nc-dup-cap07
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Capı́tulo 7 352/2764
Capı́tulo 7 essas duas propriedades é elementar demonstrar (faça-o!) que G(n + 1) = n! para todo n ∈ N. Após diversas tentativas,
Euler concluiu (em 1729)3 que a função Γ(x), x > 0, definida por
Sumário satisfazia as condições desejadas acima listadas. De fato, é claro por (7.1) que Γ(1) = 1 e tem-se formalmente
7.1 Introdução e Motivação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351
∞
" −1 #
7.2 A Função Gama. Definição e Primeiras Propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353 1 Y 1
x+1
x+1
7.3 Outras Representações para a Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 358 Γ(x + 1) = 1+ 1+
x + 1 m=1 m m
7.4 A Função Beta e Propriedades Adicionais da Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . 362
7.4.1 A Fórmula de Reflexão de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363 ( ∞ ) ( Y ∞ x )
7.4.2 A Fórmula de Duplicação de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 367 x Y m+1 m+x 1 1 x −1
= 1+ 1+ = xΓ(x)
7.5 Teoremas Sobre a Unicidade da Função Gama e Outros Resultados . . . . . . . . . . . . 368 x+1 m=1
m m+1+x x m=1 m m
| {z }
7.5.1 O Teorema de Bohr-Mollerup . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 368 = x+1
7.5.2 Fórmulas de Duplicação e Unicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 369
7.5.3 O Teorema de Wielandt e Algumas de Suas Consequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 371
(verifique!). Euler estudou diversas propriedades da função definida por (7.1), que posteriormente passou a ser chamada
função gama de Euler, ou simplesmente função gama. Uma dessas propriedades identificadas por Euler foi o fato que
7.5.3.1 A Fórmula de Multiplicação de Gauss da Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . 372
Γ(x) pode ser escrita na forma de uma simples integral:
7.5.4 A Função Gama de Euler e Equações Diferenciais. O Teorema de Hölder . . . . . . . . . . . . 374
Z ∞
7.6 A Aproximação de Stirling e suas Correções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 375
Γ(x) = e−t tx−1 dt . (7.2)
7.6.1 A Aproximação de Stirling para Fatoriais e suas Correções. A Série de Gudermann . . . . . . 377 0
7.6.2 A Aproximação de Stirling para a Função Gama e suas Correções. A Série de Gudermann . . 383
Que a função definida pelo lado direito de (7.2) vale 1 quando x = 1 é elementar de se provar (faça-o!) e, usando-se que
7.7 Exercı́cios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 387 d −t
e−t = − dt e e integração por partes, constata-se facilmente também a validade da relação funcional Γ(x + 1) = xΓ(x)
para todo x > 0: Z ∞ Z ∞ ∞
Γ(x + 1) = e−t tx dt = −e−t tx +x e−t tx−1 dt = xΓ(x) .
O
0 0
presente capı́tulo é dedicado à chamada função gama de Euler1 , ou simplesmente função gama, denotada por | {z 0}
=0
Γ(z), com z sendo uma variável complexa. A função gama frequentemente aparece na resolução de equações
diferenciais ordinárias pelo método de expansão em séries de potências ou pelo método de Frobenius (como Por diversas razões não é conveniente seguirmos os passos históricos de Euler e iniciarmos nosso tratamento da função
no caso da equação de Bessel e da equação hipergeométrica. Vide Seção 15.2.3, página 793 e Seção 15.2.7, página 808), gama definindo-a por (7.1). Na literatura moderna há dois procedimentos mais comuns: definir-se Γ por (7.2) e depois
assim como em várias áreas da Fı́sica e da Matemática. Na Mecânica Quântica não-relativı́stica, por exemplo, a função obter-se (7.1) como uma propriedade derivada ou definir-se Γ a partir de uma outra expressão, a chamada representação
gama surge em diversos problemas, como no cômputo de amplitudes de espalhamento para o espalhamento de Coulomb produto de Weierstrass, a qual encontraremos à página 360 (eq. (7.27)).
(vide e.g., [267], [305], [153] ou [186]). Na Teoria Quântica de Campos Relativı́stica, propriedades da função gama são Nestas notas optamos pelo primeiro procedimento4 e optamos também por apresentar a função gama de Euler já de
relevantes no chamado método de regularização dimensional. A função gama de Euler desempenha também um papel inı́cio como uma função de variável complexa, pois várias de suas propriedades mais profundas são melhor compreendidas
em Análise, por representar uma espécie de generalização contı́nua do fatorial de números naturais, como será precisado com esse tipo de tratamento.
adiante, sendo possuidora de muitas propriedades interessantes. Seu estudo é também, pelo mesmo motivo, um ótimo
laboratório para estudantes interessados em fixar seu aprendizado da teoria das funções de variável complexa. A função Além do estudo das propriedades da função gama de Euler há uma questão que irá especialmente nos interessar e
gama de Euler é relevante, por exemplo, no estudo de propriedades da chamada função zeta de Riemann (de importância que será discutida na Seção 7.5, página 368. Trata-se da questão da unicidade: será a função definida em (7.2) a única
na Teoria de Números) e sobre isso falamos um pouco no Capı́tulo 8, página 393. função satisfazendo G(1) = 1 e a equação funcional G(x + 1) = xG(x)? A resposta é claramente não, pois se P é
uma função periódica de perı́odo 1 satisfazendo P (1) = 1 (por exemplo, P (x) = cos(2πx) ou P (x) = e sen(2πx) ), então
Para outros tratamentos, por vezes mais extensos, da função gama de Euler e suas aplicações, recomendamos [21], G(x) := P (x)Γ(x) também satisfaz ambas as relações5 . Mas, então, que outras condições podem ser adicionadas de forma
[370], [209], [274], [485], ou ainda [273]. Ainda que nem todos esses textos primem por escolher as demonstrações mais a garantir-se que Γ(x) definida em (7.2) é a única solução? Há várias respostas a essa pergunta e a primeira resposta
simples para seus resultados, vale a pena o estudante inteirar-se de abordagens diversas. A referência [370] contém diversas (historicamente) é o conteúdo de um elegante teorema, denominado Teorema de Bohr-Mollerup, o qual será apresentado
notas históricas interessantes sobre a função gama de Euler2 . A referência [485] lista diversas identidades envolvendo Γ na Seção 7.5.1, página 368. A questão da unicidade é uma questão interessante por si só, mas sua resposta tem conteúdo
que não serão tratadas aqui. prático pois, como veremos, diversas propriedades da função gama de Euler podem ser obtidas a partir da verificação de
condições de unicidade.
Um outro tema que nos irá interessar é o estudo de propriedades assintóticas da função Γ para valores “grandes”
7.1 Introdução e Motivação de seu argumento. Essa questão é importante por sua conexão com uma interessante e útil aproximação: a chamada
3 Euler foi antecedido em alguns dias por Daniel Bernoulli, o qual encontrou uma outra solução equivalente. Para notas históricas precisas
A função gama de Euler foi inicialmente concebida por esse autor como uma generalização contı́nua do fatorial de números sobre o nascimento da função gama de Euler e seus primeiros desenvolvimentos, vide Detlef Gronau “Why is the gamma function so as it
naturais: n!, n ∈ N, definido como o produto n! = n(n − 1) · · · 1. A ideia que Euler perseguiu foi a de encontrar uma is?”, Teaching Mathematics and Computer Science, 1/1, 43–53 (2003).
4 Para um texto que segue a segunda via, vide e.g. [370]. Em verdade, [370] define primeiramente ∆(z) = 1/Γ(z) que, por ser uma função
função G que satisfizesse G(1) = 1 e satisfizesse a equação funcional G(x + 1) = xG(x) para todo x real positivo. Com
inteira, é de tratamento mais simples.
1 Leonhard Euler (1707–1783). 5 Veremos que isso esgota as possibilidades: todas as funções que satisfazem G(1) = 1 e G(x + 1) = xG(x) são da forma G(x) = P (x)Γ(x)
2 Vide também a nota-de-rodapé 3, página 352. com P periódica de perı́odo 1 satisfazendo P (1) = 1.
351
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 353/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 354/2764
aproximação de Stirling para n! quando n é “grande”, utilizada na Teoria das Probabilidades e na Mecânica Estatı́stica. para todo t > 1. Assim, tomando 0 < γ < 1, vale
Esse será o assunto da Seção 7.6, página 375. Z ∞ Z ∞
e−(1−γ)
Por fim, não podemos deixar de mencionar uma das maiores utilidades práticas da função gama de Euler: o cálculo e−t tβ−1 dt ≤ Cγ, β e−(1−γ)t dt = Cγ, β < ∞.
de certas integrais definidas, assunto que desenvolveremos especialmente em exercı́cios. 1 1 1−γ
• Definindo a função gama de Euler é também analı́tica em Re (z) > 0. Para tal, tomemos z ∈ Fα, β , onde Fα, β ⊂ C é a faixa definida por
A função Γ, pode ser definida em todo plano complexo (exceto, como veremos, no conjunto dos inteiros não-positivos,
onde possui polos simples). No semiplano Re (z) > 0, Γ(z) é definida por Fα, β := {z ∈ C| α < Re (z) < β} ,
Z ∞
com 0 < α < β < ∞, ou seja, tomemos 0 < α < Re (z) < β. Então, para A > 0 fixo e 0 < a′ < a < 1,
Γ(z) := e−t tz−1 dt . (7.3)
0 Z a Z a
(a′ )α − aα
A seguinte proposição contém informações relevantes sobre (7.3) e sobre a estrutura analı́tica de Γ: |Γa, A (z) − Γa′ , A (z)| ≤ e−t tx−1 dt ≤ tα−1 dt = ,
a′ a′ α
Proposição 7.1 A integral em (7.3) converge absolutamente para todo z ∈ C com Re (z) > 0. A função Γ definida que pode ser feito menor que qualquer ǫ > 0 dado, para todos a e a′ pequenos o suficiente. Dessa forma, o limite que
por (7.3) é analı́tica no semiplano Re (z) > 0 e pode ser analiticamente estendida a todo C, exceto para os pontos define ΓA (z) em (7.6) é uniforme em Fα, β , Assim, por ser o limite uniforme de funções analı́ticas, ΓA (z) é igualmente
z = 0, −1, −2 . . ., os inteiros não-positivos, que são polos simples de Γ. É válida a chamada representação de Mittag- analı́tica em Fα, β (esse é um teorema bem-conhecido da teoria das funções de variável complexa). Como α e β são
Leffler da função Γ, ou representação em soma de frações parciais da função Γ: arbitrários (0 < α < β), ΓA (z) é analı́tica para todo o semiplano Re (z) > 0.
∞ Z ∞
X (−1)n 1 Para provar que
Γ(z) = + e−t tz−1 dt , (7.4)
n! z + n 1
Γ(z) = lim ΓA (z) (7.7)
n=0 A→∞
sendo que a integral no lado direito é analı́tica para todo z ∈ C e soma no lado direito converge uniformemente em é analı́tica para todo o semiplano Re (z) > 0 temos que provar que esse limite é uniforme nas faixas z ∈ Fα, β e evocar
domı́nios limitados de C que excluam os inteiros não-positivos e, portanto, representa uma função analı́tica para todo o mesmo teorema da teoria das funções de variável complexa mencionado acima. Para provar a uniformidade do limite,
n
z ∈ C, exceto nos inteiros não-positivos, onde possui polos simples. O resı́duo de Γ em z = −n é dado por (−1) n! para notemos que para 1 < A < B, tem-se, com 0 < γ < 1,
todo n = 0, 1, 2, 3, 4, . . .. 2
Z B Z A Z B t≥1
Z B (7.5)
Z B
e−t tz−1 dt − e−t tz−1 dt ≤ e−t tx−1 dt ≤ e−t tβ−1 dt ≤ Cγ, β e−(1−γ)t dt
Prova. Para ver que a integral em (7.3) converge absolutamente para Re (z) > 0, escrevemos z = x + iy com x = Re (z), 0 0 A A A
y = Im (z) e escolhemos α e β tais que 0 < α < x < β < ∞. Como |tz−1 | = tx−1 tem-se
Z ∞ Z ∞ Z 1 Z ∞ Z 1 Z ∞ Cγ, β −(1−γ)A
e−t tz−1 dt = e−t tx−1 dt = e−t tx−1 dt + e−t tx−1 dt ≤ e−t tα−1 dt + e−t tβ−1 dt . = e − e−(1−γ)B , (7.8)
1−γ
0 0 0 1 0 1
R1 que pode ser feito menor que qualquer ǫ > 0 prescrito para todos A e B grandes o suficiente. Isso provou que o limite
Agora, a integral 0
e−t tα−1 dt é finita, pois, para α > 0
em (7.7) é uniforme em cada faixa Fα, β com 0 < α < β, mostrando que Γ(z) é analı́tica em cada uma dessas faixas Fα, β
Z 1 Z 1
1 e, portanto, em todo o semiplano Re (z) > 0.
e−t tα−1 dt ≤ tα−1 dt = < ∞,
0 0 α Para provar que Γ possui uma extensão analı́tica para a região Re (z) ≤ 0 (exceto, como mencionamos, os inteiros
R∞ −t β−1
não-positivos), notamos que para Re (z) > 0 podemos escrever (7.3) trivialmente como
enquanto que 1 e t dt é finita para qualquer β ∈ R pois, devido ao rápido decaimento da exponencial, tem-se
Z Z
lim e−γt tβ−1 = 0, para todo γ > 0, o que implica que existe constante Cγ, β > 0 tal que 1 ∞
t→∞ Γ(z) := e−t tz−1 dt + e−t tz−1 dt .
0 1
β−1 γt
t ≤ Cγ, β , e (7.5)
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 355/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 356/2764
Γ
R∞
Agora, a integral imprópria I(z) := 1 e−t tz−1 dt é analı́tica para todo z ∈ C, o que pode ser visto repetindo os argumen- 25
tos de convergência uniforme acima: para 1 < A < A′ < ∞, escrevendo x = Re (z) e restringindo-nos provisoriamente à
região x < β, para algum β ∈ R, temos
Z A Z A′ Z A Z A′ ′
(7.8) e−(1−γ)A − e−(1−γ)A 20
e−t tz−1 dt − e−t tz−1 dt = e−t tz−1 dt − e−t tz−1 dt ≤ Cγ, β ,
1 1 0 0 1−γ
que, escolhendo-se 0 < γ < 1, pode ser feita menor que qualquer ǫ > 0 prescrito para todos A, A′ grandes o suficiente. 15
RA
Isso prova que o limite limA→∞ 1 e−t tz−1 dt é uniforme na região Re (z) < β, o que prova que a integral imprópria I(z),
sendo o limite uniforme de funções analı́ticas em Re (z) < β, é também analı́tica nessa região. Como β ∈ R é arbitrário,
concluı́mos que a integral imprópria I(z) é analı́tica em todo o plano complexo C.
10
R1
Já para a integral Γ1 (z) = 0 e−t tz−1 dt tem-se
Z 1 Z 1 X ∞
! ∞ Z ∞
(−1)n n z−1 X (−1)n 1 n+z−1 X (−1)n 1
e−t tz−1 dt = t t dt = t , dt = , 5
0 0 n=0
n! n=0
n! 0 n=0
n! z + n
(a inversão da série pela integral na segunda igualdade acima é justificada pois, como é bem sabido, a série de Taylor
0
da função exponencial converge uniformemente em intervalos compactos, como o intervalo de integração [0, 1]. Vide 0.0 0.5 1.0 1.5 2.0 2.5 3.0 3.5 4.0 4.5 5.0
Teorema 37.6, página 1899). Dessa forma, obtemos a representação de Mittag-Leffler6 da função Γ, ou representação em x
soma de frações parciais da função Γ:
Figura 7.1: Gráfico de Γ(x) para x ∈ (0, 5]. Observe que Γ diverge em 0.
∞ Z ∞
X (−1)n 1
Γ(z) = + e−t tz−1 dt . (7.9)
n=0
n! z + n 1
Antes disso, façamos alguns comentários importantes.
Como dissemos, a integral no lado direito de (7.9) é analı́tica para todo z ∈ C. Já a soma no lado direito de (7.9)
converge uniformemente (devido ao n! no denominador) em regiões finitas de C que excluam os pontos 0, −1, −2, −3, . . . • Convexidade de Γ e de ln Γ
e, portanto, representa uma função analı́tica para todo z ∈ C, exceto nos inteiros não-positivos, como mencionado, onde
n
possui polos simples. Como se constata inspecionando (7.9), o resı́duo de Γ em z = −n é dado por (−1) para todo É imediato da definição (7.3) que para Re (z) > 0 valem
n!
n = 0, 1, 2, 3, . . .. Isso completa a demonstração. Z ∞ Z ∞ 2
Γ′ (z) = e−t tz−1 ln(t) dt e Γ′′ (z) = e−t tz−1 ln(t) dt . (7.12)
0 0
Do exposto acima podemos facilmente concluir que para todo z ∈ C com Re (z) > 0 tem-se
A segunda expressão acima diz-nos que se z for real e positivo (z ≡ x > 0) então Γ′′ (x) > 0 e, portanto, Γ é uma
Γ(z) ≤ Γ Re (z) . (7.10) função convexa em R+ . Em verdade, vale que também ln Γ é convexa em R+ , fato de certa relevância como veremos
R∞ R∞ abaixo quando enunciarmos e demonstrarmos o Teorema de Bohr-Mollerup, Teorema 7.1, página 368. Para mostrar isso,
De fato, Γ(z) = 0 e−t tz−1 dt ≤ 0 e−t tRe (z)−1 dt = Γ Re (z) , pois tz−1 = tRe (z)−1 eiIm (z) ln t e, portanto, tz−1 =
notemos que, por (7.12),
tRe (z)−1 .
Z ∞ 2
O gráfico de Γ(x) para x real no intervalo (0, 5] pode ser visto na Figura 7.1, página 356. A Figura 7.2, página 357,
(Γ(x)′ )2 = e−t tx−1 ln(t) dt
exibe o gráfico de Γ(x) para valores negativos de x, a saber, no intervalo (−4, 0) . 0
A demonstração acima da existência da mencionada extensão de Γ para argumentos com parte real negativa mostra Z ∞ 2
que essa extensão pode ser calculada por meio da representação de Mittag-Leffler (7.9). Como veremos mais abaixo,
= e−t/2 t(x−1)/2 e−t/2 t(x−1)/2 ln(t) dt
porém, há uma outra forma, talvez mais conveniente, de expressar essa extensão, a saber, com uso da chamada fórmula 0
de reflexão (provada adiante):
π Z ∞ Z ∞
Γ(z)Γ(1 − z) = , Cauchy-Schwarz 2
sen(πz) ≤ e−t tx−1 dt e−t tx−1 ln(t) dt = Γ(x)Γ′′ (x) ,
0 0
válida para z não-inteiro e que permite escrever
π d2 Γ′′ (x)Γ(x) − (Γ(x)′ )2
Γ(−z) = − , (7.11) o que implica ln Γ(x) = ≥ 0, mostrando que ln Γ é convexa em R+ .
zΓ(z) sen(πz) dx2 (Γ(x))2
com a qual, caso Re (z) > 0, a extensão de Γ para argumentos com parte real negativa (lado esquerdo) pode ser calculada • A função Γ e o fatorial de números naturais
em termos de Γ(z) com Re (z) > 0 (no lado direito), dada concretamente pela integral (7.3). Usando integração por partes, segue que, para Re (z) > 0,
Mais abaixo (vide (7.14)) apresentaremos outro argumento, talvez mais elementar, para provar que Γ possui uma Z ∞ ∞ Z ∞
extensão analı́tica para o semiplano Re (z) ≤ 0 (exceto os inteiros não-positivos). Γ(z + 1) = e−t tz dt = −e−t tz +z e−t tz−1 dt ,
0 0
6 Magnus Gösta Mittag-Leffler (1846–1927). Para a definição geral da noção de série de Mittag-Leffler, vide [370] ou [251]. Um outro
| {z 0}
exemplo da série de Mittag-Leffler é a representação de Euler da função cotangente, expressão (6.87), página 349. =0
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 357/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 358/2764
Lema 7.1 Para Re (z) > 0 vale Z n onde x = Re (z) > 0, α < x < β, e usamos que |tz | = tx . A constante positiva γ de (7.5) é arbitrária, mas vamos
n
t z−1 escolhê-la de sorte que 0 < γ < 1, o que garante o decaimento da última expressão em n e a. Paralelamente,
Γ(z) = lim 1− t dt . (7.21)
n→∞ 0 n Z a n Z a x+1
t (7.23) t ax+1
2 |Fa | ≤ e−t − 1 − tx−1 dt ≤ dt =
0 n 0 2n 2n(x + 2)
Prova. (De [209], com modificações). Tomemos z ∈ Fα, β , ou seja, α < Re (z) < β, com α e β fixos, 0 < α < β < ∞. Com isso, vemos que para 1 < a < n,
Rn
Como Γ(z) = limn→∞ 0 e−t tz−1 dt, precisamos apenas provar que Z n
t
n
ax+1 2Cγ, β −(1−γ)a
Z n n e−t − 1 − tz−1 dt ≤ + e − e−(1−γ)n .
t 0 n 2n(x + 2) 1−γ
lim e−t − 1 − tz−1 dt = 0 . (7.22)
n→∞ 0 n
Portanto, Z n
Defina-se para 0 ≤ t ≤ n, n
t 2Cγ, β −(1−γ)a
t
n lim e−t − 1 − tz−1 dt ≤ e .
hn (t) := 1 − et 1 − . n→∞ 0 n 1−γ
n
Mas o lado esquerdo não depende de a e o lado direito pode ser feito arbitrariamente pequeno tomando a → ∞. Isso
Como facilmente se constata, prova (7.22), completando a demonstração de (7.21) para z ∈ Fα, β . Como α e β são arbitrários (com 0 < α < β), (7.21)
t
n−1
t fica provado para todo Re (z) > 0.
h′n (t) = et 1 − ≥ 0 para 0 ≤ t ≤ n .
n n
Z t Passemos agora à prova de (7.20). Temos,
Como h′n (0) = 0, segue que hn (t) = h′n (s) ds. Como h′n (s) ≥ 0 para 0 ≤ s ≤ n, segue disso que hn (t) ≥ 0 para Z n n n z n Z n n−1
0 t t t n t
tz−1 dt tz dt
int. por partes
s n−1 1− = 1− + 1−
0 ≤ t ≤ n. Adicionalmente, como 1 − n ≤ 1 para 0 ≤ s ≤ n, tem-se também 0 n n z 0 nz 0 n
Z s Z t Z t Z t
s n−1 s s s e t t2 Z n n−1
hn (t) = h′n (s) ds = es 1 − ds ≤ es ds ≤ et ds = . 1 t
0 0 n n 0 n 0 n 2n = 1− tz dt
z 0 n
et t2
Com isso, estabeleceu-se que 0 ≤ hn (t) ≤ 2n ,
o que implica Z n n−2
(n − 1) t
tz+1 dt
int. por partes
n = 1−
t t2 nz(z + 1) n
0 ≤ e−t − 1 − ≤ . (7.23) 0
n 2n
..
Disso segue o fato bem-conhecido de cursos de Cálculo que .
n
t n!
Z n
e−t = lim 1 − , (7.24) n iterações
= tz+n−1 dt
n→∞ n nn z(z + 1) · · · (z + n − 1) 0
para todo t ∈ R, mas segue também que n
t n! nz+n n! nz
1− ≤ e−t , (7.25) = = . (7.26)
n nn z(z + 1) · · · (z + n) z(z + 1) · · · (z + n)
fato que usaremos adiante. Por (7.21), isso prova (7.20).
Agora, Z n
n
t • A representação produto de Weierstrass para Γ
e−t − 1 − tz−1 dt = Fa + Ga, n ,
0 n A representação produto de Weierstrass para a função Γ, válida para todo z ∈ C, é
onde, para 1 < a < n, definimos
∞
Z a n Z n n 1 Y z −z
t t = zeγz 1+ e n , (7.27)
Fa := e−t − 1 − tz−1 dt , Ga, n := e−t − 1 − tz−1 dt . Γ(z) n
0 n a n n=1
a 1−γ [422]). É até hoje um problema em aberto saber se γ é um número racional ou não.
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 361/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 362/2764
condições suficientes para que a mesma se dê. A convergência da produtória que ocorre no lado direito de (7.27) para para todo z ∈ C. Isso estende a representação produto de Gauss (7.20) para toda região C \ {0, −1, −2, −3, . . .}.
todo z ∈ C será estabelecida logo adiante.
Vamos primeiramente estabelecer (7.27) na região Re (z) > 0. Definindo, • A representação produto de Euler para Γ
Z n
t
n
(7.26) n! nz É bastante evidente que para todo n > 1, inteiro, vale
Γ(n) (z) := 1− tz−1 dt = , (7.28)
0 n z(z + 1) · · · (z + n) n−1
Y n−1
Y
l+1 1
n = = 1+ , (7.30)
provamos no Lema 7.1 que Γ(z) = limn→∞ Γ(n) (z) para Re (z) > 0. Temos l l
l=1 l=1
−z
1 n z z
= z(z + 1) · · · (z + n) = ze−z ln(n) (1 + z) 1 + ··· 1 + De acordo com (7.28), podemos escrever
Γ(n) (z) n! 2 n
n
n! nz 1 Y z −1
Yn
z z Γ(n) (z) = = nz 1+
zez(1+ 2 +···+ n −ln(n))
1 1
= 1+ es z(z + 1) · · · (z + n) z m=1 m
s=1
s
"n−1 z # Y n
e, portanto, (7.30) Y 1 1 z −1
∞ = 1+ 1+
1 1 Y z −z l z m=1 m
= lim (n) = zeγz 1+ e s , l=1
Γ(z) n→∞ Γ (z) s=1
s
n z
provando (7.27) para Re (z) > 0. Vamos agora provar que a produtória do lado direito converge para todo z ∈ C e 1 Y 1 z −1
define uma função inteira de z. Tendo em vista o Corolário 6.1, página 332, consideremos para cada r > 0 o conjunto = 1+ 1+ , (7.31)
z(1 + n1 )z m=1 m m
compacto Kr = {z ∈ C| |z| ≤ r} (o disco fechado de raio r centrado na origem). Da expansão em série de Taylor da
função exponencial, obtém-se facilmente que para todo w ∈ C vale e tomando o limite n → ∞, obtemos
∞
X 1 1 ∞ z
1 − (1 − w)ew = w2 − wk−1 . 1 Y 1 z −1
k! (k + 1!) Γ(z) = 1+ 1+ (7.32)
k=1 z m=1 m m
P
Verifique! Logo, como k!1 1
− (k+1!) ≥ 0 para todo k, tem-se para |w| ≤ 1 que 1 − (1 − w)ew ≤ |w|2 ∞ 1 1
k=1 k! − (k+1!) = válida para todo z ∈ C, exceto z = 0, −1, −2, −3, . . .. Esta é a representação produto de Euler para a função Γ. A
z 2
|w|2 . Portanto, tomando-se w = −z/n, teremos 1 + nz e− n − 1 ≤ |z| n2 sempre que |z| ≤ n. Logo,
expressão (7.32), obtida por Euler em 1729, foi a definição historicamente original da função Γ, a representação integral
(7.3) tendo sido obtida posteriormente pelo mesmo autor a partir de (7.32). Euler chegou a (7.32) propondo-a como
z −z r2 solução da equação funcional f (z + 1) = zf (z) com f (1) = 1, tentando dessa forma obter uma generalização contı́nua do
sup 1+ e n −1 ≤ 2
z∈Kr n n fatorial de números naturais.
para todo n ≥ r. Como a sequência 1/n2 é somável, concluı́mos que E. 7.1 Exercı́cio. Verifique diretamente de (7.32) que Γ satisfaz Γ(z + 1) = zΓ(z) com Γ(1) = 1. Sugestão: usando a última
∞ expressão em (7.31) considere a razão Γ(n) (z + 1)/Γ(n) (z) e tome o limite n → ∞. 6
X z −z
sup 1 + e n −1 < ∞.
n=1 z∈K r n
Q∞ z E. 7.2 Exercı́cio. De (7.14) e de (7.20) prove que
Pelo Corolário 6.1, página 332, isso demonstra que s=1 1 + zs e− s converge e é analı́tica em Kr e, como r > 0 é
nz Γ(n + 1)
arbitrário, concluı́mos que essa produtória infinita define uma função inteira (i.e., analı́tica em toda parte). lim = 1
n→∞ Γ(z + n + 1)
1
A representação produto de Weierstrass (7.27) pode, portanto, ser estendida para todo z ∈ C, estabelecendo que Γ(z)
para todo z ∈ C. 6
é uma função inteira, o que implica que Γ(z) não possui zeros. Segue também facilmente de (7.27) que
Γ(z) = Γ(z)
em todo domı́nio de definição de Γ.
Q
A convergência da produtória infinita e ∞ z
−z 7.4 A Função Beta e Propriedades Adicionais da Função Gama
s=1 1 + s e
s permite-nos estender a representação produto de Gauss
(7.20) para além da região Re (z) > 0. De fato, é evidente que para todo z ∈ C vale
m
" m
!# • Função beta. Propriedades elementares
Y z −z/n z(z + 1) · · · (z + m) X 1
z 1+ e = exp z ln m − . A chamada função beta, denotada por B(p, q) é definida por
n=1
n m! mz n=1
n
m
! Γ(p) Γ(q)
X 1 B(p, q) := (7.33)
Logo, como o limite m → ∞ do lado esquerdo existe para todo z ∈ C, pelo exposto acima, e como lim ln m − = Γ(p + q)
m→∞
n=1
n
−γ, concluı́mos que para p e q complexos, mas diferentes de inteiros não-positivos. Observe-se que, pela definição, B é uma função simétrica
∞
1 Y z −z/n z(z + 1) · · · (z + m) pela permutação de seus argumentos:
= zeγz 1+ e = lim , (7.29) B(p, q) = B(q, p) .
Γ(z) n=1
n m→∞ m! mz
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 363/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 364/2764
Para Re (p) > 0 e Re (q) > 0 podemos expressar B(p, q) em uma forma integral muito útil: válida para todo z ∈ C, relação esta que pode ser escrita em forma mais simétrica como
Z π2 1 cos(πz)
B(p, q) = 2 (cos θ)2p−1 ( senθ)2q−1 dθ . (7.34) 1
1
= , (7.40)
Γ 2 −z Γ 2 +z π
0
Provamo-la com uso de (7.17), que nos diz que válida para todo z ∈ C.
Z ∞ Z ∞ x Antes de demonstrar (7.39) notemos que ela permite escrever, para z não-inteiro,
2 2 2
+v 2 ) 2p−1 2q−1
Γ(p)Γ(q) = 4 e−u u2p−1 du e−v v 2q−1 dv = 4 e−(u u v dudv . π π
0 0 u≥0, v≥0 Γ(−z) = − = − . (7.41)
Γ(z + 1) sen(πz) zΓ(z) sen(πz)
Usando coordenadas polares, escrevemos u = r cos θ e v = r senθ com 0 ≤ θ ≤ π/2 (pois u ≥ 0 e v ≥ 0) e obtemos Essa expressão permite calcular a extensão analı́tica de Γ de Re (z) > 0 para Re (z) < 0. Por exemplo, se Re (z) > 0, o
Z ∞ Z π/2 lado direito pode ser calculado usando (7.3), fornecendo a função gama do lado esquerdo, cujo argumento tem parte real
−r 2 2(p+q)−1 2p−1 2q−1 negativa. Evidentemente,
Γ(p)Γ(q) = 4 e r (cos θ) ( senθ) dr dθ
0 0
π
Γ(−z)Γ(z) = − , (7.42)
! z sen(πz)
Z ∞ Z π/2
2 para z não-inteiro.
= 2 e−r r2(p+q)−1 dr 2 (cos θ)2p−1 ( senθ)2q−1 dθ
0 0 Para demonstrar10 (7.39), começamos usando (7.33) e (7.36) para obter
Z ∞ z−1
Z π/2
! u
(7.17) Γ(z)Γ(1 − z) = B(z, 1 − z) = du , (7.43)
= Γ(p + q) 2 (cos θ)2p−1 ( senθ)2q−1 dθ , 0 1+u
0
onde a representação integral acima é válida para Re (z) > 0 e Re (1 − z) > 0, ou seja, na faixa 0 < Re (z) < 1, a qual
provando (7.34). nos restringiremos provisoriamente.
Por mudanças de variável, obtém-se outras representações integrais equivalentes a (7.34) para B(p, q). Tomando A integral acima pode ser calculada pelo método dos resı́duos, como descreveremos. Seja I a integral
t = (cos θ)2 obtemos trivialmente de (7.34) que Z
wz−1
Z 1 I := dw ,
C 1 +w
B(p, q) = tp−1 (1 − t)q−1 dt . (7.35)
0 onde C é a curva fechada no plano complexo, orientada no sentido anti-horário, indicada na figura 7.3. A curva C é
Tomando em (7.35) u = t
obtém-se, por outro lado, composta dos segmentos orientados (1) e (2), localizados, respectivamente, imediatamente acima e imediatamente abaixo
1−t do semi-eixo real positivo (sendo que faremos a distância desses segmentos a esse semi-eixo ir a zero) e dos arcos orientados
z−1
γ e Γ, de raios ǫ e R, respectivamente. Escolhemos R > 1, de modo que o polo simples que a função f (w) = w1+w possui
Z ∞
up−1
B(p, q) = du . (7.36) em w = −1 fique no interior da região delimitada por C.
0 (1 + u)p+q
Vamos representar a variável complexa w na forma w = ρeiφ , com 0 ≤ ρ < ∞, 0 ≤ φ < 2π. Devido a essa escolha do
As representações (7.34), (7.35) e (7.36) valem para Re (p) > 0 e Re (q) > 0. Alguns textos adotam (7.35) como intervalo de valores de φ, vemos que no segmento (1) tem-se que φ ≈ 0, enquanto que no segmento (2) φ ≈ 2π. Assim,
R R z−1
definição de B(p, q) para Re (p) > 0 e Re (q) > 0. a integral no segmento orientado (1) é aproximada por ǫ ρ1+ρ dρ, enquanto que a integral no segmento orientado (2) é
De (7.34) e de (7.33) obtém-se trivialmente a seguinte identidade útil: R
2πiz R ρ
z−1
aproximada por −e ǫ 1+ρ
dρ, as aproximações sendo tanto melhores quanto mais próximos os segmentos (1) e (2)
Z π2 encontrarem-se do semi-eixo real positivo (lembrar que o integrando é contı́nuo nas regiões acima a abaixo do semi-eixo
1 (p − 1)! (q − 1)!
(cos θ)2p−1 ( senθ)2q−1 dθ = , p, q ∈ N . (7.37) real positivo e cada integração é feita em segmentos finitos). Assim, a contribuição das integrações de (1) e (2) à integral
0 2 (p + q − 1)!
I é Z
R ρz−1
1 − e2πiz dρ ,
E. 7.3 Exercı́cio. Mostre que ǫ 1+ρ
a+1 que nos limites ǫ → 0, R → ∞ converge a 1 − e2πiz Γ(z)Γ(1 − z) devido a (7.43). Vamos agora estimar as integrais
1
1Γ Γ(b + 1)
Z
b 1 a+1
sa 1 − s2 ds = B , b+1 = 2
a+1
. (7.38) sobre os segmentos γ e Γ.
0 2 2 2 Γ 2
+b+1
2
Em γ temos ρ = ǫ, de modo que podemos escrever w = ǫeiφ , com α ≤ φ ≤ 2π − α, para um certo α pequeno, e
Sugestão: em (7.35) faça a mudança de variável t = s . Identifique para quais valores complexos de a e b a relação acima é válida. 6
dw = iǫeiφ dφ, de forma que, escrevendo z = x + iy com x = Re (z), y = Im (z),
Z Z 2π−α iφ(z−1)
wz−1 e
dw = −iǫz eiφ dφ
1 + w 1 + ǫeiφ
7.4.1 A Fórmula de Reflexão de Euler γ α
e, portanto, Z Z 2π−α
Talvez a principal aplicação de (7.33) e das representações integrais (7.34), (7.35) e (7.36) seja o estabelecimento da wz−1 eφ|y| 2πe2π|y|
importante fórmula de reflexão para a função Γ, ou fórmula de reflexão de Euler: dw ≤ ǫx dφ ≤ ǫx ,
γ 1+w α 1−ǫ 1−ǫ
1 sen(πz) 10 Seguimos os argumentos de [67]. Para uma outra demonstração igualmente elementar que faz uso da fórmula de produto de Weierstrass
= , (7.39) (7.27), vide [209].
Γ(z)Γ(1 − z) π
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Até agora assumimos que 0 < Re (z) < 1. Todavia, ambos os lados da última expressão são funções inteiras. Portanto,
a igualdade acima vale em todo plano complexo C.
Γ E. 7.4 Exercı́cio. Usando a fórmula de reflexão (7.39) e a representação produto de Gauss (7.20), obtenha a representação produto
da função seno, obtida por Euler em 1734:
∞
z2
Y
sen(πz) = πz 1− 2 , (7.44)
n=1
n
válida para todo z ∈ C. Usando o Corolário 6.1, página 332, prove que a produtória do lado direito de fato converge para todo z ∈ C e,
de fato, define uma função inteira. Em [370] o leitor poderá encontrar diversas outras demonstrações de (7.44), assim como interessantes
notas histórias sobre suas origens e sobre os desenvolvimentos que engendrou.
γ (1) Usando (7.44) e o fato bem-conhecido que cos(πz) sen(πz) = 21 sen(2πz), obtenha a representação produto da função cosseno,
também devida a Euler:
∞
4z 2
Y
cos(πz) = 1− , (7.45)
(2n − 1)2
−1 R n=1
(2) válida para todo z ∈ C. Prove também que a produtória do lado direito de fato converge para todo z ∈ C e, de fato, define uma função
inteira.
Usando (7.44), obtenha
∞ ∞
π Y 4n2 Y 2n 2n 2 2 4 4 6 6
= = = ··· . (7.46)
2 n=1
4n2 − 1 n=1
2n − 1 2n + 1 1 3 3 5 5 7
Essa expressão é denominada fórmula do produto de Wallis11 , fórmula de Wallis ou produto de Wallis, tendo sido obtida por outros
meios em 1665. Para uma demonstração simples dessa fórmula usando integrais, vide Seção 6.2.1, página 333.
As expressões (7.44) e (7.45) têm diversas aplicações e generalizações. Vide e.g. [370]. 6
válida para z ∈ C \ Z. Essa expressão é denominada fórmula da cotangente de Euler, que a obteve em 1749. Ela é também conhecida
que converge a zero quando ǫ → 0 (lembrar que assumimos 0 < Re (z) < 1, ou seja, 0 < x < 1). como expansão em frações parciais da função cotangente. Diversas outras demonstrações dessa importante identidade são conhecidas.
Vide Exercı́cio E. 6.17, página 349, ou Exercı́cio E. 37.23, página 1935. 6
Em Γ temos, analogamente, ρ = R, de modo que podemos escrever w = Reiφ , com β ≤ φ ≤ 2π − β, para um certo β
pequeno, e dw = iReiφ dφ, de forma que, escrevendo z = x + iy com x = Re (z), y = Im (z),
Z Z 2π−β • Algumas identidades adicionais para a função Beta
wz−1 eiφ(z−1) iφ
dw = iRz e dφ Segundo nossa definição para a função B, é elementar ver que B(p, q) = Γ(p)Γ(q)
= p+q Γ(p)Γ(q+1)
Γ 1+w β 1 + Reiφ Γ(p+q) q Γ(p+q+1) . Assim, vale a
identidade
e, portanto, p+q
Z Z 2π−β B(p, q) = B(p, q + 1) . (7.48)
wz−1 eφ|y| Rx Rx−1 q
dw ≤ Rx dφ ≤ 2πe2π|y| = 2πe2π|y| ,
Γ 1+w β R−1 R−1 1 − 1/R Analogamente, demonstra-se que
p+q
que converge a zero quando R → ∞ pois x < 1. B(p, q) = B(p + 1, q) . (7.49)
p
w z−1
No interior da região delimitada por C o integrando f (w) = possui uma única singularidade: um polo simples
1+w Segue disso evidentemente que
em w = −1, cujo resı́duo é eiπ(z−1) (lembrar que −1 = eiπ ). Assim, pelo teorema dos resı́duos, qB(p + 1, q) = pB(p, q + 1) . (7.50)
Z
uz−1 du Usando (7.42) podemos escrever B(p, q) = Γ(p)Γ(q)
= Γ(p) 1 π
= −2πieiπz Γ(p+q) Γ(p+q)Γ(−q) Γ(q)Γ(−q) = − B(p+q, −q) q sen(πq) . Assim, estabele-
C 1+u cemos que
π 1
que independe de ǫ e R. Coletando os resultados anteriores sobre as integrais em (1), (2), γ e Γ concluı́mos que nos B(p, q) = − . (7.51)
q sen(πq) B(p + q, −q)
limites ǫ → 0 e R → ∞ vale a igualdade
Usando o fato que B(p, q) = B(q, p), segue igualmente que
−2πieiπz = 1 − e2πiz Γ(z)Γ(1 − z) ,
π 1
B(p, q) = − . (7.52)
que conduz trivialmente a p sen(πp) B(p + q, −p)
1 sen(πz) 11 John Wallis (1616–1703).
= .
Γ(z)Γ(1 − z) π
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7.4.2 A Fórmula de Duplicação de Legendre 7.5 Teoremas Sobre a Unicidade da Função Gama e Outros
As propriedades da função beta permitem provar mais uma identidade importante satisfeita pela função gama, a chamada Resultados
fórmula de duplicação da função gama, obtida por Legendre12 em 181113:
22z−1
1
Nesta seção demonstraremos alguns teoremas que estabelecem a unicidade da função gama de Euler sob certas caracte-
Γ(2z) = √ Γ(z)Γ z + , (7.53) rizações. Esses teoremas são de interesse por si só, mas alguns deles são úteis na obtenção de propriedades mais profundas
π 2
referida função.
válida para todo z ∈ C que não seja um inteiro não-positivo ou um semi-inteiro não-positivo, isto é, que não seja da
forma −n ou da forma −n − 1/2, com n = 0, 1, 2, 3, . . .. Uma generalização de (7.53) (eq. (7.62)), devida a Gauss, será
obtida na Seção 7.5.3.1, página 372. 7.5.1 O Teorema de Bohr-Mollerup
A demonstração de (7.53) é bastante simples. Assumindo provisoriamente Re (z) > 0, temos
Um dos primeiros e mais célebres (e elegantes) teoremas de unicidade é um teorema devido a Bohr16 e Mollerup17 , datado
de 192218 . Esse teorema refere-se à função gama de Euler restrita a R+ . Adiante trataremos de teoremas de unicidade
Z 1
Γ(z)Γ(z) (7.35) z−1
= B(z, z) = t(1 − t) dt . para Γ nos complexos.
Γ(2z) 0
O Teorema de Bohr-Mollerup é tão fundamental que alguns autores, como Bourbaki19 e, até um certo ponto, Artin20
Efetuamos a mudança de variável de integração u = 2t − 1, temos
em [21], adotam suas condições como definição da função gama de Euler, derivando suas demais propriedades a partir
Z +1 Z 1
Γ(z)Γ(z) 1 2 daı́.
= 2z−1 (1 − u2 )z−1 du = 2z−1 (1 − u2 )z−1 du .
Γ(2z) 2 −1 2 0
• O Teorema de Bohr-Mollerup e sua demonstração
Por fim, fazendo a mudança de variável de integração v = u2 , tem-se
Passemos agora a um dos teoremas mais elegantes da teoria da função gama de Euler.
Z 1 √
Γ(z)Γ(z) 1 1 B z, 12 (7.35) Γ(z)Γ( 21 ) (7.18) Γ(z) π Z ∞
= 2z−1 (1 − v)z−1 v − 2 dv = = = , Teorema 7.1 (Teorema de Bohr-Mollerup) A função Γ(x) := e−t tx−1 dt, x > 0, é a única função real em R+
Γ(2z) 2 0 2 2z−1 22z−1 Γ z + 21 2 2z−1 Γ z + 21 0
satisfazendo
provando (7.53) para Re (z) > 0. A generalização para todo z ∈ C segue do fato de que ambos os lados de (7.53) possuem
uma extensão analı́tica para todo C, exceto para os pontos em que z é um inteiro não-positivo ou um semi-inteiro não-
1. G(1) = 1,
positivo.
Na Seção 7.5.2, página 369, discutimos que a função gama de Euler é essencialmente a única função a satisfazer a 2. G(x + 1) = xG(x) para todo x > 0 (e, consequentemente, satisfazendo G(n + 1) = n! para todo n ∈ N0 ),
equação funcional Γ(z + 1) = zΓ(z) e a fórmula de duplicação (7.53). 3. ln G é convexa. 2
É interessante comparar a fórmula de duplicação (7.53) com a chamada fórmula de duplicação da função seno (prove-
a!):
!
1 Notas. O Teorema 7.1 é também denominado Teorema de Bohr-Mollerup-Artin por alguns autores. Artin foi o primeiro a identificar a
sen 2πz = 2 sen πz sen π z + , z∈C. (7.54) relevância da condição 3 (convexidade logarı́tmica) para o teorema, na edição de 1931 de [21]. Como subproduto da demonstração do Teorema
2 7.1 estabeleceremos que para todo x ∈ (0, 1) vale
nx n!
E. 7.6 Exercı́cio. Prove que Γ(x) = lim , (7.57)
n→∞ (x + n)(x + n − 1) · · · x
Z 1
ln sen(πy) dy = − ln 2 . (7.55) o limite sendo uniforme em (0, 1). A expressão (7.57) é denominada representação produto de Gauss da função gama de Euler e, como
0 provamos na Seção 7.3, página 358, a mesma é válida não apenas no intervalo (0, 1) mas em todo o conjunto C \ {0, −1, −2, −3, . . .}. ♣
Essa expressão é denominada fórmula de Jensen14 . Sugestão: tome o logaritmo da fórmula de duplicação da função seno (7.54) e integre
a expressão resultante no intervalo [0, 1/2]. Justifique cuidadosamente a existência das integrais. 6 Prova do Teorema 7.1. Seguimos proximamente [21]. Para uma demonstração semelhante, vide [96]. Que a função Γ
satisfaz as condições 1, 2 e 3 foi estabelecido anteriormente. A convexidade de ln Γ, por exemplo, foi estabelecida à
página 356.
E. 7.7 Exercı́cio. Prove que Z 1 √ Todo y ∈ R+ é da forma y = m + x com m ∈ N0 e 0 ≤ x < 1 (a saber, m := ⌊y⌋ e x := y − ⌊y⌋, com ⌊y⌋ sendo o
ln Γ(y) dy = ln 2π , (7.56)
0 maior inteiro menor ou igual a x).
relação obtida por Raabe15 em 1843. Se y = m ∈ N e x = 0, então sabemos pelas condições 1 e 2 que G(m) = Γ(m) = (m − 1)!. No caso geral,
Sugestão I: tome o logaritmo da fórmula de duplicação (7.53), integre a expressão resultante no intervalo [0, 1/2] e disso obtenha como G e Γ satisfazem a equação funcional do item 2, valem G(y) = G(m + x) = (x + m − 1)(x + m − 2) · · · xG(x) e
(7.56). 16 Harald August Bohr (1887–1951). H. Bohr era irmão mais novo do fı́sico Niels Bohr (Niels Henrik David Bohr (1885-1962)). H. Bohr
Γ(y) = Γ(x + m) = (x + m − 1)(x + m − 2) · · · xΓ(x). Portanto, para demonstrarmos o teorema, é suficiente provarmos Lema 7.2 Seja a > 1 e seja A um aberto conexo de C que contenha o intervalo [0, a) do eixo real. Seja A uma função
que G(x) = Γ(x) para todo x ∈ (0, 1). analı́tica em A e que satisfaça a relação 2A(2z) = A(z) + A(z + 1/2) sempre que z, z + 1/2 e 2z estiverem no intervalo
Seja G qualquer função satisfazendo as condições 1, 2 e 3, seja n ∈ N0 com n ≥ 2 e seja x ∈ (0, 1). Como ln G é [0, a). Então, A é constante em todo A. 2
convexa, vale para ela a seguinte desigualdade:
Prova. Escolhamos b ∈ (1, a). Então, é evidente que [0, b] ⊂ [0, a) e é também evidente que se z ∈ [0, b], então z/2 e
ln G(n − 1) − ln G(n) ln G(n + x) − ln G(n) ln G(n + 1) − ln G(n)
≤ ≤ . (7.58) (z + 1)/2 são também elementos de [0, b].
(n − 1) − n (n + x) − n (n + 1) − n
Por hipótese, temos que 2A(2z) = A(z) + A(z + 1/2) e que 4A′ (2z) = A′ (z) + A′ (z + 1/2) sempre que z, z + 1/2 e 2z
Isto segue da desigualdade (5.23), página 299, tomando-se a seguinte quadra de pontos: n − 1 < n < n + x < n + 1. estiverem no intervalo [0, a). Logo, para todo z ∈ [0, b], valerá 4A′ (z) = A′ (z/2) + A′ (z + 1)/2 . Consequentemente,
Verifique! teremos também 4|A′ (z)| ≤ |A′ (z/2)| + |A′ (z + 1)/2 | para todo z ∈ [0, b].
Agora, as condições 1 e 2 implicam, naturalmente, que G(n + 1) = n!. Logo, (7.58) fica Seja M := max |A′ (z)|, z ∈ [0, b] . Como |A′ (z)| é contı́nua em [0, b], o máximo M é alcançado em algum valor
z0 ∈ [0, b]. Assim, teremos 4M = 4|A′ (z0 )| ≤ |A′ (z0 /2)| + |A′ (z0 + 1)/2 | ≤ 2M , já que z0 /2 e (z0 + 1)/2 são também
ln G(n + x) − ln (n − 1)! elementos de [0, b]. Agora, como M ≥ 0, a desigualdade 4M ≤ 2M só é possı́vel se M = 0, o que informa-nos que
ln(n − 1) ≤ ≤ ln n . (7.59)
x A′ (z) = 0 para todo z ∈ [0, b]. Como A é analı́tica em A ⊃ [0, b], temos que A′ (z) = 0 para todo z ∈ A, como querı́amos
provar.
Multiplicando-se a desigualdade acima por x, somando-se em seguida ln (n − 1)! aos três termos e tomando-se em
seguida a exponencial de cada um, obtemos
Lema 7.3 Seja a > 1 e seja A um aberto conexo de C que contenha o intervalo [0, a) do eixo real. Seja A uma função
(n − 1)x (n − 1)! ≤ G(n + x) ≤ nx (n − 1)! . analı́tica em A, que não possua zeros em [0, a) e que, para algum γ ∈ C\{0}, satisfaça a relação A(2z) = γA(z)A(z+1/2)
sempre que z, z + 1/2 e 2z estiverem no intervalo [0, a). Então, A é da forma A(z) = αeβz para todo z ∈ A, sendo
Como G(n + x) = (x + n − 1)(x + n − 2) · · · xG(x), obtemos da última desigualdade α, β ∈ C constantes satisfazendo αγeβ/2 = 1, o que nos permite escrever A(z) = γ −1 eβ(z−1/2) . 2
(n − 1)x (n − 1)! nx (n − 1)!
≤ G(x) ≤ ,
(x + n − 1)(x + n − 2) · · · x (x + n − 1)(x + n − 2) · · · x Prova. Pelas hipóteses, a função B(z) = A′ (z)/A(z) é analı́tica em alguma vizinhança aberta e conexa A0 de [0, a)
(com [0, a) ⊂ A0 ⊂ A). Também pelas hipóteses, sempre que z, z + 1/2 e 2z estiverem no intervalo [0, a) valerá
do que se extrai 2A′ (2z) = γA′ (z)A(z + 1/2) + γA(z)A′ (z + 1/2). Logo, teremos nesse caso
(n − 1)x (n − 1)! nx n! x+n
≤ G(x) ≤ . 2A′ (2z) γA′ (z)A(z + 1/2) γA(z)A′ (z + 1/2)
(x + n − 1)(x + n − 2) · · · x (x + n)(x + n − 1) · · · x n 2B(2z) = = + = B(z) + B(z + 1/2) .
A(2z) γA(z)A(z + 1/2) γA(z)A(z + 1/2)
As desigualdades expressas na linha acima fornecem um minorante e um majorante para G(x) e são válidas para todo
n ≥ 2. Podemos, portanto, substituir n por n + 1 na primeira desigualdade sem alterar sua veracidade, obtendo Assim, 2B(2z) = B(z) + B(z + 1/2) e do Lema 7.2 concluı́mos que para todo z ∈ A0 vale B(z) = β com β ∈ C, constante.
x x
Logo, A′ (z) = βA(z), ou seja, A(z) = αeβz em todo z ∈ A0 , para alguma constante α ∈ C. Devido à analiticidade de A,
n n! n n! x+n essa relação vale em todo A. Da relação A(2z) = γA(z)A(z + 1/2), obtemos que αγeβ/2 = 1.
≤ G(x) ≤ .
(x + n)(x + n − 1) · · · x (x + n)(x + n − 1) · · · x n
Os Lemas 7.2 e 7.3 podem ser interpretados como afirmações de existência de soluções das equações funcionais
Portanto, vale também
(x + n)(x + n − 1) · · · x x 1 2A(2z) = A(z) + A(z + 1/2) e A(2z) = γA(z)A(z + 1/2) sob as hipóteses listadas em seus respectivos enunciados. Para
1 ≤ G(x) ≤ 1+ < 1+ . um tratamento extensivo de equações funcionais, vide [6].
nx n! n n
Os Lemas 7.2 e 7.3, acima, têm o seguinte corolário, o qual contém uma afirmação de unicidade da função gama de
É evidente disso que
nx n! Euler:
G(x) = lim ,
n→∞ (x + n)(x + n − 1) · · · x Teorema 7.2 A função gama de Euler é a única função que satisfaz as seguintes condições:
uniformemente em (0, 1). Como Γ também satisfaz as condições 1, 2 e 3, ela obedece a mesma equação e concluı́mos
1. G : C \ {0, −1, −2, . . .} → C é analı́tica no seu domı́nio, tendo em z = 0 no máximo um polo simples,
que G(x) = Γ(x) para todo x ∈ (0, 1).
2. G é real na semirreta (0, ∞),
3. G satisfaz G(z + 1) = zG(z) em todo C \ {0, −1, −2, . . .},
7.5.2 Fórmulas de Duplicação e Unicidade 4. G satisfaz a fórmula de duplicação G(2z) = 22z−1
√
π
G(z)G z + 1
2
em todo C, exceto os inteiros e semi-inteiros
não-positivos. 2
À discussão sobre a fórmula de duplicação de Legendre (7.53) é interessante acrescentar alguns comentários referentes à
questão da unicidade. Já colocamos a questão de saber quais funções satisfazem a equação funcional Γ(z + 1) = zΓ(z) e
encontramos uma resposta sob as hipóteses do Teorema de Bohr-Mollerup, Teorema 7.1, página 368. Como veremos, se Prova. Seja G satisfazendo as propriedades listadas no enunciado. Então, A(z) := G(z)/Γ(z) é analı́tica em uma
considerarmos também o desejo de ter satisfeita a fórmula de duplicação de Legendre (7.53) somos novamente conduzidos vizinhança de [0, ∞) (lembrar que Γ tem um polo simples em 0 e G no máximo um polo simples nesse ponto, pelo item
à função gama de Euler. Isso é o conteúdo do Teorema 7.2, página 370. 1), é real no intervalo (0, ∞) (pelo item 2) e satisfaz A(z + 1) = A(z) (pelo item 3) e A(2z) = A(z)A(z + 1/2) (pelo
item 4) onde essas relações estiverem bem definidas, o que inclui o intervalo [0, ∞). Pelo Lema 7.3, concluı́mos que
Os dois lemas preparatórios que seguem são devidos a Herglotz21 .
A(z) = eβ(z−1/2) (justifique!). Como A é periódica de perı́odo 1, tem-se β = 2πni, n ∈ Z. Como A é real em [0, ∞),
21 Gustav Ferdinand Maria Herglotz (1881–1953). devemos ter n = 0, implicando que G(z) = Γ(z) em C \ {0, −1, −2, . . .}.
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 371/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 372/2764
7.5.3 O Teorema de Wielandt e Algumas de Suas Consequências 7.5.3.1 A Fórmula de Multiplicação de Gauss da Função Gama
22
O teorema que segue, obtido por Wielandt em 1939, é mais um teorema de unicidade da função gama. Sua utilidade O Teorema de Wielandt, Teorema 7.3, página 371, pode ser utilizado para uma demonstração simples de mais uma
se manifestará na discussão da importante Fórmula de Stirling, desenvolvida na Seção 7.6, página 375. propriedade importante da função gama de Euler: para cada m ∈ N tem-se
23
Para um tratamento semelhante ao nosso, vide [370] m−1
mmz−1/2 Y l
Γ(mz) = p Γ z+ , (7.62)
Teorema 7.3 (Teorema de Wielandt) Considere-se o semiplano Cd := {z ∈ C| Re (z) > 0}. A função gama de (2π)m−1 m
l=0
Euler é a única função satisfazendo as seguintes hipóteses:
válida para todo z ∈ C, exceto 0, −1/m, −2/m, −3/m, . . ., ou seja, válida para todo z ∈ C \ {−n/m, n ∈ N0 }.
1. G é analı́tica em Cd ,
A identidade (7.62), denominada fórmula de multiplicação da função gama, ou fórmula de multiplicação de Gauss da
2. G(z + 1) = zG(z) para todo z ∈ Cd , função gama, foi provada em 1812 por Gauss por meios distintos dos que apresentaremos no que segue. Note-se que o
caso m = 1 é uma identidade trivial e o caso m = 2 reproduz a Fórmula de Duplicação de Legendre , eq. (7.53), página
3. G(1) = 1, 367, e, portanto, (7.62) pode ser considerada uma generalização daquela relação.
4. G é limitada na faixa F := {z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2}. 2 Para a prova de (7.62) precisamos de alguns resultados preparatórios elementares.
Lema 7.4 Para cada m ∈ N vale a identidade
Nota. Como a única relação funcional considerada no Teorema 7.3 é a relação G(z + 1) = zG(z), podemos dizer que, em um certo sentido, o
m
Teorema de Wielandt generaliza o Teorema de Bohr-Mollerup, Teorema 7.1, página 368, para o contexto de funções definidas em Cd e não Y
apenas em R+ . Essa afirmação tem que ser tomada cum grano salis, pois o Teorema de Bohr-Mollerup faz uso também de uma hipótese de z − e−2πil/m = zm − 1 (7.63)
convexidade ausente no Teorema de Wielandt. ♣ l=1
Prova do Teorema 7.3. Consideremos a função V : Cd → C definida por V (z) = G(z) − Γ(z), z ∈ Cd . É evidente que para todo z ∈ C. Como consequência, vale a identidade
V satisfaz V (z + 1) = zV (z) e satisfaz também V (1) = 0. O mesmo raciocı́nio que nos conduziu a (7.14) permite obter m−1 m−1
Y zm − 1 X
também z − e−2πil/m = = za (7.64)
V (z + n) z−1 a=0
V (z) = . (7.60) l=1
(z + n − 1)(z + n − 2) · · · z
para cada m ∈ N, m ≥ 2, e todo z ∈ C, z 6= 1. De (7.64) segue também que
Agora, V (z + n) é analı́tica para Re (z + n) > 0, Assim, (7.60) estende analiticamente V (z) para Re (z) > −n, exceto nos
pontos z = −k com k = 0, 1, . . . , n − 1. Com isso, concluı́mos que V possui uma extensão analı́tica ao plano complexo m−1
Y
C, exceto aos pontos z = 0, −1, −2, . . ., onde possui no máximo polos simples. Seguindo os mesmos passos de (7.15), 1 − e−2πil/m = m (7.65)
concluı́mos também que essa extensão satisfaz V (z + 1) = zV (z) em todo o conjunto C \ {0, −1, −2, . . .}. l=1
Ao contrário do que ocorre com a função Γ, porém, a função V é regular nos pontos z = 0, −1, −2, . . ., pois, para todo m ∈ N, m ≥ 2. 2
analogamente a (7.16), temos por (7.60) que
V (z + n + 1) V (1) Prova. Os zeros do polinômio z m − 1 são, naturalmente, as raı́zes
lim (z + n)V (z) = lim (z + n) = = 0. (7.61) Q m-ésimas da unidade, ou seja, são os elementos de
z→−n z→−n (z + n)(z + n − 1) · · · z (−1)(−2) · · · (−n) {e−2πil/m , l = 1, . . . , m}. Assim, z m − 1 = κ m
l=1 z − e
−2πil/m
para alguma constante κ. Comparando os termos de
A conclusão até aqui é que V é uma função inteira, i.e., analı́tica em todo C satisfazendo V (z + 1) = zV (z) para todo grau máximo de ambos os lados, constatemos facilmente que κ = 1, provando (7.63).
Qm Qm−1
z ∈ C. A primeira igualdade em (7.64) segue de (7.63) e do fato que l=1 z − e−2πil/m = (z − 1) l=1 z − e−2πil/m . A
Pm−1
Vamos agora analisar as consequências da hipótese que G é limitada na faixa {z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2}. Pela segunda é a bem conhecida fórmula para a soma de uma progressão geométrica (para obtê-la, multiplique-se a=0 z a
desigualdade (7.10), página 355, Γ é limitada nessa mesma faixa e, portanto, V também o é. Afirmamos que V é também por z − 1, expanda-se o produto e constate-se que todos os termos cancelam-se, exceto z m e −1).
limitada na faixa F := {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1}. De fato, na região limitada {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1, −1 ≤ Im (z) ≤ 1} A eq. (7.65) é obtida tomando-se o limite de (7.64) quando z → 1.
a função V é limitada por ser analı́tica. Já na região {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1, |Im (z)| > 1}, na qual tem-se |z| > 1,
podemos evocar o fato que V (z) = V (z + 1)/z e estabelecer que |V (z)| < |V (z + 1)| ≤ sup{|V (w)|, w ∈ F }, pois é
Logo adiante usaremos o lema que segue, o qual expressa uma propriedade bem-conhecida da função seno.
evidente que z + 1 ∈ F se z ∈ {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1, |Im (z)| > 1}.
Como a aplicação z 7→ 1 − z leva a faixa fechada {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) ≤ 1} em si mesma e a função V (z) é limitada Lema 7.5 Para todo m ∈ N, m ≥ 2, vale
nessa faixa (por essa ser um subconjunto de {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) < 1} ∪ {z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2}), concluı́mos que a função m−1
Y l m
V (1 − z) é igualmente limitada em {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) ≤ 1}. sen π = m−1 . (7.66)
m 2
Observe-se agora que a função U (z) := V(z)V (1 − z) é inteira e periódica de perı́odo 1. De fato, U (z + 1) = l=1
V (z + 1)V (−z) = zV (z)V (−z) = V (z) zV (−z) = V (z)V (1 − z) = U (z). Logo, U é limitada em {z ∈ C| 0 ≤ Re (z) ≤ 1} 2
e, portanto, em todo C, devido à periodicidade. Pelo Teorema de Liouville, U é constante. Como U (1) = V (1)V (0) = 0,
concluı́mos que U anula-se em toda parte. É fácil concluir disso que V anula-se em toda a parte: se V (z) não se anulasse
em um aberto A ∈ C, então V (1 − z) anular-se-ia nesse aberto e, como V é inteira, isso implica que V é identicamente Prova.
m−1 m−1
Y m−1
nula. Portanto, concluı́mos que G e Γ coincidem, que é o que desejávamos estabelecer.
Y l 1 1 Y (7.65) m
sen π = eiπl/m − e−iπl/m = m−1 1 − e−2iπl/m = ,
m (2i)m−1 2 2m−1
l=1 l=1 l=1
22 Helmut Wielandt (1910–2001).
23 Vide também Reinhold Remmert, “Wielandt’s Theorem About the Γ-Function”. The American Mathematical Monthly, 103, No. 3, onde, na segunda igualdade, usamos que os fatos que 1 + 2 + · · · + m − 1 = (m − 1)m/2 e que eiπ(m−1)/2 = im−1 .
214–220 (1996).
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Proposição 7.2 Para todo m ∈ N, m ≥ 2, vale 7.5.4 A Função Gama de Euler e Equações Diferenciais. O Teorema de
m−1
Y
l
r
(2π)m−1 Hölder
Γ = , (7.67)
m m Nas seções anteriores apresentamos diversas propriedades da Função Gama de Euler, Γ, algumas das quais, como as
l=1
representações produto de Weierstrass, de Euler e de Gauss, podem ser empregadas como definições de Γ e, de fato, isso
identidade obtida por Euler em cerca de 1776. 2
é feito em alguns livros-texto. Nenhuma dessas definições, porém, apresenta Γ como solução de uma equação diferencial,
em contraste com o que ocorre com diversas outras funções, como a função exponencial, como as funções de Bessel,
Nota. Como se vê, a Fórmula de Multiplicação da função gama, relação (7.62), é uma generalização de (7.67). ♣ de Neumann, de Hermite, os Polinômios de Legendre etc. O fato é que não se conhece uma equação diferencial não
trivial24 a ser satisfeita por Γ é mesmo possı́vel demonstrar que Γ não pode ser solução de uma certa classe de equações
Qm−1
Prova da Proposição 7.2. Seja P (m) := l=1 Γ l
. Pela simples mudança de variáveis l → m − l podemos escrever diferenciais, as chamadas equações diferenciais algébricas. Esse resultado foi provado em 1887 por Hölder25 em [211] e
m
Qm−1
P (m) = l=1 Γ 1 − ml . Logo, iremos discutı́-lo no que segue.
A noção de equação diferencial algébrica foi introduzido à página 642. Recordemos: uma equação diferencial algébrica
m−1
Y m−1
l l (7.39) Y 1 (7.66) 2m−1 de ordem n é caracterizada por uma função de n+2 variáveis P (x; x0 , x1 , . . . , xn ), onde P é um polinômio nas variáveis
P (m)2 = Γ Γ 1− = π m−1 = π m−1 ,
m m sen π ml m x0 , x1 , . . . , xn e os coeficientes desse polinômio (onde encontra-se a dependência com a variável x) são funções racionais
l=1 l=1
de x, ou seja, são funções da forma p(x)/q(x), onde p e q são polinônios em x. A equação diferencial algébrica associada
o que completa a prova de (7.67). a P é
P x; y(x), y ′ (x) . . . , y (n) (x) = 0 .
Chegamos agora ao resultado que nos interessa provar:
Ela é obtida substituindo-se a variável xk por y (k) (x), k = 0, . . . , n.
Teorema 7.4 (Fórmula de Multiplicação de Gauss da Função Gama) Para cada m ∈ N vale Uma função transcendente que não é solução de nenhuma equação diferencial algébrica é dita ser uma função trans-
m−1 cendentalmente transcendente, ou uma função hipertranscendente.
mmz−1/2 Y l
Γ(mz) = p Γ z+ (7.68)
(2π)m−1 m • O Teorema de Hölder
l=0
para todo z ∈ C \ {−n/m, n ∈ N0 }. O Teorema de Hölder consiste da afirmação que a Função Gamma de Euler não é solução de nenhuma equação
diferencial algébrica, ou seja, é uma função transcendentalmente transcendente, ou uma função hipertranscendente.
Prova. Como já dissemos, no caso m = 1 não há o que provar, de modo que consideraremos m ≥ 2. Para demonstrarmos Isso se deve ao fato de que as soluções de equações diferenciais algébricas não podem satisfazer a equação funcional
(7.68), consideremos a função Γ(z + 1) = zΓ(z).
m−1
mz−1/2 Y z+l Na presente versão destas Notas não apresentaremos uma demonstração geral dessa afirmação e referências podem ser
G(z) := p Γ . (7.69)
(2π)m−1 m encontradas em [370]. A demonstração é relativamente simples e seu espı́rito pode ser capturado nos seguintes exemplos
l=0
particulares.
Em primeiro lugar, uma simples inspeção dessa fórmula leva à conclusão que G é analı́tica na região Cd := {z ∈
C| Re (z) > 0}. Exemplo 7.1 Considere-se a equação algébrica de primeira ordem e linear
Em segundo lugar, nessa região vale também G(z + 1) = zG(z), pois p(x)
y ′ (x) = y(x) , (7.70)
q(x)
z+1−1/2 m−1 m
z+1−1/2
com p, q sendo polinômios. Se a equação é satisfeita em x, deve sê-lo também em x + 1, ou seja, deve valer
m Y z+1+l m Y z+l
G(z + 1) := p Γ = p Γ
(2π)m−1 m (2π)m−1 m p(x + 1)
l=0 l=1 y ′ (x + 1) = y(x + 1) . (7.71)
q(x + 1)
" m−1 #
mΓ z+mm mz−1/2 Y z+l Vamos supor que Γ seja uma solução de uma tal equação e chegar a uma contradição.
= z
p Γ = zG(z) ,
Γ m (2π)m−1 m Como Γ(x + 1) = xΓ(x) temos Γ′ (x + 1) = xΓ′ (x) + Γ(x). Com isso, valeria por (7.71),
l=0
xp(x + 1)
sendo que a última igualdade segue do fato que mΓ z+m
m
z
= mΓ m + 1 = mm z
Γ mz
= zΓ mz
. xΓ′ (x) + Γ(x) = Γ(x) .
q(x + 1)
Em terceiro lugar,
p(x)
Se, porém, (7.70) é satisfeita por Γ, podemos eliminar Γ′ , escrevendo Γ′ (x) = q(x)
Γ(x) e obtemos
r m r m−1
Y l
m Y l Γ(1)=1 m (7.67)
G(1) = Γ = Γ = 1.
m−1 m−1 xp(x) xp(x + 1)
(2π) m (2π) m − + 1 Γ(x) = 0 (7.72)
l=1 l=1 q(x) q(x + 1)
e como Γ não se anula, temos
Em quarto lugar, dado que mz = mRe (z) eiIm (z) ln m = mRe (z) e que a desigualdade (7.10), página 355, pode ser xp(x) xp(x + 1)
aplicada a cada um dos fatores Γ de (7.69), segue que G é limitada na faixa F := {z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2}. − +1 = 0, (7.73)
q(x) q(x + 1)
Assim, pelo Teorema 7.3, página 371, concluı́mos que G = Γ em C \ {−n, n ∈ N0 }. Logo, Γ(mz) = G(mz) para todo 24 Um y ′ (z)
caso trivial seria a equação = Γ′ (z) com a condição inicial y(1) = 1, mas isso é claramente tautológico para ser tomado como
z ∈ C \ {−n/m, n ∈ N0 }, que é a relação (7.68). definição de Γ.
25 Otto Ludwig Hölder (1859–1937).
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 375/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 376/2764
p(x + 2) p(x) 1 1 ximação n! ≈ K nn+√2 e−n , sendo que K era uma constante que de Moivre não pode especificar. A contribuição de Stirling
E. 7.8 Exercı́cio. O estudante poderá divertir-se calculando a aproximação fornecida por (7.80) para alguns valores de n, usando
Exemplo 7.2 Considere-se a equação algébrica de segunda ordem e linear uma calculadora de bolso, por exemplo, e constatando que o erro relativo percentual melhora quando n aumenta. 6
p(x)
y ′′ (x) + y(x) = 0 , (7.77)
q(x) Mais adiante (vide página 383) encontraremos aproximações para n! ainda melhores que a de Stirling. Por exemplo,
√ 1 1 √ 1 1
com p, q sendo polinômios. Se a equação é satisfeita em x, deve sê-lo também em x + 1, ou seja, deve valer An := 2π nn+ 2 e−n+ 12n+1 e Bn := 2π nn+ 2 e−n+ 12n (7.84)
p(x + 1) satisfazem An < n! < Bn para todo n ∈ N e ambos aproximam n! com um erro relativo percentual menor que 0,7
y ′′ (x + 1) + y(x + 1) = 0 . (7.78) n2 % para
q(x + 1) n ∈ N, o que corresponde a um erro relativo percentual menor que 0, 7% para n = 1, menor que 0, 02% para n = 6 e
Vamos supor que Γ seja uma solução de uma tal equação. Como Γ(x + 1) = xΓ(x) temos Γ′ (x + 1) = xΓ′ (x) + Γ(x) e Γ′′ (x + 1) = menor que 0, 004% para n = 13. Para n = 6, por exemplo, An fornece a aproximação 6! ≈ 719, 8722, com um erro relativo
xΓ′′ (x) + 2Γ′ (x). Com isso, valeria por (7.78), percentual de 0, 018% e Bn fornece a aproximação 6! ≈ 720, 00089 . . ., com um erro relativo percentual de 1 · 10−4 % (!).
A aproximação de n! por An e Bn é um resultado relativamente recente (de 1955), obtido por Robbins29 .
xp(x + 1)
xΓ′′ (x) + 2Γ′ (x) + Γ(x) = 0 .
q(x + 1) A aproximação de Stirling pode ser apresentada em forma exata como
√ 1
′′
Se, porém, (7.77) é satisfeita, podemos eliminar Γ , escrevendo Γ (x) = ′′
− p(x) Γ(x)
e obtemos n! = 2π nn+ 2 e−n eµn , n∈N, (7.85)
q(x)
x p(x) p(x + 1)
com a sequência µn satisfazendo limn→∞ µn = 0. Em diversos problemas é de interesse conhecer-se as correções à
′
Γ (x) = − Γ(x) . (7.79) Aproximação de Stirling (7.80) codificadas acima na sequência µn . Será um dos propósitos nossos na corrente seção
2 q(x) q(x + 1)
apresentar expressões para tais correções.
Isso é novamente uma equação como (7.70), do Exemplo 7.1, pois o coeficiente que multiplica Γ(x) é também a razão de dois
Na corrente seção obteremos uma relação ainda mais geral que (7.80), a saber, obteremos a chamada aproximação de
polinômios. Isso mostra que equações como (7.77) também não podem ter Γ como solução. ◊
Stirling para a função gama: √ 1
Γ(z) = 2π z z− 2 e−z eµ(z) , (7.86)
válida para todo z ∈ Cc := C\{w ∈ C| Re (w) ≤ 0 e Im (w) = 0} (o plano complexo menos a semirreta real não-positiva),
7.6 A Aproximação de Stirling e suas Correções sendo que a função µ(z), acima30 , pode ser expressa de diversas formas como, por exemplo,
∞
Nesta seção estudaremos o comportamento assintótico de n! para n “grande” e da função gama de Euler Γ(z) para |z| X 1 1
µ(z) = z+m+ ln 1 + −1 , (7.87)
“grande” em um certo domı́nio. Em ambos os casos obteremos a chamada aproximação de Stirling26 , importante em m=0
2 z + m
áreas como a Teoria de Probabilidade, Estatı́stica, Mecânica Quântica, Mecânica Estatı́stica etc., e estudaremos suas 27 Abraham de Moivre (1677–1754).
correções. √ 1
28 O valor absoluto não é necessário em (7.83) pois, como veremos, para cada n ∈ N vale n! > 2π nn+ 2 e−n .
No caso de fatoriais, a aproximação de Stirling é a aproximação 29 Herbert Ellis Robbins (1915–2001). Vide H. Robbins, “A Remark on Stirling’s Formula”, American Mathematical Monthly, 62, 26–29
√ (1955). Esse resultado pode também ser encontrado em [132], que cita Robbins. Robbins é um dos autores de [99].
1
n! ≈ 2π nn+ 2 e−n (7.80) 30 A função µ que ocorre em (7.86) é por vezes denominada função de Binet, em honra a Jacques Philippe Marie Binet (1786–1856), que foi
o primeiro a obter correções à aproximação de Stirling, em 1839. O trabalho original de Binet sobre o tema é: M. J. Binet, “Mémoire sur les
26 James Stirling (1692–1770). intégrales définies Eulériennes”, Journ. de l’École Roy. Polyt. 16, 123–343 (1839).
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também para z ∈ Cc . Em textos como [370] o leitor poderá encontrar diversas outras expressões para µ(z), válidas Tomando-se b = a + 1 temos para todo a > 0 que
em diversas regiões. A série do lado direito de (7.87) é denominada série de Gudermann31 , tendo sido obtida por esse Z a+1
matemático em 184532 . Demonstraremos que lim |µ(z)| = 0, ou seja, que ln a < ln x dx < ln(a + 1)
|z|→∞
z∈Cc a
Verifique! Resumindo, temos para todo n ∈ N n ln(n) − n < ln(n!) < (n + 1) ln(n + 1) − n ,
∞ ! ou
√ 1
X 1 1
n! = 2π nn+ 2 e−n exp n+m+ ln 1 + −1 n ln(n) < ln(n!) + n < (n + 1) ln(n + 1) .
m=0
2 n+m
Essas desigualdades sugerem que estudemos a diferença entre ln(n!) + n e o valor médio entre n ln(n) e (n + 1) ln(n + 1),
∞ ! o qual é dado por
√ 1
X 1 1
= 2π nn+ 2 e−n exp m+ ln 1 + −1 , (7.89) n+1 ! n+1 !
2 m 1 1 1 1 1 1
m=n ln nn (n + 1)n+1 = ln n2n+1 1 + = n+ ln(n) + ln 1+ .
2 2 n 2 2 n
e temos para todo z ∈ Cc
! n+1
√ 1
X∞
1
1
Para n “grande”, 1 + n1 aproxima-se de e, de 1
modo que o valor médio acima aproxima-se de n + 2 ln(n) + 1/2
Γ(z) = 2π z z− 2 e−z exp z+m+ ln 1 + −1 . (7.90) que, por sua vez, pode ser aproximado por n + 21 ln(n) para n “grande”.
m=0
2 z + m
Estudemos, então, a convergência da sequência
Essas últimas expressões representam as aproximações de Stirling exatas para n! e para a função gama de Euler, ou seja,
incluindo correções. 1
Sn = ln(n!) + n − n + ln(n) ,
2
7.6.1 A Aproximação de Stirling para Fatoriais e suas Correções. A Série o que faremos no que segue.
Nesta seção apresentaremos a demonstração tradicional da aproximação de Stirling para n! quando n é “grande”. Ela é Para demonstrarmos a convergência da sequência Sn procederemos da seguinte forma. É elementar constatar que
próxima da demonstração histórica de de Moivre e de Stirling. 1
!
1 n+1 1 1 + 2n+1
Sn − Sn+1 = n + ln − 1 = (2n + 1) ln 1 −1.
• Algumas sugestões preliminares 2 n 2 1 − 2n+1
A função ln x é crescente no intervalo (0, ∞) e, portanto, vale para todos a e b com 0 < a < b < ∞ a desigualdade ∞
X z k+1
Z b Sabemos que a série de Taylor da função ln(1 + z) centrada em 0 é (−1)k , a qual converge na região |z| < 1.
k+1
(b − a) ln a < ln x dx < (b − a) ln b . k=0
a
Assim, na mesma região teremos
∞
31 Christoph 1 1+z X z 2k+1
Gudermann (1798–1852). R ln = . (7.92)
32 C. Gudermann, “Additamentum ad functionis Γ(a) = ∞ e−x xa−1 dx theoriam”. Journ. reine angew. Math. 29, 209–212 (1845).
0
2 1−z 2k + 1
k=0
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Como 1/(2n + 1) < 1, obtemos, tomando z = 1/(2n + 1) que • Correções à aproximação de Stirling para fatoriais. A série de Gudermann
∞ ∞ Sob a luz da aproximação de Stirling, é natural considerarmos escrever
X 1 X 1
Sn − Sn+1 = −1 = . √ 1
k=0
(2k + 1)(2n + 1)2k
k=1
(2k + 1)(2n + 1)2k n! = 2π nn+ 2 e−n eµn
com o fator de correção eµn introduzido ad hoc para tornar a igualdade verdadeira34 para todo n ∈ N. Naturalmente,
Há duas conclusões a se extrair dessa igualdade. A primeira é que, como evidentemente o lado direito é positivo, devido a (7.94), temos limn→∞ µn = 0. Dividindo-se a expressão para (n + 1)! pela expressão para n!, obtemos
tem-se Sn > Sn+1 para todo n, o que nos informa que Sn é uma sequência decrescente.
n+ 21
A segunda conclusão nasce da observação que 1
n + 1 = (n + 1) 1 + eµn+1 −µn −1
∞ ∞ 1 n
X 1 1X 1 1 (2n+1)2 1 1 1
Sn − Sn+1 = < = 1 = − . e, portanto,
(2k + 1)(2n + 1)2k 3 (2n + 1)2k 3 1 − (2n+1) 12 n n+1
k=1 k=1 2
1 1
µn+1 − µn = 1 − n + ln 1 + .
2 n
1 1 1 1 1 1
Verifique! É evidente, portanto, que Sn − 12 n < Sn+1 − 12 n+1 , e concluı́mos que a sequência Sn − 12 n é uma
Assim, para todo m ∈ N vale
sequência crescente.
1 1 1 1 m−1
X
Logo, para n0 fixo, vale para todo n > n0 que Sn0 − < Sn − < Sn . Assim, a sequência Sn , n > n0 , é 1 1
12 n0 12 n µn+m − µn = 1− n+k+ ln 1 +
limitada inferiormente e, como trata-se de uma sequência decrescente, a mesma converge a um número C ∈ R. 2 n+k
k=0
1
Logo, lim ln(n!) + n − n + ln(n) = C, o que equivale a dizer que e como limm→∞ µn+m = 0, obtemos
n→∞ 2
∞
n!
X 1 1
lim = eC . (7.93) µn = n+k+ ln 1 + −1 (7.95)
1 2 n+k
n→∞ nn+ 2 e−n k=0
Esse foi o resultado obtido originalmente por de Moivre. Temos agora que estabelecer qual o valor de C. que podemos também expressar como
∞
• A determinação da constante C
X 1 1
µn = k+ ln 1 + −1 . (7.96)
√ 2 k
A contribuição de Stirling à demonstração da aproximação de Stirling foi provar que eC = 2π, o que pode ser feito k=n
33
com o seguinte procedimento. De acordo com a fórmula do produto de Wallis na forma (6.37), página 334, temos Essa série é denominada série de Gudermann35 e sua extensão ao plano complexo será estudada com detalhe na Seção
7.6.2 (inclusive sua convergência). Com a mesma, justificamos escrever a expressão exata (7.89) para n!, com n ∈ N.
r 1
!2
π (6.37) 22n (n!)2 1 22n (n!)2 nn+ 2 e−n 1 E. 7.10 Exercı́cio. Verifique que se considerarmos apenas o primeiro termo da série (7.96), obtemos a aproximação
= lim √ = lim p √
2 n→∞ (2n)! 2n + 1 n→∞ (2n)! n n+ 12 e−n (2n + 1) 1
n! ≈ 2π (n + 1)n+ 2 e−(n+1) . (7.97)
2 2 n+ 1
1/2 1/2 2 36
n! n! Usando o fato que para n “grande” podemos aproximar e ≈ 1+ n+ 1
, obtenha também
1 r 2n eC
2
nn+1/2 e−n 1 nn+1/2 e−n
(7.93)
= lim p = lim = , √ 1 n+ 12
n+
n→∞ (2n)! (2n + 1) n→∞ 2 (2n)! 2n + 1 2 2
n! ≈ 2π . (7.98)
22n n2n+1 e−2n (2n)2n+1/2 e−2n e
√ As duas últimas aproximações para n! são ligeiramente melhores que a de Stirling, mesmo para n “pequeno”. Para n = 0, por
o que implica eC = 2π.
exemplo, Stirling fornece 0! ≈ 0 (um erro relativo de 100%), enquanto que (7.97) fornece 0! ≈ 0, 9221 (um erro relativo de 7, 8%) e
E. 7.9 Exercı́cio. Verifique cada uma das passagens acima. 6 (7.98) fornece 0! ≈ 1, 0750 (um erro relativo de 7, 5%). Para n = 1, Stirling fornece 1! ≈ 0, 921 (um erro relativo de 7, 8%), enquanto
que (7.97) fornece 1! ≈ 0, 975 (um erro relativo de 2, 5%) e (7.98) fornece 1! ≈ 1, 0252 (um erro relativo de 2, 5%). Verifique! 6
1 d 1
Isso pode ser constatado calculando-se diretamente a integral do lado direito, usando o fato que (n+k+t)2 = − dt n+k+t e Tendo (7.101) em mente e usando que 2a + 1 ≥ 3 para a ≥ 1, obtemos pela soma de uma progressão geométrica
integração por partes. Assim, infinita,
∞ Z
X 1 1 t(1 − t) ∞ ∞
µn = dt . X 1 1 1X 1 1 1 1 1 1
2 0 (n + k + t)2 < = = − .
k=0
a=1
2a + 1 2(n + k) + 1 2a 3 a=1 2(n + k) + 1 2a 3 2(n + k) + 1 2 − 1 12 n+k n+k+1
Com as mudanças de variáveis t → t + k, temos
∞ Z k+1
Assim,
X 1 (t − k) 1 − (t − k) 1 X
∞
1 1
1
µn = dt . (7.99) µn < − = .
2 k (n + t)2 12 n+k n+k+1 12n
k=0
k=0
É natural agora introduzirmos a função Q : R → R, definida como sendo a função contı́nua e periódica de perı́odo 1 que Tomando-se apenas os termos com a = 1 em (7.101), teremos também
no intervalo [0, 1) é dada por
1 1X
∞
1 1 X 1
∞
1
Z ∞
1 1
Q(t) = t(1 − t) . µn >
2 2 = 2 > 2 dx = .
3 2(n + k) + 1 12 n + 1
+ k 12 0 n+ 1
+x 12n + 6
k=0 k=0 2 2
Vide Figura 7.4, página 384. Para cada intervalo [k, k + 1), k ∈ N0 , teremos, devido à periodicidade,
1 A referência listada na nota-de-rodapé 37, página 381, atribui esse simples resultado a Uspensky38 , em 1937.
Q(t) = (t − k) 1 − (t − k) .
2 Em resumo, vale, portanto,
1 1
Com essa função, e devido a (7.99), podemos escrever < µn < (7.102)
12n + 6 12n
∞ Z k+1
X Q(t)
Z ∞
Q(t) para cada n ∈ N e temos √ √
1 1 1 1
µn = dt = dt . (7.100) 2π nn+ 2 e−n e 12n+6 < n! < 2π nn+ 2 e−n e 12n (7.103)
k (n + t)2 0 (n + t)2
k=0
para cada n ∈ N.
Assim, temos também
√ 1
Z ∞
Q(t)
A primeira das majorações em (7.102) pode ser melhorada da seguinte forma39 . Tendo em mente (7.101), podemos
n! = 2π nn+ 2 e−n exp dt . escrever a somatória em a como
0 (n + t)2
∞ ∞
!a
Essas últimas expressões motivam nosso ponto de partida para a extensão complexa da fórmula de Stirling e da série
X 1 1 X 1 1
2a > 2 = 2
de Gudermann que faremos na Seção 7.6.2, a seguir. a=1
2a + 1 2p + 1 a=1 3 2p + 1 3 2p + 1 − 1
A expressão (7.100) tem o mérito de explicitar que µn > 0 para todo n e, portanto, tem-se para cada n a desigualdade
sendo p ≡ n + k, onde usamos o fato que 2a + 1 ≤ 3a para todo a ∈ N (o que pode ser facilmente provado, por exemplo,
√ 1 por indução. Faça-o!) e usamos a expressão da soma de uma progressão geométrica infinita. Agora, como n ≥ 1, tem-se
n! > 2π nn+ 2 e−n ,
p ≥ 1 e, com isso,
√ 1
indicando que a aproximação de Stirling 2π nn+ 2 e−n aproxima n! “por baixo”.
2 1 1 1
• Outra representação útil de µn 3 2p + 1 − 1 = 12 p2 + p + = 12 p2 + 1 + p + (1 − p)
6 6 6
1
Tomando y ≡ 2(n+k)+1 podemos escrever (verifique!)
p≥1 1 1 1 1 1 1
1
1
1
1+y
X∞
y 2a ≤ 12 p2 + 1 + p ≤ 12 p2 + 1 + p+ + = 12 p + 1 + p+ .
n+k+ ln 1 + −1 = ln −1
(7.92)
= . 6 6 12 122 12 12
2 n+k 2y 1−y a=1
2a +1
Portanto,
Assim, por (7.95), 1 1 1 1 1 1
∞ X
∞ 2 > 1
1
= 1 − 1 .
X 1 1 3 2p + 1 −1 12 p + 1 + 12 p+ 12
12 p + 12 p+1+ 12
µn = . (7.101)
2a + 1 2(n + k) + 1 2a Assim, por (7.101), teremos
k=0 a=1
A expressão (7.101) é ponto de partida, inclusive em trabalhos recentes37 , para a obtenção de majorantes e minorantes ∞
1 X 1 1 1 1 1
para µn . No que segue apresentaremos algumas das estimativas mais simples desse tipo. µn > 1 − 1 = 1 = 12n + 1 .
12 n+k+ 12 n+k+1+ 12
12 n + 12
k=0
• Majorantes e minorantes para µn
Portanto, vale
Como já dissemos, é evidente por (7.100) que µn > 0 para todo n. Como Q(t) ≤ 1/8, segue facilmente também de 1 1
R ∞ Q(t) R
1 ∞
(7.100) que µn < 8n1
para todo n ≥ 1, pois µn = 0 (n+t) 2 dt < 8
1 1 < µn < (7.104)
0 (n+t)2 dt = 8n . Essas estimativas podem ser um 12n + 1 12n
tanto incrementadas, como veremos. 38 James Victor Uspensky (1883–1947).
37 Vide M. Mansour “Note on Stirling’s Formula”, International Mathematical Forum 4, no. 31, 1529–1534 (2009). Uma lista de resultados 39 Para a referência original, vide nota-de-rodapé 29, página 376. Outra demonstração pode também ser encontrado em [132], que cita
históricos para majorantes e minorantes de µn e referências a seus trabalhos originais pode ser encontrada nesse trabalho. Robbins.
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para cada n ∈ N e temos √ √ com Q : R → R sendo a função contı́nua e periódica de perı́odo 1 que no intervalo [0, 1) é dada por
1 1 1 1
2π nn+ 2 e−n e 12n+1 < n! < 2π nn+ 2 e−n e 12n (7.105) 1
Q(t) = t(1 − t) .
para cada n ∈ N, majorações essas mais precisas que (7.102)–(7.103). Como dissemos, esses limitantes ainda podem ser 2
melhorados e há uma extensa literatura sobre tal assunto. Vide Figura 7.4, página 384. A função µ é analı́tica em todo Cc e, escrevendo-se z ∈ Cc na forma polar z = |z|eiϕ com
|z| > 0 e −π < ϕ < π, valem as seguintes estimativas:
• Outros aproximantes para n!
1 ϕ
1
Contemplando (7.105), observamos que como 12n 1
é próximo a 12n+1 para n ≥ 1, as expressões à direita e à esquerda |µ(z)| ≤ . (7.108)
8|z| senϕ
de (7.105) devem também aproximar n!. O próximo exercı́cio demonstra isso e mostra que essas aproximações são
ϕ 1 1 1
excelentes, mesmo para valores pequenos de n. Para −π < ϕ < π vale senϕ ≤ cos2 (ϕ/2) . Portanto, tem-se também de (7.108) que |µ(z)| ≤ 8|z| cos2 (ϕ/2) . 2
√ 1
n+ 2 1 √ n+ 1 1
E. 7.11 Exercı́cio. Sejam An := 2π n e−n e e Bn := 2π n
12n+1 e−n e , n ∈ N. Por (7.105) vale An < n! < Bn e
2 12n
podemos considerar os erros relativos obtidos ao se aproximar n! por An ou por Bn , os quais são dados por Prova do Teorema 7.5. (Aqui seguimos proximamente [370]). Para z ∈ Cc , defina-se
√ √
n! − An An An 1 1 −1 1 1
An :=
n!
= 1−
n!
< 1−
Bn
= 1 − exp
12n + 1
−
12n
= 1 − exp
144n2 + 12n
, S(z) := 2π exp z− ln z − z = 2πz z− 2 e−z .
2
1 1 0, 00694 . . . Q
0 < An < < =
144n2 + 12n 144n2 n2
eA −1
para todo n ∈ N. Se A > 0, prove que para x ∈ [0, A] vale ex − 1 ≤ A
x e com isso obtenha 1/8
1/156
13 e1/156 − 1
13 e −1 0, 00696 . . .
0 < Bn < < = −1 0 1 2 3 4 t
12n2 + n 12n2 n2
para todo n ∈ N.
Assim, o erro relativo percentual dos aproximantes à esquerda e à direita de (7.105) pode ser majorado por ≈ 0, 7n−2 % para cada Figura 7.4: O gráfico de Q(t), periódica de perı́odo 1 e que vale t(1 − t)/2 no intervalo [0, 1).
n ∈ N, decaindo rapidamente, portanto, para n → ∞. Mesmo para n = 1 o erro relativo percentual desses aproximantes é inferior a
0, 7 %. Compare com os números obtidos no Exercı́cio E. 7.10, página 380. 6
agora, para z ∈ Cc , a função Z ∞
Q(t)
µ(z) := dt . (7.110)
0 (z + t)2
7.6.2 A Aproximação de Stirling para a Função Gama e suas Correções. Afirmamos que µ é analı́tica em todo Cc . De fato, |Q(t)| ≤ 1/8 para todo o t e se z = x + iy ∈ Cc com x e y reais, tem-se
A Série de Gudermann Q(t) 1 1
≤ (7.111)
(z + t)2 8 (x + t)2 + y 2
• A Aproximação de Stirling para Γ(z) e suas correções e disso se conclui que a integral do lado direito em (7.110) converge uniformemente para z em compactos de Cc . Agora,
Q(t)
Vamos agora enunciar e demonstrar o resultado principal da presente seção: a Aproximação de Stirling com suas para cada t ∈ (0, ∞) a função (z+t) 2 é, evidentemente, analı́tica como função de z para z ∈ Cc . Logo, µ(z) é analı́tica
correções para a função gama de Euler em Cc . Como veremos, a demonstração evoca mais uma vez o Teorema de em todo Cc .
Unicidade de Wielandt, Teorema 7.3, página 371.
O ponto crucial é constatarmos agora que para cada z ∈ C vale
Teorema 7.5 Para todo z ∈ Cc := C \ {w ∈ C| Re (w) ≤ 0 e Im (w) = 0} (o plano complexo menos a semirreta real
não-positiva) vale Z ∞ Z ∞ Z 1
√
√ Q(t) Q(t) Q(t)
1 1 µ(z + 1) − µ(z) = dt − dt = − dt
Γ(z) = 2π exp z− ln z − z eµ(z) = 2πz z− 2 e−z eµ(z) , (7.106) 0 (z + 1 + t)2 0 (z + t)2 0 (z + t)2
2
onde Z ∞
Z 1
Q′ (t)
Z 1 1
−t
1
z+1
Q(t) integ. por partes
= − dt = − 2
dt = − z + ln + 1 . (7.112)
µ(z) := dt , (7.107) z+t z+t 2 z
0 (z + t)2 0 0
40 Thomas Joannes Stieltjes (1856–1894).
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Verifique! Dessa forma, se definirmos para z ∈ Cc a função Tomando agora z = x, real e positivo, podemos escrever
x
G(z) := S(z)eµ(z) 1 1 1
G(1) = √ 1 + exp µ(x) + µ x + − µ(2x) . (7.113)
e 2x 2
teremos por (7.109) e (7.112) que
G(z + 1) = zG(z) .
1 x √
É de se observar agora que limx→∞ 1 + 2x = e (um resultado bem conhecido) e que limx→∞ µ(x) = 0. Isso segue
do fato que, como Q(t) ≤ 1/8, temos
E. 7.12 Exercı́cio importante. Verifique! 6 Z ∞ Z Z
Q(t) 1 ∞ 1 1 ∞ 1 1
µ(x) = 2
≤ 2
= = .
Evocando o Teorema de Wielandt, Teorema 7.3, página 371, tudo o que nos resta para provar que Γ = G em todo 0 (x + t) 8 0 (x + t) 8 x t2 8x
Cc é demonstrar que G é limitada na faixa F := {z ∈ C| 1 ≤ Re (z) < 2} e que G(1) = 1.
Assim, tomando o limite x → ∞ em (7.113), obtemos G(1) = 1, estabelecendo (7.106)–(7.107).
µ(z)
No retângulo F ∩ z ∈ C| − 1 ≤ Im (z) > 1 tanto S(z) quanto e são limitadas por serem analı́ticas nessa região.
Vamos agora demonstrar a estimativa (7.108). Escrevendo z ∈ Cc na forma polar z = |z|eiϕ , com |z| > 0 e
Consideremos, então, a região R := F ∩ z ∈ C Im (z) ≥ 1 . Nela temos, por (7.111),
−π < ϕ < π, tem-se a seguinte majoração:
Q(t) 1 1 Z
≤ 1 ∞ 1
(z + t)2 8 (1 + t)2 + 1 |µ(z)| ≤ dt . (7.114)
8 0 (|z| cos ϕ + t)2 + |z|2 sen2 ϕ
1
R∞ 1
(lembrar que |y| > 1 e x ≥ 1 em R) e, portanto, |µ(z)| ≤ (1+t)2 +1 dt < ∞ para todo z ∈ R. Assim, µ é limitada em Z ∞
8 0 dt arctan(b/a) b
F e, portanto, e µ(z)
também o é. Quanto ao fator S(z), temos o seguinte. Vale É fácil provar que = (prove isso com a mudança de variáveis t → r ≡ a+t ). Com uso
0 (a + t)2 + b2 b
1 ϕ
√
1
√
1
disso, segue facilmente que |µ(z)| ≤ 8|z| senϕ , estabelecendo (7.108).
|S(z)| = 2π exp z− ln z − z ≤ 2π exp Re z− ln z − Re (z) .
2 2
p
Para z = x + iy = x2 + y 2 eiϕ com ϕ = arctan xy , sendo −π < ϕ < π, temos • A série de Gudermann
p A expressão (7.107) pode ser reescrita de forma mais explı́cita como
1 1
Re z− ln z = x − ln( x2 + y 2 ) − yϕ . Z ∞ Z m+1 ∞ Z
2 2 ∞
Q(t) X Q(t) X 1 1 t(1 − t)
µ(z) := dt = dt = dt .
Verifique! Por considerações puramente geométricas é fácil ver que na região R tem-se para y > 1 que ϕ > ϕ0 , onde 0 (z + t)2 m=0 m
(z + t)2
m=0
2 0 (z + t + m)
2
≡ arctan(1/2) > 0 e para y < −1 que ϕ < −ϕ0 . Assim, −yϕ ≤ −|y|ϕ0 em toda a região R. Logo, em R vale
Note-se que a convergência da série do lado direito para cada z ∈ Cc é evidente, pois 21 t(1 − t) ≤ 1/8 e os termos 1
(z+t+m)2
1 3 p comportam-se como ≈ m−2 para m grande. Como (z+t+m) 1 d 1
Re z− ln z ≤ ln 4 + y 2 − |y|ϕ0 2 = − dt z+t+m , integração por partes fornece
2 2
Z 1 Z 1
e, portanto, 1 t(1 − t) 1 1 − 2t 1 1
dt = dt = z+m+ ln 1 + −1.
|S(z)| ≤ (4 + y 2 )3/4 e−|y|ϕ0 2 0 (z + t + m)2 2 0 z+t+m 2 z+m
que, claramente, é uma função limitada em R, convergindo a zero quando |y| → ∞. Verifique! Com isso, obtemos para todo z ∈ Cc
Estabelecemos que S(z), eµ(z) e, portanto, G(z) são limitadas em F . Resta-nos provar que G(1) = 1. Como G(1) ∞
é certamente positivo, os resultados obtidos até aqui já garantem que G(z)/G(1) = Γ(z) para todo z ∈ Cc . Logo, a
X 1 1
µ(z) = z+m+ ln 1 + −1 . (7.115)
fórmula de duplicação (7.53) garante-nos que m=0
2 z+m
22z−1 G(z)G z + 21 Essa é série de Gudermann41 (7.87). Como comentado acima, a série de Gudermann é convergente para cada z ∈ Cc .
G(1) = √
π G(2z) É muito fácil constatar (faça-o!) que a convergência é uniforme em compactos de Cc , o que implica que a série do lado
direito de (7.115) é também analı́tica em todo Cc . Com (7.115) ficam justificadas as expressões (7.89) e (7.90).
(verifique!) para todo z ∈ Cc , ou seja,
1
E. 7.13 Exercı́cio. Considere-se a função real P1 (t) definida em todo R, periódica de perı́odo 1 e de sorte que no intervalo [0, 1)
22z−1 S(z)S z + 2 1 tenhamos
G(1) = √ exp µ(z) + µ z + − µ(2z) . 1
π S(2z) 2 . P1 (t) = t −
2
Um cálculo explı́cito usando a definição de S mostra que Constate que P1 (t) = −Q′ (t) em cada intervalo (m, m + 1), m ∈ Z, e, usando integração por partes, mostre que
r Z ∞ Z ∞
S(z)S z + 12 π −2z+1 1 µ(z) :=
Q(t)
dt = −
P1 (t)
dt (7.116)
= 2 exp z ln 1 + (z + t)2 z+t
S(2z) e 2z 0 0
para todo z ∈ Cc . Como discutido em certos textos (veja, e.g., [370]) essa expressão é o ponto de partida para a obtenção de uma série
(verifique!) e, portanto,
assintótica (não convergente!) para µ(z) em termos de potências de 1/z, denominada série de Stirling, da qual não trataremos aqui. 6
1 1 1
G(1) = √ exp z ln 1 + exp µ(z) + µ z + − µ(2z) . 41 Christoph Gudermann (1798–1852).
e 2z 2
JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 387/2764 JCABarata. Notas de Aula. Versão de 28 de junho de 2023. Capı́tulo 7 388/2764
Alguns dos exercı́cios que seguem exibem propriedades especiais da função gama de Euler. Outros ilustram o uso da E. 7.19 Exercı́cio. Mostre usando a aproximação de Stirling (7.88) e/ou (7.106) que, com x e y reais e |y| → ∞, vale a aproximação
função gama de Euler (e, em menor grau, da função zeta de Riemann) no cálculo de integrais definidas que dificilmente √
seriam computadas por outros meios. Γ(x + iy) ≈ 2π |y|x−1/2 e−π|y|/2 , (7.119)
E. 7.14 Exercı́cio. Prove as identidades uniformemente para x em compactos de R. Constate que essa aproximação é perfeitamente compatı́vel com os resultados do Exercı́cio
E. 7.17, página 387. 6
2n n! = (2n)!! , (2n)! = (2n)!! (2n − 1)!! ,
n ∈ N. 6
E. 7.20 Exercı́cio. Mostre usando a aproximação de Stirling (7.88) e/ou (7.106) que, com x e y reais e x → +∞, valem as
aproximações
√ (x− 1 )/2 −x−y arctan( y ) √ 1
E. 7.15 Exercı́cio. Prove as identidades Γ(x + iy) ≈ 2π x2 + y 2 2
e x ≈ 2π xx− 2 e−x , (7.120)
√ (2n − 1)!! uniformemente para y em compactos de R. O que se pode afirmar sobre o caso x → −∞? Usando (7.117) e (7.120), obtenha para
Γ(n + 1/2) = π , n∈N,
2n x < 0 a aproximação
−(|x|+ 1 )/2 |x|+y arctan( y )
√ 2n √ x2 + y 2 2
e |x| √
1
|x|−|x|− 2 e|x|
Γ(1/2 − n) = (−1)n π , n∈N, Γ(x + iy) ≈ π ≈ π 1/2 , (7.121)
(2n − 1)!! 1/2
cosh(2πy) − cos(2πx) cosh(2πy) − cos(2πx)
−n
Γ(n + 1/3) = 3 (3n − 2)!!! Γ(1/3) , n∈N,
com y ∈ R, fixo, e x → −∞. Essa aproximação não é uniforme em y. Observe que o denominador anula-se se e somente se y = 0 e x
−n
for um inteiro negativo (o que é compatı́vel com a localização dos polos da função gama).
Γ(n + 2/3) = 3 (3n − 1)!!! Γ(2/3) , n∈N.
De (7.120) segue que Γ(x + iy) diverge para x → +∞ para todo y ∈ R. Em contraste, segue de (7.121) que para todo y =
6 0
Sugestão: use Γ(z + 1) = zΓ(z) e indução. 6 tem-se lim Γ(x + iy) = 0 não uniformemente em y. 6
x→−∞
e identifique os valores complexos de r, s e t para os quais a mesma é válida. Sugestão: Use a representação produto de Weierstrass
E. 7.17 Exercı́cio. Usando (7.11) e o fato que Γ(z) = Γ(z), prove que para todo y ∈ R, y 6= 0, vale (7.27) ou a representação produto de Euler (7.32).
2 π Usando (7.122), demonstre que
Γ(iy) = 2
y senh(πy) Γ(r) ∞
Y it
2
2 = 1+ (7.123)
e usando (7.40), prove que para todo y ∈ R vale Γ(r + it) k+r
k=0
2
1 π para todos r ∈ C e t ∈ R. 6
Γ + iy = .
2 cosh(πy)
Mostre também que
2 πy * *** *
Γ(1 + iy) =
senh(πy)
para todo y ∈ R.
2
A função gama de Euler é útil também por permitir determinar certas integrais definidas. Os exercı́cios a seguir
Obtenha expressões exatas para |Γ(n + iy)|2 e para Γ n + 1
2
+ iy , n ∈ N. 6 ilustram isso.
−π
E. 7.22 Exercı́cio. Demonstre que, para 0 < Re (z) < 1, tem-se
E. 7.18 Exercı́cio. Para z ∈ C \ Z, é imediato da relação Γ(z)Γ(−z) = z sen(πz)
(vide (7.11)) que
π 1 ∞
tz−1 uz−1
Z Z Z
2 π
2 2 π2 2 (tan θ)2z−1 dθ = dt = du = . (7.124)
Γ(z) Γ(−z) = 2
. (7.117) 0 0 (1 − t)z 0 1+u sen(πz)
|z|2 sen(πz)
Γ(z)Γ(1−z)
Escrevendo z = x + iy, com x, y ∈ R, mostre que (7.117) pode ser escrita de forma mais explı́cita como Sugestão: constate que, por (7.34), (7.35) e (7.36), cada uma das integrais acima é igual a B(z, 1 − z) = Γ(1)
e use (7.39). 6
E. 7.27 Exercı́cio dirigido. Este exercı́cio faz uso da função Beta e suas propriedades e de métodos de integração complexa para a
obtenção de um resultado não-elementar: para todos α, β ∈ C com Re (β) > −1 vale Figura 7.5: A curva Cr ⊂ C, orientada no sentido anti-horário e fechada.
sen π2 (β − α)
Z π/2
β α−β
cos θ cos αθ dθ = − B , β+1 (7.126)
0 2β+1 2
2. Mostre que para Re (α) > Re (β) vale
π 1 Z
1
β
= α+β+2 β−α
(7.127) lim z α−1 z + dz = 0 .
2β (β − α) B
2
, 2 r→0 A2 z
3. Mostre que para Re (β) > −1 valem
π 1
= α+β+2 β−α+2
. (7.128)
2β+1 (β + 1) B 2
, 2
Z
1
β Z
1
β
lim z α−1 z + dz = 0 e lim z α−1 z + dz = 0 . (7.129)
As relações (7.126)–(7.128) serão provadas abaixo na região α, β ∈ C com |Re (α)| > Re (β) > −1. No entanto, contemplando r→0 A
1
z r→0 A3 z
(7.126)–(7.128), é fácil constatar que apenas a restrição Re (β) > −1 é relevante para a existência da integral do lado esquerdo.
4. Mostre que
A igualdade entre a integral do lado esquerdo e (7.128) é o conteúdo de um exercı́cio de [485], cuja resolução delineamos nos passos Z
1
β Z ϕ
β
z α−1 z + dz = 2β i
abaixo, seguindo as sugestões daquele texto, as quais parecem remontar a Cauchy42 . cos θ cos αθ dθ ,
A0 z −ϕ
1. Para 0 < r < 1/2, seja Cr o caminho no plano complexo, fechado e orientado no sentido anti-horário, indicado na Figura 7.5, onde o ângulo ϕ é indicado na Figura 7.6, página 391. Conclua que
página 390. Nessa figura, A0 é um arco de cı́rculo de raio 1 centrado em 0: A0 = {eiθ ∈ C, −ϕ ≤ θ ≤ ϕ}, onde ϕ ∈ (0, π/2) é o Z β Z π/2 Z π/2
ângulo indicado na Figura 7.6, página 391. A1 , A2 e A3 são arcos de cı́rculo de raio r centrados em i, 0 e −i, respectivamente. O 1 β β
z α−1 z + dz = 2β i cos θ cos αθ dθ = 2β+1 i
lim cos θ cos αθ dθ .
arco A0 encontra o arco A1 no ponto indicado por p nas Figuras 7.5 e 7.6 e encontra o arco A3 no ponto indicado por q nas mesmas r→0 A
0
z −π/2 0
figuras. I1 e I2 são os intervalos do eixo imaginário dados por I1 = {iy ∈ C, r ≤ y ≤ 1 − r} e I2 = {iy ∈ C, −1 + r ≤ y ≤ −r}.
5. Mostre que
Para α e β ∈ C seja a função
β β π π
1 e−i 2 (β−α) 1 (α−β)/2−1 e−i 2 (β−α)
Z Z
F (z) := z α−1 z +
β
= z α−β−1 z − i z + i .
β 1 (7.35) α−β
z lim z α−1 z + dz = − u (1 − u)β du = − B , β+1
r→0 I1 z 2 0 2 2
Essa função pode possuir até três pontos singulares, a saber, em z = 0 e em z = ±i. O ponto z = 0 pode ser um polo se α − β − 1
e que
for um inteiro negativo e os pontos z = ±i podem ser polos se β for um inteiro negativo. Em geral, porém, esses três pontos
são pontos de ramificação43 . Escolhendo as linhas de ramificação paralelas ao eixo real negativo (indicadas em linhas tracejadas Z
1
β π
ei 2 (β−α) 1 (α−β)/2−1
Z
(7.35)
π
ei 2 (β−α)
α−β
na Figura 7.5), a função F será sempre (i.e., para todos α, β ∈ C) analı́tica no interior da região delimitada por Cr e em uma lim z α−1 z + dz = u (1 − u)β du = B , β+1 .
r→0 I2 z 2 0 2 2
vizinhança dessa curva.
Conclua que para todos α, β ∈ C e todo r ∈ (0, 1/2) vale 6. De (7.129) e dos demais resultados acima, estabeleça que para Re (α) > Re (β) > −1 vale
I I β
1 sen π2 (β − α)
Z π/2
F (z) dz = z α−1 z + dz = 0 . β α−β
z cos θ cos αθ dθ = − β+1
B , β+1 .
Cr Cr
0 2 2
42 Augustin Louis Cauchy (1789–1857). Essa é a relação (7.126). Como a integral do lado esquerdo não se altera com a troca α → −α, a relação é válida na região
43 O ponto z = 0 só não será singular se α − β ∈ N. Os pontos ±i só não serão singulares se β ∈ N0 . Essas afirmações são evidentes. |Re (α)| > Re (β) > −1.
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p
Por simetria, a integral acima será nula exceto se n1 + 2n2 + 3n3 for par. Como 2n2 + 2n3 é sempre um número par, é suficiente
i
impor-se que n1 + n3 seja par. Nesse caso, podemos escrever, tomando m ≡ (n1 + 2n2 + 3n3 )/2 ∈ N,
Z ∞ Z ∞ Z ∞
4 4 t=α4 x4 1 1 m 1 1 m
e−α4 x xn1 +2n2 +3n3 dx = 2 e−α4 x x2m dx = = 1+m e−t t 4 + 2 −1 dt = 1+m Γ + ,
−∞ 0 2α44 2 0 2α44 2 4 2
1
onde Γ é a Função Gama de Euler. Verifique que, assim, obtemos44
A ∞ −(n +2n +3n3 +1)/4
0
eα0 αn1 n2 n3
1 α2 α3 α4
1 2
ϕ
X n1 + 2n2 + 3n3 + 1
I(α0 , α1 , α2 , α3 , α4 ) = Γ . (7.132)
2 n1 , n2 , n3 = 0
n1 ! n2 ! n3 ! 4
0 1 n1 +n3 = par
−ϕ Uma variante dessa expressão será reencontrada no Exercı́cio E. 38.62, página 2048, que trata do cálculo de certas transformadas de
Fourier. 6
1
E. 7.29 Exercı́cio. Generalize (7.132) para integrais do tipo
2n−1
!
Z ∞ X
I(α0 , . . . , α2n ) := exp −α2n x2n + αk xk dx , (7.133)
−i q −∞ k=0
Tem-se, portanto,
Z π/2 β π 1
cos θ cos αθ dθ = α+β+2 β−α
(7.130)
2β (β − α) B
0 2
, 2
também na região |Re (α)| > Re (β) > −1. Essa é a relação (7.127).
8. Usando (7.48), mostre que
β−α α+β+2 β−α α+β+2 β−α+2
B , = (β + 1)B , .
2 2 2 2 2
Inserindo isso em (7.130), mostre também que
Z π/2
β π 1
cos θ cos αθ dθ = α+β+2 β−α+2
,
0 2β+1 (β + 1) B 2
, 2
na mesma região |Re (α)| > Re (β) > −1. Isso completa a demonstração de (7.128).
β
As relações (7.126)-(7.128) têm diversos usos. Elas podem ser usadas para a determinação da série de Fourier da função cos θ
(vide Exercı́cio E. 37.29, página 1937) e surgem na Fı́sica no cálculo de funções de dois pontos de teorias quânticas de campos escalares
livres e massivas no espaço-tempo de de Sitter. 6
E. 7.28 Exercı́cio dirigido. A função Gama de Euler pode ser usada para expressar integrais como
Z ∞
4
+α3 x3 +α2 x2 +α1 x1 +α0
I(α0 , α1 , α2 , α3 , α4 ) := e−α4 x dx , (7.131)
−∞
k
onde α4 > 0 e αk ∈ C, k = 0, . . . , 3. Expandindo cada fator eαk x , k = 1, . . . , 3, em sua série de Taylor centrada em x = 0, obtenha
∞
X αn 1 n2 n3 Z ∞
1 α2 α3 4
I(α0 , α1 , α2 , α3 , α4 ) = eα0 e−α4 x xn1 +2n2 +3n3 dx .
n ,n ,n =0
n 1 ! n2 ! n3 ! −∞
1 2 3
44 A relação (7.132) é apresentada em artigo da Wikipedia, sem demostração e referência. Agradecemos ao Prof. Fernando T. C. Brandt
4
Justifique a troca da ordem da integração pelas somas com base no rápido decaimento de e−α4 x quando |x| → ∞. por nos chamar a atenção para essa fórmula.