Transformar Escolas
Transformar Escolas
* Doutor em Comunicação pela USP, professor de Novas Tecnologias na mesma universidade e um dos
fundadores do Projeto Escola do Futuro. É mentor de cursos e projetos híbridos e online sobre novas
metodologias com tecnologias digitais. Publicado no livro Educação 3.0: Novas perspectivas para o
Ensino. CARVALHO, M. (Org). Porto Alegre, Sinepe/RS/Unisinos, 2017
ca e autonomamente; muito menos a preparar pessoas criativas, empreendedoras e
livres. Ela precisa mudar para encantar e abrir os horizontes de crianças e jovens, a
fim de que evoluam sempre, transformem suas vidas e a sociedade em que vivem.
Trata-se de um trabalho complexo, demorado em um país imenso. É urgente
mudar nosso modelo de ensino, muito focado em conteúdos prontos, separados,
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Núcleo Estudos do Futuro – PUC-SP: http://www.nef.org.br/.
Projeto Millennium – http://www.millennium-project.org/index.html.
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em qualquer lugar, a qualquer hora e ao longo de uma vida cada vez mais longa. De
outro, temos uma escola do século XIX presa a seus ritos previsíveis, burocráticos,
industriais.
Como ensinar em um mundo conectado? Como a escola pode tornar-se
relevante para aprendizado em um mundo tão rápido e desafiador? O que podemos
trazer do dinamismo das transformações digitais, econômicas e sociais para o
ambiente de ensino e aprendizagem mais formal?
Os processos de aprendizagem são múltiplos, contínuos, híbridos, formais e
informais, organizados e abertos, intencionais e não intencionais. O ensino regular
é um espaço importante, pelo peso institucional, pelos anos de certificação e pelos
investimentos envolvidos, mas convive com inúmeros outros espaços e formas de
aprender mais abertos, sedutores e adaptados às necessidades de cada um.
A educação é mais complexa porque tem de preparar para a autonomia, para
podermos tomar decisões mais complexas em todos os momentos, de forma
criativa, empreendedora e realizadora. Para preparar para a autonomia, precisamos
de outra proposta de escola, muito mais leve, aberta, flexível, centrada no aluno,
com atividades significativas, metodologias ativas, intenso uso das tecnologias
digitais.
A convergência digital exige mudanças muito mais profundas que afetem a
escola em todas as suas dimensões: infraestrutura, projeto pedagógico, formação
docente, mobilidade. Nestes últimos anos, aumentaram exponencialmente as
ofertas de aprendizagem, formais e informais, gratuitas e pagas, presenciais,
híbridas e on-line. Cada vez ganha mais importância a aprendizagem aberta,
colaborativa, em redes, em comunidades de aprendizagem e de prática.
Podemos aprender formal e informalmente. Aprendemos em situações muito
diferentes: sozinhos, em contato com inúmeros materiais disponíveis; aprendemos
também com pessoas próximas e distantes (colegas, grupos presenciais e on-line).
Aprendemos em outros momentos por meio da orientação de pessoas mais
experientes em campos que nos interessam (professores, especialistas).
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http://porvir.org/jovens-desejam-uma-escola-participacao-atividades-praticas-tecnologia/.
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jovens querem uma escola com maior participação, atividades práticas e tecnologia;
querem um currículo mais flexível, em que possam escolher parte sua da trajetória,
em que aprendam mais com a mão na massa do que só com aulas expositivas;
querem não ficar confinados nas salas de aula e ter espaços mais livres, acolhedores
e com menos paredes ou grades, que lhe permita interagir com o entorno (bairro,
cidade, mundo).
A grande maioria das escolas continua muito aquém desse modelo desejado
pelos jovens, mas já há um bom número delas que estão ousando, evoluindo,
propondo modelos interessantes, próximos às necessidades do mundo atual. O que
propõem essas escolas mais inovadoras?
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GOUVÊA, Tathiana. Educação Fora da Caixa: conheça escolas onde o aprendizado vai muito além da
lousa e do caderno. http://www.hypeness.com.br/2015/01/como-iniciativas-de-educacao-inovadoras-
buscam-transformar-o-ensino-no-brasil/.
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O diálogo entre arquitetura, escola e cidade. http://porvir.org/dialogo-entre-arquitetura-escola-cidade/.
Designing for Student-Centered Learning – Norma Rose Point School community in Vancouver, British
Columbia. https://www.youtube.com/watch?v=yBFc_3apnZ4.
5
Aprendizagem-Serviço –
http://www.ulacit.ac.cr/files/archivos/VSE/Libro%20Aprendizaje%20en%20Servicio%20Version%20
Digital.pdf.
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Redesigning the school day at Summit Public Schools using a Flex model bonita. https://
www.youtube.com/watch?v=EQKqIPi9Ubw&t=199s.
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presenciais e modelos mais digitais (para alunos com perfis ou situações diferentes).
O currículo é o mesmo, adaptado às necessidades dos alunos, superando a
dicotomia presencial x on-line.7
Existe uma ênfase grande no desenvolvimento de competências amplas,
socioemocionais, com destaque para a autonomia intelectual, emocional
(autoestima, resiliência, criatividade). Ganha importância a formação inicial e
continuada de professores em metodologias ativas, em orientação/ mentoria e em
tecnologias presenciais e on-line. Constata-se a importância do compartilhamento
de experiências, da orientação por parte dos mais experientes, da aprendizagem por
imersão e por “clínicas” com supervisão.
As instituições mais inovadoras desenham uma política clara de
personalização da aprendizagem em torno do projeto de vida do aluno. A
personalização encontra seu sentido mais profundo quando cada estudante se
conhece melhor e amplia a percepção do próprio potencial em todas as dimensões.
O projeto de vida é um componente curricular transversal importante, que visa a
promover a convergência, de um lado, dos interesses e paixões de cada aluno e, de
outro, de seus talentos, sua história e seu contexto. Estimula-se a busca de trilhas
de uma vida com significado e proveito pessoal e social, ampliando-se, como
consequência, a motivação profunda para aprender e evoluir em todas as dimensões.
7
FUNDAÇÃO TELEFÔNICA. Inovaeduca – Práticas para quem quer inovar na educação. Disponível
em: http://fundacaotelefonica.org.br/wp-content/uploads/pdfs/INOVA-ESCOLA.pdf. Destino
Educação – Escolas Inovadoras) Disponível en: https://pt.calameo.com/ read/002899327f24def4bc47a
e www.youtube.com/playlist?list=PLNM2T4DNzmq5hxMqb1T pvSm0Qu6QgqbE. YOUNG
DIGITAL PLANET. Educação no século XXI: Tendências, ferramentas e projetos para inspirar. São
Paulo: Fundação Santillana, 2016. Disponível em: http:// new.smartlab.me/baixe-gratis-nosso-livro-
educacao-no-seculo-21/.
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Recomendo o aprofundamento desse conceito híbrido em SCHLEMMER, E. Gamificação em espaços
de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão. Revista da FAEEBA –
Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014.
9
Blended Learning Models. https://www.youtube.com/watch?v=woN80GiYsEM. Blended Learning: 4
Blended Learning Models. https://www.youtube.com/watch?v=QF8ODHN6Os8.
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Metodologia de projetos. SME de SP. Disponível em:
http://maiseducacaosaopaulo.prefeitura.sp.gov.br/secretaria-divulga-passo-a-passo-para-que-professor-
trabalhe-com-projetos-interdisciplinares/.
11
Ver MURTA e outros. Possibilidades pedagógicas do Minecraft: incorporando jogos comerciais na
educação. XII EVIDOSOL e IX CILTEC-Online – junho/2015. Disponível em:
www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/anais_linguagem_tecnologia/article/viewFile/8523/7478.
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school.duolingo.com.
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https://pt.khanacademy.org/.
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http://porvir.org/especiais/maonamassa/.
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BERGMANN, J. & SAMS, A. A Sala de Aula Invertida: Uma metodologia ativa de aprendizagem.
Rio: LTC, 2016.
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Paulo Blinsktein. Invertendo a sala de aula invertida. Pesquisa de Stanford mostra que apresentar um
assunto de forma prática é mais efetivo do que começar com aula expositiva. Resumo disponível em
http://porvir.org/porfazer/invertendo-sala-de-aula-invertida/20130814. 19 Texto completo disponível
em inglês em http://www.cvm.umn.edu/facstaff/prod/groups/
cvm/@pub/@cvm/@facstaff/documents/content/cvm_content_454476.pdf.
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Para aprofundar esse tema: BACICH, L.; TANZI NETO, A. e TREVISANI, F. de M. Ensino Híbrido:
personalização e tecnologia na educação. Porto Alegre: Penso, 2015.
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Para o leitor que não experimentou plataforma adaptativa, é possível acessar o endereço
https://pt.khanacademy.org e inscrever-se como aluno e realizar os exercícios que achar conveniente.
Logo visualizará seu progresso, por meio de pontos e medalhas. Se você for professor, entre como
professor e cadastre alguns alunos para ver o percurso de cada um, onde tem mais domínio e mais
dificuldades em Matemática.
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BARRERA, Tathyana Gouvêa. O Movimento Brasileiro de Renovação Educacional no início do
Século XX. SP: FE-USP, 2016. Tese de Doutorado.
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http://educacaoaberta.org/ e http://educacionabierta.org/.
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Mudanças progressivas
Para a maioria das instituições educacionais que já têm uma cultura, história
e processos definidos há tempos, as mudanças mais viáveis são as progressivas.
Partem dos modelos disciplinares para níveis de interligação cada vez mais amplos.
A primeira mudança se dá dentro de cada disciplina, introduzindo
metodologias ativas, principalmente a aula invertida. Isso já permite avanços
rápidos, com o professor orientando mais atividades de aprofundamento.
O caminho para avançar na integração é organizar algumas atividades
comuns a mais de uma disciplina: projetos comuns, atividades integradoras,
ampliando as metodologias ativas e os modelos híbridos. A instituição pode
propor o projeto de vida de forma transversal, ao longo do curso. Esse eixo é
importante para o aluno desenvolver uma visão mais ampla do seu papel no
presente e no futuro.
O nível seguinte é o da integração entre as diversas disciplinas por meio de
um projeto mais amplo e outras atividades que façam sentido. Essa integração
também pode ser vertical, por áreas de conhecimento semelhantes: alunos de
semestres diferentes se juntam em algumas atividades comuns, em que os mais
veteranos podem tornar-se tutores. A hibridização também aumenta com uma maior
inserção do digital.
A partir daí, a instituição já estará mais preparada para implementar um
currículo muito mais integrador, flexível, com foco em projetos, desafios, no
aprender fazendo, e terá tido tempo de acompanhar outras instituições que já
implantaram currículos mais ousados e que terão uma avaliação mais precisa do
que vale a pena trazer para a própria instituição.
Mudanças simultâneas
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http://www.educacionjesuitas.es/noticias/248-horizonte-2020-un-nuevo-modelo-pedagogico
(resumo). O detalhamento do projeto está disponível em: http://h2020.fje.edu/es/.
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Vale a pena conhecer doze vídeos com escolas inovadoras na série Destino Educação – Escolas
Inovadoras: Canal Futura: https://www.youtube.com/playlist?list=PLNM2T4DNzmq5hx
Mqb1TpvSm0Qu6QgqbE.
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http://www.projetoancora.org.br/index.php?lang=port.
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Os alunos se reúnem em grupos de quatro para o desenvolvimento dos roteiros de pesquisa. Cada um
tem o seu próprio roteiro e segue um ritmo individual de execução das tarefas solicitadas. Atividades
extraclasse: aulas no cinema da escola, visitas à comunidade, pesquisas na internet na sala de
informática, aulas de arte e de educação física. http://www.escolasqueinovam.org.br/escolas/.
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http://www.summitps.org/.
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www.hihgtechhigh.org.
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www.olin.edu.
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http://dschool.stanford.edu/.
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Conclusão
As escolas que nos mostram novos caminhos estão mudando para modelos
mais centrados em aprender ativamente com problemas reais, desafios relevantes,
jogos, atividades e leituras, valores fundamentais, combinando tempos individuais
e tempos coletivos, projetos pessoais de vida e de aprendizagem e projetos em
grupo. Isso exige uma mudança de configuração do currículo, da participação dos
professores, da organização das atividades didáticas, da coordenação dos espaços e
tempos.
Podemos combinar tempos e espaços individuais e grupais, presenciais e
digitais, com maior ou menor supervisão. Aprendemos melhor quando
conseguimos combinar três processos de forma equilibrada: a aprendizagem
personalizada (em que cada um pode aprender o básico por si mesmo –
aprendizagem prévia, aula invertida); a aprendizagem com diferentes grupos
(aprendizagem entre pares, em redes); e a aprendizagem mediada por pessoas mais
experientes (professores, orientadores, mentores).
Caminhamos para uma integração maior entre diferentes áreas de
conhecimento, temas, materiais, metodologias e sua abrangência (intelectual,
emocional, comportamental). Caminhamos para modelos curriculares inter e
transdisciplinares mais flexíveis, com acompanhamento e avaliação contínua.
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Ryon Braga, Diretor da Uniamérica. In: Universidade abole disciplinas em prol de projetos.
Disponível em: http://porvir.org/porfazer/universidade-abole-disciplinas-em-prol-de-
projetos/20140409.
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O papel do professor hoje é muito mais amplo e complexo: não está centrado
apenas em transmitir informações de uma área específica; ele é principalmente
designer de roteiros personalizados e grupais de aprendizagem e orientador/mentor
de projetos profissionais e de vida dos alunos. Professores e gestores competentes,
mediadores e mentores são fundamentais para a aprendizagem de crianças e jovens
neste novo mundo em profundas transformações. Quanto mais informação
disponível, tanto mais precisamos de quem ajude a escolher, avaliar, interpretar e
criar novas sínteses e possibilidades. Precisamos de professores abertos, evoluídos,
que ajudem a ampliar os horizontes e a apoiar a evolução dos seus estudantes.
É cada vez mais relevante a implementação de políticas permanentes de
valorização do magistério e de formação continuada. Educar é um processo mais
complexo, dinâmico, desafiador, que exige o desenho de espaços mais abertos, de
currículos mais personalizados e flexíveis, de docentes competentes, de famílias
participantes, de metodologias ativas e de tecnologias digitais acessíveis.
As escolas no mundo inteiro estão se reinventando; as nossas, também.
Quanto mais nos empenharmos em aprender a ensinar em um mundo conectado,
melhor será para os estudantes, para a sociedade e também para os profissionais da
educação. Vivemos um período histórico, de ruptura e de reinvenção em todas as
dimensões da vida, período que desafia também nossa educação em todos os níveis,
básico e superior, formal e informal, ao longo da existência de todos.
RefeRências
BACICH, L.; TANZI NETO, A. e TREVISANI, F. Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na
educação. Porto Alegre: Penso, 2015.
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tecnológica. Boletim Técnico do Senac, Rio de Janeiro, v. 39, n.2, p.48-67, maio/ago. 2013.
Disponível em: www.senac.br/media/42471/os_boletim_web_4.pdf.
BERGMANN, J & SAMS, A. A Sala de Aula Invertida: Uma metodologia ativa de aprendizagem.
Rio: LTC, 2016.
BRESSAN, M. & AMARAL, M. Avaliando a contribuição do Scratch para a aprendizagem pela solução
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BUCK INSTITUTE FOR EDUCATION. Aprendizagem baseada em projetos: guia para professores
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COLL, C. & MONEREO, C. Psicologia da educação virtual: aprender e ensinar com as tecnologias
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VALENTE, J. Blended learning e as mudanças no ensino superior: a proposta da sala de aula invertida.
Disponível em http://www.scielo.br/pdf/er/nspe4/0101-4358-er-esp-04-00079.pdf ______.
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YOUNG DIGITAL PLANET. Educação no século XXI: Tendências, ferramentas e projetos para
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gratis-nosso-livro-educacao-no-seculo-21/.
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