Função Social No Estatuto Da Terra - Contratos Agrários
Função Social No Estatuto Da Terra - Contratos Agrários
Estão previstos prazos mínimos para os contratos agrários no artigo 13, II, alínea a do
Decreto 5956/66 e nos arts. 95, inc. XI, alínea b e 96, inc. V, alínea b do Estatuto da Terra. Os
prazos mínimos de 3, 5 ou 7 anos, também previstos na legislação espanhola ( 3 ou 6 anos) e na
França (pode ir até 9 anos), existem não só para proteção do agricultor, dando-lhe segurança e
estabilidade, mas também para proteção do solo e do seu potencial produtivo, conforme bem frisa
Paulo Tormim Borges ao afirma que "prazo mínimo é estabelecido principalmente para evitar o
mau uso da terra". (33)
O caráter publicístico presente nos contratos agrários também se faz sentir em cláusulas
obrigatórias que limitam a liberdade contratual. Daí o artigo 12 do Decreto 59566/66 que enumera
onze cláusulas obrigatórias. Da mesma forma, o art. 13 nos traz uma série de vedações legais.
Também o Estatuto da Terra, art. 95 inc. XI, elenca cláusulas obrigatórias no intuito de formar um
sistema de proteção que elida a exploração das partes e promova a função social da propriedade
pelo racional aproveitamento do solo.
Estes são apenas alguns pontos em que na disciplina dos contratos agrários, se pode
vislumbrar, direta ou indiretamente, forte influência da busca de uma efetivação da função social da
propriedade conforme a orientação do artigo 186 do Código Supremo da Nação; muitos outros há,
dizendo respeito às obrigações dos contratantes, preço, obediência a regulamentos administrativos,
extinção dos contratos e outros que serão oportunamente tratados.
CONCLUSÕES.
É bem verdade que primitivamente as noções de Estado e de Direito, sendo despicienda aqui
a discussão acerca da precedência de um ou outro, estiveram mais associadas à imposição da força
de um indivíduo ou grupo sobre os demais, impelidos pelo réprobo intuito de dominação. Isto
porém, não invalida que a existência do Estado e do Direito se constituíssem sobretudo emanações
da aquiescência individual embasada nas duas conclusões acima referidas, o que se aproxima da
concepção de Estado preconizada pelo jusnaturalismo contratualista de Hobbes e Locke.
A força, entendida como poder de soberania do Estado e imposição aos seus súditos, ou seja,
como o próprio jus imperii não é um componente desprezível, muito pelo contrário é um fator
essencial, pois da mensuração de sua intensidade se extrai a inspiração mais ou menos totalitária de
um Estado, com maior ou menor espaço para o indivíduo. Essas considerações são fundamentais à
compreensão da transição de um Estado de modelo liberal – iluminista para um Estado de modelo
social.
Durante este século, o Estado Social penetrou com seus dogmas, em maior ou menor escala,
em todos os sistemas jurídicos ocidentais de orientação romano – canônica, buscando transformar a
igualdade formal do liberalismo em uma igualdade concreta, material. Mantém, contudo, o Estado –
Social o modelo capitalista, não buscando como as utópicas doutrinas socialistas, estabelecer uma
igualdade de resultados, mas sim uma igualdade de possibilidades, através da promoção de um
mínimo de condições de desenvolvimento humano dentro do contexto da sociedade. A Constituição
de 1988 é bem o retrato dessa tentativa, embora se possa afirmar que muitos dispositivos de
Constituições e leis infraconstitucionais anteriores fossem sensíveis aos valores sociais.
Algumas áreas do Direito, possuem institutos e dão margem à relações nas quais sobreleva a
presença dos valores sociais, haja vista o interesse, direto ou indireto, de caráter público que então
se verifica. Por vezes alguns institutos, comuns a várias áreas do Direito e presentes em relações de
natureza absolutamente díspar, irradiam sua influência sobre uma vasta abrangência, trazendo
consigo o caráter publicístico que lhes é inerente. A identificação dessas relações e institutos é fácil;
basta verificar os diplomas legais para verificarmos a preponderância ou não de valores sociais,
coletivos. São exemplos as leis 8078/90 e 8245/91, tratando respectivamente das relações de
consumo e das relações locatícias de imóveis urbanos. Em numerosos dispositivos de ambas as leis
salta aos olhos a presença direta ou indireta, de valores sociais. No campo locatício busca-se
amainar o problema habitacional ao mesmo tempo em que se defere especial proteção ao inquilino.
À moradia está fundamentalmente relacionada a dignidade humana, fundamento da República do
Brasil conforme o inc. III do art. 1º da CF (36). Na defesa do consumidor, contemplada
constitucionalmente no art. 5º inc. XXXII objetiva promover um equilíbrio entre as partes visando
diminuir as desigualdades econômicas. Vê-se como tônica a humanização do Direito, vindo bem a
calhar a idéia do contratualismo já que o Estado deve servir a todos pois é de cada indivíduo que
obtém legitimação. Se cada qual abre mão de sua auto – determinação, de sua soberania para o
Estado, deve ele buscar agir em prol de cada qual e de todos. Especificamente tratando do Direito
Agrário, que é hoje ramo autônomo de estudo pelo alto grau de especialização que demanda, trata-
se de uma área do Direito inteiramente permeada pela prevalência de valores sociais. Na sua base
estão a propriedade do solo e a produção agropecuária ambas demandando a presença de interesse
público. A função social da propriedade, contrapondo-se à noção da propriedade absoluta
individualista preconizada pelo Códe de Napoleón, inspirada não só no liberalismo mas também na
pandectologia, reconhece na propriedade imprescindível mecanismo de justiça social. A função
social é um conceito complexo que não está relacionado exclusivamente à produtividade, mas
também ao trabalho e à proteção do meio ambiente e do potencial produtivo do solo (37). O Estatuto
da Terra e o decreto que o regulamenta constituíram experiências pioneiras na introdução de valores
sociais no Direito Positivo nacional e o fato de se terem produzido em uma época atribulada da
história política nacional não impediu que obtivessem um padrão de excelência em seus
dispositivos, sintonizados com as mais modernas correntes contemporâneas.
Os contratos agrários por seu turno constituem relações jurídicas de natureza privada nas
quais porém verifica-se uma forte gama de interesses públicos. Destarte o contrato agrário, tendo
por objeto a exploração da terra e a produção agropecuária coloca-se em íntima ligação às políticas
governamentais, as quais encontram um importante mecanismo de atuação na disciplina de tais
contratos. Isto posto, inserem-se os contratos agrários dentre as relações jurídicas especiais que, sem
perderem o caráter privado, demandam intervenção de disciplina publicística, tal como as relações
de consumo e locatícias, dada a sua especial configuração. Esta disciplina publicística toma
múltipla forma e variado conteúdo em toda a disciplina dos contratos agrários, tornando relativo e
condicionado o dogma da liberdade contratual e enfraquecendo o dogma do "pacta sunt servanda",
o que representa um novo enfoque nas relações privadas dessa espécie e um critério orientador para
o julgador.
FONTE: MEZZOMO, Marcelo Colombelli; COELHO, José Fernando Lutz. A função social
da propriedade nos contratos agrários . Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 66, jun. 2003.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4125>. Acesso em: 15 nov.
2005.