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Resumo: Os serviços ecossistêmicos (SEs) têm sido compreendidos como os benefícios que o ser humano
obtém dos ecossistemas. Portanto, esses serviços recebem influência direta e indireta das ações antrópicas,
que nas últimas décadas têm exercido forte pressão sobre os ecossistemas, colocando-os sob ameaça de
redução ou extinção. Alguns conceitos, avanços e vantagens da abordagem de SE são apresentados nesta
publicação. O bioma Amazônia é muito abundante em biodiversidade e na prestação de diversos SEs com
reflexos em diferentes escalas, mas também muitas são as ameaças que sofrem, sendo aqui de igual forma
elencadas. Por fim é nesse contexto ambiental e socioeconômico complexo, diverso e sempre muito vi-
sível aos espectadores nacionais e internacionais que se apresentam os grandes desafios da pesquisa com
foco na sustentabilidade e provisão dos serviços ecossistêmicos, sendo apresentados e discutidos ao longo
deste texto.
Abstract: Ecosystem services (SEs) have been understood as the benefits that human beings derive from
ecosystems. Therefore, SE are directly and indirectly influenced by anthropic actions, which in the last
decades have exerted strong pressure on them, placing them under threat of reduction or extinction. Some
concepts, advances and advantages of the SEs approach are presented in this publication. The Amazon
biome is very abundant in biodiversity and the provision of several SEs with impacts on different scales,
but also many threats are suffered, and are also listed here. Finally, it is in this complex and diverse envi-
ronmental and socioeconomic context, which is always very visible to national and international viewers,
who present the great challenges of the research focused on the sustainability and provision of ecosystem
services, being presented and discussed throughout the text.
1
Bióloga, D. Sc. em Ciências da Engenharia Ambiental, pesquisadora da Embrapa Solos, Rio de Janeiro, RJ.
E-mail: rachel.prado@embrapa.br
https://orcid.org/0000-0002-1893-4915
Serviços ecossistêmicos: estado atual e desafios para a pesquisa na Amazônia
Algumas variações no conceito de SEs têm sido encontradas na literatura, mas um dos
conceitos mais aceitos e utilizados é o do próprio Projeto Milênio, que os define como os benefí-
cios que o ser humano obtém dos ecossistemas (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT,
2005). Alguns autores, bem como as políticas públicas, adotam o termo serviços ambientais. Este
foi utilizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em seu
relatório State of Food and Agriculture (FAO, 2007), como um “subconjunto de serviços ecossis-
têmicos que podem ser gerados como externalidades positivas de atividades humanas”. Segundo
o relatório isso ocorre, por exemplo, quando sistemas de produção agropecuária, além de gerar
alimentos, fibras ou energia, contribuem para a manutenção da qualidade da água e do solo, para
a beleza cênica ou a preservação de espécies. Na presente publicação, ambos os termos, serviços
ecossistêmicos e serviços ambientais, serão utilizados como sinônimos.
De acordo com Andrade e Romeiro (2009), os serviços de suporte são aqueles essenciais
para a produção dos outros serviços ecossistêmicos. Por exemplo: produção primária, formação e
retenção de solo, ciclagem de nutrientes, ciclagem da água e provisão de habitat. Os serviços de
provisão incluem os produtos que os ecossistemas oferecem, tais como alimentos e fibras, madei-
ra, produtos medicinais e farmacêuticos, recursos ornamentais e água. Sua sustentabilidade não
deve ser medida apenas em quantidade, e sim em qualidade e estado. Os serviços de regulação
se relacionam às características regulatórias dos processos ecossistêmicos, regulação climática,
controle de erosão, purificação de água, tratamento de resíduos, regulação de doenças humanas,
polinização e proteção contra desastres. Os serviços culturais incluem a diversidade cultural, na
medida em que a própria diversidade dos ecossistemas influencia a multiplicidade das culturas,
valores religiosos e espirituais, geração de conhecimento (formal e tradicional), valores educa-
cionais e estéticos.
A abordagem dos SEs tem algumas vantagens que podem ser destacadas: trabalho em múl-
tiplas escalas, conexão entre a ciência e a política; ela ressalta, além dos aspectos ambientais, os
sociais e econômicos relacionados ao bem-estar humano, visa promover a multifuncionalidade
dos SEs, prevê compensação financeira ou não aos que atuam em prol dos serviços ecossistêmi-
cos, entre outros aspectos. A partir de então o número de publicações relacionadas ao tema SE
aumentou exponencialmente (Figura 1).
Figura 1. Número de artigos indexados por ano na área de serviços ambientais/ecossistêmicos, destacando-se os
hídricos.
Segundo Wunder et al. (2008), PSA é uma transação voluntária na qual um serviço ambien-
tal bem definido ou um uso da terra que possa assegurar esse serviço é comprado por pelo menos
um comprador de no mínimo um provedor sob a condição de que o provedor garanta a provisão
desse serviço. Pagiola et al. (2012) apresentam diversas experiências de PSA no Brasil.
Para assegurar a geração e o provimento contínuo dos serviços ecossistêmicos nas áreas
rurais, independentemente da escala, é preciso incluir nos custos de produção agropecuária os
relacionados às práticas ambientais, necessárias à sustentabilidade do sistema de produção desen-
volvido. Mas, principalmente para pequenos produtores rurais, arcar com os custos relacionados
à preservação ambiental na sua propriedade torna-se inviável, visto que o percentual de lucro das
atividades agropecuárias em sistema familiar de produção é ainda muito baixo. Especialmente
nesses casos os PSAs se justificam (PRADO, 2014).
Mas para que esse instrumento de compensação, dentre outros, possa ser efetivo na con-
servação ambiental e provisão de SE é preciso empenho maior de todos os setores da sociedade,
com destaque para o governamental. São importantes a aprovação e implantação de uma política
robusta de pagamento por serviços ambientais no País, maiores investimentos em recursos hu-
manos e financeiros, além de apoio de resultados de pesquisa para suprir as lacunas de diversas
naturezas encontradas até o momento. Neste contexto é preciso reconhecer e fortalecer o papel
do produtor rural ou urbano como agente promotor da conservação. Por fim, o PSA é apenas um
dos instrumentos de incentivo à provisão e manutenção dos SEs. Outros instrumentos e políticas
públicas podem ser mais efetivos ou complementares às ações de um PSA, dependendo do con-
texto local.
A região possui 27% de seu território protegido por unidades de conservação (UCs), e as
terras indígenas (TI) na Amazônia Brasileira cobrem uma fração significativa da região, abrigan-
do 173 etnias. Além de fundamentais para a reprodução física e sociocultural dos povos indíge-
nas, as TIs, que do total de área demarcada do País 98% é na Amazônia, são áreas importantes
para a conservação da biodiversidade regional e global. Apesar desses evidentes benefícios pres-
tados pelas TIs para o meio ambiente amazônico, o papel delas para a mitigação da mudança do
clima e equilíbrio climático da região ainda é pouco reconhecido, mas destaca-se que as florestas
sob a guarda dos povos indígenas na Amazônia Brasileira representam um imenso armazém de
carbono (aproximadamente 13 bilhões de toneladas) (CRISOSTOMO et al., 2015). A Figura 2
apresenta as UCs apoiadas pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), TIs e demais
áreas protegidas na Amazônia.
A quantidade de serviços ecossistêmicos gerados nesse bioma é uma das maiores do mun-
do. Fearnside (2008) agrupa os serviços ecossistêmicos da Amazônia em: biodiversidade, água e
mitigação do aquecimento global.
aves (BRASIL, 2010). Cerca de 10% de toda a diversidade do planeta encontra-se na região, in-
clusive muitas espécies ameaçadas de extinção e também espécies que ocorrem exclusivamente
na Amazônia.
Figura 2. Unidades de conservação apoiadas pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa), terras indíge-
nas (TIs) e demais áreas protegidas na Amazônia.
Um inventário realizado por Brasil (2012) em 39 das 62 UCs apoiadas pelo Arpa identifi-
cou elevado número de espécies encontradas (Figura 3).
A biodiversidade da Amazônia ainda é muito pouco conhecida pelo homem. Descobrir, es-
tudar e proteger esse patrimônio natural, que pode conter inúmeros benefícios para a sociedade,
é uma missão fundamental e de interesse ambiental, social e econômico. O estado do Amazonas
detém 92,84% de sua cobertura florestal preservada.
Como as mudanças climáticas estão associadas à emissão de gases de efeito estufa (GEE)
e às mudanças de uso e cobertura da terra (Figura 5), o que está bastante presente na Amazônia
por causa do desmatamento e expansão da agropecuária, essa região tem sentido os seus impac-
tos, como, por exemplo, no seu regime hídrico. Sorribas et al. (2016) mencionam que eventos
hidrológicos ocorridos nas últimas décadas, como as enchentes em 2009, 2012 e 2014 e as secas
em 2005 e 2010, impactaram a região, alertando cientistas, governos e o público em geral sobre
os impactos na variabilidade climática.
Estudo realizado pelo Tribunal de Contas da União (2015) identificou alguns desafios lo-
cais para o desenvolvimento do estado do Amazonas, sendo eles: implementar a concepção de
desenvolvimento sustentável e redução do desmatamento; reduzir as desigualdades sociais, visto
que parcela significativa da população do estado vive em condições insalubres e abaixo da linha
da pobreza; aumentar a contribuição do Amazonas para a formação do Produto Interno Bruto do
Brasil, pois não alcançava 2%; e compatibilizar o desenvolvimento econômico, social e ambien-
tal. Esses desafios são imensos e seguramente são comuns para todos os estados da Amazônia,
com resultados de pesquisa que poderão contribuir muito para sua superação.
Pela própria dimensão da Amazônia já são esperadas maiores dificuldades que em outros
biomas para o desenvolvimento da pesquisa voltada à avaliação, valoração e provisão de SE, pois
as distâncias são muito grandes, as florestas e os rios são abundantes e os povos se encontram
dispersos, implicando também maiores custos de logística. Desta forma, os recursos financeiros e
humanos destinados à pesquisa na Amazônia precisam ser assegurados e ter continuidade. Outros
desafios mais inerentes à pesquisa são listados na sequência.
Muitos dados e informações têm sido gerados na Amazônia ao longo dos últimos tempos,
com atuação de instituições nacionais e internacionais, que têm investido recursos humanos e fi-
nanceiros para o conhecimento e a quantificação dos recursos naturais nela presentes, bem como
para dimensionar as ameaças que ela sofre e suas potencialidades, com destaque para o Instituto
de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
De modo geral, os equipamentos para coleta e métodos de análise dos dados relacionados
aos SEs possuem custo bastante elevado. Em grandes programas, projetos e iniciativas voltados
à conservação, desenvolvidos em grandes áreas, é preciso avançar com o desenvolvimento e a
utilização de métodos simplificados e de baixo custo, abrangendo inclusive os atores locais e a
população envolvida, para que possam se apropriar e participar de avaliações e monitoramento
dos SEs. Desta forma, aumenta-se a percepção dos envolvidos e afetados sobre a importância do
manejo adequado das terras e da manutenção dos SEs e permite-se continuidade do monitora-
mento, visto que os projetos são de curta duração.
Ferreira et al. (2012) destacam que a avaliação e o manejo dos SEs em paisagens rurais
com a presença da agropecuária aparecem no topo das prioridades por diversas razões. Primeiro
que áreas agropecuárias estão entre os ambientes mais extensos da superfície terrestre; segundo
que o aumento da produção de alimentos e fibras tem sido alcançado a custo da degradação de
outros SEs.
Por fim, é preciso que os pesquisadores gerem material, publicações e outras formas de
disseminar o conhecimento em linguagem acessível, visando ao apoio às políticas públicas. O
conhecimento gerado na academia precisa atingir a sociedade e ser apropriado por ela, gerando
soluções práticas aos grandes problemas agroambientais que afligem a região amazônica.
Considerações Finais
• Portanto, muitos são os desafios para a pesquisa em prol dos SEs na Amazônia, poden-
do ser resumidos em: integração de diferentes grupos de pesquisa, bases de dados e
infraestrutura; desenvolvimento e utilização de métodos simplificados e de baixo custo;
avaliação e valoração dos benefícios da multifuncionalidade da paisagem; geração de
subsídios à certificação da produção sustentável e agregação de renda aos sistemas
produtivos que fazem uso sustentável da biodiversidade, com maior inclusão dos povos
tradicionais e marginalizados.
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