de todas as
outras.

Ele achava que lidaria bem com aquilo quando acontecesse, mas agora se
dava conta que nunca tinha acreditado de verdade que iria acontecer. Na
cabeça de Poncho, a ideia de uma Anahí machucada, com cicatrizes demais,
ficou enraizada. Ele nem mesmo conseguia lembrar de como ela tinha sido
no passado dos dois, a mulher que ela era enquanto estava nos braços dele.
Ao se lembrar dela pensava em seu momento de reconstrução, com os
traumas que tinha vivido e o tanto de dor que tinha causado.
Se ela tivesse outro homem na vida dela, esse homem não a conheceria.
Nem a Anahí de antes, nem a de agora. Sequer seria capaz de supor o que
ela tinha vivido naquele lugar. Se para ele era difícil, imagine para alguém
que nunca conviveu com Anahí. Um homem que não a viu ao chegar no
hospital completamente machucada e totalmente irreconhecível em relação
ao que era antes. Que não tinha acompanhado a transformação pela qual ela
lutava e definitivamente não fazia ideia do doloroso aborto sofrido por
Anahí naquele maldito cativeiro.

Mas ele sabia que não era apenas preocupação por ela não estar em boas
mãos, ele tinha certeza. Talvez não fosse admitir, tampouco falar em voz
alta, mas lá no fundo tinha uma boa dose de ciúmes. Outro homem tocando
nela voluntariamente? Era difícil. E Poncho sabia que era egoísta, que ele
não tinha qualquer direito de ficar com raiva, na verdade de ter qualquer
sentimento negativo sobre aquela situação... não quando ele tinha escolhido
exatamente o caminho oposto e a deixado livre. E se Anahí estava livre, ela
poderia fazer o que quisesse.

Exatamente o que ela estava fazendo.

A única pessoa capaz de tirar Poncho daquela situação era, é claro, Daniel.
Quando pegou o filho na escola Poncho conseguiu se distrair de tudo aquilo
que assombrava sua cabeça e foi assim até a noite, quando Diana chegou
em casa e, como de praxe, viu o menino bem cuidado e brincando animado
enquanto o pai preparava o jantar. Mas assim que Dani pegou no sono e ela
encontrou o marido de volta na cama notou que algo estava errado ali.
Poncho estava com o olhar distante como há muito tempo ela não via. Algo
estava faltando.

— Ta tudo bem? – Diana perguntou – Aconteceu alguma coisa?

— Não – Poncho negou de cara – O que teria acontecido...?

— Eu que te pergunto – ela parecia desconfiada, estranhando – Você ta


estranho hoje. Ta diferente...

O dever mandava Poncho contar a verdade com Diana, ser sincero, mas ele
achava aquilo mais egoísta ainda. Não era justo mancomunar a esposa com
todas as suas dúvidas e interrogações. Ele sabia que dizer agora seria deixar
Diana machucada. Para falar com ela precisava antes saber o que queria,
saber qual era o seu ponto. E não era uma informação que Poncho tinha
naquele momento.

A verdade é que aquele mal estar pela simples ideia de Anahí seguindo em
frente com a vida era um sinal de que Poncho não estava 100% naquele
casamento. Não era nenhuma novidade, mas o que ele tinha certeza naquele
momento é que precisava se decidir em definitivo sobre o que realmente
queria para a própria vida. Não era justo continuar deixando Diana no
escuro, nem Anahí no limbo. Não era justo nem consigo mesmo viver entre
duas metades. E por mais que ele soubesse que aquela decisão estava nas
suas mãos, aquilo não facilitava em nada o que ele precisava fazer.

xxx

O plano perfeito de Jesse era acordar tranquilo naquela manhã com Sophia
em seus braços. Eles tinham passado a noite juntos e, como ambos dormiam
fundo e se mexendo pouco, não era assustador esperar que ela ainda
estivesse ali, no abraço dele, quando amanhecesse. No meio da madrugada
Jesse acordou e Sophia ainda estava ali, respirando no pescoço dele,
fazendo-o ter a sensação de que o tempo nunca tivesse passado, já que as
coisas pareciam ter reencontrado o seu lugar.

Mas no fim o que acabou acontecendo foi que eles descobriram que o
tempo tinha sim, passado. E que tudo tinha mudado.

Sophia realmente acordou nos braços de Jesse, mas não da maneira que
esperava. Não por acordar naturalmente, por senti-lo mexendo ou quem
sabe por uma claridade entrando pela janela. Nem mesmo um despertador
tocando, o que nem seria tão indesejável naquele momento, dado o fato de
que o que a despertou foi outra coisa bem pior: o choro e as batidas
desesperadas de Samantha na porta.

— PAPAI! PAPAI!

Bastaram segundos para uma assustada Sophia acordar e se dar conta do


que estava acontecendo, pulando da cama. O pulo dela acordou Jesse que,
desnorteado, coçou o olho se dando conta do que acontecia. Por sorte os
dois tinham dormido vestidos, o que fez Sophia não hesitar ao ver a
maçaneta mexendo, sinal de que Samantha tentava a todo custo abrir uma
porta que estava aberta. Ela disparou para o outro lado do quarto,
destrancando imediatamente e vendo a menina chorando desesperada no
corredor.

— Ei ei, o que foi? – Sophia disse se ajoelhando e recebendo-a em seus


braços – Sam, me conta, o que houve?

— Eu... eu... – ela dizia em soluços, mas no fim nada falava. Jesse levantou
da cama sem entender e se abaixou na altura das duas, trocando com Sophia
um olhar preocupado.

— Ei bebê, ta tudo bem – Jesse disse mexendo nos cabelos da filha – Eu to


aqui... nós estamos.

— Se acalma e conta o que aconteceu Sam – Sophia pediu.

— Eu tive um pesadelo – Sam revelou sem parar de chorar – Eu sonhei que


vocês dois morriam e eu ficava sozinha...

— Isso não vai acontecer, eu te prometo – Jesse garantiu – Você não precisa
chorar bebê, eu nunca vou abandonar você.

— Nem a tia Soso? – a menina disse olhando para a tia que ainda a protegia
em seus braços e deu um sorriso no canto da boca.

— Nem em sonho – Sophia confirmou – Não precisa ficar assustada, foi só


um pesadelo. Nós estamos aqui e vai ficar tudo bem.

— É que a minha mamãe morreu e eu não quero ficar sem vocês –


Samantha confidenciou – Eu tenho medo, muito medo...

— Isso não vai acontecer Sam, eu te garanto – Jesse respondeu pegando a


filha dos braços de Sophia e trazendo-a para um abraço. Mas ao segura-la,
ele notou algo – Que tal nós tomarmos um banho e irmos tomar café da
manhã na Starbucks? Soph, você pode arrumar a cama dela enquanto isso?
— Claro – Sophia disse a princípio sem entender, franzindo a testa.

Enquanto Jesse levou a menina para o banheiro, já dizendo que Samantha


poderia levar brinquedos para a banheira se quisesse, Sophia seguiu para o
quarto. Ela não apenas arrumaria a cama, também escolheria uma roupa
para a menina e deixaria no banheiro à disposição dela para quando
terminasse o banho. Foi ao entrar lá que ela entendeu por que Jesse a tinha
enviado: o lençol na cama tinha um círculo molhado, só que não era água e
Sophia sabia. Era xixi.

Num pesadelo, uma criança que não estava estável acabou regredindo uma
etapa, voltando a fazer xixi na cama, algo que Sophia sabia que já não
acontecia há pelo menos dois anos. Ela suspirou pesarosa com a
constatação, rapidamente trocando o lençol antes que Samantha percebesse
e ficasse envergonhada. Era óbvio que a menina estava frágil ainda pela
morte da mãe e que não era algo que seria superado rápido. E mais óbvio
ainda que aquele não era nem de longe o melhor momento para que ela
vivesse novas emoções.

Ou seja, Sophia sabia o que tinha que fazer.

Depois de trocar a roupa de cama e separar uma roupa limpa, ela viu Jesse
entrando com a filha envolta em sua toalha com capuz de unicórnio e um
bico enorme nos lábios. Logo o viu também vestir Samantha e deixa-la
sentada no sofá assistindo um desenho, prometendo que não demoraria a se
arrumar. Mas Jesse não foi para o quarto se trocar, ele foi para a área de
serviço onde Sophia colocava a roupa molhada de xixi na máquina de lavar.
Certo de que do ângulo em que estava Samantha não seria capaz de vê-los,
ele a abraçou por trás e deu um beijo em seu ombro. Mas pelo suspirar
pesaroso dela já percebeu que não estava tudo bem.

— Não era assim que eu queria acordar – Jesse confessou num sussurro,
fazendo-a se virar.

— Ela fez xixi na cama – Sophia disse e ele confirmou, pois já tinha notado
– Ela não ta bem, ainda ta muito instável por tudo.
— Eu sei – Jesse mordeu os lábios – Isso significa que não é a melhor hora
pra nós dois...

— Era o que eu iria dizer – Sophia abaixou o rosto – Jesse...

— Nós vamos ter tempo – ele se apressou em dizer – E sim, eu sei que
Anahí e Poncho não tiveram tempo, que Torrey e Nick também não, mas
raios não caem tantas vezes no mesmo lugar. Com a gente vai ser diferente.
Eu não sei como Soph, mas eu preciso ter esperanças.

— Eu sei, eu também – ela disse segurando o rosto dele e lhe dando um


selinho – Como a gente fica...?

— Resistindo, provavelmente – ele negou com a cabeça – Nada de portas


trancadas.

— Ela dorme com a gente a princípio, vamos levando-a de volta pra cama
aos poucos...

— Nada de passar tempo demais sozinha – Jesse constatou – Você acha que
um psiquiatra infantil seria necessário?

— Acho que é uma boa opção – Sophia concordou – Pra acompanha-la, nos
dizer qual o melhor caminho...

— Então nós vamos levar – Jesse a abraçou – Obrigado por estar comigo
nesse momento. Eu sei que nem de longe é o ideal...

— Eu não queria estar em qualquer outro lugar – Sophia sorriu para ele –
Então... Starbucks?

— Starbucks!

E afinal, desde quando os momentos precisam ser ideais? Ideais não vêm de
ideias? Aquela era a realidade... e eles precisavam se acostumar, Samantha
precisava se acostumar... e apenas esperarem que tudo voltasse ao normal.

xxx
O dia começava com mais uma sessão de terapia para Anahí. Ela já estava
até acostumada com toda aquela sistemática: chegava cedo no hospital,
esperava no corredor ansiosa mas, quando a Dra. Balfe finalmente abria a
porta e lhe abria espaço para sentar naquele sofá, a coragem ia para o ralo.
Anahí sentia medo do que estava por vir, do que a psiquiatra diria, do que
estava prestes a lembrar.

Tinham sido várias as sessões de regressão, com as mais diversas


lembranças, inclusive algumas que não eram tão ruins. Ela acabou
percebendo que teve dias e dias com Tobias, que a maioria não era
horrenda. Tinha dias que ele lhe levava boas comidas, que lhe deixava
assistir TV, mas também havia outros que ele a estuprava, alguns que ela
não conseguia fingir prazer e ele lhe batia, sem falar naqueles que a
agressão era gratuita, sem motivo algum, apenas porque ele chegava de mau
humor num dia ruim.

A última lembrança dela foi de um dia que ele chegou do café de sua mãe,
relatando o quanto Karen, Arthur e Ellie pareciam bem e felizes, como se
tivessem esquecido dela e seguido em frente. Anahí lembrou de ter brigado
com ele, ter tentado agredi-lo pela raiva que a notícia gerou e como foi
espancada a ponto de mal conseguir se mexer no final, ficando quase três
dias jogada no chão sem comer, até Tobias se dar conta que ela continuar
assim provavelmente a mataria e a ele não iria convir sua morte. Por isso
ele a obrigou a comer.

E quem disse que Anahí queria viver assim...?

Assim como ela não queria viver aquela vida que já tinha acabado. Não era
pra isso que ela tinha sido resgatada. O objetivo era, ou ao menos deveria
ser que elaseguisse em frente, que retomasse o que tinha sobrado de sua
vida. Lembrando o tempo inteiro Anahí simplesmente não conseguia. E ela
precisava viver, porque já eram coisas demais. O amor que ela não chegaria
a concretizar, o filho que tinha perdido, a carreira que nem sequer tinha
começado, todas as coisas que ela já tinha perdido... tudo era demais. Ela
precisava de algo bom em sua vida e a única esperança era que no final de
todas aquelas regressões alguma luz no fim do túnel aparecesse.
O problema era: quando seria o final? A Dra. Balfe parecia esperar por
algo, como se soubesse o que estava por vir. Como sabia, Anahí não fazia
ideia. Ela perguntava e não obtinha da terapeuta aquelas respostas. Estava
claro quem fazia as perguntas ali.

— Eu vou me mudar pro apartamento da Maite e do Christian hoje – ela


explicou – Minha mãe já está aceitando um pouco melhor.

— E você, como está com tudo isso?

— Bem – Anahí parecia verdadeira – Você lembra daquele cara do bar,


Milo...? Do dia que eu saí com a Soph e a Lexie? Então... eu o encontrei de
novo no café da minha mãe. E nós conversamos. Tomamos um café juntos.

— E você está bem com isso?

— Você acha que eu fiz mal? – Anahí franziu a testa acuada.

— Eu só quero que você faça as coisas que queira fazer, que assuma o
controle – Caitriona explicou – Você está bem com essa decisão?

— Sim, eu... eu estou sim – ela confirmou – Não precisa necessariamente


um romance. Nós podemos ser apenas amigos.

— Desde que você esteja bem com uma amizade ou um romance – ela
propôs – Apenas deixe seguir.

— Eu vou deixar – Anahí mordeu os lábios ainda meio insegura. Talvez


fosse mais fácil se as frases de Cait terminassem de forma mais clara,
menos como se parecessem perguntas dentro de informações.

— Então... pronta pra mais uma sessão de regressão?

Pronta, realmente, Anahí nunca estava, mas era algo que tinha que
acontecer de um jeito ou de outro. Por isso ela apenas assentiu, fechando os
olhos e se concentrando. Anahí tinha um firme propósito, ela queria
lembrar algo significativo. Algo que quem sabe encerrasse aquele martírio,
que a colocasse no fim da linha. Por mais que Anahí soubesse que não tinha
grandes controles sobre o que iria lembrar, diziam que a mente era mais
poderosa do que imaginava. Talvez funcionasse.

— Então... o que você ta vendo? – Caitriona perguntou.

— Nada – Anahí disse franzindo a testa – Ta... ta tudo escuro. Eu acho que
a luz ta apagada.

— E você ta sentindo algo?

— Eu to nervosa, eu não sei o que ta acontecendo – os olhos dela rolavam


agitados – Eu... eu não sei.

— Tudo bem, respire fundo – Caitriona pediu – Fique tranquila, tente se


concentrar em onde você está.

— Tem... tem um barulho no fundo – Anahí notou – Lá no fundo...

— Então fique em silêncio pra tentar identificar.

— É... – Anahí disse mais focada do que nunca – É um choro.

Um choro...?

Se Anahí ouvia o choro, então não era dela. E provavelmente não era de
Tobias. Então era uma terceira pessoa?

Aqueles eram os seus pensamentos, mas logo ela conseguiu esvaziar a


mente e não pensar em mais nada. Seus sentidos estavam aflorados e
totalmente concentrados na cena que ela vivia. Anahí estava deitada no
colchão onde costumava dormir naquele porão, com todo o ambiente
escuro, sem sentir absolutamente nada além de seu próprio nervosismo.
Não tinha dor física e, por evidência, também não podia contar com a
própria visão. Isso aguçava os demais sentidos, que agora funcionavam
ouvindo aquele choro.

E se primeiro ela achou que poderia ser outra mulher, outra vítima... logo
ela entendeu. Logo lembrou. A memória veio à sua cabeça como se dali
nunca tivesse saído. Não era um choro de vítima. Não era o choro
inconsciente dela, muito menos o de Tobias.

Era um choro fino e agudo de quem provavelmente nada entendia. Um


choro de criança.

E ESSE FINAL HEIN????? Hahahahahahaha to ansiosa pra saber quais


foram as opiniões a respeito dele!!!

Esse capítulo focou bastante em AyA mas não nos dois enquanto casal e
sim neles separados, principalmente na Anahí. Mostra ela falando com o
Milo, ela abrindo o jogo com a mãe e enfrentando a terapia que contém
grandes revelações!

Com relação ao Poncho, o casamento dele começa a chegar naquele modo


limonada suíça já amargando. Quanto tempo será que ele vai aguentar
segurar essa barra que é amar a Anahí?

Por fim, Bushfer vai ter que segurar um pouquinho o momento love pra
cuidar da Sam. Prioridades, afinal! Vcs conhecem melhores papais? Eu
não! Mas fiquem tranquilas, não é o fim do casalzinho do pop.

Espero que tenham gostado do capítulo!

Até quinta!

Beijos,

Rafa
Capítulo 32 - A twist of fate

Feliz aniversário Amandinha <3

Um simples choro era capaz de produzir um verdadeiro choque.

— Eu to ouvindo um choro – Anahí narrou – Um choro de criança. Choro


de bebê.

Ao ouvir as palavras da paciente Caitriona Balfe soube que ela e Anahí


finalmente tinham chegado ao tão esperado ponto. Todo um longo
tratamento vinha sendo feito para que ela conseguisse alcançar aquela
lembrança e finalmente estavam nela. Bastava agora que a psiquiatra
soubesse conduzir Anahí para chegar às conclusões necessárias. Faltava
pouco.

— Você consegue identificar de quem é esse choro? Tem alguma criança,


algum bebê perto de você...?

— Eu... eu não sei – Anahí murmurou – O choro vem de longe... eu não


sei... a minha cabeça ta doendo.

— Anahí, não force – a médica recomendou – Talvez seja melhor retomar


quando você estiver se sentindo um pouco m...

— Não, eu não quero, eu quero saber de onde vem esse choro, eu preciso...

Conforme Anahí insistia na ideia ela ia ficando mais agitada. Seus olhos se
mexiam mais do que nunca, estava claro que ela, naquele outro plano onde
a regressão a levava, tentava a todo custo descobrir de onde vinha o choro.
Só que quando mais ela forçava, mais a cabeça doía e isso lhe causava um
tipo de sofrimento com o qual não estava contando. E logo a psiquiatra
percebeu que insistir naquela abordagem naquele momento traria mais
prejuízos.

Difícil era convencer Anahí...

— Anahí, talvez seja melhor você voltar – Caitriona propôs – Nós vamos
ter outras sessões...

— Não – Anahí negou – Eu quero ver agora, eu preciso ver...

— Você não está bem pra isso – a médica insistiu – Ande, vamos, volte.

Anahí claramente não estava bem para continuar, mas esperar pela
confirmação do que parecia estar acontecendo doía demais. Ela não saberia
lidar com a espera, com a expectativa, seria difícil. Era exatamente por isso
que ela não queria dar ouvidos à psiquiatra, queria seguir com aquilo e
descobrir o que estava por trás daquele véu que apagava sua memória. O
problema é que a lembrança não a afetava somente emocionalmente, tinha-
se ali um desgaste físico pela primeira vez. Sua cabeça doía e aquele
definitivamente era um obstáculo. Ela não sabia o que fazer.

— Anahí... – Caitriona engrossou o tom de voz – Hora de voltar.

E no fim Anahí acabou se dando por vencida e abrindo os olhos. E assim


que ela voltou à realidade, seus olhos se encheram de lágrimas.

— Eu entendi direito...? – ela perguntou mordendo os lábios – Aquela


criança é minha, Cait?

— Querida – Caitriona suspirou longamente – É você quem tem que me


dizer. O que você viu?

— Eu não vi nada, eu só ouvi... um choro longo, fino e distante, e dentro de


mim... eu só sentia medo – as lágrimas finalmente caíram ante aquela
última constatação – Eu estava confusa na lembrança, mas eu sentia que era
a minha criança. E eu não entendo, porque eu perdi o bebê...

— Bem, você passou oito anos lá – a médica observou – E ele abusava de


você.
— Você acha que ele me engravidou? – Anahí enxugou os olhos
completamente destruída – Você acha que eu tive um filho com ele...?

— Quando você chegou aqui, depois de ser resgatada, um dos exames que
foram feitos foi um raio-X na sua pelve que apontou uma fratura que
indicava que você tinha passado algum trauma naquela região – ela
explicou – Ela acreditava que ou tinha sido uma agressão, ou um parto
normal mal feito...

— E no que você acredita? – Anahí mordeu os lábios.

— Eu acreditava que o que quer que tivesse acontecido, tinha a ver com a
sua perda de memória – Caitriona completou – Por isso eu insisti no
tratamento através da regressão... porque nesse caso nós poderíamos nos
aproximar do que quer que fosse esse trauma pelo qual você passou.

— E como eu lembrei de um choro de criança, tem grandes chances de ser a


segunda opção – ela soluçou voltando a chorar – Ele me engravidou, me fez
ter o bebê dentro daquele cativeiro e o meu filho provavelmente morreu.

— Anahí, essas respostas eu não tenho como te dar – a médica lembrou.

— Me parece claro – Anahí mordeu os lábios – Onde mais o bebê estaria?

Caitriona sabia que Anahí estava com os nervos à flor da pele e que
simplesmente não lhe ouviria com o que quer que dissesse. Ela tinha suas
próprias suspeitas – que estavam longe de serem certezas, mas sem dúvidas
colocavam tudo em dúvida – do que poderia ter acontecido naquele
cativeiro com aquela criança, mas Anahí não estava em condições de ouvi-
las. Ela estava convicta daquela possibilidade, que a criança estava morta,
que não havia nada que poderia ser feito, e provavelmente seguiria
acreditando nela. Talvez fosse melhor deixar assim, ao menos por enquanto.
Afinal, outras sessões de regressão viriam e preencheriam as lacunas que
faltavam.

Só que Anahí não estava nem de longe satisfeita com tudo aquilo. Pelo
contrário, ela procurava por respostas e, depois daquele debate, parecia
claro que Caitriona Balfe não tinha algumas e não a deixaria buscar as
demais, ao menos não naquele dia. Ela teria que esperar para se recuperar,
resgatar algum equilíbrio e só depois as novas sessões dariam continuidade
àquela. Só que Anahí não estava disposta a esperar. Ela estava saindo do
consultório da psiquiatra somente com uma receita de remédios controlados
para dormir. Mas ela queria mais e iria atrás.

— A Dra. Robbins está de plantão hoje? – Anahí perguntou à Lexie na


Emergência, enquanto a amiga olhava uma planilha de escala de residentes
à sua mão.

— Você quer saber por que... – ela franziu a testa encarando a amiga.

— A Dra. Balfe disse que eu fiz um exame na época que cheguei aqui, um
raio-X da pelve, e eu queria saber...

Lexie sabia exatamente qual era aquele exame.

— Sim, ela está de plantão – Lexie confirmou num tom muito mais
cabisbaixo – Você quer que eu vá com você...?

— Não Lex – ela recusou – É algo que eu preciso fazer sozinha.

Justamente por saber do que se tratava, Lexie deixou que Anahí seguisse
aquele caminho sozinha. Ela não tentou impedi-la ou, quem sabe, forçar a
barra para acompanha-la. Anahí já tinha deixado claro que não queria que a
amiga fosse com ela, que queria procurar a Dra. Robbins sozinha. E desde o
primeiro dia sua psiquiatra tinha deixado claro para todos o quanto era
importante que os desejos de Anahí fossem atendidos, depois de tantos anos
tendo seu consentimento sido violado de uma forma tão bruta.

O que Lexie fez, na verdade, foi agir nas sombras. Ela se preocupou em
avisar as duas pessoas que mais precisavam estar por perto de Anahí
naquele momento: Maite e Karen. Se apressando em pegar o próprio
celular, Lexie mandou mensagem de cara para as duas. O combinado era
esse: não importava quem estaria ao lado de Anahí, e sim que alguém
estivesse.
E elas mal sabiam que aquele era apenas o primeiro momento em que todos
teriam que se unir em favor dela...

xxx

Arizona Robbins era a única cirurgiã fetal do New York General Hospital, e
aquela especialidade lhe dava competência também para clinicar na área
ginecológica, obstétrica e neonatal. Por sua proximidade com o alto escalão
de cirurgiões do hospital foi ela quem foi chamada para atender o caso de
Anahí ainda na emergência no dia de seu resgate. E foi com sua esposa,
Callie Torres, a cirurgiã ortopédica que operou Anahí logo no primeiro dia e
nas vezes seguintes, que ela trabalhou em conjunto e isso resultou num
pedido de raio-X da pelve da paciente.

O objetivo de Arizona era avaliar através de exames a saúde reprodutiva de


Anahí. Em outras palavras, o raio-X seria o primeiro a determinar se as
agressões tinham sido tão fortes a ponto de impedi-la de poder ter filhos.
Não era incomum isso acontecer. Só que no fim, aquelas imagens acabaram
apontando para aquela fratura que tanto Arizona quanto Callie notaram. A
chamada "fratura por avulsão" só poderia significar duas coisas: ou os
golpes externos causados por Tobias tinham sido violentos a ponto de
atingir o útero de Anahí, ou um parto muito mal feito tinha sido feito
naquele cativeiro.

Se dependesse de Arizona Anahí seria inquirida daquela situação enquanto


ainda estava internada. Ela quebrou o protocolo e procurou diretamente os
familiares da paciente para informar daquela situação. Karen Scott, a mãe
de Anahí, foi devidamente informada das possibilidades, junto com Lexie
Grey, que enquanto amiga de Anahí e residente-chefe de cirurgia, a
acompanhava. Karen estava desnorteada com a possibilidade de a filha ter
engravidado e ter dado à luz enquanto estava sequestrada, mas logo a
psiquiatra que cuidava do caso levou uma informação à mesa –
provavelmente Anahí não se lembrava do que lhe tinha acontecido. Muito
provavelmente.

E no fim, foi exatamente o que aconteceu. Caitriona Balfe indagou sua


paciente diversas vezes sobre o que ela lembrava do cativeiro e todos os
relatos que recebeu pareciam ser memórias cotidianas e repetidas: diversos
estupros, diversas agressões, ameaçadas, coisas que provavelmente tinham
acontecido tantas vezes e eram cenas comuns, dias quaisquer. Logo ela
diagnosticou Anahí com amnésia dissociativa e supôs que a moça tinha
vivido algum trauma muito forte que a fez esquecer de tudo que com ele
estava relacionado. E a única maneira que a Dra. Balfe vislumbrava que ela
se lembraria era justamente a terapia de regressão.

Sendo ou não sendo, funcionou. Anahí se lembrou do aborto que sofreu, do


primeiro abuso, de momentos que revidou as agressões, de ameaças que lhe
tinham fugido à mente. Ainda faltavam coisas, como o modo como foi
parar no cativeiro, mas elas iam aos poucos. E agora parecia lembrar do
mais importante: o choro de um bebê. O que parecia ser a chave para todo o
mistério.

A dúvida final seria tirada naquela manhã com a cirurgiã. Por sorte Arizona
Robbins estava no fim de uma ronda com os internos e residentes. E Anahí,
no corredor, estava à sua espera.

— Dra Robbins? – Anahí a chamou – Você lembra de mim?

— Claro que me lembro – Arizona disse – Anahí, não é? A paciente da


Callie e do Mark, amiga da Lexie.

— Isso – ela confirmou.

— No que eu posso te ajudar Anahí?

— É que... a Dra. Balfe me falou de uma radiografia da pelve que eu fiz


assim que cheguei.

Arizona parecia atenta à pergunta, provavelmente por não saber exatamente


o que poderia ou deveria dizer, era sempre uma situação complicada. Anahí
percebeu o receio dela por sua reação, o que a fez se apressar para
esclarecer o quanto já sabia e evitar descobrir menos do que gostaria.

— Eu lembrei do bebê – Anahí disse vendo a médica arquear as


sobrancelhas em resposta – Do choro dele. Foi quando a Dra. Balfe contou
da radiografia.
— Eu sinto muito – Arizona se apressou em dizer – Eu não tenho muito a
dizer. A ideia era ter falado sobre isso enquanto você ainda estava
internada, só que a Dra. Balfe temia pelo tipo de sequelas que isso traria por
conta da sua amnésia.

— Eu entendo – Anahí suspirou – Eu ainda não lembrei de tudo. Não sei os


detalhes, só ouvi um choro de criança e... bem, se eu não pudesse saber ela
não teria me dito.

— Eu vou buscar o exame. Me espere um pouco, por favor.

É claro que ela esperaria.Cada minuto que se passou até Arizona Robbins
voltar com o bendito exame em mãos. Anahí achava àquela altura que a
médica provavelmente tinha esquecido dela ou acabou sendo bipada para
atender alguma emergência e esqueceu que ela a esperava, não era algo que
se poderia dizer que era incomum de acontecer ali. No fim não foi nada
disso. Arizona demorou porque estava procurando o prontuário de Anahí,
mas mesmo demorando ela chegou com o exame em mãos. Anahí, que já se
preparava psicologicamente para mais uma frustração, sorriu aliviada ao ver
a cirurgiã em sua frente. Se levantou de imediato, mas Arizona acabou
indicando que ela sentasse novamente. As duas tinham que conversar.

— Quando eu fiz esse exame e olhei as imagens, eu imediatamente supus o


que teria acontecido com você – Arizona mordeu os lábios antes de
continuar – E como não era algo fácil de lidar, a Dra. Balfe achou melhor
irmos com calma.

— Me mostra o exame – Anahí pediu, e logo viu Arizona levantar a


imagem e apontar para uma mancha em específico. Para ela era somente
isso, uma mancha. Mas para uma cirurgiã indicava muito mais.

— Está vendo isso aqui...? É uma fratura – ela explicou – Nós chamamos
de fratura por avulsão.

— O que essa fratura significa...? – Anahí perguntou – No que você pensou


quando a viu, Dra. Robbins?
— Que só poderiam ser duas coisas – Arizona prosseguiu – Ou ele tinha te
machucado a ponto de atingir o seu útero, ou... você teve um parto
excessivamente traumático.

— E você apostou no segundo – Anahí completou.

— Minha intuição médica apontava pra isso – Arizona ponderou – Fazia


sentido você ter engravidado no cativeiro, é bastante comum acontecer com
mulheres que são sequestradas e abusadas sexualmente pelos
sequestradores, e como os partos costumam acontecer lá mesmo... se a
mulher precisa de alguma assistência médica, se o bebê fica preso ou algo
desse tipo... complicações podem ocorrer. Eu não tenho como te dizer o que
pode ter acontecido Anahí. Eu só tenho essa imagem. Eu cheguei a
conversar com a sua mãe e a Dra. Balfe sobre isso, mas... ficou acordado
que, pela questão da sua amnésia, era melhor esperar que você mesma se
lembrasse pra não ser um choque muito grande.

— Eu entendo – Anahí mordeu os lábios – Obrigada por me explicar.

— Se houver algo mais no que eu possa ajudar, é só me procurar.

O problema é que não havia. Anahí se lembrava de mais do que tinha em


mente à época de seu resgate, mas ainda era pouco frente a tudo o que tinha
vivido, muito pouco se levado em consideração tudo o que ela precisava
lembrar. No início a motivação era lembrar o suficiente para depor frente ao
júri que julgaria – e condenaria, ela esperava – Tobias pelo sequestro,
cárcere privado e estupros cometidos contra ela. Depois veio a questão
pessoal, ela precisava enfrentar seus fantasmas para conseguir supera-los.
Mas agora havia isso. A questão de uma criança que tinha nascido e que,
por Anahí só se lembrar de um choro, provavelmente estava morta. Mais
uma coisa que Tobias tinha lhe tirado, mais uma para a conta.

Até quando aquilo iria durar?

xxx

Antes de receber a mensagem de Lexie que dizia que ela deveria estar
próxima à Anahí, Maite aproveitou a tarde livre para resolver outra
pendência, por assim dizer: fazer as pazes com Sophia.

Está certo, fazer as pazes era um certo exagero. Para quem tinha vivido num
extremo durante seis anos, não era possível simplesmente pular para outro,
como se nada tivesse acontecido. Virar amiga de Sophia como se as duas
nunca tivessem se distanciado – ou melhor, como se Maite não tivesse se
afastado dela – não era possível, soaria falso. Não tinha o menor clima se,
depois daqueles anos se evitando, elas simplesmente voltassem a ser as
amigas que tinham sido um dia. Não dava para pular do oito para o oitenta
sem mais nem menos, ela não conseguiria e provavelmente Sophia idem.

Mas poderia haver um começo. Isso Maite conseguia fazer.

Exatamente por isso ela foi até a confeitaria da ex-amiga, se valendo do fato
de que tinha saído mais cedo da escola. Era o meio da tarde, Samantha já
tinha voltado da escola e estava sentada numa mesa próxima ao balcão
pintando um desenho. Jesse por sua vez estava no caixa – uma função que
até tempos atrás pertencia à Torrey – e Sophia estava ocupada tentando
organizar a cozinha ao mesmo tempo que treinava uma funcionária nova.
Tudo ali parecia estar se adaptando a uma nova realidade, não parecia nem
de longe ser o melhor momento para Maite aparecer, mas ali ela estava.

Ou talvez aquele momento de mudanças fosse justamente o melhor


momento para que mais uma coisa mudasse.

Assim que Maite cruzou a porta da confeitaria ela chamou a atenção de


todos, exceto de Sophia. Como ela estava ocupada orientando sua nova
funcionaria, não prestou atenção na ex-amiga entrando ali. O mesmo não se
poderia dizer sobre Jesse. Atento como uma águia, a cada cliente que
entrava ele levantava o rosto, em especial porque dentre os antigos conhecia
a grande maioria e sempre acenava. Quando ele viu Maite entrando Jesse já
imaginou que boa coisa não viria dali. Afinal, não dava para esperar que a
morena tivesse vindo para ter uma conversa amigável com Sophia, não
quando isso não tinha acontecido nos últimos seis anos uma vez sequer.

A surpresa se deu pelo fato de que ele não teve sequer tempo de reagir, já
que alguém conseguiu ser ainda mais ágil.
— Você não veio maltratar minha tia Soso não, né?

Samantha estava, com toda a altura que seus cinco anos permitia, de pé na
frente da Maite, mesmo que não tivesse a mínima chance de bloquear a sua
passagem. O que ela fez foi com que o pai arqueasse as sobrancelhas ao vê-
la peitando Maite, e a própria arregalasse os olhos com aquela afronta. Mas
nada intimidava a menina, que estava de braços cruzados com a expressão
de marrenta, demonstrando que mesmo com seu pouco tamanho, estava
disposta a tudo para proteger a sua tia Soso.

— Não Samantha, eu não vim – Maite disse, logo percebendo que não tinha
convencido em nada aquela criança – De verdade.

— Eu não gosto de você – ela entregou ainda bem séria – Você é má e


machuca a tia Soso. Ela não merece isso.

— É, você tem razão – Maite concordou – A Sophia não merece que


ninguém seja malvada com ela. Por isso eu vim conversar com ela. Você vai
deixar, não é?

— Hm... vou – Samantha analisou com a testa franzida – Mas eu to de olho


em você, viu?

A frase era acompanhada daquele gesto de apontar os olhos com os dedos e


depois apontar de volta o rosto da pessoa. E é claro, acompanhada também
de uma risada de uma Maite que seguia totalmente surpresa.

Foi com as sobrancelhas um tanto arqueadas que Sophia viu Samantha


enfrentando Maite. Não sabia se estava mais surpresa com a menina
despontando como sua defensora àquele ponto ou com a morena
aparecendo ali. Imediatamente Sophia imaginou que algo tinha acontecido
com Anahí e que Maite tinha ido pedir o reforço dela e de Jesse. Era
impossível pensar que aquela visita tinha qualquer outro motivo, já que
Anahí era a única coisa que faria Maite engolir o orgulho e procurar aqueles
com quem não tinha mais amizade.

Obviamente Sophia não demorou nada a tirar Samantha da jogada para


conversar com Maite. A menina ainda desconfiada se afastou mas a cada
riscada do lápis de cor em seu desenho, havia uma olhada na direção de
Sophia, apenas para "ver se estava tudo bem". Jesse não estava diferente da
filha, ele botou Lívia no caixa apenas para observar deliberadamente se
Maite estava maltratando Sophia novamente, porque nesse caso, ele
obviamente iria intervir.

Mas não foi necessário.

— Eu não esperava você por aqui – Sophia confessou olhando Maite com
certo receio – Aconteceu alguma coisa com a Any...?

— Não – Maite negou – Não tem nada a ver com ela, Anahí nem sabe que
eu to aqui. Eu vim porque queria conversar com você.

— É meio difícil imaginar o que nós duas teríamos pra conversar – Sophia
estreitou os olhos para ela.

— Digamos que nós tenhamos – Maite retrucou – Podemos sentar...? Ou


você prefere que eu volte mais tarde?

— Não, eu tenho cinco minutos – Sophia disse já caminhando para onde


elas sentariam.

As duas se sentaram em uma mesa um tanto afastada de onde Jesse estava


com Samantha, por óbvio. Sophia não queria que nenhum dos dois
interferisse e a única maneira de consegui-lo era ficar distante. Por isso ela
e Maite rumaram para o outro lado da confeitaria, onde sobretudo a morena
ficou de costas para os dois. Jesse sequer poderia fazer leituras labiais, caso
pensasse em tentar.

— Então... – Sophia disse ao se sentar – Sou toda ouvidos.

— Eu te procurei porque, bem... – Maite suspirou – Eu não tinha ideia que


te machucava tanto quando te tratava mal.

As sobrancelhas de Sophia arquearam ao infinito.

— Você é burra ou se faz...?


Maite riu da ironia.

— Eu queria te magoar, mas como sou meio pedra às vezes, nem sempre
consigo entender que as pessoas ao meu redor não são – Maite continuou –
Eu não tenho por que mentir. Estava com um ressentimento tão grande
sobre você, o Jesse e o Poncho que... cada vez que eu lembrava, cada vez
que me sentia mal... eu queria que vocês sentissem também. E como eles
sempre pareceram indiferentes a tudo, eu achei que você também era. E por
isso eu não parava. Continuaria achando isso se você não tivesse berrado a
plenos pulmões os sentimentos do Mane naquele dia.

— Eu sinto muito pelo Mane, ele não merecia ser envolvido nisso – Sophia
respondeu cruzando os braços – Agora, se isso te magoou? Sinceramente
Maite, é bem feito pra você.

— Não me magoou – Maite observou.

— Pois que pena – Sophia estreitou os olhos. Havia mágoa demais na voz
dela – Como eu posso te magoar então...? Como eu posso fazer com que
você se sinta o lixo que eu me sinto cada vez que você me trata mal?

— Sophia... eu não posso voltar atrás – Maite respondeu – Depois de um


tempo agindo como eu agia, eu fazia mais pela força do hábito do que
qualquer outra coisa. Percebi que não adiantava mais voltar atrás porque já
tinha ido muito longe.

— E o que exatamente você está fazendo aqui então? – Sophia perguntou


franca – Veio jogar na minha cara o quanto eu ter revidado estragou pra
sempre a sua relação com o Mane?

— Não estragou – Maite observou – Nós estamos juntos.

— Vocês estão...? – Sophia arregalou os olhos – Você? Com o Mane?

— Sim – Maite deu um ar de riso – Se você não tivesse explodido, eu


provavelmente nunca teria ouvido aquela verdade gritada e... sem a menor
dúvida, estaria perdendo uma oportunidade que poderia mudar a minha
vida.
— Então você veio me agradecer?

— Eu vim dizer que sinto muito – Maite completou – Isso não muda nada,
não apaga nada, mas de certa forma recomeça. Pode ser tarde demais pra
nós sermos amigas de novo, mas... não seremos mais inimigas. Ao menos
não da minha parte.

— Da minha nós nunca fomos – Sophia devolveu – Só que você não pode
esperar que eu finja que nada aconteceu. Eu ainda estou bem magoada.

— Eu não espero – Maite disse se levantando – Mas se junto com o tempo


passando faltava um pedido de desculpas meu... você o tem.

Agora bastava que o tempo passasse para que Sophia soubesse dentro de si
se era suficiente.

xxx

Maite só foi ver a mensagem que Lexie enviou sobre Anahí depois de
conversar com Sophia e sair da cafeteria. O peso que ela julgava que tinha
saído de suas costas voltou com força total. Na mesma hora Maite varreu
qualquer plano que pudesse ter de como terminar aquele dia e partiu
imediatamente para a casa da amiga. Quer Anahí tivesse chegado, quer não,
ela estaria lá.

O que Maite não lembrava era um plano que ela tinha feito lá mesmo, na
casa de sua melhor amiga. Como de costume ninguém batia direto na porta
dos Portilla e sim ia para o café ver se alguém estava em casa. Maite, ao
chegar lá, procurava por Karen ou Ellie por trás do balcão, mas antes que
pudesse encontrar qualquer uma das duas, ela notou Mane sentado
bebericando um capuccino e sorrindo tranquilo pra ela.

— O que foi? – Mane franziu a testa se aproximando dela e beijando sua


bochecha – Esqueceu que marcou comigo aqui?

— Esqueci totalmente – Maite balançou a cabeça negativamente – Lexie


me mandou uma mensagem dizendo que a Any teve um dia ruim na terapia
e que poderia precisar de mim, e eu só vi agora, tem horas...
— Ela está em casa – Mane confirmou – Eu iria até lá, mas estava
esperando você.

— Como você sabe que ela chegou?

— Ellie me disse quando eu cheguei – ele explicou – É claro, ninguém sabe


de nós dois ainda. Quem poderia imaginar que eu estaria aqui esperando
você...?

De fato, ninguém.

Aquele tinha sido o dia que Anahí se mudaria para o apartamento de Maite
e Christian. Tudo estava combinado, Maite tinha saído cedo também por
aquilo e se aproveitaria que a amiga tinha uma sessão de terapia para se
resolver com Sophia. Só que Anahí tinha coisas demais e talvez fosse uma
boa ideia alguém que tivesse um carro e pudesse ajudar com as coisas.
Nada mal se também fosse alguém que arrancasse um sorriso de Maite e
recarregasse suas energias. Mane era o candidato perfeito.

Ficou combinado assim entre os dois que eles se encontrariam no café e


iriam juntos para a casa de Anahí. Maite temia que a amiga, por mais que
confiasse racionalmente em Mane, ficasse acuada por estar sozinha com
ele, dados os seus traumas. Por isso ela decidiu encontra-lo antes. Claro que
com aquela confusão toda ela esqueceu daqueles planos e ficou surpresa por
vê-lo ali. E é claro que, ante a mensagem de Lexie, Maite já não soubesse
mais se a mudança estava de pé.

Tudo o que ela disse a Mane foi que algo tinha acontecido a Anahí e que ele
precisava dar privacidade a elas. Mane aceitou de bom grado, sem qualquer
reclamação – não que se pudesse esperar outra coisa dele. Ao chegarem à
casa dos Portilla Maite tocou a campainha e logo Karen abriu a porta, com
uma expressão de que já tinha visto a filha e conversado com ela.

— Que bom que você veio – Karen murmurou – Ela está mesmo precisando
de você.

Maite após ouvir aquilo se apressou em entrar no quarto da melhor amiga.


Karen e Mane não foram atrás, ela porque já tinha se interado do problema
e consolado a filha e ele, por respeito à privacidade delas. Com isso Maite
estava sozinha ao bater na porta e assim entrou ao ouvir a voz de Anahí lhe
autorizando a fazê-lo. Ela estava deitada na cama, no meio de todas aquelas
caixas que empacotavam suas coisas. Parecia cabisbaixa, mas pelo visto
não tinha chorado. E Maite se comportou da mesma maneira que fez tantas
vezes no passado: se sentou naquela cama da adolescência de sua amiga e a
deitou em seu colo, fazendo carinho em seus cabelos. Dizendo sem palavras
que estaria ali a hora que ela precisasse falar, ou mesmo que não
conseguisse.

Anahí disse. Demorou, mas começou a falar. Palavras doloridas sobre um


filho que sabia que tinha tido, mas que julgava estar morto. A dor da
violência sofrida, da lembrança distante e do modo como ela se recordava.
Suficientes para fazer o coração da morena sangrar, sobretudo pelo fato de
que via que o sofrimento de Anahí mais parecia que nunca acabaria.

— Você quer deixar a mudança pra outro dia? – Maite sugeriu – Eu posso
remarcar com o Mane...

— Não, depois disso tudo quero me mudar mais do que nunca – Anahí
suspirou – Eu quero seguir em frente, Mai. Quero superar. Eu preciso disso.

— Tudo bem, como você quiser – Maite sorriu segurando-a pelos braços –
Eu só to meio assustada por você não ter chorado nisso tudo. To com medo
de ser pior na hora que as lágrimas simplesmente caírem.

— Eu acho que elas não vão cair dessa vez – Anahí confessou – Não sei se
é porque eu to calejada, ou outra coisa... talvez tenha sido melhor assim.

— Como poderia ter sido melhor assim, Any?

— Se a criança tivesse vivido ela estaria naquele cativeiro me vendo ser


abusada e apanhar – Anahí deu de ombros – Ou estaria sabe-se Deus onde.
Por mais doloroso que seja a ideia de ter perdido outro filho... já aconteceu
uma vez. Dói menos agora do que doeu antes.

— Você vai superar isso e todo o resto – Maite garantiu abraçando-a –


Demore o que demorar... eu tenho certeza que você vai conseguir.
Pelo visto, parte daquele sofrimento contido se dava pelo fato de que Anahí
acreditava piamente que seu filho estava realmente morto. Que ela apenas
se reergueria de todas aquelas cicatrizes e males que tinha vivido e que uma
hora tudo ficaria bem. Que ela andaria para frente, sem cruzamentos, sem
novos percalços.

Ela só não contava que a vida poderia estar lhe reservando uma pequena
surpresa...

Prontoooooo! Finalmente sabemos o mistério que dura deeeesde os


primeiros capítulos da web: o que apareceu no exame da Anahí hahahaha.
Arizona tirou todas as dúvidas, tim tim por tim tim, sem deixar uma sombra
de dúvidas.

Aproveito a oportunidade pra estragar as ideias de quem achou que a


lembrança da Anahí seria um baby AyA. Vocês esqueceram que a Anahí
lembrou do aborto que sofreu? E antes que vocês digam que a lembrança
pode ter sido inventada pela cabeça dela, essa do choro também poderia,
não é?

Eu gosto de escrever coisas pé no chão, o máximo que posso dentro de um


romance. E seria muito fantasioso (dentro do meu padrão de escrita) se a
Anahí agora descobrisse que essa criança do choro era filho dela e do
Poncho. Ela sofreu um abuso por anos e os meus planos eram outros
quando planejei tudo isso. Dou uma concretude a essas lembranças na frase
final do capítulo, ela diz bastaaaaaaaante sobre o futuro. Mas não se iludam,
o bebê de AyA infelizmente foi perdido e os dois vão ter que lidar tanto
com isso quanto com todo o resto até o fim da web (do qual não estamos
nem perto).

Outra coisa que eu preciso falar: eu estou bem, mas bem atrasada mesmo
nos comentários. E quem me conhece sabe que eu não sou disso. Eu apenas
não tenho nem tempo, nem 3G suficiente pra responder (porque meu único
tempo são as horas que eu to no ônibus)! Eu to trabalhando muito,
estudando muito e tem sido difícil até pra conseguir escrever. Não é
desculpa, mas eu sempre respondi todos os comentários de todas as webs e
aqui eu simplesmente não tenho conseguido. Só queria que vocês não se
sentissem abandonadas, eu leio todos, todos, todos os comentários e eu os
amo completamente como sempre amei! Apenas não tem dado :(
Desculpem. Tem sido foda.

Espero que gostem <3

Beijos e bom fds!

Rafa

P.S.: desculpem a demora do post! O dia foi pior que a média :(


Capítulo 33 - My sister's place

Aquela rotina enlouquecedora tentando manter Samantha distraída o


suficiente para não sofrer tanto pela morte recente da mãe – e tentando
sobretudo que ela não percebesse os beijos escondidos que sua tia e seu pai
trocavam – estava simplesmente esgotando Sophia. Ela estava se
desdobrando em mil partes, cuidando de Samantha, da confeitaria, apoiando
Anahí como podia, e se mal sobrava tempo para Jesse, o que poderia se
dizer de todo o resto?

As amigas mais distantes de Sophia, Vanessa principalmente, estavam há


tempos tentando marcar alguma coisa com ela, mas só recebiam como
resposta algo que não era nenhuma mentira: Sophia simplesmente não tinha
tempo. Ela não levava Samantha para a escola, mas geralmente a buscava,
ia para a confeitaria, levava a menina no psiquiatra infantil de uma clínica
local que Jesse tinha encontrado e por vezes a acompanhava até qualquer
lugar que preenchesse sua mente, na maioria das vezes acompanhada de
Dani, que era a principal fonte de animação daquela pequena criança.

Com Sophia se ausentando de tudo e esquecendo o que não envolvesse


Jesse, sua filha e o negócio deles, não era preciso dizer que, quando Chad
entrou na confeitaria naquela manhã, ela se deu conta que sequer lembrava
da existência do amigo que um dia fingiu ser seu namorado. Sophia tinha
simplesmente desaparecido e Chad não fazia ideia que ela e Jesse tinham
feito as pazes, dormido juntos e assim continuariam se a filha dele estivesse
pronta para mais uma novidade. O único motivo pelo qual Jesse e Sophia
não estavam efetiva e abertamente tentando de novo era o fato de ambos
estarem concentrados em Samantha, e não porque um dia ela deu a entender
que estava em um relacionamento com Chad.

Jesse não demorou a enxergar o rival com o ar presunçoso de sempre e


sentir cada fio de seu ciúme quando viu o modo como ele olhava para
Sophia. A impulsividade quase o tomou e ele esteve a ponto de ir até Chad
e deixar claro que já sabia que ele e Sophia não tinham nada, que tudo não
passou de uma farsa. E ele iria, se não tivesse sido literalmente impedido.
— Você nunca vai tê-la de volta se não lhe der espaço – Lívia disse no pé
do ouvido do chefe ao segura-lo pelo braço – Se ela realmente te quiser
Jesse, não é ele quem vai impedir.

Lívia tinha razão. Ela sequer fazia ideia de que aquele "tê-la" não cabia na
frase, Jesse trocaria por "mantê-la", mas a funcionária não sabia que os dois
estavam juntos. Adaptações feitas, a frase caía perfeitamente bem. Jesse
tinha que mostrar para Sophia que tinha mudado, que ela tinha feito o certo
em tentar algo com ele. E ele jamais a convenceria se simplesmente desse
um ataque de ciúmes, demonstraria ser o mesmo de antes.

A mudança não estava nele deixar de sentir ciúmes pelo fato de Chad estar
por perto, mas sim de aprender a controlar esses ciúmes, a demonstrar
confiança nela, deixar que ela resolvesse a questão e lidasse com Chad da
maneira que preferisse. Jesse queria que Sophia sentisse que ela poderia
tomar a decisão que quisesse e ele ainda estaria no final com ela. Não iria
perdê-la como tinha sido no passado. Dessa vez as coisas deveriam ser
diferentes.

Sem que ele soubesse, Jesse se controlar acabou impondo a primeira derrota
do plano de Chad. Ele contava que o ex de Sophia daria um verdadeiro
ataque ao vê-lo ali, não seria a primeira vez, a cena apenas se repetiria.
Ledo engano. Chad era capaz de ver as veias de Jesse saltando, mas ele nem
se moveu. Voltou para o caixa do café, agiu normalmente, nem ignorando
Sophia e nem cercando-a. E se ele tinha notado isso, Sophia também tinha.
Chad foi capaz de ver o sorriso no canto da boca dela encarando a reação de
Jesse. Discreto, mas estava ali. E ele não gostou nem um pouco.

Então, se ele já estava ali, não podia deixar aquela ida ser totalmente
perdida.

— Então, se eu não venho aqui não nos encontramos – Chad murmurou


bem na frente dela e viu Sophia levantar o olhar lhe dando pouca, quem
sabe nenhuma importância.

— Oi Chad – Sophia deu um sorriso fosco – Desculpe, as coisas têm sido


impossíveis.
— Eu imagino – ele concordou, mas a verdade é que não, não imaginava –
Muito trabalho...?

— Torrey fazia de tudo por aqui, ela ajudava o Jesse com a administração,
servia as mesas, treinava funcionários novos, ficava no caixa... estamos
sentindo a falta dela em todos os aspectos do trabalho... além dos outros –
Sophia suspirou – E ainda tem a Samantha.

— Vocês podem contratar funcionários novos... – ele sugeriu.

— Eu fiz isso, eu estou treinando uma garota nova, mas eu nunca treinei
ninguém, eu nunca servi, eu... – Sophia suspirou longamente – Eu to
exausta.

— Eu estou percebendo, mas cada vez tenho mais forte a impressão de que
a única pessoa pra quem você não tem tempo sou eu – ele revirou os olhos,
não deixando de perceber o modo como Jesse, ao fundo, encarava Sophia.

— Chad, será que você está ouvindo o que eu estou dizendo? – Sophia
estreitou os olhos para ele, completamente irritada – Porque parece que
você não se solidariza nem um pouco com o que eu estou passando.

— Sim, você está passando por um momento difícil, mas para que servem
os amigos senão para nos ajudar nessas horas?

— Quem sabe pra nos entender quando nós não temos tempo pra eles –
Sophia retrucou com violência.

— Por que você não admite a verdade Sophia? – Chad cruzou os braços
debochado – Por que não diz de uma vez que você voltou com o seu
querido ex e não quer admitir?

— Que diferença faria se eu estivesse com ele ou não? – ela perguntou com
os braços cruzados.

E parecia que Sophia estava mais perto do que nunca de uma verdade,
enorme verdade: que Chad nunca tinha sido seu amigo de verdade. A
máscara dele nunca esteve prestes a cair como estava agora.
— A diferença entre a mentira e a verdade – Chad retrucou disfarçando. Ele
percebeu o quanto estava perdendo o limite e se denunciando e resolveu ser
cauteloso.

— Isso não é da sua conta – Sophia devolveu – A minha vida não é da sua
conta. Se você não aceita os meus motivos, eu sinto muito por você, mas é
sinal de que você não tem mais espaço por aqui.

— Então é isso...? – ele bufou – Você vai me trocar por ele?

— Você ta fazendo a mesma coisa que ele fez, a coisa que você tanto
criticou – ela constatou – Honestamente... não faz a mínima diferença.

— Pelo visto a nossa amizade vale muito pouco.

Chad disse aquilo claramente desafiando-a. Esse era o objetivo. O que ele
não esperava era a resposta que viria a seguir.

— Eu digo o mesmo.

Sophia, por sua vez, respondeu cansada. Chad poderia achar o que quisesse,
ela tinha dentro de si a consciência tranquila de que não estava trocando-o
por Jesse. Ela sabia que a aproximação com o ex tinha sido natural, sabia
que Jesse tinha amadurecido e que se eles não estavam oficialmente juntos,
era por Samantha. E sabia que ele não tinha nada a ver com o fato de que
ela estava se afastando do amigo que foi o estopim do fim do namoro dos
dois um ano antes. A única razão pela qual Sophia tinha deixado de
procurar Chad era somente o fato de que ela não tinha mais tempo. Nada
mais.

A questão é que Chad não conseguia enxergar as coisas assim. É claro, não
era algo que ela conseguia entender porque ele via tudo tão preto-no-branco
porque, na verdade, não fazia ideia da malícia em sua mente. Chad não
conseguia não encarar como se Jesse estivesse manipulando Sophia para
que ela se afastasse dele já que ele fez o mesmo um ano antes. E é o que
dizem, as pessoas enxergam os outros como seus espelhos, sempre esperam
que os outros façam o que ela faz. E assim se veem os seus reflexos.
Só que Sophia não estava vendo. Ela estava se afastando, antes natural e
agora propositalmente. Ela ainda não estava vendo.

E Chad rapidamente percebeu que estava se valendo da tática errada. E que,


se não a mudasse logo, iria perder. E ele não jogava se não fosse para
ganhar.

xxx

Numa tarde na qual um acidente com um ônibus trouxe dezenas de feridos


para o hospital e todos os atendentes estavam ocupados nas respectivas
cirurgias das vítimas, Lexie acabou se vendo de fora da sala de Amelia
Shepherd porque sua mentora acabou operando com o irmão, Derek, não
precisando de uma assistente. Esse simples fato já tinha deixado Lexie
profundamente frustrada, e não melhorou quando Owen Hunt a encarregou
de ficar responsável pela Emergência já que ele e a outra atendente, April
Kepner, também estariam nas salas de cirurgia e não havia mais ninguém de
confiança para comandar o atendimento às vítimas com ferimentos mais
leves.

Lexie amava ser residente-chefe na maior parte do tempo, mas naqueles


momentos os ônus cansavam demais. Ela tinha que ser dez em uma, a
Emergência estava lotada, os internos só faziam bobagens e ela apenas
revirava os olhos. Só que parecia obra do destino, porque se não fosse um
dia daqueles com o hospital lotado, ela estaria em suas atividades normais e
não ali, quando uma criança da creche que funcionava no hospital, na qual
os filhos dos funcionários ficavam, chegou com o queixo cortado após cair.
Mas não qualquer criança.

— Deixem que eu cuido dela...! – Brenda Cocatti disse se metendo no meio


de uma moça que carregava a criança – Afinal de contas ela é filha do Dr.
Sloan, não é...?

Assim que ouviu as palavras "filha" e "Sloan" Lexie se virou e rapidamente


enxergou a cena em sua frente: a mulher com uma criança no colo. A
criança era ninguém menos que Sofia, a filha de Callie e de Mark.
— Tia Lexie! Você ta aqui! – a voz de criança chamou e Lexie olhou para
baixo, reconhecendo Zola, sua sobrinha, filha de Meredith – Sofia se
machucou e eu vim junto... você pode cuidar dela né?

— Claro que sim – Lexie disse se virando para a menina, cujos olhos
amendoados e grandes a encaravam – Ei Sofia! Você se machucou? Ta
doendo?

— Só um pouquinho – Sofia murmurou com a mão no queixo.

— Ela não está mais chorando, mas ficou um pouco assustada na hora, por
isso a Zola insistiu em vir – a funcionária da creche explicou – Posso deixa-
las com a senhora, Dra. Grey? Eu tentei bipar a Dra. Torres, a Dra. Robbins
ou o Dr. Sloan, mas estão todos em cirurgia, então eu tive que trazê-la pra
Emergência.

— Dra. Grey, eu posso cuidar dela se você quiser – Brenda tentou se


intrometer novamente com um sorriso gigante – Afinal você tem que cuidar
de toda a Emergência e eu não estou fazendo nada mesmo, então...?

— Não está? – Lexie fez uma careta se virando para ela – Ótimo. Então vá
para o Leito 3 e veja como a paciente está.

— Mas... – Brenda murmurou desconcertada.

— Agora, Dra. Cocatti.

Logo que dispensou a interna, Lexie pegou Sofia nos braços e a levou para
um leito próximo, liberando a funcionária que até então cuidava da menina.
Zola não deixou a amiga sozinha, valendo-se do fato de que ela seria
cuidada por sua tia, acompanhou as duas. Sofia logo demonstrou segurança
ao estar com Lexie; assim que passou para o colo daquela que poderia ter
sido sua madrasta, abaixou a cabeça no ombro dela e envolveu seu pescoço.
Lexie sentiu uma sensação estranhamente familiar naquela situação. Algo
que ela definitivamente não esperava.

— Então, conta pra mim – ela disse ao colocar Sofia na maca e colocar as
luvas para observar o corte em seu queixo – Como foi que você caiu feio
desse jeito...?

— Zola e eu estávamos brincando de correr – Sofia explicou mordendo os


lábios. Era claro que as duas tinham aprontado – E aí eu tropecei e caí. E
quando vi tinha sangue.

— Sofia fica nervosa com sangue, tia Lexie – Zola explicou.

— Ora, mas você tem duas mães e um pai que são médicos, não precisa
ficar, eles sempre vão cuidar de você – Lexie disse terminando de examinar
o corte. Tinha sido profundo, ela iria precisar suturar.

— É, mas eles estão ocupados...

— Fique tranquila Sofia, eu vou cuidar bem de você enquanto eles não
chegam – Lexie garantiu – Só não precisa ter medo, ok? Porque eu vou te
dar uma picadinha. Mas nem vai doer.

Sofia obviamente não acreditou. Ela ficou nervosa com a injeção da


anestesia, mas Zola lhe deu a mão e isso de alguma maneira a tranquilizou.
Lexie conseguiu suturar a menina sem problemas, já que Sofia realmente
parecia confiar nela, se tranquilizando durante o processo. Lexie estava no
último ponto quando aconteceu finalmente o que parecia, àquela altura, que
não iria acontecer: Mark apareceu.

— Sofia...! – ele disse completamente agitado – Você está bem?

— Ei – Zola chamou a atenção dele cruzando os braços – Assim você a


deixa nervosa.

— Ah – Mark murmurou sem saber como reagir. Foi quando ele olhou
quem cuidava de sua filha e enxergou Lexie terminando a sutura. Ele não
poderia se sentir mais desconcertado.

Desde o beijo que tinha trocado com a versão bêbada de Lexie, Mark vinha
evitando-a. Ele tinha em mente que toda a situação tinha passado dos
limites e que talvez fosse melhor que eles se afastassem. Primeiro, Lexie
estava noiva; segundo, ela estava bêbada. E passada a bebedeira, ela não o
tinha procurado para falar do assunto e muito menos terminou com Jackson.
Aquilo lhe parecia um sinal de que ele deveria recuar.

Só que Lexie não esperava por aquele afastamento. Ela não sabia interpretar
bem as reações de Mark e não sabia se ele tinha recuado propositalmente ou
não. A única certeza era que parecia estranho que antes eles se encontravam
o tempo inteiro e agora o hospital parecia cinco vezes maior dada àquela
distância. E pior era o fato de que ela não sabia como as coisas seriam se ele
simplesmente resolvesse se ausentar de vez da vida dela.

Mas com Lexie cuidando de sua filha, Mark não poderia simplesmente
fingir que ela não estava ali...

— Ela está bem? – ele perguntou com a voz grave que sempre lhe dava
arrepios.

— Sim, eu a suturei – Lexie rapidamente explicou, piscando nervosa.

— Deixe-me ver – Mark disse se abaixando e ficando da altura dela,


analisando os pontos que ela tinha feito logo antes – Ficou perfeito. Eu não
teria feito melhor.

— Deve ser porque você me ensinou.

E agora parecia que eles tinham voltado ao mesmo ponto que estavam antes
do beijo: aquele no qual se dava conta que existia um clima intenso, quase
um magnetismo entre os dois, o qual nenhum dos dois poderia lidar. Era
irrenunciável, bastava que eles se encarassem e ponto. Forte como a
gravidade: não adiantava não acreditar, ela te puxa para baixo. Não havia
definição melhor.

— Obrigado por cuidar dela – Mark agradeceu sincero e sorrindo mais do


que nunca – Vamos pra casa, filha?

— Eu posso ir também? – Zola perguntou interessada – Meus pais ainda


não voltaram.

— Sim, claro – Mark concordou – Agradeça à Lexie, Sofia.


— Obrigada Lexie!

Sofia parecia simpática ao agradecer, fazendo com que Lexie ficasse


encostada na maca acenando tanto para ela quanto para Zola até perder as
duas crianças e Mark de vista. Um minuto depois de não enxerga-los mais
ela se deu conta de que ainda sorria da mesma forma boba de antes, como
se ainda estivessem ali. Como se ele ainda estivesse ali.

A forma como o corpo dela reagia à Mark mesmo depois de tanto tempo
não era mais algo que poderia ser ignorado. E agora que ela sabia
exatamente como era sentir a falta dele em sua vida, ficava aquela pergunta:
será que ela tinha tanta certeza assim que deveria se casar com Jackson?

xxx

A primeira noite que Anahí passou em seu novo quarto no apartamento de


Maite e de Christian – que agora era dela também – foi relativamente
tranquila. Karen ligou na manhã seguinte praticamente fazendo um
interrogatório para a filha: se ela tinha dormido bem, se tinha estranhado a
claridade, o colchão, o ambiente novo. Anahí riu com aquelas perguntas
todas, rapidamente fazendo para a mãe a pergunta que teve em mente
quando elas começaram: o que poderia dar errado?

Anahí não tinha ideia que aquela era uma sorte de principiante. Desde o seu
resgate ela só tinha dormido em dois únicos lugares antes de chegar ali: a
cama de hospital na qual ficou por quase duas semanas e a sua velha cama
da adolescência de antes de ir para Georgetown. Se Anahí achava que a
casa de sua mãe era similar a um cativeiro pela sensação de liberdade
inexistente que tinha lá, ela não sabia o quanto de certa forma seu antigo
quarto representava um espaço de conforto e segurança para suas noites.

O que Anahí esperava era o mesmo que já vinha acontecendo: os pesadelos


agora já constantes que a faziam acordar no meio da noite, que ela só
conseguia tolerar graças aos remédios que a Dra. Balfe tinha receitado para
ela dormir. O problema foi que a receita acabou e Anahí teve que passar
uma noite sem o medicamento. Era a terceira noite que ela passaria no novo
quarto, na nova casa. Mas Anahí já estava acostumada com os pesadelos e
acordar assustada, então voltou a se perguntar: que diabos poderia dar
errado?

Muita coisa, pelo visto.

Anahí acreditava que teria um pesadelo, acordaria durante a noite assustada,


estranharia o ambiente, demoraria até se dar conta de onde estava, mas uma
hora ou outra lembraria o porquê daquele papel de parede ser diferente do
que ela estava acostumada. Ela se daria conta que tinha se mudado, que
ainda não tinha decorado o novo quarto e que ela não estava no porão da
casa de seu algoz. Ela estava bem, segura e se precisasse de algo era só
bater na porta de Christian ou de Maite. Problema resolvido.

Mas não foi assim.

O início aconteceu exatamente como previsto: o pesadelo, ela acordando


assustada, ela estranhando o ambiente... tudo exatamente como Anahí
pensou que seria. O problema foi o depois. Quando Anahí começou a se
acalmar, algo a assustou. Um barulho. Ela não sabia de onde vinha, nem do
que se tratava, mas foi o suficiente para fazê-la tremer. E como alguém com
sono, com os sentidos bagunçados e as emoções à flor da pele, recém-
acordada de um sonho ruim no qual um homem a batia e a estuprava
novamente, depois de acontecer incontáveis vezes, ela não conseguiu se
acalmar. Não tinha como, quando sua mente insistia em cismar que era
Tobias na sala, que ele tinha fugido da cadeia e iria pega-la. Ou, mesmo que
não fosse ele, fosse um homem qualquer que soubesse do passado dela e
resolvesse abusa-la.

Foi quando Anahí resolveu utilizar algo que não sabia que teria utilidade:
uma faca que tinha levado para o quarto dias antes. Apenas por segurança,
para que ela se sentisse segura, menos ameaçada. Ela não queria ficar
deitada na cama esperando que invadissem seu quarto. Ela decidiu sair dali
e atacar o agressor, fosse quem fosse. Atacar antes de ser atacada. Não era
questão de ser ou não uma boa ideia, e sim de ser sobrevivente.

Anahí não pensou. Quando ela deu por si abria silenciosamente a porta para
não fazer barulho e caminhava descalça pelo porcelanato em passos lentos,
com a faca em mãos, empunhando-a, pronta para ir para cima de quem quer
que fosse.

Na sala, o barulho de seu por uma porta abrindo. A porta que abria o
apartamento. Christian estava aos beijos com um homem que ele não sabia
exatamente o nome. Mãos corriam para os lados. Ele não estava preocupado
se faria barulho, apenas em fechar a casa com segurança para não ter que
soltar a boca daquele homem que lhe dava tanto tesão. O beijo estava tão
apaixonado que ele sequer percebeu o que acontecia ao seu redor. Assim
como não percebeu que Anahí caminhava com uma faca afiada em mãos
prestes a pular em cima de quem estivesse ali.

Mas Rafael, o homem que Christian beijava, viu um vulto se aproximar no


meio do beijo e abriu os olhos. E assim que o fez, viu aquela mulher pronta
para esfaquea-los, sua reação foi tão passional quanto a que Anahí teve ao
ouvir o barulho deles: soltar a boca de Christian e gritar.

O grito de Rafael rendeu o grito de Anahí, que acordou do transe onde


estava e tomou um novo susto. E fez Christian pular do chão, soltando o
homem que até então beijava e logo se virar para trás. Foi quando ele se deu
conta da situação: aquela batida de porta inocente e supostamente
inofensiva quase tinha feito Anahí mata-los com uma faca.

— Anahí! Calma! – Christian pediu levantando ambas as mãos – Está tudo


bem, sou eu...!

O racional de Anahí sabia que estava tudo bem, mas o que fazer com seu
emocional? Com sua pele arrepiada, seus lábios que tremiam, seus olhos
que insistiam em expulsar lágrimas que ela nem sabia que estavam ali?
Enquanto Christian tentava acalmar as situações do homem que trouxe para
ali completamente trêmulo e sua melhor amiga aos prantos, Maite
caminhou com os olhos esbugalhados sem nada entender para a sala.
Acordada pelo grito, certa de que estava acontecendo algo muito estranho,
ela chegou na sala e se deparou com a cena que menos poderia esperar:
Anahí com uma faca nas mãos tremendo da cabeça aos pés, Christian e um
homem que ela nunca tinha visto do outro lado. Não dava mesmo pra
entender sem perguntar.
— Deus... – Maite murmurou olhando de um lado pro outro – O que
aconteceu?

— Christian, eu... – Anahí chorava sem parar – Eu não sabia... me perdoa...


eu...

— Any, shhhh – Christian disse se aproximando dela e fazendo carinho em


seu rosto – Você não tem que se desculpar de nada...

— Alguém me explica... – Maite disse se aproximando de Anahí e tirando a


faca da mão dela – Você queria cometer um homicídio...? Olha essa faca!

— Era pra me proteger – Anahí tremia sem parar – Por favor, não me
expulsem... eu ouvi o barulho e... eu pensei... eu não pensei...

— Nós não vamos te expulsar meu bem – Christian a abraçou carinhoso.

— Ei, fica calma – Maite a tranquilizou – Está tudo bem. Nós entendemos,
você não tinha como adivinhar...

— Eu acho melhor eu ir embora – Rafael disse sem ambiente – Christian,


depois...

— Rafael, eu sinto muito... – ele disse.

— Está tudo bem – o rapaz levantou a mão, acenando e saindo.

— Eu não queria estragar o seu encontro – ela mordeu os lábios – Eu achei


que fosse...

— O Tobias? – Maite perguntou vendo a amiga assentir – Any, esse prédio


é muito seguro. O porteiro não deixa ninguém subir se não for conosco ou
com a nossa autorização. E você não precisa se preocupar, ele está preso.

— Não nos meus sonhos – ela respondeu, sem dar chances de qualquer um
dos dois rebater.

— Anda, vamos – Maite a segurou pelo braço com delicadeza – Vem


dormir comigo lá no quarto. Nós conversamos, vemos um filme e você
relaxa. Eu só durmo depois que você dormir e se você tiver outro pesadelo
vai me ver e saber que ta tudo bem. Ok?

— Ok – Anahí concordou.

E elas saíram dali. Christian acabou percebendo que tudo estava bem
novamente, Maite tinha conseguido dar conta da situação e fazer Anahí
voltar a si. E ele tinha sido imprudente, esquecido que a amiga agora estava
ali e que ela precisava de cuidados. Anahí não era mais como antes, e se ele
e Maite tinham aceitado que ela fosse morar com eles, as coisas precisariam
mudar.

Maite manteve a proposta feita e ela e Anahí dormiram quando já era quase
dia. Maite na verdade cochilou, logo era manhã e ela precisava trabalhar.
Mesmo esgotada, ela não se arrependia: Anahí era sua melhor amiga e se
era preciso uma noite em claro e um dia se sentindo um caco, Maite faria e
repetiria.

Christian compensou dali. Ele não trabalharia na manhã seguinte,


justamente por isso preparou o café de Anahí e ficou por perto depois que
Maite teve que sair, garantindo que Anahí acordasse segura, sem
sobressaltos. De fato isso aconteceu, mas logo Christian percebeu que a
amiga estava se sentindo culpada pela situação da noite anterior. Pudera,
ele também estaria – afinal, ele estava. Uma boa conversa honesta entre os
dois colocou tudo em seu lugar e o dia terminou com ele acompanhando-a
até o New York General Hospital, onde Anahí tinha terapia naquela manhã.

Na consulta com a Dra. Balfe Anahí não somente aproveitou para pegar a
nova receita do medicamento, mas também para contar a situação da noite
anterior. Cait reagiu como se esperasse que aquilo fosse acontecer cedo ou
tarde, e Anahí já imaginava enquanto contava que provavelmente de suas
perguntas viriam novas perguntas e nenhumas respostas. Mas não foi isso
que aconteceu.

— Eu acho que seria bom você começar a frequentar um grupo de apoio a


mulheres que sofreram estupro – Cait recomendou, se levantando e abrindo
a gaveta, pegando ali um folheto – Olhe... aqui tem o endereço de alguns.
— Um... grupo de apoio? – Anahí perguntou. Ela não poderia estar mais
surpresa.

— Sim, pra que você troque experiências... você sabe, com mulheres que
sofreram o mesmo que você ou algo parecido – ela insistiu – Que tal você
apenas pensar no assunto?

Mas Anahí não precisou pensar. Porque quando ela abriu o folheto e leu o
nome daquelas ONGs e grupos... logo a primeira lhe chamou a atenção. Ela
conhecia aquele lugar. Era a My sister's place... a mesma ONG na qual ela
trabalharia se não tivesse sido sequestrada oito anos antes.

Não havia discussão. Era como se fosse o destino lhe dando o recado.
Como se Tobias tivesse tentado tira-la de seu caminho, e até conseguido,
mas a vida agora lhe dava o retorno. Mesmo não sendo da maneira que ela
imaginava, Anahí estava de volta ao lugar que sempre quis estar. Em outra
posição, mas ali. Seria um começo?

A fachada da My sister's place mudou em oito anos. O lugar estava mais


moderno e mais discreto, parecia acolhedor. Christian incentivou Anahí a
entrar e se ofereceu para ir com ela, mas ouviu uma recusa. Ela queria ir
sozinha, não queria falar nada na frente dele. Depois de hesitar um pouco
Anahí acabou entrando e falando com a recepcionista em murmúrios o que
estava fazendo ali. A mulher, aparentemente acostumada com aquele tipo
de situação, sorriu solidária e disse que chamaria a assistente social de
plantão. E Anahí ficou ali esperando, se perguntando se aquela era uma boa
ideia, se ela tinha feito o certo ido até ali, cheia de inseguranças e dúvidas.

A surpresa foi quando a assistente social chegou. A mulher a olhou com um


olhar curioso e intrigado que ela definitivamente não contava, mas Anahí
logo juntou as peças: ela provavelmente a reconhecia dos jornais ou da TV.

— Sim, eu sou a garota que passou oito anos sequestrada e acabou de ser
encontrada – ela disse acuada, mexendo no cabelo meio nervosa – Eu
imagino que seja por isso que você esteja me olhando.

— Na verdade não – a moça disse colocando as mãos nos bolsos – Eu


reconheceria você antes mesmo disso. Lembro de você antes dessa
mudança de visual, antes das manchetes da TV.

— Desculpe – ela franziu a testa – Nós nos conhecemos...?

— Você não, eu sim – ela estendeu a mão – Isso pode parecer


completamente estranho... mas eu era vizinha do Sr. Menzies. Eu sou a
razão de você ter sido resgatada. E eu acho que nós temos muito o que
conversar.

Pelo visto elas realmente tinham.

Hellooooo ladies! Como estão?

Não sei se vcs estão percebendo mas, aos poucos, as dúvidas todas da web
estão acabando. Aos poucos descobrimos tudo, e assim como descobrimos
no último capítulo o que estava por trás dos exames da Anahí, aqui
começamos a descobrir que realmente tinha uma pessoa por trás da prisão
do Tobias.

Outra coisa importante a ser dita é que aos poucos a Anahí vai
reencontrando o seu lugar, vcs estão percebendo? Mesmo que o monstro do
Tobias a tenha afastado do próprio caminho, de pouco em pouco ela vai
voltando pro que é dela. E isso vai acontecer mais ainda Os corações
agradecem né? Ainda mais depois desse sustinho dela acordar no meio da
noite.

Por fim temos Sophia dando aqueeeeele corte no Chad que a gente pediu
SIM e Lexie toda trabalhada na fofinha cuidando da Sofia e marcando uns
pontinhos com a filha do mozão hahahah.

Espero que tenham gostado!

Beijos,

Rafa
Capítulo 34 - Marina

Marina Squerciati era assistente social da My sister's place há cinco anos,


desde que se mudou de Connecticut para Nova York para assumir aquele
novo emprego. Ela era feminista e ativista social, da mesma forma que
Anahí tinha sido um dia, de modo que aquele emprego era resultado de um
idealismo, não simplesmente um ganha-pão: Marina queria ajudar
mulheres. Por isso ela foi trabalhar naquela ONG, por isso ela fez serviço
social e por isso ela fez uma denúncia falsa para prender Tobias Menzies
quando teve a certeza de que ele mantinha alguma mulher em cativeiro em
sua casa.

Marina acompanhou Tobias por anos a fio. Ela conhecia o perfil de homens
do tipo dele e começou a achar estranho o seu comportamento cerca de três
anos depois de se mudar para a casa ao lado, no Queens. A desconfiança
começou quando ela viu um médico entrando na casa e sendo acompanhado
pelo dono, seu vizinho. Então quem poderia estar doente? Marina começou
a estranhar esses fatos naquele dia e, desde então, a pulga nunca mais saiu
de trás da sua orelha.

— Eu era nova na cidade e Tobias Menzies me chamou pra sair quando eu


tinha acabado de mudar, estava há um mês no Queens – Marina começou a
explicar tão-logo Anahí se sentou em sua frente – Não conhecia nada nem
ninguém além dos colegas de trabalho daqui. Ele não fazia bem o meu tipo,
mas de repente pensei, por que não?

— Porque você não fazia ideia de quem ele era – Anahí divagou. Aquele
assunto ainda a deixava um tanto atordoada.

— Exatamente – ela observou – Nós saímos para jantar juntos, eu perguntei


se iríamos para a casa dele e ele disse que não tão enfaticamente que me fez
perder a vontade de dar continuidade à coisa toda. Mas eu não sei por que,
eu continuei achando-o um homem estranho. Não consegui não observar
para ver o que poderia estar errado ali. E anos depois, eu vi o médico
entrando...
— Quando eu ficava doente ele nunca queria me levar na Emergência –
Anahí explicou – Os médicos tinham que ir até lá.

— Eu juntei as peças depois e imaginei isso – Marina continuou – Ele era


muito estranho, sempre trazia compras demais para casa, nunca recebia
visitas, saía pouco, não viajava... durante um tempo eu pensei que pudesse
ter uma mãe ou um filho doente de quem cuidasse e não quisesse expor,
mas não, os vizinhos diziam que os pais dele estavam mortos e que ele não
tinha filhos e nem família.

— E como você chegou à conclusão do que estava realmente


acontecendo...? – Anahí perguntou curiosa. Ela estava ansiosa para saber
como Marina tinha descoberto dela.

— Porque um dia eu bati na casa dele perguntando se poderia me emprestar


um pouco de café e o rosto dele estava arranhado – Marina concluiu – Com
o mesmo tipo de marca que eu vi no rosto de vários homens que
estupravam mulheres que eu atendia, quando eu as acompanhava até a
delegacia. Eu percebi que só poderia ser isso... então apenas o observei
mais um tempo até ter certeza. E quando eu tive... eu decidi que precisava
fazer alguma coisa.

— Então foi você que plantou as drogas – Anahí murmurou entendendo


tudo.

— Sim – Marina abaixou o rosto – Eu sei que não era o certo, mas era a
única maneira. Eu tenho experiências nestes casos, se eu fizesse uma
denúncia dizendo a verdade a polícia não faria grandes esforços, iria lá,
olharia um pouco, mas sequer entraria no porão. Agora, uma denúncia de
drogas, de um laboratório de metanfetamina...? Eu tinha certeza que
funcionaria.

— E funcionou – Anahí concluiu – Ele foi preso, eles foram no porão... e


me encontraram. Graças a você.

— Eu estava no jardim quando a polícia retirou você desacordada – Marina


mordeu os lábios – Misturada com os outros vizinhos, fingindo
perplexidade, mas com o coração quase saltando pra fora da boca por saber
que tinha dado certo e que você estava salva.

— Por que você nunca me procurou...? – Anahí não resistiu em perguntar –


Eu não entendi quando a promotoria disse dessa questão das drogas, eu...

— Eu tinha medo de você ter desenvolvido uma Síndrome de Estocolmo


por ele – ela explicou – E acabar dizendo a verdade caso eu falasse. Mas
você veio até mim e, quando eu te olhei... quando percebi que você veio até
aqui procurando por ajuda... eu senti que poderia falar.

— Minha terapeuta me deu um folder com alguns endereços de ONGs que


tratam de violência contra a mulher e para vítimas de estupro e eu não
consegui não vir pra cá – Anahí confidenciou – Eu iria trabalhar aqui caso...
as coisas tivessem sido diferentes. Tinha acabado de receber a oferta e
voltado pra Nova York.

— Então o destino te trouxe de volta, ainda que de outra maneira – Marina


concluiu – Você não pode desperdiçar essa chance.

— Eu não vou – Anahí garantiu – Você... pode me ajudar? De novo...?

— É claro que sim – Marina sorriu satisfeita – Nós temos um grupo agora
pela manhã. Por que você não nos acompanha? Se você gostar... sinta-se à
vontade para se juntar à nós.

Parecia que aquele era o início de uma nova jornada de Anahí... um


recomeço.

xxx

Com o fim de ano se aproximando, a paciência de Lexie estava se


esgotando cada vez mais e o cansaço batia cada vez mais forte. Era trabalho
demais para uma só pessoa: último ano de residência em neurocirurgia,
preparação para as provas finais que não estavam tão distantes assim, ser
residente-chefe, ensinar aqueles quatro internos... vinte e quatro horas no
relógio parecia pouco e nunca tinha sido tão intenso assim.
Para colocar a cereja no bolo, havia uma quinta coisa que corajosamente
tentava competir – se é que era possível...

— Adivinhe...? – Jackson anunciou para a noiva ignorando a expressão de


absoluto mau humor assim que tinha começado o dia – Minha mãe marcou
uma hora para você no ateliê da Vera Wang.

— Vera quem?

— Ah Lexie – Jackson negou com a cabeça – Aquela estilista famosa e


requisitada. Se você não sabe eu não tenho como dar maiores detalhes.

— Jackson... – Lexie franziu a testa – Eu não tenho tempo hábil para ficar
experimentando mil vestidos de noiva. Provavelmente vou a alguma loja,
compro o vestido que ficar bem e fim.

— Você não pode fazer isso – Jackson murmurou ligeiramente nervoso –


Esse casamento vai ser grande. O vestido precisa combinar, precisa ser
exclusivo.

— O casamento é meu, o vestido é meu – Lexie deu de ombros.

— Mas minha mãe disse que...

— Certo, eu vou me casar com você ou com a Catherine...? – Lexie


aumentou o tom e a intensidade da voz, completamente mal humorada –
Porque será que você está tão preocupado assim com o vestido que eu vou
usar?

— Lexie, tente entender... – ele começou a falar pausadamente e ela já até


sabia o que viria dali – Eu sou um Avery.

— E eu sou uma Grey – Lexie revidou – Eu faço o que eu quero. E se você


quiser casar comigo... você Jackson, não a sua mãe... estes são os termos.

Um casamento que ainda nem tinha começado já estava daquela maneira,


dava para imaginar como seria depois que se consumasse...

xxx
Quando Anahí saiu do My sister's place naquela manhã ela se sentiu
renovada pela primeira vez em séculos. Era como se ela finalmente tivesse
encontrado um lugar no qual se sentisse confortável, que recarregasse suas
energias e a fizesse sentir que valia a pena continuar caminhando, indicando
que ela poderia chegar a algum lugar e, quem sabe um dia, conseguir
superar tudo o que ainda a machucava tanto.

Anahí estava tão animada que não sabia nem por onde começar a contar
aquilo tudo. Como Christian e Maite estariam trabalhando naquele dia, ela
decidiu ir ao café e encontrar a mãe. Karen certamente ficaria feliz de como
a vida levou sua filha de volta ao lugar que um dia tinha passado por seu
caminho antes do desvio que sofreu.

Só que Karen não estava ali. Pelo contrário, quando Anahí entrou foi o
sorriso acolhedor de sua avó que se abriu do outro lado do balcão. Ela
franziu a testa, já que sabia que era raro a mãe se ausentar do café logo de
manhã, mas caminhou para entender a situação. Pela expressão, Ellie
parecia saber exatamente o que a neta pensava.

— Sua mãe foi encontrar o seu pai – ela explicou mesmo prevendo a careta
que Anahí faria ao ouvir Keith sendo referido daquela forma – Então eu
estou cuidando de tudo por aqui. Você avisou que viria? Acho que se ela
soubesse...

— Não, não avisei – Anahí fez uma careta – Quis fazer uma surpresa,
porque aconteceu algo... enfim. Quando ela estiver eu conto de uma vez.

— Preciso me preocupar...? – Ellie ficou alarmada.

— Não, é algo bom – dessa vez Anahí sorriu – Por mais inacreditável que
possa parecer...

— Pois a mim não parece inacreditável – Ellie ressaltou – Está na hora de


as coisas boas começarem a acontecer na sua vida, meu amor. Você não
deve pensar que elas simplesmente não existem... o universo não te
abandonou.
É claro que Anahí tinha há muito tempo deixado de ser positiva e esotérica
como a avó, quem tinha vivido o que ela viveu simplesmente não conseguia
ignorar tudo e ficar bem, mas depois daquela ida ao My sister's place algo
tinha acontecido, alguma coisa mudou dentro dela. Não sabia dizer se era
encontrar Marina e entender as coisas, perceber que de certa forma alguém
se arriscou por ela mesmo sem saber se ela estava lá... sentar de ouvinte
naquela roda e ouvir os relatos daquelas mulheres... ou talvez o plano geral,
de estar de volta ao lugar onde sempre quis estar, onde projetou estar... era
como se a vida estivesse, aos poucos, lhe dando de volta o que Tobias lhe
tinha roubado. E isso lhe fazia bem.

— Você não quer sentar e comer alguma coisa? – Ellie sugeriu – Posso
fazer aquele suco de laranja que você gosta.

— Ah, tudo bem – Anahí disse.

E ao se virar, uma nova surpresa.

Numa mesa no canto, observando-a silencioso, estava Milo. O homem do


bar no restaurante, o homem que a procurou naquele mesmo café no dia
seguinte. E pelo visto, o homem que estava disposto, mesmo sem saber, a
ressignificar aquele café para ela.

Afinal, o Karen's Cafe para Anahí era mais do que o pequeno negócio de
sua mãe, mas sim o lugar onde ela tinha conhecido Tobias. Anahí ainda não
se lembrava de como foi raptada por seu algoz, de como se deu a linha do
sequestro e se tinha começado naquelas paredes ou não, mas ela tinha
certeza que foi ali que começou a ideia, o planejamento, a obsessão daquele
homem por ela. Dessa forma, um novo homem se interessar por ela entre
aquelas quatro paredes, a princípio, parecia uma ideia muito mais
assustadora do que sedutora... sem a menor dúvida.

Só que de alguma maneira o universo parecia ter jogado os dados de forma


decisiva naquela manhã. Calhou de Milo aparecer num dia no qual Anahí
estava bem consigo mesma, com forças para recomeçar. Em qualquer outro
dia o bichinho assustado daria as caras e ela ficaria acuada. Naquele dia, ela
estava inspirada com a perspectiva de tudo dar certo. Por isso ela aceitou a
oferta da avó, mas sem se sentar em qualquer mesa vazia, mas sim indo até
a mesa dele.

— Oi stalker – ela disse com ar de riso ao encara-lo – Pensei que você tinha
dito que não ficaria aparecendo.

— E eu não fico – Milo observou com o mesmo ar de riso – Eu juro que


não fico, pode perguntar à sua mãe. Só que eu estava pelas redondezas e
realmente precisando de um café. Foi uma coincidência.

— Sei... – Anahí riu – Posso me sentar?

— Fique à vontade – ele disse apontando para a cadeira em frente à sua –


Então, a que devo a honra da sua companhia?

— Ao meu bom humor – Anahí respondeu se ajeitando – O universo


resolveu ser legal e me dar um dia tranquilo. Coisas boas aconteceram...

— Espero que eu possa ser incluído nessas coisas boas – ele palpitou
levemente interessado.

— Aí só depende de você... – Anahí alfinetou de volta. Viu o interesse


transbordar no rosto de Milo.

— Eu pensei que você não estivesse interessada – Milo ressaltou – Foi o


que você deixou claro da última vez. Eu não iria insistir porque você cortou
todas as minhas esperanças. E bem... eu não quero me iludir. Não quero
investir em algo que não dê em nada.

Realmente, no último encontro dos dois, naquele mesmo Karen's Cafe,


Anahí tinha deixado suficientemente claro que não queria nada com Milo,
que ele não deveria criar grandes pretensões, pois nada entre eles passaria
de amizade – isso se chegasse a tanto. Era um momento no qual ela estava
sem dúvidas completamente sensível, tendo acabado de perceber que um
toque masculino mais brusco ainda era capaz de assusta-la. Ali, passadas
algumas semanas, o momento era outro.
Milo tinha chegado ao café no mesmo dia que Anahí chegou de outro lugar
que lhe encheu de esperanças de dias melhores. Não parecia ser
coincidência: e se aquela fosse uma indicação da vida de que era com ele
que ela deveria tentar seguir em frente? Parecia coerente. Se Milo tivesse
aparecido em qualquer outro dia Anahí rechaçaria sua presença, mas ele
veio naquele em que ela estava bem consigo mesma. E se Anahí olhasse
bem, ele era um homem bonito, atraente, que desde a conversa anterior
conhecia a sua história e parecia disposto a respeita-la.

Dessa forma, a única pergunta que pairava pela cabeça dela era: por que
não?

— Eu sou complexa – Anahí confidenciou – Eu tenho cicatrizes que ainda


me machucam muito. Acordei no meio da outra noite com uma faca na mão
porque ouvi um barulho estranho e assustei os meus dois melhores amigos.
Eu tenho pesadelos e estou nesse momento com uma receita de remédios
para dormir dentro da bolsa. As coisas não são exatamente fáceis comigo,
fáceis pra mim. Eu to me reacostumando a beber, só ando de táxi e quando
to na rua, só consigo ficar nas que estão cheias porque se não olho pra trás o
tempo todo. Eu não sei se vou reagir bem caso você me abrace muito forte,
caso você tente tirar a minha roupa, porque na minha cabeça são outras
mãos que não a sua. Só que eu também estou cansada de ter medo. Eu não
sei quantas vezes esse cansaço vai vencer esse medo. Eu não sei quanto
tempo eu vou levar até chegar num terceiro ponto, porque voltar a ser eu
mesma não existe, eu mesma já deixei de existir há oito anos. Então eu não
tenho nada a prometer... mas se você quiser tentar...

— Eu não estou atrás de promessas Anahí – Milo disse tocando na mão


dela e acariciando – Se você também quiser tentar...

— Ninguém aposta sabendo que vai ganhar – Anahí observou, respondendo


o que ele disse logo antes sobre investir e valer a pena.

— Você quer sair daqui e dar uma volta? Está um dia bonito. Eu acho que
vale a pena.

Milo estava deixando clara a sua resposta: ele estava apostando.


— Sim – Anahí confirmou – Eu quero.

E Anahí aceitava a aposta.

xxx

Naquela noite Christian tinha decidido fazer um programa entre amigos que
animasse Anahí. Depois do episódio da faca ele tinha ficado
consideravelmente preocupado que o apartamento não fosse – ou não se
tornasse – um ambiente no qual Anahí se sentisse confortável e segura. A
alternativa que ele encontrou foi chamar os amigos para uma noite entre
eles, somente eles, para deixar Anahí mais relaxada. O "somente eles" se
dava porque só os amigos em si seriam convidados, para fazer Anahí sentir
a nostalgia dos velhos tempos, como se nem tudo tivesse mudado. Sem
filhos, sem esposas e namorados, somente eles.

A coisa toda prometia porque era o primeiro encontro de todos desde o


fatídico almoço na casa de Poncho que terminou com Sophia berrando os
sentimentos de Mane para Maite – e todo o resto do grupo – ouvir. Por mais
que para Maite e Mane tudo tivesse se resolvido e os dois estivessem juntos
– e que isso se desse pelo fato de Sophia ter exposto o amigo – a relação das
duas ainda estava meio estremecida. Isso sem falar que Christian não sabia
que Lindsey e Jesse tinham terminado, que ele estava com Sophia, então se
imaginava mais situações constrangedoras do que o esperado. Mas a
compreensão e colaboração mútua era o pré-requisito da noite, já que o
objetivo geral era algo que todos queriam alcançar: ver Anahí bem.

Poncho não levaria Diana – que estava ocupada com os preparativos do


aniversário de Daniel. Da mesma forma, Lexie também não levaria Jackson,
algo que a morena quase agradecia aos céus por estar sendo dessa forma e
ter uma desculpa para passar uma noite bebendo com os amigos e sem o
noivo. Com Pia e Lindsey fora da jogada, seriam os sete ali. O que
Christian não esperava era que Anahí não somente fosse estar muito melhor
em relação à como estava antes, mas também tivesse novidades sobre
alguém que, em breve, poderia se juntar a encontros como aquele...

— E quando é que eu vou conhecer o seu boy? – Christian perguntou em


cólicas – Ah não Anahí, eu preciso dar a minha aprovação...!
— Ele não é "meu boy" – Anahí revirou os olhos – Nós estamos apenas nos
conhecendo.

— Pra mim é seu boy, porque aí eu já vou trabalhando na minha mente que
não posso ficar de pau duro quando ele aparecer – Christian ressaltou.

— Por que você sempre derruba o nível da conversa...? – Maite perguntou


escarlate, se virando para a amiga – Me explica essa história direito. Você
tinha falado desse cara da vez que saiu com a Sophia e a Lexie, mas disse
que deixou claro que não queria nada com ele. O que foi que eu perdi...?

— Eu o encontrei hoje e estava feliz depois de ter ido à ONG, depois de


ouvir tudo o que ouvi lá – Anahí deu de ombros – Fui ao café encontrar a
minha mãe e ele estava lá. E depois eu pensei... "ah, por que não...?"

— Eu sigo confusa – Maite riu de nervoso – Você não estava no outro dia
dizendo que ainda amava o Poncho e tudo mais? O que mudou?

— O que não mudou é o fato de que o Poncho está casado – Anahí suspirou
– Eu não posso parar a minha vida por ele. Quer dizer, eu nunca mais vou
transar?

— Anahí você ta pensando em transar? – Maite arregalou os olhos.

— Me admira você não estar pensando agora que ta com o Mane –


Christian alfinetou fazendo a morena revirar os olhos.

— Christian me entenda, na hora que bater a vontade a gente vai deixar


fluir – Maite repetiu o que já tinha dito milhares de vezes.

— Meu amor, em mim já deu vontade de transar com ele, como é que em
você ainda não bateu...?

— Ok – Anahí interrompeu o assunto antes que os dois se matassem – É o


suficiente.

A conversa não durou muito mais porque a campainha tocou. Maite


mandou Christian colocar as bebidas na geladeira, ele resmungou dizendo
que ela quem deveria fazê-lo se quisesse e acabou que Anahí foi abrir a
porta. Do outro lado, a surpresa... Poncho. Não que ela não soubesse que
ele viria, só não esperava ser ela a recebê-lo. Mas ele estava com Mane,
então Anahí acabou controlando a própria reação. Afinal, depois de ter
decidido avançar para uma tentativa com Milo, Anahí não esperava ainda
estar bagunçada ao rever o ex.

— Nos encontramos no elevador – Mane disse abraçando a amiga mas não


demorando na entrada do apartamento. Estava óbvio, ele procurando outra
coisa, outra pessoa, e não queria perder tempo. Já Poncho...

— Oi – ele sorriu para Anahí com o olhar carinhoso de sempre.

— Oi – e ela sorriu de volta – Sozinho...?

— Christian pediu que eu viesse sem a Diana – ele deu de ombros – Como
nos velhos tempos.

— Ah sim – ela murmurou assentindo. Se já era suficientemente difícil não


deseja-lo com sua simples presença, imagine quando ele vinha sem a
esposa? Impossível.

Só que Anahí não precisou pensar muito, não precisou imaginar o que faria
naquela situação e que tipo de assunto puxaria com Poncho. Não quando
uma cena dentro do apartamento chamou muito mais a atenção dele...

— Ah, você já chegou meu Cielo? – Maite disse sorrindo indo na direção
de Mane.

— Cielo...? – ele arqueou as sobrancelhas.

— Se eu sou a sua lua, você é o meu céu – ela respondeu sendo envolvida
pelos braços dele e o beijando.

Anahí procurou a reação de Poncho quando se lembrou que ele não sabia
que Maite e Mane estavam juntos. E viu o que esperava ver: o ex-namorado
estava com os olhos arregalados de quem definitivamente não esperava por
aquilo.
— Que parte do filme eu perdi...? – ele murmurou para si mesmo sem saber
se ria ou se ficava boquiaberto.

— Uma boa parte – Anahí disse negando com a cabeça – Eu não reagi
muito diferente quando eles se beijaram na minha frente.

— Parece que os dois não resolveram avisar com antecedência para


ninguém – Poncho franziu a testa – Eu nunca iria esperar. O quanto isso tem
a ver com os berros da Sophia naquele dia na minha casa?

— Digamos que tudo – Anahí riu – Anda, entra. Mane te conta tudo aqui
dentro.

Mane não contou nada, ele não desgrudou de Maite desde que chegou e
Poncho apenas observou os dois de rabo de olho, silencioso enquanto
sentava no sofá e abria uma cerveja com Christian. Via o amigo sorrindo
mais feliz do que em qualquer outro momento de sua vida, a alegria
estampada em cada centímetro de seu rosto, e sabia que aquilo se dava pelo
fato de que ele finalmente estar ao lado da mulher que amava. Os toques de
Mane e Maite eram sutis, eram dedos que se tocavam, mãos dadas, por
vezes as mãos de um na cintura do outro, mas eles respeitavam o espaço um
do outro e de repente Poncho viu que não mais olhava a proximidade de
Mane com ela... mas sim de Maite com Anahí.

Isto é, porque depois de um tempo Mane se sentou ao lado dos dois amigos
e, enquanto Christian e ele riam sem parar de algo que Poncho não fazia a
menor ideia, ele fitava a ex-namorada conversando com a melhor amiga na
cozinha. Poncho tinha os olhos fixos em Anahí, no modo como ela parecia
bonita e espontânea ao rir, tinha certeza mesmo sem saber ao certo do que
elas falavam que Anahí provavelmente brincava com Maite por seu novo
relacionamento, a julgar pelas caretas que a morena fazia.

Era como reviver um filme... um deja vu, quem sabe. Poncho se lembrava
de ter visto a cena ao contrário, de como tinha sido quando ele e Anahí
começaram a sair juntos, como um casal, mais do que amigos. Todas as
reações que ela agora tinha com Maite tinham sido as que a amiga teve com
ela quinze anos antes. Afinal, Poncho se interessou por Anahí antes de ela
sentir algo por ele, enfrentou uma certa resistência dela por puro medo de
estragar tudo, e quando os dois finalmente ficaram juntos as pessoas
provavelmente olharam para os dois provavelmente como ele olhava para
Mane e Maite naquele momento. Como se duas peças que pareciam tão
diferentes finalmente tinham decidido encontrar um jeito de se encaixar.

A observação de Poncho foi notada por Christian, mas é claro que não era
ali que ele diria. Pelo contrário, Christian aproveitou que o grupo mudou
com a chegada de Lexie primeiro e, por fim, de Sophia e Jesse, os últimos
dado o fato de que tiveram que fechar a confeitaria e depois deixar
Samantha no apartamento dos pais de Torrey. Com a chegada dos três que
faltavam, o grupo finalmente estava completo. Eles finalmente eram oito de
novo, pela primeira vez em oito anos.

Bastava saber o que mais naquela noite voltaria para o seu velho lugar.

Helloooooo pessoal! Tudo bem?

Tenho visto uma expectativa nos comentários sobre AyA (surpreende um


total de 0 pessoas hahahahahah). Em resposta a isso digo pra vcs ficarem
tranquilas porque AyA começa a ser desenvolvido (sinal de diferente de
acontecer! Vejam bem!!!) já na semana que vem.

"Mas Rafa, como que AyA vai rolar se a Anahí ta cada vez mais envolvida
com o Milo?" NESSA PARTE VCS CONFIEM EM MIM rs. Eu sei o que
to fazendo, e onde to escrevendo as coisas já começaram a acontecer
hahahahahaha estamos quase lá e sei que vcs vão amar (ou espero!).

Sobre o cap de hoje: Marina é uma personagem importante na web.


Veremos isso mais pra frente!

Além disso, abrimos caminho pro encontro dos amiguinhos. Adianto que o
cap 35 é o meu favorito da web

Então até lá!

Beijos,
Rafa
Capítulo 35 - I'm jealous of the way you're happy without me

Já havia se passado muito tempo desde a última vez que aqueles oito
amigos não estavam juntos e, como na última vez, a bebida era um fator
muito importante. Praticamente todos eles compareceram com ao menos
uma garrafa, e em cima da mesa tinha copos e tipos de bebida totalmente
diversos para agradar a todos, de modo que era completamente impossível
que não terminassem todos embriagados no mínimo.

E assunto constrangedor é sempre o primeiro tópico em momentos como


aquele.

— Eu pisco e você e Maite estão juntos – Jesse murmurou cruzando os


braços e encarando Mane, que servia um whisky para os homens que
estavam sozinhos na sala, exceto para o próprio Jesse que dirigia naquela
noite.

— Eu pisquei e ela apareceu no jogo e nós estávamos saindo juntos ao final


– Mane explicou dando de ombros rindo – Ainda não caiu a ficha, sequer
contei pra minha família.

— Quando sua mãe souber... – Christian tampou o rosto com ar de riso –


Jade decreta feriado nacional!

— É que demorou tanto pra acontecer, nós não tínhamos mais esperanças
de que vocês finalmente fossem desencantar – Jesse retrucou.

— Então também podemos ter que você e a Sophia um dia se resolvem? –


Poncho claramente provocava seu melhor amigo.

— Não precisa ter esperanças – Jesse riu abafado – Sophia e eu estamos


juntos. Quer dizer... mais ou menos juntos.

— É O QUÊ? – Christian quase gritou.

— Mais ou menos juntos? – Mane franziu a testa.


— É que nós nos resolvemos ao mesmo tempo que percebemos que a Sam
ainda estava muito sensível com a morte da mãe, resolvemos dar tempo ao
tempo – Jesse explicou – A levamos num psiquiatra infantil, conversamos
com ele, e ele disse que realmente fizemos bem de ir devagar, que ela vai
assimilar a situação aos poucos e que não ta pronta pra outra perda.

— Pois eu acho bom que ela não perca mais nada Jesse, porque eu to
cansado desse pingue-pongue entre a Sophia e você – Christian resmungou
– Quem nasceu pra ser endgame não fica indo e voltando desse jeito, vocês
têm que casar e ficar juntos pra sempre!

— Tempo ao tempo Christian – Jesse lembrou – Tudo na sua hora certa.

Lexie passava pela sala naquele momento com uma garrafa e algumas taças
em mãos direto para o novo quarto de Anahí onde Maite ajeitava o sutiã de
renda que a amiga tinha comprado, sendo ambas observadas por uma
Sophia que estava sentada na cama. Lexie já tinha começado a beber dentro
da cozinha e as três ali também não estavam exatamente sóbrias, mas é
claro, a mais fraca para bebidas naquele momento era Anahí. E elas sabiam
o que estar um pouco alta significava... coisas demais acabavam sendo
faladas.

— Passei pela sala e ouvi um certo passarinho comentando que uma moça
nesse quarto voltou com um ex-namorado – Lexie disse quase cantarolando
– E infelizmente não estamos falando da Anahí.

— Infelizmente...? – Anahí arregalou os olhos.

— Felizmente não está falando de mim – Maite riu observando Sophia com
rabo de olho.

— Ah – Sophia riu – Nós estamos indo com calma.

— E você não conta nada, sua maldita...? – Anahí disse tacando uma
almofada em cima de Sophia, que riu.

— É que nós realmente estamos indo com calma – Sophia explicou se


servindo da taça de vinho que Lexie trouxera – Nos acostumamos tanto a
manter a discrição por conta da Sam que ninguém sabe ainda. E tem horas
que eu esqueço que pra vocês eu posso falar.

— Nem o Poncho sabia...? – Anahí arregalou os olhos.

— Não por mim, não sei se o Jesse disse pra ele ou se ele acabou se
denunciando – Sophia deu de ombros.

— Então agora já podemos ter oficialmente esperanças de que vocês


desencantam de vez? – Anahí bateu palminhas. Maite fez uma careta, a
amiga já estava claramente alta pela bebida – Já posso planejar o
casamento?

— Ai não – Lexie revirou os olhos – Essas palavras estão oficialmente


proibidas hoje. Tirei folga delas, me respeitem!

— Planejar casamento? – Maite arqueou a sobrancelha – Ta traumatizada


Lexie?

— Se você tivesse uma sogra como Catherine Avery também estaria –


Lexie revirou os olhos ao limite.

— O problema é a mãe ou o filho? – Anahí disparou vendo Lexie


imediatamente ficar na defensiva.

— É claro que é a mãe – ela respondeu, mas sem convencer a amiga.

— Eu estou bêbada, então direi tudo o que eu penso – ela continuou, vendo
a cirurgiã arregalar os olhos com a sinceridade que sabia que estava por vir
– Você não queria casar com ele e agora é mais fácil culpar a sogra como se
fosse ela que tivesse aceitado o pedido e não você. A boa notícia, Lexie, é
que ainda dá tempo de voltar atrás.

— Mas eu queria me casar com ele – Lexie murmurou quase como tentasse
convencer a si mesma. Talvez essa seria a única que acreditaria, ela própria,
já que as três amigas estreitavam os olhos claramente duvidando.

— Você aceitou porque estava bêbada e porque ele fez um pedido ridículo
em público pra te constranger a aceitar – Anahí voltou a disparar – Coisa de
macho inseguro, eu diria. E porra, nós sabemos que você não é apaixonada
por ele. Eu não sei exatamente por que você está prosseguindo com isso
sendo que está nítido que o seu coração pertence à outra pessoa...

— Mark está com outra mulher Anahí – Lexie devolveu. Ela dava nome e
sobrenome à situação.

— Não passa pela sua cabeça que ele simplesmente não vá ficar te
esperando para sempre? – Maite palpitou – Ele pode ter seguido em frente
porque você está noiva.

— E cabe a você olhar pra cara dele e falar "olhe homem, é você que eu
amo, não ele, por isso eu não posso me casar" – Anahí continuou e, ao ver a
morena abrir a boca para retrucar, já prosseguiu – E sim, eu sei que isso
pode não dar certo e acabar com ele não te querendo mais, mas mesmo
assim Lexie, ao menos você evitaria estar em um relacionamento onde não
tem amor. Porque se já é difícil manter um amando, imagina quando não é o
caso.

— Anahí, você sabe que as coisas não são preto-no-branco assim – Lexie
murmurou, quase implorando por algum tipo de compreensão por parte da
amiga – Você sabe disso.

— Ah, não venha comparar – Anahí fez uma careta – Poncho e eu não
temos nada a ver com isso.

Na sala, onde esse mesmo Poncho estava sentado no sofá assistindo uma
partida da NFL com Mane, Jesse e Christian, mesmo com a TV ligada era
possível ouvir tudo o que elas diziam. É claro, as quatro tinham bebido,
Anahí principalmente, e com algum teor de álcool no sangue, se já era
difícil conter o que era dito, imagine o seu volume... dessa forma, Poncho
notou quando seu nome foi dito. Não apenas ele, os quatro ouviram. Jesse e
Mane chegaram a se entreolhar e Christian cogitou entrar lá e dizer que elas
deveriam falar mais baixo, mas a única maneira de conter Anahí naquele
momento era impedi-la de falar. Pelo visto ela continuava sendo a mesma
quando estava embriagada.
— Eu fui sequestrada, ele achou que eu estava morta, ele casou e eu voltei
– Poncho a ouviu dizer a plenos pulmões. Mas aquela não era a pior parte –
E agora eu não vou aposentar a minha boceta porque ele claramente não
deixou de usar o pau dele.

Poncho sentiu o corpo afundar no sofá ao ouvir aquilo, enquanto sua mente
trabalhava nas mais diversas possibilidades do que aquilo poderia significar.
Anahí falava demais quando bebia, tanto em palavras quanto em
revelações, ela nunca poupava. Mas ele não entendia ao certo o que ela
estava querendo dizer, a que ela se referia. Anahí deixava claro que
pretendia seguir com a própria vida como ele tinha feito, mas dizendo
abstratamente ou falava de forma concreta?

— Então, onde vamos assistir ao Superbowl no ano que vem? – Mane disse
abrindo uma cerveja e bebericando.

— Abriu um bar novo perto do meu apartamento que todos estavam falando
muito bem... – Jesse murmurou – Você já foi Poncho?

Os amigos puxavam assuntos aleatórios tentando distrair Poncho a todo


custo e fazê-lo abstrair a conversa que acontecia dentro do quarto e que eles
ainda eram plenamente capazes de ouvir. Mas pelo visto precisavam ser
melhores, já que o próprio ainda estava mais concentrado no que era dito no
outro cômodo em detrimento do que eles falavam.

— Não – ele respondeu, voltando a prestar atenção no que as mulheres


diziam... ou melhor, no que Anahí dizia.

E lá dentro, ela estava longe de parar – e de diminuir seu tom.

— Ninguém ta mandando você aposentar a boceta Anahí – Lexie devolveu


para a amiga – Mas sabemos que a sua situação é complexa.

— Tão complexa que você não levou isso em conta quando fez essa
comparação esdrúxula entre Poncho e eu e você e Jackson – Anahí
comentou – Até porque eu tenho a impressão que você não transa, e isso há
oito anos atrás não era problema pra mim.
— Anahí... – Maite começou a falar num tom de censura, sendo
prontamente ignorada.

— Eu transava muito com o Poncho – Anahí lembrou – Transava mesmo.


Um bom sexo. Com orgasmos. Deus, como eu sinto falta dos orgasmos...!
Eu não posso passar a vida inteira sem. E se ele ta com outra pessoa, eu...
eu tenho que arrumar alguém que me dê orgasmos novos.

— Mas você já arrumou – Sophia cantarolou – Milo, não é?

— Você e Milo estão juntos? – Lexie arregalou os olhos – O cara do bar?

— Ah, nós estamos... como eu vou dizer? – Anahí franziu a testa –


Tentando. Ainda não nos beijamos nem nada, eu sei que se eu tremi toda
beijando o Poncho não vai ser com qualquer cara que vai fluir, né? Mas eu
nunca mais vou gozar se não tentar e Deus, eu preciso gozar. Eu preciso de
um homem me tocando e me fazendo acreditar que eu não estou perdida pra
isso. É coisa demais pra mim, não quero ter perdido tudo.

— Ele faz bem o seu tipo mesmo – Sophia murmurou – Sabe? Branco
caucasiano, barba, cabelo escuro, aquela cara de que tem uma pegada...

— Ah, pegada ele deve ter! – Lexie disparou – Ela entrou em pânico
quando ele a pegou de jeito...! Anahí, quando o trauma passar, meu amor...
você vai derreter nos braços daquele homem.

— Você reparou no tamanho da mão dele Lex? – Sophia perguntou logo


após virar a taça na garganta – Tipo assim, pra sabermos se o pau é grande.

— Ah é, pra ser do tipo da Anahí o pau tem que ser enorme – Lexie
gargalhou.

— Não importa o tamanho, importa que eu consiga gozar – Anahí


observou, mas Sophia negava com a cabeça.

— Claro que o tamanho importa...!

— Puta merda, será que dá pra vocês falarem baixo? – Maite mordeu os
lábios dividida entre a vontade imensa de rir e a censura que não poderia
não ser feita – Eles devem estar ouvindo tudo o que nós estamos falando!

E estavam.

Jesse e Mane continuavam na tentativa completamente inútil de puxar


Poncho para todos os assuntos possíveis, completamente em vão. Poncho
estava engessado no sofá, atento a cada palavra gritada, queimando por
dentro com as comparações que ouvia entre ele e o tal Milo. A última
dúvida tinha sido tirada. Ele só queria saber se a intenção de Anahí voltar a
se relacionar com alguém era algo concreto ou não e agora ele sabia, havia
um homem na jogada. Um homem que, pelo visto, estava ganhando espaço
com ela.

E por mais que Poncho soubesse que não deveria, que não tinha o mínimo
direito de fazê-lo, ele não conseguia não se sentir incendiado de ciúme pelas
palavras dela. Porque ele sabia que ali poderiam ser só palavras, mas que
elas representavam a concretude que ela queria colocar na própria vida.
Poncho sentia uma certa preocupação por Anahí estar disposta a se entregar
a outro homem, ele temia que ela acabasse se machucando e ficasse ainda
mais traumatizada com alguém que não conhecia suas cicatrizes e poderia
não respeita-las. Mas tinha que admitir, ao menos para si mesmo, que aquilo
não representava tudo o que ele sentia.

Tinha ciúme. Que não era seu direito, já que ela se mantinha afastada por
respeito ao seu casamento. Mas mesmo assim, tinha.

— Maite, deixa de ser chata – Sophia disparou, algo que normalmente não
faria... mas normalmente ela não estava bêbada – Dê um conselho amoroso
pra sua melhor amiga. Um conselho de sexo.

— Ah – Maite franziu a testa – Eu não sei. Acho que vai ser difícil no
início... mas... tem uma solução.

— Uma solução...? – Anahí fez uma careta.

— Fala pra ele botar só a cabecinha – Maite disse e Sophia e Lexie


explodiram em gargalhadas – No início.
— Desse jeito Anahí não goza nunca mais – Sophia disse enxugando as
lágrimas de riso.

— Falem baixo! – Maite vociferou estreitando os olhos para as três.

— Ok, eu vou falar – Anahí murmurou, aumentando o tom depois das duas
primeiras palavras – Ninguém goza só com a cabecinha, porra!

Naquele momento Poncho levantou do sofá, estava claro que ele não
aguentava mais ouvir aquilo. Mane e Jesse tinham claramente fracassado na
missão de tentar distrai-lo e, se a princípio ele queria ouvir tudo até o final,
agora parecia querer furar os tímpanos para não ser mais capaz de escutar
nada. E como já tinha dado para perceber que era impossível fazer as quatro
se conterem, ele decidiu ir para o mais longe possível dali.

Christian até então estava se contendo, na verdade se consumindo para não


se juntar às amigas no papo divertidíssimo que acontecia no quarto de
Anahí. Mas ele sabia que Poncho precisava ouvir certas coisas naquele
momento, coisas que Jesse e Mane jamais diriam. Por isso ele lançou um
olhar sancionador para os dois e foi atrás do amigo, que àquela altura já
estava jogando o whisky no copo e, em seguida, goela abaixo. Não era
preciso ser um gênio para saber que ele se embebedaria para esquecer tudo
o que tinha ouvido da boca daquela mulher que, mais do que nunca, mexeu
com todos os seus sentidos mais uma vez, mesmo que num sentido
totalmente negativo.

— Você fez a sua escolha e ela respeitou – Christian disse entrando na


cozinha – Não foi fácil pra ela, desde o início. Ela acordou naquele hospital
e te viu, achou que você tava ali pra ela, e foi duro descobrir que não
estava. E ela vem descobrindo várias coisas desde então e não pode dividir
com você, porque precisa te respeitar... respeitar o seu espaço, o seu
casamento, a sua esposa que foi legal com ela. Agora faça o mesmo e
respeite-a. Ela tem o direito de seguir em frente como você teve.

— Eu sei que ela tem – Poncho murmurou. O sofrimento estava estampado


em seu rosto – Racionalmente eu sei.
— Você pode voltar atrás a hora que quiser – Christian aconselhou – Se o
seu casamento te faz te sentir preso, se liberte. Faz bem pra Diana e pra
você. Se você ama outra pessoa ainda... se é essa pessoa que te transborda...
você ta no lugar errado. Anahí não vai te esperar pra sempre Poncho, eu
acho que deu pra você reparar.

E realmente tinha dado.

Depois daquela conversa bem que Poncho tentou levar as coisas de uma
maneira tranquila, mas bastava que ele olhasse Anahí e a voz dela ecoasse
em sua cabeça. As quatro saíram do quarto logo em seguida e Maite se
sentou ao lado de Mane, Sophia ao lado de Jesse e aquilo só evidenciou
ainda mais o que parecia estar errado para ele: Anahí estava numa poltrona
e ele em outra, ele não conseguia parar de olha-la e imaginar que dentro de
alguns meses, talvez até semanas, ela poderia estar acompanhada de outro
homem que faria com ela tudo o que ele antes fazia. E nunca mais faria,
provavelmente.

Anahí não fazia ideia dos ciúmes todos que Poncho nutria naquele
momento. Ela estava se divertindo ao lado dos amigos, pela primeira vez
em anos. E o clima ali estava realmente bom e acolhedor, sem Sophia e
Maite se alfinetando o tempo todo, sem a morena estar em pé de guerra com
metade do grupo. Pelo contrário, Maite parecia ter aprendido a lição e
estava na sua, ao lado de Mane, com o braço livre dele envolvendo-a e os
corpos mais grudados do que os de dois amigos. Sophia e Jesse, agora
livres, também estavam colados. Apenas um ex-casal parecia mais duas
peças fora do lugar. Uma distância emocional que era impossível de ser
ignorada.

— Vamos Soph? – Jesse disse chamando-a – A Sam já deve estar em


cólicas porque nós não chegamos.

— Mas já? – Anahí fez um bico – Ainda ta cedo...!

— Nós prometemos a ela que não demoraríamos – Sophia respondeu se


sentindo meio culpada – Desculpe Any, mas...
— Tudo bem, eu entendo – Anahí sorriu negando com a cabeça – Ela tem
que vir em primeiro lugar, eu faria o mesmo no lugar de vocês.

— Nós podemos marcar de novo – Jesse propôs.

— Sim, com o Milo...! – Sophia murmurou aos risos.

Algo dentro de Poncho morreu naquele momento. Era provavelmente o


mesmo que Anahí sentia quando se dava conta que ele saía com Diana,
Sophia e Jesse como casais. Agora ela poderia fazer o mesmo com o tal
Milo. Era destruidor.

— Sophia, vai embora vai – Anahí disse empurrando a amiga e


acompanhando-os até a porta.

Próximo à saída do apartamento, afastados do grupo, Maite e Mane


tentavam falar em sussurros...

— Eu pensei em te chamar pra ir comigo pro meu apartamento, pra termos


privacidade – Mane meio que propôs pisando em ovos. Ele sabia
exatamente quais eram os motivos que deixavam Maite receosa a ponto de
oscilar quanto àquele convite.

—Mas depois daquele dia com a Any, eu... fico com medo de deixa-la aqui
sozinha. Você entende, não é?

— Claro que sim.

Só que Anahí ouviu.

— Ah não – ela já chegou interrompendo e fazendo um sinal de não com o


dedo. A bebida a afetava mais do que poderia imaginar – Eu não posso
transar, mas você pode Maite!

— Anahí – Maite arregalou os olhos já que agora todos tinham ouvido


exatamente o que Mane e Maite fariam.

— Ah Maite todo mundo sabe que você não é virgem – Anahí devolveu –
Mane some com ela daqui e dá uns bons orgasmos pra minha amiga, ela ta
precisando.

— Acabei de me dar conta que Anahí bêbada sou eu sóbrio – Christian


disse tampando o rosto.

— Anda, vão logo – Anahí disse quase empurrando os dois pra fora – Mane
se você não a fizer goz...

— Anahí vai pra lá vai – Maite disse empurrando a amiga de volta, mas
voltando em seguida e dando-lhe um abraço – Eu amo você! Estava com
saudade de você bêbada.

— Bom saber disso – Anahí a abraçou de volta – Transa bastante ta?

Maite voltou apenas para pegar a própria bolsa, saindo com Mane logo em
seguida. Christian sussurrou para ela que não se preocupasse, que ele estaria
ali para caso Anahí precisasse. Uma vez os dois saindo, o grupo foi
reduzido à metade. Restaram Christian, Lexie e é claro, Anahí e Poncho.

No momento em que Anahí foi no banheiro e Poncho foi na cozinha,


Christian – nitidamente o mais sóbrio dos oito – se viu sozinho com Lexie.
Como ele tinha ouvido todo o diálogo que as amigas tiveram dentro do
quarto, afinal todos tinham ouvido, se duvidar até os vizinhos, ele
aproveitou que estavam somente os dois ali para dizer as coisas que Lexie
precisava ouvir. Mesmo que ela estivesse nitidamente sob o efeito da
bebida, Christian sabia que Lexie tinha que ouvir o que ele falaria, já que a
conhecia o suficiente para ter certeza que as palavras ecoariam em sua
cabeça até que ela as decorasse. E certamente teriam algum efeito, qualquer
que fosse.

— Eu sou o amigo conselheiro – Christian disse ao se levantar e sentar


exatamente no lugar do sofá ao lado da cirurgiã – Sou aquele que vocês
procuram quando precisam saber alguma coisa. E isso faz com que, mesmo
quando vocês não procuram, eu acabe querendo me meter, porque percebo
há quilômetros de distância quando vocês estão prestes a fazer uma grande
bobagem e não consigo ficar quieto.

— Fale de uma vez Christian – Lexie murmurou impaciente.


— Ok – ele suspirou antes de disparar – Lexie... não se case com o Jackson.

É claro que Lexie não esperava um conselho tão direto, cru e objetivo como
aquele. Então sua reação foi ficar estática, apenas esperando Christian
terminar, sem acreditar que estava mesmo ouvindo aquilo.

— Eu vou dizer que você não o ama, você vai dizer que amor não importa,
mas a verdade é que importa – Christian prosseguiu – Porque você ama
alguém. E não é ele. Você poderia descobrir lá na frente a burrada que ta
fazendo e acabar não tendo como voltar atrás e estragando tudo, mas já ta
dando pra perceber isso agora. Você já está infeliz. Você já tem o suficiente
pra perceber que isso não vai dar certo.

— Por que você acha isso?

— Eu tenho certeza que passou pela sua cabeça em desistir do Jackson pela
mãe dele, porque ela é insuportável e tudo o que você já sabe. Mas se fosse
o Mark... você desistiria?

A resposta estava tão na ponta da língua que Lexie teve que morder os
lábios para não falar.

— Eu acho que você já sabe – Christian respondeu confirmando suas


suspeitas – É claro que se você não cancelar e se casar, lá na frente, se você
se der conta que realmente tudo isso era um erro há o divórcio. Nada é
irremediável. Na verdade, quase nada. Mark pode não estar disponível pra
sempre. Mark pode encontrar a Diana dele, uma pessoa que não o
transborde, mas que, mesmo assim, o faça feliz a ponto de ele viver uma
vida boa e tranquila sem você... e será que ele vai querer abrir mão de tudo
depois de ir tão longe?

— Christian, o Mark está com outra mulher – e os olhos de Lexie se


encheram de lágrimas ao dizer aquilo. Era como admitir que aquela era boa
parte da motivação dela ter dito "sim" para Jackson – Uma interna.

— Eu não sei o motivo que levou o Mark a seguir em frente – Christian


respondeu – O que eu sei é que não tem um modo como ele te olhe que não
seja desesperado de desejo. O sentimento dele salta os olhos, qualquer um
que vê percebe. Jackson certamente já percebeu. A única que não enxerga é
você. Diga isso pra ele. Não perca essa chance Lexie.

E o conselho estava dado.

Com Christian distraído consolando Lexie e dizendo as verdades que a


cirurgiã se recusava a ouvir, nenhum dos dois percebeu Anahí saindo do
banheiro e passando direto da sala para a direção da cozinha. Não foi um
acidente ou coincidência, ela viu que Poncho não estava com os amigos e
assim, supôs que ele só poderia estar no único cômodo que não era privado
da casa. E por isso Anahí foi para lá, porque sabia que ele estaria sozinho,
sabia que tinha coragem suficiente para falar mais do que o habitual e não
estava disposta a desperdiçar.

— Oi sumido – ela murmurou assim que entrou, atraindo o olhar dele de


imediato – Você ficou estranho durante a noite. Finalmente tenho a
oportunidade de perguntar o porquê.

Poncho deu uma golada na bebida após morder os lábios encarando-a. O


ciúme ainda estava ali, queimando seu sangue. A pergunta dela trazia a
clássica do pergunta de "mas não é óbvio...?" em sua mente, o fazendo
respirar de forma pesada. Quando Anahí questionou seus motivos vieram
todas as frases dela daquela noite na cabeça de Poncho, uma a uma.
Normalmente ele ignoraria, deixaria passar... só que ele também estava
embriagado. Ele tinha bebido ainda mais depois de tudo o que ouviu, ou
seja, nada seria deixado de lado.

— Eu estou me perguntando o que faz você ser tão irresponsável – Poncho


retrucou. A raiva ficou nítida a cada palavra.

— Irresponsável, eu? – Anahí franziu a testa – O que foi que eu...

— Se entregar pra um cara que você nem conhece, pelo que, orgasmos? –
ele devolveu e a compreensão invadiu o rosto dela. Anahí arqueou a
sobrancelha enquanto ele continuava – O que você ta querendo, ser
sequestrada de novo?

— E o que você ta querendo dizer? Que o meu sequestro foi culpa minha...?
— Eu não disse iss...

— Tobias era obcecado por mim Poncho – Anahí enumerou – Ele estudou
meus passos assim que eu botei os pés de volta nessa cidade. Ele me
analisou, foi tudo planejado, iria acontecer de um jeito ou de outro. A culpa
não foi minha.

— É claro que não foi, mas isso não significa que não possa voltar a acont...

— Vamos deixar uma coisa clara – Anahí o interrompeu com agressividade


– Você não é meu pai, e principalmente... você não é meu namorado.

E o choque daquela frase dita com tanta violência pegou Poncho de


surpresa.

— Por que você pode ter uma vida normal e eu não posso? Por que você
pode transar livremente com a sua esposa e eu não?

— Anahí, é completamente diferente – ele ponderou, mas era incapaz de


fazê-la parar.

— Eu sei que é diferente – ela devolveu – Eu sei, mas você não sabe.
Porque você não faz ideia do que eu vivi naquele porão. Você não faz a
mínima ideia do que eu vivi naquela casa com aquele homem. Você não foi
condenado ao que eu fui, não carrega os traumas que eu carrego, então eu
não vou admitir que você julgue a maneira como eu decidi superar.

E ela não tinha terminado. Poncho mordia os lábios nervoso, por tudo o que
já sabia e pelo que ainda ouvia dela.

— Então eu vou transar sim – Anahí prosseguiu – Eu vou gozar sim. Vou
transar e vou ter muitos orgasmos até esquecer tudo o que aconteceu... e não
vai ser com você.

E se tudo o que veio antes teve potencial de acabar com Poncho, aquele
trecho final o matou de vez.

— Ok – Christian disse entrando na cozinha junto com Lexie – Os pais não


podem deixar os filhos sozinhos porque olha a merda que dá.
— Poncho, acho melhor nós irmos – Lexie propôs, quase implorou – Está
tarde.

Não era por isso que ela achava melhor que eles fossem, mas Poncho não se
importava. Ele só queria sair dali, queria sumir, o mais rápido possível. Sem
olhar para trás, ele apenas colocou a mão no bolso confirmando que o
celular estava ali e saiu o mais rápido possível, o rosto pegando fogo. Lexie
acenou para os amigos em seguida como uma despedida e partiu atrás dele,
não por medo de que alguma besteira acontecesse, mas sim porque sabia
que não era o melhor momento para Poncho ficar sozinho.

A questão é que companhia alguma mudaria as coisas, ele e Anahí eram


duas peças quebradas que pareciam certas um para o outro um dia, mas que
agora não tinham mais qualquer encaixe. E cada vez mais ele descobria que
queria encaixar com ela, embora mais do que nunca tivesse a certeza de
que, se realmente estava disposto a isso, precisava resolver algumas coisas
antes. Precisava resolver a sua vida. Estar livre... e se decidir de vez entre
ela e Diana.

Vivas? Hahahahahahahaha

Como eu ja tinha adiantado, o 35 é meu capítulo favorito até aqui e acho


que deu pra entender porque! Hahahahaha. Temos uma virada nele
muitíssimo importante, já que é aqui que o Poncho sente o confronto forte
com os próprios ciúmes e se dá conta de que se quer que algo mude, ele
quem tem que mudar. Amamos? Espero que sim!

Mas então, de 1 a 10 que nota vcs dão pra Anahí bêbada?


KKKKKKKKKKKKK

Além disso, podemos dizer que aqui eu começo oficialmente o


desenvolvimento de AyA. Eles não ficaram juntos ainda, mas pra ficarem
um dia precisam dos fatos desse capítulo. Quem ta ansiosa pros
protagonistas do pop?

Me contem o que estão achando ok?


Beijos,

Rafa
Capítulo 36 - It was meant to be you

Jesse estava certo ao sair às pressas do encontro com os amigos – Samantha


realmente estava em cólicas na expectativa da chegada do pai e de Sophia.
Quando a menina ouviu o barulho da porta, deu um pulo do colo da avó e
mal o pai entrou, já a viu agarrada em suas pernas demonstrando o quanto
tinha ficado apreensiva deles realmente não voltarem. Afinal, um dia sua
mãe tinha saído casualmente como volta e meia ocorria e simplesmente não
voltou mais.

Ele ainda trocou algumas palavras com os pais de Torrey, que estavam
realmente preocupados com a neta. Samantha ainda aspirava alguns
cuidados e parecia que demoraria a se recuperar totalmente da morte da
mãe. Jesse então passou para os avós da filha os detalhes do tratamento com
o psiquiatra infantil ao qual levou Samantha, do avanço que ela tinha feito
desde então e da esperança que novos resultados fossem acontecendo aos
poucos. Ele viu sobretudo que os dois pareciam tranquilos por notarem não
apenas que Jesse estava dando tudo de si pela recuperação da menina, mas
ao verem com os próprios olhos o quanto Sophia estava sendo importante
naquela caminhada.

— Mas o que vocês fizeram lá onde vocês foram? – Samantha fez aquela
pergunta curiosa enquanto Sophia a colocava em sua cadeirinha no carro.

— Ah, coisas de adulto – Sophia respondeu se lembrando nas amigas


bêbadas, em Anahí falando mais do que deveria e nas conversas.

— E o que adultos fazem? – Samantha franziu a testa – Dani e eu sempre


comemos lanches gostosos e brincamos juntos.

— Nós... – Jesse mordeu os lábios pensativo – Falamos de trabalho e da


vida.

— Ser adulto é muito chato – Samantha divagou – Vocês não se divertem


quando vão pra lá né? Se eu fosse vocês ficaria comigo da próxima vez, é
muito mais legal.
— Nós já ficamos com você toda noite, anjinho – Sophia lembrou beijando
a testa dela.

É claro que as coisas não estavam perfeitas para Samantha. Perder a mãe já
era difícil, e ela tinha apenas cinco anos e perdeu da maneira mais trágica e
dolorosa possível, sem direito a uma despedida. Não era nada fácil. Mas a
menina contava com Sophia e Jesse naquele momento delicado e não
poderia estar dando mais certo. Tudo o que Samantha precisava era de
estabilidade e segurança e isso ela estava tendo de sobra. Quis o universo
que os dois estivessem no melhor momento entre eles e conseguissem se
dedicar cem por cento a tornar aquele caminho o menos delicado possível
para aquela criança. Era apenas questão de tempo.

Só estava difícil para os dois se manterem afastados por causa dela. Não
que Samantha não fosse aceitar bem um relacionamento deles, Jesse apenas
não achava que era o melhor momento para explorar tudo e Sophia
concordava. Só que seguia sendo complicado. Eles eram apaixonados um
pelo outro e, quando finalmente tinham a chance de recomeçar, quis a vida
que algo consideravelmente mais importante fosse cuidado. Agora Deus
sabia quando eles teriam de novo aquela chance. Jesse só esperava que
Sophia não desistisse dos dois até ela chegar.

Só que o mesmo destino, naquela mesma noite, resolveu recolocar as peças


no lugar. Afinal, aqueles dois estavam merecendo.

Samantha já estava deitada na cama do pai com seu pijama de unicórnio


abraçada em seu ursinho de pelúcia, apagada pelo cansaço do dia. Sophia
cobria a menina com uma manta e se preparava para deitar ao lado dela
quando Jesse saiu do banheiro. Ele não sabia se sorria por ver a filha com
ela daquela forma ou por eles parecerem ter uma oportunidade depois de
tanto tempo. Finalmente.

— Será que você teria um minutinho pra mim...? – Jesse sussurrou no pé do


ouvido dela.

— Eu tenho todos os minutinhos pra você, bobo – Sophia disse sorrindo.


O magnetismo tratou de fazer o resto. Como Samantha estava dormindo
não tinha problema se eles se beijassem ali mesmo, né? Foi o que os dois
pensaram. Na verdade não foi algo bem pensado. Quando Sophia deu por si
ela já estava nos braços de Jesse, a boca dele desesperada tomando a sua, as
mãos dele tomando o seu corpo. Ela sentia o desejo naquele beijo, a
saudade. E correspondia.

— Quinze minutos no banheiro – Sophia propôs – Não é possível que ela


acorde tão rápido.

— Eu acho que não – Jesse sorriu concordando com a ideia – Eu to maluco


de saudade de você.

— E eu estou meio bêbada e com muita saudade também – ela ponderou –


E com a Sam dormindo... seria um crime não aproveitar.

E eles aproveitaram.

E naquela cama, deitada com os olhos meio fechados, estava Samantha. Ela
não tinha pegado totalmente no sono e não apenas ouviu todo o diálogo,
mas também viu o suficiente para presumir o resto. Estava certo que Sophia
e Jesse estavam se contendo para preserva-la, mas a verdade é que
presenciar aquele beijo e juntar as peças concluindo que eles estavam juntos
novamente foi o que fez a menina fechar os olhos e abrir um significativo
sorriso antes de dormir.

xxx

Havia uma razão para Mane convidar Maite para o seu apartamento: jamais
daria certo se eles ficassem no dela.

Primeiro, ainda havia quatro amigos lá, todos meio bêbados, uns mais do
que os outros. Segundo, era preciso tirar Maite do raio onde Anahí estava
para fazê-la se desconectar da amiga. Mane admirava isso em Maite, o
quanto ela cuidava de Anahí e sempre estava presente pela amiga, mas
também sabia que Anahí tinha Christian por perto e que se não tirasse a
morena dali, ela nunca daria um tempo para si mesma. E Deus sabia há
quanto tempo Mane estava esperando por aquele tempo.
Se Maite ficou meio receosa no início, logo deixou a preocupação de lado.
Mane estava certo, Anahí não estava sozinha e ela não estava sendo egoísta.
Maite precisava viver, e se era preciso que Mane lhe lembrasse disso, então
ela deixaria.

— Eu acho que nunca vim no seu apartamento – ela murmurou assim que
eles saíram do elevador, após se dar conta que não sabia sequer para que
lado virar no corredor.

— Mais algumas noites e você decora o caminho – Mane garantiu.

Era o que ele queria. O impulso de Mane ao se entregar naquele


relacionamento quase o fazia oferecer a ela uma cópia da chave. E Mane só
não o fez porque algo em sua mente, uma voz da razão provavelmente, o
lembrou que Maite provavelmente se assustaria se ele fosse rápido demais.
Ela ainda era meio nova naquilo tudo, naqueles sentimentos, no
envolvimento dos dois. Talvez fosse melhor dar um passo de cada vez.

E Mane estava se esforçando, contendo seus estímulos. O passo daquela


noite era fazê-la sair da bolha de cuidados de sua melhor amiga e se
permitir passar a noite com ele. Mane tinha feito tudo de caso pensado,
tinha comprado bebidas, limpado o apartamento, mas como eles já estavam
meio altos, nem foi preciso. Mal entraram ali ele viu Maite se livrar do
sapato, tirar a jaqueta que usava, prender o cabelo num coque em nó e,
assim que ele trancou a porta, caminhar até ele e beija-lo. Fácil assim.

Sem precisar de artinhanhas. Sem precisar que ele a envolvesse. Enquanto


Mane pensava em como deixar claras as suas intenções, se deu conta que
Maite já as sabia perfeitamente bem. O fez se sentir um bobo, ao perceber
que Maite sabia o que queria, e que ela o queria. Pelo visto não era mais
uma paixão não comprometida, um sentimento unilateral. Maite podia não
ser apaixonada por ele como ele sempre fora por ela, mas, a julgar pelo
modo como seu quadril respondeu a uma investida dele assim que os corpos
dos dois se juntaram, não havia dúvida que ela o desejava.

— Eu quero decorar o caminho do seu quarto também – Maite balbuciou


como pôde ao sentir a boca de Mane em seu pescoço.
— Esse caminho você vai demorar menos tempo ainda pra aprender – ele
disse rindo antes de pegá-la nos braços e conduzi-la.

O quarto de Mane era sóbrio e simples, mas Maite só se daria conta disso
depois. Era pequeno, aconchegante e suficiente. A cama era ampla e grande
o bastante para os dois. Embora fosse certo que eles não ocupariam nem
metade de sua extensão... ao menos a princípio, é claro.

O modo como chegaram ali já disse pelo resto. Mane era um homem
delicado, o que significou que ele colocou Maite em sua cama com todo o
cuidado do mundo. Ele tinha esperado tempo demais por aquilo e não iria
desperdiçar simplesmente fodendo-a com pressa como se fosse apenas uma
transa sem importância. Maite, por sua vez, tinha a pressa que ele não tinha.
Não que para ela fosse uma foda qualquer, mas porque aqueles beijos de
Mane a fizeram descobrir mais desejo que imaginava.

Ela até poderia ficar irritada com toda a calma de Mane, mas os toques dele,
mesmo sutis, não deixavam. Mane conseguia colocar nos dedos toda a
representação do desejo que sentia por Maite. Ela o sentia tocando em sua
pele e era como se queimasse em brasas. Eram toques sutis e delicados,
gentis, demonstrando o que ele procurava dizer o tempo todo.

— Eu não consigo acreditar que você está aqui – ele murmurava tocando o
corpo dela sem parar e beijando o seu colo por cima do sutiã.

— Eu to percebendo – Maite ironizou sentindo os olhos fecharem com os


beijos dele.

— É que eu sonhei tantas vezes com isso, é difícil acreditar que você ta nos
meus braços...

— Mane – Maite suspirou longamente, segurando-o pela nuca e encarando-


o nos olhos – Eu não to apenas nos seus braços. Eu to na sua cama. Eu
adoraria que você me fizesse não pensar em nada.

— É que eu quero ser suficiente pra você – Mane disse encarando-a nos
olhos. Enquanto falava aquilo, sentiu as mãos de Maite chegarem até sua
calça, desafivelarem seu cinto e depois o zíper.
— Então tem uma maneira de ser – Maite disse enquanto abaixava a calça
dele e puxava sua camisa para cima – Você me deixa terminar de tirar a sua
roupa toda e me ajuda a tirar a minha... e não vale ficar pensando o quanto
meu corpo é diferente do que você imaginou... porque eu sei que você
imaginou.

— Cada maldita noite – Mane disse sorrindo tirando o sutiã dela.

— Então... – a voz dela seguia como num sussurro, o que deixava Mane
ainda mais excitado – Você só precisa pensar que me deseja muito e que
quer me dar uma foda muito gostosa.

— Você tem uma boca muito suja – Mane murmurou sentindo a ereção
quase arrebentar a bendita cueca. Ele nunca tinha ficado tão duro – Porra
Maite, eu to...

— Eu sei – ela murmurou enquanto sua calça caía ao chão e se livrava dela
– Eu to sentindo. E é tudo o que você precisa agora... sentir.

Era difícil para Mane, ele estava como um adolescente em sua primeira vez.
Maite rapidamente percebeu que teria que conduzir. A ideia inicial era
deixar que Mane levasse as coisas, mas ela logo viu que ele estava
abobalhado pela ideia de estar na cama com ela. Maite tinha dito que não
era para ele reparar em detalhes de seu corpo, mas logo o viu fazendo.
Estava claro, para ela era uma transa possívelmente muito prazerosa com
um homem que vinha lhe dando muito tesão. Para ele, era fazer amor com a
mulher por quem era apaixonado há muito tempo.

Maite tinha que, de alguma maneira, controlar o tesão e deixar que tudo
fosse especial para Mane, por Mane. Por isso ela conseguiu se frear um
pouco e o sentou na cama tirando a sua cueca. Ela já estava sem o sutiã e a
calça e via os olhos dele fixos em seus seios nus. Não podia culpa-lo,
porque depois que terminou de despi-lo mal conseguia tirar os olhos de seu
pênis...

Era na medida certa. E uma vez nu, Mane puxou a calcinha dela para baixo,
deixando-a nua de vez. Maite estava em pé no chão, de frente para ele, e ele
sentado, com a ereção no limite, duro como uma pedra e sem tirar os olhos
dela. Maite achava que teria que comandar tudo, mas quando deu por si
Mane a pegou pela cintura e a conduziu até seu colo, sentando-a sobre ele e
guiando seu pau para dentro dela. Tomando a atitude no momento certo. Ela
estava molhada o suficiente para não demorar até senti-lo deslizar para
dentro de si. E quando os dois voltaram a se encarar, os dois já estavam sem
nada entre eles.

— Porra – Mane disse fechando os olhos e abrindo em seguida, ou melhor,


arregalando – Por que você tinha que ser tão apertada?

— Eu não sei – Maite respondeu meio ofegante, sentindo o pau dele


preencher todo o interior de sua boceta – Você também... Deus...

— Apertada, quente, molhadinha – Mane disse apertando a bunda dela –


Você é gostosa pra caralho, Maite!

— Do jeito que você sempre imaginou?

— Do jeito que eu nunca nem sonhei.

Porque era mais. Era realidade. Eles não tinham tido preliminares mas
Mane agora fazia valer. Primeiro ele se movimentou devagar dentro dela já
que beijava os seios de Maite enquanto já a penetrava. Mas logo desistiu,
segurando sua bunda para começar a penetra-la com mais força. Maite se
rebolava em cima dele, cavalgando enquanto mordia os lábios cheia de
tesão e se prendia em seus ombros, certamente marcando-o. Mane não
parecia se importar, ele metia certeiro dentro dela, impulsionado pelos
gemidos. Não soube por quanto tempo fez aquilo, eles perderam a noção do
tempo. Ele só sabia que aquilo era maravilhoso, que não tinha terminado
mas ele mal podia esperar a próxima vez e que tinha que proceder com
algum milagre para não acabar gozando antes dela.

Quando Mane começou a sentir a visão embaçar sabendo que o orgasmo


estava perto, ele se conteve. Queria que ela gozasse primeiro. Queria que o
prazer de Maite viesse na frente. Só que não dava para conseguir isso e
continuar entrando e saindo dela como estava fazendo.

— O que foi? – ela estranhou – Por que você...


— Porque eu quero que você goze antes – Mane confessou.

— Mane, você não precis...

— Eu amo você, sua doida – Mane disse segurando-a pela nuca, com força,
entre os cabelos. Os olhos castanhos vivos de Maite não paravam de encara-
lo – Você é a coisa mais inacreditável e surpreendente da minha vida. E
sempre vai vir em primeiro lugar. Sou capaz de gozar te vendo ter um
orgasmo comigo.

— Eu... – Maite não sabia o que dizer – Eu estou perto...

— Então goza comigo, delicia – Mane disse sentindo-a intensificar seus


movimentos – Goza bem gostoso no meu pau.

Eles estavam desinibidos demais para um casal de amigos que saía há


poucas semanas e tinha ali sua primeira vez. Mas uma Maite tomada pelo
calor daquela primeira transa conseguiu fazer o que dissera a Mane:
esvaziar a mente e esquecer todo o resto. Só havia eles ali. Não havia os
amigos cujos namoros não deram certo, o casamento fracassado dela ou o
fato de que Mane parecia mais apaixonado do que talvez ela pudesse ser.
Maite só sentia as peles suadas dos dois, a própria boceta inchada, a boca de
Mane vermelha e a respiração dele quente. Ela fechou os olhos rebolando
sobre ele uma última vez sentindo um calor se remexer e explodir no meio
de seu corpo, antes da boceta pulsar e de todo o corpo estremecer. Ficou
rígida para depois relaxar no corpo dele, minutos antes de Mane, após vê-la
derretendo de vez, voltar a investir para depois explodir dentro dela,
dizendo as palavras incompreensivas que misturavam amor e orgasmo,
tesão e paixão, todos os sentimentos que nutrira por anos e que agora eram
reais.

Porque agora eles estavam nos braços um do outro, finalmente. Para Mane
era mais do que Maite estar em sua cama... era a possibilidade, quem sabe
um dia a certeza, de que Maite poderia enfim ser sua.

xxx
Uma das razões que fez Diana não se importar de acompanhar Poncho na
noite dos amigos no apartamento que Christian, Maite e Anahí dividiam –
além de não gostar de ser a esposa grudenta que queria ir aonde o marido
fosse – foi o fato de ela estar dando tudo de si na organização do aniversário
de Daniel. O menino faria seis anos numa pequena festinha em sua casa,
mas por menor que fosse, nunca deixava de contar com os intensos esforços
de sua mãe.

Naquele ano o aniversário contava com os mesmos ingredientes de sempre:


os pais de Diana e de Poncho iriam para Nova York para comemorar com o
neto, eles fariam algo reservado para os amigos mais próximos e a família,
além dos amiguinhos da escola. Diana tinha comprado bolas, encomendado
um bolo e comidas, e certamente seria um dia que a casa ficaria lotada de
crianças correndo de um lado para o outro. Ela se sentiria preenchida e útil,
diferentemente de como vinha sendo até então, já que ao menos para si
precisava admitir que sua vida pessoal não estava no melhor momento.

Estava claro, Diana estava infeliz. Ela tentava disfarçar, sorrir, fingir que
estava tudo bem, mas a verdade é que aquela situação estava perto de se
tornar insustentável. Não era algo que ela gostava de admitir já que sua vida
sempre tinha sido seu ponto forte, mas aquela era a verdade: seu casamento
com o Poncho já não a preenchia mais. E aquela festa era provavelmente a
sua última tentativa de tentar amenizar e fingir que estava tudo bem.

Dentro de Poncho, havia uma tentativa também: de deixar a briga com


Anahí de lado e se concentrar na festa do filho. Afinal, se Diana não tinha
culpa, o filho menos ainda. Então todos os esforços mentais dele naquele
dia pertenceriam exclusivamente ao menino, sem mais.

Só havia um problema: Anahí seria convidada para a festa.

Não apenas ela. Todos os amigos dele. Mas é claro que ela era a única que
era capaz de tira-lo do eixo.

— Você vai...? – Christian arregalou os olhos para Anahí ao vê-la se


arrumando.

— Sim, eu vou – Anahí confirmou – Qual a surpresa?


— Provavelmente o fato de você e Poncho terem quase se matado da última
vez que se viram – Christian fingiu estar surpreso, sem deixar de encarar a
amiga – Você acha pouco?

— Ei, como assim quase se matado? – Maite surgiu no meio do corredor se


ajeitando num vestido preto e calçando o sapato ao mesmo tempo.

— Você também vai? – Christian se arregalou mais ainda.

— Vou com o Mane – a morena deu de ombros – Qual a surpresa?

— Você num dia odeia o Poncho e agora vai no aniversário do filho dele –
Christian disse para Maite, logo antes de se virar pra Anahí... – E você num
dia ama e no seguinte ta berrando pra ele que vai dar pra outro.

— Não foi assim – Anahí suspirou – Eu estava bêbada e ele provocou.

— Você, Poncho e bebida nunca foi uma combinação que tenha dado certo
– Maite fez uma careta – Sorte da Diana que acabou em briga e não em
sexo.

— Ah é – Christian riu abafado – Lembra daquela vez que ela virou e bebeu
depois que eles brigaram e aí quando ele chegou, disse pra gente que estava
tão puta que dessa vez não teria jeito, ela iria terminar com ele e terminou
mesmo, só que gemendo na cama...?

— É claro que eu lembro – Maite estreitou os olhos – Nós combinamos de


ir ao cinema naquela noite e quando eu liguei, ouvi que "ai Mai, não vai dar,
é que eu to com uma dorzinha...", aham Anahí, dor só se for nas pernas que
não aguentam nem ficar em pé depois de tanto ser fodida.

— Puta merda vocês dois! – Anahí tampou o rosto queimando de vergonha


– Eu não acredito que vocês lembram disso!

— Ninguém levava fé suas ameaças de terminar com o Poncho – Maite riu


no canto da boca – Mas me conta direito essa história que você berrou que
iria dar pro Milo.
— Ele não sabe que é o Milo – Anahí explicou – Quer dizer, não sei se ele
sabe. Ele ouviu o que nós falamos.

— Claro que ele sabe, vocês estavam aos berros lá dentro, e eu aqui
morrendo de vontade de ir lá pra dentro, embora estivesse bastante
divertido ver o namorado da Maite e o namorado da Sophia tentarem
distraí-lo em vão – Christian mordia os lábios com a lembrança – Macho
hétero não serve nem pra isso, quem aguenta?

— Que seja – Anahí revirou os olhos – Ele veio me cobrar que eu era
maluca de dar tão fácil assim pra um cara que nem conhecia blá blá blá... e
eu falei tudo o que pensava. Se estivesse sóbria não diria tantas coisas
assim...

— Que bom que você estava bêbada então – Maite disse entre os dentes.

— Maite, é sério!

— Anahí, ok, eu entendo ele ter casado com a Diana, mas ele continuar
casado meu amor, é porque quer – Maite ressaltou com ar de riso – Não se
pode ter as duas coisas ao mesmo tempo. Você vai morrer revirginada
esperando por ele? Não mesmo...! Transe com o Deus grego, transe muito,
se liberte de todos os seus traumas, goze bastante.

— Ta devolvendo os conselhos? – Anahí cruzou os braços rindo.

— Eu sabia! – Christian bateu palmas animado – Eu sabia que você tinha


dado pro Mane...! Ta dando pra ver pela sua pele brilhosa e esse sorriso de
bobona! Anda, me conta! O pau dele é imenso? Porque eu tenho a fonte do
pau do Poncho, a fonte do pau do Jesse, mas nunca tive ninguém pra me
informar o tamanho do Mane...!

— E vai continuar sem – Maite disse sem conseguir disfarçar o sorriso no


canto da boca – Olhem... eu não vou entrar em detalhes, eu tenho trinta
anos, me recuso. Foi ótimo. Foi incrível. Nós estamos juntos,
maravilhosamente juntos, eu estou feliz e é isso. Nada que vocês não
saibam.
— Eu te falei que um pau resolveria os seus problemas – Christian repetiu –
Eu sabia! Profetizei...!

— Não precisa ser profeta pra saber disso – Anahí fez uma careta, tirando
Christian do caminho e abraçando Maite – Eu to feliz por você estar se
permitindo.

— E eu vou ficar igualmente feliz quando for a sua vez – Maite a abraçou
de volta dando o mais verdadeiro dos sorrisos – E vou estar aqui com você
comentando tudo. Como eu sempre estou.

Disso Anahí não tinha a menor dúvida.

xxx

Desde cedo a mãe de Diana, Sandra, estava ao lado de Evelyn e da filha


preparando os detalhes finais da festa. Na verdade Sandra estava realmente
ajudando, Evelyn estava ali mas com a atenção redobrada em saber a
quantas estava o casamento do filho e da nora. Toda interação dos dois era
observada com detalhes por Evelyn, que nada dizia mas via tudo.

Não demorou para aquilo ficar visível para Sandra. Ela, que sabia apenas
pela filha que a ex-namorada do genro da juventude tinha reaparecido, não
acreditava que os dois estavam tendo problemas, já que eles ainda estavam
juntos e Diana tinha passado muita segurança e maturidade na forma como
falou de Anahí. Só que agora aquelas possibilidades caíam por terra quando
ela via Evelyn observa-los demais. Será que havia mais ali e a filha não teve
coragem de lhe dizer? Será que Diana sabia que havia algo mais...? Poderia
ser qualquer coisa e Sandra, a partir daí, ficou com o alerta ligado.

Quem ficou de fora de todas aquelas polêmicas foi Erendira. Cansada do


"inquérito", como costumava dizer, instaurado pela mãe para saber da vida
de Poncho, a Herrera caçula se limitou a passar o dia com o sobrinho e com
Samantha, que também estava lá. Com isso ela conseguiu ficar fora daquela
bolha e se distrair o dia inteiro ao lado de crianças, que era das coisas que
mais gostava.
— Minhas amigas da escola vão vir – Daniel disse testando Samantha –
Você vai ficar com ciúmes?

— Eu não – Samantha fez uma careta – Talvez eu seja amiga delas também.

— Verdade? – o menino franziu a testa. Erendira acompanhava o diálogo


atenta.

— Sim, porque meninas têm que se unir e não ser inimigas – Samantha
retrucou repleta de convicção – Tia Soso disse que a revolução vai ser
feminista.

— Isso quer dizer o quê? – Dani franziu a testa confuso.

— Não sei – Samantha fez uma careta e a tia de seu amigo se prendeu para
não rir – Dani, você sabia que o meu papai e a tia Soso estão namorando de
novo?

— Eles estão? – Dani perguntou interessado – E como você sabe?

— Porque eles se beijaram na minha frente, acharam que eu estava


dormindo – Samantha confidenciou – Eu bem fingi.

Aquela era uma informação e tanto que Erendira anotou mentalmente para
alertar Sophia mais tarde.

Foi ela própria, Erendira, quem levou as duas crianças para o banho. Eles
estavam prontos quando as outras crianças começaram a chegar. Samantha
cumpriu à risca o que disse para Daniel: não brigava com as outras meninas
na festa, pelo contrário. Com os dois livres para curtirem como quisessem, a
irmã de Poncho seguiu para o que queria fazer. Foi até os dois melhores
amigos de seu irmão, que estavam ao lado dele. Com ar de riso, ela se
aproximou.

— Fico feliz que vocês tenham percebido que nasceram pra ficar juntos –
Erendira observou sorrindo largamente – Se querem saber, eu sempre
soube.

— Como você... – Sophia franziu a testa – Poncho, você contou...?


— Samantha contou – Erendira observou – Ela já sabe.

— Como que... – Jesse balbuciou.

— Da próxima vez que vocês se beijarem, se certifiquem que não vai ser na
frente da criança, porque ela pode estar fingindo dormir – Erendira sorriu
irônica levantando a própria taça – Saúde.

Se Poncho naquele momento estava rindo de seu casal de amigos – agora


oficialmente casal, já que todos pareciam mesmo saber – ele perdeu a fala
quando viu que Anahí realmente tinha ido. A constatação veio logo depois,
quando de alguma maneira aquele velho magnetismo que funcionava entre
eles deu as caras. Anahí tinha chegado com Christian, Maite e Mane.
Enquanto Sophia e Jesse murmuravam o quanto era surpreendente Maite e
Mane estavam realmente juntos, Poncho não tirava os olhos da ex-
namorada. Ressentimento e admiração nadavam juntos. Ciúme e raiva pela
última noite, mas sem perder o frenesi que ela sempre lhe causava. Sem
perceber, sua irmã observava sua reação... sua mãe, do outro lado da sala,
idem... e é claro, a mãe de Diana também estava atenta.

A própria Diana, por sua vez, foi quem recepcionou os convidados. Maite
estava se esforçando para ser agradável e não cometer os erros do passado,
carregava um grande presente para Dani. Christian também tentou ser
cordial, mas a pessoa do grupo que se dava melhor com a esposa de Poncho
era Mane. Curiosamente foi com Anahí que ela pareceu ter mais assunto.
As duas trocaram algumas palavras por longos minutos. Poncho bem que
tentou de longe fazer uma leitura labial para saber o que elas diziam,
totalmente sem sucesso. Na cabeça dele, elas só poderiam falar de Milo.

A realidade, por sua vez, era muito diferente.

— A festa está linda – Anahí elogiou – Tudo está perfeito.

— Obrigada, realmente está, mas eu contei com a ajuda de um time de peso


– Diana respondeu sorridente segurando as mãos dela – Mas não, não me
entregue o presente, o Dani vai ficar furioso porque ele adora receber os
presentes pessoalmente.
— Puxou o pai – Anahí murmurou entre os dentes prendendo o riso.

— Pois é – Diana negou com a cabeça fechando os olhos


momentaneamente – E hoje ele ganhou um caminhão do Robert e da
Evelyn que tinha uns adesivos para colar e eu tive que tomar das mãos da
criança Alfonso que não queria deixar o filho fazer sozinho sob o
argumento de que "vai deixar torto".

— Ele é metódico – Anahí constatou rindo – Continua metódico, na


verdade.

— Quanto mais velho fica, piora – Diana rolou os olhos – Enfim, Erendira e
Evelyn estão aqui, imagino que você queira falar com elas.

— Sim, eu quero – Anahí sorriu – Obrigada Diana.

Anahí seguiu pela festa, encontrou Daniel correndo com Samantha, lhe
entregou o presente e não deixou de sorrir quando viu aqueles pequenos
olhos verdes – surpreendentemente puxados da mãe e não do pai –
brilharem ao ver o embrulho bonito. Logo o menino viu o jogo que tinha
ganhado, abraçou a amiga do pai pela cintura e arrancou dela um sorriso
satisfeito. Poncho observava tudo aquilo bebendo uma taça de vinho, logo
vendo a mãe alcançar a ex-namorada com um sorriso nos lábios e se
perguntando se Erendira faria o mesmo.

Só que não era com Erendira nem com Evelyn que Anahí queria falar. Ela
tinha ido ali para se resolver com Poncho. As coisas tinham ficado
estranhas na última noite e ela agora estava sóbria, queria deixar tudo em
pratos limpos. É claro que o aniversário de Daniel não era nem de longe o
melhor momento para aquilo, mas Anahí temia não ter outra oportunidade.
Ela queria sim avançar com Milo, mas não queria que aquilo significasse
um clima ruim entre ela e Poncho. Afinal, dentro da mente dela ainda dava
para os dois serem amigos...

E foi pensando nisso que, quando ela viu Poncho num canto próximo ao
corredor sozinho, Anahí foi atrás.
Poncho não esperava dar de cara com Anahí naquele momento. Já era
difícil de acreditar que ela estava na festa do filho dele, pior era o fato de ter
ido até lá para falar com ele.

— Anahí – Poncho disse pouco paciente – É aniversário do Dani. Por


favor... não...

— Eu vou ser breve, prometo – ela garantiu – Eu... exagerei um pouco


naquela noite. É meio errado culpar a bebida, mas tem oito anos que eu não
bebia daquela forma.

— Você não disse nenhuma mentira – Poncho lembrou – Você estava certa.
Tem todo o direito de seguir em frente com quem você quiser, eu não devo
me meter.

— Eu não quero que você se sinta como um intruso na minha vida – Anahí
ressaltou – Mas entenda que não é fácil falar de outro homem com você.
Você estava sim errado no modo como falou comigo, mas... eu exagerei.

— Exagerou? – Poncho perguntou franzindo a testa. Ele queria saber a que


exatamente ela se referia. Batia aquela leve esperança de que ela revelasse
que tinha se arrependido daqueles planos e que não iria tentar dormir
abruptamente com homem algum.

— Sim – ela prosseguiu – Eu não sei se vou conseguir levar isso à frente...
mas é algo que eu preciso fazer. Eu preciso tentar, preciso ser corajosa.
Preciso superar esse medo, tentar afogar essas lembranças e colocar outras
no lugar. Preciso sentir que alguém me quer e querer de volta.

— O cara que você quiser de volta vai ser o mais sortudo desse planeta –
Poncho respondeu encarando-a nos olhos – Eu te garanto.

Ela tinha essa certeza. Embora no fundo do peito soubesse que aquele cara
poderia ser Milo ou outro, se com ele não desse certo... mas o homem à sua
frente era o único por quem ela gostaria de ser correspondida.

E isso era algo que ela precisava confessar.


— Era pra ser você – Anahí sorriu meio amarga – Mas você está bem. Você
está feliz. E é isso o que eu quero pra mim. E de certa forma, me deixa feliz
saber que você vai estar na minha vida mesmo que de outra forma.

Mesmo não sendo nem de longe a forma como eles gostariam.

E isso levava à tona a insegurança de Poncho por inteiro. Anahí agora não
estava bêbada e reafirmava seus planos, suas intenções e balançava todas as
certezas dele que não eram tão grandes. Ele sabia que nutria um sentimento
muito forte por ela, mas não esperava ficar tão mexido assim. Agora era
nítido que ela provavelmente sentiria por Milo um dia o que ele sentia por
Diana. Talvez ela o amasse como ele, de certa forma, amava sua esposa. E
talvez ele viesse a sentir o que a própria Anahí sentia quando encarava o
casamento dele.

Isso dava a Poncho uma única convicção: agora ele já não estava mais tão
incerto do que realmente queria.

Oi meus amorecos, tudo bem?

Vi pelas reações do último capítulo que vcs adoraram não apenas o que
aconteceu, mas também a Anahí toda transformada depois de uns gorós
hahahahahaha o que uma bebidinha não faz né? No caso dela fez bastante.

A Anahí do capítulo de hoje já volta ao normal. Ressalto que ela se


arrependeu da forma como falou com o Poncho, das palavras que usou
~embora a gente tenha achado bem feito~ mas não das decisões que tomou.
E é isso né? Poncho precisava tomar aquele sacode pra acordar pra vida e se
dar conta do que realmente quer. Nesse capítulo a certeza bate ainda mais
forte e ele tem aquela pessoa na vida dele que mais uma vez vai jogar tudo
na cara dele. Hahahaha. Palpites? Segunda!

Bom fds!

Beijos,
Rafa
Capítulo 37 - Teach me

Como a mulher segura que era, não alarmou Diana o fato de Anahí estar em
sua casa naquela noite na festa de seu filho com Poncho. E se isso não a
tinha alarmado, não foi o fato de seu marido estar conversando com a ex-
namorada em um canto onde os dois não poderiam ser ouvidos que a
apavoraria.

O mesmo, é claro, não poderia ser dito de sua mãe. Sandra passou boa parte
da tarde e o início da noite observando o genro minuciosamente. Ela via
que tinha algo de errado no casamento da filha e queria tirar a história a
limpo. Não era preciso ser um gênio para perceber que a presença de Anahí
tinha tudo a ver com aquela crise em potencial. O problema maior para
Sandra, no entanto, não era a ex-namorada de seu genro, mas o fato de a
filha ainda não ter se dado conta do que estava acontecendo em seu
casamento.

Dessa forma, no final da festa, quando o bolo já tinha sido cortado e Dani já
corria novamente pela casa junto com os amiguinhos, Sandra se valeu do
fato da filha estar comendo um doce sozinha na cozinha para aborda-la e
colocar as cartas na mesa de uma vez por todas.

— Quanto tempo vai demorar até que você diga pra sua velha mãe o que
está acontecendo? – ela perguntou.

Diana não era burra. Ela poderia não estar dimensionando a situação como
Sandra fazia, mas sabia exatamente a que a mãe se referia. Tudo o que
Sandra viu e ouviu, ela também vira e ouvira. O problema é que Diana
observava tudo, chegava a conclusões e as guardava para si. Obviamente
sua mãe não faria a mesma coisa.

— O que está acontecendo? – ela devolveu a pergunta, vendo Sandra


arquear a sobrancelha.
— Eu sei que você é super cabeça aberta e segura de uma maneira que eu
nunca fui e nunca serei, mas até você precisa admitir que tem algo errado na
relação do seu marido com aquela moça, a ex-namorada dele – Sandra disse
com cautela – Por que você se recusa a ver?

— O que tem de errado neles serem amigos? – Diana perguntou com ar


zombeteiro.

— Querida... – Sandra suspirou irritada – Está evidente que eles não são
apenas amigos.

— Então você acha que ele está me traindo?

— Eu não iria tão longe, mas obviamente ele sente algo muito forte por essa
Anahí.

As palavras de Sandra fizeram Diana se lembrar do alerta que Evelyn fez


meses antes, assim que Anahí reapareceu. Ela tinha dito exatamente aquilo:
que seu filho ainda era muito apaixonado pela ex-namorada e que Diana
deveria se preparar, pois poderia estar na iminência de perdê-lo. É claro que
ela não deu ouvidos, sabia que Anahí era importante na vida de Poncho e
não iria impedi-lo de estar próximo dela. Diana tinha certeza de que o medo
de perder o marido poderia acabar fazendo com que ela de fato o perdesse.
Ela esperava conseguir preservar seu casamento com aquela estratégia. Só
não achava que o tiro acabaria saindo pela culatra, mesmo com seus mais
intensos esforços.

— Ele nunca foi cem por cento meu – Diana admitiu – Ele sempre
continuou amando a Anahí. E eu sempre soube disso e de certa forma
concordei com isso quando me casei com ele.

— Mas antes ela estava morta – Sandra completou – Agora ela circula pela
sua casa e basta chegar para atrair todas as atenções, todos os olhares dele.
É como se mais nada existisse.

— Mamãe...
— Antes ele conseguia deixar vocês duas coexistirem, agora ele
provavelmente ainda não te deixou porque está sentindo o peso do
compromisso – Sandra deu de ombros – Alfonso é exatamente assim. Ele é
íntegro, é um homem de palavra, sempre pareceu ser.

— E o que você me sugere? Que eu lute com unhas e garras por ele?

— Querida... – Sandra negou com a cabeça – Eu sugiro que você se sente


com ele e que vocês sejam honestos. Talvez falte a ele a sensatez de admitir
que o tempo de vocês lutarem por esse casamento já passou. O seu marido
já entregou os pontos. Ele já fez a escolha dele, só ainda não admitiu. E
cabe a você dizer isso a ele. Cabe a você enxergar o que ele se recusa... que
o casamento de vocês acabou, só falta que cada um vá para o seu lado e ele
fique com a mulher que realmente faz o mundo dele parar.

A constatação doeu em Diana como se levasse um tiro. Estava certo que ela
estava um tanto infeliz, preterida e sentindo que algo faltava em seu
casamento... mas era duro demais ouvir tudo aquilo com todas as letras,
sem a chance de uma interpretação equivocada que fosse. Sandra ali
colocava em palavras o que Diana tinha em seu peito na forma de suspeitas,
sem deixar qualquer sombra de dúvida. Sobretudo, ela colocava a coisa toda
num patamar que não tinha ficado antes: deixava claro para Diana não que
ela iria perder, como Evelyn tinha falado, mas que já tinha perdido. E que
cabia a ela abrir o jogo com Poncho e apenas finalizar o que já tinha sido
terminado.

Agora Diana não poderia simplesmente fingir que não estava vendo. As
palavras da mãe jogaram a responsabilidade de sua omissão em suas costas.
Ao repeti-las mentalmente vinha na cabeça dela as cenas de Poncho
sorrindo para Anahí, preocupado com a ex, se recusando a se desligar dela.
Diana realmente tinha perdido Poncho e precisava admitir para si mesma
com todas as letras. Não tinha sido agora. Se ele nunca tinha sido cem por
cento seu, agora podia-se dizer que a única coisa que os prendia era o
compromisso.

E cabia a ela, Diana, decidir se esse continuaria ou não sendo o único laço
que os uniria.
Do lado de fora, Poncho não tinha uma conversa muito diferente.

Foi difícil se desviar de Evelyn e conversar somente com Erendira quando


todos os convidados foram embora e ficou somente a família. Mas por sorte
seus pais estavam ocupados demais mimando Daniel e contemplando os
presentes que o menino ganhou. Foi a chance que ele teve para escapar da
casa e se sentar nas escadas que davam para a porta, ao lado da irmã caçula,
que mesmo sem que ele dissesse uma palavra sequer já sabia o que estava
acontecendo em seu coração.

— Você estava certa – Poncho confessou assim que se sentou ao lado dela –
Sobre a Anahí.

— No que exatamente? – Erendira perguntou, embora soubesse a resposta.


Ela apenas queria que ele dissesse com todas as letras.

— Você disse que eu precisava me decidir. Mas a verdade é que eu não


consigo entender – ele murmurou – Eu sempre achei que estava feliz no
meu casamento, feliz com a Diana. Eu sempre achei que seria pra sempre.

— Mas seria – Erendira observou – Você apenas nunca cogitou que a Anahí
voltaria. E bem... não se sinta tão culpado, maninho. Ta na cara que ela é a
sua lagosta.

— Ela é o quê...? – Poncho franziu a testa totalmente confuso.

— Se tivesse visto Friends entenderia a piada – Erendira deu de ombros –


Tem um personagem, Ross, que é apaixonado por uma garota desde
sempre... Rachel. E bem... num dado momento ele arruma uma namorada
na tentativa de esquecê-la e é justamente aí que a Rachel percebe que pode
ter sentimentos por ele. E ele é obrigado a escolher entre as duas, Rachel e
Julie...

— Ross sou eu, Rachel é Anahí e Julie é a Diana – Poncho concluiu –


Prossiga.

— Ele estupidamente faz uma lista – Erendira apontou – E não vamos


entrar nos méritos se ele deveria ou não ter feito... o caso é que ele coloca lá
as milhares de qualidades da Julie... bonita, inteligente, trabalha na mesma
área que ele blá blá blá... só que tem um problema... ela não é a Rachel.

Poncho apenas observou a irmã terminar as comparações, embora já


parecesse um tanto óbvio onde Erendira queria chegar.

— Diana não é a sua Rachel – Erendira concluiu – Ela não é a sua lagosta.
Não é ela que você procura no aquário pra viver a sua vida inteira. Ela pode
te fazer feliz, te fazer rir, mas não é ela que te transborda. Se você estivesse
com a Anahí eu acho que não se sentiria do mesmo jeito. E quanto mais
tempo você demora a admitir isso pra si mesmo, mais sofre e faz as duas
sofrerem.

— Se eu me separar da Diana, eu vou destruir a minha família – Poncho


mordeu os lábios. Eis o verdadeiro motivo do dilema – Eu vou destruir a
família do meu filho.

— Você e Diana sempre serão a família do Dani – Erendira ponderou – E


vocês sempre vão se amar, se respeitar, porque não existe só o amor
romântico. Pior do que isso é você continuar casado com ela quando a sua
lagosta é outra pessoa.

Erendira já tinha repetido todas aquelas palavras para Poncho diversas


vezes, mas nunca tinha parecido suficiente. Talvez ele não tinha lhe dado
ouvidos antes porque não era o momento certo de ouvir aquelas coisas. Pelo
visto, agora era. Agora Poncho se sentia quase sufocado por estar distante
de Anahí, por ela estar disposta a seguir em frente sem ele. Agora o modo
como a irmã falou colocava tudo em pratos limpos. Colocava seus
sentimentos expostos não apenas para ela, como para ele mesmo.

Poncho agora sabia: ele precisava terminar com Diana. Só não sabia como.

xxx

Anahí não fazia a menor ideia que seu ex-namorado tinha deixado de negar
os sentimentos que ela não afastou em momento algum. Enquanto Poncho
admitia o quanto ela ainda mexia com ele, Anahí seguia para o novo lar ao
lado de Christian. Maite, novamente, não os acompanhou – ela estava
inclinada a princípio a acompanhar Mane em seu apartamento e ouviu de
seus dois melhores amigos todo o incentivo do mundo para seguir com
aquilo. Mesmo a morena demonstrando uma certa insegurança, tal como da
primeira vez, ela demorou menos tempo para ser convencida do que antes.

Aos poucos todos eles se acostumariam, em especial Anahí, que ficou mais
tranquila com Maite saindo de perto dela do que tinha ficado da vez
anterior. Até porque Christian não lhe dava tempo nem para pensar, quanto
mais para se sentir insegura.

— Ok, Maite já está encaminhada dando noite-sim-noite-não pro Mane,


agora falta você – ele murmurou ao entrarem no táxi batendo palminhas.

— Encaminhada? Eu? – Anahí franziu a testa.

— Estamos apenas você e eu – Christian observou – Me conta da sua


conversa com o Poncho!

— Ah – Anahí negou com a cabeça – Eu queria acertar os ponteiros pra não


deixar um clima ruim pela última noite. O Poncho é especial pra mim, eu
não quero ficar afastada dele. Já fiquei por oito anos...

— Eu to com a sensação que você e o Poncho ainda estão mais afastados do


que gostariam de estar – Christian suspirou – Mas e a história de arrumar
outro cara, ta de pé?

— Tão de pé que ele ta me ligando agora – Anahí disse levantando o


celular.

Aquele aparelho com a tela touch screen e um único botão de iniciar não
era o que Anahí estava acostumada. Ela ainda estranhava sentir o celular
vibrar e toda a tecnologia que ele envolvia, mas aos poucos se tornava
comum. Karen dera o celular à filha não apenas para que Anahí se
comunicasse, mas também porque queria que ela se sentisse de volta ao
mundo real. De certa forma servia mais para a primeira finalidade do que
para a segunda, porque numa noite daquelas uma ligação para o aparelho
era o que fazia Anahí estar conectada à Milo.
— Anda Anahí! – Christian esbravejou – Atende a ligação! Atende o
bofe...!

— Vou atender – Anahí riu levando o aparelho ao ouvido – Milo?

— Oi Any – ele disse do outro lado da linha – É que... eu estou perto do seu
apartamento e queria saber, não sei... se poderia, quem sabe, aparecer... se
não for atrapalhar... claro que se você não quiser...

— Eu não estou em casa – ela rapidamente ressaltou – Mas to a caminho.


Se você quiser me encontrar na entrada...

— Perfeito – Milo sorriu do outro lado da linha – Nos vemos daqui a pouco
então.

E ela desligou, levantando a cabeça e encontrando um Christian eufórico


em sua frente.

— Ai-meu-Deus quer dizer que eu vou conhecer o Milo essa noite...? – ele
quase dava pulinhos – Meu Deus, que noite...!

— Christian, pelo amor de Deus – Anahí colocou a mão na cabeça – Se


controla.

— Prometo me comportar como a lady que sou – ele fez um ar zombeteiro


– E também vou avaliar todo o material dele, sabe? Fazer a inspeção
completa pra garantir que você ta levando um bom produto pra casa.
Função de melhor amigo. Fiz isso com o Poncho pra você, com o Mane pra
Maite, Milo não foge da minha mira não!

Claro que Anahí não poderia esperar nada muito diferente de Christian,
aquilo fazia parte de quem ele era. Quando o táxi parou Milo já estava no
saguão do prédio dela, sentado nos degraus que davam para a portaria, e
Anahí ao descer do carro sorriu e acenou, vendo-o fazer o mesmo. Com a
proximidade do inverno o ar estava cada vez mais gelado àquela hora, por
isso ela colocou as mãos dentro dos bolsos do casaco e caminhou até ele
com um sorriso discreto nos lábios.
Anahí não esperava que Milo a procurasse naquela noite, na verdade não
esperava sequer que Milo continuasse a procura-la. Mas estava
acontecendo. Ele sabia por alto do passado dela, embora nunca tivessem
conversado a respeito e Anahí não tivesse chegado a entrar em detalhes
sobre o que tinha vivido por oito anos naquele porão. Mas sabia o suficiente
para saber que deveria ir com calma, que não podia avançar rápido demais,
ela não suportaria. Na cabeça de Anahí qualquer homem que chegasse e
percebesse suas limitações se afastaria, porque não era algo fácil de se lidar.
Mas Milo não. Milo não parecia se assustado ou intimidado, pelo contrário.
Também não achava que ela representava um desafio para ele, que tê-la era
como receber um prêmio. Ele simplesmente parecia interessado. E como
tal, disposto a esperar o tempo que fosse necessário, da forma que tivesse
que ser, para estar com ela. Parecia impossível, mas estava ali, acontecendo.

— Oi – Anahí murmurou ao parar na frente dele.

— Oi – Milo respondeu sorrindo de uma forma carinhosa – Timing


perfeito, o nosso.

— Eu sei – ela mordeu os lábios – Milo... esse é o Christian, meu amigo,


com que eu divido o apartamento.

Ela preferiu fazer as apresentações logo. Sabia que Christian não sairia dali
enquanto não fosse formalmente apresentado a Milo. E sabia também que
ele precisava sair, porque as coisas que nadavam em sua mente, ao menos
algumas delas, precisavam ser faladas com ele.

— Muito prazer Christian – ele disse estendendo a mão e apertando-a – Sou


Milo.

— Ah, o prazer é todo meu, acredite!

E Christian levava uma cotovelada de Anahí – singela, porém presente.

Milo deu um leve ar de riso ao ver a cena, era bem provável que Anahí
tivesse falado algo dele para seu melhor amigo. Christian observou Milo
nos detalhes, tentando disfarçar mas sendo impossível, mas não tardou a
decidir subir e se despedir dos dois. Ele antes disse à Anahí que estaria lá
em cima caso ela precisasse, que poderia ligar se fosse necessário. Sabia
que ela ficaria bem.

Claro que Anahí sabia que Christian tinha uma certa insegurança de deixa-
la sozinha com um homem, e de certa forma até ela ficava. Mas ela não
poderia deixar de viver e tinha certeza que era com essa frase que seu
melhor amigo tentava espantar aquela hesitação. Era para isso que Anahí
tinha se mudado para lá, porque tinha a certeza de que, se ficasse na casa de
Karen, ela agora não estaria ao relento com um homem que mal conhecia
sem nenhuma companhia.

Mas Milo não era Tobias. Ela queria confiar. Se estava disposta a se
entregar para ele, a recomeçar, tinha que justamente começar de algum
lugar. E pelo visto, seria dali.

— Então... – Anahí riu após se certificar que Christian realmente tinha


subido.

— Você falou de mim pros seus amigos? – ele franziu a testa com ar de
riso.

— Bem, a Soph e a Lex te conheceram – ela deu de ombros – E Christian e


Maite moram comigo, eu precisei dizer. Se não eles ficariam inseguros de
me ver com um homem que não fazem ideia de quem seja.

— Eu entendo – Milo riu – Não que seja problema sabe? Seus amigos
saberem de nós dois...

— Eu sei que não é – Anahí mordeu os lábios – Milo... você sabe que eu
tenho um passado complicado, não é?

— Eu sei.

— Eu não me refiro só ao meu sequestro, tem outras coisas que você não
tem como saber – Anahí disse se sentando no mesmo degrau que ele estava
quando ela chegou, vendo Milo se sentar rapidamente ao lado dela – Sabe
de onde eu vim agora? Da festinha de aniversário do filho do meu ex-
namorado.
— Nossa – ele franziu a testa – Sério...?

— Sim – Anahí suspirou – Poncho foi meu único namorado, antes de... não,
ele realmente foi o meu único namorado. Ele foi o meu primeiro homem, o
meu primeiro amor. Meu único amor.

— Eu entendo – Milo concordou – Não preciso pensar demais pra saber o


que aconteceu, não é? Você foi sequestrada, ele não fazia ideia e acabou
seguindo em frente...

— Exatamente – ela fez uma pausa antes de continuar – Ele casou e teve
um filho lindo. E as coisas ficaram meio estranhas quando eu voltei. Nós
estamos tentando ser amigos porque ele continua casado, mas... tem horas
que tudo parece ser meio esquisito. Eu não cogitei uma vida sem ele. Eu
achava que, se um dia eu saísse daquele porão... de alguma maneira era pra
ele que eu voltaria.

— Você ainda é apaixonada por ele, não é? – Milo não hesitou em


perguntar. Se Anahí estava jogando as cartas na mesa, era melhor que
ambos fossem honestos um com o outro.

— Um pouco – Anahí admitiu – Só que ele fez uma escolha. E eu quero


fazer a minha.

— Bem, já que estamos falando disso... – Milo mordeu os lábios antes de


falar – Eu também tenho uma ex-namorada com quem as coisas não
acabaram exatamente bem.

— Término ou algo bem fantasioso e incomum como foi comigo? – Anahí


riu.

— Não, se fôssemos os dois com histórias escabrosas seria estranho – Milo


riu com ela – Término. Mas foi porque ela aceitou uma oferta pra trabalhar
em Ohio e eu não pude ir com ela. Não deu certo o namoro à distância, e
bem... eu não exatamente a esqueci.

— Entendi – Anahí respondeu – Bom, acho que isso nos coloca de certa
forma em um pé de igualdade, não é?
— Não estamos cem por cento aqui, mas queremos um dia estar – Milo
completou – Por mais que eu ainda goste da Mandy, eu quero tentar algo
novo. Não deu certo com ela, mas a minha vida não acabou. Assim como a
sua também não.

— Eu sei – ela suspirou – É exatamente assim que eu penso. Eu só não


queria te deixar no escuro... porque diferentemente de você com a Mandy,
eu continuo vendo o Poncho. Nós ainda somos amigos.

— Tudo bem – Milo acariciou o rosto dela – Desde que você queira tentar...
está tudo certo pra mim.

E Anahí queria. Se ela já tinha aquela suspeita antes de encontrar Milo,


estava mais certa ainda dela depois daquela conversa, quando os dois
colocavam tudo em pratos limpos, sendo completamente honestos. Antes
Anahí tinha um receio de acabar magoando aquele homem que se colocava
tão aberto com ela, mas agora Milo tinha revelado que sua situação não era
tão diferente assim. Ele também guardava sentimentos antigos por outra
pessoa, ele a entendia melhor do que ninguém. Não havia nada que os
impedisse.

E isso motivou Anahí para o que veio a seguir.

Com ela e Milo em silêncio se encarando, Anahí percebeu que eles não
tinham mais nada a perder. Ela já tinha perdido demais, era melhor encerrar
ali. Se aproximando dele, Anahí acariciou sua barba, sentindo um frio na
barriga que não era causado pela ansiedade de uma mulher em um primeiro
encontro. Ela sabia que ali tinha nervosismo por ser uma mulher
traumatizada e ainda em frangalhos. não era medo de se magoar, era medo
de sequer conseguir.

Milo a notou hesitante e fez o resto, tomando a atitude sem ser brusco, para
não assusta-la. Ele se aproximou encerrando o espaço que ainda havia entre
os dois e a beijou com delicadeza, deixando que Anahí se acostumasse aos
poucos com uma boca contra a sua e com um homem em sua frente
novamente. Funcionou. Como ele estava sendo delicado, Anahí abriu a
boca e se deixou ser beijada, se aproximando aos poucos e se entregando ao
momento. Não era, e nem seria, um beijo lânguido e cheio de paixão. Era o
beijo de uma mulher que estava querendo seguir em frente, que tinha
encontrado alguém que sentia a textura de suas cicatrizes e parecia querer
protegê-la de novas feridas. Sabia que não podia cura-la, mas ao menos
estava disposto a amenizar.

O beijo de Milo era bom e Anahí resolveu não para-lo. Pelo contrário,
quando acabou ela o beijou de novo, vendo-o virar de lado para segurar
melhor o rosto dela e abrindo ainda mais a boca. Aos poucos aquele
primeiro nervosismo foi passando, conforme o medo era trocado pelo
prazer, pela tranquilidade de saber que estava bem e que continuaria assim.
No fim Anahí gostou daquilo, de ser beijada por aquele homem que lhe
fazia bem, que respeitava seu espaço e que estava disposto a caminhar
devagar para ir no passo dela, fosse no ritmo que fosse.

Quis o destino que, justamente quando Poncho se dava conta de que ainda a
amava e que seu casamento precisava chegar ao fim, era quando ela dava
um passo com outro homem. Um passo que a deixava mais distante do que
nunca dele.

xxx

De todos os amigos de Alfonso, a única que não tinha ido ao aniversário de


Daniel era justamente aquela que menos tinha se envolvido na divisão do
grupo após o sequestro de Anahí: Lexie.

Alfonso definitivamente não esperava que a cirurgiã deixasse de ir ao


aniversário de seu filho. Lexie não era exatamente amiga de Diana, mas ele
sabia que ela só não foi ao casamento dos dois porque estava estudando
para as provas finais da faculdade e para se tornar interna do Manhattan
Medical Center e voltar para Nova York. Em todos os aniversários de
Daniel, assim como as comemorações do de Poncho, Lexie tinha se
esforçado para comparecer, em especial porque não queria que o amigo
tivesse a impressão que ela estava comprando uma briga, longe do que de
fato acontecia.

Só que naquele aniversário de Dani Lexie não iria. Ela estava exausta por
tudo... a rotina do hospital estava cansando-a, sem falar no desgaste
emocional que Lexie carregava desde a pequena reunião no apartamento de
Anahí. Naquele dia ela, um pouco mais alta do que deveria, admitiu para as
amigas o quanto estava mal humorada com sua futura sogra, Catherine
Avery. Falou para Maite, Sophia e Anahí tudo o que pensava, sem esperar o
desfecho da noite: Christian se sentando ao seu lado e, sem esperar que ela
pudesse lhe interromper, dizendo tudo o que pensava a respeito de seu
casamento.

Não teria problema ouvir os conselhos que Christian tinha lhe dado se eles
não encontrassem eco no coração de Lexie. Se ela estivesse convicta de que
seu noivado era a melhor ideia possível, como procurava passar a
impressão, estaria tudo certo. O problema é que ela não estava. E Lexie
podia dizer para todos que estava desgastada, poderia jogar a culpa o quanto
fosse em Catherine, mas no fundo tinha que admitir, ao menos para si
mesma, que Christian tinha lá sua dose de razão. E uma dose bem grande,
na verdade.

E justamente num dia que Lexie começava a pensar se o casamento era o


passo certo, o universo ainda colaborou colocando outra situação para
mostrar seus verdadeiros sentimentos.

Lexie naquele fim de expediente ouviu sua interna, Brenda Cocatti, dizendo
ao grupo de amigas que tinha conseguido uma nova estratégia para se
aproximar de Mark: forjar um suposto interesse em Cirurgia Plástica. Se
normalmente Lexie reviraria os olhos para aquele "golpe", dessa vez ela
apenas encostou-se a um dos armários e ouviu a conversa até o final.
Brenda se gabava de tudo estar funcionando, de Mark ter parecido
interessado em lhe ensinar algumas suturas, sem sequer fazer ideia de qual
era a real intenção por trás daquilo. Ela tinha certeza de que o plano
funcionaria, afinal Mark gostava de ensinar internas. Ao menos era isso
que o hospital inteiro dizia.

Brenda não sabia qual era o motivo para as pessoas dizerem aquilo, mas
Lexie sim. Era por causa dela. Muita gente poderia julgar mal, acreditando
que Lexie era uma alpinista e que se envolveu com um atendente para subir
na carreira, mas não era nada daquilo. Lexie no início realmente queria
aprender. Se envolveu com Mark e o aprendizado que teve com ele acabou
se tornando algo natural. Eles sempre souberam separar as coisas enquanto
estavam juntos, só que acabaram se distanciando depois de tantos términos.
E quando finalmente voltavam a se aproximar, Lexie se deixou levar pelos
impulsos e o alto teor alcoólico em seu sangue e beijou Mark enquanto
estava noivo de seu pupilo.

Mark se afastou, agora estava ensinando Brenda, a qualquer momento


aquilo poderia se desnaturar como se desnaturou com ela. Lexie estava
noiva de Jackson e perdendo Mark mais uma vez. E não estava fazendo
nada para mudar.

O universo tinha que fazer mais... tinha que colocar mais uma pessoa que
diria o que ela precisava ouvir.

— Você agora ouve conversas de internos...?

Era Meredith. De braços cruzados, a cirurgiã geral encarava a irmã caçula


sem entender, vendo-a rapidamente se ajeitar e sair dali em disparata. Claro
que ela a acompanhou. Meredith conseguia farejar que estava acontecendo
algo e não deixaria Lexie fugir sem explicar o que era.

— Vai fugir de mim Lexie? – Meredith voltou a perguntar – Seriously?

— Eu não estava fofocando a vida delas – Lexie se defendeu sentindo o


rosto queimar – Eu apenas estava... eu tinha que ouvir, ok?

— Você quer saber se ele está com a interna – Meredith constatou


suspirando – Ele não está.

— Como você... – Lexie franziu a testa.

— Eu sou casada com o melhor amigo dele, esqueceu? – ela deu de ombros
– Derek que não me ouça te contando quando eu sequer deveria saber, mas
não Lexie, Mark não está com a interna e nem ficará. Ele a cortou no dia do
seu aniversário, na cozinha da minha casa. Cerca de uma hora antes de você
aceitar aquele pedido de casamento.

E Lexie sentiu como se o chão tivesse sumido e seu corpo caísse em queda
livre para o centro da Terra.
— E ele nem vai ficar com ela, se é o que você está pensando, e eu acho
que você sabe o porquê – Meredith a encarou bem séria – Ele disse isso ao
Derek, ele garantiu que não tinha nada com ela e nem teria. Mas ele não vai
dar um passo sequer a não ser que você dê.

E tinha sido o suficiente.

— Obrigada Meredith – Lexie murmurou, vendo a irmã abrir o pequeno


sorriso no canto da boca de quem sabia que tinha alcançado o seu objetivo.

Faltava Lexie alcançar o seu.

Conhece aquela famosa expressão "deja vu"? Geralmente nós não nos
lembramos da cena anterior, apenas o presente lembra um passado que
sequer se sabe se aconteceu. Mas acontece mesmo assim. Mark estava num
dia cansativo depois de trabalhar até dizer chega e ainda brincar com Sofia
no início da noite. Ele finalmente estava no próprio apartamento
mergulhado num silêncio merecido, pronto para usufruir do descanso dos
justos. Quando ouviu a batida na porta.

Do outro lado da porta de madeira, Lexie. Que viu uma testa franzida de
Mark ao se deparar com ela, exatamente como cinco anos atrás. Deja vu.

Lexie caminhou determinada como se lembrava de ter feito no passado,


nervosa pondo finalmente em prática uma cena ensaiada em sua mente,
com palavras que ela trocou cada vez que mentalizava o que diria. Ela viu a
expressão de Mark que não apenas não fazia ideia do que ela fazia ali e que
também não tinha como imaginar o que ela diria. Muito menos o que ela
faria.

Coisas demais tinham mudado. Lexie agora tinha um anel de noivado no


dedo direito, mas ele estava guardado dentro da bolsa. O cabelo dela tinha
crescido e ela não tinha mais aqueles traços de menina. Mas os suspiros que
Mark arrancava de sua garganta permaneciam os mesmos. Ela apenas sabia
todas as partes do corpo dele que mais gostava. E sabia que precisava tê-las
para si pelo menos mais uma vez. E se fosse para o inferno pelo pecado que
estava prestes a cometer, que se danasse.
— Eu sei que você não está entendendo nada – Lexie começou a falar,
vendo Mark de fato não entender. Mas ao menos ele fechou a porta do
apartamento e continuou encarando-a esperando pelo que estava por vir –
Sei que não esperava que eu viesse aqui. Mas eu precisava.

— Precisava...? – Mark continuava confuso.

— Sim – Lexie mordeu os lábios – Porque eu estraguei tudo algumas vezes.


Você também teve sua dose de culpa na maioria delas, mas não dessa última
vez. Eu estava bêbada e deixei as coisas irem longe demais. E eu vim me
desculpar por isso...

— Tudo bem Lex, você não tinha como imagin...

— Eu vim te desculpar por só ter feito tudo quando estava bêbada – ela
disse já tirando a jaqueta. Mark permanecia atônito apenas observando a
cena – E ter te dado a impressão de que só fiz aquilo pela bebida. O que não
é verdade.

— Lexie, o que... o que você está... – ele murmurou como no passado.

Deja vu.

— Eu ouvi uma interna dizer hoje que queria ser sua aluna – ela continuou,
ignorando a surpresa no rosto de Mark e tirando os sapatos – Porque você
tinha muito a ensinar a ela. E bem... você me ensinou muito também. Só
que ainda tem outras coisas que eu ainda não aprendi.

— Lexie... pare...

— Eu preciso aprender a correr atrás do que eu amo – ela puxou a blusa de


manga comprida para cima. Ao tirar a peça, viu o olhar de Mark correr por
seu corpo. Restava apenas o sutiã e a calça – Eu preciso lutar pelo que eu
quero. E você é bom nisso. Você sempre foi malditamente bom nisso...

— Você está noiva – Mark murmurou sem tirar os olhos dela. Ele falava
com a razão, mas todos os seus sentidos a queriam desesperadamente.
— Me ensine – Lexie pediu – Me ensine a jogar tudo pro alto. Me ensine a
não pensar, Mark. Me ensine o que realmente importa.

E Mark Sloan poderia ter sido nobre, poderia ter sido educado. Poderia até
mesmo ter lembrado à Lexie que aquela era a maneira errada de fazer as
coisas. Talvez ele não fosse um professor tão bom assim. Talvez, no fim, ele
estivesse lhe ensinando errado...

Mas se ela iria para o inferno, ele iria junto. Que se danasse.

Para Mark não importava ser o melhor professor. Ele só queria ser o homem
que terminaria de despi-la e sentiria as sedosas mãos de Lexie tirando cada
peça de sua roupa. Ele queria ser o homem a quem ela se referia, o homem
que deixaria o certo estocado no fundo do cérebro, totalmente esquecido, e
se entregaria ao que queria. O homem que lutaria por ela.

E Mark agora era o homem que, tal como cinco anos atrás, caminhava para
Lexie desistindo de ser um bom homem e a tomando nos lábios com toda a
paixão no corpo. Não importava ser um bom homem e sim ser o homem
dela. Algo que, agora eles tinham certeza, ele nunca tinha deixado de ser.

Olaaaaaar tudo bem meus amores?

Acho que vcs perceberam pelo capítulo de hoje que o único casal que não
está resolvido (ou temporariamente resolvido) é AyA né? Eu primeiro
ajeitei Manerroni, depois Bushfer e agora Slexie, falta os protagonistas. Me
divirto é com os comentários, porque embora haja uma maioria que siga
AyA e não abra mão, tem um grupinho que quer Poncho com a Diana e
Anahí com o Milo hahahahahahahaha rio mt

Mas já adianto que em menos de 10 caps essa trama vai ter um bom
seguimento e vcs vão saber a quantas tudo vai ficar. A partir de quinta
veremos o Thanksgiving e depois entraremos numa sequência de capítulos
bem focada nos protagonistas. Aí quem ama os outros casais guarda a
saudade que, depois disso, eu inicio uma nova "fase" da história contando a
segunda metade do que tem sobre eles. Sim, estamos chegando na metade!
Será que voou ou ta no ritmo tartaruga lerda da escritora? hahahahahahah

Nos vemos quinta certo?

Beijos com amor,

Rafa
Capítulo 38 - Confess

Ouça Poison and Wine -

The Civil Stars

You only know what I want I you to

Você apenas sabe o que eu quero que você saiba

I know everything you don't want me to

Eu sei tudo o que você não quer que eu saiba

Your mouth is poison your mouth is wine

Sua boca é um veneno, sua boca é vinho

You think your dreams are the same as mine

Você acha que seus sonhos são os mesmos que os meus

Mark Sloan queria ter Lexie Grey em seus braços há tanto tempo que mal
sabia como reagir. Ele parecia refém de um sentimento que rasgava seu
peito, do tesão que mal o deixava raciocinar. Mark não tinha sido nem um
pouco racional quando caminhou a passos largos na direção de Lexie e a
beijou com uma paixão não recomendada a ser feita com uma mulher que
se casaria com outro homem. Mas agora não importava o noivado de Lexie
nem nada relacionado. Nada importava senão eles.

A própria Lexie não estava sendo nem um pouco racional. Se ela tivesse
usado um pouco da inteligência a qual todos sabiam que tinha,
provavelmente não estaria ali. Lexie vinha sendo passional nos últimos
tempos, era emoção pura quando disse sim à Jackson e continuou sendo
ignorando que não era pelo noivo que ela estava apaixonada. Mas o que
levava seus sentimentos à flor da pele era o ciúme que sentia por Mark com
aquela interna. Era o fato de poder perdê-lo de vez, de tê-lo deixado
novamente escorrer por entre seus dedos sem fazer nada. Era isso o que a
levou ali. Agora, certo ou errado, ela estava ao menos fazendo.

E tudo parecia meio desajeitado. O cenário era um pouco parecido desde a


última vez que ela fez aquela mesma loucura de ir até o apartamento dele e
se despir em sua frente. Mas dessa vez Mark vivia no apartamento que um
dia dividiu com Lexie, o que a fazia conhecer o caminho para o quarto de
cor. A saudade queimava ambos, como se a corrente elétrica que
atravessasse em um chegasse ao outro. Eles mal se soltaram caminhando
até o quarto, Mark sentia que a boca tinha ficado longe da pele dela por
tempo demais e não estava disposto a perder nem um minuto.

I don't love you, but I always will

Eu não te amo, mas eu sempre amarei

I don't love you, but I always will

Eu não te amo, mas eu sempre amarei

I don't love you, but I always will

Eu não te amo, mas eu sempre amarei

I always will

Eu sempre amarei

Quando chegaram ao quarto, no entanto, foi a hora que finalmente se


soltaram. Mark se surpreendeu que ainda conseguia enxergar mesmo com o
sangue tão quente. Na verdade ele via tudo bem demais. Lexie também.

— Por que você está totalmente vestido e eu estou praticamente nua? – ela
questionou rindo do fato de até mesmo sua calça já ter sido tirada por Mark
no caminho até o quarto enquanto ele permanecia intacto.
— Talvez seja porque você bateu na porta do meu apartamento e antes que
eu conseguisse me lembrar que dia é hoje, estava tirando a roupa e
implorando com essa boca deliciosa e esses olhos enormes e sedutores que
eu te fodesse até dizer chega – Mark disse já tirando a camisa e empurrando
a calça abrigo para baixo. Ele tinha pressa.

— Na verdade eu estava pedindo por outra coisa, mas essa opção de você
me foder não parece nem um pouco ruim – Lexie confessou rindo sem tirar
os olhos dele – Eu acho que não vou me cansar nunca de te ver tirando a
camisa.

— Confessa – Mark pediu rindo – Você estava com saudade.

— Eu acho que já confessei o suficiente – Lexie murmurou ficando de


joelhos na cama e engatinhando até a beira, onde o alcançou – Deixa que eu
faço o resto.

O resto em questão era tirar a única peça que ainda estava nele, a cueca.
Enquanto Lexie tinha os olhos fixos no que fazia – deixa-lo nu, vê-lo sem
roupa alguma e apreciar sua nudez que muito a agradava. Mark, por sua
vez, estava satisfeito com as reações dela. O modo como Lexie o olhava
dizia muito sobre os sentimentos dela. Naqueles olhares ela dizia muito
mais do que sua boca ousava esconder das palavras que passavam em sua
mente. Era maravilhoso ver aqueles olhos enormes e castanhos revelando o
quanto ela sentira a falta dele.

I wish you'd hold me when I turn my back

Gostaria que você me segurasse quando eu viro as minhas costas


(Well) The less I give the more I get back

(Bem) Quanto menos eu dou, mais eu recebo de volta

Your hands can heal, your hands can bruise

Suas mãos podem curar, suas mãos podem ferir


I don't have a choice, but I'd still choose you
Eu não tenho escolha, mas eu continuarei escolhendo você

— Pronto – Mark disse após Lexie despi-lo totalmente. Ela ainda olhava
para a nudez dele – Será que agora eu posso terminar de tirar a sua roupa...?

— Acho que vou deixar – Lexie respondeu envolvendo o pescoço dele – Só


que preciso confessar que não sei se terei tanta paciência para preliminares.

— Significa que você está molhada o suficiente...? – Mark perguntou mas


não esperou pela resposta, sua mão já passou para a calcinha dela.

O dedo de Mark deslizou para dentro da calcinha dela. Mark estava de olho
para ver qual era a reação dela, e mordeu os lábios ao ver a cabeça de Lexie
caindo para trás e seus olhos se inebriando de prazer. Era bom saber que ele
causava tudo aquilo nela. Ele estava com saudade não somente do seu
corpo, mas também dos pequenos gemidos que sua boca soltava, da pele
arrepiada pelo toque dele, e dos orgasmos que um causava no outro, é claro.

— Sim – Mark sorriu – Definitivamente molhada.

— Você precisa tirar a calcinha se quiser me foder – Lexie murmurou num


gemido sôfrego.

— Não vai sobrar nada quando eu terminar, meu amor.

Não mesmo. Nem eles próprios. Nem sequer um resquício de razão.

Mark chupava o pescoço dela sentindo o cheiro de Lexie quando empurrava


a calcinha de renda que combinava com o sutiã pelas coxas e pernas de
Lexie. Logo depois disso veio o sutiã que ainda estava ali. Foi quando ele
beijou e depois chupou os seios dela. Por que ele demorava tanto para
chegar ao ponto? Lexie pensou que ele tinha dito que não haveria tempo
para nada. Onde estava aquela ansiedade? Definitivamente no corpo dela, já
que sentia queimar por dentro de desejo por Mark.

I don't love you, but I always will

Eu não te amo, mas eu sempre amarei


I don't love you, but I always will

Eu não te amo, mas eu sempre amarei

I don't love you, but I always will

Eu não te amo, mas eu sempre amarei

I always will

Eu sempre amarei

— Mark... eu pensei que você estava com pressa – a voz dela parecia mais
agoniada do que nunca. Mark sorriu ao constatar – Eu acho que já deu pra
perceber que estou pronta...

— Sim – ele riu – Deu.

— Eu vou ter que implorar...?

— É claro que não.

E não teria mesmo. Não quando a mão de Lexie já procurava pelo pau dele.
Foi a vez de Mark perder o controle. Lexie acariciou a cabeça do pau com
sua mão pequena e jeitosa, vendo somente os olhos dele se revirarem e a
respiração de Mark ficar tão pesada que parecia que ele iria explodir. Só
que o objetivo de Lexie não era masturba-lo e fazer Mark explodir naquela
mão, mas sim leva-lo aonde ela realmente o queria. Lexie segurou Mark e o
guiou até a entrada de sua boceta, deixando os corpos dos dois se
encontrarem e o magnetismo fazer o resto.

O suspiro aliviado de Mark ao se enterrar dentro dela mais uma vez era algo
que Lexie provavelmente nunca esqueceria. Estava marcado na pele dela,
em seus sentidos. Os corpos dos dois se encaixaram como tinha sido um dia
e como provavelmente sempre seria. As mãos dele a tocavam e a
seguravam, apoiando o corpo de Lexie junto ao seu. Como fazer isso e não
se perder no prazer deles não era algo que ela entendia, mas não era hora de
racionalizar. Mark se sentou na cama sentindo Lexie envolver sua cintura e,
com uma mão segurando a coxa direita dela e com a outra apoiando suas
costas, ele começou os movimentos.

Difícil conciliar saudade e eternidade. Mark queria ficar daquela forma para
sempre, tinha demorado tanto tempo para tê-la novamente que não queria
desperdiçar. Ele não queria que os gemidos de Lexie virassem lembrança e
sim rotina. Queria ouvi-los sempre que pudesse. Queria os dedos dela
enroscados em seu cabelo com frequência, e não esquecer como era sentir a
boceta dela comprimindo seu pau. A pele de Lexie estava suada e pegajosa
e Mark a amava assim, sobretudo amava senti-la prestes a gozar como
acontecia. E percebeu que tudo ainda era como antes, como o orgasmo dele
chegava perto do dela e tinha que se controlar para deixa-la chegar
primeiro... e foi exatamente o que ele fez, gozando com força e em jatos
assim que ela se recuperou.

Não era a única coisa que tinha permanecido intacta com o tempo. Ela
ainda era o melhor sexo possível. Ela ainda era muito mais do que sexo. E
ele ainda tinha certeza de que faria tudo para ter muito mais do que aquilo
com ela.

I always will

Eu sempre amarei

I always will

Eu sempre amarei

I always will

Eu sempre amarei

I always will

Eu sempre amarei

xxx

Três semanas depois


— Você tem certeza que isso vai dar certo...? – Ellie perguntou a uma
Karen que conferia se o peru do jantar estava no ponto.

— Isso o quê?

— Esse jantar – Ellie explicou, logo notando que precisaria ser óbvia –
Anahí e Keith juntos.

— Ah – Karen entendeu – Bem, a Any não ama o pai, mas ela concordou
em vir sabendo que ele estaria aqui.

— Isso não significa que vá dar tudo realmente certo – Ellie fez uma careta
– Você conhece sua filha. Ela sabe ser bem temperamental.

— Ela não vai vir sozinha – Karen sorriu – Christian virá com ela. E não
apenas ele... aquele rapaz que ela conheceu no café também.

— Então eles realmente estão juntos? – Ellie arregalou os olhos – Eu no


início estava preocupada, será que posso me tranquilizar? Você o conheceu?
É um bom rapaz

— Se nada tivesse acontecido com ela nós não teríamos por que nos
preocupar, não é? – Karen lembrou – Se fossem condições normais...

— Se nada tivesse acontecido ela teria se casado com o Poncho – Ellie


finalizou. Era isso.

Karen tinha decidido fazer o jantar para celebrar o Thanksgiving em sua


casa. Era um feriado que ela simplesmente adorava, tal como o Natal, e ter
Anahí de volta dobrava a sua vontade de comemora-lo. É claro que, como
Ellie tinha lembrado, havia um entrave naquela situação. O entrave Keith.
Anahí aceitou o relacionamento dos pais, tinha saído de casa exatamente
para permitir que Karen vivesse a própria vida, mas mesmo assim as coisas
pareciam no ar. Keith ainda não tinha voltado a morar com Karen, por um
motivo que os demais descobririam naquela noite.

Ellie estava receosa, é claro que estava. Keith e Anahí juntos na mesma
mesa era a receita perfeita para o fracasso do jantar familiar. Para
completar, um dia antes Anahí perguntou à mãe se, além de Christian, que
já era esperado por sua família, poderia também levar Milo. Eles estavam
juntos, era natural que ela o acompanhasse. A notícia foi recebida com
surpresa por Karen, ela não sabia que o relacionamento da filha estava
avançando tanto assim. Se metade dela era preocupação pelo que poderia
acontecer, a outra metade era de um certo alívio por Anahí estar finalmente
se permitindo.

Ellie e Arthur não sabiam que Anahí estava com Milo. Na verdade, Ellie,
como alguns dias, ajudava a filha no café, sabia que Anahí tinha um
interesse naquele rapaz. Diferentemente de Arthur, que não fazia ideia que
sua querida neta estava se relacionando... e como Ellie conhecia o marido,
tratou de prepara-lo para aquela "surpresa". E acabou sendo a melhor
decisão que tomou.

— Como assim ela está namorando...? – ele franziu a testa e cruzou os


braços quase revoltado – Mas como você me diz isso agora Ellie...?

— Eu acabei de descobrir Arthur – Ellie respondeu com a maior calma do


mundo – Karen acabou de me contar.

— E quem é esse rapaz? Quem o aprovou? Ele sabe da história dela? Como
vamos saber se é respeitador...?

— Arthur, deixe o lado paternalista de lado, nem Keith está assim – Ellie
fez uma careta – Pelo que a Karen disse ele é um ótimo rapaz. E eu também
me preocupei, mas confio na Any. Se ela o escolheu, é uma boa escolha.

— É que... – Arthur suspirou – Eu realmente achava que ela ficaria com o


Poncho. Eu achei... que no final as coisas se ajeitariam.

— Talvez se ajeitem – Ellie ressaltou – Mesmo que sem o Poncho.

Arthur não estava exatamente convencido disso.

Milo não estava uma pilha de nervos como Anahí imaginou que estaria,
pelo contrário. Ele parecia seguro de si, tanto quanto estava quando
conheceu Maite – e foi reapresentado a Sophia, Lexie e Christian. Era como
se ele tirasse aquilo de letra. Anahí acreditava até então que ele estaria com
as mãos suando, apreensivo pelo que a mãe e os avós dela achariam dele, se
aprovariam o relacionamento dos dois... mas nada daquilo acontecia.
Demorou algum tempo até ela se dar conta de que pensava dessa forma
porque esse tinha sido o modo como o único namorado que ela apresentou à
família tinha reagido.

Ela se lembrava de como tinha sido com Poncho. Os dois tinham acabado
de namorar e era óbvio que as famílias não precisavam ser apresentadas a
eles, já que os dois se conheciam desde que eram crianças, suas mães
inclusive eram amigas. Mas mesmo assim, quiseram fazer as coisas direito.
Primeiro Anahí foi até a casa dele e tudo saiu dentro da perfeição, mas nada
deixou Poncho imune de ficar nervoso ao ir até a casa de Karen e ser
"apresentado" a ela e aos avós de Anahí como seu namorado.

Acabou dando tudo certo. Arthur e Ellie, tal como Karen, abriram os braços
para ele. Não que Anahí esperasse algo diferente... se sua família adorava
Poncho, imagine quando eles perceberam que ele era o responsável por
aqueles novos sorrisos que sua menina começou a dar espontaneamente e
de repente?

O esforço que Anahí tinha que fazer era para não comparar os dois. Milo e
Poncho, além de serem totalmente diferentes, faziam parte de momentos
bem diferentes da vida dela. Anahí em nada lembrava a menina inocente de
anos atrás. Ela tinha endurecido e se machucado demais e agora trazer até a
sua família um namorado que não lembrava o anterior parecia combinar.

Se alguém estava em chamas naquilo tudo era Christian. Ele não conseguia
se conter próximo ao namorado da amiga, por mais que a presença de Milo
já tivesse entrado na normalidade. Quando entravam na casa dos Portilla,
ele parecia fumegar.

— Você ta me deixando nervosa – Anahí resmungou olhando-o com rabo


de olho. Milo ao seu lado riu.

— É que eu não achei que fosse viver pra ver você trazendo outro boy pra
mamãe conhecer – Christian disse batendo palminhas.
— Mais do que nervosa, constrangida – ela bufou longamente.

— Ei, está tudo bem – Milo sorriu – Christian está apenas... empolgado.
Deixe-o, pessoas felizes não enchem o saco.

— Super concordo! Imagina se o Milo tivesse conhecido a Maite antes de


começar a transar com o Mane...! – Christian quase berrou.

— CHRISTIAN!

Nenhum puxão de orelha era suficiente para conter Christian e Anahí sabia
disso. Milo parecia tranquilo, não caía na pilha e ia tranquilamente de mãos
dadas com a namorada. Quando eles entraram na casa da mãe dela Karen os
recebeu na porta com um sorriso tranquilo e um aperto de mão confiante ao
ser apresentada a ele. Na verdade, o único Portilla a não ser um mar de
amores foi Arthur, mas Anahí já esperava por isso – ele sempre foi um fã de
Poncho, afinal.

O que Anahí estranhou de cara – e lhe chamava muito mais atenção do que
o interrogatório completo que sua avó fazia à Milo – era a ausência de
Keith. Karen tinha deixado claro para a filha não somente que seu pai
estaria ali, como também que ele traria consigo uma certa novidade que
precisava tratar com a família. Anahí ainda fazia uma careta ao ouvir aquela
palavra se referindo a um círculo que incluía ela e Keith... mas agora não
era algo a se preocupar.

Keith deixou para chegar quando o jantar estava praticamente na mesa.


Todos ajudavam a colocar os talheres e Ellie começava a servir o peru já
reclamando da ausência do genro quando a campainha tocou. Justamente
quando Anahí começava a se sentir esperançosa que o pai não fosse
aparecer. Foi quando ela lembrou da surpresa em questão... justamente na
hora que conseguia ouvir o que Karen dizia ao abrir a porta para o marido.

— Ah, esse é ele? – ela falou e Anahí escutou – Seja bem vindo querido.

Pelo visto a surpresa era uma pessoa. Anahí ao se dar conta disso virou de
costas para onde Keith entraria. Viu primeiro a mãe apresentando o espaço
e, junto com o pai, um garoto. Adolescente, branco e completamente
abatido, ele parecia ter 17 anos e olheiras imensas. Algo definitivamente
estava muito errado com aquele menino... e ela entendia menos do que
nunca.

— Desculpem a demora – Keith pediu – Mas eu tive um... motivo. Tive que
convencer alguém a vir comigo.

— Presumo que o alguém seja esse rapaz parado ao seu lado – Ellie disse
ao abrir seu sorriso convidativo – Acho que ainda não fomos apresentados...

— Quem é ele, seu filho? – a voz de Anahí saía mais ácida do que nunca –
Ah, vai me dizer que você traiu os nobres sentimentos que nutriu pela
minha mãe por anos e teve outro filho? Seria esse meu irmãozinho?

— Realmente é seu irmãozinho Anahí, mas não, eu não traí os sentimentos


pela sua mãe – Keith respondeu com o mesmo tom de ironia – Conheci
Harry há dois meses...

— No exame de DNA? – Anahí voltou a ironizar. Mas na verdade foi o


próprio Harry quem respondeu.

— No Serviço Social – ele respondeu com a voz quase inaudível – Foi pra
onde me levaram depois que o laboratório de metanfetamina dos meus pais
foi descoberto.

— Eu... eu não... – Anahí murmurou totalmente perplexa. Ela nem


precisava completar a frase: era óbvio que não esperava por aquilo.

— Então sim, Harry é seu irmão – Keith explicou – Porque eu assumi a


guarda dele e pretendo adota-lo.

O clima tinha ficado o pior possível depois de toda aquela situação. Nem
parecia mais um Thanksgiving. Arthur sequer estava mais incomodado com
a presença de Milo. Agora tinha um pai e uma filha que não se ajustavam
de forma alguma e um adolescente que aparentemente era viciado – o que
explicava sua péssima aparência física – em meio a um processo de
desintoxicação e estava totalmente exposto diante da família de seu novo
"pai". Karen tomou as rédeas da situação explicando que Keith era
conveniado com o Serviço Social de Nova York há anos para dar apoio a
adolescentes em situações de risco e que somente quando estava morando
sozinho aceitou abrigar Harry durante algumas semanas, até que fosse
encontrada uma família para ele.

O problema é que essa família não foi encontrada. O garoto era quase
adulto e totalmente problemático, com dificuldades de sair das drogas às
quais os pais o expuseram. Keith continuou com Harry sob seus cuidados e
responsabilidade durante aquelas buscas e, ao ver o menino totalmente
deprimido e desmotivado diante do fato de que ninguém parecia querê-lo,
decidiu ele próprio adota-lo.

É claro que aquilo pedia o apoio de Karen, porque, por mais que estivessem
separados, os dois permaneciam casados. Mas ao contar a verdade para a
esposa, mesmo repleto de receio, o que Keith recebeu foi todo o apoio do
mundo. O único obstáculo passou a ser a família dela... afinal, se todos ali
não soubessem lidar bem com a presença de Harry, tudo seria em vão.

Só que Karen sabia que Arthur e Ellie, donos de dois corações enormes e
molengas, não seriam problema. A única pessoa que realmente poderia
colocar óbice a tudo ali era Anahí.

No fim, eles procuraram jantar na busca do clima que tinha sido perdido.
Christian era um grande colaborador, fazia piadas o tempo inteiro e
arrancava risadas de quem estava disposto a rir. Mas Anahí não conseguia.
Ela estava incomodada por ter julgado Keith mal e não parava de analisar o
pai junto ao seu novo "filho". Via seus avós e Karen tentando criar um
ambiente confortável para Harry, mas era óbvio que o garoto era fechado e
introspectivo e estava longe de se sentir à vontade. Visivelmente ele
precisava de todo um apoio psicológico como o que ela estava tendo. Era
inevitável: o lado social de Anahí não conseguia não fazê-la se sentir
mexida e disposta a participar daquilo. E não conseguia não se sentir de
modo diferente ao olhar Keith sendo tão bom com um garoto que não era
nada seu.

xxx
O Thanksgiving da casa dos Herrera tinha sido prejudicado por um Daniel
doente que acabou comprometendo os planos de Alfonso e Jesse fazerem
um jantar conjunto para reunir seus filhos. Diana acabou se vendo obrigada
a cancelar o jantar em questão já que Dani estava febril e volta e meia
vomitava, e Samantha não era exatamente a criança mais compreensiva
quando o amiguinho não tinha como lhe dar a atenção desejada.

Desse modo, Diana e Poncho acabaram comendo comida chinesa pedida


em um delivery sentados no chão do quarto do menino, mais precisamente
na beira da cama dele. Daniel finalmente estava medicado, a febre começou
a abaixar e no meio da noite ele enfim tinha parado de vomitar, mas aquele
surto de doença acabou sendo responsável por fazer algo que não
exatamente tinha acontecido nas últimas três semanas: os pais ficarem lado
a lado por um motivo específico.

Desde o aniversário do filho Diana vinha se esquivando de Poncho, sem


perceber que o marido estava fazendo a mesma coisa. Poncho preparava o
terreno para abrir o jogo com a esposa e dizer que não dava mais, apenas
não via oportunidade. Era uma época do ano complexa para uma separação,
afinal o aniversário do filho era próximo do Thanksgiving, logo depois viria
o Natal, Poncho não sabia como fazer as coisas de forma a não piorar tudo.
Ele sabia que Daniel sofreria quando quer que ele e sua mãe se separassem,
mas não queria deixar o menino traumatizado, não queria que ele se
lembrasse de todos os feriados que viessem a seguir daquela forma, a data
que seu pai tinha deixado sua mãe pela mulher que realmente amava.

Diana, por sua vez, estava evitando o inevitável. Ela sabia que não
adiantaria nada postergar aquela situação, sabia que cedo ou tarde teria que
encarar o fato de que seu casamento estava em crise. Mas ela se esforçava
tanto em fingir que nada estava acontecendo e não jogar a toalha que não
percebia que, mesmo que não o fizesse, Poncho faria. E o tic tac do relógio
tornava o momento cada vez mais próximo.

— Será que ele dorme essa noite inteira...? – Diana perguntou ao marido
logo após confirmar que o filho realmente tinha apagado – Eu não sei se
minhas costas aguentam mais uma noite sentada aqui...
— Acredito que sim, mas não se preocupe – Poncho sorriu – Eu já iria ficar
acordado escrevendo, então pode ir dormir tranquila. Eu fico com ele.

— Você vai escrever aqui? – Diana franziu a testa – Essa sua inspiração
realmente está fazendo milagres.

— Ali na poltrona – ele respondeu com ar de riso – Inspiração é inspiração,


eu consigo escrever onde quer que seja.

— Tudo bem então – ela se levantou e logo em seguida deu um selinho no


meu marido – Qualquer coisa é só me chamar.

— Não irei – Poncho garantiu – Eu cuido dele, não se preocupe. Descanse.

Viria a calhar que Diana fosse dormir e ele ficasse ali, velando o sono de
Daniel e a postos caso o filho acordasse novamente passando mal. Poncho
deixava a esposa descansar, cuidaria do filho e escreveria solitário,
provavelmente a noite inteira. Algo que vinha acontecendo com alguma
frequência nas últimas semanas, exceto pelo fato de que normalmente ele
faria isso no pequeno escritório que tinha montado, não no quarto de Dani.

A solidão não era uma exigência da escrita, não quando Poncho costumava
rascunhar seus livros na Starbucks barulhenta. Ele gostava de agitação, de
ver pessoas, era necessário para se inspirar. Não com aquele novo livro.
Para aquele, tudo o que era necessário era a concentração total.

Concentração, porque ele precisava lembrar dos detalhes de tudo. As


palavras simplesmente fluíam. Não era uma história que ele precisava
imaginar, pois Poncho a tinha vivido.

Era a história dele com Anahí. E o final que eles não puderam ter, ele iria
escrever.

Alguém aí ta sentindo um certo cheirinho? Cheirinho de divórcio


hahahahahahahaha
Sobre o capítulo: enfimmmmm Slexie! O que vai acontecer agora nós
botamos na mão de Deus, mas ja é certo dizer que Lexie, depois de sentir o
gosto do Mark bem recente e nítido, vai ter dificuldade de voltar a
desapegar né.

Sobre a Anahí, sem a menooor dúvida o Thanksgiving dela foi bemmmm


tumultuado. Keith e ela não acertam os ponteiros e eu vou colocando essas
coisas pra ir desenvolvendo aos poucos. Quando será que vai?

Sobre Diana e Poncho: o que vocês acham que vai acontecer? Me


contemmmmm.

Queria dizer que estou tentando atualizar os comentários, mas ainda to


mtmtmt atrasada. Um dia eu chego lá hahahaha.

Bom fds!

Beijos,

Rafa
Capítulo 39 - I'm here

Por mais que Sophia e Jesse soubessem – e entendessem – as razões pelas


quais Diana e Alfonso tinham cancelado o jantar conjunto de Thanksgiving,
eles também entendiam que Samantha racionalizar aquela situação era
praticamente impossível.

A menina vinha mostrando um bom avanço nas sessões de terapia com o


psiquiatra infantil ao qual Jesse a levou. Embora ainda sentisse muita falta
da mãe, além de uma dose de insegurança cada vez que o pai e a tia tinham
que se afastar por qualquer motivo que fosse, Samantha estava aos poucos
conseguindo voltar a dormir na própria cama, os pesadelos estavam
diminuindo e ela não tinha voltado a fazer xixi no meio da noite.

Mas o principal era que ela estava vendo com bons olhos o relacionamento
dos dois. Depois que Erendira jogou na cara deles que a menina já sabia de
tudo, Jesse e Sophia sentaram co ela e explicaram a situação de uma
maneira madura demais até para uma criança daquela idade. Eles deixaram
claro que havia chances de novamente não dar certo e eles se separarem,
mas que os dois ainda se amavam e que se esforçariam para que
funcionasse dessa vez. Samantha acreditou e os abraçou,
surpreendentemente agradecendo por eles estarem se dando uma chance
novamente.

Foi quando Jesse entendeu algo que nunca tinha ficado tão nítido: ele e
Sophia se darem uma chance era ao mesmo tempo dar a chance de uma
família para sua filha.

Mas naquela noite, Samantha estava emburrada. Ela tinha feito planos
mentais de brincar com Daniel e tudo tinha ido por água abaixo quando
Diana avisou que o menino estava doente. Samantha não ficava exatamente
feliz quando seus planos eram frustrados e Jesse, por mais que soubesse que
a longo prazo aquela ideia não era das melhores – dado ao fato de que sua
filha já não era boa em aceitar não's – acabou decidindo dar um jeito de
anima-la, mesmo que de outra maneira.
Sophia estava cozinhando o jantar daquela noite com um olho no peru, nas
batatas e no molho de crawmberry e outro em Samantha que estava deitada
no sofá vendo TV com um bico enorme. Quando ela ouviu o pai abrindo a
porta e entrando não deu qualquer atenção, já que estava cabisbaixa. Sophia
também não levantou a cabeça para ver o namorado, só ouviu-o falando
com a filha com um ar de malícia na voz.

— Ei Sam! – Jesse a chamou – Eu tenho uma surpresa pra você...!

A palavra surpresa fez Sophia não gostar. Ela levantou a cabeça quase que
ao mesmo tempo que Samantha, mas enquanto a menina não conseguiu
entender de cara o que continha na caixa enorme que seu pai tinha nas
mãos, Sophia imediatamente juntou as peças e percebeu do que se tratava.

— Ai meu Deus Jesse – Sophia murmurou sem acreditar.

— O que é? – Samantha franziu a testa.

— Vem ver – Jesse a chamou, ainda com a caixa em mãos e um sorriso


imenso.

— Jesse, nós moramos num apartamento... – Sophia murmurou apreensiva.


Ele sorriu ao ouvir aquele "nós".

— Nós damos um jeito – Jesse piscou – Nós sempre damos.

— O que que é papai? – Samantha disse quase pulando dentro da caixa e,


ao se dar conta, quase deu um grito – Meu Deus...! É um cachorrinho...!

— Sim – Jesse pegou o filhote dentro da caixa com o sorriso se tornando


gigante dada a reação da filha – Cachorrinha, na verdade.

— Ela é menina? – os olhos de Samantha brilharam – Ela é minha?

— Sim bebê, é sua.

— Ai meu Deus – Sophia murmurou se abaixando com a testa franzida e o


ar de desespero.
— Era uma surpresa pra você também – Jesse disse encarando-a – Porque
como sempre você ta super apavorada pensando que isso é uma péssima
ideia, mas no fundo, lá no fundo, amanhã mesmo vai estar aí, toda feliz com
ela lambendo o seu rosto.

— Sou previsível – Sophia fez uma careta.

— Papai, me deixa segurar!

Jesse colocou a filhote no colo de Samantha, mas não demorou até que ela
fugisse dali. Sophia riu ao ver que o cachorro correu para o colo dela e,
como Jesse previu, o sorriso dela foi tão grande quanto o de Sam. Sophia a
pegou, alisou o pelo, fez uma careta e logo as três estavam familiarizadas.
Tanto que Samantha chegou a confirmar com o pai se o presente tinha sido
realmente para ela e não para a sua tia.

É claro que Sophia depois ralhou com Jesse, disse que ele era maluco e que
não pensava em nada, que Samantha era muito jovem para se
responsabilizar por um filhote e que tudo recairia sobre eles. Jesse
concordou que ele deveria ter consultado Sophia antes de decidir sobre o
filhote, mas que tinha sido de repente e acabou não havendo tempo. Além
disso, garantiu que dividiria tudo com ela... como já vinha sendo com a
confeitaria, com Samantha, com tudo. No fim, o que Samantha viu foi a tia
bancando a marrenta na frente do pai e Jesse a abraçando-a, os dois
terminando num beijo de quem se reconcilia e tanto ela quanto a filhote
paradas olhando os dois. Ela com um sorriso de quem finalmente estava
feliz, é claro.

Mas a prova de que Samantha estava sempre pensando no próximo passo


veio depois do jantar, mais precisamente quando Jesse a colocava na cama.

— Papai? – ela chamou – Eu adorei a cachorrinha. Mas queria saber...


quando vou ganhar um irmãozinho?

A pergunta pegou Jesse desprevenido. Ele definitivamente não esperava.

— Er... – Jesse coçou a cabeça – Sam, as coisas não são assim. Sua tia
Sophia e eu nem somos casados.
— Então casa com ela ué – a menina deu de ombros – É que... eu gosto de
brincar com o Dani. Queria alguém assim todo dia o dia todo.

— Mas vai ser um bebê, bem pequenininho, não como você e o Dani –
Jesse esclareceu beijando a testa da menina – Ande, vá dormir. E não peça
isso para a Sophia, ok?

— Ok – ela fez uma careta – Boa noite papai. Obrigada pela surpresa.

— Boa noite meu amor.

A ideia de um irmão parecia precipitada. Se Sophia já tinha quase tido uma


crise ao ver Jesse chegando com um filhote, como reagiria com a proposta
de uma gravidez? Mas algo ali poderia ser feito. Algo que não seria porque
Samantha queria, seria porque Jesse já deveria ter feito há muito tempo. A
ideia de casar com Sophia lhe agradava muito. O sentimento deles resistiu e
eles estavam ali, juntos. Ela se tornou a mãe que a filha dele precisava
quando poderia ter se esquivado. Eles eram tudo o que o outro queria, se
encaixavam. Não tinha nenhum contra naquela lista. E se Sophia dissesse
que sim, como Jesse achava que ela faria, só teria pontos a favor.

xxx

— Eu não sei se isso é uma boa ideia – Maite murmurou pela milésima vez
assim que Mane estacionou o carro – Ainda dá tempo de desistir?

— Você quer desistir...?

Ouvir Mane perguntar daquele jeito, com aquele tom de voz, fazia com que
Maite, de repente, não quisesse. Ela sabia que, se respondesse que sim, que
queria desistir, Mane aceitaria na mesma hora, mandaria uma mensagem
para as mães dizendo que iria se atrasar e a levaria a algum lugar. Mane a
respeitava e a priorizava, e não era algo que Maite estava acostumada
depois de tantos relacionamentos ruins. Mas ao mesmo tempo, era o que a
fazia estar disposta a um esforço extra em momentos como aquele.

— Não – ela meio que mentiu mordendo os lábios – É que eu to meio que
nervosa. Sua família nem sabe que eu vou vir.
— Porque se eu dissesse teria tirado a paz do dia da minha mãe – Mane
disse com ar de riso – E eu não entendo porque você está tão nervosa, as
duas conhecem você, na verdade as três, e elas te adoram. Jade
principalmente.

— Estou nervosa porque elas podem me olhar mais de perto e ver que eu
não sou tudo isso – Maite confessou. A insegurança reinava por ali – Eu
não sou a melhor pessoa em relações pessoais ok? Eu tendo a estraga-las.

— Você ainda se culpa pelo fim do seu casamento? – Mane perguntou


franco, já debatendo mentalmente como faria para ajuda-la a deixar aquilo
para trás.

— Não estava falando do Koko, estava falando da Sophia – Maite


completou – E do Jesse. E do Poncho.

— Ok – Mane mordeu os lábios rindo – Mas isso não te define. Nada disso
te define. Você cometeu erros sim, mas sabemos que está desde então
tentando voltar atrás deles. É isso que te define.

Maite mordeu os lábios. Não havia sido cem por cento convencida, mas
definitivamente Mane tinha feito um avanço naquele ponto.

— Como eu disse, minha família adora você – Mane repetiu – Você é a nora
dos sonhos da dona Jade. Vamos entrar e fazê-la feliz?

Com alguma animação Mane pôde ouvir a resposta dela.

— Ok, vamos.

A família de Mane gostar dela não impedia Maite de se sentir insegura de


no fim acabar decepcionando. Ela tinha medo de as coisas não darem certo
entre eles, de Maite o magoar mesmo que sem querer, e Jade, Priscila e
Kamilla terminarem odiando-a. Mane não conseguia ver um cenário em que
aquilo aconteceria, já que tinha certeza que, mesmo que ele e Maite não
ficassem juntos pra sempre, ela só o magoaria se fosse tremendamente mau
caráter, algo que não era. Ele não conseguia ver Maite traindo-o ou sendo
desleal ao relacionamento deles. Qualquer outra coisa que acabasse
causando um término repentino era algo que ele sabia que iria aceitar e
perdoar, afinal Mane a amava demais para odia-la pelo que quer que fosse,
mesmo que se tratasse de não querer mais os dois.

De alguma maneira Maite deixou aquela insegurança guardada, fosse no


corpo ou na bolsa, e caminhou de mãos dadas com Mane para a entrada da
casa da família dele. As mãos dela suavam quando ele tocou a campainha,
Maite olhava para o lado pensando de forma eloquente se ainda dava tempo
de fugir dali, mas pareceu tarde demais quando a porta se abriu e era
Priscila do outro lado.

— Mane, que bom que... – ela murmurou antes de ver que o filho estava
com Maite – Oh. Oh...!

— Oi mamãe – Mane disse mordendo os lábios prendendo o riso – Eu


trouxe uma convidada para o Thanksgiving, espero que não haja problema.

— Não pra você, pra mim sim – Priscila constatou – Sua mãe vai ficar
furiosa ao se dar conta que o jantar não é fino o suficiente.

— Eu acho que só precisamos de um lugar a mais na mesa – Mane


constatou rindo mais ainda.

Os comentários deixaram Maite mais nervosa, mas Mane lhe passava toda a
segurança acariciando sua mão. Foram aquelas mãos dadas que não
deixaram margem de dúvidas para a interpretação de Priscila – era
exatamente aquilo que ela estava pensando, sem sombra de dúvidas. Maite
e Mane estavam juntos e ele acreditava que a melhor maneira de anunciar à
família era leva-la de surpresa para um jantar de feriado em casa.

Mas Mane sabia que sua família funcionava melhor com surpresas. Por isso
ele teve o cuidado de não fazer nenhuma postagem em suas redes sociais
que denunciasse que ele e Maite estavam juntos. Agora ele estava ali, de
mãos dadas com ela, entrando na casa de suas duas mães. Kamilla foi a
segunda a notar o irmão e a cunhada adentrando no espaço e já arregalou os
olhos até o impossível. Ninguém esperava, depois de tanto tempo de amor
não correspondido, que aquilo fosse se realizar. Mas definitivamente, a
reação mais esperada não era de Priscila ou a da irmã de Mane. Era, é claro,
da outra mãe, a maior torcedora daquele romance quando ainda nem
poderia ser considerado um.

— Jade, querida? – Priscila chamou pela esposa com um ar de riso


inconfundível – Mane chegou.

— Estou descendo!

— Ah, pena que eu não fiz pipoca – Kamilla comentou animada – Isso vai
ser divertido.

A única que não parecia estar de fato se divertindo era Maite. Pelo
contrário, seus olhos amendoados acompanhavam apreensivos a chegada da
sogra que descia as escadas da casa sem fazer ideia que ela estava ali. E a
reação de Jade não poderia ser menos dela: quando chegou até o andar
inferior da casa e viu aquela que até então era a amiga de seu filho por
quem ele era apaixonado ao lado dele, em sua casa, no Thanksgiving.
Aquilo só poderia querer dizer uma coisa...

— Surpresaaaaa – Kamilla anunciou claramente gozando da situação.

— Olá Maite – Jade disse pisando com calma no terreno – Eu não sabia que
você viria, querida.

— Eu queria fazer uma surpresa – Mane disse abraçando Maite por trás
com um sorriso no canto da boca, claramente sedento pela reação da mãe.

— Ai meu Deus, nem é meu aniversário nem nada – Jade disse colocando a
mão no peito, com os olhos indo do filho para Maite tentando acreditar que
aquilo era mesmo verdade – É isso mesmo que eu to pensando?

— Eu disse ao Mane que não era a melhor maneira de anunciar – Maite


murmurou nervosa.

— É claro que não! – Jade esbravejou. Ela enfim estava reagindo –


Priscila! Nós fizemos uma janta muito simples! Kamilla! Vai trocar a louça
do jantar, eu quero os melhores pratos! Andem, vão!
— Eu não disse que era assim que ela iria reagir? – Priscila disse com ar de
riso indo para a cozinha.

— Querida, você quer sentar onde? – Jade já empurrava Maite – Quer uma
sobremesa? Quer beber algo...?

— Quer o mundo? Ela te dá – Kamilla debochou.

— BEM VINDA À FAMÍLIA, QUERIDA! – elas ouviram Priscila gritar da


cozinha, enquanto Mane não conseguia mais conter a risada.

Alguém poderia imaginar umas boas vindas melhores do que essas?

xxx

Lexie tinha se aproveitado do fato de Jackson ter decidido viajar para


Boston e passar o Thanksgiving com Catherine e ela estar de plantão,
impossibilitando-a de acompanha-lo, para dar continuidade ao que tinha
feito ao longo daquelas três últimas semanas: estar com Mark.

Claro que aqueles planos só funcionavam na teoria. Lexie tinha um


devaneio que terminaria o plantão e disfarçadamente esqueceria o caminho
de casa, indo parar no apartamento de Mark e passando a noite na cama
dele, como conseguia fazer sempre que era possível escapulir de Jackson.
Não era frequente, se ela não estava em casa teria que estar no hospital e
como todos ali conheciam os envolvidos, ela acabar sendo vista saindo do
mesmo quarto de plantonistas que Mark era suspeito demais. Se alguém os
visse... isso fazia com que os encontros dos amantes fossem escassos, e que
Lexie alimentasse uma saudade que queria matar naquele bendito feriado.

Parecia perfeito. Jackson iria viajar e ela não. Mark e ela teriam a noite
inteira, a madrugada inteira. Não tinha como dar errado.

Mas surpreendentemente deu. Assim que Callie avisou à Mark que Sofia, a
filha deles, tinha pedido à mãe que fizesse um jantar de Thanksgiving junto
com Meredith, para que ela pudesse passar a data com Zola. As crianças
decidiram praticamente sozinhas e as mães não tiveram como dizer que
não. Quando Mark piscou, Arizona e Meredith, Callie e Derek já estavam
decidindo pratos e fazendo uma divisão de tarefas para aquela noite, que
obviamente incluía a participação dele.

Mark a princípio achou que Lexie iria para Boston com Jackson, então
acabou entrando nos planos do Thanksgiving na casa de seu melhor amigo
e da esposa. Ficou decidido que ele e Arizona cozinhariam, já que deixar
Meredith ou Callie na cozinha era a representação do fracasso do peru da
data e todos morreriam de fome. Ele passou o dia inteiro na cozinha de
Derek cozinhando, um tanto cabisbaixo pela ideia óbvia de que queria
passar o Thanksgiving com ela, de uma maneira diferente da que estava
tendo. Mark não tinha problemas em ficar em família, ele se sentia a
vontade entre os Shepherd e ao lado de Callie e Arizona, mas queria estar
cozinhando aquele peru esperando que Lexie chegasse no fim do dia e ele
pudesse beija-la na boca na frente de todos e que um dia os filhos deles
estivessem no chão brincando com Zola, Sofia e Bailey, como a criança que
Meredith esperava logo estaria.

É lógico que Mark não ousava brincar com a sorte ou sequer reclamar. Ele
tinha decidido para si que ainda tinha tempo para fazer Lexie desistir
daquele casamento e ficar com ele. Sabia que seria difícil, que ela temia
magoar Jackson e dar um passo em falso com ele. Lexie não era boa em
arriscar, mas Mark tinha esperanças. O problema é que não dava para
avançar daquela forma. Não com ela voando para Boston com o noivo e ele
cozinhando para a família.

A surpresa foi quando o jantar já estava quase pronto e um carro estacionou


do lado de fora da casa. Como Arizona, Derek e Callie não tinham
trabalhado naquele dia, faltavam apenas duas pessoas. Meredith e Amelia
chegariam juntas e todos esperavam por elas. Dessa forma, quando ouviu o
barulho do carro e as vozes femininas Mark supôs que fossem as duas. Ele
só se deu conta que havia uma mulher à mais quando aquilo foi revelado
por um grito animado de Zola.

— Tia Lexie! Você veio...!

Mark sentiu o rosto queimar de animação. Ele estava totalmente surpreso e


levantou o rosto na mesma hora que ouviu o nome de Lexie ser dito pela
sobrinha. Quando percebeu tanto Callie quanto Arizona o encaravam e se
entreolhavam em seguida. Ele tinha que disfarçar, não poderia dar bandeira.
Afinal, ninguém sabia o que acontecia entre os dois e, nos planos de Mark,
continuariam sem saber.

Lexie foi tomada pelas crianças e mal teve tempo de falar com os adultos na
cozinha. Zola e Sofia exigiram a sua atenção e, quando ela deu por si,
estava sentada na sala de estar de Meredith. Mark mesmo da cozinha
conseguia vê-la e seus olhos procuravam pelos dela, ignorando uma
conversa cirúrgica que acontecia na cozinha e envolvia todos os presentes.
Amelia tinha chegado como sempre espaçosa dizendo sobre um caso da
Emergência naquela tarde e ela e Derek debatiam fervorosos como sempre,
os demais participavam. Mark então aproveitou a distração dos presentes,
verificando que o peru estava quase no ponto, e disse que iria ao banheiro.
Todos compenetrados sequer perceberam a sua escapulida e muito menos os
motivos que o faziam sair dali.

Quando Mark passou pela sala viu que não era apenas ele que tomava conta
de Lexie com os olhos, ela fazia o mesmo. Os dois trocaram um breve olhar
sem serem notados pelas crianças, logo antes dele seguir para o banheiro.
Lexie acompanhou a silhueta dele se afastando, estando certa do que Mark
queria e do que aquele olhar significava. Ela contou um minuto com
ansiedade, segundo por segundo, e disse às crianças que logo voltava. Deu
uma volta na casa para disfarçar, mas acabou parada na porta do mesmo
banheiro que sabia que ele tinha entrado.

Duas batidas com somente dois dedos na porta e Lexie viu a maçaneta
rodando. Depois disso não houve muito o que ser visto... exceto pelo raio de
segundos antes de Mark puxa-la pelo braço para dentro do banheiro e
trancar a porta, jogando-a contra a parede em seguida.

— Você vai me deixar louco – ela o ouviu murmurar. Seus olhos nadavam
desejo – Eu pensei em você o dia inteiro...

— Eu estou aqui...

— Achei que você não viria – ele colocou a boca no pescoço dela,
desabotoando sua calça – Lex...
— Mark... – ela segurou o rosto dele – Eu estou aqui.

E ela estava. Mark sorriu ao constatar isso e perceber que eles não tinham
nada a perder. A calça dele ficou igualmente desabotoada e Mark se limitou
a imprensa-la de vez na parede, segurando-a pelo quadril e vendo-a
envolver sua cintura com as pernas. Lexie estava excitada a ponto de seu
pau deslizar para dentro da boceta dela. Era delicioso ver a expressão que se
formava no rosto dela ao ser penetrada, em especial porque aquele era o
pior momento para aquilo, no lugar mais inoportuno, mas mesmo assim
nenhum dos dois se importava.

O espelho do banheiro de Meredith ficou embaçado pelo calor que se


instaurou lá dentro. Quando terminaram e se limpavam, Lexie começou a
trabalhar na mente que teria que fingir um banho quente para justificar
aquilo tudo. Mark saiu do banheiro e ela contou cinco segundos e foi atrás
dele. Quando ele abriu a porta ela ouviu, de longe, as vozes da irmã, do
cunhado e das amigas discutindo a cirurgia na cozinha. Olhou o relógio e
viu que tinha passado apenas sete minutos desde seu súbito
desaparecimento. Certamente ninguém notou e eles passaram
desapercebidos.

Na verdade, quase ninguém.

Mark se apressou em voltar para a cozinha e percebeu que o debate entre


Amelia e Derek – como sempre – estava tão fervoroso que sua falta mal foi
notada. Ele ajudou Arizona a tirar o peru do forno e Callie e Meredith
dissolveram o assunto para que todos ajudassem a colocar a mesa. Lexie
surgiu naquele cenário como um apoio e, para todos os efeitos, ela tinha
deixado as crianças para se juntar aos adultos. Tudo parecia que correria na
mais santa paz, depois de uma prece, com todos sentados na mesa juntos
quando uma voz infantil interrompeu o clima que tinha se estabelecido.

— Tio Mark? – Zola chamou – Por que você e a tia Lexie saíram do
banheiro juntos?

E o silêncio sepulcral se formou na mesa.


Lexie quase se engasgou com o pedaço de peru que mastigava. Mark, por
sua vez, ficou completamente sem reação, sobretudo porque a pergunta
tinha sido direcionada a ele, de modo que era ele que teria que respondê-la.
As reações dos demais adultos variaram, é claro. Callie e Arizona se
entreolharam, Meredith tampou o rosto, Amelia mordeu os lábios para
conter a vontade de rir e Derek parecia esbofeteado, em especial por
observar as reações à mesa e perceber que todos ali pareciam saber
exatamente o que estava acontecendo e ele ter sido o único a descobrir
naquele momento.

Mas a resposta à Zola não veio de Mark e sim de Sofia.

— Papai estava ajudando a tia Lexie a ir ao banheiro? Como me ajuda?

Dessa vez Amelia não aguentou. Quando ouviu Sofia dizer aquilo a
neurocirurgiã explodiu numa intensa gargalhada. Vendo a amiga reagir
daquela forma Arizona também não aguentou. O único que permanecia
estático – além dos próprios envolvidos, é claro – era Derek.

— Temos que agradecer que Mark está aqui para ensinar à Lexie o caminho
do banheiro – Derek murmurou irônico.

— E o que é o Thanksgiving senão um feriado para agradecer? – Callie


respondeu mais irônica ainda – Amém.

Mas a verdade é que Lexie se preocupava com aquele tom um tanto crítico
do cunhado. No fundo Derek ecoava a crítica que ela fazia a si mesma. A
crítica de quem sabia que estava fazendo algo errado e que teria que sair de
cima do muro.

xxx

Depois que Daniel finalmente ficou um pouco melhor, Erendira tinha


acabado de viagem e, ao se deparar com a exaustão física do irmão e da
cunhada após cuidar do filho doente, resolveu dar um vale night para os
dois. Alfonso não estava exatamente animado com aquele programa
sugerido pela irmã, mas Diana estava e ele acabou se rendendo.
Provavelmente ele não teria ficado tão feliz se soubesse o que encontraria
pela frente.

Anahí não encontrava Milo desde o jantar de Thanksgiving, quando sabia


que ele tinha ficado repleto de dúvidas e perguntas não respondidas por
conta da discussão dela e de Keith na frente da família inteira. Milo não
tinha acompanhado qual exatamente era o problema entre pai e filha e
Anahí sentia que lhe devia explicações.

Diana insistiu com Alfonso que eles fossem a um bar no qual tinha sido um
de seus primeiros encontros, quase sete anos atrás. Ele não estava
exatamente animado e sequer achava uma boa ideia que eles fizessem uma
saída em casal que representasse uma nostalgia que não sentia, não quando
procurava as melhores palavras para dizer à esposa que não sabia se queria
continuar com ela. Diana, por sua vez, ignorava os sinais de que tudo
parecia estar chegando ao fim e se apegava a qualquer detalhe que indicasse
que seu casamento ainda tinha alguma chance, mesmo que o detalhe fosse
criado por ela.

Milo era um profundo conhecedor dos bares da cidade. Ele queria


apresentar a Anahí uma visão diferente da Nova York que ela conhecia, em
especial porque essa Nova York tinha sido deixada no tempo, oito anos
atrás. Ele marcou num bar noturno com música, jazz e barulho e Anahí se
surpreendeu que ele escolheu aquele ambiente para conversar sobre um
assunto que ela considerava um pouco delicado demais.

— Então você está me dizendo que criou esse rancor enorme por um cara
que nem sequer sabia da sua existência e que agora está fazendo de tudo
pra se aproximar de você...? – Milo franziu a testa – Eu não entendo.

— Ah não, você não – ela revirou os olhos – Até você?

— Como assim até eu? – ele perguntou rindo.

Ela não poderia dizer a Milo que ele estava tendo a mesma reação que
Poncho. Não poderia comparar os dois tão explicitamente, por mais que
eles insistissem em ser parecidos até nisso.
— Todos os meus amigos defendem o Keith – ela rebateu. Assim falaria de
Poncho sem dizer o nome do ex-namorado – Ninguém entende o meu lado.

— E qual seria o seu lado?

— O lado da garota que passou a vida inteira acreditando que o pai era um
insensível e que agora simplesmente não consegue se convencer só porque
todo mundo acredita que ele é o melhor pai do mundo!

— Eu entendo – Milo respondeu – De verdade. Você apenas precisa deixar


as coisas acontecerem... sem se forçar, mas sem se impedir.

— Me impedir?

— E se você estivesse aqui quando ele apareceu? Talvez oito anos depois,
você já teria perdoado, vocês seriam pai e filha.

— Eu realmente não acredito nisso – Anahí fez uma careta.

— Eu acredito – Milo deu de ombros.

— Você é um cara legal – Anahí deu um sorriso sincero – Estou feliz por
estar com você.

— Então eu estou te fazendo feliz? – o rosto de Milo se aproximou


consideravelmente do dela.

— Digamos que você esteja bem perto disso.

O timing perfeito. Diana conversava com Poncho e tentava distrair o marido


avoado quando eles entravam no bar. Exatamente quando Anahí, dentro
dele, sorria para o homem que a acompanhava, deixava claro o quanto ele
vinha lhe fazendo bem. Como se não houvesse nada ao redor. Talvez não
houvesse mesmo.

O momento em que Diana parou de falar e Poncho olhou para as pessoas


que estavam dentro daquele bar foi exatamente o que Milo acariciava o
rosto de Anahí, se sentindo feliz pela pequena confissão dos sentimentos
dela. Anahí fechou os olhos e se deixou ser beijada, pensando no que ele
dizia. Talvez, se oito anos antes, ela não tivesse sido sequestrada e Keith
aparecesse em sua vida, ela já teria tido a chance de perdoa-lo. Muitas
coisas foram mudadas com aquele sequestro, e não adiantava chorar pelo
leite que há muito tinha sido derramado. Anahí precisava o quanto antes
reconstruir sua vida, restaurar o que tinha em mãos e encontrar algum
caminho da felicidade. Aquele homem parecia ser um destino interessante e
ela estava disposta a se permitir.

Alfonso já conhecia Milo. Já tinha além disso ouvido Anahí falar


abertamente o quanto queria tentar algo com ele. E agora não eram mais
planos, era a realidade. Era a escolha dela, feita.

E de repente ficou claro que, se ele não fizesse a escolha dele, iria perdê-
la... isso se já não tinha perdido.

Quem não sentiu o cheirinho agora vai sentir com certeza kkkkkkkkkkkk

Bom, vocês sobreviveram bravamente e chegaram até aqui, onde eu


começo a desenvolver AyA (na verdade Anahí x Poncho x Diana x Milo).
Eu prometi que quando começasse AyA teria surraaaaa de AyA então se
preparem porque os próximos capítulos são todos sobre eles. Os outros
casais foram cozinhados até aqui pra esse momento de pausa onde os
protagonistas foram mais ou menos desenvolvidos pra chegar no ponto que
eu precisava focar neles. Eles vão continuar aparecendo, mas agora é foco
nos principais. Escrevi os próximos capítulos com mt carinho e mt
inspiração e eu espero que vcs curtam como eu to curtindo <3

Esse capítulo ainda mostrou mais um pouco de todo mundo porque tivemos
o Thanksgiving. Vocês só verão meeeeeesmo os outros casais no Natal e
teremos por volta de seis capítulos entre uma data e outra. O quanto AyA
muda nesse meio tempo? Será que vai? hohohoho. OPINEM!

Beijos,
Rafa
Capítulo 40 - Happier

Ouça "Happier" –

Tyler Ward (cover)

Walking down 29th and Park

Descendo pela rua 29 com a Park

I saw you in another's arms

Eu te vi nos braços de outro

Only a month we've been apart

Apenas um mês desde que nos separamos

You look happier

Você parece mais feliz

Diana não esperava que, numa tentativa de resolver o próprio casamento,


fosse dar o passo decisivo para, quem sabe, afunda-lo de vez.

Ela enxergou Anahí beijando Milo no fundo daquele bar segundos depois
de Poncho ver. Imediatamente Diana entendeu o que aquilo significava: era
impossível que Poncho não se afetasse pela cena que acontecia bem à sua
frente. Ao mesmo tempo, parecia um teste, já que, se ele superasse aquilo e
seguisse em frente, seguiria com qualquer coisa que surgisse a respeito de
Anahí.
O lado esperançoso de Diana conseguia ver algum lado bom naquilo.
Talvez Poncho enxergando aquela cena mudasse com relação à Anahí, visse
que a ex estava feliz e seguindo em frente e aceitasse que os dois não iriam
ficar juntos. Talvez. Mas como toda boa insegurança, ela continuava
atormentando a cabeça daquela mulher e assim seria enquanto não tirasse a
história a limpo. Ou seja, a dúvida precisava ser sanada.

Poncho, por sua vez, ao ver Anahí com Milo sentiu parte do corpo morrer.
Ele não esperava, embora seu lado racional soubesse que aquilo poderia
acontecer cedo ou tarde. Anahí e ele moravam na mesma cidade e ela pelo
visto estava realmente namorando outro homem. Os dois tinham o mesmo
círculo de amizades, conviviam com as mesmas pessoas. Mas talvez seria
mais fácil para Poncho vê-la acompanhada daquele cara em algum evento
de Lexie ou de Sophia, e não desprevenido num bar no meio da noite.

Um bar. Como se não fosse perigoso ela estar no meio do nada com um
homem que não conhecia direito. E se ele fosse como Tobias? E se tudo
acontecesse de novo? O peito de Poncho queimava. Ele já não sabia mais o
que era ciúme e o que era preocupação.

Saw you walk inside a bar

Vi você entrar em um bar

He said something to make you laugh

Ele disse algo que te fez rir

I saw that both your smiles were twice as wide as ours

Eu vi que seus sorrisos eram duas vezes maiores que os nossos

Yeah, you look happier, you do

Sim, você parece mais feliz, você parece

Diana ficou honestamente esperando pela reação do marido, esperando para


ver qual dos três caminhos óbvios Poncho seguiria: ir até Anahí, sugerir que
fossem até outro lugar alegando provavelmente o óbvio constrangimento da
situação ou sentar ali e fingir que Anahí não estava com outro homem no
mesmo lugar que eles. Diana não sabia dizer qual das três opções a
incomodaria mais, porque qualquer uma delas demonstrava o óbvio, que ele
ainda se importava com a ex mais do que deveria. No fim, como Poncho
parecia não ter reação, ela decidiu por eles. Estava cansada de esperar.

— Anahí está ali – Diana murmurou como se tivesse acabado de perceber –


Vamos falar com ela?

— Você acha que isso seria uma boa ideia? – Poncho perguntou franco. A
ideia de caminhar até sua ex-namorada enquanto ela estava ao lado de Milo
fazia o monstro do ciúme em seu peito simplesmente rugir.

— Você prefere simplesmente fingir que não a vimos? – Diana arqueou as


sobrancelhas, claramente irritada – Sério Poncho...?

Era claramente uma cobrança. Ela estava exigindo, mesmo que em silêncio,
que ele se posicionasse. E Poncho simplesmente estava perdido. No fim ele
acabou concordando, assentindo com a cabeça, prometendo para si mesmo
que se controlaria com a classe que se acostumou a ter, embora nunca
tivesse ficado naquela situação antes, nunca tivesse se colocado a prova.
Era a hora de saber como ele reagiria quando a situação estava inversa,
quando tudo estava o contrário.

Quando era ele a caminhar até Anahí e o novo homem que, pelo visto, a
fazia feliz.

Ain't nobody hurt you like I hurt you

Ninguém nunca te machucou como eu te machuquei

But ain't nobody love you like I do

Mas ninguém te ama como eu amo

Promise that I will not take it personal, baby

Prometo que não vou levar para o lado pessoal, amor


If you're moving on with someone new

Se você está seguindo em frente com alguém novo

— Boa noite – Diana disse ao se aproximar de Anahí e Milo, que não mais
estavam se beijando.

Imediatamente ao ouvir a voz da esposa de seu ex-namorado, Anahí não


apenas a reconheceu como também mudou rapidamente a própria postura.
Os olhos dela se arregalaram porque seu cérebro recebeu a mensagem do
que estava acontecendo ali: Poncho e Diana estavam no mesmo bar que ela
e Milo. Poncho tinha visto Milo e ela juntos. O impossível, ou melhor
dizendo, o improvável tinha acontecido e pegou Anahí totalmente de
surpresa. Agora ela era obrigada a guardar sua reação para si e tentar
administrar aquela situação com o máximo de maturidade possível.

— Boa noite – Anahí respondeu com o sorriso mais amarelo que tinha no
rosto – Que coincidência...

— Pois é, tantos bares em Nova York e nós fomos parar justamente no


mesmo... – Diana respondeu balançando com a cabeça.

Os olhos de Poncho estavam fixos em Anahí. Na forma como ela estava


bonita, leve e terrivelmente bem com aquele cara. Poncho engolia em seco,
notando cada traço da expressão dela, com o monstro do ciúme aos poucos
se transformando em uma dor bem aguda e firme no fundo do peito. A dor
de quem se dava conta que a tinha perdido, provavelmente, porque Anahí
parecia feliz de uma maneira que ele sabia reconhecer... já que ele
costumava fazê-la feliz uma década atrás.

Milo rapidamente percebeu o modo como aquele homem acompanhava


Anahí com os olhos, como a encarava meio ferido e apaixonado, e não
demorou nada para juntar as peças e supor que ele só poderia ser o tal
Poncho. O ex-namorado dela por quem Anahí ainda nutria sentimentos. Por
suposto, a mulher que o acompanhava era a esposa a quem Anahí também
tinha se referido. Ao menos só poderia ser, porque Milo duvidava que
qualquer outro homem além daquele encarasse Anahí da forma como ele
fazia.
'Cause baby, you look happier, you do

Porque, amor, você parece mais feliz, você parece

My friends told me one day I'll feel it too

Meus amigos me disseram que um dia vou me sentir assim também

And until then I'll smile to hide the truth

E até lá, eu vou sorrir para esconder a verdade

But I know I was happier with you

Mas eu sei que eu era mais feliz com você

Como Milo sabia da história que Anahí e Poncho tiveram antes do


sequestro ele estava levando aquilo bem, não estava completamente
incomodado ou ciumento, em especial porque soube do relacionamento
deles pela própria Anahí. E claro, ela tinha se limitado a revelar os próprios
sentimentos sobre o ex-namorado, não tinha deixado claro se ele a
correspondia ou não. Milo imaginou que provavelmente Poncho amava a
esposa e isso tinha minado as chances dele com a ex quando esta
reapareceu. Só que não era isso que ele via naquele olhar. E essa era a peça
que estava faltando no quebra-cabeças: se ele a correspondia como seu
olhar denunciava, por que ainda estava casado? Por que tinha deixado que
Anahí se envolvesse com outro homem e agora parecia tão ferido ao vê-la
seguindo em frente?

Simplesmente não dava para entender.

Por mais constrangida que Anahí estivesse, ela sabia que simplesmente não
havia como ignorar a situação e não apresentar Milo a Diana e Poncho, não
quando eles estavam parados ali na frente deles. Por isso ela tocou o braço
dele, fazendo Milo perceber sua intenção e se levantar sorrindo, e fez aquilo
antes que se arrependesse.

— Diana, Poncho, esse é o Milo – Anahí disse se limitando àquelas


palavras. Talvez fosse melhor não apresenta-lo com um título, afinal ela
própria não sabia exatamente qual teria que dar – Esses são... um casal de
amigos.

E se a dor de Poncho não era suficiente, aquele parecia o golpe de


misericórdia. Ele chegou a pensar que ela o apresentaria como era: seu ex-
namorado. Não era segredo para ninguém, Diana sabia, provavelmente
Milo também, quem sabe até o barman desconfiava. Mas não, Anahí o
classificou como um amigo, que era a nova forma como ela o encarava.
Como se já não importasse se eles tinham sido tudo na vida um do outro.
Agora ele ficava no mesmo grupo que Diana. No mesmo grupo que Sophia
e Jesse, Maite e Mane, Lexie, Christian... as coisas definitivamente tinham
mudado.

Sat on the corner of the room

Me sentei no canto da sala

Everything's reminding me of you

Tudo está me lembrando você

Nursing an empty bottle and telling myself you're happier

Segurando uma garrafa vazia e repetindo para mim mesmo que você está
mais feliz

Aren't you?

Não está?

— Prazer Milo – Poncho disse sorrindo o quanto podia e apertando a mão


daquele homem, cordial.

— O prazer é meu – Milo respondeu educadamente, cumprimentando


Poncho e logo em seguida, Diana.

Ele guardava os sentimentos para si, jamais trataria Milo mal e faria Anahí
passar algum constrangimento, Diana passar alguma vergonha. Aquele
homem não tinha culpa de nada, enquanto ele fizesse Anahí feliz, enquanto
não derramasse uma lágrima dela, tudo estaria bem. Ou supostamente bem,
não importava. Poncho não tinha qualquer direito de sentir raiva ou
despeito por Milo, afinal fora ele quem deixara o caminho livre. Ele fez a
escolha e agora arcava com as consequências. Quem poderia culpar Milo
por ficar com Anahí quando ela estava completamente desimpedida?
Nenhum homem em sã consciência seria capaz de rejeita-la.

Exceto ele.

A situação já estava desconfortável o suficiente e, por sorte, todos ali


tinham noção de que seria a pior ideia possível sugerir que eles passassem a
noite a quatro. Ninguém ficaria relaxado, nem mesmo Milo que era o único
que poderia, eventualmente, não ter ideia da situação na qual estava
inserido. Depois das apresentações Diana desejou boa noite ao casal de
amigos e ela e Poncho se afastaram seguindo para o outro lado do bar, numa
mesa que estava vazia. Fez questão de se sentar no lugar de onde dava visão
para Milo e Anahí, porque ver seu marido procurando pela ex a noite inteira
e vigiando o encontro dela... aí seria demais.

But ain't nobody hurt you like I hurt you

Mas ninguém nunca te machucou como eu te machuquei

But ain't nobody need you like I do

Mas ninguém precisa de você como eu preciso

I know that there's others that deserve you

Eu sei que há outros que merecem você

But, my darling, I am still in love with you

Mas, meu amor, eu ainda estou apaixonado por você

Anahí, por sua vez, não sabia bem como recomeçar o assunto com Milo.
Ele a encarava com um certo ar de riso no rosto esperando que ela
começasse a dar explicações. Anahí realmente as buscava, pensava no que
dizer, mas nada vinha à mente. No fim, foi Milo quem tomou as rédeas da
conversa, exatamente com o assunto que ela não sabia como falar.

— Então... acabamos de conhecer o seu ex-namorado e a esposa dele – ele


disse observando a reação dela. Viu uma Anahí surpresa por ele ter
reconhecido Poncho mesmo sem ela ter se referido diretamente.

— Como você...

— Você disse o nome dele quando contou dos dois – Milo explicou, mas
havia mais – Só que mesmo que não tivesse dito nada, é completamente
óbvio pela forma como ele olha pra você.

— Como ele olha pra mim...? – Anahí perguntou intrigada, sentindo uma
onda de surpresa tomar seu corpo. Ela não esperava por aquilo.

— Sim – Milo confirmou – Você não disse que ele ainda era meio
apaixonado por você.

É claro que ela não concordaria com aquilo.

— Milo... – Anahí riu balançando a cabeça – O Poncho não é apaixonado


por mim. Ele escolheu a Diana, você viu como eles estão juntos, como
formam um casal bonito...

— Não é isso que os olhos dele dizem – Milo retrucou – O olhar denuncia
tudo, todas as coisas que nós sentimos, as coisas que não admitimos... então
eu acho que sim, ele e a esposa podem estar juntos e podem formar um
casal bonito como você diz, mas isso não muda o fato de que ele ainda
sente algo muito forte por você, mesmo que não admita.

Aquela fala de Milo deixava Anahí ainda mais confusa. Ela tinha se
acostumado com a ideia de que Poncho amava Diana e que foi por isso que
ele escolheu continuar seu casamento. Se ele ainda a amava, se ele sentia
alguma coisa com ela... por que tinha deixado as coisas ficarem daquela
forma?

Ela não conseguia entender.


'Cause baby, you look happier, you do

Porque, amor, você parece mais feliz, você parece

My friends told me one day I'll feel it too

Meus amigos me disseram que um dia vou me sentir assim também

And until then I'll smile to hide the truth

E até lá, eu vou sorrir para esconder a verdade

But I know I was happier with you

Mas eu sei que eu era mais feliz com você

— Você não precisa ficar assim – Milo disse acariciando a mão dela – Me
desculpe se te deixei chateada com isso.

— Você não deixou, ele deixa – Anahí suspirou mordendo os lábios. Ela
estava mais confusa do que nunca – Eu não entendo porque complicar
coisas simples.

— Talvez seja simples pra você, não veja tudo preto-no-branco – Milo
observou – Veja bem, nós somos duas pessoas que estamos nos
relacionando mesmo admitindo que sentimos alguma coisa por outras
pessoas. Talvez seja o caso dele. Casamento não é algo frívolo, deve ser
uma escolha difícil.

— Se a Mandy estivesse aqui... se ela estivesse livre pra você... – Anahí


começou a falar buscando o olhar dele. Mas os olhos de Milo não fugiam,
pelo contrário, ele a encarava de frente – Você voltaria pra ela?

— É complicado – ele respondeu franco.

— Mas você não a ama?

— Sim – Milo confirmou – Mas o amor não é a única coisa na vida. Amor
não sustenta relacionamento nenhum, como não sustentou comigo e com
ela. Precisava de presença física, precisa também que as duas pessoas
queiram a mesma busca, busquem os mesmos objetivos, tenham as mesmas
prioridades. A sua prioridade é se reerguer, seguir em frente com a sua vida,
voltar a se sentir você mesma ou algo parecido, e a dele... bem, ele tem uma
família. Tem um filho no qual precisa pensar. A Mandy escolheu a carreira
dela e eu a entendo, entendo de verdade, mas não era o que eu queria pra
mim. Então pra que nós voltássemos eu precisaria ver que ela e eu estamos
no mesmo patamar, buscando a mesma vida. Do contrário não daria certo.

E a conversa que Milo tinha com ela só fazia Anahí acreditar que, talvez,
Poncho tivesse feito a melhor escolha para os dois. Talvez fosse o certo ele
optar por ficar com Diana e manter a família de Daniel. Era a prioridade
dele. Ela precisava de alguém que se entregasse para ela, que fosse livre
para segurar sua mão e ajuda-la a reconstruir sua vida. Era Milo quem
estava com as mãos livres. Era ele quem queria dar a mão para ela.

'Cause baby, you look happier, you do

Porque, amor, você parece mais feliz, você parece

I knew one day you'd fall for someone new

Eu sei que um dia você se apaixonaria por alguém novo

But if he breaks your heart like lovers do

Mas se ele partir seu coração como os amantes fazem

Just know that I'll be waiting here for you

Saiba que eu estarei aqui esperando por você

Do outro lado do bar, em outra mesa, a constatação era bem diferente.

A presença de Diana e Poncho ali não durou tanto. Se Milo e Anahí, de um


lado, estavam tirando o saldo positivo daquele encontro inesperado, na
outra metade restou o negativo. Uns ficam com o suco, outros com o
bagaço e ali era exatamente o caso. Poncho bem que tentou se envolver na
conversa que a esposa tentava a todo custo ter com ele, mas estava
impossível. Ele estava aéreo, distante e fechado, completamente
incomodado com o que acontecia no balcão do bar e ele sequer poderia ver.
Quando Diana sugeriu que os dois encurtassem a noite e fossem embora foi
como um alívio, o fim de um martírio. Nenhum dos dois aguentava mais
não apenas aquela situação, como tudo. Eles não sabiam o que fazer.

Chegando em casa Diana liberou Bea, que estava cuidando de Dani aquela
noite, e apenas velou o sono do filho por alguns minutos, encarando a
serenidade daquela criança de seis anos e se perguntando se valia a pena ir
tão longe por um relacionamento que dava sinais de fracasso cada vez mais
fortes. Dentro de si Diana buscava coragem para ter uma conversa
definitiva com Poncho e pedir ao marido que fosse franco com ela, embora,
mesmo que aquilo não acontecesse, Diana estivesse cada vez menos
disposta a esperar que as palavras de Poncho saíssem. As atitudes dele, a
distância, o olhar que ele seguia lançando para sua ex-namorada pareciam
suficientes para fazê-la pensar se não era melhor que ela desse o ponto final
oficial que a covardia dele se recusava a dar.

Só que, quando a coragem para o diálogo necessário veio, Diana chegou ao


quarto e não encontrou o marido ali. Poncho estava mais uma vez trancado
no escritório, certamente escrevendo. E aquele hábito que sempre foi visto
por ela com certa admiração causou uma raiva daquela vez. Que diabos ele
tanto escrevia? Por que aquela escrita sempre parecia associada à Anahí?
Ela não conseguia entender.

Mas no dia seguinte ele sairia. Ele levaria Daniel para a escola e Diana
ficaria sozinha. Era o dia que ela iria descobrir.

xxx

— Eu vim porque preciso de um conselho – Poncho confessou à Jesse


assim que viu seu melhor amigo se sentar em sua mesa na confeitaria.

Obviamente Jesse arregalou os olhos quando mal teve tempo de reagir e já


via o amigo disparando a necessidade daquela conversa. Dava para ver no
olhar dele e por seu tom de voz o quanto precisava desabafar. Qualquer que
fosse aquele conselho, parecia decisivo.
— Você quer que eu chame a Sophia? – Jesse perguntou antes de mais
nada.

— Eu não quero envolvê-la nisso – Poncho explicou – Ela é amiga demais


tanto da Anahí quanto da Diana, e...

— Já entendi – Jesse mordeu os lábios – Você precisa se decidir.

— Não – Poncho suspirou – Eu já me decidi na verdade. Eu só não sei


como fazer.

— Você não sabe dizer à Diana que é a Anahí quem você quer?

— Exatamente – Poncho admitiu.

Por fim admitiu. Por fim concordou, em voz alta. Jesse já sabia, o mundo
inteiro já sabia, até Diana. Faltava apenas que ele terminasse de juntar as
peças.

— Pensei em te perguntar como foi para você terminar com a Lindsey –


Poncho continuou.

— Poncho, eu não amava a Lindsey – Jesse observou – Você ama a Diana.


Não como ama a Anahí... mas vocês são casados há quase seis anos. Então
eu não sei se tenho um conselho pra te dar. Ou melhor, eu tenho... faça isso
o quanto antes.

— Eu vou fazer – Poncho mordeu os lábios – Se estou demorando não é por


falta de coragem... eu apenas não quero magoa-la. Eu não quero destruir a
família do meu filho, Jesse. Não quero que eles dois sofram, é só que... eu
to completamente infeliz nisso. Eu precisei ver a Anahí com aquele cara pra
me dar conta do que eu estava fazendo.

— Nós não somos tão diferentes assim – Jesse deu uma risadinha – Dois
idiotas que só perceberam o quanto deveriam ter dado valor quando
perderam.

— Sim – Poncho concordou – Eu realmente a perdi.


— Espera – Jesse franziu a testa – Você não vai lutar por ela...?

— É claro que não – ele explicou – Eu não sou um canalha Jesse. Seria
egoísmo da minha parte desrespeitar o relacionamento da Anahí quando ela
sempre respeitou o meu. Mais egoísmo ainda decidir me separar da Diana e
achar que ela deve ficar comigo agora que eu sei quem eu quero. Eu não
posso fazer isso com ela.

— Eu entendo...

E Jesse realmente entendia, embora o caso dele fosse um pouco diferente...


na verdade, totalmente diferente. O grande problema deles dois tinha sido a
imaturidade de Jesse. O caso de Poncho era completamente diverso, já que
ele era casado, ele tinha uma família, tinha mais coisas em jogo, em
especial uma ex-namorada que mexia com seus sentimentos, estava
recheada de traumas e andando a passos pequenos, quem sabe
engatinhando, com um homem que parecia lhe fazer bem. Poncho estava
disposto a respeitar tudo isso e ficar de fora. Ele não estava deixando Diana
por Anahí, ele fazia porque era o certo a fazer. E se as coisas entre Anahí e
Milo acabassem não dando certo, ele estaria livre para ela.

Bastava que o destino quisesse que tudo aquilo acontecesse.

— Você pode ficar com o Dani por algumas horas pra mim...? – Poncho
perguntou levantando – Geralmente é ele quem distrai a Sam, hoje eu
preciso do contrário.

— Você levou mesmo a sério isso de resolver o mais rápido possível – Jesse
comentou assombrado.

— Não posso adiar mais.

E era verdade. Agora que Poncho já sabia dentro de si o que deveria fazer,
faltava completar.

xxx

Um rosto banhado em lágrimas. A certeza de um fim.


Dentro de casa Diana se aproveitava do fato do marido ter saído com o filho
e estava ali, na confortável cadeira onde Poncho costumava escrever, frente
ao seu notebook ligado. Suas bochechas estavam encharcadas e os olhos
ardiam. Ela tinha lido cada palavra. Ela não conseguia acreditar.

De repente Diana se viu sete anos antes, diante das primeiras palavras
escritas por Poncho que lia, ainda em um manuscrito encadernado que
estava numa pilha ao lado de sua mesa de cabeceira. Ela era muito mais
jovem, recém-chegada em Nova York, encantada pelas palavras daquele
homem, cada uma mais triste e melancólica do que a outra. A busca de um
amor perdido, a tentativa de se reerguer, a desistência... aquilo a tocou. E
ela se apaixonou por cada linha, e depois pelo homem que as criou. Mesmo
sabendo que aquele homem estava preso àqueles textos e à mulher que,
mesmo morta em vida, permanecia intacta naquela história. E também nas
que viriam.

Mas agora ela estava duplamente viva. E pelo visto seu autor tinha
encontrado um jeito de viver o seu amor por sua musa inspiradora. Se antes
era uma maneira de não deixa-la morrer, agora Poncho usava o novo livro
para reescrever a história que não vivia em vida. Ele se narrava como um
personagem preso, quase algemado. Narrava Anahí como uma mulher que
se tornava inalcançável dadas as correntes dele. Não era difícil para Diana
entender as metáforas contidas no texto dele... as correntes eram ela. Era ela
quem prendia Poncho, quem o impedia de viver o que realmente o fazia
feliz. Estava mais do que claro, inclusive o motivo pelo qual ele estava
distante para escrever aquela nova história.

Poncho entrou em casa chamando por Diana quando ela ainda estava lá,
processando as informações do que tinha lido. Diana até pensou em se
levantar e fingir que não tinha lido nada, que nada tinha acontecido, mas
não teve forças. Mesmo que o fizesse, seus olhos a denunciavam. Não dava
para simplesmente fingir. Ela poderia até forjar como se não tivesse lido
nada sem ter um exato direito, mas não mudava o fato de que seu
casamento tinha acabado. Eles só precisavam colocar o ponto final oficial.

E quando Poncho entrou no escritório e viu os olhos vermelhos da esposa e


o notebook ligado, o modo como aqueles olhos feridos o encaravam, ele
entendeu tudo. Ela já sabia.
— Não era para você ter lido – ele respondeu mordendo os lábios.

— É – Diana concordou – Mas eu li.

Uma pausa para o silêncio, enquanto ele pensava nas melhores palavras
para concretizar o inevitável.

— Eu já sabia, ou deveria saber – Diana se levantou.

— Eu sinto muito – Poncho respondeu sentindo uma boa dose de dor – Eu


lutei contra. Eu tentei...

— Tem coisas que não dá pra lutar Poncho – ela disse ao parar bem na
frente dele, o encarando – Eu também tentei lutar, lutar pra fingir pra mim
mesma que nada estava acontecendo, que dava pra ser mesmo assim, mas
depois de ler essas palavras...

— Diana... – Poncho fechou os olhos, mas logo em seguida os abriu.


Bastava de tanta covardia – Eu nunca consegui esquecê-la. Eu tentei, eu
juro pra você que tentei...

— Eu sei que tentou.

— Você me fez muito feliz – Poncho confessou – Você me salvou. Se não


fosse por você e pelo Dani...

— Mas não é suficiente – Diana completou.

— Se a Anahí não existisse...

— Mas ela existe Poncho – Diana observou – E é ela que você quer. E eu
preciso sair do caminho. Ao menos por enquanto.

— Como assim por enquanto?

— Porque talvez você fique com ela e descubra que não iria dar certo –
Diana deu de ombros. Ela se agarrava a um último fio de esperança – Vocês
iriam se casar, iriam ter um filho, mesmo que você só tenha descoberto anos
depois... iriam, mesmo assim. Sempre ficou esse vácuo entre vocês, esse "e
se...?". Antes ela não existia então o vácuo estava condenado a continuar,
mas agora não, agora ela está viva e você também e você quer viver isso.
Eu vou te dar essa chance, mas mesmo assim, eu vou te esperar.

— Diana... – Poncho murmurou. Não era exatamente isso que ele queria,
iludi-la ainda mais.

— Não diga nada – ela pediu – Meu pai está doente, eu fiquei sabendo hoje.
Eu vou pra Boston ajudar a minha mãe e cuidar da sede da Planet. Eu vou
ficar por um tempo lá, só preciso que você fique com o Dani por causa da
escola, perto do Natal eu posso fica com ele lá. E com isso você vai ter o
tempo que precisa pra se decidir, pra viver isso com ela e saber se é
realmente o que você quer. Se você não quiser... eu vou estar te esperando.
Mas eu não quero que você me procure até ter certeza.

Era uma opção. Diana queria manter a chama viva, a chance na mesa, a
porta ainda aberta para eles. Era uma possibilidade. Poncho acabou
assentindo apenas porque sabia que não iria dissuadi-la do contrário. Porque
ele sabia que não tinha chance daquilo não dar certo. Ele sabia que, se
Anahí escolhesse Milo, ele escolheria a solidão. E que se Anahí decidisse
voltar para ele como ele queria voltar para ela, não seria uma dúvida, pelo
contrário. Seria apenas o começo de algo que nunca deveria ter sido
interrompido.

DIVÓRCIO TARDA MAS NÃO FALHAAAAA! Demorou mas chegou! E


aí, valeu a espera? O que será que vem agora?

Vou poupar o meu latim em relação ao capítulo e deixar pra vcs porque
tenho um aviso pra dar e é algo chato que exige muita fala, então já vou
começar porque detesto enrolações rs.

Antes de qualquer coisa aviso a todas que não foi uma decisão fácil, mas
que eu demorei muito tempo pensando nisso e, quando me decido, é
definitivo.
Eu infelizmente não tenho mais como postar duas vezes na semana :( O que
significa que, a partir de agora, SVE somente será postada às quintas.
Talvez eu mude o dia da semana, é algo que vai ser melhor decidido
depois.

A questão é a seguinte: a minha vida não é mais como era quando eu


escrevia a Laços, a Lado e a IC. Eu antes não trabalhava e pouco estudava,
por isso tinha muito tempo livre pra escrever, postar 2x na semana e sempre
responder os comentários (algo que eu sempre fiz questão de fazer). Agora
eu trabalho às vezes 10h por dia, passo 2h no trânsito, estudo de noite até
literalmente cair, ou seja, está cada vez mais difícil escrever. Mesmo
quando tenho inspiração não tenho pique nem energia pra ficar sentada
escrevendo, pois não sei como funciona com outras escritoras, mas comigo
é algo que exige tempo, esforço e inspiração que eu não tenho no
momento.

Acreditem que isso dói bastante em mim porque postar 2x na semana


sempre foi opção minha e eu não ter mais tempo pra fazer não me deixa
feliz, em especial porque a SVE é a minha última web e eu não queria que
fosse dessa forma. Cheguei a pensar em deixar posts em dias aleatórios mas
acho que isso faria com que eu postasse menos do que quero, e vou
trabalhar pra manter os dias que estou prometendo. Contem com o meu
esforço!

Espero contar com a compreensão com vcs como sempre foi. A presença de
vcs é sempre muito importante pra mim e sempre será.

Beijos e até a próxima quinta

Rafa
Capítulo 41 - 10 wishes

Anahí não fazia a menor ideia do que acontecia entre Alfonso e Diana. Ela
não sabia que a esposa de seu ex-namorado tinha viajado para Boston e que
para todos os efeitos – para os pais dos dois, os amigos e principalmente
para Daniel – Diana estava apenas saindo de cena para cuidar do pai que
estava doente e tomar, mais uma vez, a frente dos negócios da família.
Anahí estava com a cabeça em outra situação, quase em outro hemisfério.

Na manhã seguinte à sua saída com Milo que resultou no encontro com
Diana e Poncho, Anahí se levantou bem disposta e decidiu ir até a casa da
mãe. Ela queria tirar a limpo a história do surgimento de Harry em sua
família. Por mais que não gostasse de admitir, Anahí sentia que tinha
pegado pesado com Keith daquela vez e com o próprio Harry, que não tinha
culpa de sua relação mal resolvida com o pai. Então era melhor resolver
aquilo de uma vez antes que se tornasse uma bola de neve imensa. Outra
bola de neve, na verdade.

Para a sua própria surpresa Anahí se sentiu segura o suficiente para ir para a
casa da mãe sozinha, sem a companhia de qualquer dos amigos. Ela não
queria atrapalhar Christian porque sabia que o amigo estava dormindo após
chegar tarde na noite anterior. Maite, por sua vez, estava com Mane em seu
quarto. Anahí não era louca de atrapalhar nenhum deles. Se ela não se
sentisse tranquila o suficiente para ir sozinha provavelmente desistiria e
deixaria para se resolver com Karen em outro dia, mas surpreendentemente
não era o caso. Tudo o que ela fez foi deixar um bilhete na geladeira para
tranquiliza-los quando acordassem. De uma forma ou de outra, Anahí não
pretendia demorar.

Ela não foi para o café e sim diretamente para casa. Era sábado e Anahí
sabia que Karen não estava trabalhando, era a manhã de Ellie. Ela não tinha
certeza se Keith estava na casa de sua mãe – ou seria casa deles? – mas de
uma forma ou de outra, seguiu para lá. Afinal, se Anahí estava
desconfortável com o modo como supostamente tinha exagerado, evitar a
presença do pai não era a melhor opção.

Anahí estava certa. Karen abriu a porta e viu com total surpresa a presença
da filha às oito da manhã. Definitivamente não era algo que ela poderia
esperar.

— Oi butterfly – ela murmurou espantada ao ver a filha – Eu não sabia que


você viria...

— Fiz mal em vir de surpresa...?

— É claro que não, a casa é sua – Karen disse abrindo espaço para que ela
entrasse, mas visivelmente sem jeito – É que... Keith está aqui... eu vou
falar com ele, me dê apenas...

— Mamãe – Anahí segurou-a pelo braço – Tudo bem. Eu não vim criar
problemas.

— Você não cria – Karen respondeu, mas estava claro que aquela era uma
enorme e redonda mentira.

— Não se preocupe comigo – Anahí insistiu – Eu vim na paz.

Ela realmente vinha. É claro que Karen não estava cem por cento confiante
naquela informação, afinal conhecia perfeitamente bem a filha que tinha.
Mas Anahí realmente parecia decidida a hastear a bandeira branca.

Enquanto Karen convidava a filha para entrar e passava na frente, indo até a
cozinha lhe servir um café, Anahí caminhava até a sala e via um Harry que
tinha acabado de acordar esfregando o olho e encarando com toda a
desconfiança para a nova "irmã". Era óbvia a hostilidade que viria dali, já
que o primeiro e único encontro dos dois não tinha sido exatamente
positivo. Se Anahí deixou Harry envolvido em sua relação mal resolvida
com Keith, era óbvio que ele já não gostava da filha de Karen por motivos
totalmente autoexplicativos.
— Keith está lá dentro Harry, se você quiser falar com ele... – Karen disse
de volta à sala, vendo Harry assentir e entrar. Ela tinha em mãos duas
xícaras e sorria para a filha, tentando amenizar o clima que se instaurou na
sala.

— Ele está dormindo aqui? Na sala...? – Anahí perguntou desconfortável.

— Nós estamos vendo como as coisas vão ficar – Karen explicou secando a
garganta – Não há outro quarto disponível querida.

— Tem o meu quarto – ela lembrou.

— Como você disse, é seu – Karen lembrou de volta.

— Mãe, eu nem moro mais aqui – Anahí mordeu os lábios. Antes que
Karen pudesse responder, ela já tinha em mente algo para retrucar – Eu
posso desocupar aquele quarto.

— Keith não quer te expulsar do seu próprio quarto, da sua casa...

— Você acha razoável que aquele quarto fique cheio de coisas velhas e o
garoto durma na sala...? – Anahí franziu o cenho como quem diz o óbvio –
Eu tenho um quarto inteiro no apartamento do Christian... nosso
apartamento, na verdade. O que deve ter aqui são mil pertences antigos que
eu nem vou usar novamente.

— Você tem certeza disso? – Karen perguntou ainda insegura – Eu não


quero te pressionar...

— Eu tratei mal aquele garoto mãe – Anahí respondeu franca – Eu não


fazia ideia de quem ele era e... fiz as coisas errado. E o que vocês estão
fazendo por ele... é incrível. É o mínimo que eu posso fazer.

— Está vendo? – Karen disse apertando as mãos dela. Estava totalmente


emocionada – Você fica o tempo inteiro tentando procurar a si mesma e...
eu estou te vendo bem aqui na mesma frente. A minha menina continua
aqui. Você continua sendo você.
Anahí não acreditava tanto assim na frase da mãe. Talvez Karen estivesse
tentando ser positiva, esperançosa. Ela não se sentia tão diferente assim,
não quando tinha que ir a duas sessões de terapia semanais, que só
conseguia ter uma boa noite de sono a base de remédios, quando ainda não
conseguia dar um testemunho sequer nas reuniões do My sister's place. Isso
porque ela ainda não sabia qual era o status de suas tentativas de voltar a
transar, já que Milo e ela ainda não tinham saído dos beijos. Então não, ela
não sentia como se fosse a mesma de sempre, sequer sentia que aquela
velha Anahí ainda existia.

Karen perguntava para Anahí o tempo inteiro se ela tinha certeza daquilo.
Anahí não viu nem Keith e nem Harry, apenas se trancou no quarto e
tranquilizou a mãe, garantindo que estava certa do que queria e já
começando a revirar o quarto naquele mesmo momento. Começando pelo
armário, que tinha roupas de quase uma década atrás, algumas inclusive de
quando ela ainda estava no colegial. Aliás, pertences daquela época era o
que não faltava, era praticamente o que dominava o quarto. Cada gaveta
que Anahí abria era rodeada de caixas, fotografias antigas, roupas, cadernos
com seu rabiscos e todas as coisinhas que lembravam outros tempos, outra
pessoa, outra vida.

A vida que ela deixou de ter. A pessoa que ela deixou de ser.

Aos poucos Anahí fazia uma triagem do que iria para o lixo, o que seria
doado para uma instituição de caridade ou qualquer pessoa necessitada e o
que ela levaria para seu novo quarto no apartamento que dividia com os
amigos. Não era uma tarefa fácil levando-se em conta que metade da sua
vida foi passada naquele quarto acumulando pertences e agora ela tinha que
se livrar de tudo da noite para o dia. Na hora do almoço Anahí ainda estava
esvaziando o armário e não foi nenhuma surpresa quando, no fim da tarde,
ela se deu conta que ainda estava sentada no mesmo lugar.

Maite ficou preocupada quando se deu conta que a amiga não tinha voltado
ainda. Era óbvio, qualquer sumiço de Anahí sempre geraria em Anahí o
medo de tudo acontecer de novo. A morena só ficou tranquila porque a
amiga respondeu sua mensagem rapidamente garantindo que estava bem e
que ela não deveria se preocupar. Maite tinha planos com Mane, mas
quando Anahí disse que estava na casa da mãe desocupando um quarto
inteiro, reconsiderou. Melhores amigas eram exatamente para horas como
aquela.

— Um furacão passou por aqui...? – Maite arregalou os olhos ao entrar e se


deparar com absolutamente tudo fora do lugar.

— Talvez eu precise de um carro pra levar tudo isso pro apartamento –


Anahí disse surgindo praticamente de dentro do armário – É bastante coisa.

— Eu estou vendo – Maite franzia a testa um tanto chocada – O que deu em


você?

— Eu vou desocupar o quarto em favor do Harry – ela respondeu abrindo


uma caixa que continha uma série de papeis.

— Harry é...? – Maite voltou a perguntar.

— O novo filho caçula dos meus pais, eu não te contei?

— Quando você diz "meus pais" quer dizer Karen e Keith...? – Maite
questionou agora rindo – Quer dizer, você está chamando o Keith de pai?

— Você entendeu o que eu quis dizer – Anahí fez uma careta se corrigindo.
Aquele, para ela, era um pequeno deslize, mas não era dessa forma que
Maite via.

— Tudo bem – Maite respondeu disfarçando – Mas não, você não me


contou.

— Keith pegou o garoto do Serviço Social enquanto estava morando


separado da minha mãe e bem... agora ele voltou pra cá e Harry veio junto
– Anahí deu de ombros – Não me parece justo que ele durma na sala com
esse quarto aqui, cheio de coisas velhas. Então eu resolvi tirar tudo do lugar.

— Entendi – a morena assentiu – Então você ta desocupando o quarto pelo


seu irmãozinho caçula? Que nobre da sua parte Anahí!

— Para de deboche – Anahí revirou os olhos – Você não tinha planos com o
Mane?
— Tinha – Maite disse se sentando na cama, empurrando as coisas que
estavam ali para o lado – Mas eu pensei que você poderia querer
companhia, quem sabe ajuda...

— Adivinhou – Anahí riu.

— E... tem outra coisa.

Dessa vez Anahí sorriu, encarando a amiga com os olhos estreitos. Ela
sabia, Maite era transparente demais, quem a conhecia bem sabia distinguir
suas emoções e sentimentos pela expressão. Quando ela estava com raiva
seu rosto ficava vermelho, e não era diferente quando se tratava de
felicidade, sono ou fome. Naquele momento ela parecia ansiosa, olhava de
Anahí para o celular, do aparelho para o relógio, e não demorou para que a
amiga percebesse que havia algo errado. Provavelmente algo que estava
atormentando-a e que ela tinha, por fim, decidido falar.

— O quê?

— Eu pensei bem se deveria dizer ou não – Maite confessou e Anahí


mordeu os lábios, tinha acertado mais uma vez – Porque eu não sei se é
uma boa ideia ou não, não sei o que isso vai mudar na sua vida porque se
nem eu sei bem o que pensar, imagina você!

— Maite, para de enrolar, eu fico ansiosa – Anahí pediu.

— Ok – Maite suspirou – Muito bem. Lá vai... Diana foi pra Boston. Ela
deixou o Poncho.

— Ela... o quê?

Como imaginou que seria, Maite deixou Anahí perplexa com a notícia. Ela
definitivamente não esperava, então não sabia como reagir senão com a
mais absoluta surpresa. Sua mente tentava processar aquela informação,
buscar o que deveria pensar àquele respeito,mas era difícil, realmente
difícil. Afinal, Poncho e Diana pareciam um casal completamente feliz,
Anahí tinha se acostumado realmente a lidar com o fato de seu ex-
namorado estar dentro de uma família, estar feliz com a esposa e o filho e
que ele provavelmente continuaria assim. Quando ela menos esperava tudo
entre os dois tinha desmoronado. E agora, o que pensar? O que aquilo
significava, o que ela deveria esperar?

— Fiquei sabendo pela Lexie – Maite continuou observando cada traço da


reação da amiga – Sophia disse pra ela. Parece que o Poncho e o Jesse já
tinham conversado antes de, bem, acontecer.

— Por quê? – Anahí perguntou incrédula.

— Eu não sei ao certo, não perguntei detalhes, afinal nem a Lex sabe
direito, ela e eu só estávamos preocupadas em discutir se deveríamos te
dizer logo ou não, e acabamos concluindo que você tem o direito de saber –
Maite suspirou – Eu não sei se é bom ou não, se muda algo na sua vida ou
não, porque agora você tem o Milo, mas mesmo assim eu senti que você
deveria saber. É isto.

— Uau – Anahí murmurou – Eu... não to sabendo o que dizer.

— Eu sei – Maite respondeu – Não dava pra imaginar, não é?

— Definitivamente não – Anahí mordeu os lábios – To tentando pensar no


que poderia ter acontecido... porque eles pareciam ser tão felizes...

— Eles eram – Maite confirmou encarando-a – Só que nós sabemos que


não tinha apenas ela no coração dele. Eu honestamente não sei como ela
suportou por tanto tempo dividir o amor dele com você.

E dentro da cabeça de Anahí começou a passar o filme da noite anterior, de


quando ela e Poncho tinham se encontrado no bar, o modo como o ex a
observou com o atual, os comentários de Milo sobre a reação de Poncho...
era difícil, para não dizer praticamente impossível, não juntar as peças
quando tudo parecia se encaixar. Afinal, que outro motivo Diana e Poncho
teriam para se separar que não fosse ela? Será que eles tinham outros
problemas, outras crises? Será que Diana tinha algum sentimento secreto
por outra pessoa como Poncho parecia ter por ela? Anahí não sabia o que
pensar.
Anahí preferia guardar essas dúvidas para si, se questionar mentalmente de
qual seria o próximo passo sem dividir com ninguém as ideias que
assombravam sua mente. Mas é claro que isso não funcionaria, não quando
sua melhor amiga tinha sido a portadora da notícia e agora estava ali, em
sua frente, sedenta por uma resposta dela.

— Então...? – Maite perguntou trazendo-a de volta à realidade.

— Então o quê?

— Então, o que isso muda pra você? – a morena voltou a perguntar – Não
venha dizer que não muda nada Any, eu conheço você.

— Eu nem sei se as coisas realmente são como você ta dizendo – Anahí


estava na defensiva, claramente – Talvez eles tivessem outros problemas...

— A não ser que sejam absolutamente secretos, nível apenas os dois


saberem, não, eles não têm – Maite rebateu – Porque se tivessem Jesse
saberia, logo Sophia saberia, logo Lexie saberia e logo eu saberia e já teria
te contado. Eles tinham um casamento perfeito até você voltar, ela sempre
soube que ele no fundo ainda amava você mas deixava acontecer porque
não fazia mal a ninguém. E nem tinha como não saber porque bastava abrir
os livros dele e você só faltava sair inteira dali.

— Mas então eu voltei – Anahí continuou.

— E aí aquela parte do "não fazia mal a ninguém" caiu por terra, porque
antes era dividi-lo com um fantasma, mas esse fantasma ganhou carne e
osso e diga-se de passagem carnes que ainda o atraem muito – Maite deu de
ombros – Se eles se separaram sem saber dos beijos que vocês andaram
dando, imagine se a Diana soubesse...

— Ele pode ter contado... – Anahí opinou, mas Maite balançou a cabeça
rindo.

— Você parece que não conhece seu ex-namorado – ela debochou –


Poncho? Estragar algo supostamente perfeito? Ele nunca faria isso. O que
realmente me deixa curiosa é saber quem terminou o relacionamento, mas
se foi ele, meu amor, você pode ter certeza que foi por você. Que foi porque
ele ainda te ama. E é por isso que eu estou te perguntando insistentemente o
que isso muda na sua vida.

— Não muda nada Maite – Anahí respondeu supostamente convicta – Ele


não pode ter a impressão de que eu vou terminar o meu relacionamento só
porque ele terminou o dele.

— Então você vai ensebar um pouco e depois acabar se entregando – Maite


concluiu – Eu imaginei.

— Não...! – Anahí tinha os olhos arregalados – Não é nada disso!

— Ta bom Any – Maite sorriu para ela – Eu vou deixar você descobrir
como a sua própria vida vai ficar ok?

Maite sabia que insistir com Anahí sobre o que ela tinha certeza que iria
acontecer de nada iria adiantar. Anahí era teimosa o bastante para negar até
o fim seus sentimentos por Poncho e, mesmo que chegasse no ponto de
admitir o quanto o ex ainda mexia com ela, insistir mais ainda que eles não
tinham mais chances e que ela estava com Milo e com ele permaneceria.
Como tinha dito, Maite esperava por aquilo. Parecia que os papeis tinham
se invertido, agora Poncho era livre, descompromissado e não hesitava em
admitir, ao menos para os mais próximos, o quanto a ex ainda mexia com
ele. Anahí era quem se prendia ao bom relacionamento que tinha e dele não
abriria mão, mesmo sabendo que seu coração não estava cem por cento ali.

E os outros... os outros apenas esperavam pelo dia que eles estariam no


mesmo patamar, de igual pra igual, fosse desistindo de tudo, fosse
desistindo de lutar contra...

Logo Maite lhe deu o silêncio do ponto de vista físico, mas Anahí não
conseguia mais sentir a tranquilidade de seus pensamentos. Ela revirava
uma caixa repleta de papeis enquanto sua mente debatia a separação de
Poncho, tentando acalmar o coração que estava agitado com aquela
novidade. Ela não queria admitir nem para si mesma o quanto tinha se
sentido mexida com aquilo tudo, queria estar bem com Milo, queria se
permitir e ter uma chance que não fosse no olho do furacão. Sua cabeça
parecia que iria explodir no meio da intensidade daquela situação, e
curiosamente foi justamente naquele momento que ela achou um envelope
decorado e antigo, um tanto amarelado, que trouxe uma vontade de abrir e
ver o que tinha dentro.

A caligrafia era antiga, Anahí tinha certeza que tinha mudado bastante
desde então. Ela franziu o cenho quando se deparou com o que era. Uma
velha lista. Ela voltou no tempo e se viu em outro momento, quinze anos
antes, quando se lembrava de ter escrito aquilo. Outro cabelo, outra
aparência, outros sentimentos, outra vida. Mas mesmo tendo sido um
momento totalmente diverso e ter se passado mais de uma década desde que
esteve sentada naquela cama, naquele quarto e escrito naquele papel alguns
velhos desejos, eles estavam ali, imortalizados na sua antiga letra, meio
borrados pelo tempo mas vivos em sua lembrança.

Alguns pareciam bobos, outros nem tanto. De um em um, ela foi lendo.

10 Desejos.

1) Ter coragem de cantar num karaokê.

2) Gastar US$ 500 em um sapato.

3) Assistir a um filme de terror.

4) Transar no capô do carro.

5) Tomar um porre.

6) Morar no apartamento dos meus sonhos.

7) Aprender a falar francês.

8) Adotar um cachorro.

9) Trabalhar mudando a vida de mulheres.

Anahí parou no nono, pensando que alguns desses desejos já tinham sido
realizados. Ela fez a lista quando tinha quinze anos, quando era uma garota
boba que não fazia a menor ideia dos momentos de dor e solidão que a vida
lhe reservava. Se ela pudesse refazê-la hoje definitivamente não se ocuparia
colocando "assistir a um filme de terror" ou "tomar um porre", eram duas
coisas que acabaram sendo feitas e ela nem sabia dizer se, quando as
realizou, se lembrava que um dia tinha rabiscado-as como metas futuras.

Algumas delas, obviamente, ficaram congeladas dado o futuro trágico que


ela teve. Anahí nunca chegou a ir morar no tal apartamento, não teve tempo
de se tornar fluente em francês, definitivamente não conseguiu estabelecer
sua carreira no que queria.

Mas era o décimo, o último desejo, que realmente mexia com seu peito.

10) Ter um filho.

Isso era o que ela realmente queria. O que ela realmente quis. Com os olhos
se enchendo de lágrimas, Anahí se lembrou da memória do aborto. Do
choro da criança no cativeiro. Os dois filhos que ela tinha perdido, as duas
crianças que Tobias lhe tirou. Será que havia tirado mais? Ela passou a mão
na própria barriga pensativa, imaginando se ainda poderia ser mãe, se todos
aqueles traumas do cativeiro tinham afetado sua fertilidade, sua
possibilidade de voltar a engravidar. Era algo que ela queria saber, que
precisava saber. Não era coincidência que aquele ponto ocupava a última
posição na lista dela, era a mais importante, a primordial. Agora ela
precisava saber, porque aquele desejo importava muito mais do que todo o
resto, e a sua negativa a derrubaria muito mais do que não concretizar
nenhum dos outros nove desejos que ainda não tinham sido realizados.

— Ta tudo bem? – Maite franziu a testa vendo que a amiga parecia mexida.

— Sim – Anahí assentiu – Eu só... pensei em ir numa consulta na segunda.


Depois vou perguntar à Lexie como devo fazer.

Dentro do envelope havia outro papel. Era outra lista, mas não de Anahí.
Ela colocou o envelope na bolsa e só voltou a abri-lo, notando a existência
daquela segunda lista, quando chegou em casa e estava em sua cama
relendo seus próprios desejos. Ao abrir e reconhecer a outra caligrafia,
totalmente diferente da sua, ela se lembrou.
10 Desejos.

1) Publicar um livro.

2) Pular de paraquedas.

3) Ir a um show do Coldplay.

Poncho também tinha feito uma lista na adolescência, para acompanha-la.


Eles ainda eram bons amigos naquele momento, ele tinha feito a lista como
amigo dela. "Para que nós abramos daqui uns quinze anos e cortemos o
que não foi feito, ajudemos um ao outro a realizar o que falta". Ele colocou
propositalmente o papel onde tinha rabiscado os seus desejos junto com o
dela, como se soubesse que Anahí o encontraria quinze anos mais tarde, em
circunstâncias totalmente adversas daquelas imaginadas pelos dois de como
seria.

Mas sobretudo o objetivo de Poncho era que eles discutissem a lista juntos,
riscassem juntos. Claro que ele tinha imaginado que Anahí a encontraria
por acaso e mostraria na cama dos dois, assim que eles acordassem e que
ambos iriam encontrar algum tempo entre a rotina louca que certamente
viveriam e o cuidado com os filhos para fazerem aquilo. Poncho jamais
imaginou que o momento no qual confrontariam os desejos do passado, os
desejos sobre um futuro que agora era presente e era totalmente diferente do
planejado, se daria com Anahí tocando a sua campainha numa manhã de
domingo, dois dias depois que sua esposa tinha forjado uma viagem para
não admitir que o casamento deles tinha acabado.

Poncho não esperava por Anahí naquela manhã, mas não poderia negar que
aquela era uma grata surpresa...

— Any... – ele franziu a testa tentando controlar a vontade de sorrir –


Aconteceu alguma coisa?

— Não – ela sorriu – Eu só... queria falar com você. Você tem cinco
minutos?

— Claro – Poncho abriu espaço para que ela entrasse.


Anahí logo ouviu o barulho da TV e, ao entrar, viu Daniel sentado no tapete
felpudo da sala de estar assistindo um desenho qualquer, com diversos
brinquedos espalhados ao seu redor, mas os olhos fixos no programa. Ela
sorriu, sem conseguir ter qualquer reação diferente daquela, algo que já
aconteceria normalmente, mas se tornava inevitável à medida que via uma
criança tão parecida com Poncho logo após ler aquele seu último desejo.
Ela mordeu os lábios com aquele pensamento, estava mais balançada do
que nunca.

— Oi Dani – Anahí disse chamando-o, vendo o menino se virar para ela e


sorrir.

— Oi tia! – ele disse se levantando e correndo até ela, abraçando-a pelas


pernas ao alcança-la – Você veio ver meu pai?

— Sim, eu vim falar com ele – Anahí deu um beijo na testa dele – Ta tudo
bem?

— Uhum – ele assentiu, voltando para a sala e para o desenho.

— Ele ta sentindo falta da mãe – Poncho respondeu mordendo os lábios –


Não tive como explicar bem o que ta acontecendo.

— Hum, entendi – Anahí murmurou. Ela não queria entrar nos méritos da
viagem de Diana porque sabia que aquilo não apenas não daria em boa
coisa, mas também impediria a conversa que queria ter com ele.

— Então...? – Poncho perguntou cruzando os braços – Aconteceu alguma


coisa?

— Eu achei algo e queria te entregar – ela respondeu abrindo a bolsa e


estendendo o envelope pra ele – Ficou muito tempo guardado, o papel está
meio envelhecido mas... aí está.

— O que é isso? – ele perguntou com a testa franzida mas Anahí não
respondeu, ela estava à espera dele abrir o papel e ler por si próprio, ficou
em silêncio esperando sua reação e sorriu ao vê-la – Meus dez desejos.
Deus...!
— Você lembra? – ela perguntou se sentindo iluminada.

— Como eu poderia esquecer? – Poncho riu – Ir a um show do Coldplay.


Bom, esse eu posso dizer que consegui realizar.

— Publicar um livro também – Anahí observou e de repente viu a


expressão de surpresa e incredulidade tomar o rosto de Poncho.

— Ei – ele a chamou – Você leu os meus desejos...?

— Algum problema?

— Vindo de alguém que simplesmente não me deixou ler os dela? Com


certeza!

— Ah Poncho – Anahí negou com a cabeça e sentiu as bochechas


esquentarem – Faz quinze anos isso!

— Te perdoo se você deixar que eu leia agora – ele a encarou com cara de
criança pidona.

— Ok, mas não ria – Anahí estendeu o papel com uma boa dose de
vergonha – Leve em consideração que eu era uma garota boba de quinze
anos.

— Eu nunca achei você uma garota boba, nem nos seus adoráveis quinze
anos...

Poncho disse aquilo com uma expressão deliciada que ela não sabia se era
por finalmente ler sua lista ou se por lembrar de como ela era aos quinze
anos. Anahí tentou não pensar em qual que seria a razão por trás daquela
reação dele, apenas viu como ele franzia a testa e sorria bobo com os
antigos desejos dela, se perguntando quanto tempo demoraria até que eles
estivessem sentados no sofá riscando o que já tinha sido realizado e
planejando o que faltava... ao menos o que era possível, é claro.

Não chegou a acontecer. O desenho que Dani via na TV terminou e Anahí


encarou-a ao ouvir o barulho do plantão de noticiário. Era na porta de uma
penitenciária em Nova York que a notícia em questão era transmitida. Tinha
muitos repórteres em volta do homem que estava sendo solto e uma nota
passava numa barra de rolagem horizontal. Anahí não precisou lê-la. Ela
reconheceu o homem. Reconheceu seus olhos de medo.

"O economista Tobias Menzies, acusado do sequestro de Anahí Portilla,


acaba de ser solto..."

Anahí não terminou de ouvir a notícia. Pelo visto, o inferno não tinha
acabado.

Olaaaaar! Sentiram saudades? Porque eu senti

Eu amo esse capítulo - tirando o final, É CLARO! Aqui dá pra sentir o


cheirinho AyA bem forte, embora estejamos indo do céu ao inferno com o
modo como acaba.

E aí, o que vcs acham que vem daqui pra frente? Alguém ja ta enjoada de
AyA? Porque vai ter bastante!

E muito importante: gostaram da listinha? Eu amo 😍

Nos vemos na próxima quinta!

Beijos,

Rafa
Capítulo 42 - I'll be on your side forever more

Era como se ela tivesse voltado oito anos no tempo, só que não estava na
terapia. Era ali, vida real, bem distante do confortável e sobretudo seguro
consultório da Dra. Balfe. Pelo contrário, agora não era uma lembrança de
algo que tinha vivido e supostamente não voltaria. Naquele momento era
real.

Anahí não tinha desmaiado, mas o ataque de pânico que se iniciou ao ouvir
aquela notícia a fez se desligar antes do final dela. Daniel tinha esquecido
da TV e brincava com os brinquedos espalhados no tapete, totalmente
alheio ao que acontecia ali perto. Seu pai não. Poncho, diferentemente do
filho, tinha ouvido bem o que fora dito no noticiário e sabia o que
significava. Sabia o desespero que isso causaria na ex-namorada e que
deveria, a todo custo, impedir que ela ficasse pior.

— Any, Any, ei – Poncho pegou o rosto dela, tentando fazê-la encara-lo –


Olha pra mim... ta tudo bem. Eu to com você.

— Você ouviu – ela murmurou como pôde – Ele está livre... ele saiu da
prisão... ele vai me pegar, vai me encontrar...

— Ele não vai – a voz de Poncho estava tensa, mas segura. Estava convicta
– Eu não vou deixar.

— Você não conseguiu impedir da última vez – Anahí ironizou com as


lágrimas correndo soltas por seu rosto.

Foi nesse momento que Poncho decidiu que o passado e o presente


deveriam ficar separados. Ele soltou o rosto de Anahí somente para trazê-la
para dentro de seu abraço. Poncho a abraçava forte, envolvendo-a em seu
corpo e rapidamente sentindo-a molhar sua camisa pelo excesso de lágrimas
vindas de um choro copioso.

Só que ao mesmo tempo que o pânico corria solto e que ela se deixava levar
pela agonia daquela notícia, sentia o contraste daquele medo com a
segurança dos braços de Poncho. O calor dele, seus dedos tocando-a, a
tranquilidade de sua voz e de sua respiração definitivamente eram fatores
que poderiam acalma-la... mesmo que demorasse. E Poncho costumava ser
paciente.

— Nem que eu tenha que passar o dia inteiro do seu lado... cada segundo de
cada dia... – a voz tranquila de Poncho dizia num sussurro próximo ao
ouvido dela – Eu não vou deixar que ele toque um dedo sequer em você
novamente.

— Poncho, você não pode parar a sua vida por mim – Anahí lembrou –
Você tem um filho...

— A minha vida acabou uma vez quando você desapareceu – ele continuou
– Eu não vou deixar que isso aconteça de novo. Eu não sou forte o bastante
pra me reerguer mais uma vez. E você ainda não terminou de se levantar.
Ele não vai te derrubar de novo Any, eu te prometo.

— Eu... não sei o que pensar...

E ela realmente não sabia. Porque no fundo, sua sabedoria e experiência


faziam com que Anahí fosse a única que conhecesse Tobias realmente, o
quão obcecado era, o que era capaz de fazer. Só ela sabia o que tinham sido
aqueles oito anos dentro daquele porão, as coisas que ela tinha vivido e o
quanto tudo a marcou. Por isso aquele medo era só dela. Por isso Anahí
pensava que Poncho só estava tão seguro assim de que as coisas acabariam
bem porque ele não tinha ficado trancado entre aquelas quatro paredes.

Anahí era a violada ali, Anahí era a trancafiada, então era ela quem teria
aquele medo. Ela sabia que ficar ali, nos braços do ex-namorado que ainda
era casado com outra mulher, enquanto seu sequestrador estava sendo solto
não iria adiantar nada, não a deixaria mais segura. Sabia que precisava ser
forte e encontrar alguma forma de sobreviver a mais aquilo, tal como fez no
passado, muito embora, como Poncho havia dito, ela ainda não tinha
terminado de se reerguer de todos aqueles traumas. Mas mesmo assim, se
dava o direito de chorar naquele momento. Chorar ali e ser forte depois,
essa era a ideia.
— Vai ficar tudo bem – Poncho garantiu – Ele pode ter sido solto, mas você
está fazendo um tratamento. Você vai lembrar de tudo, vai testemunhar no
julgamento e ele vai ser condenado.

— Como você sabe que...

— Sophia me contou – Poncho confessou com ar de riso na voz – Desculpe,


eu sei que não deveria perguntar, mas...

— Que seja – ela respondeu.

Poderia parecer que ela estava mal humorada, mas não era verdade. Afinal,
ela continuava nos braços dele.

Só que havia mais alguém ali.

— Tia? Você ta bem...?

Era Daniel.

Anahí rapidamente percebeu que teria que se recompor na frente do filho de


Poncho. Logo lhe surgiu a ideia de que o menino não deveria vê-la abraçada
com seu pai daquela forma, não quando não fazia ideia que ele e sua mãe
estavam separados e o que havia por trás daquela viagem de Diana para
Boston. Sobretudo, Anahí não poderia explicar ao menino a razão por trás
daquele choro. Crianças de seis anos não deveriam ter a própria inocência
tirada daquela forma, qualquer que fosse o motivo.

— Ela está com alguns problemas – Poncho explicou ao filho se abaixando


para ficar na sua altura.

— Por isso você ta chorando? – Daniel voltou a perguntar, se dirigindo


diretamente a ela. Foi o primeiro momento que Anahí teve vontade de sorrir
– Não precisa chorar. Nós cuidamos de você.

— Você cuida? – Anahí perguntou com toda a perplexa e honesta


sinceridade do mundo. Seu sorriso conseguia ser o maior possível, maior
até mesmo que o de Poncho.
— Cuido sim – Daniel confirmou estendendo a mão para a "tia", que
segurou-a tranquila – Vem, vamos ver um desenho.

Foi a hora que ela se soltou de Poncho. Justamente a hora que era
conduzida até o tapete confortável por sua versão em miniatura. Ele, por
sinal, sorria abertamente com a cena à sua frente, encantado pelo modo
como seu filho era carinhoso e acolhedor, pela maneira como ele parecia
conseguir acolher Anahí e provavelmente distraí-la. Era um bom alento
para aquele momento, considerando tudo o que ele sabia que viria depois.

Porque viria. Poncho dizia aquilo tudo para deixar Anahí tranquila mas, no
fundo, não tinha como garantir que ela estaria cem por cento a salvo. Ele
não podia ficar vinte e quatro horas colado nela, tinha várias variáveis que
não estava levando em consideração. Anahí tinha um namorado, ele tinha
um filho que não sabia da separação dos pais. Poncho não tinha como
garantir nada, mas a certeza era única: não era como da primeira vez. Agora
eles conheciam a ameaça e poderiam defendê-la. Eles, porque
definitivamente Poncho não agiria sozinho.

Então, a primeira coisa que ele fez foi mandar uma mensagem para Karen e
tranquiliza-la dizendo que Anahí estava na casa dele e que não tiraria os
olhos dela. A ex-sogra o ligou no minuto seguinte porque obviamente ela já
sabia o que tinha acontecido e estava mandando mil mensagens para a filha,
todas ignoradas num celular esquecido dentro da bolsa. A segunda pessoa
com quem Poncho fez contato provavelmente não fazia ideia do que
acontecia, mas tinha o direito de ser tranquilizada antes mesmo de
descobrir.

— Maite? – ele falou – Você está podendo falar?

Maite estava com Mane... é claro. Como ela achava que estava tudo bem
com Anahí, como Anahí parecia estar caminhando bem, ela passava todo o
tempo livre do mundo na companhia do namorado, a definição de pisar em
nuvens de tanta felicidade. Poncho não se sentia confortável de estragar a
tranquilidade que sabia que a melhor amiga de Anahí sentia, mas era
necessário. Agora era preciso que todos se unissem por ela, que todos
abrissem mão da própria tranquilidade por Anahí.
— Você tem meu número? – ela franziu a testa – Desde quando...?

— Desde muito tempo, você apenas não sabia – ele bufou – Isso não
importa agora.

— Não, o que importa é o motivo pelo qual você está me ligando – Maite
respondeu.

— Você ainda não sabe, não é?

— Não sei do que Poncho? – a voz dela rapidamente ficou apreensiva, à


medida que notava que a dele estava completamente tensa – O que
aconteceu?

— Tobias Menzies foi solto.

Um tiro dado logo de uma vez, sem enrolações. E Maite prendendo a


respiração do outro lado da linha.

— Onde ela está...? – a voz da morena agora saiu totalmente amedrontada.


Poncho ouviu a voz de Mane ao fundo perguntando o que tinha acontecido
que a deixou nervosa assim.

— Comigo – Poncho respondeu e ouviu um suspiro de tranquilidade dela


do outro lado da linha – Ela estava na minha casa quando descobriu.

— Estou indo pra aí agora – ela disse.

— Avise ao Christian – Poncho pediu.

É claro que Maite avisaria. Mas ela conseguia ver as coisas em larga escala,
o plano completo. Ficou decidido entre ela e Christian que ele não iria até
Anahí na casa de Poncho, e sim iria para o próprio apartamento. Garantiria
que não tinha ninguém rondando por ali, que Anahí poderia chegar em
segurança. Isso porque ninguém poderia segurar Maite de ir até Anahí. Ela
tinha certeza de que a amiga estava segura com Poncho, sabia que apenas se
passassem por cima dele, Poncho deixaria que algo acontecesse com Anahí.
Mas mesmo assim Maite só se sentiria tranquila novamente quando
estivesse enfim na frente dela.
Mane não teve alternativa senão acompanhar a namorada. Os dois
chegaram na casa de Poncho cerca de vinte minutos depois da ligação.
Poncho abriu a porta quase segurando Maite porque ela mais parecia um
furacão. Não seria bom que Anahí a visse assim.

— Nós demoramos a acalma-la – Poncho explicou – Se você chegar assim


ela vai entrar em pânico de novo.

— Nós? – Maite franziu a testa – Diana não está em Boston?

— Está – Poncho confirmou – Não era dela que eu estava falando.

A resposta veio quando Maite entrou na sala da casa de Poncho. Deitada no


sofá com Daniel recostado sobre seu peito, Anahí não parecia uma mulher
cujo sequestrador tinha acabado de ser solto. Pelo contrário, ela estava
calma e completamente distraída, com o menino com os olhos fixos na TV
concentrado, ela passando os dedos pelo cabelo dele, como se nada mais
existisse. Maite ficou estática ao ver a cena, não apenas porque esperava
encontrar uma Anahí desesperada, mas sobretudo porque, se não
conhecesse todo aquele contexto, acharia que tinha entrado na casa de uma
família feliz e via uma mãe e um filho deitados juntos assistindo um filme
infantil.

Quem sabe em outra vida...

— Eu não fiz nada – Poncho sussurrou – O Dani resolveu tudo.

— Se ela não resiste ao pai, não vai resistir ao filho – Maite murmurou
entre os dentes para si quase inaudível.

— Luna... – Mane repreendeu a namorada beliscando seu braço.

— Alguma mentira? – ela arqueou as sobrancelhas dando de ombros.

Muitas coisas voltavam para o lugar...

Aquelas palavras de Maite eram ao melhor estilo escapulir. Poncho é que as


estranhava, porque ele não estava acostumado com aquela cordialidade da
melhor amiga de sua ex – porque sabia que sequer poderia chama-la de
amiga mais. Só que toda a hostilidade que recebia de Maite era perdoada se
levada em conta a dedicação dela à Anahí. Tanto que ali estava ela com
toda a dedicação do mundo, se ajoelhando na beira do sofá e não
demorando a ser notada.

— Ei – Maite a chamou – Eu vim saber se ta tudo bem.

— Não... – Anahí sussurrou – Mas já esteve pior.

— Ok – Maite franziu a testa não exatamente convencida.

— Você já viu Toy Story, tia? – Daniel perguntou. Maite mal teve reação ao
notar que o filho de Poncho se dirigia a ela – Quer ver com a gente?

— Ah – ela murmurou – Claro. Por que não?

E o improvável aconteceu...

— Está aí uma coisa que eu nunca pensei em ver – Poncho disse franzindo
a testa ao observar a cena – Maite, Anahí e meu filho no meu sofá
assistindo a um filme.

— Nem nos nossos melhores sonhos – Mane riu concordando.

Quando o filme acabou Maite propôs que Anahí fosse para casa e ela
concordou. Dentro de um abraço confortável de Poncho ela se despediu
dele, agradecendo o apoio daquele dia. Mas o verdadeiro abraço carinhoso
que ela recebeu foi de Daniel, que pediu que ela voltasse mais vezes e disse
que estava torcendo para que ela ficasse bem. Toda a cena foi observada
com olhos interessados por Maite, mas Poncho percebeu que ela não estava
rejeitando como fazia antes. Pelo contrário, ela parecia apenas analisar. A
morena não estava como fiscal de Anahí exigindo que Poncho a protegesse
e a amasse... ela apenas queria parecer protegê-la.

E ficou claro mais tarde, naquele mesmo dia, que aquele objetivo era
comum entre eles.

Poncho estava em casa se corroendo para saber se Anahí estava bem, mas
se perguntava se deveria se intrometer ou não, se deveria mandar uma
mensagem para ela própria ou seus amigos e saber se ela estava melhor. Ele
se perguntava se Milo estava ao lado dela, consolando-a, dividido entre o
racional de saber que ele estava no seu direito e o emocional que sabia que
não tinha qualquer direito. De qualquer forma, a única coisa que ele
conseguia desejar e também imaginar era estar ao lado dela, abraçando-a e
consolando-a em sua cama, sussurrando em seu ouvido que tudo ficaria
bem e sentindo-a adormecer em seu peito com a certeza de que ele
garantiria que realmente ficaria.

Mas a realidade era bem diferente... com Poncho no mesmo sofá que Anahí
tinha ficado com seu filho mais cedo, ele tentava prestar atenção na terceira
sequência de Toy Story que assistia com Daniel sem qualquer sucesso, já
que sua cabeça estava em outra casa, em outra pessoa. O que ele não
esperava é que a forca de seu pensamento fosse tão forte a ponto de
praticamente atrair. Ele percebeu isso quando o telefone tocou com a grata
surpresa.

— Oi Soph – Poncho atendeu agitado.

— Você está ocupado? – ela perguntou.

— Assistindo um filme com o Dani – ele disse se levantando para evitar


que o menino o ouvisse – Por quê? Aconteceu algo com...

— Não – Sophia se apressou em dizer para não preocupa-lo – Ela está


dormindo. Nós estamos aqui... e a Maite quer falar conosco. Com todos
nós.

Maite pedindo pela presença de Poncho em nome do bem estar de Anahí...


é, definitivamente as coisas estavam mudando.

Rapidamente Poncho interrompeu o filme perguntando se eles poderiam ir


até a casa de Anahí, convencendo o menino ao dizer que Samantha estaria
lá e que eles poderiam brincar juntos. Não demorou meia hora para chegar
até lá. Todos já estavam presentes – além de Maite e Christian, donos da
casa, e de Sophia, que tinha ligado para ele, também estavam Jesse, Lexie e
Mane. Ele foi o último a chegar, e viu Christian ligar a TV e botar o mesmo
Toy Story no bluray para as crianças se distraírem e eles poderem conversar
à vontade. No fim todos foram para a cozinha, era a única maneira. Daniel
até era facilmente distraível, mas Samantha tinha olhos de águia e os
ouvidos mais apurados de todos ali.

— Ela está dormindo? – Poncho perguntou, conferindo o relógio. Ainda


estava cedo.

— Nós praticamente a dopamos com os remédios que a psiquiatra passou –


Christian explicou – Ela não conseguia ficar calma de jeito nenhum.

— Não tinha outra maneira de nós sete conversarmos aqui sobre ela –
Lexie concluiu.

— Se ela não tomasse não iria conseguir descansar – Christian continuou –


Veio muito agitada, olhando pros lados o tempo inteiro. A Karen veio aqui,
conversou com ela, mas não ajudou muito, não a tranquilizou, ela ta
insegura demais.

— E nós temos que nos unir por ela – Maite disse olhando a todos – Ela
precisa de nós, ela nunca precisou tanto de nós. A Any é forte mas também
é frágil e ela estava indo bem, mas...

— Não tem como continuar indo bem com ele solto – Sophia respondeu –
Como que ela vai sair na rua assim?

— Ela foi lá em casa hoje sozinha – Poncho observou – Agora eu já não sei
o quanto é bom que ela saia sem companhia.

— Saiu no noticiário que ele foi liberado mediante restrição, não pode se
aproximar de 200m de qualquer lugar que ela esteja – Jesse disse – Mas o
cara é um criminoso. Vai que ele não se importe com isso?

— Mas por que diabos ele foi solto? – Lexie perguntou revoltada – Como
um estuprador e sequestrador é solto assim sem mais nem menos?

— A acusação ainda é fraca demais – Mane explicou – O depoimento da


Any é muito vago, cheio de lacunas, ela ainda não lembrou tudo... e não
encontraram drogas na casa dele. Por isso o juiz arbitrou a fiança e, como
ele tem dinheiro, o advogado pagou.

— Eu nem sei o que dizer – Sophia murmurou. Ela estava claramente


agoniada.

— Pois eu sei – Maite prosseguiu – Eu sei que todas as nossas diferenças,


de todos nós, têm que ficar de lado... por ela. A Any precisa de nós, de
todos nós, precisa que nós fiquemos vinte e quatro horas de lado por ela. É
hora de nós deixarmos os nossos hobbys de lado, o nosso tempo livre e
garantirmos que sempre vai ter alguém com ela, que ela não vai ficar
sozinha, nem que seja no apartamento. Dentro ou fora, ela tem que estar
acompanhada.

— Eu não sei se ela vai aceitar isso – Poncho observou. Ele conhecia o jeito
independente de Anahí, não seria fácil.

— To pouco me lixando se ela vai aceitar ou não – Maite devolveu – Nós


vamos fazer e ponto. Se vocês estiverem de acordo, é claro.

— Obviamente eu estou – Lexie respondeu, vendo os amigos assentirem


em resposta.

— Dentro dos nossos limites... cada um cedendo um pouco, nós


conseguimos – foi Jesse quem falou naquele momento – E não somos
apenas nós, temos a Karen também, os avós dela...

— E o Milo – Sophia lembrou – Deus, nós nos esquecemos de chamar o


namorado dela.

Namorado. Foi a hora que Poncho abriu uma careta gigantesca. Enquanto
os amigos se dividiam entre a culpa por terem abstraído o namorado de
Anahí numa situação crucial que a envolvia e uma espécie de autoperdão
por estarem tão acostumados a serem apenas eles que não teriam como
lembrar... ele era apenas ciúme. Novamente, como quando estava em casa,
era razão versus emoção em altas doses, sem que ele conseguisse lidar.
Os amigos acabaram indo para a sala ficar na companhia das crianças e
Maite tinha em mãos uma prancheta e um caderno anotando uma escala de
quem ficaria com Anahí em cada dia, atendendo a critérios profissionais,
compromissos inadiáveis, datas que não poderiam de forma alguma. O
objetivo era que ninguém tivesse que parar a própria vida por conta da
segurança dela, o que deixava Poncho um tanto incomodado porque ele
sabia o quanto desejava exatamente aquilo: parar a vida por ela. Ou poder
parar... porque ele ainda tinha um filho que não entendia exatamente o que
estava acontecendo... e ela ainda tinha um namorado.

E por falar em namorado, no fim acabou não sendo necessário chamar


Milo, já que ele próprio apareceu. Quando todos já o haviam esquecido...
quando tudo estava praticamente decidido... uma batida na porta.

E ao ouvi-la, Poncho fechou os olhos sabendo exatamente quem era. E foi


sem nenhuma surpresa que ele ouviu a voz de Milo cumprimentar Maite e,
depois, todos os outros que ali estavam.

— Eu acabei de descobrir... e bem, eu não preciso perguntar porque todos


estão aqui – Milo deu de ombros mordendo os lábios – Onde ela está?

— No quarto – Lexie respondeu – Vá, ela ta precisando de alguém.

O leão dentro do peito de Poncho rugiu. Por que alguém deveria ser Milo?
A mente sabia responder, ele sabia que aquele homem era o namorado dela
e que ele tinha todo o direito do mundo de estar ali. Ao abrir os olhos
depois de alguns segundos notou que alguns dos presentes estavam
encarando-o, obviamente notando sua clara reação de ciúmes. Jesse o
olhava, Sophia idem... e Maite também.

Culpado. E provavelmente condenado também.

Christian acabou indo na cozinha prendendo o riso pela reação de Poncho e


encontrou Lexie e Sophia por lá. Ele não era o tipo de pessoa que
aguentaria calado.

— Precisei vir porque se eu continuasse lá vendo o Poncho mordido vendo


o Milo indo pro quarto da Any eu teria uma daquelas crises de risos e
sinceridade – ele deu de ombros.

— Talvez isso sirva pra ele aprender a não deixar chances escaparem assim
– Lexie mordeu os lábios rindo.

— Ta na hora de você aprender com as suas próprias lições, não é cirurgiã?


– Christian disse cruzando os braços dela.

— Eu não tenho nada para aprender – Lexie sorriu – Eu aproveito tudo o


que a vida me dá.

— Se a vida me desse um Mark Sloan, ah ta que eu não aproveitaria...! –


Christian devolveu com o jeito de sempre.

— Poncho vai aprender com isso – Sophia garantiu – Ou melhor, já


aprendeu. Agora você Lexie... você...

Lexie preferiu ficar calada. Ela não havia dito aos amigos de seu recente
envolvimento com Mark porque não queria ser criticada sobre não ter
terminado com Jackson e estar com os dois ao mesmo tempo, queria apenas
curtir o momento. Apenas Meredith sabia, porque sua irmã era a pessoa que
a encobria, alguém precisava saber. Talvez com aquilo tudo algo viesse a
calhar... ela teria mais um álibi, mais um motivo para estar distante. Ainda
faltavam meses para o casamento, ela tinha tempo de sobra para aproveitar
Mark antes de ter que decidir.

xxx

Anahí estava realmente apagada quando Milo entrou no quarto. Apagada,


porque tinha sido dopada. Milo não sabia daquele detalhe, achava que era
apenas sono, por isso ficou ali, vendo-a dormir, até acabar apagando na
cama dela, ao seu lado, enquanto do lado de fora um a um de seus amigos
deixava o apartamento com o fim daquele dia, inclusive aquele que não era
apenas amigo, mas também ex-namorado.

O efeito da medicação fez com que Anahí só acordasse no dia seguinte,


com os olhos pesados e um tanto zonza. Ela tinha tomado um comprimido a
mais exatamente para só despertar no dia seguinte, e obviamente não
apenas não viu Milo chegando ali como também descobriu sua presença
somente ao acordar. Só que antes de reconhecê-lo, dada à tensão que a
libertação de Tobias tinha lhe causado, o susto foi inevitável. Anahí deu um
pulo ao ver o corpo masculino ao seu lado. Antes do fim da reação seu
cérebro já tinha processado quem era, mas tarde demais, Milo já tinha
acordado também assustado.

— Desculpe – ela murmurou nervosa – Eu não vi você chegando, eu...

— Shhhh, tudo bem – ele disse sentando na cama e abraçando-a – Está tudo
bem, de verdade.

— A última vez que eu acordei com um homem do meu lado... era ele.

— Eu sei. Eu sei.

— Dormi fundo – Anahí se justificou – Eu nem vi você chegando. Os


remédios realmente fizeram efeito.

— Remédios? – Milo franziu a testa.

— Os que a Dra. Balfe me passa pra dormir – ela explicou – Eu tomei dois
comprimidos ontem.

— Ah, isso explica bastante coisa – Milo riu balançando a cabeça – Eu


estranhei você estar dormindo tão fundo.

— Dúvidas tiradas – Anahí riu, embora não tivesse a mínima vontade –


Como você entrou?

— Seus amigos abriram pra mim, é claro – ele explicou – Estavam todos
aqui quando eu cheguei.

— Todos? – Anahí franziu a testa.

— Maite, Christian, a cirurgiã, a dona da confeitaria e o namorado dela, o


namorado da Maite e o seu ex-namorado – Milo enumerou um a um, vendo
a perplexidade no rosto dela – E duas crianças. A filha da moça da
confeitaria e um menino que eu supus que fosse o filho do seu ex.
— Samantha não é filha da Soph – Anahí observou – Quer dizer... é. É
complicado.

— Tudo bem – ele beijou a testa dela – Eu só fiquei porque não sabia que
você estava sob o efeito dos remédios. Fiz mal? Achei que você fosse
acordar...

— Não, não fez mal – Anahí sorriu – Eu não conseguiria dormir sem eles.
Você já sabe, não é?

— Sim – a resposta de Milo veio com pesar – Como você está?

— Confusa – ela admitiu – Com medo...

— Você não precisa ter – ele acariciou a cabeça dela – Ele tem uma ordem
de restrição, não pode se aproximar de você. E eu imagino que aquele
motim na sala ontem à noite foi exatamente pra garantir a sua segurança.

— Eu sabia que eles fariam isso – Anahí parecia nervosa – Eu não quero ser
um peso pra mais ninguém...

— Você não é um peso pra ninguém – Milo disse segurando o rosto dela –
Eu preciso ir trabalhar. Ficaria se pudesse, mas... eu não posso. Volto
quando chegar do trabalho, ok? Tudo bem pra você?

— Sim, sim, é claro – Anahí sorriu antes de beijar os lábios dele – Por
favor, volte. Durma aqui comigo. Dessa vez sem tantos remédios pra que eu
possa sentir.

— Você tem certeza? – Milo perguntou – Não é cedo demais?

— Eu não quero perder tempo – ela respondeu.

Milo se referia simplesmente a dormir junto, mas sentia que Anahí


propositalmente colocava mais naquilo. Ela parecia convicta, determinada.
Talvez aquela soltura de Tobias tinha servido para lhe fazer querer viver a
própria vida e não perder mais nada. E se tinha algo do qual Anahí sentia
falta era daquele lado mulher que tinha ficado perdido antes do cativeiro.
De sentir desejo por um homem, se sentir desejada, ter algo mais íntimo em
todos os sentidos.

Talvez não fosse a melhor hora, talvez fosse cedo demais como Milo tinha
observado, mas ela não se importava. Agora Anahí não era mais a pessoa
que esperava pelo momento certo, era a pessoa que fazia aquele momento.
E era exatamente isso que ela queria: fazer... fazer tudo o que sabia que
tinha direito. E não se poupar de mais nada.

Amiguinhos unidinhos pela Anahí e deixando as diferenças de lado: quem


foi que pediu?

Definitivamente aqui temos um divisor de águas e a Anahí finalmente


conseguindo (mesmo sem querer) unir esse grupo novamente. Poncho
colocou tudo de lado pra ligar pra Maite e ela fez o mesmo ao ligar pra ele e
pros outros convocando essa reunião. Enfim todos entendendo que a amiga
ta em primeiro lugar. E é só o começo!

Anahí por sinal cada vez mais perto de ter que decidir de vez: Milo ou
Poncho? O que vcs acham? E o que vcs QUEREM? Hahahahaha

Por fim, queria dizer que, como nunca vou conseguir botar os comentários
100% em dia, resolvi pular e responder direto os dos últimos. E vou tentar
postar o proximo ja tendo respondido os desse, pra não acumular mais. E é
o que temos pra hoje 😂

Que saudadeeee de postar 2x na semana! Como lidar?

Beijos,

Rafa

P.S.: ME CONTEM O QUE ESTÃO ACHANDOOOOO!!!


Capítulo 43 - New beginings

Poncho passou todo o tempo que esteve acordado, daquela noite até a
manhã seguinte, pensando em qual pretexto poderia usar para voltar ao
apartamento de Anahí. Tinha que ser algo bom, convincente, que
justificasse a necessidade de uma ida lá e não parecesse que era apenas um
pretexto para aparecer – como de fato era.

Depois de uma madrugada sem ideias, certo de que tinha que ir cedo,
Poncho acabou encontrando a resposta na mesinha de canto da sala de sua
casa: a lista de desejos dela. No meio daquele furacão ele tinha ficado de ler
e não o fez, ela acabou esquecendo o papel ali, tudo ficou esquecido.
Poncho encontrou a lista justamente antes de levar Daniel para a escola, e
de repente se deu conta que tinha em mãos o motivo perfeito para encontrar
a ex-namorada.

Só havia um problema: Milo. O problema de sempre. Ficaria muito feio se


Poncho aparecesse no apartamento de Anahí procurando-a e desse de cara
com o atual namorado dela lá. Ele precisava se certificar que Milo já tinha
ido embora, do contrário de nada valeria, a ida teria que ser adiada. O
problema é que só havia uma forma de saber aquilo. E Poncho não estava
disposto a não ver Anahí, então ele pagou para ver.

"Queria ver a Anahí hoje... eu preciso entregar algo a ela, que esqueceu
aqui. Você sabe se o Milo ainda está aí? Não quero ser inconveniente".

A resposta foi curta e direta.

"Ele já foi embora, a barra está limpa. Pode vir."

Maite deu um imenso sorriso de satisfação quando acordou, esfregou os


olhos sentindo a mão pesada de Mane em sua barriga e viu a mensagem de
Poncho no celular que até então estava na mesinha de cabeceira. Ela mal
podia acreditar que a história estava se repetindo e o passado sendo
reescrito... não exatamente da mesma forma que tinha sido, as
circunstâncias atuais colocavam uma boa dose de sofrimento.
Mas o que mais chamava a sua atenção não era nem mesmo o fato de Anahí
e Poncho parecerem reencontrar o próprio caminho porque aquilo mais
parecia estar escrito. O que a surpreendia era ela estar envolvida como
antes, até o pescoço. E dessa vez, disposta a ajudar Poncho, como achava
que nunca mais faria.

Mane ainda estava dormindo, mas Maite estava vestida bebendo sua xícara
de café expresso quando bateram na porta. Ela sabia exatamente quem era.
Anahí ainda não tinha sido informada pela amiga que o ex-namorado estava
ali para vê-la, exatamente porque, antes de anunciar a presença de Poncho,
Maite queria um certo acerto de contas com ele.

— Oi – Poncho disse cordial quando entrou – Bom dia.

— Bom dia – Maite disse abrindo espaço para que ele passasse – Pode
entrar.

— Ela está no quarto? Está acordada?

— Sim – a morena confirmou – Mas antes de entrar, eu quero falar com


você.

Poncho quase riu por dentro. É óbvio que Maite não facilitaria tanto assim
as coisas para ele. Estava indo bem até demais.

— Sou todo ouvidos – Poncho respondeu. Afinal, o que ele tinha a temer?

— Vou ser direta porque eu não sei enrolar – ela prosseguiu – Que diabos
você quer com ela?

— Eu não consigo ficar longe dela Mai – ele entregou totalmente franco –
Eu desisti de tentar.

— Isso eu reparei – Maite continuou de braços cruzados e com o semblante


sério – Mas até onde me consta você continua casado.

— Diana pediu um tempo pra que eu me decidisse, disse que eu só deveria


procura-la se soubesse o que eu queria – Poncho explicou – Nós estamos
separados, não tem chance de voltar.
— Ok, você e sua esposa estão nessa, mas quem está lá dentro no meio
disso tudo é a minha melhor amiga e ela ta machucada o suficiente com
tudo isso – a morena devolveu – E eu não vou deixar que você a destrua
nisso tudo. Já é coisa demais Poncho, você ter casado, esse cara livre, dois
filhos que ela perdeu...

— Espera... – ele franziu a testa – Dois?

— Ela não te contou? – Maite perguntou tensa. Pelo visto ela tinha dito
demais – Ela lembrou de um choro de criança. Uma criança que ela
provavelmente perdeu, nasceu morta ou algo do tipo.

— Ela lembra da criança ter morrido? – Poncho questionou sedento por


mais detalhes – Não, ela não me contou, eu não fazia ideia...

— Se ela não contou, você deve perguntar pra ela, eu já falei demais – ela
bufou – Poncho, ela ta namorando. Não é justo que você destrua o lance
dela com o Milo só porque se decidiu, ele gosta dela, ele faz bem pra ela...

— Maite – Poncho a interrompeu – Eu não vou atrapalhar lance nenhum.


Se ela quiser ficar com ele, eu vou respeitar assim como ela respeitou o meu
casamento. Eu não terminei com a Diana pra lutar pela Anahí, eu terminei
com ela tanto porque não era justo com ela e comigo, quanto porque, se
Anahí ainda me quiser, eu quero estar livre pra ela.

— E se ela te quiser? – Maite voltou a questionar – Você vai machuca-la de


novo...?

— Você acha que eu a machucaria se nada tivesse acontecido? – Poncho


devolveu.

Xeque mate.

— Ok – Maite fechou os olhos de condenando – Deus, eu não acredito que


to torcendo por você de novo! Por que eu sou tão trouxa?

— Você ta torcendo por mim? – Poncho não evitou sorrir.


— Não que você mereça – ela fez uma careta – Agradeça à minha trouxisse.
Isso não significa que eu vou aliviar, racionalmente ainda vou cuidar da
Anahí e se você pisar um centímetro fora da linha e arrancar uma lágrima
sequer dela...

— Mai? – Poncho a chamou, fazendo-a encara-lo – Eu senti a sua falta.

Aquela frase desarmou Maite. Ela estava pronta para agir como a amiga
leoa e protetora de sempre, armando um verdadeiro cerco ao redor de
Anahí, mas Poncho dizer aquilo não era algo que ela esperava. De repente
todas as desavenças dos dois desapareceram, ele voltava a olha-la como
uma irmã mais nova, a forma como a enxergou um dia. É lógico que isso
não eliminava os anos de distância e mágoas que os dois tinham construído,
mas pelo visto ambos estavam prontos para dar um ponto final naquilo e
recomeçar.

Era a temporada dos recomeços.

E se Maite não esperava por aquela frase do ex-amigo – ou não tão ex assim
– menos ainda pelo abraço que Poncho lhe daria logo em seguida. Ela
estava completamente desconcertada, não apenas porque não esperava fazer
as pazes com ele daquela forma tão natural, sem ser pela iniciativa dela
como tinha sido com Sophia, mas também porque se acostumou de maneira
tão natural a ter uma imensa desconfiança e manter afastamento de todos
que agora parecia totalmente estranho agir de forma contrária.

Mas como dito, eram outros tempos.

— Eu preciso ir trabalhar – Maite anunciou como pretexto para sair daquele


abraço – O Mane ta dormindo no meu quarto, mas já já ele acorda e vai ter
que sair também. O Christian...

— Pela hora também está dormindo – Poncho riu – Quem vai ficar com ela
essa manhã?

— Christian – Maite explicou – Quando acordar, é claro.


— Eu fico aqui até lá – ele respondeu satisfeito – Você pode ir tranquila. Eu
não vou magoa-la, não vou machuca-la.

— Além do que já machucou? – Maite ironizou, fechando os olhos em


seguida meio culpada – Ok, parei.

Velhos hábitos custavam a morrer.

Na frente do quarto de Anahí foi quando Poncho se sentiu mais nervoso.


Mas ele tinha ido até ali, tinha passado ileso da fortaleza que Maite
construiu ao redor da amiga, não era ali que ele iria desistir. Suspirando, ele
bateu na porta e ouviu a voz sonolenta dela dizer que ele poderia entrar.
Anahí provavelmente esperava por Christian ou Maite, algo que Poncho
teve certeza quando os olhos cansados dela se esbugalharam ao se dar conta
de que era ele quem estava ali.

— Poncho? – ela franziu a testa, tonta de sono ainda – O que você ta


fazendo aqui?

— Eu... – ele hesitou pensando se deveria mentir ou não. Não parecia uma
boa ideia, então foi a verdade – Vim ver como você estava. E entregar isso.

Entre os dedos de Poncho estava a lista dela, Anahí reconheceu na hora e


abriu um pequeno sorriso no canto dos lábios. Esfregando o olho, ela se
sentou na cama bocejando e chamou por ele, vendo Poncho se aproximar
aos poucos e sentar na beira dela, ainda sem saber se deveria mesmo se
aproximar.

— Minha lista – ela constatou, pegando o papel na mão dele e abrindo-o –


Você leu?

— Não – ele respondeu – De verdade.

— Eu não tenho porque duvidar – Anahí retrucou, estendendo a folha de


volta pra ele – Leia.

— Any, eu pensei que você fosse querer conversar...


— Sobre a minha lista sim – ela admitiu – Agora, sobre o resto? Sobre ele?
Eu já preciso encarar isso na terapia Poncho, me parece o suficiente.

— Se você não quiser falar sobre isso, ok – Poncho respondeu, se


lembrando da orientação da psiquiatra de Anahí, à época de sua internação,
de que todos os desejos dela deveriam ser respeitados, era importante
preservar seu consentimento – Eu só quero que você saiba que se não quiser
falar, é por você, não por mim. Eu estou aqui pra você falar do que quiser.

— Eu quero falar da minha lista – Anahí sorriu insistindo – Anda, não era o
que você queria até ontem? Leia.

Dando-se por vencido e mordendo os lábios, Poncho desdobrou o papel e


pôs-se a ver seu conteúdo. Rapidamente o bem estar tomou seu corpo ao se
sentir mais leve pelos desejos dela. Era inevitável não sorrir ao se deparar
com as vontades da garota que quinze anos que Anahí tinha sido um dia, a
garota que um dia existiu antes daquela desgraça toda.

— Bom, acho que algumas coisas aqui podem ser cortadas – Poncho
constatou ainda lendo.

— Algumas? Você quis dizer duas né? – e Anahí fazia uma careta – No
máximo.

— Tomar um porre você já tomou – ele observou – Assistir a um filme de


terror eu imagino que também...

— Morrendo de medo, mas sim – a careta dela se tornou maior – Aquele


maldito O chamado.

— Nem era tão assustador assim – Poncho zombou.

— Você tem medo de escuro, não pode falar dos filmes que eu não gosto de
assistir – Anahí retrucou vendo-o reagir completamente ofendido.

— Em respeito a você vou encerrar a discussão por aqui – Poncho voltou os


olhos para a lista – Por que te falta coragem pra cantar num karaokê?
— Minha voz é horrível – ela admitiu – E teria que ter mais uma pessoa
sabe? Pra humilhação não ser tão grande.

— As pessoas que vão te ver fazendo isso provavelmente nunca mais te


verão na vida...

— Esse argumento funcionava bem há oito anos, Poncho, mas agora as


pessoas sabem quem eu sou – ela deu de ombros meio amarga e ele
rapidamente percebeu que teriam que desviar o assunto novamente.

— Quinhentos dólares num sapato...? – os olhos de Poncho estavam


arregalados – Isso mata a fome de muita gente, sabia?

— São desejos bobos, eu não necessariamente vou realizar – Anahí bufou –


Respeite os meus quinze anos!

— Nem todos são bobos – ele respondeu entregando de volta a lista pra ela
– Morar no apartamento dos sonhos, aprender a falar francês, trabalhar
mudando a vida de mulheres... Any, são desejos reais.

— E distantes – Anahí retrucou – Falar francês ok, mas morar sozinha já


parece impossível até mesmo nesse apartamento dos sonhos. E trabalhar
ajudando mulheres? No momento são elas que estão me ajudando.

— Bom, você pode adotar um cachorro – Poncho deu de ombros – Ou...


transar no capô do carro.

— Ai meu Deus – ela fechou os olhos morrendo de vergonha. O rosto


simplesmente queimava com a menção àquele desejo em especial – Poncho,
eu tinha quinze anos quando escrevi isso!

— E qual o problema nisso? – Poncho riu – Me parece um desejo bem...


atual.

— Eu só coloquei na lista porque na época enxergava o sexo de uma


maneira bem diferente que vejo agora, uma coisa mística... imagina transar
no capô de um carro ao relento? Deve ser super desconfortável.

— Eu não acho – Poncho retrucou.


E o ciúme se apoderou dela com uma força tamanha na qual Anahí não
conseguia acreditar.

— Por quê? – a voz dela saiu com um tom de desdém – Você já fez?

Poncho teve que se segurar a cada fibra de autocontrole para não sorrir por
notar a irritação dela. Apenas mordeu os lábios e torceu para que Anahí não
percebesse que tinha sido descoberta, do contrário ela certamente se armaria
de novo e se fecharia ainda mais.

— É claro que não – Poncho respondeu – Tem que ter muita paixão pra
fazer um troço desses.

O que ele queria dizer? No casamento dele não tinha paixão suficiente para
fazer sexo no capô do carro? Anahí tinha até medo de perguntar.

— Quer dizer... – ele continuou, coçando a cabeça – Você tem que sentir
necessidade, deve ser algo bem primitivo. Estar no meio do nada e transar.
Deve dar mais liberdade do que no banco traseiro, mas o sangue tem que
estar muito quente porque, afinal, qualquer um pode passar e ver.

— Eu só vejo desvantagens – Anahí deu de ombros.

— Mas você já pensou no sangue esfriando e você estar ao relento, sob a


luz da lua e das estrelas, com aquela pessoa? Pele com pele, os corpos
grudados, o suor...? Isso valeria a pena.

Anahí nunca tinha pensado... aquele desejo em especial era fruto dos
devaneios de uma adolescente sem noção do que era vida que um dia ela
tinha sido. O lado visceral do sexo tinha passado por sua imaginação à
época, mas aquele outro lado que Poncho dizia agora? Isso só sabia
vivendo. E Anahí sabia perfeitamente bem como ele tinha aquele
conhecimento. Eles tinham vivido... juntos.

Não no capô de um carro sob a luz das estrelas, mas em camas como a que
ainda estava em seu velho quarto na casa da mãe, a cama que ele usava no
antigo apartamento de seus pais no qual agora morava Erendira. O pós-sexo
é o que define o relacionamento e não o sexo em si. É onde os sentimentos
residem, o que diz o que você sente por aquela pessoa com quem acabou de
trocar uma experiência iminentemente carnal. O que diz se aquela
experiência vai ser apenas carnal ou não... se você vai levantar e deixar por
isso mesmo, no âmbito do físico, ou se vai permanecer e amanhecer, sentir
a pele, sentir o cheiro, dividir um banho. Eram coisas que ela não tinha
como saber aos quinze. Eram coisas que Tobias e o trauma não conseguiam
tirar dela, porque mesmo depois de tudo o que tinha vivido, Anahí poderia
não se lembrar de como era bom fazer sexo, mas sabia exatamente como
era ser amada.

E era aquele Poncho à sua frente que a fazia se sentir assim.

— Não – Anahí admitiu – Nunca pensei.

— Quer um conselho? – Poncho perguntou e a viu assentir – Não desista


desse desejo. Não desse.

— Dos outros eu posso? – ela deu um ar de riso.

— Qual a cor da caneta que você usou pra riscar os que já fez? Azul?
Então... pega outra, de outra cor... vermelha, não sei, qualquer cor. E
envolve o número dos desejos que você ainda quer realizar.

— Você acha que não vale a pena tentar realizar todos?

— Eu acho que, como você mesma disse, você tinha quinze anos quando
fez a lista – ele sorriu para ela – Pode ser que tenha alguns aí que não façam
mais sentido, outros que ainda sejam coisas que você queira. Talvez tenha
desejos novos... eu não sei Any. Olhe você mesma.

E Anahí olhou. Pegou o papel de volta e se pôs a analisar item a item, um


por vez. Quando percebeu Poncho tinha se levantado e sentado de novo,
pegando uma caneta vermelha e lhe estendendo. Ela nem sabia onde ele
havia achado, mas não se importou. Dois desejos dos dez já estavam
riscados por terem sido realizados: tomar um porre e assistir a um filme de
terror.
Com a caneta eu Poncho lhe entregou ela riscou outros, um a um...
primeiro, gastar US$ 500 em um sapato. Depois, ter coragem de cantar
num karaokê. Por fim, outros dois também foram riscados: aprender a falar
francês e adotar um cachorro. Restaram apenas dois... e o olhar ansioso de
Poncho esperava para ver se ela envolveria os números ou os jogaria fora
como fizera com os outros. Com um certo sorriso bobo no rosto ele viu
Anahí envolver um a um. Transar no capô do carro. Trabalhar mudando a
vida de mulheres... e principalmente... ter um filho.

Principalmente, porque foi exatamente sobre esse desejo que ele resolveu
falar.

— Esse é o mais difícil de se realizar – ela admitiu, vendo-o franzir a testa.

— Não acho não – Poncho respondeu – Pra mim trabalhar mudando a vida
de mulheres me parece bem pior. O simples "ter um filho" não é tão difícil,
na verdade em dois minutos já resolve... é claro, tem os nove meses, mas...

— Poncho – Anahí riu e mordeu os lábios em seguida – Eu não sei se ainda


posso ser mãe.

— Por quê? – ele questionou, se perguntando mentalmente se isso tinha a


ver com o que Maite deixou escapar mais cedo.

— Eu tive um filho no cativeiro... lembrei em uma das sessões de regressão


– Anahí confidenciou. Os olhos brilhantes e azuis dela se encharcaram de
lágrimas que queriam sair, mas ela as prendia – E ele morreu. Eu tive um
parto complicado e tive uma fratura que deu pra ver num dos raio-X que fiz
quando estava internada. Eu não sei se isso tira as minhas chances de ainda
ser mãe um dia.

— A única maneira de você descobrir isso é indo até o hospital e fazendo


todos os exames – Poncho respondeu – Eu posso ir com você, se quiser.

— Você iria? – Anahí o encarava de rabo de olho, um tanto encantada. Ela


não esperava por aquilo.
— É claro que sim, é o mínimo que eu posso fazer – Poncho respondeu se
aproximando e pegando-a pelo rosto, segurando Anahí pelas bochechas
com todo o carinho do mundo – Eu ainda vou demorar um bom tempo pra
me perdoar por não ter evitado tudo o que aconteceu com você. Se eu
estivesse mais atento... se eu tivesse ido te encontrar naquele dia...

— Poncho – Anahí segurou as mãos dele – Você não tinha como saber.

— Eu sei que não – ele confirmou – Mas...

— Sem "mas" - ela cortou – Não é sua culpa. Não é culpa de ninguém, além
dele. É só que... eu não queria perder mais isso. Mais essa chance, entende?
Você sabe que eu sempre quis ser mãe, eu já queria antes de nós dois, não
queria ter que abrir mão.

— E você não deve mesmo – Poncho respondeu – Você não vai. Mesmo
que seja difícil, nós vamos dar um jeito ok? Eu estou com você nessa, estou
com você em todas. Eu vou te ajudar.

Anahí sabia que ele falava sério. Poncho nunca fazia uma promessa se não
estava disposto a cumprir.

E tanto falava que aquela história de "nós podemos ir" não era como
daquelas conversas que terminam com "sim, vamos fazer", mas nunca são
feitas. Poncho não deixou para o dia seguinte, nem mesmo para as horas
seguintes, seria ali mesmo. Ele rapidamente insistiu que Anahí se arrumasse
e eles fossem para o hospital, ignorando as preocupações dela de estar
supostamente atrapalhando... eles foram. E quando Christian, que era dono
do "turno", acordou, se deparou com a amiga pronta para sair e o mais
surpreendente, Poncho ao lado dela.

Naquela manhã Anahí fez um combo, foi a uma sessão de terapia para falar
sobre o estresse causado pela soltura repentina de Tobias e também
aproveitou para fazer aqueles exames. Quem os solicitou foi Arizona
Robbins, a cirurgiã que fez aquele raio-X, era um pedido de Lexie para
evitar que a amiga tivesse que dar maiores detalhes daquela delicada
situação na Emergência. Anahí demorou mais tempo no consultório da Dra.
Balfe do que se submetendo àquela bateria de exames, foi uma manhã
intensa e agitada e no fim só faltava esperar que os dias passassem rápido e
os resultados saíssem logo. Só assim as perguntas que haviam dentro dela
seriam respondidas e seus medos, sanados. Ou não...

Poncho esperava por Anahí recebendo constantes mensagens dos amigos


que não estavam ocupados trabalhando perguntando sem parar se estava
tudo bem. Ele só estava no corredor à espera dela porque Lexie estava ao
seu lado, do contrario ele tinha certeza que se manteria em pé ao lado dela
como um cão de guarda de tão inseguro que estava. Os únicos que não
mandavam mensagens sem parar eram Maite e Mane provavelmente por
estarem trabalhando, mas Sophia e Christian não paravam de perguntar se
estava tudo certo, se ele precisava de alguma coisa.

Eles estavam obviamente inseguros. Com Tobias solto, era inevitável não
estar, ele próprio estava. Mas ao mesmo tempo Poncho sentia uma série de
sensações e era invadido por diversos pensamentos que não teria como
imaginar. Ele estava realmente confortável aguardando por Anahí sem
conseguir não pensar em como seria se fosse sempre assim. Uma vida
cuidando dela, à espera dos resultados de seus exames, realizando cada
desejo que sobrou de sua lista, apoiando-a em seus projetos. Poncho
facilmente conseguia se imaginar comemorando com Anahí o futuro novo
emprego dela, abrindo um champagne quando o nome dele voltasse aos
best seller do The New York Times em seu novo lançamento, aguardando
ansioso se o bastão indicaria um positivo para o filho que eles poderiam ter
juntos.

De repente ele percebeu que aquele último desejo da lista dela também era
um desejo dele. Ele queria realizar os sonhos dela, ele queria terminar a
própria lista com ela. Surpreendente era pensar o quanto tinha se enganado
em todo aquele tempo.

— Prontinho – Lexie disse aparecendo de volta ao corredor – Liberada.

— Obrigada Lex – Anahí disse abraçando a amiga – A gente se fala.

— Sim – a cirurgiã confirmou – Na quarta de noite eu apareço pra gente


botar o papo em dia.
Será que até a noite de quarta-feira Anahí teria percebido aquele
revezamento dos amigos para estar ao lado dela? Era um bom
questionamento.

Como já era quase meio-dia, Anahí e Poncho almoçaram juntos. Poncho


levou-a em um de seus restaurantes preferidos no Brooklyn, que era
completamente discreto, e depois a deixou sã e salva em seu apartamento.
Naquele meio tempo Karen mandou uma mensagem para ele também –
àquela altura já sabia por Christian onde a filha estava e o que tinha ido
fazer – avisando que havia alguns repórteres na porta de sua casa sedentos
para encontrarem Anahí. Talvez fosse melhor que ela ficasse um pouco em
casa e se preservasse.

Poncho sentiu uma boa dose de pesar ao ter que deixar Anahí. Ele sabia que
não poderia ficar mais, tinha que organizar a própria vida e às quatro Daniel
sairia da escola, ele tinha que estar lá para busca-lo. Poncho como todos os
outros tinha sua vida, suas responsabilidades, a diferença é que os outros
amigos não ficavam com a boca meio amarga pela sensação de estar
deixando Anahí. Ainda mais porque ele sabia que o homem que certamente
chegaria lá mais tarde o incomodava de uma maneira que só era assim com
ele. Em especial porque, dentre os outros seis, ninguém tinha qualquer
motivo para não gostar de Milo.

Somente à noite Milo voltou ao apartamento de Anahí e já tinha começado


o "plantão" de Maite com a amiga. As duas estavam discutindo um
programa de gastronomia quando ele chegou. Maite se afastou, mordendo
os lábios e rindo internamente da ironia de Poncho ter chegado e saído no
intervalo de Milo, por assim dizer. Tinha várias coisas que ela queria
comentar e perguntar, mas deixava de fazê-lo para evitar influenciar Anahí
com suas opiniões. Ela precisava decidir sozinha, sem ser contaminada.

Já Anahí, embora vivesse uma situação meio complexa, parecia


anestesiada, leve como uma pluma e ansiosa somente para que aqueles
exames saíssem de uma vez. A terapia a tinha ajudado a acreditar que
Tobias talvez pudesse não estar obcecado em procura-la como ela
imaginava, a não sofrer por antecipação. Anahí internalizou aquela ideia e
procurou se tranquilizar, mas tinha que admitir ao menos para si mesma que
boa parte daquela sensação boa tinha sido causada pelo meio-dia que
passou com Poncho.

Então, quando Milo chegou, ela sorriu, mas não como tinha sorrido um dia
antes. Ele tirou o sapato, falou sobre o seu dia, ela fingiu prestar atenção, a
cabeça estava longe. Depois ela viu o namorado se aconchegar na cama ao
lado dela, se surpreendeu ao ouvi-lo perguntar se poderia ficar ali e assentiu
em resposta. Ela não percebeu quando Milo a beijou e não se deu conta que
ele estava fazendo aquilo em resposta ao que ela disse horas antes. Tinha
sido a própria Anahí quem incentivou que eles dessem o próximo passo,
que disse que eles não deveriam perder tempo.

Só que Milo não sabia que, naquele meio tempo, Anahí tinha sido afogada
por uma série de sentimentos que eram mais fortes do que os que ela nutria
por ele. Chegava a ser covardia. Por isso, quando ele começou a beijar seu
pescoço, houve sim o nervosismo causado pelo seu trauma... mas também
houve a sensação de que não era ele que a ajudaria a superar.

Anahí se esquivou. Milo não demorou a reparar.

— Desculpe – ele disse se afastando – Eu achei que você estava pronta...


pelo que disse de manhã...

— Eu... também pensei.

A resposta estava na ponta da língua. Ela apenas não estava pronta para ele.
Com ele. Talvez nunca estivesse. Talvez só pudesse ser com outra pessoa,
com outro homem... homem esse que agora estava livre.

Enfim quintaaaa! O dia mais feliz da semana simmmm e que eu mato as


saudades de vcs e daqui!

Sobre o cap: um cap feliz pra quem ama Herroni porque aqui vemos o voto
de confiança da bff! Maite arregando lindamente por AyA antes de muita
leitora hahahahaha Poncho tem que fazer valer esse voto de confiança viu!
E falando em AyA foi o que maaaaais teve nesse cap de hoje! Os dois
esbanjaram mel e isso deixou a Anahí mais dividida do que em Dos
Hogares! E agora, vai ou racha? Seria o final um spoiler?

Estamos no meio da web e as coisas vão dar uma boa virada a partir do cap
50. Alguém arrisca um palpite?

E queria dizer que to muitoooo feliz porque chegamos a 40K views e temos
quase 5K votos! Eu amo mt vcs por isso Obrigada por todos os votos e
comentários!

Beijos e até a próxima quinta!

Rafa
Capítulo 44 - D Day

Rejeitar Milo não estava nos planos de Anahí. Ela esperava, na verdade, ir
se apaixonando aos poucos por ele. Que começasse com um encantamento
e depois evoluísse para um sentimento. De fato, o encantamento tinha
surgido, do contrário eles jamais teriam se juntado. Então o que estava
dando errado?

Talvez Anahí tivesse decidido transar com ele rápido demais, mas a verdade
é que ela não tinha parâmetro algum. O único relacionamento sério e com
sexo consensual que teve em sua vida foi com Poncho e ela era virgem, a
decisão do melhor momento estava envolvida. Agora ela não era mais
virgem e não apenas aquilo, ela era uma mulher traumatizada. Mas será que
era o trauma que a impedia? Não era outra coisa?

Anahí suspeitava que tinha algo mais. Lá no fundo, ela tinha quase certeza
do que era.

Milo lhe deu um tempo para pensar. Ele ficou absolutamente sem graça
pelo modo como ela se esquivou e rapidamente se deu conta que não restou
qualquer clima para permanecer no quarto dela. Se despedindo, disse que
voltaria no dia seguinte para que os dois conversassem. Só que Anahí tinha
certeza que ele não encarava a situação no mesmo prisma que ela. Ela tinha
toda a certeza do mundo que Milo não fazia a menor ideia do que estava por
trás daquela recusa dela.

E Anahí não o culpava. No lugar dele, provavelmente estaria pensando da


mesma forma. Afinal, ela tinha um trauma cujo peso era do tamanho do
mundo. Era óbvio que ela poderia racionalmente dizer que estava pronta
para o passo seguinte e se enganar. Só que isso não impediria tentativas
futuras, com Milo provavelmente respeitando o espaço e o tempo dela
como tinha acabado de fazer.

O único problema é que Anahí tinha quase cem por cento de certeza de que
não haveria mais tentativa alguma.
Eram dúvidas demais, dúvidas que comprometiam seu bem estar. Ela não
gostava de ser indecisa e de não ter em mãos o que queria. A possibilidade
de machucar Milo ou de sua demora em se decidir acabar ferindo-o era algo
que a incomodava. Por isso Anahí decidiu, dentro de si, que faria alguma
coisa para deixar as coisas mais claras. O único problema é que, como era o
meio da semana, Maite estava trabalhando, Sophia também e Lexie idem.
Conversar com as amigas não era uma opção, a vida das três não era como
a dela, totalmente desocupada, e ela tinha quase certeza que Christian
estava fotografando naquela manhã. Para completar, não era dia de terapia
e, mesmo que fosse, Anahí não se sentia confortável para sair do
apartamento sozinha, não com Tobias podendo estar em qualquer lugar.

Agoniada pensando que provavelmente ficaria o dia inteiro com aquelas


indagações sozinha, Anahí acabou andando pela casa para ir até a cozinha.
E o susto não poderia ser menor ao se deparar com Jesse sentado na
poltrona de sua sala.

— Jesse! O que você está fazendo aqui?

— Te assustei? – ele franziu a testa.

— Imagina se não – ela resmungou revirando os olhos – Como você


entrou?

— Christian abriu a porta pra mim – o namorado de Sophia deu de ombros


como se dissesse o óbvio.

— E o que você veio fazer aqui?

— Passar o dia com você – Jesse abriu um falso sorriso irônico e imenso.

— Por quê?

— Ok – ele suspirou – Não vou enrolar e tentar inventar mentiras. Nós


fizemos uma escala pra te acompanhar. Hoje é meu dia, de 8 às 18.

— Uma escala...? – Anahí franziu a testa – Pra me acompanhar?


— Sim – Jesse confirmou – Pra não sei, quem sabe você queira sair? Ou
queira companhia? Ou tenha desaprendido a cozinhar? Porque embora a
Soph seja a mestre cuca da casa, eu também sei, ter uma filha me obrigou a
aprender.

— Que seja, por que vocês fizeram uma escala pra me...

— Não é óbvio? – ele voltou a perguntar. Era, mas Anahí queria ouvir para
acreditar – Any, nós queremos cuidar de você. Proteger você. E vamos fazer
isso, já estamos fazendo. Bem, hoje é a minha vez.

Bem que Anahí tentou rebater. Ela queria, no fundo, esbravejar e reclamar
até dizer chega, ponderar que aquilo era um absurdo e que Jesse não
deveria passar o dia inteiro na companhia dela, que ele deveria ir para o
trabalho. Que Anahí poderia cuidar de si própria sozinha, que ela não
precisava de ninguém. Mas no fim ela ficou calada, porque sabia que
seriam mentiras.

Ela não podia cuidar de si... ainda. E precisava dos amigos. Sabia que só
podia dormir tranquila à noite pelo efeito dos remédios e porque Christian
colocou uma tranca extra na porta para deixa-la mais calma. E sabia que
provavelmente cada um dos amigos ficaria livre um dia na semana e que
eles dariam um jeito para cuidar dela e estar por perto, certamente dariam.
A velha Anahí não gostava de ser dependente e de fazer com que os outros
perdessem seu tempo com ela. Mas, ao mesmo tempo, tinha certeza que não
tinha outra opção senão aceitar, não apenas porque precisava, mas também
porque não daria chance para qualquer um deles recusar se fosse o
contrário.

— Então? O que você quer fazer? – Jesse perguntou sorrindo – Quer ficar
em casa ou sair pra algo especial?

— A Soph não precisa de ajuda na confeitaria? – ela perguntou, vendo a


careta se formar na cara dele – Você não tem a Samantha pra cuidar?

— Samantha está na escola – ele respondeu – Soph está bem na confeitaria,


contratamos funcionários novos, você não precisa se preocupar.
— Eu não quero atrapalhar Jesse – Anahí mordeu os lábios.

— Any... – Jesse disse segurando as mãos dela – Pare de reclamar.

— Ok – ela riu – Sendo assim... tem um lugar sim que eu quero ir. Você me
espera me arrumar e tomar café?

— Obviamente – ele confirmou – Afinal eu estou aqui pra você, não é?

Jesse realmente estava. Anahí demorava a se arrumar e sempre se atrasava,


tinha consciência disso, mas o amigo parecia paciente. Ela tomou café da
manhã na mesa da cozinha americana enquanto o ouvia falar das pérolas de
Samantha sob a ótica de seu pai. Anahí ria com vontade das frases de efeito
que Jesse repetia da filha, chegava a ser inacreditável que uma criança de
cinco anos pudesse ter tanta personalidade.

— Então ela gostou do cachorro? – Anahí perguntou.

— Ela adorou – Jesse riu com a lembrança – Mas não para de repetir que o
que quer mesmo é um irmão.

— E você e a Soph vão atender esse pedido quando?

— Não tão cedo – Jesse mordeu os lábios – Precisamos que a Sam se


estabeleça com a morte da mãe, que nós nos estabeleçamos no negócio, e
como casal também, acabamos de voltar...

— Jesse – Anahí o chamou – Não perca tempo.

— Anahí...

— Eu disse isso pra Maite e vou dizer pra você, não se impeça de nada –
ela aconselhou – É sério. Você vai pensar que não vai acontecer com vocês
o que aconteceu comigo e eu até concordo, mas mesmo assim... se for pela
Samantha ok, mas por vocês dois? As coisas se ajeitam.

— Eu não quero assustar a Soph propondo uma gravidez – Jesse confessou


– Eu quero fazer as coisas direito, na ordem certa. Pedi-la em casamento, e
depois nós nos casamos, e depois tudo vem com naturalidade.
— Tudo bem, mas não adie os planos eternamente, as coisas encontram o
seu lugar – Anahí voltou a aconselhar – Olhe, numa semana a coisa mais
arrepiante da minha vida era a ideia de ser mãe. Duas semanas depois eu
estava no chão de um porão escuro perdendo o meu bebê. Tudo na vida
muda muito rápido, nós não podemos desperdiçar.

— O cativeiro te mudou muito – Jesse constatou – Te fez amadurecer de


uma maneira triste.

— Me endureceu – Anahí mordeu os lábios – Mas me ensinou coisas boas


também. E eu estou tentando coloca-las em prática. Então, por favor, não se
poupe de colocar no mundo um bebê reconchudo e de olhos verdes, eu
quero muito morder cada dobrinha dele.

— Se a minha filha deixar algo sobrar – Jesse balançou a cabeça negando –


Sam sempre quis um irmão, ela convive muito com o Dani, e aí sempre fala
de querer um Dani pra levar pra casa.

— É bom crescer com uma criança, eu não tive essa chance – ela lembrou –
E Dani não tem irmãos, ela não tem, fica tudo certo.

— É, mas se Soph e eu engravidarmos eu tenho certeza que o Dani vai


querer um também – Jesse riu – Aí é o Poncho que se ferra.

O assunto estremeceu Anahí. Imediatamente lhe veio a ideia em mente de


que a vontade de Daniel querer um irmão poderia reaproximar seus pais,
fazer Poncho voltar para Diana. Afinal, o que ele teria a perder? Ela estava
com Milo, ele não teria porque espera-la, não quando Anahí lhe disse com
todas as letras que seguiria em frente sem ele. Também lhe veio a ideia de
que Daniel poderia ser o irmão do filho dela que nunca chegou a nascer. As
ideias misturadas a fizeram querer mudar de assunto, mas como não tinha
ideia do que dizer, Anahí simplesmente levantou da mesa com um sorriso
amarelo dizendo que pegaria sua bolsa, a primeira desculpa que lhe veio a
mente para fugir dali.

Obviamente Jesse percebeu o que estava acontecendo e se culpou pelo que


tinha dito. Ele simplesmente não pensou, apenas após notar a reação de
Anahí se deu conta do que tinha dito e do que tinha causado nela. Era a
merda de falar sem pensar... mas agora já era tarde para se arrepender.

Mas ainda assim Jesse estava arrependido e exatamente por isso tentaria a
todo custo reverter as coisas. Durante todo o caminho ele fez o possível
para amenizar o clima e desfazer a situação ruim que tinha criado, mas
Anahí estava monossilábica e não respondia com entusiasmo. Ela não tinha
dito para onde iria, se limitou a dizer a Jesse o endereço e ele se corroia de
curiosidade de saber qual era o destino, mas não tinha exatamente coragem
de perguntar. No fim não foi sobre isso que ele falou, já que o incômodo
real, na verdade, era outro.

— Ele não vai voltar pra ela Any – Jesse respondeu quebrando o silêncio
até então interminável – Eu te garanto.

A verdade é que ele esperava que Anahí, mais uma vez, se desvencilhasse
do assunto. Mas foi com surpresa que ele viu que não aconteceu.

— Você não tem como garantir – ela murmurou, olhando para o vidro do
carro e a paisagem lá fora.

Bingo.

— Eu conheço o Poncho, ele é meu melhor amigo – ele replicou.

— Senti um deja vu com você dizendo isso agora – Anahí olhou para ele
rindo – Como se eu tivesse dezessete outra vez. Algumas coisas mudaram,
outras não.

— Duas coisas não mudaram – Jesse observou – Um, eu ainda o conheço


com a palma da minha mão e dois, ele continua arrastando um trem por
você.

— Um, ele está casado... – Anahí enumerou.

— Separado – Jesse corrigiu.

— Que seja – ela deu de ombros – E ele tem um filho...


— Que diferença isso faz? – Jesse estreitou os olhos – Eu tenho uma filha.

— Sua filha foi praticamente criada por você e pela Sophia – foi a vez de
Anahí corrigir – Ela sempre viu você e a Soph juntos, isso se tornou algo
natural pra ela. Com o Daniel é totalmente ao contrário, ele cresceu com os
pais casados, imagina o baque que seria descobrir que os dois não estão
mais juntos e me ver substituindo a Diana.

— É claro que seria difícil pra ele, mas Any... – Jesse suspirou antes do que
viria a seguir – Novamente citando a Sam... eu tenho uma filha que está
lidando com a morte da mãe. Nada pode ser pior do que isso. E ela está
melhorando, aos poucos, um passo de cada vez. É claro que vai ser
complicado pro Dani entender que a Diana e o Poncho terminaram, é claro
que ele pode te rejeitar... mas mesmo assim... aos poucos, ele vai aceitar.

— Como você pode falar isso com tanta certeza...? – Anahí perguntava
incrédula.

— Porque eu conheço o Dani desde que ele nasceu – Jesse respondeu


seguro – Ele e Poncho são mais que pai e filho, são ligados. Como a Soph é
com a Sam, de uma maneira que eu nunca fui e nunca serei. E pode ser
difícil no início, mas eu sei que o Dani vai querer ver o pai feliz. E Any?
Você e o Poncho enfrentaram coisas piores. Eu tenho certeza que não é isso
que vai separar vocês.

Se faltava alguma coisa para convencer Anahí de que ao menos alguma


razão Jesse tinha, ele tinha acabado de lhe dar.

Jesse só foi reconhecer o tal lugar, o My sister's place, quando eles estavam
na porta. Ele deixou Anahí literalmente ali, ela pegou o celular, ligou lá
para dentro e só saiu do carro quando Marina estava à sua espera na
calcada. Jesse prometeu que estacionaria e esperaria por ela, a fim de deixar
Anahí totalmente segura. Ela ficou tranquila de sair da presença de um
amigo para uma protetora. Afinal, aquela história de escala dos amigos para
lhe acompanhar não era tão ruim assim.

Marina parecia feliz ao ver Anahí ali, mas seu lado sensitivo rapidamente
percebeu que havia algo errado. Anahí de certa forma parecia apreensiva e
ficou assim durante toda a reunião, inquieta com o olhar enquanto ouvia o
relato da mulher que dava o seu depoimento. Na cabeça de Marina se
passavam mil possibilidades sobre o que poderia estar afetando-a,
obviamente a soltura de Tobias era a primeira delas, a verdade é que o
simples fato de Anahí estar ali mesmo com seu sequestrador estando nas
ruas já era algo que lhe surpreendia e muito. Mas no fim ela teve que
esperar a reunião acabar e as duas estarem finalmente sozinhas para poder
perguntar.

— Então, você vai me contar o que está acontecendo? – Marina perguntou,


esperando que Anahí fosse realmente sincera na resposta.

— Você percebeu – Anahí constatou.

— É impossível não perceber – ela atestou – Normalmente você fica aqui


com aquele rosto de quem se pergunta se deveria ou não se abrir e contar a
própria história, mas hoje eu vejo uma agonia.

— Eu não vejo sentido de contar uma história que todos já conhecem.

— Vai continuar sempre sendo particularmente sua – Marina observou – Do


seu ponto de vista. Mas mesmo assim, não é isso que ta te incomodando.

— Não – Anahí mordeu os lábios – Eu vim porque estava nervosa e não


aguentava mais escutar os meus próprios pensamentos.

— É porque ele foi solto, não é? – ela cruzou os braços.

— Também – Anahí suspirou admitindo – Meus amigos montaram uma


verdadeira guarda ao meu redor, sempre tem alguém comigo, e a minha
mãe tem aparecido também, eu no início achei que fosse me sentir insegura
mas não, na verdade está sendo mais fácil que eu pensei. Só que... a vida
não é só ele estar lá fora, é também tudo o que ele causou em mim.

— A que exatamente você está se referindo? – perguntou Marina, já que


não estava entendendo a que ponto Anahí queria chegar.

— Estou falando de sexo.


— Ah – ela murmurou entendendo e abrindo um meio sorriso.

— Tem um cara, Milo, com quem eu estou saindo há algum tempo e nós
tentamos dar o próximo passo ontem à noite – Anahí respondia calmamente
– Eu pensei estar pronta, mas...

— Ele te forçou? – Marina questionou de cara – Ele te pressionou de


alguma maneira? Porque você sabe que é aqui o lugar que deve abrir isso.

— Não, não, longe disso – Anahí sorriu, olhando em seguida nos olhos dela
para se fazer acreditar – De verdade. Eu não tenho porque mentir. Milo é
ótimo, ele me respeita, ele sabe de tudo e entende.

— Então qual é o problema? O fato de você não conseguir? Porque tudo


tem o seu tempo.

E de repente, Anahí percebeu que dizer com todas as letras qual era o
problema era o que a faria admitir o que realmente estava acontecendo.

— O problema é que eu não sei se quero – Anahí soltou – Com ele.

E para a sua sorte, Marina tinha a resposta simples e clara na ponta da


língua.

— Então não faça – ela devolveu – Com ele. Nem com ele, nem com
ninguém. Até você querer.

Anahí se surpreendia de como Marina simplificava as coisas. Essas mesmas


coisas, que criavam verdadeiras tormentas na cabeça dela, eram resumidas a
simples soluções que aquela mulher colocava em uma frase com menos de
dez palavras. Mas havia mais.

— Veja bem, você teve o seu consentimento violado por muito tempo –
Marina explicou – Só que muitas vezes nós, mulheres, somos ensinadas a
nos violarmos. Temos a cultura de nos obrigar a corresponder. Pensamos
que "ah, mas ele gosta de mim, então eu preciso querer isso, eu tenho que
corresponder e querer dormir com ele"... só que você não tem que querer.
Se é isso que te faz estar tentando dar esse próximo passo, então não dê.
Espere. Espere até estar pronta, estar segura, porque se não você pode
estragar esse recomeço e acabar se frustrando de novo.

— Eu me sinto como uma virgem – ela fez uma careta.

— Então finja que você é uma – Marina observou – Quando você perdeu a
virgindade, como foi? Foi por que você quis? O que embasou a sua
decisão?

Era fácil lembrar. A primeira vez dela foi aos dezesseis. Foi com Poncho.
Anahí tinha facilmente essa lembrança e sentiu o rosto esquentar pelo quão
boa ela era. Foi inevitável seus lábios não agirem por si e um meio sorriso
se abrir. Aquela lembrança era realmente gostosa.

— Foi com o meu ex-namorado, meu único namorado – ela mordeu os


lábios – Ele era virgem também.

— Quem decidiu? Você, ele ou foi de comum acordo...?

— Eu – Anahí respondeu confiante – E não foi algo maquinado, nós não


marcamos um dia pra transar e fizemos, foi simplesmente quando o desejo
não cabia mais em mim. Quando eu percebi que queria mais do que tinha
medo... foi quando nós fizemos.

— Então eu acho que você tem a sua resposta – Marina sorriu satisfeita.

— É que... eu apenas não queria me sentir menos mulher por isso – Anahí
admitiu. Era o que realmente a incomodava lá no fundo.

— Mas você não é menos mulher por isso – ela completou – O que nos faz
ser mulheres não é o sexo... é poder decidir sobre ele. E quando a voz que
existe dentro de você te disser que é a sua hora certa, é o momento que
você tem que seguir com isso. Antes disso, se quer o meu conselho, nem
tente.

Anahí nem mesmo precisava prolongar o assunto e explicar sobre o conflito


Milo vs Poncho dentro de si. Agora a tranquilidade das palavras de Marina
lhe passava a segurança que não tinha antes. Tudo o que ela precisava era
de uma boa dose de autoconhecimento, o mesmo que a fizera, no passado,
decidir qual era o melhor momento para ter a sua primeira vez. Ela estava
colocando demais a decisão na mão da pessoa com quem estaria e não dela
própria, e era nisso que residia o erro que estava cometendo.

O silêncio da ida não se comparava com o da volta, Jesse rapidamente


percebeu que Anahí estava muito mais calada e introspectiva do que antes,
a diferença é que antes ele tinha certeza do que a fazia estar muda e agora
não fazia a mínima ideia. Como estava com a impressão de que, o que quer
que a tinha feito ficar daquela forma, aconteceu dentro da ONG, ele deixou
que Anahí tivesse sua tranquilidade. Levou-a para casa, pediu comida num
delivery para os dois após Anahí recusar sua oferta de cozinhar e ficou a
tarde inteira vendo-a não se comunicar e se fechar numa concha, se
perguntando internamente se era bom ou ruim.

A questão é que se fossem Maite ou Sophia ali, Anahí não teria a paz que
precisava e buscava. Felizmente era Jesse, que a deixava calada com os
pensamentos tentando ouvir a voz do próprio coração. A razão tinha
maquinado tudo desde que ela conheceu Milo, ela queria ter a chance de ter
algo saudável com uma pessoa, mas não tinha feito aquilo porque sentiu e
sim porque decidiu. Talvez esse fosse o erro desde o início, Anahí estava
tentando se forçar a ser o que tinha para si como a ideia uma "mulher
normal" e se esquecia que mulheres normais simplesmente vivem e deixam
as coisas fluírem e não ficam se obrigando como ela estava.

Sozinha nos próprios pensamentos Anahí se deu contava que gostava sim
de Milo, mas o que realmente gostava era da ideia de que com ele ela
poderia voltar a ser ela mesma. Mas a verdade é que ela jamais voltaria a
ser aquela velha Anahí e tinha que parar de buscar esse objetivo, era hora de
aceitar. Suspirando e mordendo os lábios, ela admitiu para si que precisava
fazer as coisas certo dessa vez, que Milo era bom e não tinha culpa de seu
passado complicado, sua confusão de sentimentos e de um certo ex-
namorado ainda estar próximo demais para terminar de bagunçar tudo.

Mas o quanto Poncho tinha a ver com aquela tormenta toda? Anahí tentava
colocar todos os sentimentos no lugar, mas ao mesmo tempo, não sabia que
papel dava para o ex-namorado. Será que ela não queria Milo por Poncho?
Ou será que ela não queria Milo por ter ido rápido demais? As respostas
não vinham na velocidade que Anahí gostaria, e ela sentia que precisava de
uma conversa com o namorado para deixar tudo em pratos limpos. A
questão é que a única coisa certa naquela conversa era o fim, as dúvidas
ficariam pelo meio. Anahí sabia onde queria chegar, só não sabia como
diria.

Milo chegou no apartamento dela à noite, quando Jesse já tinha ido embora
e o "turno" era de Christian. Ele abriu a porta para o namorado da amiga
achando que tudo estava rotineiro, sem fazer ideia do mar agitado de
sentimentos que havia dentro dela. Milo acenou e caminhou para o quarto
dela pronto para uma conversa que teriam, cujas palavras ele tinha treinado
o dia inteiro. Mas o que ele não fazia ideia é que Anahí também tinha algo
em mente para dizer e não poderia ser mais diferente.

— Oi – Milo disse. Ele ainda não sabia bem como chegar até ela.

— Oi – Anahí respondeu – Eu... estava te esperando.

— Confesso que não sabia se deveria vir depois de ontem, mas mesmo
assim senti que te devia um pedido de desculpas – Milo disse sentando na
beira da cama e se aproximando conforme via espaço e aceitação por parte
dela.

— Você não deve – Anahí constatou – Você não tem culpa. A questão é que
eu passei o dia inteiro refletindo pra tentar entender que eu também não
tenho.

— Você não acha que eu estou te culpando, acha? – ele perguntou


cuidadoso. Não, a questão não era bem essa.

— Não acho – Anahí observou vendo o rosto de Milo relaxar – Mas eu


acho que eu estou me cobrando. E não pode ser assim.

— Any... – ele segurou as mãos dela com todo o carinho do mundo – Nós
podemos esperar até você estar pronta. Por que temos que ter pressa?

— É que... – ela suspirou longamente antes de falar – Eu passei o dia inteiro


me perguntando se o problema era estar querendo me obrigar a algo ou a
alguém. Me perguntei se eu estivesse com outra pessoa, como seria. Em
outras circunstâncias.

— Você pensou se caso você estivesse com o Poncho, como seria...?

— Mais ou menos – Anahí admitiu – Eu estou pensando se eu estou


tentando me obrigar a ter algo com você apenas porque fui sequestrada. Eu
ando procurando a parte de mim que se perdeu depois que eu entrei e saí
daquele cativeiro e ainda não consegui encontrar, e com isso eu fico
tentando fazer coisas por fazer, pra provar algo pra mim mesma, e
obviamente não tem funcionado.

— E eu imagino que eu seja uma dessas coisas... – Milo constatou. Ele já


sabia onde ela queria chegar.

— Você – Anahí repetiu – O sexo com você. Tudo. Eu gosto de você, eu


gosto de estar com você... só que eu não acho que eu esteja fazendo tudo
isso por gostar. Eu não estou deixando fluir.

— Eu entendo – Milo sorriu – Você não precisa se preocupar comigo, já se


preocupa o suficiente consigo própria. Eu posso me cuidar.

— Eu não queria te magoar.

— Você só me magoaria se me fizesse sentir o que eu senti por outra pessoa


e chegasse lá na frente e dissesse que não me correspondia – Milo a
tranquilizou – Está tudo bem, de verdade. Eu sempre trabalhei dentro de
mim com a possibilidade de você nunca vir a sentir algo grande por mim.
Não posso dizer que estou surpreso.

— Eu não to terminando com você pelo Poncho – Anahí deixou claro – To


fazendo isso por mim.

— Eu sei – Milo replicou – Você ta fazendo isso pra deixar fluir. Mas você
sabe que, quando os seus sentimentos fluírem, vai acabar voltando pra onde
nunca deveria ter saído.
Aquelas palavras marcaram Anahí muito mais do que ela acreditava ser
capaz. Ela ainda estava embriagada por aquele significado quando Milo a
abraçou, lhe deu um selinho e um beijo na testa, desejando que tudo ficasse
bem com ela e que ela encontrasse o que procurava, ou que descobrisse o
que realmente queria. Ela se permitiu colocar a própria mente no mudo para
se despedir decentemente dele, afinal Milo era um homem bom e digno e
ela teria sido feliz de verdade com ele se não estivesse imersa naquele mar
denso e agitado do autoconhecimento.

Ele estava certo: ela precisava deixar fluir. Precisava fazer as coisas pela
vontade, pelo impulso. Só não sabia se ele estava certo de onde ela acabaria
terminando, se era no mesmo lugar de onde tinha saído. Mas ao mesmo
tempo, agora sabia que só iria descobrir se se permitisse tentar.

A decisão tarda mas não falha! E o tão esperado dia D da Anahí chegou: D
de Decidida! Hahahahahaha.

Sei que muitas aqui preferiam que a Anahí ficasse com o Milo (ou ao
menos que ficasse mais tempo com ele), mas a Anahí é muito fiel aos
próprios sentimentos e agora, mais do que nunca, ela sabe o que sente e por
quem sente. E o Milo, agora o melhor ex-namorado do mundo, super
entende como homem maravilhoso que é né?

E agoraaaa, o que será que acontece?

Mas não podemos deixar de falar nesse capítulo sobre o amadurecimento do


Jesse e o empoderamento da Marina. COMO NÃO AMAR MORESSSS

Beijos e até a próxima semana!

Rafa
Capítulo 45 - I feel at home

A noite do plantão de Lexie com Anahí era também a sexta-feira à noite e,


normalmente, a cirurgiã convidaria a amiga – melhor dizendo, as amigas –
para saírem e aproveitarem a bela noite tomando alguns drinques. Com a
soltura de Tobias, ela tinha certeza que Anahí preferiria se preservar dentro
do próprio apartamento, por isso propôs que fosse feita uma noite das
meninas em nome dos velhos tempos. Por isso Lexie convidou Sophia,
Anahí convidou Maite e obviamente, Christian se convidou. Eles estavam
completos.

É claro que rolaria bebida. Se tinha um aspecto da vida de Anahí que ela
estava voltando a ser ela mesma era o álcool. Com exceção da noite que os
oito amigos se reuniram no apartamento que ela dividia com Christian e
Maite, na qual as doses de álcool ingeridas a tinham feito falar mais do que
deveria para Poncho, ela estava conseguindo fazer uma boa reinserção
naquele ponto da "vida adulta". Agora Anahí conseguia beber sem ficar
bêbada de cara, o que, para ela, era uma vitória e tanto.

E é claro que ela não seria a única a beber. Tinha diversas garrafas e taças
sobre a mesa de centro da sala do apartamento, tantas que Anahí chegou a
se assustar. Mas ela sabia que bastava escolher uma bebida e ir até o final,
tudo ficaria bem como sempre ficou.

— Você deveria estar bebendo tanto assim? – Maite censurou Lexie ao ver
a cirurgiã se servir de mais uma taça – Que horas começa o seu turno no
hospital amanhã?

— Isso era algo sobre o qual eu queria falar – Lexie deu um sorriso amarelo
virando-se para Anahí – Eu não vou trabalhar amanhã, mas também não
estarei aqui, mas Jackson acha que eu estarei.

— Estou me interessando – Christian sorriu dando uma golada na própria


bebida.

— O turno de amanhã é do Poncho – Sophia constatou encarando Lexie,


esperando que ela continuasse. As mentes dos quatro pipocavam.
— Eu sei – Lexie confirmou – Mas Jackson acha que eu peguei um turno
duplo porque ninguém teria como ficar no sábado de amanhã.

— E por que Jackson acha isso Lexie? – Anahí ergueu as sobrancelhas para
a amiga – Onde você vai estar que Jackson não pode saber...?

— Meu Deus, que meus pensamentos sejam reais, eu nunca pedi nada –
Christian murmurou esperançoso.

— Primeiro eu quero que vocês me perdoem por estar escondendo isso há


um mês – Lexie respondeu repleta de culpa, vendo aqueles quatro olhos
vidrados nela e Maite e Christian se entreolharem já sabendo onde ela
chegaria – Mas agora até o Derek descobriu, então...

— Obrigada Deus – Christian murmurou sedento.

— Eu estou dormindo com o Mark – ela completou.

— Oh Deus – Sophia soltou num suspiro.

— Mark Sloan, hum? – Christian debochou. Era óbvio que ele não
pretendia se segurar – Aquele por quem você não nutria mais sentimentos,
não é?

— Isso significa que você está traindo o Jackson? – Anahí perguntou


apenas para confirmar.

— Um mês Lexie? – Maite questionou – Por que esconder isso por tanto
tempo...?

— Olhem, infidelidades não são coisas que me agradam, eu não estou


orgulhosa disso e ao mesmo tempo eu já pensei em várias maneiras de
tentar sair disso e terminar com ele, mas tentem entender, quando eu estou
nos braços desse homem... – a voz de Lexie agora saía por um fio. Ela
apenas suspirava – Eu não consegui.

— Tem uma maneira de sair disso sem terminar com Mark – Maite
observou – Cancelando o casamento.
— Sim – Lexie mordeu os lábios – Não pensem que eu não sei disso. Não
depois que Derek me sentou no final do jantar do Thanksgiving e palestrou
por meia hora no meu ouvido sobre o quanto Mark e eu poderíamos
resolver tudo de uma maneira mais simples. Mas eu não posso fazer isso
com o Jackson.

— Faltam dois meses pro seu casamento – Anahí lembrou dessa vez – O
que você pretende fazer quando ele simplesmente chegar?

— Eu vou me decidir até lá, eu tenho tempo – Lexie sorriu se


desvencilhando – E é exatamente por isso que eu quero estar com o Mark
amanhã, eu quero aproveitar o máximo de tempo que tenho antes de ter que
me decidir, e como nós trabalhamos no mesmo lugar, se tivermos algo lá
vai ser muito suspeito. Eu moro com Jackson, ele conhece a minha rotina e
os meus horários, então tem sido difícil e não posso usar a Meredith como
álibi, eu acho que ela me mataria...

— Então o álibi dessa vez fui eu – Anahí mordeu os lábios rindo –


Interessante.

— Eu gostaria de dizer que você tem outra opção, mas tenho fé que Mark
Sloan vai te mostrar a luz do fim do túnel e te fazer entender que casar sem
amor é a pior opção que você pode ter – Christian fez uma careta pra ela.

— Tempos de mudanças – Maite murmurou observando-os – Se me


dissessem há seis meses que eu estaria sentada aqui com vocês quatro...
definitivamente não acreditaria.

— A Any com a gente – Christian disse olhando para elas – Soph com
Jesse. Maite com Mane. Lexie noiva e traindo Jackson com Mark Sloan.
Puta merda, só a minha vida não mudou...?

— Eu ando bem agradecida por tudo – Anahí continuou – Não apenas por
ter voltado, mas por tudo o que tem acontecido, as chances que a vida me
deu. Eu sei que ainda falta muito pra estar tudo bem, porque num cenário
bom ele vai estar definitivamente preso e eu vou estar definitivamente livre,
e noites como essas nós estaremos num bar legal da moda comemorando a
minha promoção no emprego dos meus sonhos ou a compra do apartamento
que eu sempre quis morar. E vocês? O que querem comemorar?

— Essa pergunta me faz chegar a vários lugares, mas se fosse meu


aniversário hoje e eu só tivesse um único desejo a fazer, seria que a Sam
estivesse realmente feliz e recuperada da morte da mãe – Sophia mordeu os
lábios – Todo o resto eu ajeito.

— Maite? – Anahí perguntou.

— Estou surpresa de não ter o que pedir – a morena negou com a cabeça
rindo – Estou feliz, surpreendentemente feliz. Eu acho que é isso que me
choca, porque como eu disse... se me dissessem há seis meses atrás que eu
estaria assim, eu provavelmente riria da cara da pessoa e diria uma daquelas
minhas frases. Mas eu estou feliz profissionalmente, estou feliz no amor e
estou muito, muito feliz de estar com vocês aqui.

O uso daquele "vocês" jamais poderia passar despercebido, já que não havia
nenhum pesar em Maite e Sophia estarem no mesmo lugar. Elas não eram
as amigas de antes, talvez nunca voltassem a ser como no passado, mas não
eram mais inimigas, não se queriam mal e não estabeleciam um clima ruim
repleto de indiretas e provocações como já tinha sido. Pelo contrário, a
bandeira branca estava definitivamente hasteada.

— Lex? – Anahí perguntou desta vez à neurocirurgiã.

— Eu só queria saber o que eu quero – Lexie tampou os olhos ainda


bastante confusa – Só quero tomar a decisão certa, sem me arrepender.

— E você Christian? – Sophia perguntou – Não quer encontrar alguém,


encontrar algo...?

— Minha vida não é ambiciosa, Soso – ele riu – Tem gente igual a nossa
Any que tem sonhos grandes, os meus sempre couberam dentro de mim. Eu
queria ter um emprego legal que pagasse as contas e se me fizesse feliz
também, ok. Se eu encontrasse uma pessoa pra passar a vida inteira ela seria
bem vinda, mas se não encontrasse e todas elas simplesmente passassem
pela minha vida... tudo bem também. Acho que eu tenho o principal sabe?
Minha família e meus amigos me aceitam como eu sou, eu me aceito como
eu sou, gasto o meu dinheiro com aluguel e bebidas, pra mim tem sido o
suficiente.

— Acho que Soph e eu fomos as únicas que estabelecemos metas – Anahí


continuou – E depois que a Sam superar, o que você quer pra si? O que
você acha que se ajeita?

— Depois disso tudo... – Sophia abriu um sorriso – Bem, os negócios enfim


estão se ajustando, eu contratei duas funcionárias novas e Jesse e eu
estamos procurando um sócio, pensamos em vender a parte da Torrey pra
termos mais tempo pra nós dois. Acho que aí eu consigo pensar no que eu
quero além.

— E você Any? – foi Maite quem perguntou – Depois do maldito preso, do


apartamento e emprego dos sonhos... o que mais você vai querer?

— Eu não estaria pedindo demais? – Anahí olhou para eles mas viu todos
negando.

— Os sonhos são o limite, é o que dizem – Christian opinou.

— Bem... – Anahí mordeu os lábios – Depois disso tudo... se eu realmente


for abençoada o bastante pra alcançar tudo o que eu quero... eu quero ser
mãe.

Aquela ordem de coisas que Anahí listava não era por acaso, era
exatamente os itens mais importantes de sua velha lista de desejos. Parecia
que a Anahí de quinze anos que tinha vivido mais de uma década antes não
estava tão morta assim, não quando ela mantinha as mesmas prioridades. É
claro que Anahí queria outras coisas, mas de alguma maneira conseguia
entender porque, mesmo tão jovem, tinha optado por aquelas. Porque
quinze anos depois, mesmo depois de tudo o que tinha vivido e da
maturidade que lhe tinha sido imposta, ela no fundo seguia intacta.

Obviamente depois da revelação de Anahí sobre o velho sonho da


maternidade ainda estar vivo, pipocaram os debates sobre quem seria o pai
da criança. Ela via Christian e Sophia dizendo que deveria se decidir de
uma vez sobre sua vida amorosa, Maite rebater dizendo que não era preciso
um pai de fato e Lexie tentando acalmar os ânimos pois as comparações
entre Anahí e a própria mãe estavam se tornando inevitáveis. Anahí acabou
se calando, não porque queria se abster daquele tópico em especial, mas
porque os pontos nele levantados acabavam fazendo-a pensar e preferir
ficar em silêncio, refletindo sobre tudo o que vinha à sua mente.

Era verdade que sua criação tinha feito Anahí não priorizar a ideia de um
casamento e deixar a maternidade para depois, ela nunca tinha acreditado
que uma coisa dependia da outra, que a primeira deveria anteceder a
segunda. Karen tinha sido uma mãe maravilhosa e Anahí nunca sentiu falta
de um pai, não quando recebia tanto dela quanto dos avós todo o carinho e
cuidados possíveis, a mágoa por Keith se dava somente por ela ter
construído a ideia de ter sido abandonada, por ter visto a mãe sofrer. A
Anahí que fez a lista aos quinze anos ainda não era apaixonada por Poncho,
eles só começaram a namorar um ano depois daquilo, ainda eram apenas
amigos naquele momento. Mesmo assim, o último item da lista dele era
"casar com a garota mais linda do mundo", com um complemento digno de
nota e escrito entre parênteses – "que eu já sei exatamente quem é".

Poncho, àquela altura, já era apaixonado por ela. Tal como Mane com
Maite, ele esperou pacientemente que Anahí percebesse seus sentimentos.
Felizmente ela não tinha demorado mais de uma década como sua melhor
amiga e não sentiu tanto medo como no caso da morena. Anahí apenas se
abriu à possibilidade e se deixou levar, se apaixonou por Poncho conforme
ele começava a fazê-la sorrir de graça e, após um ano de namoro, mesmo
não lembrando de item por item de sua velha lista de desejos, sabia que
qualquer um que sentisse, era com ele que se realizaria.

Naquele momento Anahí tinha para si que o velho sonho de ser mãe cabia
mais uma pessoa. Poncho também queria ser pai, também queria uma
família de dois, três filhos. Ele era muito familiar, tinha uma ligação com os
pais e era o melhor amigo da irmã, Erendira. Os laços familiares e de
amizades para Poncho eram sagrados, era algo com o qual Anahí se
identificava, não havia dúvidas que era com ele que ela queria construir a
própria família. Anahí soube naquele momento que não precisava de
Poncho para ser mãe, mas era uma escolha, porque seria mais feliz se fosse
com ele, seria melhor se fosse com alguém que ela amava.

Mais de dez anos depois, tudo tinha mudado. Poncho realizou a paternidade
sem ela, ela teve duas chances que não foram para frente e agora
reconstruía sua vida como podia. Mas aquele velho dilema, naquele
momento, voltava à tona... novamente ela sabia que poderia fazer tudo
sozinha, que não precisava nem de Poncho nem de ninguém para ser mãe,
teve a certeza que seria suficiente. É claro que o cenário não era o mesmo
de quinze anos antes, agora ela era uma mulher, ela sabia que tinha outros
fatores como o seu trauma e o casamento dele que não tinha terminado
totalmente, tinha Daniel que não sabiam como reagiria... mas em alguns
pontos Anahí continuava enxergando a situação de uma maneira totalmente
simples.

Com Milo fora de cena, com Diana fora de cena, ela sabia exatamente o que
queria. Quem queria.

xxx

Um sábado de manhã já era suficientemente cansativo, e ainda por cima


com ressaca... Maite não estava com o melhor humor do mundo quando a
campainha começou a tocar. Esfregando o olho levantou irritada mas, ao
chegar na sala, se deparou com Lexie já de pé, totalmente arrumada para
sair dali, e a morena sabia exatamente o motivo da cirurgiã ter madrugado
justamente naquele dia. E a julgar pela hora, ela sabia exatamente quem
estava por trás daquela porta.

Maite estava certa. Só errou na quantidade.

— Oi tia Lexieeeeeee – Samantha disse entrando pulando eufórica entrando


pelo apartamento, dando de cara com uma Maite que ainda bocejava – Ih, a
tia mal humorada ta aqui também.

— Bom dia pra você também Samantha – Maite disse alfinetando a enteada
de Sophia, que fazia a cara de provocação de sempre. Logo em seguida se
voltou para o adulto que trazia aquela criança atrevida – Isso são horas de
se pendurar na campainha do alheio, Poncho?
— A Sam pediu pra tocar a campainha, não imaginei que ela fosse quase
furar o dedo nela – Poncho levantou as mãos em pedido de desculpas.

— É que já é dia! Vamos levantar! – Samantha pulava sem parar – Dani, se


anima!

— Eu to com sono – Daniel disse ainda esfregando o olho.

— Alguém me entende – Maite disse bocejando o olho – Essas trocas de


turno têm que ser tão cedo?

— Sim, têm que ser, algumas pessoas têm horário – Lexie cortou – Ok,
Poncho chegou, eu tenho que ir.

— Tchau Lexie – Maite disse acenando para a amiga vendo-a beijar a


cabeça de cada uma das crianças e saindo em disparata – Essa ta com pressa
hoje e sabemos porque. Mas e você? Ta de babá de três crianças hoje?

— Minha vovó caiu e meu papai teve que ir cuidar dela, e aí a tia Soso
pediu pro tio Poncho cuidar de mim hoje – Samantha rapidamente explicou.

— Será que a Sam acordou a tia Any com a campainha? – Daniel perguntou
ainda esfregando o olho.

— Não Dani, definitivamente não – Maite murmurou com um tom


tremendamente irônico – Precisaria de um furacão pra acordar a tia Any.
Ela carrega a cama nas costas.

— Dani, Dani, então vamos pular em cima dela! – Samantha propôs em


êxtase.

— Vamooooooos! – Dani disse já correndo.

— Puta merda – Poncho murmurou antes de sair correndo atrás das


crianças.

— Ande, vá impedir – Maite aconselhou rindo.


É claro que Poncho não chegou a tempo de impedir. Quando deu por si as
crianças, rápidas, já tinham invadido o quarto de Anahí e subido na cama.
Nem mesmo a porta abrindo abruptamente despertou Anahí, que só foi
mesmo acordar quando os dois conseguiram subir na cama e pularam em
cima dela. Quando Poncho, seguido de perto por Maite, finalmente
conseguiu chegar ali, já era tarde. Anahí já tinha sido acordada e ele acabou
parando na porta do quarto, rezando para ela não ficar completamente brava
como costumava ser quando era mais jovem e ele interrompia seu sono
sagrado. Mas a cena que ele viu ali não era algo que esperava.

— Quem são esses dois pestinhas que ousam me acordar...? – Anahí


perguntou já rindo e a resposta foram gargalhadas das duas crianças.
Gargalhadas.

— É, ela não reagiu como eu esperava – Poncho murmurou soltando um


sorriso, vendo aquela confusão na cama da ex-namorada se tornar uma
guerra de cócegas.

— Ela mudou em muitas coisas – Maite constatou – Em outras continua a


mesma. Basta você aprender qual é qual.

— Eu estou vendo – Poncho respondeu meio sem palavras tentando


entender a ambiguidade da frase da morena.

— Vou deixa-la com você – Maite disse apertando o ombro dele – Sei que
não há melhores mãos do que as suas. E nem mãos que ela goste mais.

— Eu quase não lembrava mais de sorrir com as suas provocações – ele


disse rindo abertamente.

— Tem horas que eu agrado – a morena deu de ombros antes de sair.

Com a saída de Maite as atenções de Poncho se voltaram novamente para


Anahí e as crianças que agora estavam em meio à uma guerra de
travesseiros. Ele via a diversão dos três, a alegria das crianças e a forma
como Anahí se soltava entre Daniel e Samantha e era inevitável um sorriso
brotou em seus lábios. Certamente seus olhos brilhavam, já que eles
estavam totalmente fixos na espontaneidade daquela cena. Era impossível
não ficar encantado, tanto por ver Anahí feliz quanto por se dar conta que
era a primeira vez desde que Diana viajou para Boston que Daniel se
divertia daquele jeito.

— Ai – Samantha quase caiu para trás ofegante – Cansei.

— Cansou né pestinha? – Anahí riu – Não deveria! Sou mais velha que
você e não to cansada.

— É porque você tava descansando enquanto dormia tia – Daniel deu uma
risadinha.

— Veja só essa provocação – Anahí disse levantando o rosto até seu olhar
encontrar o de Poncho.

Se Poncho não tinha certeza do modo como sua expressão estava ao encarar
Anahí distraído, como se nada mais houvesse no mundo, ele teve quando
ela percebeu aquele olhar. Anahí ficou completamente sem graça ao se
deparar com aquele olhar tão detalhado, abaixando os olhos de volta
tentando formular uma frase completa na mente, mas totalmente perdida
naquele mar de sentimentos.

Era isso. Ela estava perdida com ele.

— Então vocês vão ser as minhas companhias hoje? – Anahí perguntou


interessada, mas tentando a todo custo disfarçar o calor que sentia nas
bochechas.

— Papai disse pra nós irmos ao parque – Daniel confidenciou – Você quer
ir tia?

— Hm, eu acho que quero – Anahí respondeu rindo.

— Vai se arrumar então – Samantha disse pulando para fora da cama e


puxando Anahí pela mão – Vai tomar seu banho, escovar os dentes, tirar as
remelas do olho... tem que arrumar a cama também! Se não sua mamãe
briga com você igual minha tia Soso briga comigo.
— Ela não mora com a mãe dela, sua boba – Daniel revirou os olhos. Foi
quando a expressão de Samantha mudou.

— Por quê? – a voz da menina parecia um assombro – Sua mamãe


morreu...?

— Não... – Anahí disse rapidamente voltando à cama e abraçando a


menina. O senso de proteção batia forte – Eu apenas não moro com ela.

— A mãe dela é a tia Karen – Poncho disse se aproximando da afilhada –


Lembra?

— Ah é – Samantha disse esfregando o olho. Obviamente a menina estava


cabisbaixa e rapidamente se aconchegou nos braços de Anahí.

— E um papai, você tem também? – Daniel foi quem perguntou, e Anahí


rapidamente se sentiu desconcertada.

— Eu tenho um – Samantha respondeu – Ele é o mais lindo do mundo


mundial.

— Vamos deixar a tia Any se arrumar pra irmos pro parque – Poncho disse
cortando o assunto, rapidamente recebendo dela um sorriso de
agradecimento por poder evitar o assunto Keith na frente das crianças.

Menos mal.

A ida para o parque foi divertida, pena que nem Anahí nem Poncho
conseguiram sequer ouvir os próprios pensamentos. Samantha e Daniel
falavam em qualquer curto espaço de tempo debatendo tudo o que poderia
ser imaginado, não deixando os adultos terem qualquer tipo de
comunicação senão por olhares. Olhares esses que não faltavam. Quando
chegaram ao Central Park as crianças mal saltaram do táxi e já saíram
correndo, e assim continuariam se Poncho não tivesse ralhado com elas, o
que adiantou por menos de dois minutos. Ao ficarem numa área livre de
novo Daniel e Samantha voltaram a correr e brincar de pega entre si.
— Você vai brincar com a gente, tia? – Samantha perguntou olhando para
Anahí.

— Já vou, me deixem conversar um pouquinho com o Poncho, vão na


frente – ela orientou.

E eles foram. Anahí ainda os olhava abobada quando rapidamente uma


constatação veio à sua mente, algo que Poncho percebeu, já que ele não
tirava os olhos dela.

— Se Christian e eu fôssemos amigos de infância, seríamos exatamente


assim – Anahí comentou sem deixar de olhar os dois.

— É, eles dois são muito ligados, cresceram juntos – Poncho respondeu –


Minha mãe quando os vê diz que serão um casal.

— Ai meu Deus, Evelyn – Anahí revirou os olhos tampando o rosto com


aquela ideia absurda – Eu consigo imaginar a voz da Erendira
respondendo...

— Ela disse "mãe, criança não namora" umas quinhentas vezes – Poncho
riu – Você conhece bem demais a minha família.

— Eu posso ter esquecido muitas coisas, mas outras ficaram coladas na


pele, como se eu não pudesse deixa-las pra trás – Anahí rapidamente
explicou – Acho que são as coisas boas.

— Minha família é uma coisa boa então – Poncho constatou – To surpreso.

— Eu sempre gostei deles, era como uma segunda família – ela explicou.

Anahí tinha muitas coisas em mente para serem ditas naquele momento,
coisas que o coração dela mandava dizer. Poncho ainda parecia meio
confuso com aquela linha de raciocínio no meio do assunto, tentava
entender o que ela queria dizer e por que ela falava de sua família justo ali.
Anahí se lembrava com carinho de como tinha sido bem recebida pelos pais
dele no início do namoro dos dois, de como Erendira sempre a tratou como
uma irmã mais velha. Ao pensar melhor sobre aquilo Anahí se dava conta
que sentia o peito esquentar só de imaginar o tempo antigo no qual os dois
estavam juntos, eram lembranças que realmente acalentavam seu coração e
a faziam ter a certeza do que realmente queria,

Ela não iria falar da família de Poncho por eles em si, mesmo que Evelyn e
Robert sempre a tivessem tratado maravilhosamente bem. Ela queria falar
dela e de Poncho. Queria falar que ele provavelmente também se sentia da
mesma forma com Karen, Arthur e Ellie. Que talvez fosse assim porque as
famílias de ambos sabiam como os dois se sentiam e apoiavam porque não
saberiam, não poderiam negar os brilhos nos olhos que os dois sentiam.
Não havia a mínima possibilidade.

— Seus pais e sua irmã não foram me visitar no hospital e no inicio eu não
entendi, depois juntei aos pontos quando descobri que você tinha se casado
– Anahí continuou – Eu juntei as peças, tudo tinha mudado, é óbvio que
aquilo também mudaria. Mas então eu voltei pra casa e, sem que pudesse
esperar, lá estavam eles. Evelyn e Robert tinham viajado de Chicago pra cá
pra me ver. Eu pensei "nossa, mas eles estão fazendo tudo isso mesmo pela
ex-namorada do filho?". Me deixou confusa, eu admito.

— Eles sempre gostaram de você – Poncho ressaltou – Minha mãe disse


que queria ajudar no processo de te fazer se sentir de volta ao lar.

— Só que não foi bem assim – Anahí parou de andar porque precisava ficar
com os olhos bem fixos nele – Porque não eram eles que me faziam me
sentir realmente de volta ao lar. Na verdade... a única pessoa que me fez me
sentir assim foi você.

Quem dera que Poncho tivesse tempo para assimilar aquela informação.
Mal a pele dele se arrepiou por completo, tanto pela mensagem que tinha
acabado de ser dita quanto pelo olhar definitivamente fixo que ela tinha
nele. Mas não foi assim, porque as crianças escolheram justamente aquele
momento para correr de volta aos adultos e pedir algo que tinham acabado
de descobrir que queriam. O timing, dessa vez, estava bem longe de ser
perfeito.

— Papai, papai! – Daniel pulava sem parar ao redor de Poncho,


definitivamente sem perceber o clima entre rolava entre ele e sua tia Any –
Eu quero sorvete! Eu posso...?

— Dani, está frio – Poncho respondeu ainda um tanto atordoado.

— Pipoca então? – Daniel pediu já com as mãozinhas juntas.

— E eu quero algodão-doce! – Samantha pediu.

— Tudo bem – Poncho disse buscando a carteira no bolso e dando alguns


trocados nas mãos das crianças.

— Excelente oportunidade pra eles se encherem de açúcar – Anahí


murmurou entre os dentes rindo.

— Algo que eles adoram, nunca perdem a oportunidade – Poncho falou ao


ver os dois correndo de longe – E você? Sabe o que quer...?

Ele falava de doces, de simples doces que ela poderia querer.Mas Anahí
encontrou naquele o momento perfeito para falar a frase que estava presa na
sua garganta.

— Eu... eu quero você, Poncho.

Enfim solta.

Anahí sabia que não era àquilo que ele se referia, mas não importava. As
crianças estavam longe, Milo estava fora de sua vida, Diana tinha se
afastado. Estavam ela e Poncho ali, oito anos e seis meses depois da última
vez, à uma vida de distância. Separados uma vez por Tobias, outra vez pelas
circunstâncias, não tinha chance de uma terceira. A vida costuma ser feita
de momentos, sem placas ou sinalizadores para indicar quais deveriam ser
aproveitados, você simplesmente precisa aprender a arriscar se pretende
alcançar o que quer. E ali estava Anahí, arriscando, deixando para a trás
toda a merda do seu passado, ignorando que eles estavam em polos
totalmente distantes e decidindo enfim voltar a escrever a própria história.

Poncho definitivamente não esperava por aquilo. Ele teve que olhar para
ver se Daniel e Samantha estavam a uma distância segura para que não
interrompessem daquela vez, já que seria difícil explicar para duas crianças
por que sua pele estava tão arrepiada e seu coração tão acelerado. Depois de
constatar que os dois estavam comprando os doces que tanto queriam,
Poncho pôde olhar para a mulher que estava à sua frente. Mesmo com o
peso dos anos e de tudo o que eles tinham trazido, as mudanças no rosto, no
cabelo, o rosto mais maduro, ainda era a Anahí dele bem ali à sua frente. A
vida os havia afastado mas ela se mostrava brava e forte como antes,
lutando por eles, disposta a vencer uma luta da qual ele acabou desistindo.
Mas estava ali, de pé. Ainda havia uma segunda chance. Poncho precisava
aproveitar.

— Seu namorado... – Poncho murmurou. Ele precisava se certificar, afinal.

— Eu terminei com ele – ela rapidamente ressaltou – Eu não o amava,


precisava ser justa.

— Eu sabia que não, mas achei que você quisesse se dar a chance.

— E eu dei – Anahí deu de ombros – Mas não era ele Poncho. Eu disse uma
vez que era pra ser você, e eu descobri que eu não quero ninguém que não
seja você. Então... se houver alguma parte de você que ainda me queira de
volta...

— Any... – ele murmurou sentindo cada nervo de seu corpo se aflorar.


Precisava desesperadamente abraça-la, pega-la no rosto e pedir que ela não
dissesse mais uma bobagem sequer, já que todas as partes dele a queriam
desesperadamente.

— Se não for pra ser com você, eu não quero que seja com mais ninguém –
Anahí completou – Porque quando você me chamou de meu amor naquele
hospital, foi naquele abraço que você me deu, naquele beijo que a gente
trocou, que eu me senti de volta em casa. E ninguém mais vai me sentir
assim... então eu não quero menos do que isso.

Nem ele queria. As palavras transbordavam o sentimento dela, o olhar de


Anahí era de uma mulher que sabia o que queria e lutava. Antes eles não
poderiam fazer isso, ela primeiro porque Poncho estava casado com Diana,
ele depois porque tinha que respeitar a escolha dela de tentar com Milo.
Mas agora os dois estavam livres e não havia nada que os impedisse.
Ou melhor, quase nada.

— Tia, olha! – Samantha disse chegando como um foguete aos pés dos dois
– Minha língua ta azul!

— Só porque ela comprou um pirulito colorido – Daniel disse vindo logo


atrás revirando os olhos.

— Dani você contou meu segredo – Samantha fuzilou os meninos com os


olhos.

— Sam, o pirulito ta na sua mão! – o menino devolveu – Não é segredo


nenhum!

— Era minha mágica! Ai você estragou tudo...!

E a birrinha das crianças fez aqueles dois adultos sorrirem e trocarem


olhares cúmplices. Bem, quem tinha esperado por anos poderia esperar por
alguns minutos, não é?

Alguns acabou se tornando um exagero. As crianças, como se soubessem o


que acontecia entre eles, sugaram sua atenção por todo o dia. Daniel
normalmente era agarrado ao pai, naquele dia parecia mais do que a média.
Samantha, por sua vez, tinha colado em Anahí, algo que ela não esperava
mas não poderia dizer que não era bem vindo, já que acabou se apegando à
filha de Jesse. Ela gostava de estar com crianças e acabou entrando na
brincadeira. Se no início daquele passeio tudo parecia uma oportunidade
para que ela e Poncho fossem sinceros um com o outro, ao final eles já
estavam brincando de correr e de bola com as crianças.

Quem olhasse e os visse diria que eram uma família. Um casal com seus
dois filhos. Era fácil de imaginar. Anahí era boa com crianças e Poncho, ao
vê-la interagindo com seu filho e sua afilhada, sentia essa certeza cada vez
maior, que ela teria sido uma mãe maravilhosa para o filho que eles tinham
perdido e também para a criança que ela teve no cativeiro e não vingou.
Mas ao invés de se deixar levar pela melancolia Poncho mentalizou algo
diferente pela primeira vez. Ela estava ali, viva e saudável, disposta a viver
uma vida inteira que viria pela frente. Ele sentiu esperança pela primeira
vez ao se dar conta que Anahí poderia reconstruir o que fosse. Eles
poderiam recomeçar. Poderiam ter uma família. Daniel teria nela uma
segunda mãe maravilhosa e nos filhos deles, os irmãos que um dia pediu ao
pai. Não era da maneira que o menino tinha imaginado, mas a vida nem
sempre dá o que nós pedimos mas o que precisamos. Talvez ele precisasse
disso e iria aprender a ser feliz dessa maneira e a crescer, como tinha sido
com o pai e com Anahí.

Aprender a pegar os limões que a vida te dá e fazer limonadas, essa era a


lição.

E Poncho pegou aqueles limões naquele dia. Ele não enxergou aqueles
momentos com as crianças de forma negativa, pelo contrário, os aproveitou
ao máximo. E no fim do dia, deixou Anahí de volta na porta de casa, sã e
salva, enquanto os dois pequenos esfregavam o olho de tanto sono depois
de brincarem o dia inteiro. Ele não se deixou levar nem mesmo pela dor de
ter que deixa-la para trás, porque não era definitivo e sim um intervalo.

O que Poncho fez foi levar as crianças para casa, lhes dar banho e bota-las
na cama. Logo depois ele fez uma ligação muito importante para Sophia
indicando que elas estavam seguras e adormecidas, mas que ele tinha algo a
fazer. Como ela ainda estava na confeitaria já que teria que fechar tudo
sozinha, houve uma segunda ligação para Bea, a babá de Samantha e de
Daniel. Em meia hora a moça estava ali encarando Poncho sem entender
aquela chamada repentina.

— Posso me preparar para os dois ficarem agitados a noite inteira? – Bea


perguntou ao entrar na casa dele. Poncho riu, aquela garota conhecia bem as
crianças das quais cuidava.

— Eles estão dormindo esgotados – ele explicou – Hoje você pode ficar
tranquila.

— Estou chocada – Bea riu – Você vai sair não é? Vai demorar? Só pra caso
o Dani acorde, eu tenho certeza que vai ser a primeira coisa que ele vai
perguntar.

— Só tempo suficiente.
Suficiente sim, para suprir oito anos em, quem sabe, oito minutos. Poncho
não esperou mais, pegou o carro na garagem quase sentindo os dedos
dormentes pela adrenalina. Felizmente o caminho era curto, a distância não
era tanta assim. Aquela noite a escala era de Maite e, ao abrir a porta, a
morena viu nos olhos dele o que pretendia fazer. Apenas sussurrou que
Anahí estava no quarto, não se colocando no caminho. O voto de confiança
estava dado.

Dedos dormentes, coração acelerado, oito anos voltados no tempo... essa


era a sensação. Poncho apenas parou na porta do outro lado, olhando para o
corredor vazio e certo de que estava no momento certo, na hora certa. A
vida estava ali, lhe dando aquela segunda chance. Não era pra ser da
primeira vez, mas ele estava disposto à segunda, à terceira, a quantas
fossem. Quem sabe não fosse necessário. Ele olhou para baixo, apenas para
controlar o velho nervosismo que o lembrava do garoto que tinha sido um
dia. Lembrou do primeiro beijo que deu nela e era como se tivesse voltado
no tempo. Com a lembrança encontrou o que faltava para bater naquela
porta.

A Anahí que a abriu era diferente da que ele tinha se acostumado. Ela
estava com o cabelo bagunçado num coque feito de qualquer jeito, sem
nenhuma maquiagem e as olheiras enormes, vestida num pijama
confortável de quem já tinha ido dormir. Mas estava com seu cheiro natural,
o cheiro de casa. E Poncho a abraçou assim que ela abriu, fazendo-a dar um
passo para trás meio que no susto. Não demorou tanto tempo assim pra
entender o que ele tinha ido fazer ali. Não demorou tempo algum para seu
corpo reagir e ela o abraçar de volta, sentindo exatamente o que sempre
soube que sentiria caso aquilo voltasse a acontecer.

E não precisava mais imaginar. Era real.

— Te respondendo... – Poncho disse segurando o rosto dela, vendo aquele


sorriso de canto de boca que tanto amava nela nascer – Não tem um pedaço
de mim que não te queira de volta.

— Sempre atrasado – Anahí debochou rindo envolvendo o pescoço dele.

— Atraso, mas não falho.


E não falhava mesmo. Ele a viu fechar os olhos antes mesmo dele fazer
qualquer coisa, vendo seu corpo silenciosamente implorar por aquele beijo.
E ele jamais a faria implorar por qualquer coisa. O corpo de Anahí se
derretia e se moldava no seu e tudo o que Poncho fez foi beija-la de uma
vez. Dessa vez sem a culpa de ela não saber que ele estava casado, sem o
peso de ter alguém entre eles. Tudo o que havia entre os dois era a certeza
de que aquele seria o novo primeiro beijo entre eles. O tal beijo que se
conta aos netos. O beijo que celebra a saudade, que marca o recomeço. O
beijo que encerra um filme romântico, que simboliza o início de uma
história.

Mas, para Poncho, o beijo que lhe deu a certeza de que era recíproco...
porque ele também se sentia em casa nos braços dela... num jeito que não
era em nenhum outro lugar.

Enfim... AyA

Nem tenho o que dizer depois desse capítulo! Vou ficar no aguardo das
reações (ansiosa!)

Beijos e até a próxima quinta!

Rafa
Capítulo 46 - Other half

Eis uma consequência de quando você passa tempo demais longe da pessoa
que você ama: uma vez junto, é quase impossível de se separar de novo.

Poncho sentia tanta falta dos beijos de Anahí que não tinha sabido mensurar
até ter os lábios colados nos dela novamente. Estava certo que já a havia
beijado duas vezes desde o reaparecimento dela, mas eram beijos cheios de
receio, de culpa pelo fato de ele não estar livre. Agora não era mais assim.
Agora ele estava totalmente livre para ela... e ela estava totalmente livre pra
ele.

— Deita aqui comigo – Anahí chamou, puxando-o pela mão.

— Any, você não acha que... – a voz de Poncho indicava seu receio – Não é
um pouco cedo demais...

— Não por isso Poncho – ela riu – Eu quero sentir a sua pele, a sua
respiração. O sexo não é a única coisa que eu sinto falta em nós dois, eu
quero tudo de volta.

Era recíproco. Poncho sorriu com a frase dela, imediatamente se deixando


levar. Ele se sentou na cama de Anahí mordendo os lábios de expectativa.
Se é que era possível, aquilo era melhor do que se simplesmente caíssem
naquele colchão e transassem loucamente. Conforme ele se deitou ali e
sentiu Anahí se aconchegar em seus braços, a pele dela em contato com a
sua, o calor de seus corpos se misturando, era como se encontrasse o
paraíso. Sexo era contato, era tesão, mas aquilo que eles tinham ali era
intimidade, representava mais, porque estaria presente em dias que eles
conseguiriam transar e em dias que simplesmente não daria. Estaria ali
enquanto ela não conseguisse se entregar pelos velhos fantasmas ainda a
dominarem. O aconchego dos braços de Poncho era algo que Anahí teria
enquanto Poncho estivesse ali, com os braços livres para ela.
Mas a ficha ainda não tinha caído, e provavelmente não cairia tão cedo.
Anahí estava abraçada nele e seu nariz roçava no pescoço de Poncho, a
respiração dela estava quente e agitada e Poncho teve nisso a constatação de
que ela ainda estava agitada com aqueles novos fatos. Provavelmente
percebia que não era a única, o coração dele batia forte, com tantos
sentimentos para serem administrados. Naquele momento Poncho não
estava pensando no quanto parecia inacreditável que eles estivessem ali, de
novo, juntos... o que bagunçava as emoções de Poncho era ter, de novo,
tanto contato físico com ela, e finalmente estar livre para tudo o que viesse.

Então ele se deu conta que não precisava mais agir como somente amigo.
Por mais que fosse um esforço lembrar como eles eram no início, Poncho se
deu conta que não deixou de ser o amigo leal de Anahí após os dois
trocarem o primeiro beijo. Ele continuou estando incondicionalmente ao
lado dela, apenas era o amigo que também a via nua. A relação dos dois
apenas cresceu, e era isso que aconteceria ali. Ele secaria suas lágrimas de
novo, mas não precisava mais se poupar de tocar seus lábios. E sentir a
respiração dela estava sendo, ao mesmo tempo, sua vida e sua morte. Por
isso ele apenas mudou a posição que ambos estavam para beija-la
novamente, já que não queria mais ficar tão distante da boca dela quando
tinha a opção de simplesmente agarra-la.

Anahí recebeu o beijo de Poncho com entusiasmo. Seus fantasmas estavam


ali, querendo assombra-la, ela sentia, mas duelavam forte com a saudade
que ela tinha do ex. Poncho e ela agora estavam deitados de lado, um de
frente para o outro, e ela o abraçava, tocando sua barba rala e os dedos se
perdendo no cabelo dele. Ele a abraçava, tocando em sua cintura com os
dedos livres, sem ir longe demais, sem tentar alcançar um estágio ao qual
ela não estaria pronta. A única preocupação de Poncho era beija-la como se
eles tivessem dezesseis novamente e toda a vontade do mundo de ficarem
juntos.

— Eu senti falta da sua boca – Poncho confessou quando o beijo cessou –


Senti falta de te beijar assim, quando desse vontade.

— Agora você pode – ela murmurou sorrindo confortável em resposta –


Sabe do que eu senti falta...? De estar tão próxima dos seus olhos que
parece que eles vão cair em cima de mim. De sentir a minha boca dormente
e aquele incomodozinho delicioso pela sua barba.

— Se quiser eu tiro – Poncho rapidamente propôs, vendo-a negar.

— Ta louco? Eu amo você assim – Anahí admitiu passando a mão no rosto


dele – É sexy.

— Você é quem manda – ele riu – Eu estava surtando com a possibilidade


de nunca mais ter você nos meus braços.

— Então não me perca – ela recomendou.

Nada mais precisava ser dito. A mensagem era perfeitamente clara: ela
estaria ali se ele não a perdesse. E aquilo não era sequer uma possibilidade
para Poncho. Ele tinha aprendido a lição e não estava disposto a andar para
trás. E por ele, ficaria a noite inteira ali, com Anahí em seus braços, como
se não houvesse mais nada no mundo e nada pudesse entrar entre eles. Só
que havia. E Anahí foi a primeira a se dar conta disso.

— Espera – ela franziu a testa encarando-o – Se você ta aqui, onde ta o


Dani...?

— Com a babá, claro – Poncho riu – A Sam e ele simplesmente


desmaiaram depois de chegarem do passeio.

— Não posso culpa-los, eu também estou exausta – Anahí bocejou –


Aqueles dois têm uma energia infinita.

— Eu sei, eles vivem acabando com a minha energia que, ao contrário da


deles, é bem finita...

— Você vai preferir deixar nós dois em segredo por enquanto, não é? –
Anahí mordeu os lábios – Por causa do Dani.

— Eu não posso dizer pra ele que estou com você antes que Diana e eu
conversemos sobre estarmos separados – Poncho explicou – Ele só tem seis
anos, eu preciso ir com calma, não quero magoa-lo.
— Eu entendo – ela respondeu totalmente compreensiva – De início vai ser
difícil e pode ser que ele me rejeite. Eu tenho noção disso e vou ter
paciência pra conquista-lo aos poucos.

— Obrigado por entender – Poncho a beijou na testa – Eu não vou te fazer


esperar eternamente. Vou acertar as coisas com a Diana e depois nós vamos
conversar com o Dani.

— Não faz isso agora – Anahí pediu – Vamos ver como vai ser entre nós
dois. Pode ser que não dê certo.

— Anahí... – ele riu negando com a cabeça – Nós vamos dar certo.

— Eu aprendi a não criar grandes expectativas – Anahí suspirou – Já me


frustrei muito.

— Eu entendo, mas não consigo não criar grandes expectativas com nós
dois – Poncho deu de ombros – A vida não seria cruel de nos separar de
novo. E mesmo que seja, eu não vou deixar que te levem de mim dessa vez.
Vou te abraçar, te agarrar, fazer birra. Ninguém vai te tirar de mim.

— Eu tenho um passado complexo Poncho, não lembro de tudo o que vivi,


simplesmente não sei o que vem pela frente, o que eu preciso lembrar na
terapia – ela confidenciou – Eu não sei o dia de amanhã, e pra completar
com aquele monstro solto... eu preciso coloca-lo de volta na cadeia, eu
preciso lembrar e...

— Any... – Poncho segurou o rosto dela – Eu estou com você. E eu vou


ficar do seu lado até o fim. Nós vamos enfrentar isso juntos. E ai dele se
resolver chegar perto de você.

Anahí sabia que não era simples assim, mas Poncho sempre foi daquela
maneira, metido a super-herói, a tranquilizando colocando coisas
complicadas como simples, vendo tudo preto-no-branco quando ela via
vários tons de colorido e, neste caso, de preto e branco. Ela sabia que tudo
aquilo era complexo, que ele não pôde deter Tobias da primeira vez e que
era quase certo que não conseguiria agora. Mas ao mesmo tempo ela não
queria sofrer por antecipação, não queria ficar adiantando coisas ruins que
deveriam ficar nos seus respectivos momentos. Não quando ela estava tão
bem, tão feliz.

É claro que Anahí sabia de todos os percalços com os quais poderia se


deparar no caminho. É lógico que ela sabia que ainda enfrentaria muitas
batalhas... a luta para se lembrar de tudo, para superar tudo, ver Tobias no
banco dos réus e relatar na frente de uma juíza, um público e um júri tudo o
que ele a havia feito sofrer. Não seria fácil. Mas eram coisas para depois, já
que o agora se resumia a ela e Poncho deitados naquela cama sorrindo um
para o outro, onde todo o resto poderia ser deixado para depois. Se Anahí
tinha aprendido a não deixar para o dia seguinte o que deveria viver agora,
ela sabia que o agora representava sua felicidade, estar ao lado de quem ela
realmente queria, daquele que realmente amava, e não estragaria o
momento se preocupando com o futuro. Ela viveria o presente.

Poncho ficou tempo suficiente ali para tranquiliza-la, embora não fizesse
ideia que Anahí ainda se preocupava, somente não dizia para ele. Mas de
um jeito ou de outro, a respiração dela voltou a ficar calma e ele voltou para
a posição que estava antes, sentindo a cabeça de Anahí repousar sobre seu
peito e a mão enroscar em seu pescoço. Ele ficou ali sentindo a
tranquilidade habitar o corpo dela, o peso de Anahí cair sobre o seu, ela ir
respirando cada vez mais devagar até adormecer. Poncho amou aquela
sensação. Era como voltar no tempo, só que com toda a saudade acumulada,
era ainda melhor.

A única razão que fez Poncho ter que sair dali foi a certeza de que deveria
voltar para casa, para Daniel. Com Diana fora da cidade ele era a única
referência que o filho tinha e se lembrava perfeitamente bem do quanto
Daniel tinha ficado afetado emocionalmente da última vez que se sentiu
distante emocionalmente do pai. Por isso ele teve que fazer o mais difícil, se
afastar deixando Anahí dormindo para trás, somente com um bilhete de
despedida na mesa de cabeceira. Ele sabia que deixava metade de si
dormindo naquela cama enquanto ia encontrar a outra metade.

Só que no meio do caminho, havia uma pedra...

— Merda – Christian respondeu quando viu Poncho sair do quarto – Perdi a


aposta...!
— Eu disse que você perderia – Maite se gabou estendendo a mão e vendo
o amigo abrir a carteira enquanto revirava os olhos.

— Aposta? – Poncho arqueou a sobrancelha.

— Sim Luna, você ganhou, Christian perdeu, agora podemos dormir...? –


um sonolento Mane perguntou ao bocejar.

— O que vocês apostaram? – Poncho perguntou embora suspeitasse do que


se tratava.

— Eu disse ao Christian que você não iria dormir aqui, mas essa bicha
teimosa não acredita no que eu digo – a morena tinha a sobrancelha
arqueada.

— Eles estavam esperando há séculos por isso, eu não achava que iriam
perder a oportunidade...! – Christian se defendeu.

— Como vocês sabem que a Any e eu... – Poncho começou a pergunta mais
uma vez se esquecendo do potencial dos dois melhores amigos de Anahí.

— Ahhhhh – Maite e Christian murmuraram juntos em deboche.

— Poncho, como vamos dizer? – Mane perguntou rindo – Vocês


demoraram até demais.

— Deveríamos ter feito uma aposta sobre quanto tempo iria demorar –
Maite suspirou – Christian certamente apostaria que seria no dia que a
Diana foi embora e iria perder de novo.

— Maite, por Deus, pare de me extorquir – Christian revirou os olhos –


Cielo, mande sua Luna parar!

— Ei, só eu o chamo assim – Maite fez uma careta, se virando para Poncho
em seguida – Está tudo bem né? Você ta indo embora pelo Dani e só, não é?
Ela reagiu bem...?

Poncho sabia exatamente a que Maite se referia e enxergou um medo


plenamente justificável nos olhos da morena. Ela certamente temia que ele
e Anahí acabassem indo rápido demais e ela se assustasse. Os traumas
continuavam ali, talvez fossem menores com Poncho porque Anahí
confiava nele, mas Maite tinha certeza que eles não seriam superados do dia
para a noite. Era preciso ter paciência, ela sabia que ele teria, mas sabia
também que para os dois seria difícil controlar o tesão que certamente seria
um ingrediente daquela relação.

— Sim, ela está bem – Poncho explicou rapidamente – Eu a deixei


dormindo, e se não fosse pelo Dani...

— Nem precisa completar – Maite disse tranquilizando-o, indo até ele e o


apertando pelo ombro – Pode ir, nós cuidaremos bem dela.

— Disso eu não tenho a menor dúvida – Poncho mordeu os lábios – É que


me dói do mesmo jeito.

— Agora você pode ir tranquilo – Christian garantiu – Vocês têm a vida


inteira pela frente... e não é um clichê. Porque dessa vez nós não vamos
deixar nenhum bastardo se meter no meio.

E era isto.

É claro que falar era fácil, para Poncho tudo se tornava difícil cada vez que
ele tinha que ir embora e deixar Anahí para trás, por não poder
simplesmente sentar na frente do filho e explicar a situação, já que não
poderia simplificar coisas complexas. Para Daniel os pais ainda estavam
juntos, somente em cidades diferentes como já tinha acontecido antes. E
Poncho sabia que tinha que ir a Boston e acertar as coisas em definitivo
com Diana, mas ele deixava isso para outro momento, porque agora a bolha
com Anahí era maravilhosa e ele não queria perder aquela chance de viver
como se tudo fosse perfeito.

É claro, não era. Ele poderia estar com ela somente em momentos que o
filho estava na escola, com a babá ou com Sophia na companhia de
Samantha. Eram aqueles momentos que Poncho aproveitava para se trancar
em seu infinito particular, onde rezava para o tempo não passar e ele ter
todas as horas do mundo nos braços dela. Não importava não poderem sair
do quarto dela, acabavam unindo o útil ao agradável da segurança e da
privacidade, e logo aquela escala que cada amigo passava um turno ao lado
de Anahí se tornou uma nova, em função dos horários que Poncho podia ou
não estar com ela.

Era tão bom para Poncho ter Anahí de volta em seus braços, redescobrir o
sabor de seus lábios e o calor de seu corpo que ele sequer se importava dos
claros limites que tinham que ter. Por duas vezes ela se assustou e lembrou
aos dois que eles não eram mais os jovens de oito anos atrás, vezes essas
que, colados um ao outro em meio àqueles beijos, a fronteira ficou clara
quando Poncho se deixou levar pelo momento e acabou indo longe demais
para aquele momento. Lugares que antes eram pontos comuns agora ele
tinha que hesitar em chegar, mas que ele sabia que voltaria a chegar. Não
porque estava desesperado por aquilo... mas porque sabia que era um lugar
dela, um lugar deles. Lugar este que lhes foi tirado e que eles iriam
reconquistar.

Com esses pequenos avanços, aqueles muitos beijos, os incontáveis


momentos onde ele a sentiu dormir em seus braços e viu seu sorriso
sonolento se formando, horas viraram dias. E dias viraram semanas. Duas
semanas. E o Natal chegou.

Com o Natal, uma mudança na rotina: Daniel iria para Boston passar a data
com a mãe. Já o pai...

— Você tem certeza que não quer sequer leva-lo? – Erendira perguntou
cruzando os braços – Resolver as coisas com a Diana de uma vez...?

— Se eu aparecer lá ela vai se iludir, vai achar que está tudo bem e vai criar
esperanças, será pior – Poncho constatou pela milésima vez – Pior pra ela,
pro Dani, pra todo mundo.

— É verdade – Erendira suspirou – Deus, ela ainda tem esperanças de que


vocês voltem? Mesmo depois de semanas que você ta aqui e nada? Não é
meio óbvio o que ta acontecendo?

— Eren, eu cheguei a pensar em como faria isso de uma maneira mais


simples, mas acho que vou deixar que o Natal passe e vou até lá conversar
com ela...
— Você está esperando que as coisas fiquem mais certas com a Anahí? –
ela questionou.

— As coisas dando ou não certo com a Any eu farei isso – Poncho pareceu
mais decidido do que nunca – Estou fazendo isso não por ela, mas pela
Diana e por mim, porque ela merece a minha honestidade. E to esperando
apenas o momento que isso a destrua menos.

— Ela vai se destruir de um jeito ou de outro... – Erendira opinou.

— Ao menos ela não vai ter lembranças horríveis do Natal – Poncho deu de
ombros.

Daniel, que brincava de circular pelo saguão do aeroporto com a mala da


tia, estava alheio à conversa que ela tinha com seu pai, sem fazer ideia que
falavam de coisas que demonstravam como era sua realidade naquele
momento, à qual ele ignorava totalmente. Era a oportunidade que Poncho
tinha de ser honesto com a irmã e lhe explicar por que pedira a Erendira
para deixar Daniel com a mãe no aeroporto. Diana sabia daquilo, Poncho
tinha dito que aproveitaria que a irmã tinha um voo para Boston para pedir
que ela levasse o menino até a mãe. Ele já dava os sinais de que ela não
deveria ter esperanças que eles ainda tivessem chance, mas Diana seguia se
recusando a enxergar.

Só que a brincadeira não durou eternamente, logo o voo em questão foi


anunciado e Erendira chamou o sobrinho para que embarcassem. A
expressão de Daniel logo voltou a ser como estava antes, totalmente
cabisbaixa, já que o menino se lembrou que agora ele e o pai se separariam,
já que Poncho não iria para Boston passar o Natal na casa dos pais de
Diana. Se ele fosse, passaria para todos a impressão errada... para os ex-
sogros, que ele e a filha deles ainda estavam bem. Para Daniel, não
prepararia para o que viria a seguir. E para Diana, que fizera bem em nutrir
esperanças em todo aquele tempo...

— Você não vai mesmo...? – Daniel perguntou triste – Nós nunca passamos
o Natal separados...
— A mamãe ta com saudade de você – Poncho voltou a explicar – E eu
preciso esperar os seus avós aqui... eles chegam amanhã.

— Tudo bem – ele murmurou abraçando o pai em seguida – Eu vou sentir


saudade.

— Eu também – Poncho respondeu com toda a segurança e sinceridade que


tinha no corpo – Vou morrer de saudade. Daqui a uma semana vou te ver
em Boston, eu prometo.

— Ta bom, vou esperar – Dani disse se soltando do pai e recebendo dele um


afago nos cabelos e um carinhoso beijo na bochecha – Papai, papai! E se o
Papai Noel não souber que eu estou na casa da vovó? Se ele entregar meu
presente no lugar errado, você guarda pra mim?

— Claro que sim – Poncho riu da inocência do filho – Mas olha, algo me
diz que ele não vai errar. Afinal de contas... ele sempre sabe de tudo, não é?

— Sempre – Daniel sorriu mais animado do que antes. Mais conformado.

Missão cumprida.

É claro que Poncho não estava nem um pouco feliz de deixar o filho ir
sozinho para Boston passar o Natal, era o primeiro que ele estava separado
de Daniel, mas as coisas tinham que ser assim. Ele ir junto confundiria as
coisas para Diana, ela certamente entenderia errado. Poncho só podia
aparecer por lá quando fosse para terminar de vez, encerrar as expectativas
que ela, sozinha, tinha criado. E ele não achava justo que o divórcio viesse
justamente no Natal.

No mais, por mais que machucasse passar o Natal ao lado do filho que era
metade de seu coração, amenizava a ideia que ele poderia estar por perto da
pessoa que preenchia a outra metade.

Quer dizer, não tão perto assim. Erendira ao desembarcar já deixava claro
para a mãe que estava em Boston somente temporariamente, que na manhã
seguinte voltaria a Nova York para passar o Natal com os pais e os irmãos.
Felizmente Daniel já estava mais conformado com a data acabar dividida
entre os pais e em ficar distante de Poncho e de sua casa. Ele caminhava de
mãos dadas com a tia, com sua pequena mochila de macaquinho com
detalhes vermelhos nas costas, os pequenos olhos verdes procurando
ansioso pela mãe que já não via há semanas e de quem morria de saudade.

Diana também estava ansiosa para ver o filho, mas ela não podia negar
dentro de si que o nervosismo que a fazia olhar sem parar para os lados era
por esperar ver Poncho levar o filho. Mesmo que ele não fosse ficar, ela
queria olhar nos olhos do homem que um dia tinha sido seu marido – agora
já não sabia mais se poderia chama-lo assim ou se referir como ex – e
entender em que ponto as coisas estavam. Diana conhecia Poncho, ela
saberia pelo olhar dele se ele viera por Daniel ou por ela, como as coisas
tinham terminado com Anahí. Só que a ansiedade acabou sendo trocada por
uma considerável frustração quando ela percebeu que quem trazia Daniel
não era seu pai e sim a tia Erendira.

O olhar de Poncho não estava ali para responder as dúvidas dela, mas sua
ausência dizia bastante coisa...

— Mamãe, mamãe! – o menino gritou se soltando da mão da tia assim que


avistou Diana e correu até alcançar seu abraço – Eu senti saudade!

— Eu também meu amor – Diana abraçou o filho sendo totalmente honesta


– Muita saudade.

É claro que ela estava decepcionada. Tinha criado expectativas, esperava


ver Poncho e calar aquela agonia pela falta de respostas que agora via que
tinha sido algo produzido unilateralmente por ela. Poncho não lhe prometeu
nada, mas como não negou, Diana fantasiou que eles ainda poderiam ter
alguma chance e se agarrou ao último fio de esperança. Agora ela não sabia
mais se esse fio ainda existia.

Talvez fosse melhor se agarrar ao que era concreto, ao que era real. Daniel
estava ali, feliz e sorridente olhando como se ela fosse a coisa mais
importante do mundo, e talvez realmente fosse. Diana se dava conta pela
primeira vez que ela tinha que deixar que o filho preenchesse o espaço em
seu coração que estava para ficar vago. O espaço que Poncho insistia em
não mais ocupar.
— Dani? – Erendira chamou o sobrinho – Me deixa conversar com a
mamãe um pouquinho?

— Uhum – Daniel concordou, se afastando puxando a mala como tinha


feito no JFK horas antes. Não era uma conversa recomendável para alguém
com somente seis anos.

— Eu sei que não era eu quem você esperava ver – Erendira ressaltou – Eu
cheguei a perguntar se ele não achava melhor vir, mas... enfim, quando
vocês se encontrarem as coisas ficarão resolvidas.

— Ficarão? – Diana ergueu a sobrancelha – Eu tenho a impressão que o seu


irmão não tem coragem de me dizer o que realmente quer.

— Então seja mais corajosa do que ele – Erendira aconselhou – Tenha a


coragem que ele não tem e encerre isso. Mesmo que você fique esperando o
ponto final oficial do Poncho... Diana, não deixe de viver a sua vida por ele.

— Você está sugerindo o quê? Que eu procure um novo amor como ele
procurou?

— Ele não procurou – a cunhada observou – Ele encontrou, mas nem todas
as coisas que nós achamos são procuradas. E não é um novo amor, é o amor
de sempre. Algo que você não pode competir. A questão é que a vida não é
só o amor no sentido paixão... seu filho te deu um abraço completamente
sincero e cheio de saudade porque, embora no início do voo ele ainda
estivesse um pouco triste por estar indo pra longe do pai, estava
completamente ansioso pra ver você. E Diana, você está nessa cidade pra
cuidar do seu pai, pra tomar conta do negócio da sua família. Você já era
uma mulher amada por muitas pessoas, bem sucedida e feliz antes de
encontrar o meu irmão. A única coisa nova que o Poncho te deu foi o Dani.
Então aproveite a melhor parte de vocês dois, fique com as boas lembranças
e procure novas, porque acredite, a vida não acabou pra você, ela te reserva
muito mais.

O conselho estava dado, bastava Diana decidir se seguiria ou não.


Em Nova York Poncho não estava se sentindo livre pela partida de Daniel,
muito pelo contrário. Para muitos homens seria assim, mas a verdade é que
ele estava meio vazio. Era estranho olhar ao redor da casa e não ver pedaços
de lembranças do filho em cada canto. Para completar, Anahí e ele não
passariam o Natal juntos, ela ficaria com Karen e a família e ele receberia
os pais e os irmãos. Então o que Poncho fez foi não chorar sob o leite
derramado. Ele apenas mandou uma mensagem para ela dizendo que Daniel
já tinha embarcado para Boston e que estava oficialmente sozinho, indo em
seguida para o supermercado para abastecer a geladeira para a ceia. A
resposta dela foi um lembrete de algo que ele já suspeitava: eles teriam
tempo depois que as festas de fim de ano passassem e agora mais ninguém
tiraria isso dos dois.

Então Poncho foi ao supermercado e já começou a trocar mensagens com a


mãe para combinar o que eles comeriam na ceia, já preparando o que
poderia ser feito e adiantando tudo. A ideia era Evelyn e Robert viajarem
naquela mesma noite e chegarem por volta das nove da noite em Nova
York. Poncho deixou tudo esquematizado e já se organizava para ir ao
Newark Airport buscar os pais quando recebeu uma ligação de Evelyn.

— Está uma nevasca horrível em Chicago, querido – ela explicou com a


voz nitidamente desgostosa – Nosso voo está atrasado e corre o risco de ser
cancelado.

— Sério...? – Poncho perguntou completamente surpreso. Antes estava em


pé perto de pegar as chaves e agora se sentou no sofá tentando assimilar a
informação.

— Seu pai quer desistir – Evelyn explicou pesarosa – Mas eu não queria
decepcionar sua irmã e você...

— Mamãe... está arriscado vocês sequer conseguirem embarcar – Poncho


passou a mão na barba – Papai está certo, é melhor desistir.

— Você não vai ficar chateado? – ela perguntou ainda insegura.

— É claro que não.


— Acho que devo perguntar pra sua irmã – Evelyn ressaltou. Poncho riu.

— Tenho certeza que a Erendira não vai ficar aborrecida – ele sorria – Está
tudo bem. Nós nos vemos depois do Ano Novo.

— Está certo – Evelyn se rendeu – Eu mando os presentes pelo correio


depois.

— Não, prefiro ir à Chicago fazer uma visita – Poncho mordeu os lábios –


Talvez eu leve boas notícias.

— Se for na forma de um novo best seller sendo escrito serão muito bem
vindas – Evelyn comentou animada.

Ela mal sabia que era muito melhor...

Poncho tinha que admitir que os pais não estarem vindo o deixou meio
animado. Ele amava Robert e Evelyn e adorava passar aquelas datas em
família, mas não quando estava recém-separado da esposa e se
reconciliando com a ex-namorada da juventude. Ele não queria responder às
certeiras perguntas da mãe quando elas ainda não eram certezas em seu
peito.

Só que não eram as inconveniências da mãe que o faziam não exatamente


amar tê-la por perto e sim o que poderia fazer caso ela não fosse. Só tinha
um problema... e Poncho rapidamente se viu discando para ele.

— Eren? – Poncho chamou a irmã pelo apelido, rapidamente identificando


que ela estava num lugar barulhento e que tinha uma voz de homem ao
fundo. Certamente ocupada – Você pode falar?

— Desde que você seja rápido – Erendira respondeu com alguma


dificuldade – Estou tentando ser pecaminosa antes do aniversário de Jesus,
se você me permite.

— Mamãe e papai não vêm – Poncho entregou – Tem uma nevasca em


Chicago, eles ficaram presos no aeroporto. E bem... será que você não quer
ser pecaminosa amanhã também? Ou quem sabe pegar uma nevasca em
Boston?

— Não está nevando em Boston Poncho – ela devolveu – E eu não vou


transar no Natal. Mas se você quer ser pecaminoso, acho que posso fazer
nevar por aqui.

— Eu não quero – Poncho se viu sorrindo – Eu só quero estar com ela.

— Consigo ver o seu sorriso daqui – Erendira sorriu junto – Fique.


Aproveite. Feliz Natal irmãozinho.

Pelo visto realmente seria um Feliz Natal.

O que falar desse Natal que nem começou e todo mundo já considera
pakas? Tenho certeza que vcs vão amar os próximos, porque além de
termos os outros personagens de volta (após doses e doses cavalares de
AyA) ainda teremos os protagonistas em grande quantidade ainda.

Ameeeeei a repercussão de AyA no último cap! Vcs sabem mesmo como


deixar uma escritora feliz hein! E eu, sei deixa-las felizes também?
Aguardo nos comentários.

Bom fim de semana e até a próxima quinta 😚

Rafa
Capítulo 47 - Christmas Magic

Dentro do banheiro do apartamento que dividiam, Maite estava pensando se


Anahí já estava acordada. Era manhã da véspera de Natal e ela precisava
conversar algo sério com sua melhor amiga, mas Anahí andava dormindo
mais do que nunca e a ansiedade estava difícil de controlar. Ela queria falar
com ela antes de falar com Christian, esperava que Anahí acordasse de vez,
mas aos poucos perdia a esperança. Por sorte, quando já não nutria mais
expectativa alguma, ouviu uma voz animada irromper pelo corredor.

— EU NÃO ACREDITO QUE É NATAL!

Sim, Anahí tinha finalmente acordado.

Maite provavelmente não conhecia ninguém que amasse tanto o Natal


quanto Anahí. Ela saiu do banheiro cruzando os braços rindo e se
encostando no portal vendo a amiga com os cabelos presos, os olhos e rosto
inchados e pijama confortável sorrir e correr animada pela casa. Em oito
anos ela não devia ter tido um Natal, uma data que lhe era extremamente
importante em seu longínquo passado livre.

Nem em sonhos Maite queria estragar a felicidade da amiga que certamente


tinha previsto cozinhar os tradicionais cookies natalinos com Karen e
montar um pinheiro cheio de enfeites na casa da mãe. Mas ela sabia que
precisava resolver algo com Anahí e que não dava para esperar
eternamente.

— Sim, é Natal – Maite constatou com ar de riso – Fica tranquila, o Papai


Noel chega hoje pela chaminé com os seus presentes. Ops, não temos uma
chaminé, e agora...?

— Sem graça – Anahí fez uma careta – Não deboche da minha alegria!
Você sabe que há tempos eu não tenho um Natal.

— Longe de mim debochar – Maite disse se sentando no sofá – Mas eu


tenho que estragar a sua felicidade momentânea enquanto ainda é manhã e
você não fugiu daqui pra montar a árvore de Natal com a sua mamãe.
— Estragar por quê? – a cara de Anahí era de quem quase estava sofrendo.

— Falando daquele assunto que você foge há semanas – Maite cruzou os


braços – Você prometeu que abriria os resultados até o Natal.

— Tecnicamente o Natal é só amanhã – Anahí argumentou, vendo os olhos


escuros de sua melhor amiga se estreitarem.

— Amanhã você vai estar desmaiada de sono e com cookies saindo pela
orelha – Maite voltou a debochar – Nós vamos abrir hoje.

— Nós temos mesmo...?

— Sim Anahí – a morena esbravejou – Nós temos e nós vamos. Ande,


pegue.

Anahí acabou se dando por vencida, mordendo os lábios e deixando a


alegria se esvair do corpo conforme caminhava para dentro do quarto e
pegava, em sua mesa de cabeceira, os envelopes que há muito queria ter
esquecido, mas a melhor amiga não deixava de modo algum. Maldita hora
que Anahí tinha contado a Maite que fez exames para verificar sua
fertilidade, sua possibilidade de ter filhos. Agora a morena simplesmente
não a deixava esquecer. E outra maldita hora tinha sido a que Anahí
colocou como termo final o Natal como promessa de quando abriria os
resultados. Porque agora a data tinha chegado e é claro que Maite não lhe
deu qualquer chance de voltar a se esquivar.

Agora Anahí teria que abrir os resultados. Ela olhava com apreensão os
envelopes de cada um dos exames que tinha feito e percebia que a verdade
já estava ali, documentada. O problema é que ela estava numa fase boa. Ela
estava conseguindo viver mesmo com Tobias solto, ele realmente tinha
respeitado a ordem de restrição imposta pelo juiz e não estava perseguindo-
a. Ela não estava brigando com a família, seus amigos tinham encontrado
uma dose de paz, ela estava bem com Poncho. Anahí não queria abrir uma
janela negativa de sua vida e voltar a sofrer com o que quer que fosse, não
quando já tinha se acostumado com a dúvida, se acostumado a não pensar
naquilo e fingir que aquele problema não existia.
Mas existia. E era a hora de sanar as dúvidas de vez.

— Você abre – ao voltar à sala, Anahí estendeu os envelopes a uma Maite


que tinha a testa franzida – Eu... não tenho coragem.

— Ah, que você não tem coragem eu sei – Maite suspirou pegando os
envelopes e abrindo-os na maior pressa que tinha – Mas seja qual for o
resultado, ele já está aqui. Nós vamos passar por isso juntas.

— Eu sei – Anahí mordeu os lábios – Não podemos esperar o Christian...?

— Ele foi pra casa dos pais – Maite fez uma careta – Christian esteve aqui a
semana inteira e você não quis abrir. Pare de ser enrolona.

— Mane está onde?

— Foi comprar um pinheiro com as mães – Maite disse finalmente tendo os


papeis em mãos. Hora da verdade.

Os olhos da morena corriam pelos resultados e os de Anahí, estavam fixos


nela esperando por sua reação. Maite era o tipo de pessoa que puxava o
band aid com força para que doesse de uma vez e era exatamente o que ela
fazia naquele momento. Ela calmamente lia os laudos dos exames e, se
Anahí tinha conseguido despistar a si própria até então, agora que os
envelopes enfim tinham sido abertos o nervosismo batia com força. Ela
estava quase tomando os papeis da mão de Maite, ansiosa porque a amiga
não dizia nada e seu rosto não transparecia qualquer reação. Aquilo era bom
ou ruim?

— Então...? – Anahí a chamou mordendo os lábios.

— Não sou médica e você sabe – Maite disse ainda lendo os papeis – Mas
aparentemente... Não tem nada de errado com você.

E era como entrar numa banheira quente após voltar da guerra...

— Você tem certeza? – Anahí perguntou insegura, se levantando da


poltrona e sentando-se ao lado da morena.
— É claro que podemos ligar pra Lex pra confirmar – Maite sugeriu – Mas
é o que diz aqui... que seu útero está em condições normais, que os seus
ovários estão funcionando perfeitamente bem, a única anormalidade que
encontraram foi a fratura por avulsão que você já sabia que tinha, de resto...
eu acho que você está bem, Any. Acho que isso aqui quer dizer que você
não vai ter problemas pra engravidar.

É claro que o alívio de Anahí foi imenso, e é claro que ela ficou insegura a
ponto de fazer questão de ligar para Lexie para ter cem por cento de certeza
daquilo que Maite e ela concluíram juntas. A cirurgiã acabou passando a
ligação para a Dra. Robbins que, após ralhar com Anahí dizendo que ela
deveria ter ido se consultar, confirmou as informações do laudo e disse que
ela muito provavelmente, de fato, estava bem. Foi o que faltava para as
duas soltarem aquele suspiro de alívio que tanto esperaram.

— Certo – Maite disse finalmente saindo do abraço da amiga que estava


quase emocionada – Eu disse que era melhor saber de uma vez, não é? Mas
você é viciada em sofrer por antecipação...

— Tente entender – Anahí enxugou os olhos – Depois de tudo o que eu


vivi... perder ainda isso...

— Ok – Maite disse segurando as mãos dela – Eu preciso te dizer algo.


Estava esperando que você descobrisse isso pra contar de uma vez, e
precisava ser hoje porque bem... você vai entender.

— O que aconteceu? – agora Anahí estava assombrada novamente.

— Ninguém sabe – Maite disse segurando as mãos dela – Vamos lá... eu


estou grávida.

— Você... – Anahí esbugalhou os olhos – O quê?

— Eu sei – Maite suspirou e mordeu os lábios – Olhe, é Natal, eu sei há


uma semana, preciso contar pro Mane, mas eu precisava contar pra minha
melhor amiga antes, é um pacto desde a infância, nós duas seríamos a
primeira a saber da gravidez uma da outra, só que eu só poderia dizer
depois que essa minha melhor amiga tivesse coragem e abrisse o resultado
dos exames, porque me sentiria horrível se tivesse acontecido comigo
quando esse sempre foi o seu sonho...

— Maite... – Anahí não conseguia acreditar. A emoção de antes voltou com


força total e ela mordia os lábios.

— Eu não planejei, é claro que não – Maite observou – Pelo visto a pílula
do dia seguinte não é tão eficaz assim... mas enfim, aconteceu. E eu
precisava te contar. Fiquei uma semana inteira te mandando abrir esses
resultados e to completamente aliviada porque eu não sei como seria contar
isso se o laudo dissesse que você não poderia ser mãe.

— Você está grávida – Anahí constatou. Mais parecia que ela não ouvia
nada – Você vai ser mãe...!

— Eu sei – a morena mordeu os lábios – Eu estou tentando não surtar.

— Não conte que o Mane não surte – Anahí disse rindo e enfiando Maite
em seu abraço novamente – Deus, eu vou chorar de novo.

— Deixa de ser manteiga derretida Anahí – ela fez uma careta gigantesca –
Pelas minhas contas foi numa das minhas primeiras transas com o Mane, eu
fiz alguma merda mas enfim, ta feito. Agora a vida vai girar de ponta a
cabeça e eu tenho que estar pronta pra isso.

— Algo me diz que mesmo no dia que ele ou ela nascer você ainda vai se
sentir do mesmo jeito, minha mãe sempre disse isso – Anahí suspirou – Eu
vou ser madrinha...!

— Sim, você vai ser madrinha – Maite constatou – E um dia eu serei


também, agora nós sabemos. Estou feliz por nós duas. E apavorada por
mim, porque você vai ter tempo pra se acostumar e se ajeitar com o Poncho
enquanto eu, em oito meses, tenho que surtar e aturar o meu namorado de
dois meses de relação surtando junto comigo.

— Que nada – Anahí negou com a cabeça – Mane vai tirar de letra, ele vai
manter toda a segurança que já tem de sobra, vai segurar as suas mãos e não
te deixar surtar.
— Ele no momento está surtando porque quer me pedir em casamento e eu
já disse que não vou casar tão cedo – Maite deu de ombros – Ele só não
sabe o porquê.

— Ele me perguntou isso – Anahí riu – "Quanto tempo nós devemos


esperar até pedir uma mulher em casamento?".

— E o que você respondeu?

— O suficiente – Anahí contou e as duas começaram a rir. Risadas de


definitivas felicidades.

Era um dia bom.

Do outro lado da cidade, ignorando o fato de que era Natal e que as lojas
estariam completamente lotadas, numa manhã um tanto gelada, Jesse
convidou seus dois melhores amigos para a busca de um presente inusitado
para Sophia. Mane e Poncho não entendiam porque ele tinha decidido
procurar aquilo em cima da hora, Jesse tinha uma explicação bem plausível.

— Não tive como vir antes porque ou estava trabalhando, ou estava com a
Sam, e ela certamente contaria pra Soph – Jesse ponderou – E estragaria
tudo.

— E que presente misterioso é esse que a Sam não pode saber...? – Mane
perguntou, mas quando ele e Poncho olharam para frente, rapidamente
entenderam.

— Bem... – Poncho riu ao encarar a fachada da loja – Acho que você não
nos traria para comprar um brinco de brilhantes, não é?

Era uma joalheria. A mensagem estava completamente clara: Jesse estava


ali para comprar um anel... porque, naquela noite de Natal, ele pediria
Sophia em casamento.

— Ah Jesse – Mane resmungou revirando os olhos e rindo – Você roubou a


minha ideia...!

— Você também vai fazer um pedido? – Poncho franziu a testa assustado.


— Eu queria – Mane suspirou – Pedi pra Any uma opinião e ela não
pareceu exatamente receptiva com a ideia, não disse mas me deu a entender
que eu deveria esperar um pouco.

— Se a melhor amiga da Maite disse isso, ouça – Jesse aconselhou.

— Vocês estão juntos há dois meses – Poncho observou – Jesse e Soph


estão se enrolando há quase cinco anos. Já não era sem tempo.

— Ficaríamos "nos enrolando durante mais algum tempo" – Jesse retrucou


com os amigos já entrando na joalheria – Mas a Any me disse algo há
algumas semanas que me fez reconsiderar... disse que eu não deveria perder
tempo. Eu tinha medo pela Sam, porque quanto à Soph estou seguro. Mas
minha filha está finalmente ficando bem. Nós merecemos isso, todos nós.

— Sim, vocês merecem – Poncho apertou o ombro do amigo.

— Nos mate de inveja de uma vez então e compre esse anel – Mane
sugeriu.

Poncho sorriu vendo Jesse quase flutuar na escolha daquele anel. Ele tinha
levado os amigos até ali para ajuda-lo a escolher o anel de Sophia, o que ele
usaria para pedi-la em casamento naquela mesma noite, mas não tinha
adiantado muito, já que, dos três, era justamente Jesse quem melhor
conhecia o gosto da própria namorada. Não houve muito espaço para Mane
ou Poncho opinarem, Jesse era bem decidido quando queria e era um tanto
objetivo. Ele escolheu o anel, pagou por ele e saiu da joalheria com o maior
sorriso do mundo, que não era, no entanto, maior do que o que ele teria nos
lábios mais tarde, quando a mulher que amava finalmente lhe dissesse sim.

— Você vai pedir na frente da Sam? – Poncho perguntou rindo.

— Não – Jesse negou – Não quero pressionar a Soph a dizer sim.

— Não que precise – Mane observou – Sophia vai dizer sim sozinha com
você ou na frente da Times Square lotada no Ano Novo Jesse, tenha essa
certeza.
— Se vocês dizem... – ele deu de ombros mas sorrindo orgulhoso – Quais
os planos pro Natal?

— Maite e eu vamos dirigir até a casa dos pais dela em Nova Jersey – Mane
comentou – Thanksgiving com as minhas mães, Natal com os pais dela, e
eu estou suando de nervoso mesmo conhecendo os dois desde que era um
fedelho.

— Não pode ser mais enlouquecedor do que foi pra ela aguentar a alegria
sufocante da sua mãe ao recebê-la – Poncho lembrou rindo. Mane balançou
a cabeça, eis que Jade ainda não tinha se recuperado da ideia de Maite e seu
filho finalmente estarem juntos.

— E você Poncho? – Jesse perguntou – Erendira e seus pais já estão na


cidade?

— Ah – Poncho riu – Não, não estão. E nem virão. Meus pais ficaram
presos em Chicago por causa da neve e a Eren ficou propositalmente presa
em Boston pra me deixar... solto... aqui.

— Solto – Jesse riu constatando. Ele entendeu exatamente a que o amigo se


referia.

— "Solto" pra se "prender" em seguida em certos braços, estou certo? –


Mane comentou rindo.

— Completamente – Poncho admitiu. Afinal, não tinha como mesmo


esconder o motivo real por aquele sorriso gigante que agora tinha nos
lábios.

Quem poderia culpa-lo? Era o primeiro Natal ao lado de Anahí. O Natal


que ele não esperava ter um ano atrás. E quem sabe, o primeiro do resto das
vidas deles.

xxx

Anahí chegou na casa da mãe, onde todos os Natais eram realizados, se


sentindo meio estúpida porque não tinha parado para perguntar à Karen ou
Ellie se a tradição continuava a mesma. Maite a acompanhou até a porta e
deram um abraço de despedida, a morena passaria a data com Mane e sua
família, mas agora ficava tranquila de saber que a melhor amiga estava sã e
salva. Anahí mal desceu do táxi e já viu Keith e Harry saindo de outro carro
e carregando um enorme pinheiro para dentro da casa. É, pelo visto as
coisas não tinham mudado tanto assim...

Era Natal e aquela data sempre significou muito para Anahí. Ela agora
pensava que seu feriado favorito não deveria ficar marcado por lembranças
ruins e de brigas com Keith. Ele era seu pai, por mais que não houvesse
carinho ou amor naquilo, ao menos não por parte dela. Ele estava sendo
bom para aquele garoto, Harry, isso Anahí tinha que admitir. Talvez eles
nunca viessem a ter uma relação de pai e filha, mas Anahí estava cansada
de brigar, aquela não era a personalidade dela. Era a hora de uma trégua.
Keith merecia isso, Karen também, a família inteira e ela, Anahí,
principalmente.

Quando Anahí entrou na casa da mãe – a porta estava aberta, e ela


rapidamente trancou – viu que a sala estava uma verdadeira confusão. Toda
a família estava ali e ela tinha sido a última a chegar. Keith agora estava
num canto da sala e ele e Harry tentavam colocar o pinheiro numa posição
que ele sabia que agradaria Karen, Arthur vinha do porão com uma enorme
caixa que Anahí sabia que continha enfeites natalinos, as voz de Ellie podia
ser ouvida da cozinha e a neta tinha certeza que ela já começava a preparar
a comida da noite. Algumas coisas, em especial as presenças, pareciam
diferentes do que ela estava acostumada, mas outras permaneciam intactas.
Ela sem dúvidas estava em casa.

— Any querida! Você veio! – Arthur disse sorrindo e abrindo os braços


para a neta assim que colocou a caixa no chão – Karen! Venha ver quem
está aqui!

É claro que a sala parou pela chegada de Anahí. Assim como Arthur fez ao
ver a neta, Ellie também veio da cozinha para abraça-la. Karen é claro,
assim que chegou à sala sorriu feliz e aliviada ao constatar que a filha não
apenas tinha ido, como chegara cedo. Não era algo que ela estava
esperando. Keith, por sua vez, não tinha coragem de ir até a filha. Ele sabia
que não tinha uma relação com Anahí e, em nome da paz no Natal –
sobretudo, em não afasta-la mais – preferiu ficar no canto admirando a
esposa e os sogros abraçarem Anahí e comemorarem sua chegada. Ele
estava feliz, dava para ver em seu sorriso, no brilho de seus olhos. Harry
notava isso e não conseguia não se sentir incomodado, afinal estava
olhando para o homem que lhe deu uma casa e que vinha lutando para que
ele se mantivesse sóbrio sendo rejeitado pela filha a quem ele tinha tanto
amor para dar. Era completamente injusto.

Anahí rapidamente se integrou das arrumações familiares e começou a


decorar a árvore de Natal com a mãe e o avô, como sempre fizeram. Só que
ela não conseguiu não reparar que bastou que ela se aproximasse para Harry
se afastar. Era óbvio que a razão de ser era sua presença e inevitavelmente a
fez se sentir mal por aquilo. E como Anahí era um tanto teimosa, é claro
que ela iria insistir.

— Você pode montar conosco se quiser – ela disse suficientemente alto para
somente Harry ouvir, como se estivesse prevendo a resposta que iria
receber.

— Não tente ser legal comigo – ele respondeu levantando e encarando-a


totalmente seco – Eu não gosto de você e isso não vai mudar.

Nada natalino.

O rosto de Anahí esquentou com aquilo, ela não esperava aquele fora. Mas
não poderia culpar Harry, já que ela não conseguia ser exatamente legal
com Keith. Imaginava como isso machucava o pai, como isso incomodava
Karen, mas ao mesmo tempo não poderia se culpar por isso. Não dava para
ser falsa, ainda mais numa relação que envolvia um pai e uma filha. Só que
ao mesmo tempo, tudo aquilo a fazia reconsiderar.

De repente Anahí se viu arrumando a árvore sozinha, já que o avô foi


buscar lenha para a lareira e Karen voltou para a cozinha para ajudar a mãe
com o que faltava. Anahí assumiu a missão de terminar a decoração. E
quando ela estava quase conseguindo, na ponta dos pés, colocar a estrela do
topo da árvore... uma voz masculina ofereceu ajuda.

— Eu posso botar pra você – Keith ofereceu com um sorriso carinhoso.


Anahí ficou sem graça, sobretudo porque percebeu que o ímpeto que
costumava vir antes, de dar uma resposta malcriada, não veio. Ela deu de
ombros, um sorriso no canto do rosto, e, para a surpresa do pai, estendeu a
estrela em questão para ele. Keith não soube ao certo como conseguiu
erguer o braço para coloca-la no topo da árvore – suas pernas tremiam ao
ver que Anahí não o havia rejeitado de costume.

— Olhe – Keith disse encarando-a, rapidamente constatando que Anahí


parecia tão sem graça quanto ele – Eu sei que você não fez isso por mim...
mas obrigado por ter vindo. Sua mãe está feliz como eu não a vejo há muito
tempo.

— Eu também estou – Anahí admitiu – Feliz como não me sinto há oito


anos.

— Fico feliz por fazer parte disso, de verdade – Keith sorriu completamente
sincero – Mesmo que de longe.

E aquela era a primeira vez que Anahí se sentia mal por não amar o pai da
maneira que ele parecia merecer.

Árvore montada, casa decorada, ceia pronta. Os Portilla estavam se


arrumando para aquela noite e Anahí acabou indo se trocar na casa dos
avós, porque o quarto que antes ocupava na casa de Karen agora era de
Harry. Ela estava colocando o mesmo suéter que usava dez anos antes em
quase todos os Natais e se encarando no espelho notando o quanto tinha
mudado tanto em alguns aspectos e nada em outros. De repente, ela piscou
e se viu tirando uma foto e enviando para Poncho. A legenda era algo que a
fazia sorrir: "lembra desse velho suéter?".

Poncho não respondeu. Ele ligou.

— Eu achei que você fosse mandar uma foto da roupa que está usando –
Anahí comentou rindo, tentando passar um batom na frente do espelho ao
mesmo tempo que falava com ele.

— Eu estou sem roupa nesse momento – Poncho respondeu totalmente


franco – Você queria que eu tirasse uma foto assim...?
De repente o corpo de Anahí foi tomado por um calor que ela não poderia
esperar, um calor que era praticamente esquecido. Por sorte Poncho não a
via, não era uma chamada de vídeo, de modo que ele jamais perceberia o
quanto ela tinha ficado vermelha como um pimentão com a ideia dele sem
roupa. O calor emergia de uma parte de seu corpo que tinha sido tão violada
nos últimos anos que ela sequer imaginava que ainda estaria viva. Que
poderia ser despertada. Era uma descoberta e tanto, e Anahí tinha que
admitir que não esperava descobrir isso àquela altura. Mas pensando bem,
não deveria ser tanta surpresa quando se tratava de Poncho e dela.

— Any? – Poncho chamou – Você ainda está aí?

— Sim, estou – ela mordeu os lábios – Fiquei sem fala, admito.

— Desculpe – Poncho pediu. O tom de voz dele pareceu preocupado.

— Não se desculpe – Anahí sentiu o rosto esquentar mais ainda – Não foi
algo ruim, eu apenas... não esperava. Desacostumei.

— Então temos que te acostumar de novo – a voz de Poncho estava


levemente maliciosa – É claro, quando você estiver pronta.

— Sim, quando eu estiver – o leve suspiro de Anahí mostrou sua ansiedade


– Então, como está o Natal com os seus pais? Erendira já chegou?

— Eles não vêm – Poncho revelou – Nevasca em Chicago. E a Erendira vai


ficar em Boston...

— E você não disse nada por quê? – ela franziu a testa – Eu teria te
convidado pra vir pra minha mãe...

— Na verdade o plano era exatamente sair do banho e te ligar


choramingando e implorando um lugar na mesa da Karen – ele confessou
sorrindo mais do que nunca.

Como se Anahí pudesse ver aquele sorriso, ela estava derretida do outro
lado da linha.
— Você não precisa implorar – Anahí respondeu encostada na parede –
Você não precisa nem de convite.

— Bom saber disso – Poncho pareceu satisfeito – Sou praticamente da


família.

— Então venha passar o Natal com os seus sogros – ela finalmente


convidou – Estou nos meus avós. Espero te encontrar lá quando chegar.

Aquele pedido Poncho jamais iria deixar de atender.

Anahí não falou nada, nem para Ellie e muito menos para Arthur, que tinha
combinado com Poncho de se encontrarem na casa de Karen. Estava
consideravelmente frio naquela noite e os avós iam abraçados ao lado dela,
Arthur dizendo que iria esquenta-la e Ellie fazendo pouco caso, mas na
verdade adorando. Anahí caminhava imaginando se ela e Poncho estariam
muito diferentes se não tivessem se passado os oito anos do hiatus.

E logo ela se deu conta, quando o viu sentado nos degraus do deck da casa
da mãe dela, que provavelmente ela teria aquela resposta dali oito anos.

— Ellie? – Arthur sussurrou para a esposa – Estou vendo coisas ou aquele


ali é o Poncho?

— Não está Arthur – Ellie respondeu rindo – Você é velho, não cego.

— Ah – Arthur riu, embora percebesse que a esposa tinha caçoado dele –


Isso significa o que eu estou pensando? Será que posso comemorar?

— Acho que temos que entrar pra que possa acontecer o que queremos
comemorar...

Ellie estava certa. Anahí prendia a risada para não rir dos avós, vendo
Poncho se levantar sorrindo e ao mesmo tempo atento com a expectativa
que saía dos olhos dos dois. Foi surpreendente ver Arthur conseguindo
conter a própria expectativa e entrando direto após cumprimentar Poncho,
já que de Ellie já se poderia esperar isso. Ele sabia que os dois só estavam
deixando a neta para trás porque ela estava agora acompanhada da pessoa
que, provavelmente, se estiraria no chão antes de deixar que algo mais lhe
acontecesse.

— Bonito suéter – Poncho comentou sorrindo para ela.

A resposta veio na boca de Anahí – elogiar o suéter dele também, que era
de um vermelho bem vivo, tom de sangue. Mas a primeira coisa que veio à
mente dela foi Poncho sem camisa. Sua última lembrança se misturava com
sua imaginação, ela já não sabia mais o que era o que, além de uma
constatação óbvia: ela precisava urgentemente atualizar aquela imagem
mental.

— O seu também – Anahí respondeu se aproximando dele – Apesar que eu


preferia que você estivesse sem ele.

E foi a vez de Poncho perder a fala.

E aquele mesmo calor que ela sentiu mais cedo correu por dentro do corpo
dele. Só que agora eles não estavam separados por uma ligação telefônica,
de modo que nada impediu Poncho de pega-la pela nuca e dar o beijo cheio
de paixão que ainda se lembrava de como era. A boca de Anahí estava
gostosa e quente e ela não estremeceu por aquele beijo. Pelo contrário,
correspondeu com muita paixão, envolvendo o braço no pescoço dele e
enroscando o dedo em seus cabelos. Um beijo de saudade que fazia pegar
fogo mesmo no gelo que estava lá fora. Um beijo que fez Anahí, quando os
dois se separaram, continuar de olhos fechados, sentindo que ao menos para
uma coisa aquela maldita distância de oito anos tinha servido: agora ela
sabia que jamais seria capaz de deixar que Poncho se fosse de sua vida
novamente.

— Vamos entrar? – ela propôs, entrelaçando os dedos nos dele.

— Sim – Poncho concordou de imediato – Sim, vamos.

Provavelmente o primeiro Natal de muitos que começava daquele jeito...

~
Ahhhhhhhh o Natal ❤

E aí, gostaram do capítulo? Não que eu ache que tenha como não gostar
hahahahaha. Porque afinal temos Maite grávida, Anahí descobrindo que não
é estéril e começando a abrir o coração pro Keith, Jesse comprando anel pra
pedir a Sophia em casamento, AyA... em suma, amor demais!!!

Depois de muitos capítulos focados basicamente em AyA, no próximo


veremos a quantas estão os outros casais. Podem ficar tranquilas que os
protagonistas não vão sumir! No 48 tem ceninha deles também!

Até a próxima quinta!

Beijos,

Rafa
Capítulo 48 - Thanks for coming back to me

A única coisa que passava pela cabeça de Mane enquanto dirigia para a casa
dos pais de Maite em Nova Jersey é que ele tinha que dar certa razão para
Anahí quando vetou a ideia dele pedir a namorada em casamento. Mane
estava, naquele Natal, indo jantar com os pais de Maite pela primeira vez. É
claro, ele já conhecia Javier e Victoria há séculos, mas nunca tinha ido na
casa dos dois como namorado da única filha deles. Talvez fosse melhor dar
um passo de cada vez, eis que, por mais que ele fosse apaixonado por ela há
séculos, os dois estavam juntos há somente dois meses. Eles teriam tempo.

Maite também estava calada no banco do carona porque ela e Mane tinham
saído tão apressados que não conseguira encontrar o momento ideal para
contar para ele a novidade. Maite sentia que deveria dizer aquilo em algum
momento, fosse para que os dois pudessem se decidir se era melhor contar
aos pais dela de uma vez, fosse porque não aguentava mais guardar a
notícia para si. Só que mesmo seguindo no caminho inteiro, foi só na porta
da casa dos pais que ela decidiu falar de uma vez.

— Amor? – Mane a chamou – Nós chegamos. Você dormiu...?

— Não – Maite negou com a cabeça – Eu vi que chegamos.

— Você não saiu do carro – ele estranhou – Aconteceu alguma coisa, Luna?

— Não Cielo, não se preocupe – ela riu da preocupação dele – Quer dizer...
sim. Tem uma coisa que eu preciso contar.

— O que foi? – a testa de Mane parecia mais franzida do que nunca – Você
não contou aos seus pais que nós estamos juntos e que eu viria hoje?

— Eu contei – Maite esclareceu, vendo-o suspirar aliviado – Não é isso.


Você ta nervoso?

— Um pouco – ele admitiu – Eu venho de uma família... excêntrica. Duas


mães, uma delas mais escandalosa do que o recomendado... e os seus pais
são tranquilos, eu não sei bem como me portar.
— Não esqueça que nossas famílias se conhecem desde sempre e que suas
duas mães, mesmo a escandalosa, são amigas da minha – Maite ressaltou
rindo – Minha mãe não se assustou nem mesmo quando Jade perguntou a
ela o horário que eu nasci pra fazer o meu mapa astral e combinar com o
seu.

— Se a astrologia da minha mãe não assustou a sua, nada mais assusta –


Mane voltou a rir balançando a cabeça – Ok, fiquei mais tranquilo agora.

— Ótimo – Maite disse se ajeitando e segurando as mãos dele – Me perdoe


pelo meu timing ser horrível, eu não encontrei hora melhor pra contar isso.

— Contar o que Luna? – Mane dizia agora não tão assustado, mas não
menos ansioso para saber de uma vez a que ela se referia.

— Eu to grávida – ela entregou.

E se Mane estava tranquilo, aquilo acabou indo por terra exatamente


naquele segundo.

— O quê...? – ele perguntou completamente atordoado. Em seu redor o


mundo parecia girar.

— Eu estou grávida – Maite repetiu – Nós vamos ter um bebê. Vamos ser
pais.

— Isso é sério? – Mane não conseguia acreditar – Real?

— Ai que ótimo, você odiou – ela fechou os olhos incrédula.

— Luna, não, eu... eu não odiei... – Mane disse apertando as mãos dela e
trazendo-a para perto – Eu apenas... eu não consigo...

— A ficha não cai? – Maite perguntou. Ela sabia como era se sentir assim –
Eu fiquei mais ou menos desse jeito quando descobri.

— Quando você descobriu...? – Mane questionou – Porque você ta muito


calma pra ter descoberto essa manhã.
— Há uma semana – ela admitiu – Desculpe, eu sei que deveria ter contado
antes. É só que... eu precisava falar com a Anahí antes de te contar. Ela
sofreu duas perdas de crianças, fez exames pra ver se ainda pode ser mãe, e
ainda não tinha aberto os resultados... eu precisava ter esse momento com
ela antes de... me desculpe.

— Luna, você não precisa se desculpar – Mane a trouxe para perto a


encaixando num abraço – Eu sei o quanto você e a Anahí são ligadas, eu
entendo perfeitamente. É só que... eu não esperava. A própria Anahí me
disse que era cedo demais pra eu te pedir em casamento, e você me fala
cinco minutos antes de entrarmos na casa dos seus pais pela primeira vez
como um casal que você está grávida do nosso filho. É difícil não surtar.

— Você iria me pedir em casamento...? – ela arregalou os olhos – Mane!

— Agora não fica tão ruim né? – ele riu – Nós vamos ter um filho.

— Isso quer dizer que temos que nos casar? – Maite pareceu ofendida –
Que ideia mais antiquada.

— Eu não quero casar com você porque te engravidei, quero casar porque
eu amo você – Mane admitiu olhando no fundo dos olhos dela – Mesmo
parecendo cedo demais, isso não vai mudar por estarmos juntos há dois
meses. Daqui a dois anos, vinte anos, vai ser a mesma coisa.

— Um passo de cada vez – Maite pediu – Mesmo os passos sendo fora de


ordem...

— Eu não entendo, você surta com casamento mas com gravidez não?

— Eu sou traumatizada com casamento – Maite admitiu – Talvez com o


tempo passe, mas agora ainda é assim. Agora, um filho? Isso não me
assusta. Eu sei que você vai ser um pai maravilhoso, eu te conheço a minha
vida inteira. Nós vamos ficar bem... – Maite disse segurando a mão dele e
levando à sua barriga – Nós três.

— Deus, eu amo você – Mane a abraçou com todo o carinho que tinha em
si – Vocês... – ele rapidamente se corrigiu – E vou me agarrar nisso pra não
surtar pela primeira vez que visito os meus sogros, vou contar que
engravidei a filha deles.

— Nós não vamos contar agora – Maite decidiu entrelaçando os dedos dos
dois – A novidade é só nossa por enquanto.

Mane concordou e logo os dois se viram saindo do carro, pegando a garrafa


de vinho que tinham levado e indo para a porta dos pais dela. Agora sim ela
estava pronta para entrar, já que já tinha compartilhado com ele a notícia
mais importante da vida dos dois e deixado Mane tão apreensivo quanto ela
tinha ficado ao descobrir. Era um êxtase, medo e nervosismo, felicidade e
surpresa, tudo junto. Mas no final Maite sabia que só restariam os
sentimentos bons e que o que quer que o destino reservasse para os dois, a
única certeza é que eles ficariam bem.

xxx

Jesse e Sophia já esperavam que aquele não fosse o Natal mais animado da
vida de Samantha, pelo contrário, era o primeiro que a menina passava sem
a mãe. Por isso os dois prepararam todo tipo de coisa para distrair a menina
e deixa-la feliz. Era melhor um Natal calmo e sem grandes surpresas ou
presenças, fato este que fez ambos pedirem que as mães dos dois e as irmãs
de Jesse não aparecessem, de modo que somente os três ficariam ali -
quatro, se contassem com Frankie, a cachorrinha deles.

No fim Samantha ficou menos desanimada do que se imaginava. Os três


cearam e depois se sentaram no sofá juntos, as duas praticamente jogadas
sobre Jesse, assistindo O Grinch. Como uma família. Estavam cobertos pela
mesma manta, a sala estava sob uma penumbra com a árvore de Natal
iluminando a sala com as luzes coloridas.

Não veio com nenhuma surpresa a constatação de que Samantha dormiu no


peito do pai antes do fim do filme. Jesse cutucou Sophia para que ela visse
aquilo sem que ele precisasse fazer qualquer gesto e logo a namorada se
levantou para que ele tivesse espaço para sair dali e levar a filha para a
cama. Samantha se mexeu um pouco quando o pai a ergueu no colo, mas
estava sonolenta o suficiente para continuar um tanto apagada. Ela só foi
acordar quando foi colocada na cama, ao notar que Jesse a deixaria ali e
sairia, que esfregou o olho bocejando e finalmente falou.

— Papai? Já é Natal?

— Amanhã vai ser – Jesse beijou a testa dela – Durma meu amor.

— Será que o Papai Noel vai lembrar de trazer o que eu pedi?

— Eu acho que sim – ele respondeu se lembrando do Twister que Samantha


tinha cobiçado desde que viu na prateleira da loja – O que você pediu?

— Um irmãozinho... – a menina disse abrindo o sorriso travesso de sempre.

Ops...

— Eu acho que o Papai Noel não pode dar essas coisas – Jesse respondeu
rindo e fazendo carinho na cabeça dela – Durma bem filha. Feliz Natal.

— Feliz Natal papai – Samantha respondeu bocejando e se entregando de


volta ao sono.

Enfim.

Jesse voltou rindo para a sala vendo que Sophia já desligava o bluray e
dobrava a coberta que os cobria logo antes. A risada dele chamou sua
atenção e imediatamente ela se virou para ele para saber do que achava
graça.

— Adivinhe o pedido que sua filha fez ao Papai Noel – Jesse comentou e
Sophia não conseguiu não sorrir com o modo com o qual ele se referiu à
menina – Um irmão.

— Ah, eu sabia disso – ela riu negando com a cabeça – Eu li a cartinha que
ela fez pra garantir que compraria o jogo certo. No final dizia "se não der,
pode ser um Twister".

— Ela é inacreditável – Jesse se jogou no sofá rindo com vontade, vendo


Sophia deixar as arrumações de lado e se sentar ao lado dele – Cismou com
isso agora.

— Nós precisamos falar isso com o Dr. Lewis – Sophia divagou pensativa –
Pra ver se isso realmente faria bem pra ela.

— Nós não podemos ter um filho só pra dar um irmão pra Sam – Jesse
retrucou, mas a resposta dela estava na ponta da língua.

— Eu não teria por isso – ela observou – Eu teria porque eu quero ter um
filho com você Jesse.

E aquela resposta os colocava exatamente onde Jesse queria estar... como se


Sophia fosse capaz de adivinhar...

— Certo – Jesse disse se virando para ela e segurando seu rosto – Eu


também.

— Eu sei que talvez não seja o melhor momento pra nós, mas e se for o
melhor momento pra Sam? – Sophia insistiu – A gente não deveria
considerar?

— Soph... tem algo que vem antes – Jesse ressaltou – Acho que você sabe o
que é.

— Você é irritantemente metódico – Sophia revirou os olhos – Nós já


fizemos tudo errado, fizemos tudo confuso... éramos amigos e viramos
sócios, eu criei a sua filha junto com você e com a mãe dela, nós
namoramos e moramos juntos e terminamos pra depois continuarmos
sócios, e então veio aquela bagunça toda de você com a sua ex e a depois a
Torrey... e quando nós piscamos estávamos morando na mesma casa,
estávamos dormindo na mesma cama, antes sem sexo, depois com sexo,
então você realmente acha que...

— Shhhhhhh... – Jesse pediu – Você fala demais às vezes. Me deixe falar


um pouco.

— Falar o quê? – ela ergueu a sobrancelha.


A resposta, contudo, não veio em palavras, mas sim num gesto. Num
simples gesto. Um simples colocar a mão no bolso e puxar uma caixinha,
gesto este que Sophia não viu no começo, mas percebeu no final. E fez o
seu mundo inteiro parar.

— Meu Deus – foi tudo o que ela conseguiu murmurar.

— Eu não me importo – Jesse começou dizendo – Se nós seguimos um


caminho completamente torto. Se nós pegamos atalhos e se fugimos do
convencional... não importa, honestamente. Agora eu estou aqui, com você.
Eu não estou fazendo isso porque é o certo, estou fazendo porque é o que eu
quero. O que eu mais quero. Então sim, eu quero ter um filho com você e
eu me sentiria incrível dando um irmão pra Sam, em ensinar uma criança
nossa a te chamar de mãe desde o início. Só que antes disso tudo eu quero
poder te encontrar no altar... eu quero ouvir você lá dizendo sim pra mim.
Mas pra isso... antes você precisa dizer outro sim.

— Eu não esperava por isso – Sophia disse às lágrimas.

— As melhores coisas são as que nós não esperamos... – Jesse completou


ansioso pela resposta dela – Então...? Não me faça esperar mais...

— Jesse... – ela disse num suspiro aliviado com o maior sorriso que tinha
estampado no rosto – Eu jamais diria não pra você. Eu te amo.

— Estou interpretando isso como um sim – ele disse mordendo os lábios


colocando o anel no dedo dela.

— Pode interpretar – Sophia confirmou envolvendo-o em seus braços – Eu


amo você. Sim.

Era tudo o que ele precisava ouvir.

O dedo com o anel agora brilhante, tal como todos os outros, se enroscaram
nos cabelos de Jesse quando Sophia o beijou. Mas não brilhava mais que
seus olhos, agora fechados sentindo a boca dele. Provavelmente se desse
para enxergar o interior de seu corpo, se veria o que realmente brilhava. Era
o melhor Natal possível e eles agora sabiam que estavam prestes a começar
a viver a melhor vida de suas vidas. E era realmente apenas o começo.

xxx

Nem todos os Natais estavam sendo os melhores possíveis.

Tal como fizera no Thanksgiving, Lexie passaria o Natal na casa de


Meredith. A irmã repetiu o convite da data anterior não apenas para ela,
mas para todos os envolvidos. Desta forma, além dela, Lexie e Derek com
as crianças, estariam presentes Amelia, Callie, Arizona, Sofia e é claro,
Mark.

Lexie se valia do fato de que Jackson estaria de plantão na noite de Natal


para fazer a mesma coisa que tinha feito no Thanksgiving: estar próxima de
Mark. Agora faltava pouco mais de um mês para a data marcada para o seu
casamento e ela estava tão distante de tomar uma decisão quanto em
qualquer outro momento, mas isso para Lexie não importava. Ela não via o
futuro, não via o casamento com Jackson se aproximando, a não ser que
fosse para servir para o fato de que ela tinha que aproveitar com Mark todo
o tempo que ainda restava... só que dessa vez com mais cuidado, já que não
apenas as crianças estariam de olho neles, mas Derek não perderia uma
oportunidade de lançar um olhar cheio de censura.

No início da noite Lexie veio direto do hospital para a casa da irmã mais
velha e encontrou um cenário parecido com o que já tinha visto no
Thanksgiving: Meredith bem longe da cozinha, Derek com as crianças,
Arizona comandando o preparo da ceia com Amelia e Callie por perto.
Dessa vez Mark estava lá, cozinhando com elas, já que em matéria de
culinária Arizona e ele eram definitivamente parceiros. E é claro que mal
Lexie entrou na cozinha os dois já trocaram um olhar intenso, com a
diferença de que agora todos já sabiam o que acontecia ali.

— Eu não deveria perguntar já que a Callie me proibiu de me meter –


Arizona disse entre dentes – Mas quando vocês dois vão resolver isso?

Ela falava com Mark, enquanto Lexie estava a uma distância suficiente
conversando com a própria Callie, ambas incapazes de ouvi-los.
— Eu não tenho nada pra resolver, quem tem é ela – Mark disse com os
olhos fixos em Lexie – Eu não posso força-la, nem obriga-la. Tenho medo
de pressionar e acabar perdendo-a.

— E você não tem medo de não falar nada e acabar perdendo-a do mesmo
jeito...? – Arizona questionou – Ela não está fazendo qualquer esforço pra
encarar de frente o fato de que se casa no fim do mês que vem.

— Eu sei – Mark admitiu mordendo os lábios.

— Você não pode falar nada, mas eu posso – Amelia cantarolou


provocando como sempre – Quer dizer, a mim a Callie não pode proibir.

— Amelia... – Mark começou a falar em tom de censura, mas não adiantou.

— Shhhhh, eu sou mentora dela, mentoras servem pra isso, pra se meter –
Amelia piscou, rapidamente deixando claro que ninguém a seguraria –
Deixe comigo.

Mark não esperava boa coisa disso, mas a verdade é que as palavras de
Arizona mexeram com ele. Era a primeira vez que alguém – exceto Derek,
mas este não era ouvido – o confrontava com o que ele pensava, mas nunca
em voz alta. Mark sabia que Lexie estava caminhando para deixar tudo para
ser resolvido na última hora e sabia mais ainda que aquilo significava que
ela provavelmente não tinha, e nem teria, coragem para terminar o noivado
com Jackson. Afinal, se Lexie realmente pretendesse acabar com tudo, faria
naquele momento. Quanto mais próximos eles ficavam da data do
casamento, menor a chance dela decidir aquilo, já que mais complicadas as
coisas ficariam.

Então Mark acabou percebendo que Arizona tinha razão, ele tinha que
confrontar Lexie. Não iria deixar para Amelia fazer o que era dever seu. Ele
iria colocar a amante contra a parede e deixar claro que era ele ou Jackson.
Mark não queria criar ilusões, não queria deixar que Lexie o machucasse.
Ele já tinha vivido uma vez aquela história com Addison e Derek e acabou
preterido. Se tinha doído da primeira vez, nessa certamente ele terminaria
devastado. Afinal, Lexie – e não Addison – era o grande amor da vida dele,
a mulher com quem ele queria passar a vida e, portanto, aquela com
capacidade e potencial para destrui-lo, caminhando cada vez mais certeira
para aquele fim.

Só que Mark acabou esperando demais por aquela chance. Quando ele
finalmente viu Lexie sozinha e resolveu se aproximar, a campainha tocou e
uma voz conhecida – e nem um pouco desejada – entrou ali. Era Jackson.
Ele não estava sozinho, tinha vindo com Alex Karev, o melhor amigo de
Meredith, e a noiva dele, Jo Wilson. Só que ao contrário do casal cuja
presença era esperada, ninguém achava que Jackson apareceria ali... Lexie e
Mark principalmente.

— Gostou da surpresa...? – Jackson perguntou à noiva vendo a expressão de


completo espanto no rosto de Lexie ao vê-lo ali.

— Eu... – ela sequer conseguia responder. O que faria, mentir? Diria que
tinha gostado quando não era assim? – Eu achei que você fosse...

— Ficar no hospital? – ele completou vendo-a assentir – Eu deixei tudo


com os residentes. Está sob controle, caso aconteça algo irão me bipar.

— Você é louco de confiar neles – Lexie respondeu ainda sem saber bem o
que dizer – Espero que seu chefe não fique irritado com isso.

— Sloan? – Jackson disse percorrendo a sala e vendo que Mark os


observava, passando a mão pela cintura dela após constatar – Talvez ele
fique, mas por outro motivo.

Jackson achou que não, mas Lexie entendeu exatamente a que o noivo se
referia ao falar aquilo. Ela não precisava olhar para Mark para saber que ele
os observava, até porque o gesto de Jackson de abraça-la de lado tinha sido
somente para marcar terreno... Lexie sabia. Só que tudo aquilo era péssimo.
Lexie planejava escapar dali assim que desse meia noite para qualquer lugar
onde ela e Mark pudessem estar sozinhos, dentro ou fora da casa, e os
planos tinham acabado de naufragar. Agora teria que fingir a noite inteira
que estava feliz pelo noivo estar ali quando definitivamente não era assim
que ela se sentia.
Lexie acreditou realmente que, com a presença de Jackson, Mark fosse se
manter distante. Ledo engano. Depois que todos cearam ela foi até o
banheiro, quando percebeu que Jackson estava absorto em um debate
cirúrgico entre Karev, Amelia e Derek e sequer notou que a noiva tinha
saído. Para Mark aquela era a hora certa.

Foi quando Lexie saiu do banheiro que Mark a puxou para a área de
serviço. Ela arregalou os olhos prestes a dizer que ele não poderia fazer
aquilo, que era louco, que certamente Jackson os veria daquele jeito... mas
nada do que Lexie tentou balbuciar impediu Mark. Ele rapidamente parou
em um canto onde ninguém poderia vê-los e a encarou um tanto sério.

— Você ficou louco...? – Lexie parecia ofegante, apenas não sabia se era
medo ou a pura adrenalina – Se alguém nos ver...

— Eu amo você.

Foi o gatilho para o coração dela simplesmente enlouquecer. Não apenas


ele, mas todo o corpo de Lexie reagiu, não apenas nos sentidos, mas seu
cérebro enlouqueceu. Mark nunca disse que a amava. Ele tinha escolhido
justamente aquele momento para confessar os seus sentimentos... num canto
escondido na casa da irmã dela, no Natal, com todos os amigos e familiares
dos dois próximos, inclusive o noivo dela. Era completamente
inconveniente, mas Lexie sabia que tinha uma razão para ele dizer justo ali,
justo naquele momento.

— Mark... – o fio de voz dela soltou. Lexie estava mais atordoada do que
esteve sua vida inteira.

— Eu nunca senti por ninguém o que eu sinto por você – Mark insistiu –
Você é a mulher da minha vida. Isso não vai mudar, nós fiquemos juntos ou
não.

— Você... você nunca... – Lexie se abominava por não conseguir formular


uma frase completa.

— Eu disse uma vez que ainda era apaixonado por você, lembra? – Mark a
trouxe de volta ao passado – Você estava com o Karev. Eu me declarei...
você disse que estava namorando. Lembra da resposta que eu te dei?

— É claro que eu me lembro – ela devolveu – Você disse... que eu poderia


ter um marido... se quisesse...

— Você pode – Mark insistiu – Você vai ter. Se você casar com ele...
Jackson é um bom homem, e tenho certeza que ele vai ser bom pra você...
mas se eu ocupo em você o mesmo lugar que você ocupa em mim... eu sei
que só eu serei capaz de te transbordar.

Mais uma vez ela foi incapaz de conseguir responder. Os lábios de Lexie
tremiam, ela definitivamente não esperava por aquilo. Por sorte estava
encostada contra a parede, do contrário suas pernas já a teriam derrubado,
elas fraquejavam.

— Eu sei que não é algo fácil – Mark continuou – Terminar um noivado...


um mês antes do casamento... eu sei disso. Mas o que nós temos... Lex, o
que a gente sente um pelo outro é uma coisa que as pessoas procuram sentir
a vida inteira. Nós não podemos simplesmente jogar pro alto. Por isso que
eu to te pedindo... deixe-o. Me escolha. Escolha a nós dois. Eu vou
compensar a dificuldade, eu vou te fazer feliz até nos dias mais
miseráveis...

— Eu sei que vai – Lexie mordeu os lábios desviando o olhar – Mas eu não
sei se eu sou o suficiente pra você. Da primeira vez foi a sua filha que
apareceu, da segunda você tinha engravidado a Callie... nós não queremos a
mesma coisa, nunca quisemos...

— Eu já tive tudo o que queria e mesmo assim não me senti completo –


Mark devolveu – Eu tentei de tudo, outras coisas, outras mulheres... mas
nada me faz me sentir como você faz. Eu não sei quanto tempo você vai
demorar pra se decidir Lex, mas é melhor que nós não tenhamos nada até
lá. Apenas pense. Porque eu vou estar aqui pra você porque eu te amo, mas
não posso esperar pra sempre.

O recado estava dado. Mark saiu em seguida, porque ficar ali ainda mais
tempo era brincar com a sorte. Lexie, por sua vez, não voltaria tão cedo. Ela
se afundou na parede quando ele desapareceu, sentindo que desmancharia a
qualquer momento, tomada pela vontade de chorar. Ela estava
completamente perdida mas, ao mesmo tempo, sabia exatamente o que
queria. A única coisa que faltava era a coragem necessária de ir atrás.

xxx

Quando Anahí entrou de mãos dadas com Poncho na casa de sua mãe, a
primeira visão que ela teve foi de um agoniado Arthur que esticava o
pescoço para sua visão alcançar a porta e ver a hora que a neta entrasse,
certamente esperando que o que quer que acontecesse confirmasse suas
suspeitas. Ela viu o avô quase dar um pulo ao reparar que a neta não
somente estava com o ex-namorado, como eles entravam definitivamente
demonstrando que estavam juntos.

— Ela veio no Thanksgiving com um cara e agora está com outro...? –


Harry perguntou num sussurro à Keith, levemente debochado, franzindo a
sobrancelha.

— Esse não é qualquer cara – Keith ressaltou – Ele é "o cara".

— Como assim?

— Observe as reações... – Keith disse cruzando os braços e abrindo um


sorriso no canto da boca.

Ele não era o único a esperar desesperadamente por aquele momento.

— Poncho...? – Karen, uma das únicas que não sabia que o ex-genro
estaria ali, se aproximou com um misto de sorriso e surpresa no rosto.

— Feliz Natal Karen – Poncho disse abraçando-a – A Any disse que não
tinha problema que eu viesse pra cá...

— Ora, é claro que não querido – Karen negou ainda abismada – Ande,
vamos, você está em casa.

— Ah meu filho! – Arthur caminhou a passos largos e galopantes – Eu


estou tão feliz de te ter aqui no Natal...!
— O que aconteceu com seus pais? – foi a vez de Ellie falar – Pensei que
eles viriam pra cidade...

— Nevasca em Chicago – Poncho deu de ombros – Erendira ficou em


Boston, e bem... eu passaria o Natal sozinho...

— Absolutamente não – Arthur negou – Eu ficaria ofendido se você não


viesse ficar conosco, vamos lá, é o primeiro Natal da Any em casa... é claro
que você deveria estar.

— Você estava no último – Ellie lembrou – Seus pais também não puderam
vir...

— Agora quero vocês dois em todos os Natais aqui enquanto eu viver –


Arthur exigiu – Inclusive já podem providenciar que os próximos estejam
cheios de crianças correndo por aqui!

— Papai – Karen resmungou entre os dentes.

— O quê? – Arthur resmungou – Você acha que essas mãos dadas querem
dizer o que, Karen?

— Arthur, não seja inconveniente – Ellie revirou os olhos.

— Não se faça de boba Ellie, você mesma disse no outro dia que não vê a
hora de ser bisavó...!

— Ok – Anahí disse interrompendo a discussão antes que seu rosto pegasse


fogo de vez – Que tal nós irmos cear? Mamãe, já está tudo pronto?

— Completamente – Karen aplaudiu – Uma ótima ideia querida.

Era uma maneira de pulverizar os presentes, mas logo viram que não
adiantaria tanto. Poncho se adiantou para cumprimentar Keith e ser
apresentado a Harry, não demorou cinco minutos para notar que ele e a
"irmã" não exatamente estavam se dando bem. Mas logo todos se sentaram
à mesa, Ellie fez a tradicional oração natalina com a qual Poncho quase se
desacostumou e logo todos estavam ceando.
Dava para ver há quilômetros de distância a felicidade que Karen sentia
naquele momento. Ela estava ali, num Natal, pela primeira vez com toda a
sua família, todas as pessoas que mais amava. Por mais que ainda não se
tratassem como pai e filha, Keith e Anahí estavam se dando um pouco
melhor. Aos poucos Harry, que agora era um filho caçula, se integrava à
família. O improvável acontecia com Anahí e Poncho voltando a se
envolver. E todos eles, junto com seus pais, o casamento mais sólido que
ela conhecia, estavam ali, na mesma mesa. Ao ver todos rindo e
conversando como uma família, Karen discretamente fechou os olhos. Ela
só tinha a agradecer.

Quando a ceia terminou e era quase meia-noite, Anahí viu Poncho se afastar
e sentar-se ao canto da sala, longe de todos. Enquanto a família tirava a
mesa, ela discretamente foi até ele e sentou ao seu lado, vendo então que ele
estava ao telefone. Ela não precisava ouvir pra saber com quem você falava.

— E como está sendo o Natal? Você está gostando, está feliz? – Poncho
perguntou com o sorriso mais bobo. Anahí sorriu também ao vê-lo assim,
sem dúvidas a versão dele pai era agora a que mais gostava – Que bom meu
amor. Eu também estou com saudade. Dê um beijo em todos aí, ok? Eu amo
você Dani. Nós nos vemos daqui a alguns dias.

Anahí viu toda a nostalgia que Poncho sentia ao desligar. Por mais que ele a
amasse, por mais que estivesse radiante por passar um Natal novamente
com ela, sempre faltaria um pedaço por ele não estar ao lado do filho e ela
entendia. Se fosse mãe provavelmente também seria assim com ela, foi o
que ela pensou ao vê-lo desligar o telefone e olhar com carinho para a foto
com o filho, no fundo de tela.

— Desculpe – Poncho murmurou – Desde que ele nasceu, nós nunca


passamos um Natal separados.

— Não se desculpe – ela pediu – Eu entendo.

— O primeiro Natal sem você foi horrível – ele admitiu. Anahí ergueu as
sobrancelhas, Poncho nunca havia falado concretamente da ausência dela –
Eu simplesmente não saí de casa. Meus pais vieram pra Nova York, eu
estava no apartamento da Erendira, eu... eles estavam desesperados.
Achavam que eu nunca iria superar aquilo.

— Eu fico feliz que você tenha superado – Anahí disse segurando a mão
dele. Ao encara-la, Poncho viu que ela era sincera em seu sorriso – Porque
mesmo você tendo seguido em frente, eu senti desde o primeiro abraço que
ainda existia algo de mim dentro de você.

— Nunca deixou de ter – Poncho garantiu – É que... ele me salvou. Eu não


sei o que teria sido sem. Acho que foi isso que me fez amar a Diana, a
perspectiva que ela me deu ao ser pai, viver aquilo... desculpe, eu não
deveria estar falando dela no nosso novo primeiro Natal.

— Eu não me incomodo – ela negou rindo – Ela sempre vai fazer parte da
sua história.

— Sim – ele admitiu – Mas é um capítulo. Você... eu quero que seja o resto
do livro. É com você que eu quero escrever o meu final feliz, só que dessa
vez real.

Agora ela não precisava ouvir mais nada. A melancolia que Poncho sentia
antes por estar distante de Daniel se dissipou quando Anahí entrou nos
braços dele. Ele sabia que demoraria a poder ter os dois juntos em sua vida,
estar realmente completo... mas enquanto não era possível, se esforçaria
para sentir bem com aquela sua outra metade.

— Feliz Natal meu amor – ele desejou beijando a boca dela – Obrigado por
voltar pra mim.

Realmente feliz. Realmente Natal.

Quem é você nesse capítulo? Aquela que tava doida de saudade dos casais
coadjuvantes? Aquela que passou o capítulo todo esperando AyA? Ou
aquela que amou tudo?
Me contem! Não pensemmmm que eu vou parar de colocar os
protagonistas. Até porque, ja digo pra se prepararem pros caps 50 e 51.
Muito amor por aí!

Me digammm o que acharam!

Beijos,

Rafa
Capítulo 49 - Still friends?

— Mas pra que serve isso...? – a voz de Anahí soltou aquela pergunta mais
confusa do que nunca.

— Pra postar fotos – Poncho rapidamente explicou – Compartilhar


momentos...

— Mas já não postamos fotos no Facebook? No Twitter? – ela perguntou


ainda confusa.

— Sim, mas aqui é só pra postar, mais nada – ele voltou a explicar – Como
se você postasse todas as fotos importantes, dos momentos importantes da
sua vida. E também tem o stories...

— Que é...? – a testa de Anahí franziu. Quanto mais ele explicava, menos
ela entendia.

— Uma ferramenta pra que as pessoas postem coisas rápidas, cotidianas do


dia-a-dia, como o lugar que estão comendo, a careta dos filhos... – Poncho
deu de ombros. As redes sociais pareciam idiotas quando eram explicadas
daquela maneira.

— Ou seja, pra que o resto do mundo saiba absolutamente tudo o que você
está fazendo – Anahí concluiu. Ele tinha que admitir, não conseguiria dar
resposta melhor.

— Um pouco – Poncho riu – Mas você se acostuma, já está se acostumando


com o iPhone, também se acostuma com as redes sociais, não é tão difícil.

— Pra mim é globalização demais – a careta dela é imensa.

— Também – Poncho ressaltou – Mas isso é porque você acabou de voltar a


essa realidade, então está estranhando. Se tivesse aqui o tempo todo nem
perceberia que chegamos a esse ponto.
— Você precisa me ajudar nessa transição, porque provavelmente meus
avós sabem mais de Instagram do que eu – ela coçou a cabeça pouco
satisfeita.

— Eu te ajudo mexendo pelo meu – Poncho respondeu tirando o celular do


bolso e rapidamente desbloqueando – Não tem mistério algum... olhe, o
Instagram é esse ícone colorido, o anterior era mais bonito, mas o que se
pode fazer...? Então, essas imagens grandes que aparecem logo de cara são
as postagens, essas ficam pra sempre, toda vez que você vai ao feed da
pessoa, elas estarão lá. Os stories somem depois de 24 horas, a não ser que
a pessoa salve e eles fiquem por mais tempo...

— Quanto mais você fala desse stories, mais sem sentido eu acho – Anahí
suspirou.

— Você se acostuma – ele insistiu – Olhe, vamos ver o que Sophia postou,
como foi o Natal dela.

Poncho rapidamente clicou na bolinha na parte superior do aplicativo que


indicava que Sophia tinha postado algo na última noite, a noite de Natal. A
imagem que veio a seguir e que tinha revelado como a noite da amiga havia
sido não era uma surpresa para ele, já que Poncho já sabia de antemão da
novidade de Sophia através de Jesse. Anahí, por sua vez, não sabia. A foto
em questão era dela e de Jesse com os rostos e testas colados, sorrisos
enormes um de frente para o outro e a mão dela na bochecha dele, como se
fizesse carinho em seu rosto. Uma foto natural de um casal que passava o
Natal junto, que seria totalmente cotidiana, se não fosse pelo anel de
noivado reluzente que brilhava no dedo anelar direito de Sophia.

Impossível de não ser percebido.

— Meu Deus...! – Anahí exclamou ao mesmo tempo que Poncho riu da


reação dela, já que ela não perdeu tempo em tomar o celular da mão dele –
Eles estão noivos? Jesse pediu a mão dela...?

— E você acabou de descobrir a grande função do stories em divulgar a


intimidade alheia – Poncho constatou prendendo o riso.
— Ah, para! – Anahí deu um tapinha de leve no ombro dele – Eu aposto
como você já sabia.

— Comprei o anel com ele ontem pela manhã – ele deu de ombros.

— É claro que sabia – ela reafirmou – Jesse não iria fazer uma coisa dessas
sem o bff participar de tudo.

— Se você quer saber, participou mais do que eu – Poncho confidenciou –


Ele seguiu um conselho seu pedindo-a em casamento. Foi pelo que você
disse que ele tomou a decisão.

— Sério? – Anahí perguntou vendo-o confirmar – Eu fico feliz que ele


tenha pensado assim. Sabe... viver com medo não é viver.

— Eu sei – Poncho disse bloqueando o celular novamente e trazendo-a para


perto – Por isso eu me esforço pra te ajudar a viver de novo. Você já perdeu
coisas demais. É hora de mudar isso.

— Você tem razão – Anahí disse dando um selinho nele – Vamos viver. Mas
amanhã ok? Porque hoje ainda é Natal e tem uma árvore inteira de
presentes pra serem abertos.

De repente ocorreu a Poncho uma ideia. Era bom e completamente viável,


que realizaria aquele vamos viver de Anahí totalmente. A ideia era
maravilhosa, ele constatou conforme pensava melhor, e era algo que
poderia pensar com calma assim que acabasse o Natal.

Poncho acabou ligando para Daniel mais umas duas vezes naquela dia de
Natal. Ele e Anahí só saíram da casa dos pais dela quando já começava a
escurecer, quando Poncho dirigiu até o apartamento dela e a deixou lá, já
saudoso por antecipação mas sabendo que precisava dar à ela um espaço
vital que fosse.

E ele deu. Afinal, a vida de Anahí não se restringia a Poncho. Quando ela
chegou em casa Christian e Maite já estavam lá e os três terminaram a noite
bebendo uma garrafa de vinho e compartilhando como tinha sido o Natal de
cada um. Maite contava, aos risos, como Mane tinha reagido à notícia da
gravidez dela, se esquecendo que Christian ainda não sabia e o que
aconteceu foi o amigo dar um berro ao reagir e terminaram com os três
fazendo planos para o futuro daquela criança que ainda não tinha nascido,
mas já fazia parte deles.

No dia seguinte, por sua vez, não era mais Natal e as quatro garotas daquele
grupo tinham um compromisso em conjunto referente a um evento que, por
mais que ninguém se lembrasse, não estava tão distante de acontecer: o
casamento de Lexie. Elas seriam damas de honra e havia uma prova de
vestidos marcada justamente para aquele dia. Se a noiva estava trabalhando
e só as encontraria na loja, as outras três decidiram marcar para saírem
juntas. E o ponto de encontro era a confeitaria de Sophia.

— De um a dez, quanto você acha que a Lexie vai querer me enforcar se eu


disser que não serei dama de honra...? – Maite perguntou à Anahí assim que
as duas desceram do táxi na calçada da confeitaria.

— Provavelmente quinze – Anahí suspirou – Eu não sei por que ela ta


insistindo nesse casamento, honestamente.

— Nem eu – Maite bufou – Eu pensei em usar a gravidez como


desculpa.Mais ou menos assim: Lex, eu estou grávida. Me desculpe, vou
engordar nos próximos meses, não poderei ser sua dama de honra.

— Ela não vai comprar isso – Anahí fez uma careta debochada.

— Então terei que dizer a verdade – a morena deu de ombros – Que eu não
quero assinar embaixo da burrada que ela está prestes a fazer.

— Eu não consigo entender – Anahí negava com a cabeça – Quando eu vi


Mark Sloan pela primeira vez, ele entrou no meu quarto no hospital e não
procurava por mim e sim por ela. Como ela joga isso pela janela sem mais
nem menos?

— A menina Grey sempre foi inteligente, mas nunca foi corajosa – Maite
retrucou empurrando a porta da confeitaria para as duas entrarem.
Mesmo no dia seguinte ao Natal, aquela confeitaria estava tão cheia quanto
de costume. A primeira coisa que Maite viu foi Sophia passando instruções
à Jesse provavelmente por estar ligeiramente nervosa por ter que deixa-lo à
frente de tudo e sair. Anahí, por sua vez, sentiu as bochechas afrouxarem ao
notar que Poncho estava ali, sentado em uma mesa ao canto, próxima à
janela, com um prato que tinha alguns donuts e uma caneca de café,
concentrado digitando furiosamente no laptop algo que provavelmente era
um capítulo de seu novo livro. Mas a primeira pessoa que notou a chegada
das duas não foi nenhum dos envolvidos e sim Samantha, que saiu correndo
na direção delas com a maior expressão de êxtase que se poderia esperar.

— Meu papai e a tia Soso vão se casar – a menina anunciou tremendo de


felicidade – Não é o máximo...?

— Sim Sam – Anahí respondeu rindo e abraçando a menina – É


maravilhoso!

— Será que demora muito depois do casamento pra eu ganhar um


irmãozinho?

— Conhecendo seu pai e sua tia é surpreendente que você ainda não tenha
um – Maite alfinetou sentindo uma cotovelada de Anahí logo em seguida.

— Você... – Anahí começou a falar logo em seguida com Maite, mas com
os olhos fixos bem longe dali – Você se importa se eu...

— For ficar colada por alguns minutos com o seu mozão? – Maite
pronunciou aquela última palavra com um nítido sabor – Não, pode ir. Eu
espero você e Sophia aqui.

— Obrigada – Anahí disse ignorando a provocação e, sobretudo, o olhar da


morena de quem achava muita graça naquilo tudo.

Poncho não percebeu Anahí se aproximando, somente quando ela já estava


quase ali. Ele se apressou em fechar o computador – não porque não queria
que ela lesse o que ele escrevia no Word, mas sim porque havia ali o
planejamento de algo que ainda não queria envolvê-la. Do contrário, a
surpresa seria estragada.
— Achei que você fosse estar na Starbucks hoje – ela franziu a testa se
aproximando e vendo o rosto de Poncho se afrouxar, provavelmente pela
satisfação em vê-la ali.

— Eu venho pra onde a inspiração me manda – Poncho disse envolvendo-a


pela cintura – E hoje me mandou pra cá pra ficar olhando a Sam interagir
com eles.

— Você tem formas bem interessantes de se inspirar, Alfonso Herrera –


Anahí disse segurando-o pelo rosto. Ela sorria.

— Não tente entender Anahí Portilla – ele sorriu de volta antes dela beijar-
lhe os lábios.

— Eu vim encontrar a Soph pra irmos fazer a prova do vestido do


casamento da Lex – Anahí explicou sentando na frente dele, pegando a
caneca de Poncho logo antes de cheirar, franzir a testa e beber um gole.

— Oito anos depois e você ainda tem essa mania horrorosa de beber a
bebida alheia – ele comentou franzindo a testa com uma careta gigantesca.

— Oito anos depois e você continua não dividindo comida e bebida...? –


Anahí cruzou os braços falsamente indignada – Nem comigo?

— Você tem o que quiser de mim Any – ele respondeu totalmente


espontâneo e arrancou o sorriso mais bonito possível do rosto dela.

— Daniel e eu somos os seus donos – ela disse com os dentes totalmente à


mostra, voltando a bebericar o café dele.

— Vocês são – Poncho confirmou – Mas você é viciada em cafeína. Peça


seu próprio café.

— Implicante – os olhos de Anahí rolaram e ela levantou, deu um selinho


nele e foi até o balcão fazer o próprio pedido.

Poncho não tinha pedido que ela fosse até lá apenas porque queria guardar a
própria bebida para si, mas também porque precisava aproveitar alguns
minutos que fossem ao lado de uma pessoa para quem ele poderia perguntar
algo sobre Anahí.

— O cheiro do seu café está me enjoando – Maite disse fechando os olhos e


apertando-os de agonia.

— Ok – Poncho franziu a testa sem entender – Eu preciso perguntar algo e


precisa ser rápido.

— Algo que tem a ver com a Anahí – Maite constatou – Pergunte.

— Basicamente eu queria fazer uma surpresa e leva-la pra viajar pra um


lugar onde pudesse começar a realizar a lista de desejos dela – Poncho
começou a explicar – Só que eu to com um certo receio dela achar que eu to
forçando a barra pra ela transar comigo. Você sabe, é importante que ela
não se sinta pressionada...

— Anahí tem uma lista de desejos? – Maite franziu a testa – Eu não sabia.

— Tem – Poncho mordeu os lábios satisfeito – E eu acho que posso realizar


boa parte deles.

— Ah, é claro que você pode – ela debochou óbvia – Bom Poncho, a nova
Anahí eu ainda to conhecendo, mas a velha eu tenho certeza que amaria
uma viagem romântica. Já pensou no destino?

— Ainda to esperando uma confirmação pra ter certeza, mas... – Poncho


começou a falar mas Maite o interrompeu.

— Ela ta voltando – a morena ressaltou – Você pediu meu conselho, não é?


Vá.

E o conselho da melhor amiga valia mais do que qualquer coisa.

Maite e Anahí ainda ficaram na mesa de Poncho algum tempo, já que


Sophia, depois de finalmente conseguir resolver tudo o que era necessário
com Jesse, ainda teve que se despedir de Samantha. Mas aquela era uma
cena bonita de se ver, porque a menina estava nos braços do pai abraçando a
tia e eles pareciam o retrato fiel de uma família feliz. Totalmente grudados,
é claro...

— O anel dela ta brilhando tanto que meus olhos ardem – Maite disse
fingindo tampar os olhos enquanto via Sophia segurar o rosto de Jesse ao se
despedir do noivo.

— Você nunca vai perder esse jeito alfinetador né? – Poncho debochou
rindo de leve, vendo a morena dar de ombros.

— O que posso dizer Poncho? – ela respondeu com uma pergunta – Eu


preciso continuar sendo eu.

— Então, vamos? – Sophia perguntou finalmente pronta.

— Enfim! Vamos!

Lexie já estava à espera delas na loja de noivas acompanhada de uma


Meredith que estava no telefone ralhando com um residente sobre algo
relacionado a um paciente seu. A morena estava mais desanimada do que
nunca, sobretudo porque sua irmã não dizia nada em palavras, mas deixava
claro em seus olhares e em sua expressão a reprovocação pelo rumo que ela
dava às coisas. Meredith sabia por Derek, que sabia por Mark, é claro, o
ultimato que Lexie levou na noite de Natal pelo ex sobre se decidir. O fato
de estarem ali e de Lexie não ter usado aquilo para mudar o próprio destino
queria dizer muita coisa...

O modo como Meredith reagia, como Derek, como todos a tratavam, fazia
com que Lexie esperasse mais do que nunca que as amigas chegassem para
ter algum afago. O problema é que, das três, apenas Sophia não a colocava
contra parede. Na verdade elas haviam entrado em um consenso de
comparecer àquela prova de roupa somente por consideração a ela, porque
na verdade motivos para um boicote não faltavam. Mas todas conheciam
Lexie o suficiente para terem a certeza de que simplesmente virar as costas
não funcionaria, pelo contrário, estava arriscado a morena sentir ainda mais
força naquela ideia de casamento que, mais do que nunca, se mostrava
totalmente equivocada.
— Ah, elas chegaram! – Lexie se levantou com certa euforia assim que viu
as três entrarem na loja. Estava claro que ela não aguentava mais ficar
sozinha com a irmã – Vocês vieram...!

— Sim, nós viemos – Anahí disse sem conseguir deixar de colocar um tom
de desânimo na voz.

— É claro que viríamos – Sophia continuou.

— Lex, será que nós podemos trocar uma ideiazinha? – Maite pediu.

Ficou claro sobre o que a morena queria falar. Lexie fez uma careta,
percebendo a armadilha e rapidamente se esgueirando dela.

— Será que pode ser daqui a pouco? – Lexie disse já se afastando – Eu


preciso provar o meu vestido...!

Discretamente as amigas se entreolharam. Lexie realmente estava disposta a


fugir da verdade a todo custo.

Meredith aproveitou que desligou a ligação bem na hora que a irmã se


afastou e começou a se vestir um tanto longe dali. Viu que Sophia, Anahí e
Maite cochichavam entre si e viu a oportunidade. Quando ela estaria
novamente próxima às melhores amigas de sua teimosa irmã sem que a
própria estivesse junto? Não dava para desperdiçar.

— Quer dizer, até quando ela vai fingir demência? – Maite questionou
rolando os olhos – Ela ainda não percebeu que todo dia caminha um passo a
mais na direção daquele altar?

— Maite, nós não podemos nos meter, é a decisão dela... – Sophia


censurou.

— Não faz parte da minha natureza simplesmente não me meter...

— Nem da minha – Meredith interrompeu encarando as três, que pareciam


surpresas com o que tinham acabado de ouvir dela. E viria mais – Vocês são
a minha última esperança. Ela simplesmente não me ouve mais e... olhem
onde estamos.
— Se ela não te ouviu, acha que vai nos ouvir...? – Anahí questionou.

— Como eu disse, é a minha última esperança – Meredith insistiu – Mark a


colocou contra a parede no Natal. Jackson apareceu de surpresa, eles não
esperavam e bem... o resto vocês podem presumir. Ela está fingindo que
nada está acontecendo, sequer me contou, eu fiquei sabendo pelo Derek.
Mark não vai voltar atrás e eu não sei o que se passa na cabeça da minha
irmã, mas como eu disse, ela não me ouve mais. Talvez ouça vocês.

Talvez Meredith estivesse certa. Lexie realmente ouviria as amigas, mas


para isso, precisava de fato ouvir. E a cirurgiã parecia perceber onde elas
queriam chegar e fugia a todo custo. Lexie estava alheia ao mundo dentro
do próprio vestido de noiva, fingindo até para si mesma que estava feliz e
que aquele era o momento mais radiante possível. Sophia e Anahí se
serviam rapidamente de champagnes conversando por olhares e foi quando
Maite recusou a taça que o motivo veio à tona.

— Estou impossibilitada – ela negou com a mão e um sorriso amarelo.

— Eu também estou – Meredith respondeu – Gravidez.

— Pois é – a morena suspirou fundo contendo o sorriso no canto do rosto –


Eu também.

— Você o quê? – Lexie arregalou os olhos, quase fazendo com que a


costureira a espetasse.

— Estou grávida – ela disse com toda a tranquilidade do mundo.

— E você diz com essa tranquila...? – Lexie seguia perplexa.

Mas foi Sophia quem teve a reação mais inesperada de todas.


Definitivamente a mais inesperada para Maite, em definitivo. Delas, a
única que sabia de antemão de sua gravidez era Anahí, é claro, a primeira
pessoa a saber. Maite sabia que Lexie ficaria feliz com a notícia, não
esperava fogos de sua irmã eis que ela e Meredith mal conviviam, mas
Sophia... Sophia era uma incógnita. As duas estavam na paz mas nenhuma
delas sabia se poderiam usar a palavra amiga para definirem uma a outra.
Elas estavam no mesmo grupo, mas não tinham voltado a ser o que eram
antes do sequestro de Anahí. Era uma interrogação o que representavam
naquele momento.

Por isso, Maite teve a maior surpresa possível quando viu Sophia reagindo
lhe dando um abraço emocionado. A morena definitivamente não esperava
por aquilo e rapidamente se deu conta que era realmente uma reação.
Sophia provavelmente não planejou agir daquela forma, não maquinou
comemorar com a futura mamãe em um abraço, mas foi isso que acabou
acontecendo. Maite, por sua vez, não soube como devolver e acabou
retribuindo aquele abraço. Sua inércia não se dava por desprezo à Sophia
como tinha sido um dia, mas por realmente não esperar aquele tratamento
carinhoso. Ela tinha sido pega totalmente de surpresa... e logo que abraçou
a ex-amiga de volta – talvez não tão ex assim – viu que, atrás de Sophia,
Anahí tinha um sorriso maravilhosamente satisfeito enfeitando o rosto.

— Se eu não estivesse nesse vestido enorme estaria te abraçando também –


Lexie ressaltou, deixando claro que a costureira a mataria caso se movesse
um centímetro sequer.

— Como o Mane reagiu? – Sophia perguntou saindo do abraço, mas ainda


segurando Maite pela mão. A morena ainda estava desconcertada.

— Ah, ele surtou – Maite suspirou balançando a cabeça e rindo – Eu


também não escolhi o melhor momento pra contar, no Natal a cinco
minutos de entrarmos na casa dos meus pais...

— Seu timing é horrível Maite – Sophia resmungou rindo.

— Eu sei Soph, eu sei – ela deu de ombros – Mas não contamos pros meus
pais. Vamos reunir os dois com as mães dele e a irmã e contarmos de uma
só vez. Mas em todo caso, isso torna tudo complicado pra eu ser sua dama
de honra, Lex.

— Por que tornaria? – Lexie cruzou os braços indignada – Meredith


também está grávida e de algumas semanas a mais que você...!
— Ok, não colou, então vamos mandar a real – Maite murmurou e viu as
amigas prenderem a respiração – Lex, eu não posso ser sua dama de honra
porque não vou te abençoar indo pro altar fazer a maior besteira da sua
vida. É isto.

As amigas – e Meredith também – apenas olharam de Maite para Lexie,


vendo a cirurgiã perder a pouca cor que tinha no rosto ao ouvir aquela
verdade jogada na cara. A única que achava alguma graça era Meredith, que
via Maite fazer exatamente o que ela tinha aconselhado, o qual estava
completamente impedida.

— Maite... – o fio de voz de Lexie murmurou – Você é minha amiga...

— Todas nós somos – Maite constatou com a maior tranquilidade do


mundo – E existem amizades como as da Any e da Soph que vão
certamente estar com você até o fim... mas o meu tipo de amizade é o tipo
que não consegue fechar os olhos pra burrice pra qual você ta se
encaminhando. Então não Lexie, eu não vou ser sua dama de honra... não
vou estar no altar vendo você dizer sim pra um cara a quem você não ama e
definitivamente não te faz feliz.

Lexie parecia completamente petrificada. Mais parecia que seu casamento


era um barco afundando e todos estavam abandonando e pegando os botes
antes que naufragasse de vez. E ela via pelas expressões da irmã e das duas
amigas que nada diziam que, embora não tivessem a mesma coragem de
Maite de fazer o mesmo, não achavam que a morena estava tão errada
assim.

— Maite – Lexie disse pausadamente – Jackson tem quatro padrinhos. Eu


preciso de quatro damas de honra...

— Você jura que essa é a sua maior preocupação? – a careta de deboche de


Maite se tornou enorme – Depois que Mark Sloan disse com todas as letras
que te ama, você não apenas dá prosseguimento a essa palhaçada como
também me clama pra ser sua dama pra combinar com os padrinhos do seu
noivo?
— Como você... – Lexie começou a perguntar, se virando para a irmã em
seguida – Meredith! Você contou...?

— Ah, como eu queria ter um champagne agora para beber – Meredith


murmurou falsamente culpada, assumindo o que tinha feito.

— Olhe, não culpe sua irmã, não culpe nenhuma de nós, nós queremos que
você seja feliz e estamos vendo que você está sendo covarde mais uma vez
e se recusando a admitir que ta cometendo um erro – Maite finalizou – Eu
estarei lá no seu casamento, mas não no seu altar. Eu simplesmente não
consigo Lex. E se você quiser ficar com raiva de mim, fique. Mas admita
pelo menos pra si que você só vai sentir essa raiva porque não pode ficar
com raiva de você mesma por não ter coragem suficiente pra fazer o que
você realmente quer.

Xeque-mate.

Obviamente Lexie ficou com raiva de Maite, ignorando basicamente tudo o


que a amiga tinha jogado em sua cara e se preocupando em debater com
Meredith quem poderia convidar para ser a quarta dama de honra. Nem sua
irmã, nem Sophia ou Anahí tiveram coragem de pular fora do barco àquela
altura, não quando uma Lexie quase chorosa perguntou a elas se
continuariam na situação. Mas os olhares que Sophia e Anahí trocaram
deixavam claro que elas pensavam a mesma coisa: que Maite, embora
tivesse sido radical na atitude, estava com toda a razão. Lexie estava com
medo, se recusava a ver a verdade, e se não tinha cedido a Mark colocando-
a contra a parede, à Maite jogando toda a merda no ventilador,
provavelmente subiria mesmo ao altar e diria sim a Jackson... mesmo que
pelos motivos errados.

— Ai como eu queria estar lá pra ver – Christian disse levando a pipoca na


boca – Estaria bem assim como estou, comendo pipoca e assistindo a treta
bem pleno.

— Eu não acredito que você usou a Luninha pra pular fora do casamento da
Lexie – Mane recriminou a namorada.

— Luninha...? – Anahí franziu a testa.


— É como o Mane começou a chamar o bebê – a careta da morena é
gigantesca – E minha tentativa de usar a Luninha fracassou, então tive que
usar a verdadinha.

— Maite sai da guerra, mas a guerra não sai da Maite – Christian negou
com a cabeça em deboche – Imagine como a Luninha vai sair...!

— Parem de chama-la de Luninha! – Maite resmungou pela milésima vez.

Tarde demais. Aquele apelido iria pegar certamente.

Anahí ignorou a discussão sobre o nome do bebê de Maite e Mane


continuar no sofá e se levantou para atender a porta cuja campainha tocava.
Não era uma gentileza e sim porque sabia exatamente quem estaria do outro
lado. Dito e feito. Quando abriu a porta confirmou Poncho bem ali e se
deparou com o fato de que ele sorria do mesmo jeito que ela. Por pouco
tempo, é claro, dado o fato de que rapidamente ela estava nos braços dele e
as bocas dos dois estavam totalmente grudadas. Mesmo tendo menos de
vinte e quatro horas desde a última vez que eles tinham se visto...

— O mozão chegou amigos – Christian anunciou ainda no sofá – Acabou o


papo amizade, Anahí vai se retirar pros próprios aposentos...

Poncho não aguentou. Mesmo colado em Anahí beijando-a, ele explodiu


numa risada. Ela não o culpou, já que não agiu tão diferente, e os dois logo
se viraram para Christian e entraram, fechando a porta em seguida. Maite
viu no rosto de Anahí que ela se sentiu levemente pressionada pela
provocação do amigo e não achou bom. Não era bom qualquer sinal de que
Anahí fazia algo somente para agrada-los, já que tinha ficado claro desde o
início que ela precisava sentir o poder de decidir por si. Então, decidiu
intervir.

— Não, vão lá pra dentro curtir um pouco só vocês dois – Maite levantou
empurrando-os – Ignorem o Christian.

— Ah, era só uma piadinha – Christian se explicou culpado – Se eu tivesse


um Poncho chegando pra mim definitivamente não perderia tempo batendo
papo com os amigos que vejo todo dia!
— Olhe, se tivesse que escolher qual de vocês dois é mais inconveniente,
seria pau a pau – Mane comentou olhando da namorada para Christian sem
acreditar.

Mas a resposta para aquela pergunta parecia uníssona.

— Christian – Maite, Anahí e Poncho disseram de uma só vez, fazendo o


próprio sorrir satisfeito.

Anahí decidiu seguir o conselho dos amigos. De mãos dadas com Poncho,
eles foram para o quarto dela, para ter mais privacidade. Mal fechou a porta
e os colocou sozinhos, ele não perdeu tempo em voltar a beija-la. Tinha
saudade e dizia em gestos, em atitudes, no olhar desejoso que lançava a ela.
Um olhar apaixonado, de quem aproveitaria cada minuto do tempo que
estavam juntos, já que não tinham o dia inteiro, não poderiam aproveitar
cada minuto da vida inteira.

Ele era respeitoso. Poncho não ia além, não tirava as mãos da cintura, dos
braços e do rosto dela, mesmo quando estavam deitados e os corpos
embolados dele e de Anahí virassem uma realidade. Era o que acontecia
naquele momento – logo os dois estavam na cama e ele sobre ela, buscando
apoiar o braço no colchão para evitar jogar todo o peso por cima do corpo
de Anahí, não assusta-la. Ele não sabia o quanto ela se sentiria acuada por
ter um homem em cima dela de novo e Poncho não queria, em hipótese
alguma, remetê-la a Tobias de novo.

Mas no fim, Anahí pareceu estar reagindo bem aos pequenos passos que
eles davam. Tanto que logo veio um convite que Poncho definitivamente
não poderia esperar.

— Dorme comigo – ela sussurrou no ouvido dele, logo ficando surpresa


com a coragem de sua proposta.

— Você tem certeza? – Poncho perguntou querendo confirmar. Queria estar


certo que Anahí não estava sendo impulsiva e se arrependeria depois.

— Tenho – Anahí respondeu com a voz convicta e ainda completou – Eu


sinto falta de ter o seu corpo colado no meu de manhã. Do seu cheiro, sua
cara cheia de sono, seu cabelo bagunçado... até do seu mau hálito.

— Isso responde uma dúvida que eu tinha – ele comentou – Era pra ser
surpresa, mas... eu tinha pensado em nós dois fazermos uma viagem. Só nós
dois... pra uma casa no lago em Vermont.

— E por que esse tinha pensado parece mais passado que futuro? – ela
perguntou franzindo a testa.

— Porque eu queria fazer como uma surpresa, só que tinha medo de você
reagir e achar que eu estava forçando as coisas – a voz dele deixava claro o
quanto estava hesitante – Porque eu vou te esperar o tempo que for
necessário...

— Poncho... – Anahí sorriu – Eu confio em você. Quando nós vamos?

— Eu... – Poncho quase se sentia tonto pela forma como ela sempre parecia
simplificar coisas que, para ele, eram totalmente complexas – O dono dessa
casa é amigo do meu pai e ele está em Nova York visitando o filho. Basta
uma ligação e amanhã mesmo estamos na estrada. Se você quiser...

— Então... – Anahí respondeu animada – Eu tenho quantas horas pra


arrumar a minha mala?

Parecia uma pergunta respondendo outra, mas na verdade queria dizer


apenas uma única palavra: um sim.

Helloooo meuzamô!

O capítulo hoje saiu um pouquinho mais tarde porque eu tive uns


probleminhas pra resolver. Mas não precisam se preocupar, quando eu não
puder vir avisarei! Sem aviso = com post! :)

Capítulo bem levinho e de continuidade porém importante para o que está


por vir, bastante coisa daqui tem gancho com o que tem pela frente! E
temos um passo bemmmm importante pra AyA bem aqui, coisas que vcs já
saberão na próxima quinta. Palpites?
Beijos,

Rafa
Capítulo 50 - Vermont is for lovers, too

E eles estavam indo mesmo...

— Está frio – Karen constatou cruzando os braços para a filha – Você está
levando casacos suficientes...?

Maite teve que prender a risada quando viu o olhar que Anahí lançou para a
mãe.

— Deus, será que quando eu for mãe vou mandar essas frases clichês
também...? – a morena fez uma careta do tamanho do rosto.

— Se não for a Luninha terá mais sorte do que eu – Anahí deu de ombros,
vendo a amiga aumentar a careta ao ouvir o apelido carinhoso que seu bebê
havia recebido.

— Eu falo sério – Karen seguia séria – Está um gelo lá fora. É o melhor


momento mesmo pra vocês fazerem essa viagem?

Anahí abriu a boca para responder, mas viu sua melhor amiga ser mais
rápida.

— Karen... é o melhor momento possível – ela respondeu – Com todo esse


frio pensa nos dois abraçados debaixo das cobertas e o barulho das folhas
das árvores lá fora, numa lareira, um clima romântico... tem lareira, né
Any?

— Tem – Anahí confirmou – Mãe, você não precisa se desesperar. Eu tenho


tanta chance de ficar gripada quanto permanecendo aqui. Não sei se você
sabe mas a meteorologia indicou que deve nevar essa semana.

— Você vai pra uma casa na frente de um lago – Karen repudiou – O frio
deve ser ainda pior lá! Não estou querendo ser estraga-prazeres, mas eu sou
sua mãe, eu tenho que me preocupar... você ficou oito anos trancada num
lugar e agora ta exposta a um inverno desses...

— Karen, pode ficar tranquila – Maite disse com a voz levemente


debochada – Poncho também se preocupa muito com a sua filha. Tenha
certeza que, se estiver muito frio... ele não vai deixa-la sair da cama.

— Maite...! – Anahí arregalou os olhos repreendendo a amiga com os olhos


arregalados. Mas Karen apenas riu.

— Eu quase esqueci que você vai viajar com uma pessoa que é quase tão
preocupada contigo do que eu – ela constatou.

— Fique tranquila mãe – Anahí disse beijando a bochecha dela, logo antes
de se voltar para a mala para fecha-la – Eu vou ficar bem. O máximo que eu
pego é uma gripe, mas não tem problema porque eu estarei feliz.

— A mala dela está lotada de casados Karen – Maite voltou a observar –


Embora eu ache um exagero, já que tem grandes chances dela passar a
viagem inteira nua.

— Maite você quer parar...? – Anahí já estava roxa de vergonha.

— É alguma mentira que você vai tentar romper as barreiras do sexo nessa
cabana? – Maite cruzou os braços encarando Anahí – O quê? Você tem
vergonha de falar de sexo com a sua mãe?

— Não – Anahí corou – Eu tenho vergonha de falar de sexo.

— Não deveria – Karen disse se sentando na cama dela com um sorriso


fraco no rosto – Mas eu entendo. Não deve ser fácil pra você.

— E não é – ela confirmou – Olhem, eu não sei como vai ser essa viagem.
O Poncho me garantiu que não estava planejando nada com o intuito de me
forçar a transar com ele. Mas de uma forma ou de outra, eu queria que fosse
algo que dependesse só da minha vontade. Que, caso eu tivesse vontade,
rolasse.
— Talvez caso você tenha vontade role – Maite opinou – Você teve vontade
até agora?

— Não – Anahí coçou a cabeça – Eu tive vontade de ter vontade. Ficou


confuso demais?

— Eu entendi na verdade – Karen respondeu com tranquilidade.

— Eu gostava do Milo, mas tudo o que ele me fazia querer era a vontade de
querer algo mais – ela explicou melhor – Eu não cheguei a sentir com ele
aquele calor que dá no meio do corpo quando a gente sabe que realmente
quer. Eu queria sentir isso nessa viagem, eu vou me dar essa chance.

— Olhe, se você estiver bem pra isso... ok – Maite recomendou – Você sabe
disso. Ele vai continuar amando você independentemente de qualquer coisa.
Faça isso por você, não por ele.

— Eu vou fazer – Anahí respondeu com toda a convicção do mundo – Por


mim. Eu vou fazer.

Karen ficou mais tranquila quando percebeu a serenidade da expressão de


Anahí falando com Maite. Ela parecia animada ao arrumar aquela mala e se
preparar para a viagem de dali algumas horas. Quando Poncho chegou
Anahí ainda terminava de arrumar suas coisas, mas o recebeu com um
entusiasmo que nem sua mãe, muito menos sua melhor amiga estavam
acostumadas a ver desde que ela tinha voltado. Era algo que lembrava a
velha Anahí e que ela estava aos poucos recuperando, o que sempre trazia a
esperança de que as outras coisas voltassem aos poucos também.

— Não precisa se preocupar sogrinha – Poncho disse abraçando Karen por


trás e a beijando na bochecha – Eu vou cuidar bem dela.

— Senti falta de você me chamando assim – Karen sorriu – Sendo meu


genro.

— Oh Deus – Anahí revirou os olhos – Já começou o love desses dois.


— Sua família é rendida a ele – Maite disse se aproximando dela – Promete
que me liga se precisar de algo?

— De forma alguma – Anahí negou abraçando-a – Cuida bem da Luninha


ok?

— Poncho, faça algo pra essa mulher parar de chamar meu bebê assim –
Maite disse com uma careta imensa.

— Eu meio que gostei do apelido Mai – Poncho riu – Não me mate, por
favor.

— Vocês foram feitos um pro outro, não prestam – a morena resmungou.

— Cuide bem da minha butterfly... não que eu precise pedir – Karen disse
abraçando Poncho ao se despedir – E você querida... qualquer coisa...

— Mãe, nós somos adultos – Anahí lembrou – Vocês não precisam se


preocupar.

É claro que elas se preocupariam – Karen mais do que Maite. A morena já


voltara a confiar em Poncho totalmente e sabia que Anahí estava segura do
que tinha decidido. As duas estavam na porta do prédio quando Poncho
colocou a mala de Anahí no carro e os dois entraram logo em seguida nele
para seguirem, ficando ali até perderem o veículo de vista. Uma vez Anahí
indo, Karen poderia enfim ser sincera com a melhor amiga de sua filha.

— Você acha que ela realmente vai ficar bem? – perguntou – Que essa
viagem vai fazer bem mesmo pra ela...?

— Karen... – Maite suspirou – Se não fizer, nada mais fará.

E Karen era obrigada a concordar.

xxx

A viagem ainda não tinha começado propriamente, mas Anahí estava


animada. Ela colocou uma música qualquer na rádio e começou a cantar a
plenos pulmões. Poncho passou a primeira meia hora do caminho rindo da
disposição e do bom humor dela, sem conseguir acompanhar. Anahí estava
irritada cada vez que se dava conta que uma música tinha sido lançada de
alguma cantora que ela gostava e ela não sabia cantar, mas cada vez que
trocava de rádio e encontrava algum clássico, entoava com entusiasmo. E
Poncho se divertia com a animação dela. Eles ainda não estavam nem na
metade do caminho e ela parecia mais alegre do que em todos os outros dias
que ele se lembrava.

— Você precisa criar um Spotify – Poncho recomendou – Talvez Christian


e Maite tenham um plano em família que você possa entrar.

— Outra rede social? – ela franziu a testa. Anahí não estava exatamente
adaptada à tecnologia ainda.

— Para músicas – ele fez questão de ressaltar.

— Qual a diferença pro Youtube?

— Você pode minimizar a janela e mexer em outro aplicativo sem a música


deixar de tocar – ele observou com algo que sabia que sempre a havia
incomodado.

— Vi vantagens – Anahí constatou e ele ficou satisfeito de finalmente tê-la


agradado.

O assunto prosseguiu com Poncho atualizando-a sobre cantores que faziam


sucesso nos últimos anos e ela não fazia ideia. Rapidamente Poncho viu
Anahí pegar o celular dele, abrir o Spotify e ir de Shawn Mendes a Camila
Cabello, de Little Mix a Sam Smith, mas acabar parando mesmo nas
clássicas de sempre de seu gosto musical: Beyoncé e Adele. Os dois
conversaram longamente sobre vida de artistas, Poncho tentava explicar o
inexplicável interesse do mundo pelas Kardashians – sem grande sucesso –
e depois começou a contar para ela sobre todas as séries que tinham surgido
desde o seu desaparecimento. Mas de alguma maneira que os dois não se
deram conta, o assunto acabou em uma linha totalmente diferente daquela
que tinha começado.
— Tom? – Anahí perguntou – Aquele idiota que fazia bullying com você
no colégio...?

— Ele mesmo – Poncho sorriu repleto de satisfação – Imagine a cara do


idiota quando se deu conta que era o vendedor da livraria que eu estava
naquela tarde dando autógrafos do meu livro, best seller do The New York
Times... meu primeiro livro...

— Eu aposto como ele percebeu que ser astro do time de futebol não valia
tanto assim – Anahí observou sorrindo.

— Eu lembrei de você me dizendo isso – ele confessou – E de repente já


não sabia mais se estava feliz pela satisfação de ter vencido ou triste por
você não estar do meu lado.

— Ah Poncho... – Anahí colocou a mão livre no cabelo dele, acariciando


sua nuca – Eu estarei ao seu lado em todas as próximas conquistas. Não
abro mão.

— Eu sei – Poncho sorriu de volta – Inclusive Jesse me disse que o colégio


está organizando um reencontro da nossa turma. O que você acharia de nós
irmos juntos?

— Eu não sei nem se quero ir – Anahí murmurou levemente desconfortável.


Quando recebeu o olhar interrogativo de Poncho, começou a explicar – Vai
ser como se eu estivesse nua no meio do estádio de futebol. Até quem não
se lembra de mim sabe quem eu sou.

— Mais uma razão pra você ir – ele insistiu – Pra ninguém te olhar como
uma pobrezinha que foi sequestrada e sim como uma mulher forte que
sobreviveu a tudo.

— Eu vou pensar – ela mordeu os lábios.

— É claro que eu respeito caso você decida não ir – Poncho fez questão de
observar – Mas tenho que dizer que adoraria entrar naquela escola de
braços dados pra você... os dois ex-nerds nada populares que formaram um
casal maravilhoso.
— Na verdade a festa seria cheia de casais inusitados – Anahí continuou –
Sophia era a garota também nem um pouco popular que terminou noiva do
capitão do time de futebol... e Maite, a rainha das líderes de torcida, está
grávida do carinha da banda escolar...

— Maite está grávida...? – Poncho arregalou os olhos – Do Mane?

— Você não sabia? – ela ergueu a sobrancelha – Sim, ela está grávida.
Apelidamos o bebê de Luninha inclusive.

— Então era por isso que vocês estavam falando de uma Luninha? Eu achei
que fosse hipotético... – Poncho riu abafadamente – Isso explica porque ela
enjoou com o meu café.

Anahí continuou com uma animação de dar inveja o resto da viagem. Num
determinado momento Poncho parou num posto para abastecer e a viu
andar graciosa para o posto de conveniência e voltar com o capuccino que
sabia que ele também gostava, dizendo que ele deveria se manter atento,
que eram quase seis horas de distância num total entre Nova York e
Vermont, que seria mais simples se ela pudesse dividir o volante com ele...
Poncho se lembrou, Anahí sabia dirigir, mas seus documentos
provavelmente estavam vencidos já que ela passou oito anos ausente. Mas
será que o problema era só esse?

— Você quer dirigir? – Poncho perguntou franco – Eu sei que os seus


documentos estão vencidos, mas na parte final do trajeto praticamente não
terão mais carros, não haveria risco.

— Não – Anahí negou de pronto.

— Você está com medo?

— Eu não sei se saberia – Anahí admitiu – Não é mais uma coisa que eu
gostaria de descobrir que sou limitada.

Poncho queria dizer que ela não era limitada para nada, mas perdeu a voz.
Talvez fosse melhor não falar nada, algumas coisas eram melhor
comprovadas com atitudes, não palavras. Anahí desviou o assunto, depois
olhou para a janela e ficou por alguns bons minutos admirando a paisagem
no mais absoluto silêncio. Ele ficou dirigindo concentrado, focando no
tanto que queria ter dito a ela e não o fez, em como queria mudar as coisas e
imaginando quanto tempo Anahí ficaria calada. Logo viu que não muito:
bastou tocar uma música que ela conhecia para fazê-la voltar a cantar,
notadamente ficando feliz de novo.

Menos mal.

Os dois chegaram a Vermont no meio da tarde. Poncho podia ver nos olhos
de Anahí a empolgação pelo que via: a natureza, as árvores quase sem
folhas, o frio retratado em cada centímetro da natureza. Ele sorria. O
encanto dela não mudou quando finalmente chegaram na cabana e saiu do
carro, sentindo o ar frio penetrar em cada parte do seu corpo mas em nada
se afetando. Era maravilhoso, como um sonho, só que indiscutivelmente
real.

— Você gostou...? – ele perguntou embora soubesse a resposta. Estava


desenhada no rosto dela.

— Você ta brincando! – Anahí respondeu empolgada.

Ele sorriu, colocando as coisas para dentro enquanto a via animada como
uma criança correr por cada quarto, cada pedaço da cabana e depois de fora
dela. Poncho não pediu ajuda, apenas instalou as malas dos dois, abriu a
casa, passou uma vassoura e preparou um sanduíche para si e um para ela,
colocando numa bandeja junto com duas canecas de um café quente que
preparou para aquecê-los. Foi quando ele procurou por ela por todo o
espaço da cabana, sem encontra-la em lugar algum.

— Any? – Poncho chamou indo até a parte de fora – Cadê você?

— Aqui! – a voz dela vindo de longe o chamou. Poncho esticou o pescoço


para olhar melhor e a viu acenando do deck do lago em frente à cabana,
sentada admirando o lugar – Você quer que eu entre?

— Não – Poncho negou de pronto, não querendo interromper o momento


dela – Eu vou até aí.
É claro, ele foi. Com a bandeja, que colocou na frente deles, vendo o sorriso
de Anahí que provavelmente estava faminta depois de tantas horas de
viagem, tanto que devorou o sanduíche logo em seguida e se deliciou com o
café no ponto exato no qual gostava. Logo depois ela afastou a bandeja e
deitou no deck, olhando para o céu bem azul com poucas nuvens pensativa.
Poncho, que não tinha tanta fome com ela, ainda comia o próprio
sanduíche, mas definitivamente tentava adivinhar o que ela pensava, já que
Anahí permanecia silenciosa demais.

Antes que ele pudesse perguntar, no entanto, Anahí acabou revelando.

— Eu pensei que fosse estar nevando – ela murmurou.

Poncho franziu a testa. Aquilo era bom ou ruim?

— Você não gostava de frio – Poncho afirmou. Ela não respondeu, então
provavelmente concordava – Isso mudou?

— Não – Anahí negou – É que eu esperava que nevasse, mas não nevou.
Achei que fôssemos brincar de fazer um boneco de neve ou fazer guerra de
bolinhas de neve, mas não. E também não está calor suficiente para fazer o
que eu realmente quero...

— E o que você realmente quer? – Poncho estava totalmente curioso.

— Pular nesse lago – Anahí mordeu os lábios certa de que suas bochechas
estavam vermelhas como se pegasse fogo por dentro – Sem roupa.

Tal como aconteceu com Anahí no Natal, Poncho logo se viu ser invadido
por uma onda de calor sem precedentes ao imagina-la nua nadando sem
pudor naquele rio num dia de calor. Sabia que Anahí não tinha qualquer
intenção de excita-lo, mas também sabia que ela tinha que ser muito
ingênua se pensasse que não causaria qualquer efeito nele. Tal como ela
tinha pensado dias antes, ele também se deparou com a realidade de que
não conhecia mais o corpo de Anahí. Provavelmente ela tinha mudado,
provavelmente ele reconheceria cada mínima mudança, mas certo mesmo
era que ele encontraria o prazer nos braços dela, de uma forma ou de outra.
Quanto a isso não havia qualquer dúvida.
— Isso não tava na sua lista de desejos – Poncho comentou mordendo os
lábios, tentando ajeitar a calça disfarcadamente. Ele não queria que Anahí
percebesse o quanto estava excitado com aquela cena que ela o fizera
imaginar.

— Eu não consigo projetar todos os meus desejos – ela bufou, não pela
pergunta dele, mas pela vontade que sabia que não poderia realizar –
Podemos voltar no verão?

— Podemos, mas... – Poncho coçou a cabeça – Podemos também ser loucos


uma vez na vida e pularmos no lago de roupa.

— Definitivamente loucos – Anahí ironizou, racional como sempre –


Porque quando saíssemos da água, iríamos congelar aqui fora.

— É só eu pegar duas cobertas e nos enrolamos assim que sairmos – ele


propôs.

Anahí parecia tentada. A ideia realmente a agradava, mas o medo de pegar


um resfriado a fazia hesitar. Poncho, no entanto, não deu tempo para ela
decidir, simplesmente levantando do deck e caminhando de volta para a
casa, voltando minutos depois com duas mantas grossas que provavelmente
resolveriam o problema. Anahí riu ao vê-lo sorrindo por aquilo, ele
definitivamente sabia ser persuasivo.

— Continuo não achando uma boa ideia – Anahí murmurou, se levantando


e cruzando os braços ao vê-lo colocar a manta no chão e tirar o sapato – A
água deve estar um gelo. É uma péssima ideia, pra falar a verdade.

— Nem todas as decisões que tomamos da vida são inteligentes – Poncho


observou – A gente comete um erro, jura pra si mesmo que não vai mais
errar aquilo, e de repente nos vemos lá, cometendo de novo. Pelo menos
agora eu não vou me frustrar dessa vez.

— Errar com convicção no erro é burrice Poncho – ela constatou. Mas a


resposta foi Poncho dando de ombros.

— Sou burro então.


A frase veio logo antes dele mergulhar na água como se fosse um nadador
profissional. Anahí não sabia se sorria ou se fazia uma careta, apenas deu
um suspiro vendo o efeito dele no lago, cujas águas ficaram bagunçadas, até
vê-lo voltar à superfície completamente encharcado e com os lábios
ligeiramente roxos e trêmulos, mas com o sorriso nos lábios de quem não se
daria por vencido admitindo que ela estava certa.

— Se você me disser que a água está ótima na maior das caras de pau, sou
capaz de entrar aí pra te dar um tapa – os olhos de Anahí rolaram ao mesmo
tempo que o maior sorriso dele se abriu.

— Então se eu mentir você entra? – Poncho provocou – Any, a água está


ótima...

— Palhaço – a careta dela aumentou – Você é louco!

— Sim, eu sou – ele admitiu – Só se vive uma vez. Vem.

— Nós vamos ficar resfriados – Anahí respondeu ainda hesitante.

— Tem uma farmácia a 1 km daqui – ele respondeu, sempre com a resposta


na ponta da língua – Vem.

Para variar, ela não tinha nenhuma convicção daquilo. Continuava pensando
em todos os contras, no quanto sentiria cada centímetro de seu corpo
certamente congelaria quando entrasse naquela água. Mas mesmo assim,
aquela repulsa à ideia maluca contrastava com Poncho dentro daquele lago.
Mesmo com um casaco, Anahí o via sexy sorrindo para ela, com os cabelos,
a barba, o rosto, estava totalmente molhado. Ela sabia que a proposta dele
não era boa e que ela iria se arrepender quando caísse no lago, mas para
isso precisava de fato cair.

Enquanto não o fizesse, aquela frase incessante, aquele sopro no ouvido que
alimentava sua coragem, não pararia de ecoar em sua mente. Tem horas na
vida que você não tem que ponderar, você tem que arriscar. Esquecer os
contras. Lembrar que tudo muda num piscar de olhos, como já tinha
mudado pra ela uma vez. Se focar no fato de que todo erro é relativo,
porque Anahí poderia naquele momento estar errando sob o aspecto de que
não pensaria num resfriado futuro... mas seria um erro maior ainda não se
jogar naquele lago e encontrar o homem que amava.

Anahí seria inconsequente então.

Sem aviso prévio, sem preparar Poncho, ela simplesmente tirou o casaco
que usava por cima da blusa, tirou os sapatos com pressa, deixando tudo no
deck e pulou no lago com pressa, antes que a coragem que a empurrava se
esvaísse. A reação de Poncho quando ela agiu depressa foi de surpresa
misturada com alegria, mas rapidamente tudo se esvaiu quando ela sentiu a
água fria penetrar em seu corpo. Ao levantar a cabeça na superfície, ela não
sorria como ele fazia. Seu corpo sensível agora tremia e ela já começava a
se arrepender.

— Eu vou te matar por ter me feito fazer isso – agora ela tremia sem parar,
enquanto Poncho continuava sorrindo e segurava seu rosto com delicadeza
– Essa água ta impossível.

— Não está – ele negou – O corpo acostuma depois de um tempo. Eu senti


mais frio quando entrei do que sinto agora.

— Mentira sua – ela continuava tremendo – Mas eu posso te esquentar, se


você quiser.

Sem esperar que Anahí exatamente autorizasse, Poncho avançou para ela
com um beijo lascivo. Ele não procurou uma permissão, porque aqueles
beijos mais quentes eram uma realidade para os dois nos últimos dias, não
faziam parte da esfera na qual ele ainda hesitava em entrar, não sendo
necessário que Anahí lhe desse um aval. Por isso Poncho a segurou pela
nuca e trouxe Anahí para si, colando seus corpos e sentindo os seios dela
pressionarem seu peito. A ideia de uma Anahí molhada e convidativa o
excitou, e certas reações corporais eram impossíveis de serem disfarçadas.
Provavelmente por eles estarem dentro d'água, Anahí sentiu a ereção dele
melhor do que sentiria antes. E isso a fez hesitar e rapidamente se assustar.

— Desculpe – Poncho murmurou mordendo os lábios.


— Me desculpe você – Anahí respondeu prontamente envergonhada – Eu
odeio me sentir como um bichinho assustado.

— Você tem uma história – ele voltou a fazer carinho no rosto dela – Não
dá pra ignorar.

— Eu sei – ela resmungou, não se sentindo compreendida. Aquela era a


frase padrão que todas as pessoas diziam para ela, estava claramente
cansada de ouvi-la – Mas isso só me dá a sensação que eu nunca vou sair do
mesmo lugar, que sempre vou ter medo e ter um limite. E isso me arrasa.

— Não é assim – Poncho negou – Você precisa reaprender a confiar, a se


deixar levar. Não em mim, mas principalmente em você mesma. É como
aprender a boiar.

— Eu nunca aprendi a boiar – Anahí negou com a cabeça nervosa. Poncho


então se lembrou que ela não sabia nadar, também nunca tinha aprendido.
Anahí tinha um certo medo do mar e sempre se recusou, era algo que ele
quase tinha esquecido.

— Ah – Poncho abriu um imenso sorriso – É algo que podemos resolver.

— Não – ela balançava a cabeça negativamente, totalmente convicta.

— Ande, vamos – Poncho insistiu – Vem aqui nos meus braços. Eu te


ajudo.

— Poncho... – a voz dela externalizava seu desespero.

— Any, confie em mim.

Any. De repente ela se deu conta que esse era o apelido que Tobias usava
com ela. Ele a chamava de "minha Any", completando com "só minha". Ela
passou a associar a forma como os avós a chamavam – que certamente ele
tinha conhecimento – com o seu algoz. Quando voltou do cativeiro, não
queria que ninguém a chamasse daquela forma. Se ela era a Any dele, não
poderia ser de mais ninguém. Era doentio.
Mas agora Poncho a chamava assim. Jesse a chamava assim. Maite,
Christian, todos voltaram a chama-la assim, sobretudo Ellie e Arthur. Ela
tinha ultrapassado aquele obstáculo sem sequer perceber. Então se tinha
conseguido aquilo, por que não conseguia todo o resto? E a resposta vinha
clara em sua mente... tinha muito a ver com o medo de tentar. Tudo a ver,
quem sabe.

Anahí estava cansada de ter medo. Era hora de parar com aquilo.

— Tudo bem – ela murmurou ainda receosa.

— Vem aqui – Poncho a trouxe para si, sorrindo com a demonstração de


confiança dela – Relaxa o corpo, por mais que pareça impossível. Se deixa
levar, eu não vou deixar você se afogar, te prometo.

Rapidamente Anahí se deu conta que só conseguiria fazer aquilo se se


desligasse completamente daquele lago. O medo só iria acabar quando ela
não pensasse mais nele. Por isso ela fechou os olhos e focalizou em
qualquer outra coisa, deixando a mente mais vazia possível. É claro que,
conforme Poncho segurava seu corpo e mudava a posição dele ela
despertava do transe e sentia tudo travar um pouco, mas logo passava,
conforme voltava a focar na ideia de que deveria se deixar levar. E ele
estava levando-a.

De repente Anahí sentiu a água do lago bater na parte inferior de seu corpo,
enquanto a superior sentia o ar gelado que corria ali. Dava frio, é claro que
dava, mas também dava... paz. As mãos de Poncho estavam firmes em suas
costas, na altura da cintura, segurando-a, e ela se sentia livre. Tanto que os
braços se soltaram voluntariamente, com Anahí deixando-os abertos em
sentidos opostos, apenas sentindo a leveza das pequenas ondas relaxarem-
na por completo.

— Eu vou te soltar – Poncho sussurrou com toda a suavidade possível. Ela


continuava de olhos fechados, mesmo com ele tendo dito algo que antes a
apavoraria – Relaxe, você não vai se afogar. Apenas confie.

Ela confiava. Dava medo, mas... era só não pensar nisso. Ele estava ali, ele
não sairia dali. Entregue àquela brisa gelada, Anahí sentia as mãos de
Poncho soltarem-na aos poucos, mas o corpo estava relaxado o suficiente
para não se desesperar. Ela se lembrou que não estava num lago fundo, que
mesmo que se desequilibrasse não iria morrer afogada e que Poncho jamais
a colocaria em risco. E aos poucos, dedo a dedo, o apoio dele se foi. E era
só ela.

E ela estava boiando. Anahí estava boiando. Ela não sentiu o momento
exato que Poncho deixou de segura-la, que ele a deixou fazer aquilo
sozinha... mas ela estava. Só se deu conta depois, quando já era capaz,
quando tinha conseguido. E mesmo a constatação não foi capaz de derruba-
la, de tira-la dali. Anahí não disse nada, apenas sorriu, balançando as mãos
e os pés lentamente, sentindo a água gelada, a brisa, ouvindo o barulho dos
pássaros, das folhas das árvores balançando... sentindo a coragem que tinha
dentro de si e já tinha esquecido.

E de repente, uma voz no pé de seu ouvido constatou o que faltava,


colocando todas aquelas sensações em palavras.

— Você é capaz de fazer o que quiser – a voz sexy de Poncho nunca tinha
sido tão suave como antes – Qualquer coisa.

Qualquer coisa.

Ao ouvir a voz dele Anahí se desequilibrou. Não por medo, não por não
conseguir se manter boiando, apenas por pura desconcentração. Ela acabou
virando, Poncho tentou segura-la mas ela voltou a si e, assim que pôs os pés
no chão novamente, desatou a rir. O Poncho que estava preocupado com
ela, com os olhos arregalados, demorou a relaxar e riu também. Ele ainda
estava incrédulo, pensando que todo o esforço tinha ido para o ralo com
uma simples frase, mas não era isso que via ali. Definitivamente não.

Anahí não disse nada, tal como horas antes no carro ele não tinha dito. E
mesmo sem saber, fez a mesma escolha que ela: procurou agir, não dizer.
Ela reparou o modo como o olhar dele, mesmo numa tentativa inútil de
disfarçar, acabava repousando na blusa branca e fina que ela usava que, sem
sutiã, deixando os seios transparentes. Ela decidiu que gostava daquele
olhar de desejo. Gostava de vê-lo quase comendo-a com os olhos. E decidiu
também que queria que ele de fato fizesse todo o resto.
A atitude foi um beijo lascivo da parte dela. O beijo que ele tinha dado
antes, mas agora com o toque final da sua permissão para ir até o fim. Dessa
vez era Anahí quem o beijava e sentia a ereção dele voltar a crescer entre
suas pernas. E dessa vez ela não iria se esquivar, não iria fugir. Agora ela
ainda sentia medo, mas sabia que era capaz, queria ser capaz. E iria até o
fim.

~
Ahhhhhhh o 50!!! Amo tanto que nem sei!

Essa cena que termina o capítulo já ta na minha mente há tipo, um ano, e


quando eu escrevi chegava a estar nervosa com medo de não sair tim tim
por tim tim do jeito que eu tinha pensado, porque esse capítulo é
maravilhoso NUM GRAU!!!!

E alguém tem algum palpite do que vem por aí na quinta que vem?

Posso dizer que vem mt intensidade daqui pra frente. To escrevendo o 54 e


todos os do meio estão com verdadeiros sacolejos e acontecimentos bem
importantes. Mas o 54 é o mais intenso de todos!

Preparadas? FIQUEM!

Ansiosas pra quinta? EU SEMPRE SOUBE!

Mamãe ama vcs

Antes de finalizar, considerando o que vem domingo e em nome da escrita


feminista que eu pretendo manter eu preciso dizer que: #EleNão!

Beijos,

Rafa
Capítulo 51 - Perfect

Ouça "Perfect" –

Ed Sheeran

Dentro do quarto no qual eles dormiriam aqueles dias na cabana, realmente


havia uma lareira, exatamente como Anahí contou à Maite. Naquele
momento Anahí estava sentada no chão, de frente para aquela lareira, já
acesa, enrolada em uma coberta confortável e quente, os cabelos ainda
úmidos. O corpo dela, mais do que do frio, sentia os efeitos do que tinha
vivido meia hora antes. E seu coração mexia com todo o resto, na
expectativa do que estava por vir.

Anahí invejava as pessoas que conseguiam meditar e aquietar os


pensamentos. Os dela estavam inquietos naquele momento, sacudidos pela
excitação causada pela tentativa felizmente bem sucedida de boiar naquele
rio, pela perspectiva de voltar a confiar e enfim caminhar para ser ela
mesma novamente. Ela sabia que um grande passo estava para ser dado e
que não tinha certeza de que estava pronta – é claro que não – mas ao
mesmo tempo, Anahí não via como voltar atrás. Ela sabia, de alguma
maneira, que se não estivesse pronta, teria que tratar de estar.

Talvez fosse esse o querer desejar que tanto faltava em sua relação com
Milo. Ela bem se lembrava de sua primeira vez com Poncho, na
adolescência. Ambos tinham dezessete, Anahí deu o primeiro passo, porque
a perda da virgindade é algo mais marcante para a mulher. Ela deixou claro
para Poncho que queria porque sabia que bastava o sinal verde para que ele
quisesse também. E ela soube que queria porque seu corpo a denunciou, foi
algo que veio de dentro, quando a vontade passou a ser maior do que o
medo e a insegurança. De alguma maneira, treze anos depois, ali ela sentia
mais forte o desejo por Poncho e a força para recuperar aquele lado seu do
que o trauma causado pelo sequestro e pelos abusos que sofrera. Ela sabia
que uma hora teria que enfrentar aquela barreira. Pelo visto, a hora tinha
chegado.
— Você realmente ficou com frio – Poncho comentou olhando-a ao entrar
no quarto. Carregava alguns pedaços de madeira seca que Anahí
rapidamente constatou que ele usaria como lenha.

— A água estava fria, eu disse – ela insistiu.

— Eu sei que estava – ele colocou a lenha no canto, empilhando cada


pedaço cuidadosamente – Mas você não pode dizer que não valeu a pena.

— Eu não disse isso – Anahí rapidamente observou.

I found a love for me

Eu encontrei um amor para mim

Darling, just dive right in and follow my lead

Querida, entre de cabeça e me siga

Well, I found a girl, beautiful and sweet

Bem, eu encontrei uma garota, linda e doce

Oh, I never knew you were the someone waiting for me

Oh, eu nunca soube que era você quem estava esperando por mim

A respiração dela estava pesada, Poncho podia sentir. Ao mesmo tempo,


seu olhar estava intenso, ela parecia decidida e nervosa, tudo ao mesmo
tempo. Ele saiu rapidamente do quarto, indo até o banheiro, lavando as
mãos para tirar aquela poeira da madeira de si. Se olhou no espelho que
tinha sobre a pia, encarando o reflexo e pensando que eles não precisavam
apressar as coisas. Que, por mais que a desejasse, sempre a desejaria,
portanto poderia esperar. Com aquela convicção voltou para o quarto, para
Anahí. Com as palavras que diria a ela gravadas na mente.

Ela ainda estava com os olhos ansiosos procurando por ele, mas sem a
coberta envolvendo-a. Poncho se sentou ao lado, com tudo na ponta da
língua. Precisava convencê-la de que o desejo não diminuiria pela espera.
Não havia nada que o fizesse desistir daquela mulher. Se o sentimento tinha
sobrevivo a uma suposta morte dela por oito anos, sobreviveria a qualquer
coisa. Ela apenas precisava saber.

— Nós não precisamos correr – Poncho começou a dizer logo que se


aconchegou ao lado dela e se virou de frente, de modo que Anahí o olhasse
nos olhos – Eu posso esperar. Nós temos tempo...

— Na verdade não temos – Anahí discordou – Mas não por isso.

— Pelo que então? – ele franziu a testa.

— Porque... – ela suspirou fundo – Porque eu não quero esperar.

Poncho suspirou pesaroso.

— Any...

— Você me fez me sentir assim – Anahí continuou – Você me fez ver que
medo eu sempre teria, sempre terei... mas eu preciso enfrentar pra saber o
que vem depois. Eu gostei de ter boiado. Gostei de sentir o ar gelado
entrando em mim, de ouvir só o barulho da natureza lá fora. Eu não teria
feito isso se tivesse continuado me levando só pelo medo.

— Eu tenho medo de você apressar as coisas e acabar se frustrando –


Poncho confessou – Comigo, com você mesma... eu tenho paciência. Eu
prometo a você que, a hora que você quiser, eu estarei aqui.

— Eu quero agora – ela definitivamente se aproximou, se ajoelhando na


frente dele de forma a se colocar disponível – Você ta aqui pra mim ou não?

'Cause we were just kids when we fell in love

Porque éramos apenas crianças quando nos apaixonamos

Not knowing what it was

Não sabíamos o que era


I will not give you up this time

Eu não vou desistir de você dessa vez

But darling, just kiss me slow

Mas, querida, apenas me beije devagar

Your heart is all I own

Seu coração é tudo o que eu tenho

And in your eyes you're holding mine

E, em seus olhos, você está segurando o meu

Aquela resposta não seria negativa em hipótese alguma. Poncho


simplesmente não poderia mentir. Anahí estava ali, bem na frente dele, e ele
a queria. Foi a hora que ele descobriu que também tinha medo... de
machuca-la, de quebra-la ainda mais do que já estava quebrada e de não ser
capaz de consertar. Medo de irem rápido demais e não ter como voltar atrás,
porque se havia algo que Poncho descobriu naquela história toda, era que o
tempo simplesmente não voltava.

— Eu não tenho camisinha – ele confessou. Era sua última cartada, algo
que, de fato, era uma preocupação – Eu não planejei... e nós não podemos...

— Eu trouxe – Anahí interrompeu fazendo-o erguer as sobrancelhas dada a


surpresa da revelação dela – Eu sei que você não planejou. Mas eu sabia
que poderia querer. Somos nós dois sozinhos nesse lugar, Poncho. Você não
pode olhar pra minha cara e dizer que não quer.

— É claro que eu quero – Poncho segurou o rosto dela com carinho – Não
tem uma maneira que eu não te queira Any. Não inventaram.

— Você me quer, eu te quero, parece que chegamos a um denominador


comum – Anahí comentou com um tom de ironia balançando o rosto – O
que está nos impedindo?
— Ele... ele te quebrou – Poncho admitiu – Eu não quero te quebrar mais
ainda...

— Eu cheguei no fundo do poço naquele porão Poncho – Anahí rebateu –


Nada consegue me quebrar mais. Eu perdi tudo o que poderia ter perdido,
até não ter mais nada. Você não tem o que me tirar, pelo contrário. Eu sei
que você não me machucaria nisso nem que quisesse. Nós estamos nos
privando por puro medo, porque a intimidade se tornou algo desconhecido
pra nós dois. Não tem que ser assim. Eu conheço você, eu confio em você,
eu...

Ela sabia exatamente qual frase estava faltando ali. Qual frase tinha sido
dita com naturalidade por anos a fio, fosse pessoalmente, por escrito, por
telefone... e agora ela se dava conta que, desde seu retorno, desde o início
daquele recomeço, não a havia dito nem uma vez. Já passava da hora.

— Eu te amo – Anahí disse vendo o sorriso dele brotar no rosto novamente


– Sim, eu te amo. Ta vendo? Ele não tirou tanto assim de mim. Oito anos lá
dentro, oito anos perdidos, mas mesmo assim, eu nunca deixei de te amar.
Eu conservei o sentimento dentro de mim e... eu não quero deixar que isso
diminua. Então por favor, me faça sua. Me ensina novamente a ser sua, a
me entregar a você. Não me faça implorar.

— Eu não farei – Poncho roçou o nariz no dela, passando por seu pescoço.
Anahí sentiu os olhos fecharem no automático quando o calor do hálito dele
tocava sua pele – Eu nunca deixei de amar você. Nem por um minuto. Eu
desisti de tentar te esquecer...

— Mas esqueceu o sabor da minha pele, o calor do meu toque, eu tenho


certeza – ela disse, sentindo os dedos de Poncho tocarem sua pele firme –
Ta na hora de lembrar.

Estava.

Baby, I'm dancing in the dark

Amor, eu estou dançando no escuro


With you between my arms

Com você entre meus braços

Barefoot on the grass

Descalços na grama

Listening to our favorite song

Ouvindo nossa música favorita

When you said you looked a mess

Quando você disse que parecia uma bagunça

I whispered underneath my breath

Eu sussurrei bem baixinho

But you heard it

Mas você ouviu

Darling, you look perfect tonight

Querida, você está perfeita essa noite

Poncho não respondeu. Não havia mais o que ser dito. Agora, ele precisava
agir. Então simplesmente levantou e pegou Anahí nos braços, tirando-a do
chão, vendo-a sorrir com sua delicadeza. Era assim que ela precisava se
sentir: amada. Colocando-a no colchão e vendo o olhar de expectativa de
Anahí para ele, Poncho se deu conta de que não sabia sequer por onde
começar. Quando eles tiveram a sua primeira vez treze anos atrás, ambos
eram inexperientes. Eles descobriram juntos. Não havia um mundo de
traumas por trás dela. Mas agora havia e o fazia não saber como proceder.

— Você não precisa ter medo de me tocar – Anahí recomendou vendo a


insegurança latente dele.
— Eu tenho medo de te despertar lembranças – ele explicou – Você já
estremeceu várias vezes nos meus braços...

— E provavelmente vou estremecer algumas vezes ainda, até você


conseguir tirar tudo isso de mim – Anahí disse se ajoelhando na cama e
tocando o rosto dele – Me livra disso Poncho.

— Eu não acho que consiga fazer isso sozinho, tem que ser nós dois –
Poncho mordeu os lábios – Vou perguntar algo delicado e não pense que vai
ser fácil pra mim ouvir... mas eu preciso de um norte, então... o que ele
nunca fez com você?

A pergunta deixou os olhos de Anahí nublados e sua mente confusa.


Poncho não havia dito que queria fazê-la esquecer as lembranças? Por que
então estava remetendo-a a elas?

Mas mesmo sem entender a razão de ser da pergunta, ela não se acovardou
em dar a resposta.

— Ele nunca me deu prazer – Anahí confessou – Nunca foi delicado


comigo. Tudo o que ele fazia... era bruto. Porque ele sabia que eu nunca me
entregaria, então... precisava forçar.

— Certo – ele assimilou as informações, lutando para sua mente não


trabalhar na imagem daquele homem maldito obrigando-a a qualquer coisa.

— Ele sempre quis ser você – ela completou, recebendo um olhar surpreso
da parte de Poncho – Mas nunca conseguiu. Então seja você e será o
suficiente... eu acho.

Era uma boa maneira de começar.

A primeira coisa que Poncho fez foi levantar a própria camisa. Era curioso
lidar com Anahí naquela situação porque os olhos dela corriam para os
detalhes do corpo dele, desde a base da camisa, revelando sua barriga, até
os braços. O rosto dela rapidamente enrubesceu e ele lembrou da conversa
no Natal, quando se encontraram na porta da casa de Karen e Anahí admitiu
que queria vê-lo sem o suéter. Ela agora via. Poncho por isso estendeu sua
mão e a convidou a se aproximar, vendo o receio sair pouco a pouco de seu
corpo quando os dedos tocaram seu peito. Eles ganharam agilidade
conforme redescobriam o peitoral dele. Anahí parecia demais com a
adolescente que tinha sido um dia e da qual Poncho ainda se lembrava.

Well, I found a woman

Bem, eu encontrei uma mulher

Stronger than anyone I know

Mais forte que qualquer uma que eu conheça

She shares my dreams

Ela compartilha meus sonhos

I hope that someday I'll share her home

Eu espero que um dia eu compartilhe seu lar

I found a lover

Eu encontrei um amor

To carry more than just my secrets

Para carregar mais do que apenas meus segredos

To carry love, to carry children of our own

Para carregar amor, para carregar nossos filhos

Poncho, obviamente, tinha um receio de tocar Anahí. Ele sabia que ela
estava dando carta branca para os dois, para que as coisas acontecessem e
fluíssem naturalmente, mas era inevitável sua insegurança. Anahí
rapidamente juntou as peças e percebeu que não apenas ele não tiraria uma
peça sequer de roupa sua, como também provavelmente não avançaria. Ele
estava sendo gentil. Ela precisava avançar, se quisesse que eles chegassem a
algum lugar.

Por isso, Anahí se aproximou e o beijou certa de que esquentaria o sangue


dele com a forma como as línguas dos dois se roçavam. Ela rapidamente
sentiu os dedos pesados de Poncho tocarem sua cintura, sua barriga e, de
repente, quando não mais esperava, a mão dele chegou a sua perna. O toque
dele era maravilhoso e agora ela não precisava mais lembrar, estava ali,
bem em sua pele. Por isso Anahí afundou os dedos no cabelo dele, em sua
nuca, e aprofundou o beijo, sentindo o próprio sangue esquentar de volta.
Se ela estava assim, era impossível que Poncho não estivesse também.

Logo ela se deu conta de que ele estava. Não tinha como não estar. Como
no passado, Poncho a segurava pela cintura e balançava seu quadril
conforme encaixava o seu. Anahí sentia a ereção dele bem firme, tocando
sua pélvis. Ela estava completamente febril com aquele toque íntimo,
sentindo o prazer se construir pouco a pouco. De repente não era a lareira
que esquentava o quarto, eram eles. Foi o que a fez perceber que, talvez,
eles estivessem com roupa demais ainda, ela especialmente. Por isso Anahí
repetiu o gesto que viu Poncho fazer logo antes: começou a subir a própria
blusa. Como estava sem sutiã, os seios pularam para fora revelando sua
nudez.

Era a primeira vez que ela ficava nua na frente de um homem desde...
então. E o olhar que Poncho lhe lançou não poderia ser mais diferente do
que ela se acostumou a receber de Tobias. Poncho a olhava como ela olhava
para ele. Como se olha para uma coisa que não se vê há muito tempo. Havia
carinho, mas também havia desejo. As diferenças começavam ali e não
iriam parar.

— Vem pra mim – Poncho pediu, estendendo a mão e convidando-a –


Deixe rolar.

Anahí não sabia exatamente o que ele queria com aquilo, mas se deixou
levar. Poncho deitou na cama e guiou-a pela mão a fazer o mesmo, deitando
por cima dele. Sem pestanejar, Anahí fez exatamente aquilo, sentindo as
bochechas esquentarem conforme seu corpo se encaixava no dele. Para
Poncho, a sensação dos seios dela pressionarem seu peito foi o mais perto
de uma morte deliciosa que ele poderia imaginar. Logo ele viu Anahí tirar a
calça abrigo que usava e, em seguida, tentar fazer o mesmo com a dele. Foi
quando ela viu o volume do pênis dele por cima da cueca e sentiu o rosto
pegar fogo. Ao mesmo tempo que a reação tomou seu corpo, negou com a
cabeça, odiando se sentir como uma adolescente.

— Deita aqui em cima de mim – Poncho falou num sussurro – Eu quero


sentir a sua pele na minha.

Ela deitou. Era incrível como, tanto tempo depois, os corpos dos dois se
encaixavam tão bem. Não demorou nada para que Anahí entendesse o que
estava por trás daquela ideia de Poncho: colocando-a sobre o corpo dele, ela
não se sentiria sufocada ou amordaçada. Poncho não tentava nada, apenas
segurava com poucos dedos o quadril dela, por vezes os dedos raspando na
calcinha de renda que Anahí usava. Ela via as reações dele quando
acontecia, o modo como os olhos dele pareciam rolar de tesão, e aquilo a
excitava de volta. É claro, boa parte daquele componente que fazia seu
sangue correr quente nas veias era o fato de sentir o pênis dele bem duro no
meio de suas pernas. A estimulava. E com isso, os movimentos dos dois
eram quase que naturais. Os corpos dos dois se encaixavam sozinhos e a
natureza seguia seu curso.

We are still kids, but we're so in love

Ainda somos crianças, mas estamos tão apaixonados

Fighting against all odds

Lutando contra todas as possibilidades

I know we'll be alright this time

Eu sei que ficaremos bem desta vez

Darling, just hold my hand

Querida, apenas segure minha mão

Be my girl, I'll be your man


Seja minha garota, eu serei seu homem

I see my future in your eyes

Eu vejo meu futuro em seus olhos

— Poncho, eu... – Anahí murmurou – Eu não sei se consigo...

— Shhhhh – Poncho negou com a cabeça, dando um selinho nela – A hora


que você quiser parar, nós paramos. Mas não pense que você não é capaz.
Você consegue o que quiser meu amor. Esvazia a cabeça, não pensa em
nada. Somos só nós dois aqui.

Realmente eram. Ele, ela e toda a expectativa e o silêncio do mundo.

Ou nem tanto silêncio assim. Porque, conforme se mexiam, a fricção ficava


mais intensa. Anahí sentia seu clitóris sendo estimulado pelos leves
movimentos conforme rebolava sobre o pênis dele. Ela tinha desaprendido a
sentir aquilo, a sentir tanto com tão pouco. E aquele silêncio foi se
quebrando exatamente com o resultado daquilo, as respirações que ficavam
mais pesadas, os suspiros que iam escapando das bocas deles. Poncho ainda
tinha algum controle de si embora sua ereção estivesse definitivamente
matando-o, mas se mantinha ali acompanhando a escalada do prazer dela,
sentindo Anahí se apertando ainda mais nele, torcendo para que ela
estivesse errada e que ela conseguisse. Eles conseguissem juntos.

E rapidamente ele se deu conta... não faltaria muito.

— Poncho, eu... – a respiração dela estava tão falha quanto era possível –
Eu acho que estou... acho que to... perto...

— Eu to sentindo – Poncho disse não evitando sorrir – Seu corpo ta se


apertando contra o meu...

— É que... tem tanto... tanto tempo que eu... – Anahí mal conseguia
completar a frase. Estava totalmente ofegante... – Que eu não...

— Any... aproveita o momento – Poncho disse mordendo o lábio inferior –


Não fala nada, não pensa nada, só sente.
Ela sentiu. Como um tsunami, a onda que veio de dentro para fora e a jogou
para fora de si mesma. Uma explosão, intensa e desbravadora, tão distante
de sua realidade que era como se ela nunca tivesse vivido antes. Poncho não
estava dentro dela para sentir sua boceta pulsando, mas sentiu todo o corpo
de Anahí respondendo àquele orgasmo: a respiração mais falha do que
nunca, a barriga tremendo, a pele arrepiada e as unhas fincadas no braço
dele. A boca dela soltou palavras inexpressivas que ele nunca seria capaz de
entender, mas que provavelmente sempre lembraria. Ele ficou ali em
silêncio, sendo coadjuvante do prazer dela e de suas reações, dos segundos
que substituiriam oito anos de violência. Do quanto ele lhe estava
devolvendo o que ela tinha perdido e que, antes daquilo, achava que não
teria nunca mais.

Bobagem. Ela tinha de volta, ali e agora. Nos braços dele.

— Isso foi... – a voz de Anahí seguia meio falha, meio perplexa. Poncho só
sabia sorrir.

— Você... gostou? – ele perguntou. Não era óbvio?

— Foi tão bom que eu nem me lembrava – ela respondeu antes de dar um
beijo apaixonado nele. Um beijo repleto de alívio.

Baby, I'm dancing in the dark

Amor, eu estou dançando no escuro

With you between my arms

Com você entre meus braços

Barefoot on the grass

Descalços na grama

Listening to our favorite song

Ouvindo nossa música favorita


When I saw you in that dress

Quando eu vi você naquele vestido

Looking so beautiful

Parecendo tão linda

I don't deserve this

Eu não mereço isso

Darling, you look perfect tonight

Querida, você está perfeita esta noite

Para Poncho era o suficiente por uma noite, por todo um dia. Ela tinha
aceitado viajar com ele, não tinha se deixado levar pelo medo por eles irem
sozinhos por alguns dias no meio do nada. E logo no primeiro dia ela
ignorou a velha predileção pelo verão e se jogou no lago naquele frio que
fazia. Depois, deixou que ele a ensinasse a boiar, lhe deu um beijo que
desafiava a temperatura da água e agora estava ali, reaprendendo a ter
prazer bem em cima dele. Eram avanços demais. Poncho achou que ter
mais do que isso seria exigir demais dela, por isso, quando Anahí caiu para
o outro lado da cama, ele fez menção de levantar. Se surpreendeu quando,
em suas costas, Anahí segurou sua mão.

— Onde você vai...? – ela perguntou com a testa franzida. O que


acontecera? Ele não tinha gostado? O que ela tinha perdido?

— Eu... vou te dar algum espaço – Poncho admitiu – E... me recuperar.

— Ah, não me diga que você vai pra aquele chuveiro perder essa ereção –
ela negava com a cabeça sem acreditar – Poncho, não é justo.

— Nada é justo Any – Poncho devolveu – Não é justo que nós tenhamos
que fazer tudo isso pra que você não se assuste automaticamente. Não é
justo que ele tenha roubado tanto de nós, oito anos de nós, mas aqui
estamos, e a culpa não é minha, nem sua, por isso... por isso eu vou aceitar
o nosso pequeno progresso e tentamos novamente amanhã.

E Poncho já estava se levantando e caminhando levemente frustrado na


direção do banheiro quando a voz de Anahí voltou a quebrar o silêncio do
quarto que eles ocupavam na cabana, mais decidida do que nunca.

— Eu não quero parar – ela anunciou. Pelo seu tom de voz, parecia ter cem
por cento de certeza – Eu não quero tentar amanhã. Eu quero agora.

Uma voz definitivamente certa do que queria...

— Any...

— Não, não venha com "Any" pra cima de mim – Anahí disse – Sim, eu
tenho medo. Sim, eu sei que perdemos muito e sei que vai ser difícil. Mas
foi você quem me deu esperanças novamente. Você começou com isso
quando me ensinou a boiar mesmo achando que iria me afogar. E agora
você acha que eu vou, mas eu não vou Poncho... eu não vou.

— Você tem certeza disso? – ele respondeu se virando de vez para ela e
mordendo os lábios – Você não vai se arrepender...?

A resposta que Anahí deu não era exatamente o que ele estava perguntando,
mas de toda forma...

— A camisinha está numa necessaire na minha mala – ela respondeu.

Não havia mais nada a ser dito.

Baby, I'm dancing in the dark

Amor, eu estou dançando no escuro

With you between my arms

Com você entre meus braços

Barefoot on the grass


Descalços na grama

Listening to our favorite song

Ouvindo nossa música favorita

When I saw you in that dress

Quando eu vi você naquele vestido

Looking so beautiful

Parecendo tão linda

I don't deserve this

Eu não mereço isso

You look perfect tonight

Você está perfeita esta noite

Poncho se perguntou pelo menos seis vezes se estava fazendo o certo se


deixando levar daquela maneira enquanto se ajoelhava ao lado da mala dela
e pegava a tal nécessaire e achava a camisinha dentro dela. Ele ainda
pensava que talvez poderiam estar sendo apressados e inconsequentes, mas
a verdade é que todas as palavras fugiram de sua cabeça quando se virou de
volta para a cama e viu Anahí sentada nua, apenas com aquela calcinha de
renda e os cabelos caindo sobre os seios, tão bonita e sexy como nem
mesmo ele se lembrava que ela era.

Poncho não conseguiu não sorrir ao vê-la assim. Caminhando pela cama,
ele se sentou na beira mordendo os lábios e tirando a cueca, vestindo a
camisinha em seguida. Ele sentiu o movimento dela por trás e as mãos dela
logo tocaram seus ombros, sua respiração encostou em sua nuca, fazendo-o
arrepiar. Ele pensava sem parar que precisava ter todo o autocontrole do
mundo para ir com calma, mesmo sabendo que tinha quase nove anos que
não tocava naquela mulher e que, se ela costumava ser sua perdição, o
decurso do tempo tornaria tudo ainda pior.
— Você vem por cima de mim... – Poncho propôs, mas logo a viu negar.

— Não – Anahí disse com todas as letras – Eu quero sentir o seu peso.
Quero que você me ame da forma mais tradicional e piegas que a gente
conhece... a primeira com a qual você me amou, quando eu ainda era uma
garota.

— Você vai se assustar se fizermos assim – ele alertou – Eu não quero que
você se lembre dele enquanto estiver comigo.

— Eu sei que você consegue me fazer não me lembrar de nada – ela beijou
o queixo dele e depois sua orelha – Anda, vem.

Agora era Anahí quem guiava tudo. Ela deitava na cama, sussurrando que
Poncho deveria tirar sua calcinha. É claro que vinham imagens na cabeça
dela, imagens nada boas... mas para cada uma delas Anahí tentava construir
novas lembranças. Poncho ajudava, é claro, mesmo sem saber. Quando ele
tirava a calcinha dela o fazia beijando seu quadril, suas pernas, alisando a
pele entre suas coxas, eliminando a memória desconfortável daquele
homem que no passado não tão distante puxava uma peça de algodão a
ponto de machuca-la para penetra-la em seguida com a mesma falta de
delicadeza de sempre.

Poncho, não. Ao vê-la nua de novo ele contemplou. Sentiu as mãos dela
passarem delicadas por seu abdômen, rindo dizendo que ele não tinha um
tanquinho. Ele se posicionou para penetrar nela mas antes fez questão de
estimula-la com os dedos, garantindo que ela estava pronta. E quando
ajeitou o pênis próximo à entrada dela, por alguns segundos viu o olhar de
Anahí estar prestes a demonstrar seu pavor, ele hesitou. Mas logo em
seguida percebeu que precisava encontrar uma maneira de fazer com que
eles fossem até o final. Por ela. Por eles.

— Any, Any, ei – Poncho segurou o rosto dela – Sou eu aqui. Somos nós.

Anahí sabia que eram eles. Sua mente sabia, mas seu corpo, seus sentidos...
não. Poncho tinha certeza que ela precisava mais do que saber, precisava
que aqueles sentidos estivessem focalizados nele. Era isso ou nada daria
certo.
— Olhe pra mim – ele pediu – Apenas olhe pra mim...

E Anahí olhou. Ela colocou ambas as mãos no cabelo dele e continuou


encarando os olhos dele bem no fundo. Poncho lhe deu um beijo na testa,
em seguida um selinho e levou a mão livre de volta ao pênis, voltando a
começar a entrar nela. Ele se posicionou na entrada e mexeu o corpo para
diminuir o espaço entre ambos. Como encarava os olhos dela, viu as
lágrimas sair dali. A perguntava estava na ponta da língua dele quando a
resposta de Anahí foi mais rápida.

— Não pare – ela pediu. Ela quase implorou.

Poncho não parou. Pelo contrário, ele se enterrou nela, mesmo devagar,
sentindo cada pedaço da boceta dela comprimindo seu pênis. Em outras
circunstâncias ele a elogiaria de todas as formas possíveis e impossíveis,
diria que continuava gostosa e quente, mas naquele momento não cabia. Ele
deixou seus instintos de lado quando envolveu as pernas dela nas suas e
começou a se movimentar, vendo novas lágrimas brotarem de seus olhos
azuis. Estocava devagar, ditava o ritmo dos dois, sentia o suor de ambos se
acumulando e os seios dela apertando seu peito mais do que nunca, o corpo
dela se comprimindo sobre o seu e apenas dizendo o quanto sentira a falta
dela, o quanto suas peles se encaixavam e nada mais conseguia ser igual
àquilo.

Nada era mentira. Poncho naquele momento descobria que amava Anahí
mais do que a desejava, porque aquele desejo estava trancado em seu corpo
pelo nítido sentimento de que deveria ir no tempo dela. Sabia que ela
chorava cada vez mais mas não sabia o motivo, se era pelas lembranças que
vinham à tona ou pelo que reconstruíam. Mas aos poucos ela se desinibia,
segurando-o com mais força, se mexendo com mais vontade e por vezes,
colocando um sorriso no meio daquele choro. Isso lhe deu uma certa carta
branca para aumentar os movimentos, aliviado por estar dentro dela de
novo, próximo à boca dela. De alguma maneira o beijo de Anahí ficava
mais gostoso quando ele estava penetrando-a daquele jeito e ele se sentia
embriagado por ter tudo de volta: o cheiro dela, seus olhos azuis intensos,
sua pele pegajosa, o modo como os corpos dos dois se conheciam, se
reconheciam, e como tudo voltava a ser como antes, só que melhor. Porque
agora eles sabiam o que tinham perdido. E sabiam que tinham se
reencontrado e que aquilo era mais.

— Poncho, eu... eu vou... eu...

E as mesmas sensações que ela teve antes com a pélvis friccionando o pênis
dele, ainda por fora, se repetiram ali. A boceta dela tragou o pênis dele e o
apertou até o limite até que ela explodisse no orgasmo, pulsando
continuamente. Anahí soltou um suspiro de alívio e voltou a falar tudo o
que ele não entendia. Curiosamente, era quando ela ficava incompreensível
que Poncho a entendia melhor, sabia que ela estava bem, que ela estava
feliz e satisfeita e que novamente, eles voltavam a ser totalmente um do
outro. E que mesmo algumas lagrimas tendo caído no processo, valia a
pena, porque se antes o sexo lhe lembrava uma violência, agora parecia
muito mais com o prazer.

— Você conseguiu – ele celebrou – Eu sabia que você conseguiria.

— Obrigada – ela o segurou pela barba, sorrindo boba – Eu sabia que tinha
que ser com você.

— Obrigado por me escolher – Poncho deu um selinho – De novo.

— Agora é a sua vez – Anahí anunciou – Eu vou ficar ofendida se você não
quiser gozar em mim.

— Digamos que não vai ser nenhum sacrifício – ele riu mordendo os lábios.

Se fosse para ser, seria totalmente colado nela. Corpo no corpo, boca na
boca. Poncho fez questão de beijar Anahí e de segurar suas pernas,
novamente enroscadas nas dele, antes de voltar a estocar dentro dela. Agora
os braços dela envolviam seu pescoço, sentindo a pele úmida pelo suor de
suas costas sem se importar. Eles cheiravam a sexo, o quarto inteiro
cheirava e isso só o excitava mais. Depois do novo orgasmo Anahí ficou
ainda mais escorregadia por dentro, gozar duas vezes a deixou assim, então
ele tinha livre passagem para deslizar para ela e sair em seguida, fazendo e
repetindo e arrancando os suspiros de uma mulher que ainda estava
sensível. Não por tanto tempo assim, já que a explosão dele não demorou a
vir: dentro dela, segurando sua bochecha, sussurrando que a amava. Como
deveria ser. Como sempre deveria ter sido.

Dessa vez Anahí não precisou manter os olhos abertos e não houve novas
lágrimas. As de antes já jaziam secas em seu rosto e apenas o sorriso
sobrou. As lembranças do passado poderiam existir em sua cabeça mas não
em seu presente. Elas tinham sido substituídas por outras, mais intensas e
mais verdadeiras, construídas por e com amor. Lembranças de felicidade e
reencontro nos braços de quem ela sempre quis estar.

Vocêssssss que tanto esperaram, depois de 51 capítulos, ENFIM sexo


AyA!!!

Eu já queria há muito tempo ter colocado essa cena, mas obviamente


tínhamos que esperar o momento da Anahí estar pronta pra querer se
arriscar. Eu diria que 100% pronta ela nunca vai estar, mas agora encontrou
forças, coragem e principalmente, motivos pra isso.

E foi lindo né?

Até semana que vem!

Beijos,

Rafa
Capítulo 52 - In danger

Quando Anahí acordou ela se deu conta de que já tinha séculos desde a
última vez que acordava exposta a um frio daqueles. Pudera, ela tinha sido
trancafiada em um porão quente e abafado por quase uma década e após o
fim deste período, resgatada justamente no verão. Em Nova York o inverno
ainda não tinha chegado com força como estava começando a chegar ali.
Curiosamente no dia anterior Anahí estranhou não nevar, mas ao olhar para
a janela viu que não era mais o caso.

Curiosamente seu primeiro pensamento foi a confirmação de que quando se


quer algo, se deve fazer. Anahí agradeceu em silêncio por não ter nevado
antes e por isso tê-la feito ser impulsiva e se jogado naquele lago, bem
como por tudo o que veio depois. Agradeceu sobretudo por estar sentindo
um calor de respiração na nuca e o peso de um braço abraçando sua cintura
e saber que aquele corpo colado em suas costas não era do homem que lhe
causava arrepios... ao menos não arrepios ruins.

Chegava a ser difícil de acreditar e de racionalizar a forma como ela tinha


terminado a noite anterior. Como tinha conseguido dormir uma noite
tranquila e sem pesadelos, mesmo sem remédio. Poncho encontrou alguma
forma de caminhar para dentro da escuridão e lhe dar a mão, tirando-a dali,
quem sabe de vez. Ela nunca iria entender ao certo o que acontecia entre
eles, mas o fato é que algo nele a tinha feito conseguir se entregar. E Anahí
sorria ao lembrar de tudo, sentia o rosto esquentar ao recordar a delicadeza
dele, o modo como Poncho tinha conduzido os dois e conseguido dar prazer
a ela mesmo quando parecia impossível.

Só que, passado o prazer, passada a noite de sono, Anahí tinha um único


desejo: dividir aquilo com alguém. Com quem sempre tinha dividido tudo.

Maite estava no meio de um enjoo matinal quando seu celular apitou


porque, em um quarto de uma cabana em Vermont, decididamente longe
dali, Anahí tinha feito um esforço para alcançar a mesa de cabeceira e seu
celular. E mandou uma mensagem com uma única palavra que, mesmo
dizendo pouco, dizia tudo.

"Rolou".

É claro que a morena deu um verdadeiro pulo do sofá e abriu um sorriso


gigantesco quando viu a mensagem. Ela rapidamente se lembrou de quando
Mane e ela tinham transado pela primeira vez e do quanto tinha sido bom,
tinha atingido a alma. Se foi assim com eles, imagina como fora com Anahí
e Poncho? Com o casal que se amou a vida inteira, teve aquele amor
interrompido, ficou separado por oito anos e que agora tinham em Anahí
uma mulher destruída que tentava colar os próprios pedaços? Sem dúvidas
vários daqueles pedaços estavam sendo recolados naquele momento.
Poncho devolvia a Anahí algo que definitivamente a pertencia, sua
sexualidade, seu lado mulher. Não era qualquer coisa.

— Luna? – Mane chamou pela namorada, estranhando sua reação –


Aconteceu algo?

— Não – Maite negou contendo sua reação – Nada, é só... uma coisa.

A morena obviamente optou por ser discreta. Sem conseguir, no entanto,


tirar aquele sorriso imenso dos lábios, ela digitou de volta para Anahí. O
pedido era simples: "ME CONTA TUDO!".

A resposta de Anahí – que também sorria tanto quanto cabia no rosto – não
demorou nada a vir. "Estou com um pouco de dificuldade de digitar porque
ele ta totalmente colado em mim. Mas eu tenho que dizer que nem lembrava
mais como era me sentir assim. To com tantas, mas tantas partes do corpo
doloridas... mas acho que quero me sentir assim o resto da semana. Esse
tipo de dor vale a pena sentir".

É lógico, Maite queria abraçar Anahí naquele momento e se gabar dizendo


que já sabia. Que se Poncho tinha sido maravilhoso da primeira vez, ele
seria de novo e de novo. Ela estava totalmente feliz pela amiga recuperar
pouco a pouco de si, coisas que tinham ficado para trás, pontos da vida que
ela acreditava serem imutáveis. Maite sabia que era só o começo. Não que
ela não acreditasse antes, mas agora conseguia claramente vislumbrar o
futuro feliz que esperava Poncho e Anahí. Ela se via ajudando a prender os
botões do vestido de noiva da amiga, discutindo quem pegaria seu buquê,
até compartilhando segredos de sua futura maternidade quando a amiga
estivesse grávida. Tudo ficaria bem, Tobias seria condenado, as sombras
seriam deixadas para trás. Eles poderiam viver em paz.

É claro que os movimentos de Anahí acabaram por acordar Poncho. Ele


estava preso ao corpo dela como um polvo, seus braços como tentáculos
envolvendo-a. Era saudade de tê-la nos braços daquela forma, tão sua.
Dessa forma, quando Anahí se esticou para pegar o celular e digitou a
mensagem para Maite, obviamente se mexeu bastante fazendo ambos e
acordou o homem que até então estava apagado e relaxado ao seu lado, mas
que não parecia nem um pouco incomodado por ter o sono interrompido.

— Você acordou cedo – Poncho disse ainda com os olhos fechados,


sentindo-a se remexer na cama para abraça-lo – Como você está?

— Com frio – Anahí murmurou – Meu nariz ta congelando.

— Não era a isso que eu tava me referindo – ele franziu a testa, finalmente
abrindo os olhos e vendo-a sorrir.

— Eu sei que não – Anahí fez uma careta – Eu estou... não sei, diferente.

— E isso é bom?

— Definitivamente – ela confirmou dando um selinho nele – Dormi bem, se


você quer saber. Sem remédios, sem pesadelos.

— Realmente bem – Poncho sorriu satisfeito – Eu estava com medo de


acabar te assustando.

— Nessa história toda você acabou esquecendo que eu sou uma mulher que
gosta de ser satisfeita – Anahí devolveu totalmente provocante – E você me
satisfez ontem... de uma maneira que eu nem lembrava mais. Afastou
muitos fantasmas de mim. Eu me sinto mulher de novo.
— Será que posso te fazer mulher de novo? – ele mordeu os lábios já
começando a subir por cima dela – Ou seria pedir demais...?

— Será que pode ser depois de tomar café da manhã? – Anahí fez uma
careta – Eu estou faminta.

Ele quase tinha se esquecido que ela tinha toda a fome do mundo de
manhã... na verdade em todas as horas do dia, mas de manhã mais ainda.
Poncho riu, negando com a cabeça e imediatamente fazendo do desejo dela
uma ordem. Logo ele estava em pé na cozinha, preparando sanduiches com
frutas e iogurtes, o café da manhã que ela gostava – embora soubesse que
provavelmente meia hora depois Anahí reclamaria que queria café preto.
Ela era dependente de cafeína, Poncho lembrou enquanto cortava morangos
e jogava sobre o iogurte. Quando caminhou de volta para o quarto viu uma
Anahí esparramada na cama, os cabelos jogados pelo travesseiro, com um
sorriso nos lábios e os dedos digitando uma mensagem para Maite.

Uma resposta para a pergunta dela: "Por que você ainda não me contou
absolutamente TUDO?".

Anahí estava ocupada dando alguns detalhes e se intimidou com Poncho se


sentando ao seu lado e gentilmente pegando o celular das mãos dela,
apagando tudo o que ela tinha escrito. Rapidamente ela levantou e franziu a
testa.

— O que você...

Mas ele não respondeu. Apenas digitou a resposta ("Porque ela está
ocupada com o segundo round. Depois ela te conta tudo. Poncho") e
enviou antes que Anahí pudesse impedi-lo. Mas ela não estava brava. Pelo
contrário... estava rindo.

— Eu queria ver a cara dela nesse momento – Anahí comentou negando


com a cabeça e recuperando o celular, que ficou na mesa de cabeceira.

— Não queria não – Poncho negou – Você queria ficar aqui, sozinha
comigo que eu sei.
— É – ela reconsiderou – Digamos que eu prefira.

— Vamos alimentar você então – ele sorriu após constatar que estava certo.

Anahí era o tipo de pessoa cujo humor dependia do estômago. Ali estava
ela, entusiasmada com uma bandeja de café da manhã, fazendo Poncho
sorrir por toda a sua espontaneidade. Logo eles não estavam mais um de
frente para o outro e ela devorando o café da manhã. Conforme a bandeja
foi se esvaziando, Anahí estava entre as pernas dele, sentada em seu peito, o
peso jogado sobre seu corpo.

— O que faremos hoje? – ela perguntou curiosa. As atividades do dia


anterior estavam, pelo visto, suspensas...

— Você e essa sua boca – Poncho riu – Nevou. Não há muito a fazer lá
fora, a não ser...

— Bonecos de neve? – Anahí franziu a testa rindo. Não era bem o que ela
tinha em mente e, pelo visto, nem ele.

— Eu acho que temos coisas mais interessantes pra fazer dentro desse
quarto – ele respondeu mordendo a orelha dela.

Definitivamente mais interessantes.

Poncho sabia que não era porque Anahí tinha se entregado na noite anterior
que ela tinha voltado a ser como era quase uma década atrás. Aquela Anahí
não tinha fantasmas e ele tinha certeza que não tinha exorcizado todos da
atual. Por isso a lógica que dava certo seguia: mordia a orelha dela
deliberadamente enquanto a mão escorregava por dentro daquela blusa de
pano mole que ela usava e dava caminho livre para seus seios. Ela precisava
se excitar aos poucos e era isso que ele iria fazer.

— Eu tinha esquecido do quanto esses seus dedos são fabulosos – a voz


dela já estava falha.

— Estão à sua disposição – Poncho sussurrou no ouvido dela – O que você


quer que eu faça?
— Não sou capaz de te pedir pra parar isso – Anahí respondeu sôfrega –
Porque está tão, tão...

— Se é assim... – Poncho disse saindo de trás dela – Eu vou tornar melhor.

Ela não acreditava que ele poderia, mas Poncho sempre aceitava o desafio.
Exatamente por isso ele saiu daquela posição e botou Anahí à sua frente,
tirando a blusa dela sem deixar chance para arrependimentos. Rapidamente
a boca roçou em seus seios e Poncho os abocanhou, apenas ouvindo os
gemidos dela. Tinha certeza de que Anahí fechara os olhos enquanto a
cabeça caíra para trás de tesão. Ele só sentiu os dedos dela em seus cabelos
e apertando-os. Era uma bela prévia do que estava para vir, já que, se ele
conseguia tanto com tão pouco...

— Ei, escute – Poncho disse após deixar os seios dela para trás. Ambos
estavam vermelhos dado o tempo que ele lhes havia dedicado – Sou eu
aqui. Se em algum momento você esquecer disso por qualquer motivo que
seja... abra os olhos e você me verá.

— Eu não vou esquecer – a voz dela era convicta – Se funcionou ontem,


hoje será mais fácil ainda.

— Eu espero – Poncho disse arrancando a camisa – Não precisamos de


lareira, você me esquenta.

— Eu não vou transar com você o dia inteiro – Anahí ria, mas Poncho
conhecia o apetite sexual dela e isso dizia o contrário...

— Enquanto resolver transar o problema está resolvido – ele disse voltando


a beijar a boca dela.

Anahí estava completamente excitada em seguida. Dessa vez a camisinha


estava na mesa de cabeceira, não mais na mala – afinal, por que guardar tão
longe deles? Bastava que ele tirasse a calça dos dois e pronto, estariam
livres. Nem tanto assim. Ele teve o cuidado de tocar Anahí para se certificar
que ela estava excitada o suficiente. Não queria nem cogitar penetra-la
antes do tempo e arriscar assusta-la mais uma vez.
Mas não era o caso, ele rapidamente constatou.

— Deus, você está encharcada – Poncho observou abrindo um sorriso que


mal cabia no rosto.

— Fazer o que se você me excita? – os olhos de Anahí estavam


decididamente colados nos dele.

— Eu sei o que podemos fazer...

E eles faziam. Eles fizeram. Poncho sabia que ainda não era o momento
para um sexo duro e forte, mas eles chegariam lá. Dessa vez ele, após despi-
la, puxou Anahí para o seu colo. Achava arriscado demais continuar
transando por cima dela e pudera, ela sempre gostou daquela posição. O
sorriso travesso que viu nascer em seus lábios disse por si. Anahí deixou
que as pernas envolvessem a cintura dele e a natureza fez o resto com seus
corpos se encaixando. Ela deu um grande gemido quando sentiu o pau dele
entrar em sua boceta e agradeceu aos céus por estar excitada o suficiente
para que Poncho deslizasse dentro dela.

— Isso, isso... – ele gemeu – Boa menina... rebola em mim, meu amor.

— Como se eu tivesse escolha – Anahí respondeu com uma rebolada. Cada


vez que se mexia com ele ali era uma deliciosa revirada de olhos.

— Eu também não tenho – Poncho mordeu o ombro dela – Meu corpo


escolhe você, meu pau escolhe você... eu sou todo seu.

— Então goza dentro de mim – ela pediu – Goza até você se acostumar
comigo de novo...

O que Poncho sabia e nunca se desacostumaria era do modo como o corpo


dela se apertando contra o dele quando estava perto do ápice. Se excitar
Anahí poderia ser algo complicado, o mesmo não se poderia dizer de leva-
la ao orgasmo. Uma vez excitada, Anahí gozava em poucos minutos. E
antes mesmo de penetra-la Poncho já sabia que ela estava. Anahí estava
mais ousada que na noite anterior, como se tivesse adquirido segurança.
Agora ela sabia onde estava e com quem estava. O medo já não era um
elemento tão forte.

— Está bom? – Poncho perguntou para garantir – Você está gostand...

— Eu to quase gozando Poncho – Anahí fincou as unhas nas costas dele –


Espero que isso respond...

A frase sequer foi completa. Poncho sorriu sentindo a boceta dela friccionar
seu pau e aperta-lo mais ainda, enquanto o corpo dela estremecia. Anahí
grudava nele para, em seguida, relaxar e se jogar sobre o seu corpo, a
respiração indo do mais agitado para algo ofegante. Antes inquieta, depois
tranquila e sorridente.

— Sua vez – ela murmurou sôfrega no ouvido dele.

— Eu posso esperar... – Poncho garantiu, mas Anahí já tinha uma resposta


na ponta da língua. Ela sempre tinha.

— Você ta perdendo tempo que poderia estar me fodendo.

Essa era Anahí.

Poncho a segurou pelo quadril antes de começar a penetra-la. Ele ia mais


forte e mais fundo comparado ao dia anterior, guiando cada movimento.
Estava atento aos gemidos dela para garantir que não havia sombra de medo
ali. E de fato, não havia. Anahí estava sensível e a sensibilidade a deixava
mais suscetível a gemer bastante mesmo já tendo gozado. Provavelmente
gozaria de novo se ele se demorasse muito, mas Poncho não era lá tão
diferente dela assim. Minutos depois ele gozou, igualmente sôfrego,
igualmente entregue. Anahí não entendia as palavras dele assim como ele
também não conseguiu entender bem as dela... mas tinha certeza que,
quanto mais racionalidade no sexo, menor o prazer.

Neste caso, ela tinha certeza que, tal como ela, Poncho estava muito, mas
muito satisfeito.

xxx
Enquanto em quarto de uma cabana em Vermont, Anahí e Alfonso
alcançavam o mais perto do paraíso, em Nova York, mais precisamente em
uma simpática confeitaria no Brooklyn, a realidade chegava a estapear.

Sophia tinha encontrado uma maneira de orgulhosamente usar o anel de


noivado mesmo durante o trabalho. Sempre que ela estava na cozinha com
as mãos ocupadas, ela tirava a peca; mas, ao mesmo tempo, todas as vezes
que estava na área externa do trabalho, ela exibia em seu dedo anelar direito
o reluzente anel que firmava seu compromisso com Jesse. Como Maite
brincou uma daquelas vezes, a pedra reluzia a quilômetros de distância, tal
como o sorriso da mulher que a carregava em seu dedo, o sorriso de quem
já tinha começado a pesquisar e cuidar dos preparativos para o seu grande
dia.

Como eles estavam entre o Natal e o Ano Novo, as escolas estavam de


recesso natalino, de forma que Samantha por vezes ficava com a babá, por
vezes ia para a confeitaria com o pai, o que era o caso daquela manhã. A
menina ficava numa mesa próxima ao caixa, pintando um livro de colorir
com a expressão séria de quem estava concentrada. Todos os amigos de
Jesse e de Sophia que chegavam ao local acabavam se sentando com ela e
conversando um pouco, já que, embora tivesse apenas cinco anos, sabia se
comportar como uma pequena adulta quando queria.

Todos os amigos... menos um.

— Fo-deu – Lívia disse pausadamente as sílabas quando olhou para a porta


da confeitaria e viu quem estava entrando ali.

Chad.

A garçonete não tinha sido a única a notar a presença indesejável. Jesse


tinha como hábito levantar a cabeça sempre que ouvia a porta abrindo e viu
Chad tão rápido quanto ele apareceu. Imediatamente seu humor azedou, já
que tinha quase esquecido que aquele cara existia, quase... a vida estava
realmente boa, já que ele e Sophia estavam juntos e noivos, Samantha dava
sinais de melhora, os amigos estavam bem, voltando a ser um grupo unido...
é claro que algo seria estragado. Ele só não esperava que viesse logo,
tampouco que fosse na presença justamente do homem que tinha ajudado a
destruir seu relacionamento com Sophia da outra vez.

Ajudado, é claro. Porque agora Jesse sabia onde tinha errado, e não estava
disposto a repetir.

Lívia estava do outro lado da confeitaria servindo um café, mas com os


olhos de águia observando os chefes. Sophia, alheia a tudo, estava
atendendo um cliente no balcão enquanto Chad se aproximava. Mas o
temor dela era em Jesse, murmurando consigo mesma uma torcida para que
ele enfim mostrasse o quanto tinha mudado e não se metesse. Chad
marcaria menos pontos se Jesse soubesse jogar. Lívia quase cruzava os
dedos para que ele soubesse disso e não entregasse os pontos.

— Então... você está noiva – Chad disse ao chegar na frente da "amiga".

— Chad – Sophia arregalou os olhos ao vê-lo parado ali – Oi...!

A menção ao nome chamou a atenção de Samantha, que, enfezada, levantou


o rosto, revirou os olhos e deixou de pintar, observando a cena. Ela não era
a única, Lívia e Jesse faziam o mesmo, mas rapidamente a garçonete
percebeu que, embora o chefe estivesse azedo de tanto ciúme, embora
tivesse certeza que ele arrancaria Chad dali sem hesitar, Jesse não faria
nada. Ele já estava se contendo. Então era esperar que a própria Sophia
dispensasse o amigo e tudo voltasse a ficar bem. Samantha apenas fazia
uma cara de evidente desagrado olhando a cena, mas tudo estava tranquilo.
Era seu pai que tinha potencial para estragar todo o avanço feito, não ela – e
estava na cara que Jesse iria se conter o quanto poderia.

— Nós não nos vemos há muito tempo – Chad continuou – Então eu pensei
em fazer uma visita, espero que não tenha problema.

— Não, não tem – Sophia respondeu negando, dando a volta no balcão para
encontra-lo e dar um abraço – Então, como você está?

Era evidente que ela estava sem graça, sem saber como reagir. A última vez
que tinha visto Chad tinha sido através de um ultimato para que ele ficasse
fora da vida dela caso não concordasse com os seus rumos. Chad tinha
surgido naquele momento para demonstrar sua discordância com o fato de
que Sophia estava prestes a reatar seu relacionamento com Jesse. Ele queria
ser uma lembrança de que, se não tinha dado certo da primeira vez, tinha
tudo para nunca dar certo. Mas o que Sophia fez foi afasta-lo e, em seguida,
cair nos braços de Jesse de novo. Chad acabou percebendo que tinha dado
vários passos para trás, então estava ali com o objetivo claro de voltar a
marcar pontos.

— Eu... estou bem – ele disse cortês – Mas acho que não tanto quanto você.
Soph, você está noiva. E eu... descobri pelo Instagram.

— Todo mundo descobriu – ela riu negando com a cabeça – Exceto minha
mãe, é claro. Eu liguei pra ela antes de anunciar. Você não está chateado,
não é?

— Ele está te fazendo bem? – Chad perguntou, vendo-a assentir – Não está
te machucando de novo? Porque essa é a minha única preocupação. Eu
quero ver você feliz Soph.

— Ele me faz muito feliz – Sophia garantiu sorridente – Nós somos uma
família.

— Então está tudo bem pra mim – Chad confirmou – De verdade. Parabéns.

O que quer que Chad e Sophia conversassem, qualquer que fosse o rumo
daquela conversa, não agradava Jesse nem um pouco. Ele tinha os olhos
fixos na noiva e em seu suposto amigo, acompanhando cada olhar que Chad
lançava para ela, esperando que ele desse qualquer passo em falso para a
máscara cair... mas nada acontecia. E nesse meio tempo, todo mundo que
entrava na confeitaria, ele levantava o rosto. E numa dessas vezes, Jesse se
deparou com a última pessoa que esperava ver ali.

Não era possível.

— Lívia? – Jesse chamou, vendo a funcionária andar a largos passos para


ele. Mas no fim, ela pensava se tratar de uma coisa quando era outra
totalmente diferente – Tire a Sam daqui. Leve-a para o escritório. Agora.
— Ok – Lívia respondeu franzindo a testa e tratando de rebocar Samantha o
mais rápido possível dentro da resistência que a menina obviamente
ofereceu.

Quando Sophia viu Lívia tirando Samantha a todo custo dali ela estranhou,
a princípio sem entender. Levantando o rosto em meio à fala de Chad, seus
olhos alcançaram Jesse, já que o primeiro raciocínio a fez pensar que o
noivo estava prestes a interromper a conversa dos dois... mas não era nada
daquilo. Jesse olhava fixamente para outro lugar, para outra pessoa. E
quando ela procurou a direção que ele encarava, se deparou com a imagem
que explicava tudo e na qual ela não conseguia acreditar.

Tobias Menzies.

— Meu Deus do céu – Sophia murmurou chamando a atenção de Chad, que


rapidamente olhou para trás, mas não entendeu.

Ninguém entenderia...

Só que, antes que ela pudesse ter qualquer tipo de reação, Jesse, após ter
certeza que Samantha não estava mais ali, avançou para Tobias de uma
forma tão decidida que Sophia teve certeza que ele não deixaria nada
sobrar.

Por sorte – de Tobias, provavelmente – Chad foi mais rápido. Jesse estava
cego de raiva, com sangue nos olhos e já estava pronto para surra-lo se
possível até a morte. O que não esperava era que o rival fosse praticamente
correr para impedi-lo, certo de que ele cometeria um erro enorme se fosse
deixado chegar até o final. O que Sophia e todos os clientes e funcionários
viram foi Jesse caminhando a largos passos para agredir um cliente e o
homem que ele mais detestava até então se tornar o segundo mais detestado
– e justamente aquele que o impediria de ir até o fim.

E no fim, uma voz debochada...

— Ora ora, é assim que vocês tratam os seus clientes? – a voz arrastada de
Tobias parecia mais irônica do que nunca – Eu não sabia.
— Seu desgraçado – Jesse urrou – ME SOLTA!

— É claro que não, você ta louco? – Chad devolveu ainda segurando-o –


Jesse, não vale a pena!

— É claro que vale, ele estuprou a minha amiga!

— Ela tem uma ordem de restrição – Sophia lembrou, ainda atrás de Jesse,
mas definitivamente encarando Tobias sem qualquer sombra de medo –
Você não pode chegar a cem metros de onde ela está.

— Exatamente por isso que estou aqui hoje – Tobias disse calmamente –
Ela está viajando, não é? Não tem perigo algum então, eu não violo decisão
alguma.

Chad achou que Jesse fosse explodir. Teve que fazer o dobro de força para
mantê-lo ali. Já Sophia sentiu um enjoo forte tomar conta de seu corpo. Era
óbvio, Tobias sabia cada passo de Anahí. De alguma maneira ele estava
vigiando-a e só tinha ido ali porque sabia que ela não estaria, que estava
viajando com Poncho. Era possível que ele soubesse até mesmo onde os
dois estavam. E aquilo colocava toda a situação num nível sem precedentes,
que nenhum deles poderia imaginar.

Então era hora de agir. E como Jesse estava insano, era Sophia quem teria
que fazer.

E ela fez. Caminhando até Tobias em passos largos que Jesse não poderia
impedir, ela pegou o bule de café que tinha em mãos e despejou na calça de
Tobias.

— Que... – Tobias grunhiu – SUA VAGABUNDA...!

— NÃO OUSE FALAR ASSIM COM ELA! – Jesse gritou violento, mas
Sophia não se acovardou. Pelo contrário... ela ainda peitava Tobias.

— Não ouse aparecer aqui, seu monstro!

E a surpresa: as mulheres ao redor dela a aplaudiram. Foi a hora que os três


– Chad, Jesse e ela – se deram conta que todos os clientes da confeitaria
observavam a cena. Provavelmente todos sabiam quem era o homem que
eles confrontavam. E enquanto os homens se calavam, as mulheres faziam o
barulho sonoro de quem dava todo o apoio do mundo.

— Apareça aqui e eu serei a sua morte – Jesse anunciou fixo em Tobias –


Não vai ter sempre alguém aqui pra me impedir.

— A ordem de restrição é apenas contra ela – Tobias revidou debochado –


Sorte que eu sempre sei onde ela está.

Aquela possibilidade fazia a boca de Sophia amargar. Foi com a mistura de


raiva e de desdém que Tobias saiu dali. Foi após ele sair que Chad afrouxou
Jesse, vendo que já não havia mais risco dele sair galopante para agredir
aquele homem. Sophia, por sua vez, sentiu a boca voltar a amargar, indo
para dentro da cafeteria com pressa e correndo para o banheiro mais
próximo, por pouco não conseguindo conter o vômito que já subia por sua
garganta. A ideia de Anahí ser perseguida por aquele homem lhe dava
náuseas que não teria como lidar. E logo os dois estavam atrás dela, Chad
em pé na porta do banheiro, Jesse apoiando-a segurando seus cabelos.

— Não se preocupe – Jesse disse ajudando-a a se levantar e lavar a boca –


Ele não vai fazer nada com você, eu te prometo.

— Não estou com medo por mim, e sim pela Any – Sophia disse mordendo
os lábios – Você o ouviu. Ele está controlando os passos dela, e isso... é
repugnante.

— Vocês precisam tomar cuidado – Chad recomendou – Já deu pra ver que
esse cara vai se valer de quando ela não estiver por perto para intimidar...

— Você não deveria ter me segurado – Jesse resmungou – Eu teria


quebrado a cara dele.

— Que bom que eu segurei então – Chad alfinetou fazendo uma careta –
Porque não resolveria nada, honestamente.

— Chad... obrigada – Sophia respondeu grata – Eu... não sei como


agradecer...
— Ele é um estuprador Soph – Chad deu de ombros – Não dava pra ser de
outro jeito.

E a cada giro do tabuleiro havia uma surpresa diferente...

Obviamente Maite, Lexie, Christian e Mane foram imediatamente


informados do incidente da confeitaria. Foi a própria Sophia quem notificou
os amigos, deixando de fazer o mesmo com Poncho já que ele estava com
Anahí em toda a paz do mundo naquela cabana bem longe dali. Obviamente
o grupo se dividiu entre contar ou não a Poncho o que tinha acontecido:
Lexie, Mane e Jesse eram favoráveis à sinceridade e Sophia, Maite e
Christian achavam por bem manter o casal numa bolha. Esse segundo
posicionamento acabou ganhando força e convencendo Lexie, deixando
Jesse e Mane isolados. Anahí e Poncho assim ganhariam alguns dias a mais
de paz, sem imaginar o furacão que os esperava em Nova York.

Mas a paz era real em Vermont. Maite sentiu isso quando viu as mensagens
de Anahí naquela manhã. O ímpeto de dizer a verdade foi interrompido pela
certeza de que não tinha o direito de estragar a felicidade da amiga. Não era
justo.

— Ninguém vai tirar a tranquilidade dela – Maite disse suspirando e


colocando o celular na mesa de cabeceira – Ela está absolutamente bem,
feliz e transando. Ninguém ouse avisar nada ao Poncho.

— Transando...? – Christian arregalou os olhos – VOCÊ TA FALANDO


SÉRIO?

— Mais sério do que nunca – a morena sorriu – Mane, eu sei que você ta
preocupado, mas ela ta nas nuvens. Nós não podemos tirar isso dela.

— Ok – Mane deu um suspiro – Se não é justo com o Poncho, imagine com


ela... mas e se ele for até lá Luna? E se ele...

— Ele não vai – Christian insistiu – Ele pode saber onde ela está, mas quer
intimidar. Quer se mostrar no controle. Se nós dissermos ao Poncho e
deixarmos os dois com medo, faremos o jogo dele. Os dois estão bem e
provavelmente vão transar o resto dessa viagem. Ela já ficou oito anos sem
orgasmos, Deus sabe que ta precisando.

E estava mesmo.

Do céu ao inferno em um único capítulo... que tal?

Depois dessa chuva de amor (e de outras coisas) de AyA, eis que o the
monio chega em grande estilo mais vivo do que nunca... e pelo visto
sabendo mais da Anahi do que todo mundo esperava.

E aí?

E o que acharam das reações: Sophia, Jesse... CHAD?

Será que os amigos fizeram bem em deixar AyA na bolha?

Perguntassss! Me respondam!

Beijos,

Rafa
Capítulo 53 - Other memories

Poncho e Anahí ficaram mais uma semana em Vermont, até depois do Ano
Novo. Todos os dias ela o via pegar o celular à noite, ligar para Daniel e
argumentar de diversas maneiras as razões pelas quais não estava indo para
Boston visitar o filho. Anahí o ouvia com o coração um tanto apertado já
que testemunhava Poncho meio que mentir para o menino, já que ele não
dizia onde estava, muito menos com quem. De certa forma, por mais que
Poncho evitasse magoar o filho admitindo que seu casamento com sua mãe
tinha terminado, acabava por alimentar aquela expectativa pelo tempo que
não voltava.

E como todo sonho, sempre chega a hora de acordar.

Foi no segundo dia do ano. Por mais que ambos estivessem tristes por saber
que teriam que voltar para a vida real, estavam com a boa dose de felicidade
causada por todos aqueles dias que passaram ali. Anahí não parecia tão
incomodada assim, já que ainda estava em transe pelos dias que eles
passaram ali. Era uma lição: não ficar triste pelo que os esperava, mas sim
esperar pelo que ainda viveriam mais para frente.

— Quando tudo ficar bem... – Poncho prometeu – Quando o Dani souber de


nós e depois que ele aceitar... nós voltamos aqui. Nós três. Como uma
família.

— Poncho... – Anahí mordeu os lábios – A família do Dani são a Diana e


você.

— Também – ele concordou – Mas você cabe nisso. Quer dizer... se um dia
a Diana reconstruir a própria vida e conhecer outra pessoa, ele não será
parte da vida e da família do meu filho? Por que você ficaria de fora?

— Porque esse cara não destruiu a família do seu filho – ela suspirou
pesarosa pela primeira vez em dias. Poncho, por outro lado, não parecia
disposto a deixa-la se abater.
— Deixe de ser boba – ele segurou o rosto de Anahí sorrindo – Você não
destruiu a família dele. Como você mesma disse, Diana e eu sempre
seremos a família do Dani, juntos ou separados. Ela é uma boa mãe e eu sei
que vai saber levar tudo de uma boa maneira porque ele é o que realmente
importa entre nós. E eu sei que o meu filho vai aprender a te amar... é
impossível não aprender a te amar.

Pronto. Ele tinha conseguido devolver o sorriso à boca dela.

A viagem de volta foi tão animada quanto a de ida. Poncho dirigia com
mais cuidado porque agora, nevando, a pista estava mais escorregadia, mas
os dois não tiveram problemas em chegar em Nova York. Anahí olhava a
janela vendo as paisagens, os arranha-céus, as miragens que tanto gostava e,
mesmo sabendo que Poncho e ela ficariam alguns dias separados, sem se
verem, não conseguia ficar triste. Depois daquela semana ao lado dele e
isolada do mundo, como se nada mais existisse, tudo o que passava em seu
peito era gratidão.

Mas é claro, os problemas os esperavam, acumulados em carreatas. Tão


logo pisaram no Brooklyn o celular de Poncho apitou. O aparelho estava
jogado no console do carro e Anahí automaticamente olhou e viu uma
mensagem de Keith. Imediatamente franziu a testa sem entender o que seu
pai queria com ele.

— Por que o Keith ta te mandando uma mensagem? – ela franziu a testa.

— Eu não sei – Poncho franziu de volta – Você pode abrir se quiser.

— Eu não qu...

Não houve tempo para resposta. No minuto seguinte era o celular dela que
tocava em seu bolso e dessa vez era Karen quem ligava. Anahí franziu a
testa já começando a ficar apreensiva. Afinal, se ambos os pais estavam
procurando por eles, algo devia ter acontecido.

— Mãe? – Anahí já atendeu com a voz indicando tensão.


— Oi butterfly – a de Karen, por outro lado, parecia suave – Você e Poncho
já chegaram a Nova York?

— Sim, estamos no Brooklyn – a testa dela seguia franzida – Aconteceu


alguma coisa?

— É que... – ela hesitou – Vocês poderiam vir até aqui? Ou atrapalharia?

— Não, não atrapalharia – Anahí mordeu os lábios – Nós estamos indo.

Obviamente Poncho não se opôs, ele estava tão curioso e apenas um pouco
menos apreensivo que Anahí. Sabia que Karen não atrapalharia a
intimidade e a rotina da filha por qualquer motivo, Keith menos ainda. Eles
não tinham apenas ligado para Anahí, tinham mandado mensagens para
Poncho indicando que algo estava errado. E Poncho nem conseguia
imaginar o que poderia ter acontecido, apenas ficava tenso imaginando e
sentindo a tranquilidade daqueles últimos dias evaporar, escorrer entre seus
dedos. Ele mudou o caminho e seguiu para o já conhecido trajeto até a casa
da sogra, torcendo para o que quer que fosse, não ser grave o suficiente para
minar sua pretensão de ir para Boston naquela noite e deixar Anahí sozinha.

Tão logo Poncho estacionou do outro lado da rua da casa de Karen, Anahí
viu Arthur parado na porta da filha, os braços cruzados e a expressão
aborrecida. Antes que ela pudesse ter qualquer reação, já foi capaz de ouvir
o que o avô disse.

— Karen! Eles chegaram! Venha ver com os seus próprios olhos pra parar
de se apavorar...!

Imediatamente os dois se entreolharam, mais confusos do que nunca. Tinha


algo muito errado ali.

— Que merda aconteceu? – Anahí questionou – Por que tanto suspense?

— Bem, vamos descobrir – Poncho respondeu ao trancar o carro e


entrelaçar os dedos com os dela.
Não era esse tipo de chegada a Nova York que eles esperavam. Ainda mais
depois de uma viagem daquelas, Anahí esperava por outro tipo de recepção,
digna dos dias que tinha deixado para trás, do tamanho do passo que dera
naquela cabana em Vermont. Claro, a família não fazia a menor ideia do
que tinha acontecido, por mais que pudesse supor caso juntasse as peças
pela semana que os dois passara sozinhos.

Mas bastava de especular. Quando Anahí chegou na porta ela estava aberta
mas o avô não estava mais ali. Karen, por outro lado, ao lado de Ellie,
esperava a filha na sala e não tardou a abraça-la assim que os dois
colocaram os pés ali. Anahí viu os avós e o pai parecerem tensos em sua
frente enquanto era envolvida pela mãe, sem saber que Poncho ficou mais
ainda ao perceber a expressão de todos.

— Certo, o que está acontecendo? – Anahí perguntou, quase exigiu saber,


definitivamente cansada de todo aquele rodeio.

— Já disse que ela está bem Karen – Arthur resmungou com a filha mais
uma vez – Não precisava disso tudo.

— É claro que precisava, ela é minha filha, eu me preocupo – Karen


devolveu para o pai, visivelmente contrariada.

— E eu te disse que Poncho a protegeria – Arthur finalizou. Anahí, por sua


vez, parecia aborrecida.

— Poncho me protegeria de quê?

— Tobias Menzies apareceu na confeitaria da Sophia enquanto vocês


estavam viajando – Keith finalmente revelou – E deu a entender que sabia
que vocês estavam fora da cidade. Que inclusive sabia onde vocês estavam.

Anahí rapidamente sentiu uma fraqueza nas pernas. Por sorte Poncho estava
atrás dela, notou o impacto da informação em seu corpo e a segurou pelos
ombros, evitando que ela caísse. Mas tinha sido um baque inegável. Anahí
sequer sabia exatamente o porquê daquela sua reação: se era o medo do que
Tobias poderia fazer, o temor de um novo sequestro ou a repulsa pela ideia
dele estar vigiando-a. Será que ela nunca estaria livre daquilo?
E uma vozinha em seu cérebro deu o tom da resposta: estaria livre, quando
Tobias não estivesse mais... a liberdade dela dependia da prisão dele. Era
óbvio.

— Como ele poderia saber onde nós estávamos? – Poncho franziu a testa e
cruzou os braços, obviamente incomodado – Praticamente ninguém sabia
além de vocês e dos nossos amigos. Eu não disse sequer aos meus pais.

— Nós não sabemos Poncho – Keith continuou – Mas pelo que o Jesse
disse, ele só apareceu por lá porque sabia que a Any não estava na cidade. E
deu a entender que sabia também pra onde vocês tinham ido.

— Isso é impossível – Poncho insistiu – Ele estava blefando. Ele quer nos
deixar em pânico.

— Impossível ou não, é um risco – Karen debateu – Eu acho melhor que ela


volte pra cá.

— Absolutamente não – dessa vez foi Anahí quem disse.

— Any... – Ellie começou a falar com a neta, mas a via negar


veementemente.

— Eu não sou uma prisioneira mais – Anahí devolveu – Ele me trancou por
oito anos, foi tempo demais. Não vou parar de viver a minha vida por causa
dele.

— É um risco – Keith alertou – Você tem certeza que está disposta a corrê-
lo?

— Ele não vai me sequestrar de novo bem debaixo do nariz de todo mundo
– ela ponderou um tanto segura. Ellie e Karen a olhavam abobadas: de onde
tinha saído aquela tranquilidade toda? – Ele sabe que está sendo vigiado e
que basta um estalo pra que seja preso de novo. Ele quer me deixar com
medo e eu não vou deixar que ele me tire o pouco que me restou, o que eu
to recuperando. Não vou.
— Entenda querida – Ellie insistiu – Talvez ele não tenha tanto a perder. Ele
é obcecado, imagine se ele decide te tirar de nós e simplesmente te matar?
Neste caso será que importaria se ficasse o resto dos dias preso...?

— Nós temos algo a perder Any – Arthur acrescentou – Ele... não


necessariamente.

— Por que vocês não nos disseram? – Poncho questionou – Isso aconteceu
ontem? Hoje?

— Há quase uma semana – Karen revelou – Não queria estragar a viagem


de vocês.

— O que eu me pergunto se foi uma boa coisa, porque a Karen não tem paz
desde então – Arthur deu de ombros.

— Mãe, eu estou bem – Anahí disse se aproximando dela e segurando suas


mãos – Eu estou melhor do que nunca, se usarmos o meu retorno como
ponto de partida. Você precisa confiar. Não vai acontecer nada.

— Any... – Keith tomou a liberdade de responder, se aproximando e


acariciando os ombros de Karen. Arthur e Ellie pareciam prender a
respiração – Você está segura mas sua mãe não. Depois de ter te perdido...
sua mãe nunca mais vai ficar segura quanto a você como antes. Me deixe
apenas dar uma tranquilidade a ela. Mesmo que você não queira voltar pra
cá, o que eu imagino... me deixe contratar um segurança para te
acompanhar.

— Um brutamontes pra me seguir para todos os lados? – a careta de Anahí


era gigantesca.

— Apenas para a sua segurança – Karen completou.

— Eu... eu vou pensar – Anahí suspirou pesarosa. Afinal, colocar a


tranquilidade de Karen na balança a afetava bastante.

A família, de modo geral, parecia concordar com a sugestão de Keith.


Anahí, por outro lado, tinha outra coisa em mente. Ela era um espírito livre
e a ideia de ser seguida por um homem imenso não a agradava nem um
pouco. Parecia que continuava presa, mesmo depois de estar supostamente
solta do cativeiro. A presença de um segurança a lembraria que a qualquer
momento Tobias poderia tentar algo. Ela nunca seria cem por cento livre,
estava mais do que óbvio.

Mas tinha outra coisa que poderia ajudar a resolver tudo...

Poncho até pensava em algo, mas não era o mesmo que ela, definitivamente
não.

— Eu vou cancelar a passagem pra Boston – ele falou um tanto decidido –


Eu não vou deixar você sozinha.

— Não – Anahí devolveu tão decidida quanto – Você tem que ir Poncho.
Você precisa resolver as coisas com a sua família.

— Anahí, não tente...

— Tento sim – ela insistiu – Você precisa encerrar tudo com a Diana. Você
deve isso a ela, deve isso ao Dani. Ele ta com saudade de você e precisa de
um norte nisso tudo. A Diana merece uma conclusão. Você não pode
continuar adiando.

— Mas...

— Eu não vou ficar sozinha – Anahí continuou – Eu tenho a minha família.


Tenho a Maite e o Christian. Eu estou segura. Me deixe em casa e eu
prometo a você que não irei sair.

É claro que Poncho não tinha toda a segurança do mundo naquela promessa
dela, muito menos que tudo ficaria apenas bem. Mas ao mesmo tempo,
ponderava as coisas que Anahí tinha dito, os fatores que ele até então
ignorava. De um lado, o medo de não estar junto dela e a história se repetir.
De outro, a família que o esperava em Boston, o ponto final que ele sabia
que precisava dar. Por Diana. Por Daniel.
— Tudo bem – Poncho bufou, se decidindo, mas completamente insatisfeito
– Você me garante que vai ficar dentro de casa quietinha?

— Uhum...

Anahí fazia aquela cara de convicção, negava a possibilidade de sair, mas


dentro de sua mente a coisa funcionava de uma maneira bem diferente. Ela
sabia que precisaria quebrar aquela promessa em um único momento. Não
era por um motivo em vão. Quando Poncho soubesse, ele iria entender.
Entenderia o quanto era necessário que ela fizesse aquilo.

Valeria a pena.

xxx

Naquele mesmo dia, à noite, Poncho desembarcava no Boston Logan


International Airport já pegando o celular para mandar uma mensagem para
Anahí avisando que tinha chegado à cidade. Era um hábito que ele estava
começando a criar na tentativa de que ela o seguisse e fizesse o mesmo,
dizendo onde estava, como estava, se estava tudo bem. Era a única maneira
dele levar aquela viagem até o fim e fazer o que precisava ser feito.

Erendira esperava o irmão no desembarque. Como comissária de bordo ela


tinha condições de ter aquele tipo de regalia, e aproveitava cada detalhe.
Poncho sorriu quando viu a irmã à espera dele, definitivamente não
esperava porque não tinha combinado com ela. Na verdade, sequer se
lembrava de ter dito à Erendira que estaria na cidade naquela noite. Como
ela tinha adivinhado?

— Como você... – Poncho começou a perguntar, mas viu a irmã se


adiantando.

— Você viaja pela minha companhia aérea e acha que eu não vou
descobrir? – ela cruzou os braços com ar de deboche – A comissária do seu
voo é minha amiga, ela te viu e mandou uma mensagem, simples assim.

— E você ainda está em Boston – ele franziu a testa esperando uma


explicação.
— Eu trabalhei esses dias, mas to saindo com um piloto que mora na cidade
e tenho passado mais tempo de descanso aqui do que em Nova York – ela
deu de ombros – Sua mãe já fez o interrogatório completo.

— É bom que a minha mãe se satisfaz com os seus detalhes antes de


perceber os meus – Poncho riu.

— Bom, mas eu percebi – Erendira sorriu largamente – Ande, me conte


tudo!

— Eren, o que tem pra contar? – o rosto de Poncho corava – Você já deve
ter presumido tudo.

— Eu não sei irmãozinho – ela deu um tapinha nele – Você passou uma
semana com ela no meio do mato, imagino que os fantasmas já devam ter
sido espantados. Acertei?

— Com louvor – Poncho admitiu, vendo-a quase pular.

— Fico feliz – Erendira respondeu abraçando-o – Fico muito, mas muito


feliz mesmo de ver esse sorriso realizado habitando o seu rosto de novo. Eu
só via quando tinha algo a ver com o Dani. Você sabe que eu sempre quis a
sua felicidade.

— Eu sei – Poncho concordou – Mas agora vem a parte difícil...

— Eu sei – ela suspirou – Eu vi a Diana semana passada no mercado. Ela


perguntou por você. Tava com aquela cara de esperança, provavelmente
esperando que eu dissesse que não tinha dado certo entre você e a Anahí e
que você viria pra cá pra voltar pra ela, pra leva-la pra casa. Eu não gosto
de ter que sentir pena dela.

— Eu vou resolver as coisas – Poncho mordeu os lábios – Não queria ter


que decepciona-la, mas... principalmente, não queria magoar o meu filho.

— Ele vai entender – Erendira garantiu – Pode até demorar, mas eu


conheço o sangue Herrera naquele menino. Ele vai entender.
E tudo o que Poncho queria era que a irmã estivesse certa como costumava
estar...

Diana não sabia que o marido estava indo para Boston naquela noite. Ela
simplesmente não tinha ideia de quando Poncho chegaria à cidade para que
eles resolvessem as coisas. Como tudo demorava e Erendira não tinha lhe
dado qualquer pista do que o irmão fazia em Nova York naquele período,
ela apenas esperava sem saber se tinha mesmo algo pelo qual esperar. Não
sabia o que aconteceria com seu casamento, o que estava reservado para ela
e Poncho. Por mais que soubesse que a possibilidade dele realmente ficar
com Anahí, ainda havia aquela fagulha de esperança de, após uma tentativa,
ele perceber que o romance tinha ficado no passado e acabar voltando para
ela, para sua família.

Daniel, por outro lado, passava os dias na expectativa da chegada do pai.


Curiosamente aquele dia era dos únicos que o menino não passou o dia
perguntando à mãe se Poncho não apareceria por ali de surpresa, se ela
sabia alguma coisa. Diana, é claro, negava, já que realmente não sabia de
nada. Estava próximo do horário que Poncho costumava telefonar e o
menino estava esperando por aquilo sedento. Diana notava o quanto o filho
sentia a falta do pai, percebia de forma palpável a conexão que existia entre
os dois. Só não sabia o quanto isso influenciaria a decisão do marido.

Toda vez que a campainha tocou no último mês Daniel correu para a porta
na expectativa de se deparar com Poncho. Àquela altura já tinha desistido.
Então, quando ouviu o barulho, ele pensou que era o tio, irmão de sua mãe,
ou quem sabe algum amigo dos avós. Foi com surpresa que ouviu a voz da
avó anunciando o que ele mais quis ouvir.

— Ei, Dani! Adivinhe quem está aqui...!

O menino quase tropeçou nas próprias pernas naquela corrida. Diana e ele,
que estavam em cômodos diferentes, chegaram à entrada da casa ao mesmo
tempo. Mas enquanto ela apenas dava um sorriso bobo, o filho corria como
um foguete. Foguete esse que colidiu com o pai, que estava agachado com
os braços abertos esperando para abraça-lo. Sem dúvidas era emocionante
vê-los assim. A esperança de Diana pulsou mais forte do que nunca naquele
momento.
— Você veio! Você veio!

— Eu disse que viria – Poncho disse abraçando o filho forte, deixando toda
a saudade se dissipar.

— Você demorou! – o menino resmungou.

Poncho apenas ria das reações do filho. Ele mal teve tempo de falar com
Diana – que se controlou em não pular em cima dele, se limitando a dar um
selinho em sua boca – ou com os sogros. Daniel ocupou todo o tempo com
o pai, deixando-o apenas trocar de roupa e guardar a mala no quarto onde a
mãe estava – embora não fosse exatamente essa a sua ideia inicial, era algo
que deveria ser resolvido mais tarde. O resto da noite foi composto por
Poncho brincando com o filho, lhe dando banho, jantando e colocando
Daniel para dormir. Ele mal teve tempo de mandar uma mensagem
avisando Anahí que tinha chegado. Seus segundos estavam obviamente
preenchidos.

Diana só foi ver o marido depois que o filho já tinha dormido, mas ela não
estava incomodada. Entendia perfeitamente bem a razão de ser de Daniel
estar tão carente assim da atenção do pai e tê-la sugado exclusivamente para
si, relegando à mãe pouco tempo com ele. Daniel não entendia o que estava
acontecendo, não compreendia a razão de ser da mãe estar em Boston e
Poncho ter ficado para trás em Nova York, do primeiro Natal e Ano Novo
separados que ele se lembrava. Ela tinha poucas explicações para aquilo, tal
como o marido, e todas eram pouco convincentes. Mas o menino não se
preocupou com as suas perguntas, já que para ele, como o pai estava ali,
tudo estava terminado. Das duas uma: ou Poncho ficaria dali para frente
com eles, ou os três voltariam para casa. Não havia qualquer chance na
cabeça daquela criança de que os pais poderiam se separar de vez e ele
fosse conviver com um dos dois menos do que estava acostumado, quem
sabe tanto quanto vinha convivendo com Poncho naquele momento, se a
mãe resolvesse se manter em Boston.

Se Daniel não sabia que uma conversa definitiva precisava acontecer,


Diana, por outro lado, tinha certeza.
— Eu mal tive tempo de falar com você – ela disse sem graça ao vê-lo se
enxugar depois de um banho – Não preciso dizer que ele estava doido de
saudade.

— Eu pude notar – Poncho riu negando com a cabeça – Mas eu também


estava.

Ela sabia que ele iria começar a falar ali. Viu o suspiro de Poncho, típico de
quando ele iniciava assuntos. Mas não lhe deu tempo. Quando viu sua boca
se abrir, Diana se jogou para cima dele, beijando-o e tentando puxar sua
camisa para cima. Não se importava dele não estar correspondendo ao
beijo, nem de estar tentando interrompê-lo. Daniel tinha demonstrado de
sua forma que sentia falta dele, ela faria o mesmo.

— Diana... – Poncho disse segurando-a pelos ombros.

— Você não pode me rejeitar, não pode – ela confessou sôfrega – Eu


também senti a sua falta. Vai dizer que você não sentiu a minha?

— Não dessa forma... me deixe...

— O quê? – Diana continuou – Vai me dizer que ela foi pra cama com
você? Eu aposto que você sente falta de uma mulher no sexo Poncho, não
venha dizer que...

Mas as palavras morreram. Exatamente quando a expressão de Poncho o


denunciou. Diana conhecia bem demais o homem com quem tinha se
casado, ele sempre foi totalmente expressivo e agora se denunciava. Dizia
exatamente o que tinha acontecido por um simples olhar, um morder de
lábios. Estava mais do que claro o que tinha acontecido entre Anahí e ele no
tempo que ela esteve em Boston.

— Você... – Diana balbuciou – Você foi pra cama com ela...

— Diana, nós precisamos conversar – Poncho finalizou.

Sim, finalizou, porque aquela frase queria dizer tudo. Apenas começava o
assunto, mas dava fim às esperanças de Diana. Agora ela sabia que estava
tudo acabado, que Poncho tinha transado com Anahí e provavelmente a
livrado de seus fantasmas. Ela não esperava que tudo fosse tão longe, por
mais que soubesse que eles tinham uma história forte e intensa, acreditava
que o presente poderia não repetir o passado. Mas estava enganada.

As lágrimas rapidamente inundaram seus olhos verdes. A esperança de


outrora foi substituída por uma dor imensa, da rejeição, do fim que se
colocava bem ali à sua frente. De repente ela enxergou a mala de Poncho,
pequena. Ele não tinha ido para ficar. Se deu conta que as ligações dele
eram sempre no mesmo horário. Se lembrou que Erendira não queria dizer
nada do irmão. Tudo estava claro desde o início e havia informação
suficiente para que ela entendesse o recado, mas mesmo assim, Diana não
quis. Agora não tinha mais no que se agarrar, a verdade estava nítida e clara
bem à sua frente.

— Eu sou uma estúpida – ela enxugou o rosto com raiva – Eu realmente


acreditei que você me escolheria.

— Não sinto como se tivesse escolha – Poncho disse calmamente – Eu não


quis te dar esperanças quando você veio pra cá porque não queria te
magoar.

— Eu achei que... você pudesse pensar melhor – Diana mordeu os lábios –


Achei que, quando você tentasse com ela, pudesse não dar certo. E então
você voltaria pra mim.

— Você não merece ser o estepe de ninguém – Poncho respondeu


segurando as mãos dela – Eu a amo. Não é algo contra o qual eu consiga
lutar.

— Isso quer dizer o que? – a voz dela saía mais amarga do que Poncho
jamais tinha ouvido – Você não me amava? Nunca me amou...?

— É claro que eu amei você, eu ainda amo você, só que são amores
totalmente diferentes – ele esclareceu – Nós construímos uma história, uma
família. Agora ela... eu não lembro de um dia que eu não a tenha amado. E
não é justo com ninguém que nós continuemos dessa forma.
— Você precisou dormir com ela pra saber disso?

— Eu já sabia desde antes de dormir com ela – Poncho suspirou – Mas


depois que aconteceu... eu percebi que precisava resolver as coisas com
você o mais rápido possível.

— Porque afinal de contas, você não quer perder mais uma noite sequer
sem dormir com o seu grande amor – Diana desdenhou. Poncho fechou os
olhos, lamentando a forma como ela não conseguia evitar de conduzir as
coisas.

— Porque você não merece isso – ele corrigiu – Porque o Dani não merece
isso. Eu precisava encerrar as coisas de forma decente com você, em nome
de tudo o que vivemos, do quanto você me fez feliz e de como me deu luz
quando tudo o que eu via era a escuridão. Nosso filho merecia que nós nos
sentássemos com ele e o colocássemos em primeiro lugar, explicássemos
tudo...

— E o que você quer explicar? Que você nos trocou por algo muito
melhor...?

— Diana, você não é assim – Poncho engrossou o tom de voz – Não se


deixe levar pela mágoa. Você sabe que eu não fiz nada pra te machucar. Eu
tentei não te dar esperanças, mas mesmo assim você nutriu. Eu deixei claro,
antes de você vir pra cá, que eu amava a Anahí. Eu não queria que as coisas
terminassem assim. Eu não troquei você por algo melhor, pelo amor de
Deus, você sabe disso. Eu prefiro pensar que você está dizendo essas coisas
porque ta chateada, por tudo não ter saído da forma como você esperava...
prefiro pensar que a Diana que eu conheci, com quem me casei e que eu
amei é a Diana de verdade, porque aí sim, me magoaria me dar conta que
tudo era uma farsa e que eu me enganei com você.

— Como você esperava que eu reagisse? – Diana cruzou os braços –


Esperava que eu dissesse "oh Poncho, que felicidade! Ande, fique com a
Anahí, vocês foram feitos um para o outro"?

— Honestamente? Não – Poncho suspirou – Eu vou deixar que você


absorva tudo. Amanhã nós conversamos melhor. Diana, eu... eu sinto muito.
Eu não queria magoar você, eu sou completamente grato por todo o bem
que você me fez e eu sempre vou ser. Não sei se isso pode acontecer, mas
em mim você sempre terá um amigo como sempre teve. E eu gostaria de
poder te dar mais, te dar o que eu sei que você merece, mas eu não consegui
tira-la de mim. E não consigo mentir dizendo que me arrependo das minhas
decisões ou que gostaria que as coisas tivessem sido diferentes. Seria
hipocrisia.

E seria mesmo.

Poncho preferiu passar a noite no quarto de hóspedes, deixando Diana


sozinha no quarto que um dia foi dos dois. O rosto dela estava mais
banhado do que nunca em lágrimas. Ela sabia que era a mulher que Poncho
tinha descrito, mas sabia que não era nenhuma santa e que estava permitido
sofrer. Ele poderia estar tranquilo por ter enfim ficado ao lado do amor de
sua vida, mas não era o mesmo que acontecia com ela. Da mesma maneira
que um dia Poncho sofreu por ter perdido seu grande amor, agora ela sofria
pelo mesmo motivo. E sequer poderia ter esperanças de um dia encontrar a
sua Diana, porque acreditava fielmente que essa nova história estaria
destinada ao fracasso, tal como seu casamento tinha acabado de naufragar.
Porque sempre seria Poncho para ela, da mesma maneira que, para ele,
sempre seria Anahí.

Entender não significava não sofrer, essa era a questão.

xxx

Logo no dia seguinte à sua chegada de Vermont, Anahí já estava


descumprindo a promessa feita a Poncho. Ela garantiu ao namorado que iria
ficar em casa, segura e preservada. Mas de alguma maneira, naquela manhã
ela convenceu Christian a leva-la a um lugar. Tinha algo que ela precisava
fazer.

É claro que não era qualquer lugar. O New York General Hospital era
perfeitamente seguro. Afinal, Christian jamais concordaria em expor Anahí
a qualquer tipo de risco. Não, ela não procuraria Tobias, não o enfrentaria.
Mas isso também não significava que não lutaria contra. Apenas seria com
as suas próprias armas.
Naquela manhã Christian estava sentado no corredor do hospital vendo
Anahí bater na porta da sala da Dra. Caitriona Balfe logo após o paciente
dela sair dali. Ele viu a expressão da terapeuta da amiga revelar surpresa ao
vê-la ali e sabia por que. Anahí passara mais de uma semana viajando com
Poncho para Vermont. Somando o tempo total, tinha quase duas que ela não
comparecia a uma consulta com sua psiquiatra. Claro que Caitriona não a
esperava.

— Anahí? – a testa dela estava franzida – Nós não temos consulta marcada
hoje, temos?

— Não, não temos – Anahí assentiu – Mas se você tiver algum horário
vago... eu estou realmente precisando.

— Aconteceu alguma coisa?

— Sim, mas não é sobre isso – ela respondeu – Eu sei que tem algo que eu
preciso lembrar. Eu sinto. E mais do que nunca... eu preciso.

A lembrança queria vir à tona de qualquer forma. E pelo visto, viria.

Capítulo agitadooooo! Prontas pra começar a caminhar a largos passos? É o


que faremos... andaremos uns 50 capítulos em 5 nas próximas semanas!

Primeiro queria dizer que vocês devem ter percebido que a Anahí ta ficando
cada dia mais forte e nem lembra mais o, como ela dizia, "bichinho
assustado" do início da web. Ela pouco a pouco adquire confiança em si
própria e enfrenta as próprias barras. Tobias já não a amedronta mais tanto
quanto amedrontava antes. Um avanço e tanto!

Segundo, eu estou torcendo muito pra que vocês sejam bemmmm razoáveis
e não fiquem loucas de ódio da Diana pela atitude dela no capítulo. Sim, ela
se iludiu e o Poncho não lhe deu esperanças, mas ela nutriu assim mesmo e
deu com a cara na parede. Diana erra como a humana que é (bem menos
que eu e que provavelmente vocês também) e esse foi o primeiro deslize
dela a história inteira e eu espero que não a defina nas opiniões de todo
mundo.

Terceiro, o que será essa lembrança da Anahí? Podem ter certeza que vai
sacudir o próximo capítulo! Preparem os lencinhos!

Beijos,

Rafa
Capítulo 54 - Angel flying too close to the ground

Feliz aniversário pra rainha KamillaLeite6

Quando Diana abriu os olhos em sua solitária cama em Boston, sentindo a


dor de cabeça causada por uma iminente ressaca que, por sua vez, se deu
em razão de umas taças de vinho oportunamente tomadas, um único
sentimento veio à tona: arrependimento.

A dor de cabeça não era tão forte quanto a dor em sua alma. Ela se
lembrava de tudo o que tinha dito e que tinha feito antes e depois de Poncho
deixar visivelmente claras as suas intenções ao ir até lá: pedir o divórcio e
resolver as coisas com ela. Diana estava desesperada, estava carente. Ela
tinha treinado, durante todo aquele tempo, uma conversa civilizada na qual
os dois resolveriam tudo como adultos, mas aquela ideia naufragou quando
ela o viu e se deixou levar por uma falsa impressão de que ele poderia estar
ali para se reconciliar com ela.

Após isso, o papel que Diana tinha exercido fora patético. Ela se jogou para
cima de Poncho – e fechou os olhos tomada pela vergonha ao se lembrar
daquela cena – e pior, se ofereceu para ele caso Anahí não tivesse "o
satisfeito". Em menor grau do que sentia agora, a vergonha já começou a
bater quando se deu conta que não era o caso – seu agora ex-marido tinha se
envolvido até demais com a ex-namorada, a ponto dela não saber dizer se
poderia chamar Anahí de ex dele, não mais. Poncho foi quem abriu o
caminho para a tal conversa civilizada que Diana tanto ensaiou, deixando
de maneira clara e educada que o casamento deles tinha acabado, mas,
mesmo assim, muito deveria ser resolvido.

Diana sabia desse muito. O cerne de toda a questão era Daniel. Antes da
ficha sobre a verdade cair, ela tinha planejado voltar para casa com Poncho.
Seu pai já estava bem, ela poderia voltar para sua vida normal com o
marido e o filho. Ledo engano. Tudo recomeçava ali. Poncho e ela teriam
que sentar e decidir tudo, desde quem ficaria com Daniel, como seria a vida
e a rotina do menino dali para frente, quem ficaria na casa que eles
compraram juntos ao se casarem no Brooklyn.

Isto é, se Diana voltasse para Nova York.

Afinal, o que a cidade ainda lhe reservava? A única coisa que ainda tinha
por lá eram os negócios da família, a filial que ela abriu. Mas seu
casamento tinha ruído e, bem ou mal, seus pais estavam em Boston. Em
Nova York ela teria que ver o ex-marido começar uma nova vida ao lado do
grande amor da vida dele, que não era ela. Talvez fosse melhor que ela
fizesse o mesmo, longe da cidade que se acostumou a chamar de casa. Seria
menos doloroso, sem sombra de dúvida.

— Querida? – Sandra chamou Diana aparecendo, de repente, na fresta da


porta do quarto dela – Seu pai e eu iremos fazer compras. Vamos levar o
Dani.

— Você parece que adivinha pensamentos – a filha confessou. Era óbvio:


parecia mágica Sandra resolver tirar o neto do circuito quando seus pais
mais precisavam conversar.

— Não – Sandra fez uma careta – Eu apenas vejo os sinais. Você pode ter
achado que ele viria resolver tudo, mas eu sempre soube que não. E quando
vi que ele ocupou o outro quarto... bem... imagino que vocês precisam
resolver algumas coisas. O Dani não pode estar aqui.

— Sim, nós temos – Diana admitiu derrotada.

— Ei – a mãe a chamou – Você não é a culpada disso e nem ele,


honestamente. Vocês dois tentaram e não deu certo, bola para frente. E
cabeça erguida... sempre.

Diana não evitou sorrir ao ouvir as palavras da mãe. É claro que na teoria
tudo parecia eternamente simples, enquanto na prática... ela estava a anos-
luz de conseguir aquela serenidade toda, mas a fala de Sandra a fazia
lembrar que deveria tentar. Tentar para alcançar.
Poncho estava tomando café quando ela desceu, já certa de que os pais
tinham saído e levado Daniel, portanto os dois estariam sozinhos. Diana
sentia o rosto queimar pelo confronto que estava por vir, nem tanto pelo
teor da conversa que eles teriam, mas sobretudo pelas coisas que se
lembrava de ter feito e dito na noite anterior. Ela teria que encarar Poncho
depois de ter se oferecido nele, praticamente se esfregado e implorado que
ele lhe desse uma chance. E agora estava mais envergonhada do que nunca
por aquelas atitudes.

Como poderia começar aquela conversa? Como exatamente se começava


uma conversa na qual se deveria decidir o futuro que eles teriam? Diana não
fazia ideia.

Felizmente, em meio àquelas dúvidas, não foi ela quem deu o primeiro
passo.

— Eu não sabia que você estava acordada – ele disse logo depois de
pigarrear. Pelo tom de voz e a expressão no rosto, estava tão sem jeito de
falar quanto ela.

— Não consigo mais dormir tanto assim – Diana mordeu os lábios – Eu


preciso ir na editora, mas... eu te devo um pedido de desculpas.

— Diana...

— Não Poncho, não tente me convencer do contrário, já estou me sentindo


patética o suficiente por ter que me desculpar – ela parecia, de fato,
completamente sem jeito – Eu não deveria ter feito aquilo, ter falado nada
daquilo. Não era eu. Ou talvez fosse... a minha versão rejeitada, de quem
não sabe perder.

— Você não perdeu – Poncho observou – Não é como se fosse um jogo


com vencedores e perdedores...

— Eu posso não ter perdido você de uma certa maneira, mas de outra... nós
nunca mais seremos o que eu esperava que fôssemos a vida inteira – Diana
admitiu – Só que eu me enganei. Eu quis me enganar, eu quis nutrir
esperanças, mesmo tendo aquela vozinha no fundo da cabeça que sabia
desde o início que eu não tinha chances... eu me iludi mesmo assim. E
quando você chegou aqui a minha esperança quase explodiu. Foi difícil
quando tudo se quebrou, eu não soube reagir.

— Eu não me sinto no direito de ficar bravo com você – ele continuou –


Diana, eu realmente tentei que nós dois déssemos certo. Só que não estava
ao meu alcance. Eu não consegui esquecê-la.

— Eu sei – ela assentiu.

— Nós dois continuarmos casados só nos machucaria – Poncho prosseguiu


– Eu sei que você não estava mais feliz no final e eu também não estava.
Vai ser difícil pro Dani nos ver separados, mas eu acho que seria bem pior
se nós déssemos murros em facas e nos tornássemos insuportáveis um para
o outro na frente dele...

— Eu concordo com tudo – Diana respondeu – Só que concordar não faz


doer menos, essa é a verdade.

— Sim – Poncho mordeu os lábios – Mas nós precisamos resolver tudo,


como as coisas vão ficar...

— Eu ainda não sei se quero voltar pra Nova York – ela anunciou
encarando-o nos olhos – Eu voltaria se fosse pra nós ficarmos juntos, pro
Dani voltar pra rotina dele e eu voltar pra minha, voltar pra filial da
Planet... meu pai já está bem... bem, esses eram os planos. Mas a verdade é
que... eu não sei se... se consigo te ver com ela.

— Eu entendo – Poncho afirmou. Provavelmente para Diana aquilo seria


similar ao que ele sentiu ao ver Anahí com outro homem. Ele entendia bem
como a ex se sentia, e lamentou que para ela, ao contrário do caso dele,
aquilo não teria jeito.

— Então pensei que o Dani pode voltar com você – Diana propôs – Se isso
não te atrapalhar.

— Ele é meu filho Diana – Poncho constatou – Ele nunca me atrapalharia.


— Eu sei que é, mas você tem uma vida nova, uma rotina nova, nós não
sabemos como as coisas irão se encaixar – Diana deu de ombros – E não
sabemos o quanto ele vai aceitar. A princípio eu não acho uma boa ideia
contar para ele sobre você e a Anahí, ao menos não num primeiro momento.

— Eu também não acho – Poncho concordou – Mas acho que devemos


contar sobre nós dois.

— Eu não quero magoa-lo...

— A mentira magoa muito mais – ele observou – Se ele for pra casa
comigo e depois de meses se der conta que você não vai voltar pra lá ou
que, caso volte, nós não fiquemos juntos... vai reagir de uma maneira muito
pior do que a que você reagiu. Estamos falando de um menino de seis anos.

— Você tem razão... – Diana admitiu – É que... eu não sei como dizer a ele.

— Nós vamos encontrar uma maneira – Poncho segurou as mãos dela – Vai
tudo ficar bem, as coisas vão se ajeitar e ele vai entender, mesmo que não
seja de cara.

Para Poncho era fácil dizer aquilo, já que ele estava na zona de conforto
naquilo tudo. O casamento tinha acabado porque ele era apaixonado por
outra mulher, e curiosamente ele e a mulher em questão estavam juntos. No
final de tudo aquilo ele voltaria para Nova York com o filho e aos poucos
faria com que Daniel se inserisse naquela sua nova realidade, aceitando aos
poucos Anahí na vida do pai no lugar que se acostumou a ver a mãe
exercendo. Com o tempo o relacionamento deles amadureceria, Poncho iria
morar com Anahí, depois se casaria com ela, eles certamente teriam filhos...
dentro da perspectiva dele isso era tudo dar certo.

Mas quando daria certo para Diana? Ela já não sabia se Nova York seria um
lar depois daquilo. Ela não sabia se continuaria morando na casa que eles
dividiam ou se cederia o espaço para ela. De qualquer forma, como olhar
para aquelas paredes e não se remoer pelo que poderia ter sido? Por mais
que Diana soubesse que sua felicidade não dependia do marido, era
inevitável não se sentir vazia com aquele espaço agora desocupado.
No fim, Poncho e Diana acabaram decidindo que a casa onde moravam
ficaria com ela. Poncho, a princípio, levaria Daniel de volta por algum
tempo, até que ela estivesse pronta para voltar para a cidade. Naquele meio
tempo ele procuraria um apartamento e se mudaria, de forma que, quando
ela retornasse, ele já estivesse pronto para sair dali. Como já havia ficado
acertado entre os dois, a princípio o menino não saberia sobre Anahí. Mas
ele precisava saber sobre os pais... e assim que ele voltou do mercado com
os avós, ambos decidiram que era a hora de falar.

— Papai, papai! Sabe o que a vovó vai fazer mais tarde? Bolo de
chocolate...! – Daniel contou para o pai pulando de alegria.

— Sério? – Poncho disse sorrindo, mas levemente agoniado por saber que
estava prestes a estragar toda aquela animação do filho – E você agradeceu
à vovó?

— Sim e vou agradecer de novo e de novo depois que comer o bolo – o


menino continuava pulando – Ela vai me deixar ajudar a fazer!

— Oh, que legal – Poncho respondeu se sentando ao lado de Diana. Era a


hora – Ei Dani? Por que você não senta aqui conosco?

A alegria de Daniel imediatamente evaporou. Mesmo sem saber exatamente


o que os pais queriam, ele sabia que havia algo errado. O pai tinha chegado
na noite anterior e agora ele e a mãe estavam sentados lado a lado e queriam
lhe dizer algo. O menino expressou uma desconfiança que já lhe era natural
e sentou-se, como pedido, no chão, bem à frente deles. Tal como não tinha
sido fácil para os dois começarem aquela conversa, foi para falarem com
ele... mas tanto Poncho quanto Diana sabiam que tinha que ser.

— Dani... nós dois amamos você – Diana começou a falar. Ela via o
nervosismo espelhado no rosto do filho – Seu pai e eu. E nós sempre vamos
amar, não importa o que aconteça.

— Eu fiz algo errado? – ele franziu a testa.

— Não, você não fez nada errado – Poncho riu – É só que... sua mãe e eu
conversamos e bem... nós decidimos que talvez fosse melhor que nós não
continuássemos casados.

Era o tipo de assunto que não havia como enrolar...

— Vocês não se amam mais? – Daniel questionou assombrado.

— É claro que nós nos amamos – a voz de Diana saiu mais serena e segura
do que nunca – Apenas... não da maneira que precisamos amar quando
queremos estar casados. E por isso nós decidimos conversar com você com
calma, pra te explicar tudo, pra que você não fique chateado.

— Você ta chateado Dani? Ou triste...? – Poncho perguntou encarando o


filho. Ele parecia confuso.

— A gente não vai mais morar na mesma casa? – ele perguntou com a voz
sombria.

— Não – Diana respondeu calmamente – Isso te deixa triste?

— Uhum – o menino abaixou a cabeça.

— Vem cá vem... – Poncho estendeu os braços para o filho, acolhendo-o


num abraço – Nós sempre vamos te amar, eu prometo.

Daniel chorou nos braços de Poncho. Pior do que a ideia dos pais se
separarem, era a ideia de que ele não moraria mais com os dois. Isso lhe
causava uma certa instabilidade, justamente na vida de uma criança que
estava acostumado com tudo ser sempre estável. Desde sempre ele convivia
tanto com Diana quanto com Poncho, em tempo integral. Agora os dois
estavam em duas cidades diferentes, o menino tinha passado um mês longe
do pai e agora seria um mês distante da mãe.

O choro era até pouco naquele momento, pois Poncho achou que o filho
ficaria revoltado. Com aquela tristeza ele poderia lidar, bastava cumprir a
promessa de que ele e Diana não deixariam o filho de lado.
Independentemente das decisões que tomassem com relação um ao outro,
independentemente dos rumos de suas vidas particulares... Daniel sempre
viria em primeiro lugar.
Era uma promessa que ambos estavam determinados a cumprir.

xxx

Ouça "Angel flying to close to the ground" – Willie Nelson

Ao chegar no já conhecido consultório da Dra. Balfe, Anahí sentia o


coração pulsar com uma intensidade ainda não conhecida... quase como se
ela soubesse o que viria a seguir. Sua psiquiatra não sabia, por outro lado,
mas percebia em Anahí uma determinação que não tinha visto desde o
início do tratamento. Não era algo que deveria ser desperdiçado.

— Como você sabe que tem algo pra lembrar? – Caitriona questionou –
Veio algum flash na sua mente...?

— Não – Anahí rapidamente respondeu – Eu... simplesmente sei. Acho que


é uma intuição.

— Talvez seja vontade – a médica deu de ombros – Isso move montanhas,


acredite. Você quer lembrar, talvez você lembre. O que aconteceu?

— Tobias foi até a confeitaria da Sophia – Anahí respondeu – Ele queria


deixar claro que sabia onde eu estava, queria que a notícia chegasse até
mim e me intimidasse.

— E chegou? Te intimidou...?

— Ninguém contou – Anahí mordeu os lábios – Foi antes do Ano Novo.


Meus amigos e minha mãe acharam... que talvez fosse melhor que eu não
soubesse. Pra poder aproveitar a viagem.

— E você aproveitou? – Caitriona pergunto. O sorriso de Anahí respondeu


por ela.

— Definitivamente – ela suspirou deixando clara a própria felicidade – Eu


consegui Cait. Eu transei com o Poncho.

— Isso é definitivamente um avanço – a médica comemorou – Primeiro


você me conta tudo sobre a viagem e o seu retorno e depois começamos a
regressão, ok? Assim uma coisa não atrapalha a outra.

Anahí prontamente concordou com a proposta. Logo que se sentou no


confortável divã da Dra. Balfe, o sorriso inundou seu rosto ao contar
daquela viagem. Desde o pulo no lago logo no primeiro dia, a primeira
transa, a segunda, até o retorno logo depois do Ano Novo. Sobre como eles
passaram o Reveillon sem qualquer tipo de luxo, bebendo uma garrafa de
um bom vinho com alguns pedaços de queijo e assistindo um filme antigo
numa TV velha, enrolados na mesma coberta surrada em frente a uma
lareira. Não precisava de luxo nem de queimas de fogos quando estavam
nos braços um do outro... não quando eles se beijaram no primeiro minuto
daquele novo ano que tinha acabado de começar. Era como eles queriam
começar todos os anos.

Apenas o primeiro...

Mas é claro, logo o pesadelo tinha voltado à tona quando chegaram à Nova
York. Como se não bastasse Tobias estar solto, ainda tinha que estar à
espreita, passando a impressão que poderia estar em todo lugar, a cada
esquina. Para completar, uma separação foi imposta a ela e Poncho, já que
ele teve que ir a Boston resolver em definitivo as coisas com Diana. E ali
estava ela, descumprindo a promessa feita a ele sobre não sair de casa. Ela
estava no hospital, na sessão de terapia... sabia que não deveria ter
prometido nada a Poncho ou que, quem sabe, por certo, poderia espera-lo
voltar. Mas se fizesse isso, não era Anahí. É claro que ela não iria esperar.

— Eu fico feliz que você tenha ido tão longe – Caitriona sorriu sincera – É
bom porque isso pode te dar força para o que vem agora. Nós sabemos que,
independentemente do que você lembrar, não será fácil.

— Sim, eu sei – ela mordeu os lábios – Não duvidei disso em momento


algum.

— Mas ao mesmo tempo, quero que você fique tranquila – ela recomendou
– O que quer que seja, ficou no passado. Apenas pense em como você pode
usar como ferramenta no presente.

Logo Anahí descobriria que não era tão simples assim...


If you had not have fallen

Se você não tivesse caído

Then I would not have found you

Então, eu não teria te encontrado

Angel flying too close to the ground

Anjo voando muito perto do chão

Ela fechou os olhos, já sabendo bem o caminho que iria percorrer. Se


concentrando ela estava de volta no porão, no pesadelo de antes. Quando
Anahí começava aquela jornada nunca sabia exatamente em que ponto do
tempo iria parar, por onde iria começar. Ela esperava que sua mente a
levasse para onde queria, onde mentalizava: o momento onde tinha chegado
ali. Mas ficou completamente surpresa ao perceber que não estava ali, e sim
num outro momento do passado pelo qual já havia navegado... a dor. O
sangue...

O choro...

— Me diga onde ele está – ela exigiu – Você não pode simplesmente fingir
que não está acontecendo!

— Eu não sei do que você está falando, minha Any – Tobias usou de seu
tom de desdém de sempre. Aquilo a enervava.

— Pare de se fazer de desentendido – a voz dela quase mandava, quase


implorava – Tobias, por favor... eu te imploro... é meu filho...

E a Anahí adormecida deu um sobressalto, mas nada falou. A Dra. Balfe


percebeu e começou a perguntar, mas ela estava longe dali. Ela estava
finalmente lembrando.

And I patched up your broken wing

E eu remendei sua asa quebrada


And hung around a while

E andei por um tempo,

Tried to keep your spirits up

Tentei manter seu ânimo

And your fever down

E a sua febre baixa

I knew someday that you would fly away

Eu sabia que um dia você iria voar para longe

For love's the greatest healer to be found

Pois o amor é a maior cura que pode ser encontrada

— Filho? Você não tem filho nenhum – Tobias franziu a testa.

— Eu ouvi o choro dele! – Anahí grunhiu – Eu ainda sinto a dor...!

— Você está doente e está confundindo com algum pesadelo Any – ele
sorriu malicioso – Você não tem nenhum filho.

— Pelo amor de Deus Tobias, eu não estou louca – as lágrimas caíam


quentes pelo rosto dela – Eu o senti sair de mim. Eu ouvi o choro dele
quando saiu... eu... você não pode... ele é só um bebê... eu posso cuidar
dele. Eu prometo... prometo que não dou trabalho. Eu faço o que você
quiser, sempre que você quiser... um bebê precisa da mãe... eu lembro do
choro se afastando... o que você fez com o meu filho? Com quem você o
deixou?

— Talvez você esteja mesmo louca querida – ele sorriu sádico – Você nunca
teve filho algum.
Não era loucura. Ela se lembrava do choro, do medo, da barriga enorme,
da dor e do sangue. Se lembrava dele fazendo o parto de qualquer forma.
Se lembrava do médico contendo uma hemorragia depois. Ela não estava
louca, não estava...

— Anahí? – a Dra. Balfe a chamou – O que você está vendo...?

— Eu não estou louca, não estou – ela murmurava em transe – Eu não


estou, eu lembro, ele está mentindo...

— PRA QUEM VOCÊ O ENTREGOU, SEU DESGRAÇADO? – agora


Anahí berrava – COM QUEM VOCÊ DEIXOU O MEU FILHO?

— COM NINGUÉM SUA VAGABUNDA! NÃO TEM FILHO NENHUM!


VOCÊ ENLOUQUECEU!

So leave me if you need to

Então deixe-me se você precisar

I will still remember

Eu ainda me lembrarei

Angel flying too close to the ground

Anjo voando muito perto do chão

Dias. Meses. Dias. Meses. Dias. Meses.

Tic tac, tic tac, tic tac...

— Tobias... – disse a Anahí de meses depois – Tobias, pra onde você o


levou?

— Eu não levei ninguém, minha Any – ele disse subindo o vestido que ela
usava – Somos só nós dois...
— Ele era seu filho também – ela murmurou sem conseguir sequer impedi-
lo. Estava cansada demais, tão cansada...

— Não há filho nenhum – ele insistiu – Foi um pesadelo. Você nunca


engravidou. Você não pode, não se lembra? Agora shhhh... shhh, eu vou te
dar um pouco de prazer.

— Não, não...

— Cale-se – Tobias ordenou.

Mais dias. Mais meses. Anos...

— Não vai perguntar mais do seu filho...? – ele perguntou num dia
qualquer depois de vê-la terminar o prato que comia.

— Que filho? – Anahí perguntou dando de ombros – Ta louco...? Eu não


tenho filho algum.

E ela acordou.

So fly on, fly on past the speed of sound

Voe, voe na velocidade do som passado

I'd rather see you up

Eu prefiro te ver lá em cima

Than see you down

Do que te ver aqui em baixo

Estava feito. Foi assim que ele a fez esquecer: negando. E negando. E
voltando a negar. Chamando-a de louca, insistindo que tudo era um
pesadelo, negando, e negando, e voltando a apontar uma loucura que não
existia. Inventando como se tudo não tivesse passado de um sonho ruim,
quando na verdade era uma memória perdida, apagada. Apagada por ele. E
agora recuperada. Agora Anahí sabia que era real. O choro, o sangue, a
dor... seu filho.

— Anahí? – a Dra. Balfe voltou a chama-la – Você não disse onde estava...
isso nunca acont...

— Eu tenho um filho – ela piscava sem parar sentindo as lágrimas jorrarem


pelos olhos afora – Ele não morreu, ele... meu filho não morreu no parto...
ele me deixou acreditar que... ele me deixou esquecer, me fez esquecer...

— Ok, se acalme – a médica disse estendendo uma caixa de lenços para ela
– Você precisa falar com calma, pra que eu possa entender...

— Eu achava que iria me lembrar do dia do sequestro – os lábios de Anahí


tremiam conforme ela chorava – Achava que... que se eu me esforçasse
muito, eu lembraria. Eu estava com a intuição forte, eu tinha quase certeza
que era isso, só que... não era. Eu voltei pro dia do parto, horas depois. Eu
achava que ele estava morto, só que... não estava Cait. Se estivesse, ele teria
dito. Mas não, ele ficava falando o tempo todo que eu estava louca, que não
havia filho algum...

— E por isso você acha que a criança está viva – Caitriona constatou –
Anahí, não necessariamente...

— Cait, eu conheço o Tobias – ela disse com toda a convicção do mundo –


Ele repetiu tantas e tantas vezes que eu estava louca que eu acreditei. Ele
queria que eu acreditasse, era bom pra ele que fosse assim, por isso ele
repetiu e repetiu até dar certo, até eu achar que eu nunca tive um filho. Mas
eu tive. E ele... ele não estava morto. Eu estava enganada esse tempo todo.

So leave me if you need to

Deixe-me se você precisar

I will still remember

Eu ainda me lembrarei

Angel flying too close to the ground


Anjo voando muito perto do chão

— Então seu filho pode estar vivo, segundo essa lógica – a médica
concluiu.

— Não pode estar, ele está – Anahí respondeu mais certa do que nunca –
Ele está em algum lugar me esperando, precisando de mim. Eu preciso
encontra-lo. Cait... eu querendo ser mãe o tempo todo, e o meu filho em
algum lugar que eu nem sei onde é, sem que eu fizesse ideia.

— Vá com calma, você lembrou apenas de se esquecer, não nutra


esperanças – Caitriona recomendou – Lute... mas com os pés no chão.

— Eu vou lutar – Anahí garantiu – Eu sei que ele está vivo, eu sinto. Se
quiser me chamar de louca como ele chamou, fique à vontade, mas agora
eu sei que não estou. Eu vou acha-lo Cait. Ele ou ela... eu vou achar. E vou
ser a mãe que nunca pude ser... a mãe que Tobias não deixou que eu fosse
por todos esses anos.

O que Anahí não esperava, jamais poderia sonhar, é que o que tanto
procurava estivesse mais perto do que imaginava...

TCHARAAAAAAMMMMMMM! E eis que a GRANDE REVELAÇÃO


da web chega!!! Não que a maioriaaaaa de vocês não soubesse que isso era
o que tinha acontecido né?

Mas me contem, como foi a reação de vocês! Se tiver litros de choro me


contemmmmm porque eu quero saber se ainda arranco lágrimas
kkkkkkkkkkkk

Mas a pergunta que não quer calar é: QUEM SERÁ ESSA


CRIANÇAAAA?

Uma dica: ela ta a pouquíssimos capítulos de ter seu paradeiro revelado!

Beijos,
Rafa
Capítulo 55 - Eternity for both of us

Feliz dia atrasado Bia! Pra você todos os capítulos do mundo!

Anahí ainda ficou sentada no divã do consultório da Dra. Balfe em silêncio


por algum tempo enquanto a psiquiatra fazia apontamentos em seu caderno
de anotações. Algumas coisas tinham ficado claras naquela história toda e
ela chegava às conclusões com base no relato da paciente. Anahí estava
absorvendo tudo o que tinha lembrado, pensava, concluía. Sua médica fazia
o mesmo, embora as conclusões que as duas chegassem eram totalmente
diferentes.

— Como uma pessoa pode esquecer o próprio filho... – Anahí murmurou


para si própria. Foi a hora que a Dra. Balfe decidiu intervir. Não iria
permitir que a paciente entrasse naquela lógica de culpar a si mesma.

— Amnésia dissossiativa – ela observou. Viu Anahí levantar a cabeça


quando ela falou – Um evento muito traumático, que te causou um enorme
sofrimento. Dois, se formos contar o seu aborto anterior, mas esse... sem
dúvidas, deve ter sido muito pior. Nós sempre procuramos qual foi o ponto
xis da sua situação Anahí, o que tinha acontecido que te fez esquecer todo o
resto. E hoje... hoje você chegou lá.

— Mas ele disse o tempo inteiro que nada tinha acontecido, que eu era
louca e não tinha um filho – ela divagou – Será que...

— Eu acredito que esse comportamento dele pode ter ajudado – Caitriona


ressaltou – Veja bem, era você sentindo uma dor imensa e ele te dizendo o
tempo inteiro que era coisa da sua cabeça. Uma coisa se juntou à outra. A
sua mente encontrou nas palavras dele uma maneira de bloquear aquela dor
toda, aquele sofrimento por ter tido um filho e não saber onde estava...
— Desgraçado – os olhos de Anahí voltaram a se encher de lágrimas –
Maldito, mil vezes maldito. Parece que nunca é suficiente... ele sempre tem
algo mais pra me tirar.

— Ninguém está te tirando nada Anahí – Caitriona observou segura de si –


Pelo contrário... estão te devolvendo.

Bastava olhar para a perspectiva: era um copo meio cheio.

Anahí realmente teria que fazer um enorme esforço para não se deixar levar
pelo que tinha perdido de seu próprio filho. Ela não sabia sequer qual era a
idade da criança, já que não tinha ideia de quando todos os fatos agora
lembrados tinha acontecido. Não sabia o sexo, não fazia a menor ideia para
onde Tobias tinha levado, com quem havia deixado. Talvez precisassem
contratar um investigador para descobrir o paradeiro de seu filho, mas como
faria isso? Onde encontraria? Como pagaria? Perguntas demais e nenhuma
resposta.

Quando Anahí finalmente saiu do consultório da Dra. Balfe, pôde notar que
Christian já estava impaciente de tanto ter que esperar, haja visto o pulo que
ele deu da cadeira quando a viu de volta ao corredor. Christian obviamente
não fazia a menor ideia do que estava acontecendo com sua melhor amiga,
então simplesmente agiu sendo... Christian.

— Demorou porque tava contando do sexo em Vermont, não é? – Christian


prendia a gargalhada – Até pra terapeuta você contou Anahí? Porque pra
mim, seu melhor amigo, até então confidente... nada!

Mas a resposta – e principalmente, seu tom – não eram algo que Christian
esperava.

— Christian, eu... não to em condições pra isso agora – Anahí pediu.

Bastou. Christian percebeu que, o que quer que tivesse acontecido na sessão
de terapia daquela vez, tinha mexido com Anahí. Ele pensou também que,
se a amiga quisesse falar a respeito, falaria. A amizade deles era daquele
tipo que sequer precisava de um aviso prévio do tipo "se precisar de mim eu
estou aqui" porque eles sabiam e ponto. Por isso Christian apenas se
manteve por perto, pronto para pega-la no colo, consola-la ao ouvir seu
desabafo e estar ao lado dela num momento ruim.

O silêncio de Anahí não durou tanto tempo assim. Quando chegaram no


apartamento eles viram que Maite devorava uma bandeja de donuts que
provavelmente era um desejo oriundo da gravidez. Foi o primeiro momento
que Christian se desconectou de Anahí, pois, assim que chegaram e ele viu
a morena com as mãos sujas de açúcar, praticamente pega no flagra, já
começou a ralhar com ela de cara. Christian definitivamente não perdia uma
oportunidade sequer de implicar com suas duas melhores amigas.

— Tava achando que iríamos demorar mais e já estava enchendo a Luninha


de açúcar né? – ele provocou de braços cruzados rindo – Santo Cristo
Maite, desse jeito a criança vai ter diabetes antes mesmo de nascer...!

— Christian... vê se me erra! – Maite revirou os olhos – Ta pior que o


Mane!

— Então o Cielo também ta implicando com as suas porcarias alimentares?


– ele agora ria mais do que nunca – Pudera também né!

— A gravidez é minha, eu como o que eu quiser – a morena retrucou –


Anahí, você me apoia nisso né?

Mas o olhar de Anahí estava vago e distante. Ela claramente estava presente
de corpo, mas totalmente ausente de alma. Seus pensamentos estavam
muito longe dali, Maite notou assim que colocou os olhos na amiga.
Christian rapidamente tentou fazer gestos que indicassem que a amiga
estava um tanto aérea e pensativa desde que tinha saído do consultório de
sua psiquiatra. Obviamente ele não esperava que Anahí terminasse por
revelar o que a fazia falar tão pouco.

— Eu tenho um filho – ela disse, quebrando o silêncio.

No fim, não quebrou – apenas interrompeu, já que tanto Maite quanto


Christian não conseguiram dizer uma palavra sequer depois daquela
revelação. Os dois se entreolharam como se procurassem o que ser dito um
nos olhos do outro, mas rapidamente viram que compartilhavam a absoluta
surpresa sobre o que tinha acabado de ser falado. Anahí, por sua vez, sentiu
os olhos se inundarem depois de colocar aquilo em palavras. Era como se
agora estivesse concreto, porque cabia dentro de uma frase e enfim fora
revelado.

— Any... – a voz de Maite saiu cuidadosa e rapidamente a morena sentou-se


ao lado da amiga. Christian fez o mesmo, já que os gestos logo teriam que
substituir as palavras... Anahí começava a murmurar e nada saía.

— Houve uma terceira gravidez? – Christian perguntou com todo o tato do


mundo – Porque a segunda você nos disse que o bebê morreu...

— Ele não morreu – Anahí anunciou enxugando os olhos – Eu achei que


tinha morrido, porque ele me fez esquecer.

— Eu não consigo entender – Christian franziu a testa.

— Eu lembrei do meu parto – Anahí mordeu os lábios – Eu já tinha


lembrado um pouco, de sentir muita dor e de ouvir um choro de criança...
então eu juntei as peças e pensei que, como não sabia nada dessa criança
nas outras lembranças, ela provavelmente tinha morrido. Eu me conformei.
Mas agora eu me dei conta que provavelmente era de novo esse meu
mecanismo de evitar a dor. Desde ontem eu estava convicta de que havia
algo pra ser lembrado, e que o que quer que fosse, iria me ajudar a derrubar
o Tobias, seria uma arma pra me ajudar a condena-lo... eu não sei se tem
exatamente a ver com isso, porque eu pensava que era a lembrança de como
eu tinha ido parar lá, mas não, era a lembranca do meu filho. De quando ele
tirou o meu filho de mim.

— O que exatamente você lembrou? – dessa vez foi Maite quem perguntou.

— De como ele me fez esquecer – Anahí mordeu os lábios para conter


novas lágrimas antes de continuar – Ele ficou tempos me dizendo que eu
não tinha filho nenhum, que nunca tinha tido, que eu era louca. E aos
poucos... eu acho que acreditei. Acho que eu pensei que o choro que eu
tinha ouvido, a dor que tinha sentido, era algum tipo de devaneio, uma
loucura minha, quem sabe um sonho... mas não era. No final, a última
lembrança que eu tive era uma que eu dizia pra ele que nunca tinha tido
filho algum. E eu sei que tive. Eu cheguei lá grávida do Poncho e sofri um
aborto, e depois ele... ele me engravidou... e esse bebê foi até o final.

— E como você pode ter tanta certeza que essa criança ta viva? – Christian
perguntou evidentemente receoso – Quer dizer, até ontem você tinha toda
essa certeza que estava morta, o que mudou?

— Se ela estivesse morta ele teria dito isso – Anahí respondeu – Ele diria
que o bebê tinha morrido. Ele não me faria acreditar que nunca sequer
existiu. Ele tirou meu filho de mim, o entregou pra alguém e Deus sabe
onde ele está agora.

— Esse homem é sádico – Maite concluiu – Ele é um monstro.

— Eu vou derrota-lo – Anahí disse convicta enxugando os olhos


novamente. Dessa vez havia determinação na voz – Eu não lembrei agora
do momento do sequestro, mas... eu vou lembrar. Eu consegui ir longe
demais, não vou parar agora.

— Eu sei que não vai – Christian disse cheio de orgulho e apertou a mão
dela – É claro que não. É só que... com isso que surgiu agora...

— Surgiu algo mais importante, eu sei – Anahí concordou – Corrigindo, eu


vou derrota-lo e vou encontrar o meu filho.

— Mas Any... como...? – dessa vez o questionamento veio de Maite – Não


vai ser fácil... nem barato... você tem alguma ideia?

E a convicção, mais uma vez, veio de Anahí.

— Tenho Mai – ela respondeu – Eu tenho uma boa ideia de como fazer.

A questão não era como... e sim quem...

Keith Scott estava tendo uma manhã como outra qualquer e jamais poderia
imaginar que sua filha viria ali para pedir sua ajuda. Ele estava lendo um
livro na parte exterior da casa que há alguns anos dividia com Karen
quando a esposa saiu dali com o ar preocupado que rapidamente o alarmou.
Ele imediatamente pensou que algo acontecera com Anahí, só não sabia o
que era.

E nem tinha como saber...

— A Any está vindo pra cá – Karen disse com a testa franzida – Ela disse
que quer falar algo... conosco.

— Conosco? – Keith franziu a testa deixando o livro de lado – Comigo


também...?

— Sim – Karen confirmou meio confusa – Eu não faço ideia do que seja,
estou tão surpresa quanto você.

— Não Karen, é impossível você estar mais surpresa do que eu...

Mas Keith não estava apenas surpreso, ele estava definitivamente feliz. De
alguma maneira, por algum motivo, Anahí o incluía numa conversa que
inicialmente poderia ser apenas entre ela e a mãe. E ele estaria presente. Ele
ouviria, ele teria voz naquilo, ela dividiria o que fosse com o pai pela
primeira vez e ele não poderia estar mais feliz. Não importava o que
estivesse por vir, Keith faria o que fosse necessário, porque abertamente ele
tinha ali sua primeira chance para se aproximar da filha e marcar pontos
com Anahí. Não iria, de forma alguma, desperdiçar.

Anahí estava completamente sem jeito de pedir ajuda a Keith. Era uma
lição e tanto de humildade, já que ela o afastou tantas vezes, rejeitou outras
inúmeras, e agora estava ali, na casa dele, sabendo que não tinha outra
opção senão recorrer ao pai. Mas valia a pena. O objetivo era claro e não
era negociável. Logo ela se viu na frente de um Keith que parecia tão
nervoso quanto ela e ansioso para saber no que poderia ajudar.

Ao invés de começar contando as novidades, Anahí iniciou o assunto


pedindo milhões de desculpas por ter ido até ali pedir. Fez aquilo e repetiu
várias vezes até se sentir segura para começar a contar o que a tinha levado
ali. Falou as mesmas coisas que já tinha dito a Maite e Christian, um pouco
cansada por imaginar quantas vezes teria que repetir aquela história. Mas
ela disse. Falou da primeira lembrança, do filho morto, do porquê
acreditava que agora ele estava vivo. E que precisava de meios para
encontra-lo, de recursos. E era nisso que Keith entrava.

Muitas pessoas poderiam utilizar um momento como aquele, no qual Anahí


estava completamente vulnerável, para sair por cima. Era o momento
perfeito: Keith, um tanto humilhado depois de ser rejeitado pela filha
reiteradamente, agora a via ali quase implorando por sua ajuda logística e
financeira, ajuda essa que apenas ele poderia dar, já que o negócio de Karen
não lhe dava tanto poder aquisitivo assim. Mas Keith não era esse tipo de
pessoa. Ele era humilde. Ele viu na filha naquele momento ele próprio,
desesperado para fazer todo o necessário para encontrar sua criança perdida
no mundo. Ele soube enxergar em Anahí o homem que ele foi mais de oito
anos antes, quando viu em uma capa de jornal a mulher que amou a vida
inteira chorando pela perda de uma garota que ele se deu conta que era filha
dele. Ele conhecia aquele desespero e faria o possível para que Anahí
tivesse um final ainda mais feliz que o dele... já que esperava que seu filho
a amasse de uma maneira que ela ainda não havia aprendido a ama-lo.

— Eu sei que não é justo que... que depois de tudo eu venha aqui pedir a
sua ajuda – Anahí falava especificamente com Keith – Mas... eu não tenho
outra escolha. Eu quero que você saiba que, se eu tivesse, pode ter certeza
que eu não...

— Any... – Keith a interrompeu – Você é minha filha. E eu nunca pude fazer


nada por você. Eu tenho vinte e três anos de débito contigo. Me deixe te
ajudar... sem culpa.

A conversa se limitou a isso. Anahí acabou cedendo, tentando deixar aquela


mencionada culpa de lado, mas sobretudo surpresa como Keith não tentava
utilizar nada a seu favor. Mais parecia que ele estava ali apenas para, de
fato, ajudar, sem querer nada em troca, nem mesmo o reconhecimento dela.
Como se aquele fosse o seu dever, embora ela tivesse certeza que não fosse.
Era confuso demais.

A solução que Keith arranjou foi chamar seus advogados. Naquela mesma
tarde os dois estavam ali na sala de estar de Karen debatendo com ele as
possibilidades do que viria para frente. A investigadora do escritório
daquela equipe de advogados foi chamada e as estratégias começaram a ser
lançadas. Naquele mesmo dia as investigações sobre onde o filho de Anahí
que lhe fora tirado começaram. Keith não estava poupando esforços, muito
menos recursos. Ele iria encontrar aquela criança e iria tirar de Anahí
aquela dor, custasse o que fosse.

Com isso vieram os dias, e com os dias vieram Alfonso e Daniel de volta
para Nova York. O menino já sabia que os pais estavam separados e,
embora triste, estava ligeiramente conformado com a separação. Ele estava
voltando para a própria rotina porque o recesso natalino chegou ao fim e a
escola iria voltar. Poncho e Diana acharam por bem que Daniel deveria
voltar pra Nova York até as coisas ficarem definitivas. A única coisa que ele
não fazia ideia era do romance que seu pai estava tendo com Anahí.

Com a ausência de Poncho ele acabou sendo o último a saber das novidades
sobre a regressão de Anahí. De toda forma isso não impediu que ele
consolasse a namorada à sua própria forma – com beijos, carinhos que
terminaram em sexo – de forma discreta e contada nos ponteiros do relógio,
já que ele agora tinha hora para voltar para casa. Poncho se desdobrava em
três para cuidar da casa, do filho, do livro que estava escrevendo e de
Anahí. E de alguma maneira ele não deixava a desejar em nenhuma
daquelas esferas.

Com os dias vieram as semanas. E as semanas tornavam o fim do mês mais


próximo. Anahí seguia à espera de notícias da investigação, mas estava
paciente, usando aquele tempo para investir na terapia e lembrar tudo o que
pudesse. O julgamento de Tobias foi marcado para dali a dois meses e ela
agora sabia que teria que correr contra o tempo. Cada tic tac do relógio sem
nenhuma resposta, nenhuma solução, era uma derrota. Anahí tentava
manter a serenidade, mas um lado seu estava começando a se desesperar, a
perder as esperanças. E ela tinha muito mais a perder.

Só que a busca por aquela criança não era o único evento que estava
acontecendo. Havia outro, para acontecer, que encontrava seus contornos
finais. E a proximidade – somada à inércia de sua principal envolvida –
ainda renderia frutos...

Naquela manhã em particular, Arizona Robbins cansou daquela história. Ela


se lembrou de uma conversa que teve na noite de Natal e decidiu que era
hora de um basta.

— Ainda está de pé? – Arizona perguntou à Amelia Shepherd assim que se


viu sozinha com a neurocirurgiã, olhando para os lados para se certificar
que não era ouvida por sua esposa, Callie Torres – Destruir o casamento da
Lexie...?

— Garota, você acordou determinada hoje – Amelia constatou sorrindo


venenosa.

— Você disse no Natal que faria algo e eu quero saber se está de pé –


Arizona continuou – Mark está um caco. Nós vimos um vídeo do nosso
casamento ontem e... Sofia queria ver. Tinha um depoimento dele falando...
um pouco demais. Callie me proibiu mais do que nunca de me intrometer,
mas... ele é meu amigo Amelia, é seu amigo também, eu não vou ficar de
braços cruzados.

— Que vídeo? Depoimento dele? – Amelia franziu a testa ligeiramente


interessada.

— Eu tenho no celular, eu pensei em tudo – Arizona continuou – Você só


precisa executar.

— Certo – a neurocirurgiã sorriu maliciosa – Eu termino o seu trabalho sujo


Arizona, você pode dormir tranquila. Considere feito.

Lexie Grey estava com a escala dos residentes de lado naquela manhã
porque acertava os detalhes da prova final de vestido de sua última dama de
honra, Jo Wilson – a noiva de Alex Karev, que além de ser o melhor amigo
de sua irmã, acabou se tornando também o padrinho de Jackson após a
evidente recusa de Mark. Jo acabou tendo que aceitar o convite quando
Alex quase implorou que ela o fizesse, já que ninguém mais naquele
hospital parecia disposto a entrar naquele casamento. Após a confirmação
da saída de Maite daquilo tudo, Lexie estava ficando ligeiramente
desesperada. Faltava apenas uma semana e meia para o casamento. Jo
realmente fora um anjo em aceitar.
— Você não precisa ficar preocupada, vai tudo dar certo – Jo disse a ela
sorrindo calmamente – Nós nos vemos na prova do vestido mais tarde.

Quando Jo estava saindo e terminando de dizer aquilo, foi quando Amelia


entrou na sala de sua residente. Lexie estava confirmando aquilo e
escrevendo metódica em sua agenda o compromisso recém-firmado e
sequer viu a mentora entrar ali.

— Wilson vai ser sua dama de honra? – Amelia franziu a testa.

— Vocês todas me deixaram sem opções – Lexie deu de ombros – Minha


amiga Maite declinou do convite, você recusou, até April Kepner, que é
amiga do Jackson, não aceitou... por sorte a Jo me salvou.

— Entendo – Amelia disse anotando mentalmente aquelas novas


informações. Tem algo que eu preciso te mostrar.

— É algum exame? Pra alguma cirurgia...?

— Não – ela negou – Mas é algo igualmente importante.

— Eu estava realmente acreditando que você me mostraria os exames de


algum caso super difícil, quem sabe um daqueles tumores cerebrais
inoperáveis que chega a fazer os olhos brilharem – Lexie resmungou
visivelmente frustrada. Amelia deu de ombros.

— Um tumor inoperável não vai mudar a sua vida Grey – ela observou –
Mas esse vídeo vai.

Lexie não fazia ideia do quanto Amelia pretendia ser verdadeira com
aquelas palavras e fazia menos ideia ainda do que ela estava prestes a ver.
Assim que ela deu play no vídeo, é claro, deu pra dar uma boa ideia. Assim
que a imagem apareceu Lexie se deparou com um Mark de alguns anos
atrás vestido num terno elegante num cenário que ela reconheceu como o
casamento de Callie e Arizona. Ela se lembrou daquele dia. Ela estava com
Jackson, era o primeiro relacionamento deles. Rapidamente Lexie franziu a
testa já supondo qual seria a razão de ser de Amelia lhe mostrar aquele
vídeo. Não sabia qual era seu conteúdo – a princípio era apenas Mark
desejando felicidades às noivas daquele casamento, algo aparentemente
inofensivo – mas sabia que boa coisa não sairia dele.

— Dra. Shepherd, eu realmente acho que...

— Assista até o final Grey – Amelia disse com um tom de ordem.

Contrariada, Lexie voltou os olhos ao celular, já pensando nas respostas que


daria à mentora quando finalmente terminasse. O que ela esperava? O que
pretendia? Quem sabe fazê-la se emocionar com um Mark fraterno que
desejava o melhor para suas duas melhores amigas? Isso serviria para fazer
Lexie fraquejar e, quem sabe, cancelar o próprio casamento?

Não iria funcionar. Não iria mesmo. Ela tinha certeza. Lexie não tinha
sombra de dúvida.

Até que...

— Com quem você dançaria no casamento da sua neta? – o cinegrafista


perguntou ao Mark do passado. Lexie não o via: apenas a imagem do ex-
namorado aparecia na tela.

— Eu teria que ter um par para isso – Mark disse rindo.

— E se você tivesse um par? – o homem insistiu – Quem seria?

Lexie prendeu a respiração espontaneamente. Não...

— Ah, essa é fácil – e os olhos de Mark se prenderam no vídeo como se


soubessem que Lexie estava do outro lado encarando-os – Lexie Grey.

E o vídeo acabou... com aqueles mesmos olhos azuis olhando para a tela
como se soubesse que tinha acabado de destruí-la por inteiro com tão
poucas palavras.

— Agora... – Amelia disse tirando o celular da mão dela – É com você.


Você não precisa de conselho algum Grey. Eu diria pra você fazer o que a
sua consciência mandar mas é bobagem. Ouça seu coração. Todo o resto é
bobagem.
E era.

Amelia Shepherd acabou com toda a concentração de Lexie naquele


momento. Ela simplesmente não conseguiu mais nada e desistiu da cirurgia
que Owen Hunt, chefe da Traumatologia, a convidou para participar.
Preferiu ficar na Emergência, controlando os próprios internos e residentes,
embora soubesse que, se qualquer um deles cometesse um erro sequer e
fosse crucial, ela estaria cometendo junto. Não havia qualquer possibilidade
de ver qualquer coisa, não restara resquício de foco. Tudo o que ela tinha
em mente era Mark Sloan repetindo aquelas palavras em sua cabeça.

E quando ele apareceu à sua frente – totalmente incapaz de imaginar o que


a consumia, sem fazer ideia de que Amelia e Arizona tinham se unido para
mostrar o vídeo a ela – Lexie resolveu se aproveitar. Ele estava na
Emergência totalmente aéreo, digitando uma mensagem no celular e
andando como se estivesse em qualquer outra parte do hospital. Logo se viu
atrapalhando o caminho daquelas macas, enfermeiros e médicos correndo
para todos os lados e percebeu que o errado era ele. Por isso caminhou para
as escadas do hospital, um lugar onde estaria a salvo e livre.

Livre até demais. Lugar mais perfeito não haveria.

Lexie estava cansada de pensar demais. Estava na hora de ser impulsiva.


Mas não se tratava daquela impulsividade de meses atrás quando ela
invadiu o apartamento de Mark e tirou a roupa na frente dele. Dessa vez
tinha que ser para valer, porque ele já tinha deixado que ele saísse de sua
vida uma vez e não queria que a história se repetisse. Ela sabia exatamente
o que significava caminhar atrás dele daquela vez. E não houveram dúvidas
quando deu o primeiro passo.

Mark já estava passos a frente e ainda absorto no celular. Ele ignorou o


barulho da porta se abrindo atrás dele na escada, poderia ser qualquer
pessoa. Mas não dava para ignorar a voz que o chamou.

— Mark...

A primeira coisa que ele fez foi se virar e constatar que Lexie realmente
estava ali. Sua cabeça se banhou em dúvidas sobre o que ela queria com ele,
mas os olhos castanhos dela eram decididos demais para não dar fim à tudo
aquilo. Quando Mark abriu a boca para perguntar e confirmar suas suspeitas
– ele não queria criar esperanças em vão – Lexie caminhou, o envolveu
pelo pescoço e beijou sua boca com paixão. É claro que ele correspondeu,
mas não por muito tempo: tinha uma coisa que precisava saber antes de se
jogar de cabeça mais uma vez.

— Lexie... eu...

— Eu também quero ser o seu par no casamento da sua neta – ela


murmurou – Mas se dançarmos juntos no casamento da Sofia, já seria
ótimo. Quem sabe dos irmãos dela.

— Quem... quem te mostrou...

— Não importa – Lexie mordeu os lábios. Ela viu Mark balbuciando a


pergunta e leu a dúvida nos olhos dele. Se apressou em tira-la, então – Eu
vou cancelar tudo. O casamento. Não dá. Eu nunca fui dele.

— Eu entendo – Mark a segurou pelo rosto – Vai ser duro, mas... eu vou
estar aqui.

— É bom que esteja – Lexie beijou os lábios dele – Espere por mim.

Por toda a eternidade quem sabe. Talvez nem tanto. Quem sabe apenas até a
dança do casamento de sua neta, provavelmente.

SLEXIE! À pedidos

Gente! Vocês quando estão curiosas são muito ENGRAÇADAS!


hahahahahaha releram a web de cabo a rabo esperando encontrar alguma
coisa, mas acho que ficaram na mesma, acertei? hahahahaha. Esse é o
mistério mais curto de 12 anos de webs minhas. Ta tão perto de vocês
descobrirem que vão ficar chocadas. Mas mesmo assim esperem um
pouquinho e tenham paciência, porque a grande pergunta aqui não é quem e
sim como.
Eu sei, vocês tão pensando: "como o que, Rafa?". Tudo a seu tempo!

(podem me xingar risos)

De modo geral preciso dizer que Samantha nem Daniel são filhos da Anahí,
e vocês quando estão nervosas criam umas ideias que eu fico pensando de
onde tiraram isso kkkkkk. De toda forma, eu já disse algumas vezes que a
Diana não é vilã da web, então eu repito - e repetirei quantas vezes forem
necessárias - que vocês não devem esperar que ela faça algo no sentido de
sacanear o Poncho, engana-lo.

Não seria muito conto de fadas se o Daniel fosse filho da Anahí e a Diana
fosse a megera da história? A meu ver seria um conto dos horrores.
Imaginem a criança ficando totalmente sem referência porque a pessoa que
foi a mãe a vida dele inteira seria uma megera! Nossa, eu tenho arrepios só
de pensar nisso. A vida do Dani cabe muita gente, e vai caber tanto a Diana
quanto a Anahí exercendo papeis diferentes - e complementares - na vida
dele. Vocês sabem que eu não gosto de tramas fantasiosas e isso seria
fantasia ao extremo. Eu gosto de histórias nas quais uma Torrey morre e
fica, no leito de morte, aliviada por deixar a Samantha com uma Sophia que
sempre vai amar e cuidar dela. Da mesma maneira, o Daniel vai ter tanto a
mãe quanto a madrasta na vida dele. Assim tudo fica mais bonito, colorido
e real, porque a maioria das famílias que nós conhecemos na vida são
assim, mosaicos, porque se quebram e se reconstroem.

A criança que é filha da Anahí não é nem Daniel nem Samantha, e como eu
disse, vocês estão preocupadas demais com o QUEM quando o mais
importante é o COMO. Porque vejam bem, mesmo depois da criança
aparecer nós ainda teremos uma boa quantidade de capítulos mostrando o
que realmente importa (e eu não direi o que é - apenas posso adiantar que é
o que eu mais amo nessa web e to ansiosa pra escrever!).

E de toda forma, eu peço encarecidamente que parem de misturar a Diana


real (esposa do Poncho real) com a Diana da fic. Vocês têm todo o direito
de não gostarem dela por N motivos que eu não entrarei nos méritos, mas
vejo isso sendo descontado na minha personagem que é uma pessoa legal,
caridosa, que foi super legal com a Anahí e que cometeu UM único erro a
WEB INTEIRA (menos que o marido dela que todas nós amamos amar).
Então lembrem que a Diana é uma personagem, que poderia ser Tania,
Joana ou Maria, que é indiferente pra personalidade dela e que se
continuarem odiando-a até o final da web é sinal de que vcs são mais cricri
que a sua autora (tão de parabéns).

Beijos e bom fds!

Rafa
Capítulo 56 - She cames home

Pra melhor assessora e mais nova melhor fisioterapeuta do mundo


DaniellePiazzi

Era a primeira vez que Lexie estava realmente disposta a cancelar o próprio
casamento. Ela fez o trajeto entre o hospital e o apartamento que vivia com
Jackson – que era dele, diga-se de passagem – tentando ignorar os
fantasmas que lhe diziam que ela tinha tido gastos com vestido, com a
recepção, com os convites e com as reservas de tudo o que tinha sido feito
para o grande dia. Ignorava, sobretudo, o fato de que certamente ela
terminaria a noite colocando seus principais pertences numa mala e
voltando ao porão da casa de Meredith, agora super ocupada pelos filhos
que ela tinha.

Mas tudo aquilo só fazia Lexie pensar que, de certa forma, era culpa dela
própria a situação na qual estava. Desde o início da residência ela tinha
trocado a casa do pai pela da irmã, depois apartamentos com Mark, com os
amigos, com Jackson, nada seu. Sempre dependente do que era de terceiros.
Era hora de mudar. Era hora de andar com as próprias pernas e ali seria o
primeiro passo.

Só que não foi bem assim. Nunca era bem assim, se pensado bem.

Quando Lexie entrou pela porta ela viu Jackson sentado no sofá com a
cabeça baixa e ambas as mãos na nuca. Ela rapidamente percebeu que algo
tinha acontecido, embora não fizesse ideia do que era. Tratou então de se
aproximar levemente receosa, se dando conta naquele momento que não o
vira o dia inteiro e não tinha percebido até então. Não tinha sentido falta de
Jackson um minuto sequer no hospital. Será que ele não tinha ido ou será
que tinha ido embora mais cedo? Será que algo tinha a ver com a razão para
ele estar sentado ali, cabisbaixo daquela forma?

O que quer que fosse, não poderia impedir Lexie de fazer o que queria.
— Jackson – Lexie chamou o noivo – Nós precisamos conv...

— Meu avô morreu – Jackson soltou.

Bomba. Caindo suave, sem que se perceba, mas quando cai... devastação.
Lexie se sentiu exatamente assim quando ouviu aquela notícia: devastada.
Então era isso. Harper Avery tinha morrido dez dias antes do casamento do
neto e deixando-o... daquela forma. Lexie não sabia qual choque tinha sido
maior: a notícia da morte em si, Jackson se aninhando nos braços dela em
lágrimas copiosas em seguida – ela nem sabia que ele era tão próximo
assim do avô, os dois mal pareciam ter uma relação – ou a constatação do
que aquilo significava. Como ela deixaria um homem e cancelaria seu
casamento com ele na mesma noite em que ele tinha perdido o avô?

Jackson então começou a falar sem parar sobre o infarto fulminante que
Harper Avery tinha sofrido em Boston. Sua mãe, Catherine, já estava na
cidade e ele tinha que se deslocar para lá. Obviamente esperava que Lexie
fosse com ele para acompanha-lo e apoia-lo naquele momento
decididamente difícil. Mas a cabeça de Lexie girava com força e sem parar.
Eram apenas dez dias separando a morte do avô dele e o casamento dos
dois. O luto provavelmente duraria seis ou sete dias e, depois disso, ela não
teria mais tempo para cancelar aquele casamento. Dizer a Jackson o que ela
tinha pensado naquele momento misturaria as dores dele. Ele perderia
Harper Avery ao mesmo tempo que seria abandonado pela noiva às
vésperas do casamento. Ela seria egoísta e mesquinha se falasse o que
pensava, seria cruel deixa-lo naquele momento.

Uma lição: nunca deixe para a última hora...

xxx

Enquanto Lexie embarcava para Boston para acompanhar um Jackson que


ainda aparentava estar abalado, Anahí começava o dia com uma visita que
definitivamente não esperava.

— Eu sei que você não nos esperava aqui – Keith disse assim que entrou no
apartamento – Mas viemos por uma boa causa.
— Eu imagino que seja – ela franziu a testa. Realmente não esperava por
seus pais, juntos, àquela hora da manhã.

— Keith não conseguiu conter o entusiasmo de vir conversar com você de


uma vez sobre as novidades – Karen esclareceu entrando no apartamento
que a filha dividia com os amigos.

— Os investigadores deram alguma notícia? – era possível ouvir o tom da


animação na voz de Anahí.

— Nada promissor – Keith fez uma careta – Não era exatamente sobre isso
que nós queríamos falar.

— Ah – e o ânimo da voz dela deu uma ligeira desaparecida.

— Nós vamos dar privacidade a vocês – Maite disse fazendo um sinal para
que Christian saísse junto com ela.

— Ah não queridos, claro que não, nós queremos que vocês fiquem – Karen
observou – É bom que vocês ajudam a Any a... decidir.

— Decidir o quê? – Anahí cruzou os braços impaciente – Vocês estão me


deixando nervosa.

— Any, os investigadores não vêm fazendo um grande avanço em descobrir


onde o seu filho pode estar – Keith abriu o jogo – Então os advogados
abriram a possibilidade de aceitar um convite de um programa jornalístico
que quer te entrevistar. Seria uma entrevista nacional, que daria repercussão
para o seu caso. As pessoas sabem que você foi sequestrada, que você foi
resgatada oito anos depois e que o seu sequestrador está para ser julgado.
Mas ninguém sabe que você teve um filho e que essa criança está
desaparecida.

— Keith pensou em... darmos os principais dados da situação em rede


nacional e oferecermos uma recompensa para quem tenha informações de
onde o seu filho pode estar – Karen explicou.

— Uma recompensa? – Anahí ergueu os olhos – E quem pagaria...?


— Eu, evidentemente – o próprio Keith disse – Anahí, eu vou fazer
qualquer coisa pra que você tenha o seu filho de volta. Qualquer coisa.

Definitivamente Keith tinha pegado a briga da filha e a feito sua.

A ideia foi debatida à exaustão. Desde entre Anahí, Christian e Maite, até
os outros amigos. Como sempre as opiniões estavam divididas. Maite e
Sophia, sempre muito protetoras, se preocupavam com o desgaste de Anahí
naquela situação, já que ela chamaria a atenção da imprensa e da sociedade
de volta à sua história com requintes de sofrimento totalmente inéditos. Os
outros, por outro lado, eram unânimes em acreditar que aquela poderia ser
uma boa ideia, um impulso decisivo numa situação na qual era necessário
arriscar. Como sempre um grupo dividido, mas cuja decisão final caberia
somente à pessoa a quem realmente interessava: a pessoa que estaria na
frente daquelas câmeras para contar a própria história. A pessoa que tinha
perdido o próprio filho.

— Você acha isso mesmo uma boa ideia? – Sophia perguntou a um Poncho
que terminava de ensacar as próprias compras no supermercado – Imagina
todos aqueles repórteres na porta dela assediando-a de novo...!

— Eu sei Soph, eu sei – Poncho suspirou – Mas e se os investigadores


simplesmente não acharem o filho dela...? Os repórteres não seriam um
preço que valeria a pena pagar?

— Eu não sei – Sophia bufou – Não deveria ser mais simples? Porra, como
os investigadores simplesmente não acham essa criança? Eu não sei como
funciona.

— Foi um parto domiciliar no porão – Poncho observou – Eles precisam


encontrar o tal médico e aí começar de algum lugar, tentar descobrir se ele
levou a criança, se sabe o que o Tobias fez com o bebê depois que nasceu...
é coisa demais. Não está sendo fácil.

— Eu imagino que n... – Sophia disse antes de sua atenção ser roubada –
Sam! Ei, não mexe nisso...!

— Crianças – Poncho as chamou – Hora de ir embora!


Como de costume, Poncho e Sophia estavam fazendo as próprias compras
juntos. Era sempre uma maneira de fazer Samantha e Daniel passarem um
tempo se divertindo e não aproveitarem aquilo para tentar contrabandear
guloseimas para o carrinho de suas respectivas casas. Poncho costumava
fazer aquilo com Jesse, mas ele estava ocupado na confeitaria naquela
manhã, de forma que coube à Sophia aquela missão. As crianças correra o
mercado inteiro, cismaram de comprar chocolate e biscoitos, foi um
verdadeiro custo. Mas por fim eles tinham ensacado tudo e estavam de
saída... as crianças correndo na frente, eles carregando as sacolas atrás e
tudo no ritmo normal de sempre.

Ou quase tudo.

— Seu pneu está furado – Sophia anunciou fazendo uma careta olhando
para o carro dele.

— Xiiiiiii – Daniel disse assombrado.

— Quer que eu ligue pro meu papai, tio Poncho? – Samantha se ofereceu
sabichona como sempre – Ele pode vir resolver, ele sempre resolve tudo.

— Vamos lá Sam, eu sei trocar um pneu – Poncho riu.

— Mas será que vai demorar? – Sophia cruzou os braços – Eu posso ligar
pro Jesse...

— Não Soph, em quinze minutos eu resolvo isso – Poncho garantiu.

Enquanto Poncho tirava as ferramentas necessárias e o macaco da mala do


carro, já removendo o estepe do lugar para trocar o pneu, Sophia
aproveitava que as crianças corriam perto dali para dizer algo que estava
entalado em sua garganta.

— Eu cheguei a te dizer que Chad foi quem segurou o Jesse no dia que o
Tobias apareceu, não é? – ela perguntou mordendo os lábios. Poncho se
limitou a responder com um "uhum" e ela resolveu continuar – A atitude
dele me surpreendeu, honestamente. Eu não esperava e bem, fiquei
pensando se, não sei... talvez ele tenha mudado. Talvez a nossa amizade
seja algo que dê pra conciliar com o meu noivado com o Jesse...

— Pergunte o que quer perguntar Soph – Poncho pediu.

— Ele me chamou pra sair amanhã à noite – ela admitiu – Só que eu não sei
se o Jesse vai achar uma boa ideia... e como você é o melhor amigo dele...

— Você quer um conselho ou quer que eu fale com ele?

— Um conselho, é claro – Sophia esclareceu – Vamos lá Poncho, nós


estamos noivos, eu não preciso que você interceda por mim.

— Um conselho, ok – Poncho suspirou pegando fôlego – Jesse ama você. E


ele aprendeu a respeitar as suas decisões. Ele amadureceu muito desde a
morte da Torrey, então não acho que ele vá criar empecilhos. Mas...

— Mas...?

— Eu não confio nesse Chad – Poncho devolveu – Não acho que ele tenha
boas intenções. Mas isso é a minha opinião. Se você pensa o contrário...

— Ele mudou, eu sei que ele mudou... – Sophia começou a falar, mas logo
viu que o amigo parecia estar com uma cara estranha, observando um ponto
do carro de forma bem específica – O que foi? Algo errado?

— É só que... isso ta estranho...

Estava mesmo. Havia um objeto próximo ao pneu que seria trocado que
Poncho simplesmente não sabia o que era, mas definitivamente não fazia
parte do veículo. Ele franziu a testa ao pegar o objeto, que facilmente se
soltou. Mesmo olhando de perto Poncho não sabia o que era... mas havia
alguém que sabia.

— De onde isso saiu...? – Sophia estava completamente esbugalhada.


Poncho logo se deu conta, ele poderia não saber do que se tratava, mas
Sophia definitivamente sabia.

— Você sabe o que é?


— Sim Poncho – o tom dela era preocupado – Eu vi numa série policial.
Isso... isso é um rastreador. Serve pra... pra saberem onde... onde você
está...

Um único objeto capaz de responder muitas perguntas.

Poncho quase arremessou o objeto longe tamanho o ódio que sentiu. Então
era assim. Assim que Tobias sabia onde Anahí estava. Assim ele descobriu
onde Poncho tinha ido com ela entre o Natal e o Ano Novo e conseguia
acompanhar seus passos. O sangue dele esquentou ao se dar conta disso.
Até então acreditava que ele tinha mandado alguém segui-la, mas ao
mesmo tempo se lembrava que, durante a viagem para Vermont, eles eram o
único carro na estrada por uma boa parte do percurso. Poncho se sentia
estúpido por não ter pensado naquilo antes, mas ao mesmo tempo se dava
conta de que precisava tomar uma atitude para que eles voltassem ao
controle da situação.

— O que você está fazendo...? – Sophia perguntou ao vê-lo pegar o celular


– Você não vai à delegacia?

— A polícia não vai acreditar em mim, é circunstancial demais – ele


colocou o aparelho no ouvido – Pegue as crianças, nós vamos embora
daqui.

— Ok... – ela assentiu na mesma hora, chamando Samantha e Daniel e


ignorando que o conserto do carro que não tinha sido terminado.

— Alô?

— Maite? – Poncho falou – A Any ta com você?

— Sim, ela está – a voz da morena ficou tensa – Aconteceu alguma coisa?

— Você está com o Mane?

— Não, Mane está em casa – Maite respondeu de pronto – Poncho, o que


aconteceu?
— Eu achei um rastreador debaixo do meu carro – Poncho rapidamente
explicou – É assim que ele sabe onde ela está. Pode ser que tenha um no
carro do Mane, outro no do Jesse. Onde vocês estão?

— Estamos em Manhattan, no Soho – Maite explicou – Viemos comprar o


meu enxoval. Não se preocupe, ela está bem.

— O que foi? – Poncho ouviu a voz de Anahí perguntar.

— Não a deixe alarmada – a voz dele saía em pedaços – Eu não quero que
ela fique apavorada...

— Bom... alguma coisa eu terei que dizer – Maite suspirou – Eu te


mantenho avisado.

Anahí ficou tensa com o pouco que tinha pegado da conversa de seu
namorado com sua melhor amiga. Ouvira o suficiente para presumir que
algo estava acontecendo e que tinha a ver com ela. O táxi no qual as duas
estavam tinha acabado de parar e Maite contava algumas notas na carteira
enquanto ela se perguntava por que diabos a morena não estava dizendo de
uma vez o que aconteceu que fez Poncho lhe telefonar e deixa-la branca
como um papel como estava.

— Maite? – Anahí a chamou – Eu preciso perguntar...?

— Certo, não fique tensa porque eu estou tentando administrar meus


sentimentos no meio de uma gravidez – a morena suspirou longamente
antes de revelar – Poncho achou um rastreador no carro dele. Eu não sei os
detalhes, mas ele acha que é assim que... que ele sabe dos seus passos. E
acha que pode ter um no carro do Mane e no do Jesse também. Afinal todos
eles andam com você...

— Desgraçado – Anahí grunhiu.

— E eu agora estou pensando se vale a pena nós descermos aqui e fazermos


as compras mesmo ou não, porque honestamente eu não me sinto mais
segura pra nad...
A frase de Maite foi completa, mas Anahí não a ouvia mais. A mente dela
martelava: não eram todos os momentos que ela estava com Poncho, Jesse
ou Mane. Muitos outros – geralmente quando estava acompanhada das
amigas ou de Christian – ela estava como naquela hora, dentro de um táxi.
Se Tobias conhecia cada passo seu, então ele tinha outras maneiras de
descobrir.

Foi quando ela viu, pelo retrovisor do motorista, um carro parado logo
atrás. Anahí observou bem, estreitando os olhos, e reconheceu os traços de
seu algoz. O rosto que lhe causava arrepios, agora em menor grau, e
despertava o desprezo de cada célula de seu corpo. Ele estava ali para saber
exatamente onde ela estava, para se manter no controle de sua vida mesmo
após não tê-la mais sob seu poder em um porão no Queens. Tobias queria
fazê-la acreditar que estava no comando, mesmo não estando mais. Queria
que ela sentisse novamente o medo que lhe fora comum em todo aquele
tempo que ele a manteve trancada. A submissão.

Mas não era mais assim. Anahí não estava trancada, não era mais estuprada.
Mesmo depois que tinha sido solta, demorou muito tempo para se sentir
livre, porque ainda estava presa dentro de si mesma. E ela estava cansada
disso. Ela era forte. Ela era mais que isso.

E iria mostrar.

Sem que Maite pudesse ter controle de suas atitudes, Anahí abriu a porta do
táxi e simplesmente saiu. Ela ouviu a voz da amiga perguntar onde ela iria,
imaginou que a morena sairia logo em seguida em sua direção, mas decidiu
andar mais rápido para evitar ser alcançada... ao menos antes de atingir seu
objetivo. No fundo, seu objetivo: o carro onde ele estava.

É claro que Maite levou um susto enorme quando viu Anahí saindo dali, e
outro maior ainda quando viu a direção para a qual ela caminhava. O jeito
era ir atrás dela, tentar alcança-la, mas Anahí era rápida e Maite estava
grávida. Não havia jeito.

Anahí caminhava decidida e com passos fortes vendo o sorriso debochado


já conhecido de Tobias Menzies na direção dela. Poderia apostar como os
olhos dele brilhavam, como de fato acontecia. Ela sabia que os pensamentos
mais maliciosos passavam pela cabeça dele naquele momento, mas não se
importava. Por tempos aquele olhar lhe passou medo, aqueles olhos... não
mais. Nunca mais.

Tobias saiu do carro e parou no meio da rua olhando para ela decidida,
maravilhado, deliciado. Ele parecia estar mesmo se divertindo com aquilo,
como se de fato divertido fosse.

— Ora ora ora, minha querida Any – ele desdenhou – Eu sei que você deve
estar com saudade, é só que... mais um passo e você viola a sua própria
ordem de restrição.

— Não pense nem por um segundo que eu tenho medo de você – o tom de
Anahí era ameaçador – Não mais.

— Pois não deveria mesmo – a voz de Tobias seguia debochada – Você


sabe que eu jamais tocaria em um fio de cabelo seu.

— O seu tom não me engana Tobias – ela cruzou os braços – Eu lembrei de


tudo. Eu lembrei do meu filho que você tirou... e eu não vou descansar até
encontra-lo.

— Any, pelo amor de Deus... – e Maite finalmente a alcançou – Vamos


embora...

— Filho...? – Tobias riu revirando os olhos – Você está...

— Louca? – foi a vez de Anahí zombar – Você bem que queria, não é?

— Não sei porque tanto desdém minha Any – ele suspirou longamente – Eu
sempre quis te dar apenas prazer.

— Anahí – a voz de Maite parecia desesperada – Pelo amor de Deus...

— Pois que pena – Anahí respondeu seu algoz ignorando a amiga – Porque
eu acho que te darei uma prisão perpétua.

E naquele momento, dando as costas para ele, sentindo as pernas tremendo


mas definitivamente não se arrependendo nem um pouco, Anahí foi embora
com uma decisão: ela daria aquela entrevista.

xxx

— Nós estamos prontos para você Anahí – a assistente da emissora


anunciou e as três pessoas que acompanhavam Anahí a viram assentir,
percebendo seu nervosismo.

— Será que essa entrevista foi mesmo uma boa ideia...? – Sophia
questionou mordendo os lábios. Ela tinha as suas dúvidas que expor Anahí
daquela forma renderia bons frutos.

— Ela precisa tomar as rédeas da própria história, sem falar que pode ser
um bom investimento caso o objetivo seja alcançado – a mulher ao seu lado
respondeu sorrindo de canto. Estava esperançosa – Sou Marina, a propósito
– ela disse antes de estender a mão para cumprimenta-la.

— Sophia – e a amiga de Anahí apertou de volta.

— Ela já perdeu tanto que não teria mais nada pra perder – Poncho
respondeu Sophia – Ela precisa achar essa criança.

— Eu tenho medo caso não ache – Sophia mordeu os lábios – E vocês


acham mesmo que ela não tem nada a perder? Quer dizer... – a voz dela
mudou o tom, mais parecendo com um sussurro – E se ele não for
condenado...?

— Sophia... é um caso realmente difícil, legalmente falando – Marina


respondeu – O caso que a promotoria está montando ainda não é forte o
suficiente porque a Anahí não lembra de como foi sequestrada, teve parte
da memória apagada nessa história toda, não há provas muito concretas e a
defesa vai construir uma tese de que ela estava lá porque quis. Mas se essa
criança aparecer... se surgirem provas de que ele tirou a criança dela... o
jogo vira a nosso favor.

— Mas será que a entrevista ajuda a criança a voltar? – Sophia suspirou


mais pesado ainda.
— Sophia, sem pânico – Marina disse segurando-a pelo ombro – A Anahí
já sente medo demais. Vamos ser otimistas por ela.

Era difícil, mas não impossível.

Fora Anahí, ninguém ali estava mais tenso do que Poncho. Ele tentava
manter a calma e o equilíbrio porque notava que a namorada o encarava de
longe o tempo inteiro, procurando nele uma serenidade que não tinha em si.
Sempre que notava o olhar dela Poncho sorria, lhe passando tranquilidade.
Mas não era assim que ele se sentia. As mesmas perguntas que Sophia se
fazia se passavam pela cabeça de Poncho, mas ele não deixava que elas
tomassem volume em sua mente. Tentava ser esperançoso como Marina
estava sendo. Precisava ser, porque precisava apoiar Anahí e fazê-la
acreditar que seu filho seria encontrado quando ela não tivesse mais fé
naquele final feliz.

— Eu estou pronta – Anahí por fim de respondeu.

A entrevistadora era uma âncora famosa de um programa jornalístico.


Anahí não a conhecia porque a fama em questão só se deu após o sequestro
dela. A mulher percebeu isso ao cumprimenta-la e não ver nenhum tipo de
olhar de entusiasmo em resposta. Era a prova de que ela fora, por muitos
anos, privada de tudo, mas nem todo mundo acreditaria.

De frente para aquelas câmeras, Anahí reafirmou sua versão. Ela passava
tranquilidade, mesmo com todos os sentimentos convulsionando por dentro.
Tinha uma mensagem para ser passada e, principalmente, um objetivo para
ser alcançado... objetivo esse que ela não estava disposta a não alcançar.

— Já se passaram seis meses desde que você foi resgatada – a


entrevistadora começou uma nova pergunta – Por que só agora uma
entrevista? Foi porque o julgamento foi marcado?

— Não foi – Anahí negou com a cabeça – Por mais que ele, por trás das
grades, me deixe mais tranquila pra viver... tem algo mais importante disso
tudo. Eu não tenho tentado lembrar o que aconteceu naquele cativeiro
apenas para poder dizer ao júri o que eu vivi, mas porque faz parte da
minha história. É algo que eu preciso saber o que aconteceu. E essas
lembranças tem me levado a lugares que chega a ser difícil acreditar que eu
já passei. Uma dessas lembranças foi o que me trouxe aqui. Foi o que me
deu coragem.

— E você vai dividir com o público essa lembrança, não é? – a mulher


continuou, instigando a entrevista – Estou certa de que os nossos
telespectadores estão ansiosos para saber o que te trouxe até aqui.

— Sim, eu irei – Anahí disse suspirando antes de prosseguir – Eu tive duas


lembranças de gestações dentro daquele cativeiro. A primeira foi
interrompida numa agressão. Ele sabia que eu estava grávida e queria
terminar com aquilo porque era... inoportuno. A segunda, eu achava que a
criança tinha nascido morta, as lembranças me fizeram acreditar nisso. Mas
recentemente eu descobri que não.

— Então você descobriu que teve um filho? Com o seu sequestrador...?

— Sim – Anahí devolveu – Eu tive um filho com Tobias Menzies. Fruto de


um estupro. De um dos meus estupros.

— E o que mais você lembrou? – a entrevistadora parecia mais interessada


do que nunca – Você faz ideia de onde essa criança está?

— Não – Anahí mordeu os lábios – Ele a tirou de mim. Eu achava que ela
estava morta porque ele tirou a criança e me fez esquecê-la. Eu não tinha
lembranças de uma criança, apenas de um choro e depois, somente dor.
Demorou até que eu tivesse acesso às lembranças completas pra conseguir
descobrir que eu não lembrava do meu filho porque ele não achou
suficiente tira-lo de mim, mas também me fazer acreditar que eu nunca
tinha engravidado. Me fazer acreditar que esse filho era produto da minha
imaginação e que eu estava louca.

A apresentadora apenas assentia. Como jornalista, ela não poderia emitir


grandes opiniões e fazer juízos de valor, mas estava nítido, estampado em
sua expressão, o horror causado por aquela história. Só que Anahí ainda não
tinha terminado.
— Eu tenho tentado encontra-lo, mas está difícil, sem dúvidas há um
trabalho bem feito por trás disso – ela pausou antes de continuar – E quanto
maior a dificuldade, mais eu me sinto estimulada a continuar. Só que não
podemos ignorar essas dificuldades. Por isso eu decidi vir aqui. Para pedir
ajuda do seu espectador, Suzanne. Eu quero que essas pessoas olhem pra
mim e lembrem que nenhuma de nós está imune. Eu preciso encontrar o
meu filho em nome de todos os filhos que nunca foram encontrados...
porque sou eu por nós agora.

— E você não tem medo de ver essa criança e se lembrar dele?

Anahí pensou bem antes de dar aquela resposta final.

— Eu tenho medo de não encontra-la e deixar que um dia ela não perceba
que deve se olhar no espelho e lembrar de mim.

Ao final da entrevista os dados para as recompensas foram fornecidos.


Anahí não ouvia mais, ela não estava mais na frente das câmeras. Estava, na
verdade, dentro dos braços de Poncho, sentindo lágrimas quentes caírem
por seus olhos enquanto ouvia Marina e Sophia falarem palavras que a
encorajavam.

Anahí não achava que seria fácil, não achava que uma entrevista como
aquela abriria todos os caminhos e traria sua criança de volta. A curto
prazo, a divulgação das recompensas poderia facilitar a chegada de novas
informações. Talvez um médico que tivesse auxiliado seu parto... a longo
prazo, criava-se uma versão dela das coisas. Não era apenas Tobias Menzies
se defendendo, agora Anahí era alguém que as pessoas conheciam. Isso
poderia pesar a favor dela na balança.

Mas ela não esperava que tudo fosse tão rápido.

Não esperava, sem dúvidas, que no dia seguinte, apenas um dia depois da
entrevista ir ao ar, recebesse uma ligação de Karen dizendo que deveria ir
imediatamente à sua casa e sequer sentir a necessidade de perguntar do que
se tratava por ter uma boa ideia do que era.
Não esperava, sobretudo, não encontrar repórteres na porta do café ou da
casa da mãe, somente um ou outro que buscava pegar imagens clandestinas.
Em seu lugar, viu vários carros que não conhecia e, junto com Christian,
percebeu que definitivamente algo acontecia. Mas nada a preparava para o
que viria lá dentro. Quando bateu na porta da mãe e viu um casal sentado
no sofá com olhos ansiosos e amedrontados. Mal a filha entrou, Karen
começou as apresentações.

— Any, esses são Barbara e Ed Mitchel...

Mas não era para eles que Anahí olhava. Ela vislumbrava única e
exclusivamente a criança que estava sentada no sofá com o dedo na boca e
uma boneca nos braços, ao lado de Keith. Uma menina cujo olhar fez Anahí
segurar o portal para conter a tremura que sentiu nas próprias pernas.

Ela reconheceria os olhos daquela criança em qualquer lugar. Aqueles


olhos. Os olhos idênticos àqueles que sempre lhe passaram todo o medo do
mundo... olhar resignificado agora. Os olhos iguais aos de Tobias... era a
herança da filha deles.

Era ela, Anahí sabia. Ela tinha voltado ao lar, exatamente como sua mãe
voltou seis meses antes.

MUITA INFORMAÇÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOO! 😱😱😱

Primeiro: a morte do maldito do Harper Avery como a mais nova pedra no


sapato de Slexie.

Segundo: um rastreador no carro do Poncho pra vocês pararem de criar


teoria da conspiração de que o Keith informa o paradeiro da Anahí pro
Tobias hahahahaha

Terceiro: uma Anahí mais forte do que nunca enfrentando o Tobias e não
lembrando em nadaaaaa a Anahí do capítulo 1. Notaram?

Quarto: a entrevista.
E quinto: quem se arrisca a dizer agora quem é a criança?

Eu disse que não demoraria a descobrir. Agora acabou o "quem" e


começaram os "como?"

MUITAS PERGUNTAS VIRÃO E AS RESPOSTAS LOGO EM


SEGUIDA!

Mas quais perguntas?

Já começo com uma: como que essa criança foi parar com esses pais
~maravilhosos~? Quem acertar ganha um spoiler hohoho

Beijos,

Rafa
Capítulo 57 - I can only see you

Parecia um bichinho assustado. Para Anahí era como se ver numa


miniatura, principalmente ao se lembrar de como era na época do sequestro
e o período que veio após ser resgatada. Aquela criança olhava em volta
como se desconfiasse de tudo e de todos, e Anahí via a mulher loira no
outro sofá levantar e, junto com o homem ao seu lado, tentar chamar sua
atenção. Mas seus olhos estavam fixos na criança que sequer prestava
atenção nela... provavelmente porque estiveram ausentes daquela visão por
sete anos.

— Você deve ser Anahí – a mulher, Barbara, falou com ela com um sorriso
amarelo enorme – Esse é Ed, meu marido. Nós conversamos após assistir a
sua entrevista na TV. Não foi fácil vir aqui.

— Quero que você saiba que tudo o que fizemos, fizemos obrigados – o tal
Ed falou ao lado da esposa. Obviamente eles estavam nervosos.

— Nós não fazíamos ideia de onde ela tinha vindo – Barbara continuou –
Se fizéssemos...

— Vocês se importam de não falar na frente dela? – Keith sugeriu num


sussurro – Se ela ouvir, se entender... vai tudo ficar muito confuso.

— Ah – Barbara murmurou como se aquela fosse a última ideia possível a


vir em sua mente – É... é verdade.

— Eu fico com ela – Karen se ofereceu – Missy já me conhece de qualquer


forma.

— Missy? – Anahí perguntou pela primeira vez, se dando conta do nome


daquela pequena menina que brincava calada no sofá com sua boneca –
Esse é o nome dela...?

— Sim – Barbara confirmou.


Era estranho ouvir o nome da própria filha pela primeira vez, um nome que
não tinha sido escolhido por ela. Anahí se lembrava bem que Poncho e ela
tinham decidido que, caso tivessem uma filha, o nome seria Ruby. Era uma
ideia antiga que ela mal se lembrava, quase tinha ficado esquecida no mar
de suas lembranças. Era um sonho e nada mais. Agora ela olhava para
frente e via outra criança, outra realidade, outro nome... Missy.

— Você a conhece...? – Anahí perguntou franzindo a testa – Como...

— Barbara é cliente do café – Karen suspirou de forma pesada – Nós


vamos explicar com calma, eu vou tira-la daqui.

— Você trazia a minha filha pro café da minha mãe como se... – o
raciocínio de Anahí foi quebrado com a mão de Christian tocando seu
braço.

— Vá com calma – ele recomendou – Não sabemos se é a sua filha.

— É claro que é – Barbara resmungou, olhando para o lado e apenas


continuando após se certificar que Missy não estava mais ali, Karen já a
havia levado – Tudo bate, absolutamente tudo.

— Missy chegou até nós como o pagamento de uma dívida de um primo –


Ed começou a contar – Tobias. Ele é meu primo. Pra mim foi um choque
quando... quando saiu a notícia nos jornais e na TV de que ele havia
sequestrado você, Anahí. Nós não fazíamos a menor ideia.

— Como ela chegou até vocês...? – uma nervosa Anahí perguntou.

— Tobias recebeu um bom dinheiro da herança da mãe e, um ano antes da


Missy nascer, pagou a hipoteca da nossa casa – Ed continuou – Nós iríamos
para a rua se não fosse por ele. Eu me ofereci para pagar, mas ele disse...
que um dia poderia precisar de um favor, e que nós teríamos que retribuir.
Eu nunca achei que fosse esse tipo de favor. Um ano depois ele apareceu
com uma criança recém-nascida na porta e disse que nós deveríamos cria-la
como se fosse nossa.

— O que ele disse? – dessa vez foi Keith quem perguntou.


— Ele não disse nada – Barbara mordeu os lábios – Ele não deu qualquer
explicação, simplesmente... ele deixou claro que, se não a adotássemos, ele
iria nos destruir. Ele era o dono da casa que morávamos e ele tinha dinheiro
suficiente para nos deixar na miséria. Nós tínhamos medo, tínhamos muito
a perder... não tivemos opção. Ele garantiu que daria um auxílio financeiro
para que nada faltasse, sob a exigência de que não houvessem perguntas,
nós a criaríamos e ponto.

— Então agimos como se ela tivesse sido abandonada na nossa porta e a


adotamos – Ed concluiu – Deu certo até agora... até vermos a entrevista.

— E vocês nunca desconfiaram? – a voz de Keith saía mais cética do que


nunca. Ele evidentemente não estava acreditando tanto em todas aquelas
boas intenções do casal.

— Sim, desconfiamos – Barbara confirmou – Quando ele foi preso, nós...


pensamos que poderia ser... mas não sabíamos que Karen era sua mãe...

— E não achamos justo que você continuasse sem a sua filha... – Ed


completou, mas logo a versão deles, de certa forma, caiu por terra.

— Isso é mentira – Keith enfrentou. O casal ficou branco como um papel –


Vocês não estão fazendo isso pela Anahí. Estão fazendo pela recompensa.
Porque estão com medo do que lhes pode acontecer.

— Não importa – Anahí cortou – Honestamente... pouco importa. Eu só


quero ver a minha filha.

— Any, você não sabe se ela... – Christian começou a falar calmamente


logo antes de ser interrompido. Obviamente ele estava receoso de ver a
amiga nutrir esperanças em vão.

— Christian, ela tem os olhos dele – Anahí insistiu – Eu sei que é ela. Eu
conheço aqueles olhos.

— Tudo bem – ele se deu por vencido.


— Ela ainda não sabe da verdade – Keith disse para ela logo antes dela sair
dali – Vá com calma, filha.

— Eu irei – Anahí respirou fundo antes de continuar andando – Pode ficar


tranquilo...

...Pai.

A última palavra ainda custava a sair.

Não era o momento para pensar nela e em Keith. O coração de Anahí batia
forte e intenso por dentro ao se aproximar do quarto de Karen, onde ela
estava com aquela criança. Sua criança. Anahí mordia os lábios segurando
a vontade de chorar de emoção ao vê-la com cuidado pela primeira vez, e se
surpreendeu com o fato de Karen lhe lançar o mesmo olhar que Keith
lançara logo antes. Que sintonia era aquela? A mãe provavelmente também
estava receosa dela ir com sede demais ao pote e acabar assustando Missy,
mas Anahí fazia questão de se controlar. Ela não queria botar tudo a perder.

— Missy... – Karen chamou a menina, que rapidamente olhou – Você


lembra que eu disse que tinha uma filha...? – perguntou e viu a menina
assentir – Então... é ela.

— Oi Missy – Anahí mordeu os lábios. Emoções demais – Eu sou a Anahí.

— Anahí...? – ela viu a criança franzir a testa e fazer uma careta – Que
nome engraçado.

Curioso para um primeiro contato. Anahí estava mais nervosa do que


jamais esteve na vida. De certa forma aquela frase da menina quebrou
aquele gelo todo. Logo ela se viu rindo com vontade, sentindo parte daquela
tensão que dominava seu corpo se dissipar. Missy a analisava, a observava
como ela provavelmente também fazia. Anahí queria decorar cada traço de
sua menina naquele momento. Não sabia como e qual seria o próximo
momento.

— É, minha mãe que escolheu – Anahí disse fazendo uma careta para
Karen – Mas meus amigos me chamam de Any. É mais fácil e mais legal.
E também era como Tobias a chamou um dia... mas isso não importava
mais.

— Mas eu não sou sua amiga – a menina tinha a testa mais franzida ainda –
Eu acabei de te conhecer...!

— Ah – Anahí murmurou. Ela não esperava aquela resposta – É verdade.


Mas nós podemos ser um dia, não podemos?

— Hm... – Missy hesitou – Ta bom. Podemos sim.

Karen aos poucos foi saindo de cena para deixar que Anahí se aproximasse.
Ela acabou vendo a filha se perder no mundo da criança que estava ao seu
lado. Missy se sentou ao lado de Anahí, viu a nova amiga pegar folhas em
branco e lápis de cor para que elas pintassem juntas e ficaram conversando
por longos e incontáveis minutos, como se não houvesse mais nada no
mundo. Era interessante já que Anahí sempre quisera ser mãe, aquele
sempre foi um sonho dela. E agora se realizava da forma mais diferente que
poderiam imaginar.

— É estranho – Karen murmurou para Keith quando o marido estava ao seu


lado – Eu vi a Missy crescer, pouco a pouco, todas as vezes que a Barbara a
trazia no café... e nunca enxerguei qualquer semelhança dela com a Any.
Mas agora... agora que eu sei... é como se eu visse a nossa filha pequena
outra vez.

— É bom, porque assim me dá a chance de ver o que eu nunca vi – o tom


de Keith começou pesaroso, mas ele não gostava de se sentir assim. Por isso
logo balançou a cabeça e mudou o assunto – Karen, eu liguei pros meus
advogados. Aqueles dois só estão interessados na recompensa. Essa é a
única razão para eles terem trazido a menina até aqui.

— Bom, nós oferecemos a recompensa...

— A Lucca acha que nós devemos fazer um DNA por via das dúvidas –
Keith continuou, se referindo à própria advogada – Por segurança. Pra
garantir que é realmente ela a nossa neta.
— Tudo bem – Karen assentiu – Eu vou conversar com a Any. Mas e a
Barbara e o Ed? Nós pagamos a recompensa? Eles vão deixa-la aqui?
Porque Keith... ela não sabe de nada.

— Eu não sei o que é melhor, realmente não sei – Keith suspirou – A única
coisa que eu tenho certeza é que, agora que a Any encontrou a filha... vai
ser impossível tirar a Missy dela de novo.

Keith e Karen não eram os únicos apreensivos no recinto. Christian mal


conseguia sentar de tão nervoso que estava. Logo ele decidiu que não
guardaria aquele nervosismo para si: decidiu falar com a pessoa que Anahí
certamente iria querer dividir aquele momento.

— Onde ela ta? – Poncho perguntou ao entrar na casa de Karen.

— No quarto da Karen... com a menina – Christian mordeu os lábios – Ela


ta numa verdadeira bolha com aquela criança, e eu honestamente to com
medo, porque vai que não seja a filha dela...!

— Eu vou falar com ela – Poncho o tranquilizou – Vou tira-la da bolha.

— Obrigado – Christian suspirou aliviado – Quem sabe você ela ouve.

Poncho não achava que a filha de Anahí seria encontrada tão rápido. Ele
ficou completamente surpreso com a ligação de Christian dizendo que os
pais adotivos da menina haviam aparecido e levado-a para a casa de Karen.
Poncho temia que aquilo se tratasse de um golpe, já que Keith tinha
oferecido uma recompensa para quem tivesse informações de seu neto.
Seria demais para Anahí nutrir aquela esperança e, no fim das contas, ser
tudo em vão. Então ele estava ali para colocar os pés dela no chão e evitar
que a queda fosse brusca demais.

Só que o sentimento mudou totalmente quando Poncho cruzou aquela porta.

Era como ver Anahí brincando com a sua versão em miniatura. Poncho não
poderia estar mais encantado. Provavelmente era esse o sentimento que ela
tivera quando o viu com Daniel pela primeira vez. Ele enxergava cada traço
de Anahí naquela criança e tinha certeza, tal como ela provavelmente teve
logo antes, de que aquela criança realmente era a filha que ela tanto
procurou.

Então como ele colocaria Anahí com os pés no chão quando estava voando
tanto quanto ela?

Anahí não tinha notado a presença do namorado. Exatamente como


Christian havia dito, ela estava imersa numa bolha com aquela criança. Elas
brincavam juntas, como duas meninas, mas Anahí por vezes parava e ficava
apenas olhando Missy, totalmente encantada. Poncho notou o brilho
inegável nos olhos dela e teve certeza de que Anahí se sentia totalmente
realizada na presença daquela garotinha que ali, sentada totalmente alheia,
não fazia ideia do papel que cumpria na vida daquela mulher.

— Oi – Poncho finalmente disse, chamando a atenção de uma Anahí que


rapidamente ficou desnorteada.

— Oi amor – ela sorriu – Desculpe, eu estava... distraída.

— Eu percebi – o sorriso dele foi franco. Poncho não sabia dizer o que
estava sentindo, o mix de emoções em seu peito era forte.

— Essa é a Missy – e o olhar de Anahí, por sua vez, tentava dizer mais do
que suas palavras. E conseguia – Ela é minha f... minha amiguinha.

— Ah sim – Poncho mordeu os lábios – Oi Missy, tudo bem com você?


Meu nome é Poncho.

— Oi – a menina disse acuada.

— Any? Eu posso falar com você? – Poncho pediu.

Anahí rapidamente assentiu e se levantou com pressa. Poncho fez o mesmo,


andando mais rápido e esperando por ela no corredor. O olhar de Anahí
deixava claro o quanto ela esraca entregue com toda aquela situação. Ele
nem queria tentar tirar aquilo dela.

— Eu tinha um discurso pronto sobre como você não deveria se empolgar


demais com tudo isso, tomar cuidado, ir com calma, porque poderia não ser
a sua filha... – Poncho começou a falar colocando as mãos no bolso e se
dando por vencido – Mas...

— Você a viu – Anahí completou.

— Ela é idêntica a você – ele admitiu. Era a vez dos seus olhos brilharem.

— Você acha? – Anahí perguntou insegura e mordendo os lábios – Quando


eu a vi, eu vi... ele. Os olhos dele.

— Eu entendo que tudo vá te remeter ao passado, mas você quer saber?


Quando eu olho pra ela, só consigo ver você.

— Sério? – ela questionou.

— Olhe pra ela nos detalhes – Poncho disse segurando os ombros dela e
girando-a de forma a deixar Anahí de frente para onde Missy brincava no
chão – Esqueça ele. Ela é sua e sempre vai ser. Temos que olhar o copo
meio cheio e cuidar dela, é o que importa.

E era.

Quando Anahí voltou para a sala viu algumas cenas que não esperava:
enquanto Keith estava no telefone tratando do necessário para fazer o
exame de DNA naquele dia mesmo, o casal que tinha criado Missy estava
pronto para sair dali.

— Eu estava dizendo para a Karen que talvez seja melhor que ela fique
aqui, com você – Barbara deu de ombros – Quer dizer, ela é sua filha
mesmo...

— Ainda não temos certeza se é, na verdade – o sopro de voz de Karen


soltou. Ela estava perplexa.

— Mas é bom que vá se adaptando – Barbara disse tranquila.

— Não ta te doendo nem um pouco, não é? – Anahí, por sua vez, parecia
ressentida... quase revoltada – Deixa-la aqui. Você fala como se falasse de
um vaso.
— Entenda querida, essa garota foi um peso nas minhas costas por tempo
demais – Barbara dispensou. Poncho segurou Anahí pelo braço antes que
ela tentasse avançar naquela mulher.

Mas não foi isso que Anahí fez. Pelo contrário: ao invés de seguir na
direção de Barbara Mitchel, ela se afastou do círculo e foi até Keith. Ele
acabara de desligar a ligação e rapidamente pousou os olhos sobre a filha,
evidentemente surpreso de Anahí ir até ele.

— Quanto tempo demora a sair o resultado desse exame...? – ela disparou.


Os olhos pareciam pesados pela vontade de despejar algumas lágrimas.

— Se fizermos hoje mesmo, amanhã sai o resultado – ele respondeu – Você


não está feliz?

— É claro que estou – ela balançou a cabeça – Mas aqueles dois... eles a
tratam como se não fosse nada. E eles a criaram. Isso... vai magoa-la. E eu
não quero que...

— Olhe – Keith a interrompeu, segurando-a pelos ombros – Eu só vi os


dois uma vez, no café, quando cheguei de viagem e você tinha acabado de
voltar, ainda estava no hospital. Eu lembro que eles foram horríveis com a
menina. Não se sinta mal, se ela realmente for sua filha terá uma chance
maravilhosa à sua frente. Eu sei que você vai ser uma mãe maravilhosa pra
Missy, eu não tenho a menor dúvida disso.

O único problema é se ela não fosse.

Barbara e Ed sequer quiseram se despedir de Missy. Aproveitaram um


momento de descuido, de distração do grupo e escapuliram dali. Anahí
estava revoltada, Keith não estava muito diferente: eles sabiam que os dois
só estavam interessados na recompensa e que deixar Missy com Anahí seria
acertar dois coelhos com um único golpe, já que se livrariam da menina e
ainda receberiam uma boa quantia por devolvê-la à família. Mas não era
com isso que Anahí se preocupava... pelo contrário, seu nervosismo se dava
pela reação daquela criança.
E é claro, houve o momento que Missy percebeu que seus pais não estavam
mais ali.

— Minha mamãe foi embora e me deixou...? – a menina estava assombrada


– Por quê?

— Ela precisou resolver um problema e pediu que nós cuidássemos de você


Missy – Karen respondeu cuidadosa. Era a única ali que conseguia manter
alguma frieza no meio do mar de emoções ao qual eles estavam imersos –
Não precisa se preocupar.

— Mas... eu vou ficar sozinha? – Missy franziu a testa. Ela estava


evidentemente apreensiva.

Quando Anahí tinha a boca aberta pronta pra dizer que Missy jamais ficaria
sozinha novamente, alguém foi mais rápido.

— Espere um pouquinho ok? – Keith falou – Eu vou buscar algo para você.

Os olhos castanhos de Missy ficaram buscando por Keith nos minutos que
se seguiam. Anahí se perguntava o que seu pai estava planejando, não fazia
a menor ideia do que estava por vir. Nem mesmo Karen, que tinha
condições de ter uma ideia do Keith planejou, se lembrava do pequeno
detalhe que ele não tinha esquecido. Mas Keith jamais deixava qualquer
coisa que fosse passar em branco.

E quando ele voltou, todos ali viram os olhos de Missy saltarem de


animação. Anahí procurou a visão de Keith e o viu trazendo um urso de
pelúcia que cabia perfeitamente em suas mãos. Era caramelo e parecia um
tanto surrado, mas fazia aquela menina ficar totalmente encantada. A
princípio Anahí não entendeu o significado do brinquedo, mas não
demorou.

— O meu ursinho... – Missy murmurou estendendo os braços para pegar o


brinquedo – Eu achei que tinha perdido pra sempre...!

— É claro que não – Keith entregou o urso para ela e se agachou para ficar
à sua altura – Eu guardei pra você.
— Muito obrigada tio – Missy respondeu dando um abraço sincero e
carinhoso em agradecimento – Eu não to mais com medo.

Aquele tio provavelmente era uma palavra carinhosa, a primeira que veio à
mente de Missy, como uma forma de agradecer por seu gesto
definitivamente carinhoso. Mas ao receber aquele abraço que veio no
combo, ele percebeu que queria muito mais. Queria ser chamado de outra
forma, não apenas pela criança, mas também por sua mãe. Anahí também
notou isso. Ao ver o olhar de Keith para ela, algo acendeu em seu peito na
forma de uma certa palavra.

xxx

Mesmo exausta, Lexie não iria direto para seu apartamento após sair do
JFK Airport, onde pousou de seu voo vindo de Boston. Ela tinha retornado
a Nova York sozinha, já que Jackson ficou para resolver as questões
relativas ao testamento do falecido avô. Lexie fora direto da recepção
posterior ao funeral para o aeroporto, ainda usava o vestido e o casaco
bordô que vestia no cemitério, mas ela não tinha tempo a perder. Tinha algo
a ser resolvido e sua cabeça doeria ainda mais se adiasse um minuto sequer.

Talvez não fosse a dor de cabeça que incomodasse e sim a dor na alma. Só
de pensar no que estava prestes a fazer, seus olhos se enchiam de lágrimas.
Lexie passara os últimos dois dias confrontando a realidade e procurando
alguma alternativa, sem qualquer sucesso. Agora ela se via frente àquela
porta que lhe despertava tantas outras lembranças melhores, que agora
apenas lhe davam ainda mais vontade de chorar.

Mark percebeu o pesar nos olhos da mulher que amava assim que abriu a
porta. Lexie tinha uma pequena mala ao seu lado, mas estava tão abatida
que mais parecia tê-la carregado nas costas. No instante que ele a encarou
se deu conta do que ela fora fazer ali e rapidamente entendeu por que Lexie
parecia morta por dentro.

— Desculpe a hora inoportuna – ela mordeu os lábios desconfortável – Eu


peguei o primeiro voo que consegui.
— Nenhuma hora é inoportuna pra você – Mark estendeu a mão para ela,
convidando-a – Entra.

Lexie caminhou para dentro do apartamento. Tudo ali lembrava ele, eles.
Por que ela tinha escolhido justo aquele lugar para dizer tudo...? Parecia
ainda mais difícil.

Mas logo ela se deu conta que em qualquer lugar seria assim. Bastava que
fossem ela e Mark para Lexie ter toda a dificuldade do mundo de dizer
adeus.

— Eu acho que você sabe o que eu vim fazer aqui – a voz dela carregava
todo o pesar do mundo.

— Eu sei – ele disse num suspiro – Eu não estou com raiva, eu te garanto.
Eu imaginei que, com essa situação, com a morte do avô dele... fosse ficar...

— Eu tentei Mark – Lexie ressaltou – Eu juro... é só que...

— Não seria humano – Mark completou – Eu sei Lex.

— A verdade é que eu não deveria ter adiado tanto – ela se culpou – Eu


demorei tempo demais pra me dar conta, fiquei cercada de dúvidas,
achando que você tava com aquela interna, e depois pensando que era o
certo me casar com o Jackson porque não tinha dado certo das duas
primeiras vezes entre nós dois, por que dessa vez daria...?

— Eu não sei – Mark deu de ombros – Talvez porque agora nós saibamos
que não importa se queremos coisas diferentes ou se estamos em momentos
totalmente diversos... no fim a gente sempre se nota olhando um pro outro e
querendo isso.

As palavras de Mark doeram em Lexie até mais do que já doía até então. As
lágrimas que ela se esforçava em prender começaram a cair e Mark a viu
abaixando o rosto provavelmente pela vergonha misturada com a dor. Ele
entendia, se sentia da mesma forma. Da mesmíssima forma, exatamente
igual.
— Não fique assim – ele se aproximou e segurou o rosto de Lexie. Ela
passou a encara-lo – Eu entendo de verdade. Você não poderia fazer isso
com ele, não seria você.

— Eu sinto muito – Lexie mordeu os lábios – Jackson está devastado. Eu


nunca o vi assim. Seria muito cruel cancelar o casamento com ele desse
jeito.

— Tudo bem – Mark a trouxe para seu abraço, colocando o rosto dela
abaixo de seu queixo – Eu vou esperar você Lex.

— Não Mark, não...

— Nem sonhe em tentar me impedir – ele anunciou – Eu vou esperar você


pra sempre. Pelo tempo que houver. Se algum dia você conseguir... se
algum dia você acordar, não se ver tão feliz assim e quiser tentar de novo...
e as feridas dele não forem tão grandes... não hesite.

— Eu não posso fazer isso com você – Lexie negou – Eu não posso deixar
que você deixe de viver a sua vida por minha causa.

— Digamos que eu já tenha vivido o suficiente – Mark riu – E


honestamente? Eu não quero viver mais nada se não for com você do meu
lado.

— Mark...

— Eu tenho um bom trabalho, uma carreira que me faz feliz – ele disse
interrompendo-a –Tenho bons amigos, um bom apartamento, tenho uma
filha. Eu não consigo ver uma mulher encaixando nisso tudo. Ninguém que
não seja você.

— Isso não me ajuda a fazer o que eu tenho que fazer...

— Então deixe pra fazer amanhã – Mark beijou o ombro dela – Shhhhh...
amanhã...

— Uma última vez...? – ela perguntou, sendo certa a que ele se referia.
Lexie queria saber se Mark lhe dava licença para que eles se amassem por
uma última noite.

Jackson não estava ali, afinal.

— Uma última vez – Mark propôs começando a tirar o casaco dela.

Eles deviam isso para si mesmos. Mark devia para si a chance de provar a
Lexie que suas palavras eram reais: ele esperaria por ela. o tempo que fosse.
Por isso beijou seu ombro com paixão enquanto puxava as alças do vestido
dela para baixo. Sentiu que Lexie correspondia tudo o que ele sentia quando
ouviu seu gemido sôfrego no ouvido. E ele tinha acabado de começar.
Ainda tinha que tirar aquele vestido dela por inteiro, a meia-calça, puxar a
calcinha para baixo e senti-la despindo-o peça por peça, até não sobrar
nada. Até serem somente eles sem nada no meio.

Perfeito seria se, tal como era na cama, não houvesse nada no meio. Mas
sempre houve. Houve a idade, os projetos de vida, o desejo da paternidade
de Mark que atrapalhava Lexie. Houve os homens com quem ela se
relacionou, as mulheres com quem ele se envolveu em tentativas pífias de
esquecê-la. E agora que não havia mais nada, restou Jackson. Realmente
mais nada, porque até o medo de Lexie tinha partido.

Mark tentava não pensar em nada e apenas aproveitar o momento, já que


ele sabia que, mesmo disposto a esperar por Lexie, o futuro era incerto. Ela
poderia se divorciar de Jackson no futuro, mas o poderia não garantia nada
a Mark. Ele sabia que tinha grandes chances de esperar eternamente por
algo que nunca viria.

Então, quando, já sem roupa alguma, ele se afundou no corpo dela em sua
cama, sentindo o cheiro de sua pele, a textura de seu corpo e as unhas dela
fincadas em suas costas, Mark apenas desejou que, ainda que parecesse,
aquela não fosse a última vez.

Enfim, Missy!
Eu achei que com os nomes da Barbara e do Ed aparecendo no capítulo
anterior, todo mundo fosse matar a charada na velocidade da luz, mas fiquei
bemmmm surpresa ao me dar conta de que a maioria de vocês não juntou as
peças! Juro que por isso eu não esperava, já que no capítulo anterior tava
todo mundo indo no cap 8 pra falar que só podia ser a Missy a filha da
Anahí hahahaha.

Eu nunca esperei que isso da Missy fosse ser um grande mistério, quando
escrevi isso do 8º capítulo pensei "ah, elas vão juntar as peças rapidamente"
e realmente muitas de vocês fizeram isso (nem todas, felizmente hahahaha).
Mas quero deixar claro mais uma vez que o objetivo da web são os
COMOs, e não os QUEMs. Agora sabemos que é a Missy, mas também
sabemos que vem muito chão pela frente. A web ainda não ta nem perto de
acabar!

Finalmente, queria lembrar a vocês que eu disse REPETIDAS vezes que a


criança não era filha de AyA. O objetivo da história é mostrar uma mulher
forte lidando com algo real que aconteceu a ela e as consequências disso.
Eu não gosto da ideia de uma mulher ser estuprada, muito menos consigo
imaginar o quão difícil seja uma mulher criar uma criança que lembre um
estuprador (exatamente por isso sou a favor da legalização do aborto pra
que nenhuma mulher precise criar nenhum filho de gestação indesejada).
Mas essa web foi escrita como um grito de uma mulher forte que está
aprendendo a sobreviver à uma imensa violência que, gostemos ou não, AS
MULHERES VIVEM! Eu fingir que isso não acontece NÃO FAZ MENOS
MULHERES SEREM ESTUPRADAS! O que eu quero passar aqui é um
incentivo pra que nós tenhamos coragem de denunciar e romper com essa
conduta de estupro e de machismo.

O Wattpad já ta cheio de web conto de fada. A Netflix já ta cheia de série


conto de fada. A Saraiva ta cheia de livro conto de fada. A Globo ta cheia
de novela conto de fada. O mundo ta cheio de falsos contos de fadas. Quem
me conhece, conhece o meu estilo. Quem não me conhece não me compre
😘

Beijos,

Rafa
Capítulo 58 - It will not be easy

Feliz aniversário Yvezete linda!

Sophia tinha esperado um tempo antes de aceitar o convite de Chad para


que os dois saíssem juntos, como nos velhos tempos. No fundo ela queria
uma espécie de aprovação. Na verdade, a aprovação de qualquer um. Ela
perguntou para Poncho, para Lexie, para Christian... na verdade a única não
consultada foi Maite porque ela sabia que tipo de resposta teria.

Na verdade, a aprovação que Sophia queria de verdade era a de Jesse. Mas


no fundo ela sabia que o máximo que o noivo daria era sua aceitação e ela
já deveria se dar para lá de satisfeita. Jesse em outros tempos a teria quase
impedido, quem sabe proibido de sair com Chad, e olhe que naquele
momento ele nem havia sido ainda o estopim do fim do namoro deles. Mas
agora Jesse tinha crescido e amadurecido, tinha mudado. Ele aceitava as
escolhas de Sophia... mas apoia-las eram outros quinhentos.

Por isso naquela noite, antes de sair de casa, Sophia puxou todos os
assuntos possíveis com Jesse. Na verdade o que ela pretendia era testar o
tom de voz dele, seu olhar, a forma como iria se dirigir a ela. Jesse não
estava exatamente feliz de saber que sua noiva iria encontrar o amigo que
sempre se colocou contra o relacionamento deles, mas fazia um esforço
enorme. Não era seco, mas também não conseguia fingir que estava tinindo
de felicidade pela decisão dela. No fundo ele esperava que Sophia
percebesse que Chad nunca tinha sido seu amigo, mas não tinha acontecido.
Então ele se agarrava à maturidade adquirida naquele tempo para disfarçar
seu terrível mau humor.

Só que é claro que não era suficiente. Sophia já estava saindo dali
cabisbaixa, certa de que, no fundo, ele estava bravo com ela. Jesse percebeu
isso e notou que precisaria fazer um esforço maior.
— Ei – ele a chamou, segurando seu rosto – Eu não estou bravo com você.

— De verdade...? – a pergunta dela demonstrou o quanto estava insegura.

— De verdade – Jesse confirmou, lhe dando um selinho – Vá tranquila.

— Agora eu vou.

Aquele voto de confiança era o que Sophia precisava para tirar aquele peso
das costas, da consciência. Com Jesse demonstrando que estava tudo bem
entre eles, ela seguiu tranquila para o local onde tinha marcado com Chad.
Não era a tranquilidade oriunda apenas de Jesse estar bem com aquela saída
dela e de, no fim da noite, voltar para a cama dos dois e encontra-lo
esperando por ela. Era a serenidade advinda de tudo finalmente estar dando
certo e encontrando o seu lugar. Os amigos voltavam aos poucos a ser um
grupo, Samantha dava nítidos sinais de melhora, ela e Jesse finalmente
estavam bem... parecia que tudo enfim tinha encontrado a paz...

...ou não.

xxx

Anahí estava rodando de ansiedade de um lado para o outro desde que


Keith lhe telefonou e disse que o resultado do exame de DNA tinha saído.
Missy estava segura na casa dos avós e eles tinham decidido que Keith
buscaria o resultado e Karen ficaria cuidando da menina, que, embora
estivesse bem naquele ambiente, ainda não sabia o peso que o conteúdo
daquele envelope exerceria sobre seu futuro.

— Certo, se você continuar andando de um lado pro outro vai furar esse
chão – Christian constatou com uma careta.

— Definitivamente vai me deixar enjoada – Maite alfinetou.

— Eu estou nervosa – Anahí se defendeu. Aquilo ninguém ousava debater,


era claro e evidente.

— Any, não adianta sofrer por antecipação – Poncho disse levantando e


caminhando até ela, logo antes de segura-la pelos ombros. Anahí quase
tremia – Você já fez o exame. Agora temos que esperar.

— Por que ele tem que demorar tanto...? – a voz dela saía desesperada.

— Porque o trânsito nessa cidade é o próprio inferno – Christian respondeu


– Olhe coração, o seu love tem razão. O que quer que tenha sido, já foi. E
você reconheceu aquela criança pelos olhos, algo dentro de você te disse
que ela era a sua criança. Então não precisa ficar tão nervosa assim.

— É que... parece estar sendo fácil demais – Anahí franziu a testa – Eu


esperava levar anos pra acha-la. Não é estranho?

— Talvez o universo esteja tentando te compensar pelos sete anos que você
passou longe dela – Poncho disse abraçando Anahí e beijando a testa dela –
Fique tranquila. Talvez realmente não seja fácil, mas nós vamos estar do seu
lado, de mãos dadas com você, te apoiando em absolutamente tudo. Maite,
Christian, eu... todos nós.

Essa era a única certeza que Anahí tinha na vida.

Keith não demorou muito mais. Anahí até chegou a ficar mais calma, mas
tão logo o pai apareceu, ela deu um pulo do sofá e logo todo o progresso foi
jogado por terra. Ninguém mais, a partir dali, poderia sequer tentar acalma-
la, pois seria totalmente em vão. E o próprio Keith tinha certeza de que não
tinha qualquer chance de fazer algum suspense com aquele resultado.

— Você trouxe não é? – Anahí perguntava a ele meio que como pergunta,
meio que como cobrança.

— Sim, eu trouxe – e Keith confirmava com a serenidade de sempre – Eu


não abri. Deixei isso pra você.

— Não sei se fico feliz com isso ou não – ela falou sentindo o quanto suas
mãos estavam suadas – Se você já tivesse aberto e lido, poderia dizer de
uma vez e eu não estaria nervosa como estou.

— Não posso fazer isso por você – Keith encarou a filha lhe estendendo o
envelope lacrado – É algo seu.
Keith tinha razão, realmente era dela. Tinha sido exclusivamente de Anahí
desde o início, a única coisa realmente marcante e boa que ela viveu do
início ao fim sozinha, já que todo o resto que aquele cativeiro lhe reservou
era sinônimo de dor e lembranças ruins. Todo o resto tinha a ver
diretamente com Tobias. Não que Missy não tivesse, mas aquele era o saldo
positivo. Era a parte da história que ela conseguia olhar e lembrar de si, não
dele. Era a parte irônica que era como se ele tivesse lhe dado de volta
depois de tanto ter lhe tirado. Anahí não sentia como se olhasse para a
criança fruto de um estupro, de uma violência. Ela sentia que Missy era a
lembrança viva de algo muito ruim, mas ao mesmo tempo, um alento para
seguir em frente.

Ao menos ela esperava que fosse. E estava ali, naquele envelope.

— Vamos... abra – Maite incentivou – Você foi muito longe... vamos até o
final agora.

Mesmo apreensiva, com os dedos tremendo de leve, Anahí abriu. Aos


poucos, bem aos poucos. Os olhos de sua melhor amiga estavam fixos no
papel que ela tirava dali. Não apenas os de Maite: Christian, Poncho e Keith
acompanhavam. Todos eles compartilhavam a mesma sensação: o medo de
dar negativo. E se Anahí só tivesse achado Missy um tanto familiar pelo
desejo de que aquela criança fosse sua filha? E se os olhos dela fossem
iguais aos de Tobias por uma mera coincidência?

E se...?

Mas Anahí não pensava no se, ela não pensava. Os olhos dela apenas
buscavam pela resposta e não queriam encontrar qualquer outra coisa que
fosse.

E quando seus olhos caíram naquele tão esperado resultado, ela leu:
"Concluímos que há 99,9999% de possibilidade de Missy Mitchel ser filha
de Anahí Portilla".

E seu coração quase parou. Para depois saltar.


— Então...? – dessa vez foi Christian quem perguntou, assim que viu as
lágrimas de Anahí começarem a inundar seus olhos azuis.

— Ela não é sua filha? – Poncho questionou. A verdade é que os quatro


estavam agoniados com o silêncio sepulcral naquela reação de Anahí.

— É claro que ela é minha filha – ela finalmente soltou, mordendo os


lábios.

De total silêncio para um barulho estrondoso. Christian deu literalmente um


pulo seguido de um soco no ar, Maite murmurou algo parecido com um
"graças a Deus" e Poncho... da boca dele saiu um suspiro aliviado seguido
de um palavrão. O único que não emitiu nenhuma palavra, nenhum som
sequer foi Keith. Ele apenas colocou a mão nos ombros, os olhos mais fixos
do que nunca na filha, vendo o alívio de sua descoberta, o peso saindo de
suas costas... Keith via em Anahí a si mesmo oito anos antes, quando, ao
questionar Karen, descobriu a paternidade daquela garota que nunca teve
notícia.

Ele poderia ter ficado vinte e três anos longe dela, mas de certa forma,
sentia que valia a pena quando poderia lhe devolver a alegria ao lhe
proporcionar aquele resultado, aquela felicidade.

E curiosamente, daquela vez foi recíproco. Porque o que aquele pai


esperava era que sua filha abraçasse o namorado, qualquer um dos melhores
amigos que estavam ali, a sua volta. Mas não foi isso que Anahí fez. Ela era
natural, era impulsiva e geralmente seguia o próprio coração. As batidas
dele a conduziram ao que veio a seguir: Anahí caminhou até Keith e o
abraçou. E no abraço correspondido dele, ela caiu no choro.

Poncho, Maite e Christian ficaram atônitos com a cena, mas Keith... ele
ficou mais ainda. Viu o genro e os amigos da filha o encararem surpresos
com a atitude de Anahí, mas os três enxergaram a perplexidade da reação de
Keith ao ser abraçado naquele instante, ao ser escolhido como a pessoa que
consolaria Anahí no momento pretensamente mais emocionante de sua
vida. Era definitivamente uma grata surpresa, tão grata que ele não demorou
nada a deixar o choque de lado para se colocar irremediavelmente feliz por
ela estar ali, deixando que ele fosse seu pai pela primeira vez.
Para, em seguida, pedir à Missy que pudesse deixa-la ser sua mãe dali para
a frente.

xxx

Missy estava na casa da avó brincando com o ursinho que lhe fora
devolvido, sem fazer ideia que sua verdadeira mãe estava a caminho para
lhe dar a notícia que mudaria sua vida. Ela estava distraída depois de um dia
cuja manhã ela passara perguntando à Karen e Keith quando seus pais
voltariam para busca-la, sem notar o olhar do casal que não queria dizer
que, se Ed e Barbara voltassem, seria provavelmente para se despedir.
Missy não voltaria para os pais porque eles não eram seus pais. Mas
naquele momento era uma suspeita. Agora Anahí estava indo para lá para
torna-la uma certeza.

Naquele momento Karen olhava a menina ainda estapeada pela sua


semelhança com a filha naquela idade. Assim como Anahí reconheceu
Missy por Tobias, ela a reconhecia por Anahí. As duas nunca tinham
convivido, foram sete anos que a menina foi criada por outras pessoas,
alheias à sua verdadeira origem, mas mesmo assim a criança estava ali com
os mesmos trejeitos de sua mãe, a mesma forma de se mexer, até a forma
como ela sentava era igual à de Anahí. Karen não precisava de exame de
DNA algum que dissesse o que quer que fosse, ela sabia que Missy era sua
neta e ponto.

Mas mesmo assim, um exame tinha sido feito.

Keith disse à esposa que eles iriam até lá para falar com Missy e aquele
anúncio bastou para Karen juntar as peças sobre o que tinha sido o
resultado. Quando a filha entrou pela porta ao lado do pai e de Poncho, nos
olhos dela nadavam uma emoção tão grande que dizia por si que não era
preciso que nada fosse dito. Karen abraçou a filha de lado e os olhos dela
também marejaram. Logo ela disse onde Missy estava brincando,
observando de longe Anahí se aproximar dela aos poucos, Poncho ficar por
perto... mas Keith a segurou pelos ombros com a voz embargada e cheia de
emoção para fazer sua própria revelação.
— Quando ela abriu o exame e descobriu... ela me abraçou – Keith
anunciou num sussurro para a esposa – Eu... eu fiquei tão...

— Não precisa dizer nada – Karen sorriu para o marido – Está


acontecendo.

E realmente estava.

Missy deu um salto de onde estava quando viu Anahí e correu para abraça-
la. Foi um baque para sua mãe, que sentiu forte a emoção daquele gesto de
carinho, mas ao mesmo tempo se preparou para o fato de que a menina não
continuaria tão carinhosa depois que ela dissesse o que queria dizer. Era o
primeiro abraço efetivamente como mãe e filha e Anahí segurou a menina
torcendo para que não fosse o último. Ela até poderia lidar com a rejeição
do início, mas não saberia levar se Missy a detestasse eternamente.

— Eu achei que você não fosse vir me ver mais – Missy disse para Anahí
ainda abraçada nela. Nem parecia que as duas tinham acabado de se
conhecer.

— Não, eu vim aqui só pra ver você – Anahí disse beijando o topo da
cabeça da menina.

— Verdade? – os olhos de Missy pularam de empolgação.

— Uhum – Anahí confirmou, soltando-a e segurando-a na mão para que


elas se sentassem onde Missy estava logo antes – Ta brincando com o seu
ursinho?

— Sim, eu tinha perdido, ele devia estar com saudade de mim – a menina
revelou – Mas o seu papai guardou pra mim.

No mínimo causou uma surpresa em Anahí ver Missy se referir à Keith


daquela maneira: seu papai. Ela nunca tinha chamado Keith de pai, mas ali
estava a menina com toda a naturalidade falando dele daquela maneira. Era
no mínimo curioso.

Mas não era Keith o foco daquele momento.


— Eu estava com medo de ficar aqui sozinha, mas o Mr. Bear comigo me
ajudou – Missy confidenciou num sussurro – Meus papais ainda não vieram
me buscar.

— Missy, eu... eu queria conversar com você exatamente sobre isso – Anahí
continuou.

— Sobre os meus papais? – a testa dela franziu – O que foi? Aconteceu


alguma coisa com eles?

— Não, não aconteceu – Anahí negou, tentando pensar nas melhores


palavras para dizer aquilo sem saber quais usar.

— Eles não me querem mais? Não gostam mais de mim...? – os olhos da


menina estavam definitivamente assustados.

— Me responde: como alguém pode conseguir não gostar de você? – Anahí


falou segurando o rosto dela com todo o carinho do mundo.

— Ah – Missy disse confusa. Os sentimentos dela pareciam conflitantes – É


que meus papais falam que eu sou uma monstrinha. Então...

O sangue de Anahí ferveu. A leoa dentro dela, naquele momento, pareceu


nascer. De repente ela tinha se dado conta que Tobias havia feito algo pior
do que tira-la da própria vida, lhe interromper e tranca-la sob estupros e
agressões por oito anos: ele condenou a filha dos dois a uma vida de
negligência, maus tratos e sofrimentos. Pior do que maltratar uma adulta
que era forte e, ao fim, tinha sobrevivido, era impedir que uma criança
tivesse uma criação com carinho. Aquilo lhe dava muito mais raiva do que
tudo o que ele tinha feito até então, e lhe deu ainda mais fôlego para lutar.

Anahí naquele momento sentiu que nascia nela a mãe que Missy precisava.
Talvez a menina fosse ficar com raiva quando ela contasse a verdade, a
rejeição era praticamente certa. Mas não importava, ela faria o melhor para
a menina afastando-a de Ed e Barbara Mitchel. A longo prazo, daria um lar
de verdade para a sua filha. E ela e Missy aprenderiam a colher os cacos
uma da outra. Elas iriam se reconstruir, iriam sobreviver, seriam felizes e se
amariam. Daria certo. Anahí faria dar certo.
— Você não é uma monstrinha – Anahí disse com toda a convicção do
mundo – Tem um motivo pra eles não terem sido bons com você esse tempo
todo. Hoje eu vim aqui pra te contar isso, te contar a verdade... porque eu
não quero mais que você seja tratada assim.

Não havia um jeito fácil ou certo de dizer aquilo. Não havia palavras certas
para serem ditas naquele momento. Anahí poderia enrolar eternamente e ir
à lua dando voltas e voltas para falar o que deveria, ou poderia ir direto ao
ponto, falando de uma vez a verdade para a menina. De toda forma ela
magoaria Missy, cedo ou tarde, ao dizer que sua vida era uma verdadeira
mentira. De qualquer maneira ela seria a vilã por ser a pessoa que lhe daria
a notícia, enquanto Ed e Barbara, os supostos pais que poderiam
perfeitamente tê-la criado com algum cuidado e carinho, ainda seriam os
preferidos.

Se não havia jeito certo, quem sabe fosse melhor falar de uma vez.

— Você provavelmente vai ficar chateada com o que eu vou dizer e eu


entendo – Anahí continuou – Eu vou entender mesmo se você ficar brava...

— Meus papais não vão voltar, não é? É porque eu não fui uma boa
menina? – Missy constatou. Mas não era apenas isso.

— Eles não são seus pais Missy – Anahí por fim disse – Por isso eles
sempre disseram que você era uma... uma monstrinha. E por isso eles nunca
te deram carinho e cuidaram de você como você merecia ser cuidada.

— Não, eles são meus papais sim – Missy franziu a testa, confusa com a
informação – Eu sempre morei com eles, e... eles sempre me levaram pra
escola, e iam pras reuniões, e...

— Missy... – Anahí a interrompeu – Você não sabe o que aconteceu, você


não se lembra, era muito pequena. Eu também não me lembrava, é natural.
Você foi tirada da sua mãe quando ainda era um bebezinho e te entregaram
pro Ed e pra Barbara te criarem.

— É mentira – Missy rebateu. Anahí suspirou, mordendo os lábios: ela


sabia que não seria fácil, mas saber não era suficiente para não doer – Você
ta mentindo pra mim. Eles são meus papais sim.

— Desculpe querida – Anahí tentou abraça-la – Eu sinto muito Missy.

— Por que você ta me contando isso? – Missy seguiu resistindo – Por que
eu to aqui...?

Anahí sentiu que naquele momento Missy já sabia o que ela diria, apenas
não admitia. Como se a ficha não caísse. Ela suspirou antes de dar a
resposta.

— Porque foi de mim que te tiraram – ela revelou mordendo os lábios,


deixando que as palavras que representavam a verdade se completassem –
Sua mãe sou eu, Missy.

Nenhuma criança de apenas sete anos de idade merecia receber aquele tipo
de notícia. Não estava sendo bom para Missy como não era bom para
nenhuma outra... como não tinha sido para Samantha ouvir do pai que sua
mãe morrera sem que ela tivesse a chance para se decidir, ou para Daniel
quando os pais revelaram que iriam se separar e eles continuariam sendo
uma família, mas não da mesma maneira. É claro que a situação era
diferente, já que no início a situação de Missy parecia difícil, mas no fim,
depois que ela aceitasse, as coisas melhorariam e ela teria o que nunca teve:
uma família de verdade. Mas ainda estava no início. Ainda estava longe
desse momento em que tudo ficaria bem.

E até lá, a rejeição que Anahí já esperava iria machuca-la intensamente.

— Não – a menina se levantou, falando com raiva – Você ta mentindo pra


mim...!

— Eu não estou – Anahí mordeu os lábios. Ela queria chorar, mas não
podia – Eu juro, eu não... eu apenas quero ser a sua mãe, Missy. Eu prometo
que nunca vou te tratar mal, eu... eu só quero cuidar de você...

— Eu odeio você...!
Anahí acabou sendo deixava de lado naquela conversa, ajoelhada naquele
chão vendo a filha correr para dentro de um quarto, a frase dela ecoando por
sua cabeça e fazendo lágrimas caírem soltas por seus olhos, sem fazer
qualquer esforço para contê-las. Ela tinha se preparado para aquilo, sabia
que não seria fácil, que a chance de Missy rejeita-la era imensa, para não
dizer total. Mas de toda forma era difícil e doloroso vê-la olhando daquela
forma e preferir as pessoas que a maltrataram uma vida inteira. Agora ela
tinha outra vida pela frente para convencer Missy que ela também não tinha
culpa e que só queria o seu bem, queria apenas lhe dar o amor como nunca
teve chance. Mas para isso precisava vencer a barreira que estava entre elas,
destruir o muro que Missy certamente criaria ao seu redor. E
definitivamente não seria fácil.

Poncho viu a namorada desolada daquela forma e sentiu o coração partir.


Ele era, até então, espectador da cena, um mero coadjuvante. Viu Keith
andar a passos largos levemente consternado pela situação, mas tentando
alcançar Missy por saber que ele provavelmente era a única pessoa que ela
deixaria se aproximar. Karen ficou por ali, a postos para caso a filha
precisasse, mas no fim foi o genro quem a segurou pelos ombros e a fez
levantar, ainda que às lágrimas.

— Eu sabia que não seria fácil, eu sabia que ela não iria aceitar de cara,
mas...

— Shhhh, tudo bem – Poncho a abraçou – Dê tempo ao tempo.

— Keith vai falar com ela – Karen disse ao se aproximar – Tenha paciência,
butterfly. Não perca a fé justo agora que você foi tão longe.

Mas não era fácil.

Anahí esperou por uma hora até Keith sair do quarto onde Missy estava, o
quarto dele e de Karen. Ele não parecia exatamente animado, estava escrito
em sua cara. Anahí logo percebeu que o progresso provavelmente não tinha
sido tanto. Naquela última hora ela tinha olhado para a porta do quarto mil
vezes, pensando e repensando os fatos, se perguntando se tinha dito alguma
coisa errada para a filha e se alcançaria outro resultado caso tivesse usado
outras palavras, chegando sempre à irremediável conclusão que tudo daria
errado de toda forma. Quando viu o pai saindo dali, ao menos teve a
esperança que ele dissesse que Missy apenas não a odiava tanto assim. Já
seria o suficiente.

— Ela está inconsolável, deitada abraçada no ursinho – Keith respondeu a


todos, mas fixando o olhar em Anahí – Eu fiz o possível, mas... tenho que
reconhecer que talvez tenha sido demais para um dia.

— Amanhã podemos tentar novamente – Karen disse abraçando a filha de


lado e abrindo um sorriso otimista – Aos poucos ela vai aceitar, vai se
acostumar com a ideia, você vai ver.

— Eu não posso culpa-la – Anahí respondeu friamente – É um karma, eu


estou pagando por isso.

— A culpa disso não é sua meu amor – Poncho foi quem falou dessa vez –
A culpa de nada disso é sua.

— Se eu rejeitei o meu pai, posso culpar a minha filha por me rejeitar...? –


Anahí divagou. Eles não sabiam se ela falava com eles ou com Keith.

Foi a deixa para Poncho e para Karen. Keith olhava para a filha surpreso,
não esperava por aquele tipo de frase, por mais isso. Anahí parecia abrir um
espaço para diálogo com ele que nunca tinha aberto antes. Era a chance real
que Keith tinha de avançar o mínimo que fosse.

— Karen, eu acho que nós deveríamos... – Poncho disse fazendo menção à


se levantar e sair dali.

— Sim, devemos – ela concordou, igualmente levantando.

— Não, por favor, fiquem...

Mas eles não ficaram, é claro que não ficariam. Assim como a conversa que
Anahí teve com Missy pertencia somente as duas, naquela Poncho e Karen
sobravam. Keith estava tao nervoso quanto nunca esteve na vida, se vendo
sozinho com a filha efetivamente numa conversa parental pela primeira vez.
A Anahí que estava ali à sua frente não estava armada para ataca-lo como
de costume, mas parecia aberta ao diálogo e vulnerável com relação a ele
pela primeira vez. Não era uma chance que deveria ser desperdiçada.

— Você não é obrigada a fazer nada por mim apenas porque a Missy não
está te aceitando – Keith ressaltou de cara – Na verdade, eu até preferia que
não fosse assim.

— Preferia...? – Anahí perguntou.

— Sim – ele confirmou – Há oito anos eu sonho em ter alguma relação com
você. Queria que fosse real, algo que nós construíssemos, e não fruto de um
peso na consciência.

— Mas não é – ela respondeu buscando a mão dele e segurando. Era o


segundo gesto de carinho em apenas um dia – De verdade.

— Anahí...

— É carinho o que você tem por mim – Anahí disse cortando-o – Você não
faz nada por obrigação. Você me ajudou a achar minha filha, a trouxe pra
cá, foi gentil com ela e acabou se tornando o único que ela deixou se
aproximar hoje. E não precisava ter feito nada disso.

— Na verdade eu precisava sim – Keith a corrigiu – Porque eu não


conseguiria não fazer. Tudo o que eu fiz, foi porque o meu coração mandou.

— E o que eu estou fazendo agora, é o que o meu coração está mandando –


Anahí olhou objetivamente para o pai, com amor pela primeira vez.

Keith sentiu seu coração se esquentar daquela forma pela primeira vez. E
ainda havia mais.

— Eu preciso merecer o amor da minha filha – Anahí continuou – Mas


você já merece o meu. Eu apenas não queria admitir.

— Ah, filha... – e a voz de Keith saía decisivamente embargada.

— Eu sinto muito – Anahí sorriu e as lágrimas caíram. Dessa vez eram de


felicidade – Eu não entendia, mas agora... eu entendo.
— Eu também – Keith a abraçou finalmente – Eu não queria ter perdido
tanto de você.

— E eu não queria ter perdido tanto dela – ela respondeu aceitando, de bom
grado, o abraço – Mas ainda dá pra recomeçar, pra construir. Você e eu... ela
e eu... todos nós. Como uma família.

E o primeiro tijolo daquele recomeço tinha acabado de ser colocado.

Talvez fosse preciso que algo ruim acontecesse, que uma peça se quebrasse,
para que outra fosse consertada. Anahí tinha naquele dia deixado de ser
apenas filha e passado a ser mãe. Mas, ao mesmo tempo, ela voltava a ser
filha naquele momento. A filha de alguém que há alguns meses tinha
passado a ser pai... e a quem ela finalmente lhe dava legitimamente aquele
papel.

Keith e Anahí

Vcs não devem saber, mas a ideia da SVE começou exatamente assim: uma
mulher que sofria rejeição da filha e a partir disso começava a rever a
relação com o pai. É uma das minhas histórias favoritas da fic e eu tava mt
ansiosa pra coloca-la!

Sobre a Missy, é natural que ela rejeite a Anahí num primeiro momento. Por
piores pais que o Ed e a Barbara fossem, eram os pais dela. E ela os amava
e eles sequer se despediram. Vamos ver a água da Anahí batendo firme pra
conquistar o amor dessa menina!

Beijos,

Rafa
Capítulo 59 - Something happened

Feliz aniversário Luh! SiempreTuAyA

A cabeça de Sophia doía quando ela abriu os olhos. A princípio ela não
reconheceu o ambiente onde estava, mas demorou apenas cinco segundos
para notar que não era seu quarto. O que significava que não era sua cama.

Foi quando Sophia olhou para o lado e viu Chad. Ela estava na casa dele.
No quarto dele. Na cama dele.

A boca de Sophia amargou. Ela sentiu um peso, um nojo dentro de si ao se


dar conta que tinha tomado a pior escolha de sua vida. O que ela tinha
feito? Jesse nunca a perdoaria. Ela estava sem roupa, na cama de seu
amigo, quando estava noiva. Comprometida com outra pessoa... pessoa essa
que provavelmente estava em casa querendo saber dela, sem fazer ideia do
erro que ela tinha acabado de cometer.

Mas por que Sophia fez aquilo? Em sã consciência ela jamais trairia Jesse,
ela jamais trairia ninguém. Foi quando Sophia se deu conta. Seu corpo doía,
sua cabeça doía, mas não era apenas ali. No meio de suas pernas, uma dor
aguda e insistente. Forçando a cabeça, não vinha nenhuma lembrança de
como tinha ido parar ali. A última registrada era dela ainda no bar com
Chad.

Havia um vácuo entre o momento que ela estava no bar sentada com Chad e
como tinha ido parar na cama dele, sem roupa alguma e com toda a dor na
consciência do mundo. E por mais que se esforçasse, Sophia não conseguia,
de forma alguma, se lembrar do que tinha acontecido. E sobretudo, não
conseguia acreditar que tinha sido capaz de fazer aquilo, de estragar seu
relacionamento maravilhoso com Jesse, de trair... a ideia parecia
insuportável e pior, era real.

— Bom dia delícia – a voz de Chad fazia a dor aguda na cabeça dela quase
berrar. Mas pior era a dor na alma.
— Eu preciso ir embora – Sophia disse se levantando o mais rápido que
pôde.

— Mas já...? – ele pareceu surpreso naquela pergunta – Depois da noite


maravilhosa que nós tivemos?

— Chad... – Sophia, por outro lado, estava sofrendo.

— Não me diga que você se arrependeu de tudo – a sobrancelha dele se


ergueu – Porque ontem você parecia bem certa do que queria.

Ouvir aquilo, a menção de sua própria traição, machucava Sophia


desesperadamente. Ela estava certa de que, se continuasse ali,
provavelmente teria uma crise de choro ou, no mínimo, uma ânsia de
vômito. Cada minuto que continuava deitada na cama de Chad era um tapa
em sua cara pelo que tinha feito e sequer se lembrava. Ela precisava sair
dali o mais rápido possível para conservar sua própria sanidade.

O único problema era que sair dali significava voltar para a sua casa e a sua
casa significava Jesse. E Sophia não sabia se estava pronta para encarar o
noivo tão cedo depois de destruir o relacionamento deles.

— Eu tenho que ir – ela disse se vestindo o mais rápido que podia para sair
dali o quanto antes.

— Você vai voltar para ele – a constatação de Chad saía amarga e um tanto
debochada – Mesmo depois de tudo o que nós vivemos essa noite...

Sophia não aguentou ouvir mais uma palavra. Ela nunca tinha se vestido
antes tão rápido. Sequer estava com os próprios sapatos nos pés quando
fugiu para o corredor. Chad não se moveu para tentar alcança-la, para se
fazer ser ouvido. Ele tinha conseguido o suficiente para uma única noite.
Não havia necessidade de um avanço sequer a mais.

O coração de Sophia já doía, mas as lágrimas reais só foram cair quando ela
entrou no táxi. Quando se sentou e pegou o próprio celular, vendo as
dezenas de ligações perdidas de Jesse, o choro caiu solto, junto com a ficha
de que tinha estragado tudo. Ela não conseguia acreditar que tinha sido
capaz de fazer aquilo com Jesse, ainda mais depois de tudo o que eles
tinham vivido, do quanto ele tinha mudado. Jesse havia errado com ela no
passado, mas nem se comparava: aquilo era traição. Justo quando ele
passou a confiar nela. Justo quando ele não levantou um dedo sequer para
se opor ao seu encontro com Chad.

Era isso: Sophia não conseguia acreditar.

Logo ela se deu conta de que não poderia ir para casa sem mais nem menos
sem dizer a verdade. E o que dizer senão o que realmente tinha acontecido?
Ela não conseguia se imaginar parando na frente do noivo e lhe contando o
que tinha sido capaz de fazer. Jesse jamais a perdoaria. A mera ideia lhe
rasgava o peito. Então, por mais que não fosse o certo, por mais que ela não
pudesse fugir para sempre, naquele momento ela tinha que escapar. Ao
menos para conseguir raciocinar e buscar as palavras certas para destruir o
coração do homem que amava, de uma maneira ainda pior que ele a havia
destruído uma vez.

Foi aí que Sophia pensou em Anahí. Ela sabia que a amiga não a
recriminaria, não quando o que ela mais precisava era um abraço. Sophia
naquele momento não pensou: ela apenas pediu ao motorista para mudar o
destino e fechou os olhos, sentindo as lágrimas quentes ainda encharcarem
seu rosto, tentando não pensar, apenas focar que Anahí a ajudaria a dar um
jeito e que tudo tinha que ficar bem.

Sophia continuou não pensando quando subiu as escadas do prédio onde


Anahí morava. Ela apenas sentia a dor lhe batendo no peito mais forte do
que nunca... mas felizmente, enfim, estava ali. Bateu na porta desesperada
pela amiga abrir e dar o abraço, o afago que ela tanto precisava. Mas a
realidade foi outra. Quem abriu a porta não foi Anahí... foi Maite.

— Sophia...? – a morena franziu a testa – Aconteceu alguma coisa...?

O contraste entre elas não podia ser maior. Maite estava radiante com a
gravidez, mais parecia que sua pele brilhava. Seu rosto estava leve, a
silhueta tinha o leve arredondamento de suas dezesseis semanas de
gestação, ela estava ótima, provavelmente em seu melhor momento.
Totalmente diverso de uma Sophia que parecia um caco, com a mesma
roupa da noite anterior, a maquiagem borrada pelo choro e a expressão
simplesmente péssima.

— Maite, eu... – Sophia fungou para evitar o choro. Não era a melhor hora
para um confronto – Eu preciso da Any... ela está aí? Eu preciso...

— Ela não está – Maite negou, vendo Sophia quase desabar – A Any
dormiu na Karen por causa da Missy...

— Ai meu Deus... e o... Christian...?

— Eu estou sozinha – a morena explicou – Nem o Mane ta aqui. Mas se eu


puder ajud...

— Não, você não... – Sophia hesitou.

Ela estava prestes a negar. Afinal, Maite não poderia ajudar. Maite passara
os últimos seis anos atacando toda e qualquer escolha ruim de Sophia. Ela
tinha certeza que a morena não deixaria barato aquele erro. Qualquer outra
pessoa crucificaria Sophia, em especial porque todos haviam dito que Chad
não era confiável, não apenas Jesse, mas ela não acreditou. Maite
simplesmente a execraria. E Sophia não estava num momento para aquilo.
Ela precisava de apoio. Era pedir demais...?

Só que algo a interrompeu. Antes que Sophia pudesse pensar em sair dali o
mais rápido, seu celular tocou. E para o seu desespero, era Jesse.

— Ah não – ela grunhiu ao ver a foto do noivo no visor do aparelho – Ai


meu Deus, não, não, não... ele vai... ele vai descobrir tudo... ele vai... não...

— Descobrir o quê? – Maite estava mais confusa do que nunca – Sophia,


que diabos está acontecendo?

— Atende – Sophia estendeu o aparelho – Atende, pelo amor de Deus. Diga


que eu estou aqui. Que eu passei a noite aqui, eu te imploro Maite, por fav...

— Ok – Maite, nervosa pegou o celular mesmo sem entender e fez o que


Sophia tanto pediu: ela atendeu a ligação – Jesse? Não, é a Maite. Sim,
Sophia está aqui, pode ficar tranquilo. Hm? Ah, ligou outras vezes? É, nós
provavelmente não ouvimos... eu... eu a encontrei e ela estava bêbada
demais pra voltar pra casa. Não queria que a Samantha a visse assim, por
isso eu a trouxe pra cá. Quer falar com ela? Eu acho melhor não, ela ta meio
sonolenta ainda. Ela te liga quando estiver em condições, ok? Não se
preocupe. Ok. Tchau.

Quando Maite desligou, Sophia já fazia aquela cara de quem estava


profundamente agradecida. Só que a morena, que nada entendia, queria
saber exatamente o que tinha acontecido ali.

— Certo, eu menti por você – Maite cruzou os braços após devolver o


aparelho – Agora você vai entrar aqui e vai me dizer a verdade... seja ela
qual for.

xxx

Anahí estava longe de onde Sophia precisava dela. Ela estava na casa da
mãe, à espera de qualquer momento que pudesse se aproximar de Missy. A
menina não estava dando muito espaço para sua mãe biológica sequer
chegar perto dela, e Anahí achava que voltar para casa naquele momento
significaria retroceder um passo. Não era algo que ela estava disposta a
fazer.

Karen e Keith estavam fazendo o possível para facilitar a aproximação entre


mãe e filha, mas era impossível quando Missy chamava por Barbara e Ed o
tempo inteiro. Quanto mais a menina demonstrava sentir falta dos pais
adotivos, mais revoltava a mãe biológica. Anahí não conseguia entender por
que Missy buscava por pessoas que visivelmente demonstravam não se
interessar por ela. Era uma filha rejeitando uma mãe que tinha todo o amor
do mundo para lhe dar, mas preferia o desprezo daquelas duas pessoas que
nunca lhe deram nenhum tipo de carinho. Não fazia sentido racionalmente,
mas era assim que as coisas continuavam acontecendo: mesmo Barbara e
Ed tendo sido péssimos pais, eram os pais de Missy e ela não parava de
perguntar por eles.

Naquela manhã não tinha sido diferente. Missy murchou ao ver que Anahí
ainda estava ali e desanimou logo na mesa do café. Keith, o único que a
menina deixava se aproximar ao menos um pouco, bem que tentou reverter
a situação, mas rapidamente viu que a neta parecia irredutível. Arthur e
Ellie estavam ali, tentavam amenizar a dor de Anahí a todo custo, mas
parecia uma ferida pouco disposta a cicatrizar.

E eis que, quando Anahí já não sabia mais qual passo dar, já que nenhum
parecia realmente eficaz, uma ajuda inesperada apareceu.

— Eu posso falar com ela se você quiser – Harry ofereceu.

Harry e Anahí eram tão distantes quanto o norte e o sul. Eram polos
opostos, ainda que, oficialmente agora fossem filhos dos mesmos pais. O
processo de adoção do rapaz estava praticamente finalizado e a influência
de Keith sobre ele era realmente positiva. Todos podiam ver que Keith de
fato tinha sido um anjo na vida do garoto, já que ele estava firme na
reabilitação e limpo do vício de drogas desde que chegou na casa de Karen.
Mas, muito embora ele já estivesse adaptado ao novo lar e se desse bem
com aquela nova família, com Anahí ele continuava não tendo intimidade
alguma.

Ao menos Anahí tinha a consciência tranquila de que não havia colaborado


em nada para aquela aproximação nunca ter acontecido. Harry desde o
início deixou claro que não gostava dela e que aquilo não iria mudar e ela
nunca fez uma enorme questão de tentar mudar aquela reação. Exatamente
por isso aquela oferta de ajuda-la com Missy vinha acompanhada de uma
enorme e retumbante surpresa.

— Você? Se oferecendo pra me ajudar...? – Anahí questionou – Eu não to


entendendo, juro que não...

— Ela cresceu com pais negligentes que não davam a mínima pra ela e
agora não sabe aceitar o carinho de pessoas que se importam – Harry deu de
ombros – Eu passei por isso. E exatamente por ter passado, sei o que dizer
para alcança-la.

— E por que você faria isso por mim? – ela perguntou mais uma vez – Até
onde eu me lembro, você não gostava de mim e nada poderia ser feito sobre
isso. Não é?
— De fato – Harry suspirou – Mas você deixou de ser uma completa
escrota com o Keith. Ele não merecia isso. Então... eu acho que você deixou
de merecer o meu desprezo também.

Aparentemente, era verdadeira aquela frase de que, quando você joga algo
bom para o universo, ele sabe como corresponder trazendo todas aquelas
coisas boas de volta.

Anahí ficou ansiosa com a conversa de Harry com Missy. Ela não
acompanhou e, verdade seja dita, até mesmo Karen e Keith ficaram
surpresos com a atitude do garoto. Não era algo esperado de um adolescente
de dezessete anos, mas logo eles se deram conta de que Harry não era um
garoto como outro qualquer... exatamente como Missy também não parecia
ser uma criança como outras de sua idade.

A conversa durou quase uma hora. Apenas depois de todo esse tempo Harry
saiu do quarto deixando Missy para trás. Anahí deu um pulo do sofá, os
olhos ansiosos por uma resposta. O que acabou descobrindo era que o que
viria ali não era exatamente o que ela esperava.

— Dê tempo a ela – Harry aconselhou – Ela continua esperando que os pais


apareçam. Depois que a ficha cair que eles não vão voltar... você entra em
cena com carinho. Vai funcionar.

Embora o coração de Anahí estivesse apertado e com medo de arriscar


aquele passo, ela decidiu confiar e aceitar.

No fim, acabaria tendo uma força extra naquilo tudo.

Poncho e Jesse naquela manhã tinham combinado de levar suas próprias


crianças para conhecerem Missy. Os dois acreditavam que boa parte da
rejeição de Missy à Anahí era por estar em um ambiente novo e
desconhecido, cercada por estranhos. Faria bem ter crianças de sua idade
por perto, aquilo provavelmente quebraria um pouco o gelo. Daniel e
Samantha eram amigos entre si e poderiam ser amigos de Missy.
Definitivamente era uma boa jogada.
É claro que a execução não estava saindo como o esperado. Jesse estava
nervoso por motivos totalmente alheios aos planos que tinha feito com o
melhor amigo. Ele estava ansioso, não parava de mexer no celular e,
quando Poncho o encontrou, rapidamente percebeu que havia algo errado.

— Sophia desapareceu e só há uma hora consegui ter notícias dela – Jesse


bufou explicando – E adivinhe onde ela está? Com a Maite.

— Bem... – Poncho franziu a testa surpreso – Não era algo que poderíamos
esperar.

— Definitivamente não – Jesse pareceu ainda irritado – É que onde ela saiu
com aquele cara e... não adianta, eu não confio nele.

— Por mais estranho que possa parecer... se ela está com a Maite, está bem
– Poncho deu de ombros – Podemos ir?

— É melhor reforçar as coisas com eles antes – Jesse aconselhou e os dois


se viraram para as duas crianças – Vocês se lembram para onde nós vamos
hoje, não é?

— É... – Dani franziu a testa – Não.

— Nós vamos ver a filha da tia Any, não é? – Samantha respondeu


sabichona.

— Sim – Jesse confirmou – A tia Any não sabia que tinha uma filha, elas
acabaram de se conhecer. Ela não a criou. É... uma história complicada,
com o tempo vocês entenderão melhor.

— O nome dela é Missy – Poncho continuou – E ela é uma criança


encantadora. Mas está se sentindo sozinha e precisa de amigos. será que nós
podemos contar com vocês?

— Tio Poncho... – Samantha soltou – A minha tia Soso me ensinou que as


meninas sempre têm que se unir e ser amigas. Não precisa se preocupar,
Missy e eu seremos bffs.
— E você sabe o que é bff? – Jesse perguntou para a filha erguendo a
sobrancelha.

— Ué papai – a menina respondeu como se dissesse o óbvio – Best friends


forever!

— Certo – Poncho prendeu a vontade de gargalhar ao ouvir aquela resposta


– Vamos conhecer sua melhor amiga pra sempre então...!

Anahí respirou aliviada quando viu Samantha e Daniel entrando na casa de


sua mãe. Os dois juntos, de mãos dadas, com Daniel reticente como sempre
e Samantha já entrando dizendo para ela que "não precisava se preocupar"
porque "ela daria um jeito e resolveria tudo com Missy". Jesse fez uma
careta como quem quase pedia desculpas pelo jeito expansivo de sua filha,
mas Anahí não estava incomodada. Pelo contrário, era até bom que
Samantha fosse assim.

Porque, se ela não fosse, realmente ninguém preencheria aquele vazio. No


fim, viria a calhar. Daniel e ela eram como o yin e o e o yang, os opostos
perfeitos que se encaixam, ainda mais em situações como aquela. Se Missy
precisasse de um incentivo, ela teria Samantha. Se ela precisasse de uma
criança tranquila, ela teria Daniel.

E com as crianças ocupadas, Poncho no fim das contas teve uma ideia para
evitar que o corpo de Anahí estivesse naquela sala, mas sua cabeça não
saísse de dentro do quarto.

— Vamos sair um pouco, só nós dois – ele sussurrou no ouvido dela –


Espairecer um pouco, esvaziar a cabeça.

— E deixa-los sozinhos aqui...? – Anahí arregalou os olhos.

— Any, sua mãe está aqui – Poncho deu um ar de riso um tanto irônico –
Jesse vai ficar aqui. Eles não estão sozinhos. Vai ficar tudo bem, confie
nisso. Missy precise que você dê um espaço pra ela. E eu adoraria que você
aproveitasse isso pra ficar bem perto de mim.
Embora um pouco receosa, Anahí sabia que Poncho tinha razão. Sorrindo,
ela pegou a própria bolsa e disse à mãe que iria "dar uma volta", vendo um
sorriso de aprovação nascer no canto da boca de Karen. Ela não se
preocupou para onde eles iriam, nem o que iriam fazer. Poncho só estava
preocupado de deixar Anahí bem e fazer com que sua mente ficasse bem
longe dali, para, ao menos por alguns minutos, relaxar de tudo aquilo.

No fim, eles terminaram comprando um café e bebendo dentro do carro, já


que a Starbucks mais próxima estava cheia demais. Poncho logo se deu
conta que poderia até tirar Anahí de perto de sua filha, mas não conseguiria
evitar que a namorada falasse ainda que um pouco dela.

— Eu estava vendo os documentos dela hoje de manhã – Anahí começou a


explicar – E você não vai acreditar... vocês fazem aniversário no mesmo
dia.

— Sério...? – Poncho arregalou os olhos e, logo em seguida, abriu um


sorriso imenso – Nossa...

— Quanta chance teria disso acontecer? – Anahí também sorria, balançando


a cabeça – Missy tem sete, o que significa que... no seu primeiro aniversário
depois que eu sumi... ela estava nascendo.

— Foi o pior dia da minha vida – Poncho respondeu – Eu me lembro bem.


Não ter você comigo naquele dia... e veja só o que descobrimos quase oito
anos depois. É um consolo e tanto. Como se fosse um presente.

— Eu a amo – Anahí confidenciou – Mesmo nunca tendo convivido com


ela. Mesmo tendo esquecido de tudo. Mesmo olhando-a e ela ainda me
lembrando muito mais a ele do que a mim mesma... mesmo que eu tenha
acabado de conhecê-la. Eu a amo e quero protegê-la, quero cuidar dela e
não deixar que ninguém mais a maltrate. É estranho, não?

— Não, não é – Poncho mordeu os lábios – Isso é ser pai. Quer dizer... eu
amei o Dani desde que soube da existência dele, quando ele ainda era um
amontoado de células e um coração batendo numa ultrassonografia. Numa
época que não tinha exame em 3D e que dava pra ter uma ideia de como
seria o rosto. Eu o amei com a notícia, amei com a primeira ultra, amei em
cada uma delas, amei quando soube o sexo e fiquei completamente de
quatro quando ouvi o primeiro choro dele, pela primeira vez... e você não
teve tudo isso. Ele te tirou tudo. Mas os momentos, os primeiros momentos
que você tem agora, eles substituem tudo isso. Não deixe que ele te tire
ainda mais, amor. Não olhe pra ela e lembre-se dele.

— Não é fácil – ela suspirou – Eles se parecem. São os olhos. Os trejeitos.

— Você disse que ela nasceu no mesmo dia que eu – Poncho continuou –
Talvez você descubra que, ao menos no jeito, ela se parece comigo.

A ideia fez Anahí sorrir. Era impressionante como Poncho sempre tinha as
palavras certas para fazê-la se sentir melhor. Era inevitável. Ele dizia e lá
estava ela, sorrindo como uma boba, sentindo o rosto esquentar. Poncho
sempre fora assim, mágico com as palavras. Naquele momento ela colocou
o copo de café de lado e o beijou com paixão, com saudade. Mesmo que
tivesse demorado um pouco mais que o previsto, no fim ele conseguiu tirar
os pensamentos dela da filha. Anahí agora tinha os olhos fixos nele, olhos
esses cheios de desejo.

— Any, nós estamos no carro – ele murmurou tentando fazê-la colocar os


pés no chão. Não era como se eles não pudessem, apenas precisavam ter
consciência.

— É pra isso que você botou insulfilm – Anahí disse já indo para o banco
traseiro e é claro, puxando-o.

Não tinha sido para isso... mas até que viria a calhar.

Puxar Poncho para o banco traseiro do carro porque o desejo estava forte
demais para aguentar era algo que ele esperava da velha Anahí. Agora se
dava conta que a nova era repleta de flashes, em alguns momentos
lembrando a mulher que um dia o havia deixado no passado e em outros
mostrando que ela ainda estava ali, mas amadurecida. Por vezes,
endurecida.

Mas era definitivamente bom ter aquela velha Anahí em seus braços. Ele
podia sentir o quanto ela estava excitada por seu toque, por sentir sua pele
quente e sobretudo o quanto ela ficava dengosa quando ele a tocava. Anahí
estava com uma calca jeans e um casaco de lã grosso que, logo ele
percebeu, era a única coisa que ela usava, já que quando sua mão deslizou
por dentro da roupa, se deparou com seu seio livre.

— Você me deixa maluco desse jeito – Poncho falou arfando e passando o


dedo deliberadamente pelo bico endurecido do peito dela – Tem noção do
quanto já é gostosa, mas fica mais ainda quando eu percebo que você ta sem
sutiã...?

— Eu posso ficar sem nada se você quiser – Anahí murmurou no ouvido


dele. Pelo modo como Poncho pressionou o dedo em suas pernas, ele
provavelmente tinha atingido o ápice de sua ereção.

— Sorte sua que eu tenho camisinha aqui – Poncho riu, passando a mão no
bolso para procurar a carteira.

— Eu to tomando remédio – Anahí o segurou pelos cabelos – Para de se


preocupar. Apenas vem aqui, esvazia a cabeça como você me fez esvaziar a
minha e me fode. O resto é o resto.

E realmente era.

Ali não teria tempo para que eles fizessem grandes coisas, muito menos
espaço. Poncho sabia que sua casa não era uma opção por respeito ao
espaço onde vivia com o filho e sempre morou com Diana, mas Anahí tinha
um apartamento. Sobretudo, havia vários hotéis no Brooklyn com camas
confortáveis e até banheiras. Por que o banco traseiro do carro dele?

Talvez fosse porque o lugar não importava tanto. A questão ali era a
necessidade que eles sentiam um pelo outro. A vontade que, onde batia,
seria. Poncho sabia que seu desejo por Anahí não diminuía uma grama por
eles estarem num lugar pouco confortável e nada apropriado. Pelo
contrário, apenas aumentava. Ele sentia a pele de Anahí quente como
sempre e fez questão de tirar seu casaco. Sentia a mão dela procurando o
fecho de sua calça, passando deliberadamente por sua cueca, sentindo sua
ereção e sorrindo travessa. E se dando conta que ela não era mais a garota
traumatizada que tinha até um certo medo do sexo. Eles tinham passado por
aquilo, ela tinha superado. Agora eles poderiam ter o que quisessem.

E o que ele queria era Anahí sendo sua.

— Não temos muito espaço – Poncho disse vestindo a camisinha.

— Eu não me importo – ela mordeu os lábios em resposta – Senta no carro


que eu sento em cima de você.

Enquanto Anahí falava ela também tirava a própria calça. Quando Poncho
fez o que ela pediu, sentindo para recebê-la, notou sua calcinha de renda
que invadia os quadris. O sorriso não programado nasceu em seus lábios,
abobado. Era incrível como ele conseguia ser apaixonado pela mesma
mulher que desejava desesperadamente.

— Esse sorrisinho te faz ser encantadora – ele falou – Mas essa calcinha de
renda... te faz gostosa pra caralho.

— Eu gosto de ser os dois – Anahí disse empurrando a calcinha para baixo


das pernas e, ao ficar livre, se sentar por cima dele – Oi.

— Oi – Poncho mordeu os lábios, passando, como podia, as pernas dela por


trás de seus quadris – Bem vinda ao seu lugar.

Ele segurou o próprio pênis e o conduziu à entrada da boceta dela. Bastou


começar a invadi-la para ver os olhos de Anahí se remexendo, do infinito
até ali. Ela ficava ainda mais sexy mordendo os lábios daquele jeito,
acabando com o pouco espaço entre os dois para que Poncho conseguisse
chegar até o fundo.

— Boa menina – Poncho murmurou – Eu tenho insulfilm mas nada impede


que nos ouçam, então seja silenciosa.

— Eu farei meu melhor – Anahí respondeu falsamente comportada.

Poncho também fazia o seu melhor. Segurando-a pelo quadril nu, suas
estocadas eram firmes e certeiras. Era definitivamente delicioso estar dentro
dela, mesmo com proteção conseguia sentir o quanto Anahí era quente e
lisinha por dentro. Como antes, ela não demorava a chegar nos orgasmos,
mas como não podia gemer pelo prazer que sentia, estava mordendo o
ombro nu dele como podia. Poncho sentia que ela quase o esfolava, mas
não importava. Estava ocupado demais deslizando com força para dentro da
boceta escorregadia dela. O resto era o resto.

— Poncho, eu... eu vou... – Anahí murmurou se apertando contra o corpo


dele.

— Nem precisa falar nada amor – ele riu – Quando você vai gozar, eu sinto.
Parece que vai me tragar.

— Espero que isso seja bom – ela disse como podia – Porque pra mim...

— Shhhhh... só aproveita...

Não tinha como não aproveitar. O orgasmo para Anahí era como o mar
puxa-la e trazê-la de volta. Era violento, intenso e desbravador. E desde que
ela retornou, desde que eles voltaram a transar, estava diferente. Não
melhor, não pior, apenas... diferente. Mais intenso. De uma maneira que ela
não sabia descrever em palavras.

Anahí era incapaz de gozar silenciosa. Ao menos naquele momento, ela


precisava se soltar. Fincando as unhas nos braços dele, os gemidos saíram
desesperados e enfim, livres. Poncho, por sua vez, estava igualmente doido
para gozar de uma vez. A vontade mais parecia se tornar necessidade
quando ele a sentia pulsando daquele jeito ao chegar ao ápice, mas como
sempre ele dava aqueles segundos preciosos para Anahí conseguir se
recuperar e aproveitar como devia.

Até porque, quando ele via que ela estava pronta para ele, voltava a penetrar
com força. Ela gemia novamente, totalmente sensível do orgasmo recém-
alcançado, apenas se segurava nele um tanto fraca, sentindo-o chegar ao
ápice em segundos, tão necessitado quanto ela. Anahí via em Poncho,
minutos depois, o que tinha sido com ela.

Ela conseguia concretizar naquela visão o que não notava em si: a pele
arrepiada, as palavras desconexas, os corpos se apertando, suados e
satisfeitos. Via que Poncho sentia o mesmo que ela, que ela lhe
proporcionava o mesmo tipo de prazer. E isso explicava por que não dava
para esperar. Por que tinha que ser no banco de um traseiro de carro, como
se não houvesse mais qualquer outro lugar no mundo.

xxx

Maite preparou um café forte para uma Sophia cujas lágrimas tinham
voltado a cair quando se sentou no sofá dela. Algo estava errado ali. Não
era Sophia a pessoa no grupo deles que fazia alguma besteira, mentia para o
noivo e parecia estranha no dia seguinte. Em tantos anos de amizade Sophia
nunca procurou nenhum amigo daquele jeito. Ela não conseguia entender...
e exatamente por isso, sobretudo por ter mentido poucos minutos antes para
Jesse, Maite a obrigaria a contar.

— Certo – Maite sentou na poltrona à frente dela com a expressão crítica de


sempre – Me conte. O que quer que seja.

— Eu não sei se tenho coragem – Sophia não a encarava. Tinha o olhar fixo
na caneca de café – Eu cometi um erro terrível.

— Eu menti por você, eu mereço saber, quer você goste, quer não – Maite
disparou com a sinceridade de sempre – Diga de uma vez.

— Eu traí o Jesse – Sophia, por fim, soltou – Eu transei com o Chad essa
noite.

Imediatamente Maite fechou os olhos sem conseguir acreditar. Tantas


possibilidades de bobagens que ela poderia ter feito e era aquilo...?

— Sophia... – Maite soou crítica e logo viu as lágrimas da outra se


multiplicarem – Puta merda...! Como você...?

— Como eu pude...? – ela disse no meio do choro – Maite, eu não sei. Eu


realmente não sei. Jesse confiou em mim, ele tem sido incrível pra mim,
então... não tem desculpa. Eu não sei como pude fazer isso conosco. Nada
do que você pode dizer me faz me culpar mais do que eu já me culpo.
— Eu... eu não sei o que eu digo – Maite negou com a cabeça – Por quê?
Apenas me responda: por quê? Você ama o Jesse, porra!

— Eu não sei! – Sophia disparou aos gritos – Eu não sei por que! Eu... eu
não me lembro! Eu não consigo me lembrar! Eu lembro de nós dois
bebendo e então... hoje de manhã... eu estava na cama dele.

— Você... não se lembra? – Maite franziu a testa. Era o primeiro momento


desde a revelação que ela sentia mais do que raiva.

— Não – Sophia respondeu – De absolutamente nada. Eu acordei zonza e


com uma dor de cabeça enorme, e eu não entendo porque... eu não bebi
tanto assim ontem à noite. Foram apenas dois drinks, um quando chegamos
e outro depois de comer, depois que eu fui ao banheiro...

— Você foi ao banheiro...? – Maite ergueu as sobrancelhas. As coisas


pareciam fazer mais sentido – Bebeu apenas dois drinks, foi no banheiro... e
acordou hoje na cama dele sem lembrar de nada...? Sophia, você tem
certeza que transou com ele? Como você pode ter tanta certeza assim se não
lembra de nada?

— Porque eu sentia tanta dor na minha boceta que é impossível eu não ter
transado – Sophia confidenciou – Provavelmente transei até mais do que
deveria. Ao menos ele deu a entender que não foi uma vez só.

— Você pediu aquele drink antes ou depois de ir ao banheiro? – Maite


questionou. Parecia impossível, mas...

— Antes – Sophia franziu a testa e viu Maite fechar os olhos sem acreditar
– Eu pedi, fui ao banheiro, quando voltei o drink estava na mesa. Maite, o
que...

— Não é óbvio? – Maite resmungou – Deus me perdoe se eu estiver errada,


mas... Sophia... Chad te dopou. E mais... ele te estuprou.

Mais essa agora.

~
Enfim, de volta! E com um cap babadeiro!

Sei que vai doer muito em vcs o que aconteceu com a Sophia e eu entendo -
entendo de verdade! Claro que tem um fundo bem educativo e elucidativo
que será mostrado mais pra frente, e por isso eu peço que aguardem,
confiem em mim e esperem a resolução da história (de preferência sem me
atacar, com um governo de merda desses eu me recuso a ser maltratada por
ser feminista!).

Mas de toda forma estou compensando maravilhosamente com o sexo AyA


que eu sei que todo mundo ama

Agradeço à torcida e à compreensão das mensagens que recebi quando não


postei semana passada. Algumas não viram os avisos, por isso lembro a
todas que sempre posto no mural e no twitter caso algo aconteça e não dê
pra vir. Agora torço pra que tudo dê certo e eu não precise me ausentar de
novo!

Beijos,

Rafa
Capítulo 60 - Innocence of childhood

— Não – foi o que Sophia murmurou – Absolutamente não.

Maite sequer tinha pensado antes de externalizar sua teoria. Era algo que ela
costumava fazer: falar primeiro, pensar depois. Tinha sido assim desde
sempre e ali não era diferente. Foi a primeira, para não dizer a única ideia
que lhe tinha vindo à cabeça após Sophia descrever em maiores detalhes
sua noite anterior. E embora a própria não concordasse, Maite não
conseguia não pensar daquela forma. Quanto mais pensava, na verdade,
mais fazia sentido.

— Não por quê? – Maite cruzou os braços e ergueu as sobrancelhas – Não


venha com um papo de que ele não seria capaz...

— Mas ele não seria! – Sophia argumentou, vendo os olhos da morena


rolarem.

— Soph, eu não sei por que você continua confiando nesse cara – ela
suspirou – Você é a única. Nós todos somos muito diferentes, mas a única
coisa na qual todos concordamos é que o Chad não presta.

— Eu sei que vocês não gostam dele, mas daí a achar que ele poderia ter
me... – ela sequer conseguia completar a frase – Não...!

— Ele é homem e ele te quer de qualquer maneira – Maite ponderou – Não


conseguiu da forma fácil. Você terminou com o Jesse, mas um ano depois
voltou pra ele, vai casar com ele, então o cara rapidamente percebe que vai
ter que jogar realmente sujo pra vencer.

— Maite... – Sophia negava com a cabeça, certa de que a morena nunca


tinha devaneado tanto.

— Fazer você sair com ele com a melhor das intenções, agir como se você
tivesse consentido quando você não consegue se lembrar e garantir nisso
tudo que você ainda o defenderia – Maite enumerou logo em seguida
batendo palmas de deboche – Eu tenho que dizer, é um plano perfeito...!

— Você não pode estar falando sério – os olhos de Sophia se encheram de


lágrimas.

— Eu sei que é difícil pra você – Maite falou de forma suave pela primeira
vez. Não era algo muito comum para ela – Você achava que ele era seu
amigo, confiava nele. Mas será que a ideia do estupro pode ser tão pior do
que a ideia de trair o Jesse...? Nesse caso... a culpa não é sua Soph.

— Como não...? – os olhos de Sophia se encheram de lágrimas – Se isso for


verdade... eu me coloquei nessa situação. Como a culpa pode não ser
minha?

— Oh Deus – Maite suspirou longamente. Batalha à vista.

— Se ele foi capaz de fazer isso... se ele realmente fez... todos vocês me
disseram... e eu não ouvi...

— Sophia, olhe pra mim – Maite quase ordenou – Olhe bem pra mim... a
culpa não é sua. A culpa não é da vítima. Nunca. Em hipótese alguma.

— Mas...

— Sem "mas" – Maite insistiu – Sem vírgulas. Ele provavelmente te dopou.


Por isso você não lembra de nada. Te levou pro apartamento dele, fez sexo
com você mesmo com você totalmente inconsciente, por isso você ta com
dor. Ele fez, ele é o culpado, apenas ele.

Maite fez um breve silêncio para deixar que Sophia absorvesse as


informações. Afinal, não era nada fácil: ela acabara de convencê-la que
tinha sido vítima de um estupro. A situação já era complicada por si só, e
ainda tinha a resistência dela em admitir o que havia acontecido. E Maite
sabia que o pior ainda estava por vir. Porque, além de assumir para si que
tinha sido vítima de uma violência sexual, Sophia precisaria contar para
Jesse o que tinha acontecido. Precisava contar para o mundo... porque não
importava o que acontecesse... ela precisava denunciar.
Maite precisava arranjar uma maneira de fazer Sophia aceitar denunciar
Chad.

xxx

Quando foram apresentados para Missy por Poncho, Daniel e Samantha


deixaram claro o quanto eram oito e oitenta. Enquanto a filha de Jesse já se
apresentou tagarelando sem parar, o filho de Poncho era uma cópia daquela
que não sabia que era praticamente sua meia-irmã: tão calado quanto
possível.

Missy era uma criança desconfiada. Pudera, ela estava na casa de


desconhecidos, afastada das pessoas que a haviam criado e num ambiente
ao qual definitivamente não estava acostumada. Eram muitas mudanças.
Daniel entendia isso: ele não vivia algo tão diferente assim, embora menos
intenso. Embora sua rotina estruturalmente fosse a mesma, a separação dos
pais fazia com que ele estivesse longe da mãe e convivendo apenas com
Poncho. Dessa forma, Missy era muito mais parecida com ele do que com
Samantha.

Mas mesmo assim, Samantha era Samantha e isso quebraria o gelo de uma
situação como aquela.

— Oi, meu nome é Samantha mas você pode me chamar de Sam, porque é
assim que os meus amigos me chamam e eu sei que seremos grandes
amigas – a menina disse já estendendo a mão com seu sorriso banguela –
Seu nome é Missy né? O tio Poncho me disse tudo, ele me contou tudo
sobre você.

— Mas ele... ele não sabe tudo sobre mim – Missy murmurou confusa.

— Ah, a Sam sempre diz isso – Daniel deu de ombros – Eu sou o Dani.

— Na verdade o nome dele é Daniel, mas ele se apresenta como Dani pros
íntimos – Samantha completou cheia de si – Viu? Você é íntima! Não é
legal?
— Hm... é – Missy murmurou. Daniel fazia uma careta pelas falas
expansivas de Samantha.

— Você é filha da tia Any, não é? – Dani perguntou – Meu papai me disse.

— Onde você tava esse tempo todo? – Samantha questionou


verdadeiramente curiosa.

— Ela diz que é minha mãe, mas eu... eu só a conheci agora – Missy
explicou – Meus papais me deixaram aqui e eu... eu não to entendendo
nada.

— Meu papai e a tia Soso não me explicaram muito sobre você – Samantha
entregou – Só que você era filha da tia Any e que vocês se conheceram
agora e que era pra nós sermos legais com você.

— Ela disse que era minha mãe, mas só apareceu agora, então... – Missy
começou a falar antes de fazer uma pausa e suspirar – Então meus pais
foram embora com o meu irmão. Acho que eles não gostam mais de mim e
não querem mais ser meus pais. Aí ela me disse que me tiraram dela
quando eu ainda era um bebê, por isso não lembro de nada.

— Você... – Daniel começou a perguntar – Ta se sentindo sozinha?

— Uhum... – a menina confirmou cabisbaixa. Mais um gatilho para a


falação de Samantha.

— Não se preocupa, você nunca mais vai se sentir sozinha! – a menina


quase pulava tamanha empolgação – A tia Any é super legal, depois que
você acostumar vai ver! E ela com certeza vai ser uma mamãe muito legal
pra você igual a tia Soso é pra mim. E vocês vão se divertir muito e ser
amigas e...

— Eu te entendo – Dani confessou num murmúrio – Eu também... to um


pouco triste.

— Dani – Samantha o encarou enfezada – Era pra gente anima-la!

— Tudo bem – Missy negou com a cabeça – Por que você ta triste...?
— Meus papais não moram mais juntos – Daniel contou – Nós morávamos
todos na mesma casa, e então... antes do Natal, a mamãe me disse que o
meu avô estava doente e que iria pra casa dele em Boston. Eu fui pra lá
passar o Natal, mas o papai não foi comigo, ele ficou aqui e me prometeu
que iria depois. Então... quando ele chegou... eu achei que tudo fosse voltar
a ser como era antes, sabe? Mas não foi. Eles vieram conversar comigo e
disseram que iriam se separar. Que ainda se gostavam, mas... não iriam
mais ficar casados. Então papai e eu voltamos pra casa e a minha mamãe
ficou. Eu não sei quando ela vai voltar.

Era a primeira vez que Daniel abria o jogo com alguém e demonstrava seus
sentimentos sobre a separação dos pais. Samantha, que não estava
acostumada a um relato triste, parecia atônita – ela definitivamente não
esperava por aquilo. Missy, por outro lado, parecia entender bem melhor.

— Ta tudo bem – ela disse – Eu sei como é. Você ta chateado.

— Eu também fiquei triste quando meu papai se separou da tia Soso –


Samantha lembrou – Mas quer saber? Depois eles voltaram.

— Você acha que meu papai e minha mamãe podem voltar a namorar...? – e
em Daniel se acendeu um lampejo de esperança.

— Ah, antes o papai namorou a Lindseeeeeeeeey – a careta de Samantha


era homérica – Mas não por muito tempo sabe? Depois ele voltou pra tia
Soso porque o príncipe sempre termina com a princesa no final, não com a
bruxa má. E a Lindsey era a bruxa.

— Mas e se o seu papai arrumar outra namorada Dani? – Missy lançou a


possibilidade.

— Ele não vai – Dani disse com firmeza – E mesmo que arrume... ele vai
voltar pra minha mamãe. Igual o tio Jesse e a tia Sophia.

— Sim, sua mamãe é uma princesa – Samantha se animou – Se quiser eu te


ensino umas coisas pra você aprontar com a bruxa má. Eu sou muito boa
nisso...!
Missy não tinha tanta certeza de como aquela história acabaria como Daniel
demonstrava ter. Ela tinha percebido a relação de Anahí e de Poncho
quando o conheceu, no dia que chegou à casa de Karen. Eles eram
definitivamente próximos, se olhavam de um jeito especial, Poncho sorria
para ela de uma forma um tanto mágica. Ela não conhecia os dois há muito
tempo, mas tinha dentro de si a certeza de que eles tinham algo.

Então Anahí era a bruxa má como a tal Lindsey? Ou quem sabe Daniel
apenas queria acreditar nisso? A dúvida na cabeça da menina foi plantada e
não sairia dali tão fácil.

Só uma pessoa poderia tira-la.

xxx

O nervosismo de Maite estava deixando Mane inquieto. Ele achava que a


namorada estava daquele jeito pelo lugar que eles estavam, pelo que
estavam prestes a fazer: no corredor do New York General Hospital, para a
consulta com a obstetra que provavelmente revelaria o sexo do bebê. Mane
tinha uma das mãos dadas com Maite, por isso sentia o quanto ela estava
gelada e suada. Obviamente a imaginação dele iria longe com aquilo.

Maite estava realmente nervosa. Era pra ela estar concentrada em seu filho,
em seu namoro e no momento feliz que estava vivendo. Afinal, quando a
morena iria pensar que estaria feliz ao lado de um homem que
definitivamente a amava, com um bebê à caminho? Se alguém lhe dissesse
isso um ano antes, ela provavelmente riria. Mas ali estava ela, avoada e
angustiada pelo problema que Sophia se revelou, naquela manhã, na sua
vida. Sophia e seu estupro. Sophia e sua negativa de contar a verdade para
Jesse, se esquivando mais ainda de denunciar Chad. Se alguém dissesse um
ano antes que Maite sairia da bolha de seus problemas para se preocupar
com os problemas de Sophia, ela não riria e sim gargalharia.

Mas Mane não sabia pelo que Sophia estava passando, ele não sabia sequer
que a amiga tinha aparecido naquela manhã no apartamento de sua
namorada obrigando-a a mentir. Mane naquela manhã tinha ido para o
treino de seu time mais cedo para conseguir estar ali, naquela tarde, na
consulta do sexo de seu bebê com Maite. Como ele não fazia ideia dos
fantasmas que habitavam a mente de sua namorada, só poderia imaginar
que era algo relacionado ao que eles estavam para fazer... descobrir o sexo
da criança.

E é claro, as paranoias rondavam a mente de Mane: será que Maite não


estava feliz? Será que, conforme se aproximavam do nascimento daquela
criança, a ficha dela começava a cair de que eles teriam mesmo um laço
definitivo um com o outro? Quer dizer, tudo tinha sido rápido demais.
Maite mal tinha aceitado namorar com ele e apenas dois meses depois ela
estava grávida. Mane pensava neles morando juntos, pensava em
casamento, mas e se ela sequer estivesse feliz com o que eles já tinham...?

Como aquelas ideias não poderiam ficar apenas em seus pensamentos,


Mane precisava falar algo antes que explodisse.

— Minha mãe não para de mandar mensagens – ele disse após sentir o
celular vibrando novamente – Jade. Ansiosa para saber se já descobrimos o
sexo.

E Maite se descobriu aliviada de ter algo mais no que pensar.

— Verdade...? – ela olhou para ele rindo – Pensei que ela só quisesse saber
do sexo.

— É – Mane riu – Bem, ela disse que como deve nascer em junho deve ser
de gêmeos, então está mais preocupada com o ascendente porque o signo já
não é dos melhores.

— Sua mãe sendo sua mãe – Maite revirou os olhos rindo – E você...?

— Eu o quê?

— Você quer um menino ou uma menina? – ela perguntou – Nós nunca


chegamos a falar sobre.

— Ah Luna... eu quero que ele se pareça com você – Mane mordeu os


lábios – Qualquer outra coisa já seria pedir demais.

— Mane, é sério!
— Eu to falando sério – ele sorriu – Eu amo você. E você sabe disso.

Quando Maite abriu a boca para responder, uma voz irrompeu no corredor.

— Maite Perroni!

E Mane ficaria sem resposta. O abre-alas para uma nova paranoia: o que ela
responderia se não tivesse sido interrompida?

De toda forma, Maite e Mane deixavam de existir quando entravam no


consultório e viravam os pais do bebê Perroni-De La Parra. Mane era
interessadíssimo em tudo o que a obstetra deles, uma médica italiana
chamada Carina DeLucca, dizia. Todas as informações, as vitaminas do pré-
natal, as novidades, ele queria saber e sugava tudo o que era dito. Maite
apenas ria, mas no fundo amava aquele interesse todo. Era assim na
primeira metade da consulta, quando o Mane interessado se convertia no
Mane ansioso pela ultrassonografia.

E aquela em especial tinha requintes extras por ser a ultra do sexo. A Dra.
DeLucca primeiro conferiu a saúde do bebê vendo que ambos os pais
estavam nervosos e com os olhos fixos na tela. Mas nem que Maite quisesse
ela superaria Mane, afinal agora era a mão dele que estava gelada.

— Mane, amor, ta tudo bem – Maite o tranquilizou num sussurro – Ta


vendo? Ele ta bem.

— Ele? – Mane franziu a testa. Será que tinha perdido alguma coisa? –
Então é um...

— Modo de dizer – Maite fez uma careta – Eu não sei, não sou médica.

— Ora ora – a médica falou – Parece que os papais estão ansiosos para
saber o sexo.

— Eu to ansiosa, ele ta quase enfartando – Maite riu vendo os olhos do


namorado se estreitarem pela provocação.

— Nervoso, papai? – a Dra. DeLucca riu – Não precisa ficar. Hoje vocês só
saem daqui sem saber se quiserem.
— Nós queremos saber... – Mane murmurou com convicção, logo antes de
olhar Maite de rabo de olho – Não é amor? Nós não aguentamos a
surpresa...

— Eu até aguento, mas não quero deixar o meu bebê sem pai – Maite riu
encarando a obstetra – Dá pra ver então?

— Dá sim – ela confirmou – Prontos?

Definitivamente.

— Parabéns papais – a médica sorriu – Vocês terão uma menina.

E o sorriso de Mane quase transbordou.

— Viu amor? – Maite ria – Uma menina. Avise sua mãe que ela vai ter uma
geminianazinha.

— Sim – Mane disse beijando os lábios dela – Uma Luninha.

Maite riu fechando os olhos e negando com a cabeça. Por essa ela não
esperava, embora devesse esperar. Era o apelido que ele usava desde que
descobriram a gravidez, quando sequer imaginavam o sexo. E a julgar pelo
sorriso de alegria de Mane, não era algo que ela queria tirar dele.

E a pequena Luna conseguia um primeiro ponto com os novos papais: tirou


os pensamentos ruins da cabeça deles por longos minutos...

xxx

— É melhor não entrarmos de mãos dadas – Poncho murmurou para Anahí


assim que eles saíram do carro dele, na porta da casa de Karen – O Dani
ainda não sabe sobre nós.

— Ah – Anahí respondeu surpresa – Tudo bem, mas... Poncho...

— Eu sei – ele suspirou – Uma hora ele terá que saber.


— Sim – Anahí mordeu os lábios – Eu sei que não vai ser fácil pra ele, mas
a mentira é sempre pior. Quer dizer, quando eu voltei... e me dei conta que
você estava mentindo pra mim, que a minha mãe também estava... e sabe?
Eu sou uma mulher adulta. O Dani só tem seis anos.

— Eu vou conversar com ele, prometo – Poncho disse acariciando o rosto


dela.

— Não é por nós dois Poncho – Anahí ressaltou – Quer dizer, não só por
nós dois. Não é justo com ele.

— Eu sei.

No fundo Poncho sabia, mas as coisas já estavam suficientemente


complicadas como estavam. Já era difícil por si Missy aceitar Anahí, ter que
lidar com isso e ao mesmo tempo com um Daniel que certamente
desprezaria a namorada do pai seria demais. Poncho tinha um certo receio
de como seria o processo de aceitação do filho, já que, por mais que o
fizesse calado, Dani certamente sofria pela separação dos pais. E se a
descoberta do namoro dele e de Anahí fizesse tudo piorar e o menino se
rebelasse? Poncho não sabia como lidaria com uma situação daquelas. Ele e
o filho sempre foram próximos, a relação deles sempre foi irretocável. Uma
crise daquelas certamente não seria fácil de administrar e ele sequer saberia
por onde começar, era uma certeza.

Por isso, assim que Anahí entrou na casa da mãe sua mão se viu soltando a
de Poncho e eles entraram separados. Jesse estava no sofá da casa de Karen
digitando uma mensagem e apenas fez um sinal com a cabeça apontando
para a cozinha. Anahí ao entrar lá se deparou com uma cena que
definitivamente não esperava: sua mãe cozinhando cookies com as três
crianças e, para a sua surpresa, Missy rindo como ela não lembrava mais de
ter visto.

É claro que aquela reação da menina foi interrompida com a chegada de sua
mãe. Missy rapidamente ficou muda e acanhada de novo e então as crianças
e a avó levantaram o rosto e viram Anahí e Poncho entrando. Enquanto
Daniel corria para abraçar o pai, Anahí sentia a decepção de ser a única
pessoa que fazia a própria filha deixar de sorrir.
Biscoitos prontos e servidos, crianças alimentadas... Jesse anunciou que era
a hora de eles irem embora, não sem reclamações de Samantha que queria
ficar ali eternamente. As duas crianças se despediram de Missy e Poncho se
limitou a se despedir de Anahí com um olhar, ele não queria levantar
bandeiras. Ao abraçarem Anahí, Samantha e Daniel, é claro,
confidenciaram como tinha sido aquela tarde durante a ausência dela.

— Não fica triste tia – o menino disse sorrindo carinhoso – Ela vai gostar
de você.

— Own Dani, você é a coisa mais fofa do mundo...! – Anahí disse


estalando um beijo na bochecha do afilhado.

— Dani tem razão tia Any – Samantha garantiu – Missy só precisa de um


empurrãozinho e nós vamos dar. Nós seremos melhores amigos do mundo,
nós três.

— Eu tenho certeza que sim Sam – Anahí sorriu grata – E tenho certeza que
a minha filha não pode ter melhores amigos no mundo que vocês.

Aquela era a mais pura verdade.

Depois que todos tinham ido embora, Anahí percebeu que ela também era
uma peça deslocada ali. A casa era de Karen, não sua, embora doesse ir e
deixar a filha para trás ainda rejeitando-a. De toda forma, não havia jeito.
Anahí se despediu de Karen cabisbaixa como sempre mas tentando, a todo
custo, disfarçar a própria frustração – embora não fosse tão eficaz assim
quanto à sua mãe. Quando estava quase saindo, foi surpreendida com um
pedido.

— Espera.

Era a voz de Missy? O coração de Anahí chegou a errar a batida ao


constatar... sim, era a voz de Missy...

Emocionada, ela virou de volta e se deu conta que a filha realmente falava
com ela.
— O que foi? – ela perguntou intrigada.

— Eu queria perguntar algo – a menina falou receosa, sem encara-la – Eu


posso...?

— O que você quiser – a voz de Anahí quase denunciava sua ansiedade.

— Poncho... é seu namorado... não é?

E o sorriso quase escapou da boca dela.

— Sim, ele é – ela admitiu – Como você...

— Os olhinhos dele... eles brilham quando veem você – Missy explicou –


Toda vez.

— Verdade? – agora Anahí não conseguia não sorrir.

— Uhum – Missy confirmou – Mas o Dani não sabe, né? Por quê?

— Ele ainda ta chateado porque os pais estão separados – Anahí explicou


rapidamente – Não queremos magoa-lo ainda mais.

— Mas mentir magoa também – Missy observou, antes de se calar


brevemente. O silêncio fez Anahí achar que ela estava tomando coragem
para dizer algo, já que parecia ansiosa. No fim, realmente estava – Eu...
fiquei magoada quando descobri que meus papais mentiram pra mim.

Era a primeira vez que Missy e ela tinham uma conversa de verdade. Anahí
logo notou que tinha que ser de igual para igual. Por isso, se abaixou até
ficar na altura da filha e sorriu da maneira mais carinhosa e aconchegante
que foi capaz. Agora sim, estava melhor.

— Eu sei que ficou – Anahí respondeu – Eu não posso pedir desculpas por
eles, Missy. Mas eu não vou magoar você. Eu não vou mentir pra você. De
verdade.

A menina ponderou em silêncio, sem dar qualquer resposta. Ela parecia que
não iria ceder fácil, mas Anahí não estava disposta a desistir.
— E eu não vou abandonar você – Anahí continuou – Eu não sabia que
você existia. Não lembrava que tinha uma filha.

— E... se você esquecer de novo...?

Esse era o medo.

— Olhe bem – Anahí segurou-a pelo queixo – Você acha que alguém que te
conhece consegue esquecer você...?

E no canto do sorriso da boca, o mesmo sorriso que quase escapou da boca


de Anahí minutos antes nasceu no rosto de Missy. Ela tentava disfarçar, mas
estava ali. Anahí conseguia ver. E aquele pequeno gesto, contido e ainda
envergonhado, abriu uma fenda de luz enorme em seu coração.

Só que aquela felicidade toda acabou rapidamente ofuscada por um detalhe


que Anahí não tinha percebido antes. No braço de Missy tinha uma cicatriz.
Não parecia ser algo que uma criança adquiria com uma queda ou uma
brincadeira qualquer, definitivamente não. Anahí franziu a testa sem
entender do que se tratava e a menina, ao notar que aquele machucado tinha
sido descoberto, rapidamente colocou a mão sobre ele, acuada novamente, e
puxou a manga do vestido para tampa-lo. Missy já dava sinais de que se
fecharia em sua concha mais uma vez, mas daquela vez Anahí não estava
disposta a permitir.

— Ei – ela chamou a menina – Me conta... o que foi isso...?

— Nada – Missy não a encarava ao responder.

— Não era você quem dizia há alguns minutos que a mentira magoa? –
Anahí questionou procurando o olhar dela – Anda, vai... me conta a
verdade.

É claro que Missy hesitou. Mas Anahí tinha dado um passo logo antes.
Aquilo foi decisivo.

— O papai estava bravo... eu quebrei o vaso favorito da mamãe – Missy


tinha a cabeça abaixada e a voz consideravelmente baixa ao falar – Foi um
acidente, mas ele estava bravo assim mesmo... então ele...

— O que ele fez? – a raiva dentro do corpo de Anahí fazia a leoa dentro
dela simplesmente rugir.

— Ele queimou o cigarro no meu braço.

Era como se alguém tivesse queimado o cigarro em Anahí. De repente ela


descobriu que o que Tobias lhe fizera era pouco em vista do sofrimento que,
indiretamente, infringira à filha dela ao deixa-la com os Mitchel. Filha dela,
pois Missy não era dele. Era apenas sua.

E como sua, Anahí a protegeria. Com os olhos inundados de lágrimas, ela


fez o que pôde: enlaçou Missy em seus braços e desejou que ela não saísse
mais dali. O mundo se mostrou não ser seguro para nenhuma delas de
diversas e diferentes maneiras... mas de alguma maneira elas teriam que
aprender a sobreviver.

— Isso não vai se repetir, ok? – ela prometeu abraçando Missy forte – Eu
vou proteger você e não vou deixar que te machuquem de novo.

No fundo Anahí sabia que não poderia prometer aquilo. Ela sabia que, por
mais que Karen a amasse, ela não tinha sido capaz de proteger do mal que
Tobias se revelou ser. E sabia que era igualmente incapaz de impedir que o
mesmo acontecesse com Missy. Mas ainda assim, a promessa era feita.
Talvez porque a questão não era o que ela era capaz de fazer, mas sim o
quanto tentaria alcançar. Ela iria cuidar de Missy até o limite de suas forças.
E se algo acontecesse, era a prova de que ela não era invencível... mas
ninguém era, afinal.

Missy queria sair daquele abraço. Ela não estava acostumada a tanta
demonstração de carinho. Mas quando conseguiu, viu que Anahí chorava.
Aquilo freou seu desespero de fugir dali, ao se deparar com um coração
provavelmente tão ferido quanto o dela. Mesmo machucada, Anahí queria
consertar as coisas para ela. Em horas como essa a vontade de retribuir se
faz presente.

— Você ta chorando – a menina constatou – Não chora.


— Não vou chorar mais – Anahí se esforçou para sorrir.

Com suas pequenas mãos, Missy primeiro enxugou as lágrimas de Anahí e


depois, de forma totalmente espontânea, a abraçou de novo, colocando a
cabeça sobre o ombro dela. O único barulho ali eram das respirações das
duas. A de Anahí, de definitivo alívio por finalmente estar sendo aceita, por
ver a menina voltar para o abraço do qual tentou fugir.

Bem que se dizia: amor é estar-se preso por vontade...

Oi meus amores, tudo bem com vcs?

Fiquei realmente surpresa que no cap anterior tive um feedback muito


maior sobre o estupro da Sophia do que pelo sexo AyA hahahahahaha
coisas que vc só encontra nas minhas fics!!!

O cap de hoje tem mt informação também: Sophia se sentindo culpada


(tudo isso tem um propósito, entendam!), Samantha super tagarela, Dani e
Missy se identificando, Manerroni descobrindo o sexo da baby e
finalmente, Missy e Anahí

Semana que vem teremos um cap muuuuuito agitado e com fortes emoções!
Ansiosas?

Beijos,

Rafa
Capítulo 61 - Total eclipse of the heart

Ao saírem do carro de Keith à caminho da New York Public Library, onde


seria o casamento de Lexie, Anahí não poderia imaginar que, quando
estendesse a mão para Missy, a menina fosse segurar a sua. A reação já
estava diferente desde que ela aceitou ir ao lado da mãe no trajeto e até
respondeu amigavelmente quando ela falava. Missy estava encantada com o
vestido de dama de honra de Anahí, agindo como se ela fosse uma
verdadeira princesa. Anahí tinha que dizer, usar aquele tomara-que-caia
rosa-bebê e ir para aquele casamento que era considerado uma verdadeira
piada tinha valido a pena.

Mas assim que as duas chegaram, enquanto entravam no local ao mesmo


tempo que Keith estacionava o carro próximo dali, outra pessoa revelou ter
sobre Anahí o mesmo olhar que sua filha.

— Olha! – Missy apontou falando alto – O Dani ta ali! Posso brincar com
ele?

Daniel estar ali significava que Alfonso também estava. Anahí levantou a
cabeça, balbuciando para a filha que sim, ela poderia ir brincar com Dani.
Rapidamente viu Missy correndo animada para longe dali, se
surpreendendo com a familiaridade com a qual ela reagiu ao encontrar
aquele que era o filho do homem que ela amava. As duas crianças pareciam
se conhecer há tempos, pela forma como reagiam uma com a outra. Era
algo bom, algo para se comemorar.

Mas ao olhar para Poncho Anahí, mesmo de longe, notou o evidente


interesse e o quanto ele pareceu gostar de vê-la. Mais forte do que ela, sua
reação foi sentir o rosto enrubescer. O sorriso que nasceu nos lábios dele
naquele momento após notar a vergonha dela fez o dela nascer em seguida
e, aproveitando que as crianças estavam suficientemente distraídas, um
caminhou em direção ao outro, deixando claro que não havia chance de
seguirem para qualquer outro ponto.

— Eles agem como se se conhecessem há séculos, reparou? – Poncho


perguntou sorrindo vendo os filhos dos dois brincarem de correr.

— Eu pensei o mesmo – ela conteve o sorriso – Eu espero que continue


assim...

— Vai continuar – Poncho garantiu – Ele vai aceitar, cedo ou tarde...

— O problema é entre o cedo e o tarde, esse meio tempo... – Anahí suspirou


antes de interromper a si mesma – Eu não quero falar sobre isso, o dia já é
suficientemente ruim, eu não preciso piorar com os meus fantasmas.

— Ruim...? – ele franziu a testa – Eu achei que você e ela estivessem indo
bem.

— Estamos – Anahí confirmou – Mas não esqueçamos que eu tenho que


andar na frente da Lexie como se achasse que tudo isso é uma excelente
ideia...

— É, eu sei, felizmente Jackson não é meu amigo e eu não tenho que


participar de nada, mas você não teve como escapar – Poncho abriu uma
careta.

— Quer dizer, ter como eu até tive – ela riu – Maite escapou afinal de
contas. Mas... a Lex não merece isso, sabe? Ela é minha amiga. Está
cometendo uma grande burrada, mas é minha amiga.

— É verdade – Poncho cruzou os braços – Mark Sloan vem?

— Eu não sei – ela respondeu – Quer dizer... eu não viria. Se fosse... seu
casamento com a Diana... definitivamente não viria.

— É, se fosse o seu casamento com o Milo eu também preferiria não vir –


Poncho alfinetou de volta com a voz engrossada.

— Fique tranquilo – Anahí sorriu para ele – Meu único marido será você.
O ímpeto natural de Anahí era beija-lo, mas, embora Daniel e Missy
estivessem distraídos, eles estavam ali. Seria contar com a sorte demais.
Quem sabe no futuro... quem sabe quando chegasse o tarde que Poncho
mencionasse e Daniel não ficasse magoado, entendesse que o pai merecia,
precisava ser feliz ao lado da mulher que amava. Nesse momento eles
poderiam se beijar o quanto quisessem. A hora iria chegar.

— Eu tenho que ir – Anahí respondeu.

Afinal, ir era a única coisa que a faria esquecer tudo e não estar nos braços
dele ali mesmo.

Anahí era a única dama de honra/amiga da noiva que não estava no


pequeno quarto onde Lexie estava com as demais mulheres. Estavam ali sua
irmã Meredith, Maite, por óbvio – mesmo não participando do casamento
ela não iria faltar – Sophia e a última dama, Jo, que era noiva de Alex
Karev, o padrinho de Jackson. Ela já entrou no quarto pronta para dar mil
desculpas sobre seu quase atraso, mas, para a sua surpresa, o foco ali era
outro.

Nada muito surpreendente, é claro.

— É sério Lexie, ainda dá tempo para voltar atrás – Meredith começou a


falar, mas mais parecia que estava insistindo – Você não precisa se casar
com ele se não quiser.

Estava muito claro ali que a grande missão de Meredith naquele casamento
era oferecer possibilidades para Lexie jogar tudo para os ares.

— Eu quero me casar com ele – Lexie resmungou com tão pouca confiança
que não era capaz de convencer ninguém.

— Se quiser eu te ajudo a fugir – Meredith deu de ombros – Quer dizer,


ninguém a quem eu ofereci isso até hoje aceitou, mas...

— Meredith... – Lexie se levantou olhando com carinho para a irmã –


Obrigada. De verdade. Por se importar e... por tudo. Mas eu não preciso
que você se preocupe tanto assim comigo. Não sou louca, se lembra? Eu
sou uma Grey. Eu vou fazer o certo no final.

Ninguém ali estava exatamente certo disso. Jo discretamente procurava


alguma das damas de honra para trocar um olhar furtivo com ela, mas
ninguém pareceu corresponder. Anahí tinha acabado de chegar e estava um
tanto perdida no que estava acontecendo ali. Sophia, por sua vez, parecia
mais apagada do que nunca, com o olhar fosco. Maite estava de braços
cruzados sussurrando algo para ela, parecendo estar aproveitando que todo
o resto do grupo estava distraído. Nem Lexie e muito menos sua irmã e sua
última dama de honra pareciam preocupadas em prestar atenção no que
quer que elas diziam. O importante era o debate se o casamento deveria ou
não acontecer.

— Vou ver se Derek vestiu a Zola – Meredith disse levemente impaciente.


Talvez ela tivesse desistido de tentar convencer a irmã caçula de algo.

— E eu vou procurar o Alex – Jo disse se levantando também,


provavelmente se dando conta que iria sobrar ali.

No fim, Anahí e Lexie para um lado e Maite e Sophia do outro.

— Você está uma noiva linda – Anahí murmurou olhando para a amiga com
aquela expressão que misturava dor e orgulho. Se é que era possível.

— Obrigada – e o sorriso de Lexie era amargo.

— Mas mesmo estando feliz e dizendo que está fazendo tudo isso porque
quer... eu só vejo sombra nesse seu olhar onde deveria estar a noiva mais
feliz e animada do mundo.

Estava claro: Anahí pegava a técnica de Meredith e a melhorava infinitas


vezes. Ela não oferecia à Lexie a chance de fugir e sim a fazia perceber que
no fundo, era o que ela também queria.

— Eu não o amo – Lexie admitiu.


— Então tudo isso é um erro – Anahí deu de ombros, tal como Meredith
fizera antes de sair dali.

— Eu não posso fazer isso com ele Any – a derrotada Lexie murmurou –
Ele já sofreu demais.

— Tudo bem – Anahí suspirou – Só que agora quem começa a sofrer é


você.

Pesado.

Na parte externa da biblioteca, o mesmo local por onde Anahí tinha subido
logo antes, Derek Shepherd ainda não havia sido encontrado pela esposa.
Ele estava nervoso porque a filha dos dois, Zola – que seria a daminha do
casamento – estava brincando de correr com Sofia, filha de Callie, e com o
irmão mais novo, Bailey. Derek sabia que Meredith ralharia com ele se
visse Zola bagunçada sob sua responsabilidade e estava justamente
repreendendo a filha quando viu um táxi parar bem na frente daquelas
escadas e descerem dele sua irmã, Amelia, junto com Arizona Robbins e...
Mark.

Derek não estava acreditando.

— Não é possível que você veio – Derek resmungou assim que seu melhor
amigo parou à sua frente – Ou você é um completo masoquista, ou... Mark,
eu não vou deixar você estragar o casamento dela...!

— Não seja idiota – Mark resmungou – Eu não vou fazer nada.

— Pois eu não respondo por mim – Amelia murmurou entre os dentes.

— Olhem, pra todos os efeitos eu não participei disso de arrastar o Mark


pra cá, prometi à Callie que não iria me meter – Arizona sussurrou para
eles. Derek parecia cada vez mais incrédulo com a situação.

— Porque não era pra você se meter...! – ele negava com a cabeça – Vejam
bem, eu também não acho a melhor situação do mundo, mas a Lexie é
adulta e ela escolheu isso. Nós não temos o direito de nos meter.
— Como eu disse, fique tranquilo – a voz de Mark saiu pesada – Eu não
vou fazer nada.

— Então por que você veio...? – foi Amelia quem questionou – Porque se
eu te trouxe até aqui, foi pra você entrar naquele casamento e dizer que ela
não pode se casar com ele...!

— Eu não posso fazer isso Amelia – Mark insistiu – Ela escolheu assim, e
eu... eu entendo.

Era quase óbvio: Mark esperava por um milagre. Que, aos quarenta e cinco
do segundo tempo, tudo mudasse e a sorte virasse para ele. Para eles.

Como o universo não fazia nada por acaso, Jackson estava dentro do espaço
destinado ao noivo acompanhado por seu padrinho, Alex Karev. Ele e Alex
eram amigos desde praticamente que tinham se conhecido, tirando o
período inicial onde houveram algumas, bem, diferenças. Bem diverso do
que tinha sido entre ele e Mark, que se deram bem desde o início e agora...
agora Alex era o padrinho, não Mark. O convite tinha sido feito
inicialmente a Mark, mas ele prontamente recusou dizendo em claras letras
o que Jackson se forçava a ignorar. E era justamente aquele o assunto que
Karev resolveu puxar.

— Quer dizer, quando você me disse que o convidou primeiro, eu quase


gargalhei de nervoso – Alex comentou se olhando no espelho – Convidar o
cara... depois de ele ter tido tanto com a noiva...

— Você também teve – Jackson respondeu sem dar muita importância,


lembrando que Lexie também fora namorada de Alex.

— Não compare, nem em sonho tem a mesma importância... é como se eu


fosse o padrinho do segundo casamento da Izzie – ele se referiu à ex-
mulher, seu primeiro casamento.

— Se Lexie e Sloan são você e Izzie, então eu sou a Jo – Jackson deu de


ombros.
— Que seja – Alex fez uma careta – Eu não entendo por que você o
convidou...! Não era provocação demais?

— Não – Jackson sorriu malicioso – Não era.

Jo estava ali, procurando o noivo, apenas para resmungar que não sabia por
que tinha aceitado aquele convite de ser dama de honra de Lexie se
visivelmente não tinha nenhuma proximidade nem com a noiva, nem com
suas outras damas. Ela apenas queria desabafar, resmungar um pouco e
depois aparafusar o sorriso e voltar ao posto, quando o assunto entre as
quatro amigas talvez já tivesse acabado. Alex, conforme dito, estava
trancado dentro daquela salinha ao lado de Jackson, ao menos foi o que
Meredith disse à Jo quando as duas saíram do quarto onde Lexie estava à
espera do casamento. Na verdade a expressão não era exatamente trancado.
A porta estava entreaberta.

Ao ouvir a risada do noivo, Jo agradeceu mentalmente por finalmente tê-lo


achado. Mas por sorte ela caminhava a passos leves e sorrateiros.
Exatamente por isso ouviu antes de entrar. E por isso mesmo não foi nem
um pouco notada.

— Sloan não fazia qualquer questão de disfarçar o quanto queria a Lexie –


Jackson deu de ombros – Já estava na hora de eu dar um basta nisso.

— Convidando-o pra ser seu padrinho...? – Alex riu de deboche, Jo


conhecia aquela risada dele.

— Não, pedindo-a em casamento – mas a voz de Jackson, por sua vez,


parecia séria. Bem séria... – Eu nunca te disse o que me fez fazer o
pedido...?

— Não – Alex retrucou – Não foi porque, não sei, você percebeu que
queria casar com ela...?

— Minha mãe percebeu por mim – e Jackson enfim confessou – Ela viu
Sloan abraçando a Lexie de uma forma muito... íntima. Foi na época que
aquela amiga dela estava internada no hospital. Ele estava se aproveitando
que ela estava frágil pra se aproximar. Minha mãe me disse deixando claro
que eu precisava fazer algo, e eu fiz... pra demonstrar que ela era minha. E
bem... ela concordou.

Jo Wilson não conseguia acreditar no que tinha acabado de ouvir.

A resposta de Alex, ela não chegou a ouvir. Não sabia sequer como suas
pernas trêmulas tinham conseguido mantê-la em pé ali. Ela não queria saber
o que seu noivo tinha dito para o amigo, se lhe daria uma bronca, se apenas
riria... não queria ouvir mais nada, mas ao mesmo tempo estava empacada
no mesmo lugar. A cabeça de Jo rodava por aquela revelação. A única razão
pela qual Jackson pedira Lexie em casamento fora o fato de não querer que
Mark se aproximasse dela. Não era por eles. Era pra afasta-la de outro
homem, um homem que provavelmente a amava de uma forma que ele
nunca a amou.

Afinal, ali estavam eles no casamento de Lexie e Jackson, com Mark


abrindo mão dela, não o contrário.

Quando Jo acordou do transe, ela se deu conta que havia mais. Por mais
surpreendente que pudesse parecer.

— Mas nem o pedido de casamento fez com que ele se afastasse dela, Sloan
continuou rondando a Lexie mesmo depois de recusar o meu convite de
padrinho – Jackson resmungava sem parar – Até que a morte do meu avô
veio a calhar no final. Porque se ela pensava em desistir... quando entrou no
voo pra Boston comigo, eu me dei conta que isso jamais iria acontecer.

— Você sequer era próximo do seu avô – Alex censurou.

— Eu sei – ele riu – Mas ela não sabe.

— Avery... – Karev negou com a cabeça sem conseguir acreditar.

— Por que você acha que eu a pedi em casamento no aniversário dela,


depois que ela tinha bebido? – Jackson riu – Ela nunca diria que não.

A bile de Jo subiu à garganta de repente.


— Você realmente acha que esse casamento vai dar certo? – a voz de Alex
continha mais censura do que nunca – Veja bem cara... você a ama mesmo?
Quer casar com ela por que sua mãe disse pra fazer ou pra vencer o Sloan?

— Lexie é minha, Alex – Jackson decretou – Eu irei até o final.

Bastou.

Ouça Total Eclipse of heart – Jill Andrews

Turn around, every now and then


I get a little bit lonely and you're never coming round
Turn around, every now and then
I get a little bit tired of listening to the sound of my tears

Jo não sabia que tipo de força a tinha levado da porta daquela salinha até o
quarto de onde tinha saído e sabia que Lexie ainda estava, mas
provavelmente era o quão possuída estava de raiva pelo que tinha acabado
de ouvir. Ela sabia que estava caminhando para o inevitável e quem sabe até
errado, já que não tinha qualquer direito de fazer o que estava prestes a
fazer. Sabia que provavelmente teria problemas depois, já que Jackson era
um dos melhores amigos de Alex. Mas Jo não se importava. Ela não
pensava no depois, na verdade não num depois que não fosse Lexie casada
com aquele homem e certamente infeliz.

No fundo era tudo um capricho. Jackson queria Lexie para que ela não
ficasse com Mark. Ele apenas não queria perder. Era coisa de um garoto
mimado influenciado por uma mãe narcisista. Mas por mais que Catherine
estivesse enfiada até o pescoço naquela história, Jo tinha certeza que o
grande erro era dele. Jackson sequer cogitava se seria feliz com Lexie,
parecia não ser algo com o qual ele não se importava.

Mas não era justo Lexie se casar sem saber. Definitivamente não era justo.

Assim como não era por acaso que Jo tinha ouvido aquilo.

Turn around, every now and then


I get a little bit nervous that the best of all the years have gone by
Turn around, every now and then
I get a little bit terrified and then I see the look in your eyes

Poderia ter sido qualquer outra pessoa a ouvir, o próprio Alex. Mas ele era
homem, a fidelidade dele era ao outro homem com quem compartilhava o
espaço, de quem ouvia a confidência. Jo era mulher. Ela tinha que fazer a
diferença. Ela tinha que pensar que não era justo condenar uma mulher à
uma vida daquelas. E ela jamais faria isso. Exatamente por isso arriscava
seu relacionamento com Alex caminhando para contar a verdade para a
noiva do amigo dele. Se Lexie decidisse mesmo assim se casar, seria
problema dela... Jo teria feito a sua parte e ficaria com a consciência
tranquila.

Só que, quando Jo finalmente chegou ao destino, ela encontrou o que não


esperava: Thatcher, o pai de Lexie, já estava ali à espera dela. As outras
damas de honra já estavam prestes a sair e Lexie parecia nervosa. Não por
se casar, é claro... mas porque tinha se dado conta naquele momento que
faltava alguém para o casamento acontecer.

E quando Jo apareceu, ela se deu conta, não faltava mais.

— Ah! – Lexie resmungou aliviada – Aí está você...!

— Ela estava quase morrendo porque você desapareceu – Anahí confessou


encarando Jo.

— Mas é claro que estava – Lexie grunhiu – Onde você estava Jo? Isso são
horas de...

— Você não pode se casar com ele Lexie – Jo disparou – Não pode.

Turn around, every now and then


I get a little bit restless and I dream of something wild
Turnaround, every now and then
I get a little bit helpless and I'm lying like a child in your arms

Lexie não ficou nem um pouco surpresa ao ouvir aquilo. Era de se esperar:
parecia ser moda em seu casamento as damas de honra tentarem dissuadi-la
a desistir. De Meredith, Maite e até Anahí ela poderia esperar, quem sabe
até Sophia... mas Jo? Que diabos tinha acontecido?

De toda forma, não importava. Lexie tinha ido até ali, ela estava vestida de
noiva. Ela lembrava da agonia de Jackson perdendo pelo avô. Lexie iria até
o final.

— Olha, eu não tenho tempo para isso – a noiva dispensou – Eu realmente


preciso me cas...

— Ele te manipulou – uma Jo ofegante continuou. Lexie só decidiria depois


que ela dissesse tudo – Eu ouvi... uma conversa... ele disse pro Alex...

Antes de terminar, ela respirou fundo. Ordenar as palavras, ordenar os


fatos... para dar xeque-mate. Objetividade.

— Jackson só te pediu em casamento porque a Catherine te viu abraçada


com Mark – Jo revelou, vendo as sobrancelhas de Lexie se erguerem – Ele
sabia que você ainda amava o Mark, que Mark ainda amava você, mas não
queria te perder. Ele disse... disse que você é dele. Que te pediu em
casamento no seu aniversário com você embriagada porque sabia que você
diria que sim e sabia que você não voltaria atrás depois...!

— Isso não combina com um rapaz que acabou de perder o avô,


francamente... – Thatcher opinou, negando com a cabeça.

Turn around, every now and then


I get a little bit angry and I know I've got to get out and cry
Turnaround, every now and then
I get a little bit terrified but then I see the look in your eyes

Mas Jo apenas visualizava Lexie. Ela estava balançada, podia sentir. Então
Jo iria continuar. Ela iria até o fim.

— Ele não está triste pela morte do avô – Jo enumerou, repetindo à risca
tudo o que ouvira – Jackson sequer era próximo do avô...! Era tudo
fingimento para comover a Lexie. E deu certo. Mas... pode não continuar
dando.
Agora todos os olhares, discretos ou não, estavam pairando sobre Lexie.
Era dela a decisão final, era dela a decisão se diria que aquilo iria continuar
ou se teria o tão esperado fim. Não dava para negar que sua irmã e as
amigas estavam sedentas por Lexie jogar tudo para os ares motivada por
aquela recém-descoberta. Meredith pessoalmente quase cruzava os dedos
naquela expectativa. O único ali que não queria aquilo era Thatcher,
temendo o escândalo no qual Lexie se meteria. Não importava. A decisão
era dela.

E foi.

Turn around bright eyes


Every now and then I fall apart
Turnaround bright eyes
Every now and then I fall apart

— Eu cheguei até aqui – Lexie repetiu com toda a tranquilidade e frieza do


mundo – Eu irei até o final.

Meredith achou que iria explodir, mas então foi a voz de Sophia que berrou
mais alto.

— Será possível que você ouviu o que ela falou...?

— Soph... desista – Anahí disse suspirando – Ela quer isso. Vamos deixa-la
fazer.

Thatcher estava definitivamente satisfeito com a decisão da filha. Lexie não


movera um músculo após tomar a decisão, parecia fria como uma pedra e
muito certa do que acabara de fazer. Quem desabou foi Jo. Ela tinha certeza
de que a noiva cancelaria tudo após ouvir aquilo, aquele era um imenso
revés o qual não poderia esperar. Engolindo em seco, Jo pegou seu pequeno
buquê sentindo o rosto queimar pela vergonha, se perguntando se tinha
valido a pena revelar a verdade. Lexie a ignorou totalmente. Foi como se
ela nunca tivesse dito nada... e ela se expôs e arriscou o próprio noivado
para apoiar aquela garota. Definitivamente o arrependimento batia. Notando
isso, Meredith apertou o ombro de Jo em solidariedade. Lexie não poderia
reconhecer aquele gesto, mas ela sim.
And I need you now tonight
And I need you more than ever
And if you only hold me tight
We'll be holding on forever

As quatro damas de honra se alinharam na frente do tapete que as levaria


até o altar. Derek rapidamente apareceu com Zola e ajeitou a filha em frente
à Jo, que seria a primeira a entrar. Primeiro a sobrinha de Lexie, depois suas
amigas, depois sua irmã e, por fim, a própria, de braços cruzados com um
pai que parecia mais orgulhoso do que nunca. Alguns passos a mais e tudo
estaria feito... apenas alguns minutos...

Maite não acompanhou a situação. Ela saiu pouco antes e foi sentar-se ao
lado de Mane, já que não seria mais dama de honra do casamento da amiga.
Quando chegou ali, vendo o namorado sorrir para ela, acabou ouvindo por
acidente uma conversa na fileira de trás. Uma conversa no mínimo
interessante.

— É claro que ele não entraria no casamento, ele é apaixonado por ela – a
mulher cochichava no ouvido da outra. Maite as reconheceu: elas eram
colegas de trabalho de Lexie e, por consequência, de Mark. Tinham sido
cirurgiãs de Anahí, por isso a morena lembrava.

— E onde ele está? – a segunda cirurgiã perguntou.

— Num bar aqui perto – a terceira disse – Provavelmente teremos que


esperar a cerimônia acabar e ir até lá evitar o coma alcoólico dele.

— Ele disse que vai esperar por ela – a primeira mulher voltou a falar –
Nem que seja pelo divórcio... mas...

— Shhhhh – um homem ruivo e ranzinza logo ao lado resmungou – Vai


começar!

And we'll only be making it right


'Cause we'll never be wrong
A música começou a tocar, a Ave Maria de Mozart. Zola entrou simpática
jogando pétalas de rosa pelo tapete e todos os presentes se levantaram.
Depois dela, Jo. Após, Sophia. Depois Anahí... e por fim Meredith. Não tão
fim assim, é claro. Depois viria a própria noiva.

— Eu estou feliz por você querida – Thatcher sussurrou no ouvido da filha


– Feliz por você ter encontrado a felicidade com um homem bom.

Lexie não respondeu engolindo em seco. Talvez fosse melhor apenas


caminhar e fazer aquilo de uma vez.

Jackson, sobretudo, tinha o sorriso mais satisfeito do mundo, alheio ao que


tinha acontecido nos bastidores cinco minutos antes. Os olhos dele
brilhavam ao ver a noiva caminhando de braços dados com seu pai, pronta
para dizer o sim que ele tanto esperou. Lexie estava linda e aquele parecia
ser um casamento dos sonhos, um típico final feliz, só que real. Quem sabe
começo.

Together we can take it to the end of the line


Your love is like a shadow on me all of the time
I don't know what to do and I'm always in the dark
We're living in a powder keg and giving off sparks

Quando ela finalmente chegou até ele deu o sorriso discreto exatamente
como Jackson esperava que seria. Lexie não era muito expressiva quando se
tratava dele. Por isso ele apenas beijou uma das mãos dela e cumprimentou
o sogro que, diferentemente da filha, estava efusivo. A animação que
faltava em um, definitivamente sobrava no outro.

Naquele altar eram corações apertados demais. Anahí tentava abstrair a


situação com a tranquilidade que sempre teve: Lexie era adulta, ela sabia o
que estava fazendo. Talvez Sophia não estivesse chateada exatamente com
aquilo, talvez fosse um mix de tudo. Meredith estava mais para irritada do
que magoada, ela sabia que a irmã estava cometendo um erro enorme ao dar
prosseguimento naquilo e que Lexie iria se arrepender cedo ou tarde. Mas
ninguém conseguia estar pior do que Jo, não quando ela sentia o peso de ter
tentado mudar tudo nos últimos minutos e ter fracassado de forma tão
retumbante.
Mas treino era treino. Jogo era jogo.

I really need you tonight


Forever's gonna to start tonight
Forever's gonna to start tonight

E isso ficou mais do que claro no que veio à seguir. Após o padre terminar
um sermão típico de cerimônias como aquela, ele começou a parte mais
importante: aquela na qual os noivos reafirmavam o próprio compromisso e
diziam que queriam estar um com o outro. Diziam o famoso sim que, no
particular, já havia sido dado antes, mas agora na frente de todos, perante a
lei e perante Deus. Um sim considerado irrevogável, porque, uma vez dado,
não dava para voltar atrás.

Você deve estar pensando que havia o divórcio. Mark também pensou. Mas
pense bem... se analisar, se dará conta que nada realmente volta a ser como
antes, nem com muito esforço.

Lexie sabia disso.

— Jackson, você aceita Lexie como sua esposa e lhe promete ser fiel na
alegria e na pobreza, na saúde e na doença, ama-la e respeita-la em todos os
dias de sua vida?

— Sim...

A resposta dele era óbvia demais.

Para todos, a de Lexie também.

— Lexie... você aceita Jackson como sua marido e lhe promete ser fiel na
alegria e na pobreza, na saúde e na doença, ama-lo e respeita-lo em todos os
dias de sua vida?

Um breve respiro... os olhos abaixando... para voltarem letais.

— Não.
Once upon a time I was falling in love
Now I'm only falling apart
There's nothing I can do
A total eclipse of the heart

Todos os convidados prenderam a respiração. Jackson arregalou os olhos


estupefato. Que piada era aquela...? Por que Lexie estava vindo com aquilo
naquele momento? Ninguém esperava por aquilo, não era algo que se
poderia prever... mas era exatamente o que estava acontecendo.

— Lexie... – Jackson balbuciou como pôde. A verdade é que ele estava em


choque demais para dizer qualquer coisa mais elaborada.

— Você não achou que fosse me manipular o tempo inteiro, não é? – Lexie
disse calma e friamente – Um pedido de casamento ordenado pela mamãe e
feito a uma noiva embriagada... um falso luto por um avô bêbado... Deus,
como você é baixo!

— E você se acha muito à altura para fazer uma coisa dessas – Jackson
acusou – Você não pode fazer isso! Você não pode...

— Não posso te deixar no altar? – Lexie ergueu as sobrancelhas – Não


posso deixar um Avery no altar? Sinto muito, mas é o que eu estou fazendo.
Eu não quero me casar com você. Não quero, não posso... e não vou.

Aquele não tinha mais peso do que todas as palavras do mundo.

Once upon a time there was light in my life


But now there's only love in the dark
Nothing I can say
A total eclipse of the heart

É claro que a maioria das pessoas não tinha entendido o que estava
acontecendo ali. Tal como com Jackson, as fichas não caíam. Só que Lexie
tinha consigo um gesto que deixaria tudo claro: ela se virou deixando o
próprio buquê com uma Meredith para lá de orgulhosa da atitude da irmã e
saiu do altar, caminhando de volta pelo tapete no qual deveria sair
acompanhada de seu marido. Não mais. Não havia marido, não havia
amarras, Lexie tinha sido corajosa mesmo que apenas no final. Com um
certo requinte de crueldade que ela acreditava que ele tinha merecido.
Jackson levaria aquilo como lição e não brincaria mais com os sentimentos
de ninguém.

Mas enquanto andava para fora do salão nobre da New York Public Library,
vendo os olhares de perplexidade seguirem com ela, Lexie viu na beira de
uma fileira um em especial que tinha algo que ela queria. Uma informação.
Callie estava com dois dedos sobre a boca totalmente surpresa com os
acontecimentos que tinha acabado de presenciar, mas não ficou tão surpresa
assim quando Lexie parou bem em frente a ela e fez a pergunta que
realmente precisava fazer.

— Onde ele está?

Turn around, bright eyes


Turn around, bright eyes

Mas não foi Callie quem respondeu e sim Arizona. Eram ela e Amelia que
sabiam, a informação que Lexie tanto queria. E que iria aliviar seu coração.

— Num bar a duas quadras daqui – Arizona disse – O único que você vai
encontrar aberto a essa hora. Não o deixe escapar mais.

E a resposta de Lexie foi repleta de convicção.

— Nunca mais.

Um noivo destroçado sentando no altar, sentindo as pernas bambearem pela


vergonha que estava passando, vendo aquela que seria sua esposa seguir
para outro caminho. O caminho do qual ele tentara desvia-la, mas do qual
ela nunca deveria ter saído.

A prova viva de que, quando algo é seu, nada é capaz de tira-lo de você.

Enfim, Slexie! Agora definitivo! (prometo)


Minha ideia desde o planejamento da SVE era a Lexie largar o Jackson no
altar, só que no início ela o deixaria com o Mark gritando a plenos pulmões
pra que ela fizesse isso, numa referência à Grey's (porque afinal de contas
pimenta nos olhos dos outros é refresco, né menino Avery?). No entanto,
mudei pro modo como ficou porque Lexie merecia ser a dona do próprio
destino, a protagonista da própria decisão.

Sei que ela demorou a fazer isso e que correu um sério risco de perder o
Mark, massssss no fim a gente perdoa né? Procuro aqui fazer os
personagens o mais parecido possíveis com os da série e certeza que a
Lexie de Shondinha também só se decidiria nos quarenta e cinco do
segundo tempo.

Em tempo: sei que estou ausente. Sei que estou MUITO ausente nos
comentários e vocês não fazem IDEIA do quanto isso parte o meu coração.
Mas simplesmente não consigo. Pensei em parar a web porque ta
impossível mesmo, eu literalmente invento tempo pra escrever porque to
numa rotina louca de estudos-trabalho-academia, e tenho dado o meu
melhor com o máximo que posso fazer! :( Por isso não deixem de
comentar mesmo eu não podendo responder, porque são os comentários que
me deixam um mínimo motivada pra seguir aqui e terminar a fic!

Até a próxima semana!

Beijos,

Rafa
Capítulo 62 - Together

— Nem se eu tivesse previsto isso não teria sido tão bom! – Christian disse
aos berros descendo as escadas da New York Public Library e recebendo
olhares arregalados de todos que estavam a sua volta, tanto amigos quanto
pessoas que ele nem conhecia.

Não que ele se importasse.

— Christian – Maite resmungou entre os dentes – Nós ainda estamos no


casamento.

— Casamento...? – ele debochou – Que casamento Maite? A Lexie


abandonou o Jackson no altar, será que você não viu...?

— É claro que eu vi – Maite ralhava sem sequer mexer a boca. Mane


apenas olhava do amigo para a namorada observando-a brigar com ele – Só
que tem amigos dele aqui. A família dele ainda está aqui.

— O que se pode fazer? – Christian deu de ombros. Deixando claro que era
impossível contê-lo àquela altura – Que ele mereceu, mereceu! Digo
mesmo...! Inclusive vamos fazer um bolão? Quem acha que a Lex foi atrás
do Mark Sloan levante a mão...!

— Christian...! – dessa vez foi a voz de Anahí que o repreendeu.

— Me deixem ser feliz! – Christian cruzou os braços revirando os olhos.

— Papai, quem é Mark Sloan? – Samantha perguntou com a testa franzida


levemente interessada.

— O ex-namorado da tia Lexie – Jesse disse em sussurros. Maite estava


certa: os amigos de Jackson olhavam torto para o grupo deles. Mas só tinha
a piorar.
— Olhem, eu acho que deveria ter festa sim, deveríamos comemorar –
Christian observou – Porque no fim das contas o final da Lexie vai ser feliz!
Temos que beber! Quem topa?

— Alguém contenha essa bicha porque eu não sei mais o que fazer – Maite
fez uma careta.

Impossível.

No altar a situação não estava tão diferente. Um atônito Jackson ainda


estava sentado no degrau que levava ao altar, sem conseguir acreditar no
fim que seu casamento levara. Sua mãe, Catherine, estava afoita. Não sabia
se dispensava os presentes, se tirava o filho dali para não causar mais alarde
dada a sua letargia, se brigava com alguém. Acabou fazendo tudo ao mesmo
tempo, e a pessoa em quem resolveu descontar a raiva por seu filho ter sido
deixado no altar foi a mais próxima de Lexie que encontrou ali: sua irmã
Meredith.

— Olhe, quando a sua irmãzinha aparecer na minha frente... – Catherine já


disse com o dedo apontado para a Grey mais velha, fazendo-a arquear a
sobrancelha em afronta.

— Você vai fazer o quê? – Meredith alfinetou cruzando os dedos – Me diga


Catherine.

— Eu sei que você concordou com isso, que a incentivou – Catherine


acusou – Mas não pense que isso vai ficar assim.

— Não fale assim com ela – Derek apareceu num raio afrontando Catherine
tanto quanto ela fazia quanto sua esposa.

— Não se meta nisso, é entre ela e eu – Meredith disse afastando o marido,


deixando claro que podia se defender sozinha – Ande Catherine, vamos...
me diga: o que você vai fazer?

— Não se esqueça que eu sou acionista desse hospital – ela vociferou – A


carreira da Lexie acabou.
Para Meredith aquele parecia um desafio. Se Catherine parecia querer usar
o sobrenome dos Avery para medir forças, então deveria saber que
encontraria resistência.

— Veremos.

Pouco depois Jackson acabou sendo arrastado para fora dali pela mãe e por
Alex Karev. Estava no mínimo humilhante continuar parado sem acreditar
no que tinha acontecido. Não dava para voltar atrás: Lexie deixou claro que
descobrira tudo na última hora e o humilhou publicamente. Era melhor não
piorar as coisas, por isso ele decidiu se levantar e sair, não tornando a
derrota ainda maior.

Mas, dentre os que ainda estavam no local onde a cerimônia seria realizada
até o final – se a noiva não tivesse abandonado tudo – e estava mais
contente que todos, se é que era possível parecer mais feliz que Meredith,
era Jo. Ela se sentia boba por ter duvidado da capacidade de Lexie, mais
ainda por ter se perguntado se a outra tinha feito o certo. Não importava se
Jackson merecera ou não, estava feito. Lexie saíra dali para lutar pela
própria felicidade e era justo. Bastava.

Enquanto os cacos deixados para trás eram recolhidos, no meio do centro de


Manhattan uma noiva caminhava a passos largos pela rua. Lexie estava
determinada a chegar no tal bar que Arizona confidenciou, segundos antes
dela deixar o local onde se casaria, que Mark estava. Todas as pessoas que a
viam tinham os olhos arregalados e não se preocupavam em disfarçar que a
olhavam, apontando e cochichando. Lexie chegava a achar graça, era
realmente uma noiva em fuga, quase uma cena de filme. Com a diferença
que agora ela estava certa indo procurar o que queria encontrar.

Se Lexie tinha chamado a atenção passeando pela rua, o que dizer do


momento em que ela entrou no meio de um bar às cinco horas da tarde, no
meio do happy hour, vestida naquele enorme e caro vestido e aparentemente
à procura de alguém? Praticamente o silêncio se fez quando ela botou os
pés ali, o que não era comum para aquele tipo de local naquele horário. Ela
procurava por Mark naquele bar, encontra-lo era tudo o que importava.
Provavelmente ele estava bêbado por acreditar que ela estava, àquela altura,
casada com Jackson e que teria que esperar por um divórcio que não sabia
se viria. Bêbado por não saber se haveria uma chance para eles. Mas ela
estava ali para provar à Mark que ele estava errado. Que ela foi covarde por
muito tempo mas, no último momento, tinha feito o certo e, por fim, ouvido
seu coração.

Mas acabou que Mark a achou antes de Lexie fazê-lo. Ele estranhou o
silêncio momentâneo e virou as costas, procurando o que tinha acontecido
para fazer um bar inteiro se calar. E viu aquela mulher de pele clara e
cabelos escuros, arrumada impecavelmente para o dia que muitos achariam
que seria o melhor e mais importante de sua vida, buscar pelo que
realmente lhe importava. O coração de Mark chegou a errar a batida ao vê-
la ali, porque ele sabia que uma mulher que deveria estar se casando só
estaria naquele bar por um único motivo: ela não se casaria porque ele não
era o noivo.

Quando Mark se levantou, perplexo, e Lexie o viu no bar, ela sorriu. Os


presentes viram a reação da noiva fujona e procuraram a direção para a qual
ela olhava para entender. Viram Mark levantado com os olhos brilhando.
Ao preverem o encontro que se desenhava, alguns pegaram o celular para
captar o momento. Uns do ângulo de Lexie – a maioria; outros, do de Mark.
O que importava é que aquelas lentes – ou no caso de outras pessoas que
preferiram apenas testemunhar, aqueles olhos – captaram o momento em
que o espaço desapareceu porque ela correu para os braços dele. Deixou de
haver a distância entre os corpos, entre as bocas, porque não havia mais
tempo a perder. Eles já tinham perdido tempo demais.

E aplausos. Muitos aplausos. Tanto que eles até se soltariam para rir... mas
acabaram não fazendo. Continuaram se beijando e se beijando, até se
tornarem sem graça demais e as pessoas, aos poucos, pararem de prestar
atenção. Era melhor voltar a bebida porque tudo tinha acabado... mas para
Lexie e Mark, apenas começara.

— Você não casou – Mark constatou com a boca ainda a milímetros da


dela.

— Eu percebi que não poderia dizer sim pra qualquer um se não fosse você
– ela admitiu.
Havia mais, é claro. Aos poucos ela diria tudo. Não importavam os motivos
pelos quais Lexie saiu daquele casamento e deixou Jackson e todo o resto
para trás, no altar, e sim a primeira coisa que ela foi fazer quando se viu
livre. A primeira pessoa que resolveu buscar.

E a primeira coisa: sua felicidade. Como Jo pensou, não importava se


Jackson merecera ou não ser abandonado, e sim que Lexie definitivamente
merecia enfim ser feliz.

xxx

— Eu posso ficar com eles – Karen ofereceu – Com as crianças. Para vocês
saírem juntos. Sei que vocês querem.

Missy estava segurada na mão da mãe como se sua vida dependesse daquilo
quando ouviu a avó fazer aquela sugestão à Anahí. Ela não gostou. A
menina estava começando a se adaptar à ideia de ser filha de Anahí e,
conforme se acostumava com sua nova realidade, se apegava à figura da
mãe. Como tinha sido abandonada por Ed e Barbara, Missy não se sentia
exatamente agradada quando tinha à sua frente a ideia de que poderia ser
separada de Anahí. Ela estava levemente traumatizada e era pequena
demais para entender que a situação obviamente não se repetiria.

Anahí também não gostou muito. Ela olhou disfarçadamente para a filha
após sentir a mão de Missy apertando a sua. Já tinha a boca aberta para
agradecer a mãe e gentilmente recusar quando Poncho foi mais rápido que
ela.

— Karen, nós adoraríamos – ele disse sorrindo de uma orelha à outra.

— Poncho... – Anahí balbuciou.

— Amor, é pra eles ficarem com a sua mãe, não tem ninguém mais
confiável – ele beijou a bochecha dela discretamente – Ande, nós
merecemos.

— É apenas caso você queira butterfly – Karen ponderou.


— Me deem apenas um minuto – ela pediu.

Não era de se esperar que Missy parecesse insegura com a provável


ausência da mãe; no entanto, era exatamente o que acontecia. Anahí ficou
sensível àquela reação e se ajoelhou na frente da menina, sorrindo
carinhosa. Via que ela queria disfarçar aquele nervosismo, mas Anahí sabia
do que se tratava. E ela entendia.

— Se você quiser eu não vou e fico com você – ela propôs – Mas caso
queira ficar, eu tenho certeza que vai se divertir com a sua avó. Ela sempre
me fez me divertir muito quando tinha a sua idade.

— Tudo bem – Missy mordeu os lábios – Você pode ir.

— Por que eu sinto que você não ta feliz? – Anahí perguntou encarando os
olhos da menina. Por mais difícil que fosse ver os olhos de Tobias nela,
ainda assim o fazia.

— Você vai voltar né? – ela questionou insegura – Pra me buscar...?

Então era aquilo? Era por isso que Missy parecia agoniada daquele jeito?

— É claro que eu vou – Anahí disse abraçando-a – Você acha realmente que
eu deixaria você...?

— É que... meus papais...

— Missy, eu te disse uma vez e repito: nunca irei te abandonar – Anahí


garantiu segurando as mãos dela e falando com toda a sinceridade do
mundo.

E ela ganhou, em resposta, um abraço da filha. Para coroar aquela nova – e


felizmente, maravilhosa – fase da relação delas.

Poncho observando a cena a certa distância não conseguia não se sentir


encantado com o que via. Ele conhecia Missy há muito pouco tempo, mas
já nutria um carinho enorme, uma inexplicável afeição pela filha de sua
namorada. Conforme já tinha dito à Anahí, quando ele olhava Missy se
lembrava dela, não havia espaço para pensar em Tobias. E conforme mãe e
filha se aproximavam, Poncho ficava mais tocado entre elas. Ele estava
sendo envolvido naquela nova família, como sabia que Anahí sentia quanto
a ele e Dani. Como se as duas famílias que eles formavam com os próprios
filhos, aos poucos, parecessem mais como uma única família, na qual eles
seriam um pouco pai e mãe das duas crianças.

Logo Poncho acordou do transe e, ao notar que Missy tinha aceitado deixar
Anahí ir e que ela fora convencida pela oferta da mãe, resolveu propor o
mesmo aos outros dois envolvidos.

— Festa do pijama na casa da tia Karen – Poncho sugeriu ao se agachar na


frente de Samantha e Daniel – Que tal?

— Ai meu Deus – os pequenos olhos de Samantha saltaram de empolgação.

— Nós dois...? A Missy também? – foi Dani quem perguntou.

— Vocês três – Poncho explicou rindo – Nós voltamos pra busca-los


amanhã.

— Ebaaaaaa – Samantha já pulava animada.

A única coisa que os adultos tiveram que fazer foi providenciar roupas para
as crianças passarem a noite lá. Os três já faziam planos animados sobre os
programas de TV que virariam a noite assistindo. Harry botou pilha de
todos jogarem videogame e logo Anahí viu a filha empolgada de animação,
rapidamente esquecendo que até logo antes estava totalmente insegura de
ficar para trás. Nada como um bom plano de Karen para resolver tudo.

Poncho e Jesse foram juntos buscar os pertences de Samantha e de Daniel.


Primeiro passaram no apartamento que Jesse vivia com Sophia e, por
último, na casa de Poncho. É claro que Jesse aproveitou o momento que
estava sozinho com o melhor amigo para confidenciar algo que estava
incomodando-o há algum tempo. Com sorte Poncho tinha alguma
informação que o ajudaria a sair do escuro.

— A Soph está estranha comigo há uma semana – ele comentou buscando a


reação do amigo – Desde que saiu com aquele babaca. Você tem ideia do
que poderia ser, do que poderia ter acontecido...?

— Cara, ela não diria pra mim se é algo que não quer que você saiba –
Poncho deu de ombros.

— Mas a Any não sabe? Ela não comentou?

— Se soubesse, jamais me diria – ele suspirou – O que você acha que pode
ter acontecido?

— Eu não sei, minha cabeça anda viajando – Jesse bufou – Foi ao mesmo
tempo, ela saiu com ele, não voltou pra casa, dormiu na Maite e está
afastada desde então. Nós não transamos mais, ela mal me deixa chegar
perto. Eu acho que, não sei, ele possa ter dito algo que a tenha feito querer
se afastar. Feito a cabeça dela, sabe?

— Você e Sophia já passaram dessa fase há mais de dois anos – Poncho


ponderou – Eu não consigo imagina-la fazendo isso.

— Mas algo está acontecendo – Jesse constatou – E o que quer que seja, ela
não quer me dizer. O que quer que seja... eu não consigo imaginar.

— O que quer que seja, Jesse, você deve agir como um homem e conversar
com ela, pedir que ela te conte e ser honesto – Poncho recomendou – É a
única maneira de não perder a Soph como aconteceu da última vez.

E nem tinha como Jesse imaginar. Ele estava longe, bem longe de supor o
que realmente tinha acontecido.

E falando nisso, Maite aproveitou um igual momento que Sophia estava


sozinha para coloca-la entre a parede.

— E então...? – a morena perguntou já de braços cruzados.

— O quê? – Sophia perguntou desinteressada.

— Não se faça de desentendida – Maite bufou – Você vai conversar com o


Jesse?
— Você não entende – ela agora mordia os lábios para segurar o choro – Eu
não posso.

— Sophia, você pode sim – Maite suspirou – É claro que você pode. Não
só pode como deve. O Jesse é seu noivo, é o homem que você ama, você
precisa ser honesta e contar a verdade pra ele. Ele não pode ficar no escuro
sem saber o que está acontecendo...

— Eu... eu não consigo mais deixar que ele encoste em mim – os lábios de
Sophia tremiam conforme ela relatava – Eu fico lembrando de quando... de
quando acordei na cama do Chad e... se ele me tocar eu vou me sentir mais
suja, sabe? E ele obviamente não está entendendo nada...

— Olhe, nem tem como entender mesmo com você não dizendo nada –
Maite suspirou – Que tal irmos à delegacia e prestarmos a queixa? Aos
poucos, depois que você disser isso em voz alta, vai ser mais fácil contar
pra ele. Você leva o resultado do corpo de delito e tudo fica mais f...

Maite se interrompeu quando viu Sophia abaixar a cabeça após a menção ao


exame. Rapidamente ficou atônita. Não foi difícil juntar as peças.

— Sophia... você não fez o exame?

— Eu... – os olhos de Sophia se encheram de lágrimas – Eu não consegui...


eu tive medo, tive tanta vergonha...

O normal de Maite seria brigar com Sophia. Seria esbraveja-la e, como se


acostumou a fazer nos últimos anos, culpa-la sem parar por tudo o que tinha
acontecido, desde o início. Mas culpa-la iria pressupor justamente que
Sophia tinha a culpa. E Maite negava aquilo veementemente, não apenas
para a própria Sophia, mas também contra qualquer um que pudesse dizer
aquilo. Sophia era a vítima, e a vítima não tomava as melhores decisões.
Ela estava machucada, destruída e vulnerável, se sentindo sozinha e incapaz
de contar a verdade à Jesse... porque, afinal, ainda se culpava.

Sophia não precisava ver em Maite mais um algoz, mais uma pedra. Ela já
tacava suficientes em si própria. Sophia precisava de apoio, de um porto
seguro. Era isso que Maite seria para ela.
— Está tudo bem, fica calma – ela abraçou a amiga – Eu estou do seu lado.
Nós vamos dar um jeito nisso.

Elas tinham que dar.

xxx

Jesse e Poncho seguiram juntos para o bar onde Christian tinha marcado.
Como o amigo alegre que era, ele tinha se nomeado o organizador da noite
brilhante e escura de Nova York, propondo aos amigos que fossem para um
lugar animado e barulhento para comemorar a liberdade da única amiga do
grupo que estava bem longe dali.

E quando Poncho e Jesse chegaram, todos já estavam no local. Jesse franziu


a testa ao se deparar que o lugar era mais a cara de Christian do que
qualquer outra coisa: luzes demais, música demais, bebidas demais. Ele
rapidamente pediu um drink no bar, logo antes de seguir para onde os
outros estavam. Na verdade, para onde Sophia estava. Jesse sabia que, o
que quer que estivesse acontecendo com sua namorada, era algo que ele
teria que resolver.

Ele não foi o único. Poncho fez o mesmo caminho, só que um pouco
distante. Anahí estava conversando alguma coisa com Maite, uma próxima
ao ouvido da outra e elas riam. Poncho não estava preocupado em saber o
assunto, ele apenas entrou por trás de Anahí e a abraçou pela cintura. Anahí
sentiu cada pedaço dos dedos dele tocando sua barriga e sorriu. Maite
terminou por sorrir ao ver a felicidade estampada no rosto de sua melhor
amiga.

— Você se importa se eu roubar a minha namoradaum pouquinho? – ele


perguntou à morena, que sorriu negando.

— Longe de mim estragar o vale night seu e da sua namorada – Maite disse
dispensando e saindo dali, indo até Mane.

Era um vale night porque Karen tinha não apenas ficado com Missy
naquela noite, mas também com Daniel, deixando seus pais livres. Poncho
sentia falta de dormir com Anahí, desde o Ano Novo em Vermont eles não
dividiam a cama, o sexo era sempre à luz do dia porque quando anoitecia
ele tinha que voltar para sua casa, seu filho que não fazia ideia do
relacionamento deles. Parecia que ainda faltava uma eternidade para que
eles fossem um casal normal, para que pudessem estar ali, como Maite e
Mane, como Sophia e como Jesse e pasme-se, até como Lexie e Mark...

— Namorada, hm? – Anahí perguntou sorrindo quando eles estavam frente


a frente e se abraçaram.

— Alguma mentira? – Poncho mordeu os lábios – Eu sinto sua falta em


cada minuto que não to te beijando, em cada noite que não durmo sentindo
o cheiro do seu cabelo.

— Eu também – ela confirmou – A Missy já sabe de nós dois, mas


enquanto o Dani não souber...

— Eu contarei amanhã – Poncho disse convicto.

— Eu não quero apressar as coisas...

— Você não ta apressando – ele observou – É que eu to tendo que


praticamente te esconder. Depois de oito anos te esperando, oito anos sem
você, eu não posso viver plenamente o que nós temos. Eu sei que ele vai
sofrer e que não vai entender, eu sei que ele quer que eu fique com a Diana,
mas mesmo assim eu tenho que ser honesto com o meu filho e não deixa-lo
nutrir ainda mais esperanças.

— Talvez depois de um tempo ele se acostume – Anahí comentou


esperançosa – E não ache tão ruim assim. Quer dizer, eu posso ser uma
madrasta legal. Tenho muito amor pra dar pra ele como uma boadrasta,
como sei que você também tem pra Missy.

De fato, tinha, Poncho sorriu ao concordar e abraça-la, em seguida sendo


beijado por ela. Mas não era exatamente esse papel que ele queria exercer
na vida da filha de sua namorada. Dentro do peito dele já tinha começado a
crescer um desejo muito forte, quase que um chamado. Mas ele precisava
esperar a hora certa para revelar aquilo à Anahí.
— Vamos embora daqui? – Anahí sussurrou no ouvido dele.

— Não seria má ideia – ele respondeu rindo – A questão é enganar o


Christian. Ele jamais...

— Nem pensem nisso! – Christian interrompeu a conversa em sussurros,


fazendo Anahí dar um verdadeiro pulo – Vocês não vão fugir pra acasalar,
não! Têm muito tempo pra isso!

— Não temos não – Anahí rebateu, mas sabia que era totalmente em vão.

— Andem, vamos fazer um brinde – Christian sugeriu puxando a amiga


pelo braço e quase arrastando-a junto – Peguem suas bebidas...!

— Deixamos Christian beber demais, eu diria – Jesse comentou achando


graça.

— Um brinde à Lexie, nossa amiga querida e razão da nossa união nessa


noite, que certamente ta fodendo muito com o homem certo, até que enfim –
ele disse erguendo o copo.

— Têm certeza de que ele não bebeu muito...? – Mane perguntou rindo.

— Eu já dei minha opinião – Jesse deu de ombros.

— Calem a boca vocês dois! – Christian ordenou – Um brinde à Lexie que


se livrou do embuste do Jackson, prováveis 80kg inúteis a menos na vida
dela! Um brinde à nós que estamos aqui bebendo deliberadamente, menos
Maite porque Luninha não permite...

— Luninha que realmente é Luninha – Mane ressaltou, chamando a atenção


de todos – Nós descobrimos o sexo. É uma menina.

— E vocês não falam nada...? – Anahí arregalou os olhos nitidamente


ralhando, mas quem a encarava sabia que estava prestes a sorrir.

— Esquecemos – Maite deu de ombros – Surpresa.

— E vai ser Luna então, não é? – Poncho perguntou.


— Tente tirar isso do Mane ou morra – a morena fez uma careta que
deixava claro o quanto, mais uma vez, ela tinha entregado os pontos.

— E um brinde à Luna, nossa mascotinha, herdeira do nosso casal


Manerroni – Christian prosseguiu – Que inspire os futuros titios a aumentar
o time e começar uma nova geração porque Sam, Dani e Missy já estão
velhos! Saúde!

— Não que ele não possa começar uma geração – Mane zombou – Não é
porque ele é gay que...

— Christian? Pai? – Maite franziu a testa bebericando seu drink sem


álcool.

— Eu não acharia má ideia ajudar a começar essa nova geração – Jesse


sussurrou no ouvido de Sophia – O que você acha?

Ela não respondeu. Estava trêmula da cabeça aos pés com a proposta.
Sophia amava Jesse, Sophia sempre quis ter um filho com ele, sempre quis
ser mãe. E agora a simples ideia da vida deles lhe causava arrepios. Ela
tinha estragado tudo, definitivamente.

— Escutem... – Maite disse ao se aproximar de Anahí e Poncho que, ainda


abraçados, pensavam numa maneira para escapar dali. Mane estava com ela
– Nós queremos fazer um convite a vocês dois.

— Um convite? – Poncho franziu a testa.

— Nós queremos que vocês sejam os padrinhos da nossa Luna – Mane


anunciou sorridente.

— Oh meu Deus – Anahí murmurou já emocionada e com as mãos na boca.

— Não há pessoas melhores – Maite complementou – Vocês são os nossos


melhores amigos desde... sempre. Com todos os percalços...

— Nós ficamos muito honrados – Poncho observou – Eu principalmente.


É claro que a escolha de madrinha devia ter cabido à Maite e a de padrinho,
a Mane. Mas aquilo não importava para Poncho. Um ano atrás ele e a
morena viviam às turras ainda pelas escolhas do passado de ambos, e agora
ele seria o padrinho da filha dela. Há um ano Poncho sentia uma mágoa
imensa da amiga que acreditava não ser capaz de superar, e ali estavam eles.
Então, curiosamente, Poncho a abraçou antes de fazer o mesmo com Mane.
Anahí sorriu ao ver a cena, era tudo o que ela queria desde que tinha
retornado para a vida deles... os amigos novamente reunidos, felizes, como
a família que sempre foram. Aos poucos, estava acontecendo.

— Então, será que os papais da Luna conseguem nos ajudar a escapar


daqui? – Anahí perguntou rindo travessa.

É claro que ajudaram. Maite distraiu Christian para que ele não notasse
nada e, quando ele se deu conta, não havia mais sombra de Anahí ou
Poncho ali. Primeiro eles estavam em um táxi cujo destino era o
apartamento dela, bocas grudadas e mãos para todos os lados. Tinham
demorado tanto tempo para começarem aquilo que, quando saltaram do
carro, era difícil ter que parar. Mais difícil ainda chegarem ao apartamento
totalmente vestidos, mas os dois aceitavam o desafio. Sabiam que os outros
donos da casa não estariam por ali, então se sentiram livres para já
começarem a despir um ao outro ainda na sala. Não era apenas as amizades
que tinham mudado em um ano: aquele lado mulher reacendido em Anahí
era algo do qual ela estava definitivamente grata. Se quando tinha voltado a
ideia de Poncho beija-la pelo pescoço lhe causava arrepios, agora era algo
que não lhe dava nada além de prazer.

É claro, tudo era temperado pelo fato de Poncho saber exatamente como dar
prazer a ela. A ereção dele estava visível e Anahí já rebolava sobre sua
calça, iniciando uma fricção definitivamente deliciosa. Era das coisas que
ela mais gostava de fazer no passado, justamente o que a excitava. Era
interessante para Poncho como Anahí aos poucos voltava ao que era antes,
se redescobria. Dessa vez ele deixou que ela ficasse no comando, esperando
pelo modo como Anahí escolheria ter o próprio prazer, chegar até o
orgasmo. Ele viu que ela seguiu um caminho não muito diferente do que
esperava: não soltou da boca dele, uniu seu quadril ao dele enquanto
Poncho tentava tirar a calça para aumentar a sensibilidade dela e,
consequentemente, o prazer que sentia... embora Anahí não entendesse
assim e não estivesse gostando muito.

— Você está me atrapalhando – ela resmungou. Poncho apenas riu.

— Não, estou te facilitando – ele observou – Me deixe te despir, você


aproveita muito mais pele na pele. Tenha paciência Anahí.

Paciência não era o forte dela, mas Anahí permitiu. Ficou segurando os
ombros de Poncho com a respiração falha enquanto o via se despir em sua
frente. Depois foi sentindo o prazer se escalando enquanto ele fazia o
mesmo com ela, até deixa-la somente com a calcinha de antes e o sutiã de
renda. Ela se surpreendeu: não era para que eles ficassem sem nada?

Poncho leu a dúvida no olhar dela e respondeu antes que Anahí pudesse
questionar qualquer coisa.

— Você me excita mais assim – ele comentou sem tirar os olhos dos seios
dela cobertos por aquele sutiã – De renda branca... não sabe o quanto mexe
comigo.

— Na verdade eu sei – ela respondeu encarando sua ereção. Os dois riram.

Tudo era reflexo do quanto se desejavam. O sexo sempre tinha sido um


fator importante e decisivo do relacionamento deles e, aos poucos, voltava a
ser assim. Poncho agora era um homem, não mais o garoto que Anahí
conheceu na adolescência. Agora ele sabia dar prazer à mulher que ela tinha
se tornado e alcançar as curvas da estrada tumultuada que se tornou a vida
dela, cheia de cacos, sem causar nenhuma colisão. Ele já tinha aprendido a
lidar com os fantasmas que ainda habitavam Anahí nas transas deles e sabia
que, quanto mais mostrasse a ela que eram eles ali, mais confiança lhe
passava. Era isso que ele fazia.

E era assim que ele conseguia. Poncho não se importava deles não irem
direto para a penetração: o que excitasse Anahí estava bom para ele. E ela
ficava terrivelmente excitada pressionando o clitóris sobre o pênis dele. Já
era possível sentir pelo modo como ela se comprimia contra seu corpo. O
orgasmo vinha em minutos e ela explodia. Em seguida seu corpo ficava
mole e ela, pronta por inteiro para o que viesse. Para explodir novamente
pouco depois. Para lembrar que poderia ter o prazer que quisesse, que nada
era proibido.

E foi exatamente assim que ela ficou.

Poncho gostava que Anahí gozava e dizia tudo o que ele não entendia.
Eram sons demais e ele nunca conseguia identificar o que ela estava
falando. Mas não importava, porque seu corpo dizia tudo. Anahí se
arrepiava por inteiro, não era apenas a boceta dela que respondia, era todo o
resto. A pele, a barriga, os dedos que o apertavam, o rosto que se jogava
para trás... ela se entregava. E Poncho a pegava para si, possuindo-a em
seguida. Dando a ela tudo o que ela merecia. Tudo o que lhe foi negado por
tempo demais.

— Deus, você sempre consegue – Anahí disse desabando na cama, ainda


trêmula por aquele orgasmo intenso.

— Não meu amor – Poncho sorriu – Você é quem consegue. Esse mérito é
seu, eu apenas participo.

— Ok, mas digamos que a sua participação seja louvável – ela riu
largamente. Poncho sorriu, era sempre bom ver o quão satisfeita e relaxada
ela ficava após gozar – Vem pra cá, vem. Eu quero participar da sua
plenitude também.

Mas até para ter prazer Poncho a colocava em primeiro lugar. Anahí ainda
estava com aquele sutiã e a calcinha que tanto o excitavam, mas era hora de
despi-la por inteiro. Ele tirava a calcinha beijando as coxas dela com
delicadeza, roçava os lábios em sua pele que já estava sensível, o mesmo
era feito em seus seios com o sutiã. Quando finalmente estava pronto para
penetra-la, pegando o próprio pau e levando até sua entrada, Anahí estava
no limite da sensibilidade. Ele a levava tão longe que nem seus fantasmas
conseguiam alcança-la. Poncho deixava Tobias ficava de fora do sexo deles:
eram apenas Anahí e ele.

O que não queria dizer que ele soubesse disso...


— Como eu sempre digo, a hora que você quiser parar...

— Como eu sempre respondo, eu não quero – Anahí sorriu – Vem pra mim,
meu amor.

— Eu amo você – Poncho disse mordendo os lábios dela e invadindo-a.

Desde aquele recomeço cada vez era como se fosse a primeira, mas ao
mesmo tempo, Poncho sentia a diferença da postura dela. Agora ele não
começava mais devagar, as estocadas eram mais firmes, mais fortes e ela
não reclamava. Pelo contrário, Anahí pedia.

— Você sabe o quanto eu amo que você me coma com força – ela delirou
com os olhos fechados – Como se não houvesse mais nada nesse mundo...

E apenas o estimulava mais.

— Não tem mais nada nesse mundo – Poncho disse enquanto estocava com
ainda mais intensidade – Ao menos não tem nada que importe...

Não tinha mesmo.

Dito isso Poncho esqueceu de todo o resto. Anahí o estimulava em palavras,


em gestos. Ele a segurou pelas coxas para ter mais precisão e continuou
penetrando até o fundo da boceta dela, sentindo Anahí vibrar enquanto as
unhas fincavam nos braços dele, ouvindo seus gemidos e apenas indo mais
fundo, mais forte. Ela pedia por mais, queria por mais e Poncho se dividia
entre fazer durar mais porque pudera, estava bom demais, ou se se jogava
no prazer de uma vez. No fim não foi uma decisão racional, o corpo decidiu
por ele. Poncho terminou gozando, se agarrando ao corpo de Anahí como se
aquele fosse o último minuto de sua vida, como se sua sobrevivência
dependesse disso.

Talvez dependesse mesmo.

Slexie, sexo AyA, Anahí e Missy, AyA padrinhos do baby Manerroni e


Maite apoiando a Sophia: quem não amar esse cap não tem a minha
compreensão! Hahahaha

Li alguns comentários dizendo que a Sophia tinha que fazer o corpo de


delito pra conseguir provar que sofreu o estupro. Só posso dizer que: faço
tudo de caso pensado e propositalmente! Confiem em mim

Só quero saber uma coisa: vcs estão sentindo falta de algo na fic? Estão
sentindo que algo ta faltando ou sobrando? Me contemmmm!

Beijos,

Rafa
Capítulo 63 - This is real

Se Anahí não estava acostumada com Missy sendo carinhosa com ela, o que
poderia se falar de Poncho? A menina estava no jardim da casa de Karen
quando o carro do namorado da mãe estacionou bem na porta e os dois
começaram a andar de mãos dadas. Ela levantou a cabeça ao ouvir o
barulho da porta se batendo, levantou entusiasmada e, para a surpresa dos
dois, saiu correndo na direção deles.

— Eles chegaram! Eles chegaram...!

Tanto Poncho quanto Anahí levaram um verdadeiro susto ao ver Missy


correndo até eles e anunciando sua chegada. Os dois engoliram em seco
porque definitivamente não esperavam. Anahí reagiu soltando a mão dele
imediatamente porque, uma vez Missy gritando, Daniel poderia vê-los
juntos e acabar antecipando o que o pai conversaria com ele mais tarde.
Mas se os dois não esperavam que Missy gritasse, Poncho esperava menos
ainda que a menina, ao chegar até eles, abraçasse suas pernas nitidamente
indicando que estava com saudade.

— Vocês demoraram – ela resmungou, ainda abraçada nele.

Anahí ficou positivamente surpresa. Ela olhou para o namorado com um


sorriso gostoso nos lábios, depois para a filha e pensou que aquilo era bom,
aquilo era ótimo. Missy estava se adaptando não apenas a ela, mas a todos
ao seu redor, as pessoas que também estariam ao redor dela. Mas Poncho
ficou completamente sem reação. Sua voz embargaria se falasse, algo ficou
preso na garganta. Não era ruim, pelo contrário, era definitivamente bom e
agora ele sorria com a enteada demonstrando um carinho que não sabia que
ela nutria por ele, mas que sempre teve certeza que era totalmente
recíproco.

Uma certeza nasceu no peito de Poncho naquele momento. Ele só precisava


falar daquilo com Anahí. Viria na hora certa, depois que ele acertasse as
coisas com o próprio filho. Tudo ao seu tempo.
— Não demoramos não – Anahí respondeu se abaixando até a altura da
filha – É difícil acordar.

— Dorminhoca – Missy caçoou rindo. Anahí revirou os olhos.

— Ah, ela é – Poncho se abaixou também rindo – E você? Se divertiu com


o Dani e a Sam?

— Muito – Missy revelou animada – Nós dormimos tarde, comemos


sorvete e jogamos videogame com o tio Harry.

— Tio Harry...? – Anahí ergueu as sobrancelhas.

— Uhum – Missy assentiu – Anda, vamos entrar! Tem bolo...!

Da janela da casa de Karen, Daniel assistia a cena que acontecia lá fora em


sua ausência. Seu pai e Anahí tinham chegado juntos e agora Missy estava
com eles. Dani ouviu a filha de Anahí gritando e chegou na janela para
conferir se realmente o pai tinha chegado para busca-lo. Não esperava que
Poncho chegasse com a amiga. Muito menos que a filha da amiga o
abraçasse daquele jeito, lhe arrancasse aquele sorriso nos lábios. Ele não
entendia o que estava acontecendo porque não vira o suficiente para juntar
as peças, mas sabia que havia algo errado. E definitivamente não gostava da
forma como Missy parecia próxima de seu pai. Nem um pouco.

Era simples: antes Daniel tinha Poncho somente para si e para a mãe. Agora
Diana estava longe, tudo tinha mudado e o pai parecia carinhoso com outra
criança. É claro que ele não iria gostar.

— Ei garotão – Poncho disse assim que entrou na sala da casa e se deparou


com o filho no sofá – Vim te buscar. Cadê meu abraço?

Daniel desceu do sofá cabisbaixo e foi até o pai calmamente, abraçando-o.


Poncho franziu a testa com aquela falta de entusiasmo: ele não tinha se
divertido? Ao abraçar o filho ele encarou Anahí, que estava logo atrás de
Dani, com um olhar cheio de interrogações, mas ela sabia tanto quanto ele.
Nem Missy, que esteve ali a noite inteira, saberia explicar o que tinha
acontecido para mudar o humor do filho do namorado de sua mãe.
Logo em seguida Samantha voltou com o tio Harry – agora as três crianças
o chamavam assim – que trazia um prato com pedaços de bolo para os
adultos. Nitidamente a filha de Jesse cumpria a própria regra e era a mais
animada das três crianças, contando com detalhes e animação como tinha
sido a noite anterior. Dani continuava aninhado nos braços do pai e Missy
parecia confortável na situação, nem colada em Anahí nem rejeitando-a,
como se aos poucos encontrasse seu lugar na vida da mãe e a deixasse se
aproximar.

— Você vai me levar pra casa, tio Poncho? – Samantha perguntou com o
interesse de sempre – A tia Soso sabe disso?

— É claro que sabe, foi ela mesma quem pediu que eu te levasse – Poncho
riu – Se despeçam de todos, agradeçam à Karen.

Eles fizeram, Samantha mais empolgada que Daniel, que ainda estava
cabisbaixo.

— Você sabe por que ele ta assim? – Anahí perguntou ao namorado.

— Deve ser saudade, ele às vezes fica assim quando nós estamos longe –
Poncho deu de ombros – Mas fique tranquila, vai passar. Isso não muda
nada.

No fim ficaram para trás os moradores da casa, Anahí e Missy.


Rapidamente cada um seguiu para a própria programação. Harry comentou
com Anahí que estava ajudando Karen no café até as aulas da escola
voltarem e os dois viram a mãe sorrir por notar que ele finalmente estava
tomando um bom rumo. Acabou que Karen o acompanhou e Anahí ficou
sozinha com Missy. Ela estava pronta para passar o dia ali, com a filha,
tinha ido para isso. Talvez, se a menina desse alguma abertura, ela poderia
propor que fizessem um passeio em Manhattan. Anahí poderia apostar que
a filha não conhecia a cidade.

Mas no fim, não foi nada daquilo que aconteceu.

— Você não vai embora...? – Missy parecia curiosa e tinha a testa franzida.
— Você quer que eu vá? – Anahí respondeu com uma pergunta, rezando
para que a resposta dela fosse um não.

— É que todo mundo foi – ela franziu ainda mais a testa – E você ficou.

— Eu vim ficar com você hoje – ela sorriu – O que foi?

— Você mora onde?

Por aquela pergunta ela não esperava.

— Todo mundo mora com as suas mamães e você não mora com a sua –
Missy completou.

— É que eu moro com alguns amigos, porque já cresci – Anahí explicou


rapidamente – A Maite e o Christian, lembra deles?

— Uhum.

De repente a ideia ocorreu à Anahí. Parecia arriscado, definitivamente não


parecia perfeito... mas por que não?

— Você... quer ir lá conhecer a minha casa?

Diga que sim. Diga que sim, por favor, diga...

— Eu posso? – o olhar receoso de Missy deu às caras.

Mas não era receio. Era uma criança que, pouco a pouco, se abria para a
família que tinha. Para a mãe que descobrira.

xxx

— Mas você acha que ela vai ficar chateada? – a voz de Maite perguntou
num sussurro.

— É claro que não – Christian ponderou – Mais parece que você não
conhece sua melhor amiga.
— É que eu não sei se é o melhor momento pra eu deixa-la sozinha...

— Por Deus, você não está deixando-a sozinha – Christian cortou – A Any
tem a mim e tem o Poncho. Você não está abandonando-a nem nada, está
vivendo a sua vida, algo que esqueceu de fazer nos últimos oito...

— Shhhh, eu acho que ela chegou – Maite murmurou.

O que nenhum dos dois poderia imaginar é que Anahí chegava com Missy.

— Oi – ela disse sorrindo de mãos dadas com a menina – Temos visitas.

— Oh – Maite murmurou completamente surpresa.

— Ei Missy – Christian sorriu totalmente – Bem vinda!

— Oi – a menina sussurrou intimidada. Era a reação natural de Missy: se


fechar quando se deparava com pessoas com as quais não estava
acostumada.

— Ela quis ver onde eu morava – Anahí respondeu apertando o ombro da


filha – E bem, eu a trouxe. Vamos entrar?

Anahí rapidamente fez uma breve tour pelo apartamento. A cozinha era
conjugada com a sala, ela foi ao banheiro e depois passaram pelos quartos.
O de Christian primeiro, depois o de Maite e por fim, o de Anahí.
Obviamente Missy estava impressionada com o tamanho do espaço, mas
com uma coisa em particular que eles não teriam como adivinhar.

— Vocês têm um quarto pra cada um? Sem dividir? – a menina perguntou
esbugalhada.

— Você achou que nós dividíamos...? – Maite perguntou achando graça.

— Ah pequena Missy, as coisas que eu faço naquela cama não podem ser
vistas por ninguém – Christian alfinetou. Anahí arregalou os olhos.

— Por quê? – Missy questionou confusa – Você ronca...?


— Ronca e muito – Anahí disse entre os dentes, encarando Christian com
cara de poucos amigos.

— Você não tinha um quarto só seu Missy?

Toda vez que a antiga vida de Missy era colocada em pauta a menina ficava
um tanto sombria. Era um assunto que Anahí tinha um certo receio em
tocar, já que não sabia como a filha estava lidando com a ausência de
Barbara e Ed. Só que aquela era a primeira vez que Maite conversava com
Missy e Anahí não tinha preparado nenhum dos dois amigos para o
momento, eles não tinham conhecimento de seus receios. Já era.

— Eu dormia no quarto do Eric – Missy se referiu ao filho mais velho das


pessoas que a criaram, o menino que ela tinha, até então, como irmão. Nem
Maite nem Christ Ian sabiam quem era Eric, mas não precisava pensar
demais para supor – Já era quarto dele quando eu nasci, então tinha as
coisas dele, os brinquedos dele...

— Não era quarto de vocês dois, não é? – Christian perguntou com toda a
delicadeza do mundo – E sim dele...

— Uhum – a menina confirmou.

E de repente, a ideia se acendeu na cabeça de Maite. Era simplesmente


perfeito.

— Você quer ter um quarto Missy? – ela perguntou, vendo a menina hesitar
ao mesmo tempo que seus olhos inevitavelmente brilhavam.

— Mas aqui não tem um quarto vazio...

— Eu sei que não, mas o meu quarto vai ficar – Maite sorriu, olhando para
Anahí em seguida – Eu quero me mudar pro apartamento do Mane. Ele não
diz nada, mas é óbvio que ele quer me convidar e não o fez porque ta com
medo. E bem, como é o que eu quero...

— Você não ta fazendo isso por nossa causa, não é? – Anahí perguntou
receosa.
— Não, não está – Christian foi quem negou – Nós falávamos disso quando
vocês chegaram. Maite quer ir morar com o love dela, até porque a Luninha
nasce daqui uns meses, mas estava com medo de você se sentir sozinha ou
abandonada.

— Não precisa se preocupar tia – Missy sorriu orgulhosa – Eu cuido dela.

Anahí queria que alguém pudesse perceber a emoção que ela sentiu naquele
momento. Tal como tinha acontecido com Poncho quando chegaram à casa
da mãe dela, um bolo se formou em sua garganta, mas não era uma
sensação ruim, pelo contrário... era definitivamente maravilhoso. Era uma
aproximação, uma relação que começava a se construir e era realmente boa.

Missy realmente despertava o melhor nas pessoas.

— Então fechado – Maite disse batendo na mão da menina, como um hi-5.

— Temos que comprar seus móveis pequena Missy – Christian bateu


palminhas empolgado – Já sabe de que cor vai querer? Eu aposto como um
arco-íris ficaria lindo...!

— O quarto é dela, não seu – Maite debochou.

— O que eles são meus...? – Missy perguntou à Anahí enquanto os amigos


dela estavam distraídos, ainda debatendo.

— Bom, se tudo tivesse dado certo desde o início... eles seriam seus
padrinhos – Anahí olhou da filha para os dois que discutiam compenetrados
– Eles são os meus melhores amigos.

— Como Sam, Dani e eu? – ela perguntou.

— Sim – Anahí concordou sorrindo.

— Então eles ainda podem ser meus padrinhos? – Missy perguntou feliz.

— Eu... acho que eles já são.

E eram mesmo.
xxx

O dia tinha começado maravilhosamente bem para Lexie Grey. E pensar


que, se aquele casamento tivesse se concretizado, ela estaria arrumando as
próprias malas naquele momento para embarcar para Santorini com Jackson
em sua tão esperada lua-de-mel... ou não tão esperada assim. Só que Lexie
abandonou Jackson no altar e, após deixar os trezentos convidados na New
York Public Library atônitos com sua atitude, não perdeu tempo algum em
procurar o único homem com quem realmente queria passar o resto de sua
vida.

Curiosamente, o homem que agora abraçava possessivamente sua cintura.

Mark Sloan estava completamente apagado. Pudera, depois de uma noite


daquelas que os dois tiveram... ele realmente acreditava que teria que
enfrentar uma vida inteira numa espera que não sabia no que daria... por
ela. Não era preciso dizer que aquela expectativa criou em Mark um imenso
alívio por ter Lexie de volta, que resultou nele leva-la para seu apartamento
e ter tido a noite de sexo mais quente que eles se lembravam. Mark tinha
uma vida sexual infinitamente maior do que a de Lexie, mas ele concordava
que nuna tinha tido uma noite daquelas antes.

Só que tinha amanhecido. E com a manhã, veio a constatação: tudo tinha


acontecido. Lexie virou as costas para Jackson no casamento deles, mas as
malas dela, junto com todas as suas outras coisas, ainda estavam no
suntuoso apartamento que os dois dividiam em Manhattan. E obviamente,
se ela aparecesse por lá, Lexie corria um seriíssimo risco de ter todos os
pertences jogados no lixo, pela janela, quem sabe até queimados. Ela
precisava de uma alternativa para não ter que refazer seu guarda-roupa
inteiro.

Não demorou até que ela pensasse na pessoa perfeita para resolver aquilo.

— Meredith...? – Lexie murmurou o mais baixo que conseguiu. Ainda


estava na cama e não queria acordar Mark daquele jeito.

— Eu vou chama-la – a voz de Derek respondeu – Meredith! É sua irmã, a


noiva em fuga!
Lexie riria se pudesse. Barulhos de crianças no fundo da ligação –
certamente Zola e Bailey aprontando com os pais – até Meredith atender.

— Lexie? – a voz dela parecia infinita mais calma e carinhosa do que a


última vez que Lexie tinha ouvido. Provavelmente causado pelo bom humor
de Meredith por a irmã ter abandonado seu noivo no altar.

— Meredith – Lexie sussurrou – Não posso falar muito, mas preciso de um


favor.

— Por que estamos sussurrando...?

— Não quero acordar o Mark – Lexie confidenciou.

— MARK? – Meredith gritou – VOCÊ ESTÁ COM MARK...?

— Ela está com Mark? – Lexie ouviu a voz de Derek ao fundo – Vamos
Meredith, me conte isso agora!

— Eu não sei de nada – Meredith rapidamente respondeu ao marido –


Lexie...

— Meredith, agora não – Lexie quase implorou – Eu preciso que você


pegue as minhas coisas no apartamento do Jackson. Por motivos óbvios eu
não posso aparecer lá.

— Considere feito – Meredith anunciou confiante – Mas saiba que


Catherine quer acabar com a sua carreira.

— Oh Deus – Lexie gemeu de nervosismo – Estou completamente ferrada


naquele hospital?

— Só por baixo do meu cadáver – a Grey mais velha decretou.

Falou e disse.

Lexie desligou em seguida negando à irmã – e ao cunhado, já que Derek


estava curioso em demasiado – grandes detalhes do que tinha acontecido.
Ela não precisava dizer nada muito além: estava com Mark, no apartamento
dele e, por óbvio, precisava das próprias coisas, já que só tinha um vestido
de noiva usado à sua disposição. Ela riu sozinha ao pensar na resposta que
ele daria se ela dissesse isso: com sua voz rouca e deliciosa com a qual
Lexie já estava acostumada, Mark a provocaria e diria que ela estava bem
sem roupa.

Ela não podia discordar.

Mas infelizmente eles tinham uma realidade lá fora. Mark precisava


trabalhar. Lexie não iria para o hospital porque, afinal de contas, tudo estava
muito recente e ela sequer tinha trabalho, já que naquele dia seria sua lua-
de-mel... mas ainda assim Meredith apareceria. Seria melhor se ela
estivesse minimamente apresentável quando a irmã chegasse e era certo que
isso não aconteceria se o cirurgião plástico continuasse ali, na cama com
ela.

— Mark... – ela disse num sussurro, aproximando a boca do pescoço dele.


Os olhos azuis de Mark continuaram fechados, mas ele abriu um sorriso.

— Isso é mesmo real? – a voz dele saiu fraca – Você aqui, nos meus
braços?

— Cem por cento real – Lexie sussurrou, sentindo suas mãos pesadas
puxarem-na para cima dele – Mark... nós não podemos...

— Fizemos isso quando realmente não podíamos, agora nada vai nos
impedir.

— Mas você tem que trab...

— Pode esperar – ele disse tomando a boca dela, sentindo Lexie se entregar
e empurrar a boxer dele para baixo.

É, realmente podia.

xxx

Quando Poncho finalmente deixou Samantha na casa do pai, percebeu a


diferença que a afilhada fazia em sua ausência, já que o silêncio se fez no
carro. Naquele momento ele começou a pensar que poderia ter algo errado
com Daniel. Olhando do retrovisor ele podia ver que o menino estava
cabisbaixo, mais do que o costume. Não era carência, não era saudade... era
outra coisa. Poncho só não sabia o que.

Depois que chegaram em casa e almoçaram ele bem que cogitou adiar a
conversa sobre Anahí, até se dar conta que, se fizesse isso, nunca iria contar
a verdade para o filho. Ele estava sempre adiando, sempre ficava para
depois, sempre tinha algo importante acontecendo. E Anahí não merecia ser
escondida daquela forma, da mesma maneira que Daniel não merecia ter o
pai mentindo daquele jeito. Era hora de ser corajoso.

— Ei filho – Poncho chamou o menino, que se aproximou – Vem aqui pra


gente conversar.

Daniel não deu uma palavra sequer. Apenas andou até o pai e se sentou na
frente dele com o olhar perdido. Foi Poncho quem, mais uma vez, tomou a
iniciativa.

— O que ta acontecendo? Você ta mais calado do que o costume...

— Eu vi a Missy abraçando você – o menino explicou com o rosto


abaixado – Eu...

— Você ficou com ciúmes? – Poncho perguntou e o viu, envergonhado,


assentir – Dani... eu sempre vou ser seu pai. Eu sempre vou amar você.

— É que a mamãe foi pra Boston e não voltou mais, e agora você só anda
com a tia Any e com a Missy – o menino disse sombrio. Ele tinha notado
tudo, talvez não tivesse juntado as peças completamente, mas ali estava o
raciocínio.

— Sua mãe é especial pra mim Dani, e nós sempre vamos ser a sua família
– ele explicou – Quando seu avô estiver realmente bem ela vai voltar pra
casa...

— Mas nós não vamos mais morar na mesma casa, não é? – Dani
perguntou.
— Não, não iremos – Poncho respondeu – Eu sempre disse a verdade pra
você e dessa vez não vai ser diferente.

— A tia Any é sua namorada...? – Daniel perguntou. Enfim, ele tinha


chegado ao ponto.

— Sim – Poncho admitiu, vendo as lágrimas se formarem nos olhos do


filho – Você não precisa chorar meu amor. Eu não estou trocando você,
Dani. Você sempre vai ser a coisa mais importante pra mim.

— Você ta trocando a gente por elas – Dani acusou – Minha mãe e eu... por
ela e pela Missy...!

— É claro que não – Poncho negou com veemência – Dani, eu já conhecia


a tia Any desde antes de conhecer a sua mãe. Ela e eu estudamos juntos
desde que éramos dois garotos, nós éramos amigos e depois eu a namorei.
Só que aconteceu algo ruim com ela e, por isso, ela desapareceu. Eu fiquei
muito triste por muito tempo, até conhecer a sua mãe. Até você nascer.
Foram você e sua mãe que me fizeram sorrir de novo.

— E por que você não nos quer mais...?

— Eu nunca disse isso – ele voltou a negar – É que duas pessoas, quando
não se amam mais do jeito que se amavam no início, não devem continuar
juntas. E sua mãe e eu somos assim. Eu não quero magoa-la porque ainda a
amo muito, mas como minha amiga. Ela e eu sempre seremos seus pais e
você sempre vai ser a coisa mais importante do mundo pra gente.

— Mas se você era amigo da tia Any e virou namorado dela, não pode ser
assim com a minha mãe? – Dani perguntou meio soluçante.

Não havia jeito. Ele era uma criança inteligente e fazia ótimos raciocínios.
Chegava a ser difícil para Poncho driblar tudo aquilo sem magoa-lo.

— Não pode ser assim porque nós só podemos gostar de uma pessoa dessa
maneira, e eu já gosto assim da tia Any – Poncho respondeu calmamente
olhando para o filho com firmeza – Mas isso não significa que eu não ame
você. Sua mãe também sempre vai amar você.
— Mas e a Missy? – Dani perguntou. Era tudo junto, afinal: o ciúme do pai
com Anahí e o ciúme dele com a filha dela.

— A Missy não tem um pai – Poncho explicou, se corrigindo em seguida –


Quer dizer, ela tem. Mas ele não é uma boa pessoa. Ele a tirou da tia Any
quando ela era um bebê e elas só se reencontraram agora. Ela foi criada por
pessoas más que não cuidavam bem dela, por isso ela às vezes parece ser
meio triste. E eu gosto muito dela. Eu acho que nós dois, nós todos na
verdade podemos dar um pouco de carinho pra ela, podemos ama-la e
mostrar a ela que é importante e especial, como eu sempre mostrei pra você.

— Mas... se você namora a tia Any... – Daniel voltou a especular – Você vai
querer ser pai dela também...?

— Dani, nem todas as perguntas têm resposta – Poncho explicou de cara –


O que eu quero que você saiba é que ter a Missy por perto nunca vai fazer
com que eu deixe de amar você. E, por mais que as coisas pareçam estar
mudando, o fato de eu ser seu pai nunca vai mudar. No início pode parecer
difícil, mas você vai ver que as coisas vão se ajeitar e nós vamos ficar bem.
Você vai se acostumar.

Daniel ficou em silêncio, ponderando as falas do pai. Na teoria tudo parecia


lindo, mas ele não conseguia se sentir tão confortável assim com a ideia do
pai estar namorando Anahí. Na verdade, ele tinha em mente as palavras de
Samantha de dias antes: como se, tal como Lindsey tinha sido para ela,
Anahí fosse a bruxa de sua história. A pessoa que mantinha seus pais
separados. A pessoa que ressurgiu para separar sua família.

xxx

"Eu conversei com o Dani sobre nós dois. Contei tudo. Ele está meio
cabreiro, meio ciumento, mas acho que vai dar uma chance pra você. Vai
dar tudo certo, eu sempre soube disso. Eu te amo".

Anahí sorriu ao receber aquela mensagem de Poncho em seu celular. Ela


estava a caminho da casa de Karen para deixar Missy. A menina estava
recostada sobre a mãe num táxi, olhando um livro infantil que tinha sido de
Anahí quando tinha a idade dela. Agora era dela. Era a primeira coisa que
Anahí passava para ela e era óbvio que ela estava orgulhosa daquele passo.

E nos dias que se seguiriam, teria mais. Missy tinha concordado, animada,
em se mudar para o apartamento da mãe, para o quarto que já começava a
ficar vago pela mudança de Maite. Anahí tinha planejado sair com ela para
comprar os móveis, escolher a tinta, os brinquedos e até roupas novas.
Missy parecia animada com aquela nova etapa e mal sabia que deixava a
mãe completamente aliviada. Não era um passo que Anahí esperava dar,
mas ela estava feliz com o avanço feito e certa de que nada as faria voltar
atrás.

E para completar, havia aquela mensagem de Poncho que sem dúvidas,


preenchia sua felicidade. Tudo se acertaria e eles dois, Daniel e Missy
seriam uma família. Anahí conseguia até sentir esperança depois de tudo.

— Chegamos meninas – Christian disse animado, vendo as duas descerem


do táxi enquanto ele pagava o motorista.

Christian fizera questão de acompanhar Anahí e Missy até a casa de Karen.


Afinal, Tobias continuava solto, todo cuidado era pouco. Agora ele via a
menina colocar o próprio livro na mochila e dar a mão para a mãe, pronta
para entrar na casa da avó. Christian viu também Anahí sorrindo feliz e
satisfeita ao sentir a filha deixando-a se aproximar cada vez mais. Não
poderia ser melhor.

Só que as coisas começaram a mudar quando eles bateram na porta e Karen


abriu com uma expressão apreensiva. Antes que Anahí pudesse questionar
aquela cara da mãe, ela enxergou Barbara Mitchel ao fundo da sala.

E não apenas ela viu. Missy também.

— Mamãe! Você veio me buscar...!

E em seguida, Anahí viu também a filha por quem ela lutou chamando
aquela mulher que sempre a maltratou da forma como ela queria ser
chamada. Viu a menina não hesitar em soltar da mão dela para correr para a
mulher que a rejeitou. Anahí sentiu raiva naquele momento. Não de Missy,
mas de Barbara... de Ed... e de Tobias, é claro. Os três causaram aquilo.
Tobias tirou sua filha dela e a deixou com pessoas que não amaram Missy
como ela merecia, sequer cuidaram dela. E agora, mesmo depois de tanta
negligência, mesmo depois de Anahí ter dado à filha uma alternativa, ela
ainda parecia preferir aquelas pessoas.

Mas não importava. Não importava se o avanço seria deixado para trás.
Nada importava. Anahí decidiu para si que, mesmo que custasse a relação
que ela tinha construído com Missy, ela iria lutar pela filha. Ela não deixaria
os Mitchel levarem-na novamente. Nunca mais.

Eu espero que vcs nao estejam nemmm um pouco enjoadas da relação


Anahí/Missy porque eu to amando tanto que escrevo mil cenas! Hahahaha

Aqui temos também a tãoooo esperada descoberta do Dani sobre AyA. É


claro que ele iria sofrer, considerando que não lidou maravilhosamente com
a separação dos pais. Será que vem problemas pra AyA daí?

E esse final hein? Será que o avanço de mãe e filha vai pro ralo?
Aguardemos!

Beijos,

Rafa
Capítulo 64 - It's not you

— Você voltou mamãe!

O olhar de Barbara Mitchel para Missy não parecia nem um pouco com o
que ela recebia da menina. Enquanto a menina tinha os olhos brilhando ao
se deparar com a mãe adotiva, a mesma não reagia nem de longe da mesma
forma – Barbara apenas abriu um sorriso amarelo que deixava claro que não
estava nem de longe feliz em ver a criança que criou durante quase oito
anos.

Anahí, por outro lado, estava a princípio machucada com a cena. Depois de
todo o esforço feito para conquistar Missy, era difícil vê-la agindo com a
mãe adotiva como se nada tivesse acontecido. Mas aquela tristeza
rapidamente deu lugar a uma fúria descontrolada, exatamente quando
Barbara colocou a mão à frente da menina para impedi-la de abraça-la.
Anahí tinha jurado para si que não deixaria ninguém mais ferir os
sentimentos de Missy. Ela iria cumprir.

Já estava cumprindo.

— Eu não vim te buscar – Barbara disse para a menina com desdém – Só


vim trazer o resto das suas tralhas. E pegar uma outra coisa.

— Que outra coisa...? – Karen arregalou os olhos, sem fazer ideia a que
Barbara se referia.

— Ora, como o quê? – Ed deu uma gargalhada irônica – A recompensa...!

Anahí quase explodiu ao ouvir aquilo. Não era de se admirar aquela atitude
vinda de duas pessoas que foram incapazes de dar amor para uma criança
encantadora como Missy, mas arrancar lágrimas da menina depois de tudo?
Aquilo ela não iria tolerar.

— Você não veio me buscar mamãe? – Missy tinha os lábios trêmulos. Era
como se todas as esperanças dela fossem destruídas.

— Não me chame assim, não sou sua mamãe – Barbara desdenhou da


menina – Sua família são eles. Eu vim aqui deixar as suas coisas e pegar a
minha grana. Você não é mais responsabilidade minha...!

Outras crianças no lugar de Missy fariam um choro escandaloso. A menina,


por sua vez, apenas sofria silenciosa. As lágrimas caíam quietas pela
bochecha dela, sem fazer barulho algum, sequer chamando atenção. Junto
com elas, a ficha: Barbara e Ed nunca a amaram. Barbara e Ed nunca
tinham realmente sido seus pais.

E para preencher aquele vazio, uma pessoa caminhou a passos rápidos,


pesados e violentos. Anahí veio andando de onde estava e, assim que se pôs
à frente de Barbara Mitchel, usou toda a raiva que sentia para enfiar um
dedo bem colocado na cara daquela mulher.

— Olha aqui – ela disse ameaçadora – Você nunca mais vai falar com a
minha filha desse jeito, entendeu? A não ser que queira que eu vire a minha
mão na sua cara...

— Any, calma – Christian pediu, já colocando as mãos sobre os braços da


amiga.

— Me solta Christian! – Anahí ordenou – Não venha me dizer que ela não
merece! A Missy é só uma criança! Uma criança que quer ser amada pelos
monstros que a criaram...!

— Eu não sou nenhum monstro – Barbara se defendeu – Ela apenas não é


mais responsabilidade minha.

— Você não foi uma péssima mãe por falta de responsabilidade, foi uma
péssima mãe porque era incapaz de amar uma criança que criou por anos –
Anahí devolveu, se virando para Missy – Vem meu amor, essas pessoas não
merecem você.

— Olha moça, nós não queremos confusão – Ed se intrometeu – Vocês


prometeram um dinheiro pra quem trouxesse informações sobre a menina.
Nós trouxemos a menina. Agora queremos o dinheiro.

— Vocês ficaram com a menina entregue pelo próprio sequestrador dela, eu


não vejo como isso poderia ser digno de uma recompensa – Karen cruzou
os braços fuzilante – Desde o ano passado saiu em todos os telejornais que
o Tobias sequestrou a minha filha e vocês continuaram com a filha dela
como se nada tivesse acontecido. E agora querem uma recompensa...?

— Bom, se a grana não vai rolar nós vamos embora – Ed disse se


levantando.

Estava claro: eles não fizeram nada por Missy, muito menos por Anahí.
Apenas estavam pensando no dinheiro desde o início. Trazer as coisas da
menina para a casa de Karen era apenas um pretexto para cobrar a
recompensa a qual Ed e Barbara achavam que faziam jus. Missy, ao ver os
pais adotivos, achou que eles tinham ido busca-la. Agora a menina estava
em choque, com as máscaras caídas e a firme constatação de que nada
significava para eles. E a chance de os dois colaborarem com qualquer coisa
naquela investigação ia para o ralo com a saída deles.

Mas por sorte alguém ali pensou nisso antes que fosse tarde demais.

— Vocês não vão a lugar algum – Keith anunciou – Não até falarem com a
polícia.

— O quê? – Barbara perguntou atônita.

— Polícia...? – Ed balbuciou – Não mesmo, absolutamente não...

— Já era – Keith cortou – Eu já chamei. Vocês são cúmplices em um


sequestro. Não vão sair daqui até a polícia chegar.
O pandemônio se formou. Ed e Barbara entraram em desespero e tentaram
sair a todo custo, mas eles estavam em número menor: eram os dois contra
Keith, Karen e Christian. Anahí não contava, assim que ela notou que a
confusão tinha mudado o foco, resolveu sair dali com Missy. Ela não
precisava ver as pessoas que a criaram sendo presas nem nada do tipo, já
tinha sido exposta o suficiente por uma noite.

Anahí levou Missy para o quarto da mãe e fechou a porta. Mesmo assim
dava para ouvir os gritos do lado de fora, Barbara exaltada tentando fugir
dali a todo custo. Não importava: ela só estava preocupada com a própria
filha, seus pais adotivos que se danassem.

— Ei – Anahí falou ao se sentar na cama e segurar o rosto dela – Você ta


triste né?

— To – ela assentiu, sendo abraçada pela mãe logo em seguida – Eles


nunca me amaram, não é verdade?

— Eles não merecem você – Anahí explicou calmamente – E não são boas
pessoas. Pessoas más não dão valor ao que têm. Não é culpa sua.

— E o que vai acontecer comigo...? – Missy divagou – Eles não me querem


mais... e eles são meus papais...

— Não, não são – Anahí voltou a encara-la – Eles apenas te criaram, mas
sua mãe sou eu. Eu apenas não sabia. Mas eu te disse uma vez e repito: não
vou esquecer você de novo. E nunca, nunca mesmo, vou te abandonar. Não
precisa se preocupar, você fica comigo e eu te dou todo o amor do mundo.

Aos poucos Missy iria esquecer, Anahí pensou com firmeza quando
abraçou a filha e ser abraçada por ela. Depois de um tempo ela não iria
sequer se lembrar daquelas duas pessoas que a rejeitaram. Agora havia um
vazio em seu coração que rapidamente seria preenchido por uma pessoa
que, por mais que a conhecesse há pouco tempo, tinha todo o amor do
mundo para lhe dar. E não apenas tinha, mas queria dar. Daria. Já estava
dando.

xxx
No dia seguinte os notícias sobre a prisão de comparsas de Tobias Menzies,
possivelmente envolvidos no sequestro de Anahí Portilla, ganharam os
jornais e programas investigativos. Keith e seus advogados negociaram
com a promotoria e com a imprensa que os detalhes da participação de Ed e
Barbara Mitchel não fossem divulgados, eis que Anahí tinha como
prioridade proteger Missy. Ela não queria que a mídia ficasse sabendo que
sua filha tinha sido encontrada. Missy já estava vivendo mudanças demais
em sua vida para ser assediada por fotógrafos e jornalistas à espera de um
furo de reportagem sobre sua nova vida com a mãe biológica.

Logo de manhã Keith voltou para casa com notícias que animaram
consideravelmente a filha.

— Emily Byrne telefonou essa manhã – ele anunciou, se referindo à


procuradora-adjunta que estava à frente do caso – Barbara e Ed vão fazer
um acordo e vão depor contra o Tobias.

— Graças a Deus – Karen murmurou.

— Mas no que exatamente o depoimento deles iria ajudar? – uma Anahí


ainda receosa questionou – Quer dizer, será que eles sabiam que eu fui
sequestrada?

— O testemunho deles reforça a ideia de que o Tobias te mantinha em


cativeiro e, depois de te engravidar, afastou a sua filha – Keith explicou –
Agora os investigadores estão tentando encontrar o médico que fez o seu
parto. Brice me mostrou a lista das testemunhas da acusação, eles vão
intimar as três cirurgiãs que te atenderam no hospital... as que te operaram
para apontar as lesões que você sofreu e que estavam calcificando e a
terceira, a obstetra que verificou a fratura no seu útero, pra sustentar que
você teve um parto traumático.

— Se encontrarmos o médico... – Karen murmurou esperançosa.

— Nós ganhamos – Keith respondeu confiante – E nós vamos encontrar.

Anahí sabia que Keith estava investindo muito tempo e dinheiro naquela
investigação. Sabia que ele apostava todas as fichas para ver o algoz dela
condenado. Tudo isso vindo de uma pessoa que nunca teve a chance de
fazer nada por ela. Keith provavelmente tentava compensar os anos de
ausência e Anahí era grata por aquilo. Estava na hora de compensa-lo, de
mostrar a ele que reconhecia o quanto eles estavam juntos naquilo. Por isso
Anahí sorriu da maneira delicada que tinha aprendido a se dirigir para ele e
o abraçou em seguida, com todo o carinho possível.

Mas o melhor viria no final.

— Obrigada por tudo... pai.

Keith imediatamente sentiu algo quente no peito ao ouvir a forma como a


filha se referiu a ele, a forma como ele sempre quis que ela o chamasse.
Quantas vezes sonhou com isso? Parecia melhor agora que finalmente
estava acontecendo. Ele abraçou Anahí forte depois daquilo, sentindo os
olhos marejarem pela emoção inevitável que sentia. Nas costas da filha via
Karen sorrir também, tão mexida quanto ele, já que finalmente tinha
acontecido. Foram trinta anos para que aquele sonho que ela nem sequer
sabia que tinha se realizar: reencontrar seu grande amor, desfazer o mal
entendido, ter a filha de volta, eles formarem uma família. Agora era real e
Karen não deixaria ninguém tomar aquilo dela outra vez.

— Eu faria qualquer coisa pelo seu sorriso, filha – Keith disse acariciando o
rosto dela, sorrindo bobo – Nós vamos vencer, eu prometo a você.

Ela acreditou.

xxx

A manhã não nascia tão boa assim para todos. Jesse estava definitivamente
encucado com o afastamento súbito de Sophia. Nada do que qualquer um
dissesse a ele o faria deixar de pensar que tinha algo muito errado ali.
Sophia mudara da água para o vinho, sem mais nem menos. Não tinha
acontecido nada que justificasse aquela frieza toda com a qual ela passara a
trata-lo. Tinha algo acontecendo e Jesse queria saber o que era de uma vez
por todas.
O problema era se aproximar dela. Naquela manhã Jesse tinha deixado
Samantha na escola e, quando voltou para o apartamento, Sophia não estava
mais lá: já tinha ido embora, ido para a confeitaria. Ele não perdeu tempo,
saindo de novo o mais rápido que pôde e indo trabalhar. Mas a pressa não
tinha nada a ver com questões profissionais. Jesse só queria confrontar
Sophia e acabar com aquela agonia de estar no escuro de uma vez.

Só que, ao chegar lá, acabou que foi Jesse o confrontado. Não por Sophia, é
claro.

— Qual foi a merda que você fez dessa vez? – Lívia questionou furiosa.

Jesse arqueou as sobrancelhas com o questionamento. Quem era o chefe e


quem era a funcionária ali mesmo...?

Mas o que realmente o surpreendia é que, dessa vez, ele não tinha feito
nada errado. Era provavelmente a primeira vez, por isso gerava aquele tipo
de reação.

— Eu não fiz nada – Jesse ergueu as sobrancelhas – Posso saber o porquê


da pergunta?

— Porque a Sophia está com uma cara horrível, você e ela estão a
quilômetros de distância e toda vez que isso acontece é sinal de que você
aprontou alguma coisa! – Lívia disparou. Estava tão irritada que parecia que
bateria nele.

— Dessa vez eu realmente não fiz nada, acredite se quiser – Jesse devolveu
– Ela está estranha, ela está afastada e eu sei tanto quanto você.

— Oh – Lívia ergueu as sobrancelhas – Eu não to acostumada com esse


cenário.

— Se quer saber nem eu – ele bufou – Você segura as coisas no caixa? Fica
de olho em tudo? Eu vou atrás dela pra ver se consigo descobrir algo.

— Jesse, por mais que não seja culpa sua dessa vez... conserte isso – Lívia
aconselhou.
Se ao menos ele soubesse como...

De toda forma, havia uma maneira de começar: indo até Sophia. Ela estava
na cozinha, como sempre, só que bem mais cabisbaixa do que costumava
ficar. A cozinha da confeitaria era o refúgio de Sophia, o lugar que ela
provavelmente mais gostava no mundo. Dessa vez as coisas estavam tão
sérias e graves que nem estar ali a animada. A violência sofrida tinha
marcado Sophia e ela lutava para não chorar, para não terminar desabando.
Estava difícil.

E o pior é que ela não tinha com quem falar. O normal nesses casos era se
abrir justamente com Jesse, mas aquela opção estava fora de cogitação.
Maite era a única que sabia o que tinha acontecido e Sophia achava que já a
havia soterrado com tanta informação. Para os outros amigos ela não tinha
coragem de contar, a vergonha era grande demais. Nessas horas Sophia
concluía que só tinha se aberto com Maite porque não houve a opção de não
fazê-lo. Se houvesse, definitivamente ela morreria com aquela dor.

Mas Maite sabia. E de alguma maneira, Jesse estava disposto a descobrir.

— Hey... – ele disse assim que entrou na cozinha.

Sentindo as bochechas queimarem e tentando a todo custo disfarçar o fato


de estar chorando até pouco antes, Sophia murmurou um quase inaudível
"hey" em resposta, abaixando a cabeça para voltar a preparar a massa
daquele doce que fazia logo em seguida. Jesse se aproximou aos poucos,
sorrateiro. Ele sabia que precisava ir com calma e ganhar terreno.

— Está difícil encontrar você ultimamente – ele começou a falar,


caminhando até chegar perto dela – Eu esperava que nós conversássemos
depois que eu deixasse a Sam na escola, mas quando cheguei em casa você
não estava mais lá.

— Muito trabalho por aqui – ela respondeu ainda olhando para baixo.

— Soph... – Jesse a chamou com a voz suave. Sophia achou que fosse
morrer – O que está acontecendo?
Como ela queria dizer. Como ela queria...! Mas não podia. Ele teria
vergonha dela. A condenaria. Ele saberia. Jesse jamais a perdoaria, não
entenderia. Afinal, como entender, como perdoar, quando ela não era capaz
de fazer quanto a si mesma? Impossível. Era melhor guardar em segredo.

— Nada – ela não o encarou.

— Você ta estranha há dias – Jesse respondeu – Não me deixa encostar em


você. Me evita. Ta fria, monossilábica... eu preciso saber o que houve. Foi
algo que eu fiz? É algo que eu possa consertar...?

Infelizmente não havia conserto para aquilo.

— Não é você – Sophia respondeu – Sou eu.

A frase clássica, que não dizia absolutamente nada.

— Então me diga o que está havendo, eu posso te ajudar a resolver – Jesse


propôs. Mas definitivamente não esperava pelo que viria a seguir.

— Eu não sei mais se quero me casar com você Jesse – Sophia disparou
dessa vez olhando para ele.

Jesse engoliu em seco. Ele esperava qualquer coisa, menos aquilo.


Qualquer coisa. Durante breves segundos ele ficou olhando para Sophia,
esperando que, por algum milagre, ela dissesse que aquilo era algum tipo de
piada. Mas a frase não veio. Nada veio, nada além da indiferença com a
qual ele já estava começando a se acostumar.

— Você ta falando sério? – ele perguntou ainda atônito, quem sabe se


agarrando a uma última esperança. Mas não veio.

— Por que eu mentiria? – Sophia respondeu como se não importasse.

Talvez não importasse mesmo.

— Eu não sei Sophia – Jesse devolveu seco – Tem horas que parece que eu
não conheço mais você.
Talvez não conhecesse mesmo. Afinal, só assim ele acreditaria que aquilo
era verdade.

xxx

Lexie Grey tinha decidido evitar o New York General Hospital por ora. Ela
sabia que estava se criando uma grande expectativa para o seu retorno e
tinha medo de como seria tudo quando ela estivesse frente a frente com
Jackson no meio daquele burburinho do hospital. Talvez fosse melhor
esperar a poeira baixar.

Como ela estava instalada no apartamento de Mark – agora com as suas


coisas, que Meredith fizera o favor de buscar onde ela morava com Jackson,
à base de muito custo, é claro – Lexie ouvia do cirurgião plástico o que
estava acontecendo no hospital. Tinha três dias que ela tinha deixado
Jackson no altar e pelo menos metade do corpo médico sabia que ela havia
trocado o pupilo pelo mentor e esperava que ela aparecesse ali cedo ou
tarde, afoitos pelo próximo passo daquilo que se tornara uma verdadeira
novela.

Mas Lexie não estava cedendo aos curiosos. Mark, por sua vez, continuava
trabalhando normalmente. No primeiro dia ele chegou no hospital receoso
do que o esperava, mas no fim nada aconteceu. No segundo idem. No
terceiro Mark se forçou a pensar que tudo não passava de uma paranoia na
sua cabeça e, enfim, foi tranquilo.

Foi justamente quando algo envolvendo Lexie e Jackson respingou nele.

— Se eu fosse você iria à sala da Bailey – Arizona sussurrou para Mark


quando ele entrou no elevador.

— Bom dia pra você também Robbins – Mark respondeu irônico.

— Eu falo sério – ela insistiu – Tem a ver com uma certa residente-chefe
que, a essa hora, ainda deve estar dormindo sem roupa na sua cama. Eu iria
lá se fosse você.

É claro que Mark iria.


Do outro lado do corredor dava para ouvir os gritos vindos da sala de
Miranda Bailey, chefe de cirurgia. Todos que passavam em frente olhavam
espantados e, sobretudo, curiosos. Mark reconhecia ao menos três das
quatro diferentes vozes que ouvia ali: duas delas ele ouvira por metade de
sua vida e a terceira era da chefe. Mas havia uma quarta pessoa, uma
mulher, que ele não reconhecia de cara.

Mark não bateu, apenas girou a maçaneta e entrou. E rapidamente, quando


reconheceu entre os presentes os dois irmãos Shepherd – Amelia e Derek –
junto com Bailey, não se surpreendeu ao se dar conta que não reconhecera a
voz de Catherine Avery, a mãe de Jackson.

— Ah – Catherine murmurou com desdém – Chegou o principal


interessado. O advogado de defesa.

— Se querem saber, está dando pra ouvir o que vocês falam do outro lado
do corredor – Mark anunciou, mas não parecia nenhuma surpresa.

— Dr. Sloan, seria melhor se o senhor esperasse lá fora – Bailey


recomendou pacientemente – Nós não iremos demorar aqui.

— Não iremos mesmo, até porque eu já disse a que vinha – Amelia retrucou
– Catherine, com todo respeito aos seus milhões investidos nesse hospital, a
chefe de Neurocirurgia sou eu. Eu decido se a Dra. Grey vai ser contratada
por esse hospital ou não.

— Ah, então é isso...? – Mark cruzou os braços encarando Catherine – Você


veio aqui armar um motim contra a Lexie?

— Um hospital financiado pela fundação não vai manter essa garota que
humilhou o nosso nome – Catherine anunciou – Ou a Dra. Grey é demitida,
ou a fundação sai. Você decide Bailey.

— Isso é chantagem – Derek acusou – É baixo demais.

— Chame como quiser – Catherine deu de ombros.


— Eu não me submeto a chantagens – Amelia disparou – Eu não vou retirar
a oferta à Grey. Ela só sai desse hospital se quiser.

— Ela não vai sair – Mark rosnou – Bailey, se a Lexie for demitida desse
hospital eu me demito junto.

— Não seria má ideia – Catherine alfinetou – Jackson é um excelente


cirurgião plástico, ele seria perfeito para a chefia do departamento.

— Desde quando a criatura supera o criador? – Amelia revirou os olhos –


Se a Grey for demitida eu também me demito.

Bailey tinha os olhos arregalados. O objetivo dela não era perder metade do
seu corpo cirúrgico.

— Acho que não preciso dizer nada sobre Meredith e eu – Derek deu de
ombros – Preciso Bailey?

Não, não precisava. Os Shepherd e Mark Sloan rendiam milhões


anualmente para o hospital. Meredith era vencedora do Harper Avery... a
perda seria irreparável. Tinha que ter uma maneira de evitar aquilo.

— Ok, chega – Bailey cortou – Vocês podem ser acionistas, chefes de


departamento ou o que for, mas a chefe de cirurgia sou eu. Quem decide
sou eu. Lexie Grey é nossa residente-chefe e eu não irei demiti-la. Ela só
não fica no New York General Hospital se não quiser. É minha palavra
final.

Catherine não parecia nada satisfeita. Ela certamente tentaria dar um jeito...
mas, ao menos naquele momento, o não de Bailey era a palavra final.

xxx

Poncho passou a semana inteira pisando em ovos com Daniel. Ele sabia que
o menino não tinha exatamente amado a notícia de que o pai estava
namorando com Anahí, mas Poncho esperava que ele amolecesse com o
tempo. Ele só não sabia quanto tempo seria esse, o quanto deveria esperar.
E o que fazer enquanto ele não se adaptasse àquela realidade.
No fim, foi Jesse quem deu uma ideia a Poncho: que ele saísse a três com
Dani e Missy. Era como resolver dois problemas de uma só vez, deixando
que seu filho e a filha da namorada se acostumassem um com o outro.
Quem sabe a aproximação ficasse mais fácil se fosse através de Missy.
Afinal, Dani criou um laço com a menina antes de descobrir que seu pai
estava se relacionando com a mãe dela. Não era um laço que Poncho
acreditava que se romperia apenas pela recepção ruim que Daniel estava
tendo da separação dos pais e do novo namoro de Poncho.

Anahí adorou a ideia. Naquele dia em especial ela não poderia sair com a
filha porque estaria na terapia e Missy estava cabisbaixa, ansiosa para se
mudar de vez para o apartamento da mãe, algo que ainda não tinha
acontecido porque Maite ainda estava desocupando o quarto que seria dela.
Quando a mãe lhe disse que Poncho a buscaria para que saíssem apenas eles
dois e Dani, a menina ficou muitíssimo animada. Parecia ser um grande
acerto aquela ideia.

— Qualquer coisa você me liga ok? – Anahí disse vendo Missy franzir a
testa para ela em seguida – Quer dizer, você pede ao Poncho pra me ligar e
eu vou até você. Onde for, a hora que for.

— Não se preocupa – Missy sorriu – A gente vai se divertir.

— É, não se preocupe querida – Arthur resmungou com a neta, sorrindo


para Missy – Você acha que Poncho não vai saber cuidar bem da sua filha?
Vai fazer tão bem quanto faz com o Dani, porque ele praticamente é pai
dela mesmo né...

— Vovô...! – Anahí arregalou os olhos.

— Arthur – Ellie resmungou entre os dentes.

— Ok, ok, não está mais aqui quem falou – ele deu de ombros – Ande
menina, venha dar um beijo no vovô.

A verdade é que Ellie e Arthur estavam encantados com a bisneta. Arthur


até tinha parado de pedir a Anahí para engravidar. A verdade é que
provavelmente toda aquela família estava apaixonada por Missy. Até Harry,
quem Anahí sempre achou completamente seco, tinha se rendido à
sobrinha. E Poncho, naquela tarde, tentaria fazer com que a última pessoa
que ainda não estava de quatro por ela por fim, ficasse.

— Eu disse a ela que qualquer coisa, qualquer coisa vocês podem me ligar
– Anahí disse insegura vendo a filha entrar no carro e deixa-la para trás com
toda a tranquilidade do mundo.

— Ei, eu sei como cuidar de uma criança – Poncho disse se aproximando e


rindo – Relaxe, vai ficar tudo bem.

— Eu sei que você sabe, mas eu ainda sou nova nisso, to me acostumando –
ela respirou pesadamente.

— Pois então se acostume com a ideia de que eu sempre vou cuidar bem da
Missy – Poncho garantiu – É uma promessa.

Do lado de dentro do carro, uma coisa chamava a atenção da menina.

— Eles não vão se beijar...? – Missy perguntou retoricamente. Daniel não


respondeu, apenas abaixando o rosto porque, caso aquilo acontecesse, ele
não queria ver – Eles são namorados, e namorados se beijam.

— Ele beijava a minha mãe – o menino ainda tinha o rosto abaixado –


Agora... é ela.

Missy imediatamente entendeu que estava pisando em um terreno perigoso.


Por isso uma pergunta importante era necessária.

— Dani... – a menina o chamou – Você ta triste comigo?

— Não... – ele negou de pronto – Com você não.

— Não fica triste com eles – Missy pediu – Ela gosta dele. Eles estão
felizes.

Esse era o problema... Daniel não estava pronto para ver o pai sendo feliz
com outra pessoa.
Depois de se despedir de Anahí – sem beijo – Poncho entrou no carro e
dirigiu até o Brooklyn Bridge Park. Seguiu para o primeiro lugar onde
conseguiu estacionar e depois disso ele estava com uma criança em cada
mão, a essa altura com o filho já tendo esquecido a birra com a madrasta e
se entregando à empolgação do momento. O parque estava com a grama
verde e o dia estava ensolarado, mas longe de estar quente, porque afinal,
ainda era o fim do inverno em Nova York. Tudo indicava que eles iriam se
divertir muito.

E durante aquelas horas realmente foi assim. Poncho se esqueceu de todos


os problemas e deixou a tensão escorrer ao correr junto com as crianças. Os
três brincaram de bola, de pique e até rolaram na grama, não sentindo a
hora passar. Poncho sequer sentiu o celular vibrando no bolso da calça pelas
mensagens de uma ansiosa Anahí que, no corredor de espera do hospital
para a sua consulta com a Dra. Balfe, queria saber como tudo estava se
saindo em sua ausência.

Ao final do passeio, Daniel fez um pedido.

— Podemos comer cachorro-quente? – o menino quase implorou,


colocando as duas mãos juntas. Poncho não conseguiu não rir.

— Eu sei dizer que não pra você...? – ele sorriu para o filho, que o abraçou
na cintura.

— Eu também posso? – Missy perguntou entusiasmada.

— Sim, é claro que sim – Poncho disse se levantando – Vocês ficam aqui e
eu compro, ok? Não saiam.

Realmente eles não saíram. Poncho já tinha levado Daniel para o parque
algumas vezes e feito isso, não havia qualquer motivo para se sentir
inseguro, o que poderia dar errado?

Era simples: nas vezes anteriores Missy não estava com eles.

— Ei – uma voz desconhecida e masculina os chamou por trás. Daniel e,


logo em seguida, Missy se viraram para ver.
Tobias.

— Você não veio com a sua mãe hoje...? – ele perguntou interessado. Um
olho estava nas crianças e o outro, em Poncho ainda longe dali e alheio ao
que acontecia.

— Não – Missy respondeu desconfiada – Quem é você? Como você


conhece a minha mãe?

— Ela nunca falou de mim...? – Tobias sorriu malicioso – Ora ora ora...

— Papai! – Daniel gritou.

Bastou um grito.

De onde estava Poncho ouviu a voz do filho. Levantou a cabeça em alerta


ao reconhecê-la e notar, pelo timbre de Daniel, que algo estava errado.
Realmente estava. Bastou que ele enxergasse a cena mesmo à distância para
decidir agir.

Poncho imediatamente se esqueceu do cachorro-quente, esqueceu de onde


estava e de qualquer consequência advinda do que estava prestes a fazer.
Esqueceu até mesmo que Missy e Daniel estavam ali e que eles o veriam
daquela forma. Em sua mente ele tinha apenas o dia que Anahí
desapareceu, o seu desespero quando se deu conta que algo tinha
acontecido. A agonia dos dias que vieram, das semanas, meses e anos.
Como ele definhou com o tempo, a imaginação do que tinha acontecido.
Vê-la de volta, o estrago causado. Os anos perdidos, a distância, a dor, a
violência que ela tinha sofrido, tudo o que perdeu e jamais seria devolvido,
o filho deles, sete anos distante de Missy... tudo virou raiva e a raiva se
concentrou num punho.

Com uma mão Poncho puxou Tobias pela camisa e o afastou de Missy.
Com a outra, lhe deu um soco que o levou ao chão. O lugar onde ele jogou
Anahí tantas vezes. O lugar que era seu agora... que ele realmente merecia.

~
Sem fôlego com o fim do capítulo: sim ou claro? Hahahahahahahaha

Muito do que vocês pediram está nesse capítulo: Anahí enfim chamando o
Keith de pai, Missy enfim caindo na real sobre as pessoas que o criaram -
com o extra da Barbara e do Ed serem presos - e é claro, o tão esperado
acerto de contas entre o Poncho e o Tobias.

Sei que ainda ta faltando a Sophia contar pro Jesse sobre o estupro, mas se
acalmem! As coisas têm seu tempo pra acontecer, vcs precisam confiar em
mim!

De toda forma, peço desculpas pela falta de post de ontem, mas sem luz
numa casa e sem internet na outra fica impossível né? Felizmente hoje tudo
voltou e eu consegui estar aqui. Mas semana que vem voltamos à
programação normal e eu estarei aqui na quinta se não acontecer nenhuma
catástrofe.

Beijos em todxs,

Rafa
Capítulo 65 - Only you and me

O ambiente se calou quando Tobias foi levado ao chão. As pessoas


próximas a eles no parque imediatamente olharam ao ouvir o barulho da
queda. Se todos rapidamente se chocaram por não imaginarem o que tinha
causado aquela súbita briga, o que haveria de ser dito sobre Daniel e Missy,
que estavam ali totalmente próximos?

Mas havia um motivo, havia uma razão. Poncho, um homem


completamente pacífico, jamais agiria com qualquer tipo de violência se
não fosse extremamente necessário. Naquele caso não havia como ser.
Aquele homem não apenas destruíra a vida de Anahí, mas também lhe
tomara. Tomou a vida dela, a tomou de todas as pessoas que a amavam,
Poncho inclusive, além de ter tirado Missy da própria mãe e feito Anahí
esquecer dela, acreditando que suas lembranças eram fruto de um delírio. E
agora, como se tudo o que viera antes não bastasse, ele se aproximava de
Missy na ausência de sua mãe.

Mas se a menina não tinha, ao menos naquele momento, Anahí presente


para defendê-la, Poncho estava.

— Você não ouse se aproximar dela – Poncho disse apontando o dedo para
um Tobias que ainda estava no chão, com o nariz ensanguentado pelo soco
que levara – Nunca mais.

— Você não pode me proibir – Tobias respondeu debochado. Até baqueado


como estava ele conseguia desdenhar e não perder a pose – Ela não é nada
sua, aceite de uma vez. Ela é minha filha.

— Nunca – Poncho disse puxando-o pela camisa, com sangue nos olhos e
ódio nas veias – Se você chegar a cem metros que seja dela, se você tocar
num fio de cabelo de qualquer uma das duas eu acabo com você. Não vai
sobrar nem um pedacinho.

— Pois eu ficaria satisfeito – Tobias ironizou mais uma vez – Pois assim
você seria preso e ela teria que ficar sozinha. Antes eu morto do que ela
com você, seu fraco.
Naquele momento Poncho descobriu que havia espaço para mais ódio. Foi
o que fez dar outro soco em Tobias e joga-lo de vez no chão.

As pessoas no parque – homens principalmente – começaram a intervir em


seguida. Logo Poncho sentiu que o puxavam pelos braços, foram
necessários três para conseguir contê-lo, ele estava prestes a matar Tobias e
era preciso muita força para impedi-lo. Tinham sido dois socos e ele estava
com raiva, com ressentimento pelo que aquele homem falava, pelo que
fazia, ele realmente acreditava ter algum direito sobre Anahí e Missy e com
isso Poncho não sabia lidar.

O racional dizia que era errado, que era melhor que realmente o parassem,
mas Poncho não era razão naquela hora, ele era emoção pura e puro ódio.
Ele queria estraçalhar Tobias sem pensar nas consequências, mesmo
deixando Anahí sozinha, pelo menos ela estaria livre daquele homem,
poderia criar Missy sem fantasmas. Mas quando o afastaram o suficiente,
quando Poncho começou a ouvir as sirenes de um carro de polícia que
parecia perto, ele viu o rosto de Daniel o encarando com o mais absoluto
assombro.

Então ele percebeu que não era mais apenas ele e Anahí. Eles tinham duas
crianças que dependiam deles. Poncho tinha um filho que não pedira para
nascer e não tinha absolutamente nada a ver com a raiva que o pai nutria
por Tobias Menzies. Um filho que não conhecia a história completa e não
entendia as versões e as nuances... mas que agora via o pai possuído e
violento.

Nada bom.

xxx

Anahí invadiu a delegacia acompanhada por Keith e pela advogada dele,


Lucca Quinn. Por sorte ela estava na casa da mãe quando recebeu a ligação
de Erendira avisando que seu irmão tinha sido preso por agredir Tobias no
meio do Brooklyn Bridge Park e que ela estava com as crianças. Anahí
tinha ido para a casa de Karen após uma bem sucedida sessão de terapia na
qual, através da regressão, ela sentiu que estava cada vez mais perto de
descobrir como tinha sido sequestrada. Estava lá à espera do namorado, da
filha e do enteado. Achava que tinha motivos para comemorar.

Se enganou.

No caminho Anahí não parava de pensar em Tobias. Ela não precisava


ouvir a versão de Poncho para saber o que tinha acontecido. Tobias era um
verdadeiro fantasma e não estava disposto a deixa-la em paz. Enquanto ele
estivesse livre a atormentaria. Mas Anahí não estava preocupada consigo
mesma, seu medo era por Missy. A menina não conhecia a própria origem e
aquele não era o melhor momento de contar, ela ainda era uma criança e
Anahí não queria destruir sua inocência. Mas ao mesmo tempo, ela não
encontrava outra forma de protegê-la senão com a verdade, evitando que
Missy descobrisse futuramente da pior maneira e não perdoasse a mãe,
como meses antes Anahí quase não perdoou Karen por esconder a
existência de Keith.

— Fique tranquila – Keith sussurrou para a filha, como se lesse seus


pensamentos – Isso tudo vai acabar.

— Por que parece cada vez mais difícil, mais distante...? – ela questionou
desesperançosa.

— Porque a hora mais escura do dia é aquela antes de amanhecer – Keith


respondeu sorrindo e abraçando-a – Está perto, eu sei que está.

Mas tudo tinha ficado ainda mais complexo com aquele novo elemento.
Quando Anahí entrou na delegacia ela foi capaz de enxergar Erendira ao
fundo sentada com Daniel e Missy, um de cada lado seu. Pelo simples olhar
da filha Anahí foi capaz de apostar que a menina estava insegura por estar
com alguém que não conhecia. Tanto era verdade que, tão logo ela viu a
mãe entrando, já deu um pulo da cadeira e correu na direção de Anahí,
agarrando suas pernas e parecendo aliviada por estar num terreno seguro
novamente.

— Calma bebê – Anahí disse abaixando e abraçando a filha – Ta tudo bem,


eu to aqui.
— Eu tava com medo – Missy confidenciou – O tio Poncho... o Dani ta
bravo...

— Fica com o seu avô, eu irei resolver tudo, te prometo – Anahí disse
apontando para Keith e Missy, sem pestanejar, foi até Keith.

Logo em seguida Anahí encarou as duas pessoas que sobraram ao fundo.


Erendira é quem tinha ligado para ela. A irmã de Poncho foi a pessoa a
quem ele recorreu, ela tinha pago a fiança e estava esperando para resolver
tudo. Anahí se sentia péssima por dar um trabalho daqueles à cunhada, se
reputava como culpada da situação porque Poncho só tinha sido preso por
conta de Tobias; logo, tinha a ver com ela. ele não ligou para Anahí porque
não queria apavora-la nem envolvê-la naquilo, mas de nada adiantou, já que
a primeira providência de sua irmã foi entrar em contato com a namorada
dele, pois, além de tudo, a filha dela estava ali, sob sua responsabilidade.

Mas não era o olhar que Erendira lhe lançava que chamava a atenção de
Anahí. O que ela via era Daniel. O menino a encarava com rancor, com os
olhos cerrados e os braços cruzados, a boca trincada. Não era preciso pensar
demais para entender o que tinha acontecido, as peças estavam ali para
serem juntadas e Anahí rapidamente ligou os pontos.

— É culpa sua – Daniel acusou se levantando e olhando para ela com raiva
– É por sua causa que o meu papai ta preso...!

— Dani... – o fio de voz de Anahí conseguiu apenas dizer o nome do


menino. Nada mais.

— Eu odeio você...!

Daniel falou aquilo logo antes de sair dali correndo e com raiva. Erendira se
desculpou com Anahí pelo sobrinho, disse que Poncho já estava para ser
liberado e foi atrás do menino, deixando-a ali, com o rosto queimando de
vergonha, de raiva, por tudo. Lágrimas queriam sair de qualquer forma e ela
lutava para tentar impedir, porque Poncho já estava prestes a ser libertado,
Missy estava ali e ela não queria se mostrar vulnerável justo naquele
momento.
Mas era impossível. Anahí ali sentada lutava contra a dor e sua força
parecia ganhar, mas não ter nenhum tipo de abalo... isso era querer demais.
Ela mordia os lábios, respirava fundo, rapidamente lançando um olhar para
Keith implorando para que ele saísse dali com Missy e a filha não tivesse
que ver a mãe naquele estado. Funcionou, mas não por muito tempo, porque
mesmo a menina estando afastada, a outra pessoa de quem ela queria
esconder a própria fragilidade apareceu bem ali.

— A Erendira te contou... merda – Poncho resmungou ao vê-la ali. Anahí


rapidamente enxugou as lágrimas, mas não tão rápido a ponto dele não
perceber o que estava acontecendo – Any, o que aconteceu...?

— O Dani, ele... ele viu o que aconteceu e disse que a culpa era minha –
Anahí mordeu os lábios – Realmente é, mas...

— É claro que não é sua – Poncho disse abraçando-a, acariciando os


cabelos dela – A culpa é só daquele desgraçado, ele vai ter o que merece,
seja pelas minhas mãos ou não.

— Eu não quero que você suja as mãos por ele – Anahí disse saindo do
abraço e encarando-o – Eu não quero que ele te torne um assassino Poncho,
não seria justo.

— Eu sei – Poncho concordou – Eu não pensei. Não estou certo, não vou
me justificar, é que na hora... ele tava tentando se aproximar da Missy, e
isso eu não poderia permitir.

— Obrigada por cuidar dela – ela sorriu grata – Você ta bem?

— Sim, foram apenas algumas horas e a advogada do Keith disse que vai
cuidar de tudo – ele respondeu – Talvez você precise conversar com a
Missy. Eu não sei o quanto ela ouviu...

— O que ela poderia ter ouvido...? – Anahí rapidamente ficou nervosa.

— O desgraçado disse que era pai dela – Poncho respondeu – Eu não sei
se... na hora eu esqueci que eles estavam juntos, me deu tanto ódio...
— Merda – Anahí praguejou – Ok. Você também tem que conversar com o
Dani. Ele precisa de você. Nesse momento... os nossos filhos precisam mais
de nós do que nós precisamos um do outro. Temos que cuidar deles, fazer
tudo ficar bem de novo.

— Tem horas que eu esqueço que não somos somente você e eu como era
antes – Poncho disse abraçando-a novamente – Fique bem ok? E não pense
nem por um segundo que algo é culpa sua. A culpa é dele, só dele e nós
iremos provar isso no Tribunal.

Ah, eles iriam.

xxx

Anahí sabia que a conversa entre Poncho e Daniel não seria fácil. A mera
lembrança da forma como o enteado tinha falado com ela, o olhar dele
cheio de raiva, ainda eram coisas que a deixavam profundamente magoada
e faziam seu coração doer. Mas ela via que não era o momento ideal para se
concentrar em si, já que o olhar que Missy exibia parecia vago e cheio de
dúvidas. Por aquele olhar Anahí percebeu que Poncho tinha razão, Missy
tinha ouvido demais. Era melhor que ela exorcizasse aqueles fantasmas de
uma vez, já bastava que uma delas fosse assombrada.

Keith fez questão de deixar Anahí em seu apartamento com Missy. A


menina já tinha algumas coisas lá e ele sentiu que as duas precisavam ficar
sozinhas, precisavam de privacidade para aquela conversa que era mais do
que necessária. Elas subiram as escadas juntas e em silêncio, ao entrarem
no apartamento se deram conta que não havia ninguém ali. Maite ainda
estava terminando de desocupar o quarto, faltava pouco e, a julgar pelas
caixas na sala, ela provavelmente estava naquele momento com Mane
levando algumas delas. Por isso Missy ainda não tinha o próprio quarto,
quando estava ali ficava no da mãe... que foi exatamente para onde elas
foram.

— Eu queria perguntar uma coisa – a menina divagou – Posso?

— O que você quiser – Anahí respondeu se sentando ao lado dela na cama.


— Por que o tio Poncho bateu naquele moço...? – a testa de Missy estava
franzida e ela parecia definitivamente insegura – Ele... disse que era meu
pai. Isso é verdade?

Ao ouvir a pergunta Anahí engoliu em seco. Tinha se preparado para aquela


conversa, mas não esperava que a filha fosse tão direta.

— Por que você não disse que ele era meu pai? – Missy continuou
perguntando – Você prometeu que não mentiria pra mim.

— Sim, eu prometi – Anahí respondeu – E por isso eu vou contar a verdade


agora. Toda a verdade.

Ela respirou fundo antes de começar.

— Quando eu tinha vinte e dois anos, eu namorava o Poncho e estudava em


outra cidade – Anahí começou – Eu tinha acabado de terminar a faculdade e
voltei pra casa. Mas ele e eu namorávamos há um tempo e decidimos morar
juntos. Nós alugamos um apartamento e eu consegui um emprego. Só que
logo em seguida eu fui sequestrada por um homem que eu conhecia. Ele era
cliente do café da minha mãe e ia lá há muito tempo.

— O que é ser sequestrada? – Missy perguntou confusa. Seriam muitos


conceitos novos naquela conversa.

— Significa que ele me trancou dentro da casa dele e não me deixou sair –
Anahí respondeu – Eu nunca mais vi a minha mãe, os meus avós, nem meus
amigos e nem o Poncho. Ele não queria que eu saísse porque achava que eu
deveria ser só dele. E eu fiquei lá por oito anos.

— Foi lá que eu nasci? – Missy perguntou.

— Sim – Anahí deu um sorriso amargo – Ele me obrigava a fazer sexo com
ele. Sexo é como os bebês são feitos. É algo bom quando nós fazemos com
carinho, com a pessoa com quem gostamos, só que eu não gostava dele, ele
me obrigava e me machucava, me tratava mal. Mas mesmo não gostando,
eu tinha que fazer, porque se não ele me batia. E assim você nasceu.
— E ele me levou embora depois – Missy completou – E me levou pros...

Ela se calou. Já não conseguia chamar as pessoas que a criaram de pais, não
desde a última vez que os vira.

— Sim, ele te entregou pra Barbara e pro Ed – Anahí continuou – E ele


mentiu pra mim, me fez acreditar que você nunca tinha nascido e que eu
estava ficando maluca. Por isso eu não lembrava de você. Mas quando eu
lembrei, eu decidi te procurar porque já tínhamos passado tempo demais
separadas. E eu te encontrei, e não vou deixar nem que ele, nem que
ninguém nos separe mais. Nunca mais.

— Então... ele realmente é meu pai? – a constatação não parecia algo que
fazia Missy feliz. E Anahí entendia por que.

— Depende – Anahí explicou – Porque eu acho que pai é quem nos ama.
Pai é quem cuidada gente, não quem nos faz. Você nasceu dele, mas ele
nunca cuidou de você. Ele te afastou de mim e te deixou com pessoas más,
que não cuidavam bem de você. Então sim, ele é seu pai, mas ao mesmo
tempo... não, ele não é.

Missy parecia assimilar as informações calada. Parecia coisa demais para


uma criança de apenas sete anos processar, e Anahí tentava ir com calma.
Ela sofria por ter que revelar aquelas verdades duras para a filha mas ao
mesmo tempo se perdoava, porque sabia que fazia aquilo para o bem dela.
Sabia que Missy merecia e precisava conhecer a verdade. Era a vida dela
também, era sua história.

— Eu sei que é difícil demais pra sua cabecinha entender tudo isso – Anahí
prosseguiu – Mas ele não é uma boa pessoa e por isso o Poncho bateu nele.
Eu sei que não é o certo, mas ele fez isso pra te proteger. E quando
protegemos as pessoas que amamos, nem sempre fazemos isso da maneira
mais correta.

— Então o Poncho me ama? – Missy perguntou. Era uma conclusão lógica.

— Eu acho que sim – Anahí respondeu vendo o primeiro sinal de sorriso


nascer no rosto da filha – Quem é louco de não amar você...?
Ao dizer aquilo Anahí pensava que Tobias era louco, que Barbara e Ed
definitivamente eram... mas não importava. Eles eram exceção. Missy era
encantadora. O que importava era a regra. O que realmente valia era o texto
principal e aqueles três eram meramente a nota de rodapé daquela história.

Tobias nunca fora pai de Missy, aquela era a grande verdade. Era uma
contribuição biológica e, ainda assim, forçada. Ele não era para a menina o
que Jesse era para Samantha, o que Poncho era para Daniel e
principalmente, o que Keith vinha sendo para Anahí. Missy poderia ter
dificuldades de entender isso, mas era algo com o qual ela se acostumaria
conforme vivesse aquela verdade.

Mas Anahí acabou descobrindo que ela tinha entendido muito antes...

— Tomara que o Poncho e você se casem um dia – Missy confidenciou –


Aí ele pode ser meu pai também.

E Anahí naquele momento descobriu que a coisa que mais queria em seu
íntimo era que aquele desejo da filha se tornasse real.

— Dani ta bravo comigo também? – missy perguntou.

— Ele ta chateado porque o Poncho e eu estamos namorando – Anahí


respondeu afagando a filha – Ele queria que os pais ficassem juntos pra
sempre. Não podemos ficar chateadas com ele por isso.

— Tudo bem – Missy deu de ombros – Tomara que passe, porque eu gosto
dele. Não quero que ele deixe de ser meu amigo.

Era nítido que ali Anahí tinha a chance de virar a filha contra o filho de
Poncho. Não era confortável ser rejeitada pelo enteado quando ela não tinha
culpa de tudo o que aconteceu. Em uma vida perfeita Daniel e Missy seriam
filhos deles e ela nunca teria sido sequestrada. Quem sabe até eles poderiam
ter mais um irmão. Mas ela nunca faria isso. Ela entendia Daniel sentir a
vida se quebrando porque ela teve uma vida quebrada mesmo antes de ser
sequestrada. Ela apenas torcia para que, um dia, o menino entendesse a
aceitasse. Que eles pudessem ser uma família, embora não fosse nem de
longe o que era planejado, o que era ideal.
Aquela vida definitivamente não era nem um pouco perfeita.

xxx

Maite Perroni não era o tipo de pessoa conhecida pela própria paciência.
Ela acordou na manhã seguinte na cama de Mane e viu uma coisa em seu
celular que a fez se dar conta que, mesmo que fugisse de ser a pessoa que se
metia no que não era de sua conta, aquilo acabava voltando para ela e
obrigando-a a seguir o fluxo da própria natureza. Maite não tinha planejado,
mas quando dera por si já estava a caminho de seu destino: a confeitaria de
Sophia, pronta para obrigar a amiga a dar um basta definitivo naquela
catástrofe na qual sua vida se transformou.

Lívia estava servindo uma mesa e anotando pedidos quando viu o furacão
que a amiga de seus chefes costumava representar invadindo a cafeteria.
Boa coisa não haveria de ser. Por mais que passassem por um momento de
trégua naquele momento ela sabia que a relação entre Jesse e Sophia com
Maite nunca foi das melhores. Lívia não sabia o que esperar.

Ela até rezou para que a morena seguisse direto para o balcão e apenas
estivesse ali para comer algo. Mas é claro que não era isso. É claro que
Maite foi até ela. E antes mesmo dela abrir a boca, Lívia se adiantou.

— Sophia ou Jesse? – ela perguntou, sem deixar de olhar para o bloco onde
anotava os pedidos.

Imediatamente Maite ergueu as sobrancelhas, mas não fez rodeios. Ela não
estava ali para se prolongar; pelo contrário, queria ser breve. Precisava ser.

— Sophia – Maite respondeu.

— Na cozinha – Livia prosseguiu – Que bom que é com ela, porque o Jesse
não está. Reunião de pais na escola da Sam.

Excelente. Maite não queria que Jesse ouvisse a conversa, não queria que
ele aparecesse até o momento certo. Não convinha. A conversa era entre ela
e Sophia. Por sorte a morena não precisava de convite ou ainda ser
anunciada para entrar na cozinha da cafeteria, por isso seguiu direto para lá
a passos largos e abriu a porta. Sophia tinha funcionários suficientes para
não estranhar alguém entrando daquele jeito, por isso só levantou a cabeça
quando ouviu a voz da amiga.

— Aí está você – foi o que Maite disse.

É claro que Sophia não esperava pela presença dela, mas não precisava ser
inteligente demais para saber o que Maite fazia ali. Definitivamente não era
realizar um desejo de grávida. Maite ultimamente só procurava Sophia para
falar do estupro e a simples ideia de retomar aquele assunto pela milésima
vez deixava Sophia com a boca seca. Mas não tinha jeito. Ela não conhecia
ninguém que alcançava a façanha de fugir do assunto com aquela mulher.

— Oi Mai – Sophia disse com o rosto abaixado, ainda preparando a massa


de bolo que fazia – O que houve?

— Você e Jesse – Maite falou – O que houve?

— Nada – ela respondeu desinteressada.

— Eu sei que houve algo, não se faça de idiota...

— Ele me pressionou e eu... – Sophia fez uma pausa. Maite rezou para que
ela dissesse que tinha contado a verdade ao noivo, mas não foi o que veio –
Disse a ele que não sabia se ainda queria me casar com ele.

— Isso explica tudo – a morena cruzou os braços irritadiça.

— Ele contou ao Mane? Foi assim que você descobriu...?

— Não, ele não contou nada – Maite negou – Mas eu sou uma exímia
observadora e vi uma curtida no Instagram dele que deixou bem claro que
tinha algo muito, muito errado.

— Eu não acredito que você inspeciona as curtidas do Instagram do Jesse –


Sophia negou com a cabeça soltando uma risada amarga.

— Estou longe de inspecionar, apenas apareceu e eu vi – Maite respondeu


estendendo o celular para ela – É hora de você ver também.
— Maite...

— Não é um pedido Sophia – ela retrucou – Veja.

Sem opções, Sophia respirou fundo e estendeu a mão, pegando o aparelho.


Ela mordia os lábios sem saber o que esperar, definitivamente não
imaginava qual seria o teor do que quer que Jesse tinha curtido. Mas
rapidamente as ideias sumiram, assim que ela viu a realidade. Era uma
imagem com um texto. Texto esse que dizia por si.

"É difícil quando o seu amor se torna um estranho

E é mais difícil ainda quando você fecha os olhos e as memórias ainda


estão lá.

Memórias matam... e algumas vezes a mais valiosa lição que um amante


pode te ensinar

É a importância do perdão e deixar tudo ir"

A garganta de Sophia estava completamente seca quando ela terminou de


ler. Em contraste, seus olhos estavam encharcados – tanto que as lágrimas
já caíam livres. Maite acompanhava cada uma daquelas reações com o
alívio de que, desde antes de chegar ali, já sabia que poderia atingir aquele
ponto com Sophia. Faltava pouco, bem pouco para que ela conseguisse.
Apenas algumas palavras.

— Vocês se amam – Maite voltou a falar – Vocês têm uma família com a
Samantha. Eu não vou deixar que o seu medo acabe com isso.

— Você não entend...

— Não Sophia, você é quem não entende – Maite disparou – Eu sei que o
medo, a vergonha e as lembranças daquela noite te sufocam, mas enquanto
você não disser ao Jesse isso não vai passar; pelo contrário, vai apenas
piorar. Eu vi isso e senti nesse texto o quanto o Jesse está sofrendo. Eu não
vou deixar que aquele canalha destrua o que vocês têm. Então é o
seguinte... ou você conta, ou eu conto.
Por essa Sophia não esperava.

— Você não pode fazer isso comigo – ela murmurou com os lábios
tremendo de agonia. Mas não iria adiantar de nada aquele apelo.

— Acredite, você ainda vai me agradecer por isso.

Maite tinha uma confiança – para não dizer esperança – de que aquilo não
fosse necessário. Ela tinha blefado, já que não tinha a menor intenção de
dizer a verdade a Jesse. Era Sophia quem deveria falar. Maite apenas fez
aquela ameaça no sentido de despertar a amiga para o óbvio. Ela iria
destruir a melhor coisa que tinha na vida – a família que tinha construído
com Jesse e Samantha – por uma violência que não era culpa sua. Era
injusto demais e Maite iria impedir aquilo de qualquer maneira, mas
esperava não precisar. Ela esperava mesmo que Sophia desse o passo
seguinte.

A ameaça soou mal para Sophia. Se ela já estava agoniada, a partir dali
ficou prestes a explodir. Não conseguiu mais trabalhar e acabou saindo
horas antes que o de costume. Quando Jesse chegou na confeitaria com
Samantha ela obviamente não estava ali, o que reforçou a ideia dele de que
Sophia o evitava a todo custo.

Jesse tentava evitar o inevitável, que Samantha percebesse o que estava


acontecendo entre ele e Sophia. Por isso, quando chegaram em casa mais
tarde, ele disse à filha que Sophia estava com dor de cabeça e que ela não
deveria incomoda-la e sim ficar o mais silenciosa possível. Ele sabia que
não daria para postergar aquilo eternamente, mas enquanto desse certo... no
fim ele acabou indo para o quarto mudo, sem saber se puxava um assunto
ou não. Encontrou uma Sophia abraçada no travesseiro dele e mergulhada
em lágrimas. Algo estava errado, muito errado e ele definitivamente não
sabia o que era.

Se até entrar no quarto Jesse tinha dúvidas quanto a perguntar ou não o que
estava vendo. Ele sabia que não aguentaria ouvir de novo a rejeição da boca
dela. Mas ao vê-la ali Jesse sentiu que havia mais. Como ele suspeitava no
início, alguma coisa que ela não tinha contado por ele, qualquer que fosse a
razão daquilo. Ele bem que tentou ser orgulhoso, mas não conseguiu. Ver
Sophia chorando daquele jeito o deixava em pedaços... por isso ele se
ajoelhou de frente para ela e enxugou uma de suas lágrimas.

— Soph... por favor...

— Eu preciso te contar uma coisa.

Sophia sabia que precisava dizer logo. Muito tempo depois ela perderia a
coragem. Já Jesse sentia um feche de luz no coração. Quem sabe a luz no
fim do túnel indicando que ela acabaria de uma vez com aquele mistério e
diria a verdade para ele, fosse qual fosse.

— Me prometa que não vai me odiar – ela pediu.

— Eu não consegui te odiar nem com o que você me disse antes – Jesse
revelou com ar de riso – O que quer que seja...

— Eu fiz algo horrível – os lábios dela tremiam.

— Você me traiu? – Jesse disparou.

— Sim... quer dizer... não... – Sophia não sabia o que dizer. Jesse tinha a
testa franzida e o coração disparado – Eu não lembrava de nada na manhã
seguinte... quando eu acordei... eu estava lá... deve ter sido algo na minha
bebida, e eu não deveria ter bebido... mas ele botou algo, só pode ter sido
isso, porque eu fiquei zonza e...

— Ele te estuprou? – Jesse perguntou com todas as letras. Como Maite


tinha feito naquela manhã seguinte ao ocorrido – Chad... ele te estuprou?

Ela apenas confirmou. Logo antes de desabar num choro.

A primeira reação de Jesse foi acabar com toda a distância entre ele e
Sophia. Eles já tinham se afastado o suficiente, bastava. Por isso ele se
levantou, sentou-se na cama e a puxou para seus braços, afagando-a tanto
quanto era possível. Ele sentiu Sophia se aninhar nele, abraçando-o com
força e chorando mais ainda. Quem sabe de desespero, de alívio, de tudo
junto. Mas enfim livre, sem sombra de dúvidas.
— Me perdoa – ela disse entre as lágrimas – Por favor Jesse, por fav...

— A culpa não é sua – Jesse respondeu calmamente – Nunca vai ser sua
ok? Eu não tenho o que te perdoar meu amor, você não é a culpada. O
culpado é ele.

Jesse achava que ficaria aliviado quando soubesse a verdade. De certa


forma era assim, já que Sophia enfim tinha dito o que era, quebrando o
muro que ela própria construíra entre os dois. Aquilo de um certo ângulo
era melhor do que ela não ama-lo mais, mas em todos os outros era
absurdamente pior. Era quando o alívio se tornava raiva. Chad tinha feito
aquilo com ela. Chad a quebrou em milhões de pedaços e, não satisfeito,
ainda fez Sophia acreditar que a culpa era sua quando nunca seria. Jesse não
falara aquilo da boca para fora. Havia um culpado e não era ela, e ele estava
disposto a resolver aquilo da maneira que fosse, porque lágrima nenhuma
dela poderia ser em vão. Ela não poderia ficar com aquele trauma sem que
nada acontecesse ao seu algoz.

O alívio se tornou mais do que raiva. Se tornou desejo de vingança.

Olaaar pessoal! Tudo bem com vcs? Espero que sim.

Começo dizendo que esse foi um cap bem difícil de escrever por conta
dessa cena bem densa entre a Anahí e a Missy. A cada palavra eu era
massacrada pela minha insegurança de não ser bem interpretada quanto à
cena. Talvez seja um choque pra vcs lerem uma mulher falar com uma
menina de sete anos sobre sexo e estupro. Pode ser que algumas pensem
que jamais falariam sobre isso com uma criança.

A questão é que a Missy não é uma criança como outra qualquer. Ela
enfrentou notícias e descobertas que as crianças da sua idade não
enfrentaram e a Anahí percebeu - pela convivência com ela, pelas
circunstâncias e pela própria experiência com a mãe - que a melhor arma é
sempre a verdade. Cada palavra ali foi mt bem escolhida por mim pela
delicadeza do tema, porque não se pode falar de qualquer jeito. Mas
também acho que numa situação dessas a Anahí não poderia se omitir. A
melhor maneira de proteger uma criança é fazê-la conhecer os perigos do
mundo, e não há conhecimento sem verdade.

No mais, FINALMENTE temos a Sophia criando coragem e contando pro


Jesse do estupro! Eu ouvi um amém?

Sei que vcs querem essa trama se resolvendo. Sejam um pouco mais
pacientes!

E a cada quinta ficamos mais perto do julgamento. Quem ta pronta?

Beijos,

Rafa
Capítulo 66 - Say something

Quando Diana Vasquez tomou conhecimento do incidente que causou a


prisão de seu agora ex-marido, ela primeiro ficou com uma raiva imensa de
Poncho – não pela situação em si, mas pelo fato de que ela ficou sabendo de
tudo por Erendira. Se não fosse pela irmã dele Diana sequer teria ideia de
que as coisas estavam dando errado. Ela odiava aquela mania de Poncho de
bancar o super-herói e tentar resolver tudo como se conseguisse carregar o
mundo nas costas. Diana daquela vez nem sequer tentou se comunicar com
ele, apenas decidiu seguir para Nova York. Poncho poderia decidir sobre si,
mas Daniel continuava sendo filho dos dois.

As coisas estavam melhores para ela. Um coração ferido não se curava de


uma hora para outra, mas Diana estava melhor. Se quando Poncho tinha ido
até Boston para dar o ponto final e definitivo no casamento deles que ela
tanto tentou evitar, ela não conseguia se imaginar voltando a Nova York e
vê-lo com Anahí, agora aquele temor não era tão grande. Talvez fosse uma
questão de prioridades: antes Daniel estava bem e ela estava se sentindo
totalmente segura de deixar o filho com o pai. Agora, com o menino
sabendo do namoro de Poncho com Anahí e não reagindo bem, com Poncho
nitidamente com dificuldades para lidar com tudo, era a hora certa para
Diana voltar para casa.

A única coisa que a prendia ainda em Boston era a si própria. O pai já


estava melhor de saúde e já voltara a trabalhar. Diana precisava apenas de
um empurrão, um motivo que a fizesse se obrigar a voltar para Nova York.
E o motivo chegou com a ligação de Erendira. Na mesma hora ela começou
a fazer as malas e não muito tempo depois estava embarcando para a cidade
que convencionou chamar de sua, embora se destinasse a uma família que
já não sabia se poderia nomear assim.

Não importava. Poncho poderia não ser mais seu marido, mas Daniel
sempre seria seu filho. E era por ele que ela ignoraria que suas cicatrizes
ainda não estavam secas. Ela engoliria em seco e assumiria a situação.
Daniel estava realmente em uma verdadeira guerra fria com o pai. Poncho
sentia isso e sofria. Ele estava sendo assediado pela imprensa por conta da
situação com Tobias, estava momentaneamente afastado de Anahí que
também lidava com os próprios cacos causados pela atitude dele, mas o que
realmente o machucava era a rejeição do filho. Daniel estava magoado com
o pai ao vê-lo agredir outro homem. Nenhuma explicação seria
suficientemente plausível. Ao contrário de Anahí, que conseguiu usar
aquela situação para contar à Missy sua história – que na verdade era delas
– Poncho hesitava em dizer a verdade ao filho. O considerava pequeno e
dócil demais para ouvir aquilo, sem falar que Daniel jamais aceitaria que
Poncho se tornasse um agressor pela mulher que ele não queria que o pai
namorasse.

Então, quando a campainha tocou e Poncho abriu a porta, fez nascer no


filho um alívio.

— Diana...? – ele ergueu as sobrancelhas surpreso – Como voc...

Sim, obviamente ele sabia o que a tinha levado ali. Só não tinha juntado as
peças sobre como ela tinha descoberto.

— Sua irmã – Diana deu de ombros, entrando pelo espaço que ele tinha
deixado – Alguém tinha que me contar, não é?

— Não fale assim – Poncho retrucou magoado – Eu não queria...

— O que? Me incomodar? – ela ergueu as sobrancelhas – Poncho, ele é


meu filho. Você não precisa carregar esse peso todo sozinho.

— Eu não carrego o peso, eu carrego a culpa – Poncho fechou os olhos


pesaroso – Eu me esqueci que ele estava ali. Eu não poderia ter esquecido
dele Diana, eu...

— Poncho, eu não estou te julgando – Diana levantou ambas as mãos – Me


deixe vê-lo. Me deixe falar com ele...

— Você acha que, se conversar com ele... – ele começou a propor. Surgiu
uma esperança em seu peito: quem sabe Diana poderia resolver tudo...
— Eu vou tentar, mas não prometo nada – ela mordeu os lábios – Você
precisa dar um tempo pra ele. São muitas coisas novas. Eu saí de casa, nós
nos separamos, ele ficou um mês longe de mim, depois semanas longe de
você em outra cidade, depois outro mês longe de mim com a ideia de que
nós não vamos mais morar juntos... e ainda tem a Anahí. É coisa demais,
ele só tem seis anos. Você não pode sufoca-lo, Poncho.

Destruía Poncho tudo o que Diana falava, e ele sabia que não era por mal.
Diana nitidamente não estava ali para acusa-lo, apenas para amenizar a
situação. Ela falava verdades, talvez por isso machucasse tanto. Poncho
queria naquele momento gritar e dizer que não estava sufocando Daniel,
que apenas não sabia lidar com o filho se afastando dele pela primeira vez
na vida. Eles sempre haviam sido completamente ligados e agora o filho
mal o olhava. Racionalmente Poncho entendia que Daniel estava tão ferido
quanto ele, mas emocionalmente ele estava agoniado por ver a mãe que
precisou se afastar ser bem recebida enquanto ele era cada vez mais
afastado.

— Tudo bem – Poncho mordeu os lábios – Eu acho que vou ficar com a
Eren por uns dias.

— Você não vai ficar com a sua namorada...? – Diana ergueu as


sobrancelhas claramente surpresa. Ela até então apostava que ele acabaria
indo para o apartamento de Anahí.

— Ela tem uma situação própria pra resolver – Poncho disse se referindo à
Missy. Não era o momento de contar.

— Entendi – Diana respondeu franzindo a testa sem entender. Faltavam


informações ali.

Poncho caminhou até a escada levando as malas dela até o quarto que era
dos dois, já pronto para entrar ali e separar as próprias coisas – ao menos o
essencial – para passar os próximos dias na casa da irmã. Quando os dois
chegaram ao segundo andar ele ouviu Diana chamar pelo filho e Daniel sair
correndo animado ao encontro dela. Poncho quase não lembrava da
felicidade do filho, parecia que uma eternidade tinha se passado desde a
última vez que ele vira Daniel assim. E não era por ele.
Mais parecia que nunca mais seria por ele.

E ele sabia que precisava fazer algo para matar de vez aquela dor que quase
o sufocava, mesmo que fosse algo que ele nunca tinha cogitado fazer.

xxx

Totalmente alheia ao que acontecia com o namorado, Anahí abria uma


garrafa de vinho com Christian, Lexie e Maite para celebrar a mudança da
morena. Missy estava cambaleando de sono deitada na cama da mãe vendo
um desenho na TV e nenhum dos quatro achou que seria uma má ideia que
eles fizessem uma pequena comemoração para celebrar o fato de que algo
inédito acontecia ali. Aquilo foi materializado no discurso de Christian.

— Temos mesmo que comemorar e muito – ele disse servindo a própria


taça – Quer dizer, a nascida das trevas e da negatividade Maite Perroni
enfim vai seguir com aquela vida amorosa que parecia mais encalhada que
o Titanic no iceberg.

— Obrigada pela parte que me toca Christian – ela revirou os olhos.

— É sério, se o professor das Meninas Superpoderosas criasse você, seria


tipo assim... "um pouco de arrogância, um pote cheio de mau humor e uma
pitada de ironia e sarcasmo... uma pitada um cacete! Derruba logo o pote
cheio também!" – ele rolava de rir enquanto falava e só via a careta dela
crescer.

— Vocês zombam com a minha cara e ainda bebem vinho quando eu não
posso beber. É muito desaforo! – a careta dela era imensa.

— É só um vinhozinho, você supera – Anahí bebericou a taça – Pensa na


Luninha.

— Pense na sua afilhada também – ela alfinetou.

— A Soph não vem? – foi Lexie quem perguntou.

— Sophia ta estranha – Christian comentou franzindo a testa – As coisas


não estão boas entre ela e o Jesse, mas eu não faço ideia do que tenha sido...
— É um momento dela – Maite cortou – Ela não é nenhuma criança, parem
de se preocupar.

Era óbvio que os três imediatamente pensaram que tudo tinha voltado ao
normal entre Maite e Sophia. É claro que eles pensaram que aquela frase
era fruto de mais um dos momentos nos quais Maite estava sendo ácida
sobre a "amiga". Não faziam ideia – e nem tinha como saberem – o quanto
a morena estava envolvida no drama que Sophia vivia. E não sabiam que
Maite era a única ali que tinha a confirmação que a outra estaria ali naquela
noite.

Mas nem tudo precisava ser dito. Na verdade, ser dito por ela.

— Eu esqueci de mencionar que certamente jogaram um limão na sua


composição – Christian disse já gargalhando.

Não demorou muito tempo depois da zombaria para Sophia chegar. Foi
Anahí quem abriu a porta para a amiga e viu que ela parecia quieta e
acanhada demais para o que todos ali se acostumaram a ver. Anahí abraçou
Sophia e estava pronta para perguntar o que estava havendo. Ela já estava
bebendo e isso soltava seu lado falador, é claro que ela não ficaria na
dúvida.

Só que no fim não foi preciso. Enquanto Anahí abria a boca, Sophia
caminhava até Maite e fazia uma revelação que a morena esperou semanas
para ouvir.

— Eu contei ao Jesse – Sophia disse.

Maite mal piscou. Ela apenas se levantou, após conseguir reagir àquela
notícia, e abraçou Sophia com força, envolvendo-a naquele abraço de
consolo, de alívio e de redenção. Os outros não entenderam, mas não era
exatamente o objetivo das duas se explicarem: bastava o fato de que uma
soubesse a razão de ser do sorriso em meio às lágrimas da outra. Sophia
sorria por ter finalmente deixado que a verdade saísse. Maite sorria de
alívio porque a verdade dela enfim estava liberta.
— Graças a Deus – Maite murmurou aliviada, indo às lágrimas – Eu estou
orgulhosa de você.

— O que está acontecendo? – a voz de Christian saiu preocupada – Por que


eu sinto que vocês duas estão falando de algo que nós três não sabemos?

Dessa vez Maite não falou nada, apenas encarou Sophia. Ela tinha feito o
mais importante – contado para Jesse – então não cabia mais à amiga
interferir. E Maite tinha a intuição de que, depois do primeiro passo, todos
os seguintes seriam mais fáceis.

— Porque tem algo que vocês não sabem – ela disse com a cabeça baixa,
mas voltando o olhar para os três amigos logo em seguida – Eu fui
estuprada.

— Meu Deus do céu – Lexie murmurou na mesma hora. Estava evidente


que a frase tinha saído da boca dela sem controle.

— Ah Soph... – Christian respondeu em lamento. Ele já caminhava até a


amiga pronto para abraça-la, mas a viu erguendo a mão para impedi-lo.

— Por favor Christian, não – Sophia negou – Já foi mais difícil. Eu


consegui contar pro Jesse, eu consegui dizer a frase completa com todas as
letras...

— Foi o Chad, não é? – Anahí perguntou quebrando o próprio silêncio.

Sophia ergueu a cabeça surpresa. Ela não esperava que alguém juntasse as
peças tão rapidamente, mas era óbvio que, se alguém o faria, seria Anahí. A
amiga era a única que não a encarava com pena ou dor, era justamente
aquela que a enxergava com compreensão. Era óbvio: de maneiras
diferentes, elas viveram o mesmo.

— Como você sabe? – a pergunta de Sophia soou um tanto retórica.

— Na sua vida, ele é o seu cara que não aceita um não – Anahí mordeu os
lábios – O cara que vai ter você, da forma como tiver que ser, custe o que
custar. Acredite, eu entendo isso.
— Eu sei que entende – ela mordeu os lábios – Eu me sinto meio estúpida
de não ter dito nada antes, mas a verdade é que eu não sabia como. Eu não
tinha coragem. Achei que todos fossem dizer que a culpa era minha, porque
todo mundo tinha dito que eu deveria me afastar dele e eu nunca ouvi.

— A culpa nunca vai ser sua – foi Lexie quem disse – Em hipótese alguma.

— Eu sei disso – Sophia sorriu mas não para a neurocirurgiã, e sim para a
outra amiga que seguia com os olhos marejados ao seu lado. A amiga a
quem ela se referiu – Maite me disse duzentas vezes. Eu vou contar tudo.

Os minutos seguintes foram todos eles sentados no tapete da sala, ao redor


de Sophia, ouvindo o seu relato. Desde aquela noite que ela encontrou Chad
até a anterior, quando revelou aquele segredo a Jesse. Sophia passou
inclusive pelo momento no qual estava totalmente perdida na manhã
seguinte ao estupro, procurando em Christian ou em Anahí um apoio óbvio
e terminando por encontra-lo onde menos esperava: em Maite. Ao final as
duas estavam emocionadas com tudo aquilo e o resto do grupo não parecia
muito diferente.

— Você vai denunciar, não é? – Anahí perguntou – Você precisa fazer isso
Soph.

— Eu sei que preciso – ela suspirou longamente, sentindo-se pesada de


novo – É só que... eu não tenho qualquer prova.

— Como assim? – Christian franziu a testa – Você não fez o corpo de


delito...?

— Não a julgue – Maite recomendou, vendo o amigo baixar o tom.

— É que... sem isso... – Christian negava com a cabeça.

— EU sei – Sophia abaixou o olhar.

— Nós vamos pensar em algo – Anahí disse encarando a amiga, vendo


algum brilho nascer no rosto dela – Nós vamos dar um jeito nisso Soph.
Você não está sozinha.
Se Sophia já não se sentia mais solitária desde que Maite abriu a porta para
ela naquela manhã, agora mais do que nunca sabia que, mesmo que não
houvesse um jeito, haveria um suporte.

xxx

Se Sophia pensava numa maneira legal de resolver o crime cometido por


Chad no qual ela era a vítima, Jesse tinha uma maneira bem diferente de
resolver aquilo.

Não poderia deixar qualquer furo, era a única coisa que ele tinha em mente.
Jesse já não tratava mais aquilo como uma ideia, tinha se tornado uma
obsessão. Ele tinha que fazer, tinha que resolver, mas não sabia como.

O grande problema era deixar rastros. Jesse não queria que Sophia
soubesse, ela certamente se sentiria mais culpada e só pioraria as coisas.
Além de tudo, não queria tanta gente envolvida naquilo, porque falar sobre
seus planos significaria fazer mais gente descobrir a violência que sua noiva
tinha sofrido e não era um direito que Jesse tinha. Era Sophia quem deveria
decidir quando, como e a quem contar sobre sua própria história.

Mas não bastava Sophia não saber. Jesse não queria chamar a atenção, não
queria que as coisas terminassem como terminaram para Poncho. O amigo
acabou deixando como lição o ensinamento de que fazer tudo guiado pela
emoção poderia trazer prejuízos imensos. Não era nem de longe o que Jesse
pretendia. Ele planejou minuciosamente para não depender de ninguém,
para não obrigar ninguém a mentir ou se envolver, assim não precisaria
contar o que faria, tampouco revelar seus motivos. Jesse, assim, arrumou o
mais perfeito dos álibis.

Naquela tarde ele chegou ao café e Sophia não estava lá. Jesse sabia que ela
tinha saído no fim do dia para encontrar os amigos numa comemoração pela
mudança de Maite. Era perfeito. Jesse deixou Samantha com a babá sob o
argumento de que estava lotado de trabalho, cumprimentou Lívia e os
outros funcionários e entrou dentro do próprio escritório, onde permaneceu
o resto da noite, até o estabelecimento fechar.

Ao menos era o que todos os clientes e todos que trabalhavam ali pensaram.
Jesse estrategicamente fugiu pela janela do escritório, num momento em
que teve certeza que não seria visto. A mesma dava para um beco
totalmente vazio, livre de qualquer testemunha. Antes de sair de vez ele se
certificou que a janela parecesse fechada, as cortinas idem e a luz acesa,
dando a entender que tinha alguém trabalhando com concentração. Jesse
aproveitou do clima ainda frio da segunda metade do inverno e colocou
uma touca e um óculos. Ele não queria ser reconhecido.

Cada passo para a casa de Chad aumentou sua raiva e sua determinação.
Jesse observou cada detalhe da rotina do rival, cada poste próximo ao
prédio onde ele morava. Não se aproximou demais, ele não queria se expor.
Ficou distante, a postos, num beco suficientemente longe, esperando Chad
voltar para casa. Uma hora ele voltaria.

E uma hora, é claro, ele voltou. Definitivamente embriagado, um táxi parou


próximo dali e, por sorte, Chad desceu na esquina. Jesse até então calculava
como entrar no prédio sem ser notado, sem querer se arriscar ser pego pelas
câmeras de segurança, mas não foi preciso. Um distraído Chad saiu da
farmácia em seguida e passou bem à sua frente, sem a agilidade que ele
tinha de sobra. Quando Chad cruzou a entrada daquele beco, sentiu apenas
alguém puxa-lo para dentro. Sequer houve tempo para raciocinar. Quando
ele deu por si, estava jogado contra um muro, assustado como se visse a
morte em sua frente, soterrado pelos braços e pelo ódio de Jesse contra a
parede.

— O que você... – Chad resmungou – Está louco...? Me solta! Eu vou


chamar a polícia?

— É mesmo? – Jesse debochou – Pois chame. Seria interessante ouvir o


que você diria em resposta. Vai contar a verdade? Vai dizer que você a
dopou e a estuprou...?

— Foi isso que ela te disse? – ele desdenhou – É claro que é o que você
gostaria de acreditar, jamais poderia cogitar que ela transou comigo porque
quis.

— Ah claro – Jesse revirou os olhos – Seu sonho.


— Não foi meu sonho, foi minha realidade – Chad acusou – Ela me ama.
No fundo, lá no fundo, ela me quer. Você não consegue aceitar.

— Você é um filho da puta estuprador – a voz de Jesse engrossou – Que


precisa força-la pra conseguir alguma coisa com uma mulher como ela. Mas
isso não vai ficar assim. Eu vou me certificar que você não irá tocar mais
um dedo sequer nela, você não irá tocar um dedo sequer em qualquer
mulher, nunca mais.

— Você vai pra cadeia – Chad ameaçou.

— Veremos.

Jesse obviamente não tinha mais tempo a perder, foi então que ele começou.
Tinha que ser limpo e discreto e ele tinha raiva suficiente para duplicar sua
força. Por isso ele colocou as mãos na boca de Chad e começou a chuta-lo
contra a parede, até fazê-lo perder completamente as forças. Ele
rapidamente viu o corpo do outro definhar até cair no chão. Jesse então
continuou a chuta-lo, várias e várias vezes, até fazê-lo cuspir sangue, até vê-
lo não conseguir mais gemer de dor, muito menos gritar. Ele
propositalmente não diferia nenhum soco em Chad, não queria deixar
marcas em suas mãos que poderiam acusa-lo mais tarde. Tinha que ser
limpo para ele, limpo e bem planejado. Seus sapatos poderiam ser
descartados por outros que não condiziriam com as marcas deixadas
naquele homem. Tudo fora milimetricamente pensado para dar certo e não o
colocar na mira de suspeitos daquela agressão que Jesse fazia questão de
cometer.

Mas o que Jesse realmente queria era cumprir a própria promessa. Não
bastava doer, tinha que ser simbólico. Exatamente por aquela razão tinha
que haver um requinte de crueldade, algo que ficasse marcado na cabeça
daquele homem para que ele se lembrasse antes de tentar repetir com
qualquer mulher o que fizera com Sophia. Por isso Jesse estendeu as mãos
dele e nelas pisou. Várias e várias vezes. Houve por parte de Chad um
murmúrio agoniado de dor. Jesse provavelmente estava quebrando cada um
dos dedos dele... exatamente para que, conforme a promessa que ele lhe
fizera, não ousasse tocar um dedo sequer em Sophia novamente. Nem nela,
nem em qualquer mulher.
Depois disso não havia mais nada para ser feito. Jesse fez questão de ligar
de um aparelho público para o 911 abafando a voz para não ser
reconhecido, fingindo ser uma testemunha que acabara de ver um homem
sendo assaltado em um beco e agredido. Tratou de sair dali o mais rápido
possível, novamente sem ser notado. Fez aquilo apenas porque não queria
que Chad morresse, não queria sujar suas mãos daquela forma.

Não se tratava de fazer a violência gratuitamente ou de se sentir renovado


por uma surra sobre um homem que ousou se aproximar da mulher que ele
amava, estava longe daquilo. Jesse não confiava na justiça, não acreditava
que, sem o laudo do corpo de delito, Sophia conseguiria condenar Chad.
Então ele precisava pagar de alguma maneira. Ele precisava ser parado. E
se Jesse pudesse fazer algo, ele faria, definitivamente faria.

Na verdade, já tinha feito.

xxx

Ouça "Say Something" –

A great big world

Se Poncho acreditava que a chegada de Diana funcionaria como mágica


para resolver seus problemas de distanciamento com Daniel, ele
rapidamente descobriu que estava redondamente enganado.

Nada acontecia como mágica. Diana, a cada tentativa do ex-marido, insistia


que ele deveria dar tempo ao filho dos dois. Um passo de cada vez. Quem
sabe com a ausência do pai, algo com o qual Daniel não estava acostumado
– e com o qual nunca lidou muito bem – ele reconsideraria e sentiria falta
de Poncho? Diana acreditava realmente naquela teoria e estava disposta a
coloca-la em prática, mesmo sabendo que tinha aquela pequena chance de
seu ex acreditar que tudo poderia não passar de uma tentativa sua para
afasta-lo de Daniel como uma punição por ele ter escolhido Anahí.

Mas não importava a teoria, o problema era a prática. Poncho acreditava


nas boas intenções da ex e até queria realizar o plano dela, mas não
conseguia. Ficar o dia inteiro sem ver o filho parecia demais. Quando ele se
arriscava a ir até a sua antiga casa, acabava por ver Daniel batendo a porta
do próprio quarto em sua cara, se recusando a recebê-lo. A cena se repetiu
por dias, até Diana cansar.

Say something, I'm giving up on you

Diga algo, estou desistindo de você

I'll be the one, if you want me to

Eu serei o único, se você me quiser

Anywhere, I would've followed you

Em qualquer lugar, eu teria te seguido

Say something, I'm giving up on you

Diga algo, eu estou desistindo de você

— É melhor que você não tente hoje – ela disparou numa tarde quando
Poncho tentou novamente ver o filho. Quando viu a expressão de
incredulidade dele, Diana não se surpreendeu e já começou a se defender,
antes mesmo de ser acusada – Poncho, eu te disse desde o início que você
deveria dar um tempo a ele.

— Você está tentando me proibir de ver o meu filho? – ele tinha as


sobrancelhas erguidas e os braços cruzados – É isso mesmo...?

— É claro que não! – Diana disparou – Eu quero que as coisas se resolvam,


mas ele já deixou claro que não quer te ver. Eu te ofereci uma estratégia pra
esperar a poeira baixar, mas esse seu lado emotivo não te deixa seguir isso...
então alguém tem que ser a racional. Pois bem, esse alguém serei eu.

— Você não pode...

— Sim, eu posso – ela retrucou – Se eu sair do caminho você vai fazê-lo


ficar com ainda mais raiva e isso nunca vai acabar. Eu tentei te explicar,
mas a única linguagem que você entende é a da proibição. Você não vai ver
o Dani. Você vai se afastar, vai deixar que ele fique sem você por uns dias e,
quando ele sentir a sua falta, ele vai procurar por você. Eu faço questão de
te ligar assim que ele perguntar.

— E se ele não perguntar? – esse era o verdadeiro medo de Poncho – E se


ele...

— Tem horas que você parece não conhecer o filho que nós temos – Diana
suspirou – Ele ama você. Poncho, o Dani nunca iria te esquecer. Nós não
podemos deixar que ele pense que esta mandando no jogo. Faça o que eu
estou dizendo, deixe-o por uns dias. Eu estarei aqui pra caso ele precise de
algo. Quando a poeira baixar, ele vai chamar por você, eu tenho certeza.

A questão era que ele não tinha tanta certeza assim.

And I am feeling so small

E eu, estou me sentindo tão pequeno

It was over my head

Foi muito pra minha cabeça

I know nothing at all

Eu não sei absolutamente nada

Desde que saíra de casa para devolvê-la à Diana, Poncho estava no


apartamento de Erendira. Só que a irmã estava trabalhando naquele dia e
nos sete seguintes, por isso aquele espaço estava vazio e silencioso demais
para que ele ficasse sozinho. Silêncio e solidão não eram ingredientes
adequados para Poncho naquele momento, por isso ele sabia para onde
deveria ir.

Naquela manhã Anahí estava sozinha no apartamento. Missy tinha saído


com Keith e Karen para comprar coisas novas para o seu novo quarto. A
menina estava empolgada e Anahí achava mais do que justo que ela
passasse algum tempo com os avós. Keith não tivera a chance de ser pai de
Anahí e por isso deveria ser retribuído podendo ser o avô de Missy. A
menina não ficou muito satisfeita em sair sem a mãe, mas era outro ponto
importante: acostuma-la a ter uma vida normal, na qual Anahí não seria sua
única referência.

Enquanto Anahí pensava no quanto a terapia lhe faria bem – e no quanto ir


a um psiquiatra infantil poderia fazer o mesmo à Missy – Poncho bateu na
porta. Ela franziu a testa ao ver o namorado ali, já que achava que ele
estaria na casa da ex, tentando ver Daniel. Algo provavelmente tinha dado
errado.

— Ei, eu não esperava te ver aqui – Anahí disse ao abrir a porta e viu
Poncho avançar para abraça-la. Franziu a testa estranhando – Ta tudo
bem...?

— Eu precisava ver você – ele respondeu fungando o nariz dela – Eu fui ver
o Dani e... bem... ele não quer me ver. Eu não sei mais o que fazer.

— Entra – Anahí pediu – Vamos entrar. Vamos conversar.

And I will stumble and fall

E eu, vou tropeçar e cair

I'm still learning to love

Eu ainda estou aprendendo a amar

Just starting to crawl

Apenas começando a rastejar

Anahí sabia o que precisava ser feito. Poncho tinha dito muito bem: não
eram mais somente ela e ele naquela história toda. Era assim há quase nove
anos, mesmo quando estava prestes a deixar de ser já que ela estava
grávida. De toda forma seria um filho dos dois. Uma criança que os uniria.
O fato de cada um ter o próprio filho, com outras pessoas, fazia com que
eles tivessem naquelas crianças as próprias prioridades. Daniel era algo que
Poncho tinha que pensar acima de Anahí e o mesmo valia para ela com
relação a Missy. A diferença era que Anahí sabia aonde aquilo os levaria;
Poncho, por sua vez, não.

Talvez fosse mais fácil se ela resolvesse tudo de uma vez...

— Diana quer que eu me afaste dele por uns dias – Poncho contou
mordendo os lábios – Ela acha que, se eu sumir, o Dani vai sentir a minha
falta e vai ser mais fácil dele entender as coisas.

— E o que você acha disso? – Anahí perguntou.

— A teoria é linda, mas ficar todos os dias sem ver o meu filho...? – Poncho
questionou – E se ele realmente sentir a minha falta, mas no fim não aceitar
você? O que nós teremos que fazer, terminarmos?

Anahí ficou em silêncio, mordendo os lábios e desviando o olhar. Pelo


visto, era exatamente o que ela pensava que eles deveriam fazer. Nem de
longe o que queriam, apenas o que deveriam. Poncho notou naquele
silêncio uma resposta e não gostou nem um pouco.

Say something, I'm giving up on you

Diga algo, estou desistindo de você

I'm sorry that I couldn't get to you

Me desculpe por não conseguir te ter

Anywhere, I would've followed you

Em qualquer lugar, eu teria te seguido

Say something, I'm giving up on you

Diga algo, eu estou desistindo de você

— Anahí... não...!
— Poncho... – ela pausou antes de continuar – Não estamos falando de algo
que eu quero. É só que... talvez seja o melhor.

— Como eu ficar longe de você pode ser o melhor? – ele questionou – Eu


fiquei oito anos sem você e definitivamente não foi o melhor pra mim!

— É claro que não foi, não foi uma escolha nossa, mas mesmo assim você
descobriu uma maneira de seguir em frente – Anahí ponderou – Mesmo
tendo aí no teu peito a dor de não saber o que tinha acontecido comigo e,
depois de um tempo, ter perdido a esperança de me ver de novo algum dia...
mesmo assim você reaprendeu a ser feliz, encontrou um caminho. Dessa
vez seria diferente. Nós continuaríamos nos vendo, um sabendo que o outro
ta bem, ta feliz, criando os nossos filhos. Seria diferente. Nós daríamos um
jeito.

— Eu não quero dar um jeito que não seja com você – Poncho insistiu –
Anahí, eu amo você! Eu não quero ter que viver de novo a minha vida sem
você!

— Nem eu quero – Anahí devolveu – Nunca foi o plano, mas foi como
você disse aquele dia... não somos mais somente você e eu. Temos o Dani
agora, temos a Missy, nós temos outras coisas que vêm primeiro. Eu sei que
você não acha o certo, mas é o que nós temos que fazer.

— Então você ta terminando comigo...? – ele constatou, colocando pela


primeira vez em palavras – Você ta desistindo de nós dois?

And I will swallow my pride

E eu vou engolir meu orgulho

You're the one, that I love

Você é a única, que eu amo

And I'm saying goodbye

E eu estou dizendo adeus


— Eu to fazendo o que é melhor pra nós dois... pra nós todos – Anahí
acariciou o rosto dele, lutando para não chorar – Eu sei que você não
entende, mas depois vai entender.

— Eu nunca vou entender como estar afastado da mulher que eu amo possa
ser melhor pra mim – Poncho respondeu irônico – Eu... eu não consigo
acreditar que a vida quer nos separar de novo. Não consigo acreditar que
nós dois não vamos terminar juntos no final.

— Talvez esse não seja o final – Anahí respondeu sorrindo. Era um


consolo, sem dúvidas – Nós tivemos uma história bonita, daquelas típicas
de filme. Com alguns percalços... mas quando me falarem de você, quando
eu olhar pra você, não vou lembrar de coisas tristes nem de um término
ruim... e sim de um sentimento forte, intenso. Eu sempre vou lembrar de
você como algo definitivamente bom, uma das coisas que mais me fez feliz
na vida.

— E eu sempre vou lembrar de você como o grande amor da minha vida –


Poncho devolveu com a voz magoada – Eu amo você.

— Eu também amo você – Anahí respondeu – Talvez eu nunca deixe de


amar. Quer dizer... não deixei naqueles oito anos...

— Não vai deixar agora – ele mordeu os lábios.

Say something, I'm giving up on you

Diga algo, eu estou desistindo de você

And I'm sorry that I couldn't get to you

Me desculpe por não conseguir te ter

And anywhere, I would've followed you

Em qualquer lugar, eu teria te seguido

Quando eles deram por si, estavam abraçados. O coração de Poncho doía.
Não era uma dor fictícia, era real. Ele abraçava Anahí tentando gravar em
sua mente o cheiro dela, sua textura, aquela sensação que não teria mais.
Sentia-se perdendo todos os planos que fizera mentalmente entre eles, a
família que eles teriam, os filhos que teriam juntos, a comemoração do
lançamento de seu novo livro que seria com ela, de um emprego futuro que
Anahí certamente conseguiria, tudo ia para o ralo.

Poncho sabia que ela estava sendo nobre abrindo mão dele para que ele
voltasse a ter uma relação saudável com o filho, mas nem por isso a dor
dava uma trégua. Por mais que ela tivesse razão era completamente difícil
decidir de toda forma. Poncho concordava com ela que, ao menos, eles
seguiriam em frente vendo um ao outro bem e feliz. Mas não sabia se era
certa aquela ideia de que seria mais fácil. Ele não conseguia se imaginar
vendo Anahí longe e não poder tê-la mais. Até acreditava que poderia ficar
bem separado dela, mas feliz era praticamente impossível.

Say something, I'm giving up on you

Diga algo, eu estou desistindo de você

Say something

Diga alguma coisa

De 1 a 10: quanto vcs querem me matar por esse final?

Manas, EU SEI que vcs queriam AyA juntos até o final da fic, mas
lembrem-se que eles estão juntos há 20 caps!!! Durou bastante,
convenhamos

Brincadeiras à parte era algo que iria cedo ou tarde acontecer. Conforme o
tempo passar vcs vão sentir a necessidade, pois o Daniel não tava disposto a
aceitar e o Poncho se sentia cada vez mais culpado por tudo.

Mas sobre o restante do cap: gostaram do Jesse? Hahahahahaha to curiosa


Preciso dizer que to conseguindo me organizar pra responder os
comentários toda semana e vcs me fazem TÃO FELIZ com eles que nem
sei dizer!!! E as estrelinhas também, meu Deus! Só nesse último cap foram
128, caramba!

Então seria pedir demais pra vcs me encherem de estrelinha e quem quiser
ainda comentar mesmo querendo me matar por ter separado o casal
endgame de vcs? Hahahaha 😍😍😍

Beijos e até quinta!

Rafa
Capítulo 67 - Safe haven

Quando Anahí desapareceu, quase nove anos atrás, o impacto que aquilo
teve sobre a vida de Poncho foi simplesmente devastador. A vida dele parou
sem ela, não era um exagero. Poncho tinha ido embora da Califórnia após
se formar em Stanford pronto para recomeçar em Nova York e construir
uma vida inteira com ela. Eles mal tinham começado quando Tobias a
levou. A vida que não tinha começado teve seu fim.

Um ano após o sumiço de Anahí, quando as buscas já tinham sido


encerradas, a investigação arquivada e todos já tinham se conformado,
Poncho viu na escrita uma maneira de canalizar a própria dor. Ele percebeu
que em suas palavras havia uma forma de Anahí reviver. Se deu conta disso
ao notar que já não lembrava mais o cheiro dela. Precisou escrever em um
diário absolutamente tudo o que se lembrava: o padrão de sua voz, a
ondulação de seus cabelos, o azul de seus olhos, a sensação de seus lábios,
seu toque. Quando ele viu, aquele livro era um tributo a Anahí. Aqueles
rascunhos formaram seu primeiro livro.

Primeiro livro, primeiro best seller. Um tributo ao amor interrompido que


eles viveram.

O quarto livro de Poncho estava engavetado até Anahí voltar. Ele estava
numa fase de total falta de inspiração, algo que não causava estranheza em
sua editora e até então esposa, Diana. Ela sabia que era uma fase, só não
sabia que o fim daquela fase se daria justamente com o retorno à vida da
musa inspiradora dele. Passado o terremoto que foi a descoberta de que
Anahí estava viva, Poncho estava vivo novamente na escrita. O livro
começou a ser escrito de maneira parecida e ao mesmo tempo diferente de
como fora o primeiro: ele precisava dar um fim àquela história. A história
dela, a história deles.

Só que aquele livro era totalmente diferente dos anteriores. Se no primeiro o


personagem inspirado em Poncho e seu recomeço doloroso após perder o
grande amor era o centro da história, naquele novo livro era sobre ela em
todos os sentidos. Uma mulher que era dada como morta recomeçando a
vida, se descobrindo viva, após anos desaparecida e tratada como um nada.
Chegando de volta à própria casa e o marido que ela amava tinha outra
mulher, outro filho. Quando Diana descobriu a nova obra do marido e eles
se separaram ele ainda não estava tão longe do livro, não tanto quanto ele
começou a estar após se separar de Anahí e a vontade de escrever ressurgir
das cinzas como uma fênix.

Agora o livro tinha novos contornos: aquela mulher descobriu um filho e


cada um tinha a própria vida, as próprias prioridades. Qualquer semelhança
com a realidade era mera coincidência. Mas as mudanças de vida
trouxeram consequências e os colocaram em polos distantes... e agora eles
estavam separados. Por vontade dela, escolha dela, que optara pelos dois.

Se na vida eles pareciam não ter chance, naquelas páginas teriam. Poncho
estava determinado a mostrar que, por mais que não fosse apenas ele e ela,
como Anahí dissera, ainda havia uma chance.

Somente você e eu, era o título daquele livro.

Ainda não era o momento de falar da obra com Diana, mas ele precisava de
alguém que lesse e avaliasse os primeiros capítulos para lhe dar um norte, e
ele sabia exatamente quem. Erika Vianna era o braço-direito da ex dele na
Planet e sempre revisou os livros de Poncho antes da edição final. Ele sabia
que aquela moça procurava ardentemente pela oportunidade de sucesso e
que ela tinha potencial para ser a nova Diana. Naquele mesmo dia ele lhe
mandou uma mensagem convidando-a para aquela empreitada que, por
enquanto, deveria ficar entre eles. Erika respondeu empolgada com várias
figurinhas deixando claro o quanto sentira falta da escrita dele. Poncho
sorriu com o feedback, era o começo de uma nova história e o final que ele
tinha a chance de escrever como queria para a história dele.

O curioso foram algumas das reações àquela notícia.

— Vocês o quê? – Diana ergueu as sobrancelhas quando Poncho revelou o


que tinha acontecido – Poncho... você deve estar brincando comigo.

— Eu gostaria – ele suspirou mordendo os lábios. Não era confortável


conversar com sua ex sobre... bem, sua agora outra ex.
— Eu fiquei meses em Boston pra que vocês pudessem viver isso – ela
retrucou – E agora você me diz que terminou com ela?

— Foi ela quem terminou comigo – Poncho rapidamente tratou de observar


– Eu jamais terminaria com ela. E não foi por qualquer coisa, foi pelo Dani.

— O Dani iria entender cedo ou tarde...! – Diana trovejou – Que impressão


você vai passar pra ele desse jeito? Ele vai achar que manda na sua vida
amorosa agora... porque convenhamos, ele não gosta da sua namorada e
você termina...

— Ela terminou – Poncho engrossou a voz dando de ombros – Talvez tenha


sido melhor assim. Talvez não fosse pra ser.

— Francamente – os olhos de Diana rolaram – Pra quem se segurou em


uma coisa por tanto tempo, mais parece que você desistiu muito fácil.

— Eu não desisti, eu aceitei – ele respondeu se levantando, terminando de


beber o café em sua xícara – Não posso passar por cima da decisão dela.
Anahí foi quem quis assim... eu tentei convencê-la, mas é o que ela acha
melhor. E se ela quer, eu vou aceitar.

Do outro lado da história, a coisa toda não era tão diferente assim.

— Você tem que desfazer isso – Maite resmungou. Anahí apenas respirou
fundo, ela sabia que não seria fácil dar aquela notícia para a melhor amiga –
Isso não é justo...!

— É, digamos que tenha começado a ser injusto quando eu fui


covardemente sequestrada e depois perdi o meu filho – ela completou – Daí
em diante tudo o que veio foi injustiça.

— Não dá pra dar um passo pra trás Any – a morena prosseguiu – Vocês
passaram anosesperando pra ficarem juntos de novo, anos... e agora vão se
separar por nada?

— Não é por nada – ela se defendeu – É pelo filho dele. Eu sou mãe
também, eu entendo agora.
— Eu sei, mas... – mas Maite seguia inconformada, mesmo que já não
tivesse tantos argumentos.

— E você vai entender também – Anahí disse segurando a mão dela e


acariciando sua barriga em seguida – Quando você tiver a Luninha nos teus
braços, quando você olhar pra aquela carinha linda que ela com certeza vai
ter... vai descobrir dentro de você que faria qualquer coisa por ela. Até
sacrificar a sua felicidade.

— Não se brinca com isso – ela resmungou porque sabia que o argumento
de Anahí era definitivamente bom – Malditos hormônios!

— Ninguém poderia garantir que nós estaríamos juntos ainda se nada


tivesse acontecido – Anahí ponderou – Nós estamos bem, nós vamos
continuar sendo amigos, eu sempre vou ama-lo mesmo que sigamos em
frente...

— Bobagem, é claro que vocês estariam juntos – os olhos de Maite se


reviraram – Vocês foram feitos um pro outro. São endgame. Eu não consigo
aceitar.

— Tudo bem – Anahí assentiu entendendo, de verdade, aquele sentimento.

Também não era fácil para ela se acostumar com a ideia de que Poncho e
ela não ficariam juntos. Parecia que uma peça estava faltando em sua vida,
era definitivamente estranho. Depois de oito anos Anahí tinha, por dois
meses, se acostumado com a ideia de que eles teriam outra chance, que
nada os separaria. E eis a resposta do destino... no fim foi ela própria,
Anahí, quem os separou.

É claro que ela tinha motivos, ela os repetia a cada cinco minutos para
convencer seu lado emocional que estava fazendo o certo. Não era fácil
abrir mão de Poncho e ainda assumir aquela postura de forte quando ela
estava estraçalhada por dentro. Anahí chorou na noite anterior tanto quanto
pôde até Missy conseguir perceber sua tristeza. Ela não queria que a filha
compartilhasse daquela dor que sentia no peito, mas ao olhar para ela sentia
a convicção de sua decisão. Da mesma maneira que ela amava ter sua filha
ao seu lado, sabia que Poncho se sentia da mesma forma com Daniel. Ele
merecia ter aquilo também. E quando ele olhasse o menino como ela olhava
para Missy, por mais difícil que fosse, iria entender e aceitar que algumas
coisas simplesmente não eram para ser.

Durante meses Anahí nutriu a ideia de que o sequestro tinha interrompido


algo certo entre ela e Poncho. Mas e se ela estivesse errada? E se, caso não
houvesse o sequestro, a vida fosse desviar o caminho dos dois de outras
formas? Eram perguntas que ela não sabia responder, mas a certeza é que,
tempos depois e por motivos com os quais ela não esperava se deparar, ela e
Poncho estavam separados novamente.

— E você e o Mane? – Anahí perguntou – Como estão...?

— Ah, ótimos – Maite sorriu de orelha a outra – Eu nunca pensei que


pudesse ser feliz como eu estou sendo agora sabe? Acho que vivi por tanto
tempo num mar de negatividade que tudo o que eu atraía eram coisas ruins
pra mim. A maré mudou a meu favor...

— Eu nem tinha mais esperança em vocês dois, me surpreendi – Anahí


sorriu.

— Você não precisa bancar a forte comigo, eu nunca banquei a forte com
você – Maite agora falava mais séria e segurava as mãos dela – Você pode
ter os seus motivos e acha-los os mais justos possível, ok. Mas que você ta
machucada com isso tudo, eu sei que ta. Você o ama e se fosse comigo e
com o Mane eu estaria na merda, e eu não o amo como você ama o
Poncho...

— Que bonitinha a sua forma de admitir indiretamente que ama o Mane –


Anahí alfinetou. Maite fez uma careta gigantesca.

— Você foge do assunto como o diabo foge da cruz – ela reclamou,


pegando a mão de Anahí e colocando em sua barriga – Ta sentindo?

— Ai meu Deus – Anahí deu um pulo no sofá de emoção – To!

— Sente sua afilhada se mexer – Maite sorriu para ela, vendo os olhos de
Anahí brilharem – Ela ta dizendo "oi madrinha, você pode chorar com a
mamãe, nós duas sabemos que você ama o tio Poncho e tem muita lágrima
pra sair"...

— Meu Deus, duas difíceis! – Anahí abriu uma careta – É claro que eu
estou triste. É claro que eu chorei e senti a falta dele, é só que... não consigo
chorar pra sempre. Eu vou ficar bem, vou encontrar uma maneira de ficar
bem. Só não me peça isso agora e nem me peça pra desabar, porque já ta
complicado o suficiente.

— Tudo bem – Maite disse abraçando-a – Mas qualquer coisa eu to aqui


ok?

— Eu sei, você nunca saiu daqui – Anahí sorriu com a resposta dela.

A conversa que veio a seguir foi recheada do que Anahí queria saber: os
detalhes sobre a nova vida quase conjugal que Maite estava tendo com
Mane. Além dela se sentir feliz de ver a amiga apaixonada e realizada
daquele jeito, fazia bem à Anahí ouvir uma história que rumava para um
final feliz. De certa forma aquilo a fazia esquecer um pouco da própria dor.
Pensar em Mane e Maite felizes e à espera da filha era melhor do que
pensar em tudo o que ela e Poncho jamais teriam.

Maite recheou Anahí de relatos e a fez rir, de verdade, daquelas risadas boas
que fazem a barriga doer e os olhos lacrimejarem. A morena dava relatos da
conversa com a sogra, Jade, que a mimava tanto quanto estava sedenta pelo
nascimento da neta e seu mapa astral. Maite contava feliz sobre o último
almoço em família, onde os pais dela e as mães e a irmã de Mane se
encontraram como uma única família pela primeira vez e Anahí só sabia rir
vendo Maite resmungar contando do pai que estava ansioso por os dois
anunciando o casamento, Mane nutrindo esperanças de Javier acabar
empolgando a filha e ambos frustrados quando Maite negou aquela ideia
com veemência.

Christian acabou por ouvir as risadas das duas e parou no corredor, rindo.
Ele já sabia dos desabafos de Anahí sobre o fim com Poncho e das histórias
divertidas de Maite quase se tornando uma De La Parra, por isso não
estava incomodado por aquele ser um momento apenas delas. Pelo
contrário, Christian gostava das risadas delas quando estavam juntas, ele
não era o tipo de amigo que sentia ciúmes – quando colocava dessa forma
era sempre brincando – pelo contrário, ele temeu que aqueles sons felizes
acabassem com a mudança de Maite. Estava enganado, felizmente.

O grunhido vindo da porta do quarto de Anahí se abrindo, no entanto,


interrompeu sua atenção. Christian olhou para trás e viu Missy saindo com
seu pijama de flamingos esfregando o olho e cara de poucos amigos.

— Que foi pequena, você teve um pesadelo? – ele perguntou se abaixando


vendo-a assentir cabisbaixa – Quer um cafuné?

— Eu... sonhei que a minha mamãe tinha ido embora e me deixado – Missy
confidenciou levemente assustada – Cadê ela...?

— Ela... ta ali na sala com a tia Maite – ele murmurou – Você quer ir lá?

— Uhum...

Durante os primeiros cinco segundos Christian se sentiu confuso, quem


sabe pela surpresa da pergunta. Confuso, porque até então quando Missy
falava de mãe ela se referia à Barbara Mitchel e não à Anahí. Naquele
contexto parecia diferente, já que a menina obviamente não procuraria pela
mulher que a criou e sim pela mulher com quem agora morava. Se o
coração dele já ficou baqueado em ouvir Missy chamando Anahí de mãe,
imaginava como seria a reação dela. Christian mordeu os lábios feliz,
pegando a menina nos braços e caminhando com ela para a sala.

— Ei Any – Christian disse chegando com a criança manhosa agarrada a


seu pescoço – Tem alguém aqui que quer a mamãe.

— O qu... – Anahí franziu a testa sem entender, mas viu o amigo sorrindo
de uma forma que fez seu coração acelerar.

Será que ela tinha entendido direito?

— Que foi bebê? – Anahí se levantou, tirando a filha do colo do amigo e


envolvendo-a.
— Eu tive um pesadelo – Missy confirmou o que tinha dito logo antes –
Sonhei que você ia embora e esquecia de mim.

— Foi só um sonho ruim – Anahí sentou-se no sofá de novo, afagando o


cabelo da filha, concentrando toda a sua atenção nela. Tanto que não viu
Christian abrir um sorriso maior que o rosto ao confirmar, com toda a
certeza do mundo, que a mãe realmente era ela.

Como ele queria que Anahí tivesse ouvido aquilo. Já conseguia sentir a
emoção por ver a reação dela, mesmo que em sua imaginação. Com o
coração um tanto quente, Christian fitou as duas, certo de que, mesmo que
não acontecesse naquele momento, teria a sua hora certa e Anahí seria a
mulher mais feliz do mundo naquele momento.

— Vai passar – Anahí abraçou a filha forte – Você quer um chocolate


quente?

— Quero – Missy confirmou mais feliz.

— Eu faço – Christian disse levantando – Fica aí com a sua mamãe, Missy.

A verdade era que Anahí não estava entendendo porque Christian frisava
tanto aquela palavra para Missy. De repente ela trocou um olhar com Maite
e reparou que a morena parecia tão confusa quanto ela. Mas se as duas bem
conheciam Christian, ele faria mistério e nada falaria, então nem adiantava
perguntar.

No fim não houve pergunta porque, na mesma viagem que Christian fez
para ir para a cozinha preparar o chocolate quente de Missy, eles ouviram
uma batida na porta. Ele acabou desfazendo o caminho e indo até lá abrir.
Do outro lado estavam Sophia e Jesse. Ela abalada, e ele... parecia
procurando um consolo.

— Ah pronto, agora só falta a Lex – Christian disse rindo.

— Atrapalho...? – Sophia perguntou receosa.


— É claro que não Soph – Anahí negou, fazendo um sinal com a mão que a
convidava a entrar.

— Eu posso deixa-la aqui com vocês? – Jesse perguntou envolvendo a


cintura da noiva – Ela ta precisando de um colo do tipo que eu não posso
dar.

— Ah Soph, você perde cada oportunidade – Christian revirou os olhos


rindo – Nunca que se eu tivesse um Jesse em casa iria procurar colo amigo.
Na verdade procuraria sim... Jesse, no dia que eu precisar você me dá colo?

— Christian! – Maite grunhiu, mas ela tinha que admitir: foi aquilo que fez
Sophia rir.

— Crianças no recinto – Anahí falou entre os dentes com os olhos estreitos.

— Ops – Christian deu um sorriso amarelo, vendo Jesse o olhar com


deboche – Melhor eu fazer o chocolate quente.

— Deixe-a conosco Jesse – Maite disse se levantando e abraçando Sophia


de lado – Nós cuidamos dela.

— Obrigado – Jesse disse dando um selinho em Sophia – Fica bem ok?

— Não se preocupe – Sophia respondeu, no fundo odiando a forma como


ele agora tinha que ficar preocupado com ela o tempo todo.

Mas antes de Jesse ir embora, ele quis se certificar de algo.

— Ei Any? – ele chamou, vendo a amiga levantar o rosto – Hm, tudo bem
com você?

Não era preciso ser nenhum gênio da lâmpada para entender exatamente a
razão de ser daquela pergunta: Jesse certamente já sabia por Poncho de seu
término com Anahí. Não havia qualquer outra razão.

— Sim Jesse – Anahí o olhou tão debochada como ele encarou Christian
logo antes – Perfeitamente bem.
— Depois eu que sou a bicha fofoqueira – Christian alfinetou, fazendo
Sophia rir de novo.

— Todo mundo pode ser fofoqueiro, mas bicha só você mesmo viado –
Maite respondeu com uma careta.

— Ok, estou indo – Jesse disse indo para a porta – Soph amor, você sabe,
qualquer coisa...

— Tchau Jesse! – Anahí gritou.

Depois que Sophia se sentou, Christian voltou para a poltrona de antes


dando o chocolate quente de Missy e a menina se descolou um pouco deles,
ligando a TV e se distraindo com um desenho que passava, eles começaram
a conversar – em código, é claro. Missy tinha sete, ela era capaz de entender
a maior parte do que eles diriam, toda cautela era pouco já que falavam de
uma criança que já era traumatizada demais em relação ao que o bom senso
exigia.

— Eu vou na d-e-l-e-g-a-c-i-a hoje – Sophia soletrou – Pra registrar a


ocorrência.

— Tia, eu sei soletrar – Missy disse ainda com os olhos fixos na TV – O


que é delegacia?

— Um lugar aonde vamos para dizer as coisas erradas que as pessoas fazem
– Anahí explicou. Não era nenhuma mentira – Vá lá pra dentro ok?
Conversa de gente grande.

— Ta – Missy fez um bico, mas não rebateu a ordem da mãe, indo logo em
seguida.

— Crianças inteligentes demais pro próprio bem, ou seria nosso bem –


Christian suspirou longamente – Preciso ter cuidado com as minhas
conversas pessoais.

— Precisa mesmo, ela só tem sete anos – Anahí resmungou – Então Soph?
Você denunciou o Chad?
— O policial não quis registrar a ocorrência – Sophia suspirou mordendo os
lábios, os olhos se enchendo de lágrimas – Circunstancial demais. Sem
corpo de delito, sem testemunhas, sem nada... eu poderia estar inventando
isso, então nada feito. Claro que eu estou inventando, não é? Bem que eu
gostaria.

— Inacreditável – Maite murmurou negando com a cabeça. Anahí não tinha


reação, ela conhecia aquele circuito, o procedimento... e não conseguia
dizer que estava surpresa.

— E eu entrei sozinha lá – Sophia continuou – Estava sozinha no momento


que senti a maior vergonha da minha vida...

— Jesse não foi com você? – Anahí franziu a testa.

— Ah, eu não contei – ela mordeu os lábios – Jesse nao queria se expor
indo comigo porque ontem ele deu um depoimento na delegacia depois de
ser interrogado por suspeita de ter surrado o Chad. Algo que ele realmente
fez.

— Eu não acredito – Anahí arregalou os olhos.

— Pois eu acredito e muito – Maite mordeu os lábios – E quer saber? É


bem feito.

— Maite, ele pode ser preso! – Sophia observou agoniada – Como se as


coisas não estivessem ruins o suficiente...

— Olha, longe de mim defender violência, mas ta arriscado nada acontecer


com o Chad, não dá pra culpar o Jesse por isso, nem o Poncho quando
meteu a porrada no desgraçado do Tobias – Maite apontou – Deus sabe que
eu faria o mesmo se pudesse, mas eu sou mulher e estou grávida, mas ainda
assim eu faria...

— Isso não resolve nada – Anahí opinou, sentindo o corpo balançar com a
lembrança do dia em que Poncho bateu em Tobias.
— Cara, isso é tão excitante, eu preciso dizer – Christian disse emocionado
com a mão no peito – Se eu usasse calcinha ela estaria molhada nesse
momento!

— Cristo – Maite revirou os olhos.

— Pensa no quão sexy é o Jesse te defendendo Soph, capando o babaca que


te violentou... e você olha pra ele e pensa... – Christian fez uma pausa
dramática – Meu herói...!

— Valha-me Deus – Anahí riu negando com a cabeça.

Com exceção das pequenas interrupções de Christian, que davam o humor e


o alívio que elas precisavam e mereciam, tudo ali parecia meio perdido.
Nenhum dos três amigos sabia que tipo de conselho dariam para Sophia.
Algo precisava ser dito, algum incentivo tinha que ser dado, mas ela tinha
esgotado as possibilidades e ninguém conseguia pensar em nada além, ao
menos não nos métodos tradicionais. O objetivo ali era ajuda-la a resolver a
situação, porque por mais que a surra dada por Jesse fosse algo que Chad
merecesse, não poderia bastar. Chad deveria pagar sob as penas da lei, para
que ao menos uma compensação fosse dada.

Mas a Anahí que estava ali ainda era a Anahí de nove, dez anos atrás.
Aquela Anahí pensava mais do que na punição, ela ia além. Anahí
enxergava a vítima, a Sophia que demoraria a se recuperar, que tinha feridas
fortes que nenhuma condenação resolveria. Chad na cadeia não mudaria o
fato de que Sophia demorou a contar a verdade para Jesse, que ainda não
tinha voltado a se sentir confortável consigo mesma ou no sexo, que quase
destruiu seu relacionamento. A sujeira que ela sentia na própria pele, a
culpa, a dúvida sobre se tinha ou não causado aquilo eram coisas que
demorariam a sair. Anahí atribuía tudo à uma cultura do estupro que estava
enraizada na sociedade. Aquilo que Sophia vivia lembrava os casos que a
indignaram a vida inteira, e ao mesmo tempo a inspiraram. Então Anahí
agiu por insisto.

— Tem um lugar que eu quero te levar – ela disse, se esticando para segurar
a mão da amiga e a apertar.
Um porto seguro.

xxx

— Você não precisa falar se não quiser – Marina disse num sussurro para
Sophia enquanto elas entravam na reunião – Muitas mulheres não falam na
primeira, nem na quinta reunião. Pode ser que você nunca queira falar,
apenas ouvir, mas é importante de todo jeito estar aqui. O que importa é se
sentir acolhida.

— Obrigada – Sophia sorriu em agradecimento.

Anahí a levara para o My sister's place.

Aquele lugar não era apenas onde ela ia para compartilhar a dor do trauma
do estupro e de tudo o que tinha vivido. Já tinha um significado antes de seu
sequestro e do que lhe trouxe, Anahí se lembrava bem... ela trabalharia ali.
Faria parte do setor jurídico, defenderia aquelas mulheres como um pro
bono, já que muitas delas tinham baixa renda e pouca escolaridade e não
teriam meios de pagar um bom advogado. No fim ela foi sequestrada, a vida
foi interrompida e ela chegou até aquele lugar de uma maneira diferente da
que esperava. Mas de toda forma estava ali.

— Olá garotas – Marina disse abrindo a roda – Quem quer ser a primeira a
falar hoje?

Agora ela estava ali não apenas como ouvinte. Não mais como falante.
Anahí não era mais a vítima. Ela tinha ultrapassado a barreira. naquele dia
ela era a mão que levou Sophia até ali. Ela era a pessoa que compartilharia
a própria dor e seria ouvida, mas também funcionou como um caminho para
uma amiga encontrar um conforto que ela já conhecia. E por isso,
exatamente por isso, a voz dela saiu para responder à pergunta de Marina.

— Eu quero – ela disse um pouco tímida, buscando alguma coragem


quando aquela roda de mulheres a encarou – Meu nome é Anahí, mas você
devem saber disso. Vocês devem me conhecer dos noticiários. Eu apareci
bastante nas páginas policiais ultimamente, mas... eles falam o tempo
inteiro como se eu fosse um caso a mais. Depois que tudo for resolvido
porque Deus, será... eu nem serei lembrada. Mas algumas coisas ainda
estarão quebradas dentro de mim. Eu não vou ter de volta os oito anos que
perdi dentro do cativeiro, nem a vida que eu deixei de viver lá dentro. Os
oito anos continuaram passando, minuto por minuto, dia por dia e ano por
ano pro homem que eu amava aqui fora, pro meu pai que voltou pra minha
mãe e eu nem sabia, pros meus avós, pra carreira que eu nunca tive a
chance de construir... e pra filha que eu tive que nem sabia quem eu era.
Mas eu estou vivendo, pouco a pouco, um dia de cada vez, um passo e
depois outro, andar antes de correr. Quando eu cheguei aqui eu sequer
conseguia cogitar a ideia de um homem encostar um dedo em mim e... sexo
não é mais um problema. Tem quase oito meses que eu estou aqui fora,
algumas coisas mudaram e outras continuam exatamente iguais e eu só vejo
um caminho imenso que eu ainda tenho que percorrer. Mas eu vou chegar
lá. Eu não tenho a pretensão de voltar a ser como era antes, eu sei que
jamais conseguiria porque eu travei um caminho sem volta... mas por mais
estranho e doloroso que isso seja, hoje eu percebo que vivo o que eu
acredito. Mulheres sentando ao meu redor, cada uma com a sua própria
história, a própria dor e as próprias cicatrizes... mas quando eu olhar pra
elas um dia e tentar ajuda-las... quando eu olhar em seus olhos e disser que
sei exatamente o que elas sentem, não vai ser nenhuma mentira. Eu sei o
que vocês sentem... e eu sei também que, se as nossas mãos estiverem
juntas, tem muito o que podemos fazer pra mudar.

Muito caminho, longo caminho, um passo de cada vez... a estrada era


grande, mas a recompensa...

Anahí ouvia Sophia chorando. O rosto dela estava baixo e doía, as lágrimas
lavavam seu rosto. Ela chorava pensando em si, em Anahí e em todas as
mulheres sem rosto, sem história que viviam coisas como ela vivia, como
elas. Histórias melhores, piores. Tantas que morriam, não sobreviviam,
algumas viviam para não viver. E tantas outras que não sabiam o que era
aquela dor, mas, de alguma maneira, estendiam a mão...

Era para isso que Anahí estava ali. Mas ela não descobriu sozinha: foi
Marina quem lhe disse.

— Eu estou orgulhosa de você – ela disse apertando o ombro da protegida


com um sorriso que denotava toda a sua emoção.
— Não foi fácil dizer aquilo – Anahí admitiu. Mas não era aquilo a que
Marina se referia.

— Foram lindas palavras, mas... eu falava da Sophia – Marina observou –


Ela precisava estar aqui hoje e foi você quem a trouxe. Ela está aqui por
você, Anahí. E foi a primeira mulher a quem você ajudou.

Anahí engoliu em seco. Foi a primeira vez que ela sentia vontade realmente
de chorar. Um sentimento definitivamente bom.

— E não será a última, eu espero – Marina completou – Ele pode ter te


tirado muitas coisas. O tempo em especial... mas ele não te tirou de você
mesma.

E agora Anahí tinha naquela frase o incentivo perfeito para lembrar do que
faltava para condenar Tobias no tribunal e conseguir de verdade começar a
reconstruir sua vida.

O final do capítulo deixa bemmmm claro o que ta pra acontecer né?

Eu tinha dito pra vcs que eu tinha razões bem firmes pra decidir pelo
estupro da Sophia, porque tinha algumas coisas que precisavam encontrar o
seu lugar. A primeira delas é a relação dela com a Maite, pois a Sophia
jamais esperaria que a amiga que se afastou dela e a condenou por anos
fosse a primeira pessoa a lhe estender a mão sem julgamento e coloca-la de
volta nos eixos. A segunda vemos aqui: a Sophia se torna a primeira mulher
que a Anahí conseguiu realmente ajudar - e isso é algo que sempre foi o
projeto da Anahí, o que ela queria pra vida dela, a carreira almejada antes
do sequestro. A terceira virá em breve, daqui alguns caps, aguardem um
pouquinho!

Sobre AyA senti a REVOLTA de vocês nos comentários e ao mesmo tempo


que ria ficava totalmente...

Sei e sempre soube que não iriam amar ver o casal de vcs se separando,
tenho plena ciência disso e entendo até a revolta com o motivo da
separação. Quero deixar claro que algumas coisas na vida da Anahí vão
andar nesse momento que ela tiver longe do Poncho e o mesmo vale pra ele,
tanto que o Poncho já voltou a escrever ferrenhamente inspirado pelo fato
de estar longe dela. Claramente temos um protagonista que precisa estar
com dor de corno pra se inspirar kkkkkkkkk

Sobre a Anahí, claro que a bff traumadix ficou nervosinha pela separação
né? Não só ela, Jesse também aparece marcando territorio já sabendo que
ela ta tão mal quanto sabe que o melhor amigo dele ta. Claro que vai ser
difícil pra AyA passarem esse tempo separados (tanto quanto será pra vcs
rs) mas vcs podem confiar na tia Rafa que ela sabe exatamente onde vai
chegar.

No mais, estamos mtmtmt perto do julgamentoooo!

E antes que eu me esqueça: quem babou litros naquele mamãe da Missy?


Quem maaaal pode esperar até a Anahí ouvir? Já escrevi a cena e ficou mt
ITI MALIA! 😍

Ah, e eu queria agradecer mttt pelos votos lindos do último cap e


comentários mais lindos ainda, mais de 130 estrelinhas e eu só sei amar!
Prometo a vcs que depois do Carnaval irei escrever um cap extra porque
merecem tantooooo!

Bom Carnaval e espero estar viva quinta que vem kkkkk

Beijos,

Rafa
Capítulo 68 - Family

Alicia, feliz aniversário sua linda! Merece tudo!

Depois de um longo período de ressaca, era a hora de receber boas notícias.

Anahí acordou positiva naquele dia. Ela tinha ido dormir mal, mais uma vez
com o coração apertado pelo término com Poncho, mas não foi de suas
piores noites. Naquela manhã em especial ela acordou e viu Missy
dormindo com a boca aberta, ao seu lado, babando no travesseiro. Não dava
para não sorrir com uma cena gratificante daquelas.

Aquela era uma manhã que ela tinha planos, mas não era o tipo da coisa que
queria dividir com a filha. Por isso Anahí falou que precisava ir a uma
consulta médica e Christian, que não trabalharia naquele dia, ao ver o bico
de Missy após constatar que seria deixada para trás, teve uma ideia que
certamente consolaria a menina.

— Que tal pintarmos seu quarto novo, você e eu? – Christian propôs vendo
os olhos da menina brilharem. Mas logo em seguida ela encarou a mãe.

— Eu... posso? – ela perguntou receosa. Não era de hoje que Anahí
reparava que Missy sempre ficava nervosa cada vez que lhe era oferecido
algo pelo qual se interessava. Provavelmente era reflexo da vida anterior
que ela levava.

— Claro que pode – Anahí riu do gritinho de animação que a filha deu em
seguida – Você fica bem com o tio Christian até eu voltar?

— Fico sim – Missy confirmou, pondo-se a sussurrar em seguida – Ele


disse que nós poderíamos pintar um arco-íris na parede.

— Se você quiser – Anahí observou – Se não quiser... é só bater o pé que


não.
— É, Maite foi embora mas deixou a substituta – Christian revirou os olhos
brincando, mas logo em seguida não ligava mais porque estava ocupado
admirando Missy rindo.

Como era bom ver aquela criança que tinha sido submetida a tantas
privações ser feliz novamente...

Deixar Missy com Christian era a garantia para Anahí que ela poderia
seguir seu caminho tranquila. Era uma manhã de terapia, uma sessão de
regressão para a qual ela estava determinada. Faltava apenas semanas para
o julgamento de Tobias e seu testemunho tinha que se basear na lembrança
do que tinha acontecido no início daquilo tudo. A primeira lembrança era
fundamental: dizer com precisão como ela tinha ido parar naquele porão.
Dizer que não se lembrava era dar força ao caso da defesa de Tobias, que
firmava a tese de que aquela suposta amnésia seria, na verdade, a
confirmação de que ela estava inventando tudo.

Anahí só não ria daquela ideia absurda porque era absurda demais. Não
tinha graça.

— Olá Anahí – a Dra Balfe abriu a porta para ela – Você parece... animada.
Eu achei que estaria pior.

— Eu estava ontem – Anahí suspirou – Eu terminei com o Poncho.

A falta de resposta imediata de Caitriona Balfe deixava claro o quão


surpresa ela estava com aquela súbita notícia.

Rapidamente Anahí pôs-se a explicar os motivos do término. A psiquiatra


não falava muito, anotava mais, pois seu papel ali era apenas conduzir a
paciente, não dar todas as respostas. O sofrimento estava estampado em
cada palavra de Anahí. Cait percebia que ela queria se fazer de forte, agir
como se realmente acreditasse que aquilo fosse o melhor. Talvez fosse, mas
apenas racionalmente. Os sentidos de Anahí sentiam falta de Poncho, o
coração dela estava inegavelmente machucado. Ela só não entendia por que
Anahí fingia que as coisas não eram assim quando parecia tão óbvio.
— Mas não adianta me lamentar, eu fiz o que deveria ser feito – Anahí
observou – E como temos uma regressão pra hoje...

— Vamos com calma – a psiquiatra recomendou – Você não pode perseguir


as lembranças, deixe-as vir naturalmente. Tudo tem o seu tempo.

— O meu tempo está se esgotando – Anahí ressaltou – Ele precisa ser


condenado e pra isso eu preciso lembrar.

— Respire Anahí – Cait pediu, se recusando a entrar na onda de ansiedade


dela. Afinal, tudo assim era pior.

E essa onda de ansiedade realmente atrapalhou no início. Anahí estava


agitada, desconcentrada e demorou até esvaziar a mente. Cait parecia serena
e paciente, esperando até o momento certo. Ela viu a respiração de Anahí se
acalmar os olhos, viu-a entrar em transe. Quando a notou desconectada com
o ambiente ao redor percebeu que a hora tinha chegado.

— Anahí? Onde você está?

— Na rua – Anahí respondeu novamente agitada, mas dessa vez Cait


entendeu que tinha relação com o que ela estava revivendo – Tem alguém
me seguindo.

Não era um grande mistério quem seria esse alguém.

— Você sabe quem é?

— Não, eu to... eu to correndo – ela parecia ofegante – Ah não...

De repente Anahí parou de falar. Logo em seguida ela voltou, mais agitada,
mais nervosa, quase sufocada.

— Me solta! Me solta!

Era impressionante o poder da mente. Era como se Anahí soubesse naquele


dia que lembraria daquilo. Cait observou silenciosa e anotando tudo,
chamando Anahí de volta apenas quando se deu conta que as lembranças
estavam lhe fazendo mal. De qualquer forma aquilo não deveria ser um
problema: Anahí agora já sabia o suficiente.

— Eu lembrei – Anahí foi às lágrimas assim que voltou – Eu não acredito


que eu lembrei...

— Sim, você lembrou – Cait sorriu orgulhosa – Me conte tudo. Nós duas
precisamos saber dos detalhes.

Mordendo os lábios ansiosa, Anahí se pôs a falar tudo. Tinha muito a ser
dito, sem dúvidas, e ela contaria cada detalhe para Cait. Os detalhes das
lembranças que até então estavam apagadas, mais uma parte de sua vida
que Tobias tinha lhe tirado. Mas agora tinha sido devolvido... e era o que a
ajudaria a coloca-lo na cadeia para nunca mais sair.

xxx

Um fato: Christian Chavez era ótimo com crianças. Fato este desconhecido
por ele próprio.

Christian nunca teve a oportunidade de descobrir aquela facilidade de lidar


com uma criança, provavelmente porque nunca tinha tido a oportunidade de
conviver com uma por tanto tempo como estava acontecendo com Missy.
Ele não era tão próximo assim de Poncho ou Jesse para ter sido relegado a
cuidar de Samantha ou Daniel, então aquela era uma descoberta que fazia
ali, com a filha de sua melhor amiga. E não poderia estar sendo melhor.

De alguma maneira Christian tinha conseguido ensinar Missy a pintar a


parede e fazê-la se divertir ao mesmo tempo. Como ele sequer sabia, mas
estava funcionando. A menina gargalhava sem parar em sua companhia, por
vezes caindo no chão e ele sentia os olhos brilharem, o sorriso nascer nos
lábios. Era inevitável.

Então ele poderia aproveitar aquele cenário favorável para falar com Missy
algo que queria muito e já planejava há dias, apenas não tinha encontrado o
momento ideal.

O momento chegou.
— Ei Missy? – Christian a chamou – Posso fazer uma pergunta?

— Uhum – a menina respondeu com efusividade, fazendo-o rir.

— Você gosta da Anahí, não é?

Missy não esperava por aquela pergunta. Aquilo ficou evidente pela forma
como ela franziu a testa, provavelmente estranhando. A reação só fez
Christian ficar ainda mais curioso pela resposta.

— Gosto – Missy respondeu desconfiada – Por quê?

— É que ela é sua mãe – Christian continuou cuidadosamente – E você


quase não a chama de mãe. Na verdade, você se referiu a ela assim uma
vez, mas ela não ouviu.

— E ela fica triste por isso? – a voz de Missy agora saía pesarosa.

— Mais ou menos – Christian franziu a testa – Ela entende e vai esperar


pelo seu tempo. É só que... sua mãe procurou muito por você. Ela ficou
triste quando descobriu que você existia e não estava com ela, e mais triste
ainda quando descobriu que aquelas pessoas não te amavam como você
merecia.

— Eu sei – Missy abaixou a cabeça – Eu gosto dela. Muito, muito mesmo.


Ela cuida de mim.

— Porque ela te ama mais que tudo nesse mundo – ele terminou de falar
beijando a menina na cabeça – Não duvide disso, sua mãe não vai te
abandonar.

Havia todo um cuidado na fala de Christian para não dizer, em momento


algum, à Missy que ela deveria chamar Anahí de mãe. Ele entendia que era
algo que deveria partir da menina, do momento que seu coração fosse
tocado. Mas ao mesmo tempo, era inegável que tinha algo errado naquela
história. E na conversa ficou claro que a insegurança sobre Anahí ainda
existia em Missy. Mas Christian tinha esperanças de que tinha conseguido
tocar o coração da menina e tirar um pouco daquela nebulosidade. Mas era
algo que eles só teriam como saber com o tempo. Restava esperar.

xxx

Anahí voltava para casa feliz como há muito tempo não estava. Ela sequer
reclamou de Keith ter que ir busca-la porque ela ainda não poderia andar
sozinha, afinal Tobias ainda estava solto e isso lhe inspirava cuidados dos
quais ela não gostava. Naquele dia nada importaria. Ela tinha um sorriso
inegável no rosto quando o pai parou o carro na frente do hospital e
imediatamente notou aquela alegria que não era tão comum assim.

— Por que o seu sorriso ta maior e mais bonito que a média? – Keith
perguntou vendo-a afivelar o cinto de segurança – Não que eu me
incomode, é claro.

— Eu lembrei – Anahí confidenciou – Do sequestro. Eu consegui lembrar


e... isso quer dizer que eu vou poder depor. Eu vou poder contar ao júri tudo
o que aconteceu pai.

— Ah filha... – Keith respirou aliviado – Eu achei que fosse te dar a boa


notícia, mas... acho que nada supera isso que você acabou de contar. Eu
estou orgulhoso.

— Obrigada – ela mordeu os lábios – Mas você também tem algo bom pra
me contar?

— Sim e é realmente bom – Keith sorriu satisfeito – Minha advogada ligou


logo cedo pra dizer que a investigadora do escritório descobriu quem é o
médico que fez o seu parto. A promotoria já foi informada e ele vai ser
intimado para depor.

— Isso é sério? – Anahí sorriu imensamente – Deus...!

— Sim, eu sei – Keith riu – Incrível, não? E tudo de uma vez. Temos que
comemorar.
Realmente perfeito e realmente digno de toda a comemoração do mundo. O
único problema é que a pessoa com quem Anahí queria realmente dividir
aquele momento não estava ao seu lado... e ela sequer poderia se queixar, já
que foi ela própria quem o afastou.

xxx

Poncho seguia ávido pela escrita. Naquela tarde ele estava na Starbucks
com o laptop ligado à sua frente e as palavras fluindo em sua mente. Sem
Anahí, sem Daniel e com Erendira quase expulsando-o do apartamento por
não aguentar mais sua expressão de morto-vivo de quem estava destruído
por seu fim com Anahí, ele concentrava cada grama de sua energia nas
próprias palavras. E estava dando resultados, já que aquelas páginas de
word cresciam num ritmo muito mais rápido do que ele tinha se
acostumado.

O celular de Poncho começou a tocar em seguida. Se a princípio ele


preferiu não dar atenção ao aparelho, logo o mesmo acabou vencendo-o
pelo cansaço. E logo teve a surpreendente constatação de que quem lhe
ligava era o avô de Anahí. Que diabos...?

Era melhor atender. Poncho rapidamente sentiu um aperto no peito: será


que algo tinha acontecido com ela?

— Arthur? – ele falou agitado – Aconteceu algo...?

— Claro que aconteceu – a voz resmungona de Arthur entoou do outro lado


da linha – Que história é essa que você e a minha Any não estão mais
juntos...?

Ah...

— Que susto – Poncho respondeu ofegante – Ela está bem, não é? Anahí...?
A Missy e ela estão bem Arthur?

— Sim, as duas estão bem, quer dizer... a Any deve estar em frangalhos –
Arthur reclamou novamente – Eu pensei que vocês fossem até o final dessa
vez! Imagine como eu fiquei quando a Ellie me disse que...
— Me deixe falar Arthur – Poncho ouviu a esposa de Arthur, avó de Anahí,
tomar o telefone dele – Poncho querido, não ligue pro que o Arthur diz, ele
está velho.

— Eu não estou velho Ellie!

— É claro que está, é juízo de fato, não de valor – Ellie devolveu –


Poncho... é nosso aniversário de casamento no fim de semana. Seus pais e
sua irmã foram convidados. Nós não gostaríamos que isso o que aconteceu
entre você e a Any te afastasse de nós. Queríamos muito que você viesse.

— Você acha que a Any aceitaria se eu fosse? – Poncho perguntou.

— Ah, claro que sim – Ellie certamente sorria – Você sempre vai ser
alguém importante pra Any, meu querido. Para toda a família. É claro que
ela não se incomodaria se você viesse.

— Bobagem! – Arthur grunhiu novamente – Ele tem que vir! Eles têm que
se acertar...!

— Nos vemos no sábado então Poncho – Ellie finalizou – Me dê licença,


preciso fazer esse meu velho calar essa boca.

Como Ellie havia dito, seus pais iriam. Poncho já sabia o que poderia
esperar.

E pelo que poderia esperar, ele teve a certeza de que a crise em sua vida
pessoal certamente seria notada pela mãe há quilômetros de distância.
Evelyn sabia como ninguém perceber quando os filhos estavam com
problemas. Imagine como seria quando ela pisasse em Nova York e
descobrisse que não apenas Poncho tinha se separado de Diana, como
também começou e terminou um relacionamento com Anahí sem que os
pais tivessem conhecimento. Para botar a cereja no bolo, Daniel estava
definitivamente afastado do pai.

Ao menos aquele último ponto ele poderia ao menos tentar resolver.


— Poncho... – Diana disse num suspiro quando abriu a porta da casa para
ele – Que parte do "espere alguns dias" você não entendeu...?

— Meus pais estão vindo pra cidade – Poncho rapidamente explicou e viu a
ex parecer surpresa – Pro aniversário de casamento dos avós da Anahí.
Como se isso não fosse complicado o suficiente, com tudo isso do Dani...
enfim, eu só queria tentar conversar com ele. Se ele não quiser eu não vou
forçar, prometo.

Diana pareceu considerar. Por mais que ela entendesse que o filho ainda não
estava pronto para se reaproximar do pai, percebia que a situação ficava
cada vez mais complicada para Poncho. Mordendo os lábios ao ponderar,
no fim ela acabou abrindo espaço e deixando-o passar. Poncho sorriu em
agradecimento, era bom saber que ele não tinha em Diana uma inimiga, que
ela jamais usaria Daniel para se vingar de uma possível mágoa pelo término
deles, por ele ter escolhido Anahí.

Agora só faltava que Daniel quisesse receber o pai.

— Ei – Poncho disse parado na porta do quarto, vendo o rosto do filho ficar


surpreso – Eu posso entrar...?

Poncho honestamente esperava ouvir um redondo e veemente não da boca


do filho. Se surpreendeu quando viu Daniel assentir tímido, e por isso
percebeu que tinha que ir com calma. De pouco em pouco, em pequenos
avanços.

— Você veio sozinho? – o menino perguntou.

— Sim – Poncho disse se ajoelhando na frente dele – Eu vim porque estava


com saudade de você.

— Eu achei que você tivesse com a Missy – Daniel revelou, deixando claro
o próprio ciúme e é claro, o evidente medo de acabar perdendo o amor do
pai.

— A Any e eu terminamos Dani – Poncho contou. Se antes Daniel parecia


surpreso, agora estava mais ainda – Eu vim aqui te contar isso.
— Você não gosta mais dela? Vai voltar a namorar a mamãe?

— Eu não vou mentir pra você – Poncho explicou calmamente – Eu ainda


gosto dela, muito. E não, sua mãe e eu não vamos voltar a namorar... mas eu
não queria que tudo isso te magoasse, nem ela queria. Eu te disse uma vez,
você é a coisa mais importante pra mim.

— Eu achei que... que você quisesse ser pai da Missy também – Daniel
disse com a cabeça baixa, evidentemente com vergonha da própria
revelação – E se você fosse... você poderia gostar mais dela do que de
mim...

— Você é a pessoa mais importante pra mim no mundo – Poncho fez


carinho no rosto dele, trazendo-o para o seu colo e abraçando-o – E eu
nunca vou abandonar você, eu te prometo.

Não que fosse necessário fazer aquela promessa para que as palavras
fossem reais... apenas era necessário que Daniel acreditasse nelas. Então, se
era preciso prometer, Poncho prometeria. Já tinha prometido, na verdade.

Depois daquele momento em que o gelo foi quebrado as coisas começaram


a caminhar para a normalidade. Diana e Poncho acordaram entre si que,
embora Daniel tivesse aceitado a presença do pai, talvez fosse um pouco
demais leva-lo ao aniversário de casamento de Arthur e Ellie, já que o
menino ainda nutria um forte ciúme do pai. Era fácil para Anahí se manter
distante, mas Missy amava Poncho e ela era uma criança. Não dava para
afasta-la sem terminar magoando-a, o que estava fora de cogitação.

Se reconciliar com o filho fez Poncho respirar aliviado pela primeira vez
em dias, era como tirar um peso enorme de suas costas. A única coisa que
continuava apertada – embora não tanto quanto antes – era seu peito. O
coração ainda estava machucado, porque, embora ele tivesse Daniel de
volta, ainda estava longe de Anahí. E aquela dor não passaria tão cedo.

Mas para amenizar aquela agonia, tinha duas presenças ilustres com as
quais ele precisava lidar. Naquela tarde amena, com sol limpo e ar um
pouco gelado, Poncho dirigia para o caminho que já sabia de cor: a casa dos
avós de Anahí. A comemoração das bodas de ouro de Arthur e Ellie seria
um churrasco no jardim da casa dos dois para todos os amigos e familiares.
Como Daniel não iria, Poncho tinha a seu lado Erendira que, é claro, não
poderia faltar num evento daqueles, tanto porque a família de Anahí não a
perdoaria, quanto porque seus pais não lhe deram qualquer chance de fazer
aquilo.

Robert e Evelyn, juntos no banco traseiro do filho, mais inconvenientes do


que nunca.

— Não é possível que não tenha acontecido nada na vida de vocês nesses
meses todos – Evelyn resmungou cruzando os braços, certa de que os filhos
estavam escondendo todos os detalhes possíveis e estando mais certa do que
nunca.

— É claro que aconteceu – Erendira tentou desviar o assunto – Mas nada


extremamente digno de nota ou que você não saiba.

— Sabemos do seu namorado secreto, apenas queremos saber por que


ainda não fomos apresentados a ele – Robert respondeu parecendo cortês,
mas cortado pela curiosidade de saber do relacionamento da filha.

— Ele está voando neste momento – Erendira deu de ombros. Evelyn já não
se interessava tanto assim pela vida da filha. Tinha outras coisas que ela
queria saber.

— Alfonso querido, eu ainda não entendi porque Diana não veio com você
– a voz dela saía sugestiva.

— Eu ainda não expliquei mamãe – Poncho respondeu com os olhos fixos


no volante. Erendira prendeu a risada ao seu lado.

— Não seja malcriado garoto – Evelyn resmungou – O que está


esperando...?

— Chegamos...! – Erendira comentou com tom de alívio.

— Fica para mais tarde.


Não tão mais tarde assim. O grande problema de Poncho deixar para contar
as novidades aos pais apenas depois deles chegarem ali é que Evelyn e
Robert acabaram presenciando cenas que não tinham uma explicação lógica
ao qual tivessem conhecimento. Isso já aconteceu tão logo os quatro
Herreras pisaram na casa de Ellie e Arthur. Assim que eles entraram no
jardim, pelo portão que estava aberto, Evelyn avistou a anfitriã e acenou
para ela, simpática como sempre. O que ela não esperava era ver uma
criança de sete anos correndo na direção de seu filho e o abraçando pela
cintura, pegando todos absolutamente de surpresa.

— Poncho...! Você veio!

Evelyn arregalou os olhos ao ver aquela menina tão carinhosa com Poncho,
imediatamente se perguntando quem ela era. Logo ela olhou para Robert e
se deu conta que o marido tinha a mesma surpresa na expressão. Os dois
depois olharam para Erendira e viram que ela estava com o rosto torto e um
sorriso de ternura nos lábios, evidentemente encantada pela cena que
presenciava. Isso deixava claro que ela sabia muito mais do que eles, e que
Poncho tinha muito o que explicar aos pais.

— É claro que eu viria – Poncho disse se abaixando e abraçando Missy com


todo o carinho do mundo – Senti sua falta Missy.

— Eu também – a menina reclamou – Você e a mamãe não estão mais


namorando, não é?

Duas surpresas duelavam para que fosse decidido qual era a maior: Missy
demonstrar sentir tanta falta dele assim ou ela se referir à Anahí como sua
mamãe. Na verdade, naquela disputa havia uma clara vencedora e era a
segunda afirmativa. Ouvir a menina chamar Anahí daquela forma carinhosa
derretia o coração de Poncho em vários e vários níveis diferentes.

— Não, não estamos – Poncho mordeu os lábios – Mas eu sempre vou


gostar de você, independentemente de qualquer coisa. Nós ainda somos
amigos, ok?

— Mas eu não queria que você fosse meu amigo – Missy o corrigiu – Eu
queria que você fosse meu pai.
Poncho ficou completamente desconcertado com aquela confissão da
menina. Ele estava agachado apoiado nas próprias pernas e as mesmas
tremeram, tanto que ele teve que se encostar-se à grama com uma das mãos.
Ele não esperava. Seu coração batia tão rápido quanto batia por Anahí.
Estava claro que as Portillas tinham um efeito muito forte sobre ele.

— Mas pra isso você precisava casar com a mamãe – Missy fez uma careta.

— Você agora a chama assim? – Poncho disse sorrindo mais do que nunca.
Melhor do que Missy querer que ele fosse seu pai, era ouvi-la chamando
Anahí de mãe.

— Eu... não sei – Missy franziu a testa confusa – Às vezes.

Ela não tinha chamado Anahí de mãe nenhuma vez, mas não era
proposital... tanto que sequer sabia. Pelo contrário, aquele apelido
começava para Missy de forma natural, ela chamava Anahí às vezes assim,
às vezes pelo nome, até que se acostumasse seria dessa forma, quando, sem
perceber, ela começaria a se referir a ela daquela maneira carinhosa em
todos os momentos.

— Quem é essa criança? – Evelyn perguntou à filha após analisar


minuciosamente a cena à sua frente – Eu não a conheço.

— Já irá conhecer, espere um pouco – Erendira observou, as bochechas dela


estavam quentes ao ver a filha de Anahí conversando com Poncho, era
como se conhecesse uma sobrinha a quem nunca tinha sido apresentada.

— Poncho parece conhecê-la muito bem – Robert comentou atento, e logo a


filha riu.

— E mesmo com essa proximidade dos dois vocês são incapazes de supor
quem é a mãe da criança – Erendira alfinetou.

Foi quando os olhos de Evelyn se arregalaram. Diferentemente do marido,


ela entendeu aquilo na mesma hora. Não entendeu tudo, claro que não, mas
o suficiente. O resto viria em seguida.
— Eu quero te apresentar à minha família, posso? – ele perguntou vendo
Missy assentir feliz. Foi quando Poncho deu a mão a ela e a levou até os
três que esperavam ansiosos pelo que viria – Papai, mamãe, irmã... essa é a
Missy. Ela é filha da Anahí.

Robert reagiu exatamente como a esposa tinha feito no minuto anterior.


Evelyn seguia boquiaberta. Nenhum dos dois parecia entender como aquilo
era possível. Na verdade conseguiam, apenas relutavam em aceitar que
Anahí tivesse tido uma filha no cativeiro e que Poncho estivesse levando
aquilo com tanta naturalidade. Mas Erendira, que não precisava do tempo
que os pais necessitavam para se acostumar com a situação, sobretudo
porque já sabia da existência de Missy, reagiu da melhor maneira possível
na frente de uma criança de sete anos que não tinha qualquer culpa de sua
origem.

— Oi Missy, você é linda – Erendira se abaixou até ficar da altura dela –


Meu nome é Erendira.

— Eren o quê? – Missy franziu a testa.

— Pode me chamar só de Eren – ela sugeriu – Você é igual a sua mãe,


sabia?

— E você... é igual ao Poncho – Missy olhava de um para o outro. Poncho


sorria como um bobo – É porque vocês são irmãos né? Eu queria ter irmãos,
mas o Dani não quis ser...

— Ah – Erendira balbuciou – Quem sabe sua mãe não te dá um irmãozinho


mais pra frente, não é?

O Poncho de rosto queimou ao pensar naquela possibilidade. Agora, com


ele e Anahí não estando mais juntos, era inevitável não pensar que ela
poderia resolver ter um filho com outro homem que não ele. Da mesma
maneira que ela havia se envolvido com Milo antes dele, uma hora Anahí
poderia conhecer outra pessoa e seguir com a própria vida. Construir uma
família... família essa da qual ele nunca faria parte.
— Ela é sua mamãe? – Missy perguntou encarando uma Evelyn que ainda a
observava atônita – Oi mamãe do Poncho.

— Ah, oi – Evelyn abriu um meio sorriso surpreso e se aproximando


devagar – Você é linda.

— Obrigada – Missy abriu um sorriso imenso – Como eu posso te chamar?


Qual o seu nome mesmo...?

— Meu nome é Evelyn, mas, se você quiser... pode me chamar de vovó.

Poncho quase sentiu o corpo afundar naquele momento. Aquela ideia era
perigosa. Ele sabia exatamente onde daria e via que a coisa toda não estava
indo bem.

— E eu sou seu avô – Robert se aproximou sorridente – Meu nome é


Robert.

— Mas vocês não são papais da minha mamãe – Missy inicialmente


estranhou, mas rapidamente juntou as peças – Mas se o Poncho puder ser
meu pai...

Ele sabia. Erendira, ao lado do irmão, prendia a risada. Era uma cena
inevitável, mas quem poderia culpar a adorável e encantadora filha de
Anahí por se apegar à primeira figura paterna que via à sua frente, ainda
mais quando Poncho parecia se encaixar tão bem naquele papel?

— Não tem problema você chama-los de avós mesmo não sendo, é uma
forma carinhosa – Poncho disse beijando a testa da menina, antes que Missy
pudesse ter ideias demais.

Ou pior, que Evelyn pudesse embarcar nessas ideias também...

Do outro lado do jardim Anahí cogitava se era uma boa ideia intervir
naquilo e se aproximar no momento em que a família de seu ex-namorado
conhecia sua filha. Ela analisava a cena com cuidado, via os quatro
Herreras abrirem sorrisos derretidos demonstrando que estavam todos de
quatro por Missy, o que não era nenhuma surpresa. É claro que lhe agradava
ver a filha sendo amada depois de tantos anos de maus tratos e negligência,
mas o que preenchia Anahí de amor por todo o corpo era ver a forma como
Poncho olhava Missy. Aquilo a quebrava em milhões de pedaços.

Se até então Anahí estava convicta de que tinha tomado a melhor escolha
para ele, quem sabe para os dois, naquele momento as primeiras dúvidas
surgiam. Ela via sua filha interagindo com seu ex, clamando por ele
preencher o vácuo do papel de pai que ela agora sentia. Será que era justo
com Missy priva-la do contato com Poncho? Será que ela fizera o certo ao
renunciar a Poncho pensando exclusivamente na relação dele com o filho?
Ela não estava sendo egoísta com relação à própria filha, impedindo que ela
e Poncho seguissem o caminho natural de se afeiçoarem um ao outro e se
considerarem algo que o sangue os separava? Anahí já não tinha mais tantas
certezas assim...

Ir ou não ir até lá falar com aqueles que um dia ela chamou de sogros?
Vontade não faltava, mas ao mesmo tempo parecia uma péssima ideia.
Como ela responderia Evelyn quando a mãe de Poncho notasse seus
evidentes olhares com seu filho? Como negaria o clima? Ou pior... como
diria para a filha que Poncho jamais poderia ser seu pai, mesmo sabendo
que era o que Missy mais queria?

O problema não era Missy querer ser filha de Poncho... era ele querer ser o
pai dela... como negar?

— Quem é aquela gata ao lado do seu namorado? – ao ouvir a voz


masculina ao seu lado Anahí virou rapidamente o rosto e viu Harry com os
olhos brilhando da mesma forma como os dela provavelmente também
estavam.

— Aquela que é velha demais pra você? – Anahí já respondeu alfinetando –


O nome dela é Erendira e ela é irmã do meu ex-namorado.

— Vocês terminaram? – ele franziu a testa – Eu sinto muito.

— Está tudo bem – ela mordeu os lábios, ainda não estava acostumada a ser
a irmã mais velha de Harry.
— Mas que seja, quando você irá nos apresentar? Pode ser agora?

— Ai Harry – Anahí revirou os olhos – Ela tem vinte e nove, você tem
dezessete...

— Anahí, por favor...

— Tudo bem – Anahí se deu por vencida – Vamos lá.

Era no mínimo interessante para Anahí viver aquela situação. A família de


Poncho estava tão entretida com Missy que sequer perceberam sua mãe se
aproximar ao lado do irmão mais novo. Se Harry, numa possível paixonite
platônica, não tirava os olhos de Erendira, Anahí fazia o mesmo com
Poncho. E o magnetismo existente entre eles era tão forte que ele também
foi o primeiro dos quatro que notou que ela caminhava até ali a percebê-la,
por isso se levantou do chão enquanto sua família seguia agachada
conversando com Missy e seguiu até ela.

— Eu preciso te falar uma coisa... – Poncho tinha a testa franzida e o tom


preocupado, Anahí estranhou aquele nervosismo mas havia algo para ser
resolvido antes.

— Tudo bem, me dê apenas um minuto – ela pediu – Oi. Que bom que
vocês vieram.

Com toda a naturalidade do mundo ela se aproximava de sua família,


Poncho observava certo de que havia um brilho nos seus olhos, sentindo
algo quente em seu coração. Ele viu as atenções que antes eram exclusivas
para Missy se voltarem para sua mãe, quando Evelyn e Robert a
cumprimentaram com entusiasmo e Erendira sorriu no meio daquilo tudo.
Poncho estava tão concentrado nela que sequer notou o interesse de Harry
em sua irmã, ele somente analisava o quanto a relação de Anahí com toda a
sua família parecia fácil, como Evelyn realmente gostava da ex-nora e as
coisas apenas se encaixavam, simples assim. Poncho assim se dava conta
que não era apenas ele que se sentia em casa com os Portilla, Anahí entre os
seus se portava da mesma maneira, já que seus pais, tal como no passado,
continuavam se esforçando para demonstrar que ela era uma deles, mesmo
que não fosse.
— Já que vocês já conheceram um dos novos membros da família... – ela
pausou brevemente o olhar sobre Missy, que sorriu travessa – Eu vim
apresenta-los para o outro... esse é Harry, filho caçula dos meus pais, Keith
decidiu adota-lo.

Foi com a apresentação que Poncho notou que Harry estava ali por
Erendira, ele parecia um pavão na frente dela e Poncho prendia a risada, era
apenas um menino impressionado com uma mulher bonita. Poncho não se
sentia no direito de culpa-lo, mesmo sem diferença de idade ele certamente
fazia o mesmo papel com Anahí. E quando Evelyn e Robert aproveitaram
para conhecer Harry melhor e ele usava a situação para aparecer para a irmã
de Poncho, Anahí usou a mesma para sair dali. Ela lançou o olhar para
Poncho que, divertido, via tudo de fora. Ele queria falar com ela, afinal.

Aquela era a primeira vez que eles se falavam depois do término. Poncho a
encarava com naturalidade e Anahí, ao mesmo tempo que estava nervosa,
se esforçava para deixar tudo bem entre eles.

— O que foi isso? – ele tinha a testa franzida.

— Uma paixonite adolescente – Anahí deu de ombros – Nada pra se


preocupar, sabemos que a Eren não irá deflora-lo nem dar tanta atenção...
por que, você ta com ciúme?

— É claro que não... é que me dei conta que o Harry é definitivamente um


Portilla – Poncho disse cruzando os braços prendendo o riso novamente.

— Por quê? – ela franziu a testa sem entender. A resposta estava na ponta
da língua dele, mas não seria dita: um Portilla nunca resistia a um Herrera.

— Nada – ele negou com a cabeça, Anahí não pareceu satisfeita em ter que
ficar curiosa – Tenho que te dizer algo... meus pais se apresentaram à Missy
como seus avós. Espero que não tenha problema...

— Bom, ninguém até hoje aprendeu a conter os seus pais – Anahí deu de
ombros – Mais tarde eu converso com ela pras coisas não ficarem confusas.
— Eu imaginei – Poncho mordeu os lábios – E ela não para de se referir à
você como sua mamãe e eu tenho que dizer, é lindo de se ver.

— É...? – a confissão pegou Anahí de surpresa. Ela não tinha ouvido Missy
falar com ela assim e não entendia o porquê daquilo.

— Uhum – Poncho confirmou – Ah, não fique chateada por isso. Ela vai te
chamar assim, tenha essa certeza.

— Não estou chateada, só... não esperava – ela franziu a testa – Isso é bom,
não é?

— É ótimo – Poncho a abraçou – Logo vai ser ela te chamando assim, na


sua frente, e você vai se acostumar tanto que vai virar rotina. Eu tenho
certeza.

Com Anahí em seus braços, dentro de seu abraço daquela forma tão fácil e
rápida a cabeça de Poncho ficou completamente confusa, seus pensamentos
nublados. Ele dizia o tempo inteiro que a relação dela e de Missy ficaria
mais fácil e mais parecia profetizar, já que era exatamente assim que tudo
ocorria. Mas em contramão com aquilo, tudo entre ele e Anahí se
complicava cada vez mais, tanto que Poncho tinha que se valer de um
momento de amizade para tê-la em seus braços. Para sentir seu cheiro,
lembrar de seu calor... ele sabia que momentos como aquele ficariam cada
vez mais escassos e que a tendência era que os dois se distanciassem a tal
ponto que as lembranças se tornassem cada vez mais vagas.

Poncho temia esquecê-la, como quase aconteceu da primeira vez.

NÃO É MIRAGEM!!! Eu disse que teria capítulo extra e eu sempre cumpro


minhas promessas hahahahaha. Pra falar a verdade pode ter outro cap
sábado ou domingo, só depende das estrelinhas e comentários de vocês
Se tiver mt, tem post!

Não vou falar mt sobre o capitulo porque eu honestamente nem lembro o


que tem nele com o tanto de sono que eu to depois de duas noites de
Sapucaí kkkkkkk mas espero que vcs gostem. Me contem nos comentários!

Vou responder os comentários ao longo da semana, de preferência quando


eu estiver acordada.

Me contem tudooooo!

Beijos,

Rafa
Capítulo 69 - Magic Words

— Papai? – Samantha perguntou assim que Jesse a tirou da cadeirinha que


ficava no banco traseiro do carro ao chegarem na casa de Ellie e Arthur – O
Dani vem?

— Eu acho que não princesa – Jesse respondeu com uma careta – O Dani
não gosta muito da tia Any...

— Dani é um bobão – Samantha revirou os olhos fazendo Sophia rir do


outro lado do carro – Já vi que terei que ter uma conversa muito séria com
ele.

— Ah é claro – Sophia mordeu os lábios.

— Missy está lá – a menina constatou vendo a amiguinha dentro do jardim


– Posso...

— Sim – Jesse concordou – Vá.

Samantha não perdeu tempo, já saiu correndo em direção à Missy tão logo
viu a menina no jardim dos bisavós, deixando o pai junto com Sophia para
trás. Jesse tinha uma careta nos lábios enquanto tirava as coisas da menina
de dentro do carro, já pronto para resmungar quando se deu conta que
Samantha levou uma série de pertences os quais definitivamente não usaria.

— Como eu disse que seria, o Senhor Cabeça de Batata vai ficar no carro
porque ela já esqueceu dele – ele disse jogando o brinquedo novamente

— Ela é criança Jesse, releve – a voz de Sophia saiu ligeiramente tensa


enquanto ela se aproximava dele, o que não passou desapercebido.

— O que aconteceu? – ele franziu a testa – Você ta fria de novo comigo...


são os pesadelos?

— Eu to tentando me reacostumar com as coisas – Sophia mordeu os lábios


– Não ta sendo fácil.
— Eu sei que não – Jesse ao concordar a abraçou – Promete que, se você
precisar, vai me contar o que quer que seja? Eu estou aqui por você, amor...

— Eu conto – ela mordeu os lábios – Eu prometo.

A promessa mal tinha sido feita e já estava sendo quebrada...

— Será que a minha mãe já chegou? – Sophia desviou o assunto ao dar a


mão para Jesse e os dois entrarem juntos no jardim.

— Eu não sei, mas se ela chegou certamente a Karen sabe... – Jesse falou.

Pronto. Sophia tinha a oportunidade perfeita para sair dali.

Não era um velho fantasma o que a atormentava, muito pelo contrário.


Sophia estava começando a aprender a lidar com o estupro nas reuniões do
My sister place, ela ia quase que diariamente e recebia ali todo o suporte
possível por parte de Marina e de outras aconselhadoras e assistentes
sociais. A terapia de grupo estava ajudando-a a entender que ela não era a
única mulher que passava por aquilo e, aos poucos, a tomar coragem para
falar sobre a própria história. Sophia ainda estava sofrendo por não
conseguir resolver nada pelas vias legais, tinha constantes pesadelos com o
próprio estupro mesmo quase não se lembrando dele e, para completar,
tinha o medo do álibi de Jesse não se sustentar e ele acabar sendo preso por
ter surrado Chad.

Jesse tentava de todas as maneiras aliviar aquele desespero todo pelo qual
Sophia passava. Ele sabia que tinha sido completamente emotivo e
irracional quando resolveu agir com a própria justiça batendo em Chad –
que seguia internado em um hospital. Cada vez que a polícia aparecia para
interrogar Jesse tentando encontrar algum furo no depoimento anterior,
Sophia ficava completamente tensa porque sabia que o álibi dele era uma
farsa, mas ao mesmo tempo que era mentira, era impecável, já que ninguém
conseguiu derruba-lo. Jesse conseguiu não apenas mantê-lo como fazer
todos os clientes e funcionários da confeitaria confirmarem que ele estava
ali, trabalhando, e o caso de Chad estava prestes a mudar de rumo, sendo
considerado uma tentativa de assalto que terminou em agressão.
Mas nem por isso Sophia respirava aliviada. Não quando tinha surgido
aquele novo fantasma para atormenta-la. Exatamente por isso ela procurava
pela mãe. Maite provavelmente estava exausta de ouvi-la e aquele não era
um assunto que ela queria tratar com Marina. Por isso Sophia procurava por
Olivia já que, no meio daquele furacão e com todos distraídos na festa de
Ellie e Arthur, ninguém a perceberia.

Só que Olivia ainda não tinha chegado. Isso fez com que Sophia acabasse
entrando dentro da casa e parasse num canto, encostada na parede, sentindo
as lágrimas virem quentes pela agonia que sentia. Lágrimas que ela
derrubaria solitária, incapaz de procurar alguém para dividir aquele fardo
todo. E assim seria se ela não fosse surpreendida por uma presença
inesperada.

— Sophia...? – Karen a chamou – Está tudo bem?

É claro que não estava. Mas a mãe de Anahí era sempre cuidadosa e
delicada, ela sentia que algo estava acontecendo de grave. Um choro
poderia significar muitas coisas: uma briga com o namorado, um problema
no trabalho, um dia ruim. Mas a intuitiva Karen tinha certeza de que havia
mais ali. Só que, é claro, ela só insistiria em saber se visse abertura de
Sophia para contar.

Como Karen conhecia Sophia desde que ela era uma menina, não achava
que ela fosse se abrir. Afinal, ela tinha Lexie, Anahí e até Maite para isso.
Mas não foi essa a resposta que veio.

— Você teria alguns minutos? – Sophia perguntou enxugando o rosto e


mordendo os lábios.

Com a concordância de Sophia, Karen teve mais certeza ainda de que


aquilo exigia privacidade. Por isso levou a amiga de sua filha para o quarto
de sua mãe. Assim que fechou a porta ela viu Sophia se sentar na cama e
começar a chorar. A cena durou cerca de cinco minutos, com uma Karen tão
sem reação que apenas se sentou ao lado dela e a consolou como pôde,
dando o ombro que Sophia precisava naquele momento e não fazendo
nenhuma pergunta, já que era nítido que ela não estava nem um pouco
pronta para responder.
Somente quando Sophia começou a se acalmar, foi quando Karen resolveu
que era a hora de entender o que acontecera para deixa-la assim.

— Se não quiser dizer nada tudo bem, mas se quiser... – Karen ofereceu,
achando que Sophia se manteria calada, mas novamente se surpreendeu.

— Eu estou grávida – ela confessou com a cabeça baixa, se segurando para


não começar a chorar tudo de novo.

— Oh querida, mas isso é maravilhoso...! – Karen a abraçou de lado – É por


isso que você está assim? Sophia... não é o que você sempre quis, ter um
filho com Jesse, seu próprio filho com ele?

— Sim – Sophia concordou – É o que eu sempre quis. O problema é que...


eu não sei se o Jesse é o pai.

Aquela constatação foi uma surpresa para Karen. Imediatamente ela pensou
no que qualquer outra pessoa pensaria: que Sophia tinha traído Jesse. Não
era algo que ela poderia esperar, já que os dois pareciam estar bem e
apaixonados, já que eles formavam uma linda família com Samantha. Mas
aqueles dias no My sister's place fizeram Sophia ao menos conseguir
formular a frase que a assombrava. Ao menos aquilo...

— Eu fui estuprada Karen – ela admitiu – Pelo meu melhor amigo. Achei
que a Any tinha te contado.

— Eu... sinto muito – Karen respondeu tentando conter o choque com


aquela revelação – Não, a Any não me disse nada, ela jamais diria algo tão
pessoal seu.

— Tem semanas que Jesse e eu não transamos – Sophia constatou – É óbvio


que o Chad não se protegeu quando... enfim... o filho pode ser dele. E Jesse
relevou tudo, ficou do meu lado, me apoiou... mas como eu posso dizer a
ele que estou grávida desse homem que me machucou tanto? Ele nunca vai
aceitar...

— Bom, você não sabe quem é o pai – Karen lembrou segurando as mãos
dela num nítido gesto de apoio – E mesmo que a pior hipótese esteja certa,
eu não consigo imaginar o Jesse virando as costas pra você como se não se
importasse, de verdade.

— Não acho que seja uma questão de virar as costas, é só criar uma criança
que não é sua – Sophia completou – Uma criança que vai te lembrar alguém
que você odeia.

— Ou quem sabe uma criança que também vai lembrar alguém a quem
você ama – Karen devolveu – Você disse que não dorme com o Jesse há
semanas...

— Desde antes do estupro – ela esclareceu.

— Então um ultrassom vai apontar o tempo da sua gravidez – Karen


observou – E isso vai deixar claro quem é o pai. Você vai precisar ser forte
no momento que descobrir isso, porque não vai ser nada fácil caso te digam
que a gravidez é recente e que Jesse é o pai. Mas quer saber o que eu acho?

— O quê?

— Jesse mudou, é nítido – Karen comentou – Desde a morte da Torrey, ele


não é o mesmo. Você e ele reconstruíram a ideia do que seria uma família.
O Jesse de antes talvez, mas o de agora... eu não consigo imaginar o Jesse te
virando as costas por essa criança ser apenas sua.

O problema é que aquilo era uma dúvida, um achismo, estava longe de ser
uma certeza. E enquanto não fosse, Sophia seguiria assombrada.

Mas quem sabe essa era mais uma razão para que ela enfrentasse a situação
e descobrisse a verdade de uma vez.

xxx

Do lado de fora da festa as coisas já estavam se encaminhando para a


surpresa que Arthur tinha preparado para Ellie. A maioria dos convidados
já estava se acomodando. Jesse, que não fazia ideia da cena que acontecia
dentro da casa, guardava um lugar para Sophia. Ele estava na mesma fileira
que Maite e Mane e Lexie e Mark. O cirurgião plástico tinha a cadeira ao
seu lado vaga. Acreditava que continuaria assim, se Christian não entrasse e
a ocupasse.

— Resolvi sentar ao lado do meu novo amigo Mark Sloan – ele disse
comentando. Mark achou graça, enquanto Lexie sentiu os olhos
esbugalharem.

— Christian!

— O que tem de mais? – Christian fingiu que nada acontecia – Você se


incomoda Mark? Porque eu acho que você deve se enturmar com os amigos
da sua namorada, afinal vocês finalmente se acertaram de vez, terá que nos
aturar para sempre.

— Não é incômodo algum pra mim – Mark disse sorrindo e passando o


braço livre por trás de Lexie.

— E sabe, nós como amigos sempre andamos sem camisa uns na frente do
outros, fique à vontade para acompanhar a tradição... – Christian quase
cantarolava.

— Não é verdade essa parte – Jesse, do outro lado da fileira, se apressou em


completar.

— Definitivamente não – Mane riu, vendo que Maite olhava para trás,
parecendo procurar alguém – Algo errado amor?

— Minha mãe, ela sumiu – a morena disse bufando e se levantando – Eu


vou procura-la, você guarda o meu lugar?

— É claro que sim...

Mane acompanhou Maite com os olhos ao mesmo tempo que continuou


ouvindo Christian provocar Mark logo ao seu lado rindo. Lexie não sabia
como lidar com aquilo, temia que o namorado encarasse aquilo como um
assédio, mas Mark apenas ria, fazendo pouco caso, o que terminava por
incentivar Christian ainda mais, para o desespero da cirurgiã. Logo em
seguida Sophia chegou ao próprio lugar de mãos dadas com Samantha e
Missy, as duas amiguinhas tinham decidido se sentar juntas. Sophia não
deixou Jesse perceber o quão abatida estava, ficando do lado dele de mãos
dadas com um pequeno sorriso que disfarçou a conversa que teve logo antes
com Karen e principalmente, seus motivos.

Logo Mane percebeu que todos já estavam ali completando a fileira, a única
que faltava era Maite. Ele se virou para trás para procurar a namorada com
os olhos, verificar se ela tinha conseguido achar a mãe, mas a visão que
teve foi algo que definitivamente não esperava.

Maite procurava por Victoria com uma das mãos na barriga e uma careta
nos lábios, conforme a gravidez avançava Luna chutava um pouco mais
forte e aquilo não era nada confortável. Ela estava evidentemente grávida,
ninguém que a olhasse era capaz de não notar que dali a poucos meses ela
teria um bebê. Por isso, a pessoa com quem acabou esbarrando
imediatamente percebeu a novidade.

— Maite? Você está grávida...?

Ela conhecia aquela voz. Se relacionou por anos com seu dono e o fim não
foi dos melhores. Koko.

— Koko? – ela franziu a testa definitivamente chocada – O que você ta


fazendo aqui...?

— Acompanhando a minha mãe – ele explicou – Ela voltou a morar na


cidade e está fazendo aulas de dança com a Ellie.

— Mundo pequeno – Maite negou com a cabeça – Ellie é avó da Anahí.

— Anahí, sua amiga que desapareceu e voltou...? – Koko ergueu as


sobrancelhas – Uau, muito pequeno mesmo. Mas você não respondeu a
minha pergunta...

— Indiscutivelmente grávida – Maite levou as mãos à barriga sorrindo


maravilhada – É uma menina e vai se chamar Luna.
— É um lindo nome, parabéns – Koko respondeu – Você está
definitivamente bem.

— Sim, eu estou – ela suspirou concordando – Nunca pensei que fosse estar
tanto assim, mas... parece que a maré virou pra mim.

— Você e o pai da sua filha estão juntos? Eu o conheço?

— Conhece sim, você lembra do Mane? – ela perguntou em resposta.

— Como não lembrar? – Koko riu – Ele não conseguia tirar os olhos de
você enquanto nós éramos casados...

— É, pelo visto todo mundo percebia isso menos eu – Maite fechou os


olhos negando com a cabeça – Depois daquele nosso encontro no ano
passado... eu acabei dando uma chance a ele. Achei que já era hora, já
passava dela na verdade.

— Você merece toda a felicidade do mundo Maite – Koko desejou. Ela


sabia que ele estava sendo honesto – Eu disse que você encontraria alguém
que saberia te amar como você merece. Fico feliz que tenha sido antes do
que eu pensava que seria.

— Obrigada Koko – Maite respondeu satisfeita.

A palavra era aquela: satisfação. Meses depois da última vez que eles se
viram, quando Maite foi ao apartamento de Koko para uma espécie de
acerto de contas, logo depois que descobriu os sentimentos de Mane, ela
jamais poderia imaginar que um dia seria tão indiferente ao ex-marido.
Tanto que precisava se encontrar com ele para se lembrar de sua existência.
Maite naquele momento, enquanto o ouvia falar da própria vida e da
carreira que ela tanto admirou, se deu conta que desde que ela e Mane
ficaram juntos, não procurava nada sobre o ex. Não fazia ideia de como
andavam suas redes sociais, quem eram as mulheres que passavam por sua
vida. Ela enfim tinha encontrado a felicidade e se deixado levar por ela, se
afastando daquele sentimento tóxico que a impedia de seguir em frente.
Por isso aquele encontro com Koko, diferentemente de outros que vieram
antes, a fez se sentir bem consigo mesma, ficando nítido o quanto estava
feliz com Mane e que não trocaria aquilo por nada. Nem por um pedido do
ex-marido para reatarem, numa hipótese remota de Koko propor aquilo.

Em contraste com a segurança que Maite seguiu pelo caminho que


escolheu, Mane estava tão inseguro quanto possível. Ele tinha saído do
próprio lugar e observava a namorada falar com o ex, rir com naturalidade
e, em resposta, se corroia de ciúmes. Mane sabia o quanto Koko tinha
marcado a vida de Maite e sabia também que, quando eles ficaram juntos,
Maite ainda não tinha superado. Será que as coisas tinham mudado desde
então? Mane sabia que ela ainda era traumatizada por casamento, tanto que
Maite sempre se desvencilhava quando ele tocava no assunto. Mas lá estava
ela conversando com o culpado daquilo como se nada tivesse acontecido. O
que ocorreria se Maite se desse conta que era Koko que ela amava e
desistisse da história que ela e Mane mal tinham começado a construir?

— Se ciúme matasse você estaria durinho no chão – ele ouviu uma voz
provocando-o e virou as costas, encontrando Kamilla, sua irmã, rindo.

— É o ex-marido dela – Mane comentou sem tirar os olhos de Maite do


outro lado do jardim – Ela amou demais esse cara.

— Aham, amou – Kamilla observou – Agora ela ama você. Tanto que ela ta
grávida da sua filha geminianazinha.

— Mas não quer casar comigo – Mane mordeu os lábios.

— Vocês estão juntos há, não sei, quase sete meses, ela está grávida há
cinco, não acha que ta indo rápido demais? – Kamilla cruzou os braços
rindo – Vá com calma maninho, dê um tempo pra Maite, são muitas
mudanças na vida dela, há um ano ela sofria pelo ex e agora ela ta
formando uma família com você. Nem todo mundo é seguro dos próprios
sentimentos como você é.

— Nem todo mundo ama a mesma pessoa desde que era adolescente –
Mane constatou.
— Ela pode não te amar desde sempre, mas ama agora e isso ta nítido nos
olhos dela – Kamilla finalizou – Agora tira essa tromba do rosto. Se a
mamãe ver essa sua cara mordida vai correr pra ler o horóscopo pra tentar
resolver sua crisezinha.

A resposta da irmã caçula acabou fazendo Mane rir. Ele tentava se sentir
um pouco seguro, por isso fez um esforço e logo voltou para o próprio
lugar. Não demorou muito e Maite se afastou de Koko, encontrando a mãe
e, em seguida, voltando ao próprio lugar. Ao contrário do que ele esperava,
ela não comentou nada a respeito e parecia tão tranquila quanto Mane não
estava acostumado. Ele não sabia se aquela reação era positiva ou negativa,
se aquilo significava que ela estava mexida ou indiferente quanto ao ex.
Apenas esperava que não fosse ruim, que não significasse que fosse um
sinal dela querer o passado de volta. Mas talvez fosse o caso de mostrar a
Maite o quanto um futuro deles poderia ser melhor do que qualquer outra
coisa que Koko poderia lhe oferecer.

xxx

Poncho teve que esperar um bom tempo para conseguir ficar sozinho com a
própria mãe e colocar todos os acontecimentos daquela manhã em pratos
limpos. Não que Evelyn estivesse fugindo do filho; pelo contrário, o que ela
mais queria era conversar com ele para se inteirar sobre o que acontecia em
sua vida, apenas não via oportunidade. Na ausência de Daniel, em boa parte
da tarde Poncho teve sua atenção sugada por Missy que, na companhia de
Samantha, acabou brincando com ele o tempo inteiro. Apenas quando
Anahí chamou a menina para entrar com ela como parte da surpresa que
Arthur tinha preparado para Ellie e o ex-casal trocou um olhar significativo,
a matriarca Herrera se aproximou do filho porque outro momento não
surgiria.

— Diana não veio, Daniel também não... – Evelyn enumerou – Você e


Anahí não param de se olhar... eu consigo perceber que o seu casamento
acabou, mas não entendo porque você não está com a mulher que ama.

— Nós estávamos juntos – ele admitiu – Mas quando o Dani descobriu não
reagiu bem. Algumas coisas aconteceram e... ela terminou comigo.
— Oh – Evelyn murmurou – Por isso eu não esperava. Por que você não
disse antes meu filho? Por que tanto mistério...?

— Eu queria contar pessoalmente – Poncho mordeu os lábios – Foi logo


antes do Natal, a Diana e eu tivemos uma conversa definitiva e ela decidiu
ir pra Boston. Quando o Natal chegou eu deixei o Dani com a Eren e fiquei
aqui, achei que vocês viriam, mas como não vieram... eu fiquei com ela.
Passamos o Ano Novo juntos na cabana do tio Warren, as coisas estavam
perfeitas, mas depois que o Dani voltou e a filha dela apareceu...

— A filha – Evelyn o interrompeu – Ela teve uma filha no cativeiro.

— Eu tento não pensar nisso – Poncho coçou o queixo – Missy é a cara da


Any, ela é a Any por inteiro, não tem nada daquele cara. Eu não veria nada
dele nela nem que eu me esforçasse. Ela é encantadora, eu me apaixonei no
segundo que pus meus olhos nela pela primeira vez.

— Você e ela são como pai e filha – Evelyn abriu um singelo sorriso – Não
a toa o Dani ficou com ciúmes.

— Eu acho que ele entenderia com o tempo – Poncho franziu a testa – Ele e
a Missy se deram bem no início, era só ciúmes mesmo... medo de eu
abandona-lo, deixar de ser pai dele como deixei de ser marido da Diana. É
que... a Any estava grávida quando foi sequestrada, eu não sabia. Ela
perdeu o bebê lá, e a Missy...

Disso Evelyn não sabia. Enquanto o filho abaixava a cabeça e apertava a


ponte do nariz, ela lidava com o choque da constatação de tudo o que o
filho e a ex-nora tinham enfrentado e perdido, ao mesmo tempo que sentia
que tinha que apoia-lo de qualquer jeito.

— É como se substituísse o filho de vocês – Evelyn completou. Ela seguia


atônita.

— Ela não tem um pai, aquele cara jamais poderia ser considerado pai dela
– Poncho respirou pesadamente – Eu quero estar ali pra ela. Eu já queria
quando a Any e eu estávamos juntos, mas... desde que nos separamos não
consigo encontrar uma maneira de dizer isso a ela sem parecer que eu estou
forçando a barra entre nós dois.

— Você quer ser pai dessa menina mesmo não estando com a mãe dela? –
ela tinha as sobrancelhas erguidas – Quer dizer... eu esperava que isso
acontecesse conforme você se envolvesse com ela, mas...

— Eu não quero ser pai dela, eu sou pai dela – Poncho esclareceu – É como
se a Any tivesse virado pra mim e dito que estava grávida, não teria
diferença alguma. Eu sinto por ela desde o início o que senti na gravidez da
Diana.

— E eu achava que você nunca mais iria querer ter filhos – Evelyn riu
negando com a cabeça.

— Eu também pensava assim – Poncho mordeu os lábios – A questão é que


eu descobri que não era uma questão de querer ter filhos pura e
simplesmente, mas sim de ter filhos com a mulher que eu amo.

— E talvez essa seja a única chance – ela concluiu – Eu entendo querido, eu


realmente entendo.

Do lado de dentro da casa Anahí estava alheia à conversa de Poncho com a


mãe. Ela estava concentrada em uma Ellie que tinha sido trazida para o
interior da casa para se preparar para a surpresa que Arthur lhe tinha
preparado. Logo ela se viu sendo levada para seu quarto com Karen e a
filha lhe entregou uma bonita caixa que continua um vestido de renda
branco com rendas. Sobre sua cama havia um bonito sapato de pequenos
saltos da mesma cor à sua espera. Antes que ela pudesse se dar conta e
processar as informações, Anahí estava parada ali com Missy ao seu lado e
um buquê de lírios cor-de-rosa em suas mãos, os olhos inegavelmente
marejados.

— Oh, eu não acredito que aquele meu velho preparou uma coisa dessas... –
Ellie divagou.

— Pode acreditar mamãe, o papai sabe ser bem romântico quando quer –
Karen riu se sentando na cama – Venha se calçar.
— Se me dissessem há alguns anos que eu estaria aqui, comemorando
minhas bodas de ouro com as três moças mais lindas do mundo que vieram
todas de mim, ah... – ela comentou se sentando na cama e logo Anahí
reparou que não era apenas ela que estava totalmente emocionada, Karen
estava na mesma.

Três das quatro mulheres no quarto estavam... menos uma, é claro.

— Eu vim de você...? – Missy questionou franzindo a testa e entortando a


cabeça.

— É modo de dizer bebê – Anahí respondeu alisando o cabelo da filha – A


vovó veio da bisa, eu vim da vovó, você veio de mim... de certa forma todas
nós nascemos dela.

— Ah – Missy murmurou confusa.

— E eu me orgulho de vocês três – Ellie sorriu satisfeita – Any, eu vi sua


mãe se casar há alguns anos mas você não viu. Os olhos dela brilhavam por
estar finalmente com o Keith, mas faltava algo. Faltava você. E eu estou
feliz que, no meu grande dia se repetindo, você esteja ao nosso lado. Eu
quero que você esteja lá comigo.

— Ai mamãe – Karen mordeu os lábios para não chorar.

— Quem sabe um dia eles repitam tudo também pra que eu possa ver –
Anahí apertou a mão da mãe sorrindo – Vou sugerir isso ao papai, quem
sabe quando vocês fizerem dez anos...?

— É, eu acho que gostaria de dizer sim ao Keith de novo com a minha


butterfly por perto – Karen sorriu de volta.

— O que é butterfly? – Missy franziu a testa.

— Borboleta – Karen explicou – Sua mãe sempre foi como uma. No início
uma lagarta e, de repente, tinha asas grande demais pra não voar pra longe e
encantar a todos...
— Uma borboleta não serve para ficar presa – Ellie mencionou – O casulo é
temporário e necessário, mas depois... ela está sempre voando. Não serve
para borboletários nem para uma gaiola.

— Agora ela está livre – Karen sorriu. Anahí mordia os lábios, era
emocionante demais ouvir tudo aquilo das duas mulheres mais importantes
de sua vida.

— Mas um dia seremos nós arrumamos você, tal como vocês me arrumam
agora e eu arrumei um dia a sua mãe – Ellie se dirigia à neta – Um dia nós
estaremos ajeitando o seu véu, te entregando o seu buquê e te olhando com
aquela certeza de que você vai ser feliz pra sempre. Ah, vai ser muito bom
esse dia.

A emoção de Anahí deu lugar a uma pequena tristeza. Ela não disse, não
quis admitir, apenas balançou a cabeça positivamente e desconversou,
deixando a pequena profecia de Ellie cair no esquecimento. Logo a avó
calçou os sapatos e pegou o buquê das mãos da neta, se levantando. Karen a
acompanhou e Missy foi atrás, encantada pela bisavó estar arrumada
daquele jeito. Anahí acabou ficando sentada na cama, fingindo que ajeitava
a própria sandália para deixa-las ir na frente. Não queria que ninguém
notasse quando o que sentia saísse de seu corpo e se exteriorizasse.

Ela poderia ser livre, então suas lágrimas também seriam. Os sinais de sua
tristeza. Ela ouvira os sonhos da avó, Ellie divagando sobre o quanto queria
assistir o casamento da neta e vendo-a caminhar para uma felicidade e vida
plena tal como ela tinha há muito com Arthur, como há nem tanto tempo
assim Karen começou a construir com Keith. O problema é que as palavras
de Ellie somente tomavam forma em sua cabeça com Poncho esperando-a
no altar. Era para ele que ela entraria naquele vestido branco, colocaria
aquele véu longo, pegaria aquele buquê e caminharia pelo tapete vermelho.

Apenas por Poncho Anahí queria estar presa por vontade e não ser mais tão
livre assim. Ela nunca quis estar amarrada de nenhuma forma por ninguém,
nunca foi seu sonho, até ele aparecer. Agora havia o sonho e, ao mesmo
tempo, o vazio. Não serviria para sonhar se fosse com qualquer outro
homem.
E enquanto as lágrimas lavavam seu rosto, uma companhia retornou.

— Você ta chorando...? – a voz calma de Missy entoou o quarto ao flagra-


la. Anahí bem que queria mentir, mas tinha jurado ser honesta com a filha.
Era a hora de cumprir.

— Sim – ela respondeu enxugando o rosto – Mas não é nada.

— Ta triste? – Missy voltou a perguntar.

— Vai passar – Anahí garantiu.

E iria mesmo. Especialmente pelo que veio a seguir. Primeiro um abraço


que ela não poderia esperar... depois a frase que sempre quis ouvir...

— Eu amo você mamãe.

Nem todos os sonhos eram feitos para serem quebrados.

To na dúvida cruel se vcs tão me amando ou me odiando depois desse final!


Vamos lançar um desafio? Escrevam TE AMO ou VOU TE MATAR nos
comentários desse trecho pra eu testar um negócio kkkkkkk

Enfimmm Anahi e Missy como mamãe e filhinha! Sei que vcs esperaram
mt por esse momento e preciso dizer, eu também! Amo a relação delas e
agora que atingimos esse ponto, vamos seguir pra novos degraus.

No mais tivemos aqui o Mane com aquela insegurança de leve e a Sophia


descobrindo uma gravidez totalmente inesperada.

E agora, quem é o pai?

Estou escrevendo o julgamento e esse cap ta simplesmente me


CONSUMINDO, por isso estou sumida dos comentários. Mas essa semana
eu volto!
E quinta voltamos com o cap 70! Enquanto isso vão votwndo e comentando
nesse aqui.

Inclusive MAIS DE 150 VOTOS NO ÚLTIMO!!! Assim vcs me estimulam


a postar outros caps extras

Beijos,

Rafa
Capítulo 70 - Relief

— Repete – Anahí pediu – Fala de novo pra eu ouvir.

Não é que Anahí não tivesse entendido o que Missy dissera. Ela apenas
queria ouvir novamente aquela voz de criança angelical dizendo aquelas
palavras doces mais uma vez.

— Eu amo você mamãe – Missy repetiu palavra por palavra, dessa vez de
forma mais abafada e abraçando Anahí mais forte.

Aqueles bonitos olhos azuis de Anahí se encheram de lágrimas. Ela não


conseguia decidir qual parte a emocionava mais: o "eu te amo" ou o
"mamãe". Era um páreo duro. Só sabia que aquele era dos momentos não
esperados que são guardados no fundo do coração para não serem
esquecidos. Anahí provavelmente esqueceria da frase da avó que a tinha
feito chorar mesmo sem Ellie ter qualquer intenção, mas Missy tinha
resignificado aquele momento. Agora não se tratava mais da lembrança de
quando Ellie a fez pensar que tinha perdido Poncho provavelmente para
sempre. Era a vez que Missy a chamou de mãe pela primeira vez.

— A mamãe também ama você bebê – Anahí a abraçou de volta – Pra


sempre.

— Ta me apertando – Missy resmungou sufocada.

Anahí riu, soltando um pouco Missy, vendo a menina fazer uma careta e em
seguida rir também. Ela não sabia a conversa que Christian teve com sua
filha dias antes, quando ele a incentivou de chama-la por aquele apelido.
Mãe era a forma como Missy chamava Barbara, um papel que aquela
mulher não exercia nem de longe com perfeição, mas ainda assim era quem
o preenchia. Agora estava vazio e sendo aos poucos substituído por alguém
que se importava com ela, que lhe dava o carinho e atenção que ela não
sabia que eram normais na relação entre mãe e filha.

Agora Missy tinha uma mãe de verdade. Antes ela tinha apenas um casal
que a criava e a mantinha, simples assim.
Dessa forma, Christian não precisaria ter dito nada. Ele apenas adiantou
algo que iria acontecer de um jeito ou de outro. Cedo ou tarde Missy olharia
para o lado e veria em Anahí o que ela nunca teve. A saudade por Barbara e
Ed diminuía a cada dia, aqueles que a criaram caíam no esquecimento à
medida que a menina reconhecia em sua verdadeira mãe aquele papel. Mais
uma coisa que Tobias tinha desviado do caminho, mas aos poucos,
encontrava seu lugar novamente.

Tal como aconteceria com todo o resto.

— A bisa ta esperando a gente – Missy lembrou – Vamos?

— Vamos – Anahí sorriu de volta, se levantando da cama e unindo a mão


livre com a da menina.

Nem se lembrando mais o motivo pelo qual chorava.

xxx

No dia seguinte.

— Você tem certeza que sou eu a pessoa que você gostaria que estivesse
com você...? – Olivia Bush perguntou à filha, ambas sentadas no corredor
de espera do hospital.

— Você é a única pessoa que poderia estar aqui comigo – Sophia mordeu
os lábios apreensiva. Ela simplesmente não conseguia não ficar
completamente tensa – Quem mais seria?

Olivia tinha um forte palpite de quem era a pessoa certa para estar ao lado
de Sophia ali. Ela tinha o nome em sua ponta da língua, nome de quem
deveria estar de mãos dadas com sua filha como ela estava. Nem de longe
Olivia reclamava por ter sido chamada a apoiar Sophia naquele momento,
mas ela tinha certeza de que outra pessoa cumpriria aquele papel muito
melhor. E, se aquela pessoa estivesse ali, sua filha não estaria nem de longe
tão apreensiva quanto estava, já que parte daquela tensão tinha a ver com a
aceitação do homem que ela amava àquela nova situação.
Sophia achava que Jesse jamais aceitaria sua gravidez caso não fosse o pai.
Ela sabia que o noivo a amava, mas criar o filho de outro homem seria
demais, em especial um homem que a estuprou. Um homem que só a
estuprou porque ela não tinha ouvido Jesse, porque tinha fechado a mente e
acreditado em Chad e em ninguém mais, mesmo tendo sido advertida por
tantas vezes por todos de que não deveria fazê-lo. Tarde demais para se
arrepender.

— O que você acha que vai acontecer...? – Olivia questionou, fazendo


Sophia se lembrar das palavras de Karen um dia antes – Você acha que ele
vai virar as costas pra você caso esse filho não seja dele...?

— Eu não sei mãe – Sophia mordeu os lábios. A vontade de chorar,


novamente, vinha forte –Seria difícil pra ele criar uma criança que é filho
de um homem que...

— Vai ser possível pra você criar uma criança que te lembre o que
aconteceu? – Olivia questionou, virando a ótima do jogo – Querida, você
pode fazer um aborto se quiser.

— Eu não quero – Sophia enxugou a lágrima. Ela abominava a ideia.

— Você não é obrigada a criar uma criança que é fruto de uma violência – a
mãe continuou, mas a filha não lhe dava ouvidos.

— Anahí não virou as costas para a Missy quando a descobriu, mesmo ela
sendo filha de um homem que a manteve presa por oito anos – Sophia
devolveu. Era óbvio: ela se comparava com a amiga que viveu uma situação
parecida, ao mesmo tempo que diferente.

— Anahí é Anahí – Olivia opinou – Não existe certo ou errado nisso, ela
fez o que aguentou fazer, e você deve fazer o que acha que é capaz de
suportar. Se você descobrir que essa criança é do Chad e decidir tê-la, eu
darei todo o amor do mundo para o meu primeiro neto, mas você tem que
pensar se um dia vai olhar para ele e se arrepender de tê-lo tido. Isso não vai
ter volta querida.

— Eu sei que não – Sophia suspirou longamente.


Olivia disse o que deveria ter dito. A decisão agora era de Sophia.

A médica a chamou apenas cinco minutos depois da última fala entre as


duas, mas parecia uma eternidade, até porque depois daquilo elas
mergulharam num silencio profundo. Na mente de Sophia as ideias se
debatiam. Ela sempre sonhara em ser mãe e agora se via naquela situação se
seria ou não feliz na maternidade, na forma como a coisa tinha se
desenhado. Seus sonhos não poderiam ser mais distantes da realidade que
vivia.

A Sophia de sempre jamais cogitaria um aborto. Mas a Sophia que ela


sempre tinha sido não poderia imaginar que terminaria sendo violentada da
forma como fora. Então ela não adivinharia que a realidade se mostraria de
forma tão espinhosa como acontecia ali. As coisas como aconteciam se
revelavam mais do que frustrantes, era decepcionantes. E agora ela não
sabia o que fazer. Simplesmente não sabia qual caminho tomar, porque
qualquer uma das opções lhe parecia totalmente dolorosa.

— Sophia Bush.

Com um suspiro de agonia de quem agora se dava conta de que não havia
mais tempo para fugir da verdade, Sophia se levantou e, acompanhada pela
mãe, caminhou para dentro do consultório da obstetra. A médica era italiana
e falava sem parar, perguntando quando ela tinha descoberto a gravidez,
quais eram os sintomas e dando uma série de dados, informações e
prognósticos que eram importantes, é claro, mas que não pareciam
relevantes naquele momento porque não era o que ela realmente queria – e
precisava – saber.

Olivia estava muito mais atenta à consulta do que Sophia. A obstetra


rapidamente se deu conta disso e estranhou, obviamente, pois mais parecia
que era a futura vovó quem seria a mãe por ali, já que era ela que
perguntava as coisas que provavelmente, pela experiência, já saberia. Mas
logo o mistério foi solucionado, quando Sophia foi perguntada sobre algo
que deu o sinal sobre o que ela queria saber.

— Então mamãe – a Dra. DeLucca começou a perguntar – Quando foi a sua


última menstruação? Assim poderemos ter uma ideia de quando o bebê irá
nascer.

— Eu não sei – Sophia mordeu os lábios – Eu não sou exatamente


regulada, e... apenas essa semana descobri que estava grávida. Então... pode
ter sido há dois meses atrás. Eu não sei dizer.

— Tudo bem – a obstetra anotou as informações – É algo que poderemos


saber pelo ultrassom. Você não faz ideia de quanto tempo de gestação
possui, não é?

— Não – Sophia mordeu os lábios – Eu realmente preciso desse ultrassom.

A médica não fazia ideia do quanto.

Sophia se questionava em silêncio se deveria dividir com a obstetra a


informação de que não sabia ao certo quem era o pai daquela criança. Ela
temia ser confundida com uma mulher que não lembrava mais com quem
dormia, porque definitivamente não era aquele o caso. Vestindo o avental
para a ultrassonografia Sophia sequer conseguiu julgar qualquer uma delas.
Ela não se sentia digna de apontar o dedo na cara de ninguém, não quando
estava vivendo o que vivia. Não era justo. Afinal, quantas poderiam
endossar seu velho pensamento de que a culpa era toda dela? Não era justo
fazer o contrário e tacar a primeira pedra em outras mulheres quando agora
sentia que tinha teto de vidro.

No fim, ela acabou ficando em silêncio, sentindo o rosto queimar mais uma
vez pela vergonha do estupro. Era um passo de cada vez: ela já conseguia
não se culpar, mas mesmo assim aquele era um estigma que ela ainda
carregaria. A médica já a esperava sentada numa cadeira ao lado do
aparelho de ultrassom e do outro lado da maca estava Olivia, com o olhar
ansioso para a filha, já que ela sim sabia o que aquele exame significaria.

— Vamos lá mamãe, deite-se aqui – a Dra. DeLucca apalpou a maca, vendo


Sophia subir pela escadinha que estava ao chão e ali se acomodar – Pronta
para ver o seu bebê pela primeira vez?

Ela não estava.


— Sim – Sophia mentiu.

O gel foi colocado em sua barriga enquanto ela mordia os lábios e depois, o
sensor deslizou por ali. Sophia encarava o teto, prendendo o choro, evitando
olhar para a tela e ver a imagem, pois sabia que tudo iria ruir caso ela se
apegasse àquele momento. Talvez Olivia estivesse certa, talvez fosse
demais criar uma criança fruto de um estupro. Ela poderia ao final daquela
consulta confidenciar a verdade à Dra. DeLucca e optar por um aborto
legal. Era algo razoável e coerente, ela teria o amparo da lei, tudo ficaria
bem. Assim ela pensava.

Só que Sophia só contava em evitar a visão. De repente, um barulho invadiu


o ambiente, pegando-a totalmente desprevenida. Uma batida de um
coração... um pequeno coração.

— Ora ora, temos um coração bem forte por aqui – a obstetra falou rindo.

Mas se o coração estava batendo... se dava para ouvir o coração...

Sophia não conseguia pensar direito. Ela sentia a mão da mãe envolvendo a
sua e encarou Olivia, os olhos dela também estavam marejados. Foi quando
ela desistiu e se virou para a tela, vendo aquela imagem estranha e
embaçada, cheia de riscos, que nada poderia significar... mas que, de
alguma forma, era o contrário. Significava tudo.

— O coração começa a bater com seis semanas – a Dra. DeLucca revelou


com um olhar carinhoso – Mas você está com mais do que isso, bem mais.
Seu bebê está medindo 10cm. Você está com dez ou onze semanas de
gestação, provavelmente.

Foi aí que a ficha caiu. O estupro fora cinco semanas antes. Ela ouvia o
coração de seu filho. Para ouvir, ele tinha mais do que isso. Era possível
ouvir com seis semanas. Mais tempo do que a violência que ela sofreu. E
ele media dez centímetros. Ela tinha dez ou onze semanas de gravidez.

O bebê era de Jesse.

Alívio.
E junto com o alívio, lágrimas. Copiosas, desesperadas... reais. Um choro
intenso, afagado por Olivia, que agora também tinha o coração mais leve.
Ela se dava conta que, embora parecesse distante, a realidade de Sophia
estava próxima de seus sonhos. Ali claramente se via um se tornando
concreto, por mais difícil que aquilo pudesse parecer.

— Vocês querem um minuto de privacidade? – a obstetra perguntou.

— Eu gostaria sim – Sophia mordia os lábios claramente emocionada e ao


mesmo tempo envergonhada.

— É normal as mães se sentirem assim com o primeiro filho – ela


respondeu se levantando para sair.

Então um pensamento ocorreu à Sophia. Óbvio demais, algo que estava na


ponta da língua.

— É minha primeira gravidez – ela confidenciou – Mas não é meu primeiro


filho.

Jamais seria. Havia Samantha. Aquele bebê poderia estar bagunçando o


corpo de Sophia, seus sentidos e sentimentos, mas dividiria o coração com a
filha que ela já tinha. Que já tinha, tempos antes, bagunçado sua vida.

Ou quem sabe, junto com aquela nova criança, ajudado a recolocar tudo no
lugar.

xxx

Quando Anahí entrava no escritório da procuradora adjunta de Nova York,


Emily Byrne, ela já ouvia notícias que pareciam animadoras.

— Consegui escolher seis juradas mulheres – Emily anunciava para quem


quer que a ouvisse , pondo-se a ler os nomes – Maria Almeida. Joice
Mendes. Beatriz Lisboa. Julia Bervanger. Jessica Moraes. Stefany Oliveira.

— O simples fato de serem mulheres não significa que votarão pela


condenação Emily – a voz masculina retrucou. Anahí não pôde ver, mas
aquela mulher erguia a sobrancelha ao se sentir desafiada.
— Pois eu farei com que elas votem Nick – ela respondeu – Você pode ter
certeza.

Foi exatamente nessa hora que Anahí entrou. Ela havia sido convocada ali
para treinar o próprio depoimento. Ela estava acompanhada pela advogada
do pai, Lucca Quinn, que acompanharia a situação de perto. Anahí seria
treinada pela própria Emily Byrne, que era a procuradora responsável pelo
caso dela. O objetivo era exatamente fazer com que Anahí soubesse quais
perguntas seriam feitas no grande dia, a fim de que seu depoimento fosse
considerado perfeito, sem falhas. Afinal, o testemunho dela era o mais
importante, considerado crucial para a condenação de Tobias.

— Sra. Byrne – Lucca Quinn disse anunciando a chegada delas, tirando


Emily da conversa que tinha até então – Bom dia.

— Srta. Quinn – Emily se aproximou, apertando a mão da advogada e


voltando sua atenção em seguida para quem realmente lhe importava ali –
Anahí. Seja bem vinda à Procuradoria de Nova York. É um prazer estar à
frente de seu caso.

Lucca Quinn havia confidenciado à Anahí que Emily Byrne estava à frente
de seu caso por motivos meramente políticos. Era sabido nos corredores da
Procuradoria que Emily tinha planos para concorrer como procuradora e
substituir seu mentor e atual procurador, Adam Radford, nas próximas
eleições. O caso de Anahí e de Tobias estava sendo muito comentado e a
mídia fazia uma imensa cobertura para aquele julgamento, e naturalmente
exigia que alguém experiente e seguro ficasse à frente. Alguém que
dependia daquela vitória para ter outra vitória futura praticamente
garantida.

O medo de Anahí era Emily Byrne acabar confundindo as prioridades. Será


que para ela era mais importante vencer aquela eleição do que condenar
Tobias? O quanto uma coisa poderia acabar por atrapalhar a outra? É claro
que uma dependia da outra, mas e se tudo terminasse por se confundir e não
atingir o objetivo necessário? Era da vida dela que aquilo tratava. E não
apenas a dela: a de Missy também – a única que, para Anahí, importava
mais do que a sua própria vida.
— Nós podemos começar – Emily disse se sentando, vendo Anahí se
acomodar à cadeira de seu escritório ao lado de Lucca Quinn.

— Eu espero que a senhorita tenha se lembrado da forma como foi


sequestrada – o homem encostado na parede, com uma carranca no rosto,
opinou. Anahí o olhou, estreitando os olhos, e não demorou a reconhecê-lo:
era Nick Durant, o chefe da investigação que invadiu a casa de Tobias à
procura de drogas e acabou encontrando-a oito meses antes.

— Sim, eu me lembrei – Anahí respondeu seca. Ela não gostava de como


aquele homem a questionava.

— Não basta se lembrar – Nick observou – Você deve descrever cada


detalhe, segundo por segundo, com uma precisão imensa. Caso contrário o
júri não irá acreditar em você.

— Mas é verdade – Anahí rapidamente retrucou.

— Não basta ser verdade, é necessário que acreditem em você para que... –
Nick começou a falar novamente.

— Sr. Durant – Emily Byrne o interrompeu com a voz irritadiça – Saia.

Por essa ele não esperava. Lucca Quinn, por outro lado, sorriu no canto da
boca.

— O quê? – ele ergueu as sobrancelhas.

— Eu posso treinar a Anahí sozinha, muito obrigada – ela disse sem encarar
o marido, fixando toda a própria atenção nas duas mulheres à sua frente –
Srta. Quinn, a senhorita se importa de nos dar cinco minutos? Eu gostaria
de falar com ela à sós.

— Se a Anahí se sentir confortável – Lucca deu de ombros.

— Você pode ir – Anahí confirmou, vendo a advogada assentir com um


pequeno sorriso.
— Eu estarei lá fora caso precise de mim – ela respondeu antes de se
levantar.

À contragosto, ao perceber que Emily Byrne não mudaria de ideia, Nick


Durant fez o mesmo.

Enfim sós.

— Me perdoe pelo Nick – Emily se desculpou – Ele é um policial brilhante,


um excelente investigador, mas sabe ser um babaca de vez em quando.

— Eu pensei que vocês fossem casados – Anahí franziu a testa.

— Nós somos – Emily riu – Mas não pense que isso afeta o trabalho.
Negócios são negócios Anahí, e eu levo essa Procuradoria muito a sério.

— Eu sei que sim – Anahí engoliu em seco – Eu soube que você irá se
candidatar à Procuradora na próxima eleição.

— Você... – Emily franziu a testa – Você não acha que eu estou no seu caso
pra me promover, não é?

— Eu... – Anahí murmurou, sem saber o que responder, definitivamente


não esperando ser colocada contra a parede tão rápido mas incapaz de
mentir.

Nesse silêncio eloquente Emily Byrne teve sua resposta.

— Adam Radford é um procurador brilhante e ele é meu mentor desde que


éramos do FBI – ela explicou – Quando ele se elegeu procurador, me trouxe
com ele. E ele sempre quis que eu fosse a sua sucessora. Eu sempre quis
ser. Mas não, não foi por isso que eu peguei o seu caso. Foi por isso que
Radford me deu o caso, mas não a razão pela qual eu o aceitei.

— Qual foi a razão então? – Anahí perguntou.

E após uma breve pausa, Emily respondeu.


— Eu também fui sequestrada – ela revelou. Anahí ergueu as sobrancelhas,
surpresa com a revelação – Foram seis anos. Eu acordei e tive amnésia
igual a você, fui espancada igual a você, encontrei o meu marido casado
com outra mulher exatamente como você, eu também perdi tempo da vida
do meu filho, eu também tive a vida revirada e pra completar fui acusada de
ter forjado o meu próprio sequestro. Tive que provar a minha própria
inocência para ter de volta a minha vida. A única diferença entre nós duas é
que eu não fui estuprada como você foi, mas isso não significa que eu não
veja muito de mim em você desde a primeira vez que nos encontramos.

— Meu Deus – Anahí murmurou – Eu nunca...

— Você não sabe sobre mim, está tudo bem – Emily deu de ombros – Quem
me conheceu naquela época jamais poderia imaginar que eu chegaria aqui.
E quem me conhece hoje simplesmente se surpreende por não imaginar
qual é o meu passado. É algo que será vasculhado por conta das eleições,
mas... eu não me importo. Nada disso me define. Assim como o seu
sequestro não define quem você é e quem será daqui pra frente.

Realmente não definia. Apenas a fazia mais forte.

— Por isso eu vou te treinar pra esse depoimento – Emily completou – Não
porque eu sou a promotora à frente do caso... mas porque eu já fui você e
sei exatamente o tipo de armadilha que você pode cair.

— Certo – Anahí concordou – Tudo bem. Eu confio em você.

— Ótimo – ela sorriu satisfeita – Podemos começar então?

— Eu apenas queria fazer uma pergunta antes... uma curiosidade – Anahí


franziu a testa rindo – Você disse que seu marido estava casado com outra
mulher quando você voltou. Mas quando ele nos apresentou, se referiu a
você como a esposa dele...

Traçar os paralelos entre as histórias das duas, até naquilo, era totalmente
inevitável.
— Ah – Emily riu – Bem, ele realmente estava casado. Mas o que podemos
dizer? Não deu certo entre eles. Se tem uma coisa que eu aprendi com isso,
é que quando uma coisa é pra ser, ela acontece. Não importa como.

A mensagem que aquilo deixava para a própria vida de Anahí não poderia
ser mais nítida.

xxx

Poncho sentia cada músculo de seu corpo tenso desde que acordou naquele
que era o primeiro dia do julgamento de Tobias Menzies. Ele mal sabia
como tinha pregado os olhos à noite, mas tinha certeza de que o
acontecimento do dia era a razão de sua noite mal dormida e cheia de
pesadelos. Por isso, assim que acordou Poncho não perdeu tempo, seguindo
para tomar um banho gelado e beber um café forte, antes de vestir seu
melhor terno para ir ao tribunal.

Não tinha nenhum outro lugar no qual ele devesse estar além daquele
julgamento. Não importava sua situação com Anahí, Poncho sentia que era
seu dever estar do lado dela. Aquele era seu lugar. Ele iria todos os dias e a
apoiaria. O que aconteceria após, ficaria para depois.

Só que no fim houve uma parada antes do Tribunal. Foi quando Poncho se
deu conta que no apartamento de Erendira, onde ele estava hospedado
desde que saíra de casa, não havia nenhuma gravata decente para ser usada
naquele dia. Logo Poncho se viu parado na porta de sua antiga casa para
resolver o problema, sendo recepcionado por uma Diana que não esperava
vê-lo ali.

— Não era pra você estar no Tribunal...? – ela perguntou tão logo abriu a
porta para ele, com a testa franzida.

— Sem gravata? – Poncho fez uma careta – Todas ficaram aqui.

— Ah – Diana concordou – Bom, você conhece o caminho, suas coisas


estão no mesmo lugar. Apenas não faça barulho pro Dani não acordar,
porque se ele te ver você não conseguirá sair daqui.
— Eu sei disso – Poncho riu.

O caminhar foi breve. Ele subiu as escadas, caminhou para o antigo quarto
dos dois e entrou no closet, pegando uma gravata azul marinho e ajeitando-
a na frente do espelho. Ele estava nervoso, o nó teimava em não ficar bom.
Foi quando Diana apareceu atrás dele.

— Você é péssimo com nós de gravatas – ela riu se aproximando – Deixe


comigo.

— Obrigado – Poncho suspirou pesado. Seu nervosismo estava evidente.

— Você está tenso – Diana constatou – Não precisa estar, é óbvio que ele
vai ser condenado. Não se preocupe.

— Eu só vou conseguir acreditar quando acontecer – Poncho suspirou –


Está cedo demais pra eu beber não é?

— Definitivamente – ela censurou, colocando as mãos no rosto dele logo


após terminar o nó – Respire fundo, quantas vezes forem necessárias. Ela já
vai estar nervosa demais e precisa que você esteja estável e tranquilo por
ela. Você precisa passar segurança.

— Você sabe que eu e ela não estamos mais juntos – ele respondeu
mordendo os lábios. Aquela frase doía só de ser falada – Eu apenas irei,
mas não significa que ela e eu...

— Significa sim – Diana cortou – Vocês podem não estar juntos, mas o
sentimento continua o mesmo, ou não? Você não é leviano, não terminaria
tudo entre a gente se não fosse algo grande. E grandes amores não acabam
de um dia pro outro.

— Não, não acabam – ele bufou inconformado – Obrigado.

— Não agradeça – Diana sorriu – Agora vá.

Poncho queria agradecer Diana. Queria abraça-la por, mesmo depois de tê-
la feito sofrer, ela continuar se importando com ele e sabendo separar as
coisas. Ele o faria, se não estivesse uma pilha de nervos com aquele
julgamento, por isso acabou desistindo. Eles teriam tempo para terem
aquela conversa, aquela realmente não era a hora certa.

Um pouco distante dali Anahí estava a caminho do Tribunal. No banco da


frente do carro do pai, ela tinha a mente dividida entre Missy – que ficou
em casa com Harry e os bisavós – e a tensão causada pelo julgamento, seu
depoimento e todos os desdobramentos que viriam dali. Havia um lado dela
que acreditava na condenação, que sentia que Tobias tinha que ser
condenado, como se não houvesse outro caminho. Mas o elemento do medo
sempre se fazia presente. O medo dele, como tantos, sair impune. E dela
nunca mais ter direito a uma vida normal.

— Você não precisa se preocupar – a advogada dela, Lucca Quinn, disse


com um sorriso no canto do rosto lhe transmitindo segurança – Ele vai ser
condenado.

— Depois de oito anos trancada com ele, eu não tenho tanta certeza – Anahí
comentou suspirando. Dirigindo o carro, Keith olhou a filha pelo retrovisor,
mas foi Lucca quem lhe respondeu.

— Pois eu tenho.

A porta do Tribunal estava cercada pela imprensa. Os seguranças


ultrapassaram a multidão de repórteres que estava ali e seguiram para o
carro de Keith assim que parou na calcada, tirando Anahí dali antes que ela
se afogasse naquele mar de assédio e flashes. Ela viu de tudo. Câmeras e
câmeras, celulares, microfones estendidos para ela em busca de uma
declaração, manifestantes de um lado a seu favor, de outro lado contra,
todos com cartazes... informações demais para pouco tempo.

Não demorou até que Anahí estivesse em segurança dentro do Tribunal. O


esquema de segurança estava forte exatamente para evitar exaltações e
quaisquer tipo de manifestações dentro da sala de julgamento. Lucca, assim
como Karen e Keith, acompanhavam Anahí o tempo inteiro, e estavam ao
lado dela quando ela caminhou para dentro. Os olhos de Anahí correram
pelo local e ela viu os amigos sentados lá. Maite rapidamente se levantou
para falar com ela, Sophia e Lexie fizeram o mesmo, e quando estava
dentro do abraço das amigas viu Poncho ao fundo encarando-a com um
sorriso que parecia tranquilo, mas que ela conhecia bem o suficiente para
saber que não passava de um disfarce.

Mas aquilo não era o importante naquele momento. Não quando o júri
entrou e se sentou em seu lugar. Não quando Tobias, acompanhado de sua
advogada, Nancy Crozier, entrou olhando diretamente para ela. Menos
ainda quando Emily Byrne caminhou para o próprio lugar, confiante e
decidida, pronta para devorar o que viesse pela frente.

E adivinhe o que vinha pela frente. Melhor dizendo, quem.

Então era hora de começar.

— Todos de pé para a entrada da juíza Fernanda Nery – o oficial anunciou e


todos levantaram, vendo a juíza entrar com a toga preta no Tribunal e se
sentar em sua cadeira, no centro de tudo.

Enfim tinha chegado a hora... a hora que eles começariam a condenar


Tobias.

Um cap lindo desses no qual vcs veem Anahi e Missy sendo lindas e
Sophia descobrindo que o filho dela é do Jesse e mesmo assim eu tenho
CERTEZA que vão me xingar porque parei no começo do julgamento
kkkkkk se eu sou má vcs são mt exigentes!!!!

Todos os comentários que li do tipo "Rafa vc não seria tão má" sobre a
gravidez da Sophia abria em mim um feixe de luz pensando que
alguémmmmm enxergaria que eu não faria o raio cair no mesmo lugar duas
vezes! Afinal ja basta a Anahi né mores? Soso não precisa carregar essa
cruz.

Mas de qualquer maneira esse plot tem sua importância e vcs verão...
depois do julgamento!

O próximo cap começa já com o primeiro testemunho e ta bemmmm


intenso e denso. Preparadas? Nervosas?
Até quinta!

Beijos,

Rafa
Capítulo 71 - The People vs. Tobias Menzies - part I

Feliz aniversário adiantado pra Mari, a única ariana com ascendente em


leão que a gente ama!

— Com a palavra, a acusação – a juíza Fernanda Nery anunciou, batendo o


martelo.

Emily Byrne, confiante e decidida, sentada ao lado da promotora auxiliar,


se levantou.

— O Estado chama Anahí Portilla para depor.

Anahí não estava pronta. Em teoria, ela estava, é claro. Emily Birne a havia
treinado por horas e horas, incansavelmente, fazendo todas as perguntas
possíveis e indicando cada erro em suas eventuais respostas. Ela sabia o que
poderia falar e o que não poderia, mas não deixava de estar nervosa. Ela
não estava pronta no sentido emocional, porque uma coisa era se preparar,
outra era estar na frente de todas aquelas pessoas para falar de algo que era
tão íntimo, delicado e doloroso.

Mas a história de Anahí tinha deixado de ser dela, e aquilo não se referia
apenas à especulação midiática e jurídica de seu caso. Também tinha a ver
com o fato de que todas as mulheres que viveram situações iguais ou
minimamente parecidas, em maior ou menor grau, falariam com ela. Todas
elas condenariam Tobias juntos, porque Tobias era cada homem que batia
numa mulher, era cada homem que estuprava, que tratava alguma mulher
como um objeto, um pedaço de carne, se julgando dono de seu destino e de
sua história.

Por isso, mesmo não estando pronta, Anahí teria que falar. A condenação de
Tobias tinha que começar de algum lugar.

— Levante a mão direita para o juramento – o oficial indicou a Anahí, que


obedeceu e jurou.
É claro que ela jurava dizer a verdade e somente a verdade, mas não em
nome de Deus... mas sim em nome dela própria. Dela e de todas as outras
Anahí's, presas em seus porões, em quartos ou sótãos. Presas em
casamentos, em sofrimentos... presas na falta de coragem, de perspectiva de
mudança.

A praxe era a acusação começar os interrogatórios. Capciosa, Emily Byrne


seguiu próxima a onde Anahí estava sentada. Era a hora de fazer as
perguntas que gerariam as respostas que começariam a condenar Tobias.

— Srta. Portilla... Anahí... – Emily começou a falar – Quem é o homem


sentado ali?

Ela apontava para Tobias.

— O nome dele é Tobias Menzies – Anahí respondeu.

— E de onde vocês se conhecem?

— Da cafeteria da minha mãe – Anahí esclareceu – Ele era cliente e eu


sempre o via.

— Vocês tinham algum tipo de envolvimento? – Emily questionou – De


qualquer tipo...?

— O mesmo tipo de envolvimento que eu tinha com todos os outros


clientes – Anahí continuou – Eu servia as mesas, ele estava nas mesas, nada
além disso. Eu não tinha qualquer amizade com os clientes e, quando eu o
vi no Café pela primeira vez, eu já namorava.

— Você notava algum tipo de interesse do Sr. Menzies sobre você àquela
altura? – ela voltou a perguntar.

— Eu nunca percebi nada, na época ele parecia como outro cliente


qualquer, eu apenas sabia o nome dele porque a minha mãe sabia e pedia
que eu servisse a mesa dele se referindo ao nome. Nada de mais.

— Então a senhorita nunca teve qualquer contato ou proximidade com o réu


que justifique que qualquer pessoa pudesse achar que vocês teriam algum
tipo de envolvimento...?

— Protesto Excelência – Nancy Crozier, advogada da defesa, se levantou


imponente – A acusação está praticamente depondo.

— Excelência, eu apenas repeti as palavras que a vítima afirmou antes –


Emily deu de ombros. A juíza Nery ergueu as sobrancelhas.

— Negado – respondeu. Nancy Crozier não gostou, mas aceitou – Prossiga


Sra. Byrne.

— Descreva a sua vida antes do sequestro – Emily pediu.

— Eu tinha acabado de voltar de Washington, tinha me formado em Direito


em Georgetown e fiz o que era o meu plano com o Poncho desde que
entramos na faculdade, voltei pra Nova York pra ficarmos juntos – ela
descreveu.

— Quem é Poncho?

— Poncho era o meu namorado desde que eu tinha dezesseis anos – Anahí
disse olhando para o público que assistia e vendo Poncho a encarar
carinhoso – Alfonso Herrera. Nós éramos amigos de infância, estudamos
juntos desde crianças e começamos a namorar quando eu fiz dezesseis. Aos
dezoito passamos para a faculdade e acertamos que, quando nos
formássemos, voltaríamos pra Nova York juntos.

— E foi o que vocês fizeram... – Emily deduziu.

— Nós voltamos pra Nova York, alugamos um apartamento e fomos morar


juntos. Ele começou a escrever como freelancer pro New York Post e enviar
currículos pra outros jornais e revistas e eu arrumei um emprego numa
ONG que tratava de violência doméstica. E logo antes de tudo acontecer,
eu... eu descobri que estava grávida.

— Você estava grávida quando o Sr. Menzies te sequestrou?

— Protesto Excelência – Nancy Crozier voltou a interromper. Anahí viu


Emily Byrne revirar os olhos – A acusação está novamente depondo, e além
disso... perdoe a minha inocência Excelência, mas qual seria a relevância da
vida privada da Srta. Portilla? Nós estamos aqui para estabelecer os
supostos fatos imputados sobre o Sr. Menzies.

— Srta. Byrne... – a juíza Nery começou a falar – Nós precisamos


estabelecer uma relação entre os fatos.

— A vida anterior da Srta. Portilla demonstra que a mesma tinha planos,


tinha um futuro delineado, tinha um relacionamento – Emily Byrne
explicitou – Isso corrobora com o fato de que a mesma não teria qualquer
interesse em sair dessa vida pra viver com o réu.

— Negado – a juíza determinou. Nancy Crozier fez uma careta, era seu
segundo protesto negado – A vítima pode responder a pergunta da
promotora.

— Sim, eu estava grávida – Anahí respondeu – Eu sofri um aborto dentro


do cativeiro.

— Protesto Excelência – Nancy Crozier insistiu. Ela sabia que Emily Byrne
se irritava com o excesso de interrupções – A testemunha está imputando
fatos aos quais não foram a ela perguntados.

— Aceito – a juíza Nery decretou. Mas Emily tinha uma maneira de


contornar aquilo.

— Srta. Portilla, se a criança não nasceu, como ocorreu o aborto? Foi


espontâneo ou...?

— Eu perdi a base de chutes – Anahí descreveu com os olhos repletos de


lágrimas – Tobias descobriu que eu estava grávida e ficou furioso. Ele não
aceitava que... que eu estivesse esperando um filho do Poncho. Ele... ele
odiava o Poncho porque... porque eu amava...

A careta de Nancy Crozier era gigantesca. Ela podia ver os jurados se


comovendo com as lágrimas de Anahí, as mulheres principalmente. Era
uma cena lastimável, e ela não poderia fazer nada, já estava feito. Emily
Byrne estava marcando o primeiro ponto no julgamento e era
definitivamente significativo. Não havia como Nancy cortar àquele ponto.
Era melhor preparar a estratégia para quando fosse a defesa a interrogar
Anahí.

— Eu sinto muito Anahí – Emily respondeu com toda a delicadeza do


mundo – Eu imagino que o seu sofrimento tenha sido inimaginável. Nós
continuaremos quando você estiver pronta.

Era uma estratégia clara para ganhar tempo. Quanto mais tempo o júri visse
Anahí chorando, melhor seria para a acusação, porque aquela imagem
ficaria gravada na mente de cada jurado. E Nancy se via de mãos atadas.
Cortar a cena seria um retrato de insensibilidade. Era melhor esperar.

— Você vai ficar vendo essa cena de cinema e não fará nada? – Tobias
sussurrou no ouvido da advogada, claramente aborrecido – É isso mesmo...
?

— Confie em mim – ela sussurrou de volta.

Quando Anahí parou, por fim, de chorar, Emily viu que era a hora de
continuar, desta vez sob outro viés.

— Conte-nos como ocorreu o sequestro – ela pediu.

— Eu estava andando na rua e percebi que estava sendo seguida – Anahí


explicou em detalhes – Era uma tarde, eu estava saindo do Café da minha
mãe e indo pro meu apartamento. O Poncho estava me esperando. Depois
de algum tempo eu percebi que tinha alguém me seguindo. Eu não vi quem
era, estava correndo pra me afastar... até que... até que ele me pegou.

— Quem te pegou? – Emily questionou.

— Na hora eu não vi – Anahí respondeu – Eu senti que era um homem,


porque era forte e grande. Ele colocou algo no meu nariz que me deixou
tonta e eu desmaiei. Só descobri quando... quando eu já estava no porão.

— Você reconheceu o seu sequestrador?


— No minuto em que o vi lá dentro – Anahí disse fria, encarando
diretamente Tobias que, como sempre, tinha o ar de deboche no rosto.

— Ele está aqui? Você pode apontar para ele?

E o dedo indicador de Anahí se levantou e seguiu diretamente para a


direção de Tobias. Ele abriu um sorriso inacreditavelmente desdenhoso
quando isso aconteceu. O falatório no Tribunal foi inevitável, mas Anahí se
mantinha firme mesmo enquanto a juíza Nery batia seu martelo e ordenava
que tudo voltasse ao silêncio de antes. Ela abaixou o dedo mas não deixou
de encara-lo. Queria deixar claro que o medo que nutria por Tobias era
coisa do passado. Um passado que não voltaria jamais.

— Quando ele começou a violentar você? – Emily perguntou, logo antes de


ser interrompida.

— Protesto Excelência – Nancy Crozier se levantou com a energia de


sempre – A vítima em momento algum disse que foi violentada pelo Sr.
Menzies.

— As acusações são de estupro e cárcere privado, Excelência – Emily


argumentou, mas não pareceu ser o suficiente para a juíza.

— Mantido – ela decretou. Era o primeiro ponto que Nancy marcava.

— Eu vou reformular – Emily disse olhando para baixo e, segundos depois,


se voltando para Anahí – Você e o Sr. Menzies tiveram algum tipo de
contato sexual?

— Sim – Anahí respondeu.

— E era consensual? – Emily voltou a perguntar. Nancy, por trás dela, fazia
uma careta, já que a promotora tinha conseguido refazer a pergunta sem
parecer que estava induzindo Anahí a responder o que ela queria ouvir.

Anahí, por sua vez, voltou a olhar para Tobias bem firme antes de dar sua
resposta.

— Não.
— Você pode descrever o teor do que acontecia? Pode descrever a primeira
vez que o Sr. Menzies te forçou a alguma coisa...?

— Foi depois que eu perdi o meu bebê – Anahí falou calmamente, sentindo
o nó se formar em sua garganta. Mesmo depois de tantos meses daquela
descoberta, a lembrança da perda da criança permanecia vívida em sua
mente e seguia doendo. Provavelmente sempre doeria – Ele teve medo de
ser precipitado demais e acabar me causando alguma hemorragia. E eu... eu
sabia que iria acontecer em algum momento. Mas demorou, demorou bem
mais do que eu imaginava. Ele instalou uma luz no porão porque era tudo
muito escuro e eu vivia caindo, tropeçando nas coisas. E ele estava me
alimentando bem. Eu não estava entendendo, porque... ele tinha me
trancado ali, por que estava me tratando bem? E então... logo fez sentido.
Um dia ele chegou dizendo que iria acabar com a minha ansiedade. Que
certamente eu estava esperando por aquilo como ele também estava.

— Você consegue dizer o que ele fez? – Emily perguntou suave. Parecia
mais do que claro que ela tentava explorar a delicadeza do momento e a
fragilidade de Anahí em favor delas, para que o júri se sensibilizasse.

— É difícil – Anahí abaixou a cabeça sentindo a lágrima cair – Ele


começou a tirar a minha roupa, dizendo que eu iria gostar. Mas eu sabia
que não gostaria, porque não queria aquilo. Eu não acreditei nele por nem
um minuto sequer, eu sabia que jamais aquilo seria verdade porque não
queria estar ali, não queria estar com ele e...

O resto da frase não chegou a sair. Nancy Crozier naquele momento


encarou o júri e reparou que as juradas pareciam tocadas pelas palavras de
Anahí. Um envolvimento estava acontecendo e ela estava de mãos atadas.
Novamente, o clima de sensibilidade tomava o depoimento de Anahí. Se
Nancy protestasse naquele momento, a vilã seria ela, tal como Tobias já era.
Dali em diante ela se concentrou em pensar maneiras de reverter a situação
quando fosse a sua vez de interroga-la.

— Você em algum momento verbalizou que não dava o seu consentimento


a ele? – Emily perguntou – O Sr. Menzies teve meios de saber que você não
queria ter nenhum tipo de relação sexual com ele?
— Eu disse que não o tempo inteiro – Anahí devolveu sem delongas – Eu
disse não desde o início. Eu chorei pedindo que ele parasse, eu fiquei o
tempo inteiro pedindo para ele parar, mas ele não parou. Então a resposta é
sim. Ele tinha todos os meios de saber que eu não queria... mas não
respeitou nenhum. Nem dessa vez, nem em todas as outras.

— O Sr. Menzies te agrediu fisicamente?

— Ele me batia e me chutava cada vez que eu não fingia que queria transar
com ele – Anahí disse dura – Ele me bateu na segunda vez que me estuprou
porque achou que eu fosse apenas chorar como na primeira, mas eu tentei
impedi-lo e ele quis mostrar que era mais forte do que eu, que era ele quem
mandava e ponto. Não foi nem uma, nem duas, nem dez vezes. Foram
tantas que eu nem saberia dizer. Várias vezes durante oito anos.

Cada fala forte de Anahí era o início de um burburinho imenso. A imprensa


não estava presente, mas tinha conhecidos de Anahí ali, conhecidos de
Tobias e gente importante que trabalhava no Tribunal, todos acompanhando
o julgamento. Demonstrando ter sido muito bem treinada por Emily Byrne,
Anahí dizia frases de impacto e estava se saindo bem. Tanto que Nancy
Crozier, conhecida por ser uma brilhante advogada, não estava encontrando
brechas para desmontar seu depoimento.

Toda interrupção abria espaço para a juíza Nery exigir silêncio, batendo
com veemência o próprio martelo. Aos poucos a calmaria voltava, mas os
jurados definitivamente sentiam o peso de cada uma daquelas palavras dela.
As acusações de Anahí se concretizavam, e aquele parecia ser um bom
início de julgamento para a acusação.

Mas Emily tinha deixado o melhor para o final.

— Anahí, é muito comum que os crimes de sequestro e cárcere privado


com abuso sexual acabem resultando frutos... – Emily começou a falar.

— Protesto Excelência, relevância – Nancy anunciou apenas para cortar o


raciocínio da rival.

— Mantido – a juíza respondeu com uma careta.


— Sejamos objetivos então – Emily disse ríspida e claramente sem
paciência – Tobias Menzies engravidou você, Anahí?

Anahí engoliu em seco. Pensou em Missy naquele momento. Agradeceu


por aquele julgamento não estar sendo televisionado, para a menina não ser
exposta daquela forma. Mas em todo caso, era algo que ela deveria
responder.

— Sim – Anahí disse calmamente.

— Como você pode saber que a criança era filho dele e não do seu então
namorado, Alfonso Herrera? – Emily voltou a questionar. Era nítido o
quanto ela queria prever as falas da defesa e aniquila-las antes que Nancy
Crozier tivesse a chance de argumentar o que quer que fosse.

— Eu perdi o filho que estava esperando do Alfonso pouco depois de


chegar ao cativeiro – Anahí explicou – Só engravidei meses depois disso, a
julgar pela idade da minha filha, pelo mês de nascimento dela... não haveria
como.

— Sua filha foi fruto de um estupro?

— Não tive nenhuma relação sexual com ele que não fosse um estupro,
então sim, minha filha foi fruto de um estupro.

— Como foi a reação do Sr. Menzies quando descobriu que você estava
grávida?

— Ele fingiu o tempo inteiro que não estava acontecendo nada – Anahí
respondeu de certa forma orgulhosa de ter conseguido preencher todas
aquelas lacunas. Nada ali era inventado, as memórias pareciam frescas em
sua mente, como se tivessem sido vividas um ano antes. Felizmente, não era
o caso – Eu fiquei até o final perguntando o que aconteceria quando o bebê
estivesse para nascer. Se ele deixaria que ele vivesse comigo, se me levaria
para um hospital...

— E ele te levou?
— Não – Anahí suspirou mordendo os lábios – Eu tive o bebê num colchão
velho dentro do porão. Quem fez o meu parto foi um médico que eu nunca
tinha visto antes.

— O Sr. Menzies estava presente?

— Não, não estava – Anahí respondeu – Ele me deixou sozinha, chorando


de dor. Eu senti muita dor, achei que... que fosse morrer.

— E o que aconteceu quando o seu bebê nasceu, Anahí? Você consegue


falar sobre isso...?

— Ele ouviu o choro e tirou a minha filha dali – Anahí respondeu voltando
a encara-lo seca – Eles ignoraram a minha dor, me deixaram ali no chão,
expelindo a placenta... e tiraram a minha filha dali. Não me deixaram ver o
rosto dela. Não me deixaram saber o sexo... me trataram como um pedaço
de carne. E eu fiquei ali chorando, com medo, chamando por ele... até
desmaiar de dor.

O rosto dos jurados demonstrava sua óbvia perplexidade. Muitos dos


conhecidos de Anahí tinham os rostos banhados em lágrimas. Karen, Lexie,
Sophia, Maite é claro. Poncho não conseguia chorar. Ele mordia os lábios
com violência e tinha o punho fechado pela raiva. Ouvir Anahí falando
aquilo rasgava seu coração.

— E o que aconteceu depois?

— Eu acordei horas depois zonza – Anahí relatou – Ele estava ali e tinha
trazido comida. Eu estava fraca e ainda sentia dor. Eu lembrava do choro do
meu bebê e perguntava onde ele estava. Achei que ele fosse me bater ou
qualquer coisa do tipo, mas... não foi nada disso. Ele não gritou, apenas
disse que eu estava louca, que não havia bebê algum. Como se fosse tudo
fruto da minha imaginação. Eu repeti a pergunta naquele dia várias vezes
porque obviamente não acreditava nele, e fiz isso nos dias e nas semanas
que se seguiram, e a resposta era sempre a mesma: que eu nunca tinha tido
um filho, que tinha delirado com aquilo. Ele me fez esquecer o meu próprio
filho.
— Você começou a achar que realmente estava ficando louca?

— Sim – Anahí confirmou – Eu pensei que de fato estava imaginando


aquilo, conforme o tempo passava. Eu ficava trancada o tempo inteiro sem
ter noção de quanto tempo passava lá fora, não tinha contato com o mundo,
nada além do que ele queria me mostrar. Eu não tinha nada em quem
acreditar além dele.

— Como você descobriu que tinha tido um filho no cativeiro? – Emily


questionou.

— Através das terapias de regressão – Anahí explicou – Eu comecei a


frequentar as consultas da Dra. Caitriona Balfe, que me atendeu desde que
eu estive internada no New York General Hospital. Ela me ajudou a
preencher as lacunas do passado, não apenas com as coisas que eu sabia que
tinha perdido, mas também com as que eu não fazia ideia que vivi. Uma
delas foi a lembrança do parto. Inicialmente eu só lembrei que tinha sentido
uma dor forte e de um choro de bebê. Demorou algumas consultas até que
eu lembrasse do parto em si, e também da forma como ele tentou me
enganar.

— Como você chegou até a sua filha?

— Eu dei uma entrevista na televisão, num canal local, onde dava as


informações e oferecia uma recompensa por notícias dela – Anahí contou –
Pouco tempo depois o casal Mitchel foi até a casa dos meus pais trazendo-a.
Eles disseram que Tobias havia entregue a Missy para eles com base em
uma chantagem. Estavam interessados na recompensa. Eu a reconheci no
primeiro momento que a vi.

— Como você pode ter certeza de que ela é filha do Sr. Menzies e não de
Alfonso Herrera, seu ex-namorado?

— Bem que eu gostaria que ela fosse filha do Alfonso – Anahí sorriu. Na
plateia, Poncho sentiu as bochechas esquentarem. Ele não tirava os olhos
dela um minuto sequer – Mas não. Como eu disse, eu sofri um aborto muito
pouco tempo depois de chegar ao cativeiro. Além disso, ela tem os olhos
dele. Quando você é amordaçada por um homem num lugar escuro, e ele te
segura pelos pulsos pra te imobilizar, e a única coisa que você é capaz de
enxergar são os olhos... você não esquece esses olhos. Infelizmente essa é a
herança maldita que a minha Missy vai carregar.

— Evidência um.

No telão do Tribunal, fotos começaram a aparecer. Emily começou a passar


as imagens através de um slide fazendo comentários para ilustra-los. Era
uma foto de Tobias ao lado de uma foto de Missy. A plateia próxima a
Anahí se chocou com a semelhança dos dois quando vistos lado a lado. Em
seguida a imagem foi trocada por outra, que se referia ao exame de DNA
que confirmava que Missy e Anahí eram mãe e filha. Emily aproveitou para
mencionar que Tobias havia se recusado a se submeter ao exame, alegando
a Quinta Emenda, ou seja, o direito de não produzir prova contra si mesmo.

Seguiu-se daí uma série de imagens: notícias de jornal que constatavam a


data do desaparecimento de Anahí, a certidão de nascimento de Missy, os
laudos médicos e documentos assinados pela polícia sobre quando ela foi
resgatada do cativeiro... tudo corroborando para a ideia de que Tobias era o
pai de Missy e que a menina havia sido concebida dentro daquele cativeiro
e, após, separada da mãe contra a vontade dela.

Mas ainda faltava a cartada final.

— Anahí, eu preciso fazer uma última pergunta... você confirma que o Sr.
Menzies te sequestrou, te manteve em cativeiro por oito anos, te estuprou e
te agrediu diversas vezes e, após te engravidar, separou você da sua filha e a
levou para dois estranhos criarem-na, fazendo com que você acreditasse que
ela nunca tinha nascido?

A resposta de Anahí não poderia ter sido mais incisiva. Com os olhos de
volta a Tobias e o nojo impresso neles, ela confirmou.

— Sim.

Emily Byrne parecia satisfeita.

— Sem mais perguntas, Excelência.


Enquanto a promotora voltava ao próprio lugar, a juíza dava uma nova
ordem.

— Com a palavra, a defesa.

Era a hora e a vez de Nancy Crozier.

Não era por acaso que Tobias tinha escolhido aquela advogada. Nancy
gostava de se fazer de inocente perante os jurados. Como uma boa
advogada de defesa, ela fazia uso de técnicas de dramatização, a fim de
comover a todos, o juiz inclusive. Fernanda Nery não era uma juíza que se
deixava intimidar, tampouco impressionar, mas não se poderia dizer nada
sobre os jurados, ao menos não àquela altura do campeonato. E de toda
forma, eram os jurados que condenariam ou absolveriam Tobias, não a
juíza...

— Srta. Portilla – Nancy se aproximou dela com um sorriso


consideravelmente falso – Em algum momento a senhorita pensou em
desistir do seu relacionamento com Alfonso Herrera?

— Eu... o quê?

— Vocês brigavam? Vocês tinham problemas?

— Todo casal tem problemas – Anahí franziu a testa.

— Responda a pergunta – Nancy pediu, quase ordenou.

— Protesto Excelência – era a vez de Emily Byrne interromper –


Relevância.

— É necessário traçar um paralelo da época em que a Srta. Portilla se


relacionava com o ex-namorado para apontar o início do seu
relacionamento com o Sr. Menzies – Nancy sorriu serena.

— Negado – a juíza decretou. Emily Byrne se sentou incomodada.

— Eu não me relacionei com o Sr. Menzies – Anahí ponderou.


— Não foi essa a pergunta que eu fiz Srta. Portilla – Nancy cantarolou –
Por favor, responda à pergunta feita: a senhorita pensou em desistir do seu
relacionamento com Alfonso Herrera?

— Sim, mas todas as pessoas em algum mom...

— Quando o Sr. Menzies voltou a vê-la no café da sua mãe, a senhorita


estava em crise com o Sr. Herrera?

— Eu estava em grávida, estava com o humor instável...

— É uma pergunta de sim ou não – Nancy retrucou.

— Sim – Anahí admitiu a contragosto – Mas tudo iria melhorar depois que
eu...

— Isso significa que a senhorita e o Sr. Herrera estavam atravessando uma


crise no relacionamento justamente quando o Sr. Menzies voltou à sua vida
– Nancy constatou – O que nos faz pensar: por que não acreditar que a
senhorita nunca foi sequestrada e sim fugiu porque não tinha coragem de
terminar com o seu namorado de adolescência...?

— Protesto Excelência – agora Emily Byrne parecia furiosa – A advogada


está testemunhando!

— Eu retiro Excelência – Nancy sorriu encarando os jurados. Estava clara a


sua estratégia: ela falava o que queria, a promotora protestava por motivos
óbvios, ela retirava, mas não dava para voltar no tempo e os jurados
apagarem da mente suas insinuações.

Sentado na plateia, Poncho tinha o punho cerrado e a raiva evidente no


rosto. Sophia, ao seu lado, acariciava seu ombro em apoio. Ela sabia o
quanto estava sendo difícil para ele ouvir tudo aquilo, vendo Anahí ser
obrigada a desfigurar o relacionamento deles com base em respostas curtas,
que ela não tinha a oportunidade de completar. Se estava sendo difícil para
Poncho, para Anahí... aquilo certamente a destruía.
— Srta. Portilla... – Nancy voltou a perguntar – É verdade que a senhorita
entrou com uma ordem de restrição contra o Sr. Menzies?

— Sim – Anahí respondeu – Ele estava me perseguindo.

— Qual foi o motivo pelo qual a senhorita fez isso?

— Porque ele estava me perseguindo – Anahí repetiu – E mesmo após a


ordem, ele continuou frequentando os mesmos locais que os meus amigos e
eu. Continuou me seguindo. Eu não queria mais olhar pra cara dele, eu
tinha nojo, eu...

— Evidência dois.

No telão, um vídeo apareceu. Tobias estava dentro de um táxi e Anahí


surgia no canto da tela, caminhando para ele. Nancy Crozier sorriu
imensamente quando os jurados começaram a sussurrar ao ver uma Anahí
que não parecia a garota amedrontada que eles haviam visto ali. Pelo
contrário, a garota do vídeo peitava Tobias, apontava o dedo em sua cara e
somente saía dali porque sua amiga praticamente o retirava. Anahí se
lembrava bem daquele dia.

— Foi o dia que eu descobri que ele havia colocado rastreadores no carro
dos meus amigos – Anahí acusou – Ele estava me...

— A senhorita registrou a ocorrência na delegacia? – Nancy questionou.


Uma armadilha imensa.

— Não – ela admitiu e Nancy sorriu.

— Ou seja, a senhorita diz ter medo dele, entra com uma liminar para que
ele se mantenha afastado, mas basta que ele se aproxime que a senhorita
corre na direção do Sr. Menzies, é no mínimo interessante – Nancy
alfinetou. Anahí estava vermelha pelo ultraje.

— Srta. Portilla, a senhorita disse que não se lembrava do seu parto e que as
lembranças vieram por uma terapia de regressão – Nancy lembrou – Como
podemos acreditar que são de fato lembranças e não coisas que a sua mente
criou e nunca aconteceram?

— São lembranças – Anahí respondeu agressiva.

— Mas não temos como saber, não é? – Nancy ergueu as sobrancelhas.

— Eu lembro delas.

— Poderiam ser como sonhos – Nancy suspirou – Não são reais. Nem todas
as lembranças são reais.

— Mas...

— Srta. Portilla, se o Sr. Menzies não tivesse aparecido, a senhorita acredita


que teria ficado em definitivo com o Sr. Alfonso Herrera?

Finalmente uma pergunta para a qual ela não precisava de nenhum tipo de
dúvida ao responder.

— Sim, é claro que sim – Anahí disse sorrindo – Eu amava o Alfonso.

— Então, se você o amava e se certamente vocês estariam juntos... – Nancy


arqueou as sobrancelhas – Vocês estão juntos agora?

A pergunta fez Anahí engolir em seco. Ela encarou Poncho sentado na


plateia, na primeira fileira, a expressão dura pelo modo como aquilo estava
sendo conduzido. Mas ele não parecia estar com raiva dela, longe disso...
naquele momento em especial Poncho negava com a cabeça, deixando
Anahí livre para responder o que fosse, livre inclusive de seu julgamento.

— Não – Anahí respondeu abaixando a cabeça – Mas...

— Sem mais perguntas Excelência – Nancy Crozier virou as costas,


sorridente e confiante, sem dar qualquer chance ou espaço de Anahí se
explicar.

Havia muita explicação, mas agora nem para Anahí fazia tanto sentido
assim. Ela estava com os olhos lotados de lágrimas, a cabeça ainda baixa, se
perguntando se Nancy e seu raciocínio afinal tinham razão. Depois de tudo
o que ela tinha vivido, depois de ter toda a sua história interrompida, Anahí
não estava com o homem que amava. E fora uma escolha dela. A vida a
estapeava e ela sequer poderia reclamar, porque aquela era a verdade. E
agora os jurados poderiam pensar como bem queriam.

— O Tribunal entra de recesso até às 14h – a juíza Nery determinou antes


de bater o martelo e se levantar.

— Cabeça erguida – Emily disse à Anahí, que logo a encarou – Foi apenas
a primeira manhã. Todos os julgamentos são assim, não significa que
estamos perdendo.

— Bem, significa que não estamos ganhando – ela constatou num suspiro.

Tudo o que ela queria era sair dali, para estar em um lugar em especial.

Todos já estavam do lado de fora quando Anahí finalmente saiu. Karen, em


especial, estava agoniada pela chegada da filha. Todos a esperavam porque
sabiam que aquela manhã tinha sido pesada para Anahí. Mesmo quando ela
dava o depoimento para a promotoria, lembrar de tudo o que viveu era
difícil demais. E para completar, houve em seguida os questionamentos da
defesa, a desconstrução da ideia de que Anahí tinha sofrido.

Só que o depoimento envolveu o nome de Poncho. Ele sabia do próprio


papel de coadjuvante ali, já que não tinha mais nenhum destaque na vida de
Anahí. Ele era o ex-namorado de duas oportunidades, era o bom amigo que
estava ali para apoia-la, mas só. Antes dele vinham os pais dela, vinham
Maite, Lexie e Sophia, fora todas as pessoas que não estavam presentes.
Para Poncho, se ele conseguisse lhe lançar um olhar de aconchego e a
fizesse se sentir um pouco mais confortável, já seria o suficiente.

Anahí seguiu para fora da sala do Tribunal já mais controlada e sem chorar,
acompanhada por Lucca Quinn. Ela olhava os presentes e percebia que
Karen evidentemente estava à sua espera. Ela entendia a agonia da mãe,
mas não era com ela que Anahí deveria falar naquele momento. Por isso
Anahí caminhou direto para Poncho e, sem que ele tivesse tempo de reagir,
ela o abraçou. E foi nos braços dele, agarrada ao pescoço dele, que as
lágrimas dela voltaram a cair.

— Eu sinto muito – ela murmurou – Eu não quis dizer aquilo, eu...

Poncho estava desnorteado. Tirando o choque inicial, ele a abraçou forte


logo em seguida, torcendo para que ela sentisse toda a intensidade do
momento como ele sentia. Não fazia ideia a princípio do motivo pelo qual
ela abraçou a ele e não qualquer um dos outros que estavam ali, mas a frase
de Anahí, aquele pedido de desculpas, falou por si. Ela estava com a
consciência pesada pelas respostas que se viu obrigada a dar, por ter sido
obrigada a admitir, mesmo que fora de contexto, que eles tiveram
problemas, que ela cogitou terminar com ele e que aquilo poderia ser um
sinal de que ela no fundo queria estar com Tobias – um verdadeiro absurdo.

— Any, por favor... – Poncho disse ainda abraçado nela – Eu conheço você,
eu conheço nós dois...

— Não era aquilo que eu queria dizer – ela falava sem parar – Não foi por
isso, você sabe...

— Ninguém aqui sabe disso mais do que eu – ele respondeu segurando o


rosto dela e encarando os seus olhos – Aquela mulher fez isso pra te abater.
Não vamos deixa-la vencer, você é mais do que isso.

Nós somos mais do que isso, Poncho pensou mas não disse. Ele descobria
naquele momento que havia um nós que não dependia dele e de Anahí
estarem juntos. O nós que fazia com que ela se importasse com o que ele
pensava, que fazia com que ele estivesse ali para apoia-la e fosse fazer o
mesmo em todos os dias de julgamento. Poncho então se lembrou das
palavras de Diana e se deu conta que o que ele e Anahí tinham era
realmente muito grande, porque fazia com que os dois não se importassem
se estavam ou não juntos, tampouco se todos os outros os olhavam
abraçados e nada entendiam. Era grande demais para ter fronteiras, quem
sabe para ter um fim.

Quem sabe no fim daquilo tudo ainda haveria um recomeço...


~

PUXADO NÉ NÃO?

Quero saber quem aqui já odeia Nancy Crozier desde criancinha


hahahahahahahahah

O depoimento da Anahi acabou tomando todo um cap que era pra ser
dividido entre o dela e o do Tobias. Me perdoemmmmm! Quando eu vi já
tava assim, imenso!

No próximo teremos vários outros, onde o duelo entre Emily Byrne pelo
Estado e Nancy Crozier pela defesa se acirra ainda mais. De que lado vocês
estão? ~perguntas idiotas~

Inclusive aviso desde já: TERMINANDO O JULGAMENTO VAI TER


CAP EXTRA!! Torçam pela minha inspiração e me deem estrelinhas e
comentários pra ajudar

E aí, o que acharam do Day I do julgamento?

No aguardo sedentaaaa!!!

Beijos,

Rafa
Capítulo 72 - The People vs. Tobias Menzies - part II

— Todos de pé para a entrada da juíza Fernanda Nery!

O intervalo entre o depoimento de Anahí e a sessão de julgamento da tarde


parecia infinito. A ideia inicial era os amigos levarem Anahí para almoçar
com eles e se distrair, mas rapidamente tudo pareceu inviável dada a
quantidade absurda de repórteres que permanecia nas escadas do Tribunal,
sedentos por qualquer flash e, é claro, alguma declaração da vítima sobre o
próprio depoimento no julgamento do crime que tinha sofrido. Rapidamente
tudo teve que ser reformulado e terminou com eles almoçando no
restaurante anexo ao Tribunal, que teve que ser praticamente fechado para
evitar que Anahí fosse assediada pela imprensa.

Aquela tarde reservava dois depoimentos importantes: os de Tobias


Menzies e de Caitriona Balfe. O primeiro era considerado extremamente
importante porque era esperado que a acusação explorasse ao máximo a
forma como Anahí tinha sido encontrada e que a defesa tentasse encontrar
atalhos para sair daquelas armadilhas jogadas pela habilidosa promotora
Emily Byrne. O segundo, por sua vez, era o relato da profissional por trás
das lembranças da vítima. Caitriona, junto com as cirurgiãs que
participaram dos cuidados médicos de Anahí após o resgate do cativeiro,
eram essenciais para a construção da linha da acusação.

— Com a palavra a acusação – a juíza anunciou batendo o martelo.

— O Estado chama para depor Tobias Menzies – Emily Byrne determinou.

Diferentemente das testemunhas que viriam nos dias seguintes, Tobias já


estava na sala de audiência – mais precisamente ao lado de sua advogada,
considerando que era o réu. Como respondia o processo em liberdade,
vestia um terno elegante e impecável e tinha, como sempre, o ar zombeteiro
no rosto. Parecia algo comum para ele, Anahí tinha certeza disso depois de
uma convivência de quase uma década e Emily estava começando a se
acostumar. Tobias parecia uma mistura de misógino, psicopata e mau
caráter, como grande parte dos homens que cometiam crimes sexuais, de
machismo ou feminicídio. Mas tinha ali, à sua frente, uma promotora
disposta a derruba-lo.

— Sr. Menzies, o senhor foi preso por suspeita de tráfico de drogas após ter
sido apreendida uma grande quantidade de cocaína no seu jardim, correto?
– Emily perguntou. De início, ela iria com calma.

— Correto – ele confirmou.

— Evidência três – Emily anunciou e os documentos apareceram no telão.


Os mesmos já estavam em mãos da juíza e da defesa – O chefe de
investigação, Sr. Nicholas Durant, ingressou na sua residência na manhã do
dia três de agosto de 2018 com um mandado judicial após uma denúncia
anônima de que o senhor estava produzindo uma grande quantidade de
drogas destinada à revenda. Correto?

— Correto.

— No entanto, quando a polícia vasculhou a sua residência, com o senhor


algemado no jardim, encontrou a Srta. Anahí Portilla no porão da sua casa.
Correto...?

— Protesto Excelência – Nancy Crozier falou, apenas para não perder o


hábito – A promotora...

— Eu estou apenas lendo os relatórios policiais fornecidos com


antecedência para a defesa e confirmando as informações com o réu,
Excelência – Emily explicou calma e falsamente paciente.

— Negado – a juíza determinou, arrancando uma careta de Nancy.

— Continuando... – Emily suspirou – A polícia encontrou a senhorita Anahí


Portilla no porão da sua casa, que era um local escuro, mal arejado, com
sinais de mofo, em situação de desidratação, repleta de hematomas, sinais
de maus tratos e agressões.
— A senhora está afirmando isso? – Tobias questionou. Ela ergueu as
sobrancelhas.

— Eu faço as perguntas aqui, Sr. Menzies – Emily sorriu debochada –


Como a Srta. Portilla foi parar no seu porão?

— Por livre e espontânea vontade – Tobias declarou e o murmúrio no


Tribunal foi inevitável.

— Silêncio! – a juíza exigiu batendo com o martelo, e continuando até que


o zunido parasse.

— O senhor está dizendo que Anahí Portilla, que tinha acabado de se


formar em Georgetown para se mudar para um apartamento com o homem
com quem se relacionava há sete anos, prestes a assumir o emprego que
sempre quis, decidiu ir voluntariamente com o senhor para a sua casa para
ficar presa no porão, se alimentando mal e sendo agredida física,
psicológica e sexualmente?

— Protesto Excelência – Nancy Crozier voltou a interromper – A


promotora está pressupondo que as agressões da Srta. Portilla foram
perpetradas pelo réu...

— Ah, é claro, a Srta. Portilla bateu em si própria, como eu não pensei? –


Emily zombou.

— Protesto! – Nancy gritou a plenos pulmões.

— O acusado não respondeu acerca das agressões – a juíza decidiu, embora


não parecesse gostar de dizer aquilo. Parecia uma piada, exatamente como
Emily colocou – Aceito.

— Muito bem então – Emily sorriu, virando-se levemente para observar os


jurados e notando que ao menos as mulheres pareciam concordar com sua
linha de raciocínio – Sr. Menzies, como a Srta. Portilla adquiriu todos os
hematomas com os quais foi encontrada quando resgatada do seu porão?
— Eles ocorriam cada vez que transávamos – ele explicou calmamente –
Anahí e eu gostávamos de sadomasoquismo.

Dessa vez o falatório no Tribunal foi inevitável. As vozes pareciam sair


mais revoltadas. Evidentemente Tobias não parecia mover um músculo
sequer ao inventar uma mentira daquelas. Ele sustentava um verdadeiro
absurdo como se dissesse a maior das verdades, o que incomodava boa
parte dos presentes que estavam ali por Anahí. Ao lado de Poncho, Sophia
via o amigo com o punho fechado e os dentes cerrados, tentando controlar a
própria raiva. Maite era uma das que somavam as vozes de inconformismo,
junto com Christian e Lexie. Karen lutava para conter a própria raiva diante
do absurdo que ouvira. Já a própria Anahí mal reagia. Era para ela ser a
mais revoltada ali, mas mesmo assim suas reações pareciam frias como uma
pedra de gelo.

Provavelmente isso advinha do fato de que ela era a única que realmente
conhecia Tobias no meio daquele mar de gente.

— Sr. Menzies – Emily falou pausadamente – A Srta. Portilla foi localizada


com diversas fraturas antigas, que não foram devidamente cuidadas. Foi
necessário que ela se submetesse a três cirurgias para reparar os danos
causados pelas agressões sofridas no seu porão. O senhor realmente está
dizendo que isso foi causado por sadomasoquismo?

E para o absoluto choque de todos...

— Estou – Tobias confirmou.

O falatório voltou, tirando a juíza Nery da inércia, que começou a bater o


martelo e exigir silêncio. Emily Byrne naquele momento tinha um sorriso
debochado nos lábios e olhava de relance para os jurados. Via que várias
das mulheres ali tinham uma expressão de asco direcionada a Tobias.
Estava funcionando.

— Sr. Menzies, durante o período no qual a Srta. Anahí Portilla esteve na


sua casa, o senhor a engravidou?
— Sim – Tobias confirmou com tranquilidade – É algo esperado de duas
pessoas que mantêm um relacionamento.

— A Srta. Portilla fez um pré-natal? – Emily questionou. Nancy Crozier,


sentada em seu lugar, já sabia onde ela queria chegar – O senhor a levou a
consultas com um obstetra?

— Não houve necessidade – ele observou. Era a primeira vez que Tobias
parecia não tão seguro assim – A gravidez dela estava indo bem, não
achamos que seria preciso...

— Isso significa que a vítima passou a gestação inteira sem uma vitamina
de pré-natal, uma ultrassonografia? – Emily cruzou os braços debochada –
O senhor possui diploma médico para ser capaz de avaliar a saúde de uma
gravidez normal?

— Eu não...

— O senhor sabe quantas consultas a um obstetra uma mulher grávida


frequenta até o momento do parto...?

— Protesto Excelência – Nancy interrompeu. Ela sabia que não seria aceito,
mas precisava quebrar a linha de raciocínio de Emily, já que Tobias tinha
claramente perdido a compostura – Eu preciso de um minuto com o meu
cliente.

— Negado – a juíza Nery sequer titubeou – Continue Sra. Byrne.

— No mínimo uma consulta mensal – Emily disse encarando o júri – O que


totaliza de oito a nove consultas. É o que a mulher precisa para acompanhar
uma gravidez saudável, mas que o Sr. Tobias Menzies reputou como
desnecessário, mesmo não possuindo nenhum tipo de conhecimento técnico
para tal.

— Protesto Excelência!

— Eu retiro – Emily observou com um sorriso no canto dos lábios. Ela


sabia que já tinha passado o recado para os jurados – Onde o parto da Srta.
Portilla foi feito, Sr. Menzies?

— No porão – ele rapidamente disse – Ela não aguentou ir para outro lugar.

— Realmente, o porão, o ambiente menos arejado da casa, menos higiênico,


sem a menor dúvida o único inadequado para o nascimento de uma criança,
mas provavelmente o único no qual ninguém conseguiria ouvir os gritos de
Anahí Portilla...

— Protesto Excelência! – Nancy levantou com fúria. Dessa vez era mais
garantido.

— Aceito – a juíza Nery abriu uma careta. Claramente ela não queria
aceitar – O Estado não pode testemunhar no lugar do réu, Sra. Byrne.

— Sinto muito Excelência – Emily disse falsamente culpada – Sr. Menzies,


após o nascimento de sua filha com a Srta. Portilla, o senhor levou a criança
para outras pessoas criarem. Isso é verdade?

— Sim – Tobias disse sem titubear – Anahí teve depressão pós-parto.

— Depressão pós-parto...? – Emily questionou erguendo as sobrancelhas, o


que deu a chance de Tobias explicar.

— Ela não queria criar a criança – ele ponderou – Eu sugeri que ela fosse
para a casa, poderíamos ser uma família... mas ela tinha medo da família
descobrir tudo. Por isso eu a levei para um casal de primos da minha
confiança.

— E o senhor levou algum psiquiatra para que a Srta. Portilla fosse


devidamente consultada sobre sua suposta depressão pós-parto ou isso foi
mais uma constatação dos seus conhecimentos não-médicos?

— Excelência... – Nancy Crozier resmungou.

— O senhor tem algum laudo médico que indique que a Srta. Portilla tenha
sofrido de algum tipo de doença decorrente de uma gravidez e parto
traumáticos?
Não restou outra alternativa à Tobias senão dizer...

— Não.

E Emily sorriu triunfante.

— Sem mais perguntas, Excelência.

A rodada do interrogatório do réu claramente parecia ter sido vencido pela


acusação. Nancy Crozier bem que tentou florear a narrativa, pintando Anahí
como uma mulher infeliz que tinha optado voluntariamente por deixar a
própria vida para viver um romance secreto, proibido e sujo com Tobias
Menzies, mas não parecia estar conseguindo convencer os jurados. Afinal,
era difícil para o júri, em especial as mulheres, acreditar que Anahí tinha
deixado Alfonso, o emprego dos sonhos, o apartamento recém-alugado e a
própria família para viver em um ambiente escuro, apertado e com um
homem daqueles, que causava arrepios.

Dessa forma, Emily mal se mexeu durante o tempo no qual Nancy


interrogou seu cliente. Não era preciso protestar mil vezes já que a narrativa
que eles criaram não se sustentava. Ela apenas observava a reação do júri e
via que a maioria não parecia estar se convencendo. Tobias dizia que Anahí
era apaixonada por ele, que no fundo ela queria estar lá e Nancy endossava
o testemunho dela pela manhã, onde ela confirmou que não estava com
Alfonso, para dizer que seu cliente dizia a verdade. Mas mesmo assim, não
convencia.

Emily Byrne somente foi se levantar de novo quando chegou a vez da


última testemunha daquele primeiro dia de julgamento. Caitriona Balfe era
a terapeuta de Anahí desde que ela chegara ao New York General Hospital e
acompanhou todo o processo de superação dos traumas vividos, bem como
a recuperação das lembranças dos fatos do cativeiro. Ela daria um respaldo
profissional ao que Anahí tinha relatado em seu testemunho. Era o que
Emily queria garantir.

— Dra. Balfe, como a senhora descreveria sua paciente, Anahí Portilla, no


início do tratamento?
— Ela parecia um coelhinho assustado – Caitriona começou a falar – Não
tinha apenas medo de tudo o que estava ao seu redor, mas também muita
dificuldade de falar sobre tudo o que tinha vivido. Logo na primeira
consulta, a fim de estabelecermos uma relação de confiança, eu sugeri que
ela me chamasse de Cait dizendo que era como o meu marido me chamava.
Me surpreendi quando perguntei à Anahí se poderia chama-la de Any e ela
disse que não.

— Qual seria a razão dessa negativa?

— Any era a forma como o Sr. Tobias Menzies a chamava. Antes era o
modo como os avós a chamavam, ele provavelmente se utilizou dessa
forma carinhosa que conhecia para reverter o apelido dela para algo que
fosse deles, tirando uma referência de vida dela.

— Protesto Excelência – Nancy Crozier interrompeu – Especulação.

— Aceito – a juíza bateu o martelo.

— Evidência cinco – Emily Byrne anunciou e as anotações de Caitriona


Balfe apareceram no telão – Tudo o que está sendo apontado pela Dra.
Balfe neste depoimento, está devidamente documentado nas anotações dela.
Dra. Balfe, é comum que a senhora registre todas as consultas de todos os
seus pacientes, mesmo aqueles que não têm um caso criminal por trás?

— É claro que sim – Caitriona confirmou – O objetivo não é formar um


acervo probatório e sim auxiliar a melhora e o desenvolvimento do
paciente. E foi assim com a Anahí. Meu grande objetivo não era
testemunhar, era ajuda-la a superar o que viveu e conseguir recuperar as
lembranças perdidas.

— Como a doutora sabe que a Srta. Portilla teria lembranças a serem


recuperadas?

— Eu acompanhei o interrogatório da polícia enquanto ela ainda estava


internada e ela disse que não se lembrava de como tinha sido sequestrada –
Cait observou – Minha experiência profissional me fez entender que
provavelmente haveria algo muito traumático naquele passado do porão que
tinha feito com que a mente dela esquecesse de algumas coisas como uma
forma de protegê-la dessas lembranças, um quadro clínico de amnésia
disassociativa. Algo involuntário, como quando o corpo se retrai quando
sente dor. A mente não funciona de maneira diferente, ela bloqueia
pensamentos e sentimentos quando enfrenta o sofrimento, e a Srta. Portilla
evidentemente sofreu demais naquele cativeiro.

— Protesto Excelência – Nancy voltou a interromper – Argumentativo.

— É a opinião profissional da psiquiatra, Excelência – Emily ponderou.

— Negado.

— De quem partiu a iniciativa da terapia de regressão, Dra. Balfe?

— A própria Anahí teve uma lembrança sozinha, em casa, e a trouxe até


mim – Caitriona explicou – Mas era uma lembrança incompleta, mais como
um flash, e ela queria entender. Eu sugeri conduzi-la de volta até aquela
lembrança e então surgiu a primeira, a lembrança do aborto, de quando ela
estava grávida do namorado e foi agredida por Tobias Menzies.

— A doutora pode, por favor, ler a sua própria anotação do ocorrido?

— "A paciente está agitada, aparentando ter retornado ao momento no


qual foi agredida. Aparenta medo, choque e terror ao lembrar da cena
vivenciada. Chora conforme as lembranças vêm. Ao final, ao retornar ao
plano do presente, descreve em detalhes a cena, as agressões perpetradas
por Tobias Menzies, a raiva que o mesmo sentia da gravidez dela. A
paciente relata que Tobias a agrediu propositalmente porque sabia que ela
estava grávida de seu ex-namorado Alfonso Herrera e tinha ciúmes da
relação dos dois".

— Dra. Balfe, em sua opinião profissional, a lembrança da Srta. Portilla era


verdadeira? Ela realmente viveu aquele momento?

— Sim.
— E a doutora acredita que esse sofrimento tenha impactado a amnésia que
a paciente sofreu?

— Sem dúvidas – Caitriona confirmou – A princípio eu acreditava que


tinha sido esse o gatilho para a amnésia. Continuei acreditando nisso até
que ela lembrou do choro do bebê. Foi com a descoberta de que ela tinha
tido um filho, tido um parto traumático seguido pela separação involuntária
do bebê.

— Então a doutora acredita que o fato de o Sr. Menzies ter separado mãe e
filha foi o que agravou o quadro clínico da Srta. Portilla?

— Acredito.

— A sua experiência profissional a torna capacitada para opinar se a Srta.


Portilla realmente pode ter tido depressão pós-parto?

— Eu não estava lá na época para avaliar, mas me arrisco a dizer que, se


houve depressão, foi causada pelo trauma da separação, não pelo parto.

— Protesto Excelência! – Nancy grunhiu. Aquilo estava indo longe demais


– Argumentativo.

— Aceito.

— Dra. Balfe, de acordo com a sua avaliação profissional em todos esses


meses desde que Anahí Portilla foi colocada em liberdade, a senhora acha
que a mesma está falando a verdade?

— Acho – Caitriona confirmou sem hesitar.

— Na sua opinião... – Emily falou calmamente – Tobias Menzies realmente


sequestrou, agrediu e abusou sexualmente de Anahí Portilla sem que a
mesma consentisse?

— Eu não tenho a menor dúvida que sim – ela voltou a confirmar.

— Sem mais perguntas Excelência.


Agora restava a Nancy Crozier a difícil missão de reverter aquele ótimo
momento que a acusação vivia no julgamento.

— Dra. Balfe... – Nancy sorriu sonsa – A doutora apontou que a primeira


lembrança que a Srta. Portilla teve após sair da casa do Sr. Menzies foi após
ser interrogada pelo chefe da investigação, Sr. Nicholas Durant, que
curiosamente é o marido da promotora...

— Protesto Excelência, relevância – Emily disse encarando Nancy com ar


de poucos amigos.

— Aceito.

— Continuando... – Nancy quase cantarolou – É verdade que o Sr. Durant


insistiu com a Srta. Portilla que ela deveria lembrar do que tinha acontecido
no suposto cativeiro para testemunhar em juízo?

— Sim, mas...

— Então como podemos acreditar que essas, como vamos dizer...


"lembranças" da Srta. Portilla realmente tenham acontecido e não tenham
sido fabricadas pela mente fantasiosa dela?

— Anahí não tem uma mente fantasiosa – Caitriona observou.

— A senhora pode provar que todos os relatos dela no seu consultório são
reais? – Nancy questionou.

— Não – Caitriona admitiu a contragosto – Mas ninguém jamais pod...

— É uma pergunta de sim ou não, Dra. Balfe – Nancy ressaltou – A


senhora pode trazer a esta Corte uma prova real de que as supostas
lembranças de Anahí Portilla são verdadeiras?

Caitriona suspirou longamente.

— Não.

E Nancy se deu então por satisfeita.


— Sem mais perguntas Excelência.

É, pelo visto a defesa tinha marcado o seu ponto. Discreto, mas ali estava.

A juíza Nery achou por bem encerrar o dia de julgamento naquele


momento. Eles teriam o dia seguinte inteiro para ouvir uma série de
testemunhas da defesa, que provavelmente cansariam o júri. Não fazia mais
sentido manter aquilo eternamente, por isso o martelo foi batido e todos,
cansados, foram para suas casas. Ainda teriam outros dias.

Se no segundo dia de julgamento o júri teve que lidar com diversos


conhecidos de Tobias Menzies que sustentavam ininterruptamente sua boa
índole, boa moral e como ele seria completamente incapaz de machucar
qualquer pessoa – corroborando com a narrativa construída pela defesa de
que Anahí estava no cativeiro porque queria estar – no terceiro dia as
coisas começaram a ter contornos consideravelmente mais interessantes. A
começar pelo fato de que a primeira testemunha a ser chamada pela
promotoria era, diferentemente de todas as do dia anterior – alguém que
poderia falar concretamente sobre o caso ali julgado e seus desdobramentos.

— O Estado chama para depor Calliope Torres.

Callie Torres entrou na sala sendo observada minuciosamente por Mark e


Lexie, seus amigos, mas a cirurgiã sequer os encarou enquanto caminhava
para o púlpito. Nancy Crozier fez uma careta quando viu a médica se
aproximar, sabia que ela tinha sido a cirurgiã responsável pelas três
cirurgias ortopédicas que Anahí fez logo após ser resgatada e quem sabia
com detalhes os tipos de lesões que ela sofreu. Callie fez seu juramento e
viu a promotora Emily Byrne se aproximar com a tranquilidade de quem
estava pronta para extrair o melhor de sua própria testemunha.

— Dra. Torres, a senhora trabalha no New York General Hospital?

— Sim, trabalho lá desde o início da minha residência.

— Qual a sua especialidade? Pode explicar para o júri?


— Eu sou cirurgiã ortopédica – Callie explicou – Significa que sou
especialista em quaisquer caso de danos ósseos que podem vir a se tornar
cirúrgicos.

— Como a senhora chegou até o caso da senhorita Anahí Portilla?

— Eu fui bipada para um caso de uma mulher desconhecida que tinha


chegado na Emergência naquela manhã – Callie respondeu – Nenhum de
nós sabia quem ela era, a vítima ainda não havia sido identificada. Eu fui
chamada porque o cirurgião de trauma, Dr. Owen Hunt, realizou alguns
raio-X que identificaram fraturas antigas na paciente. Além disso, a mesma
continha sinais de tortura e maus tratos.

— O que seriam esses sinais?

— Ela tinha marcas nos pulsos e nos tornozelos que indicavam que passava
muito tempo amordaçada, provavelmente presa – Callie observou – É algo
comum em pacientes torturados.

— A doutora já teve outros pacientes com lesões semelhantes às da Srta.


Portilla?

— Sim, já tive, em ao menos um caso similar de outra paciente que viveu


em cárcere privado – Callie lembrou – Esse caso anterior foi que me deu o
norte para tratar do caso da Srta. Portilla.

— Evidência dez – Emily anunciou e as imagens em raio-X apareceu no


telão – A senhora pode descrever as fraturas que aparecem no exame na
tela?

Callie prontamente se pôs a descrever o raio-X. A imagem foi trocada


outras duas vezes, mostrando a progressão do tratamento de Anahí
conforme as cirurgias eram feitas, e em termos técnicos a cirurgiã
demonstrava que as lesões sofridas por sua paciente tinham calcificado com
o tempo por não terem sido tratadas no momento correto. Callie reforçava
ainda o sofrimento desnecessário que Anahí enfrentou por conta de todas
aquelas cirurgias, já que tudo poderia ter sido evitado se ela tivesse os
cuidados médicos necessários na hora certa – algo que evidentemente
Tobias havia lhe privado.

— Dra. Torres, desta forma podemos concluir que a ausência de tratamento


médico adequado levou à vítima a um sofrimento desnecessário?

— Sem dúvidas.

— Se a Srta. Portilla fosse uma vítima padrão, pode ser que ela teria sido
tratada no momento correto, a doutora concorda?

— Sim, eu concordo – Callie confirmou.

— Porque é no mínimo interessante que a sua única paciente com lesões


similares tenha sido uma mulher que também foi sequestrada e mantida em
cativeiro... – Emily afirmou.

Imediatamente alguém reagiu.

— Protesto Excelência – Nancy Crozier resmungou – Argumentativo.

— Eu retiro – Emily sorriu – Sem mais perguntas Excelência.

É claro que ela sorria. Afinal, já tinha atingido o objetivo.

— Com a palavra, a Defesa – a juíza Nery bateu o martelo.

— Dra. Torres, a senhora tem filhos? – Nancy Crozier perguntou e Callie


assentiu em resposta – Quantos anos...?

— Sofia tem quatro – Callie explicou, mesmo sem entender a razão de ser
daquela pergunta.

— E a senhora convive com o pai da sua filha?

— Eu trabalho com ele – Callie respondeu com a testa franzida – Mark


Sloan, cirurgião plástico.

— E com quem o Dr. Sloan está namorando atualmente?


Neste momento foi possível entender onde Nancy Crozier queria chegar.

— Protesto Excelência, relevância – Emily arguiu.

— Temos que estabelecer o interesse da testemunha no caso, Excelência –


Nancy explicou com o ar sonso de sempre.

— Negado – a juíza decretou. Emily não gostou, pois sabia exatamente que
aquela não era uma boa linha para ela – A testemunha pode responder a
pergunta.

— Com quem o Dr. Mark Sloan, seu ex-namorado e pai de sua filha Sofia
de quatro anos, está namorando atualmente, Dra. Torres?

— Com a Dra. Lexie Grey – Callie respondeu em murmúrio.

Na plateia Lexie apertava a mão de Mark. Ela jamais poderia imaginar que
sua relação com ele atrapalharia o julgamento do sequestrador de Anahí.

— E a Dra. Lexie Grey tem algum tipo de relação com a vítima, Anahí
Portilla?

— Elas são amigas – Callie respondeu rapidamente – Mas...

— O que faz com que ela tenha total interesse no resultado desse caso e
consequentemente, a senhora também – Nancy insinuou.

— Protesto Excelência! – Emily Byrne quase gritava – A advogada...

— Aceito – a juíza Nery encarou Nancy com olhar reprovador – Srta.


Crozier, devo alerta-la que...

— Eu sinto muito Excelência, retiro o que disse – afirmou dando um sorriso


no canto da boca – Mas de toda forma, é importante que o júri saiba que a
cirurgiã responsável pelo tratamento médico da vítima têm ligação direta e
afetiva com os amigos da mesma.

— As coisas não são assim! – Callie grunhiu – Eles não estavam juntos
quando...
— Sem mais perguntas Excelência.

Os testemunhos de Amelia Shepherd e de Arizona Robbins –


respectivamente, a neurocirurgiã que atendeu Anahí e a cirurgiã obstetra
que identificou a fratura por avulsão em seus exames – não tiveram
desfecho muito diverso do depoimento de Callie. Enquanto Emily Byrne
explorou ao extremo a parte técnica, especialmente com Arizona, a fim de
demonstrar ao júri que as lesões sofridas por Anahí eram verossímeis e
poderiam ser provadas, Nancy Crozier voltou a explorar a relação de Mark
e Lexie e a proximidade de ambos com as cirurgiãs em ambos os
testemunhos. Afinal, Amélia era mentora de Lexie e Arizona era esposa de
Callie e amiga de Mark. De acordo com a linha da defesa, ambas teriam
razões para manipular os fatos, ainda que aqueles fatos estivessem
decididamente provados.

Aquele dia foi ainda fechado com o testemunho de Nick Durant. Acabou
sendo uma repetição dos momentos anteriores. Enquanto Emily se
preocupou em mostrar os laudos da apreensão na casa de Tobias no dia do
resgate e arrancar de Nick o máximo de detalhes sobre o estado de Anahí ao
ser resgatada, Nancy se valeu do fato de ambos serem casados para
diminuir a veracidade de suas alegações e insinuou ainda que Nick tinha
total interesse na vitória do caso já que aquilo poderia fazer com que sua
esposa vencesse a eleição para a Procuradoria de Nova York.

Cansada de tantos protestos, a juíza Nery terminou por encerrar o dia.

Depois de ter sido a vitoriosa do terceiro dia de julgamento, algo que estava
mais fresco na mente dos jurados do que o depoimento de Anahí, Nancy
Crozier chegou ao Tribunal confiante. Não apenas ela: Tobias não deixou
de sorrir debochado e de encarar Anahí descaradamente quando cruzou pelo
espaço que ela estava sentada. Com Maite de um lado seu e Karen do outro,
Anahí procurou ignorar como pôde, mas não poderia negar que estava
nervosa: conforme o julgamento caminhava para o final, ela temia cada vez
mais que Tobias conseguisse escapar daquilo ileso, sem ser punido.

Mas o último dia reservava surpresas.


Para começo de conversa, houve o médico que fez o parto de Anahí. O Dr.
Schummer deixou o clima quente, acirrado entre a acusação e a defesa.
Aquele médico também havia feito um acordo com a promotoria e por isso
revelou em detalhes como Tobias não tinha prestado certos cuidados a
Anahí e como fora frio em separa-la da filha. Emily explorou a situação ao
extremo, mas não esperava uma Nancy Crozier que trouxe à tona uma série
de erros médicos na carreira daquele homem, inclusive processos judiciais
enfrentados. Tudo para fazer os jurados descolarem a idade do homem com
a de Tobias, em especial quando a promotoria não tinha mais a chance de
interroga-lo novamente para lembrar a todos que o médico não aparecera lá
por acaso, e sim Tobias quem o chamou.

Se até aquele momento parecia um empate – com Emily Byrne


extremamente irritada e desgastada – no último depoimento o jogo se
desequilibrou.

— O Estado chama Barbara Mitchel para depor.

Até Tobias, que nunca esboçava qualquer reação, virou a cabeça surpreso.
Nem ele nem Nancy sabiam disso, e imediatamente a mesma se aproximou
irritada da juíza Nery tentando impedir que aquela testemunha depusesse
naquele momento. Seria péssimo para a defesa, evidentemente. Por isso
mesmo Emily Byrne também se aproximou e argumentou ferozmente em
favor da testemunha e de sua relevância para o caso. E naquele momento, a
acusação saiu vencendo.

— Sra. Mitchel, sem delongas – Emily anunciou. Ela tinha sangue nos
olhos – Qual a sua relação com o réu?

— Sou prima dele – Barbara disse vendo Tobias furioso ao fundo – Sempre
fomos próximos.

— Próximos o suficiente para a senhora criar a filha dele?

— Protesto Excelência, argumentativo – Nancy interrompeu.

— Negado.
A juíza Nery demonstrava uma nítida impaciência com Nancy Crozier.
Nada bom para a defesa.

— A senhora sabia que Missy era filha de Tobias Menzies? A senhora sabia
que ele mantinha uma mulher em cativeiro.

— Protesto Excelência!

Ignorada.

— Eu não sabia de nada – Barbara falou calmamente – Tobias pagou a


nossa hipoteca oito meses antes de aparecer com a criança naquela noite na
nossa porta. Quando ele apareceu... veio cobrar o favor.

— Oito meses? – Emily ergueu as sobrancelhas – Quase o tempo de uma


gestação, a senhora concorda?

— EXCELÊNCIA! – Nancy gritou dessa vez. A juíza Nery levantou o


olhar impaciente, virando-se para Emily em seguida. Sabia que ela estava
passando dos limites, mas...

— Sra. Byrne...

— Muito bem Excelência – Emily disse se contendo – Durante quanto


tempo a senhora criou a menina Missy?

— Até a mãe dela aparecer na TV.

— Quando isso aconteceu, a senhora já sabia que ela poderia ser filha de
Tobias Menzies?

— Meu marido e eu desconfiamos quando ele foi preso – Barbara suspirou


– Mas tivemos medo de algo acontecer conosco. Nós não fazíamos a
mínima ideia, ele nunca contou a origem da menina.

— E por que a senhora acha que justamente vocês foram escolhidos para
criar essa criança?
— Porque ele nos comprou junto com aquela hipoteca – Barbara admitiu –
E sabia que, se nós disséssemos alguma coisa... ele nos colocaria na rua.

— Sem mais perguntas Excelência.

Nancy Crozier estava nervosa. Ela precisava destruir aquela testemunha de


qualquer maneira. Ao mesmo tempo, via os jurados se entreolhando e
esboçando inegáveis reações. Algo precisava ser feito o quanto antes.

— Sra. Mitchel, a senhora possuía uma boa relação com Tobias Menzies?

— Não – Barbara voltou a admitir – Exatamente por isso não entendi por
que ele deixou a criança comigo.

— Então como podemos acreditar que o seu testemunho não passa de uma
vingança?

— Porque não é – ela grunhiu.

— Ah – Nancy sorriu – É verdade. Faz parte de um acordo seu com a


promotoria, não é? Eles reduzem a sua pena por sequestro de menor e você
depõe contra um homem inocente.

— Se é sequestro de menor, senhora, provavelmente quem começou


sequestrando foi o seu cliente – Barbara Mitchel finalizou.

Xeque mate. Por essa nem Emily Byrne, muito menos Anahí poderiam
imaginar. Nancy balbuciou, tentando sair daquela armadilha, mas logo se
viu incapaz de responder. Ela tinha acabado de cair na própria arapuca. Em
gaguejos, disse que não tinha mais nenhuma pergunta.

E assim terminava o último testemunho do último dia. Faltavam apenas as


alegações finais, que seriam feitas inicialmente por uma promotora
fortalecida ao final. Tudo o que Emily Byrne precisaria era costurar todos
os fatos e provas demonstrados até ali para enfatizar o óbvio: que Tobias
Menzies era o culpado. E, por fim, sacramentar de vez na cabeça daqueles
jurados que ele deveria ser condenado. Que merecia ser.

Estava nas mãos deles.


~

SURPRESAAAAAAAAAAA!!!

Eu aposto como vcs não estavam esperando isso, acertei? Será que com um
cap extra o índice de "eu te odeio" e "vou te matar" diminui ao menos hoje?

Fiz questão de postar esse extra por dois motivos: primeiro, porque recebi
140 votos e váriosssss comentários e tweets empolgados com o último cap,
o que me fez me inspirar; segundo, por conta dessa inspiração, consegui
escrever dois caps no fds (geralmente sai um!) e achei justo recompensa-las
postando esse extra.

Isso significa que: se vcs votarem e comentarem bastante eu posto no


sábado, exatamente como foi no Carnaval.

Sobre o último cap, senti de longe a tensão e o ódio de vcs pelo Tobias e
sinto que isso vai se repetir aqui. O ódio pela Nancy Crozier também esteve
bemmm presente, mas deixo claro que tudo o que aconteceu lá foi bem
verossímil com o que acontece em julgamentos nos EUA, um oferecimento
The Good Wife + Suits + American Crime Story! Ou seja, advogado fazer
de tudo para construir uma narrativa absurda no julgamento e mudar seu
rumo, infelizmente temos.

Mas será que vai convencer esse júri?

Falando em júri, nos próximos as juradinhas estarão presentes pra bater o pé


e exigir a condenação do Tobias. Elas levam ou não? Ansiosas????

Aproveito pra dizer que o cap 74 é o novo amor da minha vida!

Aguardemos então.

Espero "vê-las" sábado!

Beijos,

Rafa
Capítulo 73 - The Juri

— Com a palavra, a acusação em alegações finais – a juíza Nery bateu o


martelo.

É claro que Emily Byrne estava nervosa. Era o julgamento de sua carreira, o
caso de sua vida. Ela tinha se preparado por longos oito meses para aquele
momento e nem tudo poderia ser previsto. Muitas artimanhas de Nancy
Crozier e a narrativa que ela tentava construir e convencer os jurados era
boa, definitivamente boa.

Mas Nancy era apenas uma advogada. Emily tinha sido policial. Ela era da
procuradoria. Ela era uma mulher sequestrada. Ela tinha sido a vítima e
agora estava à frente do caso de outra. Ela sabia que o caso de Anahí não
seria o último, sabia que viriam outros, talvez alguns nos quais ela não
estivesse à frente, mas ainda assim... aquela condenação precisava
acontecer. Por isso Emily Byrne precisava ser mais do que boa.

Por sorte, ela era ótima. Ela era melhor. A melhor.

Por isso caminhou para o púlpito, para onde os jurados poderiam vê-la e
ouvi-la. Para dizer, em definitivo, por que eles não poderiam deixar de
condenar Tobias Menzies.

— Senhores e senhoras jurados do caso O Povo do Estado de Nova York


contra Tobias Menzies, bom dia – ela sorriu cordialmente – Nos últimos
dias os senhores passaram por uma intensa provação ao ouvirem
longamente os debates entre acusação e defesa neste caso, ao ouvirem os
depoimentos da vítima, do acusado e de todas as testemunhas. Quando
dizemos testemunhas automaticamente pensamos em pessoas que
testemunharam os fatos, mas não foi o que aconteceu aqui. As testemunhas
trazidas pela acusação e pela defesa apenas mencionaram os
desdobramentos dos crimes julgados por esta Corte. A verdade, senhoras e
senhores, é que ninguém testemunhou os oito anos que Anahí Portilla viveu
naquele porão no Queens. Ninguém estava lá para nos dizer, nos confirmar
aqui como ela ficou completamente magra, sem forças e descaracterizada
depois de ficar num ambiente sujo, escuro e longe do mundo. Ninguém
testemunhou como ela quase perdeu as próprias memórias, a própria
sanidade e quem sabe parte da própria identidade. Ninguém esteve lá para
ouvir seus gritos de socorro que nunca foram ouvidos. Ou quem sabe seus
gemidos de dor a cada vez que o acusado resolvia agredi-la apenas porque
tinha vontade. Seus gritos de medo e de dor cada vez que o acusado a
estuprava porque, mais uma vez, tinha vontade. Ninguém testemunhou a
loucura que Anahí Portilla viveu ao ter o direito sagrado de uma mãe criar o
próprio filho ser negado. Ninguém a viu definhar por ter sido obrigada, em
um jogo mental sádico, a esquecer a própria filha. Esse é o tipo da prova
que nós, enquanto acusação, representando o povo, não podemos produzir.
Nem mesmo iríamos sujeitar a família e os amigos de Anahí Portilla se
sentando perante os senhores e dizendo o quanto foi difícil viver oito anos
longe de sua filha, de sua neta, de sua amiga. O quanto foi desesperador
para eles acreditarem que ela estava morta porque não havia nem rastro.
Nada disso demonstra o que aconteceu. Mas ainda assim, os fatos foram
provados. Os senhores podem até não acreditar na palavra da vítima. Os
senhores podem acreditar que aquela mulher viria até aqui e diria tudo
aquilo como fruto de um delírio. Eu apenas gostaria de lembra-los que, se
Anahí Portilla quisesse estar naquele porão, ela ainda estaria. Se ela fosse
uma convidada, ela teria voltado para lá tão logo o réu estivesse em
liberdade novamente. Mas eu garanto aos senhores que Anahí Portilla
jamais voltaria para aquelas quatro paredes. Anahí Portilla viveu por oito
anos no porão da casa de Tobias Menzies. Ela viveu oito anos sem sua
família e seus amigos. Mesmo que ela não gostasse de seu relacionamento
ou tivesse problemas no seu relacionamento com o Sr. Alfonso Herrera, ao
ir embora voluntariamente e se esconder ela não abriria mão apenas de um
namoro. Ela deixaria sua mãe e seus avós para trás. Deixaria seus amigos.
Deixaria sua carreira, seus sonhos, seus objetivos, sua história. Anahí
Portilla não fez isso, senhoras e senhores. E isso não precisa ser
demonstrado com as palavras dela. Isso foi demonstrado com todas as
provas documentais que foram apresentadas perante esta Corte. Foi
demonstrado com os laudos psiquiátricos apontados pela Dra. Caitriona
Balfe indicando que as lembranças na terapia de regressão são reais. Com
os mesmos laudos indicando que Anahí Portilla é uma pessoa sã e que ela
realmente sofreu um estresse pós-traumático após ter sido retirada de sua
vida para ser abusada de todas as maneiras que uma mulher pode ser. Foi
demonstrado ainda com os exames médicos que indicaram que Anahí
Portilla tinha feridas e escoriações típicas de prisioneiros torturados.
Prontuários médicos que indicaram a necessidade de três cirurgias para
corrigir todos os ossos quebrados e calcificados pela violência do acusado.
Um laudo de raio-X que indicou que a mesma possui uma fratura no útero
por ter sofrido um parto traumático. A defesa não conseguiu contestar em
momento algum todas essas evidências que trouxemos. Os senhores
ouviram a advogada apresentando qualquer tipo de prova de que o acusado
não cometeu os crimes que responde perante essa Corte? Eu não lembro
disso desde o início do julgamento. Não lembro de nada além de uma
advogada que inventa histórias para desviar o foco de provas reais. Nós, por
outro lado, não trouxemos uma historinha bonita. Pelo contrário: a história
que estamos contando é feia, mas é real. É a verdade nua e crua. Nós
trouxemos as provas e as pessoas que poderiam falar sobre ela. Não existem
coincidências, senhoras e senhores... ao menos não coincidências demais.
Ela era uma mulher feliz, ela tinha uma vida boa. Se a polícia não tivesse
entrado na casa de Tobias Menzies, Anahí Portilla ainda estaria lá. Os
senhores conseguem imaginar isso? Enquanto nós estaríamos pegando o
metrô, bebendo uma xícara de café, bocejando, Anahí Portilla seria mais
uma vez agredida por dizer não. Seria amordaçada para dizer não e
amarrada para garantir que não fugiria. Isso tudo sem lembrar da filha que
teve com um homem com quem não escolheu viver. Uma filha que foi
separada dela por decisão dele. Como a decisão de tira-la da própria vida,
da família, por achar que ela lhe pertencia. Ninguém pertence a ninguém.
Mulheres não são objetos, não são pedaços de carne. Condenar Tobias
Menzies não impede que outras Anahí's apareçam... mas absolvê-lo depois
de tudo o que foi provado nesta Corte definitivamente permite que muitas
outras Anahí's sejam sequestradas, sejam violentadas, sejam agredidas,
sejam mortas. As filhas e sobrinhas dos senhores.As esposas dos senhores.
As senhoras. Não é isso o que nós queremos. É claro que há muito o que
mudar, mas nós temos que começar por algo. E eu proponho aos senhores
que comecemos por aqui. Comecemos condenando Tobias Menzies.

Os jurados não expressavam grandes reações às palavras de Emily Byrne.


Ela tinha sido enfática o suficiente para passar a mensagem que queria
deixar, firme, mas sem ser agressiva. Agora voltava para o próprio lugar, a
cadeira da promotoria, não sentando até lançar dois olhares para duas
pessoas que a observavam, como todos, fixamente na plateia. O primeiro
foi para Nick Durant, seu marido, cuja expressão indicava o quanto estava
orgulhoso dela. O segundo, obviamente, foi para Anahí. Afinal, a vítima só
tinha tido voz no primeiro dia de julgamento. Desde então, Emily foi sua
voz. E pelo visto, ela estava sendo bem representada.

Mas agora era a vez de Nancy Crozier tentar – mais uma vez – desconstruir
toda a história e emplacar sua própria versão.

— Senhoras e senhores jurados, Excelentíssima senhora juíza Fernanda


Nery, amigos e familiares do acusado e da suposta vítima, bom dia a todos
– Nancy sorriu com o ar angelical de sempre – Eu sou uma garota de
Michigan. Me perdoem se eu não consigo falar palavras como as que a
promotoria usa sem corar. Nem mesmo as palavras que o meu cliente
utiliza consigo repetir, pois tenho vergonha só de imaginar as intimidades
dos encontros amorosos que Anahí Portilla possa ter tido com ele. Por isso,
depois de tudo o que a acusação apontou perante esta Corte, os senhores
devem estar pensando: por que uma mulher defenderia um homem como o
Sr. Tobias Menzies? Por que uma doce garota do Michigan defenderia um
suposto estuprador? É simples senhores... porque nós estamos falando de
um homem inocente. Talvez a única culpa do Sr. Menzies em toda essa
história seja o fato de ele ter desejos sexuais considerados incomuns. De ter
se apaixonado por uma moça que era comprometida. O que é indiscutível
nesse Tribunal é que nós vimos um homem que não a obrigou a ir com ele,
muito menos em permanecer. A acusação tentou desenhar a personalidade
de Tobias Menzies, mas esqueceu de falar sobre quem realmente é Anahí
Portilla. Talvez ela tenha vergonha de, depois de ter sido supostamente
"encontrada" na casa do Sr. Menzies, admitir para a família, os amigos e o
ex-namorado que sempre quis estar lá. Todos nós temos um lado dentro de
nós que parece um tanto nebuloso e é isso que a acusação tenta esconder.
Mas não há nada de errado. Eu não julgo a senhorita Portilla por ter
escondido esse lado dela e ter desejado vivê-lo. E entendo que ela não tenha
a coragem de admitir que, no fundo, não queria ser a pessoa que foi criada
para ser. Não queria ser a garota formada na universidade, que iria se casar
com o primeiro namorado. E nem os senhores devem julga-la. Ela é apenas
uma garota como eu, que fantasiou coisas demais. Fantasiou memórias que
não existem. Ela não queria ser aquela moça perfeita, não queria se casar
com Alfonso Herrera, não queria viver aquela vida que foi desenhada para
ela. Tudo o que o réu fez foi oferecer essa vida para ela. Uma vida onde ela
não precisaria ter vergonha de ser amordaçada por prazer. Uma vida onde
ela não precisaria viver em um castelo de cristal, não precisaria ser mãe de
crianças que nunca desejou ter. Nós não devemos julga-la por seus desejos
sexuais incomuns, por seus fetiches, afinal cada um é cada um. Mas
também não podemos colocar um homem inocente na cadeia. Não podemos
condenar um homem cujo único crime foi oferecer uma vida diferente para
uma mulher que se sentia sufocada. Os senhores e senhoras ouviram... se
Anahí realmente amasse Alfonso Herrera, eles estariam juntos. Ele teria
abandonado a esposa no momento em que ela retornou, o que não
aconteceu. Ela teria se agarrado a ele de tão grande que o amor dos dois
eram, o que também não aconteceu. Em oito meses, Anahí Portilla e
Alfonso Herrera estiveram juntos e já se separaram. Quem sabe, os
senhores não podem dar a chance dela ter um final realmente feliz. Se
Tobias Menzies for absolvido por esta Corte, pode ser que, no fim, ela tenha
a coragem que faltou há nove anos em admitir que é com ele que ela quer
ficar. Talvez eles não precisem ficar presos a um porão e possam sair juntos
à luz do dia. Quem sabe a família Portilla e os amigos sejam capazes de
entender que o Sr. Menzies e Anahí merecem viver essa vida juntos. Mas
antes, os senhores precisam absolvê-la. Devolvam a felicidade para essa
mulher, para esse casal. Libertem Tobias Menzies para que, mesmo depois
dessa história cheia de equívocos, eles tenham a chance de ao menos
terminarem juntos. Depende apenas dos senhores.

Apenas.

Anahí tinha uma vontade imensa de vomitar depois de ouvir a própria


história ser distorcida. Ela contrastava as palavras de Emily, logo antes,
com as de Nancy Crozier e lamentava não haver nenhuma testemunha de
tudo o que a viveu. Seus estupros viraram encontros amorosos. Suas
agressões, sadomasoquismo. Seu cativeiro, quase um motel. Seus oito anos
de violência e abuso, uma história de amor. Era nojento.

Mas apesar de tudo, embora a raiva fosse grande, Anahí não nutria um
imenso desprezo por Nancy Crozier. Ela sabia que ela era apenas mais uma
advogada que poderia defender do mais bonito ao mais feio, dependendo do
lado que tivesse. Era grotesco, era antiético, era uma mulher defendendo
um estuprador. Mas só havia mulheres defendendo estupradores porque
existiam estupradores. O verdadeiro culpado era ele.

Se acabassem com o estuprador, os advogados não teriam mais que


defendê-los. Era preciso mais do que condenar Tobias: era necessário
encerrar aquela cultura da mulher vista como um objeto. Assim não
existiriam novos Tobias, não haveriam vítimas como Anahí. Então assim se
sabia exatamente qual era o inimigo a se encarar.

Mas como Emily Byrne muito bem dissera, era preciso começar por algum
lugar. Que fosse a condenação então.

— A Corte entra em recesso até o veredicto do Júri – a juíza Fernanda Nery


bateu o martelo antes de sair.

Agora o tic tac do relógio começava oficialmente a contar.

xxx

— As instruções são claras – Jessica Moraes, a primeira jurada, dizia aos


colegas – Deve ser por unanimidade e nós não devemos debater o caso para
não contaminarmos os votos um do outro.

— Mas como iremos alcançar a unanimidade sem debatermos? – um jurado


cuja etiqueta na jaqueta estava escrito Johnny Walker perguntou – Porque
só pelas nossas caras eu já sou capaz de apostar que não teremos uma
unanimidade por aqui.

— Depende do nível de bom senso que tivermos – agora era Beatriz Lisboa
quem falava – Porque pra mim parece óbvio que ele é culpado.

— Óbvio? – Bennie Simpson, outro jurado, questionava – Por que seria


óbvio?

— Por que o que mais teve naquele julgamento foram provas – Beatriz
rebateu.

— Nós não devemos... – Jessica tentou falar, mas outro jurado tomou a voz.
— Você considera uma mulher que não lembra do que aconteceu e que
precisou ser hipnotizada pra supostamente conseguir lembrar como uma
prova? – Dean Mitchel, um dos jurados homens, questionou.

— Bom, se querem a minha opinião, eu considero como prova um laudo


policial seguido por uma série de exames e um prontuário médico – Maria
Almeida ponderou.

— E o que a defesa trouxe de provas? Nada – outra jurada, Joice Mendes,


era quem falava – Vocês ouviram a Byrne dizendo: eles apenas ficavam
traçando histórias e histórias, trazendo as pessoas da vida do Menzies pra
testemunhar, e o que isso diz sobre o crime que foi cometido?

— Ah, você leva a sério o que Emily Byrne fala? – Brian Walker, outro
jurado, debochou – Essa mulher quer apenas se eleger.

— Se ela quer se eleger ou não, não é problema nosso – agora Julia


Bervanger opinava – Vejam bem, a Emily Byrne pouco importa nesse
momento. Nós temos que olhar os fatos. Se ele for inocente serão
coincidências demais.

— Vocês não cogitam nem por um minuto que ela possa ter ido porque
queria? – Brian Walker voltou a falar.

— Desculpe – a jurada Stefany Oliveira definitivamente desdenhou naquele


momento – Ok, imaginemos que ela tenha ido inicialmente porque queria,
mas quando chegou lá foi tacada em um porão enquanto ele tinha aquela
casa enorme pra que ela vivesse como uma rainha, apanhou até dizer chega,
foi estuprada... se era tão livre assim como a Crozier colocou, por que ela
não foi embora...?

— Quem garante que ela não teve a chance? – Johnny Walker voltou a
insinuar – Talvez ela gostasse.

— Ah claro – Joice cuspiu – Porque as mulheres realmente amam apanhar.

— Seria o mesmo que dizer que qualquer homem cometeu um crime


sonhando em ir para a cadeia e virar, como vocês dizem mesmo...? – Julia
desdenhava – A noivinha da cadeia.

— Vamos votar? – Jessica propôs – Pelo visto já sabemos aqui quem vai
opinar como. Temos que votar.

— Tem que ser unânime – Maria lembrou – Mas como iremos chegar à
unanimidade desse jeito...?

— Eu não aceito menos que uma condenação – Beatriz insistiu batendo a


caneta na mesa – Eu não saio daqui sem que esse cara seja condenado.

— E pra você por que ele seria culpado? – Bennie Simpson questionou.

— Ok, ela não lembrava – Beatriz ponderou – Ok. Pode ser tudo coisa da
cabeça dela? Pode. Pode ser tudo invenção? Pode. Ela não está mais com o
namorado de antes? Ok. Até faz algum sentido? Se você for sádico pode até
fazer... mas aí você tem que dizer que a polícia que a encontrou está errada,
tem que dizer que os exames das profissionais médicas, de três cirurgiãs
diferentes estão errados, tem que dizer que uma psiquiatra renomada está
mentindo, e eu não consigo colocar no mínimo cinco pessoas de três
carreiras diferentes na berlinda pra absolver um homem que no mínimo
parece assustador. Não mesmo.

Enfim uma opinião de peso.

— Vamos votar – Jessica voltou a insistir – O voto é secreto. Se for


unânime, teremos um veredicto. Se não for... teremos que debater.

Tic tac, tic tac, tic tac...

xxx

Como o veredicto poderia demorar horas, quem sabe dias – improvável,


mas não impossível – Anahí optou, em conjunto com a família, em voltar
para casa. Mas a casa em questão não era a de Karen, porque ela sabia que
seus avós estavam lá com Missy e a menina não entenderia caso a mãe
aparecesse e logo em seguida sumisse, sem aviso prévio e além de tudo
nervosa como demonstrava estar.
Por isso Anahí acabou sendo deixada – a pedido – por seus pais com os
amigos e seguiu para o próprio apartamento. É lógico, havia uma
quantidade de repórteres ali que esperava que ela fizesse exatamente aquilo
e terminou com Poncho, Christian, Mane, Mark e Jesse formando um
cordão em volta dela para que ela conseguisse entrar no apartamento em
segurança. Não foi tão difícil quanto eles imaginaram que seria, pois a
imprensa não estava em peso ali, mas ainda assim parecia cada vez mais
denso enfrentar todo aquele assédio quando Anahí não estava tão estável
ainda.

É claro, ela estava sensível. Era a história dela contada pela promotoria e
desconstruída pela defesa. Era horrível pensar que narrativas estavam sendo
criadas sobre o sofrimento dela, que as pessoas falavam de sua vida como
se fosse sua propriedade. Não era sobre aquilo. E era inevitável não se
afetar.

— Será que está cedo demais pra eu beber? – Christian perguntou.

— É claro que é cedo demais – Maite resmungou – São 14h da tarde...!

— Esse negócio de julgamento me deixa nervoso – ele tirou o paletó e


afrouxou a gravata – Minha vontade de voar naquela Nancy Crozier era do
tamanho do planeta.

— A minha também – Lexie reclamou se sentando no sofá – Como uma


mulher defende um estuprador...?

— Oh, coitadinha – Maite debochou – Ela é de Michigan.

— Se ela dissesse mais uma vez que era de Michigan eu voaria naquele
pescoço magricela – Lexie resmungou. Mark ao seu lado a olhava
arregalado.

— Posso deixar você aqui e ir ao hospital ver se está tudo bem ou você vai
voar no pescoço magro de alguma advogada? – ele perguntou com ar de
riso, vendo a namorada negar com a cabeça.
— Você pode ir tranquilo – ela disse antes de beija-lo. Mark não demorou a
sair, deixando a namorada com os amigos e certo de que ela ficaria bem.

— Onde está a Anahí? – Jesse perguntou olhando em volta, estranhando o


sumiço da amiga.

— Ah, ela foi pro quarto descansar – Maite explicou – Dias difíceis, ela não
tem dormido direito...

— Fui só eu que reparei que o Poncho também não está aqui? – Mane disse
num sussurro olhando ao redor.

— Não, não foi – Jesse riu.

— Definitivamente não – Sophia completou rindo também.

— Eu também tinha percebido, mas não falei nada – Lexie sorriu.

— Oh Deus, será que agora vai? – Maite esfregou as mãos cheia de


expectativa e deixando nítida a esperança em sua voz.

— Estou com medo de acreditar nisso e dar com a cara na parede –


Christian admitiu – Vamos deixar as coisas acontecerem.

Do lado de dentro do quarto, elas aconteciam.

Poncho estava inseguro em ir para dentro do quarto de Anahí. Talvez ela


quisesse privacidade, talvez precisasse descansar o corpo e a mente depois
daquele turbilhão que vivera nos últimos três dias. Mas ele não conseguia
evitar. Ele precisava estar próximo a ela. nem que fosse para ir até ali e
ouvir da boca dela que preferia ficar sozinha. Se Anahí dissesse isso, ele iria
respeitar e se afastar. Mas queria deixar claro que estava ali para oferecer
um ombro amigo e também o que mais ela pudesse querer. Afinal, a
resposta poderia ser diferente. Poderia ser positiva.

Ele deu uma pequena batida na porta e ouviu a voz dela indicando que ele
deveria entrar. Poncho, em pequenos passos, adentrou o espaço dela. Viu
que Anahí estava um pouco diferente da forma como chegou no
apartamento pouco antes. Ela prendera o cabelo num coque, tirou o sapato
de saltos e agora estava sentada na beira da cama, dobrando roupas de
criança e colocando-as na poltrona que ficava logo ali.

— Atrapalho? – ele perguntou franzindo a testa.

— Não – Anahí negou sorrindo – Eu achei que fosse a Maite.

— Ela está lá fora conversando com os outros – Poncho disse se encostando


na parede exatamente de frente para onde ela estava sentada – Reparei que
você tinha sumido, pensei que talvez quisesse conversar.

— Eu queria descansar, mas tem coisas da Missy espalhadas pelo meu


quarto inteiro – ela constatou rindo – Nem parece que ela tem um quarto.

— Ossos do ofício – Poncho riu de volta – Onde eu vou tem coisas do Dani.
Dentro do meu carro tem brinquedo, na minha cama, na banheira, até no
meu computador tem desenhos dele.

— É, a Missy nunca chegou nesse ponto – Anahí disse deixando as roupas


de lado e encarando o ex – Como estão as coisas entre vocês dois?

— Melhores – Poncho admitiu – Eu tenho passado algumas noites com ele.


Às vezes o busco na escola, levo pro apartamento da Eren, nós passamos
um tempo juntos... e em outras vou pra casa dele, fico lá à noite, o coloco
pra dormir, conto uma história... as coisas estão encontrando o seu lugar, vai
ficar tudo melhor quando eu me mudar pra um apartamento meu e ele ter o
meu próprio espaço.

— Fico feliz que as coisas estejam se ajeitando – ela disse desviando o


olhar.

Poncho conhecia Anahí desde que eles eram duas crianças. Era tempo
demais para não conhecê-la com a palma de sua mão. Anahí era
provavelmente a pessoa que melhor o conhecia e a recíproca era verdadeira,
de forma que ele sabia ler cada uma de suas reações. E naquele momento
tinha certeza do que a fazia estar cabisbaixa daquela forma.
— Você não é a culpada – Poncho disse se abaixando e encarando os olhos
dela – Não é culpada de nada.

— É impossível não me sentir assim – Anahí respondeu, sem se preocupar


em se perguntar como ele adivinhou, já que era algo óbvio.

— Você não conhece o Dani, ele é uma criança boa, tem um coração
maravilhoso – Poncho rapidamente explicou – Só que a Diana e eu erramos
em algo com ele, lhe passamos a impressão que ficaríamos juntos pra
sempre e ele se decepcionou quando isso não aconteceu. Ele nunca reagia
bem quando suspeitava que nós brigávamos, então eu meio que esperava
que isso fosse acontecer quando o meu casamento com ela acabou. Mas eu
sempre soube que seria uma questão de tempo. O Dani gosta de você e
gosta da Missy também, ele só precisa de um tempo pra se acostumar com a
nova realidade, pra ver que o fato de eu amar vocês não fará com que eu
deixe de ama-lo.

— Como você pode ter tanta certeza? – ela perguntou finalmente


encarando-o.

— Porque ele é meu filho Anahí, eu confio na criação que Diana e eu


demos pra ele – Poncho garantiu – Ele tem um coração bom e se entrega
fácil. Logo ele vai ver que um pai feliz é muito melhor do que um infeliz, e
que eu só consigo ser realmente feliz se estiver com você.

— Mas você foi feliz com a Diana nesse tempo todo – Anahí murmurou
insegura.

— Porque eu achava que você estava morta – ele devolveu – Desde que eu
descobri que você estava viva, nunca mais fui o mesmo. Meu casamento
acabou ali, eu apenas não me dei conta, mas nada foi mais o mesmo. Eu
não conseguia ser dela porque era completamente seu.

— Droga Poncho – Anahí fechou os olhos balançando a cabeça – Eu não


quero ficar entre você e o seu filho.

— Mas você não está entre nós – Poncho segurou o rosto dela numa concha
– O Dani aos poucos vai aceitar a ideia e vai ver em você uma segunda mãe
maravilhosa, vai ver na Missy uma irmã mais velha que ele vai amar, além
de uma amiga como a que ele tem na Samantha. Nós vamos ser uma
família, e eu não vou deixar de ser uma família com ele e com a mãe dele
porque Diana e eu vamos fazer isso funcionar, já estamos fazendo. Talvez
ela siga em frente e tenha outros filhos também, forme a própria família, e
ele vai ser recheado de amor para todos os lados. Me diga como isso pode
ser ruim pro meu filho? Como isso pode significar que você está entre ele e
eu...?

— Eu... – Anahí não conseguia responder. Ela estava desconcertada com


todos aqueles planos mentais, tentando se convencer que aquilo não era
real, mas era impossível não estar mexida.

— Você não pensa, não sonha em ter outro filho...? – quando Poncho
perguntou os olhos dela se abriram e a conexão entre eles se formou – Você
não pensa em engravidar, ficar enorme e chorar ouvindo um choro pela
primeira vez?

— É claro que eu sonho – os olhos de Anahí se encheram de lágrimas –


Mas não vale a pena sonhar com isso se não for com você.

— Então vale a pena – Poncho se aproximou decisivamente dela – Sonhe.


Porque vai ser real. Ele vai ser condenado hoje, nós vamos sair pra
comemorar, vamos ficar juntos e o Dani vai aceitar, vai entender. Eu te
prometo.

É claro que nem todas aquelas promessas estavam ao alcance de Poncho


garantir, mas Anahí não se importava com isso. Ela estava mais preocupada
com o ex-namorado se aproximando gradativamente para beija-la. Sequer
havia meios de se perguntar se corresponderia ou não, porque não dava
tempo. Era involuntário.

Anahí se atraía a Poncho como um ímã. Quando ela deu por si sua boca
estava grudada na dele e não importava nada. Era a única coisa que a fazia
parar de pensar naquele maldito veredito. Nos braços de Poncho, Anahí só
pensava nele, neles. Enquanto os dois se beijavam sentiam a sensação de
que não deveriam se soltar nunca mais, porque mais parecia que fazia uma
eternidade desde a última vez que estiveram tão juntos, tão íntimos.
Dessa forma, era melhor fazer mesmo aquele momento durar o quanto fosse
possível.

xxx

— Oito a quatro – Jessica anunciou após terminar de contar os votos –


Vamos lá senhores, precisamos de uma unanimidade.

— Por que senhores? – o jurado Brian questionou – Você pressupõe que os


homens estão...

— São oito votos para a condenação – Jessica interrompeu esclarecendo –


E quatro votos para a absolvição. E eu tenho certeza de que esses quatro
votos dizendo que esse homem não é culpado usam cueca.

— Eu pensei que os votos fossem secretos, senhora primeira jurada – Dean


Mitchel debochou.

— Vocês atacaram a promotora, atacaram a vítima e só ficaram passando


um pano horroroso naquele monstro do Tobias Menzies – Julia Balvenger
revirava os olhos – Agora vão dizer que não votaram na absolvição...?

— Mas é claro, eu não vou votar em uma versão emplacada por uma
mulher que quer ganhar uma eleição – Bennie Simpson sustentou.

— Sexista – Joice acusou.

— O quê...? – Bennie ergueu as sobrancelhas surpreso.

— Eu disse sexista – ela repetiu – Seu único incômodo é ela ser uma
mulher. Se fosse um homem querendo esse cargo, um homem tentando essa
eleição, não iria te incomodar nem um pouco. Como Nancy Crozier
defender um estuprador não te faz mover um músculo do rosto.

— Todos têm direito de defesa – Dean Mitchel observou. As mulheres à


mesa reviraram os olhos.

— Olhem, se vocês me derem uma prova de que Tobias Menzies não


sequestrou Anahí Portilla eu voto pela absolvição – Beatriz observou –
Uma prova.

As outras mulheres a encararam assustadas. Aquele jogo era perigoso.

— Você não pode fazer isso... – Maria a alertou.

— Posso e vou – Beatriz desafiou – E aumento a aposta. Se vocês derem


uma prova, nós votamos com vocês. Se não conseguirem, vocês votam
conosco e ele é condenado.

— Beatriz... – Stefany a encarou amedrontada.

— Feito? – Beatriz já estendia a mão.

E Brian Walker, em nome dos outros três jurados homens que votaram
preliminarmente a favor da absolvição de Tobias Menzies, pareceu aceitar.

— Feito – ele apertou a mão dela.

E estava selado.

— Vocês têm uma hora – Beatriz anunciou.

Tic tac, tic tac, tic tac...

xxx

Quase escurecia com Poncho deitado na cama de Anahí e ela recostada em


seu peito. Anahí acariciava sua barba, ele tocava sua cintura. Os dois
estavam tão relaxados quanto poderiam estar e, se não fosse a espera por
aquele veredito, provavelmente teriam pegado no sono. Estava bom,
definitivamente bom ficarem daquele jeito. Parecia que duraria toda a
eternidade...

...mas é claro que não durou.

E a realidade voltou quando o telefone de Anahí tocou. Quando ela ouviu o


barulho, tanto ela quanto Poncho sabiam do que se tratava. E se confirmou
quando Anahí viu o nome de Lucca Quinn na tela bloqueada. Obviamente
ela não hesitou em atender o quão rápido conseguiu.

— Lucca?

— Volte para a Corte – ela pediu – Eles têm um veredito.

Finalmente.

Rafa sendo xingada porque parou justo aí em 3, 2, 1...


hahahahahahahahahaha

De modo geral (tirando o final repentino), gostaram do capítulo? A cada


comentário que eu lia de alguém repudiando a Nancy por defender
estuprador lembrava das passagens desse capítulo.

E teve AyA né? Sério, em alguma coisa vcs precisam me amar!!!! Nisso
precisam admitir digam aí 😌

Mas então, prontas pro veredito? Ele vem QUINTA!

Beijos,

Rafa

P.S.: obrigada pelos 149 votos!!!


Capítulo 74 - The verdict

Dedicado a TODAS vocês, com todo o meu amor e minha gratidão

Corações acelerados.

Oito meses depois, oito anos depois, enfim... o veredito viria.

Respirações pesadas, olhares ansiosos... um a um, os jurados estavam


entrando. Anahí estava dessa vez sentada entre Poncho e Karen e observava
cada um deles. Seis mulheres, seis homens. Doze pessoas que detinham o
poder sobre o seu destino.

Não era o destino de Tobias. Ele não se importava com o seu futuro, fora
ele quem decidira arriscar tudo ao cometer todos aqueles crimes. O futuro
que importava era o de Anahí: quem não optou por ter a vida interrompida.
Quem teria medo de sair na rua se seu algoz ficasse livre. Era por isso que a
respiração dela estava pesada, porque ela pensava como seria andar na rua
com ele podendo segui-la. Porque o mundo já não tão seguro parecia ainda
mais assustador com Tobias à solta. Porque ela não imaginava criar Missy
com ele podendo aparecer a qualquer momento.

Alguns dos dela estavam confiantes, mas nem todos. Maite, no quinto mês
de gravidez, estava alterada. Mane, preocupado com ela. Lexie estava
decididamente nervosa, comendo o próprio esmalte. Karen estava insegura.
Sophia mal conseguia encarar o que estava acontecendo, já que obviamente
lembrava da própria situação. Jesse, Christian e Mark, por mais que
esperassem pelo que fosse acontecer, estavam estressados com aquela
tensão toda. O único que não parecia nervoso era Keith. Pelo contrário, ele
apenas esperava pela confirmação de uma certeza que viria.

Bastava saber se essa certeza era real.

— Todos de pé para a entrada da juíza Fernanda Nery!


Trêmula, Anahí levantou. Não adiantava mais evitar o inevitável, ela tinha
acabado de perceber. Fechando os olhos, ela apenas rezou para que aquilo
acabasse de uma vez. Estava cansada. Os jurados já estavam todos de pé,
em seus respectivos lugares, e a juíza, em sua cadeira. Todos se sentaram
após isso.

— Senhora primeira jurada, o júri chegou a um veredito? – a juíza Nery


perguntou.

— Sim Excelência – a jurada Jessica Moraes disse em alto e bom som.

E cada segundo era uma batida nervosa no coração de Anahí.

A primeira jurada estendeu um envelope que continha o veredito, levado


pelo oficial da Corte da mesma até a juíza Nery. Anahí acompanhou com
seus bonitos olhos azuis o caminho que aquele envelope fez, até a juíza tê-
lo em mãos, abri-lo e ler o que fora decidido pelo júri e sobre o qual não
haveria mais volta. A juíza Nery fechou o envelope e, para a infelicidade de
Anahí, não esboçou qualquer reação sobre o teor do veredito. Apenas o
devolveu ao oficial, que levou de volta à Jessica Moraes, a responsável por
ler o destino de Tobias – e por que não dizer, o destino de Anahí.

— Sr. Tobias Menzies, por favor fique de pé para a leitura do veredito – a


juíza Nery determinou.

Tobias, assim como Nancy Crozier, ficou ao seu lado. Anahí, em seu lugar,
abaixou a cabeça, apenas aguardando, de olhos fechados, pelo que viria.

— Sra. Primeira jurada, pode proceder com a leitura.

E era a hora. Imediatamente os dedos de Poncho procuraram os dela e eles


se entrelaçaram. Aquilo diminuiu a solidão que ela achava que sentiria
naquele momento. Anahí tinha a certeza de que ele conhecia o perigo e
estava disposto ao menos a fazê-la acreditar que, qualquer que fosse o
veredito, ele tentaria protegê-la.

— Nós, jurados do Caso do Povo do Estado de Nova York contra Tobias


Menzies, julgado pela Corte do Estado de Nova York, presidido pela
Excelentíssima Senhora Juíza Fernanda Nery, pelos crimes de estupro,
sequestro e cárcere privado, lesão corporal seguida de aborto, lesão corporal
grave e sequestro de menor, cometidos contra Anahí Portilla, entre os anos
de 2010 e 2018, consideramos o réu...

Um respiro...

— Culpado.

Lágrimas. Alívio...

O falatório foi inevitável. Foi a primeira vez em três dias que Tobias
demonstrou uma reação. Era algo parecido com frustração. Ele não
esperava por aquilo. Afinal, todo homem que comete um crime contra a
mulher o faz na esperança, provável certeza da impunidade.

Não mais.

Anahí, por sua vez, não economizava na própria emoção. O que sobrava de
frieza nele, faltava nela. Naquele momento ela chorava com Karen abraçada
nela, a mãe com o rosto também lavado em lágrimas. O inferno tinha
acabado. Era hora de celebrar.

As reações na Corte não foram muito diferentes. E Anahí e Karen não eram
as únicas que choravam. Sophia sentia como se um peso imenso tivesse
saído de suas costas. Lexie e Christian, por sua vez, estavam mais próximos
de uma comemoração do que qualquer outra coisa. Maite apenas sorria,
focalizando a melhor amiga a alguns assentos de distância, pensando que a
reação de Anahí facilmente poderia, ser confundida. Se Tobias tivesse sido
absolvido, ela provavelmente teria o mesmo tipo de reação para quem via
de fora. Mas dentro de seu coração o alívio de Anahí era único, que não
poderia ser substituído em nenhuma hipótese.

— Tendo em vista a decisão soberana do júri deste Tribunal, condeno o réu


Tobias Menzies, em razão dos crimes julgados por esta Corte, do qual a
senhorita Anahí Portilla é vítima, à prisão perpétua sem direito à
condicional. Senhores jurados, estão dispensados dos serviços prestados
perante este Tribunal com os nossos agradecimentos e homenagens. Caso
encerrado.

Tempo de comemorar...

Ela fez questão de se levantar naquele momento. Karen finalmente a havia


soltado e ela tinha certeza de que os pais e os amigos queriam abraça-la,
demonstrarem estar tão aliviados quanto ela, mas Anahí queria estar de pé
naquele momento. Voluntariamente Anahí se levantou e se aproximou do
corredor, vendo a imagem de Tobias ser algemado pelo oficial do Tribunal.
Ela queria gravar aquela imagem em sua mente, para relembrar sempre que
fosse necessário.

Afinal, Anahí sabia que aquela condenação não substituiria os anos que ela
perdeu, tudo o que deixou de viver. Sem dúvidas não apagaria as dores que
ela sofreu, as lembranças do sofrimento, dos estupros, de tudo o que voltou
à tona por conta do julgamento, de sua história sendo remexida. Tinha sido
um caminho longo: oito anos presa, oito meses lutando por justiça, tentando
recuperar as memórias, sofrendo a cada momento que cada uma delas
voltava. Ao menos vê-lo pagando por tudo compensava um pouco. Ela
poderia repetir aquela cena em sua cabeça, revivendo-a, para substituí-la
por cada mísero momento de sofrimento que ele a fizera passar... com a
certeza de que Tobias os teria de volta tendo a liberdade privada.

— Acabou – Anahí disse levantando a cabeça – Finalmente acabou.

Quando Tobias finalmente viu que Anahí o encarava, ele não tinha nos
lábios o sorriso debochado de sempre, que a assombrou por oito anos num
porão e oito meses fora dele. Nem mesmo Anahí o esboçava, porque eles
eram tão diferentes que ela jamais copiaria qualquer de seus gestos
perturbadores. O que Anahí tinha no rosto naquele momento era algo que
Tobias jamais teria: a satisfação de vencer no final. E isso era algo que ele
não conseguiria tirar dela.

Até porque, o tempo de Tobias tirar coisas de Anahí tinha acabado.


Oficialmente.
Por óbvio, ele sentiu o impacto do olhar dela. Mas o que realmente o abalou
não foi sua expressão, muito menos ver o olhar que Alfonso Herrera – o
homem que ele tanto tentou afastar de seu doce algoz de olhos azuis –
estava lançando para ela. Tobias visualizou uma mulher esguia, branca, de
saltos e cabelos presos se aproximar de Anahí e colocar a mão no ombro
daquela que agora ele descobria que era sua amiga. A mulher que agora ele
entendia que era a responsável por tudo aquilo, desde o início. E que não
olhava para ela, mas sim para ele. Para que ele entendesse e juntasse as
peças.

Marina.

— Maldita... – ele balbuciou antes de começar a gritar – MALDITA! É


ELA! FOI ELA O TEMPO TODO! ELA PLANTOU DROGAS NO MEU
JARDIM! FOI ELA...!

Tarde demais.

— Cale a boca – o oficial ordenou, começando a tira-lo dali.

E no lugar do sorriso no rosto debochado, da certeza da impunidade, havia


desespero. Bem o que ele via no rosto de Anahí, o que causava nela.

A vingança poderia ser um prato que se comia frio, mas aquele comido por
Anahí era quente. Porque nesse caso estava longe de ser vingança. Era
justiça. Que tardou oito anos, mas não falhou.

E aquela era a última vez que ela o veria. Quem sabe com o tempo Anahí
esqueceria seu rosto. Esqueceria até o que era ter medo dele.

— Ele precisava saber – Marina disse num sussurro para ela assim que
Tobias sumiu de sua visa, apertando seu braço com um sorriso satisfeito nos
lábios – Vamos embora daqui. Você precisa sair como alguém realmente
livre.

Ela sairia.
Mas antes de sair, precisava agradecer a alguém que tinha sido peça
fundamental naquilo tudo.

Emily Byrne poderia ser vista como vitoriosa já que a condenação de


Tobias era o passo necessário para sua vitória nas eleições para a
Procuradoria. Mas Anahí sabia que não. Ela viu sua defensora abraçada
com o marido, Nick, que aproveitava para parabeniza-la, e se aproximou.
Emily se afastou de Nick para cumprimentar Anahí. A vitória era dela mas
ao mesmo tempo, não era. Anahí rapidamente percebeu que o rosto de
Emily deixava claro o quanto elas sentiam a mesma coisa. Não sabiam se
era possível mensurar em palavras.

— Obrigada – Anahí disse segurando a mão dela – Por não ter desistido em
momento algum. Eu... jamais teria como agradecer o suficiente.

— Acredite quando eu digo que foi um prazer – Emily sorriu dispensando


aquela gratidão toda – Eu fiz por você. Fiz por mim. Fiz por todas. E faria
de novo.

Era Emily por todas as mulheres violadas.

— Boa sorte – Emily desejou. Aquela era a provável última vez que elas se
veriam – Será um longo recomeço.

Sem dúvida alguma... porque agora sim realmente recomeçava.

xxx

Assim que Anahí colocou os pés do lado de fora do Tribunal –


acompanhada dos pais, dos amigos e de Lucca Quinn – uma multidão de
repórteres a esperava desesperada por uma declaração. Obviamente eles se
amontoaram ao redor dela e a primeira reação de Jesse, Mane, Mark,
Christian e é claro, de Poncho, foi formar um cordão em volta dela para
permitir que ela entrasse no carro dos pais em segurança e fosse embora
dali. Mas Lucca já havia alertado Anahí daquela possibilidade, deixando
claro que ela poderia declinar daquela possibilidade se quisesse.
Anahí gostou daquilo. De finalmente poder decidir sobre o que queria. Por
isso mesmo ela decidiu conceder aquela declaração à imprensa... porque
poderia fazer. Estava livre. Então, quando os jornalistas vieram, ela parou.
E os homens ao seu redor entenderam o recado e imediatamente a deixaram
fazer o que queria. Era o início de uma nova era, na qual ela era senhora de
sua vida e de seu destino, de suas escolhas. Seria assim até o final, ninguém
mais tiraria aquele poder dela.

— Anahí? Como você se sente com Tobias Menzies enfim condenado?

— Você esperava pela condenação?

— Quais são os seus planos agora que o julgamento acabou?

Quais são os seus planos...?

— Ah não, nós temos que comemorar – Christian resmungou tão logo a


imprensa se dispersou, vendo Anahí entrando no carro e indo correndo atrás
dela – Karen! Deixa a sua filha num bar, eu nunca te pedi nada...!

— Nada de bar, eu quero ir pra casa – Anahí disse de pronto – Eu quero paz
nesse momento Christian.

— Christian shiu – Maite reclamou – É óbvio que ela quer ficar com a
Missy agora.

— Seus amigos têm razão filha, vocês têm que celebrar – Keith concordou
– Vá, amanhã de manhã você vê a Missy, sua mãe e eu cuidamos dela.

— Vocês têm certeza? – ela perguntou mordendo os lábios. Logo se viu que
ela queria estar com a filha, mas parecia muito dividida.

— É claro que sim – Karen confirmou – Você enfim pode aproveitar a sua
tão sonhada liberdade. Não deixe para amanhã, comece hoje.

Anahí sorriu. Os pais estavam certos: ela não tinha mais o que temer.

Era difícil, porque ela passou tempo demais se privando, tendo medo.
Demoraria a se acostumar com a ideia de que era livre, que não tinha mais o
que temer. O mundo não era o lugar mais seguro do mundo, mas ao menos
Tobias estava por trás das grades. A perspectiva tiha melhorado e muito.

— Gosto assim Karen – Christian disse sorrindo imensamente – Fique


tranquila, nós cuidaremos bem da sua butterfly.

— Eu não tenho dúvidas disso – Karen respondeu, mas dessa vez ela não
olhava para Christian. Ela encarava Poncho.

Porque era nele em quem ela realmente confiava sua pequena borboleta.

Christian, Maite, Mane, Lexie, Mark, Marina, Sophia, Jesse e é claro, Anahí
e Poncho seguiram para o Tonic Bar, na Times Square. O lugar estava
cheio, era barulhento e discreto, perfeito para uma noite na qual ninguém
deveria nota-los. Com alguma dificuldade e um tempo na fila eles
arrumaram uma mesa na qual só cabiam cinco deles e evidentemente ficou
claro que a maioria ficaria em pé. Não que eles se importassem.

Quem ocupou um dos lugares à mesa foi Maite dada sua evidente gravidez.
Mane se sentou ao lado dela, Christian em outra das cadeiras e terminou
com Mark e Lexie sentando nas outras. Os demais não se importaram de
ficar em pé, Anahí tinha uma conversa com Marina sentada próxima dali e
Christian anotava mentalmente as bebidas de todos.

— Anahí quer uma margarita, ela sempre quer – Christian disse já


adivinhando – Lexie é a garota da tequila, eu também sou, quem pode
culpa-la...? Mark?

— Uísque com gelo – o cirurgião plástico pediu.

— Uma bebida forte pra um homem mais ainda... ops – Christian mordeu
os lábios provocativo vendo Lexie estreitar os olhos para ele – Poncho?

— Acompanho o Mark no uísque – ele respondeu.

— Luna beberia o Sex on the beach se pudesse beber, mas não é o caso,
então providenciarei algo não alcoólico – Christian disse olhando para
Maite com pena – Cielo...?
— Pra você é Mane – ele fez uma careta – Um mojito.

— Feito! – Christian bateu palminhas – A amiga da Anahí bebe o quê?

— Um Dry Martini – Marina confirmou.

— Certo... e Jesse? Sophia?

— Uma Eisenbahn – Jesse pediu – Soph...?

— Já escolho – Sophia respondeu com um sorriso no canto da boca,


virando-se para o noivo – Eu... precisava falar com você.

Era simples: ela não poderia sentar ali e beber como se tudo estivesse
normal, como se as coisas fossem como antes. E considerando que a única
pessoa além dela que estava ali e não beberia – Maite – estava grávida –
rapidamente todos juntariam as peças do caso dela. E ninguém poderia
juntar peça alguma antes dela falar com Jesse.

É claro que Jesse não pensou no que quer que Sophia quisesse lhe falar. Ele
apenas deixou que a noiva o segurasse pela mão e o levasse para a área
menos habitada e barulhenta do bar. Não era nem de longe a intenção de
Sophia dizer aquilo ali. Nem em seus melhores sonhos ela daria uma notícia
daquelas num bar abafado e barulhento... mas era o que deveria ser feito.
Em seus planos do passado aquilo seria feito no apartamento deles, no
conforto e privacidade de sua cama, com ela entregando-lhe um par de
sapatinho de bebê... e agora tudo aquilo estava há quilômetros de realidade.

Mas exatamente por isso era real.

— Esse julgamento mexeu demais com você né? – Jesse perguntou assim
que os dois se viram sozinhos – Eu posso imagin...

— Me desculpe por dizer isso assim, sem mais nem menos, mas eu não
posso mais segurar – Sophia mordeu os lábios antes de disparar a verdade –
Eu to grávida Jesse.

Assim, sem preparo.


Ao falar aquilo tão desesperada para soltar a verdade Sophia chorou. As
lágrimas saíam confusas, quem sabe pelos hormônios que a tomavam,
misturados à tensão do julgamento, ao caos que tinha sido enfrentar aquela
descoberta sozinha com os momentos iniciais da dúvida da paternidade de
seu bebê. Sophia ainda não tinha parado para respirar desde que descobriu
que o filho que esperava era fruto de seu romance com Jesse e não de um
estupro, ela emendou aquela descoberta no julgamento de Anahí, que a
remetia da violência que ela própria sofrera e que provavelmente ficaria
impune. Era uma carga pesada demais e agora, com a revelação para Jesse,
o peso enfim estava saindo. Só que com o peso saíam as lágrimas. Era
sentimento demais reprimido em pouco tempo.

Jesse não esperava por aquilo, mas ele não era burro, rapidamente juntou as
peças. E como ele não sabia tudo o que sofria vinha enfrentando e sentindo,
imediatamente juntou as peças errado. Ele franziu a testa, vendo-a chorar e
abraça-lo, e pensou no pior. O pior que ela tinha pensado antes.

— O filho é dele, não é...?

Sophia não respondeu. Ela continuou chorando, pronta para dizer a verdade,
mas para isso precisava se controlar, controlar aquelas malditas lágrimas,
respirar fundo e dizer que não. Que a criança era dele, deles dois. Que
felizmente o destino não tinha sido tão cruel com ela quanto fora com
Anahí, e que no estupro ela já estava esperando o bebê deles. O filho que os
dois tinham sonhado um dia, que rapidamente pareceu um pesadelo mas
que agora nem mais sonho era... era real.

Mas Jesse pensava rápido demais, e antes que Sophia pudesse voltar a si
para esclarecer as coisas ele já tinha muito a dizer para ela. Coisas que
precisavam ser ditas antes que ela abrisse a boca ou fizesse qualquer coisa,
já que ele interpretava de uma maneira bem diferente da real aquele choro
todo.

— Não importa – Jesse respondeu acariciando o cabelo dela – Quer


saber...? Não importa mesmo. Eu não quero saber, eu não preciso saber,
você sabe por quê...? Porque qualquer que seja a situação, que diferença vai
fazer? Eu não conseguiria amar o seu filho menos. Então é isso... ele é
nosso Soph. Ele é seu e meu, é nosso filho.
Atônita, Sophia se deu conta da forma como ele pensava. Ela não esperava
por aquilo. Não esperava por Jesse interpretar tudo daquela forma, muito
menos com aquela resposta. O Jesse de antes jamais diria aquilo, jamais
preferiria não ouvir a verdade, muito menos aceitar criar uma criança que
viria de outro homem. E não de qualquer homem...

— Jesse...

— Não diga nada ok? – Jesse a abraçou mais forte – Por favor, não diga
nada. Eu não quero que você se sinta mal, se sinta culpada. É seu filho
Soph, como eu poderia não amar o seu filho...? Você é mãe da Sam e eu
serei pai dele, nós seremos uma família, e o sangue... ele não importa.
Nunca importou pra nós dois.

— Jesse...

— Não importa ok? – ele enfim segurou o rosto dela. Mas para Sophia tinha
sido o suficiente. Jesse não precisava de tanto, ele já tinha provado o que
ela precisava saber, mesmo quando Sophia sequer estava testando-o. Era o
bastante, sem sombra de dúvidas.

— Ele é seu – ela mordeu os lábios, novas lágrimas vindo – Eu sempre


soube que você seria pai dele, mas nesse caso, é em todos os sentidos. Ele é
nosso Jesse. Cem por cento nosso.

Agora Jesse a havia surpreendido mais ainda.

— Você quer dizer que...

— Que eu já estava grávida quando aconteceu – Sophia afirmou com a


cabeça, vendo o sorriso nascer nos lábios dele – Por isso eu não posso beber
hoje... porque tem mais alguém aqui comigo.

Depois daquela maré de emoções Jesse não conseguia falar mais nada. Ele
não era o homem que choraria, mas abraçado a Sophia um alívio infinito
nadava livre por seu corpo. Ele amaria aquela criança de toda forma, como
tinha dito era filho dela e era impossível não amar. Ele seria para o filho
dela o que Sophia sempre foi para a filha dele, sem qualquer distinção. Mas
felizmente não seria preciso. Felizmente eles não precisariam olhar para
aquela criança e ver qualquer traço de uma lembrança ruim, de uma
violência. Eles olhariam para aquela criança e só veriam eles. Só veriam
amor.

E de repende uma risada de Jesse quebrou os pensamentos de Sophia. Até


porque, ela não conseguia imaginar o que ele poderia estar pensando para
rir daquela forma.

— O que foi?

— To pensando que a sua filha quis tanto um irmão que conseguiu – Jesse
balançou a cabeça negando – Ela vai ficar radiante quando contarmos pra
ela.

— Vai mesmo – Sophia sorriu imaginando a reação de Samantha ao


irmãozinho tão pedido – Não vamos contar pra ninguém antes de falar pra
ela ok?

— Seu pedido é uma ordem meu amor – Jesse deu um selinho nela – Mas
você vai ter que dar um jeito de driblar o Christian pra que ele não perceba
e não anuncie que você está bebendo um drink não alcoólico.

Não foi tão difícil quanto pareceu. Christian estava distraído demais
servindo as bebidas já pedidas e Sophia foi direto para o balcão, pedindo
um drink diferente do de Maite, mas igualmente sem álcool. Quando voltou
para a mesa estavam todos distraídos, conversando sobre a vida,
nitidamente comemorando. A principal envolvida, é claro, fazia planos.

— Qual o primeiro passo pra amanhã? – Marina perguntava para ela. Maite,
Lexie e agora Sophia tinham os olhos fixos nela.

— Eu não sei, são tantos – ela sorriu negando com a cabeça – Primeiro eu
tenho que buscar a Missy na casa da minha mãe. Ela precisa começar a
estudar, quem sabe começar a fazer uma terapia pra ter uma infância
minimamente normal. E depois... eu vou procurar um emprego. Pra dar um
rumo na minha vida, sabe?
— Por que você não procura um apartamento só pra vocês duas? –
Christian, que elas nem sabiam que prestava atenção na conversa, propôs –
Eu amo ter vocês duas comigo Any, você sabe disso, mas... convenhamos,
vocês são uma família e precisam de espaço.

— É algo a se pensar – Anahí considerou.

— E os planos do coração? – Lexie perguntou sorrindo no canto da boca –


Não pense que eu não vi um certo ex-namorado saindo do seu quarto e de
mãos dadas com você no Tribunal...

— Ah – Anahí sorriu – Nós temos que dar tempo ao tempo. Tem muita
coisa acontecendo, acho que as coisas vão encontrar o seu lugar.

Nenhum deles que ouvia ousou discordar. Até porque, em silêncio, eles
sabiam exatamente qual era o lugar de Anahí. Qual lugar ela acabaria
encontrando... por que não dizer, reencontrando...?

Do outro lado de bar, ao lado de Jesse e Mane, Poncho bebericava seu


uísque com os olhos fixos nela, em Anahí. Ele estava suficientemente
acostumado a beber a ponto de conseguir faze-lo sem ficar embriagado. Por
isso ele olhava do copo para ela, dos amigos para ela, rindo das coisas que
ouvia sem tirar sua atenção do que realmente lhe importava. Via conforme a
noite passava Anahí ficar embriagada como sempre acontecia, ela era fraca
para bebidas no passado e isso não tinha mudado. Rapidamente uma
pergunta foi feita próxima ao ouvido dele que deixou claro que os amigos
estavam notando aquele interesse todo.

— O que você está esperando para leva-la para casa...? – Jesse perguntou.

Poncho balançou a cabeça rindo.

— Ela está feliz – ele respondeu – Animada, entre os amigos, se sentindo


livre pela primeira vez em anos, realmente livre. Eu não quero tirar isso
dela.

Christian, ao ouvir aquilo, sorriu largamente. Parecia que as coisas


realmente encontrariam seu lugar, sobretudo porque os envolvidos estavam
aprendendo a respeitar a ordem fundamental de tudo acontecer.

E com isso, ele teve uma ideia.

— Você tem que cantar no karaokê – Christian propôs segurando Anahí


pelas mãos e a levando para a máquina de jukebox.

— Não, eu não posso, eu to bêbada – Anahí disse tropeçando.

— Por isso mesmo – ele a arrastou de vez, colocando uma nota na máquina
e pegando o microfone, entregando na mão dela – Escolha uma música.

— Minha voz é horrível, eu não sei cantar...

— Pare de bobagem, a noite é sua e ninguém se importa com isso – ele


colocou o microfone bem nas mãos dela – Cante.

Se Anahí estivesse sóbria ela jamais iria à frente com aquilo. Mas a Anahí
bêbada lembrava que um de seus desejos de sua antiga lista era cantar num
karaokê. E agora, pelo álcool no sangue, ela tinha coragem de sangue. Por
isso escolheu uma música e esperou que ela começasse. Fechou os olhos,
esperando a melodia entoar e rezou para não se arrepender de se deixar
levar daquela forma.

Era a música de Titanic. My heart will go on, de Celine Dion.

— Every night in my dreams, I see you, I feel you... That is how I know you
go on... Far across the distance and spaces between us... You have come to
show you go on...

Quando a melodia começou a tocar, metade do bar começou a prestar


atenção em Anahí cantando. A bebida a deixava um pouco desinibida.
Maite, é claro, fazia um vídeo para caso sua melhor amiga não se lembrasse
daquilo no dia seguinte. Mas quem a olhava fixamente era Poncho.
Simples: não se tratava apenas de um desejo de Anahí se realizando. Para
ele, era muito mais.

Titanic era o filme favorito de Anahí e ela tinha ido ver com ele no cinema.
Era para ser os dois, Maite e Christian, mas os dois acabaram não indo.
Anahí, na primeira exibição, em seus quinze anos, terminou o filme
chorando no ombro de Poncho e molhando sua camiseta. Ela ainda veria o
filme outras três vezes no cinema e compraria o VHS para repetir outras
inúmeras vezes. Ela gostava daquele filme que fora o primeiro a comprar
quando saiu em DVD, que inclusive a acompanhou na faculdade anos
depois.

— Near, far, wherever you are... I believe that the heart does go on... Once
more you open the door and you're here in my heart and my heart will go
on and on...

Mas nenhuma vez era como a primeira vez. A Anahí em seus adoráveis
quinze anos, como ele disse uma vez, chorando no ombro dele e segurando
sua mão inconsolável quando Jack deixou Rose subir naquele pedaço de
madeira, renunciando à vida por ela, fez com que ele percebesse que
facilmente seria Jack para ela. naquela tarde Poncho se deu conta que era
apaixonado por ela. Anahí cantar aquela música apenas trazia tudo à tona.

— Love can touch us one time and last for a lifetime and never let go till
we're gone... Love was when I loved you... One true time I hold to In my life
we'll always go on.

Não importava se ela lembrava ou não disso. Importava que ele olhava para
ela cantando lembrando de Anahí aos quinze chorando por Titanic, aos
dezesseis depois do primeiro beijo deles, aos dezessete sendo dele pela
primeira vez, aos dezoito prometendo que não o esqueceria enquanto os
dois estariam em polos diferentes do país. E agora, aos trinta, tantos anos
depois, ao corresponder ao seu olhar intenso, deixando claro que nada tinha
mudado. Ela não o havia esquecido. Nem por um segundo.

— Near, far, wherever you are, I believe that the heart does go on... Once
more you open the door and you're here in my heart and my heart will go
on and on... You're here, there's nothing I fear and I know that my heart will
go on... We'll stay forever this way, you are safe in my heart and my heart
will go on and on...

Quando Anahí terminou de cantar mais pessoas a aplaudiam do que ela


imaginava. A plateia era bem maior do que o esperado. Mas ela só queria
saber de uma pessoa. Uma única pessoa. E após a música acabar e o
microfone ser colocado de volta na jukebox, ela caminhou para onde
importava, com passos decididos. Já não havia qualquer problema se todo o
mundo a via fazendo aquilo.

As bebidas ajudam para certas coisas. Naquele momento, ajudava Anahí a


cantar, a realizar um sonho e se sentir livre... livre para ir para os braços de
quem amava.

Poncho só acreditou que ela estava ali quando Anahí já o envolvia em seus
braços e o beijava. Já era para ele ter se acostumado que a Anahí que voltou
daquele cativeiro tomava a iniciativa, mas ainda não tinha acontecido.
Quem sabe agora, com ela voltando a ser dele aos poucos, as coisas fossem
acontecer. Passado o choque inicial, ele a envolveu na cintura, tomando
seus lábios com fúria. Anahí bêbada era intensa, ainda mais que o normal.
E ele estava com sede dela, estava com saudade, tudo junto.

—Ta na hora de nós terminarmos o que começamos mais cedo – ela


sussurrou no ouvido dele, saindo de seus braços para puxa-lo pela mão.

Para fora do bar.

Para o seu verdadeiro lugar.

Enfim, CONDENADO

E logo no dia que a fic chega a 10K votos!!!! Presentão de vcs pra mim e de
mim pra vcs! Hahahahahahahahaha

Gosto da ansiedade de vcs que mais pareciam que não sabiam que isso iria
acontecer. Moressss isso aqui não é 13 reasons why não! Aqui estuprador
vai pra CADEIA!!!

E hoje não é dia de vcs reclamarem da parte que eu parei hein!


Hahahahahaha. Teve Tobias condenado, teve Sophia contando do bebê pro
Jesse e teve essa cena final de AyA que eu amo NUM GRAU!!! Hoje vcs
têm que me amar 😌

De qualquer forma, quero que me contem tudoooo, tim tim por tim tim do
que acharam desse cap e do julgamento.

Em tempo.: "Rafa ele merecia ter sido condenado à pena de morte".


Primeiro, em Nova York a pena de morte é considerada inconstitucional.
Segundo, morrer é muito fácil né? Deixa ele apodrecer na cadeia pensando
nela feliz do lado de fora e finalmente, L I V R E

Titia ama vcs!

Beijos e votem no cap!

Rafa
Capítulo 75 - Ain't no sunshine when she's gone

Ouça Ain't no sunshine –

Billy Withers

Eles não demoraram nada para chegarem no apartamento de Anahí. Nem


parecia que horas antes tinham saído dali afogados, depois de ficarem por
um bom tempo deitados juntos na cama dela, como uma espécie de trégua.

Não que eles estivessem brigados. A trégua em questão era para aquela
separação que, agora eles viam, não havia qualquer motivo de existir. Se
aquele julgamento tinha servido para alguma coisa, fora para mostrar que
eles tinham um lugar que era um ao lado do outro.

E agora, eles sabiam.

Ain't no sunshine when she's gone

O sol não brilha quando ela vai embora

It's not warm when she's away

Não faz calor quando ela está longe

Ain't no sunshine when she's gone

O sol não brilha quando ela vai embora

And she's always gone too long

E ela sempre demora tanto para voltar

Anytime she goes away

Cada vez que ela se vai


— Eu senti tanto a sua falta – Poncho falava enquanto a abraçava, enquanto
os dois caminhavam andando para trás na direção do quarto dela – Não tem
um dia, uma noite que eu não tenha querido estar com você...

— Eu sei – ela concordou sorrindo, tocando a barba dele, embriagada por


aquelas sensações todas – Comigo não foi muito diferente...

— Não vamos nos separar mais – Poncho pediu ao puxar o quadril dela
para o seu. Anahí imediatamente sentiu a ereção dele e seus olhos se
fecharam com a sensação – Por favor Any, não me deixa mais...

— Não pensa nisso agora – Anahí tocou dois dedos nos lábios dele. Ela
sentia tesão demais para se permitir raciocinar – Eu quero ser sua Poncho.
Me faz sua.

— Você sempre foi minha – ele respondeu certo e erguendo-a pela cintura,
sentindo as pernas dela envolverem seu abdômen.

Era engraçado que um homem tinha sido condenado naquele dia porque
nunca tinha conseguido ser Poncho, mesmo tentando. Tobias sempre sentiu
uma enorme raiva e despeito pelo rival, sempre furioso por não conseguir
representar na vida de Anahí o que sabia que Poncho conseguia representar.
Isso lhe despertava uma fúria primitiva que o fazia viola-la de todas as
maneiras possíveis. A resposta de Poncho àquela violência toda não poderia
ser mais diferente. Anahí para ele era sublime, quase preciosa. Em seus
braços ela não teria qualquer outra coisa que não fosse o maior prazer
possível.

Wonder this time where she's gone

Me pergunto para onde ela foi desta vez

Wonder if she's gone to stay

Me pergunto se ela se foi para sempre

Ain't no sunshine when she's gone

O sol não brilha quando ela vai embora


And this house just ain't no home

E essa casa não é um lar

Anytime she goes away

Cada vez que ela se vai

E ela tinha. Por baixo daquele vestido preto sério, daquele cabelo
comportado de quem passara os últimos dias no Tribunal, estava uma
mulher que precisava desesperadamente ser lembrada como era ser amada.
Anahí viveu naqueles dias na lembrança de oito anos que ela lembrou
mesmo querendo apagar. Agora a missão estava completa e ela tinha
conseguido colocar Tobias na cadeia, poderia enfim começar a viver sua
vida. Mas curiosamente ela queria construir seu futuro com alguém que
representou seu passado... embora fosse um passado bem diferente do que
ela se acostumou a viver.

Poncho já conhecia aquela cama, aqueles lençóis. Mas aquela Anahí era
diferente da que ele teve nos braços há mais de oito anos. Ela estava
marcada, era vulnerável e provavelmente mais intensa, mas ele amava tê-la
de toda forma. Sentia que precisava dar todo o amor do mundo, todo o
prazer possível. Por isso ele a deitou na própria cama e tirou sua calcinha
antes mesmo de tirar-lhe o vestido. Anahí estava deitada quando soube que
aquela peça de renda saía de seu corpo para que Poncho a levasse para um
lugar conhecido e bem parecido com as nuvens.

— Eu preciso dizer que você pronto pra me chupar de terno e gravata é a


coisa mais sexy do mundo – ela admitiu se deleitando. Poncho abriu o
maior dos sorrisos em resposta.

— Fico feliz que você goste.

A língua dele na boceta dela sempre fora algo que Anahí apreciava e muito.
Segundos depois dele começar a chupa-la, Anahí já apertava o lençol e
soltava seus gemidos primitivos. Ele parecia ter seu manual, saber
exatamente cada ponto erógeno de seu corpo e como explora-los.
Provavelmente é porque ele a conhecia e valorizava seu prazer. Para
Poncho era um deleite ouvi-la gemendo daquele jeito, saber que era ele
quem a tinha levado àquele delírio. Por isso ele chupava mais, para que ela
se lembrasse de como era ser amada, valorizada e desejada daquele jeito.
Para que tivesse a certeza que, se continuasse nos braços dele, seria assim
para sempre.

And I know, I know, I know, I know, I know

E eu sei, eu sei, eu sei, eu sei

I know, I know, I know, I know, I know, I know

Eu sei, eu sei, eu sei, eu sei, eu sei, eu sei

I know, I know, I know, I know, I know, I know

Eu sei, eu sei, eu sei, eu sei, eu sei, eu sei

Quando Anahí explodiu num orgasmo ela se perguntou como tinha


conseguido ficar sã tanto tempo por aquele prazer. Entendeu, naquele
momento, que naquele cativeiro ela tinha apenas sobrevivido e que ali, nos
braços de Poncho, voltara a viver. Ele juntava o mix de fazê-la se sentir
amada e se sentir mulher ao mesmo tempo, mesmo depois de tantos meses
dela acreditando que jamais conseguiria se entregar a alguém de novo...
talvez até conseguisse ter prazer em outros braços, mas cada vez mais ela se
dava conta que só queria se desmanchar assim nos braços dele.

Poncho a esperou se recuperar daquele orgasmo intenso e engatinhou por


seu corpo, beijando-a ainda com seu gosto na boca. Aquilo de alguma
maneira ouriçou ainda mais Anahí, que o sentou na cama e subiu por cima
dele, tirando seu paletó, a gravata e desabotoando a camisa vagarosamente
conforme arranhava seu peitoral. Os corpos deles já naturalmente se
encaixavam, Poncho tirava o vestido dela logo antes de Anahí puxar sua
calca para baixo junto com a cueca. Quando ele pensou em fazer menção a
qualquer coisa ela já buscava se acomodar junto ao corpo dele, vendo os
olhos de Poncho ficarem nublados e atordoados com aquele gesto.

— Eu não estou fértil – Anahí respondeu – Relaxa.


— Mais relaxado impossível – ele respondeu segurando o pênis e
encaixando na entrada dela – Vem pra mim meu amor... se encaixa em mim
menina linda.

De menina ela não tinha em nada. Anahí era uma mulher que tinha
reencontrado um lado de si há muito tempo perdido e sabia exatamente o
que queria, o que buscava. Aquele lado felino sedento de prazer dela
deixava Poncho simplesmente em chamas. Ele amava como ela se
movimentava assim que ele estava no fundo dela, buscando o próprio
orgasmo novamente. Se deleitava em colocar as mãos no quadril dela e vê-
la se movimentando naturalmente em cima dele. E para completar havia o
calor que ela emanava no meio das pernas. Quente como o inferno,
completamente lisa por dentro e o deixando maluco como sempre.

Hey, I ought to leave the young thing alone

É, eu devia deixar a garota em paz

But ain't no sunshine when she's gone

Mas o sol não brilha quando ela vai embora

Ain't no sunshine when she's gone

O sol não brilha quando ela vai embora

Como sempre o prazer dela viria primeiro. O orgasmo dela era sempre a
prioridade dele. Era assim antes e nada tinha mudado, ao menos quase
nada. Mas Anahí não se sentia tão incomodada assim, ela sabia que era algo
dele, deles na verdade. E sorria, segurando Poncho pelos ombros, se
comprimindo contra ele conforme se aproximava do ápice. Ele gostava
daquilo – obviamente, reconhecia.

— Eu sei que você ta chegando lá porque me aperta toda, me aperta ainda


mais...

— Eu... eu to... – Anahí já balbuciava.


— Goza no meu pau meu amor – ele murmurou no ouvido dela – Goza no
meu pau com essa sua boceta gostosa e apertada...

Com aquelas palavras ficava difícil de reagir. Com os seios dela


comprimindo seu peito, com o quão molhados eles estavam no corpo inteiro
e a ideia de que todo sexo deles parecia primeiro e último, Anahí gozou
com força. Poncho, por sua vez, sequer aguentou esperar que ela se
recuperasse, segurando-a pela bunda com tato e sentindo o prazer sair dele
em jatos, a visão totalmente turva. Nada conseguiria ser diferente.

— Isso foi... – ela disse segundos depois, sem conseguir completar a frase.

Only darkness everyday

Só há escuridão todos os dias

Ain't no sunshine when she's gone

O sol não brilha quando ela vai embora

And this house just ain't no home

E essa casa não é um lar

A respiração foi voltando ao normal com ela envolvendo o pescoço dele


com os braços, a cabeça recostada em seu ombro. Seu corpo ainda estava
trêmulo e sua pele arrepiada, e uma energia intensa emanava do meio de
suas pernas. Poncho a abraçava pela cintura e parecia tranquilo, sereno. O
tipo de sensação de quem sabia que estava no lugar que deveria estar, e não
queria ir para qualquer outro.

— Você não tinha o corpo assim da nossa última vez, lá atrás – ela
comentou e Poncho entendeu que ela se referia ao passado dele – Nem tinha
pelos no peito. Ta tão mais... homem agora.

— Mas no fundo continuo sendo o mesmo garoto de sempre, mais bobo do


que deveria e apaixonado por você – ele admitiu, arrancando um sorriso da
boca dela.
— Dorme aqui comigo? – Anahí convidou – Por favor...

— Não implore amor – Poncho riu – Não é nenhum sacrifício.

A decisão ficaria para o dia seguinte. O que seria dali para frente, como as
coisas terminariam. Por ora eles apenas se aconchegariam nos braços um do
outro e tudo ficaria bem, sendo somente ela e ele por algumas horas.

Horas infinitas, eles esperavam.

Anytime she goes away

Cada vez que ela se vai

Anytime she goes away

Cada vez que ela se vai

Anytime she goes away

Cada vez que ela se vai

xxx

— Segurem o elevador!

Alguma mão atendeu o pedido de Lexie quando ela gritou. Ao entrar no


elevador em questão, ela agradeceu à pessoa gentil que a ajudou: um
médico residente e simpático. Logo atrás de Lexie vinha Mark com uma
Sofia que estava adormecida nos braços, pronto para deixar a filha na
creche antes de seguir para trabalhar. Para todas as pessoas que viram os
dois – na verdade os três – entrando juntos no elevador ficou clara uma
coisa: eles estavam juntos e vinham do mesmo lugar... não que aquilo fosse
um segredo para as pessoas que trabalhavam no hospital.

— Eu posso deixa-la na creche se você quiser – Lexie insistiu em algo que


já vinha dizendo desde que os dois saíram do carro – Você tem uma cirurgia
em meia hora...
— E você tem o seu plantão, os seus residentes – Mark lembrou – Ela é
minha filha, eu não quero atrapalhar.

— E quem disse que você atrapalha? – ela perguntou encarando o namorado


e acariciando o cabelo da enteada que seguia com o rosto afundado no
pescoço do pai – Eu sei cuidar de uma criança, sabe? Aprendi com a Zola.
Pode confiar em mim a sua filha.

— Quem disse que eu não confio em você...? – Mark mordeu os lábios


rindo – É claro que confio, é só que...

— Eu quero participar da vida dela – Lexie insistiu – Quero que a Sofia se


acostume comigo por perto, que me veja como alguém... natural. Só não
digo uma mãe porque ela já tem duas.

— Você pode participar da vida dela vindo morar comigo – Mark propôs.

Lexie não esperava por aquele convite. Rapidamente ela ergueu as


sobrancelhas, completamente surpresa. Eram sete horas da manhã, eles
tinham acabado de chegar no hospital, ela tinha ronda com os residentes e
ele uma cirurgia importante, estavam em um elevador lotado. Não era hora
para aquilo, definitivamente não... mas Mark não se preocupava com isso.

— É... eu... – Lexie balbuciava procurando o que responder.

— Nós apenas oficializaríamos algo que já está acontecendo, já que você


dorme cinco noites na minha cama e duas no quarto dos plantonistas ou no
porão da Meredith – ele riu – Metade das suas coisas está misturada com as
minhas no meu armário, sua escova de dente está lá no meu banheiro, e eu
quero que todas as suas outras coisas estejam lá também.

— Você me pegou de surpresa – as bochechas de Lexie estavam quentes,


ela podia sentir – Eu não sei o que dizer...

— Não precisa dizer nada agora – Mark sorriu sedutor – Pense com calma e
me diga quando souber.

— E se eu disser que não?


— Eu vou ter paciência de esperar pelo sim na hora certa – ele respondeu
olhando que tinha chegado ao andar da creche, dando um selinho nela para
se despedir – Vou deixa-la e sigo pra cirurgia. Bom trabalho, baby.

— Bom trabalho... – Lexie disse abrindo um sorriso enorme.

...baby.

Aquela proposta era totalmente inesperada. Lexie encostou o corpo na


parede do elevador assim que se deu conta que a maioria das pessoas que o
lotava já não estavam mais ali, sentindo a dimensão do que estava
acontecendo. Caso aceitasse, não seria a primeira vez que Mark e ela
morariam juntos, embora tudo fosse tão diferente da vez anterior que ela
nem saberia por onde deveria começar a enumerar. A grande diferença é
que agora Mark e ela estavam mais maduros, mais certos do que queriam.
Lexie acreditava com fervor que, dessa vez, eles não cairiam nas mesmas
armadilhas de antes. Dessa vez eles tinham tudo para dar certo.

Ao menos era o que ela acreditava.

Quando Lexie levantou a cabeça, finalmente saindo da bolha na qual estava


inserida, ela viu que não estava sozinha. Jackson estava ali.

Lexie e Jackson vinham se evitando desde que ela o deixou no altar,


negando-se a casar com ele e procurando Mark em seguida. Tinha se
passado quase um mês desde então. Jackson demorou duas semanas para
retornar ao hospital dada a humilhação enfrentada. Naquele meio tempo sua
mãe Catherine acreditava que seria capaz de conseguir demitir Lexie, mas a
resistência encontrada nos Shepherd e em Meredith Grey fez Miranda
Bailey, chefe de cirurgia, negar aquela tentativa. Então Jackson teve que
acabar voltando do trabalho certo de que, uma hora ou outra, ele e a ex-
noiva voltariam a se esbarrar. E principalmente, que ele teria que lidar com
ela com Mark e não casada com ele, como Jackson achou que seria.

E surpreendentemente, por duas semanas eles conseguiram. Ambos o


faziam pelo mesmo motivo: queriam evitar que o constrangimento fosse
maior. Lexie fez tudo de sangue quente, ao descobrir por Jo que tinha sido
manipulada pelo homem com quem iria se casar, mas no fundo não queria
deixar que Jackson fosse ainda mais humilhado naquilo tudo. Já ele tentava
evitar os olhares de pena, totalmente condescendentes, que notou que as
pessoas lhe lançavam. Queria criar uma imagem desvinculada de Lexie,
para que todos esquecessem que, mesmo sendo um Avery, Jackson não
evitara ser deixado no altar por outro homem.

O problema é que para ele ouvir Mark convidando Lexie para dar um
próximo passo no relacionamento era um pouco demais para ficar calado.

Lexie, obviamente, tentou fugir dali, encarando as portas do elevador e


rezando para que elas se abrissem de uma vez e ela escapulisse dali o mais
rápido possível. Obviamente não foi o que aconteceu.

— Tentando fugir de mim...? – ela ouviu a voz dele questionar – Você não
acha que já fugiu demais?

É, quem sabe era melhor encarar.

— Eu apenas quero evitar que a situação fique mais... constrangedora.

— Acho que você não pensou nisso quando me deixou naquele altar pra
procurar o seu ex, quando me disse não com todas as letras – Jackson a
encarava duro, mas Lexie não se esquivava, pelo contrário – Falando
nisso... que bonito o casal, não é? Uma pena que sabemos exatamente como
essa linda história vai acabar.

— Sabemos? – ela cruzou os braços – E como vai ser? Acho que


esqueceram de me contar...

— Não se faça de desentendida – Jackson riu – Você sabe tão bem quanto
eu que isso não vai durar nada Lexie. Ou você se esqueceu que você e o
Sloan seguem não querendo as mesmas coisas? Quanto tempo vai demorar
até que ele volte a querer um casamento e um filho que você não quer dar?

A pergunta fez Lexie engolir em seco. Ela havia se esquecido que, em seu
segundo término com Mark, foi com Jackson que ela desabafou. Foi assim
que eles começaram a se relacionar, para começo de conversa. É claro que,
em sua cabeça, era outro momento, outro contexto. Mas de toda forma, ele
sabia algo que era capaz de atingi-la. E como quem estava mordido por ter
sido rejeitado, ainda mais pela forma como havia sido... Jackson usaria o
que tinha em mãos.

— Você acabou de fugir de um casamento Lexie – Jackson alfinetou – O


Sloan deveria aprender com isso... perceber por fim que você é incapaz de
se comprometer. Uma pena, porque ele sonha tanto com um casamento,
com filhos...

— Eu fugi de você Jackson, não de casamento – Lexie lembrou – Encare os


fatos.

— O fato é que você terminou com ele duas vezes porque não quer ser a
mãe dos filhos dele – Jackson devolveu venenoso – Resta apenas que
aguardemos a terceira.

Justamente quando Jackson falou aquilo, a porta do elevador se abriu e ele


saiu. Não precisava falar mais nada: já havia plantado a semente venenosa
dentro de Lexie. Agora a residente-chefe sequer se lembrava do frisson que
Mark lhe causou ao fazer o convite inesperado. Agora ela só tinha dentro de
si o medo de Jackson estar certo. De o problema ser ela. Ou pior: do
problema, mais uma vez, não ter solução.

xxx

Desde que tinha terminado com Poncho, Anahí não estava mais acostumada
a ter um corpo masculino dividindo a cama com ela. Neste caso não era
apenas o corpo, já que os braços de Poncho a seguravam como se ele
acreditasse que ela fosse fugir assim que abrisse os olhos. Anahí não queria
fugir, queria apenas fazer algo do qual tinha lembrado assim que acordou.
Por isso, com alguma dificuldade, ela conseguiu sair de onde as mãos de
Poncho ainda a agarravam para alcançar sua mesa de cabeceira, abrindo a
gaveta e tirando um caderno de dentro dela.

Tão logo abriu o caderno, Anahí viu sua amassada e velha lista de desejos.
Ela sorriu ao ver que o item de cantar em um karaokê estava riscado, mas
acabou dando um ok com uma caneta que agora tinha em mãos. Se quando
ela encontrou aquele papel meses antes, quando se mudava da casa de sua
mãe, aquilo despertou uma imensa nostalgia e tristeza, agora ela se sentia
feliz por ter sido uma garota boba de quinze anos que imaginava que sua
vida seria mais fácil do que tinha se mostrado realmente ser.

De repente Anahí pensou em Missy. Olhando para o relógio ela se deu


conta que já passava das oito e que sua filha certamente já estava acordada
e a esperava ansiosa, quem sabe agoniada, por ter quase vinte e quatro horas
desde que Anahí a deixou com seus avós. Missy já tinha tido uma infância
difícil, criada por pessoas que não eram seus pais e que não lhe amavam e
não cuidavam dela devidamente... e ainda houve aquele sacolejo de
descobrir a verdade, ser inserida em um novo lar. Fora tudo o que poderia
vir pela frente, o quanto a história de sua origem poderia marca-la. Anahí se
via no meio daquilo tudo sentindo a responsabilidade pela situação. O
pesadelo tinha passado, Tobias estava novamente preso, dessa vez
condenado, era definitivo. Era hora dela dar alguma estabilidade para sua
filha.

Por isso uma nova folha naquele caderno foi inaugurada. Não era uma lista
de desejos, era uma lista de metas. Ela não tinha mais quinze, não era uma
menina. Agora Anahí tinha meios de conseguir o que precisava e era isso
que ela iria fazer.

Procurar uma escola pra Missy.

Levar a Missy num terapeuta.

Procurar um apartamento novo.

Procurar um emprego.

Era um bom começo. Somente aquilo já daria um trabalho enorme. Um


passo de cada vez.

Ao lado dela, de repente o Poncho que até então estava adormecido acordou
aos poucos e percebeu que não estava mais abraçado a Anahí como antes, o
que lhe causou um enorme susto. Por isso Anahí o viu se remexendo,
abrindo os olhos de repente e dando um pulo, para logo em seguida se
acalmar ao se dar conta que ela não tinha fugido. Anahí estava ali o tempo
todo, apenas não estava mais deitada nos braços dele como antes.

— Desculpe – ele murmurou esfregando o olho – É que... eu...

— Achou que eu não estava mais aqui – Anahí observou. Ele riu
concordando – Estamos na minha cama bonitão, não na sua. Eu não teria
por que fugir.

— Se estivéssemos na minha, você fugiria então?

Era uma pergunta definitivamente válida. Mas a resposta foi no mínimo


surpreendente.

— Não.

Poncho sorriu, ele não conseguiu não sorrir. Tinha amanhecido, eles não
estavam mais sob o efeito da bebida, muito menos pela emoção de ver o
algoz dela finalmente ser condenado e deixar de ser um obstáculo. Agora
eram somente eles... e mais uma vez, os problemas que eles criavam e
colocavam entre si.

— Eu... tenho que buscar a Missy na minha mãe – Anahí comentou


deixando o caderno de lado – Ela deve estar agoniada achando que eu fugi e
a deixei pra trás.

— Todas as pessoas têm essa impressão...? – ele ergueu as sobrancelhas


rindo – É algo que você precisa avaliar.

— Minha filha é traumatizada e você... é só inseguro mesmo – ela suspirou


– Eu vou leva-la a um terapeuta infantil, pra garantir que... que vai ficar
tudo bem sabe? Vou procurar uma escola pra ela, um apartamento pra nós
duas. Enfim a nossa vida vai começar.

Aquela frase de Anahí deixava uma pergunta na ponta da língua de Poncho.


Era óbvio que ele não poderia deixar de fazê-la.

— E quando a nossa vida vai começar?


Imediatamente Anahí engoliu em seco, ela definitivamente não esperava.
Primeiro seu olhar baixou, já que não tinha bem uma resposta para aquela
pergunta. Depois voltou a encara-lo, vendo que Poncho estava bem mais
próximo do que antes e acariciava sua bochecha. As palavras dele do dia
anterior, de antes do veredito, tinham mexido com ela. Anahí não sabia ao
certo como deveria lidar com ele naquele momento, não sabia mais o que
valia ou não, tinham sido dois momentos diferentes, com e sem bebida.
Qual prevaleceria?

No silêncio dela Poncho percebeu que, mais uma vez, teria que tomar a
iniciativa da situação. Logo ele lembrou que isso era óbvio, Anahí achava
que estava invadindo um espaço que não era seu, que não lhe cabia. Era o
filho dele, era ele quem deveria resolver tudo. Era ele quem deveria destruir
aquele obstáculo e mostrar a Anahí que não havia nada grande o suficiente
para separa-los... não quando ele estava separado, ela estava livre, o
sequestrador dela estava preso e seu trauma, superado.

— Me dê alguns dias – Poncho pediu – Pra eu me acertar com o Dani. Eu


vou conversar com ele e vou resolver tudo.

— E se ele não aceitar? – Anahí questionou.

Poncho não cogitava aquela possibilidade. Em sua cabeça frases já ditas


anteriormente respondiam aquela questão. Não existia a possibilidade de
Daniel não aceitar. Diana havia dito isso, seus pais e sua irmã também, o
mundo dissera: não havia escolha, Daniel aceitaria cedo ou tarde e Poncho
não deveria abrir mão de sua felicidade em nome dos sentimentos frágeis de
uma criança. Cedo ou tarde as coisas encontrariam seu lugar, ele tinha
certeza disso, embora achasse que as coisas fossem ser mais fáceis de uma
vez, já que o filho não tinha mais toda aquela esperança de que seus pais
voltassem a ficar juntos. Não quando já tinha meses desde que eles se
separaram e Poncho não voltara magicamente para a casa e para a ex após
Anahí terminar com ele.

— Ele vai – Poncho garantiu – Você confia em mim?

Aquilo era inquestionável.


— É claro que sim – Anahí confirmou, vendo Poncho sorrir e beijar-lhe a
boca.

— Vai ficar tudo bem, eu te garanto – ele falou.

Mas havia outra coisa que Poncho queria falar com ela antes de ir embora.
Ele viu Anahí se levantar com um ar feliz e leve, se vestindo provavelmente
para ir para a casa da mãe buscar Missy. O que o lembrava do que queria
trata com ela. Algo que Poncho vinha pensando há muito tempo e que ele
não queria mais adiar.

— Any? – ele a chamou, vendo-a se virar para encara-lo – Eu quero adotar


a Missy.

Anahí empacou naquele momento. Ela não esperava por aquilo,


definitivamente não.

— O quê...? – ela perguntou de cara totalmente atordoada – Poncho... nós


não estamos juntos...

— Isso importa? – Poncho perguntou polido e sincero. Anahí rapidamente


se sentou, ela se sentia quase tonta com aquela ideia – Estar ou não com
você não faz com que eu a ame menos. Não faz com que ela não seja minha
filha.

— Mas ela não é – Anahí lembrou. Ela resistia àquela ideia por medo de
dar tudo errado e de Missy acabar se machucando naquele processo. A filha
já tinha sofrido demais.

— Eu sinto por ela um amor inexplicável – ela o viu negando com a cabeça
ficando sem palavras. E rapidamente começou a reconhecer os sentimentos
– Desde aquele primeiro sorriso, naquele dia que a conheci, que disse que
você deveria ir com calma, mas logo me dei conta que jamais poderia te
pedir isso porque ela é simplesmente encantadora. Eu quero ser o pai dela,
oficialmente falando, porque... em todos os outros sentidos eu já me sinto.

— Eu preciso que você pense isso com calma, não é algo que você possa se
arrepender... – Anahí murmurou, ela estava tonta com aquele assunto,
Poncho conseguira mexer com o que havia de mais profundo dentro dela.

— Se você quiser eu te dou um tempo pra que você pense no assunto,


porque eu já estou completamente certo do que quero – Poncho se levantou
totalmente seguro – Você me conhece desde sempre, sabe que eu não sou
leviano. Eu sei o que eu quero, o que eu sempre quis pra mim. Eu quero
você, quero vocês. Quero a nossa família, os nossos filhos... eu não vou
forçar a barra, a decisão é sua, mas tenha isso em mente: eu não vou me
arrepender.

E de repente Anahí se dava conta de uma verdade que parecia, cada vez
mais, totalmente imutável: aquele homem sempre sabia exatamente como
fazê-la se sentir virada pelo avesso...

xxx

Poncho estava certo, era Anahí quem precisava se acostumar com aquela
ideia. Naquele dia ele a deixou na porta da casa de seus pais, não sem antes
lhe dar um beijo na boca deixando claro que sabia onde queria estar, com
quem queria estar. A confusa era ela. mais uma vez, o passado se repetia:
desde muito antes de eles estarem juntos Poncho já tinha forte e nítido para
si seus sentimentos, suas certezas. Mas Anahí precisava de tempo. Ela
precisou de tempo no passado para conhecer o que sentia por ele e
novamente precisava de tempo ali, quando tinha muita coisa ainda fora do
lugar.

A verdade é que ela precisava começar a viver.

Naquela manhã, Anahí começou. Ela entrou segura no jardim de Karen,


tocando a campainha e sorrindo ao ouvir Missy gritar com alguém que
deveria ser sua mamãe. Foi Harry quem abriu a porta, mas ele mal
conseguiu abrir a boca para a irmã, já que a sobrinha invadiu o espaço
correndo na direção da mãe e a agarrou pelas pernas, deixando claro que
tinha sentido sua falta.

— Você demorou – Missy resmungou. Nem tudo eram flores.


— Eu precisei fazer umas coisas – Anahí disse já abraçando-a – Mas já
estou de volta.

— Eu imagino as coisas – Harry alfinetou sussurrando no ouvido dela,


fazendo-a revirar os olhos.

— Cala a boca Harry – ela fez uma careta e os dois riram. Oficialmente
irmãos se implicando.

A família inteira estava ali. Se Keith e Karen viram Anahí na saída do


Tribunal, Ellie e Arthur estavam ansiosos para abraçar a neta, ele
principalmente. Por isso todos tomaram café juntos, Arthur é claro
alfinetando Anahí dizendo que Poncho deveria estar ali também e, embora
ninguém além de Missy se arriscasse a falar nada, Anahí percebia que todos
concordavam. Ela acabou fingindo demência, como se não entendesse, se
concentrando na filha e aproveitando o momento em família. Já houveram
outros como aquele, mas em nenhum Anahí tinha no peito a paz como era
naquele momento.

Terminado o café ela anunciou alegre que iria com Missy procurar uma
escola para ela e a menina se animou. Keith bem que se ofereceu para levar
a filha, a família ainda estava insegura de deixa-la sozinha, mas Anahí
queria sentir a própria liberdade finalmente. Acabaram indo só as duas. Elas
peregrinaram por todo o Brooklyn observando as opções de escola e ela e
Missy acabaram optando pela que Maite trabalhava. Era pública, próxima
ao café e à casa de Karen e Missy parecia realmente ter gostado do lugar.

Aquele foi o primeiro passo, mas era necessário ir além. Anahí introduziu
naquele mesmo dia a ideia de levar Missy a um terapeuta e a menina, apesar
de desconfiada, aceitou ir com a condição de que a mãe a acompanhasse.
Anahí conseguiu marcar uma avaliação para o dia seguinte e ficou feliz
com a prontidão daquela solução. Missy, por outro lado, ficou introspectiva
conforme foram chegando ao hospital. Ao caminharem pelo andar da
psiquiatria, a menina estava agarrada na mão da mãe, o que só fez Anahí
perceber que tinha sido a melhor ideia elas irem até ali.

Missy foi chamada pouco depois. Anahí andou com ela até a porta do
consultório onde haviam outras crianças, todas brincando e desenhando.
Seria realmente uma avaliação. Ela não estava feliz em seguir sem a mãe,
mas Anahí a incentivou e ela acabou indo. Seria de meia hora aquela
primeira sessão, então ela se sentaria numa das cadeiras do corredor e
esperaria.

Só não esperava encontrar um rosto conhecido.

— Anahí?

Rapidamente ela se virou e procurou a voz que a chamava. Para a sua


surpresa, era de Diana.

— Diana? – ela ergueu as sobrancelhas. Não esperava encontrar a ex-


mulher de seu ex-namorado ali, em especial que falasse com ela com aquela
naturalidade.

— Sua filha também faz terapia aqui? – Diana perguntou franzindo a testa,
surpresa com a coincidência.

— Ela começou hoje – Anahí respondeu se aproximando – O Dani...

— Sim, há duas semanas – ela respondeu e Anahí estranhou, já que Poncho


não havia comentado nada – Senta aqui, vamos conversar.

Era de se esperar que fosse algo puramente protocolar e diplomático. As


duas ex de Poncho juntas, se cumprimentando apenas porque uma não
poderia fingir que a outra não estava ali, mas apenas por uma questão de
educação. Depois Anahí se sentaria no outro extremo do corredor e vida
que segue. Mas não foi o que aconteceu. Se Anahí num primeiro momento
acreditou que seria um momento frio, que elas não teriam qualquer assunto,
se surpreendeu com Diana falando sobre os avanços do filho na terapia.
Daniel tinha duas consultas por semana e sua mãe estava repleta de
expectativas quanto à melhora dele na forma de encarar a separação dos
pais. E isso causava uma estranheza imensa em Anahí: Diana falando com
ela com toda a naturalidade possível de seu iminente divórcio.

— A Missy vai se acostumar também, você pode ter certeza – Diana


garantiu – No início é difícil, eles não se soltam de nós, não falam nada,
mas aos poucos as coisas vão acontecendo.

— Ela passou por muitas coisas – Anahí mordeu os lábios – Eu só queria


proporcionar uma infância normalà minha filha, sabe? Não acho que
deveria ser demais.

— Sua vida com ela está começando agora, vocês vão fazer isso dar certo –
Diana garantiu.

Foi quando Anahí desistiu de fingir que era esperado, quem sabe normal
ela estar ali, no meio do corredor, conversando com a ex-mulher de Poncho
e resolveu colocar as cartas na mesa.

— Ok – ela abriu um sorriso sem graça – Desculpe se eu azedar esse


momento, mas é que... nunca pensei que...

— O que? – Diana perguntou – Você achou que nós duas cairíamos no chão
brigando pelo Poncho...?

— Não, é só que... – ela respirou fundo – Eu esperava que você me odiasse.


Que me culpasse.

— Anahí... – Diana a encarou de frente – Eu não sou o Daniel.

— Eu sei que não – Anahí observou – Mas...

— Me deixe explicar... É claro que no início foi difícil, eu me casei achando


que seria pra sempre e mesmo depois que você reapareceu, eu pensei que o
Poncho fosse me escolher. Um devaneio da minha parte, eu sei, mas... nem
sempre nós somos racionais. Hoje eu olho pra trás e percebo que foi uma
loucura minha, não tinha chance de isso acontecer, mas enfim... então,
como eu criei essa expectativa, obviamente foi difícil quando me dei conta
que não seria real. Eu fiquei com raiva e é claro, com raiva de você. Mas
passou. Hoje eu estou bem, eu... consegui passar por isso e ver o que
realmente importa.

— E o que realmente importa?


— Que o Poncho está feliz – Diana sorriu. Ela parecia totalmente sincera –
Claro, ele vai ficar feliz de verdade quando vocês estiverem juntos, e pra
isso o Dani precisa entender que o pai dele e eu não vamos mais voltar,
mas... só de estar lutando por você, de ter ver viva e bem, ele está bem e eu
aprendi a ficar feliz em vê-lo assim.

— Você realmente me surpreendeu muito com isso – Anahí respondeu


admirada.

— Não apenas você – Diana parecia orgulhosa de si – É que eu realmente


amo o Poncho. E quando a gente ama assim, de verdade, do fundo da alma,
a gente quer ver a pessoa bem. Você entende isso... você também renunciou
a ele duas vezes. A primeira por mim, e a segunda pelo nosso filho, o que
eu honestamente não entendo bem, porque por mais que seja mãe, me
parece demais.

— Relações entre pais e filhos é algo difícil pra mim, não era... mas se
tornou – Anahí suspirou – Eu apareci aos trinta anos e descobri que o meu
pai que eu achava que me abandonou apenas não sabia de mim, e demorou
meses pra que eu conseguisse dar uma chance a ele. E também levei algum
tempo pra conseguir conquistar a Missy... eu nunca soube dela, e quando a
descobri ela estava num contexto extremamente vulnerável e mesmo assim
preferia os pais de criação a mim. Aquilo me machucou bastante, doeu
sabe? Quando eu finalmente consegui entrar na bolha dela, eu não quis
perder aquilo. O Poncho e o Dani tem uma relação bonita, especial. Eu não
quero que eles percam isso.

— Você precisa entender que eles não vão perder – Diana garantiu – Eles se
amam e o amor prevalece. Veja bem, o seu amor pelo Poncho não sumiu em
oito anos, nem o dele por você. E me desculpe dizer, mas nem o meu amor
por ele vai sumir de repente. Isso não te ofende, não é?

— Não – Anahí negou de cara – Claro que não. Eu até hoje sinto que entrei
de intrusa na sua história e roubei o homem que você amava.

— Depende do ponto de vista – Diana riu – Se você não tivesse existido...


eu nem teria ficado com ele. Poncho só apareceu pra mim porque estava de
luto, porque escreveu sobre o luto. Eu o acolhi, o entendi e o admirei, nós
tivemos algo juntos... mas uma hora a coisa reencontrou o seu caminho. E o
destino dele é você.

Aquela frase dizia muito.

— Por isso nada vai impedir que as coisas aconteçam entre vocês – Diana
garantiu – E cedo ou tarde o meu filho vai entender isso.

Quem sabe começaria a entender ali mesmo, quando Daniel saiu do


consultório e viu sua mãe conversando com ninguém menos que Anahí.

Inesperado, no mínimo.

Um capítulo bem zen, com sabor de fruta mordida pra vcs que passaram
semanas tensas com aquele julgamento infinito

Com esse capítulo entramos na reta final da fic porque eu não tenho mt
mais o que trazer de enredo hahahaha. Os grandes problemas já foram
praticamente resolvidos, faltando apenas alguns detalhes. Mas não precisam
se desesperar porque ainda teremos doses de emoções por aqui e uns
probleminhas bem intensos.

Amanhã devo postar uma palhinha sobre esse fim da fic no meu twitter
amanhã. Fiquem de olho!

E me contem o que vcs acharam desse com os comentários e estrelinhas que


eu tanto amo 😻

Beijos,

Rafa
Capítulo 76 - Young and free

Daniel esperava qualquer coisa, menos sair da sessão de terapia infantil e


dar de cara com sua mãe numa conversa pessoal com Anahí, como se as
duas fossem amigas íntimas, mas ainda assim era exatamente com aquilo
que se deparava. O menino começou a caminhar a passos lentos e
desconfiados, se aproximando aos poucos, se surpreendendo com Diana
rindo de algo que Anahí tinha acabado de falar, até virar o rosto e ver o
filho ali, encarando com toda a estranheza que se poderia esperar daquela
situação.

— Bem, essa é a minha deixa – Diana disse se levantando – Oi meu amor.


Vamos?

— Vamos – Daniel disse encabulado, sem encarar a mãe.

— Você não vai falar com a tia Any?

Se Anahí estava surpresa, ficou mais ainda. Diana estava ali, incentivando o
filho a falar com ela, iniciando um diálogo entre os dois. A maturidade
daquela mulher era de um nível estratosférico. Anahí torcia para ser, algum
dia, um pouco da mulher que tinha a sua frente.

— Oi – Dani disse mal olhando Anahí. Ela não sabia dizer se ele estava
incomodado ou envergonhado ao vê-la.

— Oi Dani – Anahí disse com o tom de voz mais amável que conseguiu –
Tudo bem com você?

— Uhum – ele respondeu num murmúrio, se virando para a mãe em


seguida – Podemos ir...?

— Claro – Diana sorriu olhando para a outra de novo – Tchau Anahí. Um


prazer te ver. Dá um beijo na Missy por mim, ok?

— Claro que sim – Anahí sorriu sincera – Nós nos vemos por aí.
Elas não eram amigas, mas definitivamente se davam bem. E em um mundo
onde a rivalidade feminina não precisa de motivo para acontecer, era como
se fosse a maior amizade do mundo.

Diana decidiu não tocar no assunto com Daniel, estava esperando que o
filho perguntasse algo ou o que fosse. Era melhor assim. Ele permaneceu
em silêncio, processando as informações, até os dois entrarem no carro.
Diana colocou o menino em sua cadeirinha, sentou-se no banco do
motorista e deu partida. Elles saíram da frente do hospital e fizeram todo o
caminho em silêncio. Somente quando entraram em casa, quando Diana
achou que a oportunidade estaria perdida, Daniel começou a falar.

— Você é amiga dela agora?

Rapidamente ela encarou o filho. Daniel tinha a testa franzida e parecia


meio curioso, meio confuso. Ela sorriu, reconhecendo que aquele parecia
um bom momento para dizer a ele o que pensava e como se sentia.

— Amiga não – ela respondeu honesta – Mas nós nos damos bem. Você
acha isso ruim?

— É que... – ele hesitou em falar, mas acabou soltando – Ela tirou o papai
da gente...

— Não tirou não – Diana negou.

— Ele terminou com você porque gostava dela – Daniel lembrou, mas
Diana voltou a negar com a cabeça.

— Filho, o papai gosta dela – ela explicou – No início eu fiquei triste, eu


não vou mentir pra você... mas agora está tudo bem, porque ele está feliz.
Nós não queremos que ele seja feliz?

— Eu queria que ele fosse feliz com você – Daniel a abraçou, afagando o
rosto no colo da mãe – Que nós fôssemos uma família pra sempre.

— Mas nós somos – Diana acariciou a cabeça dele – Nós sempre seremos a
sua família.
— Mas agora ele tem a tia Any... e a Missy...

— Então você passa a ter duas famílias – ela observou – Uma com elas... e
uma comigo. Por que isso parece ruim?

Daniel não respondeu. Ele era envergonhado demais, completamente


introvertido e acanhado, por isso tinha o rosto escondido e não queria que a
mãe visse suas reações. Diana não esperava nada muito diferente, ela
conhecia perfeitamente bem o filho que tinha, por isso deixou que o menino
sentisse aquilo à sua maneira, sem, contudo, perder a chance de dizer a ele
as coisas que deveriam ter sido ditas desde o início.

— Seu pai não está nos trocando Dani – Diana disse fazendo carinho nele.
Sua voz saía afável – Ele não vai deixar de te amar caso se torne pai da
Missy também. Ela não tem pai. Você não acha isso triste...?

— A Sam não tem mãe – ele lembrou.

— Mas ela tem a tia Sophia, que é como se fosse – Diana explicou – A
Missy não tem ninguém pra cuidar dela como o seu pai cuida de você, e
isso é triste. Ele gosta dela, e se ele virar pai dela, você vai ter uma irmã.
Isso não é legal? Ter alguém com quem brincar, pra assistir os filmes e
jogar videogame...

— Não é videogame, é PS4 – Daniel a corrigiu, fazendo a mãe revirar os


olhos e fazer uma careta.

— PS4 então – Diana completou – Não é legal...? Você sempre reclamou de


não ter um irmão, sempre disse que queria que a Sam fosse sua irmã. Agora
você vai ter uma irmã de verdade. Isso não te deixa feliz?

Daniel ponderou. Diana sentiu naquele momento que o filho estava


balançando. Parecia que ela tinha conseguido alcançar seu coração e abri-lo
para aquela possibilidade, ainda que não totalmente.

— Mas você não fica triste do papai não te namorar mais...? – ele fez
questão de perguntar.
— Como eu disse, no início eu fiquei – Diana entregou completamente
honesta – Mas depois eu entendi. Se o seu pai ficasse comigo, ele não
ficaria porque quer, então acabaria sendo infeliz. E eu seria infeliz também.
E acho que você não iria gostar de ver nós dois tristes, né?

— Não – o menino admitiu – Você vai namorar alguém também?

— Quem sabe – Diana deu de ombros – Se eu encontrar alguém bem legal


que goste de mim, de quem eu goste, mas principalmente... alguém que
goste de você... só se for assim. Mas eu não vou procurar ok? Só se
aparecer.

O interessante, para Daniel, é que ele visualizava que a pessoa que a mãe
possivelmente namoraria num futuro possível seria com ele como Anahí já
era. Naquele momento o menino lembrava de como a madrasta tinha sido
uma pessoa legal com ele quando os dois foram apresentads por seu pai, de
como ele gostava de Anahí e também de Missy. É claro que seria difícil
para Daniel se acostumar cem por cento com a ideia, mas ele não a rejeitava
mais como antes. Era o primeiro passo.

xxx

Jesse estava realmente animado com aquela gravidez de Sophia. Ele sabia
que, em outros tempos, aquela gravidez seria muito melhor e mais
comemorada – já que em outro cenário Sophia não teria sido violentada –
mas não importava, ele estava feliz de toda forma. Feliz por ser pai
novamente, por ela ser a mãe. Era como deveria ter sido desde o início, se
ele não tivesse sido um idiota a princípio. Jesse tinha em sua frente uma
segunda chance e ele não queria desperdiçar. Queria fazer tudo certo dessa
vez, desde o início.

E o início não poderia ser dele gritando para o mundo a alegria daquela
paternidade recém-descoberta. Afinal, por mais que Jesse quisesse contar a
novidade para toda e qualquer pessoa que lhe perguntava a razão de ser
daquele sorriso em sua boca, ele se continha porque havia alguém na vida
deles que merecia saber antes de qualquer outro. E enfim chegara a hora de
lhe contar.
— Pronta? – Jesse perguntou encontrando Sophia dentro do quarto deles.

— Nervosa – ela disse sentindo as mãos suarem – Será que ela vai reagir
bem...?

— Eu acho que sim, por que não reagiria? – ele riu – A Sam pediu tanto um
irmão...

— É verdade – Sophia sorriu enquanto ele a abraçava – É, ela vai ficar feliz
sim.

Não havia um cenário na cabeça de Jesse no qual sua filha não saltitasse de
felicidade com a descoberta do tão sonhado irmão mais novo. Confiante
naquela ideia, ele e Sophia foram juntos para a sala, onde a menina já tinha
jantado e assistia a um filme infantil na TV. Desconfiada como só,
imediatamente Samantha notou os dois se aproximando dela como quem
queria falar alguma coisa. Como não fazia ideia do que poderia ser, como
uma boa criança travessa aos quase seis anos, ela pensou imediatamente no
pior.

— O que foi? – ela tinha a testa franzida.

— Nós queremos conversar com você – Jesse disse se abaixando e


sentando-se no chão. Sophia, por sua vez, estava ao lado de Sam no sofá.

— Quem morreu...? – a menina perguntou assombrada. A última vez que os


dois se aproximaram sorrateiros daquele jeito fora para dizer que a mãe dela
estava morta.

Samantha estava melhor, mas a ferida continuava aberta... demoraria a


sarar. Talvez nunca sarasse...

— Ninguém bebê – Sophia disse beijando a cabeça dela, num instinto


automático de protegê-la – É uma coisa boa. Nós queremos te contar algo,
algo bom.

— Eu vou ganhar um presente? – Samantha perguntou, era a melhor ideia


de algo bom que ela tinha – Ou o Dani deixou de ser um bobão e voltou a
ser amigo da Missy?

— Nenhum dos dois – Jesse negou prendendo a vontade de rir pelas


hipóteses criadas pela cabeça infantil de sua filha – Soph?

— Sam... – Sophia disse olhando para o rostinho dela – Eu estou grávida.


Nós vamos ter um bebê.

— Você vai ter um irmão – Jesse completou sorrindo imensamente, como


se fosse gastar o rosto.

O silêncio que veio em seguida não era algo que Jesse esperava, Sophia
muito menos. Ela, como estava mais sensível do que a média, sentiu o
coração apertar quando a reação esperada da enteada simplesmente não
veio. Samantha olhava do pai para Sophia e depois de volta para Jesse, não
dando os pulos e os gritos de alegria que eles imaginavam que ela daria.
Pelo contrário, quando Jesse estava prestes a perguntar à filha se ela não
tinha gostado, Samantha se jogou em seus braços começando um choro
forte, intenso e copioso.

Imediatamente os dois trocaram um olhar interrogativo, eles simplesmente


não entendiam a razão de ser daquele choro. Samantha se agarrou ao
pescoço do pai, deixando nítido que aquilo não era manha ou birra. Ela
estava realmente sentida com algo, eles só não sabiam definir o que era.

— Filha...? – Jesse a chamou tentando entender o que acontecia ali – O que


foi?

— Eu não quero um irmão – ela disse enquanto chorava. Sophia franziu a


testa não entendendo nada e com o coração definitivamente em frangalhos.

— Mas você quem quis bebê – ela disse fazendo carinho nas costas da
menina – Você pediu no Natal...

— Mas eu não quero mais – Samantha resmungou.

— Ei Sam – Jesse disse a afastando e fazendo-a encarar, rapidamente vendo


seus olhos e rosto vermelhos, banhados em lágrimas – Conta pro papai o
que está acontecendo.

A menina parecia relutante em admitir o que a fazia chorar, o que causava


uma estranheza enorme nos adultos. Samantha não era o tipo de criança que
fazia rodeios para falar o que quer que fosse... a não ser se se tratasse de
algo que a deixasse vulnerável. Eles só não pensavam que era o caso. Por
isso ela fungou, olhou para Jesse, depois desviou o olhar e, por fim, soltou a
verdade.

— É que... – ela murmurou – Se vocês tiverem um bebê... ele vai ser filho
da tia Soso.

— E qual o problema nisso? – Jesse questionou tentando entender, mas


Sophia já tinha juntado as peças.

— Ele vai ser – Samantha repetiu – Eu não.

E dito isso, ela voltou a chorar com força agarrada ao pescoço de Jesse. Se
antes a reação de Samantha era algo que fizera Sophia sofrer, agora já não
se poderia dizer o mesmo. Ela de certa forma sorria, entendendo o que
abalava aquela pequena criança. Exatamente por isso fez um sinal para
Jesse e ele entendeu, soltando a filha e deixando que Sophia a pegasse em
seu colo. Samantha rapidamente se aninhou nos braços da madrasta e seu
choro diminuiu, mas Sophia esperou até que ela parasse de chorar para
fazer uma segunda revelação.

— Quando eu fui ao hospital pra fazer o exame que dá pra ver o bebê, a
médica perguntou se era o meu primeiro filho – ela explicou calmamente,
vendo os olhos castanhos grandes de Samantha grudados nela – Eu disse
que não. Era a primeira vez que eu tinha um bebê na minha barriga, mas
não é meu primeiro filho... porque você já é minha filha.

— Mas... eu... – Samantha franziu a testa – Eu não cresci na sua barriga.

— E eu não te amo nem um pouquinho a menos por isso – Sophia disse


segurando-a pelas bochechas – Antes da sua mãe morrer, ela me pediu que
eu cuidasse de você como se fosse a minha filha. Eu esqueci de dizer à ela
que você já era. Já era minha filha.
— Eu posso te chamar de mamãe então...? – a menina perguntou
completamente receosa. Jesse, ainda no chão, estava estático. Ele nunca
vira Samantha tão acanhada assim.

— Você pode me chamar como quiser, de tia ou de mãe, não vai mudar em
nada o amor que eu tenho por você – Sophia respondeu beijando o topo da
cabeça dela – E se eu vou ter um bebê agora, eu sei que vou fazer as coisas
certo com ele porque você me ensinou tudo antes. Você, meu bebê mais
velho.

— Você ainda ta triste filha...? – Jesse perguntou se sentando ao lado de


Sophia, ao lado delas. Samantha negou com a cabeça.

— Agora eu tenho uma mamãe de novo – ela disse abraçando Sophia com
força – E... também um irmão.

De repente Jesse percebeu que tinha sido a melhor ideia do mundo esperar
para divulgar a notícia e contar à Samantha antes. Afinal, antes ele diria
apenas que teria um filho com Sophia. Agora, com toda a surpresa, poderia
contar que a família iria aumentar. Se Jesse já sabia antes que eles
formavam uma família, agora tinha certeza. E era maravilhoso se sentir
assim, entre elas, ele pensou enquanto dava um selinho na noiva por cima
da cabeça da filha deles.

— Eu tenho uma pergunta – Sam disse levantando a cabeça e enxugando os


olhos – Ele vai demorar muito pra nascer? O bebê...

— Uns sete meses – Jesse explicou – Ele crescer na barriga da mamãe pra
ficar forte quando chegar aqui fora.

— Hum... – ela franziu a testa ponderando – Ele não vai ser lerdinho que
nem o Dani não né? Porque dois eu não aguento.

Sophia não respondeu. Ela gargalhou. Dessa vez não deu para segurar.
Jesse, por outro lado, ralhou com a filha.

— To só perguntando – Sam disse erguendo suas pequenas mãos.


Os três ficaram juntos ali por algum tempo, fazendo planos, traçando
sugestões, até eles começarem a perceber que estavam perdendo Samantha
para o sono. A menina aos poucos foi bocejando, se aconchegando no colo
da mãe e logo dormindo ali mesmo. Jesse riu, se levantando e tirando-a do
colo de Sophia antes que ela resolvesse ela própria carregar Samantha, certo
de que dali para frente evitaria qualquer tentativa sua de carregar algo mais
pesado que um garfo.

Quando ele já estava com a filha nos braços, ouviu a voz dela em uma
pergunta.

— Você acha que a Torrey se importaria dela se ela me chamasse de mãe...?

A resposta de Jesse não poderia ser mais enfática e verdadeira.

— Eu acho que ela faria questão que vocês fizessem assim.

Dito isso, não havia mais qualquer peso dentro do coração de Sophia. Ela
enfim estava tranquila.

xxx

Anahí não aguentava mais as amigas questionando sem parar sobre seu
futuro com Poncho. Ela não tinha uma resposta exata para dar: ele lhe
pedira um tempo para acertar as coisas com Daniel e ela não sabia se
levaria dias, semanas ou meses. Só sabia que esperaria.

Naquela noite em especial Anahí se surpreendeu com Maite aparecendo no


apartamento para que elas conversassem. Quando deu por si a morena e
Christian já mandavam mensagens para Sophia e Lexie para que as duas se
juntassem a eles. Após o fim de seu plantão a cirurgiã aceitou o convite e
seguiu diretamente para a casa dos amigos. Sophia fez o mesmo, saindo da
confeitaria com Samantha em seu encalço e decidindo leva-la porque afinal,
Missy precisava – e merecia – uma companhia.

E sua mãe também.


— Que cara é essa...? – Anahí perguntou para uma Lexie que entrou mais
parecendo esgotada.

— Plantão exaustivo – ela respondeu com uma careta nos lábios – E


namorado me olhando e esperando que eu me decida se vou morar com ele.

— Se você não quiser morar com Mark Sloan eu quero – Christian disse
entrando na sala com uma caixa de donuts – Na verdade, o que Mark quiser
fazer comigo, eu faço.

— Qual o problema Lex? – Maite questionou.

— O problema é que eu sempre estrago tudo – Lexie bufou se jogando no


sofá – Entre Mark e eu, ele errou, mas eu joguei tudo pelos ares e tenho
medo de acabar com nós dois pela terceira vez.

— É só não jogar tudo pelos ares como das últimas vezes – Anahí ponderou
sorrindo para a amiga, que ainda não se sentia convencida.

— É que Jackson acha que...

— JACKSON? – Christian deu um berro que chamou a atenção até das


crianças que assistiam TV no sofá – Aquele Jackson que você largou no
altar...?

— Eu o encontrei no elevador e ele disse que apostava que eu estragaria as


coisas com Mark como fiz das outras vezes porque Mark certamente vai
querer casar e ter filhos e eu aparentemente fujo de compromisso – Lexie
disse incomodada. Os amigos se entreolharam sabendo que havia meias
verdades ali, mas certos de que nada tinha sido dito com as melhores
intenções.

— Sabe Lex, você realmente cometeu alguns erros com Mark no passado,
mas é passado – Sophia ponderou – Vocês não podem mudar o que já foi,
mas podem agir diferente daqui pra frente e não cometerem os mesmos
erros.
— O que falta a vocês é diálogo – Maite completou – Falta que você
converse com ele, e não conosco sobre o que está sentindo. E
principalmente... não com Jackson...

— Exatamente, não com o cara que só te disse todas essas coisas porque
está mordido por você tê-lo deixado plantado no altar – Christian alfinetou.
Ele definitivamente era Team Mark.

— Eu tenho medo de acabarmos deixando tudo ir pro ralo como das outras
vezes – Lexie admitiu abaixando a cabeça, e Anahí se sentou ao lado dela
consolando-a.

— Honestamente, quem não tem? – ela passou o braço ao redor da amiga –


Você deixou de se casar com Jackson porque não queria passar a vida com
ele, mas depois, quando foi atrás do Mark, eu tenho certeza que você fez
isso porque era com ele que queria ficar pra valer. Então Lex, se você não
quer estragar as coisas,não estrague.

Aquela lição servia não apenas para Lexie. Era de todas para todas.

Enquanto as amigas acabaram levando o assunto para outro caminho,


Samantha se afastou de Missy e caminhou até Sophia. Ela queria falar algo
que estava prendendo há algum tempo, o que era um pouco demais para
uma criança de cinco anos.

— Mamãe? – ela a chamou, criando um imenso silêncio ali – Você não vai
contar a novidade?

Sophia não estava acostumada ainda com Samantha chamando-a daquela


forma, com aquele olhar ainda mais carinhoso do que o normal.
Provavelmente ela nunca se acostumaria, era como pensava. Por isso ela
sorriu para a menina, trazendo-a para perto, enquanto os quatro amigos
acompanhavam aquela interação das duas totalmente surpresos, pois já
tinha meses desde que Torrey tinha morrido e aquela era a primeira vez que
eles viam Samantha se referir a Sophia como sua mãe.

— Você está doida pra contar, não é? – ela perguntou e viu a menina sorrir e
assentir travessa – Então por que você não conta pra mim?
— Eu posso...?

— Claro que sim – Sophia a puxou para seu colo, vendo Samantha abrir um
sorriso travesso e satisfeito.

— Pessoal... eu vou ganhar um irmãozinho.

Maite arregalou os olhos ficando rapidamente pálida. Ela obviamente foi a


única a juntar as peças e supor o pior. Os demais imediatamente se
deixaram levar pela animação que Samantha tinha no rosto, que dizia que
preferia ter uma irmã, que ainda faltavam longos sete meses para o bebê
nascer e que ela ensinaria tudo. Uma vez dito tudo, a menina se afastou em
saltos para o mesmo canto onde ela e Missy brincavam, deixando a mãe
com todos olhando para ela assombrados com a novidade.

E por que não dizer, as novidades...?

— Em quinze segundos ela te chamou de mãe e disse que você está grávida
– Christian piscava devagar.

— Em um ano o Jesse voltou pra ela e a engravidou – Lexie completou.

— Soph? – Maite seguia tensa – Me diga que o que eu estou pensando é


verdade e acho que você sabe a que eu me refiro.

— Que Jesse e eu vamos ter um bebê? – Sophia respondeu sorrindo de leve,


entendendo exatamente o que a amiga havia entendido – Sim, é verdade.

— Fiquei tão nervosa que agora ta me dando vontade de chorar – Maite


disse se abanando e sentindo os olhos se encharcarem.

Então Sophia se levantou e se sentou ao lado dela, abraçando-a de lado. De


repente eram as duas chorando.

— Isso é bom ok? – ela respondeu totalmente serena – Significa que nós
vamos ser mãe juntas. Não é incrível?

Maite assentiu em resposta pelo choque daquilo tudo, é claro que ela tinha
pensado no pior, que aquela criança poderia ser de Chad. Foi a primeira
coisa que Sophia e que Jesse tinham pensado, era natural que todos fossem
por aquele lado. Mas quando Sophia mencionou que as duas estariam
grávidas ao mesmo tempo, a forma carinhosa como ela encarou e abraçou
Maite, como a consolou, acabou levando todos os outros às lágrimas. Anahí
mordeu os lábios ao ver suas amigas voltando efetivamente à amizade que
ela se lembrava na adolescência, e não foi muito diferente com Christian e
Lexie, que tinham testemunhado o afastamento de Sophia e Maite e mal
podiam imaginar, um ano antes, que elas estariam próximas novamente e
unidas daquela forma. Unidas até mesmo por laços que nem sabiam que
existiriam, jamais poderiam imaginar.

Segundas chances realmente existiam.

— Por que ta todo mundo chorando...? – Missy perguntou ao levantar o


rosto e ver a mãe e todos os seus amigos às lágrimas.

— Nem todo choro é de tristeza pequena – Maite disse enxugando o olho.

Realmente, ali eles estavam bem longe de estarem tristes...

— O que eu percebo é que, de uma em uma, vocês vao todas me deixando


sozinho no mundo do celibato e da bebedeira – Christian bufou, fingindo
estar aborrecido – Quem não casa engravida, assim a vida fica muito difícil
de resolver...!

— Eu não casei nem engravidei – Anahí comentou logo vendo uma série de
olhares irônicos serem lançados em sua direção – O que foi...? É alguma
mentira?

— No seu caso é questão de tempo – Maite alfinetou.

— Quando você e Poncho vão sair de cima do muro? – Sophia cruzou os


braços – Jesse pergunta pra ele, eu pergunto pra você.

— Ele me pediu um tempo pra se resolver com o filho – Anahí suspirou


longamente – Eu estou dando esse tempo a ele.

Ela só não sabia de quanto tempo Poncho precisaria.


xxx

Se numa noite Anahí ficou em casa bebendo na companhia dos amigos –


embora àquela altura apenas Christian e Lexie a acompanhassem – na
seguinte o happy hour foi num bar no Soho com Marina acompanhando-a.
Anahí esteve numa reunião naquela tarde no My sister's place e, sob a
orientação de Marina, falou pela primeira vez com aquele grupo sobre os
desdobramentos do julgamento e a agonia de ter que encarar Tobias
novamente. Marina esperava que as falas de Anahí encorajassem aquelas
mulheres que viviam histórias tão diferentes mas, ao mesmo tempo, tão
iguais. A esperança de que Anahí conseguisse toca-las era cada vez maior e
mais concreta.

Anahí esperava sair da ONG e ir direto para a casa da mãe buscar Missy
quando Marina insistiu em leva-la para tomar alguns drinks – e acabou
vencendo-a pelo cansaço. Se antes Anahí pisava em ovos porque não sabia
qual seria a reação de Missy com a mãe deixando-a na casa da avó, ela
terminou se tranquilizando quando ouviu a filha dizer que ela não precisava
se preocupar e que queria dormir na casa da avó, utilizando a situação para
ficar acordada até tarde jogando X Box com Harry. O coração dela perdeu
aquele aperto e ela percebeu que, afinal, tinha o direito de se divertir.

Marina estava animada naquela noite, mais do que o normal. Ela,


diferentemente de Anahí, sabia beber, de forma que, no segundo copo da
amiga, ela estava ainda um tanto sóbria. E é claro, quando Anahí bebia, ela
falava demais.

— Eu estou sentindo falta de sexo – ela confessou, vendo Marina reagir


com os olhos esbugalhados – Sentindo falta daqueles braços fortes me
envolvendo até que eu me desmanche.

— Eu pensando numa forma da Sophia conseguir denunciar aquele cara e


você pensando em gozar – Marina comentou rindo e negando com a cabeça.

— Me desculpe – Anahí ficou vermelha – Eu fico sem filtro quando bebo,


não é por mal.
— Eu tenho certeza que não – Marina riu – Jogue tudo pros ares Anahí.
Volta pra ele, vocês se amam.

— O filho dele não aceita tão bem – Anahí respondeu mas a verdade é que
aquilo importava cada vez menos. Talvez Diana estivesse certa: Daniel cedo
ou tarde iria entender e ceder – Será que podemos transar escondido...?

— Uma amizade colorida? – Marina ergueu as sobrancelhas – Eu não acho


que você conseguiria. Você faz aquele tipo de mulher que é toda
apaixonadinha, casa com o primeiro namorado, primeiro amor e vive com
ele pra sempre.

— Mas seria uma amizade colorida exatamente com esse cara – Anahí
constatou antes de bufar – Ai, eu preciso de outra bebida. Ei! – ela chamou
o barman – Outra margarita de morango, por favor.

— Any... – Marina disse franzindo a testa olhando o celular – Me desculpe,


mas eu vou ter que ir. Minha filha está passando mal, minha mãe acabou de
me mandar uma mensagem. Eu sinto muito.

— Não sinta – Anahí negou com a cabeça, mas logo em seguida viu que o
barman colocou a bebida em sua frente – Eu vou... terminar esse drink,
pagar e ir embora também. Mas acho que vou ter que ir direto pra casa,
Missy não pode me ver assim.

— É, eu acho que ela se assustaria vendo a mamãe bêbada – Marina riu –


Nós marcamos de novo ok?

— Não se preocupe – Anahí respondeu convicta – Espero que fique tudo


bem com a Kim.

— Obrigada – Marina disse sorrindo para ela logo antes de colocar


algumas notas no balcão e sair.

Se Anahí não tivesse pedido aquela bebida logo antes, ela teria saído junto
com Marina, dividido um táxi – já que as duas não moravam tão distantes
assim – e logo estaria em sua casa, em sua cama, já separando um
analgésico para a provável, quem sabe certa, ressaca que viria no dia
seguinte. Mas se ela não tivesse ficado sozinha naquele bar não teria sentido
um olhar que vinha de sua direita. Dava apenas para ver por seu campo de
visão que alguém a observava, para não dizer secava, sem fazer qualquer
questão de disfarçar.

Seu trauma passado fazia Anahí, naquelas horas, ficar nervosa. Ser
encarada por um homem não era algo que a fazia se sentir exatamente
segura. Por isso ela respirou fundo, pensando que não havia motivo para
pânico, aquela era uma situação como outra qualquer. Um homem qualquer
encarando-a não era sinal de que algo estava errado. Não era um iminente
sequestrador.

Mas quando Anahí finalmente teve coragem de olhar naquela direção para
conhecer o rosto de seu admirador, ela percebeu que não era qualquer
homem. Pelo contrário: era um que sabia exatamente quem era. De quem
ela não precisava sentir medo.

Era Milo.

Sei que vocês vão me xingar hahahahahahahahah dessa vez eu acho que
mereço!

Mas peço que vcs confiem em mim. Nem sempre eu dou a coisa do jeito
que vcs querem, mas eu sempre dou de maneira melhor do que imaginam!

E é isto!

Comentem o cap todo porque o 76 foi mais do que o Milo aparecendo no


final (e eu sendo ovacionada -nnn)

Beijos,

Rafa
Capítulo 77 - Misunderstood

Anahí não esperava rever Milo, definitivamente não... em especial em um


cenário como aquele, quase idêntico ao dia que os dois se conheceram. Na
verdade as semelhanças tinham a ver muito mais com o local e a forma
como ele a encarava do que com todo o resto. A mulher que Anahí se
tornou era totalmente diferente da de antes, tanto que tinha sido deixada
para trás pela amiga e continuava ali, segura e firme, sem medo do que viria
pela frente.

Ao ver o ex-namorado Anahí riu, balançou a cabeça e se levantou


segurando sua margarita. Milo a encarou divertido e a viu se aproximar,
notando por seu simples andar que ela já estava um tanto embriagada.
Aquele reencontro não poderia ser mais inusitado.

— Dois a zero pra você stalker – Anahí disse rindo quando esteve mais
próxima.

— Não era minha intenção te assustar, sinto muito se o fiz – Milo disse se
levantando e beijando-a na bochecha – Você está de saída ou pode se sentar
um pouco comigo...?

— Eu estava – Anahí respondeu já se sentando – Não estou mais.

— Entendi – Milo riu, ela estava definitivamente mais solta do que era
quando eles estavam juntos.

— Há quanto tempo ta aqui tomando conta de cada movimento meu?

— Eu não estava fazendo isso – ele se defendeu rapidamente – Cheguei há


dez minutos, mas só agora vi você. Estava apenas observando, como eu
disse não queria te assustar.

— Você não assusta nem uma mosca Milo – ela riu em tom meio
debochado e ele se deu conta que tinha esquecido o quanto a língua dela era
mais solta quando bebia.
— Me desculpe então – ele deu de ombros divertido – Como você está? Eu
soube da condenação.

— Eu estou... livre – Anahí riu – É, não tem definição melhor.

— Eu percebi – Milo a analisou – Poncho e você não estão mais juntos?

— Ah, não era esse sentido de livre – ela o corrigiu – É em todos os outros.
Nós estamos... ah, eu não sei. Somos complicados.

— Eu estranhei o fato de ele não estar aqui te acompanhando...

— Isso é porque ele não é meu dono – ela disparou fazendo Milo arregalar
os olhos – Embora, de certa forma, eu me sinta um pouco dele. Como ele
também deve se sentir um pouco meu.

— Entendi – Milo mordeu os lábios – E o que significa vocês serem...


complicados?

— Ah – Anahí suspirou longamente – Muitas coisas aconteceram desde que


você foi embora. Basicamente eu tenho uma filha agora e o filho dele não
exatamente aceita nós dois.

— Deu tempo de você engravidar nesse meio tempo? – ele brincou rindo –
Relaxe, eu soube. A sua entrevista e depois o julgamento... tudo repercutiu
bastante. Eu acompanhei.

— Nós estamos buscando um meio termo – Anahí explicou – O Daniel


ficou abalado pela separação dos pais e eu entendo isso. O Poncho me
pediu um tempo pra acertar isso com ele, e eu estou... esperando.

— Certo – Milo processou. Anahí não se enganou, ele parecia meio


desapontado com a notícia.

— E a Mandy? – ela aproveitou o gancho para perguntar.

— Nada mudou – ele rapidamente esclareceu – Ela continua em Ohio e eu


aqui.
— Ok, então mudamos a pergunta, o que você está fazendo aqui e não em
Ohio atrás dela?

— Eu tenho uma vida aqui Anahí – Milo ressaltou – E ela tem a vida dela
lá. Nem todo mundo foi feito para ficar junto.

Dito isso Milo começou a divagar sobre amores que simplesmente não
davam certo. Ele falava sobre o quanto seu relacionamento com Mandy
tinha sido bom e importante para ele, o quanto ela o marcou, mas ao mesmo
tempo deixava claro que eles tinham seguido caminhos diferentes e que,
embora pensasse muito nisso, Milo preferia deixar que o navio corresse,
que a vida seguisse seu curso. Anahí o ouvia falando aquilo mas dentro de
sua cabeça estava errado, definitivamente errado. Afinal, ela vivia tudo o
contrário do que Milo pregava. Em uma situação eternamente mais difícil.

— Realmente, nem todo mundo nasceu pra ficar junto, mas minha mãe me
ensinou que eu não sou todo mundo – Anahí disse erguendo o próprio copo
– A sua não?

— Anahí... – ele riu negando com a cabeça.

— Admita que você não quer ir atrás dela por ser covarde e acomodado –
ela disparou.

— Você bêbada é realmente diferente do que eu me acostumei – Milo disse


franzindo a testa surpreso com a audácia dela.

— Eu falo tudo o que não teria coragem de dizer sóbria – ela deu de
ombros.

— Bem, você parece estar realmente certa do que quer – Milo apontou com
os olhos fixos nela.

— O que você está querendo dizer?

Não houve uma resposta imediata da parte de Milo. Ele apenas ficou
encarando Anahí, exatamente como fazia quando ela o notou naquele bar.
Naquele momento ela percebeu qual era a intenção dele e não gostou. Milo
parecia deixar nítido que ainda tinha algum interesse nela e que estava
disposto a avançar, caso fosse recíproco. Anahí queria se afastar justamente
porque não era.

— Eu acho melhor eu ir embora – ela respondeu se levantando e


cambaleando por estar levemente alterada pela bebida.

— Me desculpe, eu não queria te assustar ou te afastar... – Milo disse


encostando no braço dela – Eu apenas pensei que você pudesse... não sei...
eu li que vocês não estavam mais juntos...

— Eu o amo – Anahí disparou – Eu sempre vou ama-lo, estando ou não


com ele. Como você continua amando a Mandy, mesmo ela estando em
Ohio e você aqui.

— Continuar amando a Mandy não me impede de seguir em frente com a


minha vida – ele ponderou.

— Então você não deve ama-la tanto quanto eu amo o Poncho – Anahí
devolveu – Ou ao menos não o suficiente para insistir. Seria covarde da
minha parte simplesmente largar o que nós temos e ficar com você quando
eu sinto que sou completamente dele. Então se você não quer insistir nela, é
direito seu... mas eu estou totalmente indisponível pra você ou pra qualquer
outra pessoa, porque só quero estar livre para uma. Talvez seja perda de
tempo, talvez eu espere por algo que nunca venha, mas pelo menos eu terei
dentro de mim a consciência tranquila de que esperei, entende? Eu não
suportaria ficar me perguntando o que poderia ter sido se eu não tivesse
tomado decisões erradas, por isso eu não irei toma-las.

— É claro que eu entendo – Milo concordou de pronto – É muito bonito


isso que vocês sentem um pelo outro. Você sabe que é totalmente
correspondida, não é? O olhar dele não mente.

— Eu sei – ela mordeu os lábios se lembrando da forma como Poncho


sempre a encarou, desde que eram dois garotos.

— Eu espero que dê tudo certo entre vocês dois – Milo se esticou para
beijar a testa dela – A verdade é que eu odiaria ser a pessoa que estragaria
essa última chance que vocês têm de ser felizes.

Última chance. Anahí ficou pensando naquilo. Será que realmente era a
última? Será que, caso tudo desse errado de novo, nada mais estava
reservado para eles dois? Aquela ideia, ao mesmo tempo que dava a ela um
aperto no coração, também deixava uma conclusão clara: se era a última
chance, deveria ser aproveitada.

— Vamos, eu levo você pra casa – Milo ofereceu, chamando o garçom para
pedir a conta.

— Não é necessário...

— É claro que é – ele riu – Você não vai conseguir andar reto daqui até a
porta do bar do jeito que está.

Anahí riu, constatando rapidamente que, apesar de tudo, naquilo Milo tinha
certa razão. Ao menos naquilo.

— Tudo bem – ela se deixou levar – Você me deixa lá e vai embora.

Certo.

Anahí foi calada o caminho inteiro. Com a cabeça encostada no vidro do


banco traseiro do táxi, ela pensava naquela questão de ser ou não a última
chance deles estarem juntos. Mais uma vez sentia raiva por tudo o que tinha
acontecido, pela forma como a história deles tinha sido interrompida. Ela
estava melancólica e silenciosa, refletindo internamente e brigando com os
próprios sentimentos. Não demorou nada para que percebesse que, se
Tobias tinha interrompido a primeira chance deles, as seguintes foram culpa
exclusiva dos próprios Poncho e Anahí. Poncho escolheu permanecer com
Diana quando Anahí voltou, Anahí decidiu renunciar a ele quando Daniel
não aceitou o relacionamento deles. Isso deixava claro que, quem causava o
problema, geralmente tinha em mãos a chance de soluciona-lo.

Uma luz se acendeu dentro dela enquanto lágrimas quentes escorriam em


seu rosto. Anahí decidiu resolver aquele problema na manhã seguinte. Ela
procuraria Poncho e diria que nada mais importaria. Ela esperaria sim pela
aprovação do filho dele... mas a espera seria deles juntos.

Quando eles chegaram ao prédio dela, começou a chover forte. Foi


inevitável que os dois, mesmo que tivessem andado apenas dez metros do
táxi até a portaria, não ficassem totalmente encharcados. Anahí não ligava,
é claro que não, ela apenas temia virar o pé com aquele sapato, algo que
poderia não acontecer com a bebida isoladamente, mas se somado à chuva...
no fim ela agradeceu silenciosa e secretamente por Milo estar ali com ela e
evitar uma torção àquela altura do campeonato. Afinal, ela precisava de
ambos os pés funcionando bem porque, quando acordasse no dia seguinte,
teria que correr atrás daquilo que mais lhe importava.

— Você está ensopado – ela disse rindo enquanto pegava a chave na bolsa e
abria a porta – Posso te emprestar uma roupa do Christian.

— Não é necessário – ele negou – Fique bem, ok?

— Eu vou ficar – Anahí suspirou entrando antes que conseguisse se


despedir.

— Anahí, eu estava preocupad... – Christian começou a falar, parando ao


ver Milo na porta e arregalando os olhos – QUE PORRA É ESSA?

— Não aconteceu nada – Anahí respondeu, ao mesmo tempo sem dizer o


que, na verdade, tinha ocorrido.

— Foi apenas uma coincidência – Milo disse levantando as mãos, já


entendendo qual linha de raciocínio o melhor amigo dela criava na cabeça.

— Essas coincidências nunca acontecem comigo – Christian revirou os


olhos, virando-se para Anahí em seguida – Você está bêbada como se
tivesse mergulhado numa garrafa.

— Mais ou menos isso – ela franziu a testa.

— Vamos, venha botar uma roupa seca – Christian disse apoiando-a pelo
braço, mas ela se afastou.
— Me dê um minuto.

Naquele momento Anahí queria se despedir de Milo. Por isso ela não
seguiu para o quarto com Christian, permanecendo na sala e abraçando o
ex-namorado com um sorriso no canto dos lábios. Milo tinha sido muito
mais útil do que ela jamais poderia prever, mais até do que ele sabia. Ele a
havia ajudado a chegar no ponto que tanto precisava estar. Não fazia ideia
daquilo, mas Anahí sabia ser grata. Ela jamais teria conseguido se ele não
tivesse deixado claro o quanto estava desperdiçando as chances com
Poncho.

— Obrigada – Anahí disse, sem estar exatamente disposta a explicar a ele a


razão de ser daquele agradecimento. Milo, como esperado, franziu a testa.

— Pelo que exatamente...?

— Por essa noite – ela mordeu os lábios, se afastando dele. Queria encara-
lo antes do que diria a seguir – Vá atrás da Mandy.

— Anahí...

— É maior do que você imagina que é, acredite em mim – Anahí respondeu


com convicção – Você vai se arrepender se não for.

Quem sabe se soasse como uma pequena maldição não teria mais efeito...?

Milo já estava pronto para sair quando Christian – que levava Anahí para
dentro do quarto – o chamou, pedindo-o para que esperasse. Ele obviamente
não fazia ideia do motivo pelo qual o melhor amigo de sua ex-namorada o
impedia de sair, mas Christian voltou em seguida, dessa vez sem ela e com
uma convicção no rosto.

— Olhe, está caindo o céu lá fora – ele disse se referindo à chuva – É


melhor você passar a noite aqui.

— Eu não sei se é uma boa ideia – Milo recusou com uma careta.

— No sofá, não na cama dela – Christian ressaltou – Se quiser ficar na


minha você é bem vindo.
Inevitavelmente Milo riu.

— Não aconteceu nada entre nós – ele rapidamente esclareceu – Não pense
bobagens.

— Eu não estou pensando – Christian respondeu – O coração dela tem dono


e Anahí é fiel até a morte, eu sei bem disso.

Agora Milo sabia também.

— Vou pegar uma roupa seca e uma coberta pra você – ele disse entrando
novamente pelo corredor – Embora eu não vá reclamar caso você prefira
dormir sem nada...!

Milo riu. Seria uma longa noite.

xxx

Poncho tinha pedido um tempo para Anahí e ele gostava de ser objetivo.
Não havia espaço para subjetividades, eles passaram tempo demais
separados e era hora de dar um fim naquele maldito hiatus. Exatamente por
isso, naquela noite, quando ele tinha levado Daniel para o apartamento de
Erendira para que os dois jogassem videogame juntos, Poncho decidiu que
era o momento propício para ter a conversa com o filho.

Ele se perguntava como seria se Daniel insistisse na posição de não aceitar


Anahí. Poncho, por melhor pai que fosse, não estava disposto a ceder para o
filho dessa vez. Ele era apenas uma criança de seis anos afinal. Diana bem
que dissera, ele iria entender aos poucos, ele era apenas um menino. Poncho
confiaria e acreditaria, faria o certo dessa vez. Ele não iria abrir mão de
Anahí novamente.

Mas ele não esperava que alguém tivesse passado a frente com relação a
Daniel.

— A mamãe conversou comigo sobre... a tia Any – Daniel revelou


analisando a reação do pai que, obviamente, foi um tanto surpresa.

— Ela conversou...? – Poncho perguntou pisando em ovos – E como foi?


— Ela disse que vocês não vão namorar mais – o menino continuou – E que
a tia Any não vai roubar você de mim.

— Ela não vai – Poncho agora tinha toda a atenção do mundo voltada ao
filho – Ela adora você, filho.

— E nem a Missy – Daniel completou.

— Missy também te adora – Poncho respondeu – Você é como se fosse um


irmão para ela.

Não houve resposta àquela fala. Diferentemente das vezes anteriores,


Poncho não encontrava toda a resistência do mundo no filho. Mais parecia
que ele conseguiria atingir Daniel daquela vez, que o menino estava aberto
ao diálogo. Não era algo com o qual ele sabia lidar ao certo, tinha se
acostumado com um Daniel que afastava qualquer chance de conversa
sobre Anahí e ele.

— Eu sempre vou amar você filho – Poncho sorriu para ele com toda a
ternura possível – Você sempre vai ser o meu número um*. Isso ninguém
nunca vai tirar de nós.

Daniel seguia impassível. Mas parecia, ao mesmo tempo, que ele


finalmente tinha sido tocado pelo pai.

— Ninguém nunca será capaz de fazer com que eu deixe de amar você –
Poncho disse abraçando-o e beijando o topo de sua cabeça – Mesmo que eu
case com a Any, mesmo que eu adote a Missy, você sempre vai ter um
quarto pra você na nossa casa. Sempre vai poder ir pra lá quando quiser e
elas vão adorar te ter conosco como eu adoro.

— Você tem certeza? – Daniel questionou – Promete que vai ser assim?

— É claro que sim – o coração de Poncho já estava mais aliviado. Estava


acontecendo...

— Então ok – o menino disse ao abraçar o pai de volta – Se você promete,


eu acredito. Você nunca mentiu pra mim.
— Eu não minto mesmo – Poncho riu – Vai ficar tudo bem, eu garanto a
você.

No fim os sentimentos bons estavam prevalecendo, exatamente como


Poncho tinha garantido a Anahí. Ele sabia que não seria fácil, não se iludia
de forma contrária. Seu filho resistiria ainda no início, provavelmente
estranharia ver o pai namorando Anahí. Mas ele teria paciência e tinha fé
que ela também teria. Ao menos Daniel tinha se aberto àquela
possibilidade, de aceitar a nova realidade sem rejeitar a madrasta. Com o
tempo e com tudo sendo feito com amor as coisas se encaixariam e
encontrariam o seu lugar, assim como tinham encontrado no passado
quando Poncho formou sua primeira família.

A única diferença é que a segunda seria completa como ele sempre quis.

*Nota da Autora: "Número um" é uma referência à This is us.

xxx

O coração de Poncho estava eufórico o suficiente para mal aguentar o dia


seguinte. Ele teve que se segurar para não ir atrás de Anahí naquela noite
mesmo. E somente não o fez porque Daniel dormiu com ele na casa de
Erendira, na cama que o pai usava no quarto de hóspedes da tia, a boquinha
aberta e o corpo relaxado pelo cansaço.

O pai não estava muito diferente. Poncho estava tranquilo e tenso ao mesmo
tempo; tranquilo porque finalmente conseguira convencer o filho à dar uma
chance à sua felicidade, tenso porque ainda não era concreto e não seria
enquanto ele não dissesse a Anahí. Ele se sentia próximo ao final do arco-
íris, quase alcançando o tão sonhado pote de ouro. Era o primeiro momento
que ele se sentia realmente feliz em tempos. Ele a tinha de volta, seria o pai
de seu filho e da filha deles, com sorte até de mais outra criança no futuro.
Anahí estava livre e eles estavam bem, ela estava segura, Tobias tinha sido
condenado. Não dava para prever que nada daria errado.

Mas é claro que daria.


Geralmente quando achamos que tudo está certo demais, é porque não está.
Eles ainda estavam no quase. Faltava resolver uma última coisa, solidificar
um último ponto, que ainda não estava fortalecido o suficiente para que as
coisas estivessem cem por cento no lugar.

Depois de deixar Daniel na escola não havia mais como segurar a


ansiedade, já tinha sido demais aquela noite inteira. Poncho seguiu direto
de carro para o prédio de Anahí, as mãos dele suavam na expectativa
durante o caminho porque ele sabia que estava há minutos de resolver tudo
entre os dois. Bastava que ele subisse as escadas, batesse na porta, Christian
abrisse e dissesse que Anahí ainda estava dormindo, ele entrasse no quarto
dela e a acordasse sob beijos, sabendo que nos primeiros minutos ela
certamente resmungaria porque odiava ser acordada, mas tudo valeria a
pena quando ele dissesse. Ela nem lembraria mais de nada quando estivesse
enroscada nos braços dele, com Poncho bem fundo dela, do jeito que ambos
gostavam que fosse.

O problema é que a rotina de Anahí na noite anterior não tinha sido como
em todas as outras.

Milo acordou antes dela, é claro que acordaria. Anahí voltou há algum
tempo a beber depois de oito anos sem ingerir nem uma gota de álcool, ela
estava se acostumando ainda e sua ressaca era realmente forte. Obviamente
ela não estava nem um pouco desperta quando Milo acordou, não fazia
ideia do que acontecia do lado de fora de seu quarto. Christian, por outro
lado, estava de pé quando viu o ex da amiga se levantar. Ele tinha um
ensaio fotográfico naquela manhã e por isso acordou bem cedo, passando
um café quente para ele e Milo, com quem teve uma conversa trivial sem
tanta importância.

Naquela noite mal dormida no sofá de Anahí Milo teve tempo para pensar
no conselho dela. E pensar que ele tinha encontrado com ela no bar
acreditando que, se algo tinha dado errado entre ela e Poncho, ele poderia
ter alguma chance. Mal poderia imaginar que a terminaria deitado daquela
forma, ouvindo a chuva caindo lá fora e pensando em Mandy. E no que
Anahí lhe disse antes de se recolher: que ele deveria ir para Ohio. Ir atrás da
mulher que ele amava.
Milo nunca tinha cogitado largar tudo e ir atrás dela, mas agora se
perguntava, por que não? Anahí estava bem, estava feliz, não era nem de
longe a mulher machucada e em pedaços que ele conheceu. É claro que
havia outros méritos, mas ele tinha certeza que boa parte daquela culpa –
totalmente positiva – era de Poncho. Ela estava bem porque enfim vivia sua
vida e estava prestes a ficar com o homem que amava. Milo se lembrava da
forma como aquele homem a olhava. Se ele se visse no espelho encarando
Mandy poderia apostar que ficava com a mesma expressão boba. Sentindo
o rosto esquentar com a constatação, ele teve a certeza que faltava de que
precisava seguir aquele conselho. Precisava ir atrás dela e encontrar seu
lugar. O resto se acomodaria depois.

E por isso, logo cedo, ele se levantou, dobrando a coberta e o lençol que
Christian lhe emprestou, prestes a ir para casa e pegar uma mochila com
poucos pertences e comprar uma passagem de avião. Logo Milo garantiu a
Christian que faria aquela roupa emprestada voltar ao seu dono, antes de se
despedir daquela que sabia que era provável de ser a última vez que o veria.
Ele só lamentou não poder fazer o mesmo com Anahí, agradecendo no
quanto a ex-namorada tinha sido importante naquela decisão que ele
acabara de tomar.

Como estava focado em seu objetivo, Milo sequer olhou para o lado. Não
viu um carro estacionar no meio-fio da calcada do prédio de Anahí quase
que ao mesmo tempo que ele saía pelo portão. Não viu que o motorista era
Alfonso Herrera, o homem que sua ex realmente amava como ele amava
sua Mandy. Não viu a expressão de incredulidade de Alfonso ao vê-lo
saindo do prédio de Anahí antes das oito da manhã e entender tudo errado.

Quando Poncho viu Milo sair dali com o cabelo bagunçado, a camisa
amassada e àquela hora, ele obviamente juntou as peças. Aquilo só poderia
significar uma coisa. Era óbvio que ele dormira ali e não era preciso pensar
demais para chegar a uma conclusão. Poncho estava estático somente
porque, em sua cabeça, ele e Anahí estavam juntos. Eles não tinham
terminado, ele apenas pediu um tempo para resolver as coisas com o filho.
Será que ela não poderia ao menos esperar aquele tempo antes de estragar
tudo se envolvendo com outro...?
Não havia arco-íris, nem pote de ouro. Não havia final feliz para eles. Com
raiva, Poncho socou o volante e saiu com o carro dali. Curiosamente o
timing foi terrível mais uma vez: ele não viu Christian saindo do prédio em
seguida... justamente o único que sabia o que realmente tinha acontecido
ali.

Com raiva, com a mágoa à flor da pele, Poncho sequer conseguiu chegar
em casa. Ele tinha duas opções: beber ou encarar os fatos. Ele estava ferido
demais e ainda estava muito cedo para entornar uma garrafa de bebida
garganta abaixo. O sempre metódico e calculado Poncho acabou dando
lugar a um homem impulsivo ali. Quando ele deu por si, já tinha dado meia
volta com o carro novamente e, em poucos minutos, estacionava na calçada
dela, no mesmo ponto que antes. Só que dessa vez ele subiria.

Anahí estava dormindo quando alguém começou a bater insistentemente na


porta. A cabeça dela doeu ao acordar com o barulho e mais ainda ao se dar
conta de que provavelmente Christian não estava em casa e seria ela a ter
que abrir a porta. Depois de tentar adiar o inevitável, se dando conta que
teria que levantar de toda forma, ela bocejou mal humorada e se arrastou até
a sala. Do outro lado estava um Poncho com uma expressão dura que ela
obviamente não entendeu.

— O que houve...? – ela perguntou tanto pela cara dele, quanto pela nítida
insistência ao bater na porta, acreditando que só poderia ter acontecido algo
– Eu estou com uma ressaca horrível...

— Eu imagino a sua ressaca – a voz de Poncho saiu irônica e ele entrou a


passos pesados, antes mesmo de ser convidado por ela.

— Por que você está falando assim comigo? – Anahí franziu a testa sem
entender a forma áspera com a qual ele falava com ela.

— Você não vai me contar...? – Poncho questionou, sentindo a irritação se


acentuar ao ver que ela se fazia de desentendida.

— Contar o quê?
— Eu não acredito que você vai ficar nessa... – Poncho ria de nervoso – Eu
não acredito que você fez isso com a gente...!

— O que eu fiz com a gente? – ela voltou a perguntar.

— Anahí, eu vi! Não foi ninguém que me disse, eu vi...!

— Porra, você viu o quê?

— Eu vi que você dormiu com ele! – Poncho disparou.

Com aquela acusação Poncho esperava no mínimo que Anahí demonstrasse


a culpa estampada no rosto ao ser descoberta. Esperava que ela começasse a
enumerar uma série de desculpas, estava até pronto para ouvir algumas
delas... mas tudo o que ele viu foi a incredulidade no rosto dela. O que
Anahí demonstrava é que não entendia a que ele se referia, e com isso
Poncho não sabia lidar.

— Eu não dormi com ninguém – ela se defendeu.

— Você realmente acha que eu sou idiota? – ele rebateu possesso – Eu o vi


saindo daqui hoje! Eu vi, com os meus próprios olhos! Vai dizer o que, que
eu inventei?

— Poncho, você pode ter visto o Papai Noel saindo daqui hoje, mas não
muda o fato de que eu não dormi com ninguém – Anahí bufou longamente
– Se você não acredita em mim...

— Você sequer está admitindo que ele passou a noite com você!

— Porque eu não passei a noite com homem nenhum! – Anahí insistiu – Eu


realmente vi o Milo ontem, mas...

— Você sabe o que eu vim fazer aqui hoje? – Poncho mencionou antes de
morder os lábios – Vim te contar que conversei com o Dani. Que eu
consegui convencê-lo a te dar uma chance, a nos dar uma chance. Eu estava
nervoso, ansioso, eu mal dormi essa noite. Pra no fim acordar, vir correndo
pra cá louco pra te beijar e ver o seu ex-namorado saindo do seu prédio com
os cabelos bagunçados e a cara de quem passou a noite inteira com você...!
Tinha alguma coisa muito errada ali. Anahí se lembrava de Milo deixando-a
ali, se lembrava de Christian colocando-a na cama... que diabos tinha
acontecido naquele meio de caminho que ela não sabia?

O que quer que fosse, Poncho não estava exatamente disposto a ouvir.

— Eu realmente achei que você nos levava tão a sério quanto eu levava –
Poncho disse caminhando para a porta – Eu não achei que fosse terminar
assim.

— Poncho...

Mas nenhuma palavra foi capaz de impedi-lo de sair dali. Anahí até
choraria, mas ela estava estática, sem entender nada. Nada fazia sentido... a
não ser pelo fato de que ele tinha chegado a algumas conclusões e não tinha
sequer lhe dado a chance de se explicar. E isso parecia tão ruim quanto todo
o resto.

Ahhhhh, os bons e velhos mal entendidos...

Vcs acharam que tudo seria flores pra AyA nessa reta final? Hahahahaha
tem que ter aquele sustinho antes do grande momento né?

Preciso dizer algumas coisas sobre o que andei lendo os comentários.


Primeiro, achei que vcs fossem ficar bem mais putas com a chegada do
Milo kkkkkkkk o tanto de "oi sumido" que eu li não ta nesse mundo kkkkkk

Segundo, sei que muitas de vcs queriam que Milo ficasse com a Diana, mas
eu já fiz isso na IC ne mores? Não vou repetir. Gostaria de lembrar que o
Milo já ama outra pessoa e nesse cap isso fica bem nítido: ele até tenta
seguir em frente, mas o coração dele é da Mandy e isso não muda Diana
já tem um final pronto e não será com ele, na verdade o fim dela foi o
primeiro no qual eu pensei.

Na verdade a grande finalidade nessa volta do Milo foi fazê-lo ser decisivo
pra AyA, assim como a Diana foi ao incentivar o Dani a aceitar o namoro
do pai. Milo diz pra Anahi, ainda que sem querer, tudo o que ela precisa pra
saber que é com o Poncho que ela deve estar. E ela acaba retribuindo
dizendo a ele o que ele precisa pra ir atrás da mulher que ele ama.

Quis deixar assim porque eu acho que é isso que se deve fazer quando se
gosta de uma pessoa: deixa-la livre!

Claro que o Poncho fez uma cagada básica no fim, mas temos que empatar
já que da primeira vez foi a Anahi que cagou tudo kkkkk uma qualidade
minha é que quando eu quebro algo, ja sei exatamente o que farei para
consertar!

Outra coisa muito importante: eu sei que to mtmtmt atrasada nos


comentários, mas tive umas semanas difíceis doente e acabei de ter um
falecimento na família :( Tem sido difícil escrever, mas o gás que vcs me
dão votando, comentando e falando lá no twitter ajuda e muito! 😻

Ansiosas pra próxima quinta? Eu to!

Beijos,

Rafa
Capítulo 78 - It will always be you

Depois que Poncho saiu, Anahí se sentou no sofá tentando juntar as peças
do que poderia ter acontecido. Ela não estava com raiva, não estava
magoada, apenas confusa. Sua cabeça doía pela ressaca, o que não a
ajudava a raciocinar. Ela se esforçava a lembrar o que tinha acontecido na
noite anterior, certa de que provavelmente tinha esquecido de algum
pedaço, mas logo se deu conta do óbvio: ela não esquecera nada. Se não
lembrava de algo mais, é porque nada mais tinha acontecido e ponto.

Tudo o que Anahí se lembrava era de ter encontrado Milo naquele bar e de
já ter bebido um tanto antes de se deparar com seu ex-namorado. Marina
estava com ela, Anahí se lembrava da amiga dizendo que sua filha estava
passando mal e que ela precisava ir embora. Foi quando ela percebeu um
olhar masculino em sua direção, decidindo encarar o dono do olhar antes de
sair correndo dali. Quando reconheceu Milo, o medo deu lugar à
incredulidade. A Anahí altinha pela bebida saiu do balcão do bar e foi para
a mesa dele.

Naquela mesa uma conversa interessante teve lugar. Eles falaram deles, de
Mandy, de Poncho. Ela deixou clara sua fidelidade aos próprios
sentimentos, enfatizou que amava Poncho e que não colocaria tudo a perder.
Milo decidiu leva-la para casa porque ela estava bêbada. A última
lembrança de Anahí era de chegar no próprio apartamento e encontrar um
Christian que mal acreditou que ela estava com o ex. Logo Christian a tirou
de perto de Milo e a levou para o quarto, algo que só aconteceu depois que
Anahí desvencilhou do amigo e voltou até o ex para dizer algo que, com
algum esforço, ela se lembrou.

"Vá atrás da Mandy".

Era isso. Após o conselho ser dado, ela abraçou Milo e, em seguida, foi
levada por Christian para seu quarto, onde o amigo tirou sua roupa molhada
e a colocou na cama. Ali estava a última lembrança dela: ser deitada com a
roupa que estava e fechar os olhos.
Dessa forma, era impossível que ela tivesse feito algo mais. Anahí tinha
certeza que, o que quer que Poncho tivesse visto, não era culpa dela.
Enquanto acordada, Anahí foi firme em seu propósito de se manter fiel a
ele, aos sentimentos que ela nutria. Não era dormindo que tudo seria
diferente.

Mas ao mesmo tempo, era óbvio que Poncho não reagira do nada. Da
mesma maneira que ela não os jogaria ralo abaixo, ele também não faria.
Poncho tinha visto Milo sair dali. Anahí só precisava entender o que tinha
acontecido depois que ela pegou no sono, e sabia que apenas uma pessoa
poderia tirar aquela dúvida.

Por isso, logo depois de tomar uma aspirina para acabar com aquela maldita
dor de cabeça causada pela ressaca, ela pegou o próprio celular e enviou
uma mensagem a Christian perguntando o que tinha acontecido depois que
ela dormiu. Felizmente ele não demorou nada para responder.

"Nada de mais, coração. Seu ex-namorado estava como um pinguim


ensopado e caía uma chuva torrencial do lado de fora. Sugeri que ele
passasse a noite no sofá e emprestei uma roupa seca para que ele dormisse.
Ele saiu hoje pela manhã, logo antes de mim. Fiz algo de errado?"

Estava explicado. Poncho provavelmente chegou e viu Milo saindo, tirou as


conclusões. Ela não teve o que explicar, porque não sabia sequer que o ex
tinha passado a noite ali. Ele interpretou a falta de explicações dela como
uma forma de se esquivar do que tinha feito e certamente ficou mais irritado
ainda. E ali estavam eles, com aquelas informações desencontradas.

Mas, sobretudo, ali estava ela, percebendo que Poncho sequer tinha tentado
um diálogo sobre o ocorrido. Ele apenas juntou as peças à sua maneira, sem
dar a Anahí a chance de se explicar. E isso poderia magoa-la da mesma
forma como ele achava que ela o tinha magoado.

xxx

— Eu não acredito – Erendira murmurou quando o irmão terminou de


contar a história.
Poncho estava agoniado. Ele tinha um pingo de esperança de, ao ver Anahí,
ela lhe falar o que era impossível: que nada tivesse acontecido. Queria que
ela lhe dissesse que tudo não passara de um mal entendido, contasse uma
história plausível e o fizesse se sentir um tolo por pensar que ela seria capaz
de trai-lo daquela forma. Mas não tinha sido assim. Anahí negou, como se
ele fosse algum tipo de idiota, como se fosse alguma mentira. Só que não
era. Ele viu Milo saindo do prédio dela e ela não era capaz de explicar a
razão de ser daquilo além do óbvio.

— Pois é, nem eu acredito – ele murmurou desgostoso, tampando o rosto.

— Eu falo sério – Erendira insistiu – Poncho, tem algo errado nessa


história, a Anahí não seria capaz de...

— Eren – Poncho a interrompeu – Eu também achava que não. E eu subi


até lá, esperando que ela me explicasse aquilo, mas... ela só ficava dizendo
que não tinha acontecido nada, que não tinha dormido com ninguém. Como
não...? Eu vi!

— Você o viu saindo do prédio dela – Erendira observou – Não viu os dois
se beijando, nem transando.

— E o que você acha que ele estava fazendo lá às oito da manhã...? –


Poncho cruzou os braços inquieto.

A verdade é que Erendira não queria aceitar a ideia de que Anahí tinha
traído seu irmão. Ela sabia que aquilo simplesmente não condizia com o
caráter da cunhada, as peças simplesmente não fechavam. O problema é que
a reação de Anahí fez Poncho acreditar ainda mais em suas suposições e
parecia difícil demovê-las dele agora. E sua irmã, por outro lado, acreditava
em Anahí apenas por sua intuição... mas não tinha nenhuma hipótese do que
poderia ter acontecido que fosse na defesa dela.

— Eu não sei – Erendira suspirou – Mas eu acho que você deveria


conversar com ela.

— Eu já conversei com ela – Poncho rebateu – Ela não soube me dar uma
explicação sequer...!
— Talvez ele estivesse lá, mas os dois não tenham dormido juntos – ela
supôs – Talvez...

— Pare de defendê-la, pelo amor de Deus – ele revirou os olhos – Ela me


traiu...!

— Talvez ela achasse que vocês estavam dando um tempo – Erendira


voltou a supor.

— Eu não pedi um tempo pra nós, eu pedi um tempo pra conseguir


convencer o Dani que...

— Vocês são muito Ross e Rachel mesmo, Deus do céu – ela negou com a
cabeça rindo.

— Não venha com o papo das lagostas de novo – ele resmungou.

— Sim, eu venho – Erendira insistiu – Venho, porque eu conheço a Anahí


há tanto tempo que é difícil ter uma lembrança de quando ela não fazia
parte das nossas vidas. Você e ela estudaram juntos desde que eram
crianças, você sempre gostou dela e demorou vidas para admitir para si
mesmo... mas o seu olhar pra ela nunca enganou, nunca me enganou. Você
pode ter precisado de uma exibição de Titanic no cinema pra se dar conta
que gostava dela, mas eu nunca precisei disso. Desde, sei lá, os onze anos
você já olhava pra ela de uma forma especial, e isso não mudou com os
anos. Não mudou quando o primeiro beijo dela não foi com você, não
mudou quando vocês foram para a faculdade, não mudou quando ela
desapareceu e você casou com outra pessoa, não mudou quando você
escolheu a Diana e ela ficou com o Milo... então desculpe Poncho, mas não
é agora que vai mudar.

A fala de Erendira deixou Poncho completamente sem palavras. Ele não


tinha nada a dizer, sentia que aquilo tudo era um verdadeiro tapa na cara
que sua irmã lhe dava. Erendira deixava claro que não importava o que
tinha acontecido: a história deles exigia uma conversa franca e honesta.
Eles tinham enfrentado demais, lutado demais, sobrevivido demais para
simplesmente jogar a toalha por algo que parecia tão banal.
— Engula o seu orgulho e o que mais tiver para ser engolido e vá atrás dela
– Erendira completou – Em nome da história de vocês, de tudo o que vocês
enfrentaram... vá e coloque tudo em pratos limpos.

Era o que Poncho faria.

xxx

Lexie tinha em mente os conselhos dos amigos de que conversar com Mark
era a melhor opção para evitar que seu relacionamento com ele tivesse o
mesmo fim que teve nas vezes anteriores. Ela apenas não encontrava o
momento, quem sabe as palavras certas, para começar a falar daquilo.

Por outro lado, Mark também não sabia qual era a melhor maneira de
perguntar à Lexie se ela já havia se decidido. Ele também sentia que dessa
vez os dois deveriam fazer diferente, mas tinha medo de terminar
pressionando-a com a própria ansiedade. Mark sabia o que queria, mas a
verdade é que já sabia há tempos e que essa certeza os colocou a perder. Ele
não queria arriscar.

No fim, foi necessário que uma terceira pessoa acabasse facilitando as


coisas entre eles.

Foi numa noite quando Lexie, mais uma vez, iria dormir com Mark, por
mais que a situação entre eles estivesse longe de se tornar oficial. Só que
Sofia acabou ficando até tarde no apartamento do pai para, na hora de
dormir, resmungar que queria ficar com as mães. Por sorte Callie e Arizona
viviam no apartamento da frente e Lexie pegou a enteada nos braços para
leva-la para lá. Ela tocou a campainha e Arizona pegou a menina, com uma
risada no rosto que rapidamente foi explicada.

— Agora que vocês estão morando juntos essa cena tende a se repetir – ela
disse rindo antes de fechar a porta – Sofia nunca sabe se quer ficar aqui ou
lá...

Lexie ficou sem graça, sentindo o rosto formar um rubor. Ela se apressou
em desfazer aquele pequeno mal entendido.
— Nós não estamos morando juntos – ela corrigiu rapidamente.

— Não? – a cirurgiã franziu a testa surpresa – Oh. Me desculpe... é que


você passa praticamente todas as noites com ele, então eu pensei que...
enfim.

Pensou no óbvio, é claro. Lexie disse que não havia problemas, se despediu
das duas e voltou para o apartamento de Mark pensando numa única coisa:
um rótulo.

A verdade é que ela e Mark já estavam fazendo aquilo. Eles já viviam


juntos, já eram um casal de namorados que dividiam a cama, o banheiro, o
café. A única coisa que faltava era um rótulo, o nome oficial, os dois
dizerem que estavam sim morando no mesmo apartamento. Lexie tentou
puxar pela memória mas não conseguiu se lembrar da última vez que tinha
ido para o porão de Meredith, onde ela ficou por poucas noites desde que
deixou Jackson, apenas para resistir à verdade que agora ela conseguia
admitir: que era com Mark que ela queria estar. Que era ali que ela deveria
ficar.

Mark flagrou Lexie sentada no sofá com a expressão pesarosa e sequer


desconfiou de qual seria a razão de ser daquilo. Ele não fazia ideia que a
mente dela divagava sobre o que era melhor decidir em relação a eles, até
porque não fazia ideia do impacto que as dúvidas que Jackson colocou na
cabeça da ex a faziam se questionar se ela e Mark iriam para frente ou não.
Ele apenas percebeu que havia algo errado e se aproximou dela para tentar
ajudar, sem fazer ideia do quanto tinha a ver com ele, com eles, aquela
agonia toda.

— Problemas? – ele disse se aproximando e oferecendo uma taça de vinho.


Mark também tinha uma em mãos.

— Estou apenas... pensando.

— Paciente? Cirurgia? – Mark questionou se sentando ao lado dela –


Algum procedimento tirando a sua paz? Eu posso debater com você, se
quiser.
Quem dera fosse algo simples assim.

— Você quer que eu venha morar com você – Lexie entregou sem rodeios.
Ela estava cansada de andar em círculos, talvez fosse melhor ser franca de
uma vez e encerrar aquilo – E se eu vier? O que nos garante que tudo não
vai dar errado como deu das últimas vezes...?

Mark ergueu as sobrancelhas completamente surpreso. Ele jamais


imaginaria que ela estava questionando tudo aquilo.

— Lex... – ele suspirou longamente – Nada garante.

— É que... – ela passou as mãos sobre as próprias pernas, nervosa, sem


encara-lo – Você vai querer mais, você sempre quis mais do que eu pude
dar, do que eu quis dar. E se você quiser de novo?

— Do que você está falando?

— De casamento – Lexie finalmente disse – De filhos.

Mark fez um breve silêncio observando-a, pensando sobre aquilo que ela
dizia. Nervosa com a ausência de resposta imediata dele, Lexie continuou.

— Eu não sei se estou pronta para casar com você Mark – Lexie mordeu os
lábios – Eu definitivamente não estou no momento para ter filhos.

— Eu sei que não – Mark disse calmamente. Ele sempre soube.

— Não estou dizendo isso porque eu fugi de um casamento porque a


verdade é que eu fugi do Jackson, mas ao mesmo tempo, eu sei que só
aceitei casar com ele porque ele forçou a barra enquanto eu estava bêbada
num pedido feito em público – ela completou – Eu não quero que seja
assim entre a gente. Mas como eu disse, você sempre quis mais, então se
você quiser, se ainda quiser, eu não sei se sou capaz de te dar tanto assim.

Com os braços apoiados nos joelhos e o punho cerrado no queixo, Mark


ouvia atentamente cada palavra que Lexie dizia. Via, nitidamente, o quanto
ela estava nervosa por admitir tudo aquilo, provavelmente porque os dois
nunca tinham tido aquela conversa. Era provavelmente por estarem
debutando naquele tipo de sinceridade que Lexie estava agoniada daquela
forma. Mark, por outro lado, parecia bem, tranquilo e seguro com tudo.
Mais uma vez, por ele saber exatamente o que queria... embora não da
forma como Lexie pensava.

— Tudo bem – ele disse sem mexer um músculo, o que gerou uma reação
de surpresa absurda nela.

— Tudo bem...? – Lexie ergueu as sobrancelhas. Era isso? Ele não diria
mais nada? – Mas você não...

— Se eu quero mais? – Mark perguntou quase rindo – Sim, eu quero. Mas


vou exigir ou forçar para que nós tenhamos, ou quem sabe colocar como
condição pra que nós continuemos longe? Não.

Pelo visto Lexie não tinha sido a única a mudar ali...

Ao perceber o olhar dela de total incredulidade, Mark se encostou no sofá,


encarando-a de frente e segurando seu queixo. Era preciso olho no olho
para dizer o que ele diria, afinal.

— É claro que eu quero me casar com você – ele falou vagarosamente,


pronunciando sílaba por sílaba, bem devagar – E Deus, é lógico que eu
quero que nós tenhamos filhos. Mas se for preciso abrir mão disso pra que
nós dois fiquemos juntos, caso você nunca queira... tudo bem.

— É lógico que isso não vai dar certo – Lexie disse tentando se
desvencilhar, mas Mark tocou seu braço, impedindo-a de sair dali.

— Exatamente por isso que vai dar certo – ele insistiu – Eu acho que é
apenas uma questão de momento, você não quer agora. Você disse uma
vez... era cedo demais apenas. Você quer terminar sua residência, escolher
um hospital pra trabalhar, quem sabe se dedicar a uma pesquisa... fazer tudo
o que eu tive a chance de fazer. Eu vou esperar por você.

— E se no final disso tudo eu decidir que não quero casamento e nem


filhos?
— Eu vou aceitar – Mark insistiu com aquela segurança invejável que tanto
faltava a ela.

— E vai ser completamente infeliz por minha causa...? – Lexie questionou.

— É claro que não – ele franziu a testa atestando o óbvio – Eu sou pai, eu
tenho uma carreira consolidada, eu estou com a mulher que eu amo,
finalmente... como eu poderia ficar infeliz...?

— Não sei, quem sabe não tendo tudo o que você quer...

— Lex, se tem algo que eu aprendi tendo que abrir mão de você, foi que
nós nunca teremos tudo o que queremos – Mark disse convicto e, dessa vez,
segurando as mãos dela – Sempre faltava alguma coisa. Um amor, uma
família, filhos. Agora eu tenho uma filha, que não é sua, mas ok. Faltava
você. E agora eu te tenho de volta, e não vou desperdiçar. Então se você não
quiser mais, eu vou me contentar. Se você um dia quiser... é sinal de que eu
realmente sou um filho da puta incrivelmente sortudo.

Com aquelas palavras, aquela serenidade que ele falava e o sorriso que
Mark tinha nos lábios, Lexie enfim se permitiu relaxar, entrando no abraço
dele wnquanto aquele peso todo saía de seus ombros, pensando somente no
quanto os amigos tinham razão quando diziam que o que faltava a ela e
Mark era uma conversa boa e honesta. Era o que tinha feito a diferença para
pior da vez anterior e o que se mostrava decisivo dessa vez.

— Eu não sei se vou ficar no General Hospital quando terminar a residência


– ela admitiu, ainda dentro do abraço dele – Tem vários hospitais, várias
opções...

— Eu sei – Mark se soltou dela e segurou seu rosto carinhosamente – Pra


onde você decidir ir, eu irei com você.

— Mas a sua vida, seu emprego, a Sofia...

— Nós damos um jeito – Mark finalizou a abraçando de novo – Decida o


que quiser Lex. Eu estou com você qualquer que seja o caso.
Lexie relaxou com aquele pensamento, encostando a cabeça no pescoço de
Mark, sentindo seu cheiro. Ela queria casar com ele e se via perfeitamente
no futuro dos dois criando uma criança juntos. Ela apenas não queria falar
ou planejar aquilo naquele momento, tudo teria seu tempo e viria em seu
momento.

O que realmente importava é que ela enfim tinha conseguido verbalizar


para Mark o que queria para si, para eles. E, diferentemente das
experiências anteriores, aquilo serviu para uni-los, não para separa-los.
Parecia que a relação deles enfim tinha amadurecido, que os dois enfim
tinham aprendido com os erros de antes.

xxx

Anahí tinha passado horas suficientes sozinha para ficar completamente


magoada com Poncho. Depois que ele foi embora ela foi até a casa da mãe,
buscou Missy e as duas saíram juntas para comprar o material escolar da
menina. Missy estava animada e tagarela naquele dia, a mãe tentava
acompanhar, mas não conseguia se concentrar por estar avoada nos próprios
problemas. Somente no início da noite Christian chegou no apartamento e
confirmou o que já tinha adiantado por mensagem: que Milo tinha de fato
dormido ali, no sofá, como um gesto de gentileza de Christian pela chuva
que caía lá fora. Nada além daquilo.

Juntando as informações que ela deu de sua briga com Poncho com o que
aconteceu depois que Anahí dormiu, ela e Christian juntaram as peças do
mal entendido. Mas ao invés daquilo alivia-la, só deixou Anahí mais
irritada.

— Me diga uma coisa, vocês nunca vão se resolver? – Christian perguntou


cansado, de braços cruzados, bufando para ela – Sempre vai ter algo nesse
caminho que impede...?

— Isso dói em mim muito mais que em você – ela mordeu os lábios – Mas
ele não confia em mim Christian. O que eu posso fazer quanto a isso?

Realmente, Anahí não tinha nada a fazer. Christian se irritava por ver o
sofrimento e, ao mesmo tempo, a impotência da amiga frente àquela
situação, já que parecia óbvio que Poncho tinha errado, Poncho deveria
consertar tudo. Se da vez anterior fora Anahí quem estragou as coisas entre
eles, dessa vez mais parecia que Poncho estava decidido a empatar o jogo.
Só que Christian era amigo dos dois e Deus era testemunha da quantidade
de vezes que ele cobrou de Anahí que resolvesse as coisas. Era a vez de
cobrar de Poncho.

Então ele apenas esperou pelo momento em que a amiga se distraiu


enquanto Missy tomava banho para se afastar dela o quanto pôde, já com o
celular no ouvido.

Poncho não demorou a atender... o que era bom, porque Christian não
estava tão disposto a esperar.

— Alô?

— Anahí não dormiu com o Milo – ele disparou, sem dar tempo do amigo
sequer racionalizar.

— Christian?

— O próprio – ele confirmou, suspirando – Não diga nada, apenas me ouça,


porque se você não me ouvir eu vou até o apartamento da sua irmã te fazer
engolir palavra por palavra – ameaçou. Do outro lado, Poncho não teve
opção senão se calar – É claro que ela não dormiu com ele. Os dois
chegaram juntos, ela estava bem bêbada como você sabe que ela fica, mas
nada além disso. Eles se encontraram e ele a trouxe para casa, estava
chovendo muito e os dois se molharam. Eu a levei para dentro, a coloquei
na cama depois de trocar a roupa dela e disse que ele deveria esperar, depois
falei pra ele não ir embora, passar a noite no sofá. E foi o que aconteceu.
Foi no sofá que ele dormiu e mesmo assim, porque eu disse. Anahí não teve
nada a ver com isso, ela nem sequer ficou sabendo. E hoje de manhã ele
acordou e foi embora, não esperou que ela acordasse porque os dois já
tinham se despedido ontem Poncho. Mais ou menos quando ela deixou
claro que não queria ficar com ele porque ela já é apaixonada por você.

Aquelas revelações soaram como um verdadeiro tapa na cara de Poncho. O


momento em que ele se sentiu um enorme idiota por não ter dado a Anahí a
chance de dar sua versão, de sequer se defender. Agora ele pensava que era
óbvio o quanto Christian dizia a verdade, se dando conta que Anahí jamais
seria capaz de fazer o que ele a acusou. Mas, para variar, Poncho tinha se
dado conta daquilo um pouco tarde demais.

— Ela está em casa? – Poncho perguntou – Eu preciso...

— Você não vai vir aqui agora – Christian impôs – Você vai esperar até
amanhã. Ela vai deixar a Missy na escola bem cedo e você vai espera-la lá,
quando ela estiver sozinha, e vai pedir desculpas. Se eu bem conheço a
Anahí ela não vai te perdoar, mas não interessa, você estará lá assim mesmo
e vai esperar até que ela te perdoe. Não importa se leve dias, meses ou anos,
você vai esperar por ela e vai ser tão fiel a ela quanto ela sempre foi a você.
Não é uma opção Poncho, se você não fizer isso eu honestamente viro as
costas pra você. Minha amiga não merece sofrer mais do que já sofreu, eu
não vou deixar que você a deixe em frangalhos. Ela merece ser feliz de
verdade, merece que você seja o homem que deve ser. Então seja.

E o recado estava dado.

O dia seguinte era uma segunda-feira e era o primeiro dia de Missy na


escola. Anahí estava mais nervosa que a própria filha, se é que era possível,
por isso acordou cedo, preparou o café da manhã, acordou a menina e a
levou até o banho, sentindo as mãos suando conforme a hora se
aproximava. Missy estudaria na escola que Maite lecionava, que era bem
diferente da anterior, onde estudava enquanto morava com Barbara e Ed.
Por mais que fosse pública aquela nova escola era de qualidade, era
requisitada, por isso certamente a menina estranharia o ambiente. E como
Missy era uma criança sensível, aquilo deixava Anahí mais nervosa do que
deveria.

Mas aquele nervosismo todo não se refletia na filha. Enquanto Anahí


mordia os lábios e olhava o relógio o tempo inteiro, Missy, dentro do táxi,
observava a vista e balançava as perninhas animada. Quando chegaram e o
sinal tocou, Anahí apontou para ela quem seria sua professora e viu a
menina dando-lhe um beijo na bochecha e indo animada na direção da
mulher, que acenou, deixando a mãe que esperava que ela caísse no choro
para trás com um nó na garganta. Ao ver a filha sumir de sua vista, foi
Anahí quem terminou chorando... embora não soubesse o motivo daquela
reação.

Poncho a observava à distância desde que tinha chegado. Ele viu toda a
cena, bem como viu Maite falando rapidamente com a melhor amiga e
consolando-a, logo antes de entrar novamente na escola e deixa-la para trás.
Quando Anahí voltava, secando os olhos, pronta para pegar um táxi, ela se
deparou com a presença dele, que não era algo exatamente esperado.

— Diana também chorou no primeiro dia de aula do Dani – Poncho admitiu


vendo as sobrancelhas dela arqueadas – Eu nunca entendi ao certo o
sentimento, mas se ela chorou, é claro que você também choraria.

Era óbvio que ele estava tentando iniciar uma conversa, mas igualmente
óbvio que Anahí não facilitaria.

— O que você ta fazendo aqui? – ela questionou cruzado os braços – Veio


ver se o Milo tinha vindo trazer a Missy pra escola junto comigo...?

— Claro que não – Poncho bufou envergonhado – Eu deveria ter te deixado


se explicar...

Mas Anahí tinha uma resposta na ponta da língua.

— Você não deveria ter duvidado de mim, pra começo de conversa – ela
devolveu com a clara mágoa de quem sentia por ter sido julgada daquela
forma.

— Você precisa entender que...

— Porque se você me amasse do jeito que eu te amo, ou se pelo menos


acreditasse no meu amor... – Anahí cuspiu aquelas palavras – Não iria sair
tacando dez pedras em cima de mim apenas pelo que você viu.

— Anahí...

— Porque a verdade é que você não viu nada Poncho, você apenas deduziu!
– ela voltou a disparar – Você chegou lá, viu o Milo saindo do meu prédio e
saiu me atacando quando eu sequer sabia o que estava acontecendo...!
— Você está certa – ele tinha a cabeça baixa, tomado pela vergonha da
certeza do próprio erro – Eu não deveria ter duvidado de você. Eu... eu sei
que eu estou errado.

— No mínimo – Anahí continuou – Porra, nós nos conhecemos desde que


éramos crianças. Eu namorei com você desde os meus dezesseis anos. Você
foi o primeiro homem da minha vida... você foi o único. O único que eu
amei, o único pra quem eu me entreguei duas vezes. Você realmente acha
que eu jogaria tudo isso pro alto por apenas uma noite...? Você acha que eu
levaria tudo a perder com o amor da minha vida, com o pai da minha
filha...?

As palavras de Anahí faziam o rosto de Poncho queimar de agonia. Doía


demais ouvi-la jogando a mágoa para fora, escancarando a falta de
confiança dele. E se ela sentia a dor por isso, imaginava como Anahí se
sentia frente à forma como ele a tratou. Em especial aquele final, a maneira
como ele se referia a ele... o amor de sua vida. O pai de sua filha. A prova
que ela, no fim, tinha aceitado que Poncho adotasse Missy e entrasse na
vida das duas, não apenas na dela. Mas no fim o final tinha sido outro.

— Eu errei, eu sei que eu errei – Poncho se aproximou – Mas por favor...


por favor, não faça isso com a gente...

— Eu te perdoo por ter errado, mas não to pronta pra simplesmente seguir
como se nada tivesse acontecido – Anahí respondeu prendendo as lágrimas.
Poncho a conhecia bem demais para saber como ela se sentia, como reagia
– E por favor, sem essa de "não faça isso com a gente". Foi você quem fez.

— Eu sei – ele concordou assentindo com a cabeça baixa.

— Não, não sabe – ela respirou fundo – Você vai ter que esperar, Poncho.
Esperar até que eu esteja pronta pra passar por isso. Quem sabe aprender a
confiar em mim, a confiar em nós. Esperar até que eu veja que isso
aconteceu.

Ele sabia que não seria fácil, que não seria diferente. Exatamente por
conhecer bem aquela Anahí que estava na frente dele, por saber que a
Anahí que ele amou no passado faria exatamente o mesmo, que era de se
esperar. Mas Poncho tinha em mente o que Christian lhe dissera naquela
ligação: ele esperaria, fosse por dias, meses ou anos. Ele estaria lá quando
ela estivesse pronta e, naquele tempo, ficaria pronto para ela. Porque Anahí
merecia isso... merecia ter o melhor homem ao seu lado, o homem que a
faria incondicionalmente feliz e nunca mais duvidaria dela. Poncho
aprenderia a confiar e a se entregar sem reservas. Ele se tornaria aquele
homem por ela.

Oi gente linda! Será que hoje, ao menos hoje, vocês não estão querendo me
matar? Hahahahahaha só a título de curiosidade!

O capítulo de hoje foi todo destinado a AyA e ao Poncho ouvir as verdades


que ta precisando. Agora ta na mão dele merecer a Anahi e fazer jus a ela.

Nesse meio tempo a vida dos personagens vai andar! Teremos uma pequena
passagem de tempo no próximo capítulo e algumas coisas bemmmm
interessantes vão acontecer. Mas podem relaxar, só coisa boa, a primavera
ta chegando na SVE

Beijos,

Rafa
Capítulo 79 - In our dreams

O tempo não parava. O tic tac do relógio definitivamente não queria parar.

Quando eles deram por si já era primavera. Nova York ficava especialmente
bonita naquela época, toda florida, e Anahí ficava realmente feliz ao ver as
flores e as cores nítidas e livres à sua frente. Chegou abril, depois chegou
maio e com isso veio o aniversário dela, o primeiro comemorado fora do
cativeiro. O primeiro com todos os amigos ao seu redor fazendo uma festa
surpresa no café, no qual ela via as palmas batendo cantando seu parabéns
com as pessoas que amava em um único ambiente, sem qualquer sombra de
medo. A primeira vez onde havia novos rostos que agora eram tão
importantes para Anahí... o rosto de Keith, de Harry, de Missy, junto com
todos aqueles outros que há muito habitavam seu coração. Poncho
inclusive.

Ele não se manteve distante, claro que não. Os dois ainda eram amigos,
afinal de contas, pertenciam ao mesmo grupo e de forma alguma Anahí
queria usar o distanciamento amoroso que impôs entre os dois como uma
forma de afasta-lo dos outros. Afinal, Poncho seria o padrinho de Luna, que
estava cada vez mais próxima de nascer. Ele continuava sendo o melhor
amigo de Jesse e de Mane e ela, a pessoa mais próxima de Maite e de
Christian. Dessa forma, o contato entre os dois continuou constante, mas ao
mesmo tempo que estavam próximos, pareciam mais distantes do que
nunca.

É claro que Poncho encontrou a maneira de sempre de afogar a tristeza pela


ausência dela em sua vida: canalizou a fossa em seu próprio livro, que
estava praticamente finalizado. Ele estava agoniado porque precisava dar
um final àquela história que deveria ser feliz, porque ao menos na ficção ele
e Anahí deveriam ficar juntos. Naquelas páginas não exatamente a realidade
se repetia, mas Poncho escreveu uma versão de si completamente digna que
mudava e merecia o amor da personagem inspirada em Anahí. E ele lutava
dia após dia para se tornar aquela pessoa e ser digno do amor dela.
Missy rapidamente se adaptou à nova escola e não voltou a levar a mãe às
lágrimas nas vezes seguintes que Anahí a deixou lá. Naquele momento
Anahí estava focada em efetivamente construir a própria vida: além da
terapia que ainda se mantinha, buscava uma carreira e um novo
apartamento, com todo o incentivo possível de Christian. A ideia era buscar
algo que ela pudesse pagar e que fosse um lugar onde ela e sua filha
literalmente coubessem. O problema é que Anahí não tinha nenhum tipo de
experiência profissional na área jurídica. Além disso, o que ela queria
realmente era um emprego no My sister's place, mas Marina tinha deixado
claro que ela não poderia assumir nada enquanto não estivesse de alta das
consultas da Dra. Balfe, o que ainda estava um pouco longe de acontecer.

No início de junho, Sophia veio com uma – ou melhor, duas – notícias que
eram definitivamente boas.

— É um menino – ela disse com um sorriso que definitivamente não cabia


em seu rosto.

Bastou aquilo para fazer as amigas se derreterem de felicidade. Logo as


quatro estavam abraçadas, com Sophia dentro daquele abraço, e Maite com
muita dificuldade acompanhando-as eis que estava na reta final da própria
gravidez. Sophia já tinha uma barriga saliente e já sentia os movimentos de
seu bebê, de seu filho, como agora sabia.

— Achei que o baby Soffer não fosse querer nunca mostrar o próprio sexo –
Maite disse acariciando a barriga da amiga, nem parecendo que, há um ano
atrás, as duas mal se falavam.

— Ele deu aquele trabalho básico insistindo em fechar as pernas no início


como na última ultra, mas no final conseguimos dar aquele jeitinho – o
sorriso dela continuava imenso. Sophia definitivamente parecia mais plena
do que nunca agora que estava à espera de seu filho com Jesse.

— Como a Sam reagiu? – Lexie perguntou – Ela queria uma menina...

— Ficou um pouco aborrecida no início, disse que queria uma menina


porque já basta o Dani enchendo o saco, mas nós dissemos que é bom ter
um irmão mais novo, Jesse disse que ele era assim com as irmãs e no fim
ela se conformou e disse que ele vai ser o mascote dela – Sophia disse
acariciando a barriga – Escolhemos o nome também.

— Então não precisamos mais chamar o pequeno de baby Soffer? – Anahí


riu – Vamos, mate a minha curiosidade.

— Ele vai se chamar Logan – a amiga sorriu.

— Ah Logan, você vai ser muito amado – Maite disse ainda com as mãos
na barriga da amiga – Você e a Luna vão aprontar muito aqui fora e sua mãe
e eu ficaremos com cabelos brancos.

— Jesse e eu queremos que você seja a madrinha dele – Sophia disse


olhando para a morena, dessa vez com ambas as mãos sobre as dela.

É claro que Maite, uma mulher que estava a duas semanas de ter a própria
filha, ficou com os olhos inundados de lágrimas.

— Você não brinque com isso garota – Maite disse mordendo os lábios,
claramente emocionada mas tentando disfarçar.

— Eu jamais brincaria – Sophia mordeu os lábios – É a escolha perfeita.

Realmente era.

Nem Anahí nem Lexie se incomodaram, tampouco se enciumaram com


aquela predileção. Ninguém naquele mundo tinha sido mais amiga de
Sophia do que Maite e era óbvio que aquele renascimento de amizade tinha
que ser brindado de uma forma especial como aquele convite se revelava.
Pelo contrário, as duas sorriram e abraçaram as amigas. Um brinde foi feito
em nome daquele recomeço. Parecia que tudo estava ficando bem,
finalmente.

Mas como tinha sido dito, Sophia tinha duas notícias.

— Tem outra coisa – ela anunciou – Nós vamos nos casar no mês que vem.

— Mesmo com essa barriguinha? – Lexie perguntou surpresa.


— Principalmente com essa barriguinha – Sophia disse acariciando o bebê
dentro de seu ventre – Eu já vi um vestido de noiva que fica perfeito mesmo
para uma futura mamãe, e como eu sou uma mamãe em forma, vai ficar
maravilhoso.

— Não tem como não ser maravilhoso um casamento seu e do Jesse, Soph
– Anahí disse sorrindo e segurando a mão dela – Você sempre sonhou tanto
com isso, desde que nós éramos garotas.

— É, parece que está na hora de enfim realizar todos os meus sonhos.

É claro que a vida dela não era um conto de fadas. É claro que tudo estava
longe de estar perfeito, mas Sophia estava sendo resiliente, aceitando dar
um passo de cada vez. Há cerca de um mês ela tinha dito a Anahí que não
sabia ao certo como ela e Jesse voltariam a ter um contato mais íntimo.
Afinal, cada vez que ela tentava as lembranças do estupro vinham à sua
mente. Obviamente ela foi conversar sobre o assunto com a única amiga
que era capaz de entendê-la. Anahí abraçou Sophia e lhe garantiu, quase
prometeu, que aquilo acabaria. E não apenas aquilo: deu ainda dicas
preciosas a ela sobre como se livrar pouco a pouco daquele trauma. E
acabou por acompanhar como a amiga conseguiu realmente dar os
primeiros passos para longe daquilo, como ela conseguiu deixar Jesse se
aproximar e voltar a transar com ele, voltar a se sentir uma pessoa normal
como tinha se sentido meses antes com Poncho.

Então não houve nenhuma surpresa quando Anahí foi escolhida para ser a
dama de honra do casamento dos dois... bem como era totalmente esperado
que Poncho fosse o padrinho de Jesse. O que significava que eles sairiam
do altar juntos. Que dançariam juntos.

Era algo planejado por Sophia em seus sonhos, desde os seus vinte e dois. E
como ela dissera, estava na hora de realiza-los. Anahí não ousou negar
aquele pedido, mesmo sentindo desde já os arrepios pelos momentos que
viriam ao lado de Poncho.

Mas Sophia não era a única que tinha desejos. O parto de Maite se
aproximava e ela já decidira como tudo seria: a morena optara por um parto
humanizado em uma clínica especializada, apoiada por doulas, enfermeiras
e uma parteira. Mane, grande fã da Medicina tradicional, estava arrancando
os cabelos com a decisão da namorada, em especial quando ela decidiu
vetar a participação das três mães deles e decidiu que, além dele, a única
pessoa que queria ao seu lado no momento que Luna viesse ao mundo seria
a própria Anahí.

Algo que ela não esperava, definitivamente não.

Conforme junho adentrou Anahí começou a sair da inércia e, enfim,


procurar um apartamento para ela e Missy. Naquela busca Lexie estava
ajudando-a para, quem sabe, distrair a própria cabeça da difícil decisão se
deveria ou não ir embora de Nova York e aceitar uma das várias ofertas de
emprego como atendente de neurocirurgia que tinha recebido ao redor do
país. Lexie estava sendo quase assediada por Stanford, pelo Johns Hopkins
e pela Mayo Clinic em Rochester, Minnersota, mas ainda não tinha
conseguido se decidir se iria para qualquer dos três ou se manteria em Nova
York. Ela já tinha passado nas provas do final da residência, faltava decidir
o destino. A única certeza era algo que ela já sabia: Mark iria com ela para
onde fosse.

— O que você faria no meu lugar? – Lexie perguntou nervosa – Quer dizer,
você é mãe, você pode me ajudar.

— Lex, você não tem filhos – Anahí lembrou.

— Sim, mas Mark tem – ela ponderou – E eu sei que pra ele importa ficar
em Nova York com a Sofia. A Dra. Shepherd me ofereceu um cargo no
General Hospital, mas ao mesmo tempo... trabalhar no John Hopkins seria
incrível... só que eu penso no Mark e na Sofia e...

— O que eu faria? – Anahí a interrompeu – Eu pensaria em mim.

— Sério? – Lexie arregalou os olhos.

— Mark vai dar um jeito, nem que ele tenha que voar todos os fins de
semana para visitar a filha, ele vai dar um jeito – Anahí garantiu – Ele
sempre escolheu outra coisa, você nunca foi a prioridade e agora é. Mas
está na hora de se colocar como prioridade também Lexie. Então pense em
você. Se quer ficar em Nova York, fique, mas se ir pra Califórnia,
Minnesota ou Baltimore forem te fazer mais feliz... então siga a sua
felicidade. No resto vocês darão um jeito juntos, porque foi assim que vocês
escolheram fazer dessa vez.

Anahí não sabia o que Lexie decidiria, sabia que tinha dito algo
completamente decisivo para a amiga, mas somente com o tempo Lexie
lançaria seu destino. De certa forma ela estava um pouco cansada de ver a
vida de todos andando para frente e a dela, simplesmente estacionada.
Tobias tinha sido condenado e estava preso, então nada a impedia. Então,
por que as coisas não simplesmente aconteciam?

Curiosamente aquele pedido silencioso acabou sendo atendido naquele


mesmo dia. Lexie e ela estavam com uma corretora que percorria vários
apartamentos no Brooklyn e alguns em Manhattan. Alguns eram caros
demais, outros grandes demais, ainda outros um pouco pequenos para o que
ela precisava. Nada que chamasse a atenção, nada que valesse a pena para
fazê-la sair daquele no qual já vivia com Christian.

Até chegarem ao último.

Para Lexie, apenas mais um apartamento. Mas para Anahí... ela reconheceu
o prédio assim que eles chegaram, quando subiram as escadas, mas não
poderia ser o mesmo, seria coincidência demais. Eis a sua surpresa quando
a corretora abriu a porta e ela se deparou com aquela mesma sala, com as
mesmas paredes, a janela com aquela vista que ela nem sabia que ainda se
lembrava. De alguma maneira veio à mente dela a primeira vez que esteve
naquele lugar. Naquela primeira vez, seus olhos estavam vendados em
razão de uma surpresa. Ela mal sabia para onde ia e o quanto aquelas
quatro paredes iriam significar.

"— Poncho, tira essa venda dos meus olhos...! – Anahí resmungava
tateando as paredes tentando não cair, ignorando completamente que o
namorado guiava sua cintura andando atrás dela.

— Amor, se eu tirar deixa de ser surpresa...

— O objetivo é deixar de ser surpresa mesmo!


— Aí não tem a menor graça – ele sussurrou com ar de riso. Anahí
reviraria os olhos se eles não estivessem fechados.

— Eu tenho certeza que vai ter graça de um jeito ou de...

— Pronto, nós chegamos garota ansiosa – Poncho disse desamarrando a


venda e soltando os olhos dela – Surpresa.

Ao redor deles tinha quatro paredes de uma sala de um apartamento


completamente vazio. Anahí abriu a boca levemente se sentindo de fato,
surpresa com o que via. Havia pequenas lâmpadas, como aquelas de Natal,
decorando todo o local, que era iluminado somente por isso. Deixava o
clima romântico, tirava a penumbra. Os olhos de Anahí correram por todo
o local e um sorriso bobo nasceu nos seus lábios. Depois de tirar a venda,
Poncho saiu de trás dela com um sorriso igual estampando seu rosto, se
sentindo feliz por estar certo e ter causado um frenesi dentro dela, porque
era isso que a expressão de Anahí denunciava. Ela estava boquiaberta e
sem fala, e deixar Anahí sem palavras não era algo comum.

— Estou pensando se pergunto se você gostou ou se me deixo levar por esse


brilho nos seus olhos... – Poncho disse com um sorriso no canto da boca.

— Pra falar a verdade eu estou tentando entender o que é e onde nós


estamos e depois eu decido se gosto ou não – ela admitiu mordendo os
lábios – Ok. Na verdade só não vou gostar se não for o que eu to pensando.

— E o que você ta pensando? – ele cruzou os braços mordendo igualmente


os lábios, deliciado pela expressão dela.

— Me diz que você me trouxe nesse apartamento incrível e vai dizer que
nós vamos morar aqui – Anahí pediu, quase implorou, chegando a unir as
duas mãos e armar na boca um bico gigantesco. Ele só soube rir em
resposta.

— Eu não teria coragem de te decepcionar desse jeito – Poncho respondeu


dando de ombros. A fagulha de esperança iluminou o rosto dela.

— O apartamento é nosso? – Anahí perguntou, achando difícil acreditar.


— É nosso – ele confirmou.

Não dava para esperar qualquer reação de Anahí diferente da que ela de
fato teve. Poncho até achava que ela simplesmente sorriria e comemoraria,
mas foi muito maior: ela deu um salto no ar tamanha animação com a
novidade, e o salto acabou nos braços dele. Era difícil não sentir uma
empolgação imensa pelo simples reagir dela. Poncho a pegou nos braços e
imediatamente a beijou, já que Anahí tinha conseguido anima-lo com
aquela alegria toda."

Ele a havia beijado. A havia beijado da forma mais apaixonada e quente


que ela poderia lembrar. Se Anahí fechasse os olhos conseguiria sentir o
calor de Poncho em seus lábios, a forma como ele tocou sua pele e a despiu,
ali mesmo. No momento em que Poncho e ela vieram ali e ele disse, para a
surpresa dela, que aquele seria o apartamento dos dois, não havia nada
naquelas paredes. Sequer havia um colchão. Mas não havia problema nisso,
não quando duas pessoas se queriam tanto quanto era o caso deles. Por isso
Anahí sentiu Poncho erguê-la pelo quadril e leva-la até o banheiro, despi-la
até a última peça de roupa e ama-la contra aquela parede enquanto a água
gelada caía sobre seus corpos.

A velha Anahí não se importava com nada. Não se importou de ficar


sentada esperando o corpo secar naturalmente com ele, já que não havia
nem mesmo uma toalha. E pensando bem, tinha sido aquela a vez que fez
com que um exame de gravidez semanas depois desse positivo. Quando
exatamente ela tinha se perdido daquela Anahí?

— Você está bem? – Lexie perguntou tirando-a do transe – Não gostou do


apartamento?

— Estou, e sim, eu gostei – ela disse disfarçando e voltando a sorrir,


virando-se para a corretora – Você disse que ele está disponível?

— Sim, totalmente disponível pra compra – a moça sorriu – Pode ser seu, se
você quiser.

O problema não era querer.


Naquela noite Anahí se despediu de Lexie e foi para o café buscar Missy,
que após a escola estava com a avó – para a surpresa de Anahí, ajudando a
servir as mesas. Ela sorriu ao ver a filha cumprindo o mesmo papel que ela
cumprira desde que a mãe abriu o próprio negócio e vendo Ellie e Karen
com as mesmíssimas expressões que lançavam a ela. Após abraçar a filha
com o famoso abraço de urso e ver Missy se afastando e correndo daquele
carinho excessivo, Anahí se sentou no balcão voltando a ter a expressão de
frustração no rosto, de quem tinha quase sentido o pote de ouro na ponta
dos dedos e deixado fugir. Uma sensação que ela já conhecia.

— O que deu errado? – Karen perguntou ao mesmo tempo que Keith se


aproximava de mãe e filha – Não achou nenhum apartamento...?

— Pelo contrário – ela suspirou – Eu achei o apartamento.

— Qual o problema então? – Karen voltou a perguntar.

— Não é qualquer apartamento, é o apartamento que o Poncho alugou


quando nós voltamos pra Nova York – Anahí mordeu os lábios ao confessar
– Aquele lugar tem uma história, a nossa história. As lembranças não saem
da minha mente, está difícil.

— Você não quer ir pra lá pelas lembranças ou...? – Keith perguntou


encarando a filha.

— Antes fossem só as lembranças, mas ele está à venda, não para locação, e
o preço é absurdo demais... – ela respondeu desanimada – Não se pode ter
tudo, não é?

Realmente, não tudo.

Karen conhecia bem demais o olhar de seu marido para perceber que havia
um interesse em Keith, tanto pelo seu olhar quanto pela quantidade de
informações que ele pediu à filha. Anahí respondia desanimada, quase
desinteressada, porque ela não via qualquer chance de aquele apartamento
ser seu. Não tinha motivos para disfarçar a própria frustração na frente dos
pais, então ela o fazia, certa de que, se houvesse uma garrafa de vinho ali,
certamente já teria enumerado os relatos das transas que teve com Poncho
entre aquelas quatro paredes.

Essa parte Keith dispensava. Mas ele quis saber onde o apartamento era,
como era o prédio, a rua e o nome da corretora. Logo em seguida ele se
despediu da filha e da esposa, em seguida da neta, pois tinha uma palestra
em San Diego. Anahí sorriu ao ver Missy correr para o avô e abraça-lo com
todo o carinho do mundo. Ela amava ver a filha crescendo cercada do afeto
de sua família e, sobretudo, que Keith podia ser um avô presente quando
não pôde fazê-lo como pai.

Mas exatamente por Keith não ter tido a oportunidade de fazer tanto pela
filha por longos vinte e três anos, ele seguia sentindo que devia algo a ela,
ficando eternamente na busca de oportunidades de agrada-la. Agora, mais
uma vez, ele tinha uma em sua frente. Anahí mal poderia esperar...

xxx

Daniel estava estranhando terrivelmente, naqueles meses, o fato de o pai


ainda não ter anunciado que estava namorando Anahí. Afinal, o menino
enfim tinha aceitado a relação do pai com a ex e, por isso, esperava que a
qualquer momento a notícia viesse. Não veio. Ele não sabia o que esperar.

A rotina do menino acabou se normalizando, com a diferença que o pai


agora procurava um apartamento para enfim deixar o quarto que ocupava
onde Erendira morava. Enquanto isso não acontecia tudo tinha voltado a ser
parecido com o que era antes de Poncho e Diana se separarem: bem cedo
Poncho levava o filho para a escola enquanto a ex-mulher seguia para o
trabalho, o buscava mais tarde e escrevia nos intervalos. Os dois estavam
dividindo os dias com Daniel e tudo seguia bem, ao menos naquele aspecto
da vida de Poncho.

O único ganho pela distância dele e de Anahí era o fato de Poncho estar
escrevendo como nunca. Naquela tarde em especial ele estava no último
capítulo do livro, que demorava tanto tempo quanto todo o resto. O grande
problema é que aquela era a parte realmente inédita da história, a parte nem
um pouco inspirada em fatos reais. Era o ponto em que Poncho realmente
começava a criar. O ponto no qual a ficção deixava de se inspirar na
realidade. Quem sabe, aquele no qual a realidade começaria, enfim, a se
inspirar na ficção...

A surpresa de Poncho é que, em meio à solidão de sua mesa tradicional na


Starbucks, enquanto encarava as páginas de word à espera da luz que lhe
diria o que deveria escrever para enfim finalizar aquele livro, ele foi
surpreendido por uma presença inesperada.

— Posso me juntar à você?

Para a surpresa de Poncho, era Diana.

Com um copo de seu capuccino em mãos com o nome nele escrito e um ar


de jovialidade do qual Poncho não se lembrava, ele assentiu ao ver a ex-
esposa ali, sem entender a presença dela. Diana sabia onde ele escrevia, de
forma que não se tratava de uma mera coincidência. Já tinha um bom tempo
que eles não se viam, já que Poncho geralmente deixava o filho com Bea
até Diana chegar em casa. Ele estava surpreso do quanto ela parecia bem,
leve e bonita.

— A que devo a honra? – ele perguntou franzindo a testa – Quer dizer, você
deveria estar trabalhando.

— E você escrevendo – ela bebericou o café – Travou?

— Um pouco – Poncho bufou impaciente – O final é sempre difícil.

— Eu sei que é, lembro dos outros finais – ela se referiu aos dois livros que
ele escreveu enquanto os dois eram casados – Ainda mais esse, que é
especial. Que você quer que seja real.

— Pelo visto a Erika te disse do livro – ele constatou.

— Você esqueceu que eu li o começo dele? – Diana lembrou – Foi quando


nós nos separamos, o que me fez te deixar. Esse livro é uma carta aberta de
amor à Anahí. Não há casamento que resista.

— Me desculpe – Poncho mordeu os lábios envergonhado – Você sabe que


eu nunca quis magoar você, muito pelo contrário.
— Acabou tendo suas vantagens – ela suspirou – Eu preciso te dizer algo.

Enfim, a verdadeira razão dela estar ali.

— Eu estava curioso do que te trazia aqui – Poncho disse encostando-se à


cadeira encarando-a com um ar curioso. Diana desviava o olhar, quase
envergonhada. As bochechas dela estavam rosadas, ela estava adorável.
Parecia feliz. E Poncho estava igualmente feliz de vê-la assim, com um ar
tão bom como aquele.

— Eu conheci alguém – e ela enfim disse aquilo que Poncho nunca esperou
ouvir.

Era realmente surpreendente. Diana tinha, por tanto tempo, se apegado ao


relacionamento deles, chegando até mesmo a acusar Poncho de procurar
um novo amor... e agora ela era quem tinha seguido em frente? Por essa ele
não esperava. Mas Poncho de forma alguma estava irritado com aquilo,
muito pelo contrário... ele a via corar mais do que nunca, provavelmente
envergonhada por contar ao ex-marido sobre um affair, quem sabe se
perguntando se ele estava incomodado com aquela nova realidade mesmo
não tendo qualquer motivo ou direito para tal. O que não acontecia.

— O nome dele é Bradley – Diana continuou – Ele tem um filho de cinco


anos na escola do Dani. Nós nos conhecemos na porta da escola. Ele é
divorciado.

— Você não precisa passar a ficha técnica dele – Poncho negou com a
cabeça rindo, vendo-a abrir uma careta – O que importa é se ele ta te
fazendo feliz.

— Eu ainda nem saí com ele – ela confessou – Ele me convidou hoje de
manhã quando eu deixei o Dani, mas eu estou tão insegura que quase saí
correndo. Tem sete anos que eu não vivo isso.

— Insegura por quê?

— É que foi tão difícil pro Dani aceitar você e a Anahí juntos que eu morro
de medo de acontecer o mesmo comigo – Diana admitiu – Eu tenho medo
de me entregar finalmente a um sentimento, a alguém, e ele simplesmente
não aceitar.

— Ele vai aceitar – Poncho respondeu com toda a tranquilidade do mundo –


Ele vai te ver feliz, vai ver esse sorriso enorme no seu rosto e vai perceber
que é a melhor coisa ter uma mãe feliz. O grande medo do Dani nessa
história toda não era apenas nos perder enquanto família... era você sair
infeliz nisso. Então deixe as coisas acontecerem com esse Bradley e, se der
certo, divida a sua felicidade com ele. Confie na educação que nós demos
pro nosso filho.

Curioso era que, no fim, Poncho dava a Diana o mesmo conselho que ela
tinha lhe dado tempos antes. Exatamente porque queria, acima de tudo, que
a ex fosse feliz de verdade. Como ele sabia que seria quando finalmente
tivesse Anahí de volta, quando a merecesse o suficiente para tê-la ao seu
lado.

— Obrigada Poncho – ela respondeu verdadeiramente grata.

E curiosamente foi depois que sua ex foi embora, da sensação boa que
Poncho sentiu no peito depois de dizer aquelas palavras à Diana, de desejar
realmente que ela tivesse o melhor destino possível, ele encontrou as
palavras certas para conseguir voltar à própria inspiração. Os dedos batiam
agitados no teclado do notebook. Talvez ele terminasse naquele dia mesmo,
naquela noite.

Erika Vianna, sua revisora, deveria se preparar. Somente você e eu estava


chegando ao final e logo estaria em sua caixa de entrada de e-mail, pronta
para se tornar finalmente o livro sobre Alfonso e Anahí. Pronta para se
tornar real.

Conforme prometido, a primavera chegou

Sophia descobrindo o sexo do baby, Anahi descobrindo caminhos que a


vida ta lhe devolvendo, Diana próxima de um final feliz. E Poncho
terminando o livro dele que é sobre ele e Anahi, será que isso aproxima os
dois?

Por sinal nesse cap botei um flashback em homenagem a quem pediu há


mtmt tempo e eu disse que teria. Um pouco de AyA do passado enquanto
ainda não tivemos os do presente.

Me contem o que acharam e deem suas estrelinhas!

Beijos,

Rafa
Capítulo 80 - Father

Lud, feliz dia e obrigada pelos surtos

Erika Vianna obviamente devorou o arquivo de Somente você e eu tão logo


o mesmo caiu em sua caixa de entrada. Mas Poncho, é claro, não sabia
daquilo. Ele estava na ansiedade pela resposta de sua revisora e não via a
hora de receber aquele tão esperado feedback.

Mas aquela tão esperada resposta só veio dias depois. Como estava desde o
término do livro sem escrever, Poncho ocupava os próprios dias ociosos no
apartamento de Erendira, à espera do próximo passo. Foi num desses dias
que a campainha tocou e, para a surpresa dele, era exatamente a resposta
que ele esperava do outro lado da porta.

— Erika? – Poncho franziu a testa surpreso – O que você...

— É maravilhoso Poncho – ela disse estendendo o manuscrito impresso


para ele, o rosto tomado pelo mais absoluto êxtase – É o melhor dos seus
livros, sem sombra de dúvidas.

Poncho sorriu com a resposta, ainda atordoado por não estar esperando uma
resposta ao vivo. Logo ele viu Erika adentrar pelo apartamento de sua irmã,
se sentar no sofá e, pela primeira vez desde que Poncho a conhecera, ainda
à época que Diana aceitou publicar seu primeiro livro, deu todas as suas
impressões sobre a escrita dele pessoalmente. Poncho não esperava por isso
porque seu contato com Erika sempre foi muito mais virtual do que pessoal,
ela sempre passou suas opiniões ao longo da leitura, por mensagens de texto
cobertas de reações emocionadas e apaixonadas. Era a primeira vez que ele
a ouvia falando sobre tudo o que achava e Poncho estava maravilhado.

— Mas então, me conte – ela disse quase batendo palminhas – Aquele


final... é real?

Era óbvio. Ela queria saber dele e de Anahí.


Agora não era mais nenhum segredo para a funcionária de Diana que ela e
seu ex-marido estavam separados. Erika obviamente sabia disso, até pela
mudança de rotina da chefe. Igualmente óbvio era para Erika que a mulher
que ela conheceu meses antes, a que tentou inutilmente transformar em um
best seller – já que Anahí não deu qualquer indicação de querer publicar a
própria história – era a musa inspiradora da história de Poncho. História
essa que Erika teve a oportunidade de conhecer junto com Anahí, que
obviamente ela reconheceu ao ler o novo livro dele e que agora queria saber
se era cem por cento real.

Mas a julgar pela reação que Poncho teve, abaixando a cabeça e bufando
desanimado, nem tudo era tão bonito assim.

— Gostaria de dizer que sim.

— Ah Poncho! – Erika parecia inconformada – Você está quebrando os


meus sonhos...! Estou desde ontem fantasiando esse final feliz de vocês
dois! Já vim pra cá pronta para pedir um convite para o casamento.

Casamento, Poncho sorriu amargo pensando naquela possibilidade. Parecia


tão próxima de suas mãos quanto tocar o céu.

— Se um dia acontecer, pode ter certeza que você não terá que esperar pelo
convite – ele riu, dessa vez verdadeiro.

— Se...?

— Não quero te dar toda a certeza do mundo, mas esse "se" é mais pra caso
um dia ela aceite estar comigo pro resto da vida – Poncho suspirou –
Porque, no que depender de mim... eu sou totalmente dela.

— O que aconteceu? – Erika não conseguiu não perguntar.

Ele poderia contar toda a história. Aquela parte não estava no livro,
portanto era desconhecida para Erika, mas ele resolveu poupar. Sentia
vergonha dos próprios atos, de como fora covarde e mesquinho naquilo
tudo. Talvez fosse melhor se limitar a admitir o próprio erro.
— Eu a magoei – Poncho a encarou – Fui um idiota. E agora tenho que
esperar que ela me perdoe.

— Pois espere mesmo, o tempo que for necessário – Erika recomendou


encarando-o firme – Um amor desses não merece ser desperdiçado.

— Não será – Poncho garantiu – Eu vou esperar até que ela esteja pronto de
novo, não importa quanto tempo leve... meses, dias ou anos... eu espero. Eu
devo isso a ela, devo isso a nós dois.

Poncho repetia para Erika as palavras de Christian, a promessa feita para o


amigo e para si próprio. Ele realmente não sabia quanto tempo levaria nem
como saberia se Anahí já tinha decidido. Estava caminhando num túnel
longo e espero e não tinha ideia de quanto tempo a travessia levaria. Mas
ele iria caminhar até o final, aquela era sua única certeza.

xxx

Quando Keith voltou de San Diego a primeira coisa que ele fez foi cuidar
de uma certa surpresa para a filha. De volta a Nova York ele teve de Karen
a notícia de que Anahí continuava numa busca cada vez mais desanimada
por um apartamento. Era óbvio: não tinha como se empolgar quando você
procura algo que já encontrou, mas não tem meios de alcançar.

Então foi com alguma facilidade que Keith resolveu tudo, quase que um
estalar de dedos. Ele tinha dinheiro suficiente guardado para isso, pelas
vendas de seus livros, pelas palestras que fazia, dinheiro esse que acabava
guardado já que ele levava uma vida modesta com Karen. Keith tinha todo
o prazer do mundo em investir em Anahí. Durante toda a transação ele
pensava apenas nos sorrisos animados que teria em resposta na hora certa: o
dela quando ficasse surpresa, os de Missy e Karen pela felicidade dela.
Seria fantástico.

Só que, como uma boa surpresa, Anahí só ficou sabendo quando tudo
estava resolvido. Ela estava em casa quando recebeu uma mensagem da
mãe dizendo que eles a buscariam para ir a um lugar e que ela e Missy
deveriam se arrumar. Anahí estava desconfiada, como sempre ficava, mas a
filha se animou demais e ela acabou se deixando levar. Curiosas como só,
as duas perguntaram à Karen e Keith o tempo inteiro qual era o destino, e
Anahí se surpreendeu quando o pai estacionou na frente daquele prédio.
Mais ainda quando subiram as escadas e pararam na porta daquele
apartamento.

Ela tinha entendido certo...?

— O que nós estamos... – ela começou a perguntar, mas foi rapidamente


interrompida pela mãe.

— Vamos entrar? – Karen disse após Keith virar a fechadura.

Só havia uma resposta para eles estarem com as chaves. E, após a porta se
abrir, Anahí se deparou com o mesmo apartamento de quase quinze
dias antes. As mesmas paredes, o mesmo piso e, se ela esticasse bem o
pescoço, o mesmo chuveiro no qual ela e Poncho tinham se amado anos
antes. Missy estava entusiasmada com o apartamento, com seus pequenos
olhos arregalados observando minuciosamente cada detalhe. Mas quando
ela parou ao lado da mãe, foi quando o avô resolveu anunciar a novidade.

— É de vocês – Keith disse estendendo a chave para ela. Anahí olhou


pasma para ele e logo em seguida, para Karen, que tinha o maior sorriso do
mundo nos lábios.

— Como assim? – Anahí perguntou, dividida entre pular de alegria e se


conter acreditando que não poderia aceitar.

— Eu ouvi quando você disse para sua mãe sobre esse apartamento – Keith
sorriu contido – Vocês merecem ter um lar.

— Pai, isso é demais – ela respondeu se referindo ao fato de que devia ter
sido caro demais. Mas Missy completou de outra forma.

— Também acho vovô, ele é demais – ela respondeu completamente


animada, em outro sentido, completamente diferente – Eu amei!

— Missy... – Anahí murmurou.


— É o apartamento dos seus sonhos – Karen respondeu encarando a filha –
Seu pai e eu queremos te ajudar a realizar todos.

— Nem todos os meus sonhos são monetários – Anahí suspirou, de certa


forma se dando por vencida.

— Então me deixe ajudar pagando aqueles que são – Keith disse se


aproximando da filha e abraçando-a – Vamos, aceite – ele estendeu
novamente as chaves para ela – Eu já comprei, seria um desperdício deixa-
lo vazio.

Anahí não tinha qualquer alternativa senão aceitar.

Na verdade tinha: ficar completamente feliz e entender que a vida, por fim,
estava lhe devolvendo tudo, mesmo que com um enorme atraso.

Missy ficou tão empolgada com a casa nova que imediatamente contou
para todas as pessoas que paravam a sua frente. Naquele mesmo ela eles
terminaram no café de Karen e a menina, enquanto servia as mesas com a
avó, dizia para todos que sua mãe e ela se mudariam para o apartamento
dos sonhos, como ouvira Keith se referir em relação à sua mãe. Apenas
arrancava risadas de Anahí com aquela forma de pensar. Não demorou até
que Maite, Christian, Sophia e todo o resto do mundo, incluindo a
professora dela, ficarem sabendo. Anahí tentava ver aquilo da maneira mais
positiva do mundo, afinal Missy finalmente estava tendo uma infância
normal e saudável, com uma família que lhe dava todo o carinho e o suporte
possíveis. Era apenas o desenvolvimento do curso da vida delas, agora sem
qualquer motivo para ter medo.

Mas aquela não era nem de longe a última surpresa que a vida reservava
para Anahí.

Enquanto ela começava a mobiliar o novo apartamento e preparar sua


mudança, pintando as paredes ao seu gosto e levando as coisas dela e de
Missy, ela sentia os dias passando aos poucos. Numa manhã, após deixar a
filha na escola e seguir para a terapia, ela cumpriu um destino cada vez
mais comum em sua rotina: o My sister's place, onde fazia trabalho
voluntário. Naquela manhã especificamente Anahí chegou até lá e, para sua
surpresa, encontrou Marina procurando por ela. A amiga tinha uma
expressão que beirava a preocupação, o que a fez estranhar. Que diabos
havia de errado?

— Tem uma moça esperando por você na minha sala – Marina disse já
caminhando com Anahí para aquele espaço – Ela é uma advogada e disse
que se chama Bethany. Você faz ideia de quem seja?

— Não – Anahí franziu a testa. Afinal, a advogada de sua família era Lucca
Quinn, quem a acompanhou em todo o processo da condenação de Tobias e
defendia Poncho no Tribunal. Seria a tal Bethany uma sócia do escritório?

— Bom, eu também não a conheço, mas ela insistiu em falar com você –
Marina explicou – É claro que, se você não quiser...

— Você pode ir comigo?

Obviamente Marina confirmou. Era só uma advogada, não havia o que


temer. Afinal, Anahí estava em seu porto seguro. Em nenhum lugar do
mundo, nem mesmo em sua cama, ela se sentia tão segura quanto naquela
ONG. Além disso, Anahí estava cansada de ter tanto medo. Por isso ela
respirou fundo e caminhou junto com Marina para sua sala.

A mulher que a esperava tinha os cabelos chocolate e, de costas, parecia


bonita e elegante. Quando se virou, ao ouvir a porta se abrindo, Anahí teve
a confirmação de que ela era deslumbrante. Deu um sorriso meio
intimidado e se sentou na cadeira de Marina, que por sua vez ficou no sofá
no canto.

— Olá Bethany – Anahí disse após se sentar – Sou Anahí.

— Eu sei que é – a mulher sorriu satisfeita – Meu nome é Bethany Joy


Lenz. Me chame de Joy, por favor.

— Certo... Joy – Anahí respondeu – Marina me disse que você é advogada.


Você é sócia da Lucca Quinn? Ela representa a minha família.
— Não sou – Joy rapidamente explicou – Embora eu conheça a Lucca, não
sou. Na verdade eu não estou no momento em nenhum escritório de
advocacia. Eu era a única sócia nominal de um escritório com outros quatro
homens e digamos que eram cuecas demais para mim. E por conta disso,
houve uma desavença de ordem ideológica que me fez sair de lá. E é
exatamente por isso que eu estou aqui.

— Eu não entendo – Anahí franziu a testa.

— Você é advogada, certo Anahí? – Joy perguntou interessada – Está com a


sua inscrição na Ordem dos Advogados em dia?

— Eu me tornei advogada há mais de oito anos, mas nunca exerci – Anahí


estava totalmente na defensiva – Desculpe, não entendo o porquê de tantas
perguntas.

— Você pensa em trabalhar como advogada? – Joy voltou a perguntar – É


tudo o que eu preciso saber.

— Eu nunca cogitei – Anahí respondeu, mesmo incomodada com todas


aquelas indagações – Eu sempre quis estar aqui, no My sister's place. Eu
sempre quis trabalhar ajudando mulheres, mesmo tendo feito Direito, e
nunca vi uma forma de atuar na advocacia assim, então... foi aqui que eu
consegui o meu primeiro emprego após voltar pra Nova York, mesmo não
tendo exercido.

— Eu sei disso – Joy sorriu – Todo mundo sabe disso. A América inteira
acompanhou o julgamento de Tobias Menzies, Anahí. Todos conhecem a
sua história. Mas eu não sei o que você quer daqui para frente. E sim, eu
entendi que você quer estar aqui pra trabalhar com mulheres, mas e se eu te
disser que há uma maneira de você conseguir isso advogando?

Dessa vez não houve resposta imediata para a pergunta. Joy sorriu quando
percebeu que Anahí não a rebateu. Era a chance que ela tinha de ser
persuasiva.

— Eu trabalhava no West, Lenz, Gardner, Waterford & Green... nome


enorme, eu sei – Joy explicou – Éramos cinco sócios nominais e eu era a
única mulher com poder no meio de quatro homens. Um dia chegou uma
cliente que vários outros escritórios recusaram. Ela tinha uma acusação de
estupro e não tinha provas, o homem era uma celebridade famosa, ninguém
queria se arriscar. Eu acreditei nela, mas rapidamente reparei que os meus
sócios não queriam o caso porque, diferentemente de mim, não acreditaram.
E eu briguei por ela. Nunca foi sobre a reputação do escritório, foi por
acreditar que uma mulher como aquela jamais poderia estar falando a
verdade.

— Eles recusaram o caso? – Anahí perguntou com a testa franzida.

— Sim – Joy suspirou – E eu saí do escritório.

— Você saiu do escritório...? – Marina finalmente falou ao lado delas.

— Saí – Joy confirmou orgulhosa – Eu fiz uma pesquisa e descobri a


quantidade de casos recusados relacionados a direito das mulheres. Casos
de aborto, casos de estupro, de assédio... eram tantos que eu nem
conseguiria contar. Como eu disse, homens demais no poder. Eu cheguei tão
longe lá para ser a única mulher como sócia nominal e vejam só no que
deu... não dava para continuar isolada daquele jeito e trabalhando da
maneira contrária a tudo o que eu acredito.

— Eu entendo perfeitamente bem – Anahí, por seu tom, já indicava estar


muito mais fascinada – Só não entendo onde eu me encaixo.

— Aquela mulher veio daqui – Joy completou – E ela falou de você. Eu


juntei as peças e percebi que é de você que eu preciso.

Se Anahí estava surpresa, imagine quando ouviu aquilo...

— Eu quero um escritório especializado em atender mulheres – ela


continuou – Mulheres que foram estupradas e não tem meios de provar.
Mulheres que sofreram assédio no trabalho ou na universidade, quem sabe.
Mulheres demitidas por engravidar. Mulheres que estão sendo processadas
criminalmente por terem abortado. Mulheres com problemas jurídicos pelo
fato de serem mulheres. Mas esse escritório não existe, eu teria que cria-lo,
e nem todo mundo tem coragem para uma empreitada dessas. A não ser
alguém que esteja começando. Alguém que quer trabalhar exatamente com
isso. Alguém como você.

Para variar, a perplexidade de Anahí por um convite como aquele a fazia


pensar em todos os pontos negativos possíveis antes de sequer cogitar
aceitar.

— Eu nunca pratiquei advocacia... – ela apontou. Mas Joy parecia ter


eliminado aquele obstáculo, ao menos na própria mente.

— Eu estarei aqui pra te ajudar até você pegar a prática e a malícia


necessárias – Joy se ofereceu.

— E eu não tenho dinheiro pra integralizar capital...

— Anahí, pense nas soluções, não nos problemas – Joy disse se levantando
– A oferta está feita. Nós podemos começar na sala da minha casa, eu tenho
certeza que meu marido não iria se incomodar. O que eu quero mesmo é
começar e quero que seja com você. O resto se ajeita com o tempo.

— Essa oferta foi feita a quantas outras advogadas iniciantes? – Anahí


perguntou. Ela havia feito estágio em um escritório em Washington e sabia
como as coisas funcionavam naquele meio.

— A nenhuma – Joy sorriu orgulhosa – É você ou você. Isso não são


negócios, é ideologia. Eu tenho certeza que você não vai se arrepender de
aceitar a minha oferta – ela disse estendendo o próprio cartão para Anahí
antes de sair.

Não era algo que ela esperava. Anahí se sentia esbofeteada com a oferta de
Joy, já que aquilo estava totalmente fora de seus planos. Ela nunca cogitou
não trabalhar no My sister's place, aquele sempre foi seu grande sonho, um
de seus maiores projetos. Nunca tinha ficado nos planos exercer a
advocacia para a qual se formou, ainda que durante quatro anos em
Georgetown ela tenha sido preparada para isso. Por mais firme que Anahí
fosse, era impossível não se sentir sacolejada por aquela possibilidade
tentadora. O que a lembrava que havia alguém ali cuja opinião era
valiosíssima para ela.
— O que você acha? – ela perguntou à Marina, que tinha um discreto
sorriso no canto dos lábios.

— Acho que você deve pensar no que te faria feliz – ela respondeu
levantando. Marina sempre parecia ter um ar definitivamente enigmático.

— Eu sempre quis trabalhar aqui – Anahí apontou – Sempre foi tudo o que
eu quis.

— As portas sempre estarão abertas pra você, da maneira que tiver que ser
– Marina concluiu – Tenha seu tempo, pense com calma. É o seu futuro,
afinal.

Realmente era.

xxx

Nos dias que se seguiram Anahí pensou e pensou, ávida por tomar uma
decisão, sem grande sucesso. Ela sabia que não se sentiria em paz enquanto
não desse uma resposta à Joy. O cartão da mulher queimava em sua bolsa,
sem que ela soubesse. De alguma maneira numa manhã daquelas, em meio
ao próprio dilema, ela terminou com Missy na confeitaria de Sophia vendo
a amiga sentada comer um doce enquanto sentia Logan se mexer em sua
barriga e Lexie ao lado delas mostrando fotos da sobrinha recém-nascida.

— Vocês não a acham a cara da Meredith? – Lexie disse olhando as


imagens pela milésima vez – Derek disse que é idêntica a ele e a minha
irmã concorda...! Acreditam?

— Acho que parece com os dois – Anahí disse encarando as imagens da


pequena Ellis, que além de sobrinha, era afilhada da amiga – É o terceiro
filho da sua irmã?

— Sim e enfim ela acha que já está na hora de parar, finalmente – Lexie
comentou – Quer dizer, três filhos, não é? Uma tremenda loucura. Eu já
acho loucura suficiente ter um...
— Eu estou indo pro segundo – Sophia levou a mão à barriga, babona como
sempre – Devo parar nele também, mesmo a Sam já tendo dito que queria
uma irmã.

— Eu tenho uma, mas o futuro... Deus sabe – Anahí mordeu os lábios


pensando na possibilidade de ter outros filhos e imediatamente afastou
aquela ideia, ela já estava confusa demais com um único dilema – E você
Lex? Realmente você e Mark não terão nenhum...?

— Um dia – Lexie divagou – Eu realmente achava que não era pra mim,
mas... quando Derek colocou Ellis nos meus braços... – a cirurgiã suspirou –
Quando eu a vi nos braços do Mark, o tamanho do sorriso dele... não
consegui não pensar em nós dois.

Anahí sorriu. Ela sabia exatamente como a amiga se sentia, quem sabe por
também já ter se sentindo assim.

— Mas não agora – Lexie disse bebericando o próprio café – Agora eu


preciso decidir em qual hospital trabalhar.

— Fique em Nova York – Anahí sugeriu – No fundo, é o que você quer. Se


Johns Hopkins ou Stanford fossem tão atraentes assim, você já teria
aceitado, convenhamos.

Era algo a se pensar.

Sophia continuou divagando sobre maternidade e Lexie sobre a medicina


quando Anahí viu a porta da cafeteria se abrindo. Como uma bússola
apontando para o seu norte, ela viu o sorriso de Poncho invadindo o local,
ao mesmo tempo que a boca dela secava. Ele estava acompanhado por
Daniel e Samantha, que, barulhentos, obviamente chamavam bastante
atenção. Missy se levantou e correu até os três, Sophia ao lado dela
murmurou que a filha enfim tinha chegado, mas nenhuma das duas foi
responsável por notar que Poncho estava ali, Anahí já tinha descoberto por
si.

Com ele não foi muito diferente.


Assim que abriu a porta da confeitaria, Poncho, ao dar espaço para as duas
crianças entrarem, enxergou Anahí numa mesa quase no caixa, ao lado de
Lexie, Sophia e Missy. Ele viu a menina correr até ele e sentiu as bochechas
esquentarem, enquanto dividia seu olhar entre a mãe e a filha. Sem dúvidas,
as duas mulheres que despertavam seus melhores e mais intensos
sentimentos.

Ao lado dele, uma cena curiosa acontecia.

— Você tem que falar direitinho com ela – Samantha grunhia para Daniel
com os olhos estreitos – Você me prometeu.

— Eu sei Sam – o menino revirava os olhos. Quando Missy chegou, veio a


resposta.

— Oi Dani – a menina disse, tomando a iniciativa, ainda que receosa pela


reação que viria.

— Oi Missy – ele respondeu. Poncho sorriu ao ver que os dois se


cumprimentavam como tinha sido antes.

— Oi Sam – Missy disse sorrindo para a amiga.

— Oi Missy – Samantha respondeu orgulhosa – Vamos brincar? Esperem...


eu preciso falar com a minha mamãe antes.

Ela se referia a Sophia. Imediatamente Samantha correu para onde a mãe


estava sentada junto com as amigas. Daniel, que ainda não sabia se colocar
ao certo ao lado de Missy, seguiu junto com ela.

Restaram seu pai e a filha da ex-namorada dele.

As bochechas de Poncho queimavam com a menina ali. Ele imediatamente


se abaixou e abriu os braços, sentindo a menina entrar ali e abaixar a
pequena cabeça em seu ombro. Sentia tanta falta dela que sequer sabia
mensurar. Ele tinha acabado de se dar conta que se afastar de Anahí não era
apenas se afastar dela, era de Missy também. Mais ou menos a mesma
sensação que ele teve quando Daniel se escusava dele – a saudade que um
filho causa quando não está próximo ao pai.

— Oi meu amor – Poncho disse afagando-a num abraço. Em seu coração,


um misto de sentimentos.

— Eu senti saudade – Missy confidenciou, abraçando-o forte.

— Eu também – Poncho beijou a bochecha dela – Não vou sumir mais,


prometo.

— Eu entrei pro time de futebol da escola – Missy contou orgulhosa – Sou


atacante, faço vários gols.

— Verdade? – os olhos de Poncho brilhavam – Eu tenho certeza que você é


a melhor.

— Vai ter um jogo, todos os pais vão – ela confidenciou – Você quer ir?

A mensagem estava nas entrelinhas. Se todos os pais iriam e ela queria que
ele fosse, Missy deixava claro que, para ela, Poncho era seu pai. Não havia
qualquer chance de recusar aquele convite.

— É claro que sim – o sorriso dele ficou ainda maior – Quando é?

— Na terça – a menina respondeu radiante – Você vai mesmo? Não pode se


atrasar, a arquibancada enche.

— Eu não perderia por nada.

Não mesmo.

Missy andou de mãos dadas com Poncho até a mesa onde sua mãe estava
sentada. Ele tinha ido até ali deixar Samantha, que tinha dormido com
Daniel na noite anterior, na casa de Diana. Os três tomaram café juntos e
agora Poncho a entregava para Sophia. Anahí, é claro, não fazia ideia
daquilo até chegar à confeitaria e agora tinha os olhos fixos na cena do ex
com sua filha, todas as atenções voltadas para os dois juntos, o coração
balançado. Agora ela os via caminhando de mãos dadas e se preocupava
com a reação de Daniel quando visse seu pai próximo da filha da ex-
namorada dele, fruto de tanto ciúme de outrora. Mas se surpreendeu quando
viu que o menino pouco se importou com a cena, continuando a brincar
com Samantha como se nada tivesse acontecido.

Logo em seguida Missy se soltou de Poncho e foi brincar com as crianças, e


de repente eles se deram conta que os três tinham voltado a ser três. Seu
pai, por sua vez, andou até a mesa de suas três amigas pensando numa
maneira de aquilo soar natural e o menos constrangedor possível, embora
suspeitasse, no fundo do peito, que estar próximo a Anahí nunca seria cem
por cento natural. Não quando eles agiam como dois estranhos, quando ele
não podia tê-la nos braços.

— Está faltando a quarta mosqueteira – ele comentou olhando para elas e


beijando a testa de Sophia, acariciando a barriga dela.

— São três mosqueteiros Poncho – Lexie observou encarando o amigo que


se aproximou para cumprimenta-la.

— Dartagnan não é um dos três e é o mais ousado, a Maite definitivamente


– Poncho completou rindo.

— Maite está com os pés inchados e Mane a mandou sossegar em casa –


Sophia contou – Logo serei eu.

— Logo será você, realmente...

O clima obviamente mudou quando chegou a vez dele falar com Anahí. Ela
sentiu as amigas pousarem os olhos sobre os dois quando Poncho se
aproximou dela e beijou sua bochecha. Era diferente da forma como ele
falara com Lexie e Sophia, era mais carinhoso, mais íntimo. E é claro que
seria. Mordendo os lábios para não corar, Anahí rapidamente notou as duas
amigas imediatamente saíram dali inventando desculpas para deixa-los
sozinhos. Lexie disse que iria ao banheiro, Sophia foi para a cozinha da
confeitaria alegando ter que trabalhar... ela sabia que era, na verdade, um
verdadeiro complô dos amigos para que eles ficassem juntos de novo. Tinha
sido assim no passado e voltava a ser no presente. Eles esperavam apenas
que tudo não tivesse que se repetir no futuro.
Poncho aproveitou o momento para se sentar e falar com ela. Tinha algo
que precisava ser dito, afinal.

— Missy me convidou para o jogo da escola, disse que os pais vão –


Poncho disse encarando Anahí. Ele precisava comunicar para evitar
desconfortos – Eu não sei se ela chegou a te falar sobre isso...

— Ela disse que queria que você fosse – Anahí abaixou os olhos, mas em
seguida olhou para ele – É natural, você é pai dela.

— Então você aceitou? – ele finalmente soltou um sorriso – Você vai


concordar que eu a adote?

— Eu preciso conversar com ela antes, mas ela te ama Poncho, eu não
posso demover isso da minha filha – Anahí suspirou.

Não quando sequer conseguia demover de si própria.

— Eu também a amo – Poncho respondeu com toda a convicção do mundo


– Vou ser o melhor pai do mundo pra ela.

— Eu tenho certeza que vai – Anahí respondeu.

Você já é, ela não evitou pensar.

— Nos vemos na terça então, mamãe – ele sorriu em definitivo antes de se


levantar – Ei Dani, vamos pra casa...!

Mamãe. A forma como ele a chamava. Ele ser definitivamente o pai de


Missy. Os dois estarem, a partir de então, ligados para sempre... os três, na
verdade. Anahí estava oficialmente ferrada.

Anahí dando um aceno pra uma carreira profissional, o livro do Poncho


indo pra revisão, AyA como uma família se formando, Missy e Dani
voltando a ser próximos 😻
Eu disse a vocês que a primavera estava chegando! Espero que estejam
gostando!

Deem suas estrelinhas e me digam o que estão achando!

E torçam pra fada da inspiração me fazer uma visitinha!!!

Beijos,

Rafa
Capítulo 81 - New family

A terça-feira enfim havia chegado. E naquela manhã, rapidamente se


constatou que o jogo de futebol era de Missy, mas Anahí é quem estava
nervosa. E não era pela ansiedade da vitória da filha, definitivamente não.

A menina, na verdade, estava um poço de segurança. Nem parecia que iria


competir. Ela entrou no táxi com a mãe carregando a mochila segura nas
costas, ouvindo Anahí ralhar que elas estavam atrasadas, que deveriam ter
acordado mais cedo, algo que não fazia parte do cotidiano das duas porque
Anahí estava sempre calma. O problema era a quebra da rotina relacionada
a quem elas encontrariam lá.

— Mamãe, calma – Missy falou assim que as duas entraram no táxi e Anahí
indicou ao motorista o destino – Dá tempo de nós chegarmos.

— Eu sei, mas é seu primeiro jogo importante e...

— Você ta nervosa demais – Missy constatou – Vai dar tudo certo.

— É claro que vai – ela deu um beijo na testa da filha – E você vai arrasar
nesse jogo.

Rapidamente Anahí ficou se sentindo culpada por aquela reação. Ela estava
daquela forma por Poncho, porque ele estava indo assistir ao jogo da filha
dela, por ter que encontra-lo. Anahí não estava mais tão magoada com ele
pela situação envolvendo Milo, mas ao mesmo tempo se sentia insegura de
se entregar mais uma vez. Ela queria que Poncho lutasse por ela, que ele
provasse que tinha mudado e a desse motivos para se sentir segura.

Talvez o medo de vê-lo era por reflexo de outro medo: o de se dar conta que
aquilo não iria acontecer.

— Por que você não dirige? – Missy perguntou mudando o assunto. Anahí
ficou aliviada por aquilo – Todos os outros pais dirigem.
— Eu fiquei muitos anos sem dirigir – Anahí respondeu franca – Acho que
desaprendi.

— Mas não é mais fácil do que ficar pagando táxi toda hora? – ela voltou a
questionar, fazendo Anahí se perguntar sobre aquilo. Mas antes que tivesse
a chance de pensar demais, a filha a surpreendeu mais uma vez – Por que
você não pede pro papai te ensinar a dirigir de novo?

As sobrancelhas de Anahí se ergueram até o limite com aquela pergunta. Na


verdade, não com a pergunta em si... apenas com uma palavra contida nela.

— Papai?

— É – Missy franziu a testa, logo parecendo preocupada pelo que disse –


Eu não posso chama-lo assim...? Fiz errado?

— Não, não fez – Anahí a tranquilizou – Eu só to surpresa, bebê, não


esperava. Você nunca o chamou assim.

— É que eu o convidei pro jogo que os pais vão, e ele quis ir, então ele
meio que é meu pai né? – ela disse juntando os pontos.

— Você gostaria que ele fosse seu pai? – ela perguntou. Estava começando
aquela conversa justamente porque Poncho já verbalizara o desejo de adotar
Missy e a única coisa que havia ficado pendente era Anahí conversar com a
filha.

— Muito! – a menina respondeu animada, os pequenos olhos brilhando –


Mas pra ser meu pai ele não precisa ser seu namorado?

— Não necessariamente – Anahí disse ao sentir as bochechas esquentando.

— Bom mesmo seria se ele fosse meu pai e seu namorado, né? – Missy
observou fazendo o rosto da mãe pegar fogo de vez.

Anahí jamais admitiria que a filha não era a única a pensar daquela forma.

Na escola, Poncho chegou antes delas. Ele não queria correr o risco de
perder o início do jogo, por isso saiu com toda a antecedência da qual Anahí
não era capaz. É lógico que foi ligeiramente frustrante para ele chegar até lá
e se deparar com o fato de que nenhuma das duas estava ali. A única pessoa
conhecida que Poncho identificou naquele mar de gente foi Maite, que não
perdeu a oportunidade de alfineta-lo por ter se adiantado para ver as
mulheres de sua vida. Ele riu, afinal não poderia discordar. A morena não
dizia nenhuma mentira.

Conforme os minutos foram passando a arquibancada encheu e Poncho se


deu conta que Missy tinha razão, tinha gente demais ali. Ele não parava de
olhar o relógio e estava nervoso, se segurando para ligar para Anahí e
irritado pelo sempre constante atraso dela, preocupado se as duas chegariam
a tempo, quando uma voz de criança chamando-o interrompeu seus
pensamentos e fixou todas as suas atenções.

Até porque aquela voz não o chamava de uma forma qualquer.

— PAPAI! VOCÊ VEIO...!

Missy colidindo com ele mal deu tempo dos sentimentos de Poncho se
ordenarem. Ele sentiu um sacolejo enorme no peito que não acontecia desde
que Daniel aprendera a falar as primeiras palavras e o chamou assim pela
primeira vez. Ele aos poucos viu a voz do filho mudar, conforme ele
crescia. Com Missy isso não aconteceu, ela chegou na vida dele aos sete e o
chamando de diversas formas: primeiro pelo nome, depois de tio e por fim,
daquela forma, pai. A forma como ele vinha se comportando, que
sintetizava o amor que tinha por ela.

— Oi meu amor – Poncho disse se ajoelhando e a abraçando – É claro que


eu viria, nós não combinamos...?

— Eu sei, mas você e a mamãe estão tão esquisitos que nunca se sabe né? –
ela disse coçando a cabeça deixando claro que parecia definitivamente
confusa com o status eternamente indefinido dos dois.

Mais ou menos como o resto do mundo também ficava.

— Vou te contar um segredo ok? Eu sempre vou amar sua mãe Missy – ele
confidenciou.
— Ela ama você, você a ama, vocês não estão juntos por quê...? – a
pergunta dela veio acompanhada de um revirar de olhos.

— Eu... só estou esperando que ela me queira de volta.

Por Missy ela própria resolveria as coisas entre Anahí e Poncho, mas o que
mais havia para ser feito? De qualquer forma ela tinha um jogo a ser
jogado. Suspirando, acabou seguindo as colegas e o técnico que a
chamavam. O que ela não sabia é que deixar seus pais sozinhos era o
melhor que poderia fazer para mantê-los juntos.

Anahí via Missy seguir com as crianças sem prestar atenção em Poncho,
diferentemente dele que, após se despedir temporariamente da filha,
mantinha o olhar fixo nela. Poncho debatia em sua mente se deveria se
aproximar ou se manter distante, pensando unicamente no status que tinha
ficado entre eles, até se dar conta que ele não estava ali como ex de Anahí e
nem mesmo como seu "amigo", os dois estavam ali como os pais de Missy.
Então, o que realmente importava era a menina olhar para a arquibancada e
ver os pais juntos.

Como ele sabia que o que era bom para a filha acaba se tornando
igualmente bom para a mãe, Poncho soube que era o certo a se fazer.

— Ainda tem lugar pra dois na arquibancada – ele disse ao chegar na frente
dela, apontando para trás – Você...

— Ah sim, claro, claro... – e uma desconcertada Anahí respondeu.

Os dois se sentaram lado a lado, no primeiro espaço que encontraram onde


ambos cabiam. A arquibancada estava ainda mais cheia do que antes, foi
com alguma dificuldade que conseguiram aqueles lugares, mas a visão era
boa. Cerca de meia hora de poucas palavras trocadas e de um visível
desconforto por não terem assunto, as crianças começaram a tomar o
gramado. Foi quando Anahí se lembrou de algo importante que havia a ser
dito para ele.

— Eu conversei com ela hoje – Anahí disse próxima do ouvido dele. O


calor do hálito dela lhe causou arrepios – Sobre você. Ela já te chama de
pai. Eu perguntei se queria que você fosse pai dela, e ela só faltou dizer que
já era.

— Eu não esperava nada diferente – Poncho disse de volta tão próximo


quanto ela – Eu vou ligar pro meu advogado e resolvemos tudo.

Depois disso eles se comunicaram apenas por olhares e gestos durante o


jogo. Naquele momento deixaram de ser Anahí e Poncho e se tornaram,
realmente, os pais de Missy. Tudo o que importou dali para frente era o jogo
que a menina teria. Por isso eles torceram a cada minuto, vibraram a cada
lance e se abraçaram comemorando aos pulos juntos quando a menina fez
um gol. Torceram sobretudo para que, nos minutos finais, finalmente
terminasse. Anahí reclamava sem parar que não tinha estrutura emocional
para aquele tipo de momento, embora soubesse que aquela partida seria a
primeira de muitas outras.

Com o apito final e a vitória do time de Missy, no fim os dois estavam na


beira do gramado enchendo a filha de beijos. A menina parecia orgulhosa
de si mesma e nem Anahí, nem Poncho a poupavam de deixar claro que se
sentiam da mesma forma.

— Papai, vem aqui pra eu te apresentar a minha professora – Missy disse já


puxando Poncho e deixando Anahí para trás, já que ela tinha sido
apresentada anteriormente.

Mas ela não ficou sozinha, afinal sua filha estudava na mesma escola que
sua melhor amiga trabalhava e é claro que Maite não perderia a
oportunidade de encontra-la ali.

— Você não vai entrar de licença médica nunca? – Anahí perguntou


franzindo a testa.

— Até você? – a morena rolou os olhos – Já não me basta o Mane? Se quer


saber, essa é a minha última semana de trabalho.

— Eu me preocupo – ela sorriu para a melhor amiga – Quero que a Luninha


nasça bem.
— Eu também quero, mas não preciso me comportar com uma inválida –
Maite fez uma careta – Esse fim de semana vou viajar com o Mane pra final
do campeonato estadual.

— Você deve estar brincando comigo...! – Anahí a encarou séria – Maite!


Você está com 39 semanas!

— Luna dá sorte pro time – Maite deu de ombros – Não faça drama, é em
Newark, vai ficar tudo bem. Nós iremos e voltaremos de carro e depois eu
ficarei com os pés para o alto e então você, minha mãe e minhas duas
sogras poderão respirar aliviadas.

— Você é quem sabe Maite – Anahí falou naquele tom reprovador – Eu


ainda acho, que aposto que Mane concorda comigo, que é melhor que...

E eis que as palavras de Anahí se perderam. Exatamente quando ela


enxergou a cena que acontecia ao fundo: a professora de Missy gargalhando
para algo que Poncho dizia, o sorriso dele maior que o recomendado no
rosto e a mulher por vezes se aproveitando para trocar nos braços e no peito
dele. O suficiente para fazê-la queimar de ciúmes.

— O que... – a boca dela imediatamente balbuciou.

Anahí conhecia exatamente o tipo de efeito que Poncho era capaz de causar
nas mulheres. Naquele momento lhe veio à mente o tanto de vezes que
cenas parecidas com aquela já tinham acontecido, cenas das quais ela foi
testemunha... antes mesmo de os dois ficarem juntos Poncho já fazia
sucesso entre as garotas do colégio, mesmo já, àquela época, só ter olhos
para ela. A situação se repetiu quando ele foi para Stanford, Anahí se
lembrava de ir para a Califórnia visita-lo e se surpreender com a quantidade
de garotas que facilmente se jogariam aos pés dele se quisessem.

E aquela situação sempre a levava ao mesmo sentimento: o mais absoluto


ciúme.

Mesmo eles não estando juntos. Mesmo tendo sido ela a criar a distância
que agora se impunha entre ambos.
— Eu não acredito que você está com ciúme – a voz de Maite saiu
acordando-a para a realidade.

Maite naquelas horas mais parecia o diabinho que aparece às costas do


desenho animado. Anahí fechou os olhos de condenando por permitir que a
melhor amiga notasse sua reação, mas parecia tarde demais para se
lamentar. A morena tinha um sutil sorriso nos lábios de leve deboche e
Anahí a conhecia bem demais para saber que boa coisa não sairia dali.

— Eu conheço a Anna, ela cria o filho sozinha, o pai da criança a


abandonou quando ela ainda estava grávida – Maite explicou o contexto. É
claro que havia um contexto do qual Anahí não fazia ideia... mas isso não
impedia Anahí de sentir seu rosto pegar fogo, sobretudo por encarar a
amiga e ignorar a cena à sua frente – E bem, todo mundo conhece a sua
história, a história da Missy. Nem todo pai quer criar a própria filha, e você
encontra um cara que quer adotar a sua filha que não é dele e que ainda
vem ao jogo de futebol da escola dela. Convenhamos, é de se admirar.

— Não deveria – a careta de Anahí era gigantesca – Homens não deveriam


ser admirados por não fazerem mais do que a obrigação.

— Concordo – Maite ponderou – Mas não é obrigação dele Any. O Poncho


ta fazendo isso por amor.

O que fazia toda a diferença do mundo.

Algum tempo depois Poncho e Missy voltaram de mãos dadas, Maite


prendendo o riso com o fato de que Anahí não conseguia sequer disfarçar,
tampouco controlar o próprio ciúme. Estava escrito na cara dela o próprio
sentimento. Como a morena sabia que aquilo poderia ser importante para
uma aproximação dos dois, se despediu e voltou ao trabalho, seus alunos
logo voltariam do recreio, ela teria que ir de qualquer forma. E no fim,
acabou deixando aquela nova família sozinha.

— A professora adorou o papai, mamãe – Missy contou animada, mas a


ironia que saiu da voz dela foi cortante.

— É, deu pra reparar – Anahí revirou os olhos.


Obviamente a reação dela surpreendeu Poncho. Ele ergueu o olhar e viu a
expressão tomada pelo ciúme que ela tinha no rosto, dando um ar de riso e
mordendo os lábios. Não conseguia acreditar que, tanto tempo depois, ainda
despertava aquele tipo de sentimento nela, em especial tendo-se em vista o
histórico recente de brigas que os afastou. Parecia que, ao mesmo tempo
que Anahí o colocava para longe, o trazia para perto em seguida. Eles eram
verdadeiros ímãs.

— Ei filha, por que você não vai trocar de roupa pra tomarmos um sorvete
de comemoração? – Poncho propôs.

— Oba! Eu quero! – Missy respondeu com animação – Eu posso mamãe?

— Claro – Anahí sorriu tentando conter a irritação de antes – Hoje é um dia


especial.

— Então eu já volto – Missy disse antes de se afastar, indo para o vestiário.

E deixando os pais sozinhos... e Poncho livre para perguntar o que queria.

— É impressão minha ou você está com ciúme?

A expectativa, naturalmente, era que ela negasse. Anahí não era boa de
administrar os próprios sentimentos, muito menos admiti-los. Por mais
ciumenta que fosse, ela negava até a morte. Dessa forma, Poncho não
esperava pelo que estava para vir.

— Estou – ela entregou, encarando-o diretamente – Por quê? Eu não


posso?

Ela sabia que não poderia, não era um direito seu já que eles não tinham
mais nada e por decisão dela inclusive. Mas mesmo que os dois tivessem
todo o afastamento do mundo, eles ainda assim eram ligados. E se era dessa
forma antes, se foi dessa forma durante os oito anos que, para o mundo, ela
estava morta, o que havia de ser dito daquele momento, onde apenas uma
desavença os separava?
— É claro que pode – ele sorriu no canto dos lábios – Inclusive, se quer
saber, eu adoro te ver assim, toda corada.

A raiva de Anahí naquele momento atingiu limites estratosféricos.

— Ah, claro, você ta adorando mesmo isso – ela ironizou – Ter duas
mulheres interessadas em você, te disputando...

— Você acha que é isso que eu to adorando? – Poncho ergueu as


sobrancelhas, quase rindo – Any, é claro que não. Eu não to nem aí se ela
demonstrou interesse em mim. A única coisa boa dessa história é que você
demonstra que ainda me quer.

Anahí piscou várias vezes, tentando formular uma resposta enquanto sentia
aquele olhar dele firme encarando-a e seu rosto queimando mais do que
nunca. Estava difícil, realmente difícil se manter indiferente à forma como
ele a olhava, com todo o desejo do mundo, certo do que queria.

— Eu sou total e completamente seu – Poncho ressaltou – E vou ficar livre


pra quando você decidir que me quer de volta. A hora que você me chamar,
eu venho.

Mais do que nunca o corpo de Anahí se incendiou. Ela sequer conseguia


encara-lo, olhou para baixo respirando fundo, tentando ordenar seus
pensamentos. Ela estava descompassada. Sabia que eles apenas não
estavam juntos por decisão dela. E se lembrava claramente de seus motivos,
sabia que eles eram fortes... mas sabia, mesmo assim, que a vontade de
sucumbir era imensa. No fundo, tudo o que restava era o medo de as coisas
entre eles se estragarem novamente e os dois acabarem sequer conseguindo
se encarar.

— To pronta – Missy chegou de volta interrompendo a troca de olhar entre


eles – Vamos? Eu quero sorvete de chocolate com calma de chocolate e um
monte de M&Ms em cima!

— O que você quiser meu amor – Poncho disse sorrindo, mais ainda
quando viu que a menina deu uma das mãos para ele e a outra para Anahí,
criando, de certa forma, um elo entre os dois.
Porque agora era o que ela era: um elo entre eles. E em breve, por estar no
meio deles, seria a única coisa que os impediria de seguirem de mãos dadas
por toda uma vida.

xxx

Mesmo contra a opinião do próprio Mane, de seus pais e das mães dele,
Maite decidiu viajar para Newark naquele fim de semana. Desde que eles
foram morar juntos o frisson do início do relacionamento passou de vez e
ela pôde voltar a frequentar os jogos de basquete do time dele sem fazer
com que Mane se atrapalhasse totalmente e colocasse tudo a perder. E,
conforme a gravidez dela avançava, os jogadores começaram a fazer de
Luna o mascote deles, criando um ritual de tocar a barriga de Maite antes
dos jogos para dar sorte.

Por esse motivo ou por outro, deu certo. Naquele fim de semana eles
estavam indo para a final do campeonato estadual de basquete. Tinham
chegado longe, mais longe do que qualquer time que Mane tinha treinado
desde que começou a trabalhar com aquilo. E obviamente todo o time
creditou aquele sucesso no ritual deles, Maite inclusive. Ela jamais
quebraria com aquilo, mesmo estando literalmente no final da gravidez e
com menos preocupação com a possibilidade do parto fora do planejado do
que deveria.

Então, contrariando tudo e todos, Maite acompanhou Mane até Newark,


junto com as mães e a irmã dele. As quatro – cinco, se contassem com Luna
– tiveram assentos cativos e reservados nas arquibancadas, mas antes do
time entrar na quadra Maite fez questão de ir aos vestiários e todos
novamente tocaram sua barriga como sinal de sorte. E antes de Mane sair
dali e comandar o time para a esperada vitória, ela fez questão de beijar-lhe
os lábios e desejar toda a sorte do mundo. Mane sabia que aquela vitória
seria um extra: ele já tinha tudo o que queria, tudo o que sempre quis na
vida, bem ali à sua frente.

Não foi nenhuma surpresa quando o jogo acabou e eles venceram com uma
larga distância. Kamilla teve que segurar a cunhada para evitar que Maite
saísse correndo pelas arquibancadas afora para abraçar o namorado e
comemorar como deveria, afinal Maite estava com trinta e oito semanas de
gravidez. Mas isso não tirou a agitação dela, muito menos de Mane, que
naquele momento esqueceu que sua filha estava para nascer e apenas curtiu
o momento abraçado a ela assim que sua família a deixou descer, se
sentindo, naquela noite, o homem mais feliz da face da Terra.

Após comemorarem eternamente, na madrugada eles voltaram no ônibus do


time com a barulheira infinita daqueles garotos em êxtase e Maite se dando
conta que eles não eram os únicos eufóricos ali.

— Aposto como ela vai ser a torcedora número um do seu time – ela
comentou tocando a barriga e sentindo Luna chutar animadíssima, com
Mane tocando-a também com um sorriso terno nos lábios – Mal vai
aprender a andar e já fará uns lances livres.

— Vou ensina-la a fazer cesta de três antes mesmo de aprender a ler – ele
riu – Ela ta agitada. Será que foi uma boa ideia você ter vindo...?

— Relaxe – Maite desconversou – Nós estamos bem. Eu não perderia isso


por nada.

Bem... não tão bem assim.

Tão logo chegaram de volta a Nova York, quando já era de manhã, e


entraram no apartamento, Maite sentia que a filha estava agitadíssima
dentro dela. Ela não queria admitir que estava errada e que talvez poderia
não ter sido a melhor ideia do mundo viajar no fim da gravidez, mas se
forçava a acreditar que teve bons motivos para decidir daquela forma,
lembrando da animação no rosto daqueles garotos que, sem o basquete, não
teriam qualquer perspectiva de futuro... do sorriso nos lábios de Mane pelo
título inédito, por dar a eles aquela chance. Era o que a fazia pensar que,
mesmo que desse errado, ela não poderia perder aquelas cenas das quais
jamais se esqueceria.

Mas no fim, após ter dado certo, começou a dar errado.

Quando Maite deitou em sua cama, achando que iria descansar e relaxar,
acabou se dando conta que aquela agitação estava um pouco fora do
normal. Ela ia e voltava em tempo espaçado, a cada cinco minutos. A
princípio a morena não quis acreditar, mas logo não deu para negar. Eram
contrações.

— Mane? – ela murmurou ao namorado que tinha acabado de se deitar ao


lado dela e ainda pegava no sono.

— Hm?

— Eu acho que sua filha quer nascer hoje.

Clara e objetiva como sempre. Afinal, para que rodeios?

A reação de Mane foi desesperada. Ele afastou o sono, rapidamente


começando a correr para todos os lados pegando as coisas dela e as de
Luna, sem saber por onde começar. Resmungou quando Maite disse que
tomaria um banho, ficou rodando em círculos dentro do banheiro até ela
sair. Não melhorou quando ela anunciou mais uma novidade.

— Minha bolsa estourou – Maite disse assim que saiu do box. Ao ver a
vermelhidão tomar o rosto dele, teve certeza que Mane piraria.

— Meu Deus do céu – ele ofegou – Olhe, é melhor nós irmos para um
hospital.

— Não, nós vamos seguir o meu plano de parto, vamos pra clínica, liga pra
Lois – ela se referia à própria doula que acompanhou sua gravidez.

— Maite, eu acho melhor...

— Mane, quem vai parir sou eu – Maite anunciou, vendo-o ficar mais
indócil do que nunca.

Tinha sido opção dela como as coisas seguiriam a partir dali. Assim que
entraram num táxi – já que Mane não tinha nenhuma condição de dirigir –
ele não parou de falar um minuto sequer que ela não deveria ter ido para
Newark, que tudo tinha sido um erro, que as mães deles bem que avisaram
que aquilo aconteceria. Mane estava tomado pelo pânico, enquanto Maite
controlava sozinha a própria respiração, sentia as contrações aumentarem
de força e intensidade, notando a diminuição do espaçamento entre elas, se
sentindo nervosa não apenas pelo que estava por vir, o que a assustava,
como também pelo fato de que seu namorado estava totalmente apavorado e
incapaz de ajuda-la.

Por isso ela mandou uma mensagem para a pessoa que sabia, desde o início,
que teria equilíbrio para ajuda-la naquele momento.

"Sua afilhada está vindo ao mundo. Por favor, vá para a clínica, eu preciso
de você... Mane está pirando".

Anahí recebeu a mensagem rindo. Como ela ainda não tinha se mudado,
pediu a Christian que ficasse com Missy, que ainda dormia, se trocou e
seguiu para encontro de sua melhor amiga. Ao chegar na clínica que Maite
tinha escolhido para o nascimento da filha, o cenário não estava nada
diferente do que a morena descreveu. Mane tinha perdido totalmente o
controle e criara uma imensa paranoia acreditando que a filha e a namorada
corriam perigo e que eles deveriam ir para um hospital. Anahí rapidamente
notou que ele estava mais estressado que a própria Maite, que era quem
estava em trabalho de parto, e que as chances daquilo dar errado eram
gigantescas.

— Relaxa, eu to aqui – Anahí disse segurando a mão dela e oferecendo


suporte – Se precisar eu deixo você quebrar a minha mão no lugar da dele.

— Obrigada, eu sei que você faria isso, sempre soube – ela mordeu os
lábios nervosa – Mas eu queria muito poder quebrar a mão dele também.

A estrutura estava montada. Maite teria a filha em uma banheira. Quando a


dilatação dela aumentou, a doula a levou para lá. Mane ainda estava fora de
controle, o que deixou a morena insegura, ela não esperava por uma crise
daquelas logo naquele momento. Anahí então se deu conta que seu papel ali
não deveria ser o da pessoa que ajudaria Maite a trazer a filha ao mundo,
mas sim daquela que traria Mane de volta à razão. Por isso ela o puxou para
fora do quarto para cumprir aquela missão.

— Olhe, eu posso entrar com ela naquela banheira, posso dar todo o apoio
do mundo porque eu sei que consigo, mas não sou eu que ela quer que faça
isso com ela, não é a minha mão que ela quer segurar – Anahí disse
encarando-o, vendo a expressão de tortura no rosto de Mane – É você. E eu
acho que você não vai se perdoar se não fizer isso com ela e perder isso.

— Eu tenho medo – ele admitiu – Eu não gostei dessa ideia de ter o bebê
aqui desde o início. E se algo acontecer...?

— Tem profissionais aqui prontas pra resolver qualquer coisa caso algo
aconteça – Anahí lembrou – O que ela precisa nesse momento é de
segurança. A segurança que só você pode dar.

Logo Anahí viu Mane abaixar a cabeça e respirar fundo três vezes. Quando
ele a levantou, sua expressão parecia mais contida, e foi dessa forma que ele
caminhou para dentro do quarto, tirando os sapatos, dobrando as mangas da
camisa e entrando na banheira, se ajeitando por trás dela e deixando o peso
de Maite cair sobre o seu. Foi com um imenso alívio que Maite reagiu,
sorrindo por tê-lo ali, ao lado dela, como ela queria desde o início.

— Desculpe a demora – ele beijou a testa dela – Vamos fazer isso juntos.

— Obrigada – ela murmurou.

Luna não demorou a vir ao mundo. De alguma maneira aquele nascimento


dela daquela forma ensinou um pouco aos pais, principalmente a Mane, já
que aquela era a primeira das muitas vezes que viriam que ele teria que
colocar as próprias necessidades de lado, já que agora ela viria em primeiro
lugar. O alívio pelo choro dela e pela constatação de que tinha nascido forte
e saudável compensou toda a dor de sua mãe e todo o nervosismo de seu
pai. Quando Mane viu a doula entregar a filha, pequena e cabeluda, para
Maite, e ver a namorada ajeitar a menina em seus braços e encosta-la em
seu peito, a emoção o fez se dar conta que Anahí tinha razão: ele jamais se
perdoaria se tivesse perdido aquele momento.

Felizmente, a partir dali ele não perderia mais nada.

Duas novas famílias Quem amou?


Sei que vcs devem estar se corroendo pra saber porque AyA não estão
juntos mesmo com esse climão e essa ciumenta. Posso dizer que estamos
bem perto!

Por fim, me atrasei de novo nos comentários. Tive outro falecimento


familiar e hoje eu fui pro cemitério de novo. Como não fui trabalhar, não
respondi os comentários como costumo fazer. E aí me enrolei de novo!

Mas pelo menos as simpatias e promessas funcionaram e a fada da


inspiração ta MORANDO aqui em casa! E os caps estão saindo lindos!
Aguardem!

Beijos,

Rafa
Capítulo 82 - Don't you forget about me

— Ela é pequena – Daniel constatou encarando Luna deitada em seu


pequeno berço, com os olhos castanhos e amendoados bem abertos para as
três crianças que, lado a lado, a observavam.

— Se fosse grande não iria caber dentro da barriga da tia Mai – Missy
explicou sabichona.

— Meu irmão vai nascer desse tamanho – Samantha respondeu – O nome


dele vai ser Logan porque o Wolverine é o super herói favorito do papai.

— Eu gosto mais do Batman – Daniel murmurou pensativo.

— E eu das princesas da Disney – Samantha sorriu – E você Missy?

— Eu acho que gosto mais de Star Wars – ela respondeu recebendo um


olhar esquisito de Samantha em resposta – Queria ter um sabre de luz.

— Vou pedir pro papai comprar um pra você – Daniel disse já saindo dali –
Ei papai...! Missy e eu podemos ganhar sabres de luz?

— Claro que ele iria pedir pra ganhar um também – Samantha revirou os
olhos.

Naquela tarde em que Luna já tinha três semanas de idade, Poncho e Sophia
foram juntos levar os filhos para conhecer o bebê. Sophia estava
propiciando uma aproximação de Samantha com a ideia de que teria o
irmão por perto em poucos meses, para que ela começasse a se acostumar
com aquilo. E dentro do conceito de filhos, para Poncho, agora Missy se
encaixava. Ele já tinha começado os trâmites para adotar a menina, agora
faltava apenas a parte burocrática, mas ela já o chamava abertamente de pai
e, por mais surpreendente que pudesse parecer, Daniel estava levando
aquilo com uma tranquilidade que nenhum deles era capaz de esperar.

Sophia e Poncho não eram os únicos que estavam ali, Christian também
tinha ido e agora os cinco amigos – eles três, somados a Mane e Maite –
conversavam sentados na sala enquanto as crianças brincavam e
confabulavam em frente ao berço de Luna.

— Eu tinha parido há doze horas, ainda estava nervosa com amamentação e


minha sogra já estava do meu lado falando que, pelo horário de nascimento,
a Luna tinha Sol em Gêmeos, Ascendente em Câncer, Lua em Libra e Vênus
em Gêmeos, e falando todas aquelas coisas sobre a personalidade dela que
eu sequer conseguia acompanhar...

— O interessante é que eu tenho duas mães, mas quando Maite fala minha
sogra num contexto astrológico, todos sabem exatamente quem é – Mane
comentou rindo.

— Ninguém pode culpar a dona Jade, Deus sabe o quanto ela esperou pro
vocês dois juntos e além de tudo tendo filhos – Christian ponderou, e
ninguém foi capaz de retrucar.

— Papai? – Daniel disse chegando à frente de Poncho com a cara de pidão


– Missy e eu queríamos um sabre de luz. Sabe, pra lutarmos como Jedis.

— Ah – Poncho deu um ar de riso – Querem, é?

— Sim, porque aí eu serei Luke e ela a Leia – Daniel explicou – Eles são
irmãos.

— Mas Leia não é Jedi – Mane observou olhando para o menino, que
revirou os olhos em resposta, enfezado.

— Tio, é só fazer de conta.

— Ah sim – Mane riu da resposta dele.

Os adultos em geral riram da reação, Daniel voltou correndo para o quarto e


todos o ouviram falando para Missy ficar tranquila, porque seu pai garantira
os sabres de luz – embora não fosse exatamente o que Poncho tinha dito.
Mas estava tudo bem, porque aquele era um sinal de que Daniel estava
aceitando se aproximar de Missy e verbalizando que a via como sua irmã,
para o pai parecia suficiente e digno. Todos ali pareciam concordar que
valia o sacrifício gastar um certo dinheiro com dois sabres de luz se fosse
para duas crianças aprenderem a conviver cada vez melhor.

Em meio à conversa dos adultos a campainha tocou e, quando Mane abriu,


era Anahí. Ao mesmo tempo que ela apareceu na entrada do apartamento,
os outros disfarçadamente procuravam as reações dela e de Poncho ao
encararem um ao outro. Após meses separados, eles ainda buscavam se
tratarem socialmente com a naturalidade necessária, mas, por mais esforço
que fizessem, os olhares furtivos eram inevitáveis.

— Vim buscar minha cria e aproveitar pra dar uma mordida na bochecha da
afilhada mais linda do mundo – Anahí rapidamente explicou justificando a
própria presença. Ela não queria que os amigos pensassem que estava ali
para aproveitar uma mera desculpa para encontrar Poncho, embora aquilo
sempre parecesse uma grata surpresa.

— Eu poderia tê-la levado, eu te disse isso – Poncho disse encarando-a


diretamente e Anahí devolveu com uma careta. Os outros disfarçavam o
quanto estavam interessados na forma como os dois interagiam.

Exatamente quando Poncho terminou de falar, o choro de Luna irrompeu no


ambiente. Estava claro que a menina queria algo que apenas a mãe poderia
dar.

— Venha comigo enquanto eu a amamento – Maite disse se levantando e


apalpando os seios, certa de que o "prazo de validade" da filha, como
costumava falar, já havia terminado.

No fim Anahí não foi a única que a seguiu, Sophia foi com elas. As crianças
foram para a sala para que Maite tivesse tranquilidade para amamentar
Luna – e tranquilidade não era a palavra exata de como o ambiente ficava
quando Samantha, Daniel e Missy se juntavam. A morena então pegou o
bebê do berço e a levou para o seu quarto, sentando-se numa poltrona de
amamentação. As amigas estavam ao seu redor.

— No início a amamentação foi um verdadeiro inferno – ela admitiu – Na


verdade tudo foi meio que um inferno, o puerpério é realmente cruel. Hoje
mesmo eu só lavei o cabelo e escovei os dentes porque vocês vieram aqui e
Mane me concedeu esse pequeno luxo.

— Deus, em breve serei eu – Sophia tinha os olhos arregalados – No fim


você não vai no reencontro do colégio, não é?

— Eu não sei Soph, vai depender de uma das avós poderem ficar com a
Luna e eu estar no clima no dia, cada dia é um dia quando se tem um bebê
recém-nascido – Maite fez uma careta.

— Reencontro do colégio...? – Anahí franziu a testa com a leve sensação de


que aquele tópico lhe era um tanto familiar.

— Nossa turma fará um reencontro comemorando os treze anos da nossa


formatura – Sophia explicou – Vai ser na próxima semana.

E de repente Anahí se lembrou de onde tinha saído aquela informação da


qual se recordava vagamente: Poncho falou daquele reencontro quando os
dois estavam a caminho de Vermont. Inclusive havia convidado-a para
acompanha-lo... algo que provavelmente não se mantinha mais de pé.

— Você vai? – Maite disse encarando a melhor amiga.

— Eu não queria ir – Anahí mordeu os lábios – Quer dizer, eu vou ser o


centro das atenções. Vai todo mundo me olhar com aquela cara de "olha a
garota que ficou oito anos sequestrada e agora cria a filha fruto de estupro".

— Ei, não seja tão dura consigo mesma – Sophia respondeu – A sua vida ta
seguindo caminhos maravilhosos, você teve uma segunda chance.

— Eu sei disso – Anahí suspirou.

— E Missy não é fruto de um estupro – Maite ressaltou – Ela é fruto da sua


sobrevivência. Ela é sua e de mais ninguém.

— Na verdade de mais alguém sim – Sophia riu – Afinal ela arranjou


alguém pra chamar de pai.
— Verdade – Maite sorriu junto com a amiga – Alguém que, por sinal, está
completamente de quatro por ela.

— Como já é de quatro pela mãe dela – Sophia alfinetou. Anahí àquela


altura já estava roxa.

— Parem vocês duas!

— Olhe, façamos assim, vamos todas pra essa festa – Maite decidiu – Eu
dou o meu jeito, quer dizer... eu tenho uma mãe, duas sogras e uma
cunhada, alguém tem que estar livre pra ficar com a Luna. Eu vou e fico por
duas horas que seja e fuzilo quem ousar olhar torto pra minha melhor
amiga.

— Acho uma ótima ideia – Sophia bateu palminhas animada.

No fim, Anahí não teve como negar aquele pedido das amigas. Elas
estavam realmente empolgadas com aquela festa. Ela acabou se dando
conta que talvez estivesse certa e todas as pessoas a olhariam de maneira
estranha, mas ao mesmo tempo, quem sabe Anahí sequer perceberia isso.
Afinal, ela teria todos os amigos à sua volta. Havia grandes chances de ela
sequer perceber o resto do mundo.

— Soph, eu esqueci de perguntar – Maite mudou o assunto – Você e Jesse...


vocês conseguiram...

— Ah – Sophia mordeu os lábios – Se nós voltamos a transar? Com algum


custo e paciência dele... sim.

— Jesse amadureceu tanto – Anahí murmurou orgulhosa – Eu lembro que,


quando eu voltei, vocês mal olhavam pra cara um do outro e todo mundo
concordava de forma uníssona que ele tinha se tornado um babaca. Um ano
depois e vocês vão se casar, você está grávida dele, Sam te chama de mãe...

— Foi um ano intenso e difícil – Sophia suspirou – Pelo menos nós


estávamos um do lado do outro... com a morte da Torrey, e depois o que
aconteceu comigo...
— Tudo isso fez com que o Jesse se tornasse o homem que você precisava
ter ao seu lado, que você merecia – Maite ponderou, mas a amiga não
parecia convencida.

— Eu sei disso – ela ressaltou – Mas isso não muda nada Any. A morte da
Torrey foi uma fatalidade, mas... o Chad... ainda dói.

— Sempre vai doer – Anahí segurou a mão dela. Ela entendia – Por melhor
que você esteja, uma hora ou outra você vai lembrar e vai doer. Isso marca a
gente.

— Me sinto até estúpida por sofrer tanto assim por algo que eu nem me
lembro quando você viveu muito mais e por muito mais tempo – Sophia
abaixou a cabeça, mas logo Anahí negou, reprovando suas palavras.

— Cada dor é uma dor, você viveu uma violência tal como a minha, de
maneira alguma eu vou deixar que você diminua isso – Anahí suspirou.

— Eu queria conseguir pensar em uma forma de fazê-lo pagar de verdade –


Maite divagou.

— Eu também – Sophia respondeu – Mas eu já fui na delegacia e eles se


recusaram a registrar a ocorrência, então... eu não sei mais o que fazer.

— Queria poder fazer mais por você Soph – Maite mordeu os lábios.

— Você já fez muito – ela sorriu em agradecimento.

Logo Maite se deu conta que Luna terminara de mamar e entregou a menina
para Anahí coloca-la para arrotar. Anahí ficou em pé com a afilhada
encostada em sua roupa, sorrindo para ela, mas seus pensamentos estavam
longe. Maite e Sophia sussurravam como ela ficava bem com um bebê nos
braços, divagando sobre quando Anahí seria mãe novamente, mas a própria
sequer as ouvia. Ela estava novamente se perguntando se não havia alguma
maneira que ela não tinha pensado de Chad ser incriminado. O único
problema é que ela não conseguia pensar em nada.
A forma natural como Anahí raciocinava era comparando o seu caso com o
de Sophia. O problema é que Tobias havia sido preso em flagrante quando
ela foi encontrada, sobravam provas dos estupros e das agressões que ele
havia perpetrado contra Anahí. Com Sophia era totalmente diferente, já que
ela não ter feito um exame de corpo de delito na manhã seguinte fez com
que tudo naufragasse. Como a polícia apontou exatamente aquela falha,
duvidando da veracidade das acusações dela, as opções ficavam escassas.
Nem mesmo Marina tinha conseguido pensar numa alternativa, e se Marina
não tinha tido nenhuma ideia, quem poderia ter...?

De repente um nome acendeu na cabeça de Anahí: Joy.

Aquela mulher era advogada, era experiente e queria militar naquela causa.
Ela poderia pensar em algo. Talvez não, mas... talvez sim. A esperança
estava acesa e Anahí não estava disposta a desistir.

Por isso, assim que colocou Luna de volta ao berço, Anahí pegou o cartão
de Joy que ainda estava em sua bolsa e digitou uma mensagem para ela.

"Aqui é Anahí. Estou mandando essa mensagem porque tenho uma amiga
que sofreu um estupro mas não tem meios de provar. Ela está
completamente desesperançosa porque a polícia não quis sequer registrar
a ocorrência. Ela não fez o corpo de delito. Eu sei que é difícil, mas eu
gostaria de ajuda-la. E se você puder me ajudar com isso, eu te ajudo com
o que você quiser".

A mensagem parecia mais do que clara: se Joy encontrasse uma solução, ela
iria querer trabalhar com aquela mulher. Porque, se ela fizesse a diferença
na vida de Sophia, Anahí teria todo o prazer do mundo em querer aprender
com ela a fazer a diferença também na vida de muitas outras mulheres.

A resposta não demorou a vir.

"Eu vou pensar em algo. Retorno em breve. J."

Agora era aguardar.


Assim que Anahí saiu do quarto de Luna, ela encontrou Poncho no meio do
corredor digitando uma mensagem no celular. Ele levantou a cabeça e
sorriu assim que a viu, e ela, em pensamento, amaldiçoou o fato de ele ficar
ainda mais bonito sorrindo. Logo se deu conta que ele certamente estava
esperando-a sair para lhe dizer algo, porque, pela forma como estava
parado, parecia estar à sua espera.

— Eu estava mesmo te procurando – Poncho disse olhando para ela – Vou


levar o Dani pra casa e queria saber se deixo a Missy com você.

— Pode deixar, eu estou indo também – Anahí sorriu de volta quase que
automaticamente. Vê-lo olhando-a daquela forma a fazia querer sorrir.

— Eu posso dar uma carona pra vocês – ele ofereceu.

— Não precisa...

— Que isso, eu faço questão – Poncho riu.

— Isso me lembra que ela me perguntou porque eu não dirigia, disse que
todos os pais dirigem menos eu – Anahí lembrou – Eu acho que, se parasse
na frente do volante, sequer saberia tirar o carro do lugar...

— Você sabe que, a hora que quiser voltar a dirigir, tem um professor
totalmente à sua disposição – ele deu de ombros, deixando um tanto claro
de quem falava.

O rosto de Anahí imediatamente queimou. Ela abaixou para que Poncho


não notasse sua nítida vermelhidão, já que a pele dela era suficientemente
pálida para que ele enxergasse seu nervosismo.

— Sim, eu sei.

Os dois saíram do corredor juntos e atraíram os olhares de todos que


estavam na sala, seus filhos inclusive. Anahí rapidamente pôs-se a explicar
que Poncho tinha lhe oferecido carona para justificar a situação. Maite e
Sophia se entreolharam, certas de que a amiga morria de vergonha naquele
momento, mas ela apenas se despediu de todos e disse a Missy para fazer o
mesmo, vendo Poncho repetir a cena com relação a Daniel para, cerca de
uma semana depois, os quatro entrarem juntos no elevador e descerem até a
portaria do prédio, caminhando para a calcada onde Poncho tinha
estacionado.

E ao chegarem no carro, Anahí teve uma redonda surpresa.

— Missy tem uma cadeirinha no seu carro...? – ela franziu a testa ao se


deparar com ele colocando a filha no banco traseiro e afivelando o cinto.

— É claro que sim – Poncho disse óbvio – Ela é minha filha, vai andar
comigo sempre, e precisa estar segura.

Anahí perdeu completamente a fala. Era realmente óbvio, mas isso não a
deixava menos perplexa.

Para completar, Daniel ainda disse mais.

— Criança tem que andar na cadeirinha tia, o papai sempre diz – o menino
comentou com o pai pegando-o nos braços para coloca-lo na própria cadeira
– Você não sabia?

— Mamãe não dirige – Missy explicou – Por isso ela não sabe.

— Eu não dirijo mas eu sabia disso – Anahí fez uma careta imensa.

— Eu vou ensina-la a dirigir de novo – Poncho anunciou piscando para as


crianças – Meu pai me ensinou quando eu era jovem.

— Me ensina também? – Daniel perguntou animado – E a Missy também!


Somos seus filhos né?

— Sim, vocês são – Poncho confirmou orgulhoso olhando para ambos no


retrovisor, assim que sentou no banco do motorista – Quando vocês
crescerem eu ensino. Faço questão.

E Anahí, no banco do carona, ao sentir aquele clima gostoso que se formou


entre os quatro e o próprio coração derretendo, fechou os olhos. Era
inevitável não se sentir assim. Eles pareciam uma família. E uma família
malditamente perfeita.

xxx

Naquela noite Daniel dormiu na casa de Poncho e o pai o levou para a


escola cedo no dia seguinte. Poncho já começava a pensar numa forma de
levar tanto o menino quanto Missy, ele queria criar com a filha os mesmos
hábitos que tinha com Daniel, apenas não conseguira pensar ainda numa
maneira de conciliar os dois, já que estudavam em escolas diferentes. Era
algo a se pensar.

Era para ser mais uma manhã rotineira se Diana não tivesse lhe enviado
uma mensagem para ele pedindo que fosse até a Planet logo cedo. Poncho
não sabia do que se tratava, mas considerando que tinha entregue a versão
impressa de Somente você e eu para Diana após Erika terminar a revisão,
provavelmente era algo relacionado ao lançamento. Poncho estava ansioso
com aquele livro em especial, até porque a primeira leitura tradicionalmente
ocorria em Nova York e ele sabia que a imprensa estaria presente e que
haveria perguntas, quem sabe sobre Anahí também, dos leitores inclusive.
Ele precisava se preparar.

Por isso, assim que Poncho deixou Daniel na escola, seguiu direto para a
editora. Sabia que Diana começava a trabalhar cedo e lá estava ela, na
própria sala, com uma pilha de manuscritos sobre a mesa que ela enrolava
pra ler. Poncho entrou sem pedir licença como costumava fazer, quando se
deu conta que ela estava no telefone em meio a uma conversa um pouco
particular.

— Sim, recebi as flores, adorei – a voz dela saía suave. Diana estava de
costas para a porta, sem perceber que Poncho já estava ali. Ele, por sua vez,
via o bonito buquê de rosas vermelhas sobre a mesa dela – É claro que
podemos repetir, é só marcarmos.

Foi quando Poncho pigarreou e ela notou a presença dele.

— Eu preciso desligar, falo com você depois – ela disse um tanto


envergonhada – Desculpe.
— Eu que peço desculpas – Poncho prendia a vontade de rir – Bradley tem
bom gosto pra flores.

— É, ele tem – ela suspirou.

— Fico feliz de ver que vocês estão dando certo...

— Foram apenas dois encontros, não se empolgue, eu estou mantendo os


pés no chão – Diana suspirou longamente – Ainda tenho que contar pro
Dani.

— Ele vai reagir bem, ainda mais quando ver esse sorriso no seu rosto –
Poncho constatou feliz, vendo-a se soltar depois do comentário.

— Ok, eu estou feliz – ela admitiu – Mas vamos ao que interessa.

— Vamos sim, estou curioso...

— A capa do livro – Diana disse entregando uma pasta que, tão logo
Poncho abriu, viu a arte impressa pronta – Basta que você aprove.

— Perfeita como sempre – ele respondeu sorrindo encantado, vendo que o


padrão de todos os livros se mantinha com a leveza e delicadeza que aquele
livro em especial exigia – Aprovada.

— Ótimo, gosto que você não cria muito caso, porque o Ron Mitchel... –
Diana revirou os olhos se referindo a outro escritor que ela agenciava.

— Continua um porre?

— Em todos os sentidos – ela fez uma careta, pegando outro papel e


estendendo para ele – A agenda da turnê do livro. Se prepare, esse vai durar
um mês.

— Tudo isso? – ele se assustou vendo a quantidade de cidades que


englobava daquela vez. Como sabido, começaria em Nova York, mas dali
para frente havia Nova Jersey, Boston, Chicago, Los Angeles, San
Francisco, Dallas, Seattle, Houston, Washington... a lista parecia infinita.
— O interesse está grande – ela sorriu imensamente – Mas eu não irei te
acompanhar porque dessa vez o Dani está na escola e ele teria que ir
conosco. Vou mandar a Erika no meu lugar, tudo bem por você?

— Sim, sem problemas...

— Que bom, porque ela ficou tão animada com a possibilidade que eu
detestaria decepciona-la.

O pensamento de Poncho naquele momento já estava um pouco distante.


Ele pensava em um mês distante, longe de Missy e de Daniel, um mês
inteiro sem ver Anahí... mas eram os ossos do ofício. Ele sabia que as
turnês eram assim, imensas e cansativas. E de toda forma, aquele livro
merecia aquela dedicação. Era a história dele e de Anahí. Ele percorreria o
livro contando sobre a história deles. Valeria a pena.

— Muito bem então – Poncho disse se levantando – Me avise se precisar de


algo.

— Sim, eu sei onde te encontrar.

Poncho saiu minutos antes de Erika entrar animada. Pela simples expressão
de êxtase de sua funcionária, Diana já sabia o que ela pensava.

— Ele aprovou a capa? – ela perguntou vendo a chefe assentir em resposta


– Eu vou viajar com ele? – Diana assentiu novamente – YES!

— Erika? – ela chamou – Como a capa está aprovada e o texto está


diagramado, eu quero que envie o livro pra gráfica hoje mesmo. A primeira
tiragem precisa sair o mais rápido possível pra enviarmos pras livrarias.

— Pode deixar boss! – a moça disse, mas antes dela sair, Diana queria pedir
algo mais.

— E quando a primeira tiragem chegar, separe um exemplar e deixe na


minha mesa – ela observou – Tem um leitor que precisa receber em mãos.
Leitora, na verdade.

Não era preciso pensar muito para saber quem era essa leitora.
xxx

Anahí pensou e pensou a semana inteira sobre ir ou não naquele reencontro


de colégio. Na verdade o que ela pensava era em uma alternativa para
escapar, mas ao mesmo tempo não conseguia chegar a uma conclusão
muito eficaz. Não quando Lexie e Christian se juntaram ao plano
orquestrado por Sophia e Maite de que todos deveriam ir juntos como uma
forma de apoia-la a não ser o centro das atenções. Anahí se via sem
alternativas.

Logo ela pensou que Missy poderia ser a desculpa perfeita para não ir,
embora se sentisse levemente culpada por usar a filha daquela forma. Mas
se decepcionou ao se dar conta que Karen já tinha sido avisada por Maite
daquele evento e que as avós iriam se reunir para ficarem juntas naquela
noite – Olivia, Victoria, Jade, Priscila e ela tinham marcado juntas e as
crianças ficariam sobre sua responsabilidade, Daniel inclusive.

É, as desculpas tinham acabado.

Por isso Anahí se viu de frente para o espelho, com um bonito vestido azul
marinho, pensando no quanto gostaria de escapar daquela situação mas sem
conseguir ver qualquer alternativa. Missy, por sua vez, também estava
arrumada e Karen esperava ambas na sala. A menina entrou no quarto da
mãe empolgada e os olhinhos brilharam ao ver Anahí pronta.

— Você ta tão bonita – Missy disse abraçando-a pela cintura – O papai vai
babar quando te ver.

— Ah meu Deus – Anahí disse fechando os olhos e negando com a cabeça.

— Ele gosta de você – Missy insistiu. Ela claramente torcia para que os
dois se acertassem – E você gosta dele. Por que vocês não voltam a
namorar...?

— É... complicado – Anahí repetiu a mesma desculpa de sempre. Se era


difícil para adultos entenderem, o que se poderia dizer de uma criança de
quase oito anos de idade?
— Vocês complicam tudo – ela suspirou.

— Estão prontas? – Karen surgiu.

— Como eu não posso fugir... – Anahí deu de ombros, vendo uma careta
imensa se formar nos rostos de sua mãe e sua filha.

As Portilla's não eram tão diferentes assim, pelo visto.

De seu grupo de amigos, Anahí foi das últimas a chegarem. Além dela,
faltavam apenas Mane e Maite – cuja rotina um pouco mais complicada que
a dos demais, o que justificava o atraso – e Poncho. Lexie já estava ali, com
uma taça de champagne, conversando com Christian, Sophia e Jesse quando
ela entrou. Anahí observou a decoração do local, o evento era realizado no
ginásio do colégio com a decoração típica de um baile escolar e uma
enorme faixa escrito "bem vinda classe de 2005". Tudo aquilo dava uma
enorme sensação de dèja vu.

— Dá pra acreditar que se passaram treze anos desde que Maite foi coroada
rainha do baile nesse mesmo ginásio...? – Christian comentou negando com
a cabeça estendendo uma taça para Anahí que tinha acabado de chegar.

— Parece que foi outra vida – Anahí respondeu sorrindo pegando a taça e
bebendo. Ela precisaria beber muito para enfrentar aquela noite um tanto
nostálgica.

— Eu perdi a virgindade naquela noite – Sophia comentou estranhando e


bebericando seu drink não alcoólico – Com Matt Willians...

— Que está aqui com uma cara de caminhoneiro e não para de olhar pra
você – Lexie comentou – O tempo foi muito cruel com ele.

— Ele não para de olhar para ela...? – Jesse ergueu a sobrancelha ciumento.

— Ai Jesse pelo amor de Deus, você não ouviu a Lexie falando que o cara
ta tosco e barrigudo...? – Christian fez uma careta de deboche – Não tem
por que ter crise de ciuminho.
— É inacreditável, aquele garoto era gostoso aos dezessete anos – Lexie
comentou em indignada.

— E Jesse era um magrelo franzino – Christian relembrou – Sophia é


esperta, pega o melhor de cada boy e joga o bagaço fora.

— Eu não faço isso! – Sophia se defendeu.

— Bom, tem alguns outros que continuam tão gostosos quanto eram aos
dezessete... – Lexie disse olhando para um homem que andava na direção
deles.

— Anahí Portilla – o homem em questão, loiro, alto e sedutor, falou atrás


da nuca dela – Quanto tempo.

Ryan Gosling havia sido a primeira paixão de Anahí. Foi com ele que, aos
quinze anos, ela dera o primeiro beijo. Ryan não tinha perdido o charme e a
sedução, ela percebeu quando se virou. Diferentemente do ex-namorado de
Sophia, Matt Willians, Ryan tinha envelhecido bem e estava tão bonito
quanto antes, só que de uma forma madura. Ele vestia um terno bem
alinhado e seus olhos claros pareciam tão fixos nela quanto tinham sido
dezesseis anos antes.

— Ryan Gosling – Anahí disse abrindo um sorriso surpreso. Por trás dela os
quatro amigos se entreolharam – Que surpresa.

— Surpreso estou eu de ver você aqui, eu não tinha visto o seu nome na
lista de confirmações – ele disse se aproximando e dando um carinhoso
beijo na bochecha dela.

— Eu confirmei bem em cima da hora – ela deu um sorriso sem graça.

— Acho que temos quinze anos de assunto pra colocar em dia – Ryan
comentou com o olhar fixo nela – Você aceita uma bebida? Quer dizer...
outra bebida?

— Claro – ela deu de ombros – Por que não...?


Nenhum dos quatro que ficou para trás entendeu bem a razão de ser de
Anahí ter aceitado aquele convite. Quer dizer, Ryan e ela tinham brigado
séculos antes após saírem juntos algumas vezes, logo antes de Anahí acabar
se envolvendo com Poncho. Havia uma nítida percepção à época de que
Ryan esperava que o envolvimento da ex com seu amigo não durasse muito
tempo, que ela apenas estivesse tentando supera-lo, mas se surpreendeu
quando o relacionamento dos dois avançou e eles ficaram juntos inclusive
durante a faculdade, superando a distância que os separou.

Mas agora ela e Poncho não estavam mais juntos. Ryan Gosling, que fora
um dos organizadores daquele evento, provavelmente sabia disso. E na
ausência de Poncho, ele estava tentando a todo custo marcar pontos e
ganhar terreno.

— E volta o pior pesadelo do menino Herrera – Christian comentou


sedento.

— Pare com isso, Ryan não tem a menor chance com ela – Sophia negou
com a cabeça.

— Isso não vai fazer com que Poncho deixe de sentir ciúme quando chegar
– Jesse comentou.

— Ah, realmente, porque se você está com ciúmes do Matt Willians com
aquela barriga de cerveja tosca, o que diremos do Poncho quando ver o
crush da adolescência da Anahí todo gostoso e conservado desse jeito...?

— Isso vai ficar interessante – Lexie finalizou rindo.

E agora os quatro esperavam ansiosos para quando Poncho finalmente


chegasse.

~
Ahhhhh quando o Poncho chegar nessa festa... hahahahahahaha.

Vcs tão sentindo um cheirinho nessa história toda? Cheirinho de quê?


Definitivamente estamos vendo mt coisa se encaminhando aqui.
Inclusive, o cap 83 ta escrito e mora no meu coração, como eu disse no
twitter ele é bem JUNTOS E SHALLOW NOW Que tal vcs votarem e
comentarem bastante e quem sabe eu posto um extra? Hahahahaha

Beijos,

Rafa
Capítulo 83 - Shallow

Maite e Mane chegaram não tanto tempo assim depois de Anahí, de forma
que Poncho seria o último do grupo. A morena esperava que os últimos
fossem eles, já que colocar Luna para dormir, tirar leite e, por fim, se
arrumar foram tarefas que exigiram muito tempo. Mas mesmo assim, não
foram – Poncho ainda não estava lá quando os dois entraram. Maite
obviamente já adentrou no ginásio olhando para os lados procurando os
amigos, mas a primeira visão que teve não foi algo que lhe agradou.

— Eu não acredito nisso.

Quando elas eram adolescentes, Maite acompanhou a paixonite de Anahí


por Ryan Gosling. A morena há muito percebera que Poncho era
completamente apaixonado por sua melhor amiga, inclusive testemunhou a
decepção dele quando, já ciente de seus sentimentos por ela, Anahí saiu
com Ryan e foi com ele seu primeiro beijo. A morena bem que tentou
intervir e mexer os pauzinhos em favor do amigo que, em sua visão, era a
pessoa perfeita para Anahí. Muito antes do Tinder ser inventado, Maite já
tinha certeza que entre Anahí e Poncho daria match, mas sua melhor amiga
teimava em insistir no contrário.

Por sua vez, a morena nunca gostou de Ryan. Ele era o contrário de Poncho,
o garoto popular com estilo bad boy, e Maite tinha certeza de que ele
acabaria magoando Anahí. Ela, que nunca tinha sido o tipo de garota que
sonhava com o príncipe encantado, contrariou as próprias convicções para
se envolver com aquele garoto. No final, deu tão errado quanto Maite
previu que daria, já que, diferentemente dela, Ryan não parecia disposto a
mudar seu próprio jeito para fazer funcionar entre eles.

Poncho, por outro lado, esperou pacientemente pela própria chance. Foi ele
quem secou cada lágrima daquela decepção amorosa de Anahí, ele que foi o
ombro amigo que a consolou naquilo tudo. Anahí não demorou a superar e,
meses depois, era a mesma garota que dizia que não sonhava com contos de
fadas. Tarde demais, porque ela não poderia imaginar que, com o amigo que
antes não enxergava daquela forma, começaria a viver um.

Quando Anahí e Poncho começaram a se envolver, foi o momento em que


Ryan se deu conta do erro que tinha cometido. Mas Poncho era apenas um
nerd que escrevia contos para o jornal da escola, ele certamente não tinha
condições de competir com o carinha mais popular do colégio. Ryan
apostou suas fichas que, assim que deixasse claro que a queria, Anahí
deixaria Poncho e voltaria para ele. Ledo engano, já que Poncho não era
apenas um garoto que faria qualquer coisa para estar ao lado dela. Ele
também era o único que conseguiria entrar no coração fechado daquela
garota.

E quando Anahí finalmente foi capaz de se apaixonar, nada mais tirou


aquilo dela.

Quando Ryan se deu conta que suas pretensões estavam totalmente erradas,
ele não admitiu em voz alta, mas ficou se perguntando mentalmente até
entrar na faculdade o famoso e se: o que teria sido se ele não estragasse
tudo. É claro, os anos se passaram, ele se formou e começou uma carreira,
agora estava estável. Mas faltava algo. E talvez aquele algo estivesse numa
oportunidade perdida dezesseis anos antes. Quando ele viu Anahí sozinha,
sem Poncho, percebeu que havia uma chance. Dessa vez ele não estava
disposto a desperdiçar.

Mas Maite, que não gostava de Ryan aos quinze anos e definitivamente não
passaria a gostar aos trinta e um, não ficou nem um pouco feliz com aquela
cena. Antes que Mane pudesse processar o que sua namorada tinha visto
que a deixou furiosa, ela caminhou a passos largos e pesados na direção do
grupo de amigos.

— Como é que vocês não impediram aquilo...? – ela disparou apontando


para o canto da festa onde havia uma mesa na qual Anahí bebia e
conversava com Ryan Gosling.

— Bem que eu tentei coloca-la numa gaiola, mas Anahí era meio
grandinha, não iria caber – Christian disse em deboche, fazendo a morena
estreitar os olhos.
— Eu não acredito nisso, realmente não acredito!

— O que você acha que vai acontecer Mai? – Lexie perguntou calmamente,
sem se afetar – Eles são adultos, Ryan não é mais o garoto idiota que se
deixa levar...

— Ela está prestes a se acertar com o Poncho – Maite lembrou – Eu não


vou deixar que eles estraguem tudo pela milésima vez.

— Espere o Poncho chegar e tudo vai se resolver – Jesse disse com toda a
segurança do mundo.

— Você acha amor? – Sophia ergueu as sobrancelhas um tanto cética.

— Eu tenho certeza – ele insistiu.

— Eu acho bom você estar, porque se não eu tranco os dois no vestiário e


só tiro quando for pra eles irem pro altar! – Maite grunhiu em ameaça.

— Maite miga, pelo amor de Deus, confia nos sentimentos da sua melhor
amiga pelo mozão dela – Christian disse quase segurando a morena pelos
ombros – Jesse tem razão: quando o Poncho chegar, tudo vai se resolver.
Confia no universo.

Maite não era exatamente boa em confiar. Por isso ela ficou ali,
incomodada, com Mane abraçando-a por trás e sussurrando que ela deveria
relaxar, que nem parecia a mesma pessoa de um ano antes que jurava que
nunca mais olharia para a cara de Poncho. Pior que a morena nem poderia
se valer de uma taça de vinho para a noite ficar mais agradável, já que,
quando chegasse em casa, sua adorável filha de três semanas estaria
esperando-a para que a mãe a amamentasse...

Mas no fim, só haviam duas pessoas certas naquela roda e nenhuma delas
era Maite.

Começou quando Anahí, quinze minutos depois de se sentar naquela mesa


com Ryan Gosling, começou a enjoar daquela conversa. Ryan se gabava
um pouco demais e estava fazendo tudo propositalmente, para chamar a
atenção dela. Não estava dando certo. Ele parecia estar investindo,
querendo impressioná-la, mas tudo o que conseguia era deixar Anahí
acuada. Parecia claro que ele queria a todo custo sair dali com Anahí em um
dos braços. Só que, a cada minuto ao lado dele, a vontade de sair correndo
nela crescia em níveis estratosféricos.

Foi quando Poncho chegou.

Ele estava atrasado porque Daniel estava com ele até Diana finalmente
chegar da editora. O menino, que inicialmente ficaria com Karen e o grupo
de avós, acabou mudando de ideia e insistindo em passar a noite com a
mãe, deixando o pai sem alternativa senão ficar com ele à espera de Diana.
Poncho só se arrumou quando a ex buscou o filho e, por isso, foi o último
dos amigos a chegar.

Ele obviamente não tinha grandes pretensões para aquela noite, apenas
pretendia se divertir com os amigos e ponto. Não esperava, ao entrar
naquele ginásio onde tinha acompanhado Anahí no baile de formatura treze
anos antes, pelo que estava prestes a acontecer.

Como uma bússola que encontra o seu norte, Anahí levantou a cabeça
quando Poncho entrou ali. Ele estava bonito, com um paletó azul marinho e
camisa branca com os primeiros botões abertos, atraente o bastante para
fazê-la deixar de ouvir o que Ryan dizia ao seu lado. De repente Anahí
percebeu que o momento vinha totalmente a calhar, tendo uma ideia que, ao
mesmo tempo que era genial, era perigosa. Mas ela não pensou em nada
naquele momento senão em coloca-la em prática, deletando as possíveis
consequências de sua cabeça antes que a consciência começasse a pesar.

Quando ela deu por si, já estava fazendo.

— Então todos me disseram: você é o cara perfeito pra esse trab... – Ryan
falava quando foi prontamente interrompido por ela.

— Ryan? Me desculpe, mas eu preciso ir – Anahí disse levantando, vendo a


surpresa tomar conta do rosto dele.

— Ir aonde?
— Logo ali – ela se virou para onde Poncho estava, mas a voz parecia firme
o suficiente para que fosse ouvida – Meu acompanhante chegou.

Ryan não precisava perguntar quem era. Os olhos de Poncho já haviam se


cruzado com os de Anahí e ele fuzilou o fato de ela estar acompanhada
daquele cara. Na mente de Poncho vieram à tona as lembranças do passado
como verdadeiros flashbacks: a vez que ele ouviu Anahí dizendo que sairia
com Ryan, quando soube que os dois haviam ficado juntos, quando os vira
se beijando... eram imagens dolorosas, mesmo meia vida depois. Talvez
doesse porque ele e Anahí não estavam mais juntos, tal como era na época,
ou quem sabe por se ver perdendo-a novamente para aquele cara,
exatamente como o Poncho de quinze anos perdeu um dia.

Mas o final da segunda história parecia ser um pouco parecido com o da


primeira. Porque você lembra o primeiro final... Anahí não escolheu Ryan,
escolheu Poncho. Não porque não deu certo com o primeiro... mas porque
ela era inegavelmente apaixonada pelo segundo.

Certas coisas nunca mudam...

Talvez Anahí estivesse fazendo aquilo para se livrar de Ryan, que


insistentemente se recusava a notar que ela não estava interessada. Mas
quem sabe era uma forma de seu inconsciente deixar claro que ela queria
voltar para Poncho e apenas se valia da primeira oportunidade que tinha à
frente. Qualquer motivo que fosse, no fim ela andou decidida para ele antes
que Poncho pudesse reagir ao fato de ela estar ali com aquele ex que ele não
gostava nem de lembrar. E antes que pudesse abrir a boca para perguntar o
que fosse, quem sabe cobrar explicações, Anahí envolveu a nuca dele com
as mãos e o beijou fervorosamente.

Primeiro, obviamente, rolou um choque. Afinal, eles não estavam juntos.


Não estavam, não é...? Mas depois do choque vem o famoso instinto... que
fez com que ele envolvesse a cintura dela com as mãos e correspondesse
àquele beijo. Quem sabe porque sentia falta da boca dela quente daquele
jeito, de sua língua buscando a sua com violência... quem sabe porque não
sabia reagir de outra maneira quando a tinha nos braços.

Mas passado o beijo, a pergunta foi inevitável.


— O que foi isso...? – ele perguntou ainda ofegante. Obviamente, sem
entender o que acontecia ali, mas provavelmente sem querer entender, já
que estava bom demais tê-la ali.

— Por favor, não me desminta – ela sussurrou segurando-o pela bochecha.

— Longe de mim – Poncho foi honesto, pronto para beija-la novamente se


aproveitando do momento quando viu que uma presença masculina estava
atrás deles.

O mesmo empecilho do passado.

— Herrera – Ryan murmurou seco e ciumento como era há dezesseis anos.


Poncho não estava lá muito diferente.

— Gosling – ele disse erguendo as sobrancelhas e passando a mão pela


cintura de Anahí.

Afinal, se ela estava criando a farsa, não poderia culpa-lo por marcar
terreno daquela forma.

— Anahí... – Ryan a encarou, quase como se pedisse explicações.

— Ryan, acho que você se lembra do meu namorado Alfonso – ela disse
sentindo a mão possessiva de Poncho toca-la com ainda mais tato, lutando
para não fechar os olhos com a pegada dele.

— Achei que vocês não estivessem juntos – Ryan respondeu seco,


encarando não ela, mas Poncho... que já tinha a resposta na ponta da língua.

— Achou errado – ele retrucou – Se nos der licença, nós vamos encontrar
os nossos amigos.

E Ryan Gosling era deixado para trás, mais uma vez...

Havia um grupo de seis amigos completamente atônitos com o que tinham


visto. Quer dizer, nem todos estavam tão surpresos assim. Jesse tinha um ar
de riso no rosto e um sorriso no canto dos lábios, provavelmente por ter
sido o único que previu que algo aconteceria. De resto, até Christian, que
confiava que a presença de Ryan não atrapalharia Anahí por Alfonso,
esperava por aquilo. Então, ainda de mãos dadas, os dois caminharam até os
amigos e não estavam surpresos por vê-los com aqueles olhares
interrogadores.

— Me expliquem isso agora porque eu não entendi – Lexie pediu rindo mas
viu os dois amigos dando de ombros, cada um por seu motivo, se
esquivando de qualquer explicação.

— Não tem nada pra ser explicado – Anahí desconversou, embora soubesse
que não seria tão fácil assim se livrar.

— Como assim não tem nada...? – Maite exclamou na mesma hora – Numa
hora você foge dele e na outra o beija no meio do ginásio pra todo mundo
ver?

— Luna, a festa inteira não precisa saber disso – Mane ralhou.

— Deixem eles – Jesse ralhou com uma careta negando com a cabeça.

O único que entendeu a estratégia de Jesse foi Christian. Ele viu que Anahí
estava sem graça e que Poncho não tinha o que explicar, já que ele tinha
sido tão surpreendido com a atitude dela quanto todos os outros. Fazer
perguntas demais atrapalharia as coisas, forçaria Anahí a dizer que usara
Poncho para se livrar de Ryan e isso poderia magoa-lo. Quem sabe deixar
que tudo fluísse, que eles continuassem fingindo, fosse a melhor coisa para
aproxima-los.

E exatamente por Christian ter entendido, ele percebeu que precisaria


dissolver o grupo naquele momento, antes que o interrogatório continuasse.

— Lexie meu amor, já que o seu cirurgião plástico não está aqui hoje, você
me concede a honra dessa dança...? – ele disse estendendo a mão para a
amiga que era a única desacompanhada na roda.

— É claro que sim, eu amo essa música – Lexie segurou a mão dele, se
deixando levar para o centro sem pestanejar.
Restaram seis.

— Vamos dançar também, minha Luna rabugenta – Mane disse beijando o


ombro da namorada – Dê uma folga pra sua melhor amiga.

— Apenas porque você está pedindo – Maite fez uma careta indo para a
pista com ele.

E então restaram quatro...

— Soph? – Jesse sussurrou no ouvido da noiva, audível o suficiente para os


amigos ouvirem-nos.

— Por favor – ela implorou em resposta, sentindo as mãos dele a


conduzirem dali.

E por fim, eram dois...

— Depois daquele beijo, eu acho que você me deve essa dança – Poncho
disse estendendo a mão para ela, vendo Anahí sorrir, abaixar o olhar e, por
fim, segurar a mão dele, aceitando.

A decisão certa.

Ouça "Shalow" –

Lady Gaga ft Bradley Cooper

Enquanto foram para a pista de mãos dadas, eles estavam em silêncio. A


música que entoava o ambiente era uma balada romântica um tanto agitada,
mas não o suficiente para impedir Poncho de envolver a cintura dela e
trazê-la para si. Anahí estava próxima o bastante para sentir o cheiro do
perfume dele bem forte. Aquele cheiro que a fazia se arrepiar por completo
e sentir as pernas vergonhosamente fraquejarem.

Tell me something, girl


Are you happy in this modern world?
Or do you need more?
Is there something else you're searching for?
Poncho queria se aproveitar daquele momento. Ele sabia quando teria outra
oportunidade daquelas, com Anahí voluntariamente tão próxima. Ele estava
lutando para mudar, para provar a ela que tinha mudado e que agora a
merecia, mas não parecia simples. Era algo do qual Anahí tinha que se dar
conta e ele não sabia como demonstrar. Parecia o momento ideal... perfeito
e propício.

— Desculpe por ter te usado – Anahí disse sem encara-lo. Como não o via,
só notou a reação de Poncho ao ouvir a risada dele em seu ouvido.

— Digamos que eu tenha gostado de ser usado assim – ele confessou.


Anahí negou com a cabeça.

— Claro que gostou – ela ironizou.

— Inclusive acho que posso roubar um beijo também já que você começou
me usando.

— Eu já paguei o beijo com a dança – Anahí devolveu dessa vez olhando


nos olhos dele.

— Certo – Poncho ponderou – Acho que te darei um crédito então.

I'm falling
In all the good times
I find myself longing for change
And in the bad times I fear myself

Antes que Anahí pudesse processar a frase dele, Poncho já a segurava pela
nuca e a beijava. Ela poderia reclamar, poderia dizer que ele não tinha
aquele direito. Poderia também apenas fingir para manter a farsa que ela
própria criou. Mas Anahí não fez nenhum dos dois. Ela apenas
correspondeu o beijo, não por teatro, mas porque queria beija-lo. Porque
gostava de ser beijada por ele.

Em volta dos dois, os amigos notaram o passo que tinha sido dado.
— Eles estão se beijando – Maite sussurrou no ouvido de Mane com um
imenso sorriso nos lábios.

— Viu? – ele respondeu – Luna, você não precisa fazer nada pra deixar
Anahí e Poncho juntos. Eles sempre encontram o caminho de volta
sozinhos.

— É verdade – Maite admitiu – Mas eu não consigo ser diferente Cielo.

— Deixe com eles dessa vez – Mane recomendou – Dessa vez vai ser
diferente, confie.

Ela iria confiar.

Tell me something, boy


Aren't you tired trying to fill that void?
Or do you need more?
Ain't it hard keeping it so hardcore?

E não apenas ela. Anahí estava desmanchada nos braços de Poncho.


Entregue, indiscutivelmente, e sem reservas. Ela já nem lembrava mais das
próprias promessas. Poncho, por outro lado, não havia esquecido.

— Faz quase treze anos que nós dançamos juntos nesse ginásio, naquele
último baile do colegial, eu não sei se você lembra... – Poncho disse com a
testa encostada na dela vendo, por sua expressão, que Anahí se lembrava
sim. Se lembrava muito bem – Eu estava morrendo de medo porque iríamos
pra faculdade e eu achava que você poderia conhecer outro cara, se dar
conta que nós não éramos tanto assim, ou da distância acabar sendo
demais...

— Nada disso aconteceu – Anahí mencionou.

— Nós éramos muito mais do que pensávamos – ele completou – Eu ainda


sou tão apaixonado por você quanto era naquela noite. Eu temia a distância
da faculdade e então um canalha te tirou de mim e eu continuei te amando
mesmo depois de oito anos. Sinto que nós somos capazes de superar o que
quisermos.
— Então por que não superamos? – Anahí perguntou honesta.

A pergunta que não queria calar.

I'm falling
In all the good times
I find myself longing for change
And in the bad times I fear myself

— Eu acho que só vamos saber quando arriscarmos – Poncho entregou. E


essa sim foi a frase que a fez se calar.

A música continuava tocando e, mesmo com a densidade daquela conversa,


os dois ainda dançavam como se nada acontecesse. Leves e livres,
exatamente como eram. Poncho sabia que tinha mexido com Anahí com
aquela frase e que agora ela pesava os prós e os contras de se aventurar
mais uma vez com ele. Ele a conhecia, sabia quais eram suas reações. E
sabia exatamente o que precisava fazer para demover aquela insegurança
dela e convencê-la a embarcar naquilo junto com ele.

— Faz nove anos desde a última vez que nós dois tivemos tudo tão
favorável a nós dois – Poncho continuou – As coisas mudaram muito de lá
pra cá. Naquela época nós éramos totalmente livres, éramos somente você e
eu, sem traumas, sem filhos, sem o peso dessa história toda que aconteceria.
Você ainda ta machucada, embora esteja se reerguendo, e hoje nós temos
duas crianças que dependem totalmente de nós dois.

— Mas... – ela começou a falar, mas se autointerrompeu. Poncho, então,


prosseguiu.

— Mas eu não gosto de me comparar com o pior e você sabe disso – ele
completou – Então prefiro pensar em como estávamos há alguns meses
atrás, quando você terminou comigo. Tobias ainda não havia sido
condenado e nós não sabíamos se ele seria. O Dani não nos aceitava de jeito
algum. A Missy tinha acabado de reaparecer, tudo estava uma verdadeira
bagunça.
I'm off the deep end, watch as I dive in
I'll never meet the ground
Crash through the surface
Where they can't hurt us
We're far from the shallow now

— Mas ali eu achava que você confiava em mim – Anahí ponderou –


Agora, depois do que aconteceu daquela vez com o Milo...

— Eu errei – Poncho observou – E tenho tentado desde então corrigir isso.


De certa forma aconteceu na hora em que as coisas mudaram pra gente,
mudaram a nosso favor. O meu filho nos aceitou, a nossa filha nos aceitou
também, eles agora agem como irmãos e você sabe que é totalmente livre
pra seguir a sua vida sem ter medo algum.

— Mas como eu posso ter certeza que você mudou? – ela questionou –
Como eu posso me entregar sem acreditar que você vai me machucar de
novo?

— Você não tem como saber meu amor – Poncho segurou o rosto dela com
delicadeza enquanto os dois ainda se balançavam com aquela música –
Nem eu tenho como saber. A nossa única chance é arriscar. É confiar. Com
a certeza de que, se você quiser pular nisso comigo, eu vou passar cada dia
da minha vida tentando te provar que valeu a pena.

Forte.

In the shallow, shallow


In the shallow, shallow
In the shallow, shallow
We're far from the shallow now

Arriscar ou não arriscar? Era difícil. Anahí simplesmente não conseguia


resistir. Sua mente tinha medo, seu coração lhe mandava se entregar, até
porque ela estava dançando nos braços de Poncho. Não era uma batalha
fácil para nenhum dos dois lados.
Eles dançaram até a música acabar, e curiosamente o ritmo seguinte mudou
como da água para o vinho. A música seguinte era agitada e os amigos
começaram uma brincadeira de trocar os pares. Quando Poncho deu por si
ele dançava com Sophia e Anahí estava com Christian, Lexie dançava com
Mane e Maite, com Jesse. Aquilo durou algumas rodadas, de forma que, até
o final, todos dançaram com todos e, por fim, concordaram, com os pés
doendo e a vontade de beberem até o fim da noite, que eles não tinham mais
dezessete anos.

— Adolescente que gosta de balada e de encher a cara, adulto gosta de ir


pra casa dormir com a tranquilidade dos boletos estarem pagos – Christian
negou com a cabeça fazendo os outros rirem.

— Errado – Maite levantou o dedo corrigindo-o – Adulto gosta de dançar


sem os peitos vazarem leite.

— É melhor irmos – Mane sugeriu – Se eu bem te conheço, você ta


desesperada de saudade da nossa pequena.

— To nervosa pensando que ela deve estar chorando com fome, mesmo
sabendo que tirei leite antes de sair – ela deu de ombros.

— Eu acho que vou também – Anahí disse se levantando, mas viu a amiga
negar para ela.

— Você tem que ir com ele – Maite apontou para Poncho, que franziu a
testa – Nem venham com essas caras, vocês criaram teatrinho pro Ryan
Gosling e ele ainda está olhando, têm que ir até o final agora.

— É verdade – Poncho disse fingindo que concordava por aquilo. A


verdade é que ele estava adorando aquela história toda.

— Vamos fingir que você não está aproveitando essa história toda pra estar
próximo dela – Jesse comentou num sussurro.

— Se você não contar, eu não conto – Poncho disse.


Eles saíram juntos do ginásio. Maite estava certa: Ryan Gosling ainda os
vigiava. Poncho teve que se controlar para não sair dali beijando Anahí para
aumentar a cena que faziam, mas no fim se limitou a levar as mãos à cintura
dela. A questão é que ele não as tirou quando estavam do lado de fora
esperando o manobrista trazer o carro dele. Anahí tampouco reclamou.

— As avós fizeram uma reunião com as crianças na casa da minha mãe –


Anahí explicou – Você pode me levar pra lá? Missy ta me esperando.

— Não precisa nem pedir – Poncho sorriu.

Os dois se mantiveram em silêncio durante todo o trajeto, cada um absorto


nos próprios pensamentos, em conflito. Anahí tentava se decidir, Poncho
esperava por um sinal da decisão dela, um sinal de que ele poderia ter
esperanças. Quando ele parou o carro em frente à casa de Karen ela sequer
teve tempo de recusar que ele abrisse a porta para ela, ele foi mais rápido e
não houve surpresa, Poncho fazia isso desde que eles tinham dezesseis
anos. Quando Anahí piscou ele abria a porta e estendia a mão para que ela
saísse, os olhos fixos nela como já tinha sido a noite inteira.

— Eu sempre achei isso meio machista sabe – ela resmungou fazendo uma
careta – Te disse isso há mais de uma década.

— Pare de reclamar.

Era a hora da despedida. Poncho realmente se perguntava o que seria dali


para frente, pois sabia que aqueles beijos que eles tinham trocado naquela
festa tinham servido única e exclusivamente para fazer com que um homem
acreditasse que os dois estavam juntos. Eles não tinham nada antes e
provavelmente continuaria não tendo. Mas ainda assim, as palavras que ele
disse a Anahí durante a dança não foram para Ryan ouvir. Tudo aquilo tinha
muito significado.

Exatamente pensando naquilo, tentando concretizar tudo o que havia dito,


Poncho a beijou. Anahí não esperava ser beijada, mas, ao sentir as mãos
dele a tocarem na bochecha e o braço forte dele envolver-lhe a cintura,
puxando-a para perto, apenas correspondeu, se entregando. Ela amava ser
beijada por ele daquela forma, carinhosa e sexy, sentindo a boca macia de
Poncho em seus lábios, o calor dele, sua pele... era irresistível.

— Eu não estou te pedindo nem te cobrando nada – ele disse tocando o


rosto dela, sentindo Anahí embriagada – Mas eu vou lançar meu livro
semana que vem. Na Strand.

— Ta me convidando...? – ela piscou balançada.

— Eu quero que você pense sobre nós dois até lá e tente se decidir –
Poncho propôs – Quero que você vá se tiver uma resposta positiva pra mim.
Se você me quiser, eu quero você lá comigo, naquela tarde de autógrafos.
Eu quero que esse livro se torne um best seller contigo do meu lado,
abrindo um champagne para comemorar.

— Tudo bem – Anahí suspirou longamente – Eu vou pensar.

— Pense com carinho – ele deu um selinho nela.

Poncho sabia que ela poderia não chegar à conclusão alguma, como
também poderia simplesmente não aparecer. Mas ele precisava de uma
resposta, de uma definitiva. E iria esperar.

Pelo visto, finalmente chegara a hora de Anahí se decidir.

AyA JUNTOS E SHALLOW NOW!

Acho que não preciso dizer que estamos realmente na cara do gol, né? Esse
cap foi todo pra deixar os nossos protagonistas bemmmm juntinhos e o
Poncho dando esse ultimato no final e deixando na mão da nossa mocinha
essa decisão final. Boooora Anahi que a hora é essa!!!

Fiquei mt feliz de vcs terem embarcado e votado e comentado bastante pra


ter esse post extra. Já to com o próximo escrito que será postado na sexta ou
no sábado, pra eu conseguir escrever o seguinte (que é um cap mtmtmtmt
importante!). Mas já digo: vcs me estimulam quando participam e
interagem, fico feliz de ver o taaaanto de leitora que tenho. Por isso vcs
sabem, muita estrela = muito estímulo e inspiração = cap extra!

Me contem agora se valeu a pena!

Beijos,

Rafa
Capítulo 84 - Pages of a book

Os dias que se seguiram à festa do colégio foram os de mudança para


Anahí. Com a ajuda de Christian, de seus pais e de Harry, ela e Missy enfim
iriam para o apartamento novo.

A menina estava mais animada do que ela. Anahí estava nostálgica. Ir para
aquele novo lugar a fazia se sentir ainda mais balançada sobre a proposta de
Poncho, porque aquelas quatro paredes a lembravam mais do que deveriam
de seu ex-namorado. Aquele apartamento trazia as lembranças do
relacionamento deles, dos dois meses que os dois viveram juntos antes da
vida dela ser interrompida. Pelo visto, aquele era o recomeço.

Dois dias antes da mudança efetiva, Christian e Keith tinham pintado todo o
apartamento. O quarto de Missy era verde-claro e tinha a maior variedade
possível de brinquedos, que iam de princesas a carrinhos, passando, é claro,
por pelúcias de jedis. O de Anahí era mais sóbrio, a decoração tinha o estilo
dela em toda a casa. Era um apartamento médio, confortável e terrivelmente
agradável. Mas é claro que faltava algo. Faltava alguém.

Anahí tinha que se decidir. O relógio se aproximava do fim daquele prazo


que Poncho havia lhe dado. Por mais que não fosse um ultimato, Anahí
sabia que devia a ele uma resposta. Poncho certamente criaria uma
expectativa e ela precisava lhe resolver de uma vez.

O problema não era saber o que queria, isso Anahí sabia perfeitamente bem.
O problema estava em decidir se valia a pena arriscar.

E uma pequena voz dentro da cabeça dela já tinha essa resposta. Ela apenas
não estava convencida.

— Ryan Gosling está me seguindo no Instagram – Anahí disse olhando para


o próprio celular com ar de riso.

— Macho hétero grudendo é a definição perfeita pra esse cara – Christian


disse colocando uma série de livros em cima da prateleira, revirando os
olhos.
— Ryan Gosling...? – Karen franziu a testa se familiarizando com aquele
nome – Não me é estranho...

— Claro que não, é um idiota do colegial com quem sua filha trocou uns
beijos – a careta de Christian aumentou.

— Ah, é claro que sim – Karen disse se lembrando – Nossa, eu nunca mais
ouvi falar desse garoto.

— Basicamente ele estava na festa demonstrando, digamos, um interesse –


Anahí deu de ombros.

— Aposto como o Poncho morreu de ciúmes – Karen disse imaginando –


Ele se roía quando vocês eram garotos.

— Ah Karen você precisava ver – Christian começou a rir. Agora Keith e


Harry, que entraram no quarto carregando caixas enormes, começaram a
prestar atenção – O cara estava ali sedento por uma oportunidade e sua
filha, louca pra fugir da situação, se pendurou na boca adivinhe de quem...?

— Você beijou o Poncho? – Harry disparou encarando a irmã, que mal


abriu a boca para responder e ouviu uma pequena voz invadindo o
ambiente.

— Você beijou o papai, mamãe? – Missy perguntou entrando o quarto com


os olhinhos arregalados – Isso quer dizer que vocês vão namorar de novo...?

Anahí sequer sabia como responder. Ela imediatamente lançou olhares


reprovadores para a mãe, para Christian e, obviamente, para Harry, que
mordia os lábios obviamente se divertindo. Aquilo não estava nos seus
planos: nem seu amigo revelar para toda a sua família o que tinha
acontecido na festa, muito menos sua filha acabar ouvindo.

— Não pequena, o tio Christian ta brincando – Anahí disse tentando tirar


Missy dali – Por que você não pega aquela caixa que ta lá na sala?

— Sorry – Christian disse com cara de falsa culpa quando a menina saiu.
— Ela é só uma criança – Anahí disse entre os dentes – Não tem que ficar
criando expectativas de coisas que não sabemos se vão acontecer.

— Até onde eu percebo só depende de você que elas aconteçam, irmãzinha


– Harry cruzou os braços e a encarou.

Antes que Anahí pudesse dar uma resposta malcriada típica de irmã mais
velha, Keith interviu.

— Bom, eu vi o suficiente naquela noite para supor que os beijos tinham


começado no baile – ele confidenciou prendendo o riso – Quer dizer,
quando vocês pararam naquele jardim, pela forma como ele estava te
olhando e você olhando de volta...

— O quê? – Anahí encarou o pai definitivamente surpresa – Pai, você


estava me espionando?

— É, Keith não pôde fazer isso na sua adolescência e está compensando


agora – Karen caçoou rindo.

— Não é nada disso, eu estava do lado de fora quando vi vocês descendo do


carro se beijando, e então entrei em casa antes que você me visse, não
queria atrapalhar – Keith deu de ombros – Você sabe que eu sou um exímio
torcedor do Poncho.

— Eu idem – Karen concordou.

— Nem preciso dizer nada – Christian riu.

— Se eu que conheço pouco torço por ele, imagine vocês – Harry palpitou.
Anahí estava escarlate àquela altura.

— Certo, já entendemos que todos amam o Poncho – ela bufou – Vamos


arrumar essa casa...!

No final do dia ela estava cansada, por isso apenas tomou um banho e
apagou na própria cama, com Missy ao seu lado. Ela sabia que seria assim
no início, que, até a filha se acostumar com o novo ambiente, certamente
ficaria colada nela. Não que Anahí se incomodasse, é claro.
No dia seguinte ela acordou com o celular vibrando na mesa de cabeceira
pelo despertador. Já tinha amanhecido, mais cedo do que Anahí poderia
esperar. Por isso ela começou a acordar Missy, se sentou na cama bocejando
e pegando o aparelho para desativar aquela barulheira, quando viu que uma
série de mensagens haviam chegado durante a noite. Como Anahí estava
cansada e dormira cedo, só as via agora.

Para sua surpresa, uma delas era de Joy.

"Já sei como podemos ajudar a sua amiga. É relativamente simples, pouco
convencional e arriscado. Almoçamos juntas? Leve-a também, assim eu
convenço as duas de uma vez. J"

O coração de Anahí estava acelerado. Ela mal podia acreditar que Joy tinha
pensado numa solução para o problema de Sophia.

"Quando e onde?", ela respondeu. A resposta não demorou nada a vir.

"Eataly Downtown. Fica na 101 Liberty Street, Floor 3. Espero vocês às


12h".

E estava marcado.

xxx

Sophia não sabia aonde Anahí a levaria. Anahí sabia que, se dissesse de
cara, havia grandes chances da amiga tentar fugir. Afinal, aquele assunto
também causaria arrepios a Anahí. Mas elas não poderiam desperdiçar
aquela chance. Afinal, Sophia precisava do gás que a perspectiva de Chad
ser punido poderia causar.

Por isso, Anahí deixou a amiga acreditar que elas iriam se encontrar apenas
para um almoço convencional. Quando Sophia desceu do táxi e percebeu
que elas estavam indo para um restaurante italiano, sorriu em resposta. Mais
parecia que Anahí tinha adivinhado seus pensamentos.

— Como você sabia que Logan e eu estávamos loucos por um canelone? –


ela disse acariciando a barriga com os olhos brilhando.
— Não fui eu quem marcou aqui – Anahí admitiu, deixando claro pela
primeira vez que havia uma terceira pessoa para lhes fazer companhia.

— Como assim? – Sophia franziu a testa.

— Eu tenho uma pessoa pra te apresentar – Anahí suspirou – Alguém que


pode resolver a parte jurídica daquele seu problema.

— Anahí... – Sophia já começava a encara-la de forma meio crítica.

— Eu devo isso a você – Anahí segurou a mão dela e a apertou – Não acho
justo que eu seja a única a colocar um estuprador na cadeia. Marina fez tudo
aquilo por mim, agora Joy e eu faremos por você.

— Fazer o quê? – ela parecia meio apreensiva.

— Eu ainda não sei – Anahí sorriu confiante – Você pode desistir e ir


embora a hora que quiser, ok? Aqui o seu não vale tudo.

Anahí sabia que aquela frase tinha o seu impacto e valia muito. Sophia
estava insegura, mas não fugiu. Joy já estava à espera delas, em uma mesa
olhando o cardápio e bebericando uma taça de vinho tinto. Como era Anahí
quem a conhecia, ela quem conduziu a amiga até a mesa onde a advogada
as esperava.

— Olá Anahí – Joy disse cumprimentando a nova amiga, mas suas atenções
se focavam mesmo na mulher que a acompanhava, e desde já estendeu a
mão para cumprimenta-la – Você deve ser Sophia. Bethany Joy Lenz. Mas
me chame de Joy.

— Prazer Joy – Sophia disse acanhada – Sophia Bush.

— Se sentem, por favor – ela disse abrindo espaço para as duas – Ei,
garçom, mais dois cardápios, por favor.

Joy estava animada, Anahí já tinha percebido por aí que ela realmente
pensou em uma alternativa, do contrário não sentiria aquela empolgação
toda. Obviamente Anahí não fazia ideia de qual tinha sido aquela ideia
mágica, mas via que Joy parecia apenas esperar que elas fizessem os
pedidos para desatar a falar. Por isso não fez grandes rodeios, escolhendo
rapidamente uma massa e vendo Sophia pedir pelo canelone que tanto
ansiava. Assim que o garçom recolheu os cardápios após anotar os pedidos
e colocou uma segunda taça para servir Anahí do mesmo vinho que Joy já
bebia, ela começou a falar.

— Sophia, a Anahí já deve ter mencionado que me deixou a par da sua


situação.

— Sim, ela disse – Sophia respondeu com o olhar baixo, lhe queimava de
vergonha pensar que mais uma pessoa havia se inteirado da violência que
ela vivera – Eu quero que você saiba que eu tenho plena ciência do quanto
errei nessa história. Eu nunca deveria ter deixado...

— Querida, e eu quero deixar claro que não vou deixar nem por um
segundo que você se culpe por nada, de forma alguma – Joy sorriu capciosa
– Não quando você é a potencial primeira cliente do nosso escritório de
advocacia.

— Escritório de advocacia? – Sophia franziu a testa.

— Eu explico mais tarde – Anahí respondeu desviando o assunto.

Ela havia dito a Joy que se juntaria a ela naquela empreitada caso o
problema de Sophia fosse resolvido. Não era um acordo, era sua vontade.
Mas Joy ainda não tinha dito como fariam, como solucionariam. Pelo visto,
ela era realmente confiante em si própria para já dizer, de antemão, que a
convenceria.

— Eu sou objetiva, então vamos direto ao ponto – Joy respondeu – Não


temos vias legais seguras, não quando você não tem provas cabais. Você
não fez o corpo de delito e não se submeteu a nenhum exame que tenha
comprovado que você tenha sido dopada naquela noite. Não há uma
testemunha sequer que tenha visto o Chad jogando alguma droga na sua
bebida. E sequer um vídeo que comprove que você estava desacordada e
incapaz de consentir quando ele te estuprou.
— Talvez por isso a delegacia não quis registrar a ocorrência – Anahí
concluiu.

— Exato – Joy confirmou – Por conta disso não temos vias jurídicas,
porque simplesmente entrar com uma ação contra ele me parece inviável. A
promotoria, por mais feminista que a vertente da Emily Byrne seja, não
teria um terreno seguro o suficiente para sustentar uma tese. A defesa faria
frangalhos até mesmo da Byrne.

— Eu não consigo entender... – Sophia franziu a testa – Se você não


consegue pensar em nada convencional...

— Ora querida, eu não sou convencional – Joy sorriu orgulhosa, e Anahí


teve certeza que ela dizia a maior das verdades – O que eu irei propor a
você não é nada convencional. Pelo contrário... é arriscado, um pouco
inovador, nem um pouco comum e vai te dar medo.

Sophia não respondeu, apenas se manteve nervosa e trêmula, olhando


assustada para Joy – que, por sua vez, não se moveu um centímetro,
parecendo tão confiante e segura quanto antes. Quanto sempre.

— Por outro lado, é sua única chance – Joy prosseguiu – A única chance
dele pagar.

— Certo – a voz de Sophia mal saía – O que é?

— Você vai fazer uma postagem numa rede social contando a sua história.
Contando o seu estupro – Joy revelou – E dizendo que Chad te dopou, te
estuprou e te manipulou.

Obviamente Sophia mal respirou. A própria Anahí, que era uma pessoa
completamente linear, parecia ligeiramente congelada. Era interessante que,
de formas diferentes, ambas pareciam expressar um não quase tatuado no
rosto. Aquela ideia parecia completamente absurda, incabível, impensável.
Anahí apertava a ponte do nariz, nervosa com a situação, enquanto via
Sophia parecer torturada com aquela hipótese, obviamente enumerando na
cabeça a quantidade de problemas que aquela escolha lhe acarretaria, as
consequências, uma repercussão negativa... tudo.
Porém...

Joy, mais uma vez, não tinha se movido um centímetro. Acabara de propor
algo que poderia ser considerado o maior dos absurdos e não parecia se
afetar nem um pouco.

— Eu sei que é assustador – Joy ressaltou ao ver a reação delas, até de


Anahí, que não era envolvida na situação – Eu não esperava que vocês
pensassem o contrário.

— Eu não posso fazer isso – os lábios de Sophia tremiam – Eu não posso


me expor dessa forma... eu tenho uma filha, uma família, eu estou grávida...

— Minha querida, você acha que uma acusação formal de estupro não iria
te expor? Não iria expor a sua filha, a sua família...? – Joy novamente
parecia muito segura – Você acha que, cedo ou tarde, não vai ter que se
sentar com os seus filhos e conversar com eles a respeito?

— Mas dessa forma qualquer pessoa pode olhar pra cara da Samantha e
dizer sobre o que eu andei escrevendo – Sophia retrucou claramente
nervosa.

— Nós estamos falando de construir um mundo mais seguro pra ela, pras
outras meninas, pra você também – Joy observou – É a única forma dele ser
punido, e nós não podemos deixar essa violência passar impune.

Anahí acompanhava o debate das duas pensando nela própria, em


Samantha, em Sophia, em Missy, na conversa que teve com a filha quando
ela descobriu a existência de Tobias, do quanto tinha sido doloroso e difícil,
porém necessário. Era estranho. Ao mesmo tempo que entendia o dilema de
Sophia ao ter que tomar aquela decisão, Anahí sabia que Joy estava certa.
Não havia outra forma.

— E com eu posso escrever um texto se sequer tenho como provar...

— Se você tivesse como provar, nós estaríamos entrando com uma


acusação formal e essa conversa não aconteceria – Joy a interrompeu.
— Eu posso ser processada por difamação...

— Querida, eu sou a advogada aqui, você não precisa me ensinar o meu


trabalho – Joy riu irônica – Eu sei perfeitamente bem o que pode acontecer,
mas ele não vai te processar, porque ele sabe que você está falando a
verdade e vai ter medo de você ter algum meio de provar.

— Mas eu não tenho...

— Exatamente por isso você precisa fazer essa postagem – Joy foi incisiva
daquela vez – Você precisa jogar com as armas que têm, que são poucas.
Precisa evitar que a história recomece, que ele faça tudo de novo. Pense em
outra mulher passando pelo que você passou, em outra mulher acordando
após ser violentada, se culpando, se questionando e se explicando. Está nas
suas mãos interromper esse ciclo.

— E como você pode ter tanta certeza de que isso vai dar certo...? – Sophia
questionou pela milésima vez, mas Joy não parecia cansada de rebater todas
aquelas dúvidas. Ela provavelmente já estava acostumada a situações como
aquela, nas quais tinha que convencer alguém a fazer o que ela acreditava
que era o melhor.

— Porque você não seria a primeira numa situação dessas – ela garantiu –
Sophia, se a primeira mulher não tivesse tido coragem, Harvey Weinstein
jamais teria sido preso. Não havia prova alguma, o cara assediou e estuprou
várias mulheres durante trinta anos e um dia elas se uniram e viraram o
jogo. As coisas são assim, se as mulheres não se unirem, nada irá mudar.
Você precisa ter voz para interromper esse ciclo e evitar que outras como
você sejam estupradas por ele ou por tantos outros.

— E como faríamos pra que isso tivesse repercussão? – Sophia voltou a


perguntar – Chad não é Harvey Weinstein.

— Essa parte você deixa comigo – Joy respondeu – Você faz a postagem,
com uma foto apropriada que iremos tirar com todo o cuidado, e do resto eu
cuido.
De certa forma, com Joy falando tudo aquilo e ainda por cima daquela
forma, Anahí percebeu o quanto ela era persuasiva e sabia convencer
alguém a fazer o que ela queria que fosse feito. Joy tinha razão: aquela era a
única chance de Sophia e, por mais arriscado que pudesse parecer, era a
forma certa de seguir com aquela história. Mas não apenas naquilo: Joy
acertara também ao dizer que Anahí teria muito o que aprender com ela
naquele novo escritório.

Embora ela não dissesse, ainda não estivesse pronta para admitir, ela não
precisava mais que Sophia concordasse com aquilo para aceitar a proposta.

Mas, após o canelone da amiga ser servido e ela refletir sobre os riscos, a
oferta e o próprio medo, pesando-os com o medo de quem seria próxima –
sobretudo a possibilidade de, um dia, Samantha vir a ser a próxima – ela
tomou uma decisão.

— Eu vou fazer – Sophia decidiu – Eu farei a postagem. Mas você precisa


me ajudar, vocês, na verdade. Eu não posso fazer isso sozinha.

A resposta de Anahí foi um sorriso; a de Joy, colocar a mão sobre a de


Sophia lhe passando toda a confiança do mundo.

— Você nunca mais vai se sentir sozinha.

Nunca mais.

xxx

Anahí voltou para casa totalmente energizada, de uma forma que apenas as
reuniões no My sister's place conseguiam deixa-la. Ela não parava de
pensar em todos os pontos da conversa, até deixou seu celular com Missy
para que a menina jogasse o jogo que gostava e ela conseguisse ficar com a
mente tão avoada quanto sabia que seria. Por sorte sua filha era uma criança
quieta e não falava o tempo inteiro, de forma que Missy se distraiu e ela
também, não parando de pensar no quanto tinha sido incrível ouvi-la
convencer Sophia de seu ponto, que no início parecia completamente
absurdo, mas ao final, nem tanto.
A verdade é que, no fim, Anahí nem se lembrava mais que aquela não
parecia ser uma boa ideia. Pelo contrário, ela só conseguia pensar que Joy
tinha chegado à única forma de solucionar o problema de Sophia, e se
sentia feliz pela amiga ter decidido aceitar seguir com aquele plano.

E exatamente por isso Anahí se sentia tentada a realmente aceitar a oferta


de Joy de montarem aquele escritório. Afinal, trabalhar com ela não a
impediria de atuar na ONG como sempre foi seu sonho. Nunca esteve nos
planos de Anahí trabalhar com advocacia, mas agora parecia um caminho
natural. Por fim, aquele desvio que sua vida levou pelo sequestro a levava a
lugares que não poderia esperar, e nem todos eram ruins.

Mas, falando em lugares que não se poderia esperar, Anahí definitivamente


não cansava de ser surpreendida. Ela desceu do táxi junto com Missy, após
ralhar com a filha para guardar o celular, e entrou na portaria do prédio já
pensando mentalmente no que faria para as duas jantarem e em como a
rotina seria enlouquecedora caso fosse realmente trabalhar com Joy. Não
seria fácil. Anahí sequer ouviu quando o porteiro a chamou, no fim foi
Missy quem percebeu e avisou a mãe, que olhou sem entender. Quando se
deu conta, o homem tinha um pacote em mãos.

— Chegou para a senhora hoje à tarde – ele estendeu – O entregador foi


bem específico em dizer que eu deveria entregar pessoalmente, em mãos.

— Mas eu não comprei nada – Anahí disse sem entender.

O porteiro apenas deu de ombros, entendendo ainda menos do que ela.


Assim que as duas entraram no elevador Anahí rasgou o envelope pardo
para saber do que se tratava, pelo volume que segurava em mãos parecia ser
um livro, e realmente era, ela constatou ao pega-lo. Mas não qualquer livro.
Não de qualquer pessoa.

Somente você e eu. Alfonso Herrera.

E não sobre qualquer pessoa...

— Deus do céu... – ela murmurou.


Anahí sabia que Poncho escrevera um novo livro sobre ela, sobre eles. Mas
era diferente tê-lo em mãos assim, antes mesmo de ir para as livrarias, de
ser lançado. Agora era como se tudo ficasse concreto na mão dela, a forma
como Poncho via a história deles, e provavelmente o final que ele havia
escolhido para os dois.

Será que era um final feliz? Ao menos naquelas páginas eles mereciam
isso... mas a questão era: somente nas páginas?

— Esse livro é do papai? – a voz de Missy quebrou os pensamentos de


Anahí – Tem o nome daquele na capa.

— Sim, foi o papai que escreveu sim – ela sorriu respondendo


desconcertada, pensando em como desconversar para não atiçar a
curiosidade de Missy.

— Eu posso ler? – ela perguntou totalmente interessada.

— Eu leio antes pra saber se pode – Anahí respondeu, lutando para não
ficar avermelhada ao imaginar a quantidade de cenas de sexo reais entre ela
e Poncho que foram para aquelas páginas – É livro de adulto.

— Tudo é de adulto – os olhos de Missy rolaram – Conversa de adulto,


livro de adulto...

Anahí riu, vendo o elevador se abrir. Seria uma longa noite.

E de fato, foi. Ela deixou o livro em cima de sua mesa de cabeceira e foi
cozinhar, preparando o jantar enquanto Missy tomava banho e, depois,
assistia um filme da Disney na TV. As duas jantaram juntas na pequena
mesa que havia ali e depois Anahí voltou para a sala, vendo a menina
assistir o filme e fingindo prestar atenção, embora seus pensamentos
estivessem novamente longe dali, dessa vez não em Joy, em Sophia e em
seu futuro profissional, mas nas páginas que a esperavam, escritas pelas
palavras do homem que a amava.

O livro parecia queimar dentro do quarto dela, ou talvez fosse algo em


Anahí que estivesse queimando. Mas de toda forma, ela estava disposta a
esperar que a filha dormisse para ler de uma vez. Quando Anahí sentiu o
peso da cabeça de Missy em seu colo, notou que a menina pegou no sono,
por isso a acordou e a levou cambaleando para o próprio quarto, colocando-
a na cama sem que a menina pestanejasse.

Depois que a porta do quarto da menina estava fechado e a luz devidamente


apagada, cada passo e cada segundo foi na direção daquele livro. Da
história deles, escrita e diagramada.

Anahí se sentou na poltrona ao lado da cama e pegou o livro, passando os


dedos delicadamente sobre a capa. Era quase como se ela estivesse tendo
contato com ele. Conseguia ver, mesmo que na própria imaginação, o rosto
de Poncho amassado, ele cheio de olheiras, afoito naquelas palavras. Depois
de um suspiro, ela abriu o livro, folheando as primeiras páginas e chegando,
por fim, na dedicatória. Que não poderia ser diferente.

"Para a minha A. Para mim, sempre seremos somente você e eu."

E as primeiras lágrimas caíram logo ali.

Naquele livro eles não eram Anahí e Alfonso, por óbvio, e sim Jacob e
Emma. Ele, um aspirante a escritor; ela, uma mulher que queria mudar o
mundo e deixar nele sua marca. Emma havia sido tirada de Jacob
exatamente como Anahí fora tirada de Poncho e, oito anos depois, a vida
tratou de recoloca-los no mesmo caminho. A vida dele tinha mudado, ele
agora tinha um filho, uma família e, sobretudo, um sentimento de culpa. A
culpa por não ter esperado por ela, por ter passado junto com o tempo.
Culpa pela dor que ela viveu enquanto ele sorria, mesmo que, naquela
história toda, também houvessem mais lágrimas do que deveria em uma
história de amor.

O livro começava com a volta dela, mas, após o reencontro, surgia como
um flashback para mostrar a vida de Jacob durante aqueles oito anos. A
descoberta que ela tinha sumido. As noites em claro, sob lágrimas. O
primeiro Natal, o primeiro Ano Novo, as datas que ela tanto gostava.
Quando ele encontrou na escrita um refúgio. Quando conheceu Deb, que
era a versão fictícia de Diana. Novamente, culpa por acabar seguindo em
frente, culpa por estar feliz com a chegada de um filho que não era dela.
Culpa por achar que estava traindo Emma com Deb e Deb com Emma.

E os anos se passando, dois, três, cinco, oito anos. Na noite anterior à volta
dela, um jantar com um casal de amigos, uma conversa que o fazia se
lembrar dela. Exatamente uma noite... e o sentimento ainda era o mesmo,
atônito. Aí começava a parte da história que Anahí conhecia: o reencontro,
o beijo no hospital, quando ela soube que ele agora era casado, a lembrança
dela de que eles tinham perdido um filho, a decisão de tentarem ser amigos,
ela seguindo em frente com Milo – que ali era Victor – tudo dando errado, a
separação dele, a volta dos dois, o sexo em Vermont, o filho dele que surgiu
no caminho, a descoberta sobre Missy, a nova separação, o julgamento,
Milo novamente... e ali estavam.

Mas não era aquela parte que Anahí queria saber, era o final. Porque o
presente ela conhecia, mas queria saber do futuro do pretérito: o desejo, a
torcida, o final feliz que ele projetou para os dois. Por isso ela comeu as
páginas na leitura, atenta e afoita para chegar na parte que não conhecia.

E aos poucos ela foi encontrando páginas que não eram reais, e a cada
página eles seguiam não estando juntos. Viviam como amigos, bons
amigos, mesmo sendo daqueles que trocavam olhares furtivos. Amigos que
agora eram pais da mesma filha, filha essa que crescia, sempre na espera
dos pais interromperem a distância e darem fim nela, ficando juntos
novamente. Só que não acontecia. Eram páginas que se tornavam mais
páginas. E nelas, eram dias que viravam semanas, que viravam meses, que
viravam anos.

Dez anos.

A filha deles estava crescida e se formando no colegial, exatamente como


tinha sido com eles um dia. Jacob estava na casa de Emma naquela manhã,
os três foram para a formatura juntos. Os pais dos dois se encontraram com
eles lá, todos orgulhosos pela conquista de sua menina. Ao final, cada um
segue para o seu lado e eles se veem sozinhos, conversando sobre o mar de
sensações de nostalgia que ambos nutriam. E de repente, caminham na
mesma direção e os dedos se tocam. Os dois param, os arrepios eram
inevitáveis. Eles se olham e é como se não houvesse mais nada ao redor.
Primeiro os dedos, depois os olhares, depois as mãos e, por fim, os lábios.
Porque todo o resto, provavelmente, nunca havia se separado.

E por fim, aos poucos as bocas se separam e se afastam novamente, mas os


olhos ficam fixos um no outro. Não irão se desviar novamente, não mais. É
quando ele fala:

"— Finalmente somos você e eu outra vez".

Emma responde.

"— Talvez nunca tenhamos deixado de ser."

E o livro acaba. O final feliz acontece. Tardio, mas acontece.

Dez anos depois. E o rosto de Anahí estava ali, banhado em lágrimas.


Porque agora ela sabia que poderiam haver dias, meses e anos. Ela poderia
esperar até a formatura de Missy, poderia esperar até a velhice deles,
esperar até o leito de morte, quem sabe. Mas no fundo, não havia tempo,
porque no fundo ela não estava nem um pouco disposta a esperar.

Ao menos não tanto. Anahí poderia aguardar o dia seguinte, ao lançamento


do livro. Se até ali havia alguma dúvida, agora era certeza. Anahí iria. E
aquela distância iria acabar, finalmente.

EU SEI que vcs acharam que o lançamento do livro seria nesse capítulo.
Inicialmente de fato seria, só que acabou ficando grande demais e aí
adivinhem? Eu achei melhor colocar logo tudo no 85 de uma vez, assim não
vai ter o famoso "parar na melhor parte".

De qualquer maneira aqui tivemos duas cenas mt importantes: a Sophia


tendo uma chance remota de ir contra o Chad através da Joy e a Anahí
lendo o livro do Poncho (especialmente pra quem queria saber como ele
acabava).
Quinta-feira, de volta à programação normal, teremos o 85 com o tão
esperado lançamento!

E queria agradecer - como já fiz no twitter - pelas 100K views e 12K votos.
Meninas realizadas!!!

Me contem se gostaram e deixem suas estrelinhas!

Beijos,

Rafa
Capítulo 85 - Fire to the rain

Livraria Strand, 28 de junho de 2019

Alfonso Herrera sequer parecia o homem que estava para lançar um livro
que era cotado para ser seu mais novo best seller. Somente você e eu já tinha
a pré-venda esgotada e os exemplares físicos que tinham chegado à livraria
provavelmente esgotariam naquele mesmo dia, a julgar pela fila lá fora.
Mas não era a primeira tarde de autógrafos daquela nova obra que o deixava
nervoso.

— Algo me diz que não é por aquela fila lá fora que você ta nervoso desse
jeito – Diana cruzou os braços com ar de riso encarando o ex-marido.

— Eu não sei porque to criando essa expectativa toda – ele suspirou


derrotado – Talvez ela nem venha...

— Você a convidou? – Diana perguntou e o viu assentir – Algo me diz que


ela vem, sim.

— Eu não quero nutrir esperanças em vão – Poncho respondeu.

Mas Diana sabia que não eram meras esperanças. Ela tinha feito, no dia
anterior, o livro chegar diretamente às mãos de Anahí. Só saíra da porta do
prédio dela – o endereço que Karen lhe dera – após o porteiro lhe garantir
que entregaria o pacote pessoalmente. Anahí era apaixonada demais por
Poncho para não se afetar por aquelas palavras, aquele livro. Afinal, Diana
tinha se afetado, ainda que de forma – e por motivos – totalmente
diferentes.

— Eu entendo seu nervosismo – Diana suspirou mudando o assunto. Não


queria dizer a Poncho que tinha entregue o livro para Anahí, ele iria
explodir de ansiedade se soubesse – Não estou muito diferente.

— Por quê? – ele franziu a testa.


— Convidei o Bradley para vir aqui hoje – ela desviou o olhar – Pra vocês
se conhecerem...

— Quer dizer que finalmente vou conhecer seu namorado? – Poncho sorriu
imensamente.

— Se você puder não fazer uma cena eu agradeço imensamente – Diana


pediu rolando os olhos, não lhe agradando a reação de seu ex-marido que
mais parecia uma risada – Do contrario posso fazer o mesmo com você e
Anahí, apenas pra te envergonhar na frente dela.

— Anahí e eu não estamos juntos – Poncho lembrou com certa amargura na


voz. Não lhe agradava dizer aquilo.

— Ainda não – Diana respondeu confiante.

Novamente, ela não poderia dizer do que sabia.

Quem era VIP ali tinha passagem direta, sem precisar enfrentar a fila. Mas
nenhum conhecido de Anahí estava controlando a entrada na Strand na hora
que ela chegou. Na verdade, quem estava na porta na hora que ela chegou
era um homem com aparência ranzinza que, a julgar pelo uniforme e
crachá, era funcionário da livraria. Ele não parecia muito feliz,
provavelmente não gostava de dias como aquele que o movimento era
maior que a média. Anahí percebeu que era justo com ele que ela teria que
falar.

Que a sorte estivesse do lado dela...

— Oi – Anahí disse sorrindo – Eu sou Anahí. Sou... amiga do Alfonso


Herrera.

O homem a olhou com todo o desdém que havia no corpo. Nada bom.

— A fila inteira é, querida – o homem grunhiu – Vá para o seu lugar no


final.

— O senhor não entendeu – Anahí sorriu, tentando dissuadi-lo – Ele


dedicou o livro pra mim.
— Você é namorada dele? – o homem perguntou um tanto direto. Então, ela
resolveu explicar...

— Não exatamente, mas eu tenho certeza que as coisas vão se ajeitar assim
que ele e eu nos encontrarm...

— Pro final da fila moça – ele ordenou na mesma hora, fazendo Anahí
quase explicar.

Ela simplesmente saiu da porta da Strand, marchando para o final que já


virava o quarteirão. Por que não mentiu? Por que não disse que sim, era a
namorada dele? Por que eles não tinham resolvido aquela situação de uma
vez de forma que ela pudesse ligar para ele e não fazer uma surpresa, como
estava fazendo...?

Por que ela não havia pedido o número do celular de Diana ou de Erika?
Eram muitos porquês, nenhuma resposta e Anahí estava definitivamente
mal humorada. Demorou cerca de meia hora para a fila começar a andar e
tranquilamente havia mais de cem pessoas na frente dela. Bem que ela
pensou em começar a falar para todas aquelas pessoas quem ela era. "Sabe
aquela A da dedicatória? O nome dela continua com um 'nahí' e ela sou eu,
querem ver a minha identidade?", era provavelmente o que ela diria.

Só que o homem não a havia reconhecido, então os leitores de Poncho


provavelmente iriam no mesmo caminho. Quem sabe fosse melhor aceitar e
esperar a sua vez. Ela tinha certeza que, quando Poncho se deparasse com
ela, a surpresa seria ainda maior. Talvez fosse melhor assim, afinal.

Do lado de dentro, Poncho estava desolado. É claro que, se fosse para ela
aparecer, na iminência do início dos autógrafos, já teria acontecido. Ele
realmente nutrira esperanças de que Anahí fosse, mas, pelo visto, não iria
acontecer. Frustração era pouco para o que ele sentia, Poncho se sentia em
cacos. Pelo visto aquela noite, aqueles beijos e o olhar, a dança, o clima que
se formou não tinham tido nela o mesmo efeito que nele. Ele não conseguia
entender como aquilo era possível, mas não havia como pensar diferente.

E o pior de tudo é que ele teria que autografar centenas daqueles livros
dedicados a ela. teria que responder a perguntas sobre o amor de Jacob por
Emma sem conseguir desvencilhar da grande verdade: que ele era Jacob,
mas sua Emma não havia ido ali.

Diana, por sua vez, estava desapontada. Ela tinha cuidado pessoalmente
para que Anahí recebesse um exemplar de Somente você e eu antes da
estreia. O suficiente para que ela fosse até ali, para que aquela história
finalmente tivesse o final feliz mais prorrogado de todos os tempos. Mas
agora não havia o que pensar, aquela sessão de autógrafos tinha que
começar.

Começaram a entrar, um a um. Cada passo para Anahí parecia uma


eternidade, como se nunca fosse chegar a sua vez. Ela estava nervosa,
suando frio, sem saber ao certo o que diria para Poncho quando finalmente
chegasse a sua vez. Do lado de dentro Poncho autografava os livros, alguns
com dedicatórias, outros sem – mas em todos ele não tinha nenhum grande
entusiasmo. Alguns leitores inclusive pediam para tirar foto, a maioria
mulheres, ele sempre aceitava e fingia alguma empolgação que qualquer
pessoa que o conhecia bem sabia que não existia.

Diana ria de uma leitora que, após pedir foto com Poncho, ficou parada ali
por vários minutos dizendo o quanto o livro dele a inspirava, percebendo
que na verdade ela queria dizer excitada. Viu o ex-marido parecer
desconcertado por aquele assédio todo e apenas abrir um sorriso amarelo e
entregar o exemplar, chamando o próximo da fila. Foi quando ela avistou
quando Anahí finalmente chegou à porta da Strand. Diana sorriu orgulhosa
de sua própria intuição, mesmo demorando ela sabia que Anahí iria e que
sua intuição estava realmente certa. Apenas se perguntou por que ela tinha
enfrentado toda aquela fila quando era a mais VIP de todas as pessoas
possíveis ali.

E de repente ela percebeu que não era a única pessoa que tinha notado a
presença de Anahí.

— O que você está fazendo? – perguntou quando viu Erika tirar o celular do
próprio bolso e estender, pronta para fotografar algo.

— Ligando a câmera pro grande momento – Erika respondeu como se fosse


óbvio – Eu não posso perder a hora que ele perceber que é ela. Tenho
certeza que o Poncho vai fazer uma cara de bobo enorme!

— E você obviamente quer registrar...

— Eu não perderia por nada – ela sorriu abertamente – Sou a shipper


número 1 dos dois, pode ter certeza.

Diana bem que pensou em tirar Anahí daquela fila, chegou a fazer menção
a isso, mas Anahí, entendendo sua intenção, negou com a cabeça. Ela
continuou andando como se fosse uma pessoa qualquer, totalmente comum,
tal como os leitores dele. Notava que Poncho parecia distraído, mal olhava
para o rosto das pessoas – afinal, eram centenas – e provavelmente sequer
repararia que era ela. Mas pensando bem, aquilo viria a calhar. Afinal, as
melhores coisas da vida são aquelas inesperadas.

— Nome?

Era para ser mais um. Um John, uma Louise, uma Julie ou o Matthew
qualquer. Tanto que ele tinha o rosto abaixado, a caneta encostada no
exemplar, pronto para ouvir o nome e rapidamente escrevê-lo, assinar e
sorrir cordialmente como já fizera em todas as vezes anteriores. Mecânico.
Só que não foi.

— Anahí – a voz que ele tanto conhecia soou e, diferentemente de todas as


mais de cem vezes que vieram antes, Poncho levantou a cabeça antes de
escrever qualquer coisa, concretizando o rosto que mais queria ver em sua
frente desde que tudo aquilo começou – Será que você sabe escrever o meu
nome sem errar ou eu preciso soletrar?

O sorriso de Poncho se formou na mesma hora. Se alargou, quase rasgando


seu rosto, que agora estava iluminado. Nem sombra da forma como estava
antes.

— Eu aprendi a escrever esse nome antes mesmo de saber o meu.

Ele queria dizer tanto, queria dizer tudo. Sobretudo, perguntar... se estava
certo, se a presença dela ali realmente significava o que ele esperava. Que
era mais do que uma chance para os dois, se de fato era um sim. Mas não
havia tempo. Outras centenas de pessoas esperavam por trás dela e ele tinha
que atender uma a uma. Depois, haveria a leitura de trechos selecionados,
perguntas... muito pela frente. Mas pelo visto, embora não houvesse tempo
ali, haveria depois... todo o tempo do mundo, quem sabe.

Por isso Poncho percebeu que aqueles minutos deveriam ser simbólicos.
Por isso ele abriu o livro mas não autografou na página inicial que continha
o título, como vinha fazendo com todos os outros. Na verdade, Poncho
folheou até chegar na página da dedicatória, escrevendo uma mensagem
clara e concisa, que passava exatamente o que ele queria dizer. "Cada
palavra desse livro, a começar por essas, são absolutamente a verdade
sobre nós dois", ele colocou antes de autografar.

Quando levantou o rosto estendendo o livro de volta para Anahí, pronto


para perguntar se ela o esperaria até o final, foi surpreendido mais uma vez,
dessa vez com a rapidez dela em falar mais rápido que ele.

— Você tira uma foto comigo...? – ela perguntou com um ar de riso quase
zombeteiro como alguém que não o conhecia pessoalmente – É o primeiro
lançamento de livro seu que eu venho, meu primeiro livro autografado... eu
queria, não sei, registrar.

Poncho entrou na brincadeira, incapaz de se render. Ele assentiu em


resposta, murmurando um "é claro" e Anahí estendeu o celular para Diana,
que por sua vez prendia o riso. Anahí fazia uma cara de entusiasmo forçado,
com uma careta e seu exemplar em mãos – parecido com a expressão que
ela faria se realmente fosse uma fã. Poncho, por sua vez, estava ali
totalmente diferente de como estava em todas as vezes anteriores, a
começar pelo sorriso enorme no rosto. Diana os fotografou, devolvendo o
celular para Anahí, que agradeceu tanto a ela quanto a ele, prometendo em
seguida ficar para a leitura dos trechos.

O sorriso imenso permaneceu na boca dele, e logo Anahí viu o mesmo na


foto que a ex-mulher dele tirou dos dois. Ele ficava incrivelmente mais
bonito quando sorria em fotos. Pena que não acontecia tanto.

Na verdade, pena para o resto do mundo. Anahí não era todo mundo.
— Tudo registrado? – Diana sussurrou para Erika, que parecia orgulhosa.

— Registradíssimo – Erika sorriu imensamente.

— Ótimo – ela respondeu – Porque eu aposto como ele vai querer isso
depois.

Logo após Anahí sair dali e a fila continuar, seguindo para tentar encontrar
uma das concorridas cadeiras da leitura que viria a seguir, Diana se afastou
de Poncho e seguiu para onde ela ia. Anahí tinha um sorriso torto e olhos
brilhantes ao encarar as palavras escritas por ele em sua dedicatória. Seus
passos pareciam bambos, quem sabe as pernas dela estavam trêmulas por
tudo aquilo.

— É uma bonita dedicatória – ela disse ao chegar ao lado de Anahí – Agora


você tem dois exemplares e um deles é autografado...

— Então foi você? – Anahí franziu a testa surpresa encarando-a – Diana...

— Senti que você precisava de um empurrãozinho e fiz questão de dá-lo –


ela sorriu satisfeita – Você precisava ler aquelas palavras.

— Eu praticamente as devorei – Anahí deu um suspiro – Depois daquilo...


todo o resto pareceu pequeno.

— Talvez porque seja – Diana ainda sorria – Você vai ficar para a leitura,
não é? Não precisa correr para pegar uma cadeira, porque se tem alguém
aqui que ele fará questão que esteja confortável, esse alguém é você.

Anahí conhecia Poncho o suficiente para ter certeza que sim. E pelo visto,
Diana também.

Ainda demorou uma hora para a leitura efetivamente começar. Quando


Anahí chegou às cadeiras da área selecionada era tarde demais, já estava
lotado. Mas não havia problema. Ela apenas se misturou entre as pessoas
que assistiriam em pé, não queria ser notada. Enquanto esperava, ela pegou
o celular e olhou a foto dos dois, voltando a sorrir ao vê-los assim,
sorridentes – ela meio debochada e Poncho, quase reluzente. Não hesitou,
abrindo seu Instagram e publicando a foto na mesma hora, marcando-o e
colocando na legenda "a primeira de muitas" com uma figurinha de um
champagne e de tuas taças se batendo.

Poncho não veria, mas ali, naquela legenda, estava a resposta para as suas
perguntas.

Quando a leitura começou, ele tinha um dos exemplares em mãos.


Justamente o trecho escolhido foi um logo do início do livro, o do
reencontro dos dois. Logo de cara a escrita de Poncho já impactava. As
pessoas tinham os olhos fixos nele, prestando atenção em cada palavra,
enquanto Anahí tentava se decidir entre ficar com os olhos abertos ou
fechados. Abertos, porque poderia ver o quanto ele estava bonito com
aquela camisa jeans que marcava seus músculos e estava dobrada até os
cotovelos. Fechados, porque ouvir seu timbre pronunciar lentamente cada
palavra que ele havia escrito por ela, sobre ela e para ela era um convite ao
erotismo.

Foram lidos outros dois trechos, não tão marcantes quanto o primeiro, que
fez Anahí voltar ao foco, voltar a si. Ela agora, tal como todos os outros
presentes, o encarava, observando cada mínimo detalhe seu, sem se
importar tanto com o teor do que ele lia. Em seguida, começaram as
perguntas. A maioria versava sobre partes meio ambíguas da história, sobre
o que Poncho quisera dizer com cada uma delas. Mas como o livro tinha
acabado de ser lançado, a maioria das pessoas ali não conhecia a história
ainda, não tiveram a oportunidade de ler. Por isso, é claro que haveriam
perguntas sobre pontos um tanto fora da curva. Foi exatamente o caso
daquela, em especial.

— Eu li numa revista que essa história é baseado em você e na sua ex-


namorada, provavelmente a letra A que consta na dedicatória – a leitora
ponderou e Poncho sorriu, ela tinha ido direto ao ponto e acertado na mosca
– Mas será que o final da história de vocês só vai acontecer daqui a dez
anos ou vocês conseguem escrever o final feliz de agora?

O sorriso dele se formar de forma enorme, mais uma vez, foi inevitável.
Poncho tinha várias respostas para aquela pergunta e se corroeu, naquele
momento, para não sucumbir à vontade de olhar Anahí antes de respondê-
la. Ele sabia que acabaria se denunciando se o fizesse, embora a vontade o
torturasse. Mas tudo bem. Talvez aquilo viesse a calhar.

— A ficção imita a realidade, mas nem sempre a recíproca precisa ser


verdadeira – Poncho respondeu – A vida é o momento que nós estamos e
foge da realidade simples que nós colocamos nos livros. Esse é um futuro
alternativo que eu escrevi porque queria ter chances com ela, mas a verdade
é que, a hora que ela me quiser, eu irei querê-la de volta. A contar de agora.

O recado estava mais do que dado.

Por mais que Anahí achasse que já tinha esperado o suficiente, ela ainda
teve que aguardar, após a leitura, várias e várias outras pessoas
cumprimentarem Poncho incessantemente. Diana, naquele momento,
tentava blinda-lo daquilo tudo, mas haviam jornalistas presentes e ela
simplesmente não conseguia. Anahí o viu conceder pequenas entrevistas,
comentar o livro, tentando o tempo inteiro, a todo custo, se desvencilhar
daquilo sem deixar de ser profissional. Àquela altura ele já a havia avistado
ao fundo e parecia louco para escapar dali e ficar com ela, mas parecia que
aquele momento nunca iria chegar.

E dentro de sua bolsa, o celular de Anahí vibrava sem parar, provavelmente


em resposta à foto que ela publicou. Mas agora não importava, ela
simplesmente ignoraria. Não era hora para aquilo, havia algo muito mais
importante e era isso que realmente valia.

Quando todas as pessoas que o cercavam finalmente se foram, Anahí se


aproximou com um sorriso no canto dos lábios. Os olhos de Poncho
brilharam intensamente quando a viu se aproximando dele, certo de que o
momento finalmente havia chegado após aquela espera eterna. O engraçado
é que ambos pareciam tão envergonhados frente um ao outro quanto havia
sido quando se beijaram pela primeira vez. Quinze anos haviam se passado
desde então, o amor entre eles mudou de forma, mas continuava ali. E
estava pronto para ser retomado e vivido da maneira adequada.

— Obrigado por ter esperado – ele sorriu colocando ambas as mãos nos
bolsos – É essa confusão toda vez, mas eu havia me esquecido.
— Valeu cada minuto de espera – Anahí sorriu de volta – Você ta livre
agora ou tem mais algum compromisso?

— Cem por cento livre – Poncho respondeu olhando para trás – Eu só... só
preciso...

Ele só precisava se despedir de Diana e deixar claro que, o que quer que
acontecesse nas próximas doze horas, ela precisava resolver sem ele. Era
nítido que Poncho estaria totalmente indisponível.

Mas sua ex-esposa não parecia tão diferente assim. Ela falava com um
homem com cabelos loiro-escuros e barba rala que a segurava pela cintura.
Anahí, ao encara-los, ficou surpresa, franzindo a testa, já que ela não fazia a
menor ideia que agora Diana tinha alguém. Mas Poncho apenas sorriu,
visualizando pela primeira vez a mãe de seu filho com seu pretenso novo
namorado, vendo que Diana poderia não estar tão radiante quanto ele ficava
quando tinha Anahí ao seu lado, mas definitivamente caminhava para ter
novamente um relacionamento com alguém que a faria feliz.

Quando Diana viu que era observada, ela segurou Bradley pela mão e o
levou até seu ex-marido. Uma apresentação devida era mais do que
necessária.

— Poncho? – ela disse se aproximando, os dois de mãos dadas, o que atraía


um olhar curioso de seu ex – Esse é o Bradley... ele é o meu... é o meu...

Diana claramente parecia hesitar em definir Bradley em uma palavra. Tanto


Poncho quanto Anahí a encaravam, esperando pelo que viria. Mas no fim,
Diana acabou optando por algo inusitado.

— Meu Bradley – ela finalizou, dando de ombros. Poncho fez um ar de riso


ao estender a mão para cumprimentar o homem que agora se relacionava
com sua ex-mulher, e após apertar sua mão cordialmente, voltou o braço
para a cintura de Anahí, segurando-a possessivamente.

— Prazer Bradley, Alfonso Herrera – ele respondeu – Essa é a...


Novamente o problema da palavra. Eles ainda não eram namorados, Poncho
sequer tinha a confirmação de que estavam realmente juntos. Mas, tal como
Diana fizera – só que sem hesitar tanto assim – ele tinha a definição perfeita
e a prova de erros.

— A minha Anahí – Poncho apresentou e a ouviu rir bem baixo. Logo


Anahí levou a mão livre ao cumprimento de Bradley.

— Apresentações feitas, vocês estão livres – Diana disse sorrindo – Eu te


ligo depois pra falar da turnê e do Dani.

— Sem pressa – Poncho acenou com a cabeça em cumprimento à mãe de


seu filho.

Livres. Realmente livres.

Já não havia mais quase ninguém na calcada de fora da Strand àquela


altura, mas Poncho não quis se arriscar já falando de certos planos com
Anahí. Ele não queria que ninguém que estivesse ali fosse para o mesmo
lugar que ele planejava ir com ela. Era para ser exclusivo e especial. Por
isso, ele apenas fez sinal para o primeiro táxi que estava ali, pronto para
indicar o endereço do restaurante mais romântico que conhecia em
Manhattan para dar à Anahí a noite que ela merecia.

Só que os planos saíram um pouco errado quando ela tomou a frente da


situação.

— Deixe isso comigo – Anahí disse se debruçando sobre o táxi e indicando


um endereço para o motorista.

— O que... – Poncho murmurou sem entender, quando ela se levantou e


abriu a porta traseira, chamando-o.

— Hoje eu guio – ela pediu – Confie em mim.

Poncho não fazia a mínima ideia de qual seria o destino deles, mas aceitou
o desafio. Anahí escorregou pelo banco traseiro do táxi e ele veio logo em
seguida. Quando se pôs a perguntar para onde eles iriam, ela rapidamente se
negou a responder, dizendo que era uma surpresa. Poncho franziu o cenho,
logo Anahí que detestava surpresas fazendo uma? Ele estava curioso e ao
mesmo tempo desapontado, tinha feito uma reserva num lugar charmoso
demais e agora tudo havia ido para os ares. Poncho apenas levou o celular
ao ouvido, ligando para o restaurante e cancelando a reserva, sem saber o
que esperar.

Se ele estava ansioso e inseguro, Anahí parecia tranquila, mas ao mesmo


tempo, dispersa. Ao menos parecia para Poncho. Na verdade, ela olhava
pela janela o caminho, um tanto distante, o que aumentava o nervosismo
dele. Os dedos dos dois mal se tocavam. O que aquilo significava? Poncho
se perguntou aquilo o trajeto inteiro, questionando-se se valia a pena
perguntar de uma vez o que acontecia ali. Mas antes que pudesse abrir a
boca, Anahí tomou uma nova iniciativa.

— Eu pedi pra você confiar em mim – ela disse após se aproximar,


sussurrando no ouvido dele. A voz de Anahí rouca fez sua pele arrepiar –
Você confia...?

— Claro que sim – ele respondeu sem hesitar.

Anahí não disse mais nada. Apenas colocou a mão na própria bolsa, tirou
dali uma venda e colocou nos olhos dele. Poncho nada entendeu,
percebendo que ela queria literalmente deixa-lo no escuro. Se antes não
entendia muito, agora não entendia nada.

— Any, o que...

— Shhh, você disse que confiaria.

Uma verdade.

Poncho apenas sentiu o táxi parar em um determinado momento, sem fazer


ideia de onde eles estavam. Aquilo de confiar era real, pois, sem a visão, ele
apenas estava sendo guiado pela voz de Anahí e seus outros sentidos, não
tão apurados assim. Ela o guiava, é claro, dizia quando havia um degrau,
por onde deveriam ir, mas não dava pistas de que lugar era aquele. Poncho
tentava descobrir pelo cheiro, pelo barulho, mas nada vinha. Restava
esperar.

Tudo o que ele percebeu é que eles entraram num elevador, isso ele
reconheceu pelo barulho. Era um prédio, ok, mas Nova York tinha milhares
de prédios, o que significava? Após, Anahí andou com ele até pedir que
parasse. Ele identificou um barulho de chave e, em seguida, a mão dela o
conduziu novamente. Uma porta se fechou. Onde diabos estariam...?

— Certo – Anahí disse e ele sentiu as mãos dela chegarem na venda, sua
voz doce na nuca dele, sinal de que a cegueira tinha chegado ao fim – Eu
espero que você goste...

Enfim.

Nada prepararia Poncho para aquele lugar. Ele reconheceria aquelas quatro
paredes eternamente, não importava quantas vezes elas seriam pintadas,
quantas trocas de mobília haveria ali... sempre seria o mesmo lugar. O lugar
deles. O apartamento deles, no Harlem. Poncho não conseguia acreditar.

Estava explicada a venda, a surpresa: ela o levara àquele apartamento


exatamente da mesma forma que Poncho fizera nove anos antes. A
referência era inegável e tinha um imenso significado. Transbordava, para
falar a verdade, sendo difícil definir em palavras.

— Eu não acredito... – ele disse olhando ao redor um tanto perplexo –


Como você...

— A nossa história deveria ter começado aqui há nove anos – Anahí disse
num suspiro, com a sombra de um sorriso pairando por seu rosto – Ela foi
interrompida, mas agora recomeçou. Achamos que era um ponto final, mas
não era... eram apenas reticências. Desde que eu voltei nós tivemos muitas
vírgulas, mas tentamos de novo após cada uma delas. Na última vez eu
achei que tinha dado um ponto, que não ficaríamos mais juntos... mas não,
Poncho. Com você... entre você e eu... não existe nunca mais.*

— Isso é o que eu estou entendendo? – Poncho perguntou pegando-a pelo


rosto, encarando o fundo de seus olhos azuis – Você vai dar outra chance
pra nós dois?

— Eu vou dar a chance pra nós dois – ela disse concordando, envolvendo o
pescoço dele com os braços.

— Posso te levar pra cama? – ele convidou sugestivo. Mas ela tinha uma
ideia melhor.

— Me leva pro chuveiro.

Aquele chuveiro tinha uma história marcante entre eles. A primeira transa,
no dia que o apartamento virou deles, tinha sido ali. Sequer haviam toalhas.
Agora não só Anahí as colocara penduradas, como também tinha muitas
outras coisas: os filhos que eles tiveram, as cicatrizes que adquiriram em
meio a tantas interrupções, a maturidade que agora carregavam... e
sobretudo a certeza de que, em meio a tantos poréns, ambos tinham
escolhido estar ali. Juntos.

Quando eles entraram no banheiro a Anahí doce que fizera uma agradável
surpresa idêntica à do passado foi deixada de lado e trocada por uma versão
dela própria, mais visceral e faminta. Anahí entrou ali arrancando a roupa
de Poncho e puxando a boca dele para um beijo lascivo. Não demorou a
senti-lo respondendo, puxando-a pelo quadril enquanto tomava sua boca,
rapidamente fazendo-a sentir sua ereção. Não por muito tempo, já que
Anahí se apressou em desabotoar sua calça, puxando-a para baixo junto
com a cueca. Parecia claro que ela queria senti-lo e o mais rápido possível.
Poncho, ao toca-la por baixo do vestido, próximo à calcinha, entendeu o
motivo.

— Você está totalmente molhada – ele disse num sussurro, sentindo-a


rebolar no dedo dele que agora a tateava – Ta prontinha pra mim.

— Então o que você está esperando...? – ela disse sentindo Poncho tirar a
mão da calcinha e puxar o vestido dela para cima, junto com o sutiã.

— Eu estava com medo de ir rápido demais – ele confessou – Mas pelo


visto, o medo é apenas meu...
— Eu te digo como fazer então – Anahí sorriu instigante – Eu quero que
você me coloque dentro desse chuveiro e ligue pra que tudo fique ainda
mais quente do que já está. Quero que você me invada e me coma da
maneira que mais gosta. Quero que nós dois sejamos um só... quero que
você enrosque as minhas pernas na sua cintura e me faça sentir como se o
seu pau gostoso fosse sair pela minha boca.

A ereção de Poncho foi ao limite com a boca suja dela, quase doía. Ele
assaltou a boca de Anahí com volúpia, imediatamente seguindo cada passo
das ordens dela: ligou o chuveiro quente, sentindo a água cair por ambos e
molhando seu beijo. Foi logo antes de erguê-la pelos braços e encosta-la
contra o azulejo do banheiro, ajeitando seu pênis na entrada dela e
forçando-a. Ele viu Anahí dar um gemido em reação ao senti-lo invadi-la,
mas nem precisou perguntar se ela estava bem, já que em seguida sentiu-a
fincar as unhas nas costas dele, o que apenas serviu de estímulo para
pressiona-la ainda mais, inebriando ambos do mais absoluto prazer.

Era a primeira vez que ele a fodia desde então. Todas as vezes eles faziam
amor, Poncho era delicado, continha a própria paixão, todo o tesão era
trancado em seu corpo. Não era o caso naquele momento. As palavras dela
o deram coragem para se libertar e agora ele a imprensava contra a parede,
investindo com força. Sua visão estava nublada pelo prazer, ele não via
nada, apenas ouvia seus gemidos e enxergava o corpo de Anahí vacilante,
seus seios molhados e a sentia cada vez mais próxima do próprio orgasmo.

E o gemido lento e fino, minutos depois, junto com a sensação dela


tragando-o o dominou. Poncho parou de se mexer e sustentou o peso dela,
sentindo Anahí relaxar, se soltar, aproveitar cada minuto de seu ápice, antes
de voltar a entrar com força dentro dela, precisando de apenas duas
investidas para gozar. Para quase se sentir cego de tanto prazer, de tanto
tesão. Sem conseguir acreditar que teve um orgasmo daqueles logo naquele
lugar.

Bendito fosse quem projetou e construiu aquele chuveiro...

— Que foda de respeito... – Anahí respondeu agarrada na nuca dele.


Poncho riu do comentário dela. A Anahí traumatizada tinha se perdido,
definitivamente. Perdido não, mais parecia que ela tinha sido eliminada –
porque o que perdemos, achamos. Pelo visto, a única coisa que eles tinham
achado era o próprio reencontro. Eles acharam os motivos que os faziam ter
certeza de que seus lugares eram ali, um nos braços do outro. O resto não
importava mais.

*frase inspirada no episódio 10x13 de Friends

ENFIM, AYA! Dessa vez 200% definitivo, até porque a fic ta oficialmente
acabando!

Como eu disse pra vocês era extremamente necessário que esse lançamento
fosse todo de uma vez, porque agora eu tenho CERTEZA que ninguém tem
nenhum motivo pra me ameaçar de morte.

Quero muitas estrelinhas e comentários pra saber tudo o que todo mundo
achou, porque esse cap merece né gente?

Preparem-se porque a fase do mel do casalzinho do pop apenas começou!

Beijos,

Rafa
Capítulo 86 - I'm a girl like you

Anahí não sabia como suas pernas trêmulas tinham conseguido leva-la em
segurança para o seu quarto. Diferentemente da mesma transa de nove anos
antes, dessa vez ela estava com um roupão confortável, os cabelos
molhados pingando por onde ela passava, mas ela não se importava com
aquilo. Poncho, que não tinha um roupão – aquele detalhe não pôde ser
providenciado a tempo – estava com uma toalha enrolada na cintura que o
deixava mais sexy do que qualquer outra visão no mundo, visão essa que
provavelmente excitaria Anahí se ela não tivesse acabado de se saciar nos
braços dele.

Os dois caminhavam juntos na direção do quarto dela. Era exatamente o


mesmo cômodo que servia como o quarto deles no passado, de forma que
Poncho conhecia bem o caminho. Eles até poderiam estar soltos um do
outro, mas Poncho não abria mão de abraça-la por trás, pela cintura, dando
junto com ela passos desconcertados que não precisavam ser assim, mas
que eles queriam que fossem.

— Missy está com a sua mãe? – ele perguntou assim que os dois entraram
no quarto, se dando conta da ausência da filha.

— Noite de videogame com Harry – Anahí sorriu – Ele entrou pra valer no
espírito de tio.

— Daqui a pouco ela vai ser assim com a Eren também – Poncho divagou –
Digamos que ela adore ficar de babá dos sobrinhos e dar um vale night.

— Digamos que eu não vá reclamar... – Anahí riu quando eles finalmente


chegaram no quarto.

— Nós temos que contar pra ela – ele beijou o pescoço dela – Podemos
contar amanhã, quando formos busca-la na Karen?

— Minha mãe vai leva-la pra escola, eu só irei busca-la...


— Eu busco com você então – Poncho propôs, mas Anahí parecia
insegura... como sempre.

— Eu não sei se é uma boa ideia dar falsas esperanças à ela...

— Mas nós daremos esperanças verdadeiras – ele rebateu.

— Poncho, nós não sabemos se isso vai dar certo... eu não quero que ela se
frustre...

Mais parecia que a insegurança tinha vindo após o calor do momento, que
fez Anahí leva-lo até ali, tinha batido com força. Mas Poncho sabia
exatamente como derruba-la.

— Olhe pra mim – ele segurou o rosto dela pelo queixo – Nós perdemos um
ao outro algumas vezes desde que você voltou, cada uma por um motivo
diferente. Problemas sempre vão acontecer, nós não temos como evitar. Mas
eu posso garantir a você que não vou deixar que mais nada nos separe.

— Nem eu... – Anahí sorriu de volta, dessa vez convicta.

— Vou me agarrar a você como se a minha vida dependesse disso – Poncho


a abraçou, trazendo-a para perto, quase como se eles se tornassem um só,
como já tinha acontecido no chuveiro.

Talvez dependesse mesmo.

Anahí dormiu nos braços de Poncho. Ela estava cansada, os dois não
transaram novamente, mas não havia problema. Ela estava em paz, virada
para o próprio lado da cama, sentindo a mão de Poncho repousar sobre sua
barriga, tão próxima dele que era capaz de sentir seu cheiro.

Poncho não estava muito diferente. Eles estavam colados a tal ponto que ele
suspeitava que deixava a nuca de Anahí quente com sua respiração, mas ela
não parecia estar incomodada. Pelo contrário, logo Poncho se deu conta que
ela já tinha pegado no sono, de tão relaxada que estava. Era impossível para
ele não ficar diferente da forma como ela já estava. Afinal, ele estava no
lugar que sempre quis. E sentindo o sono vir aos poucos com o cheiro do
cabelo dela tão próximo, Poncho teve ali a certeza de que não a perderia
nunca mais.

xxx

Anahí não estava acostumada a acordar nos braços de homem nenhum...


não mais. Ela estranhou a luminosidade do próprio quarto – ainda não tinha
se habituado ao novo ambiente – estranhou o braço pesado e masculino que
estava sobre o corpo dela, mas sobretudo se esqueceu por breves segundos
da noite anterior, achando, por instantes, que aquele era um dia qualquer. E
a julgar pela hora que seu relógio indicava, ela estava atrasada.

— Ah meu Deus – ela deu um pulo da cama, fazendo Poncho acordar


assustada e repentinamente – A Missy! A escola da Missy! Meu Deus...!

— Any... – Poncho disse num bocejo – Ela está na sua mãe.

— Quê? – Anahí franziu a testa recobrando as ideias aos poucos.

— Você esqueceu mesmo – ele riu negando com a cabeça – Missy dormiu
na sua mãe. Ela a levou pra escola e você apenas iria busca-la. Ao menos
foi o que você me disse.

Ela demorou alguns segundos para recobrar a lembrança. Bocejando,


Poncho ria. Aquilo era tão Anahí... não era incomum que ela esquecesse
tudo pela manhã por ainda estar zonza de sono. Ele apenas tinha
desacostumado.

Mas agora era hora de começar a reacostumar.

— Certo – ela disse minutos depois, voltando a se deitar na cama – Eu


ainda tenho algum tempo antes de ter que ir busca-la na escola.

— Tempo este que eu espero que você passe na cama comigo – Poncho
sorriu malicioso, puxando-a para perto dele. Anahí riu.

— Dormindo? – ela disse esperançosa, vendo Poncho rolar os olhos.

— Eu tinha pensado em outras coisas...


— Ainda estou dormindo, meus olhos estão abertos por pura propaganda
enganosa – Anahí voltou a rir – Eu vou contar pra Missy de nós dois.

Poncho sorriu. Ela nem parecia a mesma da noite anterior.

— Mudou de ideia?

— Eu acho justo que ela saiba – Anahí suspirou – E você tem razão. Se nós
fingirmos que não está acontecendo nada, vamos acabar fazendo com que
não aconteça. Nunca vai ser real desse jeito.

— Exatamente – Poncho concordou beijando-a na testa – Fico feliz que


concordemos nisso.

— Eu quero que isso dê certo – ela respondeu – Quando começa a sua


turnê?

— Amanhã eu estou indo pra Nova Jersey e em seguida pra Boston. Mas
volto pra cidade no dia seguinte até o 4 de julho. E é exatamente sobre isso
que eu queria falar com você.

— Falar comigo? – Anahí franziu a testa.

— Eu havia pensado em ir com as crianças pra Vermont – ele explicou –


Uma viagem a três, eu e meus dois filhos. Só que eu queria desde o início
que você fosse... claro que sabia que você não iria aceitar. Mas agora não há
porque dizer que não.

Anahí piscou surpresa com a proposta. Poncho não esperava um sim de


cara, não com Anahí insegura como era e a volta deles sendo tão recente,
aqueles planos serem antes mesmo deles conversarem com os próprios
filhos. De uma forma ou de outra ele já pensava em viajar com as crianças,
afinal era uma forma de aproximar os dois, de se consolidar como uma
figura de pai para Missy e, ao mesmo tempo, mostrar a Daniel que não se
tornaria ausente para ele. Só que a viagem só seria perfeita com Anahí.

Antes Poncho acreditava que ela negaria porque, afinal, os dois estavam
distantes, ele ainda aguardava sua resposta sobre os dois. Agora as coisas
estavam mais claras: Anahí tinha ido até ele, deixando claro que queria dar
uma chance aos dois. Mais do que nunca, valia a pena arriscar.

— É verdade – Anahí murmurou, fazendo a sobrancelha dele se erguer.


Aquilo era um sim ou um não?

— O que isso quer dizer?

— Que não tem porque eu dizer que não – ela deu um selinho nele,
revelando seu sorriso – Eu quero ir com vocês. Eu vou.

— Isso é realidade ou eu estou sonhando e ainda não acordei? – Poncho,


por sua vez, soltou um sorriso maior ainda, recebendo-a de novo em seus
braços.

— Eu acho que é bem real – Anahí falou provocante, rapidamente mudando


o tom da conversa ao alisar o braço nu dele – Na verdade, se você tiver
alguma dúvida eu ainda tenho algum tempo. Você pode me convencer pele
na pele que tudo isso é realidade agora.

— Eu acho que gosto dessa sua ideia – ele devolveu jogando-a na cama e
subindo por cima dela.

Eles queriam ter todo o tempo do mundo, mas não era exatamente assim.
Cerca de uma hora após aquela nova transa, na qual Poncho terminou se
perguntando onde a traumatizada Anahí que voltara para a vida dele quase
um ano atrás tinha ido parar ao dar lugar àquela mulher voraz e sedenta de
prazer, eles se despediram com ela vestida num hobby sexy e lhe dando um
selinho carinhoso de despedida, pois sabia que só o veria novamente em
uma semana, no próprio 4 de Julho, quando ele buscasse as duas para irem
novamente a Vermont.

Não parecia, mas já tinha se passado seis meses desde a viagem anterior.
Anahí se deu conta disso lembrando de quando, logo após o Natal, os dois
partiram para aquela viagem fria e solitária, na qual o rumo da vida sexual
dela mudou drasticamente, mais uma vez. Ela riu ao lembrar de como era
acanhada e temerosa, com medo de decepcionar Poncho, mais medo ainda
de se dar conta de que jamais voltaria a ser ela mesma. De alguma maneira
naquela viagem ele conseguiu caminhar para dentro da escuridão dela e
guia-la para fora. Anahí foi capaz de se entregar, aprendendo a começar a
deixar seus traumas de lado. Fora apenas o primeiro passo, mas agora ela já
considerava aquela missão como cumprida.

Dessa vez eles iriam para Vermont do jeito que ela gostava: quase no verão
e em família. Na vez anterior ela não imaginava a existência de Missy, não
tinha ideia que descobriria uma filha e que Poncho faria daquela menina
sua. Ela se questionava se Daniel aceitaria o fim da relação dos pais e a
descoberta de que seu pai amava outra mulher. Tudo o que ela pensou se
concretizou, pensando agora tudo tinha dado errado. Mas precisara dar
errado para dar certo. Agora Anahí vivia o momento tranquilo, no qual seus
pensamentos não eram mais pessimistas. Ela iria arrumar sua mala e a de
Missy planejando mentalmente ensinar a menina a nadar naquele lago... na
verdade, Poncho ensina-la, pois Anahí também não sabia.

Mas tudo bem. Ele estava lá para isso, assim como estivera no passado
quando a ajudou a boiar. Era apenas a primeira coisa que ensinaria à filha
deles, exatamente como aquela seria a primeira viagem que eles fariam
como uma família de verdade.

Anahí começou a arrumar as malas, mas logo desistiu e foi para o café. No
caminho de táxi, ao sentir a ficha caindo sobre todas as mudanças que sua
vida tinha enfrentado, tomou uma nova decisão: ela voltaria a dirigir. Nada
mais a impediria de voltar a ser a Anahí de antes, quem sabe, na verdade,
supera-la e ir além da mulher que já tinha sido. Naquele momento seus
pensamentos acabaram sendo interrompidos ao pegar o celular e ver que
tinha recebido várias e várias mensagens desde a tarde anterior, além de seu
Instagram estar lotado de respostas à foto que tinha postado com Poncho.
Mas, para a sua surpresa, não era o público dele que a assediava. Eram seus
amigos.

Mensagem de Maite.

Mensagem de Christian.

Mais uma mensagem de Maite.


Mensagem de Lexie.

Mensagem de Sophia.

Mais uma mensagem de Maite.

Mais uma mensagem de Christian.

Maite, Christian, Maite de novo comentando a foto dela. Lexie comentando,


até Jesse comentando... estava impossível, não havia outra palavra.

O que Anahí fez foi criar um grupo de whatsapp com as três amigas e com
Christian, é claro – que jamais poderia ficar de fora – e enviar uma única
mensagem em resposta, de forma clara e sucinta. De maneira que não
restasse qualquer dúvida.

"Nós passamos a noite juntos. E sim, nós estamos juntos. Só não


passaremos as próximas porque ele tem algumas cidades para ir em turnê,
mas viajaremos juntos. Estou indo contar para a minha mãe e para a
Missy. Câmbio desligo".

Uma vez notificados os interessados, Anahí guardou o celular, sentindo-o


vibrar logo em seguida. Certamente já tinham respondido a mensagem dela
e era mais certo ainda que aquele grupo, ao menos naqueles primeiros dias,
se tornaria o inferno na Terra. Mas isso era algo para outra hora.

Ela foi direto para o café. Karen merecia receber aquela notícia antes de
qualquer pessoa. Sua mãe estava, como de costume, atrás do balcão,
servindo café e rindo com uma cliente. O sorriso se manteve quando ela
notou a presença da filha. Ao entrar no café Anahí se deu conta que aquele
era mais um indiscutível avanço: agora o café não lhe dava mais arrepios.
Aquele lugar tinha deixado de ser o negócio construído pelo esforço de sua
mãe para se tornar aquele no qual ela conhecera Tobias, onde tudo havia
começado antes mesmo de começar.

Aquilo parecia um sinal, de que a vida estava voltando ao normal, tudo


estava voltando exatamente para o seu lugar: ela de volta com Poncho, ao
apartamento deles, ao My sister's place, se sentindo confortável em sua vida
novamente, sem temer o tempo inteiro. O universo lhe devolvia tudo com
juros e correções monetárias, pois sem dúvidas havia mais fatores positivos
do que dez anos antes.

Karen quase pulou quando ouviu da filha a boa notícia. Anahí bem que
tentou fazer a mãe se calar, mas tinha certeza de que ela não conteria a
euforia e que logo o resto da família saberia da novidade. O que lhe restava
era esperar pela ligação de seu avô, já que, por conhecer bem os Portilla-
Scott, ela sabia que Arthur era quem ficaria realmente radiante; Ellie, Keith
e Harry, por sua vez, deixariam para demonstrar a satisfação pessoalmente,
de forma discreta, algo que não se poderia esperar do patriarca da família.

Agora faltava contar à Missy. A menina veio bonitinha da escola, como


sempre, o cabelo preso num coque com um laço que a mãe tinha feito e a
mochila nas costas. Ela sorriu ao avistar Anahí de longe, acenando
animada. A reação de Anahí foi acenar de volta, com entusiasmo. Logo ela
se abaixou, recebeu a filha nos braços num abraço caloroso – algo que
acontecia todos os dias, mas não importava, ambas gostavam que fosse
assim e faziam questão – e logo elas estavam de mãos dadas caminhando
para pedir outro táxi, com Missy entrando nele falando sem parar sobre o
laboratório de ciências e um livro sobre dinossauros com nomes tão
diversos que Anahí se sentia como se tivesse estudado aquilo em outra vida.

— Aí a Srta. Stan vai nos levar no Museu de História Nacional pra ver os
dinossauros de verdade, não é o máximo? – os pequenos olhinhos de Missy
brilhavam – A autorização ta na minha mochila, você vai assinar né?

— É claro que sim – Anahí riu – Eu não sabia que você se interessava sobre
isso... Paleontologia...

— Paleontoquê?

— É a área da Ciência que estuda os fósseis e os dinossauros – Anahí


respondeu sorrindo – Acho que você pode ser cientista futuramente.

— Eu às vezes penso nisso – Missy franziu a testa.


— Sabe, falando no que andamos pensando, eu pensei bem em algo que
você me disse e decidi seguir a sua sugestão – Anahí ponderou e a filha a
encarou esperando pelo que viria – Sobre dirigir. Eu pensei bem e vou pedir
pro seu pai me ensinar.

— Que bom que você pensou – Missy a abraçou pela cintura – Só falta
agora pensar que é uma ótima ideia voltar a ser a namorada dele.

— Eu pensei nisso também – ela respondeu calmamente. Missy a encarou


firme, mais parecendo ter prendido a respiração – Ontem você ficou na casa
da vovó e do vovô porque eu iria me encontrar com o papai pra nós...
resolvermos as coisas. Então nós conversamos e... eu gosto dele, Missy. E
ele gosta de mim. Nós somos uma família, nós três...

— Nós quatro – a menina corrigiu a mãe – Tem o Dani.

— Nós quatro – Anahí confirmou satisfeita e orgulhosa – Enfim. Nós nos


acertamos, nós vamos ficar juntos.

— Namorando? – a menina questionou – Se beijando?

— Sim – Anahí confirmou, lembrando da transa no chuveiro na noite


anterior e na cama naquela manhã pensando que tudo ia muito além dos
beijos.

— O papai vai morar com a gente?

— Não agora – Anahí observou – Mas ele nos convidou pra viajar no
feriado com ele e com o Dani. É um lugar legal, uma cabana perto da
natureza, vocês vão gostar.

— Eba! Eu quero! Nós vamos! Falta muito? Posso levar meus brinquedos?

Missy reagia exatamente como Anahí esperava dela: sem toda a euforia do
mundo mas deixando estampado, em sua voz e em sua expressão, a alegria
imensa que sentia por seus pais estarem juntos novamente. Era mais do que
ela poderia querer. Foi a hora que Anahí se deu conta que não tinha sido
apenas a sua vida que tinha mudado, mas a de sua filha também. Missy nem
parecia mais aquela criança que vivia num lar abusivo e negligente. Ela
agora era saudável, feliz e amada, com uma mãe que fazia tudo por seu
sorriso e um pai que facilmente iria pelo mesmo caminho. A prova de que é
fácil se acostumar às coisas boas da vida. Difícil era viver sem elas.

Mas isso, felizmente, não seria mais o caso daquelas duas.

xxx

As mãos de Poncho suavam com a possibilidade de dizer a Daniel que ele e


Anahí estavam juntos novamente. Por mais que o filho já tivesse aceitado
aquela ideia, agora era diferente porque passara a ser real. Por isso naquela
tarde, ele fez mais do que questão de buscar o menino na escola, o levando
para sua sorveteria favorita. Quando Daniel tinha um enorme sorvete com
calda de chocolate e M&Ms, ele resolveu começar a falar.

— Tem algo que eu quero te contar – Poncho disse receoso, vendo o filho
olhar para ele e, depois, para o sorvete novamente.

— O quê? – ele perguntou sem muito interesse. Estava muito mais animado
com a sobremesa à sua frente.

— A tia Any e eu estamos juntos novamente – Poncho disse observando


cada detalhe da reação dele... mas, para a sua surpresa, a expressão de
Daniel não mudou muito – Você não está chateado?

— Não – Daniel finalmente esboçou algo: ele franziu a testa – Vocês


demoraram até.

A risada saiu como algo inevitável.

— Está tudo bem então? – Poncho perguntou querendo se certificar.

— Você já tinha dito que gostava dela papai – Daniel lembrou antes de
colocar a colher na boca, falando logo em seguida – Está tudo bem.

— Não fale de boca cheia – Poncho ralhou.


— Não to chateado – ele completou logo após engolir o sorvete – De
verdade.

— Eu gostaria de levar você, a Missy e ela pra Vermont no 4 de Julho –


Poncho propôs – Você quer ir...?

Foi o primeiro momento que Daniel pareceu ponderar. Obviamente a


insegurança de seu pai gritou dentro do corpo dele, embora o suspense não
tenha durado tanto assim. Logo em seguida veio a resposta.

— A Sam pode ir também?

Todo aquele medo para aquela resposta...?

— Sam vai ficar com os pais dela – Poncho disse prendendo o riso – Nós
podemos leva-la na próxima vez, quando formos de novo. Dessa vez eu
queria que fôssemos nós quatro... como uma família.

— Tudo bem – Daniel concordou de pronto – Vamos nós quatro então. A


Sam vai entender.

É claro que entenderia. Poncho sorriu, ficando mais feliz sobretudo pelo
fato de Daniel entender. Era o que realmente importava.

Parecia que um peso enorme saía dele, a última barreira era derrubada.
Agora mais parecia que ele tinha entrado dentro de uma imensa banheira
quente após a guerra. A última batalha havia terminado e ele voltava para
casa. Ele se sentia em casa.

— Mamãe ta namorando também – Daniel comentou – O nome dele é


Bradley, ele é pai do meu amigo Eric.

— Que legal filho – Poncho sorriu – Eu conheci o Bradley, ele é um cara


legal. Eu fico feliz por ver que a sua mãe está feliz, ela merece.

— Eu também acho – Daniel respondeu feliz – Eu achei que fosse ficar


triste quando ela namorasse, mas não... eu gostei.
— Sua mãe e eu nunca ficaríamos com pessoas que não gostassem de você
– Poncho respondeu – Mesmo que você tenha irmãos... você sempre será o
mais importante pra nós.

— Eu sou pra você? Junto com a Missy?

— Eu não divido o amor que tenho entre vocês – Poncho respondeu mais
convicto do que nunca – Ele se multiplica.

Não havia definição melhor.

Poncho e Daniel foram embora da sorveteria assim que o menino terminou


o próprio sorvete. Poncho o levou para casa, certo de que tinha que ir para o
apartamento de Erendira arrumar a própria mala. No dia seguinte ele iria
para Nova Jersey, a primeira parada da turnê do novo livro. Assim que o
filho chegou à própria casa ele já saiu contando à mãe as duas novidades,
assim que Diana abriu a porta: que ele tinha tomado sorvete mesmo sendo
dia de semana e que o pai e Anahí estavam namorando novamente. A
segunda não era exatamente uma surpresa.

— Então vocês se acertaram mesmo, não é? – Diana confirmou sorrindo –


Eu fico feliz Poncho. De verdade.

— Deu pra reparar – Poncho riu – Ela vai conosco para Vermont. Vamos os
quatro.

— Vai ser bom pra vocês – Diana comentou – Eu sabia que seria uma boa
ideia te dar uma folga de alguns dias no 4 de Julho. Você vai recarregar as
energias pra essa turnê.

— Eu vou precisar – ele disse virando as costas, pronto para ir embora –


Vai ser um mês longe dela, longe deles. Eu não quero nem pensar.

Ele não precisava pensar agora.

Ao chegar no apartamento de Erendira, Poncho estava prestes a digitar uma


mensagem enquanto subia as escadas... quando se surpreendeu com o fato
de Anahí acabar sendo mais rápida que ele.
"Missy adorou a novidade. Ou melhor dizendo, as novidades. Já está
pensando em quantos brinquedos cabem numa mala, embora eu tenha dito
que passaremos menos de três dias em Vermont."

Poncho riu, pensando na euforia de Missy ao receber aquelas duas


notícias... que os pais estavam juntos e que eles viajariam pela primeira vez
como uma família. Rapidamente digitou a resposta.

"Deixe-a ser feliz, ela pode levar o que quiser. Diga que o que não couber
dessa vez, pode ir na mala da próxima viagem. Serão muitas, tenha essa
certeza".

"Pare de estragar minha filha, Alfonso".

"Me deixe estragar a NOSSA filha, Anahí".

"Não, não te deixo estragar a NOSSA filha."

Ele sorriu ao ver a última mensagem, certo de que aquele pronome


possessivo no qual Anahí apenas se incluía era apenas falta de prática. As
coisas mudariam quando ele se estabelecesse na cidade após o fim da turnê,
a relação dos dois enfim se consolidasse... as coisas iriam mudar, pouco a
pouco e a favor dos dois, ele tinha certeza. Poncho enfim tinha esperanças.
Pela primeira vez em nove anos... esperanças...

xxx

No Brooklyn, na frente de um computador aberto, Sophia se via prestes a


tomar uma decisão que não teria volta. Ela sabia e sentia o peso daquilo, era
simplesmente inegável. Agora sabia que havia fraqueza em momentos de
coragem, e também coragem em momentos de fraqueza. Só não sabia
exatamente qual dos dois vivia naquele momento.

— Você tem certeza? – Jesse perguntou colocando a mão no ombro dela em


sinal de apoio. Por seu tom de voz, Sophia teve a certeza de que ele estava
apreensivo.

— Tenho – ela suspirou – Não é fácil, não vai ser... mas sim, eu tenho.
— Eu estarei do seu lado, você sabe disso – ele garantiu se ajoelhando ao
lado dela e a encarando – Mas eu tenho medo do que pode vir. Você está
grávida, eu não quero que isso prejudique vocês dois...

— Eu sei disso e eu vou me cuidar, vai ficar tudo bem – foi a vez dela
garantir.

Mas aquilo não era uma promessa que Sophia poderia fazer. Não havia nem
um por cento de chance daquilo ser real. Era apenas um desejo, uma
torcida, sem qualquer garantia além da expectativa dela. Jesse estava
inseguro, é lógico... as coisas demoraram a ficar bem, agora ela estava
estável novamente e a gravidez, embora tivesse passado da fase inicial,
aspirava os cuidados de sempre. Mas Sophia estava irredutível com aquela
ideia. Ela queria punir Chad e não poderia esperar.

Por isso o texto escrito ali tinha que deixar de ser um rascunho para se
tornar uma publicação. Do conhecimento geral, submetendo-a à todo tipo
de julgamento, empatia e atenção que poderia gerar. Mas não era algo do
qual ela poderia voltar atrás.

"Eu sou vocês. Eu sou como todas vocês.

Quantas de vocês acordaram numa cama sem lembrar do que aconteceu na


última noite? Quantas de vocês sentiram a dor da cabeça doendo pela
ressaca, a dor aguda no meio das pernas, a dor na consciência pelo que
tinha feito e não dava mais para mudar, a dor na alma por não se lembrar,
tudo ao mesmo tempo...?

Comigo aconteceu por causa dele, Chad Michael Murray.

Era uma noite de janeiro quando ele me levou num restaurante numa
suposta saída de amigos. quando eu voltei para a mesa a minha bebida
estava me esperando. Alguns goles e eu não lembro de mais nada. A
primeira lembrança estava naquela bebida na minha boca. A seguinte
estava em eu acordando confusa na cama dele, com ele me dizendo o
quanto tínhamos "feito amor" e que "tinha sido maravilhoso".
Veio tudo ao mesmo tempo, todas aquelas dores. A culpa era pior de todas.
Porque as dores físicas passaram depois... mas o sentimento de que eu
causara aquilo era maior e era duradouro, permanente. Não quis passar.
Às vezes teima.

Porque afinal de contas, eu fui beber com ele. Eu não ouvi meus amigos
falarem que ele queria mais que a minha amizade. Eu ignorei os conselhos,
os sentidos e dei a chance. Eu me coloquei naquela situação, bebendo a
bebida no copo, acordando na cama dele.

Mas foi ele quem colocou aquele "Boa noite Cinderela" no copo, não eu.
Foi ele quem me levou daquele bar para a sua casa. Ele disse que no dia
seguinte tinha sido consensual quando não foi. ELE ME ESTUPROU.

Eu gostaria de voltar no tempo e seguir aquele conselho da minha mãe de


que não devo beber nada que está na mesa e continua nela quando eu volto
para o banheiro. E gostaria de ter seguido o conselho da minha amiga
quando disse que eu deveria, naquela manhã que eu não gosto de lembrar
– mas ainda assim, que lembro todo maldito dia – ter feito o exame de
corpo de delito. Mas não posso voltar atrás, de forma que não tenho provas
materiais contra ele, provas que o coloquem num Tribunal para que um juiz
o sentencie pelo crime que cometeu. Pelo estupro que cometeu contra mim.

Mas tenho a minha palavra. Tenho a minha consciência. E conto com as


mulheres que foram caladas algum dia pelos julgamentos, pelas
circunstâncias. Chad Michael Murray me estuprou. Durante seis meses eu
tive vergonha disso. Abaixo desse texto segue uma foto das minhas
lágrimas, do meu rosto pesado pela ressaca e pela vergonha, tirada
naquela mesma manhã.

Talvez muitas não acreditem em mim e me julguem. Eu não as culpo, pois


eu própria me julguei. Mas a verdade é que, se isso servir para que ao
menos uma mulher não se cale como eu me calei, eu me darei por satisfeita.

Chad Michael Murray me estuprou. E eu não irei me calar dessa vez."

E com um clique no publicar, Sophia tomou a decisão mais ousada, forte e


irrevogável de sua vida. Não havia volta. Não havia chance para
arrependimentos.

Que viessem as consequências.

PEGA FOGOOOOO CABARÉ!!!

AyA super trabalhados no love... Família Herrera-Portilla se acertando e se


consolidando e o Dani aceitando, o que toooodas vocês pediram!
Satisfeitas?

E sobre esse final com a Sophia postando o texto... sei que vcs continuam
não levando fé nisso... mas eeeeeu seeeeei o que to fazendo! Agora que ta
chegando no final da fic vcs confiam em mim né? Hahahahahaha

Beijos,

Rafa
Capítulo 87 - Everything in its right place

O bombástico texto de Sophia poderia ser apenas mais um texto daqueles


que simplesmente desaparecem no Facebook e nunca se torna a grande
história da qual você e todas as mulheres do seu convívio ouviram falar.
Porque afinal de contas, para cada uma dessas histórias que simplesmente
viralizam, há outras diversas mulheres que não tiveram coragem de colocar
sua violência em palavras e clicar para publicar. Há tantas outras que não
tiveram tanto alcance assim.

Felizmente, Sophia não era nenhuma delas.

É claro que, por trás daquilo tudo, havia Joy. Assim que Anahí lhe disse que
o texto estava no ar, ela tratou de impulsiona-lo em grupos feministas e
pessoas que tinham um bom alcance. Logo os compartilhamentos
começaram a surgir. Os comentários, as curtidas, o alcance se tornou cada
vez maior. Num piscar de olhos a notícia tomou uma proporção enorme,
muito embora ela não tivesse nenhum grande diferencial. Era uma mulher
como tantas, estuprada como muitas, sem ter qualquer prova daquilo.
Apenas suas palavras.

Eis a diferença: a coragem.

Não demorou nada para que milhares de mensagens começassem a chegar


até Sophia. Muitas positivas, apoios, todo tipo de solidariedade e empatia,
mas com igual força as negativas, acusando-a de ser uma oportunista, de
querer estragar a vida daquele homem "inocente", de certamente estar
mentindo sobretudo por não ter nenhuma prova. Jesse, ao perceber o
impacto que aquela avalanche de respostas poderia ter sobre sua noiva,
poupou Sophia e privou seu contato de redes sociais. Afinal de contas, ela
estava grávida e deveria ser preservada, o máximo possível pelo menos.

Mas havia alguém que era capaz de furar o bloqueio. Alguém que tinha
meios de alcança-la de formas diferentes que um aplicativo.

O telefone do apartamento de Sophia e de Jesse não tinha identificador de


chamadas. Naquela manhã, Samantha estava brincando no chão da sala
enquanto Sophia assistia TV acariciando a barriga – Logan estava agitado
desde antes dela acordar. Quando o aparelho tocou, ela o pegou distraída,
sequer cogitando quem era. Ao falar o "alô", não poderia esperar ouvir uma
voz conhecida do outro lado da linha... voz essa que agora lhe dava
arrepios.

— Olha aqui sua vagabunda...

— Chad...? – ela murmurou. Samantha levantou a cabeça naquele mesmo


instante, saindo dali depressa à procura do pai.

— Quem você pensa que é pra publicar aquelas merdas a meu respeito...?
Sabia que eu posso te processar? Posso e vou! Se você não apagar aquilo
agora mesmo, eu acabo com você!

Por sorte Samantha tinha ouvido o nome de Chad a tempo... tempo


suficiente para procurar o pai pela casa e dizer que o encosto estava no
telefone com Sophia. A menina sequer fazia ideia do que tinha acontecido
entre os três, mas vira Sophia abalada e foi o bastante para que seu alerta
ficasse ligado e fosse até Jesse. Ele, que por outro lado, sabia exatamente
qual era a razão daquela ligação, caminhou a passos largos e, assim que
chegou na sala, viu uma Sophia branca como uma folha de papel,
evidentemente amedrontada pelo que quer que ouvira dele. Por isso Jesse
não perdeu tempo... ele foi até ela e, sem deixar que Sophia reagisse, tomou
o telefone de sua mão e, consequentemente, as rédeas da situação.

— Ligue pra ela mais uma vez e eu termino de acabar com você – Jesse
disparou, sem dar a chance de Chad sequer responder.

Afinal, o recado estava dado.

— Jesse... você não... – Sophia murmurou, mas ele a interrompeu.

— Shhh, eu estou aqui pra você, pra proteger vocês – ele a envolveu,
abraçando-a e acariciando sua barriga – Você foi forte por nós, agora eu
serei por você.
— Eu também sou forte por todo mundo – Samantha disse entrando no
abraço deles – Ninguém mexe com a minha mamãe.

Demorou até que Sophia se acalmasse, até que sua respiração voltasse ao
normal. Jesse se afastou um pouco, dando espaço a ela, o que Samantha
acabou fazendo também. Logo ela percebeu que aquilo era uma estratégia
para que a filha se distraísse e saísse de perto. Por isso, assim que Sophia se
levantou, indo até a cozinha para abrir a geladeira e pegar uma garrafa de
água, Jesse a abraçou por trás.

— Eu poderia ficar bravo pelo que aquela postagem está causando na sua
vida – ele sussurrou próximo ao ouvido dela, o mais baixo possível para
que a filha não ouvisse – Você está ilhada e aquele desgraçado ainda te liga.

— Eu sei que você está bravo – Sophia abaixou a cabeça, já se sentindo


culpada. Jesse tratou de cortar.

— Soph, eu disse que poderia estar, mas não estou – ele virou Sophia de
forma que ela a encarasse – Eu entendo os seus motivos. E eu te admiro.
Você é corajosa, é brava e eu estou orgulhoso.

— De verdade? – ela o encarou.

— Sim – Jesse suspirou – Embora eu tenha medo. Mas eu estou com você
Soph. Você é forte mas ao mesmo tempo é frágil. Me deixe proteger você,
me deixe estar por perto.

Seria uma longa jornada. Aquele era só o início.

É claro que a repercussão do caso de Sophia durou dias, evidentemente


duraria. Chegava num ponto que Anahí, na manhã do 4 de Julho, pronta
para ir para Vermont, estava com Missy no café da mãe ouvindo duas
mulheres na mesa ao lado falando exatamente daquilo, sem terem ideia que
aquele lugar era frequentado pela vítima do crime que comentavam. As
duas tinham opiniões diferentes e por isso discutiam com intensidade: a
primeira acreditava na versão de Sophia e defendia sua versão, a outra
reputava que não haviam provas e que tudo deveria ser visto "com cautela",
sendo Chad "inocente até que se provasse o contrário".
Para Anahí não estava sendo fácil ouvir tudo sem falar nada.

— Eu estou quase indo lá e dizendo umas verdades pra loira – ela revirou
os olhos, fazendo Karen rir.

— É normal que hajam essas reações – ela apontou para a filha – Por mais
que hajam milhões de provas apontando um estupro, sempre há aqueles que
insistem em colocar a culpa na vítima e isentar o estuprador.

— Isso é inacreditável – Anahí bufava cada vez mais – Eu ouço sempre o


que essas mulheres falam no My sister's place, o trauma estampado no
rosto, a dificuldade de falar... e há quem duvide.

— Assim como duvidaram de você – Karen lembrou – Mas a mudança vem


aos poucos. Eu te criei assim, pra pensar dessa forma, e hoje você tenta
mudar um pouco o mundo. Crie seus filhos da mesma forma.

— Retire esse plural, Dani não é meu filho – Anahí observou, embora
gostasse do menino como se ele assim fosse, não queria tomar o espaço de
Diana.

— Não estava falando dele, embora o considere de certa forma como um


neto – ela ressaltou – Eu estava falando dos que virão por aí.

— Mamãe... – Anahí já estreitava os olhos para ela, fazendo-a rir.

— O quê? – o ar de riso no rosto de Karen é inevitável – Você não acha que


eu vou acreditar que cedo ou tarde vocês não estarão casados e procriando,
não é? Francamente querida, a melhor expressão seria cedo ou cedo, porque
eu tenho certeza que não vai demorar nada.

— Eu tenho medo de estar indo rápido demais – Anahí confessou. Foi


quando ela recebeu da mãe o olhar mais firme possível, para ouvir
exatamente o que precisava.

— Você não pode viver eternamente com medo – Karen devolveu – Você
tinha medo de voltar a transar, tinha medo de nunca mais voltar a ser você
mesma, tinha medo dele não ser condenado. Tudo isso passou, tudo foi
voltando para o lugar. Chega de deixar de viver, butterfly. Apenas se
entregue à sua felicidade, você merece isso.

Era algo a se pensar.

Anahí até ficaria imersa naquelas reflexões se Poncho não tivesse chegado
para buscar as duas. Daniel entrou animado no café, ele e Missy se
encontraram, falaram algo um com o outro, era o primeiro contato que eles
tinham desde a notícia de que seus pais estavam juntos, dessa vez para
valer. Poncho veio em seguida, mirando a namorada no fundo, sendo
interceptado por Missy que o abraçou pela cintura, mas no fim acabou
caminhando até Anahí com um sorriso nos lábios de quem morria de
saudade após quase uma semana longe dela e não perdendo tempo antes de
lhe dar um beijo na boca para encerrar aquela maldita distância.

Ela não esperava, é claro que não. No fim Anahí o abraçou de volta,
sentindo seu calor, seu cheiro e abrindo um sorriso em seguida, tocando o
rosto dele sobre a barba, mas acabando por ver as crianças ao fundo com
caretas enormes no rosto. Não por rejeitarem o contato, o relacionamento
deles... apenas por parecerem achar nojento o beijo apaixonado que eles
tinham acabado de trocar.

Ou seja, o mundo ainda era um local seguro para que ela e Poncho
vivessem aquele amor interrompido.

— Eu estava com saudade – ele confidenciou.

— Eu também – Anahí riu – Tem dois ansiosinhos nos esperando.

— Eu sei disso, me deixe apenas falar com a minha sogrinha antes.

— Fiz aquele café que você gosta genrinho – Karen riu estendendo um
copo para ele. O sorriso de Poncho cresceu.

— Você é a melhor do mundo – ele constatou carinhoso, dando um beijo na


bochecha dela.
— Desde que você cuide bem da minha butterfly e de todas as crianças que
saírem dela, sempre será o meu favorito.

— Mamãe – Anahí arregalou os olhos repreendendo-a, mas Karen se fez de


desentendida. Parecia óbvio: agora ela queria outro neto e volta e meia
aquele assunto entraria em pauta.

Logo os quatro estavam entrando no carro e deixando o café e, em seguida,


Nova York para trás. Tanto Missy quanto Dani estavam sentados em suas
respectivas cadeirinhas no banco traseiro do carro do pai falando sem parar.
Poncho e Anahí mal conseguiam se comunicar, ele por vezes tocava na mão
ou na perna dela quando mudava a marcha, os dois se olhavam, mas era
difícil quando as crianças pareciam elétricas e extremamente comunicativas
logo atrás deles.

— E quando chegarmos, o que vamos fazer? – Daniel perguntou curioso,


gerando um olhar de preocupação entre Anahí e Poncho... já que o tipo de
diversão que as crianças estavam acostumadas não era exatamente o que
Vermont oferecia.

— É, o que tem pra fazer lá? – Missy entrou na pilha.

— Tem o lago pra vocês nadarem – Poncho começou a enumerar – Temos


uma trilha pra fazer. Jogos. Podemos ir ver os animais que têm por lá... e à
noite comer na fogueira...

— Só isso? – Missy franziu a testa levemente decepcionada.

— Não tem TV, wi-fi, videogame...? – Daniel fez uma careta imensa.

— Essas coisas vocês podem fazer em casa, lá é diferente – Anahí garantiu


– Vocês vão gostar, eu prometo.

As crianças não pareciam mais tão animadas depois daquela perspectiva, e


nem os dois adultos sabiam como anima-las... não quando eles tinham
passado uma semana em Vermont fazendo coisas que não estavam ao
alcance delas. Aquela semana após o Natal tinha sido íntima, uma fase de
redescoberta da vida quebrada de Anahí, onde ela recuperava seu lado
sexual, sua intimidade com Poncho. Não era algo que estivesse à disposição
de Daniel e Missy, cuja ideia de diversão incluía um aparato tecnológico
que simplesmente não existia em Vermont. Seria difícil distraí-los.

No meio do caminho os quatro fizeram uma parada para um lanche em um


McDonalds e as crianças se animaram um pouco. Quando voltaram ao
carro, acabaram dormindo. Só chegaram a Vermont no final da tarde. Só
havia natureza ali. Ao colocar os pés fora do carro Anahí respirou fundo,
tragando o cheiro de ar puro, de terra e do lago que dominava o ambiente,
olhando para a casa e o deck, tendo de volta as lembranças dos bons
momentos que ela e Poncho viveram ali. Agora era hora de ressignifica-los
com as duas outras pessoas que mais amavam no mundo.

De início as crianças se animaram. Poncho, como ainda estava no meio da


tarde, propôs que os quatro tomassem um banho no lago, e logo os dois
correram para dentro da casa, para o quarto no qual dormiriam naquelas
duas noites que passariam ali. Logo Anahí ajudou Missy a vestir um maiô
infantil e Dani surgiu correndo pela casa com uma pequena sunga e duas
boias. Menos de um minuto depois Poncho já tinha se jogado no lago e
estendia os braços para o filho que estava em pé no deck, encorajando-o a
pular. Ela e Missy foram se aproximando e logo Anahí viu que a menina
pareceu ficar mais acanhada, agarrando suas pernas. Ela conhecia sua filha
bem demais para saber que algo estava errado.

Enquanto Daniel finalmente tomou coragem e pulou no lago, fazendo


Poncho comemorar, ela viu que precisava se resolver com o que quer que
fosse que deixava Missy daquela forma.

— É que eu não sei nadar – a menina confessou num sussurro para a mãe –
Só eu vou ficar do lado de fora.

— Ei, é claro que não – Anahí se abaixou ficando na altura dela – Eu fico
com você. Eu também não sabia nadar, seu pai que me ensinou.

— Será que ele me ensina também...? – Missy perguntou ainda acanhada.


Anahí riu.
— Eu acho que ele vai fazer questão – Anahí respondeu segurando a mão
dela e, aos poucos, levando-a para mais perto do lago.

— Missy! Pula! A água ta gostosa! – Dani gritou. Rapidamente ele viu que
a irmã estava enroscada nas pernas da mãe e parecia envergonhada com
algo. Não foi o único a notar.

— O que houve? – Poncho perguntou franzindo a testa.

— Ela não sabe nadar – Anahí explicou.

— Mãe! – Missy a repreendeu – Não era pra contar!

— Você não precisa ter vergonha de não saber, ninguém nasce sabendo –
Anahí explicou tentando naturalizar a situação.

— O papai me ensinou Missy – Daniel explicou – Ensina ela também, pai!

— Vem com o papai – Poncho disse se aproximando do deck, onde a filha


ainda estava escondida por trás da mãe, estendendo os braços – Anda, vem,
eu te pego.

— Vá com o seu pai – Anahí incentivou – Ele não vai te deixar cair, eu
prometo.

Missy estava evidentemente insegura. Ela olhou do pai para a mãe e de


Anahí para Poncho novamente algumas vezes, tentando tomar coragem.
Mas logo viu que o pai dava um sorriso cheio de confiança, transparecendo
serenidade. Aos poucos ela saiu de seu esconderijo e foi se aproximando,
sentando devagar no deck e se deixando levar, embora ainda houvesse uma
boa dose de medo ali.

— Você não vai deixar que eu me afogue né? – ela perguntou para Poncho
deixando clara sua insegurança.

— É claro que não – Poncho chegou na frente dela, mais confiante do que
nunca – Eu estou aqui pra te proteger. Jamais te colocaria em perigo.
Logo Anahí viu a filha finalmente confiar e ir, assentindo e permitindo que
o pai a segurasse pelos braços e a levasse para a água. Ela sorriu ao ver
aquilo, em ver como Poncho aos poucos conquistava a confiança de Missy
e não atropelava as etapas, sem força-la, demonstrando que poderia
acreditar. Era a repetição da mesma cena que aconteceu seis meses antes
com ela. Ele tinha agido da mesma forma com mãe e filha. Só que agora
Anahí não tinha mais medo algum. Quem sabe, dali algum tempo Missy
estaria da mesma forma.

— Eu vou te ensinar a nadar... vou segurar suas mãos e você vai bater os
pezinhos como um cachorrinho... – Poncho explicou calmamente, vendo a
filha abrir uma expressão curiosa.

— Cachorros sabem nadar? – Missy franziu a testa curiosa.

— Os papais cachorros devem ensinar – Daniel rapidamente opinou – Que


nem o papai nos ensina.

— Por isso que a mamãe não sabia – Missy completou – Porque ela
conheceu o vovô quando já era adulta, ele não pôde ensinar.

— Mas o papai pode ensinar sua mãe a nadar também – Daniel ofereceu.
Do lado de fora, sentada no deck, Anahí sorriu pela forma carinhosa como o
enteado se referia a ela.

— Ele já me ensinou um pouco Dani – Anahí sorriu.

— Então vem nadar com a gente tia!

— É mamãe! – Missy engrossou o coro – Vem!

Então Anahí não resistiu. Sorrindo e se levantando, ela tomou distância e


correu em seguida, dando um pulo na água que fez uma pequena onda e
molhou os três. Missy e Daniel gritaram eufóricos, Poncho riu das reações
deles. Logo Anahí voltou à superfície se aproximando, rindo de Missy
dizendo que queria aprender a nadar também para poder pular como a mãe
e de Dani se gabando por já poder fazê-lo. Ela ficou feliz por conseguir,
com aquele pequeno gesto, encorajar a filha, ainda que pouco. Feliz
também por tudo estar indo bem, por eles realmente estarem parecendo uma
família e se sentirem bem à quatro. Sem videogame, sem internet, apenas
na companhia uns dos outros na simplicidade de sua filha.

Seis meses antes tudo o que Anahí quis foi o verão para que ela pudesse
pular no lago sem temer o gelo da água. Mesmo o frio não a impediu de
fazê-lo naquele momento. Agora o momento finalmente havia chegado... e
surpreendentemente era infinitamente melhor do que ela poderia imaginar.

xxx

Como eram duas crianças acostumadas com um tipo de agitação diferente


na cidade, Missy e Daniel rapidamente sentiram a bateria acabar rápido
conforme o dia foi terminando. À noite, eles ainda participaram da fogueira
com os pais, após tomarem banho e comerem, mas não resistiram muito
mais. Missy dormiu caída sobre a mãe, Daniel sobre o pai, antes mesmo dos
tradicionais fogos de 4 de Julho.

O resultado foi Anahí e Poncho os levando para o quarto onde duas camas
infantis os esperavam, Anahí levando a filha nos braços e Poncho com o
menino. Ele saiu por último, deixando o abajur aceso com uma meia-luz
para iluminar o ambiente que não era comum para as crianças e evitar que
qualquer um dos dois se assustasse caso acordasse de noite. Quando ele saiu
encontrou Anahí na sala abrindo uma garrafa de vinho com duas taças sobre
a mesa. Foi inevitável não sorrir.

— Já vi que você pensou em terminar essa noite da mesma maneira que


eu...

— Na verdade eu pensei em bebermos esse vinho no deck vendo os fogos –


Anahí riu – Aproveitar que o sono deles jogou a nosso favor.

— É, sua ideia é ainda melhor que a minha – ele sorriu.

O ambiente estava o mais silencioso possível. A cabana onde eles estavam


hospedados era das poucas do local e aquele não era dos lugares mais
habitados em feriados como aqueles. Apenas alguns moradores iam para lá
no 4 de Julho e a maioria ficava do outro lado do lago, uma área mais
urbana. Nem Anahí nem Poncho se incomodavam com isso, era exatamente
a tranquilidade o que os atraía ali. Mas era bom não ser tão deserto assim –
afinal, quem morava daquele outro lado era justamente quem se tornava
responsável por soltar os fogos e quebrar o clima de distância do resto do
mundo que aquela cabana causava neles.

Poncho pegou uma toalha de piquenique, forrou o deck, colocou a garrafa


de vinho e as taças e ele e Anahí sentaram e beberam. Duas taças depois, os
fogos começaram. Foi quando ele deitou de barriga para cima, afastando a
garrafa, e ela se aconchegou no peito dele, encostada em seu ombro,
perdendo a noção do tempo enquanto sentia os dedos dele tatearem sua
barriga. O clima estava perfeito, era um dia agradável, nem quente demais,
nem frio demais. Havia uma brisa por estarem na frente do lago, e o
silêncio absoluto do ambiente só era quebrado pelo vento batendo nas
folhas das árvores ao redor e pelo barulho suave daqueles fogos queimando
no céu.

— É perfeito – Anahí murmurou – Tudo isso. Os fogos... o deck, o lago...


nós dois aqui...

— É seu primeiro 4 de Julho nesse recomeço – Poncho lembrou sorrindo


olhando para ela – Tinha que ser mesmo perfeito.

— Você fez ser – ela constatou – Essa viagem, as crianças... tudo está sendo
incrível.

— Você costumava gostar desse feriado, dos fogos – ele mencionou – Essa
data me deixou triste por muito tempo. A amargura foi diminuindo com o
tempo, o Dani me distraía, mas... sempre rolava aquela pontada de tristeza.

— Agora nem pontada existe mais – Anahí riu, desistindo de vez de olhar
os fogos e se apoiando no próprio braço para encara-lo – O pesadelo acabou
amor. Nós estamos livres de novo e Deus queira que eu não esteja errada,
mas não acho que tudo vá acabar mal dessa vez.

— Eu quero crer que não – Poncho tirou uma mecha do olho dela – Não há
o que temer, nós não podemos viver esperando que tudo dê errado de novo.
Se fizermos isso vamos esquecer de viver, e isso seria um crime. Nós temos
filhos lindos, uma família maravilhosa e a sua vida ta se reconstruindo aos
poucos.

— É muito mais do que eu poderia pedir – ela constatou.

— É tudo o que você merece e ainda falta um pouco – ele completou.

Não havia mais clima para os fogos. Eles continuavam queimando no céu,
mas nenhum dos dois se importava mais. Logo Anahí, em seu primeiro 4 de
Julho fora do cativeiro, não olhava a beleza do céu a partir dali. Ela estava
mergulhada nos olhos verdes de Poncho. Sem perceber, acabou deitando
novamente no deck e sentindo o corpo dele subir sobre o seu, pesando sobre
ela. Sua mente imediatamente trabalhou e comparou com outro 4 de Julho
anos antes, onde ela ouvia os fogos lá fora enquanto sentia as próprias
lágrimas caírem ao ser novamente violada. Totalmente diferente dali, onde
havia respeito, havia amor, havia consentimento. As diferenças não
poderiam ser maiores.

Logo Anahí percebeu que, do jeito que Poncho subia sobre ela e rebolava
sobre seu corpo, fazendo-a sentir sua ereção, enquanto tomava sua boca
com aquela paixão que eles conheciam, que os dois acabariam transando ali
mesmo, naquele deck. Mas curiosamente as coisas acabaram saindo
diferentes do que ela pensava que seriam... mas não de um jeito ruim.

— Vem comigo – ele disse já se levantando e segurando-a para mão, antes


que ela pudesse reagir.

— É, realmente... transar aqui ao relento não seria das melhores ideias –


Anahí disse levantando e negando com a cabeça – As crianças poderiam
acordar, levantar e nos ver e...

— Nós não vamos pro quarto amor – Poncho disse negando com a cabeça
rindo, como se gozasse da conclusão dela. Logo a testa dela franziu.

— Então nós vamos...

— Realizar um desejo de uma garota de quinze anos que eu conheci há


muito tempo – Poncho completou, olhando-a apenas para ver a surpresa
tomar o rosto dela – Nós vamos pro capô.

E ela não conseguia acreditar...

— Poncho... – Anahí ficou escarlate – Não...!

— Por que não? – ele perguntou, desarmando-a.

— Qualquer pessoa pode ver... as crianças podem nos ver...

— Você não estava incomodada há dois minutos de transar no deck e ser


pega no flagra – Poncho observou, enquanto ela parava e cruzava os braços,
a dúvida pairando no ar – Não há mais ninguém aqui, as casas que ficam
por perto estão vazias, as crianças estão dormindo... não sei a Missy, mas o
Dani não costuma acordar à noite.

— Ela dorme fundo – Anahí murmurou, olhando para baixo totalmente


dividida. Poncho sabia ler os sinais, ver como ela estava balançada, e
jogaria com aquilo a seu favor – Poncho, é loucura...

— É fruto de um desejo antigo, eu peguei como obrigação realizar todos os


seus desejos.

— É uma lista boba.

— É uma lista incrível – ele finalizou antes de estender a mão para ela e
encara-la com seu olhar mais sedutor e convincente – Vem comigo riscar
mais um item.

Bem que ela queria conseguir resistir.

Anahí estava insegura, estava com medo. Em sua mente, qualquer um dos
filhos dele acordaria a qualquer momento. Ela pensava que tinha que ser
discreta, o mais silenciosa possível, mas não sabia como. Os dois
caminharam de mãos dadas até o carro dele, que ficava nos fundos da casa.
A cada passo ela pensava na distância que as crianças teriam que percorrer
caso acordassem, se daria tempo deles perceberem que estavam
acompanhados e parar antes de serem flagrados. No fim, não houve conta
que a convencesse... mas ao mesmo tempo, nada que a impedisse.
Quando finalmente chegaram no carro, Poncho tirou a camisa e a jogou
sobre o capô, em seguida pegando-a nos braços e colocando-a sobre aquilo.
Anahí bem que tentou ponderar algo mais mas ele foi mais rápido,
surpreendendo-a – terminou por beija-la antes que Anahí conseguisse
raciocinar. E conseguiu. Ela finalmente parou de pensar, de hesitar... e se
entregou.

Poncho puxava o vestido de Anahí – que era fino e cheio de estampas de


flores – para cima. Ela estava sem sutiã e vestia apenas uma calcinha de
renda por baixo. Alguns beijos e toques depois ele sentia a diferença nos
toques dela, em sua entrega. Não precisava toca-la para saber o quanto
Anahí estava excitada porque ela respondia. Não era nem sombra da mulher
que ele beijou quase um ano antes num quarto de hospital, totalmente
amedrontada, e definitivamente também deixara para trás a versão antiga da
garota que demorou a se deixar levar quando eles visitaram aquela mesma
cabana logo antes do Natal.

Afinal, a Anahí de antes não o pegaria pela cintura e desabotoaria sua


bermuda, tocando-o por cima da cueca e sentindo sua ereção. Poncho
sequer sabia como tinha conseguido pegar a camisinha no bolso antes dela
despi-lo e definitivamente foi difícil vesti-la com Anahí se esfregando nele,
roçando os seios nus em seu peito, raspando a calcinha rendada em seu
pênis. Ele terminou por puxar a calcinha para baixo e, já com a camisinha,
se debruçou sobre o capô puxando-a para mais perto, até se encaixar nela e
estar totalmente dentro, com as pernas de Anahí enroscadas em sua cintura.

Como ela tinha conseguido senti-lo entrando e não gritar era algo que
Anahí nunca conseguiria explicar. Ela mordeu os próprios lábios, depois
mordeu o ombro dele, e naquele meio tempo os dois estavam totalmente
encaixados e, como ela estava molhada, Poncho deslizava nos movimentos.
Era uma transa como outra qualquer deles, sem preliminares ele chegava a
se surpreender com o tanto que ela estava excitada. Talvez fosse uma
combinação dos diversos fatores: o lugar onde eles estavam, o 4 de Julho, a
chance de serem pegos – que era um medo que se tornava excitação, o fato
de estarem finalmente livres, e o capô do carro, que sempre foi o fetiche
sexual dela – mesmo que se tratasse de um fetiche adolescente.
— Nem ta arrependida mais né? – Poncho sussurrou no ouvido dela
enquanto a segurava pelo quadril e estocava para dentro dela – To te
sentindo toda excitadinha e molhadinha...

— Cala a boca e me fode logo – Anahí resmungou, ele riu. Era sinal de que
ela estava perto: Anahí sempre ficava impaciente.

— Você ta se comprimindo contra mim, isso é uma delícia – ele soltou uma
das mãos do quadril e pegou pelo cabelo dela, apertando-o, fazendo-a
gemer em resposta. Poncho pressionava tanto o corpo dela contra o carro
que provavelmente a deixava roxa.

— Você ta me deixando maluca Poncho – ela confessou num sussurro


sôfrego.

— Eu amo te foder assim, bem gostoso – Poncho admitiu puxando o cabelo


dela mais forte ainda. Anahí só sabia gemer mais – Goza pra mim, meu
amor...

— Eu... eu vou...

Não demorou segundos mais. Anahí ia ao céu e voltava, se tremia por


inteiro e ela abraçava Poncho enquanto sentia o corpo sacolejar pela
intensidade do próprio orgasmo. A linha do absurdo era intensa, era como
se ela fosse jogava para fora do próprio corpo e voltasse com velocidade em
menos de dez segundos. Naquele momento Poncho, que sempre priorizava
o prazer dela, parava os próprios movimentos e a deixava aproveitar cada
segundo. Só depois que percebia que ela já estava totalmente recuperada,
ele recomeçava... geralmente depois de um sinal de que poderia fazê-lo.

Afinal, o consentimento dela era realmente tudo entre eles.

— Sua vez – Anahí sussurrou no ouvido dele, lhe dando o aval que Poncho
esperava.

Entre esse aval e o orgasmo dele geralmente levava menos de um minuto...


afinal, ele geralmente já estava no limite desde que entrava dentro dela. Por
mais que Poncho tivesse se satisfeito com Diana por anos, nenhuma outra
era como Anahí. Ele não precisava tocar outras mulheres para saber disso,
já tinha exatamente o que queria com ela. Qualquer outra não seria capaz de
leva-lo ao delírio daquela forma. Ele não sabia dizer o que era, o que ela
tinha de diferente, mas era assim desde que ele era um garoto, tudo apenas
piorou na primeira vez que entrou dentro dela. E piorava a cada vez que
tudo se repetia, como naquele momento, onde, com as pernas de Anahí
enroscadas na sua, ela quente como o inferno, molhada pelo recém
orgasmo, ele segurando seus cabelos e seu quadril com a pele suada, em
cima do capô do carro dele, Poncho gozou com força.

Simplesmente inacreditável.

— Um desejo a menos – ele sussurrou assim que conseguiu se recuperar –


Pode riscar da sua lista e sem arrependimentos, eu espero.

— E eu consigo me arrepender de alguma vez que você me coma,


Poncho...? – Anahí respondeu com um olhar irônico. E ele teve que se
segurar para não gargalhar.

Ele a ajudou a se vestir, dando cada peça de roupa dela de volta, se


apaixonando ainda mais com ela se recompondo diante dos olhos dele.
Logo Poncho tratou de jogar a camisinha numa lixeira longe dali – e
consequentemente, longe dos olhos curiosos e cheios de perguntas dos
filhos – e, em seguida, terminou de se vestir e seguiu para o deck, para
pegar a garrafa, as taças e a toalha lá esquecidas. Anahí sumiu de sua vista,
pois, sem que ele percebesse, ela correu para a cabana até o quarto das
crianças, abrindo uma fresta na porta e confirmando que ambos dormiam
como se nada tivesse acontecido. Os fogos àquela altura já tinham acabado,
não iriam esperar por eles, mas os dois tampouco se importavam. Afinal, a
noite tinha terminado melhor que o esperado. Muito melhor.

Eles só se encontraram no quarto, depois que ela tinha tomado banho e ele,
recolhido toda a bagunça. Anahí estava na cama, se deitando com um
pijama confortável e nada sexy, fazendo-o sorrir. Eles eram tudo no mundo,
menos convencionais. Iam para o 4 de Julho numa cabana no meio do nada,
bebiam vinho no deck, deixavam os fogos para transarem no capô do carro,
e agora ela dormia nada sedutora. Mas não importava, porque no fim do dia
eles se encontravam na cama e terminavam enroscados na mesma cama.
Era o que valia.

— Ei? – Anahí o chamou. Poncho imediatamente olhou – Quando você


voltar da turnê... se mude. Venha ficar comigo.

— Você quer que eu vá morar com você...? – ele perguntou totalmente


surpreso. Definitivamente não esperava por aquilo.

— Ta na hora de voltar com tudo pro lugar de vez.

O sorriso de Poncho tomou seu rosto. E com ele estampado, ele seguiu para
o banheiro, quase flutuando de felicidade. Anahí, por outro lado, sozinha no
quarto, correu para a mala e pegou um pequeno caderno em branco e uma
caneta... o caderno que sempre a acompanhava. Não por ter algo para
escrever em si, mas sim porque havia uma velha lista que estava ali dentro.
Ela desdobrou o papel e o encarou, dando um "ok" no item sobre transar no
capô. Mas havia outro ali que não tinha sido checado antes. "Morar num
apartamento dos sonhos". O "ok" daquele item foi duplo... porque ela não
iria apenas para o apartamento dos sonhos. Ela iria com o homem dos
sonhos também.

Porque agora não eram mais sonhos... tudo parecia se tornar cada vez mais
real.

Vermont realmente fazia mágica.

Espero que vcs estejam curtindo essa boa maré entre AyA como eu curto
quando to escrevendo, depois de tanta tempestade, tanta incerteza... a era do
amor veio pra ficar!

E nesse cap temos o tão sonhado sexo no capô enfim riscado da lista, fora o
momento família dos quatro que o casalzinho do pop tanto sonhou em
viver! Muito amor simmmm.
Temos também mais um passinho da trama da Sophia que ainda parece
nebulosa. Mas já começa a clarear na próxima quinta!

Finalmente estou de férias pra poder me dedicar a escrever o fim da fic e


voltar a responder os comentários de vcs! Se preparem pra me aturar! Por
isso deixem suas estrelinhas aqui pra eu ver que vcs curtiram tanto quanto
imaginei que seria rs.

Beijos,

Rafa
Capítulo 88 - My heart come alive

Anahí e Poncho, acompanhados de Missy e Daniel, voltaram para Nova


York dois dias depois do feriado, logo pela manhã. O motivo era claro:
naquele mesmo dia, à noite, Poncho embarcaria para a primeira cidade da
turnê. Como percorreria o país inteiro, ele só voltaria um mês depois.
Tempo demais para quem tinha acabado de se reconciliar com a pessoa que
tanto sonhou estar.

Primeiro eles deixaram Daniel em casa, depois ele deixou Missy e ela. Se
despediu da filha, que estava manhosa naquela manhã, e depois da
namorada, com quem ficou sozinho na porta trocando um beijo que já
tentava amenizar a saudade que ele começou a sentir dela por antecipação.

— Seria abusar demais pedir pra você passar algum tempo com o Dani
enquanto eu estou fora...? – Poncho perguntou receoso – Assim ele passa
algum tempo com a Missy e vai se acostumando com você...

— É claro que não seria – Anahí riu – Vai ser um prazer. Eu espero que ele
comece a gostar de mim tanto quanto eu já gosto dele.

— Eu sei que vai – ele lhe deu um selinho – Deus, eu ainda nem fui e já to
louco de saudade.

— Posso ir trazendo as suas coisas do apartamento da Erendira antes de


você voltar? – Anahí perguntou como uma criança travessa – Eu preciso ter
o que fazer, vai ser um mês...

— É claro que sim, faça como quiser – Poncho sorriu – Ainda tem coisas
minhas na Diana, mas ela não vai criar problemas.

— Claro que não vai – Anahí sorriu de volta – Vamos aproveitar e beber
vinho enquanto queimamos suas meias horrorosas.

— Anahí...!

— Brincadeira...
Criança travessa em sua plenitude.

Aquele mês foi preenchido de formas que Anahí não esperava a princípio.
Ela começou a fazer a mudança de Poncho logo na primeira semana –
primeiro alocou as coisas que estavam no apartamento da cunhada, com a
ajuda da própria e depois as duas seguiram para a casa de Diana, que
terminou ajudando-as também. Era uma equipe que Anahí não imaginou
que iria compor, numa missão mais improvável ainda, mas elas terminaram
se divertindo e falando de Poncho e dos pais dele no final de um dia
cansativo, bebendo vinho como Anahí brincou que seria. Aquela cena foi
justamente no fim de semana que Poncho estava em Chicago e tinha
encontrado os pais, já que Evelyn e Robert, por óbvio, tinham feito questão
de ir ao lançamento do novo livro do filho. E com aquilo, Erendira tinha
novidades.

— Mamãe me ligou em êxtase ontem contando que Poncho e você estão


juntos, como se eu não soubesse... – Erendira contou à cunhada, que riu – Já
está planejando o casamento.

— Que horror, meu divórcio com ele acabou de sair – Diana negou rindo.

— Sem ofensas – Erendira levantou as mãos, mas Diana negou mais ainda,
indicando não estar incomodada. Pelo contrário.

— Não demos pra sua mãe o casamento dos sonhos que ela tanto quis
planejar, Anahí pode suprir essa falta – ela disparou. Anahí arregalou os
olhos.

— Eu nunca pensei num casamento tão grande quanto a Evelyn sempre


quis...

— Pois comece a pensar, porque se ela não fizer com você, vai querer fazer
comigo e aí eu estarei totalmente ferrada – Erendira apontou rindo.

Era basicamente isso.

— Diana, não tente enrolar – Erendira disse rindo para a ex-cunhada – Me


conte do Bradley.
— Quem te disse? – Diana ergueu a sobrancelha.

— Poncho, minha mãe, seu filho – ela cruzou os braços fingindo


indignação – Parece que todos sabem menos eu.

— Não há muito o que dizer – ela deu de ombros – Ele é divorciado e eu


também. Nós nos encaixamos.

Ela fez um breve silêncio que, surpreendentemente, antecedeu uma


revelação.

— O casamento dele teve um fim brusco, bem diferente do meu – Diana


contou – Não acabou bem. Ele ainda era apaixonado pela ex, talvez ainda
seja um pouco. É difícil se desvencilhar dessas coisas, guardar o sentimento
numa caixa como se fosse uma roupa que você não quer mais usar. Não dá
pra tirar dentro de si. E depois dela, Bradley tentou algo com algumas
mulheres solteiras, sem filhos, mas não dava certo porque elas não
entendiam. Acho que está dando certo entre nós justamente porque eu sei
como é se sentir assim, nós damos espaço um pro outro. Eu não cobro ser o
amor da vida dele, porque talvez ele nunca venha ser o da minha... mas se
nós começarmos a nos amar mesmo assim, eu acho que será bom.

E era tão complexo que, ao mesmo tempo, se tornava bonito.

Nas semanas que se seguiram Anahí acabou assumindo para si o papel que
Poncho tinha na vida de Daniel. Como Diana trabalhava e estava sozinha
cuidando do filho, visivelmente sobrecarregada com a Planet já que Erika
fora com Poncho para a turnê, era Anahí quem levava e buscava o menino
na escola. Durante os dias que eles passaram em Vermont Poncho a
relembrou como era dirigir, algo como andar de bicicleta, que nunca se
esquece totalmente. E durante aquele tempo, Anahí iniciou a burocracia
para renovar sua carteira. A vida caminhava exatamente para onde deveria
ser.

Dessa forma, a cada dois dias sua casa ficava uma confusão com as duas
crianças, em especial porque por vezes Samantha também estava lá. Anahí
também dedicou um bom tempo, após a mudança de Poncho estar
completa, ao My sister's place. Nos dias que sua casa não estava tomada de
crianças, ela deixava Missy com os pais ou os avós e passava horas dando
aconselhamentos jurídicos e pessoais para aquelas mulheres. Mas conforme
os dias e as semanas se passavam, ela sentia que faltava algo. Que queria
mais.

— Eu não sei Poncho – Anahí sussurrava deitada no sofá tarde da noite,


com o telefone no ouvido – Quando a Joy fez aquela oferta eu achei um
absurdo, porque eu nunca quis advogar, você sabe disso... mas agora...

— Amor, você nunca quis advogar aos vinte e três – Poncho lembrou –
Hoje você tem trinta e um. O tempo passou, a vida mudou, você mudou
junto.

— Eu sei – ela respondeu. Sentia tanta falta dele que chegava a doer. Anahí
sempre fora indecisa e era mais difícil ainda se definir sem Poncho por
perto.

— Pense com calma, não decida nada sem ter certeza – ele aconselhou – As
coisas sempre são assim com você... você ta indecisa, ta sem rumo, e de
repente um sinal aparece e você se decide. Espere pelo sinal.

Ela iria esperar.

— Eu to com saudade – Anahí confessou – Falta muito pra essas duas


semanas passarem...?

— Eu espero que não – Poncho admitiu – Não vejo a hora de voltar pra
casa, voltar pra você... pra nossa casa.

Enfim, casa deles.

Na terceira semana – e um pouco na que veio depois dela também – Anahí


arrumou algum tempo para se dedicar à Maite e Luna. A amiga ainda estava
de licença-maternidade, mas Mane já havia voltado a trabalhar e ela estava
simplesmente enlouquecendo com a maternidade. Por vezes Victoria, Jade e
Priscila apareciam, mas Maite não estava em seu melhor momento. Apenas
quando Christian e Anahí surgiam ali, por vezes com Sophia e Lexie, é que
ela conseguia se acalmar um pouco mais.
O que incomodava Maite é que seus dois melhores amigos se uniam para
beber na frente dela. Anahí agora nessa nova vida não dispensava uma boa
garrafa de vinho e Christian não ficava nada atrás. A morena xingava os
dois porque eles sempre abriam uma nova garrafa cada vez que a visitavam,
enquanto ela sequer tomava refrigerante em razão de estar amamentando
Luna. Naquela última vez em particular Maite ficou tão irritada que Mane
terminou quase expulsando os amigos do apartamento deles, e uma Anahí
meio embriagada voltou como pôde para casa, mandando uma mensagem
para a mãe dizendo que, para o bem de todos, era melhor que Missy
dormisse em sua casa naquela noite.

A manhã seguinte acabou reservando uma surpresa. Anahí não acordou


naturalmente, como gostavam ou com o despertador. Na verdade, seu
telefone tocava. E para sua infelicidade, não era Poncho dizendo que estava
voltando... até porque ainda faltava alguns dias. Era outra pessoa...

— Joy? – Anahí resmungou – São oito e meia da manhã.

— Sophia precisa de nós – Joy disparou, fazendo os olhos de Anahí se


abrirem com pressa – Levante, escove os dentes e venha nem que seja de
pijama. Vou te mandar o endereço.

Desde que saíra do escritório onde só havia sócios homens, Joy advogada
num escritório montado em seu enorme apartamento no Upper East Side.
Seu marido, James, por vezes achava graça do intenso movimento que
surgia no espaço que servia como casa deles. Aquela manhã era um bom
exemplo. Por sorte James estava vestido e pronto para ir trabalhar, quando
chegou à sala e viu Joy totalmente arrumada e maquiada, como se estivesse
seguindo para o Tribunal, cercado por diversas mulheres que ele nunca
tinha visto antes. Uma delas era Sophia Bush, que ele não conhecia – ainda
não.

Anahí foi a última a chegar. Ela estava saindo do elevador quando viu
James e Joy se despedindo. Curiosamente Joy apresentou o marido a ela, se
referindo à Anahí como sua futura sócia. James apenas riu, acostumado
com o jeito dela, cumprimentando-a com um aperto de mão e saindo em
seguida. Não houve sequer tempo para Anahí protestar, já que Joy a puxou
pela mão e a arrastou para a sala de casa, onde ela viu várias mulheres mas
apenas reconheceu Sophia. Que, pela expressão, parecia entender o que
ocorria ali tanto quanto ela, ou seja, nada.

— Pronto, agora podemos começar – Joy disse se sentando à poltrona de


antes – Desculpem senhoras, estava apenas esperando minha sócia chegar.

— Joy... – Anahí a repreendeu, mas a outra a ignorou.

— Senhoras, somos todo ouvidos – Joy disse encarando as quatro mulheres


que estavam ali.

— Desculpem, mas eu não estou entendendo o que exatamente está


acontecendo aqui... – Sophia tinha a testa franzida.

— Elas irão explicar – Joy disse ainda encarando as quatro desconhecidas –


Vocês podem falar a hora que quiserem. Estão em um terreno cem por cento
seguro e tudo o que for dito aqui está coberto pelo sigilo cliente-advogado.

— Certo – a mulher loira respirou fundo, provavelmente procurando


coragem – Sophia, meu nome é Paris. Eu procurei a Joy porque sabia que
ela estava envolvida no seu caso, passou na TV. E bem... Chad também me
estuprou. Da mesma forma que fez com você.

Uma revelação no mínimo surpreendente.

— Eu não sabia que era estupro até você escrever aquele texto – Paris
completou – A história era parecida demais, seria coincidência demais.
Quando eu li o que você colocou... tudo fez todo o sentido do mundo. Eu
cheguei a me sentir estúpida por não ter juntado as peças antes.

— Eu sabia que era estupro desde o início – uma moça morena ao lado de
Paris interrompeu falando – Mas eu tinha vergonha de dizer. Eu nunca disse
para ninguém... mas o seu texto me deu coragem e naquela noite eu liguei
pra minha mãe e pra minha melhor amiga chorando. Meu nome é Leah. Eu
nunca tinha conseguido ter a coragem de montar a frase, mas naquele dia...
eu peguei o telefone e disse "mãe, você se lembra do Chad? Ele me
estuprou".
— Nós fizemos faculdade juntas – Paris completou – Há outras duas
garotas que podem ter vivido a mesma coisa, elas também se envolveram
com ele. Estou tentando contato com elas.

— Meu investigador pode ajudar – Joy sugeriu.

— Ele era meu vizinho, os pais dele sempre moraram ao lado dos meus
pais... eu não achava que alguém iria acreditar em mim – Leah suspirou
longamente – Mas minha mãe... ela acreditou em mim. Ela não virou as
costas, me apoiou e disse que me ajudaria a denunciar. E isso foi graças a
você, Sophia.

Sophia estava completamente atônita. Sua cabeça estava zonza em meio a


todas aquelas informações. Aquelas duas mulheres tinham ido até ali por
causa dela. Logo no momento em que ela achava que aquele texto tinha
caído no esquecimento, que mais uma vez não daria em nada e Chad
novamente passaria impune... não que, naquele momento, ela pensava haver
alguma alternativa. E como logo percebeu, não era a única a pensar assim.

— Mas não há como denunciar – Paris observou – O que aconteceu comigo


foi há dez anos. Eu não tinha provas na época e continuo não tendo.

— Vocês têm algum diário? – Joy quebrou o silêncio, finalmente falando –


Alguma pessoa para quem vocês tenham dito na época? Uma foto...?

— Eu não tenho nada – Leah abaixou a cabeça – Eu nunca tive coragem


de...

— Alguém que tenha visto você sair com ele naquela noite? Que tenha
estranhado seu comportamento em seguida?

— Minhas amigas da época nos viram saindo juntos, minha mãe percebeu,
mas... é tudo tão circunstancial, isso não prova nada, não é?

— Não isoladamente – Anahí observou, começando a raciocinar. Parecia


absurdo, mas... – Dentro de um contexto, por outro lado...
E Joy sorriu. As coisas estavam se encaixando perfeitamente, melhor até do
que ela esperava.

— Eu contei a uma amiga – Paris respondeu – Ela dividia o alojamento


comigo, ela sabe de tudo, desde o primeiro dia, foi a única pessoa.

— Temos testemunhas – Joy comemorou – Senhoras, nós temos um caso.

— Eu ainda acho tudo circunstancial demais – a voz de Sophia saiu trêmula


– Quer dizer, nós não temos efetivamente nada contra ele e...

— Antes não tínhamos, agora temos três mulheres que contam versões
parecidas, temos possíveis testemunhas do que aconteceu naquela época na
vida de cada uma e provavelmente surgirão outras – Joy rebateu – Sophia,
antes não tínhamos nada. Agora nós temos muito, acredite.

— E vocês acham que isso pode dar em algo? – Leah perguntou – Vocês
acham que... que ele pode ser condenado?

— Eu acho – foi Anahí quem respondeu dessa vez – E nós podemos


investir nisso... procurar as outras mulheres... e podemos montar esse caso e
entrega-lo à polícia. Com vocês. Por vocês.

— Sim – Joy sorriu mais do que nunca – Nós podemos fazer isso.

Parecia que as dúvidas de Anahí tinha antes haviam desaparecido.


Exatamente como Poncho dissera, o sinal iria aparecer e ela iria se decidir.
Estava feito.

Tanto Anahí quanto Joy trocaram contatos com as duas moças, que fizeram
questão de conversar pessoalmente com Sophia, com mais privacidade e
cuidado, logo após aquela "reunião" terminar. Anahí, inclusive, fez questão
de convidar ambas a frequentarem o My sister's place. Por mais que
tivessem se passado anos da violência que elas sofreram, as cicatrizes
estavam ali e precisavam ser curadas.

Se as duas advogadas pareciam confiantes, não se poderia dizer o mesmo de


sua primeira cliente. Sophia estava insegura, nervosa, parecia não confiar.
Estava cética. Joy atribuía aquela insegurança ao fato de que ela ainda não
tinha indícios suficientes para realmente acreditar que aquele era o começo
do fim de Chad. Mas para ela, era uma questão de tempo.

— Acho que não preciso perguntar se posso contar com você nessa – Joy
encarou Anahí com os braços cruzados e ar de riso no rosto.

— Funcionará como um teste – Anahí ergueu ambas as mãos – Se der certo


e eu gostar...

— Considere feito, sócia – Joy apontou para ela confiante.

Anahí se sentia uma bagunça no meio daquela história. Estava cedo, ela
tinha dormido mal e estava de ressaca, estava uma porcaria. Logo foi até
Sophia, as duas conversaram um pouco, ela sentiu o quanto a amiga parecia
frágil no meio daquilo tudo. Sabia como ela se sentia e, para piorar, Sophia
ainda estava grávida. Ela provavelmente estava no meio de um furacao e,
cada vez que começava a se recuperar e se acostumar com a rotina, uma
novidade surgia. E estava longe de acabar. Ainda viria um longo processo
criminal, a vida dela seria novamente vasculhada e ainda havia aquele
medo, aquele pavor de tudo aquilo acontecer e Chad terminasse livre, como
tantos outros que saíam impunes...

Mas ela torcia para que a história de Sophia fosse diferente, ao menos em
seu final, como a dela tinha sido. Que Chad fosse condenado como Tobias
fora. E isso motivava Anahí a participar daquilo, a se envolver. O gás que
ela procurava há tempos. O sinal pelo qual ela esperou.

Foi Anahí quem deu uma carona para Sophia para casa. Ela resolveu se
recolher na própria casa o resto do dia, já que não tinha disposição para
fazer mais nada. Naquele dia ficou apenas com Missy, dizendo para a filha
que não se sentia bem e por isso elas iriam pedir comida. A menina não
reclamou nem um pouco. Terminaram o dia apenas as duas, com Anahí
deitada no sofá mesmo depois de uma aspirina, assistindo um filme
qualquer na TV. Foi a filha quem cutucou a mãe para dizer que ela tinha
dormido e que deveria ir para a própria cama.
Não havia problema. Certamente no dia seguinte Anahí acordaria se
sentindo melhor e tudo ficaria bem.

Só que não ficou.

Se é que era possível, Anahí estava pior... e daquela vez não havia ressaca.
Ela não sabia o que era exatamente, a única certeza é que algo estava
errado. Talvez estivesse doente. Ela se arrastou da cama, levou Missy para a
escola e depois foi para o café da mãe. Não tinha disposição para ir para o
My sister's place ou em qualquer outro lugar, por isso pensou em ir para o
Karen's Café exatamente por saber que ali teria o que precisava: uma boa
xícara de café, um croissant e o carinho de sua mãe.

Mas assim que Anahí se sentou no balcão e Karen colocou o expresso em


sua frente, ela viu que algo definitivamente estava errado.

— O que você botou nesse café hoje? – Anahí fez uma careta imensa,
sentindo o estômago embrulhar – Nossa, esse cheiro... ta me enjoando...

— Ta do mesmo jeito que você bebe e ama sempre – Karen disse franzindo
a testa sem entender – Eu vou servir a mesa seis, mas posso te fazer um
capuccino se quiser.

— Não precisa – Anahí levantou – Eu já volto.

Só a ideia do capuccino fazia todo o seu mundo rodar. A passos lentos


Anahí caminhou para o banheiro, sem permitir que Karen notasse o que ela
faria ali. Fechou a porta, trancou a mesma, abriu o vaso e despejou tudo o
que havia ali, sentando no chão em seguida. Não havia muito o que sair, ela
não tinha comido quase nada naquela manhã, apenas um iogurte. Anahí se
lembrava bem da última vez que havia se sentido assim. Tinha exatamente
nove anos e ocorrera exatamente um mês após se mudar para o mesmo
apartamento onde ela agora morava novamente.

Onde morava há cinco semanas, para ser mais exato.

— Não pode ser real isso... – ela disse sentindo o mix de emoções, sem
conseguir distinguir se estava feliz, chocada ou perplexa.
— Anahí? – Karen a chamou do lado de fora – Ta tudo bem?

— Sim – ela respondeu disfarçando – Eu só... não foi nada, já estou saindo.

Ela não poderia dar uma notícia daquelas sem ter certeza suficiente de que
era real. Por isso Anahí levantou do banheiro, lavou o rosto e molhou a
nuca, respirando fundo, para sair dali com a expressão mais normal
possível. Ela não queria dar pistas do que estava acontecendo, ou melhor,
do que poderia estar. Ao mesmo tempo, após lavar a boca, se deu conta que
precisava comer algo, já que estava mais do que nunca com o estômago
vazio... algo que não era bom caso aquela suspeita se confirmasse.

— Você está branca como uma folha de papel – Ellie observou olhando a
neta sair do banheiro com a pior cara possível – Se alimentou hoje?

— Não – Anahí admitiu, disfarçando – Deve ser pressão baixa. Mas vou
dispensar o café.

— Farei um suco de laranja para você – ela disse sorrindo para a neta – E
você vai comer, viu mocinha? Trinta e um anos, já é mãe, não preciso te
ensinar a cuidar de si própria, não é?

Não... ainda mais quando poderia ter mais alguém com ela, justo naquele
momento.

Assim que estava alimentada e que o café da manhã – felizmente – parou


em seu estômago, Anahí tratou de ir embora dali. Ela não queria pensar em
mais nada, apenas parou na primeira farmácia que viu pela frente, comprou
um teste de gravidez e seguiu para casa o mais rápido que conseguiu. A
cada passo seu nervosismo aumentava, a batida no coração se tornava mais
intensa, enquanto lutava para evitar os pensamentos se formando, as cenas
mentais daquela família que parecia maior.

Afinal, Anahí não queria se iludir. Ela sequer conseguia se concentrar o


suficiente para fazer as contas e constatar de vez se sua menstruação estava
atrasada ou não, de forma que não valia a pena nutrir a esperança de um
bebê que poderia não estar ali. Mas sua mente lhe traía, à medida que
produzia momentos que não existiam: Missy e Dani sendo os irmãos mais
velhos de um bebê que discutiriam se parecia mais com ele ou com ela, com
o pai ou com a mãe. Poncho lhe dando a mão e ajudando-a num parto
difícil, mas nada traumático como fora o primeiro. Ele lhe ensinando a criar
aquela criança, já que já sabia... e ao mesmo tempo aprendendo com os
novos detalhes daquela nova experiência. Eles se tornando cinco... e tendo
de volta aquilo que a vida, de forma tão cruel, havia lhes tirado.

Com todas aquelas cenas mentais, Anahí se deu conta que, se não estivesse
grávida, ela acabaria planejando um filho para o mais rápido possível,
porque tudo aquilo era bom demais para não ser vivido.

Mas ela chegou em casa, sentou-se no vaso do banheiro, fez xixi sobre
aquele palitinho e, menos de trinta segundos depois, haviam dois risquinhos
bem nítidos ali...

— Oh Deus...

Tudo estava misturado, ela se deu conta quando as lágrimas caíam em seu
rosto. Era a terceira vez que ela descobria uma gestação, sem dúvida bem
diferente das duas anteriores. Imediatamente Anahí se lembrou da primeira,
quando ela primeiro sentiu medo e depois foi tomada pela euforia e
tranquilidade, ao mesmo tempo, por se dar conta que, fora do eixo e dos
planos, Poncho e ela seriam pais. A segunda foi tomada totalmente pelo
pânico, por não saber o que aconteceria, por não ser nem de longe a
gravidez que ela queria com a pessoa com quem ela queria, mas que oito
anos depois, mesmo esquecido, se converteu na melhor parte da vida dela.

E ali estava ela, nove anos depois, na terceira vez. Com a mão no ventre,
incrédula... tão diferente e tão parecido...

E com a cabeça encostada na parede, naquele momento de revelação, Anahí


encarou o box de seu banheiro. O chuveiro... o local da primeira vez e,
surpreendentemente, da segunda, ambas não planejadas. Ela riu ao se dar
conta que, como ainda estava fora do anticoncepcional, todas as transas
com Poncho desde que eles voltaram foram com camisinha... todas, exceto
a do chuveiro. Do dia do lançamento do livro dele, quando eles se
reconciliaram. Não havia sido planejada, por isso eles não se protegeram.
Exatamente como no passado.
Parecia mesmo que a vida estava lhe devolvendo tudo o que lhe fora
injustamente roubado.

Só que de repente a surpresa se converteu no primeiro sentimento real: o


medo. De novo. Anahí era insegura, é claro que era, mas daquela vez era
real e palpável. Na primeira gravidez ela deixara de contar para Poncho
para fazer uma surpresa. A chance tinha sido perdida para sempre, pois
aquele momento nunca veio: ela foi sequestrada e abortou no cativeiro. Por
isso dessa vez ela foi tomada por um nervosismo real ao se dar conta que
ele não estava ali novamente e que ela teria que esperar para contar a
notícia.

O problema era a pergunta que não queria calar em sua mente: e se desse
tudo errado mais uma vez? E se ela não tivesse a chance de contar? E se...?

Mas ao invés de se deixar levar por aquele pânico infundado, Anahí decidiu
fazer algo: ela foi para o quarto trocar de roupa e sair novamente. Ela tinha
que dividir aquela notícia com alguém. E sabia exatamente com quem.

Mas quando ela tirou a blusa e se encarou no espelho pela primeira vez
desde a mais nova descoberta que definiria o resto de sua vida, foi
inevitável não sorrir. Mesmo não havendo nem um mísero sinal físico de
que havia um bebê ali, ela se virou no espelho, encarando o reflexo. E como
num ato reflexo, colocou a mão na barriga, num primeiro ato carinhoso.

— Ei bebê – ela disse carinhosa, deixando de se olhar e sentando na cama,


com toda a atenção voltada para a barriga – Aqui é a sua mamãe. Você já
deve conhecer a minha voz, porque às vezes eu falo sem parar. Mas você
vai se acostumar aos poucos, eu prometo. Embora você não esteja ouvindo
a voz dele ultimamente, você também tem um pai. Eu não ouvi a voz do
meu por tempo demais e acabei entendendo tudo errado, por isso acho bom
te explicar. Seu pai já te ama mais que o infinito mesmo sem nem saber que
você existe, mas isso você vai ter certeza quando vocês se conhecerem.
Quando sentir uma mão bem quentinha e amável te fazendo carinho, você
vai saber que é ele. E quando ouvir duas vozes barulhentas e ansiosas, são
seus irmãos. Você vai amar estar com eles. Eu... não pude estar com a sua
irmã depois que ela saiu daqui, mas com nós dois vai ser diferente. Eu não
estarei longe nem por um minuto, te prometo.
Inevitavelmente os olhos dela estavam cheios de lágrimas. Parecia estúpido
conversar com o nada, mas Anahí sabia que aquela criança a ouvia. E
aquilo fazia toda a diferença do mundo.

— E agora... – ela suspirou e soltando uma risada – Agora nós vamos


conhecer as duas pessoas mais doidas que você vai ter por perto.

Christian ficou nervoso quando recebeu uma mensagem de Anahí dizendo


que ele deveria encontra-la na casa de Maite. Imediatamente ele pensou que
algo tinha acontecido e se manteve apreensivo até que ela chegasse. A
morena não estava muito diferente, embora não tão pessimista, apenas
ansiosa. Christian estava com Luna dormindo em seus braços quando a
campainha tocou. Ele sequer precisou levantar ou ter qualquer reação,
Maite deu um pulo do sofá e, assim que viu a melhor amiga do outro lado
da porta, não perdeu tempo em resmungar.

— Não sei se você sabe Anahí, mas isso não se faz – Maite disparou
enquanto uma calada Anahí entrava no apartamento sem demonstrar
qualquer reação – Eu sou uma lactante de resguardo, o que significa sem
sexo, sem bebida e comendo verduras...!

— Nem preciso dizer nada porque a Maite fala por mim – Christian
acrescentou – Que diabos aconteceu Anahí? Nós ficamos nervosos...

— Um dia eu farei isso com você – Maite ameaçou – E eu quero ver...! Eu


vou te mandar uma mensagem dizendo que "quero falar com você" e
entrarei no shopping em seguida, passarei horas lá, sem celular, apenas pra
te corroer de curiosidade.

Mas mesmo diante daquela chuva de reclamações Anahí não disse nada.
Ela estava nervosa, só que menos se comparado com a forma que estava ao
ver o resultado do teste. Por isso, apenas se sentou e esperou pelos dois
finalmente se acalmarem para, enfim, dizer algo. E as duas expressões de
curiosidade, como se perguntassem com os olhos por que ela não estava
contando o que quer que fosse, eram maiores do que nunca.

— Eu não quis deixar vocês curiosos – ela se limitou a explicar – Mas se eu


não deixasse, não estariam juntos aqui e eu precisava falar com os dois.
— Ta esperando o que pra falar então? – Christian cobrou – Já estamos
aqui!

— Anahí, você não se separou do Poncho pela milhonésima vez não né? –
Maite revirou os olhos – Porque se tiv...

— Eu estou grávida.

O tipo de frase impactante capaz de causar o maior silêncio do mundo.

— Isso é sério? – uma Maite atônita se limitou a perguntar. Ela piscava sem
parar.

— Ela não estaria chorando se não fosse sério – Christian murmurou – Any,
você está feliz não é? Me diga que você enxerga isso como a coisa
maravilhosa que é...!

— Claro que enxergo – Anahí riu negando com a cabeça. Maite e Christian
eram as únicas pessoas da face da Terra que a fariam rir num momento
daqueles – É que eu to... em choque, feliz e desesperada, tudo ao mesmo
tempo. Ah, e com saudade do Poncho.

— E eu to em choque e feliz e com vontade de te amassar nesse momento –


Maite disse se sentando ao lado dela e abraçando a amiga, vendo as
lágrimas correrem soltas por seu rosto.

— E eu vou botar o pacotinho da Maite no carrinho pra poder abraçar você


e o seu pacotinho – Christian disse se apressando em fazer exatamente o
que disse que faria, logo em seguida abraçando as duas amigas e fazendo as
lágrimas de Anahí caírem com mais intensidade.

— Por que você ta chorando...? – a morena perguntou com a delicadeza que


o momento exigia – Ta pensando no bebê que você perdeu?

— Também – Anahí admitiu – To pensando que, naquela vez, eu guardei


tudo pra mim e deu tudo errado. E agora o Poncho não ta aqui, esse não é o
tipo de notícia que se dá por telefone, então eu tenho que espera-lo
morrendo de medo pra não dar tudo errado de novo...
— Não vai dar – Christian garantiu. Sua voz nunca esteve tão convicta –
Raios não caem duas vezes no mesmo lugar. Dessa vez vai ser diferente,
você vai até o final e vai ser uma mamãe maravilhosa como já é pra Missy.

— Christian tem razão – Maite disse enxugando as lágrimas dela – A vida


nos dá o que merece, e você já teve o seu fardo. O que virá daqui pra frente
é bom, já vem sendo e agora vai ser mais ainda.

— E nós vamos ser os tios mais babões do mundo... não adianta


competirem, ninguém vai nos ganhar – Christian garantiu já acariciando a
barriga dela, algo que Maite também fez logo em seguida. E Anahí
completou colocando suas mãos sobre as deles, como um elo.

E de repente, vendo aquela cena de seus dois melhores amigos firmes, lhe
apoiando, no momento mais especial e inesperado de sua vida, ela
conseguiu sentir a paz que tanto procurava. Sentir que aquilo era real,
embora não totalmente. Porque só seria completo quando contasse a
Poncho. Quando pudesse finalmente compartilhar a grande notícia de sua
vida com a única pessoa com quem queria dividi-la.

Se alguém duvidou que estamos na fase do amor, esse cap veio pra
convencer de vez! Temos aqui o casalzinho do pop cheios de saudade, o
começo do fim do Chad (tão vendo o fim do túnel agora?) e por fim uma
ANAHÍ GRAVIDINHAAAAA!

Ou seja, tudo o que Tobias tirou, Rafa ta devolvendo, passo a passo, e a


vida da nossa protagonista maravi entrando nos eixos

Claro que os primeiros a saberem tinham que ser os bffs né? Da mesma
maneira que a Maite fez questão de contar pra Anahi que tava grávida da
Luna, agora a amiga faz o mesmo e inclui o Christian, que é tão especial
quanto.

E as apostas: menino ou menina?

Me contem tudo e deixem suas estrelinhas!


Beijos,

Rafa
Capítulo 89 - Someone wants to talk to you

Como nada na vida era por acaso, Anahí se deparou, na semana do retorno
de Poncho à Nova York, que ele voltaria para casa justamente quando
estava prestes a fazer aniversário.

Só que aquele seria o primeiro aniversário de Poncho que a data não seria
celebrada exclusivamente por ele. Afinal de contas, ele não era mais a única
pessoa que tinha nascido naquele dia.

— Evelyn me ligou – Karen disse para a filha observando Anahí enquanto


ela devorava um muffin de chocolate à sua frente – Poncho volta à cidade
essa semana...

— Sim, eu sei – Anahí respondeu ainda concentrada no que comia.

— Ela queria fazer uma comemoração pelo aniversário dele, e eu


mencionei que Missy e ele fazem aniversário no mesmo dia... – Karen
continuou, àquela altura a filha já sabia onde ela queria chegar.

— Uma comemoração dupla? – Anahí ergueu as sobrancelhas.

— Sim, com uma festa no jardim dos seus avós – Karen propôs – Já falei
com os dois e bem, seu avô ficaria ofendido se não fizéssemos lá.

— Eu acho que eu seria um voto totalmente vencido caso não aceitasse né?
– ela fez uma careta com ar de riso – Tenho certeza que pai e filha vão
achar isso o máximo.

— Eu também tenho – ela sorriu radiante – Então posso confirmar com a


sua sogra...? Ela está esperando apenas isso pra comprar as passagens e vir
com o Robert pra Nova York.
— Ninguém consegue impedir Evelyn e você juntas mãe – Anahí sorriu –
Pode ir em frente. Eu sei que vai ser perfeito e que os dois aniversariantes
irão amar.

No fim, viria a calhar. Depois de colocar o segredo de sua gravidez para


fora ao contar para Maite e Christian, Anahí saiu daquela zona de
desespero, deixando de nutrir a paranoia de antes de que algo aconteceria
antes de Poncho voltar e o sonho seria interrompido mais uma vez.
Respirando fundo, ela se deu conta que seus dois melhores amigos tinham
razão: ela estava bem, Tobias estava preso, não havia qualquer razão
racional para temer daquele jeito.

É claro que curtir ainda não estava nos planos de Anahí. Ela se sentia
estranha já que ainda não tinha anunciado aquela novidade para todos ao
seu redor. Naquela semana em especial ela esteve com várias pessoas que
considerava realmente especiais e totalmente confiáveis – Sophia, Lexie,
Marina, seus pais e seus avós, além de Missy, é claro – e mesmo assim
sentia que deveria guardar aquilo por algum tempo. Ao menos até Poncho
voltar e a notícia finalmente ser dividida com quem ela realmente queria.

E no fim, Anahí acabou achando aquela ideia de festa totalmente positiva.


Já conseguia ver mentalmente a cena de toda a família reunida, os amigos
queridos ao redor deles, ela dando a notícia para Poncho, a alegria que ele
certamente sentiria... após, eles falariam para o restante de seu mundo, os
próprios pais, os avós e Missy e Daniel, é claro. A primeira vez que ela
comemoraria o aniversário dele desde tempos imemoriais e a primeira vez
que eles comemorariam juntos o aniversário de Missy, tudo isso com um
presente incrível para ambos, o melhor presente possível.

Seria incrível.

Aquela perspectiva fez Anahí se animar e dar o aval para a festa. Ela sequer
teve tempo de se envolver, às voltas com o caso de Sophia, com o My
sister's place e os cuidados da filha e do enteado que lhe sugavam um tanto
de tempo. Para completar, a própria Sophia estava a semanas de se casar
com Jesse e isso fazia com que Anahí acabasse, enquanto dama de honra,
dedicando tempo demais aos detalhes daquela outra festa. Mas não havia
problema, porque Evelyn e Karen estavam, com a ajuda de Ellie, cuidando
de tudo. Nem que Anahí quisesse ela conseguiria cuidar de algum detalhe.

Duas noites antes da festa, ela estava às voltas em sua casa fazendo pipoca e
bolo de chocolate para três crianças afoitas que faziam ali uma festa do
pijama. Daniel tinha pedido à madrasta para dormir ali e acabou levando
Samantha à tiracolo, Anahí foi incapaz de dizer que não. No fim os três
estavam jogando videogame juntos na sala aos gritos e ela, sozinha na
cozinha, mal soube como conseguiu ouvir o celular apitando pelas
mensagens que chegavam. Estava tirando o bolo que fazia para os três do
forno quando ouviu o aparelho vibrar. Na mesma hora ela olhou, como se
soubesse, quem sabe sentisse, quem estava falando com ela. A surpresa não
poderia ser melhor.

"Voltando da última tarde de autógrafos em Houston. Exausto, mas


realizado. Apenas uma noite de sono e algumas horas de voo me separam
de você, meu amor. Preciso dizer que to morrendo de saudade?"

Era impossível não sorrir vendo uma mensagem daquelas, não é mesmo?
Anahí na mesma hora se recostou na parede sentindo parte do corpo
desmanchar. Não, ele não precisava dizer o quanto sentia a falta dela... era
provavelmente no mesmo nível que ela sentia dele, era recíproco. Dando
uma espiada na sala e se certificando que as crianças não a olhavam, Anahí
levou a mão à barriga quase que instintivamente.

— Desculpe a acelerada no coração, bebê – Anahí falou mordendo os lábios


– É que o seu pai sabe mexer com todos os meus sentidos.

Logo em seguida, antes que fosse descoberta, Anahí tratou de responder a


mensagem.

"Não, não precisa dizer. Eu me sinto da mesma forma. Os três pestinhas


estão aqui em casa hoje, mas amanhã eu vou te buscar no aeroporto. Mal
posso esperar".

Horas depois as três crianças estavam deitadas na cama king size do quarto
dela. Dormiriam os quatro ali, surpreendentemente havia aquele espaço
todo. Samantha, é claro, tinha sido a primeira a pegar no sono. Daniel
estava bambeando ainda; Missy, por sua vez, parecia mais acordada do que
nunca, o que acabou sendo propício.

— Ei bebê? – Anahí acariciou o cabelo dela, chamando sua atenção – O que


você acha de uma festa de aniversário no jardim da vovó Ellie?

— Uma festa pra mim? De verdade...? – Missy arregalou os olhos – Eu


nunca tive uma festa mamãe.

— Melhor ainda – ela sorriu com doçura. Era bom demais propiciar aquelas
pequenas alegrias e experiências mágicas para a filha que, tal como ela,
tinha sido privada de tantas...

— Meu pai faz aniversário essa semana também – Daniel comentou


bocejando – Podemos fazer a festa pra ele também?

— Claro que sim – Anahí sorriu – A festa é dupla, pra eles dois.

— Legal – Dani sorriu encostando a cabeça no travesseiro.

— E além disso – Anahí divagou – Acho que ele vai ganhar um presente
incrível esse ano.

— Tomara que seja um videogame – Daniel torceu – Assim nós jogamos


junto com ele.

Não era um videogame, mas ao menos do ponto de vista de Poncho, era


algo muito melhor...

A manhã seguinte foi uma verdadeira loucura. Anahí deixaria as três


crianças sob os cuidados de Sophia – já que todos estavam de férias – e
seguiria para o aeroporto para buscar Poncho. Nenhum deles estava
exatamente satisfeito, os três queriam acompanha-la, Daniel e Missy não
paravam de dizer que estavam morrendo de saudade do pai, mas Anahí
negou e disse que os buscaria tão logo estivesse com Poncho. Aquela cena
já serviu para lhe dar uma ideia de como a vida seria dali para frente, pois,
embora Samantha não fosse passar tempo com eles, haveria um bebê que
dependeria de seus cuidados e atenções dali alguns meses.
Os três acabaram aceitando ficar sob os cuidados de Sophia no fim. Depois
de deixa-los, Anahí seguiu direto para o aeroporto, dirigindo. Era mais uma
surpresa que faria a Poncho. Pensando bem, ela sequer sabia por onde
começar, o que começaria dizendo. Já fazia quase um mês desde a última
vez que os dois tinham se visto, longas semanas... o que teria mudado? No
caso, para Poncho, porque para Anahí... só ela sabia o quanto...

Quando Anahí chegou ao JFK o voo de Poncho tinha acabado de aterrissar,


segundo o painel eletrônico. As mãos dela suavam mais do que o esperado,
o nervosismo batia forte. Eles tinham passado semanas separados, longas
semanas. A agonia que Anahí sentiu desde que descobriu a gravidez a
consumiu por completo. Ela poderia passar meses distante de Poncho – por
mais difícil que pudesse parecer – mas a ideia de passar dias com aquele
segredo para si era terrível.

Felizmente tinha chegado ao fim.

Então os olhos azuis ansiosos de Anahí ficaram apenas olhando para o


portão de desembarque, com o coração agoniado até que ela finalmente
conseguisse vê-lo. Poncho estava com uma bolsa lateral, arrastando uma
mala enorme que vinha atrás dele, os cabelos meio desgrenhados e a barba
por fazer. Anahí não se importava com nada. Ela poderia apostar que, por
baixo daqueles óculos escuros, ele tinha as velhas olheiras indicando que
dormira pouco nas últimas noites. E sequer sabia que provavelmente
dormiria ainda menos dali a oito meses...

Erika, ao lado de Poncho, tagarelava sem parar, mas ele já não dava tanta
atenção. Ela não o culpou, assim que se deu conta do que o tragava dali. Ela
viu Anahí do outro lado da faixa, olhando para ele da forma como logo ela
se deu conta que ele também a olhava, ambos ansiosos demais para aquele
reencontro. Erika tinha convivido com Poncho ativamente naquelas três
semanas e era testemunha da falta que aquela mulher fazia na vida dele. Ela
não conseguia imaginar como os dois tinham passado oito anos separados,
já que agora três semanas pareciam o verdadeiro inferno.

Tudo o que Erika viu foi Poncho sequer falar algo mais com ela, apenas
dando a volta naquela faixa que separava os passageiros do voo deles do
resto do mundo que os esperava, com a determinação de um garoto
apaixonado de dezessete anos que um dia ele foi, na direção da mulher que
amava, para beija-la e acabar com aquela maldita saudade.

Anahí não reclamou de ser beijada daquela forma, ela ansiava, na verdade.
Por isso se pendurou no pescoço dele e eliminou qualquer resquício de
desespero, de insegurança ou medo. Agora ela estava bem, nos braços de
Poncho, com a vida voltando aos trilhos e a certeza de que o pesadelo não
iria recomeçar. Eles ficariam bem, como uma família.

— Eu senti a sua falta – ela resmungou, abraçando-o e em seguida tocando


seu rosto, como se tentasse acreditar que ele estava mesmo ali novamente –
Deus, não lance outros livros, eu não aguento outra turnê como essa.

— Diga isso pra minha inspiração – Poncho a tocou pela cintura – Se bem
que, talvez com você do meu lado, eu não sinta tanta necessidade de
escrever.

— Eu não reclamaria de te ter em tempo integral – Anahí disse abraçando-o


mais uma vez, encostando o rosto sobre o ombro dele, o que fez Poncho
estranhar.

— Está tudo bem...?

— Sim, é só saudade – Anahí disse soltando dele e sorrindo sincera –


Melhor impossível.

E naquela resposta continha mais verdades do que Poncho poderia


imaginar...

— Vamos pra casa então – ele respondeu – To com saudade de você, das
crianças...

— Anahí – Erika disse se aproximando e sorrindo – Entregue são e salvo e


bem comportado. Afastei todas as maria-livros que ficaram perguntando
sem parar onde estava a Emma dele.

— Ela ta bem aqui – Anahí retrucou com uma careta – Obrigada Erika.
— E eu entendo você não querer soltar dele, mas eu adoraria acompanha-lo
em outras turnês – ela piscou rindo.

É claro que adoraria... mas o futuro a Deus pertencia e tudo o que Poncho
queria naquele momento era viver o presente.

Seu livro finalmente estava lançado e agora, caminhando abraçado à mulher


que amava, por quem tanto esperou, na direção da casa deles, para
encontrar os filhos deles... nada mais precisava acontecer para ser perfeito.

Mas eis que a vida surpreende...

Anahí não tinha feito planos sobre a forma como ela contaria a Poncho de
sua gravidez. Algo que sua longa experiência havia lhe ensinado é que
planos só serviam para serem frustrados. Por isso ela decidiu ser
espontânea. Nada de caixa com sapatinhos brancos, nada de embrulho com
o resultado do teste de farmácia feito na semana anterior, muito menos o
Beta HCG dentro de um bonito envelope. Seria espontâneo e de coração,
mas algo que ela contaria para os netos futuramente.

E quem sabe, que até estamparia páginas de livros futuros dele.

— Você está dirigindo...? – Poncho franziu a testa quando eles entraram no


estacionamento do aeroporto, com um sorriso surpreso nos lábios.

— Era uma das coisas que eu queria te contar – Anahí respondeu mordendo
os lábios – Oficialmente licenciada de novo.

— Isso é incrível amor – ele respondeu caminhando com ela até o carro,
abrindo a mala e colocando suas coisas – Espera, o que mais você tem pra
me contar? Você disse que era uma das coisas...

— Bem... – ela riu, abrindo o carro e sentando no banco do motorista,


vendo-o chegar em seguida – Suas coisas já estão no apartamento... e eu
juro que Diana e eu não queimamos as suas meias...

— Fico feliz por isso – Poncho respondeu ainda com a testa franzida,
colocando o cinto. Ele sentia que tinha algo faltando ali, algo não dito –
Any, o que houve?

— Não coloca o cinto agora – ela pediu, e ele soltou – Só senta aí, tem
alguém que quer falar com você.

— Quem...? – Poncho perguntou sem nada entender.

Foi quando tudo fez sentido.

Aquele era um dos momentos como os que se está na mais absoluta


escuridão e, de repente, tudo clareia. Ele, recostado no banco do carro,
vendo Anahí já sentada no banco do motorista, de repente a notou se
mexendo e se encostando sobre ele. Até então não compreendia o que
acontecia ali, que diabos ela queria lhe dizer. Mas não sobrou espaço para
muitas dúvidas, sequer por muito tempo. Anahí jogou todo o peso por cima
do corpo de Poncho, e ele a abraçou, aconchegando-a nos braços mesmo
sem entender o motivo pelo qual ela fazia aquilo. O que não durou muito
tempo.

Poncho achava a princípio que era apenas um carinho, sinal de saudade,


embora não fizesse sentido embora Anahí tivesse dito que tinha algo para
contar, que havia alguém para falar com ele. Num primeiro momento as
peças não se juntaram, ele pensou que ela se referia a um dos filhos, que por
algum motivo ela faria uma chamada de vídeo do celular ou algo assim,
embora não fizesse muito sentido. Quando ele estava prestes a voltar a
perguntar o que acontecia, foi quando entendeu tudo. Exatamente quando
Anahí pegou as mãos dele e as conduziu para sua barriga. Quando tudo fez
sentido, quando a ficha caiu de uma maneira que ele jamais poderia
esperar... e ele se deu conta que o minuto anterior àquele era o último de
uma vida que ele julgava conhecer. Essa nova vida, realmente, era nova.

— Eu não sei ainda se é ele ou ela – Anahí disse sentindo a voz embargar,
mordendo os lábios após uma breve pausa para recuperar o fôlego – E o que
quer que seja, ainda não sabe falar. Mas nem tudo é dito em palavras, sabe?
Eu pessoalmente ainda não consegui formular a frase pra te dizer isso... eu
sei que normalmente as pessoas escolhem gestos mais românticos ou
especiais pra esse tipo de momento, mas eu acho que um "eu estou grávida"
é mais a nossa cara. Quem sabe um "nós amamos você, papai"... mas acho
que tem outras duas crianças que diriam junto com ele ou ela e com todas as
letras...

— Any... – o fio de voz dele soltou e Anahí olhou para cima, se deparando
com um definitivo e imenso sorriso em seus lábios. O sorriso de quem mal
conseguia acreditar.

Agora ela tinha mais certeza: haviam imagens que valiam muito mais do
que palavras...

— Eu sei – Anahí disse agora se levantando e olhando pra ele – Desculpe


não ter preparado nada, é que... foi difícil descobrir isso sem você. Eu
pensei no passado, em quando era a Ruby, lembra?

Poncho lembrava. Ruby era o nome que eles usavam, desde a adolescência,
para se referirem ao primeiro filho que teriam. Filha, na verdade. Ele sabia
exatamente a que Anahí se referia: o bebê que eles perderam, a chance que,
de certa forma, nunca tiveram.

— Deu tudo tão errado que... você não estava aqui e eu tive medo de que
tudo acabasse antes – os olhos de Anahí de repente ficaram cheios de
lágrimas – Mas agora você ta aqui e... eu me dei conta que a minha vontade
de te encontrar era maior do que qualquer disposição pra preparar uma
surpresa. E eu sei que é uma verdadeira loucura, que nós acabamos de ficar
juntos de novo, você sequer adotou a Missy formalmente, o Dani acabou de
se acostumar comigo, mas é que...

— Shhhhh – Poncho pediu se aproximando da boca dela e beijando-a.

Simples assim. Como quem faz por rotina. De alguma maneira, com aquele
gesto, calando a tormenta interior que deixava Anahí agitada e a trazendo
para os mares calmos da felicidade dele.

— Intensa demais você, meu amor, sempre foi e sempre vai ser – Poncho
respondeu rindo – Desde os oito anos de idade, na primeira vez que eu te vi
na classe da Srta. Clarke, lendo aquele poema com as trancinhas loiras com
laços. Eu lembro cada detalhe. Você falava rápido demais e a Srta. Clarke
dizia que tinha que respirar antes de ler. Mais de vinte anos depois você
não mudou nada, fala antes e respirar e de pensar. Ta aqui desesperada
falando tudo de uma vez enquanto eu to deixando a ficha cair, a felicidade
vir aos poucos.

— Eu sei, eu sou agitada, eu sei que deveria ter te dado um tempo pra se
acostumar... – ela mordeu os lábios, desviando o olhar, quando o dedo dele
tocou seu queixo e fez seus olhos encararem-no novamente.

— Eu não preciso de tempo nenhum pra me acostumar, só preciso que você


silencie um pouco esse seu pequeno desespero pra que eu possa dizer que
não importa o momento, as circunstâncias, a surpresa ou falta dela –
Poncho observou – Sendo hoje ou daqui a dez anos, não importando a
forma como você escolheu de me contar... é incrível ouvir pela primeira vez
que nós vamos ter um filho juntos.

E mais uma vez, os olhos de Anahí se enchiam de lágrimas. Porque dessa


vez ela tinha em sua frente a realidade de que o que fora tirado deles estava
mais do que devolvido. E era só o início.

— Eu estou absurdamente feliz – ele beijou a testa dela – Não importa se


for ele ou ela, eu vou ama-lo de toda e qualquer forma. Dani e Missy já
sabem?

— Não, era algo que você tinha que saber primeiro, eu quero contar pra eles
junto com você – Anahí suspirou muito mais calma – Daqui a pouco vou ter
uma crise de choro e você vai saber que a minha ficha finalmente caiu.
Deus, eu vou ser mãe.

— Você já é, meu amor – Poncho tocou a barriga dela espontaneamente


pela primeira vez – É uma loucura viver isso desde o início. Você vai
amar... e eu... eu tenho certeza que nada vai me fazer mais feliz nesse
mundo do que dividir essa maluquice toda com você.

Era a única certeza do mundo.

A ficha de Poncho caiu realmente minutos depois. Ele ficou eufórico com a
ideia, Anahí começou a notar quando os dois já estavam na altura do
Brooklyn. Agora que ele já sabia da novidade, sua ansiedade não era mais
apenas por rever os filhos, de quem sentia muita saudade, mas também de
imaginar a forma como os dois reagiriam quando soubessem da notícia.
Anahí até cogitou que os dois fossem almoçar e depois buscassem Missy e
Daniel, mas obviamente Poncho não quis. Então, ela mal estacionou em
frente à confeitaria de Sophia e já viu o namorado sair do carro com pressa,
demorando poucos minutos para ver os filhos deles agarrados ao pai e
eufóricos com o seu retorno, demonstrando estarem com tanta saudade
quanto a que sabia que ele sentia.

Meia hora depois os quatro almoçavam em um McDonalds próximo dali, as


crianças em êxtase com a graça concedida e Anahí incapaz de reclamar,
devorando um hambúrguer que deixava claro para Poncho que havia mais
alguém ali com ela. Os dois pacientemente esperaram os filhos terminarem
de comer para começarem qualquer assunto. Missy já pensava que eles
iriam embora, mas se enganou.

— Seu pai e eu queremos contar algo pra vocês – Anahí revelou encarando
os dois rostinhos deles cheia de expectativas. Ela mal poderia esperar pelas
reações.

— É algo bom? – Missy perguntou franzindo a testa, olhando da mãe para o


pai, sem saber o que esperar.

— Sim, é incrível – Poncho respondeu – Eu espero que vocês gostem tanto


quanto eu gostei... foi um verdadeiro presente.

— O que é? – Dani perguntou antes de sugar seu milkshake de chocolate


com o canudo.

— Eu estou grávida – Anahí por fim falou apertando a mão de Poncho por
baixo da mesa – Vocês vão ganhar um irmãozinho.

A reação esfuziante dos dois não veio. Tanto Missy quanto Dani apenas
continuaram encarando os dois, piscando... Dani ainda sugando o
milkshake. Rapidamente Anahí ficou nervosa... aquilo significava que eles
não tinha gostado da novidade?
— É um bebê? – Missy finalmente perguntou quebrando o gelo – Igual a
Luninha?

— Sim – Anahí sorriu num incentivo, mas a verdade é que ela tinha ficado
subitamente nervosa – Vai nascer em uns oito meses.

— Eu vou ter um irmão? – foi a vez de Daniel perguntar – Igual à Sam?

— Sim, igual a Sam – Poncho encorajou – Vocês gostaram?

— Esse era o presente? – a testa de Dani estava franzida – Eu achei que


fosse um videogame.

— Que presente? – Poncho franziu a testa.

— Eu disse a eles que te daria um presente legal – Anahí explicou com um


ar de riso. Ela não esperava mesmo por aquelas reações.

— Porque um presente a gente usa, tipo uma roupa ou um brinquedo – Dani


continuava confuso – Não dá pra usar um bebê.

— Não é presente nesse sentido meu amor – Poncho explicou


pacientemente, porém prendendo o riso – E sim no sentido de que eu gostei
muito. É muito bom ter um filho, aumentar a família. Vocês não acham?

— Eu acho – Missy respondeu – Mas ele vai dormir onde? Não tem outro
quarto.

— Dá pra escolher se é menino ou menina? – Dani perguntou antes que os


dois pudessem abrir a boca para responder Missy – Eu preferia um menino,
sabe. Já tem a Sam e a Missy e a Luna de meninas...

— Mas o irmão da Sam já é menino – Missy fez uma careta – Eu queria


uma irmãzinha... já tenho o Dani de irmão.

— E eu tenho você de irmã – Dani franziu a testa e cruzou os braços,


virando-se para o pai e Anahí – Podem vir dois? Ainda dá tempo de
encomendar?
— Não – Anahí e Poncho responderam ao mesmo tempo atordoados.

— Se fossem dois teria que ser dois quartos a mais – Missy explicou para
Dani sabichona e ambos terminaram o diálogo pensativos.

— Se for menino pode dormir com o Dani e se for menina, com a Missy –
Poncho propôs – Mas não é isso o mais importante... e sim se vocês
gostaram. A Any e eu estamos felizes, muito felizes... mas queremos saber
se vocês também estão assim.

— Eu to papai – Missy disse confirmando convicta – Ter um irmão é legal.


Eu não tinha nenhum e agora tenho dois.

— Eu também gostei – Daniel continuou – Não precisa se preocupar papai,


nós ajudamos vocês com tudo.

— Uhum – Missy confirmou – Afinal irmãos mais velhos são pra isso, né?

— Sim, são – Anahí sorriu orgulhosa – E eu tenho certeza que vocês vão
ser os melhores do mundo nisso.

— Mas tia, podemos comprar um videogame pro papai assim mesmo sabe –
Dani respondeu persuasivo – Quer dizer, aí podemos ir aprendendo a jogar
enquanto o bebê não nasce pra depois podermos ensinar...

— Ah sim – Anahí riu – É claro.

O debate dali em diante seguiu para aquele rumo em que as duas crianças
faziam pequenos planos sobre como seria a vida com aquele novo
integrante da família. Tudo era um pouco irreal, mas não importava:
Poncho e Anahí estavam felizes com tudo aquilo. Satisfeitos com as reações
dos filhos, tranquilos e realizados por estarem vivendo aquele novo
momento. Eles sabiam que seria uma loucura, que Poncho estava recém
lançando um livro e Anahí começando uma carreira... não era a melhor hora
para uma criança. Mas era a hora que iria acontecer com eles, e os dois, ou
melhor, os quatro, fariam de tudo para que aquela se tornasse a melhor.

~
Ai, como eu amo esse capítulo!

Chega a ser repetitivo perguntar se vcs estão gostando né? Com todo esse
mel é impossivel não gostar!

Mas aproveitem bastante porque estamos entrando nos capítulos finais.


Falta muita pouca coisa pra acontecer até a hora de dar tchau, então é bom
começar a se despedir.

Em tempo, NÃO SÃO GÊMEOSSSS!!! De onde vcs tiraram isso?


Hahahahaha vou dar mais uma chance: menina OU menino?

Votem e comentem!

Beijos,

Rafa
Capítulo 90 - I'll be there for you

— Grávida? – Lexie exclamou com o tom mais agudo de quem não estava
gritando – Você está de sacanagem comigo...!

Anahí riu com aquela frase da amiga. Depois da maneira como Maite havia
reagido e como Sophia estava com os olhos marejados agora, era
interessante ver alguém agir de forma diversa, o que nitidamente acontecia
com Lexie.

— Lex, essa não é a maneira mais legal de parabenizar a sua amiga – Maite
cruzou os braços com ar de riso.

— Fala sério – a neurocirurgiã negou com a cabeça com uma careta – É a


água que vocês estão bebendo? Me digam a marca pra que eu não beba
também.

— Nós não combinamos, se você quer saber – Anahí disse nitidamente


achando graça – E isso me responde a pergunta que eu faria sobre se você
pretendia ter filhos com Mark.

— Um dia – Lexie observou – Não agora. Não tão cedo. Mas um dia...

— É mais do que eu esperava de você, honestamente – Maite retrucou.

— Eu amo meus sobrinhos, amo a minha enteada, os filhos de vocês... é só


algo que eu não quero fazer agora – ela explicou, abraçando Anahí em
seguida – Deus, nessa loucura toda eu sequer deixei claro o quanto estou
feliz por você.

— Eu sei que está – Anahí a abraçou de volta – E sei que a sua reação tem a
ver com o fato de que, com nós três sendo mães, todos vão perguntar
aquelas coisas estúpidas como "então Lexie, quando vai encomendar o
seu?".

— Isso é ridículo – Sophia revirou os olhos.


— Sim, mais ou menos isso – Lexie suspirou – Mark e eu estamos morando
juntos, uma hora nós iremos nos casar e as pessoas pensam que é um
caminho natural. Eu quero ter filhos, mas quero na hora certa, na hora que
bater a vontade. Eu sei que, qualquer que seja a hora, vai bater nele
também... só queria que o resto do mundo entendesse isso.

— Mark entende, é o que importa – Maite frisou – Inclusive, você decidiu


se vai embora daqui ou não?

— Eu vou ficar em Nova York – Lexie sorriu decidida – Eu quero ver todas
essas crianças crescerem, quero ficar perto da minha família, dos meus
amigos. E o General Hospital me fez uma oferta de emprego, uma possível
pesquisa com Amelia Shepherd... dá pra ser tudo o que eu quero aqui.

— Mesmo com todo mundo te perguntando quando você irá encomendar o


seu? – Sophia alfinetou rindo.

— Mesmo assim – Lexie revirou os olhos – Aqui é a minha casa. Nós


sempre temos que escolher a nossa casa.

Era basicamente isso.

Anahí se despediu das amigas, o segundo momento em que havia


anunciado a própria gravidez, partindo direto para o terceiro. Eles estavam
no jardim da casa de seus avós, todos eles, para a comemoração dupla do
aniversário de Poncho e de Missy. Haviam balões espalhados por todo o
local, o espaço parecia muito mais uma festa infantil do que de um adulto,
mas Poncho não se incomodava. Tudo por Missy, afinal.

A organização fora um esforço conjunto de Evelyn e Karen, que cuidaram


de tudo nos mínimos detalhes para que a ocasião fosse especial para pai e
filha. Tanto Anahí quanto Poncho acharam que aquele era um bom
momento para anunciar para toda a família, de uma só vez, a gravidez dela.
Essa era uma forma de poderem contar para o resto do mundo e de os pais
de Poncho não serem, novamente, os últimos a saberem.

E é claro, uma excelente maneira de eles próprios evitarem que Missy e


Daniel corressem e contassem a novidade antes deles... algo que corria o
sério risco de acontecer.

Pra começar, assim que eles chegaram à casa de Arthur e Ellie, Missy
perguntou à mãe, na frente da avó, quando eles poderiam falar da novidade.
Por sorte, Anahí rapidamente constatou, Karen não as ouviu, estava
distraída. Depois, Daniel quase mencionou ao lado de Erendira que Anahí
não poderia beber refrigerante – um diálogo que ouviu entre o pai e a
madrasta no dia anterior – mas Poncho conseguiu interceptar o assunto
antes que a irmã recebesse um spoiler da notícia.

Então, quando a festa tinha apenas começado, os anfitriões deixaram os


dois filhos do lado de fora e conseguiram reunir todos os membros de sua
família na sala. Estavam ali, de uma só vez, Keith e Karen, Ellie e Arthur,
Robert e Evelyn e é claro, Erendira e um Harry que tentava a todo custo
chamar a atenção da irmã de Poncho e terminava conseguindo somente
arrancar risadas de Anahí. Rapidamente o grupo percebeu que o que tinham
em comum eram o fato de serem todos familiares do casal e constatarem
que dali viria algum tipo de notícia.

Só não faziam ideia do quanto.

— Vocês devem estar se perguntando porque nós o chamamos aqui... –


Poncho iniciou o assunto recebendo os olhares curiosos e sedentos de todos
os presentes.

— Acertou em cheio irmão – Erendira tinha os braços cruzados e encarava


o irmão com a testa franzida – To aqui tentando entender qual o mistério.

— É que nós queríamos reunir todos vocês pra dar uma notícia... – Anahí
começou a falar, mas foi interrompida pela sogra.

— É o casamento! – Evelyn sorriu triunfante batendo as mãos – Eu sabia...!


Que bom que já comecei a pensar nos preparativos, porque...

— Mamãe, não – Poncho riu da reação dela, fazendo Evelyn erguer as


sobrancelhas com a negativa.
— Ora, se não é casamento, então o que... – Ellie começou uma pergunta,
mas sua voz morreu. Quem sabe porque ela tinha entendido...

— Eu estou grávida – Anahí anunciou mordendo os lábios por sentir aquela


famosa vontade de chorar.

Ela já tinha dito aquela frase algumas vezes: para Maite e Christian, para
Poncho, depois para os filhos e, por fim, para as amigas. Àquela altura, sua
terapeuta e Marina também já haviam sido interadas. Mas dizer à família,
toda a família – já que os pais e a irmã de Poncho também faziam parte
dela – era diferente. Somente deles ela recebia aqueles olhares cheios de
ternura, por perceber que não era apenas a sua família que estava se
construindo, mas ela num todo estava crescendo. Todos ao mesmo tempo se
levantaram para cumprimenta-los, mas o primeiro olhar que Anahí recebeu,
o primeiro abraço que a envolveu, foi de Karen.

E ela então imaginou como teria sido nove anos antes contar à mãe aquela
mesma novidade. Ela pensou em como Karen a ajudaria a lidar com a
gestação de Missy, com a tristeza que aquilo certamente significaria. O
olhar que a mãe lhe lançava dizia tudo isso sem pronunciar uma palavra
sequer. Por isso Anahí a abraçou, com os olhos lotados de lágrimas, que se
soltaram quando as duas se abraçaram. Quando ela se soltou, Keith também
estava ali e deu o abraço mais carinhoso que ela poderia encontrar, ficando
Anahí totalmente certa de que o pai não poderia receber notícia mais feliz.
A reação de Ellie não foi muito diferente da que a filha tivera logo antes, e
Anahí rapidamente se deu conta que teria que segurar a emoção se não
quisesse sair daquela sala com a cara totalmente borrada pela maquiagem.

— Oh minha querida – Evelyn disse abraçando a nora com o mesmo


carinho que faria com uma filha. Anahí sabia reconhecer – Deus, eu estou
tão feliz...!

— Eu também – Arthur disse esperando pela vez de cumprimentar a neta,


mas já abraçado a Poncho de lado – Vocês querem matar esse velho do
coração.

— Certamente ninguém pediu mais por essa criança do que ele – Harry
caçoou, vendo o avô fazer uma pequena careta.
— Ora, convenhamos, já era hora – Arthur reclamou – Amo ter a Missy e o
Dani por perto, mas eu bem queria um bebezinho nessa casa.

— E se Anahí está grávida isso quer dizer que esses dois vão finalmente
interromper esse ciclo infinito de terminarem sem parar – Robert
resmungou vendo os filhos arregalarem os olhos com seu comentário.

— Quando não é minha mãe, é meu pai, valha-me Deus – Erendira fechou
os olhos negando, chegando até o irmão e a cunhada e os abraçando.

— Vou fingir que não ouvi Erendira – Evelyn fez uma careta.

— Quisera eu poder fazer o mesmo mamãe! – ela retrucou.

Claro que dali vieram todas as perguntas possíveis, quase um interrogatório.


Todos queriam saber os detalhes da gravidez da Anahí, se ela e o bebê
estavam bem, se Anahí já tinha começado o pré-natal. Logo ela se viu no
meio de um círculo onde uma pergunta vinha seguida da outra, e ela deu
todas as informações que tinha e desde logo explicou que faria a primeira
consulta em breve, agora que Poncho estava de volta na cidade.

Mas logo veio a pergunta que eles não queriam responder: qual sexo
preferiam. Imediatamente as apostas começaram: Evelyn, Karen e Erendira
apostavam num menino; Arthur, Harry e Robert achavam que nasceria uma
menina e Keith era o único que se limitava ao clichê de que importava que
viesse com saúde. Anahí e Poncho eram sinceros em dizer que o sexo não
lhes importava, que, como já tinham um casal, o que viesse lhes faria
igualmente felizes, qualquer que fosse a hipótese. O problema foi quando
Anahí cogitou deixar para descobrir o sexo quando o filho nascesse. Foi a
hora que ela quase foi expulsa da sala e que viu que a expectativa de toda
uma família tinha se formado.

Depois de formalizada a notícia, agora que todas as pessoas importantes já


haviam sido informadas, ela e Poncho ficaram tranquilos para contar ao
resto do mundo. Dessa forma, todas as pessoas que estavam na festa foram
inteirados da novidade. Não que houvessem muitas outras pessoas para
serem informadas... rapidamente Anahí e Poncho se deram conta que,
enquanto eles estavam contando à família, Daniel e Missy haviam feito o
dever de casa, contando a todos. Esse todos era o público que continha o
grosso dos presentes, já que, como também era uma festa de criança, havia
muitos amiguinhos deles ali e imediatamente a notícia se espalhou. Nada
mal.

Então aquela comemoração que era para comemorar um aniversário, ou


melhor, dois, se tornou algo maior e melhor. Eles não estavam
comemorando somente o fato de que Missy e o pai estavam ficando mais
velhos, não mais. De certa forma Anahí via naquilo uma espécie de
comemoração da vida, já que eles ali celebravam mais um ano de vida de
duas pessoas e o início de outra que estava para nascer. Celebravam ainda o
fato dela estar, pela primeira vez, festejando tudo aquilo. A vida tinha
surpresas e nem todas eram ruins, eles finalmente colhiam os frutos.

A melhor parte daquele aniversário foi, na verdade, a hora do parabéns. Era


daquelas cenas que formariam um dos momentos mais felizes que Anahí se
lembraria. O aniversário era de Poncho afinal, ele dividia com Missy, os
dois poderiam assoprar a vela juntos... mas na hora, ela o viu fazendo aquilo
com os dois filhos. A menina já estava ao lado do pai, mas ele fez questão
de pegar Daniel nos braços e foram três assopros que apagaram as velas
num esforço em conjunto. Ela sorriu boba olhando a cena. Em sua mente,
outra futura se formava... quando, dali alguns anos, seriam quatro.

Cinco, se ela se juntasse a eles.

O fim da festa terminou com doces, as mesmas brincadeiras, correria,


Missy abrindo os brinquedos e os amigos e a família ajudando a desmontar
a festa. Anahí estava cansada mas aquele não era o último dia agitado
daquela semana, na verdade sequer a última semana agitada em comparação
às que viriam. Já no dia seguinte ela procurou Joy para contar da gravidez e
perguntar se aquilo significava algum impedimento no fato de Anahí estar
disposta a abrir um escritório com ela. Anahí não poderia dizer que se
surpreendeu com a resposta que recebeu.

— Você está dizendo que aceita ser minha sócia e acha realmente que eu
vou me recusar por conta de uma gravidez, é sinal de que não me conhece o
suficiente – Joy disse falsamente indignada – Eu saí de um escritório cheio
de cuecas, o que poderia esperar...? Que nunca fosse lidar com o seu
momento fraldas...?

— Nunca se sabe – Anahí deu de ombros com um ar de riso no rosto.

— Se você quiser ser minha sócia Anahí, eu não te ensino apenas a ser uma
advogada de sucesso, te ensino também a montar um berço pra sua futura
sala – Joy respondeu decidida – Agora temos muito trabalho a fazer.

Elas tinham mesmo. Após Paris e Leah, outras duas mulheres surgiram
afirmando que também haviam sido estupradas por Chad, com provas ainda
mais contundentes contra ele. Anahí e Joy tiveram trabalho, procuraram
pelas testemunhas indiretas, reuniram todos os detalhes, os relatos, todo o
trabalho levou semanas... mas por fim, elas tinham tudo pronto em mãos.
Elas tinham o suficiente para um caso contra Chad. E elas levaram tudo
aquilo à polícia, para que o próximo passo finalmente fosse dado. Para que
aquelas mulheres finalmente tivessem justiça.

Sophia estava abarrotada com os preparativos do próprio casamento. Jesse e


ela tinham mantido a data para o início de agosto, próximo do dia que
completaria um ano do retorno de Anahí. Ela chegou a hesitar quanto
àquilo, mas Jesse sabia que era bom que ela se distraísse com algo que não
fosse a acusação contra Chad. E Anahí se desdobrava em mil para dar conta
das crianças, do My sister's place, do caso de Sophia e agora da gravidez.
Ela estava pegando na cabeça os preparativos, queria que tudo estivesse
fabuloso no grande dia de sua amiga, Sophia havia esperado muito por isso
e todos os dias Anahí ligava ou aparecia na confeitaria com alguma
novidade sobre bolo, flores ou vestidos.

Mas naquela tarde, a novidade era outra.

— Eles aceitaram a investigação – Anahí anunciou para a amiga repleta de


expectativa – A prisão dele vai ser decretada ainda hoje.

— Eu não acredito – Sophia murmurou com os lábios tremendo.

— Isso é sério? – Jesse perguntou ainda um pouco cético – Cem por cento
de certeza...?
— Eu não brincaria com uma coisa dessas – Anahí sorriu – Valeu a pena
denunciar, Soph. Está vendo? Nós não podemos nos calar.

— Você tem razão – ela enxugou o olho pela lágrima que teimava em
querer cair – Não podemos mesmo nos calar. Agora... nós vamos lutar pra
que nenhuma mulher se cale mais.

Não a toa aquele movimento se chamava "eu também"...

Chad conseguiu se esquivar por um tempo da cadeia, ficando foragido. A


notícia da decretação de sua prisão viralizou, reacendendo o post de Sophia
e, de certa forma, calando algumas das vozes que duvidaram de sua visão.
Novamente se discutiu se ela estava certa ou errada, se mentia ou dizia a
verdade, e a verdade é que quem queria acreditar nela, acreditaria com ou
sem provas, e quem queria duvidar o faria mesmo com todas as evidências
do mundo, exatamente como aconteceu no julgamento de Anahí.

Mas Sophia não se importava se a opinião pública a apoiava ou a


condenava. Ela queria ver Chad na cadeia. Queria ver aquelas outras
mulheres, como ela, sentindo que a justiça tinha sido feita. Queria,
sobretudo, que outras mulheres não tivessem suas vozes caladas e não se
esquivassem de produzir as provas necessárias contra seus estupradores e os
denunciassem. Queria uma mudança social, uma luta contra aquela
sociedade conservadora, paternalista e hipócrita para que Samantha, Missy
e Luna não tivessem que passar pelo que ela e Anahí passaram.

Mas como não se mudava nada de cima para baixo, ela dava sua pequena
contribuição lutando por aquilo. Anahí também.

Um dia antes do casamento, veio o alívio: Chad finalmente havia sido


preso. E o martírio começou a acabar. Estava quase tudo pronto, para o
alívio de Anahí, que estava prestes a enlouquecer. Não apenas o dela: o de
Poncho também, que estava nervoso ao ver a namorada se atribular com
milhões de afazeres. Jesse e ele visivelmente competiam para ver quem era
o futuro pai de segunda viagem mais nervoso pelo fato das mães de seus
bebês estarem mais nervosas que o recomendado.
Mas no dia do casamento de Sophia e de Jesse, tudo parecia estar mais
calmo. Era um dia quente, terrivelmente quente e ensolarado como era
comum no início de agosto em Nova York. Os noivos haviam decidido
fazer algo simples e discreto, apenas para os mais próximos, no jardim de
Olivia, mãe de Sophia. Mas não era por ser simples que Anahí não tinha,
enquanto dama de honra, caprichado em todos os detalhes. Olivia, que era
chef de um restaurante em Manhattan, cuidara pessoalmente do buffet e é
claro que sua filha, mesmo sendo a noiva, fez questão de fazer
pessoalmente o bolo e todos os doces, mesmo estando com vinte e três
semanas de gravidez, o que deixava Jesse ainda mais enlouquecido.

Tudo estava no melhor estilo de Sophia de ser: minimalista, elegante e


discreto, no estilo must have repleto de uma decoração de flores, para
combinar com a beleza natural do jardim de Olivia. O fato de a noiva estar
grávida não a impedia de estar incrivelmente bonita: Sophia usava um
penteado simples com algumas flores no cabelo e um vestido rendado de
alças grossas que não marcava sua cintura, exatamente para destacar o fato
de ela estar grávida. As damas de honra usavam vestidos rosa-bebê que
combinavam e Samantha, um vestido branco parecido com o da mãe, mas
com uma fita rosa na cintura.

O curioso daquele casamento é que as três amigas que estavam no limiar da


maternidade se davam conta que cada uma delas estava em um estágio
diferente: Sophia caminhava para a fase final de sua gravidez, Anahí estava
no início e sequer dava para ver os sinais de sua gestação e Maite já tinha
sua Luna nos braços. Na verdade não dos seus, porque Mane, um pai
zeloso, sequer deixava que ela ficasse com a filha, carregando Luna sempre
que podia e nos momentos em que a namorada não estava amamentando a
menina, é claro. E como estavam em um casamento, foi inevitável que certo
assunto não viesse em torno deles.

— Oh meu Deus olha que coisa mais gostosa da vovó...! – Jade disse já
estendendo as mãos para a neta que abriu um sorriso gostoso ao vê-la.

— E lá vem a pessoa que tenta concorrer comigo pela minha filha – Mane
revirou os olhos fazendo uma careta, sem conseguir impedir que sua mãe
tirasse Luna de seu colo.
— Não preciso competir porque eu certamente ganho – Jade respondia ao
filho mas com as atenções voltadas para a neta – Afinal de contas eu sou a
avó favorita, não sou meu bebê...?

— Minha mãe como sempre delicada – Kamilla comentou fazendo a careta


de sempre.

Filhos e nora geralmente não gostavam de discutir com Jade. Priscila, por
sua vez, fazia o que sempre achava melhor em momentos como aqueles:
desviar o assunto.

— Maite querida, você ficou linda como dama de honra – Priscila encarou a
nora sorridente, sem imaginar o rumo que o novo assunto tomaria...

— Dessa vez eu não precisei fugir porque concordo totalmente com o


casamento – ela riu lembrando do casamento de Lexie, no qual fez questão
de declinar do convite da amiga para estar ao seu lado no altar.

— Eu espero que quando seja a sua vez no altar você não resolva fugir
também – Jade comentou, fazendo Maite ficar escarlate e Mane arregalar os
olhos.

— Mamãe! – ele ralhou.

— O quê? – Jade ergueu a sobrancelha – Você ouviu sua mãe... se ela fica
bonita como dama de honra, já imaginou como noiva...?

— Isso foi um elogio cunhadinha – Kamilla abriu um sorriso amarelo


tentando amenizar a situação.

Mas Jade não parecia satisfeita. Nem um pouco, para falar a verdade.

— Ande, vamos, vocês moram juntos, estão apaixonados, têm uma filha,
por que não? – Jade insistiu. Ela já tinha um par de olhos desconcertados
encarando-a, os da nora, e três outros furiosos tentando cala-la. Os de Mane
principalmente.

— Nós estamos bem assim – Maite desconversou com uma careta, mas
terrivelmente envergonhada – Se melhorar estraga.
— Estraga nada – Jade negou rindo – Querida, logo se vê que você não é
taurina. Aprende com a sua sogra: quanto mais doce melhor.

— Ok – Mane interrompeu antes que fosse tarde demais – Amor, eu acho


que a Sophia está precisando de você.

— É, talvez ela esteja – Maite sabia que não estava, mas por que não
escapar dali naquela oportunidade perfeita quando era seu namorado que
lhe dava?

Melhor impossível.

Logo eles viram Maite escapulindo dali o mais rápido que pôde, dando
passos suficientemente decisivos para não ser alcançada. E um Mane ficou
para trás pronto para ralhar eternamente com a mãe por conta da cena que
tinha acabado de estrelar.

— Mãe, você sabe que ela é traumatizada com casamento – Mane disse
com os dentes cerrados para Jade, que agora fazia uma careta – Precisava
disso...?

— Não, não precisava, mas eu sou a mãe inconveniente, já deveria saber –


ela suspirou, passando Luna para o colo de Priscila e se virando para o filho
– Agora, quanto a esse trauma dela, você também não precisa acreditar que
ela nunca irá superar. Veja até onde vocês chegaram.

— Eu não quero forçar – Mane se explicou.

— Não se trata de forçar, se trata de dar a chance dela mudar de opinião e


estar pronto para fazê-la ainda mais feliz depois que ela estiver pronta pra
um novo passo, da mesma forma inesperada que aconteceu da primeira vez
– Jade piscou – E não pense que eu estou errada garoto. Vocês foram feitos
um para o outro, os astros não mentiram antes e não vão mentir agora.

É, parecia que Lexie não era a única a ser cobrada nesse sentido.

No fim Sophia realmente precisava de Maite. Ela estava pronta. Logo Jesse
estava no altar improvisado cercado de flores com um púlpito e Poncho ao
seu lado, ambos com sorrisos enormes, exatamente como sempre deveria
ter sido. Logo começou uma música que parecia romântica, mas não era
bem assim. Foi quando Samantha entrou jogando as pétalas no caminho. Os
convidados começaram um ar de riso assim que reconheceram a melodia no
ar.

Ouça I'll be there for you – Boyce Avenue (Cover)

So no one told your life was gonna be this way


Assim, ninguém te disse que a sua vida seria assim
Your job's a joke
Seu trabalho é uma piada
You're broke
Você está sem dinheiro
Your love life's D.O.A.¹
Sua vida amorosa é um desastre

Sophia entrou no próprio casamento de braços dados com a mãe. Ela não
tinha um pai desde que se entendia por gente, não havia uma figura
masculina para entrar com ela. Poncho até havia se oferecido para suprir
aquele papel, mas ela não aceitou. Não importava se era um homem que
estava de braços dados com ela, mas sim a pessoa que foi a sua referência a
vida inteira. À sua frente, ela via Samantha caminhando na direção da
pessoa que era a referência dela. Sophia só torcia para ser para os filhos o
que Olivia tinha sido para ela, já era suficiente.

Quando Sophia chegou no altar, ela teve à sua frente algumas das cenas que
sempre sonhou. Do lado de Jesse estavam Christian, Mane e Poncho; do
dela, Maite, Lexie e Anahí, a quem ela entregou seu buquê. Jesse lhe deu
um beijo na testa e outro na barriga antes de lhe dar o braço e ambos se
virarem para a celebrante, prontos para selar o compromisso que levariam
para a vida.

Só que um compromisso de verdade não depende de um sim. Alianças,


votos e assinaturas em certidões, mudanças em estado civil, são apenas
materializações de algo que já se vive, já se sente. Naquele momento
Sophia virou para Jesse e colocou em seus votos tudo o que já sentia por ele
há muito tempo, desde garota, e o que vivia há não tanto assim. Jesse, com
os olhos marejados como não se costumava ver, os dedos tremendo,
segurou o papel e lutou para não gaguejar, falando as poucas e sinceras
palavras que definiam todo o seu sentimento por ela.

It's like you're always stuck in second gear


É como se você estivesse sempre preso na segunda marcha
When it hasn't been your day
Quando não foi seu dia
Your week, your month
Sua semana, seu mês
Or even your year, but...
Ou até mesmo seu ano, mas ...

Mas de nada valeria tudo aquilo se não fosse o viver. Se ele não tivesse
enxergado nela, um dia, mais do que uma amiga, mas alguém com quem
poderia dividir a vida. Se não tivesse aprendido com os erros que o fizeram
perder Sophia certa vez. Se Sophia não tivesse reconhecido aquela mudança
e perdoado, dando uma nova chance a Jesse. Uma nova chance a eles.

E agora eles eram uma família.

Uma chuva de pétalas caiu na hora do beijo. Os convidados jogaram ainda


outras quando os noivos saíram dali, de braços dados, finalmente casados.
Atrás deles, os padrinhos se enfileiraram e saíram em seguida, numa fila
reta, Anahí e Poncho na frente dela. Eles, inclusive, ao passarem pelos
convidados sentados viram os filhos dos dois encarando-os, os olhos de
Missy brilhando ao ver os pais daquela maneira, fazendo imediatamente
com que Poncho deduzisse o que se passava naquela pequena cabecinha.

E não demorou nada para que ele percebesse exatamente o tipo de cena que
a menina fantasiava.

I'll be there for you


Eu vou estar lá por você
When the rain starts to pour
Quando a chuva começar a cair
I'll be there for you
Eu vou estar lá por você
Like I've been there before
Como estive lá antes
I'll be there for you
Eu vou estar lá por você
'Cause you're there for me too
Porque você estará lá por mim também

As crianças não estavam próximas deles durante a festa, o que deu a


Poncho tempo para arquitetar a ideia que teve. Ele só vislumbrava Anahí
vestida com outra cor, de braços dados com ele, um buquê maior do que
aquele de madrinha. Nada tinha sido preparado ou planejado, seria
espontâneo. Ele sabia que ela amava mais do que tudo a forma como ele
fazia tudo de acordo com a voz do coração. Sabia que seria perfeito daquele
jeito improvisado que só eles sabiam fazer.

Missy e Dani estavam ocupados brincando com Samantha e com Eric, filho
de Bradley, o namorado de Diana. Anahí apenas deu um beijo na filha no
início da festa, mas não se preocupou em fiscaliza-la, só via Missy correndo
de um lado para o outro com as crianças. Ela de início se divertiu com as
amigas, por vezes trocando olhares de longe com Poncho cada vez que um
procurava pelo outro. Quando ela deu por si estava num círculo ao redor da
pista de dança, que os noivos inaugurariam como mandava a tradição.

A música começou a tocar entoando o ambiente. Anahí balançava a cabeça


conforme seu ritmo, olhando sorridente para os amigos finalmente felizes,
realizados e juntos. Não esperava que um toque conhecido a pegasse pelo
braço e o hálito quente e mais conhecido ainda chegasse até o pé de seu
ouvido.

— Você pode vir comigo um instante...?

— Agora? – ela perguntou surpresa com o convite.

— Sim, agora – Poncho confirmou – É importante.

You're still in bed at tem


Você ainda está na cama às 10
And work began at eight
E o trabalho começou às oito
You've burned your breakfast so far
Você queimou seu café da manhã
Things are going great
As coisas estão indo muito bem
Your mother warned you there'd be days like these
Sua mãe lhe avisou que haveria dias como estes
But what she didn't tell you when
Mas o que ela não lhe disse quando
The world has brought your down to your knees at...
O mundo trouxe o seu de joelhos em ...

Sem dúvidas que seria. Ele não interromperia a visão dela no casamento do
melhor amigo dele a toa. Por isso Anahí assentiu, segurando a mão dele e
saindo. Os dois não foram notados porque o foco de todas as atenções eram
Jesse e Sophia, então eles tiveram uma certa tranquilidade em sair dali e se
afastarem, indo para alguns metros dali, onde ninguém os veria.

Quando finalmente chegaram, Poncho puxou Anahí para si, colando o


corpo dela no seu. Se a princípio ela não entendeu, logo se deu conta
conforme os corpos dos dois começaram a se balançar no ritmo da música
que tocava no ambiente e que não estava longe o bastante para não integrar
aquele momento dos dois. Durante alguns segundos Anahí se esqueceu que
eles estavam no casamento de Sophia, que Poncho a retirou do círculo onde
todos assistiam os noivos dançarem pela primeira vez como casados. Mas
logo ela retornou à realidade.

— Você queria tanto assim dançar comigo? – ela perguntou com um ar de


riso, passando os braços pelo pescoço dele – Logo eles iriam abrir a pista
pros outros casais.

— Não, não dava pra esperar – Poncho respondeu sussurrando perto do


pescoço dela, causando em Anahí um arrepio de leve – Eu queria te
perguntar algo.

— Pergunte – Anahí respondeu ainda dançando com ele.


— Queria saber se você não quer ser a próxima a abrir uma pista de dança
daqui alguns meses...

Assim. Como se fosse a pergunta mais óbvia do mundo.

I'll be there for you


Eu vou estar lá por você
When the rain starts to pour
Quando a chuva começar a cair
I'll be there for you
Eu vou estar lá por você
Like I've been there before
Como estive lá antes
I'll be there for you
Eu vou estar lá por você
'Cause you're there for me too
Porque você estará lá por mim também

Foi o primeiro momento em que os corpos dos dois se descolaram. Anahí


finalmente encarou Poncho, com a expressão surpresa e um tanto
atordoada, sem ter condições de responder. A ficha caía maravilhosamente
para ela, de forma que o esboço de um sorriso se desenhava em seu rosto.
Poncho não tinha acabado, não quando finalmente conseguira arrancar dela
o tipo de reação que esperava.

— Casa comigo – ele pediu – Sem aliança, sem me ajoelhar... apenas te


tirando do meio daquela gente e aproveitando esse clima, esse momento e o
fato de fazer quase um ano que você voltou pra minha vida. Quase um ano
da primeira vez que eu lembrei o que era respirar de novo. Eu acho que
datas assim merecem ser celebradas.

— Poncho, eu...

— Talvez seja um pouco precipitado, se levarmos em consideração que,


quando você voltou eu estava casado e você não suportava que te tocassem.
Mas cinco meses depois nós estávamos naquela cabana em Vermont com
você sendo minha da maneira que nunca deveria ter deixado de ser. Agora a
nossa família enfim está ajustada e nós temos uma nova criança a
caminho... eu não poderia estar mais feliz, eu pensei hoje de manhã quando
acordei com você do meu lado. Mas a verdade é que sim, eu posso. Com
você me dizendo que sim.

— Não é porque eu to grávida, não é? – Anahí perguntou com a voz suave


eliminando a última dúvida que pairava antes de sua resposta.

I'll be there for you


Eu vou estar lá por você
When the rain starts to pour
Quando a chuva começar a cair
I'll be there for you
Eu vou estar lá por você
Like I've been there before
Como estive lá antes
I'll be there for you
Eu vou estar lá por você
'Cause you're there for me too
Porque você estará lá por mim também
'Cause you're there for me too
Porque você estará lá por mim também

— Eu quis isso aos dezoito quando você se mudou pra Washington pra
fazer faculdade... quis aos vinte e dois quando fomos morar juntos... e
finalmente estou fazendo agora – Poncho segurou o rosto dela
carinhosamente e encarou seus olhos azuis – Casa comigo Anahí.

— Caso – ela respondeu sem hesitar, deixando claro o quanto estava


decidida e, em seguida, repetindo as palavras dele de logo antes – Sem
aliança, sem você se ajoelhar... mas com toda a certeza do mundo.

— Com todo o amor do mundo também – Poncho envolveu a cintura dela –


Eu amo você.

— Não mais do que eu te amo – Anahí deu um selinho nele – Obrigada.

— Pelo quê...?
— Por sempre dar um jeito de mostrar que não estamos felizes o suficiente
– os dedos dela afundaram no cabelo dele antes de suas bocas se
encontraram para um beijo mais profundo.

Agora, com uma pequena contagem regressiva para aquele que seria o
beijo. Depois de eles darem o sim que esperaram uma vida inteira para falar.

AHHHHHHH O AMOR!!!

Será que ta ficando enjoativo falar isso no final de todo cap? Espero que vcs
estejam aproveitando já que estamos tãoooo pertinho do fim!!!

Primeiro gravidez, agora pedido de casamento, AyA realmente nos trilhos!


Aqui tivemos também as famílias (que agora são uma única família)
finalmente descobrindo e dessa vez a Evelyn e o Robert não foram os
últimos e a saber! E é claro, Chad enfim preso pra completar nossa
felicidade!

Será que se melhorar estraga? Testaremos essa teoria semana que vem!

Votem + comentem

Beijos,

Rafa
Capítulo 91 - #MeToo

Feliz aniversário @pbiasz

O casamento de Sophia e Jesse, infelizmente, não encerrou a rotina


enlouquecedora de Anahí. Infelizmente para Poncho, que realmente
acreditou que passar por aquele evento resolveria a hiperatividade de sua
agora noiva. De certa forma a culpa era dele, ao decidir que a pediria em
casamento. Tarde demais.

Naqueles três meses que se seguiram Anahí se viu já preparando o próprio


casamento, mesmo certa de que este somente aconteceria após o nascimento
de seu filho. Afinal, naquele momento ela estava abarrotada com coisas
demais: ela procurava aprender com Joy tudo o que estava disponível sobre
ser advogada, era mãe em tempo semi-integral de Missy e, é claro, de
Daniel também, sempre que o menino estava em sua casa, e preparava
desde já o enxoval da criança que ela esperava e nasceria dali alguns meses.

Sobre o nascimento, assim que completou dezoito semanas de gravidez veio


uma imensa polêmica, que começou numa tarde qualquer, enquanto Anahí
comia um donuts açucarado sob os olhares da mãe, da avó e do pai.

— A próxima ultra é a do sexo – Ellie lembrou batendo palmas, recebendo


um olhar receoso da neta – Seu avô e eu estamos ansiosos.

— As apostas estão crescendo agora que seus amigos entraram – Karen riu
– Até Joy e Marina resolveram apostar.

— Eu não duvido – Anahí suspirou – Mas tem algo que eu preciso dizer
que talvez não agrade vocês.

— Não estou gostando desde já – Ellie cruzou os braços.

— Poncho e eu decidimos não saber o sexo – ela sorriu, vendo três pares de
olhos se arregalarem bem à sua frente – Nós queremos que seja surpresa.
— Não tanta surpresa assim – ele disse passando a mão nas costas dela
remediando a situação – Duas pessoas irão saber, mas apenas elas.

— Eu espero que você esteja pensando em seu pai e em mim butterfly –


Karen fez uma careta ligeiramente indignada. Keith riu ao lado da esposa,
ele sabia que os dois não eram os escolhidos.

— É claro que não – ele respondeu negando com a cabeça – Daniel e Missy,
eu apostaria.

— Acertou em cheio pai – Anahí sorriu – Eles são nossos filhos e bem... se
comprometeram em guardar segredo. Mais ninguém saberá.

— Embora eu não tenha muita certeza que esse segredo inclua a Samantha,
conheço o filho que tenho – Poncho deu de ombros.

— Ah meu Deus, mas por que isso...? – Ellie revirava os olhos – Eu vivi
isso à força na época que esperava sua mãe Anahí, você não precisa.

— Como iremos decorar o quarto sem saber o sexo? – Karen tinha os


braços cruzados e toda a indignação do mundo.

— Com cores e enfeites neutros, que servem para ambos os sexos – Anahí
explicou sorridente – Poncho e eu não queremos dar uma criação sexista
pro nosso bebê. Sem isso de azul é cor de menino ou rosa é cor de menina,
queremos que ele ou ela seja livre pra ser o que quiser, como quiser.

— É um posicionamento importante nos tempos que vivemos, vocês não


precisam concordar – Poncho respondeu. Era óbvio: ele era anti-Trump, não
dava para esperar nada diferente.

Keith parecia ser o único dos três a, no mínimo, entender. Mas Karen e
Ellie, por outro lado, não estavam exatamente convencidas daqueles
argumentos. Não que elas fossem contra, é claro que compreendiam que
cabia a Poncho e a Anahí as decisões relativas àquela gravidez e ao filho, a
gestação tão sonhada e esperada por eles, tinha que ser do jeito deles... o
problema era esperar por mais cinco meses, somente para o nascimento da
criança, para saber se seria um menino ou uma menina. Tortura demais.
As duas não foram as únicas na revolta, poucos foram os amigos e
familiares que apoiaram aquele ponto. As crianças eram das poucas que não
entraram na polêmica, mas basicamente Evelyn e Arthur tiveram reações
três vezes piores que as de Ellie e Karen. A mãe de Poncho se doía por não
estar por perto. Por motivos um pouco opostos Christian e Maite também
quase subiram pelas paredes com a novidade, na verdade Sophia e Mane
foram dos poucos que não se incomodaram, afinal eles eram da vertente que
aquela gravidez deveria ter a cara dos pais e que cada detalhe deveria ser
como Poncho e Anahí sonhavam que seria. Coisas demais haviam sido
roubadas deles, o que sobrou deveria ser respeitado e até celebrado.

Por isso Anahí cuidava dos detalhes do enxoval com cores e decorações
neutras. Poncho e ela tinham comprado um berço e ficou decidido que ele
seria montado no fim da gravidez na sala e somente após o nascimento
alguém iria até ali e levaria para o quarto de Dani ou de Missy. Anahí
comprava roupas rosa e azuis para o bebê, na verdade de todas as cores.
Com os brinquedos não era muito diferente, havia carrinhos de pelúcia,
bonecas de pano, itens de crochê, um móbile de nuvem e lua com estrelas
pequenas penduradas – que Maite amou e quis um igual para sua Luna – e,
como não poderia faltar, uma princesa Leia de pelúcia, um oferecimento de
Missy para o futuro irmão ou irmã.

Cada detalhe era comprado e planejado com carinho. Anahí havia se


inscrito em aulas de Lamaze que começariam na trigésima semana, ainda
não havia decidido o plano de parto mas ouvia opiniões da mãe, da avó, da
sogra e é lógico, de Maite, Sophia, Joy e Marina. Naquele meio tempo ela
curtia cada detalhe da gravidez, cada centímetro que sua barriga crescia, o
quanto por vezes ela ficava torta, cada mínima mudança no corpo era fruto
de alegria, descoberta e felicidade. A galeria dos celulares dela e de Poncho
estavam lotados de fotos e vídeos de cada momento daqueles três meses
desde que eles descobriram a tão sonhada gravidez e o Instagram de Anahí
estava lotado de postagens relacionadas à maternidade, os stories então nem
se falava.

O dia que o bebê mexeu pela primeira vez provavelmente foi o mais
celebrado de todos, Anahí estava somente com Poncho e cantava para a
própria barriga quando aconteceu. Em seguida ela teve que cantar o
repertório inteiro de Beyoncé para que os filhos conseguissem sentir o
irmão também. Poncho estava eufórico, filmou aquele momento e mandou
para absolutamente todas as pessoas. O que aconteceu em seguida foi
Samantha botando música pop no Spotify cada vez que ia na casa dos
amiguinhos para acostumar o irmão deles com um bom gosto musical.
Afinal de contas...

— Um bebê precisa de boa influência tia – a menina explicou dando de


ombros, como se dissesse o óbvio – Eu também boto o Logan pra ouvir,
mamãe disse que eles conseguem nos escutar mesmo dentro da barriga.

— É o que todo mundo diz – Anahí sorriu.

— Ela disse antes de casar com o papai que quando ele tivesse outro bebê,
ela que ensinaria o meu irmão a ouvir Ed Sheeran e Beyoncé – Samantha
explicou como se fosse uma adulta – Mas acho importante incluir Bruno
Mars e Adele também. Eu até fiz uma playlist pra mamãe ouvir. Só por via
das dúvidas, sabe?

E pelo tanto que Anahí conhecia Samantha e suas insistências, ela tinha
certeza que os ouvidos de Sophia – quem sabe os de Logan também – já
tinham quase explodido de tanto ouvirem as mesmas músicas.

Sophia estava a poucos dias do nascimento do filho, que poderia acontecer


a qualquer momento. O problema é que ela também estava na véspera do
julgamento de Chad. Ele continuava preso, dada a pressão da repercussão
dos crimes graças à postagem de Sophia. Anahí e Joy, desde a prisão, não
estavam mais envolvidas nas investigações e apurações, que ficaram a
cargo inicialmente da polícia e depois, da Procuradoria de Nova York.
Emily Byrne puxou o caso para si e designou duas promotoras de sua
confiança, uma delas seu braço direito. Ela não se envolveria diretamente
no caso porque a eleição à qual concorreria estava às vias de acontecer, mas
deixava o mesmo nas mãos de alguém que era totalmente de sua confiança.
Estava mais do que claro o quanto a questão da violência contra a mulher
pesaria em seu possível e cada vez mais provável mandato.

Como Sophia era o depoimento-chave do julgamento, ela foi treinada não


apenas pelas promotoras, mas também por Joy, sempre à frente de uma
Anahí que tomava nota de tudo e aos poucos aprendia a se tornar uma
advogada de peso. Como ela estava próxima do próprio parto aquilo
deixava Jesse totalmente enervado. Por mais que ele fosse capaz de
entender a necessidade de Sophia depor, a simples ideia daquilo de alguma
maneira atrapalhar sua gravidez ou interferir em seu parto não o agradava
nem um pouco. Mas não havia o que ser feito: Sophia iria depor, tinha que
fazê-lo. Era isso ou Chad não seria condenado, ele tinha que ser.

Dessa forma, o único futuro pai mais nervoso do que Poncho era Jesse, sem
sombra de dúvidas. Mais um laço que unia aqueles dois melhores amigos.

Somente no terceiro e último dia de julgamento Sophia depôs. Como o


testemunho dela era o principal, havia sido poupada para o último momento
possível. Jesse estava simplesmente uma pilha. Sophia estava nervosa, mas
continha aquela agonia porque seu marido parecia pior. Além disso, ela
estava grávida e precisava conter qualquer tipo de emoção, em especial
quando estava às vias de ter o bebê. Ao chegar ao Tribunal Jesse quase teve
uma síncope ao encarar toda aquela imprensa rodeando Sophia. Distante
dali, Anahí sabia o que a amiga enfrentava. Com a sorte do mundo e a
justiça mostrando estar ao lado deles, o final seria o mesmo.

— Por sorte não é Nancy Crozier na defesa – Anahí disse encarando a


amiga e segurando suas mãos – Do contrário eu seria presa por agredi-la
caso ela tentasse criar uma fanfic com a sua história como fez com a minha.

— A advogada do Chad é Patty Hyholm, não pense que ela é muito


diferente da Nancy Crozier porque não é – Joy disse encarando Sophia e
ninguém mais – Se com Anahí foi difícil com todas aquelas provas, com
você vai ser dez vezes pior. Apenas não caia na pressão. Você está dizendo
a verdade, e a verdade sempre será a nossa maior arma. Nós estamos juntas
nisso.

Patty Hyholm estava irritada no último dia de julgamento. Joy tinha


acompanhado os dois primeiros, onde as outras mulheres que foram
estupradas por Chad haviam sido interrogadas pela acusação e a defesa
tentou de tudo para desconstruir a narrativa e emplacar a tese de uma
enorme armação sem provas. Não foram apenas elas a estarem naquele
Tribunal: a acusação também arrolou como testemunhas familiares e
amigos, bem como psicólogos e especialistas no crime de estupro para
analisar o comportamento da vítima. Até um psicanalista avaliou o
comportamento de Chad. Sempre que Patty Hyholm tentava desacreditar
aquelas mulheres, elas insistiam na mesma versão. Sem erros, sem
contradições. Ou seja, ela precisava derrubar Sophia e essa seria a imagem
que ficaria para o júri.

Mas como tinha acontecido nos dias anteriores, com todas as outras
mulheres, a promotora Katrina Bennett começou o testemunho de Sophia de
forma emblemática.

— Diga qual o seu nome, por favor – ela pediu.

— Sophia Bush.

— Você pode nos dizer por que está aqui, Sophia?

— Porque eu também fui estuprada por Chad Michael Murray.

Eu também. Paris Weller, Leah Kennedy, Marie Thompson, Emilia Lewis,


Sophia Bush. Estupradas e desacreditadas por Chad Michael Murray.
Buscando justiça.

A acusação deu tempo para Sophia dar toda a sua versão para o júri, mas
ela sabia que aquela seria a parte fácil. Era Katrina quem se desgastava com
os inúmeros protestos de Patty Hyholm, interrupções intensas... não Sophia.
Ela apenas seguia a linha que Joy a orientou, tentando respirar e se conter.
Dessa vez não era a juíza Nery quem comandava tudo, e sim um juiz idoso
e negro, mais calmo e até condescendente. Mas ele deixou Sophia falar. O
júri teve sua atenção. Só que não era a hora da acusação que definia tudo.
Era a hora da defesa.

E como Joy dissera, aquela advogada faria de tudo um inferno.

— Sophia Bush, conhecida como "também foi estuprada por Chad Michael
Murray" – Patty disse encarando-a com os olhos quase fechados – Como
você conheceu o acusado?
— Nós nos tornamos amigos após ele começar a frequentar a minha
confeitaria – Sophia explicou calmamente.

— Você estava solteira ou se relacionando com alguém na época?

— Me relacionando com o meu marido, foi o nosso primeiro namoro.

— Seu marido, então namorado, se dava bem com o Sr. Murray?

— Eles não se relacionavam bem – Sophia abaixou o olhar ao se dar conta


disso. Aquela era uma arapuca – Jesse terminou comigo pouco tempo
depois.

— E mesmo assim você continuou sendo amiga do Sr. Murray?


Interessante...

— Eu não achava que ele iria me estuprar – Sophia respondeu erguendo as


sobrancelhas – Quem sabe se eu pudesse prever o futuro, eu me afastaria,
mas cá estamos.

— O que quer dizer que todas as pessoas te alertaram sobre o suposto


perigo de Chad Michael Murray e você continuou por perto – Patty sugeriu
– Difícil não acreditar que, no fundo, você quisesse estar por perto dele.

Nancy Crozier não fora, mas mandara uma substituta à altura...

— Eu queria – Sophia observou cortando aquela linha de raciocínio –


Como amiga. Não como vítima de um estupro.

E eis que a advogada de defesa de Chad engoliu em seco... mas não o


suficiente para perder a fala e a compostura.

— Um estupro do qual você não tem provas – Patty acusou – Não é


verdade, Sra. Bush?

— Não, eu não tenho provas concretas, de fato, mas eu tenho a verdade e a


coragem de sentar nesse banco de testemunhas e dizer que ele me estuprou
– Sophia rebateu – A verdade deve sempre prevalecer e não deixará de ser
verdade apenas porque o mundo não acredita. Ele colocou algo na minha
bebida, ele me forçou a fazer sexo com ele e isso me destruiu por tempos.
Mas eu me recuperei e estou aqui hoje pra condena-lo. Para fazer justiça.

O depoimento de Sophia teve seu peso. Jesse bem que queria que ela saísse
dali assim que terminasse de depor, mas ela insistiu em ficar até o fim.
Após ela veio Maite. Junto com seu testemunho, imagens das câmeras de
seu prédio mostrando uma abalada Sophia chegando ali, no dia seguinte ao
estupro, corroborando com tudo o que a morena disse. Foi difícil para Patty
Hyholm conseguir desconstruir aquela ideia, ainda mais porque a gravação
batia com tudo o que Maite afirmava. E o pior: não haveria nenhum outro
depoimento de testemunha para enfatizar qualquer tese que fosse após o
dela.

O Tribunal entrou num breve recesso e retornou em seguida para as


alegações finais dos advogados. Enquanto a promotoria tentou juntar como
pôde aquela colcha de retalhos, a defesa, em situação similar ao julgamento
de Anahí, criou uma história fantasiosa de várias mulheres rejeitadas que
estavam tentando destruir a vida de um homem íntegro. Anahí olhava o
tempo inteiro para o júri, estudando suas reações ante as falas de Katrina
Bennett e, após, de Patty Hyholm, tentando pelas expressões decifrar o que
viria dali, mas rapidamente se dando conta de que não tiraria qualquer
conclusão dali. Após, o juiz bateu o martelo que o júri passaria pela
deliberação para, por fim, chegar a um veredicto.

— Você está bem? – Anahí perguntou à Sophia. Ela sabia perfeitamente


bem o que era sentir a agonia daquela espera.

— Ficarei melhor quando ouvir que ele foi condenado – Sophia respondeu.

Obviamente ela estava apreensiva. Demorou mais de três horas até o júri
chegar a uma conclusão e Joy telefonar para eles indicando que deveriam
retornar à Corte. Anahí ao ver o júri entrando reviveu todo o seu momento,
sentindo uma espectadora da repetição de sua própria história. Ela via
Sophia respirando devagar, com a mão apertando a de Jesse, o olhar fixo no
que viria. Quase podia sentir o coração da amiga batendo forte, rezando em
silêncio para que as histórias delas tivessem o mesmo final.
Enquanto no julgamento dela Anahí ouviu cada palavra da juíza Nery e da
primeira jurada, ao pronunciar o anúncio do veredicto, no de Sophia era
como se ela ficasse surda. Provavelmente a amiga se sentia da mesma
forma que ela se sentiu antes, mas para Anahí, só realmente importou uma
palavra.

"Culpado".

E o mesmo alívio de antes bateu. Ela viu Sophia reagir exatamente do


mesmo jeito que fora com ela meses antes: se recostar sobre Jesse, que a
abraçava certamente aliviado, e cair num choro copioso. Ela não ouviu o
que o juiz falou sobre a sentença, sobre a pena que Chad cumpriria, nada
daquilo. Ela apenas olhava para Sophia e para as outras mulheres que foram
tão vítimas daquele homem quanto ela. Apenas sentia o alívio delas como
se fosse o seu.

Afinal, mexeu com uma, mexeu com todas, não é mesmo?

E quando Sophia finalmente se recuperou e procurou, ao mesmo tempo, por


Maite, Anahí e Joy – as três mulheres decisivas para que ela chegasse
naquela condenação – ouviu de Anahí tudo o que deveria ser dito naquele
momento.

— Agora você vai andar até lá e olhar pra ele, algo precisa ser dito – Anahí
disse segurando a mão dela – Não de você pra ele, mas de você pra você
mesma. Você vai olhar pra aquela cara de maldito dele e pensar consigo
própria que é isto que nós damos aos nossos estupradores: a coragem da
denúncia e a definitividade de uma condenação.

E foi exatamente o que Sophia fez.

Não houve comemoração naquele dia, diferentemente de meses antes.


Sophia pegou um táxi com Jesse logo que saiu do Tribunal, tentando se
esquivar dos jornalistas – não antes de receber abraços carinhosos e
empolgados dos amigos, de sua mãe e das outras mulheres que, como ela,
também tiveram justiça naquela tarde. Tanto Joy quanto Anahí fizeram
questão de cumprimentar as promotoras responsáveis pelo caso e receberam
imensos agradecimentos pela colaboração do trabalho feito naquele caso.
Era um esforço conjunto de mulheres que já começava a construir um
mundo novo, mesmo que a pequenos passos.

— Está sentindo esse sabor na sua boca? Da vitória – Joy disse saboreando
– Acostume-se com ele.

— É o que dizem – Anahí deu de ombros rindo – A revolução será


feminista ou não será.

xxx

Assim que Jesse e Sophia conseguiram pegar o táxi, ele se apressou em


dizer o destino: o apartamento deles. Samantha os esperava, ela estava com
Bea naquela tarde, certamente ansiosa pela chegada dos pais sem fazer ideia
do que eles tinham ido fazer. Nada de comemoração: Sophia estava no fim
de uma gravidez e precisava de descanso... mais do que tinha tido com
aquela montanha-russa causada por aquele julgamento.

— 55 Water St, Brooklyn, por favor – Jesse indicou o endereço para o


taxista, que assentiu e deu partida com o carro – Quando chegarmos, banho
e cama ok mocinha? Por favor...

— Tudo bem, mas não da forma que você está pensando – Sophia riu,
virando-se para o motorista – Meu marido errou o endereço. Nós vamos pro
New York General Hospital. o endereço é 462 1st Avenue, New York.

— Soph... – a voz de Jesse saiu quase mortífera.

— Eu queria esperar o veredicto, não queria que esse bebê nascesse sem ter
a certeza de que estava cem por cento livre.

— Deus do céu, você deveria ter me dito...

— E aí você teria me arrastado antes do fim e eu não conseguiria parir em


paz – Sophia rebateu – É algo que eu quero fazer com toda a tranquilidade
possível, trazer o nosso filho pra esse mundo louco e eu só conseguiria
fazer se estivesse um pouco mais calma do que estava antes e com a certeza
de que esse mesmo mundo não deixou o meu estuprador solto.
— O que você ta sentindo? Você ta bem? Como você...

— Eu estou bem, é só uma cólica forte demais, mas eu sei distinguir que
são os começos das contrações – Sophia apertou a mão dele – Ligue pra
alguém buscar as nossas coisas, minhas e dele, em casa. Nós vamos ficar
bem Jesse.

Agora que Sophia já havia conseguido a condenação de Chad, ela parecia


achar a coisa mais simples do mundo dar à luz seu filho. Jesse não
concordava. Ele não estava nervoso como fora com Mane no parto de
Maite, conseguia controlar a própria agonia afinal não era pai de primeira
viagem... mas era impossível ficar calmo como Sophia estava. Quando eles
chegaram no hospital ele queria que ela ficasse sentada na recepção
enquanto ele fazia sua ficha, mas não adiantou; quando deu por si, Sophia
estava em pé dando os próprios dados e mais calma do que nunca. Aquela
tranquilidade perdurou todo o processo, inclusive quando as contrações
começaram a ficar menos espaçadas e mais doloridas. Mas ela, mesmo
sentindo a dor, parecia psicologicamente preparada para aquilo. E mesmo
certa de que o que viria pela frente não seria fácil, Sophia estava pronta para
aquele que talvez fosse o início do trabalho mais duro e eterno de sua vida.

Lexie estava de plantão e não fora para o julgamento, por isso os encontrou
lá. Ela chegou exatamente quando a obstetra, a Dra. DeLucca, fazia um
exame de toque e deixava claro que eles não estavam longe. Foi Lexie
quem avisou os amigos que Logan chegaria naquele dia, ficando no
corredor na hora do parto pronta para anunciar o nascimento dele assim que
acontecesse.

E às 20h daquela noite, o choro de bebê entoou o ambiente. Com Sophia


sentada na cama de hospital, os cabelos meio presos e a testa úmida de suor,
a mão segura unida à de Jesse que tentava lhe dar toda a força possível...
Logan chegou ao mundo. Ele tinha um choro fino e baixo que parecia com
o de sua mãe emocionada ao ouvi-lo pela primeira vez. Foi examinado e
pesado pelo pediatra para, em seguida, ser entregue aos braços ansiosos de
Sophia, que vivera demais para um dia só, mas estava certa que jamais
esqueceria das duas grandes vitórias que aquela data representaria para o
resto de sua vida.
— Oi garotão – ela disse tocando a cabecinha do menino que não parou de
chorar mesmo nos braços da mãe – Seja bem vindo.

Ao lado dela Jesse também segurava os dois e o choro, mas acabou se


entregando. A Dra. DeLucca parabenizava os papais, dizendo que tinha sido
um parto fácil e que ambos tinham sido ótimos. Logan seguiu para o
berçário, Sophia expeliu a placenta com a ajuda do marido e Lexie deu as
boas novas a todos. Ela só voltou ao encontro da amiga horas depois, por
volta das dez, quando teve que ajudar Jesse a driblar a enfermaria do andar
da Obstetrícia para que uma Samantha ansiosa demais pudesse conhecer o
irmão fora do horário de visitas.

— É uma exceção, quinze minutos e eles vão embora – Lexie disse


implorando pela piedade da enfermeira-chefe do andar.

— Vão logo e eu vou fingir que não estou vendo.

Nesse momento Lexie ficou mais uma vez do lado de fora, era um
momento deles. Samantha estava levemente ansiosa, Jesse conhecia aquele
sentimento. Quando eles entraram no quarto Sophia estava penteada, com
uma camisola confortável e o filho bem acordado, os olhos de um fixos no
outro. O esboço do sorriso nascia no canto da boca, mas ela só se sentiu
completa quando a porta se abriu e Jesse entrou com Samantha nos braços.
Agora assim estava toda a família finalmente reunida, Sophia se deu conta
quando viu a menina animada para conhecer o irmão mais novo. Ela
também teve ali uma certeza dentro do peito: mesmo que estivesse
começando do zero pela primeira vez, tinha uma ligeira intuição de que
tudo daria certo. Afinal, ela já era mãe daquela outra criança há muito
tempo...

— Ei princesa, esse é seu irmão – Jesse disse com ela nos braços enquanto
a menina encarava o bebê no colo da mãe. Para Sophia era difícil segurar as
lágrimas – Diga oi pra ele.

— Oi Logan – Samantha disse sorridente – Meu nome é Samantha, mas


pode me chamar de Sam. Eu sou sua irmã mais velha. Eu te prometo que
vou ser a melhor irmã do mundo.
Um ano depois, Samantha voltava a entrar em um hospital para conhecer
alguém novo em sua vida: em agosto de 2018, Anahí; agosto de 2019,
Logan. Um mundo de coisas havia mudado desde então, mudado para a
melhor. Certas tragédias no começo, mas que reforçaram laços e resolveram
coisas que pareciam não ter conserto. Definitivamente não poderia se
duvidar da força do tempo e do amor para resolver o que quer que fosse.

xxx

— Olha como ele é lindo – Anahí disse se derretendo olhando para o


celular, vendo as fotos que Jesse enviara do pequeno Logan recém-nascido,
nos braços da mãe, do pai e da irmã, é claro, além de uma com toda a
família.

— É a cara do Jesse – Poncho riu sentindo a noiva encostar a cabeça sobre


o ombro dele, dengosa – Como o nosso certamente vai ser a minha cara.

— Não se gabe – Anahí fez uma careta – Talvez ele puxe a mamãe.

— Eu também não irei reclamar – ele voltou a rir – Inclusive prefiro que
puxe a mamãe dele.

— Nós precisamos de um nome – Anahí lembrou – Dois nomes, na


verdade, porque não sabemos o que vai vir, temos que estar preparados.

Foi a hora que ela notou que Poncho tinha a testa franzida, como se
pensasse algo que não quisesse dizer. E era exatamente assim, já que, ao ser
questionado por ela, ele desconversou. E Anahí ficou algum tempo
insistindo que ele falasse, percebendo que Poncho pisava em ovos com
relação ao assunto. Mas no fim, acabou sendo vencido pelo cansaço.

— É que eu achava que... você iria querer chama-la de Ruby... caso fosse
uma menina, é claro.

— Ah – Anahí murmurou.

— Eu não disse nada porque não sabia se te deixaria chateada...


— Não deixou – ela suspirou – É que Ruby me remete ao bebê que eu
perdi. Como se fosse o nome de outra criança. Eu quero algo novo pra esse
bebê, algo que me lembre coisas boas, não o que foi tomado de mim.

— Eu concordo totalmente – Poncho assentiu – Por mais que sempre vá


doer essa perda... nós temos que olhar pra frente. Temos um futuro juntos.

— Sim, temos – Anahí suspirou, balançando a cabeça para, quem sabe,


afastar o tom mórbido da conversa – Exatamente por isso precisamos
decidir esse nome.

— Eu tenho uma ideia, e dessa vez não é nostálgico – Poncho propôs –


Uma homenagem justa.

— Que homenagem? – ela franziu a testa.

— Se for uma menina... Elisabeth. Se for um menino, Arthur. Ellie ou


Arthur... como os seus avós.

— Oh Deus – ela murmurou totalmente surpresa – Eu... eu amei. E eles vão


amar mais ainda.

— Eu sei que vão – Poncho deu um selinho nela – Eles são duas pessoas
incríveis que eu sempre admirei muito e sempre gostei como se fossem
meus avós. Quando sua mãe ficou grávida na Carolina do Norte, naquela
cidade pequena, eles não viraram as costas pra ela... vieram pra Nova York,
venderam tudo e a ajudaram a criar você... sem falar que a criaram para ser
uma mulher magnífica e isso fez com que ela te criasse pra ser a mulher que
eu amo. Eu tenho toda a gratidão do mundo à Ellie e Arthur por essa
decisão. Indiretamente, tantos anos antes, eles trouxeram você pra minha
vida. Eles merecem essa homenagem.

— Se eu to emocionada, imagina eles – Anahí se abanou secando as


lágrimas – O único problema é que, se for um menino, minha avó vai
querer uma neta com o nome dela depois e vice-versa. Você sabe como eles
são.
— Sei – ele deu de ombros – E não posso dizer que não vou querer atendê-
los.

— Poncho...!

Mais parecia que tudo havia sido feito de caso pensado. Mesmo assim,
Anahí não poderia reclamar... aquela parecia a ideia perfeita. E fosse
menino ou menina, aquela criança carregaria o nome de uma pessoa
incrível e levaria consigo todo o orgulho do mundo.

As desconfiadas obviamente já entraram em parafuso quando leram a msg


despretenciosa que eu deixei no fim do último cap e provavelmente ja
acharam que eu mataria alguém nesse cap kkkkkk vcs sao mt desconfiadas!

Mais uma vez, uma dose de amor e um poço de feminismo e união feminina
nesse cap Sei que a condenação do Chad não era tão esperada quanto a
do Tobias, mas por outro lado era tão necessária quanto. Lugar de
estuprador é na cadeia e nenhum direito nosso a menos!

E temos ainda a escolha dos nomes do baby AyA (gostaram?) e o


nascimento do baby Bushfer! Maite teve parto humanizado, Sophia foi pro
hospital, ambos tranquilos... como será o da Anahi?

Vamos descobrir!

Beijos,

Rafa
Capítulo 92 - The right time

Anahí acordou na manhã seguinte ouvindo um barulho estranho e incomum


no corredor. Ela estava ligeiramente zonza de sono, primeiro porque ela
teve algumas azias durante a madrugada; segundo, porque Poncho e ela já
haviam dormido tarde em razão do apetite sexual fora do comum nela
causado pela gravidez. Naquele momento ele dormia de cueca boxer, ela
com uma calcinha e a camisa dele. Confortável demais, e assim
permaneceria se não fosse aquele barulho.

Ela não precisou pensar tanto para supor o que poderia ser: mal abriu os
olhos e se perguntou o que estava acontecendo, ouviu uma pequena batida
na porta, seguida pelas vozes de sussurros das crianças do lado de fora.
Primeiro ela fingiu que não ouviu para ver se os dois desistiam, mas logo se
deu conta que não iria funcionar. Por isso cutucou Poncho – que levantou
num pulo, meio assustado – e se levantou para vestir um short.

— Eles acordaram e estão batendo na porta – Anahí anunciou mal


humorada – Se veste.

— Que maneira legal de me acordar amor – ele retrucou irônico, coçando o


olho e se levantando para se vestir.

Outra batida. É claro que eles não desistiriam.

— Eu acordei assim – ela resmungou apontando para a porta – Não venha


reclamar.

— Eu esperava um pouco mais de gratidão com quem te deu tanto prazer na


última noite – Poncho devolveu com a sobrancelha arqueada, vendo-a
cruzar os braços em protesto.

— A gratidão acabou junto com a minha possibilidade de dormir – Anahí


respondeu enfezada – Anda, abre.

Anahí normalmente não gostava de acordar cedo e tudo ficara pior com
aquela gravidez. Se ela sempre foi manhosa pela manhã e um tanto
preguiçosa, agora mais parecia que tinha dentro de si todo o sono do
mundo. Não que Poncho fosse muito diferente, ele apenas não se sentia no
direito de reclamar... afinal, sentia que ela arrancaria um olho seu caso
ousasse.

No fim, ele estava vestido e abrindo a porta. E do outro lado dela estavam
os dois filhos dele, Daniel sussurrando algo no ouvido de Missy, os dois se
assustando e dando um pulo quando viram o pai do outro lado. Por mais
sonolento que Poncho estivesse, ou quem sabe irritado pela forma como
Anahí o acordara, ele não conseguia não derreter quando via aquelas duas
crianças com ar travesso à sua frente. Os filhos eram claramente o seu
ponto fraco... e pensar que dali viria mais um...

— Bom dia – Poncho abriu um sorriso irônico. Missy deu uma risadinha.

— Acordamos vocês? – a menina perguntou, mas não foi o pai quem


respondeu... e sim a mãe.

— Imagina – Anahí resmungou do fundo do quarto.

— É que... Missy e eu queríamos falar algo com vocês – Dani disse já


entrando no quarto do pai e da madrasta com ar sério, claramente tentando
se justificar.

— E precisava ser tão cedo assim? – Poncho ergueu a sobrancelha.

— Sim, papai, é muito sério, nós poderíamos acabar esquecendo – Missy


assentiu com ar preocupado.

— É sobre o bebê – Daniel completou.

Naquele momento, Anahí levantou, desistindo de dormir.

— O que tem o bebê? – ela perguntou com olhar cético, certa de que nada
considerado preocupante poderia vir daquelas crianças no que dizia respeito
ao seu filho. Até onde lhe constava, ele ou ela estava bem e seguro, em sua
barriga.
— Nós pensamos num nome e queríamos sugerir – Daniel disse abrindo um
imenso sorriso banguela. Poncho lutou com todas as forças para não
gargalhar... e Anahí acabou dando voz aos seus pensamentos, mesmo que
tomada por um mal humor.

— Essa era a urgência?

— Em que nomes vocês pensaram? – Poncho perguntou para evitar que sua
noiva comesse os filhos vivos.

— Luke ou Leia – Missy abriu um sorriso similar ao do irmão.

E eis que os dois conseguiram a façanha até então supostamente


inalcançável: acabaram com o mau humor de Anahí... que deu uma
gargalhada sonora ao ouvir aquilo.

— Foi ideia da Missy – Daniel se defendeu, se eximindo de qualquer culpa


que poderia surgir.

— Vocês não gostaram? – a menina franziu a testa.

— Eu adorei – Anahí enxugou o olho. Ela estava simplesmente chorando


de tanto rir – É que...

Como dizer um não e ao mesmo tempo não revelar os nomes escolhidos?


Afinal de contas, as crianças já saberiam o sexo. Guardar dois segredos
seria um pouco demais para aqueles dois...

— A mamãe e eu decidimos escolher o nome quando olharmos pra ele ou


ela – Poncho explicou rapidamente, e Anahí respirou aliviada ao vê-lo
contornando bem aquela situação – Nós queremos ver a carinha e ver qual
nome combina.

— Então só pode ser um desses nomes se tiver cara de mestre jedi né? –
Missy perguntou e a mãe assentiu, prendendo mais do que nunca a vontade
desesperadora de rir.

— Exatamente – Poncho beijou a testa da filha – Agora vamos fazer o café


da manhã?
— Vamos!

— Eu to mesmo com fome papai, que bom que você falou...

Aos poucos o tempo foi passando. A barriga de Anahí crescia na mesma


velocidade que sua carga de trabalho aumentava, o que deixava Poncho
nervoso. Ao mesmo tempo que isso acontecia Luna se desenvolvia cada vez
mais e Logan também crescia. Luna era uma mistura perfeita de Mane e
Maite: tinha os olhos, os cabelos fartos e escuros e o nariz da mãe; em todo
o resto ela era Mane. A menina era bochechuda e gordinha, cheia de dobras,
o que fazia o pai mordiscar suas pernas e seus bracinhos sem parar. De
forma contrária, Logan da mãe só puxou os olhos. No resto, o menino era
loirinho como Jesse e herdara todos os traços do pai, o que fazia com que
ele se parecesse demais com Samantha, que estava mais orgulhosa do que
nunca daquilo.

Logo, aquele grupo que tinha apenas duas crianças num primeiro momento
já caminhava para a sexta. Christian seguia sendo o único do grupo que não
pretendia ter filhos, ao passo que babava em todos os bebês das amigas. O
único, já que isso estava nos planos futuros de Lexie. Embora o futuro pai
daquela criança não tivesse muita certeza disso.

Aconteceu numa tarde como outra qualquer quando Sofia, a filha de Mark,
brincava no canto da sala do apartamento que seu pai agora dividia com
Lexie, enquanto a cirurgiã, entusiasmada, contava para o namorado sobre os
avanços inesperados que sua carreira começara a fazer.

— Me diga, não é incrível? – Lexie perguntou com os olhos brilhando –


Quer dizer, se o FDA aprovar essa pesquisa...

— Sim, é incrível – Mark sorriu orgulhoso – Mais incrível ainda é ver você
feliz desse jeito com esse avanço.

— Eu jamais pensei que Amelia Shepherd fosse me convidar para uma


pesquisa sobre neurocirurgia minimamente invasiva... eu não poderia
acreditar...
— Eu disse que valeria a pena ficar em Nova York – Mark apontou –
Shepherd e você em termos de trabalho é o casamento perfeito.

— Até porque fora do trabalho o meu casamento perfeito seria com outra
pessoa...

Mark não respondeu àquela frase sugestiva, ficou apenas encarando-a,


vendo o sorriso desenhado no rosto de Lexie, deixando claro o que queria
insinuar. Ele tinha medo de perguntar, embora houvesse noventa por cento
de chance de ter feito a interpretação certa. Mas antes que ele pudesse ao
menos introduzir aquele novo assunto, quem sabe aprofunda-lo, tanto ele
quanto Lexie notaram Sofia levantar de onde estava sentada e se aproximar
esfregando o olho. Sono.

— O que foi meu amor? – Mark perguntou carinhoso, voltando a atenção


para a filha – Você quer dormir?

— Uhum – Sofia assentiu, mas ao ver o pai lhe estendendo os braços,


negou – Eu queria ficar com a Lexie hoje.

— Ah – Lexie ergueu as sobrancelhas surpresa, acolhendo a enteada no


colo – Claro, claro... vem...

Ela não esperava por aquilo, Mark muito menos. Ao pegar Sofia nos braços
e ajusta-la em seu colo, sob o olhar observador do namorado, Lexie se
lembrou do dia do elevador, onde ela encontrou Jackson semanas após
deixa-lo no altar. Naquele dia ela dissera a Mark que queria participar da
vida da filha dele, ser uma referência para Sofia. Sem que pudesse se dar
conta, estava acontecendo. O olhar de Mark para as duas não poderia ser
mais carinhoso. Lexie sentia que estava no lugar certo.

É claro que provavelmente Mark achava que ela estava plena com aquela
nova pesquisa, com o posto de atendente do hospital, se especializando em
neurocirurgia. Sim e não. Lexie estava feliz com o avanço, feliz em estar
trilhando o caminho certo. Mas ao sentir o olhar dele, ao sentir Sofia
adormecendo em seus braços, ela sentia que também queria aquilo. É claro
que um casamento precipitado e filhos antes do tempo a frustrariam e
poderiam deixa-la infeliz, mas naquele momento mais do que nunca ela
soube que seria feliz quando chegasse a hora certa. E era justo que Mark
soubesse também.

E quando Sofia por fim adormeceu e ele se levantou, tirando a menina dela
para leva-la até a sua cama, ela soube que era o momento ideal para dizer.

— Eu vou querer – Lexie respondeu sorrindo – Casamento. Filhos.

— Eu não esperava por isso – ele respondeu surpreso, ainda olhando-a, com
Sofia envolvendo seu pescoço com seus pequenos braços – Eu achei que...

— Já tem um tempo que eu suspeito, mas agora eu tenho certeza – ela


mordeu os lábios confiante – Não agora. Na hora certa. Você espera...?

— Por todo o tempo do mundo, meu amor – Mark sorriu – A hora que você
quiser vai ser a hora certa pra mim.

Agora só faltava esperar que a hora chegasse...

xxx

Casamento não era um assunto que assombrava apenas Lexie. Se há um ano


Maite era a traumatizada, agora era Mane quem se sentia pisando em ovos
quando aquele assunto vinha à tona. Desde o casamento de Jesse e Sophia,
com todas aquelas insinuações da mãe, ele se perguntava o que aconteceria
se fizesse a proposta para Maite. Estava certo que ela diria um não redondo
em sua cara e era justamente aquilo que o fazia hesitar. Afinal, ele temia
pelo que aquela negativa poderia fazer com o enfim estável relacionamento
dos dois.

Maite, por outro lado, parecia alheia àquelas preocupações. Afinal, ela era
avoada demais para perceber que algo estava errado. Lotada de trabalho e
dos cuidados com Luna, atordoada pelo fato de o primeiro dente da filha ter
nascido antes que ela estivesse preparada e com a ideia de que o tempo
estava passando rápido demais, ela apenas aproveitava aquela maré de sorte
que a vida lhe dera: agora ela estava bem com todos os amigos, estava feliz
no trabalho e no amor, cercada de felicidade por todos os lados... o que
haveria de reclamar?
Mane, por outro lado, seguia inquieto com aquele dilema praticamente
secreto. E como uma bexiga muito assoprada, uma hora ele estava tão cheio
que mais parecia prestes a explodir. Naquele momento Maite percebeu...
depois de colocar a filha para dormir naquela tarde e, ao chegar na sala, se
deparar com o namorado rodopiando de um lado para outro visivelmente
nervoso, sem motivo aparente. Ao menos sem motivo que ela soubesse...

— Aconteceu alguma coisa pra você furar o chão de tanto andar...? – Maite
perguntou franzindo a testa enquanto aproveitava para catar todos os
pertences de Luna espalhados pela sala.

— Estou tomando coragem pra falar – Mane respondeu ainda sem encara-la
e andando sem parar.

— Mane, é algo sério?

— Pra mim é, pra você... eu não sei...

— Fala de uma vez – Maite pediu, mas viu que ele não pararia de andar
sem que ela rodasse sem parar. Por isso Maite se levantou, o segurou pelo
braço e simplesmente o trouxe para o sofá, obrigando Mane a se sentar e
encara-la de uma vez – Você ta me assustando.

— Eu to assustado há meses, Maite – Mane por fim admitiu – Desde antes


da Luna nascer. Desde...

— Desde...?

— Desde que eu te vi conversando com o seu ex-marido no aniversário da


avó da Anahí – ele finalmente confessou.

Então era isso?

— Mane... – Maite suspirou longamente soltando um ar de riso.

— É por isso, não é? Por isso que você não quer casar comigo?

— Eu... – ela bem que tentou falar, mas Mane simplesmente não deixou.
— Você ainda ta traumatizada? Ainda ta apaixonada por ele? Você não ta
feliz comigo Maite?

— Mane – Maite disse engrossando a voz, finalmente conseguindo cala-lo.


Pelo visto, era a única maneira – O que te leva a crer que eu não estou feliz
com você...?

— Eu não sei – ele abaixou a cabeça – Você foi muito apaixonada pelo
Koko.

— Fui – e ela usou o próprio dedo para erguer o queixo dele, fazendo Mane
encarar seu sorriso – E agora sou muito apaixonada por você.

Em um ano de relacionamento era a primeira vez que Maite admitia seus


sentimentos. Era estranho: eles tinham uma filha, moravam juntos há
meses, mas ainda assim, os "eu te amo" vinham sempre dele, de Mane.
Maite, mesmo sendo a mais amorosa da relação, parecia eternamente
fechada. Eles viviam bem, pareciam bem, mas aquela ausência de
reciprocidade aparente machucava Mane. Ele não se sentia tranquilo desde
que a vira conversando com Koko, e as insinuações da mãe sobre a
possibilidade de os dois se casarem, somadas ao silêncio de Maite ao ouvi-
las, o deixaram simplesmente neurótico. Mas agora ele via que tudo não
passava de uma imensa paranoia, já que, na hora certa, Maite revelou o que
sentia há muito tempo, deixando claro que apenas não colocou nada daquilo
em palavras.

— É sério? – Mane perguntou e ela negou rindo, como se fosse óbvio – Não
faça essa cara, você nunca disse...

— Eu disse em gestos, em olhares, nos gemidos de orgasmos que você me


dá, quando coloco a cabeça no seu ombro de noite... quem sabe quando
Luna e eu ficamos tranquilas perto de você... isso vale pra mim mais do que
qualquer frase – Maite ponderou – Mas já que importa tanto pra você, aí
vai... eu te amo Mane. E sim, eu ainda sou traumatizada com casamento,
mas não, não sou apaixonada pelo meu ex-marido e não vou deixar você a
não ser que você queira, porque o meu lugar é do seu lado. Eu demorei
quinze anos pra me dar conta disso e não vou perder um dia sequer.
— Então eu posso ter esperanças que você um dia diga um sim pra uma
pergunta minha? – Mane perguntou sorrindo e segurando as mãos dela com
todo o carinho do mundo.

— Desde que você não termine comigo caso eu acabe dizendo alguns
não's... ok...

— Eu sou paciente – Mane a segurou pelo rosto, dando um carinhoso


selinho em seus braços – Esperei por você por quinze anos, posso esperar
pelo seu sim a hora que for.

Restava, mais uma vez, esperar a hora certa...

xxx

Conforme os meses foram passando e a gravidez de Anahí foi avançando,


aos poucos ela se viu obrigada a diminuir o ritmo. Logo tudo o que ela
poderia resolver adiantada sobre seu casamento estava decidido, o caso de
Sophia contra Chad tinha tido seu fim e Joy parecia tê-la ensinado o que
havia para ser ensinado – mais do que isso, somente na prática. Com
exceção dos dias que acompanhava a nova sócia no Tribunal e dos cuidados
com a filha e o enteado, não haviam grandes atividades em sua vida...
tirando, é claro, as compras para o enxoval e os detalhes do quarto do baby
Arthur ou baby Ellie que estava a caminho.

No Natal Anahí estava com trinta semanas de gravidez, mas nada a fazia
estar menos animada com a data. Estava nevando e a data seria
comemorada com toda a família na casa de seus avós. Poncho havia
convidado Bradley e Diana para se juntarem a eles, como uma forma de
permitir que Daniel passasse o Natal com ambos os pais. Sophia e Jesse
também se juntariam a eles, assim como a família de Poncho, e logo aquela
comemoração que, no ano anterior, celebrou o primeiro Natal deles juntos,
mesmo que de forma simples, agora tomava níveis estratosféricos.

Anahí estava dentro do quarto da avó vendo Missy trocar os sapatos,


indecisa com o que iria usar, enquanto tentava colocar o velho suéter que
Ellie lhe tricotou quando ela ainda era uma adolescente e que agora não
estava cabendo tão bem por motivos óbvios. Logo viu Poncho entrar ali
dentro com o mesmo suéter vermelho do ano anterior, vendo-a fazer uma
careta por não estar satisfeita com a própria roupa.

— Isso não cabe em você – ele comentou rindo da insatisfação dela,


recebendo um olhar mortal em resposta.

— Eu sei – Anahí resmungou – Estou gorda.

— Errado, você ta grávida do nosso bebê – Poncho se aproximou beijando


a barriga dela – Ei bebê, não ouça sua mãe. Ela fica ainda mais bonita com
você aí dentro.

— Eu usei esse suéter desde os quinze anos enquanto passei o Natal aqui –
ela ponderou, fazendo a óbvia menção ao fato de oito Natais terem sido
perdidos no porão escuro de um cativeiro – Esse é o primeiro que eu não
uso, não me peça pra ficar feliz.

— Você tem um motivo muito digno pra não estar usando – Poncho rebateu
com as mãos na barriga dela, mas logo tirou o próprio suéter, que sabia que
ela gostava, e lhe estendeu – Ande, use o meu.

— Eu não posso! – Anahí arregalou os olhos – E você, vai usar o quê?

— Eu trouxe outro suéter, parecia que estava adivinhando – Poncho riu – Ei


Missy! Pega um suéter verde na mochila que eu trouxe por favor?

— Uhum papai – a menina assentiu saindo dali.

— Eu quero perguntar algo – Anahí olhou para ele com um sorriso capcioso
de quem claramente queria alguma coisa – Quem são os padrinhos do
Dani?

— Soph e Jesse – Poncho franziu a testa – Por quê?

— Diana não escolheu um dos dois?

— Ela não liga pra batizado, eu que fiz questão – Poncho ergueu as
sobrancelhas, já suspeitando onde ela queria chegar.
— Ótimo, isso quer dizer que os seus melhores amigos já são padrinhos de
um filho seu, não é? Torna mais fácil o que eu queria falar... a não ser que
você tenha pensado na Erendira...

— Maite e Christian podem ser os padrinhos – Poncho cortou vendo a


surpresa tomar o rosto dela.

— É sério? – Anahí abriu um sorriso genuíno. Ela não pensou que seria tão
fácil.

— Eles são seus melhores amigos – Poncho enumerou – Estiveram com


você desde o início. Christian te deu um apoio de irmão, o tipo de apoio que
a Eren e eu damos um pro outro. Maite, bem... ela dispensa comentários,
né? Eu ainda lembro do dia que você voltou, ela chegou no hospital e quase
me espancou porque eu tive autorização para te ver e ela não. É justo.

— É a escolha perfeita – ela constatou.

— A escolha perfeita – ele concordou – Os segundos pai e mãe que o nosso


filho vai ter.

Perfeito mesmo.

Logo Missy voltou para o quarto com o suéter que o pai pedira, Anahí
terminou aceitando o suéter de Poncho e ficou satisfeita ao constatar que o
dele ficava perfeito com a barriga acentuada dela. Ao se olhar no espelho
ela teve na mente o que costumava acontecer nos últimos tempos: um flash
de uma memória da gravidez anterior, a gravidez de Missy.

A terapia com a Dra. Balfe ensinou Anahí que ela nunca relembraria de
tudo o que vivera no cativeiro, já que, mesmo em situações normais da
vida, o esquecimento é algo que faz parte. Mas agora ela se via, por vezes,
relembrando de alguma cena, algum momento de quando esperava a filha,
presa no porão de Tobias. A Anahí grávida de oito anos atrás tinha medo,
não sabia o que viria, mal poderia imaginar qual seria o destino de sua filha.
Não poderia haver um contraste maior para a de agora, que estava amada,
segura e cuja maior frustração era o fato de um suéter velho de Natal não
caber em seu corpo.
Quando ela saiu do quarto, notou que os convidados já estavam todos ali.
Logo foi paparicada pela mãe, a avó e a sogra, já que Evelyn estava ainda
mais carinhosa e afetuosa que o normal já que seria avó de novo. Ela viu
Missy insistir com Keith e Robert – chamando ambos de avós – para abrir
os presentes que lhe aguardavam embaixo da enorme árvore que Karen
comprara naquele ano. Em seguida, ela pegou Logan dos braços da mãe
para dar um alívio à Sophia e foi apresentada à Luke, o namorado piloto de
Erendira, se segurando para não rir da cara de ciúme que Harry fazia ao
fundo ao ver seu amor platônico sendo frustrado.

Não demorou para que a ceia fosse servida. Anahí se sentou próxima à
Sophia e as amigas não paravam de falar sobre maternidade e sobre a
loucura que a segunda estava vivendo e logo a primeira passaria também.
Embora Anahí já fosse mãe, tudo seria como se fosse a primeira vez, já que
ela não teve a oportunidade de criar Missy. Para Sophia não era muito
diferente, embora por motivos diversos ela vivia o mesmo: Samantha tinha
sido criada por Torrey e Jesse, ela apenas acompanhou, então Logan, na
prática, era sua primeira aventura como mãe de um recém-nascido. Mas
estava tudo bem, porque Maite já vivera as primeiras experiências e passava
os ensinamentos para Sophia e ela faria o mesmo com Anahí. Quem sabe
em cinco ou dez anos elas viveriam o mesmo com Lexie; afinal, não
custava sonhar...

Após a ceia Anahí se sentou cansada no sofá e Poncho logo veio para o lado
dela, se aproveitando que Missy e Daniel estavam brincando com Samantha
e Eric, o enteado de Diana. Ele estava nervoso pela forma como Anahí
parecia agitada e inquieta, mas ao mesmo tempo tinha certeza que era
impossível para-la. Como tinha acontecido de surpresa, ele aproveitou,
sentando-se ao lado dela, tocando sua barriga e falando com o bebê, como
costumava acontecer às noites. Foi quando os avós dela se aproximaram
com um bonito embrulho nas mãos e olhares cúmplices.

— Olhem, Arthur e eu sabemos que o Natal é só amanhã, mas queremos


dar o presente para o nosso bisneto hoje – Ellie disse estendendo o pacote e
os olhos de Anahí brilharam.

— Não vou reclamar porque adoro presentes, mas Missy não pode me ver
abrindo, se não vai querer abrir os dela também – Anahí falou animada e
com as mãos cocando.

— Ela não vai ver, está brincando com as crianças – Arthur riu – Vamos,
abra.

Anahí não demorou nada para abrir. Não era bem um presente novo, mas o
significado era enorme, ela pôde perceber. Não precisava ter uma
lembrança exata para saber do que se tratava. Em perfeito estado, mesmo
trinta anos depois, dentro daquela caixa bonita havia uma manta tricotada à
mão... as mãos de sua avó. Aquela manta era dela, tinha sido na verdade,
quando ainda era um bebê. Anahí se lembrava de encontrar aquilo nas
coisas de Ellie quando ainda era adolescente e da avó dizer que estava
guardando para o futuro bebê dela. Ainda estava bonito como ela se
lembrava, como certamente era quando a avó o fez. E inevitavelmente os
olhos dela se encheram de lágrimas.

— Acho que você se lembra – o sorriso no rosto de Ellie era singelo.

— É claro que eu lembro – ela mordeu os lábios tentando prender o choro –


É perfeito, eu amei.

— Missy não teve a chance de usar, mas o bebê terá – Arthur mencionou –
Sua avó fez questão.

Naquele momento Anahí olhou para Poncho, como se esperasse uma


autorização. Pessoas que se conheciam tão bem quanto eles conseguiam se
comunicar com gestos, com olhares, e era o caso naquele momento. Pela
forma como Anahí o encarou Poncho soube exatamente o que ela queria
saber, e assentiu permitindo que ela fizesse o que queria. Quando as
palavras vieram, ele soube que tinha entendido exatamente o que ela
quisera dizer.

— Nós estávamos certos quando escolhemos os nomes do bebê, não é


amor? – Anahí perguntou e logo ele entrou na brincadeira.

— Definitivamente foi a melhor escolha.


— Vocês não vão matar esse velho de curiosidade, não é...? – Arthur já
perguntou cruzando os braços.

— Não, não vamos – Anahí mordeu os lábios – Nós gostamos de chama-lo


de baby Ellie ou baby Arthur, pra falar a verdade.

É claro que eles esperavam que Arthur explodisse e Ellie chorasse de


emoção. Anahí, num primeiro momento, até de assustou ao ver que nenhum
de seus dois avós reagiu. Quando ela estava prestes a perguntar se estava
tudo bem, logo viu Arthur se esvair em lágrimas, tampando o rosto.
Poncho, assim como ela, arregalou os olhos, ele também não esperava por
aquilo. Ellie, por sua vez, reagia de forma idêntica à como a neta estava
cinco minutos antes: mordendo os lábios e prendendo o choro.

— Vovô? Você está bem? – Anahí perguntou franzindo a testa, sem saber ao
certo se deveria se preocupar.

— Ah, é claro que está querida, você não sabe como o seu avô é? – Ellie
zombou, mas sua voz estava embargada pela emoção – Um velho emotivo e
bobo...!

— Como se você estivesse muito diferente – Arthur resmungou enxugando


os olhos e se virando para a neta e o noivo – Vocês dois sabem que, se for
uma menina, terão que ter outro bebê pra colocar o meu nome, não é?

— Sim, sempre soubemos – Poncho respondeu com ar de riso.

— É bobagem dele – Ellie fez uma careta – Eu estou... lisonjeada com o


gesto, queridos. Tenham a certeza que essa criança vai ser muito amada.

— Nós sempre soubemos disso Ellie – Poncho disse carinhoso.

— O nome de vocês precisa ser um legado pra passar pra frente – Anahí
sorriu – Já que todo o resto nós também passaremos.

— Apenas deixem isso em segredo por enquanto – Poncho pediu – Missy


acha que os bebês vão se chamar Leia ou Luke e não queremos desaponta-
los por enquanto.
Foi a mesma coisa que falar com as paredes. Após dar meia-noite e todos
darem feliz natal, Arthur acabou não segurando a própria língua e contando
numa roda onde estavam Keith, Karen, Robert e Evelyn que o bebê teria
seu nome ou o de Ellie, deixando a neta totalmente escarlate. Anahí
rapidamente comentou que Missy e Daniel sabiam o sexo do bebê e tinham
conseguido guardar o segredo, que não haveria dificuldade alguma do avô
fazer o mesmo, mas logo viu Ellie provocando o marido dizendo que Arthur
era incapaz de guardar a língua dentro da boca e logo uma imensa discussão
nasceu.

Para as crianças descobrirem aquilo fora um pulo – aconteceu na manhã


seguinte, quando todos abriam os presentes em volta da árvore – mas Missy
não ficou brava, pelo contrário. Logo a situação evoluiu para que as apostas
deixassem de ser sobre menino vs. menina e virassem baby Arthur vs. baby
Ellie. Samantha cantarolou em dado momento que Daniel deixara escapar o
sexo do bebê, o que não foi nenhuma surpresa. No fim todas as crianças
receberam mais presentes do que o recomendado e Robert e Evelyn ficaram
satisfeitos em poderem encher agora três netos dos mais diversos
brinquedos. À Anahí e Poncho não restou nada senão lamentar.

Uma semana depois o Ano Novo foi mais parecido com a ida deles para
Vermont no ano anterior do que poderiam planejar. Diana levou Daniel para
viajar com ela, Bradley e Eric; Missy, por sua vez, foi ficar com os avós,
deixando a mãe passar a virada do ano sentada no sofá com um pijama
confortável comendo pipoca e bebendo milk shake com Poncho, enquanto
os dois assistiam um filme velho na TV. Era a forma perfeita de passar
aquela data, já que Anahí estava inchada e cansada e estava mais frio do
que gostariam. De toda forma, ela gostava mais de virar o ano ao lado de
Poncho com ele despindo-a, fazendo-lhe massagem nos pés e transando
com ela do que numa Times Square lotada cheia de fogos de artifício
bonitos.

Em janeiro a nevasca tomou Nova York e a cidade ficou um gelo. Acabou


sendo a maneira perfeita de Anahí aquietar-se na reta final da gravidez. Ela
saía pouco, as amigas a visitavam mais do que o contrário, exceto quando
Poncho não estava por perto e ela ia para a confeitaria de Sophia comer
algum doce, sempre marcando com Maite para aproveitar a oportunidade de
ver Luna. O local permanecia o mesmo, com exceção que, diferentemente
do que Anahí planejava para o futuro escritório que ocuparia com Joy, era
na sala de Jesse que o berço de Logan ficava. Afinal, Sophia não poderia
manter um daqueles na cozinha, não é mesmo? Geralmente quando Maite e
Anahí iam para lá Sophia aproveitava para amamentar Logan e as três
amigas ficavam com as pernas pro alto, os dois bebês no berço, falando
sobre a maternidade, trabalho, reclamando dos respectivos namorado, noivo
e marido e trocando ideias sobre alguma série de TV que assistiam naquele
momento.

Até o início de março o tempo voou. Num daqueles encontros Anahí


acabou optando por seu plano de parto, após inúmeras conversas com as
amigas que já eram mães. Ela queria algo mais parecido com a forma como
fora com Sophia do que com a de Maite, já que Poncho ficou quase branco
quando ela sugeriu um parto humanizado numa clínica especializada no
assunto. Era esperado que o baby Arthur ou baby Ellie viesse ao mundo na
segunda semana de março, Maite brincava que o afilhado nasceria
praticamente junto do aniversário dela e que futuramente os dois poderiam
comemorar juntos, tal como Poncho e Missy já faziam.

O plano para quando o bebê nascesse era Anahí entrar em contato com
Poncho caso ele não estivesse por perto, mas exatamente por isso ele
evitava sair e deixa-la em casa sozinha conforme a data do nascimento foi
se aproximando. Só que justamente naquele dia, naquele dois de março, ela
tinha insistido e insistido que ele fosse até a confeitaria de Sophia para
pegar uma caixa de donuts para ela. Poncho não queria, recusou, se
preocupou, mas Anahí era teimosa e insistiu até o fim, vencendo-o pelo
cansaço. Ao chegar lá e já ver a caixa que Sophia havia separado para a
amiga, pensou que talvez estivesse sendo um pouco paranoico. Afinal, ele
tinha chegado e em quinze minutos estaria em casa novamente. Anahí
estava bem e continuaria assim. E mesmo que houvesse algo, ele estaria lá
em minutos. Era hora de não se preocupar tanto.

Justamente naquele dia, naquela hora, enquanto seu noivo batia um papo
com Jesse segurando um Logan animado e risonho nos braços, Anahí foi ao
banheiro de casa e, ao abaixar a calcinha para fazer xixi, viu um enorme
círculo de sangue. Imediatamente ela ficou tonta com a visão, sabendo
exatamente o que aquilo significava. Ao levantar e olhar o vaso sanitário a
água ali estava avermelhada, como se ela estivesse em seu ciclo menstrual.
As lágrimas correram por seu rosto pelo medo de estar sofrendo um aborto.
Ela não poderia perder aquela criança. Não mais uma.

Por isso, antes mesmo de ligar para Poncho, antes de fazer qualquer coisa,
ela pegou o celular e digitou um número, levando o aparelho para o ouvido.

— 911? Qual é a sua emergência?

— Meu... meu nome é Anahí Portilla – ela sentiu as lágrimas caírem mais
fortes – Eu to grávida de trinta e oito semanas e estou sangrando. Preciso de
uma ambulância. Eu acho que to perdendo o meu bebê.

Restava rezar para que não fosse tarde demais.

Depois de um longo período de paz, ainda que bem próximo ao fim da fic,
voltamos à normalidade do dedo no cu e gritaria kkkkkkkkk só pra vcs
lembrarem que ainda podem (e vão) me xingar um pouco e reclamar que eu
paro na melhor parte rs

E aí? Gostaram do cap? Me contem o que acharam e do que esperam pro


próximo!!!

E não deixem de deixar suas estrelinhas!

Por sinal, provavelmente teremos apenas mais três caps até o fim! Se não
estão preparadas, podem começar!

Em tempo, conforme informado, o post foi hoje porque ontem eu extraí


dois sisos. Semana que vem voltamos à programação normal. Obrigada a
quem me mandou seu carinho, estou bem, embora pareça um Kiko com
cachumba rs.

Beijos,

Rafa
Capítulo 93 - Plan B

Momentos antes da tragédia acontecer...

Poncho estava com um Logan nos braços que fazia caretas e bolinhas de
cuspe com a boca, tão babão quanto poderia ser. Enquanto brincava com o
filho de seus dois melhores amigos, ao mesmo tempo que Sophia embalava
o kit de doces que ele levaria para Anahí, pensava que estava bem próximo
de reviver aquilo. E por mais que a experiência de pai lhe dissesse que o
que estava por vir não seria nada fácil – noites em claro, choro sem parar,
cólicas e uma Anahí certamente insegura e cansada, já que seria sua
primeira vez nisso – ele mal podia esperar.

Ele se lembraria eternamente que era mergulhado naquelas imagens mentais


futuras com o bebê dos amigos rindo sem parar para ele – e ele rindo de
volta – que ele estava quando seu celular tocou. Com as mãos ocupadas
com Logan, Poncho pediu que a amiga pegasse seu aparelho. Não tinha
como supor que haveria algo errado pelo simples fato de Sophia ter dito que
era Lexie do outro lado da linha.

— Oi Lex – Poncho disse com a voz tranquila. Ele jamais poderia imaginar
o que viria a seguir.

— Poncho? Não entre em pânico ok? Por favor...

— O que aconteceu? – a testa dele imediatamente franziu. Naquele


momento Poncho soube que havia algo errado, mas jamais poderia supor o
que realmente era.

— Anahí acabou de dar entrada na Emergência – Lexie tentou passar a


informação o mais calmamente possível, mas dava para sentir o nervosismo
em seu tom de voz – Ela estava sangrando quando a ambulância chegou.

— O que ela tem? – a voz de Poncho se alterou – Lex, ela está bem? O
bebê...
— Eu não tenho muitas informações, mas vou ficar por perto – Lexie
apontou – Venha para cá.

Poncho desligou o telefone em seguida. Àquela altura Logan não estava


mais em seu colo, Sophia pegou o filho e o encarava preocupada. Pelo
simples tom dele e a deduzir pelo tipo de resposta que Poncho dera ao
telefone, ela poderia imaginar que havia algo errado e que provavelmente
era com Anahí. Naquele momento tanto ela quanto Jesse encaravam o
amigo, tão tensos quanto ele.

— Anahí está no General Hospital, ela está sangrando – Poncho respondeu


atordoado, guardando o celular e parecendo não saber o que fazer – Eu... eu
preciso ir até ela.

— Você não pode dirigir assim – Sophia disse já olhando para Jesse, que
tomou uma iniciativa.

— Eu levo você.

— Não precisa – Poncho dispensou, mas estava nítido o quanto ele parecia
perdido.

— Eu insisto – Jesse reafirmou, apertando-o pelo ombro. Foi quando


Poncho ergueu o olhar e os amigos puderam ver o desespero nítido no rosto
dele.

— Eu não posso perdê-la de novo.

— Pode ser apenas um sangramento simples – Sophia respondeu tentando


tranquiliza-lo – Não se apavore antes de saber o que é.

— Ela é a minha vida Sophia – Poncho respondeu – Se algo acontecer...

— Não vai acontecer nada – Jesse decretou, pegando as chaves de seu carro
e já andando em direção à porta – Ande, vamos.

— Avise Karen, Maite e Christian, por favor – Poncho pediu à Sophia antes
de sair em disparata logo atrás de Jesse.
Sophia assentiu, aninhando Logan em seus braços logo antes de pegar o
celular e fazer o que Poncho pediu. Com a mão na cabeça do filho, que
sequer fazia ideia do que acontecia ali e do medo que tomava o corpo de
sua mãe, ela apenas tentou afastar o mais rápido possível as lembranças
quando, mais de um ano antes, Jesse recebeu uma ligação como aquela
sobre Torrey. Ela apenas desejou estar certa e que aquilo não acontecesse de
novo. Apenas desejou que fosse somente um sangramento, como disse ao
amigo. Afinal, Poncho tinha razão... ele não suportaria perdê-la de novo.

Anahí sequer conseguiu pensar em ligar para o noivo. Desde a hora que ela
ligou para o 911, tudo o que fez foi caminhar vagarosamente para a sala do
próprio apartamento e esperar, deitada no chão em posição fetal, com a mão
na barriga e as pernas fechadas, quase como se pudesse impedir o bebê de
se esvair dali. As lágrimas caíam por seu rosto, molhavam o tapete. 15
minutos foi o tempo da hora que ela ligou até a maca que a levava invadir o
New York General Hospital. Bem que os socorristas quiseram leva-la para
outro hospital mais próximo, mas Anahí fora incisiva: tinha que ser no
General Hospital.

Arizona Robbins a esperava na porta da Emergência. Naquele momento ela


não fazia ideia que a paciente chegando era a amiga de Lexie, mas
reconheceu tão logo a maca entrou no hospital. Não era difícil lembrar de
uma mulher com um caso e um diagnóstico daqueles, feito por ela própria,
em especial porque Arizona havia prestado depoimento no julgamento
relacionado a ela. Uma vez tendo percebido quem era, a ordem de Arizona
foi para que a enfermeira bipasse Lexie. E Lexie, assim que chegou na
Emergência e viu a amiga chorando nervosa e sendo atendida, soube o que
deveria fazer.

— Any, o que... – ela perguntou atordoada, vendo a amiga grunhir de


agonia e se virando para a Arizona – O que aconteceu com ela?

— Estou fazendo uma ultrassonografia para saber, mas de toda forma eu


acredito que tenha a ver com a fratura por avulsão – Arizona disse
encarando Anahí – Você está com quantas semanas?

— Trinta e oito – Anahí disse sentindo as lágrimas escorrerem por seu


rosto.
— A sua bolsa estourou e o seu bebê vai nascer hoje – Arizona disse
calmamente, ciente da tensão que aquela situação envolvia – Mas eu não
acho uma boa opção que ele nasça por parto normal. Você teve um parto
anterior muito traumático e o seu sangramento muito provavelmente tem
relação com ele, então eu gostaria de fazer uma cesariana, se você estiver de
acordo.

— Lex? – Anahí perguntou esperando a opinião da amiga.

— Arizona é a melhor cirurgiã neonatal que eu conheço – ela ponderou –


Se ela acha uma boa ideia, eu confio.

— Então eu vou fazer – Anahí respirou fundo – Merda, eu não avisei o


Poncho... ele... ele...

— Shhh, tudo bem, eu falei com ele – Lexie segurou a mão dela
carinhosamente – Ele está sabendo e está vindo pra cá.

— Lex, eu sei que o que eu vou te pedir não é fácil... mas estou pedindo pra
você, porque se eu pedir pro Poncho ele não vai me atender...

— Any, não... – Lexie negou porque já suspeitava do que viria pela frente.

— Se tiver que escolher, escolha o bebê – Anahí pediu – Me prometa...

— Não me faça esse tipo de pedido – Lexie implorou, segurando a vontade


de chorar a todo custo.

— Me prometa Lexie. Por favor...

— Por que esse papo? Nós não estamos falando de um parto de risco –
Arizona riu – Eu vou salvar os dois, você e o bebê, não se preocupe. Grey...

— Eu quero ir com ela – Lexie olhou para Arizona quase implorando, mas
já via a amiga negar com a cabeça.

— Eu não vou conseguir operar com esses seus olhos desesperados me


cobrando algo...
— E eu não posso deixa-la sozinha...!

— Eu vou – a voz grave saiu e Lexie virou-se para trás, encarando Mark.
Ele provavelmente ficou sabendo e apareceu para ajudar no que fosse.

E já estava ajudando...

— Fique aqui e espere o Poncho, ele vai precisar de você – Mark disse para
a namorada, beijando a testa dela e se virando para Anahí – E você
mocinha, saiba que está em excelentes mãos mais uma vez. Eu dei sorte em
todas as suas cirurgias, nessa não vai ser diferente.

— Nós vamos cuidar bem dela – Arizona prometeu.

— Vai ficar tudo bem Any – Lexie disse confiante segurando a mão dela –
Nós nos vemos quando você for mãe pela segunda vez.

Não houve resposta. A enfermeira, Mark e Arizona saíram dali com a maca
com uma Anahí que sentia medo. Não importava, qualquer médico poderia
dizer que havia cem por cento de chances de dar tudo certo e ainda assim,
ela sentiria medo. Eram anos e anos de tudo dando errado, para, após, no
último tudo dar certo. Ela não conseguia ter grandes esperanças e, dessa
vez, apenas rezava para que nada mais fosse lhe tirado.

Só que havia uma pessoa que havia perdido muita coisa também. Poncho
teve Anahí arrancada de sua vida por um longo tempo. Ela voltou depois
que ele sequer tinha esperanças e causou nele a sensação de como era voltar
a respirar depois de muito tempo sem conseguir. Depois de tudo o que os
dois estavam vivendo, a paz que se acostumaram a ter na vida que estavam
construindo, ele não esperava por aquele tipo de reviravolta. Por isso e por
estar acostumado a perder, Poncho teve dentro de si a certeza de que só se
acalmaria depois que a visse bem na frente dele, segura e com o bebê dos
dois nos braços.

Lexie tinha ficado na Emergência exatamente porque sabia que Poncho


chegaria ali atordoado. E foi exatamente o que aconteceu. Ela viu quando
ele irrompeu como um raio, seguido por Jesse de perto, e quase pulou sobre
a enfermeira que estava na recepção. Era exatamente para isso que ela havia
ficado ali: porque precisava olhar nos olhos de seu amigo e fazê-lo
acreditar, mais uma vez, que tudo ficaria bem.

— Anahí Portilla – Poncho disse batendo os dedos ansioso sobre o balcão


da recepção – Ela deu entrada na Emergência ainda há pouco...

— Ela está na cirurgia – Lexie disse se aproximando dele calmamente,


tomando para si toda a atenção de Poncho – Ela vai fazer uma cesárea de
emergência.

— Eu vou com ela – Poncho disse já caminhando para o hospital, mas


Lexie o segurou pelo braço, impedindo-o – Eu preciso ir, ela precisa de
mim nesse momento...!

— Não dá mais, ela já está lá, a essa altura já deve ter começado – Lexie
segurou as mãos dele mas rapidamente viu que Poncho parecia um animal
enjaulado querendo fugir – Poncho, ela vai ficar bem.

— Você sabe perfeitamente bem que eu não consigo acreditar que tudo vá
simplesmente ficar bem – ele mordeu os lábios nervoso – Depois de tudo o
que nós vivemos... depois dela ser tirada de mim daquele jeito...

— Ninguém vai tira-la de você dessa vez, eu te garanto – a cirurgiã


respondeu confiante – Poncho, ela está sendo cuidada pela melhor. Tanto
que eu fiquei aqui do seu lado, porque confio que as mãos de Arizona
Robbins são as melhores pra cuidar da Anahí e do filho de vocês. Agora
você precisa confiar também.

— Era pra eu estar do lado dela – Poncho grunhiu agoniado – Não era pra
ser assim, não era esse o plano...

— Mas Poncho, nada está seguindo o plano – Jesse disse passando a mão
pelo ombro do amigo – Eu não planejava ter perdido a Torrey e ter que criar
a Samantha sozinho, e nem quando tudo parecia estar bem, aquele filho da
puta do Chad ter feito o que fez com a Soph. Nunca imaginei que tivesse
que passar uns trinta segundos achando que o meu filho era de outro, era de
um estupro. Como você também achou que iria para aquele apartamento
com a Any uma única vez e que vocês já fossem ter três ou quatro filhos,
que nunca iriam se separar... a única coisa certa dos planos é que eles vão
ser estragados pelas nossas expectativas, e com isso a realidade pode ser
melhor ou pior. A única coisa que eu sei é que não importa o que acontece,
nós sempre damos um jeito de guiar as nossas vidas de volta pro caminho
que queremos. Nós sempre encontramos o caminho de volta... e a Any vai
encontrar o caminho de volta pra você, não importa o que aconteça.

— Agora vamos lá para cima pra esperar o seu filho ou filha nascer – Lexie
disse sorrindo mais do que nunca – Afinal, eu tenho certeza que ele vai
querer que o pai dele esteja na porta do berçário à sua espera.

A porta da sala de cirurgia era restrita ao corpo médico e funcionários do


hospital. Poncho ficou ao lado de Lexie e de Jesse na sala de espera,
agoniado. Metade de si era tomada pelo medo e o pessimismo; a outra
metade, por sua vez, tentava focar nas palavras de Jesse. Anahí encontraria
o caminho de volta. Eles tinham vivido muito, mas tinham muito mais a
viver. Aquele não seria o ponto final, era apenas mais uma vírgula que
ficava insignificante conforme o contexto era tido num todo.

Restava esperar.

Tic tac, tic tac, tic tac...

xxx

Deja vu.

No dia do retorno de Anahí, Maite estava na escola, dando aula, quando


Mane apareceu. Ele, por sua vez, também estava trabalhando ao receber o
recado de que deveria ir à secretaria atender a uma ligação que mais tarde
descobriria que era de Christian, para lhe avisar que Anahí
surpreendentemente estava viva e hospitalizada, e que ele, Mane, deveria
contar à Maite. Naquele dia a situação não estava muito diferente. A escola
que Maite trabalhava era próximo ao colégio onde Mane treinava seu time
de basquete. Sophia preferiu avisa-lo, achou que era melhor que Maite fosse
avisada pessoalmente. E mais uma vez, ele era o portador das notícias
complexas.
Por sorte Mane estava na sua sala quando recebeu a ligação da amiga. Não
haveria treino, a temporada ainda não havia começado, então ele seguiu
direto para o trabalho da namorada. Como Mane era conhecido ali, ele não
tinha problemas em chegar até Maite. Ela estava dispensando a turma,
entregando cada criança aos pais e falando com alguns deles, e ao terminar
se surpreendeu ao vê-lo ali.

Havia algo errado, definitivamente.

— O que aconteceu? – ela franziu a testa, colocando as mãos nos bolsos – É


algo com a Luna? Por que ela não está com você?

— Luna está bem, está na creche – Mane suspirou, pronto para não fazer
rodeios. Ele sabia o quanto Maite odiava que enrolassem para dizer algo –
Vim aqui porque precisava te dizer algo.

— Puta merda Mane, fala de uma vez – Maite resmungou.

— Sophia me ligou, porque Poncho estava na confeitaria quando a Lexie


falou com ele... Anahí foi levada pro hospital. Ela teve um sangramento.
Ainda não sabemos se é grave ou não, mas pelo que a Soph falou, ela teve
que fazer uma cesariana de emergência... e como eu bem te conheço, sabia
que você poderia se desesperar e achei melhor vir te dizer pessoalmente.

— É só isso ou tem algo mais de ruim? – Maite tinha os braços cruzados e


parecia cética – Ela não morreu, não é? O bebê...

— É tudo o que eu sei amor – Mane a abraçou – Você acha que se tivesse
acontecido algo pior, eu não te diria?

— É claro que diria – Maite suspirou longamente – Droga... não era esse o
plano de parto que a Any queria.

Imediatamente Mane deixou de abraça-la, franzindo a testa. Será que Maite


havia entendido bem? Anahí tinha tido um sangramento e parecia grave o
suficiente para que uma cesariana fosse feita... e sua melhor amiga se
preocupava com um plano de parto...? Ela realmente dimensionava o que
estava em jogo ali?
— Maite, eu não sei se você entendeu bem... – Mane observou, ponderando
a situação para escolher as melhores palavras – É claro que não sabemos,
mas a coisa toda é séria. Poncho está apavorado.

— É claro que está – Maite respirou calmamente, embora estivesse tensa –


Mas vai ficar tudo bem com os dois. Eles vão sair bem disso tudo.

— Como você pode ficar tão calma...?

— Porque é o que o meu coração diz – ela sorriu – E o meu coração já me


disse algo assim e ele não estava enganado. Vai ficar tudo bem Mane, eu
tenho certeza.

— Não tem mais nada nesse mundo mais nobre que o seu coração, eu
confio nele – Mane beijou a testa dela – Você quer ir pro hospital?

— Quero – Maite confirmou – Eu quero estar lá quando ela sair da sala de


cirurgia e precisar de alguém pra resmungar que estragaram o plano de
parto dela.

E tudo o que Mane torcia naquele momento era para o nobre coração de
Maite estar certo mais uma vez. Só mais uma vez...

Tic tac, tic tac, tic tac...

xxx

Os minutos se alongavam. Um parto demorava tanto assim? Poncho se


perguntava sem parar. Cada volta completa dos ponteiros no relógio parecia
demorar uma eternidade. Ele estava ali há somente meia hora, mas parecia
que chegara há horas, dias. Quando iria acabar?

Foi exatamente quando ele estava naquele pensamento que viu Mark saindo
da sala de cirurgia e se levantou. Lexie tinha os olhos fixos no namorado,
procurando ler algo na expressão dele que indicasse o que quer que fosse,
que desse um sinal do que acontecia dentro daquela sala de cirurgia, mas
não conseguia enxergar nada. Mark era fechado demais naquele momento,
ele nunca dava pistas. Apenas quando ele parou na frente de Poncho a
mensagem veio.

— É um menino – ele sorriu – É grande, forte e saudável, Karev está


examinando-o. Já já vai pro berçário.

— E ela? – Poncho perguntou ainda receoso. Afinal, nenhuma alegria


existiria se não fosse completa – Ela está bem? Ela...

— Aconteceram algumas complicações – Mark explicou calmamente – Ela


teve uma hemorrafia logo depois que o bebê saiu. Robbins está fazendo
todo o possível.

Todo o possível. Lexie não gostava daquelas palavras. Geralmente, quando


as dizia, o que acontecia na mesa de cirurgia não era bom. É claro que ela
não diria para Poncho, mas a informação dada por Mark era o suficiente
para minar toda a tranquilidade que ela tinha dentro de si. E mais do que
nunca, Lexie rezou para estar certa: para que as mãos de Arizona Robbins
fossem as melhores do mundo, porque eram nelas que a vida de Anahí
estava.

Mas Lexie não queria que Poncho ficasse preocupado como ela já estava.
Por isso ela passou as mãos pelos ombros do amigo, repetindo
incessantemente que ficaria tudo bem, que Arizona Robbins era a melhor e
que ela cuidaria bem de Anahí, que complicações como aquela aconteciam
e poderiam ser facilmente contornadas, embora soubesse que não era
simples assim. Afinal, por melhor que ela de fato fosse, por menos raro que
aquela situação demonstrasse ser, ainda assim era Anahí. A que ficou oito
anos dada como morta. A que correu o risco de não poder ter filhos.

Restava rezar para que raios não caíssem no mesmo lugar.

Mas dentro da cabeça de Poncho as piores imagens se formando. Ela não


conseguindo resistir, ele tendo que dar a notícia para Karen, para Maite,
para Missy... tendo que criar aquele menino sozinho, sem a presença dela,
sem Anahí ter tido, mais uma vez, a chance de ser mãe desde o início. Os
sonhos que ela nunca iria realizar, a vida que ele viveria sem ela, dessa vez
diante de uma certeza. A mera possibilidade já fazia o coração de Poncho
doer demasiadamente. Ele sequer conseguia cogitar que aquilo tudo fosse
real.

— Ela precisa sair disso – Poncho murmurou para si mesmo, tampando o


rosto com as mãos – Precisa...

Uma hora a mais de cirurgia até Arizona Robbins sair da sala de cirurgia e
se encaminhar até onde ele esperava. Àquela altura Karen, Keith, Maite e
Mane também estavam ali. Assim que Poncho viu a cirurgiã de Anahí se
aproximando levantou de pronto, tentando observar ao máximo a expressão
daquela mulher, extraindo dali a resposta que ele queria ter. Mesmo sabendo
que, o que tivesse que acontecer, já tinha acontecido, ele fez uma figa com a
mão. E mais uma vez, rezou em silêncio.

— Me diga que você conseguiu salva-la – Poncho implorou com a voz


falha. Foi nessa hora que ele viu a cirurgiã franzir a testa como se ouvisse
um tremendo absurdo.

— É lógico que eu consegui salva-la – Arizona disse com toda a segurança


do mundo – Ela está bem. Se saiu muito bem, ela é forte, nós sabíamos
disso desde o início. Agora temos que observar pelas próximas horas e
aguardar que ela acorde.

Poncho nunca tinha sentido tanto alívio na vida. As lágrimas começaram a


cair quentes por seu rosto sem que ele conseguisse evita-las. Anahí estava
viva, estava bem. Dali algumas horas ela acordaria e eles eram pais mais
uma vez. Ele sentiu as mãos de Karen em suas costas, ouviu as vozes dos
amigos comemorando, suspirando aliviados, mas mal conseguia se mexer já
que estava tomado por toda aquela emoção que sentia. A emoção que fazia
expulsar aquelas cenas ruins que ele imaginara. Aquela que o fazia se dar
conta que recuperar Anahí pela segunda vez era ainda mais intenso que da
primeira, mas que o fazia rezar para que nunca mais se repetisse. Ele não
suportaria uma terceira.

— Meu filho... – Poncho murmurou. Uma vez passada a agonia, ele estava
pronto para ver o baby Arthur.
— Ele está no berçário, vocês podem olhar do lado de fora – Arizona sorriu
– Quando a mamãe acordar, nós iremos leva-lo pra conhecê-la. Eu tenho
certeza que ela estará ansiosa.

Agora a espera era gratificante. Os amigos foram e voltaram dali, com


presentes para Anahí e o baby Arthur, com balões para decorar o quarto. A
única que ficou foi Karen, ela se recusava a sair dali até ver a filha. Poncho
foi e voltou do berçário, viu o filho ser retirado da encubadora onde passara
as primeiras horas e ser colocado no bercinho, tentando, mesmo de longe,
perceber com quem ele parecia mais. Felizmente as novas cenas que
tomaram o espaço da anteriores eram muito melhores, todas relacionadas à
Anahí vendo aquele bebê pela primeira vez. A criança que, diferentemente
de Missy ou Daniel, era a mistura perfeita deles. O tipo da cena que ele
ansiou viver a vida inteira e finalmente se tornaria realidade.

Até que chegou a hora.

— Ei – Lexie passou a mão no ombro dele, fazendo Poncho despertar – Ela


acordou.

— Eu posso vê-la, não é? – Poncho perguntou desconfiado. Ainda se


lembrava de quando Anahí tinha voltado e por pouco Amelia Shepherd não
o proibiu de visita-la.

— Sim, você pode e ela está chamando por você.

— Vá sozinho querido – Karen falou – Depois nós entramos. Vocês


precisam de um momento a sós.

Precisavam mesmo.

Os dedos de Poncho formigavam por aquele momento. Até então ele sentia
como se tivesse sido arrancado de seu próprio corpo e, depois, colocado de
volta. As emoções ainda estavam à flor da pele, mas caminhando para o
quarto do hospital onde Anahí estava, foi o primeiro momento em que ele
parou para pensar na forma como ela estaria. E, ao abrir a porta, a cena que
imaginou foi exatamente a que acabou se concretizando: ela estava deitada
na cama hospitalar às lágrimas.
— Ei... – Poncho disse se aproximando, franzindo a testa, embora tivesse
uma boa suspeita do que acontecia ali – O que houve...?

— Eu ainda não o vi – Anahí chorava sem parar – Ele está bem? Me


disseram que era um menino, mas não disseram mais nada. O que
aconteceu...? Eu só lembro de falarem que precisavam me sedar, que algo
estava errado... Poncho, você iria me dizer... é algo errado com ele?

Os olhos azuis dela estavam fixos nele. Anahí ansiava por aquela resposta
como pela própria vida. E Poncho, dando um beijo na testa dela e
segurando suas mãos, não demorou a tranquiliza-la.

— Ele está ótimo – a voz dele saiu cheia de ternura, deixando óbvio o
quanto estava abobado por aquele filho que acabara de nascer – Ele é
perfeito.

— Verdade? – o tom de Anahí de repente mudou.

— Eu não mentiria – Poncho mordeu os lábios – Não fiquei muito tempo


no berçário, a Lex disse que você tinha acordado e Deus, eu precisava ver
você. Me assustei quando te vi chorando, achei que tinha acontecido algo
de novo.

— Desculpe pelo susto – ela suspirou levemente – É que... parece que as


coisas sempre dão errado pra gente, que não podemos fazer planos. Eu tinha
pensado tanto em como seria uma foto de nós três quando ele nascesse... e
simplesmente não aconteceu.

A resposta de Poncho não era algo que ela poderia esperar.

— Eu também não achava que seria assim – ele ressaltou – Mas posso dizer
algo que você vai tentar não ficar brava comigo...? – a pergunta fez Anahí
franzir a testa, mas assentir concordando – Eu prefiro entrar aqui e ver você
chorando de frustração a simplesmente não te ver chorando mais. Eu vivi
oito anos assim e, quando me disseram que as coisas não estavam indo bem
na cirurgia, entrei em pânico com a possibilidade de viver isso tudo de
novo. Então os planos podem dar errado, podem não sair da forma que nós
queríamos, mas desde que você continue do meu lado... eu não me importo
de ter que refazer tudo.

A expectativa era Anahí ralhar com aquela primeira frase, mas terminou
com ela sorrindo. Uma prova de que, mesmo das piores coisas, poderiam
surgir surpresas inesperadas.

Mas antes que Poncho pudesse dar detalhes da agonia que viveu naquelas
últimas horas, a porta do quarto se abriu com a enfermeira da obstetrícia
trazendo um pequeno bercinho móvel onde um bebê já anunciava sua
chegada. O sorriso de Anahí se foi, dando lugar às lágrimas de volta. Mas
dessa vez eram por outro motivo.

Dessa vez, não havia uma cena ruim para traçar como paralelo: aquilo era
totalmente novo. Poncho, por sua vez, se sentia diferente da vez anterior
que viveu aquele momento. Daniel era seu primeiro filho, tudo era
terrivelmente novo e assustador. Agora, sobretudo pelos últimos
acontecimentos, ele se sentia mais forte e mais preparado para o que viria. E
definitivamente mais completo, embora fosse tão feliz quanto.

— Vocês ainda não se conheciam aqui fora não é? – a enfermeira perguntou


ao colocar o bebê nos braços de Anahí – Então podemos apresenta-los...
Arthur, essa é a sua mãe.

— Oi bebê – Anahí passou o dedo no rosto do filho com suavidade, com a


voz nitidamente embargada – Bem vindo meu amor.

À Poncho faltavam palavras. Ele estava apenas ali, por perto. O baby
Arthur estava inquieto, visivelmente parecia ter fome e não se acalmaria até
que a mãe lhe desse o seio. Poncho sabia que aquela não seria das melhores
experiências, que a primeira amamentação costumava ser dolorida para a
mãe, tinha algo que ele queria fazer antes. Por isso pediu à enfermeira que
os deixasse brevemente a sós. A moça estranhou mas concordou, dizendo
que estaria no corredor para quando fosse necessário. Anahí ainda tinha os
olhos fixos no filho, sem conseguir deixar de observa-lo. Não tinha
percebido o que o noivo estava preparando.
— Ele parece com você – Anahí analisou – Tem o meu cabelo, mas no tom
do seu. E a sua boca. Será que tem os seus olhos ou os... o que você ta
fazendo?

— Encoste-o no seu corpo... isso, assim – Poncho indicou, logo estendendo


o celular para tirar uma selfie.

— Eu to cheia de olheiras Poncho...

— Maternidade real amor – ele disse sorrindo para a câmera, mas não
clicando na foto até vê-la sorrir também.

A foto era meio bagunçada. Arthur chorava nos braços da mãe, Anahí não
tinha nem de longe a melhor das aparências, Poncho ainda via os traços do
choro de horas antes em seu rosto. Mas era real. Era imperfeita, espontânea,
nada planejada. Era eles, sem tirar nem por... e brilhava demais.

— Vamos olhar pra essa foto num futuro álbum de bebê e lembrar o nosso
filho que ele é a síntese do que nós somos: o plano B – Poncho disse
beijando a bochecha dela – O plano original não dá certo pra gente, sempre
nos obriga a refazer as ideias, a improvisar. Mas não tem problema, porque
diferentemente da maioria das pessoas, você e eu não desistimos. Nem um
do outro, nem da nossa família, nem da nossa felicidade. E essa foto... é a
prova viva disso.

Anahí não respondeu. Ela apenas ficou sorrindo para Poncho, ainda
segurando o filho, com aquele sorriso meio lágrima, meio alívio. E o choro
de Arthur, por sua vez, tomava o ambiente... como provavelmente seria dali
para frente.

— Vou chamar a enfermeira agora porque você vai precisar de ajuda para
amamentar – Poncho disse levantando da cadeira.

Dali em diante ele sabia como era: nada seria fácil. Tudo mudaria. Mas eles
estariam juntos. Ele estaria por perto, ao lado dela, atrás dela, na frente dela,
sempre ao seu alcance. Enquanto seria assim, no improviso ou de imediato,
eles dariam um jeito de fazer dar certo.
~

Que saudade que eu tava disso aqui!

Não, ainda não voltei de vez. Sei que prometi que voltaria quando
terminasse de escrever os três capítulos finais, mas já se passaram mais de
duas semanas e eu imagino que vcs estejam numa seca muito grande. Por
isso vou postar os outros conforme escrever, peço a paciência e a
compreensão de sempre, to fazendo o que eu posso e vcs sabem que a
história vai ter um fim (e que vai ser lindo!), apenas não darei datas ou
prazos pra não criar expectativas em ninguém e não me pressionar.

Agora estão mais tranquilas depois desse desfecho? AyA bem lindos em
família com o baby Arthur, um bálsamo depois de toda a agonia que eles
passaram ao longo de toda a fic.

Podem ficar tranquilas que nos próximos dois capítulos não teremos
nenhum tipo de susto, irei apenas finalizar a fic com o que falta pra fechar,
só com mel bem enjoativo do jeito que sei que vcs gostam e na mesma linha
das fics anteriores, o jeito que eu gosto de finalizar.

Espero que gostem do cap e vcs sabem, quanto mais retorno eu recebo,
mais me inspira a conseguir escrever!

Beijos,

Rafa
Capítulo 94 - Dreams

— Eu sempre soube que seria um menino sabem, desde o início... digam


que ele não tem uma carinha de Arthur...!

O avô de Anahí estava terrivelmente babão com o bisneto nos braços. O


menino dormia calmamente, enrolado numa manta amarela, com a
mãozinha próxima à boca. Obviamente o baby Arthur encantava a todos ao
redor – a mãe especialmente, que mesmo após uma primeira noite mal
dormida, praticamente passada em claro, ainda observava o filho com o
mesmo olhar de ternura do primeiro momento que o viu, doze horas antes.

— Na verdade ele tem carinha de Poncho – Karen observou – Desculpe


querida, mas da mesma forma que Missy é igual a você, Arthur é a cara do
pai.

Anahí se calou naquele momento, pensando no quanto não achava a filha


fisicamente tão parecida assim com ela. Especialmente quando encarava
Missy pelos olhos, ela se lembrava daquele que a havia gerado. Com esse
momento sempre vinham lembranças ruins. O olhar de Anahí naquele
momento ficou vago e Poncho percebeu. Como a conhecia bem, ele sabia
exatamente o que a deixou em transe daquela forma e se aproximou.

Bastou. Ele por perto não apenas afastava aqueles pensamentos ruins, como
também a fazia constatar algo óbvio: Missy puxara o pai... já que pai era
quem criava, quem amava. A menina tinha a personalidade idêntica a de
Poncho e muitos traços da mãe. Era o que importava, o resto era o resto.

— Tem certeza que posso te deixar aqui? – Poncho perguntou a ela num
sussurro – Você vai ficar bem?

— Claro que vou – ela sorriu dando um selinho nele – Vem de tarde, traz as
crianças.

— Eu cuido de tudo aqui querido, vá tranquilo – Karen apertou o ombro do


genro lhe passando segurança.

— Vá sim, aproveite para dormir um pouco – Ellie foi quem comentou


naquele momento.

— Ah é – Harry alfinetou o cunhado – Afinal de contas, nas próximas dez


mil noites quando ele acordar você que terá que levantar.

— Eu gosto desse garoto, não a toa tem o meu sobrenome – Anahí


completou e o irmão riu pra ela. Nem parecia que, quando ele tinha
chegado, os dois chegaram a se odiar – Isso aí Harry, ele acorda e eu
durmo.

— Só você tem o que o Arthur mais gosta – Poncho voltou a beija-la, se


afastando – Mais tarde eu volto com as nossas crias.
O momento com Missy e Daniel conhecendo o irmão caçula era o mais
esperado de todos. As duas crianças eram as únicas que sabiam o sexo do
bebê e finalmente podiam gritar que era Arthur quem estava a caminho.
Mas naquela manhã, diferentemente da expectativa, eles não puderam ir
direto para o hospital como gostariam. Karen deixou a neta na escola e
Diana fez o mesmo com o filho, de forma que os dois só chegariam mais
tarde, após o fim das aulas, o que obviamente não os agradou.

Aquela primeira manhã de vida do pequeno Arthur foi de visitas da família


da mãe. De uma só vez Keith, Karen, Harry, Ellie e é claro, o bisavô Arthur,
provavelmente o mais ansioso de todos, foram conhecer o bebê. Anahí não
tinha dormido nada naquela noite, estava sentindo as dores pelos pontos da
cirurgia delicada que passou, não encontrava uma posição ideal na cama e
ficava nervosa porque o bebê chorava, queria mamar e não pegava no sono.
Poncho, por sua vez, passara a noite praticamente em claro cuidando dos
dois, e exatamente por isso Karen chegou o mais rápido possível no hospital
para render o genro e deixa-lo dormir por algumas horas. Poderia ser o dia
todo, se ele não tivesse a missão de levar os filhos para conhecerem o
irmão. Não era algo do qual ele poderia se esquivar.

E aquelas não eram nem de longe as últimas visitas. Anahí sabia que os
amigos cedo ou tarde apareceriam para visitar Arthur e ela, a cunhada idem
e, naquela manhã, Poncho dissera que seus pais também estavam vindo de
Chicago para conhecerem o neto caçula. Por mais que ela estivesse feliz ao
ver todas as pessoas que amava ao seu redor, babando em seu filho, tudo o
que Anahí queria era dormir. Mas ela tinha plena ciência de que agora esse
era um verbo raro em sua vida.

Tanto era um verbo raro que Anahí estava dormindo quando um momento
dos mais esperados finalmente aconteceu. Do lado de fora do hospital Maite
descia de um táxi com Missy em seu encalço, definitivamente ansiosa para
conhecer o irmão caçula. Ela esperava encontrar Erendira, que teria trazido
Daniel para que ele, junto com a irmã mais velha, fosse finalmente
apresentado ao baby Arthur... mas não era ela quem tinha levado o menino
até ali. Assim que a morena entrou no New York General Hospital, ela se
deparou com Diana ali.
Não que Diana e Maite ainda fossem inimigas... na verdade elas nunca
haviam sido. Só que nem mesmo a animosidade existente antes ainda havia,
era uma fase totalmente superada. Logo Maite via a ex-mulher de seu
amigo parada ali, com o filho, vendo Daniel quase pular de ansiedade junto
com Missy, percebendo que algo deveria ser dito.

— Não sei se Poncho está podendo ficar com ele esses dias, tudo deve estar
uma loucura – Diana comentou para Maite lhe entregando a mochila do
filho – Então eu posso busca-lo mais tarde. Ou, se você preferir, pode
deixa-lo na minha casa. Deixar os dois, se quiser, eu não me incomodo de
cuidar da Missy caso a Anahí precise, porque o Eric está lá em casa de
qualquer forma...

— Quem é Eric? – Maite franziu a testa.

— O filho do Bradley – Diana respondeu com toda a naturalidade do


mundo – Bradley é meu namorado. Desculpe, eu falo como se todos
soubessem.

— Ah sim... mas não se preocupe. Eu verei com o Poncho como ele quer
fazer e te aviso.

— Tudo bem – Diana assentiu, se virando para o filho e dando um beijo na


bochecha – Comporte-se, ok? Dê um beijo enorme no seu irmão e na tia
Any por mim, tudo bem?

— Uhum – Daniel assentiu, logo voltando a se animar com a irmã.

Diana já estava prestes a sair dali, quando Maite segurou-lhe pelo braço
para falar o que deveria ter dito há muito tempo.

— Eu sinto muito se algum dia fui desagradável com você – Maite disse
honesta – Você definitivamente não mereceu e hoje eu percebo isso. Eu
provavelmente fui muito injusta, porque eu jamais lidaria com tudo com a
maturidade que você lidou e ainda lida, mas eu apenas...

— Você estava defendendo a sua amiga – Diana sorriu sincera – Está tudo
bem, não há o que ser perdoado. Eu estou bem com tudo isso do Poncho ter
seguido em frente, eu também estou seguindo. E meu filho está feliz, é o
que importa.

— Sim – Maite assentiu concordando – Você está certa. É o que realmente


importa.

E mais aquele capítulo estava encerrado.

Maite não pôde demorar muito mais, as crianças estavam definitivamente


ansiosas. Poncho já estava de volta no hospital e digitava uma mensagem
no celular para a mãe do lado de fora do quarto onde Anahí estava internada
quando ouviu as vozes dos filhos assim que a porta do elevador se abriu.
Imediatamente ele levantou a cabeça e sorriu, se abaixando para abraçar os
dois. Logo percebeu que eram as crianças que conheceriam Arthur, mas ele
que estava agitado e ansioso por aquele momento. Provavelmente Anahí, do
lado de dentro, estava da mesma forma.

— Ei, lembram do que conversamos? – Maite se abaixou falando com os


dois – Ele é um bebê pequenininho, muito frágil.

— Sim, vocês têm que ter cuidado – Poncho recomendou – Não podem
beijar o rostinho dele, têm que lavar as mãos antes de tocar... tudo bem?
Posso contar com vocês?

Os dois imediatamente assentiram. Mas Missy parecia preocupada, Poncho


logo pôde notar.

— O que foi princesa? – ele a chamou.

— E minha mamãe? Ela ta bem?

— Claro que sim – Poncho abriu um sorriso enorme, aliviado por poder
dizer aquilo – Ela está ótima e ansiosa pra ver vocês.

Foi a vez de Daniel sorrir. Anahí não era mãe dele, mas mesmo assim ela
ansiava por vê-lo, pela cena onde ele conheceria o irmão. Os laços daquela
família eram diferentes do esperado, do tradicional, mas definitivamente
especiais.
— Na verdade ela está um pouco mau humorada – Poncho disse entre os
dentes para Maite após se levantar, enquanto as crianças entravam no quarto
com toda a calma do mundo – Não dormiu direito, Arthur acordou para
mamar quarenta minutos depois da última mamada...

— Ah, o puerpério... – Maite ergueu as sobrancelhas rindo. Ela sabia


exatamente como aquilo funcionava.

Anahí realmente não estava com o melhor humor do mundo. Naquele


momento ela segurava o filho nos braços e o amamentava sentindo todo o
sono do mundo, que estava estampado em seu rosto, e suas olheiras
pareciam mais fundas do que nunca... sem falar na dor causada pelos pontos
da cirurgia. Mas tudo ficou deixado de lado quando ela viu as crianças
entrarem. A calma com a qual Missy e Daniel caminhavam até a cama dela
indicava que os sermões já haviam sido dados do lado de fora. Missy parou
no pé da cama olhando ansiosa para a mãe, Daniel correu para o banheiro
do quarto e voltou com as mãos lavadas dizendo que já poderia segurar o
bebê, o que fez Missy correr para o banheiro em seguida para fazer o
mesmo. No fim Anahí riu, se dando conta que era totalmente possível se
sentir exausta e mesmo assim, feliz.

— Oi meus amores – Anahí sorriu carinhosa para os dois – Tem alguém


aqui que quer conhecer vocês.

O bebê tinha acabado de terminar de mamar. Mal acabou e caiu no sono.


Maite se deu conta disso e riu, vendo Poncho se aproximar e pegar o filho
dos braços de Anahí, colocando-o encostado em seu peito, em pé, e
acariciando suas costas para que ele arrotasse. Ele preferiu fazer isso
sentado na poltrona ao lado da cama, para que seus dois filhos mais velhos
pudessem conhecer o pequeno Arthur. Num primeiro momento tanto Daniel
quanto Missy se debruçaram sobre o braço da poltrona, analisando cada
detalhe do bebê, enquanto Anahí encostava a cabeça no travesseiro, aliviada
com a delícia que era viver aquela cena. Mas é claro que o silêncio não
durou muito.

— Ele é pequeno – Daniel comentou franzindo a testa – Acho que ele não
vai saber segurar o controle do videogame.
— É, vai demorar pra aprender – Poncho respondeu prendendo a risada.

— Ele só mama e dorme? – dessa vez foi Missy quem perguntou – Não faz
mais nada?

— Quando eles nascem são muito pequenos ainda, aos poucos aprendem as
coisas – Anahí foi quem respondeu.

— Nós vamos ensinar – Daniel disse trocando um olhar cúmplice com


Missy.

— Você tem que ensina-lo a fazer xixi em pé porque ele é menino igual a
você – Missy observou – Eu posso ensinar a andar e falar...

— Tudo bem – o menino concordou – Andar de bicicleta e jogar videogame


você pode deixar comigo. Acho que posso ensinar a comer sozinho
também, eu aprendi rápido.

— Vocês vão ser os melhores irmãos mais velhos do mundo – Poncho


comentou sorrindo, mais orgulhoso do que nunca.

E o brilho nos olhos dele ao falar aquilo, os pequenos sorrisos no rosto dos
filhos dos dois ao ouvir aquele pequeno e singelo elogio, eram das coisas
mais bonitas que Anahí tinha vivido. Das coisas que ela jamais conseguiria
esquecer.

xxx

A primeira semana de vida de Arthur foi um evidente furacão para sua mãe.
Com a mãe e a sogra por perto o tempo inteiro, Anahí não sabia se estava
sufocada ou aliviada. Karen e Evelyn faziam questão de ensina-la tudo, já
que o fato de ser mãe de Missy não a eximia de não saber as coisas – ela
não tinha criado a filha desde o início, afinal. Poncho tentava ao máximo se
desvencilhar das duas avós de seu filho, deixando claro que ele sim tinha
experiência com os primeiros dias e meses de um bebê e saberia lidar com
tudo, ensinando Anahí. Mas por vezes ele acabava apenas aproveitando a
ajuda extra e deitando na cama ao lado da noiva, vendo-a aconchegar o
filho sobre sua barriga, admirando a cena em silêncio. Era sublime eles
terem a chance de viverem aquilo depois de todas as tempestades que
tinham enfrentado.

Com isso vieram as semanas e, aos poucos, tudo encontrou o seu lugar.
Anahí foi adquirindo mais confiança nos banhos, nas trocas de fralda, nos
ciclos de mamadas eternas conforme Evelyn voltou para Chicago e Karen
foi retomando o comando do próprio café. O espaço deixado pelas avós foi
tomado pelas tias, eis que aquele se tornou um novo degrau na amizade de
Anahí com Maite e Sophia: a maternidade que as três tinham em comum.
Eram os conselhos das duas que mais importavam para ela, eis que todas
viviam aquilo pela primeira vez, ali e agora. As dificuldades de Anahí com
amamentação eram supridas pelos conhecimentos que Sophia tinha, já que
ela enfrentara todos os problemas do mundo com Logan. Já Maite era uma
verdadeira expert em cólicas, considerando que aquele era o principal
problema de Luna. Os amigos que não tinham filhos – Christian e Lexie –
era os que socorriam as novas mamães, por vezes aparecendo com caixas de
donuts e dando um tempo para que elas escovassem os dentes e lavassem os
cabelos, agora artigos de luxo em seus dias complicados.

Quando Arthur estava com quatro meses, exatamente no dia que finalmente
conseguiu alcançar o próprio pé e leva-lo à boca, uma Anahí que tentava
fotografar a façanha do filho recebeu uma ligação com uma boa notícia.

— Seu irmão foi aceito na Brown University! – Karen grunhiu animada, e


Anahí teve certeza que a mãe estava às lágrimas – Nós iremos comemorar
no café, não deixe de ir.

Nem parecia que, agora quase dois anos atrás, Harry havia chegado até a
casa dos Portilla totalmente maltrapilho num Thanksgiving que fez uma
ainda antipática Anahí acreditar que ele poderia ser um filho perdido de
Keith. No início ele estava em meio a um processo de desintoxicação de
drogas e viu nos novos pais adotivos uma rede de apoio para superar aquele
vício. Anahí e Harry haviam se estranhado de cara, um não fora com a cara
do outro, e ali, dois anos depois, com a notícia de que ele iria para a tão
sonhada faculdade de Medicina e com um enorme cartaz feito por Missy
escrito "parabéns, tio Harry" com a letra infantil que indicava o quanto ele
tinha se tornado um tio babão, indicava também o quanto aquela família
tinha mudado desde que Anahí a conhecia.
No início eram apenas quatro: Karen, seus avós e ela. Anahí sempre se
sentiu feliz por aquele seio familiar, mas agora o viu se multiplicar e esticar
para abraçar os mais diversos vínculos. Hoje ela via Harry como um irmão,
o via considerar os filhos dela como seus sobrinhos. Poncho era como um
filho para Keith e Karen e via seu filho, que não tinha parentesco algum
com eles, ser tratado como um neto também. Ninguém olhava para Missy e
via sua origem biológica, era como se o sangue de Tobias não corresse pelas
veias da menina. E a própria Anahí foi capaz de superar os vinte e três anos
da ausência de Keith em sua vida, e agora, com tanta naturalidade quanto o
irmão caçula, chamava tanto ele quanto Karen de pai e mãe. Como sempre
deveria ser.

— Vocês não vão ficar tristes porque ficarão sozinhos de novo, não é...? –
Harry perguntou aos pais abraçado a ambos, no meio deles, vendo-os rir.

— Quem disse que eles vão ficar sozinhos? – Anahí ralhou – Eles têm
tantos netos para cuidar que eu duvido que vão perceber que você foi
embora.

— Essa garota vai sentir tanto a minha falta – Harry resmungou irônico, em
meio às risadas dos outros, se soltando dos pais para abraçar Anahí – Vou
sentir sua falta big sister.

— Eu também, little brother – ela o abraçou de volta – E tenho certeza que


Missy vai sentir mais ainda. Você era um bom vale night.

— Bom saber o meu valor – o garoto revirou os olhos.

— Mas é sério, a oferta de cuidar dos netos está de pé – Anahí alfinetou


encarando os pais – Eu volto a trabalhar essa semana e Poncho terá que dar
conta dos três, certamente uma mãozinha vai bem.

— Anahí acha que eu não vou conseguir – Poncho disse encarando a noiva
com ar de riso.

— Ah, é claro que ele vai – Karen sorriu para o genro, abrindo uma careta
no rosto da flha.
— Meu Deus, pare de babar o ovo dele! – Anahí resmungou.

— Eu adoro que, na família comercial de margarina de vocês, os papeis são


invertidos – Harry alfinetou – Quer dizer, Anahí vai sair todos os dias para
salvar o mundo e Poncho vai ficar em casa limpando, passando e trocando
fraldas.

— Essa foi a vida que eu escolhi pra mim – Poncho suspirou com certo
deboche, mas no fundo adorando.

Anahí parecia tranquila naquele primeiro momento quando falava na teoria


sobre voltar para o escritório, ela se dizia perfeitamente capaz de voltar a
trabalhar e deixar Arthur com o pai. Poncho garantia à noiva que daria
conta, que tiraria de letra e que no máximo levaria o bebê para visitar a
mãe somente uma vez por dia, para que ela o amamentasse. Rapidamente se
percebeu que aquilo seria mais por Anahí do que por ele, já que, no
momento em que ela colocou os pés nas salas que Joy havia alugado para as
duas trabalharem, já se sentiu com um aperto enorme no peito.

— Por que você está com essa cara? – ela ouviu a sócia lhe perguntando
enquanto estava com os olhos azuis fixos no celular, digitando uma
mensagem para Poncho para conferir, pela centésima vez, se estava tudo
bem.

— Eu passei meses querendo estar aqui, e quando finalmente estou... –


Anahí suspirou longamente encarando Joy – Eu quero estar em casa com o
meu filho.

— Ah – Joy sorriu – Anahí, isso é normal. Talvez você não perceba porque,
na prática, é seu primeiro filho. É a primeira vez que você faz isso. Mas vai
ficar tudo bem, você vai se acostumar.

— Por que eu acho que você está apenas dizendo isso da boca pra fora e
que eu vou continuar preocupada e com a cabeça em dois lugares...?

— Preocupada e com a cabeça em dois lugares, de fato, você vai continuar


– Joy observou – Mas não, eu não digo isso da boca pra fora. Você vai se
sentir dividida porque quer estar em dois lugares. Mas você abriria mão
desse emprego pra ficar em casa apenas cuidando da sua cria...?

A resposta parecia óbvia demais.

— Não – Anahí respondeu de pronto.

Ela amava os filhos. Amava ser mãe, sempre sonhou com aquilo... mas ao
mesmo tempo, também sempre sonhou com o que vivia naquelas quatro
paredes e no My sister's place: trabalhar mudando a vida de mulheres.
Aquela era sua chance.

— Então, como eu disse... você vai se acostumar – Joy insistiu – Eu não


vou ser a pessoa que vai te dizer pra guardar o celular no canto e não falar
com o seu namorido se você está preocupada. Mas de toda forma, garanto
que tudo está bem. As crianças estão com o pai pra que você possa estar
aqui, dando um exemplo positivo pra Missy. A mamãe tem que trabalhar,
afinal.

O exemplo seria perfeito. Anahí ensinaria à filha que ela poderia escolher o
que quisesse. Melhor: que poderia escolher tudo, afinal.

No início foi realmente difícil mas, de alguma maneira, como quem joga
uma partida de Lego, Anahí aprendeu a encaixar todas as etapas da vida,
peça a peça. Como Poncho não estava escrevendo, ele se dedicava
integralmente aos cuidados dos filhos, fossem eles dois, quando Dani estava
com a mãe; três, quando era a semana do menino estar com eles ou mesmo
quatro, quando Samantha fazia companhia aos amigos. enquanto o pai
cuidava da casa e das crias, Anahí aprendia pouco a pouco a se tornar uma
leoa nos Tribunais, além de ajudar Joy com a parte administrativa do
escritório das duas que começava pequeno. Eram apenas elas e mais uma
advogada recém-formada. Tinha tudo para dar certo.

E aos poucos, conforme Anahí foi se acostumando a conciliar a carga de


maternidade e profissional, novos elementos foram surgindo. Primeiro era
só ser mãe, depois ser mãe e ir para o My sister's place, depois o escritório
se somou a tudo isso e, por fim, vieram os preparativos para o casamento.
Veio a data marcada, veio a escolha da lua-de-mel e os detalhes finais do
local, do buffet, flores e vestido... e no final, lá estava ela se casando. Se
casando com Poncho, com sempre deveria ter sido.

E as semanas foram se tornando dias, os dias foram se tornando horas e,


quando Anahí deu por si, ela estava em frente a um espelho, vestida de
noiva, em seu grande dia. Aquele dia com o qual ela sempre havia sonhado.

Ela usava um vestido de noiva tomara-que-caia, rendado na parte superior,


com uma fita champagne na cintura e com uma saia rodada de tule. Fora o
primeiro que ela experimentara, e Anahí era o tipo de mulher que vestia mil
peças antes de escolher. Mas curiosamente aquele tinha o caimento perfeito
e não houve dúvidas. Era como se tudo funcionasse e se encaixasse da
maneira certa. Como se fosse pra ser.

Era.

— Você está maravilhosa – Maite disse com os olhos marejados encarando


o reflexo da melhor amiga – Eu acho que vou chorar.

— Eu sabia que isso de vocês três serem mães quase ao mesmo tempo não
daria certo – Lexie alfinetou, fazendo com que a própria Maite, Anahí e
Sophia fizessem caretas ao mesmo tempo.

— Isso não tem nada a ver – Christian interrompeu – Eu não to cheio de


hormônios e amamentação, mas também to quase chorando de ver a Anahí
linda assim de noiva, pronta pra casar com o love dela.

— Exatamente isso, o dia com o qual nós sempre a vimos sonhar... – Sophia
suspirou longamente – Casar com o amor da sua vida...

— Vocês estão românticos hoje – Anahí riu negando com a cabeça – Se


querem saber, já tem um tempo que eu vivo todos os dias com os quais
sempre sonhei.

— Mas você há de convir que sempre sonhou em caminhar pro Poncho no


altar – Christian divagou – Em ouvi-lo dizer que sim pra você...
— De fato – Anahí concordou – Assim como sempre sonhei em ter o
emprego dos meus sonhos, que me cansa horrores, me dá dor de cabeça,
mas no final do dia é o que eu queria ter. Sonhei em ter filhos que me
deixassem exausta mas ainda assim, me fizessem me sentir tão bem quanto
eu sentia nos braços da minha mãe. Sonhei em formar com eles e com o
Poncho a família que eu formei com a minha mãe e meus avós. E agora eu
ainda tenho um plus, sabe? Eu além disso descobri um pai maravilhoso,
ganhei um irmão de bônus. E nisso tudo, com toda essa correria dessa vida
louca, mesmo nos dias estressantes, eu durmo e acordo ao lado do homem
que eu amo. Não poderia pedir mais.

— Livre de traumas – Sophia enfatizou, trocando um olhar significativo


com a amiga, como só entre elas poderia ser.

— Livre de traumas – Anahí confirmou.

— Estão vendo? – Maite passou o dedo no olho e se abanou – Me digam


como eu não vou chorar...?

— Maite chorando no casamento da Anahí e do Poncho – Christian riu – Ai


Gabi, só quem ta vivendo sabe.

— Gabi? – Lexie franziu a testa – Quem é Gabi?

— Lex, você passa tempo demais na sala de cirurgia e na cama do seu


Sloan e tempo de menos com os memes do twitter – Christian zombou
dando de ombros.

— Se você tivesse um Mark Sloan em casa, duvido que saberia todos os


memes que sabe – Maite cruzou os braços ironizando o amigo, que
concordou na mesma hora.

— Mas é claro que não saberia! Com um Sloan em casa eu só saberia o


formato do pau dele!

— Sempre destruindo o nível da conversa – Anahí negou rindo para o


amigo.
— Então vou levanta-lo novamente – Christian a encarou com um tom
totalmente diferente – Eu estou orgulhoso de você. Nós quatro aqui
sabemos melhor do que ninguém tudo o que você enfrentou nesses últimos
dois anos. Te ver indo pro altar hoje é a concretização disso tudo. É saber
que hoje é mais um dia perfeito dessa sua vida perfeita com o homem que
você ama e com os seus filhos lindos, meus afilhados maravilhosos. Eu to
feliz de ser parte desse seu dia, de mais esse seu dia.

— Agora quem vai chorar sou eu – Anahí mordeu os lábios, vendo Sophia
rapidamente intervir.

— Nada de chorar! Você vai se casar! Não pode borrar a maquiagem...!

— Não chore, você é nosso cristalzinho precioso, queremos que tudo seja
não menos que maravilhoso – Christian enfatizou. Lexie, ao seu lado,
franziu a testa.

— Cristalzinho precioso...?

— Mais um meme pelo visto – Maite prendeu a risada.

Seria um casamento simples, repleto de flores do campo, no Central Park,


onde eles contavam com a decoração da natureza. Poncho já estava no altar,
vestido elegantemente com um terno, nervoso, com Jesse e Mane por perto
dizendo que ele deveria ficar tranquilo, que tudo daria certo e certamente
Anahí seria perfeita como de costume. Eles não se viam desde a noite
anterior, na qual, para aumentar o suspense da situação, Anahí dormiu no
apartamento de Christian cercada pelas amigas que fizeram questão de
cuidar de todos os detalhes para que a preparação para o dia deles fosse
perfeito.

O que apenas Poncho sabia é que não importava se ele tivesse visto Anahí
pela última vez antes do casamento na noite anterior, naquela manhã ou há
cinco minutos: ele sempre estaria ansioso. Casar com Anahí era algo com o
qual ele tinha sonhado a vida inteira, idealizado ao extremo, escrito sobre
aquilo. Nada se comparava à realidade, no entanto. Quando ele vivia aquela
cena, percebia que seus sonhos eram situações totalmente imateriais. Ali e
agora Poncho sentia o frio na barriga como se ele ainda fosse o adolescente
de quinze anos que se descobriu apaixonado pela amiga. O típico frio na
barriga que sentiria a vida inteira, a cada situação especial que envolvesse
os dois.

Mas agora faltava pouco. Anahí estava apenas a passos de distância.

O grande dia finalmente havia chegado.

Baby Arthur, família comercial de margarina e casamento AyA pra vcs

Por certo era pro casamento vir nesse cap também, mas eis que ficou
enorme e eu ainda tinha outras cenas pra escrever, por isso achei melhor
dividir e com isso, vcs ganharam de bônus um cap a mais!

A boa notícia é que eu to conseguindo destravar e espero conseguir no


próximo fds esse último cap, que terá um epílogo depois. E aí não tem jeito,
vcs vão ter que se despedir da SVE! Preparem os corações!

Votem + comentem ok?

Beijos,

Rafa
Capítulo 95 - The vows

Para as lindas aniversariantes da semana: @jumreira e @forceofbea.


Parabéns fadas!

E sobre caminhar ao altar até Poncho, uma questão foi levantada.


Exatamente quando ela estava pronta e, na porta do quarto onde se
arrumava, estavam seus pais.

Keith não vira a filha crescer, não acompanhou os primeiros passos, as


primeiras palavras de Anahí, não a levou no primeiro dia de escola. Os
primeiros vinte e três anos da vida dela foram exclusivos de Karen, mas
ambos estavam definitivamente felizes por estarem juntos no grande dia de
sua filha. E Anahí, que no passado sempre pensou que teria somente a mãe
em seu casamento, sorriu ao ver Keith do lado dela. Sorriu por saber que
Karen tinha sido uma excelente mãe e continuaria sendo sozinha, mas com
Keith ela formava uma equipe maravilhosa. Com ele o amor havia se
multiplicado e tudo se tornara ainda melhor.

E quando os dois a encararam vestida de noiva, a emoção ficou evidente.


Keith mordeu os lábios, os olhos de Karen se encheram de lágrimas. Ficou
nítido que aquele não era um dia especial somente para Anahí...

— Você está linda meu amor – Keith elogiou com a voz embargada.

Karen, por sua vez, não disse nada. Apenas sorriu emocionada em resposta,
encarando a filha, que reagiu da mesma forma. Palavras não eram
necessárias naquele momento: elas se entendiam com olhares.

O carro que levaria Anahí levou-a com os pais. Missy já estava no local.
Quando eles chegaram no Central Park, ela foi caminhando com a mãe
ajudando-a com o vestido e o buquê e Keith se preparando, desde já, para
caminhar com ela até o altar e entrega-la a Poncho. E assim que estavam
próximos, Karen a fez parar, querendo ajeita-la, deixa-la perfeita nos
mínimos detalhes. Naquele momento Ellie surgiu junto com as madrinhas e
começou a arrumar a cauda do vestido da neta, o véu. Ambas queriam que
tudo estivesse intocável naquele dia, Anahí merecia. Qualquer mulher
mereceria a perfeição no dia do próprio casamento, mas Anahí... dela havia
sido tomado demais. Era justo devolver com juros.

— Eu te disse que nós te arrumaríamos no seu dia – Ellie disse entregando


o buquê para a neta – Você está simplesmente perfeita, Any.

— Eu... estou feliz demais por você – Karen acariciou o rosto dela – Vá
voar, minha butterfly.

Foi quando Anahí percebeu que algo precisava ser feito, por uma questão
de justiça. Ela olhou para o pai sorrindo, pronta para lhe fazer uma pergunta
sincera que, eventualmente, poderia gerar uma resposta difícil.

— Pai? – Anahí chamou Keith, que imediatamente a encarou – Eu amo


você. E eu to muito feliz por você estar aqui, porque quando eu sonhava
com esse dia... eu nem cogitava. Mas... em nome de todos os anos que você
não esteve... eu não posso entrar nesse casamento sem a minha mãe.

Foi Karen que ficou sem reação. Keith, que poderia até mesmo se ofender,
não teve essa reação. Pelo contrário, ele abriu um sorriso de quem
reconhecia a verdade na fala da filha e assentiu em resposta.

— Você tem toda razão meu amor – ele disse beijando a mão da filha,
virando-se para a esposa em seguida – Karen, esse lugar é seu.

— Dos dois – Anahí o corrigiu – Um de cada lado. Porque a mamãe foi


tudo pra mim durante vinte e três anos, mas você... não levou doze meses
pra preencher o espaço que faltava no meu coração. E graças a você pai, eu
tive a minha Missy de volta.

— Como eu disse, eu faria qualquer coisa pelo seu sorriso – Keith beijou a
testa dela daquela vez.

— Ah querida, você arranjou um pai maravilhoso pra sua filha – Ellie disse
com os olhos marejados.
— Desculpem atrapalhar o momento em família, mas eu estou vendo o meu
melhor amigo no altar suando de ansiedade pela mulher que ele ama –
Sophia observou interrompendo e sorrindo.

Nada mais precisava ser dito: era a hora de Anahí caminhar... não apenas
até Poncho – até a vida que ela sempre quis. A vida pela qual lutou.

Ouça Yellow – Coldplay

Look at the stars


Look how they shine for you
And everything you do
Yeah, they were all yellow

Karen de um lado, Keith do outro... Anahí no meio. Primeiro entrou Lexie,


depois Sophia, por fim Maite. Daniel caminhou sabichão com as alianças,
Missy somente entrou jogando as pétalas sobre o tapete que a mãe
caminharia após abraça-la pela cintura e dizer que parecia uma princesa e
que isso era bonito – o que era muito de uma menina que não era
exatamente adepta de contos de fadas.

A música que entoava seus primeiros passos era em homenagem a um


noivo que amava Coldplay. Mas a verdade é que, pelo olhar que ele lhe
lançava, por mais lisonjeado que Poncho pudesse ser, o som de Yellow não
importava tanto. Ele tinha os olhos fixos nela, depois da ansiedade por
finalmente vê-la. Seus lábios estavam levemente mordidos, quem sabe para
tentar conter uma emoção que também tomava o corpo dela, era familiar.
Enquanto no rosto de Poncho era nítido o encanto por vê-la andando para
ele, no de Anahí surgia um sorriso enorme pela felicidade de estar aquele
momento. De estar finalmente caminhando para dizer sim a ele.

I came along
I wrote a song for you
And all the things you do
And it was called Yellow

Quando Anahí finalmente chegou até ele, a vontade de Poncho era dar um
beijo nela, em seus lábios, para lembra-la do quanto a amava, mas não era o
momento. Ele se limitou a beijar suas mãos, as duas, sem deixar de encarar
os lábios dela. Isso aconteceu depois de receber um abraço de confiança de
Keith primeiro e após, de Karen. Não houve um pedido que ele fizesse sua
filha feliz, que cuidasse bem dela, pois eles sabiam que Anahí estava em
boas mãos. Que era recíproco: ambos já faziam um ao outro feliz, já
cuidavam um do outro. Ali era apenas a oficialização.

— Oi – Anahí sussurrou para ele.

— Oi – Poncho falou de volta abrindo o mesmo sorriso gentil de logo antes.

Agora eles estavam prontos.

O buquê ficou seguro nas mãos de Maite. Missy estava ao lado da


madrinha, sentada bonitinha na cadeira balançando os pés. Daniel, por sua
vez, estava do outro lado do altar, na cadeira ao lado de Jesse. Anahí piscou
para os dois, se virando para o celebrante que falava palavras bonitas, não
apenas sobre o amor e a família, mas também sobre a persistência, a
perseverança. A manutenção de um sentimento que era o que fazia o
casamento dar certo. Era o que Anahí e Poncho viveram por oito anos. Era
o que os manteria juntos pelo resto de seus dias.

So then I took my turn


Oh, what a thing to've done
And it was all yellow

Mas o mais importante daquela tarde era o que eles haviam escrito um para
o outro. Ou não necessariamente somente para os dois.

— Eu era um garoto bobo nos meus quinze anos. Mas não bobo na
personalidade, porque minha mãe dizia que eu era maduro pela minha
idade. Eu era bobo quando parava na sua frente. Aos quinze anos, Anahí,
você me fez aprender o significado de sentir as pernas fraquejarem. E
também me fez fazer uma lista que eu tentaria seguir nos quinze anos
seguintes da minha vida... mas ela não seria completa se eu não cumprisse o
item mais importante, que também era o último: casar com a garota dos
meus sonhos... que eu sabia exatamente quem era. Você sempre foi a garota
dos meus sonhos... antes mesmo que eu soubesse o que era amar, o que era
sonhar dividir a vida com alguém. Nunca poderia ser completo se não fosse
com você. Obrigado por ter sido a minha inspiração e por nunca ter me
deixado de nenhuma maneira, porque com isso você possibilitou que eu
realizasse outros sonhos. Obrigado por me fazer pai novamente, da última
maneira que eu iria imaginar. Obrigado por ter dito sim pra mim. Eu sempre
vou amar você e vou te fazer a mulher mais feliz possível. Mas esses votos
não são apenas pra você, são pra uma versão pequena sua que me ensinou
que eu poderia te amar mil vezes, de formas diferentes... – agora Poncho
fitava Missy, que se surpreendeu ao ver que o pai agora falava dela –
Filha... você nunca precisou pedir licença pra entrar no meu coração. Eu
amo você como se você tivesse nos meus braços desde que era um
bebezinho. Tudo o que eu quero na minha vida é ser o mais próximo de um
super herói pra você. Quero que você confie em mim, que você me leve
pros seus jogos de futebol e sempre esteja por perto pra segurar a mão da
sua mãe e dos seus irmãos quando as coisas estiverem difíceis. Porque
você... você é a nossa princesa, mesmo preferindo ser uma mestre jedi – ele
falou e Missy riu logo em seguida – Obrigado por me escolher pra ser seu
pai. Obrigado Any, por me escolher por ser seu marido, pai dos seus filhos.
Nós vamos ter uma vida maravilhosa juntos, eu tenho certeza.

— Já temos – Anahí disse num sussurro, e Poncho notou que os olhos dela
estavam marejados. Era sua vez de falar.

Your skin
Oh, yeah, your skin and bones
Turn into something beautiful
Do you know
You know I love you so?
You know I love you so?

— É covardia ler os meus votos simples depois de ouvir os de um escritor,


mas vamos lá... – ela suspirou longamente, sorrindo e voltando os olhos
azuis para o papel em sua mão. Seus dedos tremiam – Eu sou como a nossa
filha: não gostava de contos de fadas. No meu conto, a princesa salvava a si
mesma. Não tinha príncipe, não precisava de um final feliz como os da
Disney. Mas então veio você pra quebrar todas as minhas defesas, destruir
aquele muro enorme que eu construí ao redor do meu coração e me mostrar
que eu não precisava ser uma Cinderela pra querer o meu próprio final
feliz. Você é meu final feliz, Poncho. Só que mais do que final... você é meu
início, é meio e meu fim. O nosso final está longe. Na verdade nós já
tivemos vários finais, alguns quebrados, alguns interrompidos... e
recomeçamos tudo de novo. Com você eu recomeçaria mais mil vezes, mas
espero não precisar. Eu só quero começar os dias com você, as lutas, e o
fim... só os dos dias cansativos. Com direito a champagne para comemorar
uma promoção e o seu nome na lista dos best seller do The New York Times.
Eu não quero nada que não venha de nós dois. Obrigada por ter me amado
mesmo quando eu estava longe, e de uma maneira muito torta eu apenas
nós dois entendemos, por ter me esperado. Obrigada por ter caminhado pro
meio da minha escuridão e ter esperado até que eu estivesse pronta pra
caminhar de fora. Por ter mantido a chama acesa. Por ter riscado comigo
cada um dos últimos itens da minha lista de desejos. E por falar nessa lista...
o último item dela era "ser mãe". E antes mesmo da nossa filha voltar pra
mim, você colocou um pingo de gente na minha vida que foi me ensinando
a amar mais do que cabe no peito... Dani... – Anahí encarou o enteado –
Quando eu olhei pra você pela primeira vez, eu senti que poderia ser um
pouco sua mãe também, mesmo você já tendo uma maravilhosa. Eu queria
agradecer por você ter aberto um pedacinho do seu coraçãozinho pra mim.
Se hoje eu sou uma boa mãe pros seus irmãos, é porque eu comecei te
amando. Obrigada por ser esse menino doce, carinhoso e especial. Obrigada
por momentos que você foi incrível pra mim mesmo sem saber. Eu tenho
muito orgulho de você e me sinto muito feliz por estar na sua vida.

E diferentemente do que se poderia esperar, não era apenas o pai que


chorava por ouvir aquelas palavras... o próprio Daniel levantou de seu lugar,
caminhou até Anahí e a abraçou chorando. Ela dizia num sussurro que ele
não precisava chorar, mas era emoção, era felicidade. Era um ciclo que
agora estava completo.

I swam across
I jumped across for you
Oh, what a thing to do
'Cos you were all yellow
— Depois disso, não posso dizer que eu os declaro casados, porque a vida
já declarou – o celebrante disse – Vocês mesmos já declararam. Mas agora,
sob a lei dos homens, vocês são. Agora é oficial. Agora é para sempre.

Na verdade, sempre havia sido. E os sorrisos que eles davam um para o


outro indicava exatamente isso.

Sorrisos esses que antecederam um olhar trocado que já era comum entre
Anahí e Poncho, mas que ainda assim, era o olhar anterior ao primeiro beijo
que eles trocavam como casados. Não foi um daqueles ensaiados, todo
perfeito e ideal para fotos. Anahí beijou Poncho lhe tocando as bochechas,
como um alívio pela saudade do tempo que passaram separados, sentindo o
sorriso dele se abrir enquanto o beijava. E pensar que eles tinham passado
oito anos um distante do outro... era difícil acreditar.

Pétalas de rosa foram jogadas pelos convidados presentes quando eles


começaram a andar para a saída do altar. Anahí envolveu o braço de Poncho
com um sorriso imenso nos lábios e ergueu o buquê quase gargalhando, à
pedido do fotógrafo, que tentava um clique perfeito. Não era apenas ela que
sorria: Poncho também tinha a felicidade estampada na própria boca ao
viver o dia que sempre sonhou. E eles, ao caminharem para fora dali, viam
uma série de sorrisos em sua direção, como se fossem a coisa mais
charmosa do mundo. Ao menos naquele momento, eram.

I drew a line
I drew a line for you
Oh, what a thing to do
And it was all yellow

Quando finalmente estavam fora do altar, Anahí começou a receber tantos


abraços que mal dava conta. Sua mãe, sua sogra, sua avó e as amigas, uma
após a outra. Depois veio Erendira, e após ela seu pai, seu avô e seu sogro
também. Os familiares deram espaços para os amigos e conhecidos mais
próximos, mas logo Anahí se sentiu ser abraçada pela cintura e se deparou
com Missy com seus olhos castanhos empolgados. Era bom ver aquele
olhar que despertava tanta coisa ruim em sua mãe parecer feliz pelos
motivos mais certos do mundo.
Logo após uma série de fotos para o futuro álbum de casamento, as duas,
junto com Daniel e Poncho, estavam em um carro que os levaria para o
restaurante onde seria realizada a recepção do casamento. Era algo singelo e
simples, mas bonito e significativo. Os convidados já estavam à sua espera,
mas as crianças fizeram questão de espera-los – diferentemente de Arthur,
que estava com os bisavós – e não havia ninguém capaz de mover aquilo
deles.

— Mamãe, agora vocês estão casados? – a menina perguntou para Anahí


com um sorriso singelo.

— Sim, estamos – ela sorriu de volta – Seu pai oficialmente já me faz a


mulher mais feliz do mundo todo.

— Eu pensei que você já fosse – a menina riu. Anahí não conseguiu não
sentir um frio na barriga com aquela frase, não conseguindo não concordar.

And your skin


Oh, yeah, your skin and bones
Turn into something beautiful
Do you know
For you I'd bleed myself dry?
For you I'd bleed myself dry?

— Papai, eu não quero casar – Daniel observou para Poncho com a testa
franzida – Imagina olhar pra meeeesma pessoa todos os dias...

— Mas você não disse que iria casar com a Sam? – Missy perguntou para o
irmão com a testa franzida, vendo Daniel abrir uma ligeira expressão de
pânico.

— Shhhh, é nosso segredo!

— Você não precisa casar se quiser – Poncho explicou rindo – Mas se um


dia encontrar alguém que te transborde... não hesite.

— O que é hesitar? – Missy perguntou, mas antes que o pai pudesse abrir a
boca para responder, Daniel também disparou uma pergunta.
— Como que uma pessoa transborda?

Quando Poncho olhou para Anahí, viu que ela segurava os lábios
prendendo o riso. E obviamente, esperava por aquela troca de olhar com
ele, de quem se entendia. E ali estava. Ao se encararem, os dois não
resistiram e começaram a rir. As crianças não pareciam muito felizes... em
especial quando a resposta de Poncho não foi exatamente para as suas
perguntas.

— Graças a Deus o Arthur ainda não sabe falar – ele observou.

O restaurante estava fechado para o casamento deles. Os quatro, em família,


foram os últimos a chegar no local e aplaudidos assim que apareceram na
porta. Já tinham tirado fotos o suficiente, mas mesmo assim o fotógrafo
insistiu em mais algumas, na frente do bolo e com os familiares. Álbum de
família, mais uma vez. Depois disso Anahí matou a saudade de seu bebê,
Arthur estava arisco no colo de Ellie. Ela se ausentou brevemente para
amamentar o menino e, após fazê-lo, aproveitou para cumprimentar os
presentes. Não havia muita gente ali, somente o essencial. As pesoas que
acompanharam a vida deles, que esperavam junto deles por aquele dia. Que
sabiam o significado daquilo tudo para os dois.

It's true
Look how they shine for you
Look how they shine for you
Look how they shine for

E neste sentido, vieram os brindes.

— Poncho sabe que eu não sou a melhor pessoa com as palavras – Jesse
disse com o microfone em uma mão e uma taça de champagne bem segura
na outra – Mesmo assim ele decidiu se casar duas vezes e me obrigar a fazer
dois discursos... – todos riram, Jesse fez uma breve pausa e então continuou
– A sorte dele é que eu não irei me casar novamente, porque encontrei a
pessoa perfeita pra mim, decidi que ela seria a única que eu levaria pro altar
e isso fez com que ele só precisasse fazer um discurso, no meu único
casamento – ele lançou um olhar para Sophia, que sorria com Logan nos
braços, e depois desviou de volta para o seu melhor amigo – Então,
exatamente por ter essa mulher na minha vida eu sei como ele se sente
agora. Diferentemente de mim, Poncho sempre soube exatamente o que
quis. Quem quis. Enquanto eu ainda era um garoto querendo aproveitar a
idade, ele já planejava mentalmente o dia de hoje. Pode negar, mas nós
sabemos que era assim. Eu não o culpo. Eu ainda não havia encontrado essa
pessoa pra mim... mas Poncho sempre teve a Anahí nos sonhos dele. Então
hoje, senhoras e senhores, nós vemos um sonho se tornar realidade.
Deixamos o nosso lado piegas falar mais alto para sabermos que existem
pessoas que simplesmente devem ficar juntas. Cedo ou tarde, oito anos
antes ou oito anos depois. E eu percebo que não preciso ter as palavras
certas... porque o que vocês sentem um pelo outro não pode ser descrito em
palavras. Felicidades, meus amigos.

Jesse estendeu a taça, e Poncho estendeu de volta. Parecia que, vinte anos
depois daquela amizade começar, eles finalmente estavam no mesmo
patamar. E não era sobre casamento, família ou filhos... era sobre felicidade.
Sobre plenitude.

Look how they shine for you


Look how they shine for you
Look how they shine

Agora era a vez dos votos da dama de honra de Anahí. Não havia outra
pessoa para sintetiza-los se não Maite, é claro.

— Jesse tem razão quando diz que hoje vemos a realização de um sonho –
Maite começou a falar – O que é engraçado, porque a Anahí que eu me
lembro na adolescência não sonhava nem um pouco com dias como hoje.
Na verdade, casar desse jeito, de vestido branco, é muito mais parecido com
o que eu sonhava do que com ela. Mas sonhos mudam. Eu vi essa Anahí
que era uma menina doce, mas que nem de longe queria viver um conto de
fadas, mudar aos poucos. Não porque entrou um príncipe encantado na vida
dela, mas porque todos nós mudamos quando encontramos o amor
verdadeiro. Com ela o Poncho mudou também, e ganhou o maior dos
presentes... porque você, cara... – Maite apontou levemente para o amigo
que lhe sorriu – Você levou o coração da minha melhor amiga. E você sabe
o quanto eu olhei torto pra você nos últimos anos, porque a minha
fidelidade é à ela e você sabe disso. Any, eu nunca deixei de acreditar que
você iria voltar. E por muito tempo, eu fiz todo o possível pra te defender.
Só que você voltou e você sobreviveu. Você mostrou que continua sendo a
mulher forte, guerreira e fantástica que sempre foi, e apenas nos
surpreendeu mais. Você cuida do mundo enquanto eu tento cuidar de você.
Mas agora eu não preciso mais cuidar sozinha... – foi quando Maite voltou
a encarar Poncho – Em outros tempos Poncho, eu diria que você tem que
cuidar dela, que você tem que fazê-la feliz. Mas hoje... hoje eu não preciso.
Eu sei que nós dois crescemos com tudo isso que vivemos nos últimos dez
anos e sei que hoje você seria a pessoa que se jogaria na frente de um carro
pra salvar a minha melhor amiga. Hoje eu não preciso pedir nada, nem
mesmo pra que ela tenha a pessoa perfeita, porque você é essa pessoa sem
que ninguém precise pedir. Hoje vocês são essa pessoa um pro outro. E
vocês não merecem menos. Não vou desejar felicidades como o Jesse
porque vocês já são felizes. Então... eu desejo que seja infinito enquanto
dure. E que dure para sempre.

Look at the stars


Look how they shine for you
And all the things that you do

Não havia reação possível àquele discurso de Maite por parte de Anahí
senão um abraço forte cercado de lágrimas de ambas as partes. Nada mais
precisava ser dito além das palavras que a morena já proferira. Mas Anahí
acabou não sendo a única emocionada com aquilo tudo. Mane, que estava
sentado na mesa que dividia com a namorada, com uma Luna adormecida
em seus braços, sorria encantado, vendo-a se aproximar travessa e sentar ao
lado dele, usando a mão livre para envolver seus ombros. Ele queria
perguntar algo a ela e a vontade se tornou irresistível... muito embora já
soubesse, no fundo, a resposta.

— Você quer casar comigo? – ele perguntou num sussurro no ouvido dela.
Imediatamente as sobrancelhas de Maite se ergueram.

— Não! – ela negou de imediato.

Dizer não a um pedido daqueles era definitivamente a cara dela.

— Mas você vai dizer que sim algum dia?


Naquele momento eles se encararam. Era óbvio: Mane sempre quis casar
com ela, tal como Poncho quisera a vida inteira com Anahí. Ele estava
tomado pelo momento romântico do casamento de seus melhores amigos e
não resistiu àquele desejo profundo. Maite então se lembrou da conversa
que eles haviam tido a respeito. Finalmente sentia segurança que eles
tinham algo forte demais para quebrar por um mero não a um pedido de
casamento. Por isso sentiu tranquilidade para dar sua resposta.

— Talvez – ela deu de ombros – Quem sabe.

Claro que ela sabia que aquela resposta aberta traria uma série de pedidos
anuais de casamento. Mas desde que Mane continuasse ao lado dela a cada
resposta negativa, confirmando que o que os dois tinham juntos era mais
resistente que a aversão à casamento dela, estaria tudo bem.

xxx

Arthur dormia nos braços da avó, Evelyn, quando a mãe lhe deu um beijo
na testa se despedindo. Missy e Daniel, assim como ele, ficariam sob os
cuidados dos avós paternos naquela noite e no resto da semana, no
apartamento deles. Os pais iriam para uma romântica noite de núpcias
seguida de uma lua de mel em Santorini, na Grégia. É claro que tanto
Poncho quanto Anahí compartilhavam de um pequeno aperto no coração de
deixar os três filhos para trás e seguirem para uma viagem de sete dias
sozinhos... mas ambos sabiam que era necessário. Eles mereciam aquele
descanso.

Mas é claro que, após se despedirem de toda a família e amigos e entrarem


novamente no carro que os deixou ali, depois de Anahí jogar
propositalmente o buquê praticamente no colo de Lexie, indicando que a
amiga tinha que ser a próxima a casar... é claro que o aperto em questão
falou alto, bem alto.

— Sete dias – Anahí murmurou ainda olhando o vidro traseiro do carro,


perdendo os acenos dos filhos de vista – Sete dias sem eles...

— Oito, se contar com essa noite – ele beijou a bochecha dela.


— Você não está ajudando – ela deu uma risada abafada.

— Nós vamos sofrer? Vamos – Poncho a encarou – Mas precisamos desse


tempo pra nós dois.

— Precisamos, não é? – Anahí tentava encontrar nos olhos dele a segurança


para não abortar o plano e voltar correndo para as próprias crias.

— Sim – ele confirmou – Pra apenas por sete dias, sermos somente você e
eu. Mesmo que no fundo, não sejamos.

Naqueles dias, seriam. A começar por aquela noite.

O hotel onde eles passariam a noite, o Whyndhan New Yorker Hotel, tinha
vista para toda a Manhattan, que estava deslumbrante acesa à noite. Ao
chegarem na suíte onde passariam a noite – uma cortesia, é claro, de Karen
e de Keith – Anahí caminhou diretamente para a enorme janela, vendo a
cidade aos seus pés. Era impossível não sorrir com aquela vista
deslumbrante. Mas logo os olhos dela se fecharam, sentindo o que
realmente fazia seus lábios se abrirem. Poncho, atrás dela, respirava forte
em sua nuca e tinha os dedos firmes em abrir cada botão de seu vestido de
noiva.

Aquilo era erótico. Ela estava vestida de branco, embora a pureza passasse
longe. A gravata dele há muito se fora, e agora a camisa social estava com
os primeiros botões abertos. Seus cabelos, bagunçados. Anahí, ao olhar para
frente, ao mesmo tempo que via a cidade iluminada, percebia o reflexo
fraco do olhar de paixão misturado ao tesão dele ao desabotoar botão por
botão. Realizando um sonho, definitivamente. Por isso ela esperou
pacientemente Poncho terminar aquilo e colocar as mãos no vestido,
empurrando-o para frente para tira-lo, deixando-a somente com o sutiã
branco meia-taça. Foi quando ela se virou para beija-lo, porque afinal de
contas, ele também ficava muito mais bonito sem roupa alguma.

— Eu sempre quis isso, sabe? – Poncho confessou enquanto a sentia puxar


o paletó dele e, em seguida, a camisa. Ao mesmo tempo, lutava para
arrancar aquele enorme vestido do corpo dela – Te despir na nossa noite de
núpcias... te levar pra uma banheira, com o corpo colado no meu..
— Com champagne e essas pétalas de rosa caídas na cama, eu sei que você
sempre quis – Anahí sorriu – Você sempre foi o piegas da relação.

— Romântico – Poncho a corrigiu, sentindo as mãos de Anahí


desabotoarem sua calca, agora que seu peitoral estava totalmente nu – Eu
sou romântico.

— Eu também tenho uma fantasia, se você quer saber – ela sugeriu. Pelo
olhar dele, sabia que havia instigado sua curiosidade.

— Qual?

— Não combina com a sua – Anahí o olhou travessa – Quer mesmo saber?

— É claro que eu quero – ele parou de tentar tirar o vestido dela para
encara-la.

— Você deixa que eu tire o vestido sozinha e senta nessa cama enquanto eu
termino de me despir... – a voz dela num sussurro fez Poncho sentir o
próprio pau apertar contra a cueca – Encara minha lingerie como se nunca
tivesse me visto nua... pensa que vai fazer amor comigo, mas antes de ser
capaz de fantasiar mais, eu já montei em cima de você... sento até encaixar
o seu pau na minha entrada e cavalgo enquanto ouço você gemer o meu
nome...

— Está certo, eu prefiro a sua – ele disse assaltando sua boca e finalizando
o assunto.

É claro que eles se amavam... mas tinham feito amor demais. Ainda
haveriam dias que Poncho subiria sobre ela, tiraria sua calcinha e eles
transariam com tranquilidade, controlando os próprios gemidos para não
serem ouvidos, aproveitando pequenas sensações... mas aquele não era um
daqueles dias.

Após falar aquilo Anahí o empurrou até ver Poncho cair sobre a cama e
seguiu passo a passo do próprio fetiche: tirou o vestido e, aos poucos, a
pouca lingerie que ainda cobria seu corpo. Fez questão de pegar a garrafa
de champagne que jazia ali perto, beber nela própria, sem taça, deixando
um pouco da bebida cair por seu queixo e sobre os seios, escorrendo. Os
olhos de Poncho brilhavam a cada movimento, vendo como ela se
transformava com a bebida, rindo demais, ficando mais corajosa.

Mas aquela não era a Anahí ex-vítima, que inspirava cuidados da parte dele.
Aquela era a Anahí que, nua, puxava a cueca dele para fora. Que lhe tocava
o pau, apertando-o, fazendo com que seu marido revirasse os olhos de
tesão. A Anahí que envolvia suas pernas na cintura dele e aproveitava o
quão molhada estava para encaixar seus corpos como sabia fazer desde os
dezessete anos. Sem chance para uma lembrança ruim, apenas tentando
repetir uma boa foda de quem sabe anos antes, sentindo Poncho agarrar
seus cabelos e gemendo por ele estar até o fundo.

E ele estocava dentro dela, embora Anahí, por cima, controlasse o ritmo, os
movimentos. Ainda assim, ele a fodia, agarrando-a pelos cabelos e
gemendo. Ele a tocava pela cintura, lhe mordia o queixo, o ombro, a enchia
de marcas que, dias depois, seriam um problema na ensolarada Santorini. E
aos poucos, sentiu Anahí se contrair contra ele, tentando reprimir o orgasmo
que já vinha para ser ainda melhor. Por isso ele soltou seu cabelo, a agarrou
pela cintura enquanto o corpo dela se comprimia e sua boceta o tragava,
para instantes depois senti-la explodir naquele orgasmo desbravador,
apertando sua nuca com as unhas e lhe dando um beijo cheio de mordidas
que ele sentiria no dia seguinte. Mas não importava.

Assim que Anahí se recuperou ele voltou a estocar. Após o orgasmo, ela
ficou ainda mais molhada – Poncho deslizava para dentro dela. Agarrado ao
corpo dela, ele apenas investia sentindo aos poucos a visão turvar. Gritava o
nome dela sem parar ao sentir aquele orgasmo vir, sentindo, por estarem
com os rostos colados, a boca dela se abrir num sorriso. O sorriso de quem
tinha um fetiche realizado.

— Enfim sós – ela sussurrou no ouvido dele, lhe tocando o rosto.

Primeiro de muitos orgasmos, de muitas transas. O primeiro dia do resto de


suas vidas... vidas essas que eles escolheram unir. Que, embora o caminho
tivesse sido desviado, eles tinham, finalmente, encontrado o caminho de
volta... sem chance de se perder novamente.
xxx

Mas, falando em caminho desviado, exatamente a pessoa que tratou de


tentar tira-los daquele rumo recebia uma notícia com sabor de fruta
estragada no dia seguinte. Com os olhos por onde passava temendo novos
espancamentos como os que se acostumou a receber desde que chegara ali,
Tobias se viu interrompido por um carcereiro que sabia que o odiava. O
homem em questão, naquela manhã, o mandou voltar para a cela. Ele não
entendeu, mas não teve a chance de não obedecer. Definitivamente aquela
estava fora de cogitação.

Lá dentro, ao sentar na própria beliche, tudo fez sentido. O carcereiro,


McNair, jogou um jornal no colo dele. Uma coluna social. Uma foto bonita,
um casal, um casamento. Uma garota de olhos azuis... casamento com o
homem que sempre amou.

— Não é sua e nunca vai ser – McNair disse debochado, tomando o jornal
dele.

Quando Tobias levantou o rosto, os hematomas ficaram visíveis. Ele ainda


sentia as dores de ter que se mexer, dada a recente surra que recebera.
Agora era ele que vivia machucado, ele que era violado – eram as voltas
que a vida dava, afinal. Agora era ele que não tinha direito a dizer não. E
ele que via seu objeto de desejo finalmente livre, livre para ser feliz com o
homem que amava, o homem de quem Tobias tentara separa-la... enquanto
ele estava ali, condenado eternamente a cumprir a pena daquela decisão.

Anahí não era dele e nunca seria. Enquanto ele amargaria o resto da vida
naquela prisão, em algum lugar, ela vivia a vida da qual ele a havia tirado
uma vez. Agora, longe demais para tentar de novo. O tabuleiro estava
fechado para ele, seu caminho estava praticamente encerrado. O de Anahí,
por outro lado, acabara de recomeçar.

Oficialmente falando temos aqui o último cap da fic, porque agora veremos
apenas o epílogo e o final de todos os personagens da história. Esse cap em
especial ta no meu coração, tanto que saiu com o dobro do tamanho que eu
esperava. Mas provavelmente não teremos um casamento AyA em fic
alguma minha que eu ame mais, ou com votos mais especiais que esse. Vcs
concordam?

Agora posso oficialmente dizer: estejam preparadas pro fim! Porque a


próxima notificação que subir, será a última 😭

Mereço muitas estrelas depois desse cap delícia com casamento, filhos, hot
e Tobias se fodendo né? Haahhahahahaha mereço sim!

Beijos e até o fim!

Rafa
Epílogo - Watch me
Feliz aniversário pra lá de atrasado, Duda!

"Não dá para saber qual dia será o mais importante da sua vida. Os dias
que você pensa serem importantes nunca atingem a proporção imaginada.
São os dias normais, os que começam normalmente, que acabam se
tornando os mais importantes."

Grey's Anatomy

Nove anos depois

O bipe tocava sem parar, o que fazia Lexie não entender considerando que
a enfermeira-chefe da Emergência já havia lhe ligado e dito do grande
trauma da Emergência que estava a caminho. Difícil mesmo era o fato de
ela conseguir se equilibrar naquele salto, com sua bolsa e aquele peso extra
que carregava nos braços, sem falar que sua outra mão também estava
ocupada. Lexie naquele momento sequer estava com o próprio jaleco, e de
alguma maneira ela tinha que estar na Emergência em cinco minutos.

Mas precisava resolver uma coisa antes.

— A creche não vai nos aceitar tia – Zola começou a falar assim que a porta
do andar se abriu – Sofia e eu já somos grandes.

— É – Sofia concordou com a amiguinha num suspiro – Nós temos treze já,
somos adolescentes.

— Eu sei, mas é algo que nós precisamos resolver – Lexie disse nervosa, e
uma terceira voz de criança interrompeu o silêncio.

— Sofia e Zola não vão ficar comigo mamãe?


A menina em seus braços tinha os olhos castanhos mais vívidos além dos
dela, é claro. O cabelo eram de um tom mel e os traços, além do tom de
voz, eram adoráveis. Tudo na pequena Elisa era assim; delicado e sutil.
Uma mistura perfeita do pai e da mãe, perfeita em todos os sentidos, já que
havia sido tão planejada e desejada que doze anos antes Lexie sequer
cogitaria que a faria tão feliz assim.

— A creche é pra bebês Elisa – Sofia explicou à irmã que fez uma careta.

— Eu não sou bebê – a menina resmungou – Tenho cinco...!

— É, você não é bebê, porque bebês fazem xixi na fralda, mamam no peito
e dormem no berço, e você não faz nada disso – Lexie parou na porta da
creche – Ei, eu tenho uma pequena emergência, será que posso deixar essas
duas mocinhas aqui apenas hoje? Apenas por umas poucas horas...?

— Infelizmente não Dra. Sloan – a enfermeira abriu um meio sorriso e


Lexie se sentiu enervar de ser chamada daquela maneira – Só aceitamos até
os seis anos, mais do que isso...

— Nós dissemos – Zola cantarolou.

— Deus, é que eu tenho um grande trauma chegando em cinco minutos...

— Regras são regras Dra. Sloan – a moça deu de ombros. E Lexie não
soube o que a irritou mais.

— Grey – ela enfatizou – Meu nome é Grey.

Mas antes que a enfermeira pudesse retrucar dizendo que a chamava de


Dra. Sloan porque ela era esposa do Sloan original, a voz grave que ela
tanto conhecia – já que ouvia todas as manhãs e todas as noites ao seu lado
na cama – surgiu ali.

— Ei, eu estava mesmo procurando vocês.

— Papai!
Elisa foi quem deu aquele grito ao ver Mark aparecendo ali. Sofia teria feito
o mesmo dez anos antes, quando tinha a idade da irmã caçula, mas naquele
momento ela e Zola apenas se entreolharam e riram. Adolescentes. Lexie
suspirou aliviada, dando as costas para a enfermeira e caminhando até o
marido. Àquela altura ele já tomava conta de tudo, com a caçula nos braços
e dando um beijo na testa da outra filha e outro em sua sobrinha.

— Pensei que você estava atendendo o chamado do grande trauma – ele


franziu a testa olhando a esposa quase esbaforida encarando-o.

— Estou tentando – Lexie bufou – Estava em casa e tive que trazer as três
comigo, preciso descer pra Emergência e ainda pegar o meu jaleco, você
pode distrai-las por mim...?

— Eu disse pra tia Lex que poderíamos ficar em casa sozinhas, mas você
sabe como ela é – Sofia disse fazendo uma careta para o pai e Mark apenas
riu.

— Nem em sonho – ela comentou negando, dando um selinho no marido –


Resolva tudo.

— Mamãe, mamãe! – Elisa a chamou com um biquinho charmoso nos


lábios – Você não vai se despedir de mim...?

E naquele momento Lexie mandou tudo para os ares. Apenas entrou num
abraço que, até então, não sabia que existia com o marido e a filha. E logo
Sofia deixou de lado aquela pose de adolescente que acha tudo careta e os
abraçou também... Zola, lógico, não ficou de fora. Lexie demorou apenas
alguns segundos naquela ternura, mas bastou apenas que seu bipe tocasse
novamente. Grande trauma. Ela precisava ir.

— Eu vejo vocês mais tarde...!

Assim que entrou no elevador, desistindo de chegar até a sala dos


atendentes para buscar o próprio jaleco, ela encontrou Jo encostada na
parede, redondamente grávida de seu segundo filho – outro menino – e uma
testa franzida quando viu a expressão irritada dela.
— Grande trauma a caminho – Jo comentou com as mãos na barriga
achando que iria animar a amiga. Ela também havia sido chamada.

— Sabe do que a enfermeira me chamou? Dra Sloan – Lexie bufou –


Sloan! Como se eu não tivesse mais nome! Como se eu deixasse de ser a
residente-chefe que fui, a neurocirurgiã com vários artigos publicados, com
uma pesquisa daquele nível com Amelia Shepherd e só não concorro ao
Harper Avery porque deixei um Avery no altar... tudo isso... para ser apenas
a esposa do Mark...!

— Fazem isso comigo o tempo todo – Jo riu negando com a cabeça –


Vivem me chamando de Sra. Karev.

— Um dia o nosso nome vai estar no letreiro daquele hospital – Lexie


cruzou os braços – E vão ter que me chamar de Grey...!

— Quando você for chefe de cirurgia e eu, sua chefe de Cirurgia Geral,
ordene isso – Jo sugeriu exatamente quando a porta do elevador se abriu.

Mal isso aconteceu e as duas marcharam para fora. Lexie já aproveitou para
pegar um avental cirúrgico amarelo, próprio para casos de trauma, entrando
na sala de trauma onde sabia que o paciente estava à sua espera. O grande
trauma tão anunciado... foi aí que o deja vu começou, exatamente como ela
se lembrava há mais de dez anos. Dessa vez não havia os Shepherd
brigando, Mark não estava ali, mas o resto estava tudo igual. A começar
pelo fato de que não era o paciente... era a paciente.

Deitada na maca, com sinais de tortura, marcas nos tornozelos, nos pulsos...
ossos quebrados... sinais de abuso sexual... não, de novo não...

Enquanto isso, Owen Hunt falava com Callie Torres exatamente sobre
aquele caso.

— Já sei que você vai querer um raio-X pra verificar a extensão dos danos
ósseos... certamente ela tem muitas fraturas mal calcificadas...

— Acertou – Callie confirmou – Mas considerando que ela bateu com a


cabeça durante a fuga, temos que ver se a Grey vai querer antes uma TC do
cérebro.

— Grey? – Owen chamou Lexie, mas ela não respondeu.

Estava encostada no canto, numa mesa com materiais cirúrgicos. Agora


metade da sala a encarava, exatamente como antes. E aquela mulher estava
deitada naquela maca, bem como ela se lembrava. Deja vu.

— Não é ela Grey – Arizona cortou o silêncio, finalmente entendendo o que


deixava Lexie tão amedrontada – Não é a sua amiga.

— É claro que não – Lexie respondeu saindo do transe e negando com a


cabeça – Me desculpem.

— É um caso a se entender – Owen respondeu dando um suspiro – Quer


que eu bipe Derek? Amelia...?

— Não, eu atendo – Lexie voltou a assumir a postura profissional de antes –


E vou atender tão bem como eu atenderia caso fosse ela.

Essa era a postura.

Mais de dez anos depois, mais uma mulher provavelmente sequestrada e


torturada. Tinha demorado mais de uma década para outra naquele perfil
aparecer, mas ali estava. Infelizmente tudo o que eles haviam feito para
reduzir aquele tipo de situação, evitando sua repetição, não fora o suficiente
para evitar que os casos tornassem a acontecer.

Sinal de que era necessário lutar mais.

Depois de avaliar a TC da cabeça da paciente, confirmando que não havia


qualquer dano cerebral, Lexie a liberou para a cirurgia, para onde foi levada
por Jo e Callie. Todos os médicos e enfermeiras deixaram a sala de trauma,
onde ela continuou parada encarando ao redor, sem conseguir conter a
velocidade dos pensamentos que a levavam para o passado. Vinte minutos
antes ela estava com a filha nos braços, reclamando de ser chamada como
se fosse somente a esposa de Mark, enumerando suas conquistas
profissionais alcançadas em todo aquele tempo... e agora ela estava ali,
lembrando do tempo que era residente-chefe, que uma de suas melhores
amigas, até então supostamente morta, apareceu naquela mesma sala de
trauma, com aqueles mesmos ferimentos e hematomas.

No automático, Lexie levou a mão ao bolso e pegou o próprio celular,


buscando o contato de Anahí salvo em seus favoritos. Ela sabia que a amiga
estava bem, seu racional sabia. Mas mesmo assim, seu coração precisava
ouvir a voz dela, confirmar que ela estava bem, para se confortar mais uma
vez.

— Oi Lex – Anahí respondeu no outro lado da linha – O que aconteceu?

— Nada – Lexie respondeu sorrindo sentindo o alívio tomar o seu corpo –


Eu só liguei pra saber se estava tudo bem.

— Eu estou entrando no Tribunal nesse instante, tenho um julgamento de


um caso criminal de assédio sexual – Anahí disse com um tom de desafio
na voz.

Lá estava ela, lutando pelas mulheres... Lexie sorriu com a constatação,


desejando que a garota que estava quase destruída, àquela altura à caminho
da cirurgia, tivesse o mesmo destino que Anahí. Nesse caso, valeria muito
mais a pena lutar.

— Ótimo – Lexie sorriu – E o Poncho?

— Em Yale com a Missy – a voz de Anahí se tornou mais emotiva – É hoje


a entrevista dela. Dá pra acreditar...?

— Não – o sorriso de Lexie cresceu – Meu Deus, eu não acredito que ela
tem dezoito anos e está indo para a faculdade.

— Nem eu – Anahí suspirou – Eu preciso desligar, o julgamento começa


em cinco minutos e de alguma forma eu preciso não pensar na minha filha e
focar nisso aqui.

— Eu sei que você consegue – Lexie transmitiu confiança – Eu nunca disse


Any, mas eu me orgulho muito de você. De tudo o que você alcançou, da
mulher que você se tornou... ou talvez da que você nunca tenha deixado de
ser.

— Obrigada Lex – Anahí franziu a testa do outro lado da linha, sem


entender como e por que o assunto tinha seguido para aquele caminho –
Tem certeza que está tudo bem?

— Agora está – Lexie respondeu com confiança – E o que não está... nós
vamos fazer com que esteja.

Lexie não queria desequilibrar Anahí contando o que realmente acontecia


no New York General Hospital, era melhor deixar que ela vestisse a
armadura de super-heroína de sempre e fizesse seu próprio trabalho. Era
realmente interessante e curioso o rumo que a vida tomava. Lexie pensou
rapidamente que em nada acrescia a vida da amiga enchê-la de detalhes
sobre uma paciente que hoje era o que Anahí tinha sido muito tempo antes,
melhor deixar Anahí unir suas energias para ajudar outra mulher a vencer.
Ali, no hospital, aqueles médicos fariam o mesmo por aquela outra mulher.

Quem sabe, um dia, ela seria igual.

Anahí entrou no Tribunal confiante. Joy estava no escritório naquela


manhã, ela tinha outro caso para resolver e mil burocracias administrativas
para dar andamento, mas Anahí não se importava. Após nove anos
advogando, ela estava pronta para aquele caso, para mil casos daqueles.
Mais uma mulher com demissão abusiva e irregular por não aceitar deitar
na cama de seu chefe. Mais um caso que ela visava corrigir, mesmo que
fosse de cima para baixo, mesmo que não mudasse nada no topo do
sistema... ainda assim, ela fazia justiça.

Era assim há nove anos, desde o fim da licença-maternidade da gravidez de


Arthur: no Tribunal ela tentava compensar suas clientes pelos frutos do
machismo daquela sociedade opressora; no My sister's place ela lutava para
mudar a estrutura de tudo aquilo. Lá havia grupos de apoio a mulheres que
sofriam violência doméstica, a mulheres em relacionamentos abusivos, a
outras que sofriam todo tipo de opressão pelo simples fato de serem
mulheres. Até mesmo um grupo de conversas sobre qualquer problema que
aquelas garotas poderiam ter, elas fizeram. Com Marina à frente da ONG e
Anahí ao seu lado, como voluntária, elas poderiam até não serem capazes
de mudar o cenário como um todo... mas faziam uma diferença inestimável.

E naquele dia em especial, Anahí tinha uma missão e tanto pela frente.

No corredor, enquanto tentava guardar o celular de volta na própria bolsa


ela já se deparou com uma presença que não esperava ver. Enquanto
caminhava apressada para o próprio julgamento, a mulher em questão
tocou-lhe o ombro e Anahí quase deu um salto ao senti-la. Mas o susto foi
substituído por um sorriso ao se dar conta de quem era.

— Emily – Anahí falou quase ralhando – Você quase me matou do coração!

— Não era a intenção – Emily Byrne sorriu para ela, tranquila como sempre
– É que não é todo dia que a gente encontra uma mulher como você nesses
corredores.

— Eu digo o mesmo – Anahí respondeu parando e abraçando-a – Eu não te


vejo desde que você deixou a Procuradoria.

— Ainda não foi divulgado, mas eu estou me candidatando a governadora –


Emily confidenciou – A pré-campanha é um pouco exaustiva. Ainda não é
nada certo, temos as primárias nos Democratas...

— Você vai vencer – Anahí respondeu convicta – As primárias e a eleição,


senhora governadora.

— Ainda é cedo para dizer isso – Emily negou com a cabeça rindo.

— Você disse o mesmo quando eu te encontrei há anos e te chamei de


futura procuradora, e no fim você ganhou a eleição. Vai se repetir.

— Vamos ver, tudo a seu tempo – Emily sorriu – Bom te ver.

— Bom te ver também – Anahí disse se despedindo.

Era realmente bom ver Emily Byrne. Ela inspirava Anahí, lhe dava ares de
esperança. Especialmente quando ela caminhava para fazer jus à uma
mulher injustiçada no Tribunal, exatamente como dez anos antes Emily
fizera com ela.

E falando em velhos conhecidos... assim que Anahí entrou na Corte, sua


cliente já a esperava. Anahí a cumprimentou, lhe deu uma breve orientação,
repassando o que já havia sido dito anteriormente... quando olhou para o
outro lado e viu quem estava representando a empresa processada: Nancy
Crozier. A mesma que, dez anos antes, dissera para um Júri que Anahí
quisera ser estuprada por Tobias.

Anahí sorriu, sobretudo ao reparar que Nancy murchou ao vê-la e


reconhecê-la, obviamente. Nada como um dia após o outro. Dava ainda
mais vontade de vencer.

xxx

Há muitos quilômetros dali, em New Haven, Connecticut, Missy Portilla-


Herrera se preparava para o momento mais decisivo de sua vida. Ela estava
nervosa, obviamente. Yale sempre fora seu sonho, seu grande objetivo, e ela
se preparou a vida inteira para aquele momento. E agora estava ali, prestes a
fazer aquela entrevista que determinaria seu destino. Não havia como reagir
de forma normal.

Só que é claro, ela contava com toda a torcida do mundo naquela


empreitada. Além do já esperado apoio dos pais, os avós e os irmãos, até os
tios estavam mandando mensagens desesperadas ansiosos pelas notícias.
Não era de se admirar: Missy era a estrela da família. Ela era a melhor
aluna do colégio, tinha notas exemplares, vencera uma Olimpíada de
Química. Todo aquele esforço se devia a um velho sonho: Yale. Missy
queria ser cientista, ela queria entrar na NASA. E aquele seria o primeiro
passo de muitos.

Qualquer garota naquela situação provavelmente estaria nervosa por estar


prestes a fazer a entrevista que potencialmente lhe colocaria dentro da
faculdade almejada. Missy não. Naquele momento ela resolvia outro
problema, digitando furiosa uma mensagem no celular, completamente
alheia ao que acontecia ao seu redor. Tão alheia que sequer percebeu que o
pai tinha os olhos fixos nela, tentando adivinhar o que acontecia ali.
Alfonso tinha um faro sem igual para romances, quem sabe por escrevê-
los... talvez por ter vivido o mais intenso de todos. Ele sabia reconhecer
aquele brilho nos olhos e as bochechas coradas como ninguém.

E exatamente por isso, sem colocar os olhos na tela do iPhone da filha, ele
sorrateiramente se aproximou do ouvido de Missy para dar uma alfinetada.

— Para quem você está mandando tantas mensagens, hein?

Foi o suficiente. Missy deu um pulo naquele banco e sentiu o coração ir à


boca e voltar ao próprio lugar no peito. Arregalada e mais envergonhada do
que nunca, seus olhos furtivos e castanhos encararam o pai como numa
acusação. Mas o que ela viu não foi um Alfonso incomodado ou, quem
sabe, ciumento. Na verdade, ele estava apenas implicando. Quem sabe, se
divertindo.

— Ninguém – ela rapidamente bloqueou o aparelho, guardou na bolsa e


fechou a cara, mais dura do que nunca. Mas ao encarar novamente o pai,
viu que as sobrancelhas dele estavam arqueadas e seu rosto tinha um ar
divertido ao cruzar os braços.

— Esse "ninguém" usa cueca ou calcinha? – ele não evitou perguntar.


Missy arregalou os olhos mais ainda.

— Pai, assim você me mata de vergonha!

— O quê? – Poncho riu divertido – Você acha que eu não sei conhecer um
rosto de uma garota bonita apaixonada?

— Eu sei que sabe – Missy mordeu os lábios num suspiro. Pelo visto ela era
transparente demais.

— Você é igualzinha a sua mãe – Poncho negou com a cabeça – Ela fazia
essa mesma cara quando estava devendo algo, quando estava suspirando
demais... você sabe, sua mãe e eu éramos amigos muito antes de termos
algo, de desnaturarmos tudo...
— Deixe-me adivinhar: você percebeu pelo rosto envergonhado que ela
estava apaixonada por você? – Missy alfinetou. Mal sabia que estava um
tanto errada.

— Não – Poncho balançou a cabeça num suspiro nada saudoso – Na


verdade eu percebi que ela estava apaixonada por outro.

Missy ergueu a sobrancelha totalmente surpresa. Por essa ela não esperava.

— Ela tinha quinze, quase dezesseis, nós éramos apenas amigos – Poncho
começou a explicar – Ela se dizia uma adolescente boba, mas era totalmente
encantadora. Mas era apaixonada pelo cara mais imbecil que já tinha
pisado naquele colégio. E tudo o que eu me perguntava era que diabos ela
via nele...

— E porque não via o que quer que fosse em você – Missy completou,
vendo-o dar de ombros.

— Ele não a merecia – ele observou – Não era bom o suficiente pra ela.
porque sua mãe... ela era incrível. Era maravilhosa... pense nela agora, só
que aos quinze anos, totalmente doce, encantadora e com aquela vontade
imensa de mudar o mundo. Ela merecia tudo. Alguém que desse tudo por
ela.

— Em suma, você – Missy respondeu deliciada. Ela já tinha ouvido a


história dos pais muitas vezes, mas nunca sob aquele prisma.

— Eu fiz o possível pra ser suficiente pra ela – Poncho continuou – Eu faço
até hoje. Mas às vezes, tenho que admitir... olho pra ela dormindo do meu
lado na cama e penso no quanto sou um puta sortudo por ela me amar de
volta.

— Você é mesmo – a garota riu – Me conte sobre o carinha.

— O nome dele era Ryan Gosling e ele era um babaca, como eu bem disse
– Poncho enumerou – Tinha todo aquele currículo, capitão de time do
colégio, o carinha mais popular da escola, um tipo daqueles enjoativos que
fazem vocês suspirarem...
— Ah, eu conheço bem esse tipo... – Missy riu – Mas no fim ela não quis
um Gosling, quis um Herrera. E eu acho que ela escolheu perfeitamente
bem.

— Eu sou obrigado a concordar – ele riu e a filha o acompanhou – E você?


Escolheu um Gosling ou um Herrera?

— Nenhum dos dois – Missy suspirou longamente, pronta para o que viria a
seguir – Eu escolhi um Cooper.

A sobrancelha de Alfonso se ergueu mais do que nunca. Por essa ele


definitivamente não esperava.

— Cooper? – ele repetiu, vendo a filha assentir – Eric Cooper? O filho do


Bradley, enteado da Diana...?

— Ele mesmo – ela deu de ombros, vendo a reação do pai se formar e


torcendo para que aquilo não se tornasse um embaraço – Papai, por favor...

— Não estou bravo, apenas... surpreso. Eu nunca pensei...

— No início foi estranho, porque eu achava que ele era quase meu irmão
por ser meio-irmão do Dani, mas... aconteceu – Missy apenas sorriu, se
permitindo reagir daquela forma. E Poncho notou, naquele momento, o
quanto a filha estava feliz – Agora estamos tentando decidir o que vai
acontecer, porque ele irá para a Brown e eu certamente virei para Yale,
então...

— Isso não foi um impeditivo para a sua mãe e eu... ela foi pra Washington,
em Georgetown, e eu para Stanford, na Califórnia... deu certo – Poncho
observou – Falando nela, ela sabe disso? De Eric e você...?

— Sim – ela mordeu os lábios, ainda receosa de admitir a vida amorosa


para o pai e pior, que Anahí tinha conhecimento daquilo tudo e ele não –
Ela meio que adivinhou antes mesmo de eu saber. É engraçado como as
coisas são, sabe? Quer dizer... você percebeu por olhar pra mim e ver a
semelhança com ela... e a mamãe notou por olhar e achar que eu parecia
com você.
Aquilo causava em Poncho um deja vu. Ele se lembrou de mais de dez anos
antes, quando um Christian lhe indicou que deveria entrar no quarto de sua
sogra para impedir que sua namorada se apegasse demais a uma criança que
ela acreditava que poderia ser sua filha perdida, mas talvez não fosse.
Quando Poncho cruzou aquela porta que o separava do quarto de Karen,
aquela criança deixou de ser apenas uma criança sem nome e se tornou
Missy. Ele enxergou Anahí da cabeça aos pés naquele pingo de gente.
Poncho não sabia o que era amor à primeira vista. Nem por Anahí ele havia
se sentido assim. Foi naquele momento que ele se deu conta que haviam
laços que eram muito mais fortes e importantes do que os de sangue. Era
como se Missy sempre tivesse sido dele, sido deles.

De certa forma, era.

— Sua mãe sempre nos achou parecidos – Poncho confidenciou – Ela disse
isso dias depois de nós nos conhecermos. E eu achava você idêntica a ela...
até ela me dizer que nós dois nascemos no mesmo dia.

— Somos meio que almas gêmeas – Missy piscou para ele – Você e ela,
você e eu... ligados de uma maneira inexplicável.

— Inexplicável mesmo – Poncho encarou a filha profundamente – Porque


você é a única coisa boa daquele pesadelo que ela viveu. É como se fosse
um arco-íris... é preciso uma tempestade para que ele apareça. Por isso,
quando qualquer coisa acontecer, lembre-se: sua mãe nunca iria se
arrepender de você. Nem eu.

Sem saber, Poncho havia resolvido um problema interno que havia dentro
da própria filha.

A troca de mensagens entre Missy e Eric, ao menos naquele momento, não


era sobre o possível destino depois da certeza da separação que os esperava.
Missy sempre quis estar ali, em Yale, pronta para aquela entrevista. Ela
sonhou por anos com aquela carta de admissão. Mas quando finalmente
estava ali, prestes a dar o passo final para concretizar seu grande objetivo,
não sabia sobre o que falar. Missy deveria falar sobre si, deveria se definir,
mas ela tinha um grande nó na garganta ao se dar conta de uma verdade que
tinha tentado evitar a vida inteira: ela era fruto de uma violação.
Anahí sempre lidou bem com o próprio passado, a própria história. Afinal,
seu sequestro, o cativeiro e os estupros não a fizeram a mulher que era, mas
lhe tornaram um exemplo real que era possível sobreviver. Ela gostava de
se colocar como um exemplo positivo, para olhar para aquelas mulheres
que procuravam o Joy & Portilla Advogadas Associadas ou o My Sister's
Place e dizer que ela as entendia, que nela elas poderiam confiar. Mas para
Missy era diferente. Lidar com aquilo significava admitir que ela não havia
nascido do homem que a amou, a criou. Que seu nascimento foi um parto
violento em um porão. Que ela passou os primeiros sete anos de sua vida
em uma infância abusiva, com pessoas que não a amavam. Separada de
uma mãe que, inclusive, fora forçada a esquecê-la. Era difícil de lidar.

Mas agora o mesmo homem que a criou e a amou colocava tudo em outro
prisma. Poncho anos antes, ao conhecer Missy, não a olhou como uma
lembrança viva da violência sofrida pela mulher que amava, mas sim como
sinal exato daquela sobrevivência que Anahí tanto viria a falar nos anos
seguintes. Ela era um renascimento, uma nova chance, um arco-íris após a
tempestade. E era assim que ela deveria se definir. Era assim que ela
deveria se colocar.

— Herrera, Missy! – ela ouviu ser chamada. Imediatamente se levantou


nervosa, sentindo as pernas tremularem, mas definitivamente pronta.

— Esqueceram do Portilla – ela negou com a cabeça, sentindo o pai tocar-


lhe o braço antes de sair.

— Boa sorte meu amor – Poncho lhe sorriu acolhedor como sempre.
Exatamente como na primeira vez – Seja qual for o resultado, eu estou
orgulhoso de você.

E de alguma maneira, aquilo fazia Missy se sentir orgulhosa consigo


própria também.

Decidida, ela caminhou para dentro da sala, onde uma banca de três pessoas
a esperava para aquela admissão. Ela estava nervosa, quem não estaria? –
mas isso não a impedia de se sentar confiante e pronta para dar o melhor.
— Então... Missy – a senhora à sua frente repousou os olhos sobre o
arquivo dela, numa pasta – Conte-nos... quem é você?

— Bom, meu nome é Missy... Missy Portilla-Herrera... – ela frisou o


sobrenome composto – E eu sou fruto de uma sobrevivência.

E quem começava assim, não tinha como terminar mal.

xxx

A entrevista de Missy fora à tarde. Assim que terminou, ela entrou de volta
no carro do pai em silêncio, evitando responder às inquietudes de Poncho
sobre como havia sido. Missy não gostava de traçar possibilidades, ela
simplesmente aguardava, sem grandes expectativas, pelo resultado. E neste
caso, ainda demoraria algumas semanas para que ele chegasse via correios.

Naquela tarde Anahí saiu mais cedo do escritório. Sem Poncho em casa,
seria ela a cuidar do jantar. Naquela noite em especial a família estaria
completa, pois Daniel estaria com eles. Com Missy finalmente fazendo a
entrevista em Yale, eles tinham motivos para celebrar. Anahí tinha certeza
que a filha seria aprovada, sua pequena estrela sempre dera os sinais de que
iria longe. Por isso ela estava repleta de ansiedade, cortando os legumes e
olhando o celular a cada dez, quize minutos, para ver se o marido ou a filha
haviam mandado uma mensagem. Não havia nada desde que Poncho
dissera, quase duas horas antes, que eles estavam saindo de Connecticut em
direção à Nova York. Esperar era simplesmente a morte para Anahí. Estava
quase tudo pronto, ela bebericava um vinho e nada deles.

— Não adianta olhar o celular sem parar – Daniel disse entrando na cozinha
e abrindo a geladeira para pegar uma garrafa de água – Papai não envia
mensagens dirigindo e a Missy não dirá uma palavra sequer, certeza.

— Eu sei que não – Anahí suspirou encarando o enteado – Mas não me


peça pra não ficar ansiosa!

Daniel nem parecia mais o menino com traços suaves e delicados, idênticos
ao pai, que Anahí conheceu tantos anos atrás. Ele havia crescido e
continuava parecido demais com Poncho, e mais ainda com Diana. Cabelos
escuros e lisos, expressões agora fortes e personalidade, mais ainda. Ele
estava alto, tinha os olhos verdes e, como sempre, entrara suado na cozinha
da madrasta após o treino de basquete com seu treinador pessoal – Mane, é
claro. Enquanto Missy se preparava para as pesquisas laboratoriais, seu
meio-irmão visava uma bolsa universitária para virar um jogador
profissional. Isto a curto prazo, é claro. A longo... ele queria a NBA.

E ninguém duvidava que conseguiria.

— Falta muito pra eles chegarem mamãe? – Arthur, o caçula, entrou na


cozinha visivelmente entediado com seus óculos de aro preto que
disfarçavam o azul de seus olhos idênticos aos da mãe – Parece uma
eternidade desde que saíram de lá!

— Eu também acho – Anahí resmungou – Não sei bebê, espero que


cheguem logo. Também to ansiosa!

— Não sei pra que estão ansiosos – Daniel cruzou os braços com ar
zombeteiro – Missy não vai dizer uma palavra sequer sobre como foi
quando chegar.

— Dani, você é tão desagradável – Arthur rolou os olhos para o irmão mais
velho, saindo da cozinha em seguida, enquanto o outro bebia a água ainda
rindo.

— Esse garoto fala umas coisas tão elaboradas pra quem tem nove anos –
ele disse franzindo a testa.

— A quem será que ele puxou senão ao seu pai? – Anahí disse rindo e
dando de ombros.

Dos três filhos de Poncho, Arthur era o que menos parecia com ele. Na
verdade, não fisicamente falando. O menino herdara os olhos da mãe e em
todo o resto ele era Poncho, da cabeça aos pés. Mas sua personalidade não
parecia em nada com o pai: tal como Anahí, Arthur era determinado,
intenso e falante. Ele era familiar. Era como vê-la novamente criança, numa
versão masculina. E o completo contrário de Missy, cuja aparência era de
Anahí e jeito de Poncho. Já Daniel era uma mistura completa da aparência
dos pais e o caráter formado pelas quatro pessoas que o criaram.

Bastou falar em Poncho para que o próprio chegasse. A chave rodou na


porta e Arthur gritou da sala dizendo que eles finalmente haviam chegado.
Daniel deu passos largos e se jogou no sofá, Anahí veio em seguida, mas
sequer teve a chance de reclamar, o filho caçula lhe tomou a frente... tão
logo a irmã e o pai entraram na sala, Arthur começou a fazer as mais
diversas perguntas sobre como havia sido. Anahí então olhou para Daniel,
que tinha um ar de ironia nos olhos. Logo entendeu o porquê: Poncho se
limitava a não falar nada, porque afinal aquilo era sobre Missy. Já a garota...

— Então, como foi? – Anahí focalizou a filha, cruzando os braços tentando


disfarçar o quanto estava repleta de expectativas.

— Eu... não sei – a garota deu de ombros – Vamos esperar pra ver.

Enquanto Arthur e Anahí, em reações idênticas, rolaram os olhos em


frustração, Daniel soltou uma gargalhada imensa... o que fez toda a família
imediatamente encara-lo.

— O que se pode dizer? Eu avisei.

Pelo visto aquela era a frase favorita dele.

Os cinco jantaram juntos, na sala, como uma família. Poncho ajudou Anahí
a pôr a mesa, os filhos se encarregaram de retira-la e lavarem a louça
juntos. Sentada no sofá Anahí ouvia os três brincarem, aos risos, claramente
se implicando enquanto o faziam. Cena típica de irmãos, algo que ela foi
privada de viver a vida inteira, já que Harry chegou quando ela já era
adulta. Mas a fazia se sentir bem se dar conta que tinha conseguido dar uma
família completa para sua filha. Missy crescia diferente dela: tinha um pai
que a amava com fortes laços, tinha irmãos para dividir os problemas e as
lembranças, e tinha na mãe o mesmo que Anahí teve em Karen. Nela e em
Keith, o mesmo que sua mãe tivera com Ellie e Arthur. Era perfeito.

— Não é incrível a relação deles três? – Anahí disse se aconchegando em


Poncho sorrindo.
— Sabe o que é mais incrível...? – Poncho mencionou rindo – O fato de a
Missy estar namorando e você não ter achado importante me contar.

— Ah – Anahí murmurou, antes de rir. Ao ver a expressão zangada dele, ela


franziu a testa – Não sei se é exatamente um namoro... O que é, você está
com ciúmes? Poncho, não era um direito meu contar.

— Eu sei que não, mas... – Poncho começou a resmungar, mas não


encontrou fundamento. Por isso parou – Não, eu não estou com ciúmes...! É
que... eu gostaria que ela tivesse me contado.

— Você também não contou aos seus pais quando nós dois começamos a
namorar, que eu lembre só a Erendira sabia – Anahí lembrou – Você só
disse depois que já estava quase transando comigo.

— Ai Deus, não me diga que a Missy... – Poncho começou a pensar no pior,


e se irritou ao ver a esposa prender a risada – O que é? Ela sempre vai ser a
minha menininha.

— Digamos que você não tem mais uma menininha – ela deu um selinho
nele – Ela vai te contar as coisas, no tempo dela. Esteja por perto, vai
acontecer.

— Ela vai pra faculdade Anahí – Poncho sorriu irônico – Me diga como
fazer isso e eu farei.

Mas não houve resposta. Anahí apenas levantou sorrindo para o marido,
deixando-o divagar nos pensamentos. Ao ouvir as risadas animadas dos
filhos, pensando que Missy iria de fato para a faculdade e que, no ano
seguinte, seria a vez de Daniel, a verdade o estapeou: eles estavam
crescendo. O tempo estava passando...

xxx

E as semanas se passavam...

— Por que você anda me ligando tanto ultimamente? – Anahí disse na linha
telefônica para Lexie, assim que viu a foto da amiga no visor no celular
naquela manhã.

— Nada em especial – Lexie disse encostada na porta do quarto da paciente


violentada... a Anahí do presente, como ela costumava se referir – Eu tenho
pensado em você, apenas isso.

— Pensado bem ou mal? – Anahí franziu a testa perguntando.

— Bem, é claro – Lexie sorriu, saindo dali – E a carta da Missy de Yale? Já


chegou?

Todos sabiam, é claro. O sonho de Missy por Yale era um patrimônio


público. De certa forma, se tornou comunitário entre a família e os amigos.
E como os amigos de seus pais eram uma família extensa... é claro que eles
também integravam a torcida.

— Ainda não – Anahí suspirou – Poncho e eu olhamos a caixa de correio


todos os dias. Ele liga pra portaria todo dia de manhã que não vai sair.
Falando nisso, acho que ainda não ligou hoje...

— Relaxe – Lexie sorria do outro lado da linha – Missy vai passar, nós
sabemos disso desde sempre.

— Eu também tenho esperanças nisso – ela mordeu os lábios animada ao


sentir o otimismo da amiga – Minha little star não deixaria isso passar.

— Bom, eu vou deixar você ficar na sua expectativa...

— E eu te deixarei trabalhar – Anahí disse antes de se despedir.

No New York General Hospital, Mark abraçava Lexie por trás. Ele sentia
pelo final da conversa da esposa com sua amiga o tom dela, e sabia, pela
porta do quarto da paciente que Lexie estava parada, a razão de ser daquela
tensão toda.

— Ei – a voz rouca dele sussurrou no ouvido de Lexie – Não é a Anahí.


Você pode relaxar.
— É difícil – ela se virou abraçando-o – É como se fosse um filme na sua
cabeça. Eu preciso ligar pra ela e saber que está tudo bem.

— E está – Mark beijou a testa dela – No final algo maravilhoso vai sair
disso tudo.

Mark estava mais certo do que se poderia imaginar... mas isso é assunto
apenas para o fim.

xxx

No apartamento dos sonhos da família Portilla-Herrera, Anahí tinha


acabado de desligar a ligação com Lexie e estava prestes a discar o número
da portaria quando Poncho apareceu ali com um sorriso decididamente
suspeito.

— O que... – Anahí começou a perguntar, quando viu o marido erguer um


envelope branco em mãos com um emblema de uma universidade
americana que eles conheciam bem...

— Grosso o suficiente para ser o que esperávamos – ele revelou.

A reação imediata de Anahí foi sentir os olhos se encherem de lágrimas. Ela


não se conteve em abraçar Poncho e sentir a euforia que o marido estava
sentindo ao devolver aquele abraço. Os dois estavam totalmente
emocionados, realizados pela descoberta daquela vitória que a filha mais
velha tinha alcançado. Era indescritível.

— Merda, era pra ela estar nos contando isso... não nós dois descobrindo
como se fossemos dois investigadores do FBI... – Anahí falou enquanto saía
do abraço e enxugava os olhos.

— Eu sei, mas nós estávamos ansiosos – Poncho suspirou – Eu vou deixar


no quarto para que ela abra. Na hora nós fingimos surpresa.

— Ok – Anahí recuperou a postura – Nós não podemos contar pra ninguém


Poncho. É a notícia dela, ela quem deve falar.
— Você tem toda razão – Poncho disse fazendo um sinal com o dedo nos
lábios indicando que iria se calar.

Você acreditou...?

Naquele mesmo dia, horas depois, Anahí se viu não resistindo à exigência
que ela própria fez ao marido e mandando uma mensagem para Maite e
Christian contando as boas novas. Ao menos para os seus dois melhores
amigos ela tinha que dar aquela notícia antecipada, não deu para segurar.
Com Poncho, na verdade, também não foi muito diferente: ele acabou indo
comprar um bolo na confeitaria de Sophia para que a família comemorasse
mais tarde e, quanto se viu em frente a ela e a Jesse, a novidade
simplesmente escapuliu.

Ops.

A própria Missy, por sua vez, chegou em casa despretensiosa, sem sequer
imaginar o que a esperava. Só quando ela entrou no quarto viu o envelope
em cima de sua mesa de cabeceira a ficha caiu. Algo dentro de Missy lhe
disse que ali dentro havia a resposta que ela sempre havia sonhado. Mas a
verdade é que ela apenas acreditaria quando visse.

Missy havia puxado a inteligência dos pais, de forma que deduziu a mesma
informação que eles: se o envelope era grosso, significava uma admissão. A
diferença é que ela poderia abri-lo para verificar se sua conclusão era real.
O fato de acreditar naquele resultado positivo não diminuía sua ansiedade,
muito pelo contrário. O coração da garota batia rápido, mas quando ela
abriu em definitivo a carta e viu que a primeira frase começava, após a
saudação de "prezada senhorita Missy Portilla-Herrera" com um "temos o
prazer de informa-la que...", ela finalmente se permitiu abrir o maior
sorriso do mundo. E em seguida, deixar seu rosto ser lavado pelas lágrimas
da euforia, do alívio.

E então, era a hora de compartilhar a notícia com suas duas pessoas


favoritas no mundo.

Mas não, não são essas pessoas que você está pensando. Ainda não.
— Seu irmão como sempre nos dando chá de cadeira – Samantha dizia
batendo os dedos ansiosa na mesa mais afastada da confeitaria dos pais,
claramente irritada – Ele vai encontrar uma das namoradinhas e nós que
esperemos a boa vontade de aparecer...!

— Sam – Missy respirou fundo antes de falar – O Dani não tem


namoradinha nenhuma e você sabe disso. A não ser que você considere que
ele se relacione com uma bola de basquete...

— Que outro motivo ele teria pra demorar tanto? – a garota revirou os
olhos, sem conseguir disfarçar a vermelhidão evidente em seu rosto. Missy
sabia o nome a dar para aquela reação de sua melhor amiga.

— Ele treina – ela frisou – Quando ele entrar por aquela porta, vai aparecer
suado como sempre, com os cabelos bagunçados e aquela bola que não sai
debaixo do braço. Se Dani tem um date hoje, é com o tio Mane, tenha essa
certeza.

— Certo – a careta permanecia no rosto arisco de Samantha, como sempre


– Então, você disse que seu pai descobriu sobre o Eric...?

— Na verdade eu contei – Missy observou – Eu não sei se a reação dele era


mais curiosidade, incredulidade por ser o enteado da ex-mulher dele ou
ciúmes mesmo... espero que não seja ciúme, porque o Dani já sente ciúmes
de mim o suficiente.

— Se o seu irmão sente ciúmes de mim, imagina de você – Samantha negou


com a cabeça, mas a amiga tinha uma resposta na ponta da língua que ela
definitivamente não esperava.

— De você ele sente outro tipo de ciúme – Missy alfinetou, rapidamente


vendo Sam ficar tão vermelha quanto era possível.

— Lá vem você com isso de novo – ela revirou os olhos, tentando disfarçar
o indisfarçável.

— Vocês só não veem isso porque estão ocupados demais olhando um ao


outro pra sentirem o clima que fica – Missy voltou a alfinetar e percebeu
que as bochechas do rosto de Samantha simplesmente não voltavam ao tom
normal.

— Pare com isso pelo amor de Deus!

— Dani chegou – ela disse olhando o irmão entrando no local.

Exatamente como Missy previra, Daniel estava suado, com o uniforme de


basquete e uma bola, indicando que sua demora, mais uma vez, se dera por
estar treinando eternamente, sempre com o objetivo final de ser reparado
por olheiros, ganhar uma bolsa estudantil e ir para a NBA. Samantha criava
paranoias imensas que Dani estava com alguma garota, mas como Missy
gostava de observar, ele tinha apenas um objetivo... na verdade, dois. Mas
um deles a filha de Jesse era totalmente incapaz de ver...

Há muito tempo Anahí dizia que Samantha, Daniel e Missy juntos eram o
trio como Christian, Maite e ela eram. A única diferença é que Christian,
com sua notória homossexualidade, jamais pensaria em se envolver com
suas duas melhores amigas. Então era quase a mesma coisa – as
semelhanças ficavam na cumplicidade, no fato de que seu irmão e a melhor
amiga de infância dele eram as pessoas com quem Missy mais se sentia à
vontade no mundo, até mais do que com os próprios pais. A diferença
ficava no fato de que a Herrera mais velha simplesmente sobrava ao lado
deles, que no meio de tantas alfinetadas e provocações, eram incapazes de
perceber os sentimentos que ficavam nitidamente no ar.

O essencial era realmente invisível aos olhos.

— Desculpem o atraso, eu... – Daniel começou a falar mas a amiga já tratou


de interrompê-lo.

— Estava treinando, já deu pra ver por você não ter se dignado a tomar um
banho sequer antes de nos encontrar Dani – Samantha revirou os olhos.

— Aí eu demoraria mais ainda Sam, e daria reais motivos pra você


reclamar – ele alfinetou, vendo a garota arregalar os olhos.
— Era só ter saído mais cedo do treino – ela devolveu – Você já treina todos
os dias mesmo...!

— Isso tudo é ansiedade pra me ver? – ele provocou.

— Ansiedade pra te ver? Eu?

Daniel não respondeu àquela nova provocação de Sam, apenas se sentou ao


lado dela, beijou-lhe a bochecha e, após vê-la resmungar pelo suor, sentiu
Samantha se deixar levar e tocar-lhe o rosto, antes de abraça-lo. Missy
apenas sorriu vendo os dois. Já havia alertado ambos os lados do que
claramente acontecia ali, e não tinha sido a única: seus pais, os pais da
amiga, todos já haviam percebido e mencionaram, mas ambos fingiam que
não viam. Não era apenas medo de estragar uma amizade que literalmente
acontecia desde o início da vida, mas a certeza de que os objetivos do futuro
os separavam: Daniel queria a NBA, Samantha queria dançar ballet na
American Ballet Theatre. Eram planos que se contradiziam, e impediam que
aquele sentimento virasse algo mais, real.

Uma pena.

— Então, qual era a grande notícia que não poderia esperar...?

— Eu achei que vocês já tivessem suposto – Missy suspirou antes de


finalmente revelar – Yale. Eu entrei.

— AI MEU DEUS! – o grito de Samantha ecoou por toda a confeitaria, e


todos os presentes olharam... Jesse, que estava no caixa, inclusive.

— E eu fiquei surdo – Dani disse cutucando o ouvido que estava ao lado


dela.

— MEU DEUS MISSY, EU SEMPRE SOUBE! – Samantha disse se


levantando para abraçar a amiga.

— E agora todos os clientes e funcionários sabem também – Daniel voltou


a alfinetar, mas enfim se levantando para abraçar as duas – Parabéns
maninha. Sam está certa, nós sempre soubemos mesmo.
— Eu não falei? – ela devolveu a provocação – Eu sempre estou certa!

— Fica quieta que não é seu momento, é momento dela – Dani cortou,
ainda abraçando as duas.

Do lado de dentro do balcão Jesse sorria olhando a interação da filha com


seus melhores amigos. Era bonito ver que Samantha tinha com os filhos de
seu melhor amigo a mesma amizade que ele tinha com Poncho, que Sophia
tinha com Anahí... embora ele soubesse que não era apenas amizade entre
Daniel e Samantha. Àquela altura é claro que Jesse, assim como a esposa, já
sabia da aprovação de Missy em Yale porque Poncho lhes adiantou, mas
como estava certo que deveria disfarçar, apenas olhava de longe sorrindo,
vendo os três se abraçarem, Daniel provocando as duas... a legítima
comemoração entre amigos.

Aqueles três eram o presente agora e lembravam um passado saudoso e


atemporal. Jesse se lembrava como tinha sido para ele próprio entrar na
universidade, a ansiedade que sentiu por sua carta de aprovação, a euforia
que se concretizou quando a abriu. Sophia e ele tinham ido para a Brown
juntos, desde aquela época os dois falavam em abrirem um negócio e Jesse
mal poderia imaginar que, anos e anos depois, estaria casado com sua sócia,
sua melhor amiga e que eles teriam uma família. Será que a vida reservava
o mesmo para Daniel e Samantha?

Se os três amigos eram o presente e seus pais, o passado, sem dúvida havia
um futuro crescendo bem ali. Ele se materializou com a imagem de Logan
entrando na confeitaria com a mãe, que falava no telefone e era
constantemente interrompido por ele. Jesse parou de prestar atenção nos
três adolescentes e voltou os olhos para a criança que mais parecia com ele
do que com Sophia, mas cuja insistência não parecia ser herança de nenhum
dos dois... nisso ele era igual à Samantha.

— É a tia Mai? – Logan perguntava – Pergunta a ela se a Luna está com


ela! Eu quero falar com a Luna, mamãe...

— Não, é a tia Any... – Sophia respondeu ao filho, voltando a atenção à


ligação – Sim Any, eu estou te ouvindo...
— Então eu quero falar com o Arthur! – Logan disse puxando o braço da
mãe, tentando alcançar seu celular – Mãe, por favor...!

— Any, será que você pode passar pro Arthur? – Sophia disse revirando os
olhos – Eu te ligo daqui a pouco quando as nossas crianças conseguirem se
falar.

Logan, Luna e Arthur. Missy, Daniel e Samantha. Anahí, Christian e


Maite... Jesse, Poncho e Sophia... a vida era um ciclo que constantemente se
repetia e se inventava. Não havia outra explicação.

— Eu não tenho chance contra a sua miniatura – Sophia suspirou


longamente para Jesse, que riu e lhe deu um selinho – Certo, preciso
trabalhar. Eles estão comemorando o que eu estou pensando...?

— Estão – Jesse ergueu a sobrancelha – Mas Soph, você sabe que não
podemos...

— Relaxe, eu vou disfarçar – Sophia negou com a cabeça com ar de riso,


vendo Jesse fazer uma careta um tanto irônica – O quê? Eu sei que não
devo falar nada, prometi pro Poncho, esqueceu...?

— Não, não esqueci e sei que você não vai falar nada, mas eu te conheço
Soph, você não sabe disfarçar...

— Pois veja e aprenda – Sophia desafiou, vendo o marido apenas cruzar os


braços e se preparar para, de fato, ver.

Ela apenas saltitou dali até a mesa onde os três estavam sentados com um
bolo bem confeitado e aparentemente delicioso em mãos, com Jesse
olhando enquanto mordia os lábios, sem precisar torcer contra para saber
que aquilo daria errado. Na mesa eles já estavam de volta às velhas
posições: Daniel estava jogado na própria cadeira, Samantha recostada no
ombro dele e Missy de frente para os dois, os três debatendo o futuro dela
na universidade. O assunto rapidamente foi cortado quando eles notaram a
proximidade de Sophia. Imediatamente Samantha levantou a cabeça
endireitando a postura, embora se pudesse dizer que nenhum deles
conseguiu relaxar ao perceber que um adulto havia chegado.
— Crianças, vocês estão comemorando não é? – Sophia disse animada –
Trouxe um bolo pra isso.

É claro que Missy não demorou a juntar as peças...

— Minha mãe te contou – ela disparou, fazendo Sophia arregalar os olhos.

— Não! – ela contestou, rapidamente se corrigindo – Quer dizer... me


contou o quê?

No balcão, Jesse tampou o rosto com a certeza de que tudo fora por água
abaixo.

— Não foi sua mãe, foi meu pai – Daniel corrigiu, certo de que, se alguém
havia deixado escapar algo para os pais de Samantha, esse alguém era
Poncho.

— Ou seja, eles já sabem – Missy suspirou longamente – É claro que


sabem...

— Sabem o quê...? – Sophia voltou a se fazer de desentendida. Agora era


Samantha quem fechava os olhos.

— Tudo bem mãe, não precisa disfarçar mais – ela abriu um sorriso amarelo
– Você pode ir.

— Obrigado pelo bolo tia Soph – Daniel disse pegando o bolo das mãos
dela e colocando sobre a mesa – Certeza que está maravilhoso como
sempre.

É claro que Sophia voltou com os lábios mordidos, o rosto vermelho como
um pimentão – para variar – e com Jesse a encarando com os braços
cruzados e a expressão de quem havia avisado.

— Nem venha – Sophia ergueu o dedo na direção dele um tanto fula.

— Eu nem preciso dizer nada – ele puxou a cintura dela, beijando-a nos
lábios – Você é teimosa desde que eu me lembro, sabe?
— E você ama isso há tempo demais para voltar atrás – ela observou, se
deixando levar pelo abraço dele e tocando-lhe no rosto.

— Mesmo que amasse há cinco minutos, eu jamais voltaria atrás – Jesse


revelou mordendo a orelha dela, prestes a beijar Sophia após ela abrir
aquele sorriso maravilhoso de sempre, quando...

— Pronto mamãe – Logan disse entrando no meio dos dois e devolvendo o


celular dela – Arthur e eu já combinamos o videogame do fim de semana.
Luna e ele vão dormir lá em casa ok?

Filhos...

— Obrigada por me comunicar – Sophia retrucou irônica. Jesse se prendia


para não rir.

— De nada – o menino disse dando de ombros e saindo dali.

— Samantha fazendo escola – Jesse sussurrou no ouvido da esposa, que riu


ao se dar conta da semelhança inegável entre seus filhos... em todos os
aspectos...

De fato, o sangue não mentia.

E por falar em sangue não mentir, Missy estava um pouco desapontada com
o seu. Ela esperava descobrir a aprovação na universidade e anunciar aos
pais, e não que Anahí e Poncho perceberiam antes e contariam para os
amigos antes mesmo que ela tivesse a chance de anunciar. A realidade, ao
fim, se mostrou muito diferente da expectativa. E exatamente por isso ela
decidiu que era hora de ir até lá e dizer a eles o que já sabiam e colocar tudo
em pratos limpos de uma vez.

— Eu acho que irei pra casa encontrar as feras – Missy disse se levantando
– Dani, você vem ou...

— Ele vai – Samantha disse arrancando um olhar do amigo – O que foi?


Sua irmã precisa de você, não é?
— Sim – Dani abriu um meio sorriso, vendo-a se levantar e se despedir de
Missy.

— Não mate seus pais, você sabe que eles não fazem por mal e que nós
faríamos o mesmo no lugar deles – Samantha aconselhou a amiga, que riu.

— Vou tentar lembrar disso – ela falou – Dani, eu vou pedindo um Uber. Te
espero lá fora.

Estava claro o que ela fazia: deixava os dois sozinhos.

— Não se sinta mal de me deixar sozinha – Samantha disse encarando-o –


Missy é sua irmã.

— Eu sei disso – Daniel respondeu sorrindo, antes de abraça-la e beijar-lhe


a bochecha – Tchau Sam.

— Tchau Dani – ela respondeu.

Aquele beijo na bochecha era significativo. Sam sentiu um calor no local,


mas não apenas ali. Algo em seu estômago também esquentava. Em seu
coração. Ela poderia mentir para o mundo, mentir para si mesma... mas
estava ali. Ah, estava...

xxx

Anahí e Poncho naquela noite preparavam um jantar especial, embora


soubessem que não deveriam sinalizar que já sabiam a grande novidade.
Missy ainda estava brava quando entrou em casa, Daniel estava logo atrás
dela e tinha argumentado durante todo o trajeto que ela não deveria dar
tanta atenção assim àquela situação, que era apenas um detalhe. Mas Missy
estava frustrada. Exatamente por isso – e por seu hábito, desde criança, de
guardar seus sentimentos para si e não entrar em conflito, ela apenas entrou
no próprio quarto, trancando a porta e se fechando para o mundo.

Obviamente seus pais notaram aquilo e foram até Daniel perguntar o que
tinha acontecido. O filho do meio estava sentado na sala ao lado de Arthur,
que jogava videogame com os olhinhos azuis fixados na tela – um hábito
passado do irmão mais velho para o mais novo, é claro. Quando Dani viu o
pai se aproximar com a expressão de preocupação que já conhecia bem,
sequer esperou a pergunta vir.

— Estávamos na confeitaria, tia Soph se aproximou sabendo que estávamos


comemorando algo e trouxe um bolo para que celebrássemos – Daniel
encarou os dois bem firme – Vocês poderiam esperar pra contar, não é?

— Mas eu não contei pra Soph – Anahí disse encarando o Poncho – Você...

— Me diga que você não contou pro Christian e pra Maite – ele cruzou os
braços exigindo, vendo a esposa balbuciar em resposta.

— Eu... eu...

— Vocês são inacreditáveis – Daniel disse negando e se levantando.

É claro que Anahí, agora sabendo que a filha estava magoada com ela, ficou
inquieta. Anahí não sabia lidar com nenhum dos três filhos – pois é lógico
que Daniel entrava na conta – demonstrando qualquer tipo de sentimento
ruim em relação a ela. Quem sabe isso vinha de sua boa relação com a
família, onde tudo costumava ser prontamente resolvido. Ou ainda do fato
de que ela demorou meses para aprender a amar Keith e olha-lo como pai,
não passando um dia sequer após isso zangada com ele. Exatamente por
isso lhe doía tanto simplesmente deixar Missy aborrecida no quarto e não
fazer nada.

— Eu vou conversar com ela – Anahí disse já levantando, levemente


sentida com o que Daniel havia falado – Eu não queria que ela ficasse
chateada assim, como eu poderia imaginar que...

— Any, dá um tempo pra ela – Poncho propôs, embora soubesse que não
seria ouvido. Ele conhecia a esposa que tinha, afinal.

— E deixa-la lá, alimentando aquela mágoa? Não...

— Mamãe, a Missy não gosta que falem com ela quando ela ta chateada –
dessa vez foi Arthur quem aconselhou, com os olhinhos idênticos aos da
mãe virados para ela com toda a doçura possível – Tenta amanhã.

Arthur era extremamente sensitivo. Ele conhecia bem cada membro da


família e, por mais que fosse o mais jovem ali, ainda criança, conseguia
enxergar a essência tanto de seus pais quanto de seus irmãos. E nem Poncho
nem Anahí costumavam diminuir suas impressões em razão de sua
juventude. Pelo contrário, eles procuravam ouvir o menino, mostrar que sua
opinião importava. Era o caso. Mesmo contrariada, Anahí suspirou, sentou
ao lado do filho e o abraçou, ouvindo resmungos da parte dele por ter
atrapalhado seu jogo, mas ela não se importou. Poncho apenas sorriu para
os dois, vendo-a afagar o filho deles carinhosamente, sentindo que qualquer
tempestade que viesse Anahí era capaz de sobreviver, pois ela já tinha
enfrentado pior.

Após dormir inquieta ela acordou na manhã seguinte e preparou um café da


manhã, colocando na bandeja tudo o que Missy gostava e seguindo para o
quarto da menina. Sabia que ela estava acordada e que a porta estava
destrancada, por isso girou a maçaneta e apenas viu o rosto amassado da
filha levantar ao vê-la. Pela simples expressão de Missy ela pôde perceber
que a garota não estava mais com raiva, mas não era por isso que ela não
lhe devia um pedido de desculpas.

— Eu sinto muito – Anahí mordeu os lábios – Seu pai também, mas ele vai
se desculpar pessoalmente. Eu deveria ter esperado você contar, mesmo
tendo certeza de qual seria aquele resultado. E definitivamente não deveria
ter contado para os seus padrinhos antes que você mesma viesse me contar.
Mas é que... é inevitável pra mim. Da mesma maneira que você correu pra
contar pro Dani e pra Sam, que você precisa dividir tudo o que te importa
com eles... eu sou assim com Christian e a Mai. Nós somos como irmãos.

— Eu sei disso – Missy observou – É só que... na hora... o problema não foi


você ter contado pra eles, nem o papai ter contado pra tia Soph e pro tio
Jesse. É que eu queria ter surpreendido vocês. Ter virado e falado "ei, pai,
mãe, sabe aquele meu sonho da vida inteira? Eu consegui...".

— Você acha realmente que nós ficaríamos surpresos com isso? Você é a
nossa little star, Missy. Sua avó me chamou a vida inteira de borboleta
porque ela dizia que eu tinha asas muito grandes pra ficar dentro de um
casulo... e quando eu comecei a te chamar assim, é porque eu sabia que
você era muito brilhante pra ficar só pra mim. Você pertence a um céu
inteiro.

O sorriso de Missy de admiração não poderia ser maior. Ela sentiu que
aquela era a hora de dizer algo que já deveria ter falado à mãe há tempos.

— Eu falei sobre você – Missy revelou – Na entrevista pra Yale. Sobre nós
duas, na verdade. A sua história... e o impacto dela sobre mim. A minha
origem, a forma como você sobreviveu, me encontrou e me criou. Foi por
isso que eu entrei. Não apenas as notas e o histórico... foi porque eu contei
sobre nós, mãe.

— Sério? – Anahí piscou os olhos. Dessa vez ela estava realmente surpresa.

— Sim – Missy sorriu orgulhosa – Eu não sabia o que falar, mas as palavras
fluíram na hora. Você... quase não fala sobre...

— É porque acabou – Anahí mordeu os lábios – Eu vivi aquilo, eu


sobrevivi e segui em frente. Ele foi preso e aos poucos, bem aos poucos, eu
superei. E voltei ao caminho que eu deveria estar antes, ainda que um
pouco direrente... não tenho porque reviver isso. Essa parte da minha vida
não me define filha.

Missy não falou nada, apenas ficou refletindo sobre aquilo. Sobre todas as
vezes que leu sobre estupro, sobre violência doméstica e os traumas e
cicatrizes que aquilo poderiam causar. Sobre como a literatura os utilizava
como recursos para engrandecer mulheres. Ela observava isso e em seguida
encarava a mãe, notando o quanto Anahí não precisava desse tipo de coisa.
Por si só, ela já era gigante.

— E eu fiz o certo com você, te criei para ser feminista – Anahí apertou a
mão dela – Assim você não fica esperando que nenhum homem venha te
salvar.

Dessa vez Missy gargalhou.

— Certo, você me criou após ver The Handmaid's Tale...


— Pra alguma coisa aquele governo do Trump tinha que servir – Anahí
levantou dando de ombros.

Nada mais precisava ser dito. Aquele assunto não precisava mais ser
tocado. Missy conhecia sua história, a história consequente da interrupção
da vida de sua mãe... mas aos poucos percebia que a verdadeira história de
sua vida tinha sido a partir de seus sete anos. Quando encontrou aquela
mulher de olhos azuis cujo abraço se tornou sua casa, com a promessa de
que nunca mentiria, que a protegeria. Quando essa mulher lhe apresentou
aquele que realmente seria seu pai. E de alguma maneira, com cada peça
encontrando o seu lugar, eles se tornaram uma família.

xxx

E o dia da formatura chegou.

Ainda faltavam dois meses para Missy finalmente ir para Yale, mas ela
estava dando adeus ao colegial. Com um sorriso nos lábios ela vestiu aquela
beca e levou o capelo em mãos, colocando-o na cabeça em seguida. Quando
seu nome foi chamado para buscar o diploma, viu que sua realidade era
muito diferente daquelas outras pessoas que tinham três, no máxino cinco
pessoas lhe prestigiando na plateia. Somente a sua família ocupava quase
três fileiras. Era gente demais.

Afinal, estamos falando de uma adolescente, quase adulta, que tinha quatro
avós, dois bisavós, dois tios – ambos casados – dois pais e dois irmãos. A
família de Missy era maior do que a de qualquer outra pessoa ali, e como se
não bastasse a presença de todos os Portilla e dos Herrera em peso, ela
ainda resolveu convidar uma outra pessoa, cuja importância em sua vida
não precisava mais ser escondida.

Após o casamento de seu pai, Bradley, com Diana, Eric tinha praticamente
crescido com Daniel, de forma que estava completamente habituado à
família dele – tanto a natural, quanto a extensa. Isso gerou alguns feriados e
datas comemorativas ao lado de Missy, muito embora o interesse amoroso
entre ambos só tenha surgido depois de anos, quando já eram adolescentes
– diferentemente do meio-irmão que tinham em comum e de Samantha. O
único receio da garota era a forma como a família lidaria com aquilo, mas
agora que seus pais sabiam, por que temer?

Missy realmente acreditava que a formatura terminaria ali, com o capelo, as


fotos em família, o diploma sendo recebido e o abraço emocionado e
carinhoso dos pais. Por mais que ela estivesse feliz de receber aquilo – de
ver os sorrisos de todos ao seu redor – ela estava triste por sentir que faltava
gente ali. Sendo filha de Anahí e Poncho, se tornando irmã de Daniel, ela
tinha aprendido que família era muito mais do que uma árvore genealógica.
E isso fazia toda diferença do mundo.

— O que foi? – Poncho perguntou à filha, tentando não reparar demais nos
dedos dela entrelaçados com os de Eric – Você não está feliz?

— Estou – Missy deu um suspiro – É só que... Sam não está aqui. Nem o tio
Christian, tia Maite... é tanta gente...

— Eu sei como é – Anahí acariciou o ombro da filha.

— Vamos para o Café, eu fiz um bolo para você – Karen ofereceu


simpática.

É claro que Missy não esperava o que encontraria no café. As luzes estavam
apagadas quando ela chegou, mas assim que Karen as acendeu, após abrir a
porta, as faixas, balões coloridos e principalmente, as pessoas se levantaram
num grito de surpresa que definitivamente a chocou. Não era seu
aniversário, ela não tinha como adivinhar o que a esperava, mas mesmo
assim... ali estava. Todo o Café da Karen estava decorado com as cores e o
emblema de Yale e dentro do lugar, todas as pessoas que ela amava. Agora
sim, sua família completa.

— De quem foi a ideia...? – Missy perguntou aos pais e ambos se olharam


cúmplices.

— De quem mais seria? – Christian se anunciou abraçando a afilhada – Do


promoter do grupo...! Eu, é claro.
— O melhor padrinho do mundo! – Missy o abraçou de volta – Obrigada
tio, eu amei.

— Não precisa agradecer, você é a nossa estrela, como diz sua mãe –
Christian segurou as mãos dela com os olhos repletos de orgulho – A
primeira da sua geração, dona dos nossos corações...

— Chega Christian, desse jeito eu já fico com saudade antecipada da minha


bebê! – Anahí resmungou, vendo Lexie e Maite rirem dela de imediato.

— Tudo bem Missy, você está liberada da conversa entre os adultos, vá


curtir seus amigos e seu namorado – Maite disse sorrindo para ela e viu a
garota se afastar.

Foi a hora que eles começaram a falar dela.

— Namorado? – Christian ergueu as sobrancelhas – Então eles assumiram?


Finalmente!

— Ela contou pro Poncho no dia que fez a entrevista em Yale – Anahí
explicou rapidamente – Ele está tentando conter os ciúmes desde então...
obviamente Harry e Erendira estão infernizando-o desde que descobriram.

— Eu sempre pensei que Jesse seria o pai ciumento, não o Poncho – Lexie
observou.

— Ainda não sabemos se ele realmente será ou não – Maite salientou –


Afinal, Samantha e Daniel ainda não admitiram os sentimentos.

— Sam e Dani são como o Mane e você, se você o correspondesse desde o


início – Sophia alfinetou a amiga rindo.

— Isso quer dizer que eles só vão ficar juntos quando fizerem trinta? –
Anahí ergueu as sobrancelhas – Missy não aguentará ser cupido até lá.

— Você aguentou, Missy também aguenta – foi Christian quem disse –


Talvez Samantha, como a Maite, arrume algum marido idiota antes de
perceber que o Dani é o mozão dela.
— Eu sempre soube que a Sam era meio a Maite – Sophia riu – Luna é
igual a mim também, será que as trocamos?

— Então acho que chegou a hora de eu me aproximar da sua filha e falar o


quanto ela está perdendo tempo em não se deixar levar – Maite suspirou
longamente – Eu poderia ter feito como a Any: aberto os olhos e vivido o
amor de uma vez.

— Olha Maitita, não foi por falta de tentativa – Christian cantarolou – Mas
o que importa é que você no fim se entregou ao seu crush e viveu feliz para
sempre com ele. Na verdade todas vocês... Anahí parou de dar murro em
faca com o Milo e voltou pro Poncho, Lexie largou o embuste do Jackson
no altar, casou com Mark Sloan e procriou com ele... só falta você parar de
enrolar o Mane e dizer sim de uma vez!

— Que obsessão vocês têm com isso – Maite fez uma careta negando com a
cabeça.

— Nossa, o Milo... – Lexie franziu a testa – Any, você nunca mais soube
dele, né?

— Há alguns anos ele começou a me seguir no Instagram – Anahí sorriu


lembrando – Basicamente ele se mudou pra Ohio, casou com a Mandy e
adotou três crianças. Poncho ficou uma semana sem falar direito comigo se
roendo de ciúmes quando eu segui de volta.

— Também pudera né – Christian riu – Milo e Poncho era a definição de


tanto faz.

— Tanto faz um cacete – Maite retrucou – Mil vezes o Poncho. O amor da


vida, o amor pra vida.

— A gente tenta, mas a Maite é a fã nº 1, não tem jeito – Sophia ergueu o


copo em clara comemoração.

Não havia jeito mesmo. Certas coisas nasciam de um jeito e morreriam


assim, ponto final.
Os amigos continuaram conversando eternamente falando sobre os filhos,
os maridos, as garotas se unindo contra Christian perguntando se um dia ele
casaria – justo num dos momentos em que ele confrontava Maite mais uma
vez para aceitar os pedidos insistentes de Mane – e não restou a ele opção
senão desconversar. Foi quando Anahí pousou seu olhar sobre Lexie e viu a
neurocirurgiã totalmente perdida, com o olhar vago, vendo Mark com a
filha deles, Elisa, brincando com a menina e com o trio das crianças mais
novas – Luna, Logan e Arthur. Anahí se aproveitou quando a amiga se
afastou deles, indo até o balcão se servir de uma bebida, e foi atrás.

— Você está estranha há semanas – Anahí disse ao se aproximar dela – O


que ta acontecendo que ta assombrando a sua vida perfeita, Lex?

— Ah – Lexie suspirou longamente – É que eu estava... pensando. Em


você, na Missy... na Elisa. Eu tenho uma filha agora, e bem... você não tem
medo de deixar a Missy voar?

— O medo que toda mãe tem – Anahí deu de ombros – Que a minha mãe
provavelmente tinha.

— Apareceu uma garota como você no hospital, naquele dia que eu te


liguei de manhã – Lexie finalmente revelou – Eu fui bipada na Emergência,
corri pra atender o chamado e... lá estava ela. Machucada, cheia de ossos
quebrados, hematomas... parecia um deja vu. Só dei por mim quando a
Arizona me disse que ela não era você. Porque durante alguns minutos...
parecia que eu tinha voltado no tempo.

— Eu imagino – Anahí respondeu quase petrificada. Ela só lembrava de ter


acordado no New York General Hospital mais de uma década antes, mas
não sabia como tinha sido para Lexie vê-la daquela forma e principalmente,
reviver a sensação agora.

— Ela não quer denunciar o sequestrador – Lexie completou – Ele é da


família dela, a tirou dos pais, dos irmãos, e ela não quer denunciar. Tem
medo. Agora o cara vai ser solto e... eu não sei, eu sinto que preciso ser
algo. Porque... eu tenho uma filha, Any. Eu não quero que seja a Elisa,
então fico pensando... como você consegue deixar a Missy ir pra outro
Estado mesmo depois do que aconteceu com você?
Era uma pergunta difícil de ser respondida. Não havia uma resposta exata e,
de certa forma, Anahí havia se questionado sobre aquilo nos últimos dez
anos. Agora ela estava na mesma posição que Karen esteve, com a
diferença que sua mãe não sabia o que o destino reservava para a sua
butterfly. Assim como ela não fazia ideia do que aconteceria com a sua little
star dali para frente.

— Que alternativa eu tenho senão deixa-la viver, Lexie? – Anahí deu de


ombros, sorrindo com um misto de tristeza e felicidade, agonia e alívio –
Tobias tirou oito anos da vida, tirou os primeiros sete anos da vida da Missy
de mim. Eu não posso deixar que ele leve mais. Que o medo leve mais.
Então eu apenas vivo um dia de cada vez, torcendo pra que o universo
conspire e ela seja mais feliz do que eu fui, que tenha experiências intensas,
que não precise aprender as coisas ou crescer da pior forma possível. Nós
não podemos viver com medo. Nem ter medo de viver.

Esse era o saldo positivo de Anahí naqueles mais de dez anos: aprender a
viver.

— Elisa vai ter uma vida maravilhosa com Mark e você – Anahí segurou as
mãos dela – Como Missy tem comigo e com Poncho, Luna com Mane e
Maite, Samantha com a Soph e o Jesse. Nós criamos mulheres
maravilhosas, sementes para esse novo mundo. Elas vão florescer. É o que
podemos fazer.

— Sim – Lexie sentiu os olhos se encherem de lágrimas – E fazemos.

— E podemos fazer um pouco mais – Anahí assentiu – Eu vou ao hospital


conversar com a sua paciente. Eu vou leva-la pro My sister's place... e nós
iremos tirar esse medo dela.

Esse era o legado de Anahí para o mundo. Ela poderia não muda-lo, mas
poderia começar, fazendo a sua parte. Quem dera que todos fizessem a sua.

xxx

Nos últimos nove anos, desde que Anahí e Poncho tinham se casado, uma
vez ao ano, em datas totalmente aleatórias, Mane pedia Maite em
casamento. A resposta era sempre a mesma: não. Após cada negativa da
namorada, Mane se apegava ao fato de que Maite era traumatizada com
casamento e que aquilo seria apenas uma formalidade. Afinal, na prática,
era como se eles já fossem casados. Desde a gravidez dela os dois já
moravam juntos e dividiam a rotina, a cama, as contas e a criação de Luna.
Não houveram crises, apenas as brigas bobas e os desentendimentos
comuns que qualquer casal tinha.

Com o passar dos anos Mane acabou se dando conta que seu grande medo
não era Maite dizer que não, e sim o que mudaria caso ela não dissesse.
Mas ele acabou percebendo que o mais importante não era se ela tinha o
sobrenome dele, se carregava uma aliança no dedo anelar esquerdo ou se os
dois tinham uma certidão que selava aquele compromisso. O que importava
era que eles acordavam juntos todos os dias. Maite enfim havia percebido
que, durante todos os furacões que ela enfrentou – do desaparecimento de
Anahí até seu retorno, a briga com os amigos e o divórcio que tanto a
machucou – Mane fora a sua constante. E quando ela conseguiu finalmente
relaxar e se permitir viver aquele sentimento, não mais abriu mão.

Mas mesmo o casamento não tendo qualquer relevância para Maite, ele
tinha para Mane. Por isso, anualmente, ele tentava e fazia um novo pedido.
Geralmente o pedido era feito em uma data que relembrava a Mane o
quanto a família, a amizade e é claro, o amor eram essenciais na sua vida.
Naquele ano, a festinha improvisada no Café da Karen para prestigiar
Missy parecia o momento ideal. Os últimos pedidos definitivamente não
haviam amolecido o coração de pedra da morena: Maite sempre dizia que
não, ele ficava buscando os sinais de que ainda estava tudo bem e logo em
seguida ela o abraçava, o beijava e eles dormiam abraçados naquela noite.

Quando Mane pensou nisso ele via Maite chamar Luna para prender o
cabelo da filha antes que ela se soltasse dali e voltasse a correr com Arthur
e Logan. Ela estava com o olhar vago observando a filha e apenas sorriu
quando o sentiu abraçando sua cintura. Em sua mente Mane estava mais
certo do que nunca, mas ao beijar o ombro dela com os rostos dos dois
encostados, ele sentiu o sorriso de Maite se abrir. Mane sabia que era a
certeza na vida de Maite, a constância. Por isso percebeu, finalmente, que
era o suficiente. Ele era feliz com ela, com o sim ou o não. Então aquele
seria o último pedido. Se Maite dissesse que não, ele não pediria novamente
e eles seriam felizes com o que tinham... como já eram.

Mas não custava tentar, não é mesmo...?

— Será que, depois de tantos anos, tantas noites em claro com a Luna
acordada quando era bebê ou doente... tantas partidas de basquete dos meus
times que você assistiu... será que agora você aceitaria casar comigo?

Aquela pergunta já tinha sido repetida tantas vezes, de tantas formas


diferentes que Mane jamais esperaria por uma resposta positiva. Era apenas
a força do hábito, em nome da crença de que a esperança seria a última a
morrer. Mas aquela vez foi diferente. Ali, no Café da Karen, vinte anos
depois de Mane se descobrir apaixonado por aquela morena arisca, ela se
virou para ele, encostou sua testa na dele e finalmente respondeu o que ele
quis ouvir a vida inteira.

— Sim.

E para quem esperou por tanto tempo, será que dava pra acreditar?

— Eu... é sério? – ele ergueu as sobrancelhas e Maite arregalou.

— Não te culpo por não levar a sério – ela sorriu acariciando o rosto dele –
Sim Mane. Eu quero casar com você. Não faz a mínima diferença para
mim, mas... se te deixa feliz, eu vou ser feliz assim também.

— Eu te amo – Mane disse salpicando a boca dela com inúmeros beijjos –


Deus, eu nem tenho uma aliança...

— Vamos a uma joalheria comprar – Maite propôs – É a nossa cara


ficarmos noivos assim.

Era o pedido mais autêntico possível, mas não havia problema. Nada mais
Maite e Mane do que aquilo.

E eles saíram, voltando uma hora depois num mel que surpreendeu os
amigos. metade dos convidados já haviam ido embora e os casais de amigos
estavam sentados com Christian reclamando sem parar que estava de vela.
Eles estavam num sofá que ficava no canto do café, com apenas Mark
sentado numa poltrona e Lexie recostada no braço dela, pendurada sobre o
marido. Quando Maite chegou no café foi direto para lá, vislumbrando
Christian reclamar que era mais um casal para humilhar sua solteirice, mas
parando ao ver a morena erguer o dedo anelar direito.

— Not a single lady anymore.

Anahí e Sophia quase gritaram ao verem aquilo, Mark e Poncho riram e


parabenizaram os noivos. Os adolescentes que estavam ali perto olharam
estranhando a cena, mas não estavam tão surpresos assim, para falar a
verdade: estavam acostumados com seus pais, um grupo de amigos
definitivamente incomum do qual não se podia esperar nada muito linear.

— Eu estou muito orgulhoso de todos vocês – Christian disse com a mão no


coração falseando uma emoção – Eu lembro como se fosse ontem quando a
Lexie me ligou dizendo que a Any tinha voltado para nós. Foram oito anos
em que nós desintegramos completamente o que chamávamos de amizade.
Precisou que a Any voltasse pra nós e precisasse da nossa ajuda pra que nós
percebêssemos que éramos nós quem precisávamos dela. Eu lembro que a
vida amorosa da Lexie estava mais engarrafada que a Times Square na hora
do rush e a da Maite, mais desesperadora que o Titanic afundando... e você
Soph, sofrendo porque o Jesse era um demente que não sabia te valorizar...?

— Christian, eu espero que tenha uma finalidade esse seu discurso – Jesse
ironizou cruzando os braços e o amigo riu.

— Sim, tem – Christian observou rindo – É que a vida da Lexie era reflexo
do fato de que ela colocava o mundo inteiro no lugar do próprio coração e
cá está ela, uma neurocirurgiã renomada, casada com o amor da vida. E
você, Maite... a Any voltou pra cuidar de si e você finalmente pode cuidar
de você mesma. Foi um alívio ver você e a Soph voltarem a ser amigas, ver
tudo o que você fez por ela quando ela mais precisou... – após ele dizer
aquilo, Maite sorriu na direção de Sophia e as duas deram as mãos – E você
arregando pela Any e o Poncho juntos novamente? Eu quase vomitei arco-
íris...!
— Eu não pensava que nós ainda teríamos chance como amigos – Poncho
sorriu para a morena, que sorriu de volta.

— Nem eu pensava – Christian disse – E Jesse, não fique bravo, mas você
era meio imbecil há dez anos. Nesse mesmo café a Maite teve que te puxar
pelos cabelos uma vez pra te lembrar o que era importante, acho que você
lembra. Mas a vida te ensinou bem, e você não recusou nenhuma daquelas
lições. Foi maravilhoso ver os pais incríveis que vocês se tornaram pra
Samantha. E por que não dizer o mesmo da Any e do Poncho que se
tornaram os melhores do mundo, sem ofensas aos demais, pra Missy?

— Ela realmente foi um raio de luz nas nossas vidas – Poncho completou as
palavras do amigo, fazendo a esposa derreter logo ao seu lado.

— E agora estamos aqui por causa dela – Christian ressaltou – Mas ano que
vem tem a formatura do Dani, depois da Sam e aí teremos uma pausa para
depois recomeçarmos com a geração mais nova. Eu estou me sentindo
velho.

— Não é estranho isso? – Mane franziu a testa – Mais parece que está
acabando.

— Quem sabe – Anahí deu de ombros – Talvez esteja recomeçando.

Aos poucos, a festa foi acabando, até mesmo os adultos indo embora.
Apenas quatro pessoas ficaram ali e agora estavam acomodados no mesmo
sofá que seus pais antes estavam. Missy estava com Eric na mesma posição
que Lexie estava com Mark horas antes, enquanto Samantha e Daniel... lado
a lado, naquele sofá, agindo como se não quisessem estar da mesma forma.

— Eu ainda não havia falado pra vocês – Eric se dirigiu à Sam e Dani,
Missy naquele momento fazia uma cara de que já sabia o que seria dito –
Desisti da Brown. Eu também irei pra Yale.

Naquele momento Daniel teve uma crise de riso que chamou a atenção de
todos.
— Desculpem, eu rio quando to nervoso – ele disse voltando ao normal –
Meu pai vai ter uma crise quando souber disso.

— Ele dava como certo que nós iríamos nos separar quando eu fosse pra
faculdade – Missy apontou rindo – Basicamente os planos não deram certo.

— Papai acha que seria melhor que vocês fossem pra faculdades diferentes
pra ver se realmente daria certo como foi com ele e a tia Any – Daniel
completou.

— Eu já disse a ele que nós não vamos repetir a história dos dois – Missy
ergueu as sobrancelhas – Até porque não somos nós o casal que se ama
desde que era criança e que não sabe como vai ser, já que querem destinos
diferentes...

Samantha achou que fosse morrer com aquele comentário. Ela


imediatamente tampou o rosto, porque sabia que ali nasceria uma
vermelhidão absurda que não haveria como ser disfarçada.

— Mas então, me leva pra casa? – Missy perguntou ao namorado,


encarando o irmão logo em seguida – Ei Dani, você vai pra casa da sua mãe
hoje né?

— Sim e faria mais sentido que eu fosse com vocês – Daniel observou, já
que ele e Eric iriam para o mesmo lugar. Porém...

— Não, alguém precisa dar uma carona pra Sam – Eric disse levantando
com as mãos entrelaçadas nas de Missy, ambos com um sorriso travesso nos
lábios.

Pra lá de combinado...

Imediatamente Samantha levantou o rosto fuzilando a amiga como quem


dizia que iria mata-la. Missy não se importou, apenas se despedindo dos
dois e saindo dali, deixando-os sozinhos... exatamente no momento em que
esperava que Daniel quisesse levantar dali e ir embora de uma vez, já que o
silencio que se fez entre os dois não era nada confortável. Mas não foi o que
aconteceu.
— Sam... – ele finalmente falou – Nós precisamos...

— Você quer ir pra Duke – ela cortou, finalmente soltando as palavras que
estavam presas na garganta há tempos – E eu quero dançar ballet. Você
passa o tempo inteiro treinando pra algum olheiro reparar em você, e eu
fico ensaiando dia e noite. Dani... não daria certo.

— Meu pai e minha madrasta são a prova viva de que você está errada – ele
disse finalmente encarando-a – Seus pais também. Por quanto tempo eles se
amaram e deixaram tudo em suspenso?

— Talvez seja melhor fazer como eles e esperar a vida se estabilizar pra ver
no que vai dar – Samantha apontou decisiva – Dani, eu não posso abrir mão
dos meus sonhos por você.

— Eu não to te pedindo pra abrir mão de nada – Daniel tirou a mecha de


cabelo do rosto dela e tocou seu queixo carinhosamente – Eu só quero que a
gente se permita e veja no que vai dar.

— Veja no que vai dar... – Samantha repetiu, embriagada pela proximidade


dos dois. Seu coração batia rápido demais... aos dezesseis anos, ela nunca
tinha dado um beijo e sabia exatamente o porquê: não queria que fosse com
ninguém além dele.

— Eu sei disso desde os dez anos – o nariz dele roçou no dela – E você?
Desde quando...?

— Eu sempre soube – os olhos de Samantha se fecharam – Eu não sei se...

— Shhhhh – ele a cortou, se aproveitando que ela não o encarava – Não


fala nada.

E os lábios dele tocaram nos dela, pedindo passagem. Samantha deu,


iniciando o beijo com o qual sonhou uma vida inteira. Do lado de fora,
Missy os espiava sorrindo. Havia dado certo. Eles estavam juntos pela
primeira vez. Com sorte, o primeiro beijo não seria o último. Com sorte,
aquela história estaria apenas começando.
— Certo, big brother – Eric brincou – Vamos pra casa.

— Vamos pra casa...

xxx

E veio o verão, o último verão de Missy em casa. O apartamento ficaria


mais vazio, a vida de sua família também. A síndrome do ninho vazio
começou. Poncho escrevia um novo livro enquanto Anahí se ocupava entre
o trabalho com Joy, a ONG e a mudança da filha. Ela ajudou Missy a
empacotar todas as próprias coisas e, quando o dia de Yale finalmente
chegou, uma força-tarefa montada por Poncho, Daniel, Eric e Keith levou
cada caixa para o carro. Missy preferiu que o namorado a acompanhasse
dirigindo, já seria difícil demais se despedir dos pais ali. No fim, percebeu
que acabaria se tornando mais complicado ainda, já que toda a família veio
dizer adeus.

— Vocês não facilitam mesmo – ela cruzou os braços quando viu Arthur e
Ellie entrando pela porta, um mais choroso que o outro.

— O que foi? – Arthur brincou – Você acha que eu não viria me despedir da
minha menininha?

— Não é como se eu estivesse me mudando pra outro planeta – Missy fez


uma careta.

— Vai fazer falta de toda forma – Karen suspirou – Você está levando
casacos, não é?

— Claro que está mãe, ela ta se mudando – Harry debochou, abraçando a


sobrinha – Qualquer coisa que você precisar...

— Certo, ela precisa aprender a se virar – Anahí disse tocando no ombro da


filha – Acho melhor você ir little star, antes que nós te tranquemos aqui e te
obriguemos a ir para Columbia.

— Tem certeza que não quer que nós te levemos? – Poncho voltou a insistir.
Ele ainda não havia superado o recente ciúme pelo namoro da filha, e Eric
leva-la para Yale havia sido um golpe e tanto...

— Sim, está tudo bem – Missy sorriu.

— Eu vou sentir a sua falta – Arthur disse abraçando a irmã pela cintura –
Não vai ser a mesma coisa sem você.

E aquela frase acabava por sintetizar todo o sentimento que imperava ali.

— Andem, vamos seus apegados – Erendira interrompeu soltando o


sobrinho da irmã – Deixem a garota ir, chegou a hora.

— Não está esquecendo nada? – Keith perguntou entrando na e, quando


Missy olhou para o avô, ele tinha seu ursinho em mãos. O mesmo que
Keith lhe devolveu quando ela conheceu sua família, anos e anos atrás.

Tempo, vá devagar...

Naquele momento Missy não conseguiu conter as lágrimas. A síntese de


uma vida inteira que tinha se passado ali veio à tona e ela abraçou o avô na
mais pura emoção. Quando eles deram por si, metade da sala chorava e a
outra metade prendia a todo custo. Mas ter o ursinho de volta só fez Missy
ver que uma última coisa precisava ser feita.

— Vocês... me dão um minuto com a minha mãe e o meu pai?

— Claro – Ellie disse já andando junto com os outros – O tempo que for...

E de um em um, eles foram saindo do quarto de Missy, deixando apenas


Anahí e Poncho junto com ela. Um último momento antes da vida que eles
conheciam acabar... era seu último capítulo.

— Deus, como o seu quarto está vazio... – Poncho suspirou longamente.


Dava para sentir a emoção dele evidente naquela frase.

— Eu senti isso quando saí da casa da minha mãe e fui morar com o
Christian – Anahí observou – Mais do que quando fui pra faculdade...
Missy tentava encontrar as palavras certas para aquela despedida, mas
parecia difícil. A garganta estava presa e ela não sabia dizer. Queria
agradecer à Anahí por nunca tê-la olhado como o fruto de um trauma, por
ter lutado por ela. À Poncho, por tê-la dado o amor de um pai presente, ter
cumprido a promessa do casamento deles e sido o mais perto de um super
herói possível. Aos dois, pela família que construíram e que lhe era tão
importante. Mas nada saía. No fim, acabou que, em meio àquele silêncio, o
que quebrou foi o abraço que Anahí deu na filha. E foi ela quem terminou
sintetizando tudo numa frase.

— Eu... – ela balbuciou – Eu só queria poder estar sempre com você.

— Eu estarei com você – o rosto de Missy agora estava banhado em


lágrimas, e ela tocou, com dois dedos, o peito da mãe, na área do coração –
Aqui. Você prometeu que seria a melhor do mundo. Obrigada por cumprir.

E com aquilo nada mais precisava ser dito. As duas se abraçaram e Poncho,
por fim, foi o último a chorar, envolvendo as duas. O ponto final já tinha
sido colocado na frase. Agora era a hora dos créditos.

— Tome – Anahí lhe entregou um livro com um envelope dentro – Leia


quando estiver pronta.

— Obrigada – Missy a abraçou de novo – Eu amo você.

— Eu também, little star.

De uma em uma, as despedidas vieram...

— Ligue quando chegar – o vovô Arthur pediu – Não irei dormir enquanto
você não ligar...

— Ele fala isso, mas vai pegar no sono assim que chegarmos em casa –
Ellie zombou.

— Faça uma boa viagem querida – Keith abraçou a neta.

— Volta logo ta? – o pequeno Arthur quem disse daquela vez.


— Não, não volte... voe – Erendira aconselhou – E voe longe.

— Curta demais a faculdade – Daniel aconselhou – Ano que vem antes de


ir pra Duke eu irei te visitar.

— Certo, eu vou esperar – Missy piscou – Cuide da Sam até lá.

— Mais fácil ela cuidar de mim – ele riu, finalizando.

O carro de Eric partiu minutos depois. E um a um, cada um partiu para a


própria vida. Anahí estava na calçada quando o carro cruzou a esquina,
sumindo de sua vista. E de alguma maneira percebeu que teria que subir e
aprender a viver com um pedaço de si faltando.

Ouça "Watch me – Labi Siffre"

(music from "This is us")

Ela e Poncho subiram juntos, de mãos dadas, até chegarem no próprio


apartamento. Depois de um breve silêncio Daniel anunciou que levaria
Arthur na sorveteria – o que logo Anahí percebeu que era apenas um
pretexto para que ele pudesse encontrar Samantha com Logan. Mas com
aquilo a casa ficou silenciosa. Anahí parou na sacada do apartamento
sentindo a tranquilidade do ambiente, pensando em todas as coisas que
vivera naquele apartamento desde a primeira vez que pisara ali, antes do
sequestro. Em como o tempo nunca parava de passar, e em como as coisas
mudavam rapidamente. Ou como, de certa forma, elas sempre procuravam
encontrar o seu lugar.

— Eu errei feio o final – Poncho disse abraçando-a pela cintura e


encostando seu queixo no ombro dela. Anahí riu.

— Que final...?

— O nosso – Poncho explicou – O que eu escrevi, no caso. Era pra nós


ficarmos juntos na formatura da Missy. Quando olhássemos um pro outro,
víssemos o tempo que estávamos perdendo e nos déssemos conta que não
deveríamos perder mais um dia sequer. Esse era o final.
— Eu lembro desse final – Anahí ressaltou – Só que nós descobrimos que
não tínhamos mais tempo a perder há muito tempo. Felizmente.

— Felizmente mesmo. Se não fosse assim, não teríamos tido aquela transa
maravilhosa da semana passada.

— A de quinta ou a de sexta? – ela ergueu as sobrancelhas – As duas foram


ótimas.

— Eu não sei – Poncho franziu a testa – Agora que você perguntou, não sei
mais como distinguir.

Watch me when you call me

Me observa quando me liga

See me sparkle, see me flame

Veja-me brilhar, me ver chama

Singing a song, playing a game

Cantando uma música, jogando um jogo

Oh, I'm so glad you came

Oh, estou tão feliz que você veio

— Se você nunca tivesse sumido, nós estaríamos a uns vinte anos casados,
tem noção disso? – ele sorriu – Acho que teríamos uns três ou quatro
filhos...

— Três filhos nós já temos – Anahí lembrou – Tudo saiu dos planos
Poncho. O que importa é que, cada vez que deu errado, a gente fez dar certo
logo em seguida.

— Verdade – Poncho sorriu envolvendo-a – É amor que chama né?


— Eu acho que é – ela sorriu, se sentindo feliz pela primeira vez naquele
dia em que sua primeira filha tinha saído dali para aprender a voar – Que tal
você me levar para aquele quarto e repetir a transa de quinta ou de sexta?

— Eu acho uma ótima ideia, meu amor... não poderia sugerir melhor.

E eles foram. Certos de que haveriam outras transas, brigas matinais e


desentendimentos... que um empurraria para o outro quem levantaria para
apagar a luz. Ainda mandariam dois filhos para a faculdade e chorariam na
formatura deles. Viveriam uma vida plena e, com sorte, morreriam
velhinhos, de mãos dadas, enterrados um ao lado do outro. Algo que estava
longe de acontecer, porque muito havia sido tirado dos dois... nem metade
havia sido devolvido.

Watch me when you look my way

Me observe quando você olhar meu caminho

See me smiling, be my night and Day

Veja-me sorrindo, seja minha noite e dia

Touch me in your own sweet way

Toque-me no seu próprio caminho doce

Feel me tremble if you take my words away

Me sinta tremendo se você tirar minhas palavras

Nunca mais seriam somente ele e ela. Agora sempre haveria mais: mais
filhos, um dia netos, uma vida inteira pela frente. A vida que eles
escolheram viver, e que agora estava ali, dia após dia.

E a caminho de Connecticut, enquanto Eric dirigia ouvindo jazz, Missy


abriu a própria bolsa, tirando dali o livro que a mãe lhe entregou horas antes
dentro de um papel pardo. Era Somente você e eu, escrito por seu pai
enquanto ela ainda era uma criança recém-chegada na vida dos dois. Missy
sorriu: desde pequena pedia à mãe para deixa-la ler o livro e ela sempre
dizia que era coisa de adulto. Agora ela havia crescido e tinha a chance de
conhecer aquele ângulo da história deles. Da história dela.

All of the time I love you

Todo o tempo eu te amo

Make you a rhyme, I love you

Faça você uma rima, eu amo você

Say it in mine

Diga isso na minha

Ela abriu, finalmente, chegando na dedicatória. "Para a minha A. para mim


sempre seremos somente você e eu", Poncho dedicou à Anahí. Mas embaixo
daquilo, com a letra dele, havia algo mais.

"Para a minha M. Que bom que não fomos somente sua mãe e eu. A vida
não teria a mesma graça sem você e seus irmãos. Papai te ama."

E daqueles olhos que ela não tinha puxado de nenhum dos dois rolaram as
primeiras lágrimas...

Dentro do livro, contudo, havia uma carta. Dentro de um envelope branco,


um toque da outra pessoa que fizera sua história. Missy sabia que havia
alguma mensagem de Anahí naquilo tudo, afinal fora dela a iniciativa de lhe
entregar o livro. Por isso ela delicadamente abriu o envelope e pegou o
papel, começando a ler.

Watch me when I'm on my own

Me observe quando estou sozinho

See me falling like the snow

Veja-me cair como a neve


Come and be the things you are

Venha e seja o que você é

I am still falling

Ainda estou caindo

But not quite so far

Mas não tão longe

"Missy, minha pequena estrela,

Aos quinze anos, eu fiz uma lista de desejos. Estou escrevendo essa carta
para que você faça a sua. Eu disse para o seu pai, há alguns anos, que era
uma lista boba de uma garota de quinze anos que certamente não sabia o
que lhe aconteceria dali alguns anos. Eu não estava de todo errada, mas
definitivamente não estava cem por cento certa.

De fato, eu não tinha ideia do que a vida me reservava de forma cruel.


Talvez, se eu soubesse, não teria feito aquela lista. Alguns dos desejos eram
coisas como "cantar em um karaokê" e "ter um cachorro". Outras eram
desejos reais, como "mudar a vida de mulheres". Houveram itens dos quais
eu desisti, outros que eu fiz questão de realizar. Mas eu jamais deixei que o
que sofri impedisse a minha vontade de tentar.

O último desejo daquela lista era o mais importante de todos, fruto do


fundo da minha alma: ser mãe. Durante alguns meses após ser resgatada
do cativeiro onde você nasceu, eu acreditei piamente que a vida tinha me
tirado aquela possibilidade e apenas procurava me perguntar o que eu
faria se aquilo não fosse uma opção. Pouco tempo depois eu descobri que
aquilo já havia se realizado, eu apenas não sabia. Foi quando você veio
pra mim, quando virou a minha vida de cabeça para baixo, quando a vida
que eu conhecia deixou de existir.

Hoje, mais uma vez, você faz com que uma vida minha seja deixada para
trás. É justamente quando você recomeça a sua, iniciando um novo
capítulo, livre como você sempre foi. E justamente nesse recomeço eu digo
que você deve fazer a sua própria lista, com os seus sonhos. Acredito que
um raio não caia duas vezes no meu lugar e que você não passe pelas
coisas que eu passei, venho lutando há anos para que o mundo seja um
lugar melhor também por você. Mas certamente capítulos ruins existirão, e
você precisará enfrenta-los. Essa lista vai servir para que você se lembre de
viver os seus sonhos, se lembre que as adversidades são apenas pedras no
seu caminho que você irá ultrapassar.

Quando você fez a entrevista para Yale, disse que era um fruto de uma
sobrevivência. De fato, eu sobrevivi. Mas você não, meu amor. Você vai
apenas viver.

É difícil te deixar ir embora. Mas eu sei que ainda vou ouvir falar de você
em todos os lugares que for. Sei que as pessoas às vezes deixarão de falar
comigo como a pessoa que sou e passarão a se referir como sua mãe. Essa
é a melhor parte de mim. Foi o último desejo e o melhor realizado. E eu
sempre me orgulharei disso.

Espero que a sua vida seja tão intensa, louca e desbravadora quanto você
sonha que seja. Que você encontre um amor tão intenso quanto o que eu
encontreie, se já tiver encontrado, que ele te ajude a riscar cada item da
sua lista e você faça o mesmo com ele.

E sempre que quiser voltar pra cá, volte. Um pássaro sempre pode voar de
volta para casa no inverno. O meu abraço sempre estará aberto para você.
Eu prometi quando você ainda cabia no meu colo e sempre irei cumprir: eu
sempre irei te proteger, mesmo que você não seja mais aquela dócil
menininha... porque agora você cresceu e se tornou uma mulher incrível. A
mulher que eu fiz crescer.

Eu amo você com toda a força do meu coração e me orgulho da pessoa que
você se tornou.

De sua mãe,

Anahí."
Mais e mais lágrimas. Ah, é sempre bom assistir a cena final após os
créditos, não é mesmo...?

— Está tudo bem? – Eric perguntou quebrando o silêncio, vendo-a de


relance enxugar as lágrimas.

— Sim – Missy sorriu mais confiante do que nunca – Maravilhosamente


bem.

Ela não sabia qual seria o primeiro, o quinto ou o nono item de sua lista,
mas o último ela tinha certeza: Missy queria ser uma mulher tão forte,
independente e inspiradora quanto sua mãe.

Mas até lá, muita coisa aconteceria. Até lá... Missy iria viver.

"A vida é cheia de cor. E cada um de nós chega e acrescenta a sua própria
cor no quadro. E embora o quadro não seja muito grande, você tem que
perceber que ele continua para sempre, em todas as direções"

This is Us

Fim.
Agradecimentos

Mais um fim... esse, o mais longo de todos. Mais parecia, pra mim, que a
SVE não acabaria nunca, mas aqui estamos, treze anos depois da primeira
fanfic. No fim daquela que eu pensei que seria a última, antes da minha
mente dizer "haha" (com a genuína torcida de todas vocês – sabemos!).

Eu lembro exatamente do dia que a Somente você e eu surgiu na minha


cabeça. Eu estava deitada numa cama e assistindo o filme que me inspirou
para escrevê-la: O quarto de Jack – e com aquela rapidez que eu me
surpreendo, a ideia se montou na minha cabeça. Dali para construir as
personalidades dos coadjuvantes e pra querer desesperadamente terminar a
fic que eu estava escrevendo naquele momento e cair de cabeça nesse novo
projeto foi um pulo.

A SVE foi um desafio pra mim e eu tenho um carinho imenso por essa
história. Primeiro, foi a primeira fanfic que eu escrevi trabalhando, sem
todo aquele tempo e inspiração pra me dedicar à história e aos comentários
de vocês. Segundo e mais importante, a história dela era completamente
desafiadora e diferente de tudo o que eu já havia escrito antes, e isso me
deixou completamente inquieta porque eu sabia que seria um divisor de
águas pra mim.

A primeira coisa que eu fiz depois de assistir O quarto de Jack de novo e


ler algumas reviews e críticas sobre o filme foi estudar os efeitos de todas
as violências que a Anahí sofreu pra que elas ficassem o mais verossímeis
possível. Com isso preciso dar os devidos créditos: o episódio 08x19 de
Grey's Anatomy foi de uma ajuda imensa e eu também bebi da fonte do
02x19 de Scandal, de onde surgiu a ideia da amnésia que a Anahí sofreu.
Ao longo da história também bebi das fontes das minhas séries jurídicas pra
construir o julgamento do Tobias e, depois, a parte criminal do caso do
estupro da Sophia: neste ponto obrigada à The Good Wife, American Crime
Story e Suits por toda a inspiração, termos jurídicos e casos que foram
simplesmente essenciais pra que aqueles capítulos saíssem.
Foi terrivelmente complexo criar a história da Anahí, e ressalto que, como li
num comentário maravilhoso da minha amiga Jade já na reta final, a SVE
não é uma história AyA, é uma história da sobrevivência da Anahí. A Jade
resumiu ali exatamente o que eu quis passar sobre a Anahí: ela viveu algo
terrível, inimaginável, e de alguma maneira sobreviveu e precisa aprender a
viver com isso, a seguir em frente, sempre tentando dar passos maiores que
as pernas e ultrapassar barreiras antes do tempo, descobrindo aos poucos
não apenas que tudo tem a sua hora, mas que todas as coisas que lhe foram
tomadas seriam oportunamente devolvidas.

Sei que foi muito difícil pra vocês ler tudo o que ela sofreu, descobrir junto
com ela as coisas que ela tinha perdido: os amigos que se afastaram, o pai
que surgiu na sua ausência, o Poncho ter se casado, o filho que ela perdeu e
depois, a filha que foi separada dela. Mais difícil ainda quando, de uma
maneira diferente, a Sophia também vive a mesma coisa. A forma como
vocês se sentiram impotentes e raivosas diante disso tudo é a maneira como
eu me sinto todos os dias quando leio notícias de violência doméstica, de
feminicídio, quando vemos o quanto nós mulheres somos diminuídas,
forçadas e violadas de várias maneiras. Por isso a minha mensagem com
essa fanfic é: se a mudança não começar individualmente com cada uma de
nós, ela não existirá.

Por isso esse epílogo começa com uma cena que só se encaixa quase no
fim: a Lexie vê a paciente na maca e pensa de maneira desanimada que
aquilo sempre vai acontecer, mas a Anahí dá a mensagem deixando claro
que talvez aconteça, mas ela estará lá para lutar para que seja diferente. E eu
to aqui, fazendo a mesma coisa, conscientizando vocês da importância de
liderarmos um mundo diferente, menos patriarcal, com mais sororidade.
Depende única e exclusivamente de nós.

Depois de um ano e seis meses, posso dizer que estou muito satisfeita com
esse resultado final. Eu acho que consegui alcançar a mensagem exata que
queria passar e isso ficou evidente em cada comentário que eu recebi, em
cada mensagem que uma leitora dizia o quanto a história a havia tocado.
Cada comentariozinho desses – que em 70% das vezes eu infelizmente não
tive como responder – ta guardado no fundo do meu coração. Eu sou
profundamente grata a todas as vezes que vocês se deixaram abrir pra que a
mensagem que eu queria passar pudesse entrar. Obrigada mesmo!

Finalmente, queria dizer que fiquei insegura enquanto escrevia todo o


epílogo, porque em todas as outras fics eu fiz o momento de cada casal e
nessa ta tudo meio junto-e-misturado. A questão é: a SVE não é como
minhas outras fics, então o final dela não poderia ser igual também. Mas eu
fiz questão de deixar o espacinho de cada casal, já que Slexie, Bushfer e
Manerroni mereciam seus finais dignos – e incluindo ainda o novo casal,
quem shippou DaniSam? Hahahah! Vocês que pediram, viu? Também quis
dar o espaço para as relações de amizade que permearam a história e para as
familiares, principalmente Anahí e Missy, que provavelmente – até mais
que AyA – foi a relação mais importante que eu escrevi aqui. Quis que no
final tivesse quase, senão todos os coadjuvantes importantes da história,
porque já to desde já morrendo de saudade de todos eles!

Mas os nossos protagonistas são os nossos protagonistas! E esse foi o AyA


mais lindo que eu já escrevi, desculpe-me que gosta mais dos anteriores rs.

Obrigada a quem deu uma chance pra Diana, que era uma personagem que
eu sempre soube que seria muito detestada pelo simples fato de ser a
terceira nisso que vocês conhecem como "triângulo amoroso", mas que teve
uma aceitação muito maior e mais expressiva que eu pensei. Obrigada
também a quem confiou em mim quando eu disse pra não odiar a Maite,
porque embora vocês amem a da trilogia ENE e a da IC, pra mim essa
Maite é a melhor de todas. E obrigada a quem se entregou a todas as minhas
personagens femininas, porque aqui, além delas duas e da Anahí, tivemos
uma Sophia guerreira, uma Lexie inspiradora (deixando o Jackson no altar
como ele me-re-ceu! Você quer Shonda?), além da Erendira, da Karen, da
Ellie, da Evelyn (a melhor sogra rs) – além das fantásticas Caitriona,
Marina e Joy, tão importantes na reconstrução da Anahí... e das minhas
bebês Missy e Sam, nossos xodozinhos.

Vamos aos agradecimentos.

Eu sempre serei obrigada a começar agradecendo à melhor assessora de


fanfics do mundo mundial. Ela, que me fez shippar Bushfer e enfiar em
todas as minhas histórias; ela, que nem é mais AyA e mesmo assim
continua firme e fiel, a pessoa que eu sei que vai estar ao meu lado lendo o
que eu escrevo na rua, na chuva, na fazenda e numa casinha de sapê. Dani,
você, seus títulos e seus apps que fazem print de Instagram falso... eu não
sei o que seria de mim sem você! Obrigada por tudo, sempre e sempre.

Segundo, gostaria de agradecer às constantes que sempre estão comigo,


entre ameaças e surtos: obrigada Ludmila, Luana, Kamilla Leite, Kamilla
Kvettiki, Lívia, Bea, Stefany, Edianne (+ Izart rs), Lara, Juny, Nate, Mari,
Alicia, Helloá (+ Alicia!), Edieny e Fabriny, que estão comigo há taaaanto
tempovocês são simplesmente maravilhosas e cada vez que eu via os
comentários e os votinhos de vocês meu coração se enchia de alegria!

Terceiro, às leitoras que tive a oportunidade de conhecer nessa fic: Jess, que
ama escrever textões, Amanda, Julia, Mayara, Bia, Maria, Duda Souza, Jú
Moreira, Bia Cunha, Marianinha, PBia, Thais, Sarah e Rebecca, eu amei
tê-las aqui comigo e espero que vê-las novamente na próxima.

Obrigada a todo mundo que, de maneira maior ou menor, deixou ao menos


um comentariozinho e muitas estrelinhas. Seria impossível agradecer a
todas, mas eu lembro de cada momento feliz quando via que um capítulo
tinha boa recepção, em especial quando o capítulo tinha mais de 100 votos!
Obrigada sobretudo por possibilitarem chegarmos aos 100K leituras e mais
de 10K votos antes do fim da fic, algo que nunca tinha acontecido comigo e
que me fez a escritora mais feliz desse mundão!

Finalmente, encerro os agradecimentos mencionando minha amiga Jade,


que embora tenha demorado mais de um ano pra ler a fic (NAOSJSKSHS)
foi, como sempre, nos bastidores, aquele apoio fundamental pra eu não
surtar e quebrar tudo e largar a história no meio (igual sempre né?)

Encerro essa história com gratidão, felicidade e sensação de dever


cumprido.

Desde já informo: teremos uma fanfic futura. Mas a Amor para recomeçar
só vai ser postada quando estiver escrita. Até lá, vamos viver! Vou sentir
saudades, mas eu volto.
Em tempo, não me peçam especial dessa fanfic! Se tiver que acontecer,
acontecerá; minha mente tem vontade própria (nem eu mando nela).

Titia ama vocês!

Com todo o meu carinho,

Rafaela Santos

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